Educação em Direitos Humanos e Diversidades

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Educação em Direitos Humanos

e Diversidades

Organizadoras
Maria Aparecida Vieira de Melo
Maria Aparecida Cruz
Sara Ingrid Borba
Educação em Direitos Humanos
e Diversidades

Arapiraca/AL
2021
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE ALAGOAS CONSELHO EDITORIAL DO CENTRO PAULO
Reitor: Odilon Máximo de Morais FREIRE – ESTUDOS E PESQUISAS
Vice-Reitor: Anderson de Almeida Barros Agostinho da Silva Rosas – UPE
Diretor da Eduneal: Renildo Ribeiro e Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas.
Alder Júlio Ferreira Calado – FAFICA
CONSELHO EDITORIAL DA EDUNEAL e Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas.
Presidente: Renildo Ribeiro Ana Maria Saul – PUC/SP
Titulares e Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas.
Professores: Argentina da Silva Rosas – UFPE
José Lidemberg de Sousa Lopes e Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas.
João Ferreira da Silva Neto Balduino Antônio Andreola – UFRG
Luciano Henrique Gonçalves da Silva e Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas.
Natan Messias de Almeida Inez Maria Fornari de Souza
Maria Francisca Oliveira Santos – Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas.
Márcia Janaína Lima de Souza - Sistema de Bibliotecas Luiza Cortesão
(SIBI) Professora Emérita da Universidade do Porto, Presidente
do Instituto Paulo Freire de Portugal e Centro Paulo
Suplentes Freire – Estudos e Pesquisas.
José Adelson Lopes Peixoto Luiz Eduardo Maldonado Espitia – Universidad del
Edel Guilherme Silva Pontes Valle Cali Colombia
Maryny Dyellen Barbosa Alves Brandão e Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas.
Ariane Loudemila Silva de Albuquerque Mirian Patrícia Burgos - Centro Paulo Freire
Ahiranie Sales dos Santos Manzoni – Estudos e Pesquisas e Instituto Paulo Freire de Portugal.
Elisângela Dias de Carvalho Marques - Sistema de Zélia Maria Soares Jófili – UFRPE
Bibliotecas (SIBI) e Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas.

Catalogação na fonte
E24 Educação em Direitos Humanos e diversidade / (Organizadores) Maria Aparecida
Vieira de Melo, Maria Aparecida Cruz, Sara Ingrid Borba. – Arapiraca :
Eduneal ; Centro Paulo Freire, 2021.
87 p. : il. : color (e-book).

Inclui bibliografia.
ISBN: 978-65-87824-04-8.
DOI: 10.48016/GT10Xenccult

1. Direitos Humanos. 2. Educação. 3. Diversidade. 4. Saúde pública – Brasil.


I. Melo, Maria Aparecida Vieira de, org. II. Cruz, Maria Aparecida, org. III. Borba,
Sara Ingrid, org. IV. Encontro Científico Cultural.

CDU: 343.244
Elaborada por Fernanda Lins de Lima – CRB – 4/1717

Direitos desta edição reservados à


Eduneal- Editora da Universidade Estadual de Alagoas e ao Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas.
COMITÊ CIENTÍFICO
Dra. Maria Aparecida Vieira de Melo (UFRN)
Mestranda Maria Aparecida Cruz (IFPE)
Doutoranda Sara Ingrid Borba (FEPEC)
Dr. José Crisólogo de Sales Silva (UNEAL)

REVISORES CIENTÍFICOS
Prof. Me. Luciano Carlos Mendes de Freitas Filho (IFBA)
Profa. Me. Maria Aparecida Cruz (IFPE)
Prof. Dra. Maria Aparecida Vieira de Melo (UFRN)
Profa. Me. Sara Ingrid Borba (FEPEC/CEPA-AL)
Prof. Dra. Vera Lúcia Braga de Moura -SEC-PE)

MONITORES
Ricardo Antônio dos Santos – (UFPE)
Romário da Silva Almeida (UFPI)
Kátia Barbosa Feitosa – (UFPE)

Revisão ortográfica e ABNT


Kátia Barbosa Feitosa

Capa
Rima - Produção Editorial

Diagramação
Mariana Lessa
Sobre as Organizadoras
Maria Aparecida Vieira de Melo: Professora da UFRN; Professora Formadora pela
Universidade Aberta do Brasil/Universidade Federal Rural de Pernambuco. Diretora
Pedagógica do Centro Paulo Freire: estudos e pesquisas. Doutora em educação pela
Universidade Federal da Paraíba. Mestra em Educação, Culturas e identidades pela Fundação
Joaquim Nabuco/ UFRPE. Pedagoga pela UFRPE. E-mail: [email protected]
Contato: 81 9 97412658.

Maria Aparecida Cruz: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de PE/IFPE.


Professora/tutora pela Universidade Aberta do Brasil/IFPE. Especialista em Educação
Profissional Técnica. Pedagoga. [email protected]. Contato: 81 9 87715701

Sara Ingrid Borba: Professora da Rede Estadual de Alagoas. Professora na Pós-graduação


em Educação do Campo e Sustentabilidade/UNEAL. Mestra em educação pela UFPB,
doutoranda em Educação/UFPB Especialista em Educação do campo pela UFAL. Pedagoga.
[email protected]. Contato: 82 9 96266048.
Sumário
Prefácio........................................................................................................ 8

Apresentação................................................................................................ 9

1. Educação em direitos humanos no Brasil: o desafio de formar


o educador................................................................................................... 11
Elizabete Bezerra Patriota

2. Ação judicial na garantia ao direito fundamental à saúde no Brasil.........21


Emanuel Ferreira da Silva
Lucas Kayzan Barbosa da Silva
Nayle do Carmo Barbosa Izidório
Gilson Sales Albuquerque Cunha

3. Atitudes diante da morte: da antiguidade ao purgatório......................... 33


José Bartolomeu dos Santos Júnior
Manuela Xavier Ribeiro de Souza

4. Fomento à Educação em Direitos Humanos no âmbito do serviço público:


uma questão civilizatória............................................................................ 43
Nigel Stewart Neves Patriota Malta
Diego Carvalho Texeira

5. Práticas restaurativas na educação: a humanização na formação como


efetividade dos Direitos Humanos.............................................................. 49
Alessandra Maria Martins Gaidargi-Garutti
Valéria Jabur Maluf Mavuchian Lourenço

6. Um olhar antropológico sobre diversidade cultural numa escola estadual


de Salvador................................................................................................. 60
Sthella Laryssa Barros Loureiro Lima
7. Educação? Educações? A prática formativa e a educação não escolar...... 65
Maria Aparecida Vieira de Melo
Viviane de Bona
Ana Célia de Sousa Santos

8. A educação em direitos humanos na diversidade: reflexos da


contemporaneidade.....................................................................................77
Maria Aparecida Vieira de Melo
Maria Aparecida Cruz
Sara Ingrid Borba
Prefácio

A
participação no importante Encontro Científico e Cultural – ENCCULT – rendeu-
nos reelaborações importantes de nosso fazer pedagógico e de nossas práticas
sociais, possibilitando o encontro de vários pesquisadores nas mais diversas áreas
do conhecimento, reafirmando o papel dos espaços de conhecimentos científicos pautados
na disseminação dos saberes resultantes da relação das ciências no contexto social.
Aqui reunimos materiais textuais sobre o tema Educação em Direitos Humanos
e Diversidades, resultantes das produções apresentadas no GT 10 do ENCCULT 2020,
no qual os autores que compõem este livro tiveram a oportunidade de apresentar seus
estudos e pesquisas em váriados aspectos expressando as preocupações referentes ao
nosso contexto social e as relações imbricadas de negações de direitos. Sendo assim, obra
com temática necessária e urgente, convocando o sujeito individual e coletivo à defesa
das políticas públicas que garantem direitos conquistados, sobretudo, diante de um risco
iminência do esfacelamento dos processos democráticos resultante do golpe de 2016.
Também compõe o conjunto de textos, o do Grupo de Trabalho (GT) 18 – “Processos
formativos em espaços não escolares”, o qual faz jus aos processos educativos em espaços
não escolares assegurando a educação como direito.
Nesta obra, os artigos foram organizados de maneira que o leitor possa ir construindo
reflexões acerca dos Direitos Humanos e Educação. Para início de conversa, o primeiro
artigo traz a palavra das organizadoras do GT 10 com o intuito de instigar a discussão
ao leitor, oportunizando um alerta para questões atualíssimas advindas das experiências
sociais individuais e coletivas em que viver é algo desafiador, perigoso e que exige coragem
aos enfrentamentos, bem como nos alerta Paulo Freire ressoando que é preciso ousadia,
coragem e, sobretudo, o esperançar. O que não se dá na individualidade, mas na coletividade
e nas relações que nela ocorrem.
Entre os muitos desafios que a população brasileira precisa enfrentar, a luta por seus
direitos garantidos na Constituição Federal de 1988 representa lutar por uma sociedade mais
justa, igualitária e esse livro é isto: um grito que anuncia e denuncia a tomada de direitos,
mas em contraposição as relações de poder que se vivem na sociedade brasileira, representa
também o não silenciamento, a resistência, a voz dos excluídos que clamam e ocupam espaços
de possibilidade de assunção enquanto sujeitos críticos e ávidos por mudança. Portanto, o
ENCCULT, o GT 10 e GT 18 neste livro cumprem de forma humilde, o dever de promover
espaços de diálogo para construir um mundo melhor e mais humano.

Profa Ma Sara Ingrid Borba


Apresentação

E
m 2020 vivemos um ano atípico da realidade universal com a Pandemia da Covid-19.
Acontecimento que explicitou a desigualdade social estrutural no mundo de modo
geral e no Brasil em particular. Razão pela qual os direitos humanos de forma genérica
foram acometidos por negligências, violências e abusos. A educação, no entanto, é crucial
para conter todas as formas que violam a promoção dos direitos humanos. Por isso que no X
Encontro Científico e Cultural propomos o Grupo de Trabalho (GT): Educação em Direitos
Humanos e Diversidades.
O respectivo GT foi sistematizado com rodas de diálogo e apresentação de trabalhos.
Tivemos uma expressiva participação, tanto nas rodas quanto nos trabalhos. Os quais se
encontram aqui reunidos para que mais pessoas possam ter acesso ao conhecimento sobre
o campo da Educação em Direitos Humanos e diversidade.
Desse modo, Elizabete Bezerra Patriota nos traz uma reflexão epistemológica sobre a
Educação em direitos humanos no Brasil: o desafio de formar o educador. Esta reflexão nos
propõe adentrar no discurso jurídico enunciativo sobre os Direitos Humanos no campo da
Educação, sobretudo, no que concerne à formação do educador, isto é, explicita a necessidade
de termos no processo formativo inicial e continuado a preocupação e ocupação em fomentar
os conhecimentos sobre a educação em Direitos Humanos para os educadores.
Os autores: Emanuel Ferreira da Silva; Lucas Kayzan Barbosa da Silva; Nayle do
Carmo Barbosa Izidório e Gilson Sales Albuquerque Cunha abordaram sobre a Ação judicial
na garantia ao direito fundamental à saúde no Brasil. Problematizaram a saúde enquanto
direito fundamental, motivo pelo qual a educação é importante para que os sujeitos tenham
conhecimentos de seus direitos e possam, desta forma, lutar por eles, sobretudo o da saúde.
A reflexão epistemológica sobre Atitudes diante da morte: da antiguidade ao purgatório
dos autores José Bartolomeu dos Santos Júnior e Manuela Xavier Ribeiro de Souza,
sistematizaram o processo histórico dos Direitos Humanos no que concerne à manifestação
das crenças e rituais, entre eles o ritual da morte, ou seja, a separação.
Para pensarmos sobre o serviço público, os autores Nigel Stewart Neves Patriota Malta
e Diego Carvalho Texeira, dialogam sobre o Fomento à Educação em Direitos Humanos no
âmbito do serviço público: uma questão civilizatória. Abordagem permeada pela educação
do processo civilizatório com ênfase na atuação dos servidores públicos e sua prestação de
serviço aos usuários.
Uma atuação restaurativa no campo da educação é uma prática que vem sendo
assinalada pelas autoras: Alessandra Maria Martins Gaidargi-Garutti eValéria Jabur Maluf
Mavuchian Lourenço, refletindo sobre Práticas restaurativas na educação: a humanização na
Educação em Direitos Humanos e Diversidades
Maria Aparecida Vieira de Melo | Maria Aparecida Cruz | Sara Ingrid Borba (Organizadoras)

formação como efetividade dos Direitos Humanos, dando ênfase à categoria de humanização
na perspectiva freiriana. De tal modo, defendem os direitos humanos na promoção de
práticas restaurativas que permeiam a socialização entre os pares, combatendo os conflitos
entre os seres humanos.
Um olhar antropológico sobre diversidade cultural numa escola estadual de Salvador
de autoria de Sthella Laryssa Barros Loureiro Lima promove uma escansão no enunciado da
diversidade cultural em um território específico, ou seja, na escola estadual de Salvador. A
autora se propôs a refletir sobre práticas cotidianas de relações entre as pessoas permeadas
pelos preconceitos e discriminações, assinalando a importância do respeito, valorização e
reconhecimento da diversidade cultural no âmbito escolar.
Educação? Educações? A prática formativa e a educação não escolar de autoria de
Viviane de Bona, Maria Aparecida Vieira de Melo e Ana Célia de Sousa Santos apontam
os processos formativos em espaços não escolares como ambientes que proporcionam
a educação de modo geral e os direitos humanos em particular, pois o grupo de trabalho
Processos Formativos em Espaços Não Escolares foi crucial para acalorar a discussão e
promover, assim, conhecimentos aos sujeitos de direito.
No que concerne às reflexões sobre A educação em direitos humanos na diversidade:
reflexos da contemporaneidade de autoria de Maria Aparecida Vieira de Melo, Maria
Aparecida Cruz e Sara Ingrid Borba, trouxeram aportes sobre as tecnologias digitais da
informação e comunicação (TDICS) como propulsora do direito à educação, logo da educação
em direitos humanos. Devido a Covid-19 ficou evidente o suporte pedagógico que TDCIS
assumem para o fomento da educação nos dias de hoje.
São tais reflexões que permeiam o GT 10, assim como o GT 18, o qual promove análises
sobre a educação em direitos humanos e diversidade na contemporaneidade. Assim, o
convidamos para penetrar nos escritos que apontam a realidade como se apresenta em sua
complexidade mediada pelas TDICS.

Maria Aparecida Vieira de Melo


Maria Aparecida Cruz
Sara Ingrid Borba

10
1

Educação em direitos humanos no Brasil: o desafio de


formar o educador1
Elizabete Bezerra Patriota(1)

(1)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7836-5312. Pedagoga do Instituto Federal de Alagoas e professora da
Rede Pública Estadual; Advogada e Mestra em Direitos Humanos pela Unit.

Introdução

Há um reconhecimento geral de que a educação brasileira passa a existir, do ponto


de vista formal2, a partir de 1549 com a presença dos jesuítas no Brasil. (Saviani, 2007).
Desde os seus primórdios, entretanto, ela sempre foi considerada como um bem destinado a
poucos, constituindo-se verdadeiro privilégio dos bem nascidos e postos socialmente.
A ideia de educação como direito de todos os cidadãos e cidadãs suplantando a realidade
da educação como privilégio contra a qual lutou bravamente o saudoso Anísio Teixeira
(1971), resulta de lutas históricas em busca de uma sociedade mais justa e democrática. O
desiderato constitucional de uma educação como direitos de todos3 os brasileiros jamais
foram alcançados no Brasil, segundo registra a historiografia da educação brasileira. A
distribuição do conhecimento ocorreu ao longo do tempo seletivamente, reproduzindo as
abissais desigualdades entre as classes sociais brasileiras, consolidando a injustiça estrutural
que a caracteriza desde suas origens.
Como corolário do reconhecimento da educação como direito, surge a obrigação
do Estado de oportunizar condições e garantia de acesso a todas e todos. Mais do que um
direito social, a educação é um direito humano por meio do qual a pessoa poderá conhecer e
usufruir dos demais direitos humanos e de outros direitos de cidadania, portanto.
Educação e direitos humanos se relacionam e inter-relacionam desde sempre. Não
obstante figurar como direito de todos os brasileiros e brasileiras na Constituição Federal de
1988 e ser reafirmado em legislação infraconstitucional4. O desiderato constitucional e legal
de uma educação para todos e todas jamais foi efetivado, uma vez que o acesso à educação,
no país sempre se deu seletivamente (TEIXEIRA, 1971).

1
DOI: 10.48016/GT10Xenccultcap1
2
Ao registrar a formalidade, não se ignora a educação indígena, cuja tradição se dava via oralidade e em sua
própria língua.
3
Constituição Federal de 1988, art. 205.
4
Lei 9394/96 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Educação em Direitos Humanos e Diversidades
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Com o fim da Ditadura Militar e o processo de redemocratização do país que


culminou com a promulgação da Constituição de 1988, depois de um intenso, vibrante e
participativo processo constituinte, várias leis foram aprovadas, com vistas a reconhecer
direitos humanos, alçando esses direitos a princípio fundadores do Estado brasileiro.
É nesse caldeirão de resistência ao arbítrio e de efervescência política que a educação
em direitos humanos surge como exigência dos movimentos sociais, que a reivindicavam
como direito e não como favor do Estado brasileiro. Das reivindicações iniciais à política
pública reconhecida oficialmente, a educação em direitos humanos enfrenta, atualmente,
o desafio de tornar-se realidade vivenciada no cotidiano pedagógico da escola e, para isso,
requer alguém que lhe dê voz, daí a inabdicável necessidade de formação de professores em
direitos humanos.
Eis a que se propõe esse artigo: analisar, ainda que brevemente, os desafios postos
à efetividade da educação em direitos humanos na escola, considerando a perspectiva da
formação do professor.

Da resistência à formalidade

Apesar de o Brasil ter sido um dos países signatários da Declaração Universal dos
Direitos Humanos em 1948, bem como ter ratificado vários Pactos Internacionais que
impunham a necessidade de respeito, proteção e promoção dos direitos humanos no
ordenamento brasileiro, não escapou de vivenciar a amarga experiência de uma Ditadura
Militar (1964-1984) que não poupou do exílio, da tortura e da morte aqueles que a ela
se contrapunham. Esse fato por si demonstra que a existência de documentos formais, a
exemplo de Pactos Internacionais e Declarações – ainda que de cunho universalista – não
garantem por si, a realização prática dos ideais que encerram.
Os movimentos sociais que resistiram lutando contra a arbitrariedade do regime
militar denunciavam os abusos, as torturas, os desaparecimentos e as mortes passaram,
na década de 80, a reivindicar uma educação que tivesse como fundamento os direitos
humanos. Segundo Zenaide, “A Educação em Direitos Humanos, no Brasil assim como
na América Latina, surgiu no contexto das lutas sociais e populares como estratégia de
resistência cultural às violações aos direitos humanos e como fundamento para o processo
emancipador de conquista e criação de direitos”. (2007, p. 19).
Para que o ideário dos direitos humanos seja assimilado como elemento constitutivo
da cultura brasileira, é essencial que o mesmo esteja profundamente vinculado à formação
do sujeito, ou seja, é essencial que as ideias, os valores, os saberes, os sentimentos que
constituam esse ideário estejam presentes no processo educacional do (a) cidadão (ã).
É imperativo, pois, que haja uma educação em direitos humanos e uma educação para
os direitos humanos, que considere o sujeito como a centralidade da aprendizagem, que
se deve dar a partir do diálogo, do questionamento crítico, do respeito às diferenças, da
solidariedade, da liberdade e da busca pela superação da opressão.
A incorporação da ideia de direitos humanos e do seu reconhecimento como valor
jurídico relevante para o país é explicitada no ordenamento jurídico brasileiro de modo
contundente no artigo 4º, II da Constituição Federal de 1988, tornando tais direitos
princípio constitucional. Outra demonstração que não deixa dúvida acerca da natureza

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Educação em Direitos Humanos e Diversidades
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do Estado brasileiro é o reconhecimento da dignidade humana e a sua afirmação como


fundamento da República.
Após a promulgação da Constituição, os direitos humanos passam a compor o
arcabouço legislativo do país inspirando Leis, Instruções Normativas, Resoluções, enfim,
servindo de diretriz norteadora ou fundamento. A ideia de direitos humanos também serviu
de inspiração à elaboração de Planos institucionais, que se destinavam a operacionalizar as
políticas públicas, caso do Plano Nacional de Educação – PNE.
A iniciativa governamental em elaborar e aprovar o Programa Nacional de Direitos
Humanos (PNDH), em 1996, constituiu-se o primeiro passo institucional em direção
à Educação em Direitos Humanos. O PNDH I recomendava, dentre suas linhas de ação,
a implantação do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos para atender ao
compromisso assumido pelo Brasil com as Nações Unidas, por ocasião da Década da
Educação em Direitos Humanos que vigorou entre 1994/2004. Apesar de o PNDH I ter sido
elaborado e aprovado em 1996, apenas em 2003 foi criado o Comitê Nacional de Educação
em Direitos Humanos, cuja atribuição mais importante era a de elaborar o Plano Nacional
de Educação em Direitos Humanos, o PNEDH.
Fazendo ainda parte do processo de criação de mecanismos que tivessem como escopo
garantir a promoção, proteção e defesa dos direitos humanos no conjunto das instituições
nacionais, foi elaborado como decorrência do PNE, o Plano Nacional de Educação em
Direitos Humanos, o PNEDH, que tem como imperativo ético a criação de uma cultura em
direitos humanos, bem como de meios para implantar ações que promovam a sua defesa e
proteção. Uma dessas ações mais relevantes com vistas à implantação da política pública
de educação em direitos humanos, sem nenhuma dúvida, é a formação de profissionais da
educação em direitos humanos. O espírito que animou a elaboração do PNEDH é no sentido
do que afirma Candau:

[...] Não se trata de apenas socializar o conhecimento relativo aos Direitos


Humanos. Em outros termos, não basta conhecer, é preciso incorporar
esse conhecimento, transformado em modo de ver e refletir sobre a vida
e a sociedade. Transformado em modo de estar no mundo. Nesse sentido,
a Educação em Direitos Humanos visa não apenas acrescentar aos (as)
educadores (as) novos conteúdos/temas à formação específica preexistente
como dissemos. Trata-se, rigorosamente, de formar educadores e educadoras
que submetam seu conhecimento específico, suas práticas e formas de relação
- com alunos (as) colegas, famílias etc. – à matriz desses direitos. Portanto,
estamos falando de um conhecimento que passa pelo cérebro, mas deve
invadir o coração, provocando uma relação intelectual e ao mesmo tempo
amorosa com ele. Insistimos nesta incorporação por uma razão tão simples
quanto definitiva: sem ela não há educadores (as) em direitos humanos.
(2013, p. 86)

Para substituir, no inconsciente coletivo da população, a mentalidade da violência


e do autoritarismo, por parte das classes que detêm o poder, como também modificar a
conduta da subserviência e da aceitação tácita das violações das classes subalternizadas, é
imprescindível uma cultura de direitos humanos, por meio da qual se possa aspirar a uma
sociedade democrática e cidadã, por isso, justa e solidária.

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Educação em Direitos Humanos e Diversidades
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A ocorrência persistente de tais violações ainda tão presentes na sociedade brasileira


vitimando, sobretudo, os socialmente mais vulneráveis exigem, com a máxima urgência, não
mais apenas a denúncia e a busca da responsabilização penal e civil daqueles que violam,
mas, concomitantemente, a adoção de alternativas que possa instaurar uma nova cultura, a
cultura de direitos humanos como substitutiva da cultura de violência e violações.
Não é possível a superação de uma cultura de violação a uma cultura de direitos
humanos sem um processo educacional comprometido politicamente com os valores que
sustentam esse ideário. É necessário um projeto de educação que tenha como princípio
fundante o respeito à dignidade humana e o compromisso ético com as liberdades. Essa
educação não pode ser qualquer uma e não se dá de qualquer jeito. Ela está para muito além
da transmissão/transferência de conhecimento, ela remete à alteridade, à solidariedade, ao
respeito às diferenças, à superação das desigualdades e à paz.
Nessa perspectiva, assinala Maria Victoria Benevides (1998):

[...] a educação para a cidadania democrática consiste na formação de


uma consciência ética que inclui tanto sentimento como a razão; passa
pela conquista de corações e mentes, no sentido de mudar mentalidades,
combater preconceitos, discriminações e enraizar hábitos e atitudes de
reconhecimento da dignidade de todos, sejam diferentes ou divergentes;
passa pelo aprendizado da cooperação ativa e da subordinação do interesse
pessoal ou de um grupo ao interesse geral, ao bem comum.

Somente por meio de uma educação em direitos humanos, que se destine a favorecer
a elaboração de uma cultura de paz, de solidariedade e de respeito, é que se pode vislumbrar
uma cultura em direitos humanos. Tecer essa cultura de forma sistemática exige, em nossa
sociedade, a contribuição da escola e de seus agentes. Para isso, constitui-se exigência ética,
técnica e política inabdicável, a formação e capacitação de profissionais que irão exercer o
magistério, em uma cultura de direitos humanos. É imprescindível que os professores, a
quem vai caber a responsabilidade de educar as próximas gerações, tenham acesso a uma
cultura de direitos humanos, para que, assim, possam também eles, ser multiplicadores
dessa cultura, considerando o que Flores (2009, p. 101-102) destaca:

Trabalhar com e para os direitos humanos pressupõe, pois, ir contra a ‘banalização das
desigualdades e injustiças globais’ que um pensamento descompromissado e acrítico
defende. Lutar contra essa banalização é o principal desafio com que nós, comprometidos
teórica e praticamente com os direitos humanos, nos deparamos. Aí reside a ‘função social do
conhecimento’, sobretudo de um conhecimento que não esquece nem inviabiliza as condições
em que se situa e as que pretende transformar.

Como elemento fundamental à criação e mesmo à difusão de uma nova cultura em


direitos humanos, o professor tem que estar sintonizado com o que instrumentaliza essa
cultura para que, dessa maneira, torne-se um de seus mais privilegiados interlocutores e
difusores. A partir desse pressuposto, é impossível a implementação e a difusão de uma
cultura em direitos humanos sem a participação de professores. São eles os interlocutores
privilegiados das novas gerações em qualquer sociedade, por isso, voltar o olhar à formação
desse sujeito, constitui-se tarefa impostergável. É o professor o profissional mais diretamente
responsável pela formação dos novos sujeitos, desses sujeitos que o Estado brasileiro chama

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Educação em Direitos Humanos e Diversidades
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de cidadãos. No que tange à necessidade de se formar cidadãos (ãs) em uma perspectiva de


direitos humanos, assim se explicita o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos:

O processo de construção da concepção de uma cidadania planetária e do


exercício da cidadania ativa requer, necessariamente, a formação de cidadãos
(ãs) conscientes de seus direitos e deveres, protagonistas da materialidade
das normas e pactos que os (as) protegem, reconhecendo o princípio
normativo da dignidade humana, englobando a solidariedade internacional
e o compromisso com outros povos e nações. Além disso, propõe a formação
de cada cidadão (ã) como sujeito de direitos, capaz de exercitar o controle
democrático das ações do Estado. (BRASIL, 2009 p. 23).

Da formalidade à prática escolar

Como já foi assinalado, o Estado brasileiro, com vistas a fomentar uma cultura de
direitos humanos, elaborou e aprovou inúmeros documentos que contribuíssem com a
elaboração dessa nova cultura. Dentre inúmeros documentos aprovou por meio do Conselho
Nacional de Educação, no dia 30 de maio de 2012, a Resolução 01/12, que determina às
instituições formadoras contemplar, em todos os cursos de formação em nível de Graduação,
a temática dos direitos humanos, que se pode dar de forma transversal ou como conteúdo
de disciplina já existente na Matriz Curricular de quaisquer cursos de graduação, à exceção
dos cursos de Licenciaturas.
Em relação aos cursos de formação de professores, entretanto, a supramencionada
Resolução determina a obrigatoriedade (grifo meu) não enquanto tema transversal ou
como um conteúdo dentre muitos no transcorrer de uma matéria, mas como componente
curricular obrigatório, como vaticina seu Art. 8º: “A Educação em Direitos Humanos deverá
orientar a formação inicial e continuada de todos (as) os (as) profissionais da educação,
sendo componente curricular obrigatório nos cursos destinados a esses profissionais”.
(BRASIL, 2012).
A história dos direitos humanos, em qualquer parte do mundo, nunca foi linear e
traz inexoravelmente as vicissitudes que marcam os sujeitos sociais. Da mesma maneira, a
história da Educação em Direitos Humanos, no Brasil, é marcada pelos avanços e recuos da
sociedade brasileira e tem íntima e inafastável vinculação com os movimentos de direitos
humanos no país, razão pela qual, não há como fazer qualquer reflexão sobre essa educação
no Brasil apartada da própria história dos direitos humanos.
É inegável que um projeto de desconstrução de uma velha cultura e a construção de
uma nova cultura, a cultura dos direitos humanos, requer esforços múltiplos e de várias
instituições. Obviamente, não é apenas a escola a única responsável pelo processo de
desconstrução de uma cultura de desconhecimento e violação dos direitos humanos e nem
mesmo o elemento garantidor de êxito desse processo, mas não há como, em função da
peculiaridade de que se reveste negar a importância do seu papel e da sua contribuição.
A determinação do CNE contribui para dotar as instituições formadoras de condições
de exigibilidade de uma educação em direitos humanos, como condição sine qua non para
se elaborar a cultura em direitos humanos e, assim, cumprir o desiderato legal estatuído
constitucional e infraconstitucionalmente. A educação em direitos humanos tem conteúdos

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Educação em Direitos Humanos e Diversidades
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específicos e requer metodologias próprias. Seu objetivo primordial é a autonomia do sujeito


com vistas à transformação social, por isso se baseia em princípios como dignidade humana,
igualdade de direitos, reconhecimento e valorização das diferenças e da diversidade,
laicidade do Estado, democracia na educação, transversalidade, vivência e globalidade, e
sustentabilidade ambiental, dentre outros. (BRASIL, 2012)
A educação, mesmo em nível superior tal como vem ocorrendo, não tem dado conta
de formar o cidadão na perspectiva ética apontada que conduz à harmonia e à pacificação
social aventada pela legislação e pelas múltiplas teorias educacionais. A escolarização
do indivíduo e das coletividades não tem o condão de garantir que a formação se dê na
perspectiva libertadora e crítica. A escola enquanto instituição nascida sob a égide dos
valores burgueses não se constituirá espaço de emancipação e formação de consciência
crítica e cidadã se nela e por meio dela, não circularem valores éticos, humanistas, de
respeito, solidariedade e de paz.
A respeito da importância da escola e do papel que ela cumpre na sociedade,
principalmente no processo de instauração da cultura em direitos humanos, o Plano Nacional
de Educação em Direitos Humanos – PNEDH – pontua:

Não é apenas na escola que se produz e reproduz o conhecimento, mas é nela


que esse saber aparece sistematizado e codificado. Ela é um espaço social
privilegiado onde se definem a ação institucional pedagógica e a prática e
vivência dos direitos humanos. Nas sociedades contemporâneas, a escola
é local de estruturação de concepções de mundo e de consciência social,
de circulação e de consolidação de valores, de promoção da diversidade
cultural, da formação para a cidadania, de constituição de sujeitos sociais
e de desenvolvimento de práticas pedagógicas. O processo formativo
pressupõe o reconhecimento da pluralidade e da alteridade, condições
básicas da liberdade para o exercício da crítica, da criatividade, do debate
de ideias e para o reconhecimento, respeito, promoção e valorização da
diversidade. Para que esse processo ocorra e a escola possa contribuir para a
educação em direitos humanos, é importante garantir dignidade, igualdade
de oportunidades, exercício da participação e da autonomia aos membros da
comunidade escolar.

Ainda sobre a relevância inabdicável da escola nesse processo, afirma Candau, 2013:
“É nela, portanto, que os primeiros exercícios de cidadania vão acontecer por meio dos
professores que lhe dão voz, que forjam nas pessoas os valores e princípios que lhes servirão
de base na vida”. Eis a razão fundamental que demonstra a necessidade impostergável dos
professores e daqueles que pretendem ingressar na carreira do magistério de uma formação
consistente em uma Educação em e para os Direitos Humanos.
A compreensão a respeito da importância da escola em um processo de Educação em
Direitos Humanos está assentada no próprio conceito do que se constitui a EDH, tal como
posto pelo PNEDH como sendo

[...] um processo sistemático e multidimensional orientador da formação


integral dos sujeitos de direitos que tem como objetivo maior a formação
para a vida e para a convivência, no exercício cotidiano dos Direitos Humanos
como forma de vida e de organização social, política, econômica e cultural nos

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Educação em Direitos Humanos e Diversidades
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níveis regionais, nacionais e planetário, bem como promover a elaboração e a


socialização de uma cultura em direitos humanos.

Do ponto de vista formal, são indubitáveis os esforços do Brasil com vistas a


assegurar a EDH aos cidadãos (ãs) brasileiros (as). O desafio que se coloca, atualmente, é
fazer com que a letra da lei vire realidade prática, se concretize no cotidiano de milhares
de alunos matriculados nos inúmeros cursos de Licenciaturas espalhados Brasil a fora.
Mesmo porque o acesso a uma Educação em Direitos Humanos não é apenas direito desses
professores em formação, mas das futuras gerações pelas quais serão eles os responsáveis
por formar, por educar.

Conclusão

A Educação em Direitos Humanos constitui-se direito dos jovens que aspiram à


carreira do magistério e das futuras gerações, entretanto, numa contradição atroz, tal direito
vem sendo sistematicamente violado pelas instituições formadoras, pois estas têm ignorado
a norma mandatória do Conselho Nacional de Educação (CNE), pois não se verifica um
esforço em adequar seus Projetos de Cursos, principalmente os cursos de Licenciaturas
à exigência normativa de contemplar a formação dos futuros professores em Direitos
Humanos nos termos em que a norma vaticina: com um componente curricular específico,
para que, desse modo, esses licenciandos tenham acesso à temática dos Direitos Humanos
com a abordagem teórica, principiológica, conceitual e metodológica que necessitam.
A necessidade de um componente específico para os Direitos Humanos nos cursos de
formação de professores (as) diz respeito ao cuidado em relação à vasta temática abrangida
pelos Direitos Humanos, pois sendo tão ampla e possuindo uma natureza tão generalista,
tem o risco de se perder em sua própria generalidade, correndo, inclusive, o risco de
descaracterizar-se. Sobre o sentido de educar em direitos humanos, Candau (2007) pondera:

trata das polissemias possíveis, como a que ocorre com a possibilidade


de reduzir a educação em direitos humanos à uma educação para valores,
esvaziando o campo de sua dimensão política. Do mesmo modo, é preciso
evitar que o campo não englobe temas que, sendo correlatos e mesmo
indispensáveis para a formação da cidadania ou para a compreensão da
sociedade, possam descaracterizar a educação em direitos humanos na
medida em que a tornam tão ampla que venha a perder a sua especificidade.

A resistência à implementação da norma mandatória do CNE tem explicação na


mentalidade conservadora, preconceituosa, classista e discriminatória de grande parte da
sociedade brasileira, que tem raízes profundas na desigualdade. Como último país a abolir
a escravidão e pela exiguidade de tempo histórico que nos distancia – apenas 132 anos – a
sociedade brasileira ainda não elaborou uma cultura baseada nos valores que sustentam a
ideia de Direitos Humanos. É preciso reconhecer que parcela significativa da nossa sociedade
não assimilou a ideia de que “os seres humanos nascem livres e iguais”. A escravidão
negra recentemente abolida em 1888 deixou sequelas profundas que são alimentadas por
um sistema quase oculto de preconceito e discriminação. Esse sentimento é explicável
historicamente: como último país a abolir a escravidão (PINSKY, 2003), as desigualdades

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Educação em Direitos Humanos e Diversidades
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sociais no Brasil ainda são resultado desse processo histórico recente, cuja superação parece
precisar de longo tempo ainda e de muitas ações políticas, com vistas a tornar esse passado
cada vez mais distante do presente.
É por isso que a ojeriza e a repulsa demonstradas em relação aos direitos humanos,
existentes em setores da nossa sociedade são explicáveis à luz de uma política excludente e
discriminatória geradora das profundas desigualdades que demarcam uma distância abissal
entre as classes populares e as classes mais abastadas.
Nessa perspectiva, como coloca Candau (2013), é imperativo educar para o nunca
mais. Isto porque, não há outro caminho senão o da educação para a desconstrução de uma
cultura e a elaboração de uma nova cultura baseada no respeito e na defesa dos Direitos
Humanos. Promover situações pedagógicas que oportunizem a reflexão sobre os valores,
sentimentos e condutas daqueles que serão responsáveis pela formação das novas gerações,
com vistas à transformação, é o caminho mais seguro para se alcançar esse objetivo.
Nada se efetiva no processo educativo que não encontre eco nas consciências e nos
corações dos sujeitos responsáveis por efetivar o ato educativo formal. Eis a razão da urgência
da formação de professores em Direitos Humanos, lembrando o que diz Flores (2009): “Os
direitos humanos, mais que ‘direitos propriamente ditos’ são processos, ou seja, resultado
sempre provisório das lutas que os seres humanos colocam em prática para ter acesso aos
bens necessários para a vida...”
Promover esse processo, entretanto, não é um desafio pequeno nem simples, mas
é urgente, tendo em vista os desafios que cotidianamente permeiam a prática educativa,
sobretudo nos tempos atuais. É desse modo que a educação se constitui uma aposta.
Uma aposta em um futuro, que será tanto melhor, mais justo, fraterno e solidário quanto
formos capazes de assim construí-lo em comunhão com todos que partilham a aventura de
responsabilizar-se por outros, com todos que partilham o encanto de educar, pois não há
como olvidar que a Educação em Direitos Humanos tem por escopo principal uma formação
ética, crítica e política.
O processo de efetivação da Educação em Direitos Humanos nos exatos termos da
Resolução 01/12 é resultado de determinação administrativa como fruto do compromisso
político de gestores e agentes públicos. Em relação a esse aspecto, Silva e Tavares pontuam:

os avanços propostos só poderão consolidar-se à medida que as instituições


universitárias assumam nos seus projetos político-pedagógicos os direitos
humanos como princípio e eixo orientador das ações formativas. É necessário
que essas instituições se comprometam com a causa e os incorporem como
conteúdo curricular nos cursos de ensino superior, nas linhas de pesquisa e
nas ações de extensão. (2010, p. 122)

A referida Resolução 01/12, tal como outros instrumentos legislativos, ainda


não conseguiu ser assimilada e incorporada pelas instituições de formação superior,
principalmente aquelas de formação de professores, como constata recente pesquisa sobre a
efetivação desse direito no âmbito do Instituto Federal de Educação de Alagoas. Não obstante
08 anos de existência no plano jurídico-formal da Educação Nacional, a Resolução 01/12
continua sendo uma ilustre desconhecida daqueles a quem ela se destina: os professores e
alunos dos cursos de licenciaturas.

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Educação em Direitos Humanos e Diversidades
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A indiferença institucional é preocupante, pois sinaliza a petrificação da cultura


violadora e a manutenção da mentalidade subalternizada das classes mais vulneráveis
econômica e socialmente, por isso, oprimidas, pior do que isso: a inércia das instituições e a
omissão delas no processo de promoverem uma educação libertadora constituem verdadeiro
crime, pois, retiram dessas classes talvez a única chance que elas têm de construírem
alternativas de libertação rumo à sua emancipação. E, para esse crime, não há perdão.

Referências

1. BENEVIDES, Maria Victória M. Fé na luta. São Paulo: Leterra, 2009 P. 158 da UFPB
Democracia de iguais, mas diferentes (1998).

2. BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil: Brasília, Senado


Federal, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
constituicaocompilado.htm. Acesso em: 07 de setembro de 2020.

3. ________, Programa Mundial de Educação. Ministério da Educação. Brasília,


2012.

4. ________, Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília:


SEDH-PR-MEC-MJ-UNESCO, 2009.

5. ________, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: http://


www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm> Acesso em: 09 de setembro de 2020.

6. CANDAU, Vera Maria. Educação em Direitos Humanos e formação de


professores (as). São Paulo: Cortez, 2013.

7. _______. Educação em direitos humanos: desafios atuais. In: SILVEIRA, Rosa


Maria Godoy et al. Educação em Direitos Humanos: Fundamentos Teórico-
Metodológicos. João Pessoa: Editora Universitária, 2007, p. 399-412.

8. FLORES. J. Herrera. A (re) invenção dos direitos humanos. Florianópolis:


Boiteux, 2009.

9. ________. Joaquin Herrera. Teoria crítica dos direitos humanos: os direitos


humanos como produtos culturais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

10. PINSKY, Jaime. História da Cidadania. São Paulo: Contexto, 2003.

11. SAVIANI, Demerval. História das idéias pedagógicas no Brasil. Campinas:


Autores Associados, 2007.

12. SILVA, Aída Maria Monteiro; TAVARES, Celma. Políticas e fundamentos da


educação em direitos humanos. São Paulo: Cortez, 2010.

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13. TEIXEIRA, Anísio Spínola. Educação não é privilégio, 3ª ed. Rio de Janeiro,
Editora da UFRJ, 1971.

14. ZENAIDE, M. N. T. Introdução. In: SILVEIRA, Rosa Maria Godoy et al. Educação
em Direitos Humanos: Fundamentos Teórico-Metodológicos. João Pessoa: Editora
Universitária, 2007, p. 15-23.

20
2

Ação judicial na garantia ao direito fundamental à saúde


no Brasil1
Emanuel Ferreira da Silva(1); Lucas Kayzan Barbosa da Silva (2); Nayle do Carmo Barbosa Izidório(3);
Gilson Sales Albuquerque Cunha (4)

(1)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6177-3520. Graduando em Direito pela Universidade Estadual de
Alagoas (UNEAL); Arapiraca, Alagoas; Brasil. E-mail: [email protected];
(2)
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0081-1068, Mestre em Enfermagem pela Universidade Federal
de Alagoas e graduando em Direito pela Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL); Arapiraca, Alagoas;
Brasil. E-mail: [email protected];
(3)
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7772-7126. Graduanda em Direito pela Universidade Estadual de
Alagoas (UNEAL); Jaramataia, Alagoas; Brasil. E-mail: [email protected];
(4)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7054-7672, Mestre em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco
e Doutorando em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, docente da Universidade Estadual de
Alagoas (UNEAL); Arapiraca, Alagoas; Brasil. E-mail: [email protected].

ABSTRACT: The right to health is on the list of fundamental rights in Brazil, especially since the Federal
Constitution of 1988, the so-called citizen constitution; however, access to this right, in certain cases, has been
based on lawsuits. This paper aims to analyze the legal action in guaranteeing the fundamental right to health
in Brazil. An integrative literature review was carried out from the Digital Bank of Theses and Dissertations
(DBTD), identifying seven studies in the period from 2010 to 2020 about the object. The results showed that
the production, still recent, has pointed out a positive view about the judicial action for the realization of the
right to health, despite some necessary adjustments such as greater knowledge of the judicial service about
health policies, in order to prevent contradictions. in effecting this right. It is concluded that the judicial action
in the scenario in which it has been used has been an effective instrument to guarantee this right.

KEY-WORDS: Constitutional Law, Access to health, Judicialization of health.

Introdução

O direito à saúde está no rol dos direitos fundamentais no Brasil, sobretudo a partir
da Constituição Federal de 1988, a chamada constituição cidadã, bem como em dispositivos
internacionais como a Organização Mundial de Saúde (OMS). Esse processo é imprescindível
para construção de ordens jurídicas democráticas. Contudo, o acesso a esse direito, em
certos casos, tem se dado a partir de ações judiciais, em virtude da incapacidade dos demais
poderes efetivarem o direito fundamental à saúde (STRECK, 2016).
É evidente a dificuldade que existe para a garantia do direito fundamental à saúde
quando se considerava a amplitude da significação do termo saúde e a complexidade da
expressão direito à saúde. Contudo, “não basta apenas declarar que todos têm direito à
saúde; é indispensável que a Constituição organize os poderes do Estado e a vida social

1
DOI: 10.48016/GT10Xenccultcap2
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de forma a assegurar a cada pessoa o seu direito.” (DALLARI, 1988, p. 60). Assim, nota-
se um expressivo número de reivindicações judiciais do direito aos cuidados de saúde,
principalmente ao acesso a medicamentos e tratamentos médicos. Tal conjectura, apesar de
demonstrar a expansão da linguagem dos direitos humanos e ao novo constitucionalismo,
expõe uma realidade democrática frágil.
Ora, se por um lado a judicialização da saúde se apresenta como alternativa de acesso,
por outro, parece demonstrar um enfraquecimento de sua garantia fundamental pelo
Poder Executivo. Diante disso, o presente trabalho apresenta uma revisão integrativa de
literatura, propondo-se a analisar os estudos contidos em dissertações e teses, produzidas
na pós-graduação em Direito, no período de 2010-2020, que versem sobre a ação judicial na
garantia do direito fundamental à saúde no Brasil.

Revisão da literatura

Para que o direito à saúde seja realmente garantido é necessário que se compreenda
claramente o significado da expressão “direito à saúde”. Nesse sentido, após a II Guerra
Mundial, a Organização das Nações Unidas fomentou a criação de órgãos especiais dedicados
a garantir direitos considerados essenciais aos seres humanos. O principal organismo com
vistas à garantia do direito à saúde resultante desse movimento foi a OMS. Contudo, os
países dificilmente teriam condições de proporcionar o completo bem-estar em todas as
suas dimensões, era necessário expandir o conteúdo do direito fundamental à saúde que até
então se restringia a ausência de doença (DALLARI, 1988).
Isso ocorre porque os fatores sociais e políticos persistentes até a primeira metade do
século XX decorrentes, em primazia, da Revolução Industrial e da II Guerra Mundial criam
um ambiente caótico. Esse cenário caracteriza-se pelas sociedades devastadas -“carente de
recursos econômicos, destruída sua crença na forma de organização social, alijada de seus
líderes [...]” (DALLARI, 1988, p. 58). Somado a isso, as “[...] condições de vida miseráveis,
enfatizavam a compreensão da saúde como diretamente dependente de variáveis relacionadas
ao meio ambiente, ao trabalho, à alimentação e à moradia.” (DALLARI, 1988, p. 58), revela
a necessidade iniludível de promover um novo pacto capaz de promover a saúde a todos os
povos do mundo.
Concomitantemente, a Declaração de Alma Ata que sintetiza a Conferência
Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, ocorrida em setembro de 1978, realizada
pela OMS em Alma-Ata, na República do Cazaquistão, expressava a ratificação de que os
cuidados primários de saúde precisavam ser desenvolvidos e aplicados em todo o mundo
com urgência, particularmente nos países em desenvolvimento. Assim, por meio desse
reconhecimento da saúde seu conceito foi ampliado, uma vez que anteriormente a saúde se
limitava a seus aspectos curativos e preventivos, forjou-se o consenso, inclusive disposto no
preâmbulo da Constituição da OMS, de que “saúde é o completo bem-estar físico, mental e
social e não apenas a ausência de doença e outros agravos” (DALLARI, 1988, p. 58).
Posto isso, nota-se o desenvolvimento da legislação sanitária internacional. Esse
processo de transnacionalização do direito à saúde no Brasil restou atrasado, pois como
direito fundante do Estado surge apenas em 1988 (SCHWARTZ, 2001). Cumpre-se
ressaltar que essa garantia que veio apresentado anteriormente, apenas foi incorporada

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constitucionalmente em 1988. Dessa forma, urge a necessidade de uma breve introdução


histórica e constitucional do direito à saúde, de como ocorreram as suas primeiras abordagens
à construção da saúde pública no Brasil.
A Constituição Imperial Brasileira de 1824 é criada em um período de estruturação do
Estado cujo principal objetivo era fortalecer o poder do imperador. Em razão disso, o direito à
saúde era considerado apenas como um “socorro público”, de modo que, sua prestação se dava
exclusivamente nas Casas de Misericórdia ligadas às Instituições de Caridade. Desse modo,
não houve uma preocupação em disciplinar especificamente sobre o direito à saúde, apesar
ter havido a partir desse instrumento normativo uma sinalização para a efetivação dos direitos
humanos do século XX, como os de natureza civil e política (GRELLMANN, 2011).
Em seguida, a Constituição Brasileira de 1891 representou um retrocesso, pois não
fazia menção em nenhum dos seus dispositivos ao direito à saúde. Tal situação ocorria porque
a saúde na época poderia ser considerada uma (des) graça das divindades. (SCHWARTZ,
2001, p.44). Esse cenário perdurou de 1891 até 1934, em virtude da concepção liberal de
Estado em que este somente interviria nas situações que a iniciativa privada ou o próprio
indivíduo não pudesse responder (GRELLMANN, 2011).
Em 1934, durante a Era Vargas, a terceira Constituição representou a intenção da
inauguração de um Estado Social brasileiro, havendo a inserção nesse dispositivo normativo
de preocupações sanitárias, incluiu em seu art. 10, inciso II, a competência concorrente da
União e Estados em relação à saúde, responsabilizando-os quanto à matéria. Especificou
ainda adiante em seu artigo 138 que incumbiria à União, aos Estados e Municípios a adoção
de medidas legislativas e administrativas para restringir a mortalidade e morbidade infantil,
a defesa de higiene social para impedir a propagação de doenças, bem como cuidar da higiene
mental e incentivar a luta contra venenos sociais. Desse modo, estabeleceu-se a atuação
positiva da Administração Pública direta (GRELLMANN, 2011, p. 76).
Na sequência, apesar de a obrigação de planejar e legislar sobre saúde, bem como
o direito à assistência médica e sanitária ser afirmada nas Constituições de 1937, 1946,
1967 e 1969, a competência concorrente à União e aos Estados foi encontrada novamente
apenas na Constituição de 1988 que impôs critérios para que a saúde fosse corretamente
determinada em seu texto e para que sua realização não estivesse vinculada às ações de
recuperação, mas também a políticas sociais e econômicas e ao acesso, proteção e promoção
(GRELLMANN, 2011).
É importante frisar que no campo da saúde essa política de assistência que se estendeu
do período colonial-imperial até o regime militar e início da Nova República, apresenta
características que se pode chamar sanitarista-campanhista, na qual o Estado fornecia um
suporte direcionado à redução do impacto das endemias e epidemias e, evolutivamente,
incorporava o acesso à saúde através de medidas privativas, por meio de sistemas
previdenciários voltados ao trabalhador (AGUIAR, 2011).
Foi na Constituição de 1988 que o direito à saúde encontrou sua maior concretização
em nível normativo constitucional, visto que basta uma leitura superficial dos dispositivos
pertinentes (arts. 196 a 200) para que se perceba o direito à saúde como direito subjetivo,
de todos, portanto de titularidade universal, como também normas de cunho impositivo de
deveres e tarefas, pois o art. 196 enuncia que a saúde é direito de todos e dever do Estado,

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além de impor aos poderes públicos uma série de tarefas, como, promover políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, além de estabelecer
o acesso universal e igualitário às ações e prestações nesta esfera (MARINONI; MITIDIERO
e SARLET, 2018).
Num segundo momento, a Constituição Federal remete a regulamentação das ações e
serviços de saúde ao legislador (art. 197), além de criar e fixar as diretrizes do sistema único
de saúde (art. 198), oportunizando a participação (em nível complementar) da iniciativa
privada na prestação da assistência à saúde (art. 199), bem como estabelecendo, em caráter
exemplificativo, as atribuições (nos termos da lei) que competem ao sistema único de saúde
(art. 200) (MARINONI; MITIDIERO e SARLET, 2018).
Essa maior efetividade do direito à saúde no texto constitucional explica-se também
por uma significativa e abrangente regulamentação na esfera infraconstitucional, com
destaque para as leis que dispõem sobre a organização e os benefícios do SUS (MARINONI;
MITIDIERO e SARLET, 2018). Nesse sentido, as principais leis que fortaleceram a
constitucionalidade do acesso à saúde, enfatizando, sobretudo, a universalidade desse
direito e a participação social foram as leis n° 8.080/ 1990 e 8.142/ 1990.
A lei 8.080/1990 dispõe que a saúde é um direito fundamental do ser humano,
devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. Declara que
o dever do Estado consiste na formulação e execução de políticas de saúde e não exclui o
das pessoas, famílias e comunidade. É ainda essa a lei que define o Sistema Único de Saúde
(SUS), seus objetivos, princípios, diretrizes, a competência de cada um dos níveis de gestão,
a saber, municipal, estadual e a União (BRASIL, 1990).
Já a lei 8.142/1990 dispõe sobre a participação da comunidade através das conferências
e conselhos de saúde. Sua importância tem a ver com a possibilidade de maior engajamento
e controle dos cidadãos para com os investimentos na área da saúde, sua aplicação e
manutenção do controle social (BRASIL, 1990). Esses avanços, por sua vez, apresentam
dificuldades para sua real efetivação, o que tem provocado como forma de acesso às políticas
de saúde o aumento das demandas judiciais.
A rigor, o conceito ampliado de saúde vem da constituição da Organização Mundial
de Saúde, datada de 7 de abril de 1948: “Saúde é o estado do mais completo bem-estar
físico, mental e social e não apenas a ausência de enfermidade”. A partir desse conceito se
estabeleceu o entendimento de Campo da Saúde, apresentado por Marc Lalonde, em 1974,
no relatório “A new perspective on the health of Canadians”, depois nominado de Relatório
Lalonde. O campo da saúde compreende a biologia humana, o meio ambiente, o estilo de
vida e a assistência à saúde (SCLIAR, 2007), e deve ser considerado ao tratarmos da saúde
dentro de uma perspectiva positiva, ou seja, saúde não é a ausência de doença, mas o estado
de bem-estar físico, mental e social (ALMEIDA FILHO, 2011).
Apesar desse cenário de expansão da linguagem dos direitos humanos e do novo
constitucionalismo, muito se tem publicado a respeito da chamada “judicialização da
saúde”, tanto no Brasil como internacionalmente (DALLARI, 2013). Esse aumento
expressivo do número de reivindicações judiciais do direito aos cuidados de saúde ocorre
para a preservação de um direito fundamental, em razão da (in)competência - por motivos
de inconstitucionalidade - de poderes ou instituições (STRECK, 2016). Posto isso, conforme
leciona o prof. José Afonso da Silva, tem-se:

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[...] direito subjetivo de conteúdo duplo: por um lado, pelo não cumprimento
das tarefas estatais para sua satisfação, dá cabimento à ação de
inconstitucionalidade por omissão (arts. 102, I, a, e 103, § 2º) e, por outro
lado, o seu não atendimento, in concreto, por falta de regulamentação, pode
abrir pressupostos para a impetração do mandado de injunção (art. 5º,
LXXI), apesar de o STF continuar a entender que o mandado de injunção
não tem a função de regulação concreta do direito reclamado (infra) (SILVA,
2013, pp. 312-313).

No Brasil, as discussões em torno da saúde e do campo da saúde, na ordem


internacional, vão repercutir nos trabalhos da VIII Conferência Nacional de Saúde, realizada
em Brasília, de 17 a 21 de março de 1986. Saliente-se que a I Conferência Internacional de
Promoção da Saúde ocorreu seis meses após a VII Conferência Nacional de Saúde; contudo,
o relatório final do encontro brasileiro está imbuído do conceito ampliado de saúde e de
campo da saúde presente no documento internacional de 1986. Mais ainda, o relatório final
da VIII Conferência Nacional vai exercer grande influência sobre os trabalhos da Assembleia
Nacional Constituinte, quando a saúde ganha o status de regra constitucional e institui-se
o Sistema Único de Saúde, inspirado nos ideais de Alma-Ata (1978) e Ottawa (1986), na
perspectiva do modelo biopsiquicosocial.
O novo modelo de atenção à saúde no Brasil, a partir desse paradigma ampliado aponta
uma dimensão bem mais ampla acerca do conceito de saúde, a saber: a saúde é resultante das
condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte,
emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde; e assim, antes
de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar
grandes desigualdades nos níveis de vida (BRASIL, 1986).
Nesse contexto, as demandas judiciais no campo do direito à saúde foram se ampliando,
face à dificuldade do Poder Executivo no cumprimento de seu dever legal e institucional;
dessa forma, o cidadão precisou encontrar novas formas de acesso a esse direito, recorrendo
ao processo jurídico, que se traz à tona a discussão acerca dos precedentes judiciais,
conceituado por Diddier Júnior et al. (2011) como a decisão judicial tomada à luz de um
caso concreto, que atua como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos.

A garantia do direito fundamental no Brasil

A discussão sobre os direitos fundamentais ganha força em um momento que a nossa


democracia se ver ameaçada e coloca em riscos direitos conquistados após anos de lutas,
especialmente no campo da saúde. Sendo assim, a presente revisão integrativa de literatura
originou-se da seguinte pergunta norteadora: De acordo com os bancos de dados acessados,
como se dá a garantia do direito fundamental à saúde no Brasil a partir de teses e dissertações
defendidas no país? Para responder a essa indagação realizou-se um levantamento e análise
de dissertações e teses, a partir da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (BTDT-CAPES), inspirado na técnica de
revisão sistemática.
A revisão da literatura parece ser uma opção segura, exequível e econômica para obter
a resposta desejada para a questão levantada. Dentre as possibilidades de revisão (narrativa

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e sistemática), opta-se pela revisão sistemática, entendida como uma investigação focada
em uma questão delimitada, que visa identificar, selecionar, avaliar e sistematizar as
produções existentes, através de estratégias de busca e de análise previamente configurada
(GREENHALGH, 2015; PEREIRA, GALVÃO e SILVA, 2016).
Na BTDT-CAPES a busca se deu a partir dos descritores “direito à saúde”, “acesso
à saúde” e “direitos fundamentais”, utilizando o operador booleano AND. O número de
produções obtido nessa busca foi de 349 trabalhos. Em seguida, aplicamos como critérios
de inclusão na revisão a procedência e o período de publicação das dissertações e teses,
selecionando apenas aquelas que foram produzidas nos programas de pós-graduação em
direito, no período de 2010 e 2020, restando 29 trabalhos. Após a leitura do resumo, para
confirmar a relação com a questão norteadora da pesquisa, e considerando a disponibilidade
do texto em sua integralidade na BDTD-CAPES, este número foi reduzido para 7 trabalhos.
A revisão incidiu sobre sete (n:7) estudos (sendo 6 dissertações de mestrado e uma tese
de doutorado), de acordo com o Quadro 1. No perfil dos estudos identificados, destacam-se
nos primeiros 5 anos os estudos de revisão de literatura (n:3), demonstrando que as pesquisas
de campo passaram a prevalecer na segunda metade da década analisada. Quanto ao tempo,
destaca-se que na produção apresenta algumas lacunas temporais nos anos de 2012 a 2014 e
2017 a 2018, sendo o ano de 2019 o de maior produção (n: 3). A distribuição nas regiões foi
proporcional, pois sudeste, norte e nordeste, cada uma teve 2 produções; no entanto a região
sul teve apenas um trabalho e o centro oeste não contou com nenhuma nessa busca.

Quadro 1: Perfil dos estudos sobre garantia do direito fundamental à saúde no Brasil
Estado/
Autor, ano Objetivo Tipo de estudo Desfecho
região
Refletir sobre a
Dentre as funções que
efetividade da
Revisão de devem ser melhor pensadas,
jurisdição na
Rio de Literatura inclui-se divulgar políticas
Tessler questão do direito
Janeiro/ públicas de saúde; conhecer
(2010) fundamental à
Sudeste (Dissertação de a realidade sanitária; reduzir
saúde e os dilemas
Mestrado) a judicialização; qualificar o
que se apresentam
gestor público na saúde;
ao juiz
Analisar o direito
Pretender a efetivação do
social à saúde
Revisão de direito à saúde a um não
sob a perspectiva
Literatura nacional é permitir a violação
Grellman Rio Grande do da definição
do direito fundamental
(2011) Sul/ Sul formal de direitos
(Dissertação de pelo não atendimento da
fundamentais,
Mestrado) pessoa com base em sua
conforme Luigi
nacionalidade.
Ferrajoli.
Avaliar a área
de atuação e o
limite do papel Quando o Poder Judiciário
do Judiciário nas determina a concessão do
Revisão de
demandas da direito à saúde preventiva
Literatura
Veloso saúde preventiva não está criando política, mas
Pará/ Norte
(2015) que exigem do determinando que se faça
(Dissertação de
Poder Público jus um determinado direito
Mestrado)
sua formulação, já previsto, sendo viável a
a partir do cooperação dos poderes.
Programa de
Saúde da Família

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Os dados demonstram que


Analisar como
as pessoas com sofrimento
está caracterizado Abordagem
psíquico tem obtido através
o acesso à justiça qualitativa com
da justiça acesso a serviços
Bernardes São Paulo/ para a demanda análise temática
coerentes com a política de
(2015) Sudeste de saúde mental
saúde mental, apesar de
na Defensoria (Tese de
ainda ser necessário avanços
Pública do Estado Doutorado)
no tocante à promoção da
de São Paulo
desinstitucionalização.
Analisar a
efetividade
A atuação do sistema de justiça
da atuação
Abordagem tem sido efetiva e célere no
do sistema de
qualitativa e tocante à tutela de saúde
justiça do estado
Souza Tocantins/ histórica-critica das populações indígenas
do Tocantins
(2019) Norte tocantinenses, de modo que
em relação à
(Dissertação de grande parte das situações é
tutela da saúde
Mestrado) solucionada sem a necessidade
das populações
de se propor ações judiciais.
indígenas entre
2012 e 2017
6.337 ações foram ajuizadas
Analisar as no período determinado. O
demandas de Pesquisa poder judiciário tem sido o
saúde ajuizadas, empírica, responsável pela mudança
em primeira jurisprudencial e de atuação do poder público,
Gomes Fortaleza/
instância, na bibliográfica com o redirecionamento para
(2019) Nordeste
Comarca de recursos que não são de saúde
Fortaleza durante (Dissertação de (como fraldas), porém o acesso
os anos de 2016 a Mestrado) a medicamentos tem sido
2018. melhor efetivado dado a ação
judicial.
Analisar o
panorama da Há predominância da
judicialização litigância individual e de
Pesquisa
da saúde no itens já constantes nas
exploratória
estado do Ceará políticas públicas, maior
no Tribunal
e compreender probabilidade de deferimento
Celestino Fortaleza/ de Justiça do
como o das demandas e altos índices
(2019) Nordeste Estado do Ceará
estabelecimento de pedido de leitos de UTI. Faz
de medidas de necessário um reforço de RH e
(Dissertação do
desjudicialização melhoramento da qualificação
Mestrado)
consegue do TJ para lidar com essa
fornecer soluções problemática.
satisfatórias.
Fonte: Elaborado pelos autores

O resultado do quadro acima demonstrou pertinência ao objeto desse estudo focando


no direito nacional e evidenciando a importância da saúde preventiva e a atuação integrada
do Poder Judiciário na hipótese de violação dessa garantia do indivíduo e da sociedade.
Destacou-se também que os trabalhos demonstraram uma diversidade de situações em
que as demandas de saúde foram efetivadas através de processos judiciais, revelando certa
ineficácia do estado até mesmo em situações que são claramente garantidas nas políticas de
saúde, apesar de não especificadas (como acesso a determinadas medicações e procedimentos
de saúde) (CELESTINO, 2019).
No tocante à questão do acesso, o processo de globalização acarreta o desenvolvimento
da legislação e justiça internacional, visando principalmente à tutela dos direitos humanos.

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Nesse sentido, direito à saúde deve ser promovido por todos os Estados, sem distinção,
devendo haver cooperação e colaboração internacional. Em razão disso, o Estado brasileiro,
no que concerne o direito à saúde, foi alçando a direito fundamental na Constituição Federal
de 1988, e expressamente dispôs que era um direito de todos e um dever do Estado, de
acordo com a sua fundamentalidade, assim, é um direito cuja titularidade é de toda pessoa
humana (GRELLMANN, 2011).
Ademais, a concessão de direito através do poder judiciário não pode ser considerada
como uma criação de leis, mas sim, como a promoção efetiva de algo já tutelado e para o
qual a população tem garantia de natureza fundamental, inclusive em nível maior ampliado
desde a Constituição de 1988, a dita cidadã (VELOSO, 2015).
Nesse sentido, o acesso à saúde é um direito fundamental vinculado a todos, enquanto
pessoas, com esquete no caráter universal previsto tanto em cartas internacionais quanto na
Constituição, de modo que se atribui titularidade. (GRELLMANN, 2011). Dessa forma, tal
garantia fundamental deve ser efetivado a todos, independente de outras normas e regras
aplicáveis nas fronteiras (GRELLMANN, 2011). Tem-se, assim, a ação civil pública, n.
2006.70.02.007108-9/PR, disposta a seguir:

A ação civil pública assim teve por objetivo, em síntese, o atendimento


de brasileiros residentes no Paraguai, conhecidos como brasiguaios, e o
atendimento dos estrangeiros em trânsito no Brasil, com o ressarcimento
do SUS ao Município pelos atendimentos prestados, na decisão, confirmada
em Apelação/Reexame Necessário no tocante à nacionalidade determinou
o atendimento pelo SUS de todos os brasileiros, independente do cartão do
SUS, e, em emergência e urgência, o atendimento dos que não comprovem a
nacionalidade brasileira.

Concomitantemente, constatou-se que o fluxo de pessoas buscando serviços de saúde


não é uma peculiaridade apenas em Foz do Iguaçu, havendo um projeto do Ministério da
Saúde, denominado SIS-fronteira, que visa fazer o diagnóstico das cidades fronteiriças no
Brasil, possibilitando um melhor serviço de saúde nos Municípios de fronteira e buscando
inserir o programa de saúde para a fronteira (SIS-fronteira) na perspectiva de fortalecimento
da integração da América do Sul. Assim, o direito é de titularidade de nacionais e não
nacionais (GRELLMANN, 2011).
No diálogo acerca das questões étnicas e culturais, destaca-se que a judicialização
alcança também o acesso ao serviço de saúde para as comunidades indígenas, apesar de a
Lei 8.080/1990 restar claro a importância do acesso também para esse grupo. Apesar disso,
na experiência apontada no estudo, o número de demandas judiciais não é considerado tão
intenso (não se sabe se por falta de iniciativa ou necessidade), mas os casos que precisam ser
judicializados são resolvidos de modo célere (SOUZA, 2019).
Outra experiência positiva de acesso a serviço de saúde por meio da judicialização
tem a ver com as demandas de atenção psicossocial, tal como admissão facilitada em
instituição para esse tipo de cuidado, sendo a defensoria pública o órgão da justiça que
tem se relacionado com essa garantia de acesso, ainda que tal medida, ao fortalecer a
centralidade das instituições, deixa de corresponder plenamente ao que é preconizado pela
luta antimanicomial (BERNARDES, 2016).

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Contudo, os direitos fundamentais sociais, para serem transformados em prestações


do Estado, necessitam, além de leis que os regulamentem, de recursos orçamentários
e financeiros para custeá-los. Por isso, a prevenção da saúde está ligada a forma de
desenvolvimento do país e a qualidade de vida do ser humano, mais até do que no aumento
da produção de riquezas, pois o desenvolvimento depende das oportunidades que ele oferece
ao povo de poder fazer suas escolhas e exercer a sua cidadania (VELOSO, 2015).
A literatura apresenta a necessidade de que o poder judiciário seja mais bem
capacitado para lidar com essas demandas, conhecendo inclusive a realidade sanitária
local e cooperando com o poder executivo para viabilizar estratégias mais céleres, menos
burocráticas e menos onerosas (TESSLER, 2010), até porque o uso não planejado do serviço
judicial pode acarretar redirecionamento de recursos para atividades não essenciais no
âmbito coletivo, desorganizando o planejamento do serviço público (GOMES, 2019).
Para isso, é preciso que a população tenha autonomia e, para tanto, a saúde passa a
ser o vetor necessário a esse desenvolvimento que somente será atingido se a saúde estiver
em melhores condições. A Estratégia Saúde da Família (ESF) como exemplo de política
pública de prevenção reorganizou toda a prática de atenção à saúde em novas bases e
substituiu o modelo tradicional focado apenas no trabalho médico paciente desenvolvido nos
consultórios, levando a saúde para mais perto da família e com isso melhorando a qualidade
de vida de quem é atendido. Assim, a ESF foi um grande avanço para a saúde preventiva, não
somente por tirar o foco da doença, mas especialmente por considerar o ambiente natural da
população (VELOSO, 2015).
Entretanto, em razão das constantes violações ao direito à saúde preventiva, é
necessária a intervenção do Poder judiciário para garantir a efetividade desse direito. Assim,
restou firmado na pesquisa que, quando o Poder Judiciário determina a concessão do direito
à saúde preventiva, fixando o modo de exercício desse direito, não está “criando” política
pública, ou, mais restritamente, política social; está, sim, determinando que um específico
direito previsto no ordenamento seja concedido a quem dele faz jus:

Por fim, ficou consignado que é possibilidade e viável de cooperação entre


os poderes nas áreas da política pública de saúde preventiva, com o objetivo
de garantir a fruição dos direitos fundamentais, superando a ideia aventada
pela doutrina contrária da falta de legitimidade do judiciário para atender
os interesses individuais e coletivos na área da saúde, diminuindo a tensão
entre democracia e constitucionalismo. (VELOSO, 2015, p.147).

Desse modo, compreende-se que a cooperação entre o serviço judicial e o


poder público estatal é possível, sendo o primeiro inclusive uma forma de fazer cumprir
celeremente a efetividade proposta pelo segundo; afinal, não raro os embargos que dificultam
o acesso natural às políticas de saúde não permitiriam a satisfação de necessidades que
exigem uma resposta emergente. Ainda assim, uma maior eficácia do dispositivo parece
ser necessária, requerendo um melhor conhecimento dos servidores da justiça no tocante a
questão, bem como de outras medidas que melhor integrem ambos os setores, fortalecendo
a desburocratização e a efetividade natural desjudicializada.

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Considerações finais

O presente trabalho analisou a ação judicial na garantia do direito fundamental à saúde


no Brasil a partir das dissertações e teses. Por meio de uma revisão sistemática constatou
que há um crescente número de produções nos anos recentes em nível de pós-graduação. Em
todo o caso, houve um consenso dos autores estudados de que a ação judicial tem favorecido
a garantia da efetividade do direito à saúde, mas apesar disso tornam-se necessários alguns
avanços para uma maior integração dos dois poderes, de modo que a justiça não embarace o
planejamento do executivo e melhor conheça as diretrizes da política de saúde.
Nesse sentido, entende-se que a ação judicial tem sido uma alternativa para tornar
esse direito efetivo, não podendo ser configurado como a criação de legislação, mas sim
como a efetivação de um direito já estabelecido que não seja, de fato, ofertado de modo
universal como assegurado pela lei, dado a um conjunto de fatores dos quais se destacam
a própria tradição constitucional no Brasil desde o Império, momento a partir do qual o
acesso aos serviços e procedimentos de saúde esteve vinculado a diversas condicionantes de
natureza assistencialista.
Sendo ainda recente o caráter ampliado desse direito, o Poder Público ainda não se
mostra capaz de devolvê-lo à população de modo simples e desburocratizado, tornando
necessário em muitos casos que se recorra a ação judicial, razão pela qual a discussão acerca
do tema alcança outras problemáticas em torno de temas como judicialização e mesmo a
questão dos precedentes, o que tem motivado a pesquisa acadêmica, inclusive de natureza
empírica, a um maior debruçamento acerca do tema, vindo a ser um objeto de estudo
emergente nas ciências jurídicas.

Referências

1. ______. Qual o sentido do termo saúde? Cadernos de Saúde Pública. Rio de


Janeiro, v.16, n.2, p. 02-03, abr./jun., 2000.

2. AGUIAR, Zenaide Neto. Sistema Único de Saúde: antecedentes, percurso,


perspectivas e desafios. São Paulo: Martinari, 2011.

3. ALMEIDA FILHO, Naomar de. O que é saúde? Rio de Janeiro: FioCruz, 2011.

4. BERNARDES, Edilene Mendonça. Saúde Mental e acesso à justiça na


Defensoria Pública do Estado de São Paulo. 2015. 324 f. Tese (Doutorado) – Escola
de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2015.

5. BRASIL. Conferência Nacional de Saúde, 8., 1986, Brasília. Relatório final.


Ministério da Saúde: Brasília, 1986.

6. BRASIL. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições


para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o
funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.
Disponível em: <https://legis.senado.leg.br/norma/549956/publicacao/15808140 >.
Acesso em: 11 ago. 2020.

30
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7. BRASIL. Lei n. 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação


da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde – SUS e sobre as
transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde
e dá outras providências. Disponível em: <https://legis.senado.leg.br/norma/550018/
publicacao/15715902>. Acesso em: 11 ago. 2020.

8. CELESTINO, Fernanda Karlla Rodrigues. Desjudicialização do Direito à


Saúde: A experiência do Estado do Ceará na adoção de estratégias judiciais e
extrajudiciais. 2019. 175 f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito, Universidade
Federal do Ceará, Fortaleza, 2019.

9. DALLARI, Sueli Gandolfi. Aspectos particulares da chamada judicialização da


saúde. Revista de Direito Sanitário, v.14, n.1, p.77-81, 2013.      

10. DALLARI, Sueli Gandolfi. O direito à saúde. Rev. Saúde Pública, v.22, n.1, p.57-63,
1988.

11. DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 13ª ed. Salvador:
Editora Juspodivm, 2011.

12. GOMES, Mylena Maria Silva Reginaldo Ferreira. Os impactos das decisões
judiciais nas políticas públicas de saúde do município de Fortaleza. 2019. 255 f.
Dissertação (Mestrado). Programa de Mestrado em Direito Constitucional, Fortaleza, 2019.

13. GREENHALGH, Trisha. Como ler artigos científicos: fundamentos da medicina


baseada em evidências. Porto Alegre: Artmed, 2015.

14. GRELLMANN, Liliane Nathalie Fretes Garcia. A releitura da nacionalidade


para efetivação do direito social à saúde: o exemplo privilegiado do caso
fronteiriço. Tese (mestrado em direito) - Faculdade Dinâmica das Cataratas,
Universidade do Vale do Rio dos Sinos. São Leopoldo, 2011

15. MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; SARLET, Ingo Wolfgang. Curso
de Direito Constitucional. 7º ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

16. PEREIRA, Maurício Gomes.; GALVÃO, Taís Freire.; SILVA, Marcus Tolentino. Saúde
baseada em evidências. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016.

17. SCHWARTZ, Germano. Direito à Saúde: Efetivação em uma Perspectiva Sistêmica.


Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 43-44.

18. SCLIAR, Moacyr. História do Conceito de Saúde. PHYSIS: Revista de Saúde


Coletiva. Rio de Janeiro: v. 17, n. 1, p. 29-41, 2007.

19. SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 37 ed. Brasil:
Malheiros Editores, 2013, p. 312-313.

31
Educação em Direitos Humanos e Diversidades
Maria Aparecida Vieira de Melo | Maria Aparecida Cruz | Sara Ingrid Borba (Organizadoras)

20. SOUZA, Ciro de Alencar. A atuação do sistema de justiça na efetivação do


direito fundamental à saúde das populações indígenas tocantinenses. 2019.
148 f. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós Graduação em Prestação jurisdicional e
Direitos Humanos, Universidade Federal do Tocantins, 2019.

21. STRECK, Lenio Luiz. Entre o ativismo e a judicialização da política: a difícil


concretização do direito fundamental a uma decisão judicial constitucionalmente
adequada. Joaçaba: Espaço Jurídico Journal of Law, v. 17, n. 3, p. 721-732, 2016.

22. TESSLER, Marga Inge Barth. A justiça e a efetividade na saúde pública. 2010.
144f. Dissertação (Mestrado Profissional). Escola de Direito do Rio de Janeiro, Fundação
Getúlio Vargas, 2010.

23. VELOSO, Marcelene Dias da Paz. Judicialização da política pública: o diálogo


como forma de concretização da saúde preventiva. Tese (mestrado em direito), Instituto de
Ciências Jurídicas, Universidade Federal do Pará. Belém, 2015.

32
3

Atitudes diante da morte: da antiguidade ao purgatório1


Attitudes towards death: from antiquity to purgatory
José Bartolomeu dos Santos Júnior(1);Manuela Xavier Ribeiro de Souza(2)

(1)
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9150-1051. Professor estatutário da rede estadual de Pernambuco, e
da rede municipal de Itapissuma (PE); Mestrado em Educação pela UFPB (2019); [email protected];
(2)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3605-0259. Professora estatutária da rede estadual de Pernambuco,
e da rede municipal de Itapissuma(PE), Mestrado em Letras pela UFPB (2020); [email protected].

ABSTRACT: The ideology of post-death places emerged in the conceptions of different human groups
in Prehistory, in antiquity, and in the modern medieval period. Such rituals took the label “passage” because
they were seen as an exit from the community of living to another, that of dead. Amid the sociability of these
facts, we contributed this bibliographic research to serve as practical support for teachers and students of
the Elementary School end years (history and Religious Education) and High School (history, sociology, and
philosophy), encouraging research and debate, deepening the knowledge in the particulars of the systematized
times, thus expecting about understanding, tolerance, and respect for the human beings ways of being and
Faith. Thus, we will be putting into practice the guidelines of the United Nations Universal Declaration of
Human Rights

KEY WORD: Education. Sacred. Religiosity.

Introdução

Para a elaboração deste trabalho, direcionamos nossas ações para um levantamento


bibliográfico de autores que dedicaram parte de suas experiências acadêmicas em pesquisas
de grande relevância para a análise e registro dos legados de antepassados, no que diz
respeito às crenças na vida após a morte. Eliade (2010), que também é o autor de outra obra
clássica (O Sagrado e o Profano – 1957), até hoje serve como referência para interpretarmos
situações à luz das Ciências Humanas e Sociais. Le Goff (1995), Martin (2005), Vovelle (2010)
e outros pesquisadores ilustram e dão narrativa neste artigo, onde reunimos o conteúdo de
uma forma exploratória e explicativa.
Não somos defensores de verdades únicas e propagadoras de proselitismos, até porque
as concepções humanas são criadas, construídas, logo, são passíveis de reelaborações/
reconstruções. O objetivo é, enquanto profissionais de escolas públicas, promover a
laicidade de credos dentro dos espaços escolares, como prevê nossa Constituição (1988),
e a LDB (1996). Devemos ainda empregar em nossos discursos e atitudes à abrangência
educacional da Declaração Universal da UNESCO no que concerne a Diversidade Cultural
1
DOI: 10.48016/GT10Xenccultcap3
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(2001) e “promover ambientes respeitosos e seguros em sala de aula, estimular a autoestima


e a autonomia” (2016, p. 59).
Sabedores do território de disputas ideológicas, o contexto histórico brasileiro sinaliza
legalmente sua não preferência para alguns credos e desdém para com outros, no âmbito
político. As relações entre Estado, Igrejas e Sociedade devem ser norteadas pelo respeito e
tolerância, com valorização de liberdades de culto, e as escolas podem e devem auxiliar nesse
sentido. “As religiões, por mais diferentes que sejam, são verdadeiras e boas, na medida em
que são humanas, em que não oprimem e nem destroem o humanismo, mas o protegem e
fomentam” (SANTOS, 2019, p. 28).
Assim, em seu artigo 18, a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações
Unidas expõe que: “toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião;
esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar
essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou
coletivamente, em público ou em particular” (UNESCO, op. cit., p. 62).
O Brasil é uma nação laica, isto significa que o Estado deve se manter neutro, não
manifestar preferência por credos e ritos; mas, também não pode fingir não ver os movimentos
religiosos que ocorrem em seu território, que são fenômenos religiosos, então, “a laicidade
é um termo político, vinculado ao esforço de separação entre Igreja-Estado e na defesa da
neutralidade das instituições estatais, de modo a assegurar o tratamento igualitário a todos
os cidadãos” (SANTOS, 2019, p. 25).

A morte sob o olhar de diferentes culturas

O cessar da vida! Para o ser humano, e até mesmo no meio animal, a separação de
uma companhia que nos acostumamos é dolorosa. Em todas as culturas e eras históricas,
diversos foram os povos que construíram particularidades acerca de rituais de separação.
O Nagualismo era muito comum durante o paleolítico, classificação de um dos períodos da
pré-história, onde os primeiros hominídeos viviam em pequenos grupos, eram nômades e
caçadores. Vivendo dessa caça, acreditavam que estes animais seriam semelhantes a eles,
embora possuíssem poderes sobrenaturais, que o homem poderia vir a se tornar um animal
e o contrário também. Que as almas dos mortos poderiam adentrar nos animais e que entre
ambos existiam relações misteriosas. Para eles, os ossos, mais especialmente o crânio, tem
um valor ritual muito especial. Mircea Eliade nos diz que:

Uma vez que se trata de sepulturas, a conservação desses crânios podia se


explicar por motivos religiosos. O Aleade Breuil e Wilhelm Schmidt lembraram
o costume, atestado entre os australianos e outros povos primitivos, de pais
falecidos e transportá-los consigo em seus deslocamentos (ELIADE, 2010,
p. 22).

Não encontramos nesse momento sepulturas, pois ainda não existia a preocupação
do enterramento do corpo dos membros do grupo que faleciam. Até porque a vida de não se
manter num lugar por muito tempo não lhes permitia tal feito. A existência de grupos canibais
também era uma realidade. Mas, não se comia carne humana por comer. Acreditava-se que
as forças e virtudes daquele que se comia viriam a ser ativadas naqueles que o degustava.

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E com a ideia de que era na cabeça (no crânio) que se encerrava a vida, fazia com que se
carregassem os crânios para onde fossem.
Posteriormente, vemos no paleolítico superior vários enterramentos em diferentes
regiões onde os corpos já estavam acompanhados com adornos (conchas, colares,
penduricalhos) e com um pigmento vermelho, o ocre, ou ocra vermelha.

A crença numa vida post mortem parece demonstrada desde os tempos mais
recuados, pela utilização da Ocra vermelha, substituto ritual do sangue e
portanto “símbolo” da vida. O costume de salpicar os cadáveres com ocra
é universalmente difundido no tempo e no espaço, desde Chuku-Tien até
a costa ocidental da Europa, na África, até o Cabo da Boa Esperança, na
Austrália, na Tasmânia e na América, até a Terra do Fogo (ELIADE, 2010,
p. 23).

Muitos desses corpos foram encontrados dobrados, outros amarrados; talvez, com
medo do retorno destes mortos ou então numa tentativa contrária de volta à posição fetal na
esperança de um retorno, de um (re)nascimento. Noutros túmulos, encontrara-se a presença
de comidas. Enterros orientados para leste, ou seja, o sol nascente, também são exemplos
dessa crença na orientação do renascer.
Gabriela Martin (2005), em seu livro “Pré-História do Nordeste do Brasil”, nos informa
sobre vários sítios arqueológicos onde a Ocra vermelha fora utilizada, além de folhas de
palmeiras, cipós, esteiras, colares, conchas, dentes de animais e sementes. Martin, ainda nos
adverte que poucos recém-nascidos traziam adornos e que no presente, a Ocra não é mais
utilizada pelos indígenas, mais que eles fazem uso do urucum (pigmento vermelho) em seus
rituais. Mas, é importante frisar que não temos como determinar com precisão a origem e o
desenvolvimento das crenças nos antepassados durante a Pré-História.

As Tijurungas estão escondidas em grutas ou enterradas em certos locais


sagrados e só são comunicadas aos jovens no final da sua iniciação. Entre
os Arandas, o pai dirige-se ao filho nestes termos: “Eis o teu próprio corpo
do qual saíste por um novo nascimento”, ou “É o teu próprio corpo. É o
antepassado que tu eras quando, durante a tua existência anterior, erravas
por regiões longínquas. Depois, desceste à gruta sagrada, para nela repousar”
(ELIADE, 2010, p. 43).

Essas Tijurungas eram objetos rituais feitos a partir de pedras e enfeitados com vários
desenhos geométricos representando o corpo místico dos antepassados. O pai iniciava um
rito de passagem para o jovem que então se tornaria o responsável em dar continuidade
ao culto. Esse contexto é referência da tribo Aranda, na Austrália, mas que também várias
outras tribos sul-americanas e outros grupos pelo mundo afora acreditavam que os seus
antepassados místicos se metamorfosearam em astros ou subiram ao céu para habitar o
sol e as estrelas. Sabemos disso através das lendas (oralidade) que estas populações nos
deixaram. Entre os índios brasileiros, temos a lenda da Mandioca, o “Pão” indígena:

A filha do cacique chamava-se Mara e desejava ardentemente encontrar


seu amado para se tornar esposa e mãe. Mara sonhou repetidas vezes
um sonho em que um jovem muito bonito e loiro descia da lua e dizia

35
Educação em Direitos Humanos e Diversidades
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que a amava. Passando algum tempo, Mara percebeu que mesmo virgem
estava grávida e contara o sonho aos pais; o pai não acreditando passou
a desprezar a filha. Nascera dela uma linda menina com a pele muito
branca e cabelos muito loiros. Lhes deram o nome de Mandi e a tribo
passou a reverenciá-la como divindade. Mas, a menina acabou adoecendo
e vindo a morrer. Muito entristecida, Mara sepultou a filha em sua oca
por não querer separar-se dela. Desconsolada, chorava todos os dias, de
joelhos diante do local, deixando cair leite de seus seios na sepultura.
Talvez assim a filhinha voltasse à vida, pensava. Dias depois, no local
brotou um arbusto, a mãe curiosa, removeu a terra encontrando raízes
muito brancas como sua filha. Nesta mesma noite, o jovem loiro veio em
sonho revelar ao cacique a história e que a criança veio a terra para se
transformar no principal alimento indígena. O chefe contou tudo a sua
tribo e o novo alimento recebera o nome de Mandioca, pois, Mandi fora
sepultada na oca (ANDRADE E SILVA, 1999, p. 16).

Vemos aí a perpetuação de Mandi, que se transforma em alimento por meio de sua


morte e enterramento, para dar força aos seus irmãos de tribo; e até nossos dias fez parte
do cotidiano nas refeições de várias famílias, nas mais variadas formalidades de receitas.
Através da mandioca, muitas tribos faziam o Cauim, bebida fermentada que era utilizada
em cerimônias religiosas. Consiste em deixar água e mandioca em repouso por alguns dias.
É importante destacar que os europeus ao chegarem na América, desconheciam a existência
da mandioca, do milho e do cacau, por exemplo.
No Oriente Próximo, talvez exista a cidade mais antiga do mundo: Jericó. Nessa
região encontramos esqueletos enterrados nos assoalhos das casas acompanhados de joias,
pedras semipreciosas, armas, tecidos, recipientes de madeira, etc. Outros, só os crânios
moldados na parte interior com gesso e os olhos representados por conchas. Outros ainda,
com estatuetas femininas feitas de argila que com certeza deveria indicar algum culto à
fertilidade. Sintetizando, os primeiros cultos neolíticos estavam relacionados

Aos cultos dos mortos e da fertilidade assinalados pelas estatuetas das


deusas e do deus da tempestade (com suas epifanias: o touro, o crânio;
crenças e rituais relacionados com o “mistério da vegetação, a assimilação
mulher-gleba-planta, que implica a homologia nascimento-renascimento-
iniciação”), muito provavelmente, a esperança de uma pós-existência
(ELIADE, 2010, p. 59).

Segundo a autora, foi a religião, sobretudo, o dogma da divindade do Faraó, que


contribuiu para moldar a estrutura da civilização egípcia. O Faraó sendo um deus encarnado
e imortal, sua morte corporal significava apenas sua transladação ao céu, e como encarnação
da Ma’at, constituiu o modelo exemplar para todos os seus súditos. Ma’at significava verdade,
boa ordem, direito e justiça, portanto, o faraó era considerado o filho da verdade, aquele que
governa mantendo a ordem e a justiça para todos. Para os faraós, sua morte era o ponto
inicial da sua viagem celeste e da sua imortalização (ELIADE, 2010, p. 97).
Osíris é o deus soberano dos mortos dos egípcios. Ele fora assassinado, mas o deus
Horus o ressuscitou. Esses dados sobre morte, e tais crenças estão descritos no Livro das
Pirâmides. Para eles, o túmulo seria o lugar onde os homens se transformavam em um Akh, um
“Espírito Transfigurado”. De acordo com outro livro escrito por eles (Livro dos Sarcófagos),

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se os homens seguissem o exemplo de Osíris e com o seu auxílio, os finados conseguiriam


transformar-se em “Almas”, em seres espirituais integrados e indestrutíveis. Assim, povos
do Egito Antigo ao colocar o morto no seu ataúde, os quatro cantos representavam os deuses
Ísis, Néftis, Hórus e Tot. A parte de baixo representava Geb, o deus da terra e a tampa a
deusa do céu. Dessa forma, o defunto estava cercado no seu caixão pelas personificações
de vários Cosmos. “O coração do morto era colocado em um dos pratos da balança; sobre o
outro, encontrava-se uma pena, ou um olho, símbolo da Ma’at” (ELIADE, 2010, p. 115).
Durante o processo de julgamento, o morto rezava pedindo que seu coração não fosse
testemunha contra ele mesmo, e depois passava por um interrogatório. Objetivando preparar
o futuro morto para esse momento, foi elaborado o Livro dos Mortos, contendo orações e
expressões mágicas. Segundo a Teologia Solar, o Faraó era o filho de Rá, e por isso, seus
enterros em certos momentos ocorreram dentro das pirâmides, pois elas apontavam para o
alto e cada um, em diferentes momentos, tentou construir altas e mais altas pirâmides. Ainda
no Egito Antigo, encontraremos túmulos em complexos megalíticos (pedreiras) abrigando
vários mortos, supondo ali abrigar diversas gerações de uma mesma gens.
Os mortos retornam a terra-mãe na esperança de participar da mesma sorte que as
sementes (nascer/renascer) e também estão associados às pedras (indestrutíveis). A crença e
a confiança nos antepassados faziam mover os vivos a cultuar os mortos. Para os gregos, seria
melhor não nascer ou tendo nascido, morrer o mais rápido possível. Mas, mesmo morrendo,
os problemas não acabariam. Para os contemporâneos de Homero, a morte seria a porta de
uma pós-existência humilhante, nas escuridões que povoam o Hades, o mundo subterrâneo.
Para os gregos, os seus destinos já estavam traçados; a morte era decidida no momento
do nascimento. Era uma obrigação de o homem ser justo e demonstrar consideração para
com os deuses, lhes oferecendo sacrifícios, às vezes humanos; estes pensamentos também
permearão os romanos.
A religiosidade da maioria das tribos africanas estava fundamentada na crença nas
forças da natureza, os Orixás. Aqui no Brasil, muitos para poder cultuar seus deuses tiveram
de se adaptar a novas situações e sincretizaram suas divindades aos santos católicos. Rios
e riachos são domínios de Oxum, Yemanjá é a senhora dos mares e oceanos, Xangô é o rei
das pedreiras, Iansã, aos raios e trovões, e ainda muitos outros. Olodumare (deus) criou
os Orixás e esses nos servem de fio condutor para benefícios e/ou malefícios. O mal, nesta
perspectiva não está desvinculado do bem como acontece no cristianismo. O mal e o bem
caminham juntos na cosmovisão dos Yorubás, como também podemos chamar os nagôs.
Yorubá é a língua-mãe de vários povos que trouxeram para o Brasil seus costumes e
crenças. Olodurare está acima dos Orixás. Ele os criou. Sabemos disso e de tantas outras coisas
por meio de (do) Itans (Itons), que são os mitos da criação, do surgimento dos seus credos
que fazem parte de um grande livro não-escrito, conhecimentos repassados pela oralidade,
de geração em geração. Alguém, certo dia, teria tocado com a mão impura no Orun e Orixalá,
o Orixá maior se irritou e atirou o seu apaxorô (cajado) com tanta força que daí houve a
separação do Orun do AYiê, e daí em diante os humanos só poderiam ir através da morte para
o Orun, assim como também os Orixás só poderiam vir ao Ayiê por meio de rituais.
A morte será o meio pelo qual o ser humano sairá do Ayiê (o mundo, o planeta Terra),
para o Orun, isto é, o além, o mundo dos mortos. Sobre estes aspectos, Juana Albein dos
Santos (2008, p. 54) salienta que

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A existência não se desdobrava em dois níveis e os seres dos dois espaços iam
de um a outro sem problemas; os Orisá habitavam o Ayiê e os seres humanos
podiam ir ao Orun e voltar. Foi depois da violação de uma interdição que
Orun se separou do Ayiê e a existência se desdobrou; Os seres humanos não
têm mais a possibilidade de ir ao Orun e voltar de lá vivos.

Sabemos que durante o período colonial, imperial e no início da república no Brasil,


os praticantes das religiões de origem africana sofreram muitas retaliações e até hoje estão
envoltas em preconceitos. Nos terreiros, classificação quase que genérica para os adeptos
desses cultos, é onde acontecem os rituais e também as oferendas. Sobre a questão das
ofertas, Santos (2009, p. 69) enfatiza que

Os nagôs, ao fazerem suas oferendas, apresentam-nas em direção a quatro


pontos do espaço que representam o universo. Tendo a oferenda na mão
ele estende o braço para frente saudando o nascente, o Iyo-õrun; levando
seu braço atrás, saúda o poente, o Iwo-ôrun; depois estende o braço para a
direita, saudando o lado direito do mundo, o otún-ayiê; e finalmente para a
esquerda, saudando o lado esquerdo do mundo, o osi-ayiê.

Segundo esse ritual, tudo que está em desenvolvimento pertence ao lado nascente;
tudo que tem de cumprir seu ciclo pertence à frente (Iwajú) e que passará a pertencer ao
poente, o que está atrás. Sendo assim, tudo que vive, o futuro, pertence ao nascente; já o que
está morto, o passado, este, pertence ao poente. É por essa razão que em seus cultos, o Ori (a
cabeça) representa o nascente, e o Axé, os nossos pés, pois são eles que nos conduzem e são
eles que estão em contato com a terra, o poente.
O Ayiê (terra) e o Orun (espaço) são, pois, esses lados direito e esquerdo no momento
das ofertas; eles também significam o lado masculino e o feminino. Existem os três princípios
ou forças que regem o universo e tudo o que está nele. Iwá, comandando a existência,
Asé (Axé) a realização, e Abé, que induz, permitindo a orientação das coisas, a direção, o
sentido. O Axé, “é a força que assegura a existência dinâmica, que permite o acontecer e o
devir” (SANTOS, 2008, p. 39). Sem força (Axé), a existência não aconteceria. O Axé pode
ser transmitido a objetos e a seres humanos, assim como também poderá aumentar e/ou
diminuir. O Axé de um Terreiro, por exemplo, é resultado dos antepassados, de cada membro
e de cada Orixá plantado no Peji. Todo sacrifício, toda oferenda, iniciação ou consagração
constitui uma transmissão de axé. Existem objetos, partes do corpo e lugares que são cheios
de axé, tais como raízes, folhas, leito dos rios, pedras, o coração, o fígado, os órgãos genitais,
entre outros.
Tudo que existe e que existirá, para se concretizar, deve receber axé nas três categorias
das cores branca, vermelha e preta. O som, também é condutor de axé; é por esse motivo
que se entoam canções com acompanhamentos de atabaques, agogôs, palmas, gritos de
saudações, para poder dar mais força (axé) ao que está sendo pedido ou proclamado. Essa
alegria nos toques, vemos em todos os momentos de sua religiosidade, desde o nascimento
(vida), até a morte corporal.
Desde o século XVI, católicos e protestantes não se entendem quando o assunto é o
purgatório. Os protestantes acusam os primeiros de terem inventado este terceiro local. Mas,
de onde os católicos tiraram esse purgatório? A palavra Purgatorium nasce entre os anos de

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1170 e 1200 pelo doutor parisiense Pierre Le Mangur, a trabalho do pontífice Inocêncio III.
Anos antes, por volta de 1024 e 1033, o dia 02 de novembro já havia se instaurado como o
dia dos mortos. A primeira promulgação do dogma do purgatório aconteceu no Concílio de
Lyon em 1274. Somente em 1439, com o Concílio de Florença é definitivamente proclamado.
Jacques Le Goff, diz que o purgatório “é um além intermediário onde certos mortos passam
por uma provação que pode ser abreviada pelos sufrágios – a ajuda espiritual dos vivos”
(1995, p. 18).
A crença neste local revela, antes de tudo, acreditar na imortalidade e na ressurreição.
Os primeiros a trabalhar essa temática foram os primeiros padres da Igreja nos primórdios
do cristianismo, e destacamos os nomes de Ambrósio, Jerônimo (responsável pela Vulgata,
primeira versão da bíblia) e Agostinho. Na Patrística, a Igreja pregava que na hora da morte a
alma imortal deixava o corpo e os dois só se encontrariam novamente no fim dos tempos, na
ressurreição dos corpos. No século IV, surgiu a ideia de Pecado Venial, quer dizer, perdoável,
que foi de suma importância para a formação futura do purgatório.
Sua ideia também trouxe à tona a questão de julgamento; um só não, dois. O primeiro
aconteceria no momento da morte e o segundo no fim dos tempos. Na sua estrutura do além,
o Terceiro Local é, pois, um ponto intermediário, não definitivo como o céu ou o inferno.
É nele onde são pagas as penas dos pecados. A partir do seu surgimento, aos poucos vão
desaparecendo as concepções de Refrigerium e do Seio de Abraão, baseados nos relatos do
novo testamento onde Lucas (LC 16, 19-26) narra a história do pobre Lázaro e do rico mau.
Surgiu por esse período um lugar denominado Limbo, onde estariam as almas dos padres
que morressem em pecado e/ou crianças sem o sacramento do batismo.

O Limbo das crianças mortas sem batismo, ao mesmo tempo indolor por
que não tiveram como pecar, e sem esperança porque não foram redimidas;
Limbo dos patriarcas, Adão e Eva, os profetas que anunciaram a vinda de
Cristo, esses que o Salvador libertou do inferno entre sua morte e ressurreição
e chamou para compartilhar das alegrias eternas (VOVELLE, 2010, p. 46).

Michel Vovelle (2010, p. 53) nos explica em seu livro que primeiro viria o “Limbo
dos Padres, mais próximos do paraíso, depois o purgatório, o Limbo das crianças e por fim
o inferno”. Este autor, classifica o Terceiro Local como um privilégio de uma elite, para
poucas pessoas. Jesus era judeu. Todo o Antigo Testamento bíblico é o livro sagrado dos
judeus. O lugar dos mortos para eles é denominado de Sheol, um lugar triste, e desprovido
de castigos. Alguns julgaram ser este um purgatório, mas não o é, tendo em consideração ser
o purgatório um lugar onde se sofrem algumas provações. Na exposição do Terceiro Local,
duas delas são muito frequentes: o ardente e o gelado.
O fogo é um dos símbolos sagrados mais remotos em rituais sob várias formas. O
judeu Saulo, posteriormente convertido e tendo o nome modificado para Paulo, em sua
Carta aos Coríntios (I COR e, 13) diz que o fogo porá à prova a obra de cada um; por essa
razão os cristãos idealizaram o purgatório como um local de chamas para queimar as dívidas
(os pecados). E para Le Goff (1995, p. 23) “o par fogo-água (fria) encontra-se num ritual
invocado nos primeiros tempos do cristianismo. Na Bíblia, está narrado que um dia, João
Batista estava no Rio Jordão e batizava os povos, mas que prenunciava que viria outro mais
forte do que ele (Jesus) e este lhes batizaria no Espírito Santo e com fogo (MT 3, 11; LC 3, 16).

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Nas religiões e mitologias antigas, o fogo aparece com múltiplas funções: como
purificador, punitivo e probatório (que seria o caso do purgatório). O fogo purgatório
significa a salvação pela purificação; já o fogo do inferno é um fogo punitivo e definitivo.
A ideia de um julgamento dos mortos e da purificação remonta ao Egito Antigo. Muitas
estruturas desse novo além e mesmo do inferno têm aí as suas raízes. A questão do próprio
Jesus Cristo descendo à “Mansão dos Mortos” rezada até hoje no Credo Romano remete à
Grécia e a Roma Antiga quando a mitologia nos informa que “Orfeu, Polux, Teseu e Hércules
desceram à morada das trevas” (LE GOFF, 1995, p. 38).
Na visão judaica que herdamos o purgatório também deve muito as suas concepções
já que o cristianismo absorveu e utilizou muitos de seus elementos e preceitos. Depois de
morrer, as almas têm três caminhos: o das recompensas (o Éden); o dos castigos eternos (a
Geena); ou o intermediário (o Shéol). O primeiro, para os justos perfeitos, ou seja, os que
morreram sem pecado; o segundo, aos ímpios, e o terceiro, para aqueles nem tão justos, mas
também nem por inteiros ímpios.

Existe, pois uma categoria intermediária composta por homens nem


totalmente bons nem totalmente maus, que sofrerão um castigo temporário
após a morte e em seguida irão para o Éden. Esta concepção levará todavia
a diferenciar na Geena uma parte superior onde acontecerão estes castigos
temporários (LE GOFF, 1995, p. 59).

Dessa forma, o que o catolicismo fez foi modificar os nomes: em vez de Éden, o céu;
a Geena foi dividida na parte superior, a dos castigos temporários que a Igreja chamou de
purgatório, e sua parte inferior denominada pelos cristãos romanos de inferno. A crença
na eficácia da oração dos vivos pelos mortos também é muito antiga. Citamos a figura
emblemática de Agostinho, que por volta do ano de 397/98, quando escreve seu livro
“Confissões”, o bispo de Hipona roga por sua mãe, Mônica e clama “por aquela que foi tua
serva; agora é pelos pecados de minha mãe que te imploro; perdoa-lhe tu também as suas
dívidas” (1995, p. 87). No ano de 426/27, ao escrever “Cidade de Deus”, exorta que o sufrágio
dos vivos são inúteis para os demônios, os infiéis e os ímpios. Ele se baseia para isso no
Evangelho de Mateus (MT 12, 31-32) que diz que ‘todo o pecado e blasfêmia contra o espírito
não será perdoada nem neste mundo, nem no outro’. Ainda nesta sua obra, ele se baseará em
Primeiro Coríntios 3, 13-15 para dizer que a obra de cada um é o fogo que provará seu valor.
É atribuída a Agostinho e outros padres dos primeiros séculos da Igreja a infernalização do
purgatório, posteriormente ressuscitada na Idade Média para pôr medo nos fieis e assim
convencer ao não pecar para nem passar por tal estado/local.
Negando a existência do purgatório, Lutero e as Igrejas reformadas acusavam os
católicos de inventores e pregavam: “para os reprovados, os tormentos do inferno; para os
eleitos, o descanso, o sono na espera do juízo final; mas as obras dos vivos não contam em
nada nessa economia da salvação” (VOVELLE, 2010, p. 101), que ainda acrescenta:

A novidade inscreve-se na pessoa dos intercessores, com mais frequência,


São Francisco, que estende seu cordão às almas, e mais ainda, Santo Antônio
de Pádua, carregando o Cristo menino. A família franciscana não dispõe de
monopólio: os carmelitas aparecem muitas vezes, a virgem do Carmo em
pessoa, distribuindo escapulários sob os traços de misericórdia (p. 190).

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A liturgia católica passou então, na Idade Média, a reservar especial atenção para
a cerimônia do além: missas de corpo presente, sétimo ou oitavo dia, a reza do Sebat das
almas, de mementos, a própria extrema unção (atual unção dos enfermos), tudo isso para
ajudar as almas no além. Em uma carta endereçada ao amigo Bonifácio, o Papa Gregório
II explica a ele que as almas no(do) purgatório poderiam ser libertas de quatro maneiras:
“pelos sacrifícios dos padres (as missas), pelas preces dos santos, pelas esmolas dos entes
queridos e pelo jejum dos parentes” (LE GOFF, 1995, p. 177).
A preocupação na crença do juízo particular, que definiria o seu destino após a morte
(céu-purgatório-inferno) introduzida pela instituição do purgatório faz com que até hoje,
muitos cristãos fiquem aflitos com a probabilidade de passar pelo fogo purgatório ou o fogo
punitivo e eterno do inferno.

Considerações finais

Augusto Cury aponta para a necessidade da desconstrução do estudante estático,


passivo, tábula rasa, para um aluno participante e expressivo de conhecimentos. “Os alunos
são considerados espectadores passivos do conhecimento expresso por seus mestres. Mas eles
detestam essa posição; eles amam participar, compartilhar, construir, inventar e reinventar”
(2017, p. 42). Todo aquele que chega às salas de aula de escolas públicas e privadas podem
e devem contribuir e discutir seus saberes. Essa é uma das funções da escola no século XXI,
servir como laboratórios para experimentos, erros e acertos.
Nossa pesquisa foi esquematizada enquanto exploratória, pois pretendíamos propor
descrições, explicações, debates e exposições em aulas, a partir de pesquisas, leituras e
comentários expressos em revistas, livros, sites, músicas ou filmes. Sobre esse tipo de
pesquisa, a professora Elisa Gonsalves (2018, p. 120) julga ser “aquela que se caracteriza
pelo desenvolvimento e esclarecimento de ideias, com o objetivo de oferecer uma visão
panorâmica, uma primeira aproximação a um determinado fenômeno, que darão suporte
para a realização de estudos mais aprofundados sobre o tema”.
Diante dos levantamentos bibliográficos, entendemos que é se suma importância
os debates relacionados ao tema proposto. Já que sabemos que estudos nessa área muitas
vezes ficam a margem das rodas de conversas das salas de aulas de muitos professionais de
educação. As propostas relacionadas a dar voz aos nossos estudantes requer um trabalho
sistêmico e colaborativo, pois eles vêm para sala de aula, carregados de suas crenças e
religiões, muitas vezes incompatíveis com o que realmente acreditam, sem poder dizer ou
expressar o que pensam.
Alguns assumem posturas condenatórias, e depreciativas por acreditarem em um
“inferno” e um “céu”, que alguém um dia os disse como verdade absoluta. Nossa proposta não
foi, ao fazer os levantamentos abordados acima, questionar a fé, (crenças) ou religiosidade
das pessoas, mas trazer para o debate na escola, o que é fé, o que é crença, o que é religião,
o que são esses dogmas que nos rodeiam e “determinam” nossos comportamentos ante aos
outros e nós mesmos. Em especial, dentro da instituição escola, onde passamos muito tempo
e reforçamos condutas que carregaremos ao longo da vida.
As diversidades religiosas como suas origens, seus dogmas, seus posturas diante a vida
e após a morte, podem e devem ser assuntos discutidos em sala, a depender dos espaços e das

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propostas trazidas. Como dissemos acima, nossos estudantes carregam consigo suas vozes
que é por direito unicamente de cada um de nós, conhecer a nós e a o outro, em indiscutível
ideia de fraternidade coletiva. E é a escola tem papel primordial de ouvi-los, respeitá-los e
deixar suas vezes ecoarem nos tempos e nos espaços diversos. Sem pré-julgamentos, sem
condenação, sem amputação, sem subestimação das crenças e de suas forças em vida ou
após o término físico ou terrestre.
Tais levantamentos nos engajam a um olhar mais justo, empático e democrático com
todos que estão em nossa volta e os que estão para além dela. Revela-nos que ainda temos
muito para aprender e ensinar, sempre.

Referências

1. ANDRADE E SILVA, Waldemar de. Lendas e Mitos dos Índios Brasileiros. 2.Ed.
São Paulo: FTD, 1999.

2. BRASIL. Repensar a Educação: rumo a um bem comum mundial? – Brasília:


UNESCO, 2016.

3. CURY, Augusto. 20 Regras de Ouro para Educar Filhos e Alunos: como formar
mentes brilhantes na era da ansiedade. 1. ed. São Paulo: Planeta, 2017.

4. ELIADE, Mircea. História das Crenças e das Ideias Religiosas: da idade da


pedra aos mistérios de Elêusis. Volume I. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2010.

5. GONSALVES, Elisa Pereira. Conversas Sobre Iniciação à Pesquisa Científica.


6ª ed. Campinas, SP: Editora Alínea, 2018.

6. LE GOFF, Jacques. O Nascimento do Purgatório. Lisboa: Estampa, 1995.

7. MARTIN, Gabriela. Pré-História do Nordeste do Brasil. Recife. Editora da


Universidade Federal de Pernambuco, 2005.

8. SANTOS, Tália de Azevedo Souto. Laicidade do Estado e Ensino Religioso no


Brasil: trajetórias, desafios e perspectivas. João Pessoa, UFPB, 2019 (Dissertação de
Mestrado em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas).

9. SANTOS, Juana Elbein dos. Os Nagôs e a Morte. 13. Ed. Petropólis: Vozes, 2008.

10. VOVELLE, Michel. As Almas do Purgatório ou o Trabalho de Luto. São Paulo:


UNESP, 2010.

42
4

Fomento à Educação em Direitos Humanos no âmbito do


serviço público: uma questão civilizatória1
Promotion of Human Rights Education in the public
service sector: a civilizing question
Nigel Stewart Neves Patriota Malta(1); Diego Carvalho Texeira(2)

(1)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0181-4474. Servidor público; Doutorando em Educação e Mestre em
Direito pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Cesmac.
Aprovado no XV Exame de Ordem Unificado - OAB (2014). Professor Titular I da Faculdade Cesmac do
Agreste. Foi Diretor-Geral do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, onde atua como Chefe de Gabinete;
Maceió; Alagoas; Brasil. [email protected];
(2)
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0264-7652; Advogado. Possui graduação em Direito pela
Universidade Federal de Alagoas (2006) e mestrado em Direito pela Universidade Federal de Alagoas
(2009). Atualmente é professor universitário da Faculdade Cesmac do Agreste, da Universidade Estadual
de Alagoas e da Seune. Tem experiência na área de Direito Público, com ênfase em Direito Constitucional e
Ambiental. Maceió; Alagoas; Brasil. [email protected].

ABSTRACT: The evolution of society, with a view to advancing its civilizing level, goes through educational
and training issues regarding human conduct, with an emphasis on practice and respect for human rights. It is
necessary to think about training alternatives for Brazilian public servants, from the perspective of humanistic
training. Indeed, Education in Human Rights presents itself as an important element for resolving the issue
raised. From the literature review, with the analysis of books, articles and texts of a scientific nature, in addition
to the legal-normative substrate applicable to the plot of this academic work, developing the theme from a
qualitative approach, this article is proposes to reflect theoretically on the possibility of implementing Human
Rights Education in the continuing training of public servants in general, with the aim of guaranteeing the
principles that govern public administration, especially administrative efficiency and morality, in addition
to reflections and contributions to a more encompassing notion of human dignity. Presenting human rights
education as the safest way to foster protection and the strict fulfillment of human rights, as members of society
must be aware of its merit, meddling in its historical construction, which intends to demystification of the
movement. With this, it is hoped that the weakness of ignorance that still insists on permeating discussions,
especially in the context of common sense, on human rights is expected to be provoked. Applied to human
rights education on a continuous basis to members of the Brazilian civil service, it is expected to promote
progressive results towards respect, promptness, social commitment, and a range of high values that must be
courted, so that, reflexively, there is also the advance of the civilizing process.

KEYWORDS: Humanistic formation, human dignity, public servant.

Introdução

Após diversos processos históricos, a conjuntura social se apresenta em sua formatação


hodierna numa busca constante de mudança e evolução. A partir desse processo civilizatório
1
DOI: 10.48016/GT10Xenccultcap4
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contínuo, as sociedades desenvolvem mecanismos de aperfeiçoamento dos seus integrantes,


com destaque ao processo educacional como fator imprescindível e fundamental ao avanço
positivo nas relações interpessoais (KILPATRICK, 1970).
Essa ideia de evolução do seio social e das questões civilizatórias assume contornos
intensamente diferenciados após as atrocidades ocorridas na Segunda Guerra Mundial, o
que se verifica especialmente com o surgimento da noção de Direitos Humanos (DH), que,
através de seu movimento dinâmico, tem-se revelado cada vez mais apto ao estabelecimento
de padrões civilizatórios comuns por intermédio de normatizações de caráter internacional,
como tratados, convenções e declarações internacionais (PIOVESAN, 2015).
Para o reforço e disseminação cultural desses critérios normativamente adotados,
surge a perspectiva da Educação em Direitos Humanos (EDH), com o objetivo de promover
conhecimentos, habilidades, valores, atitudes, comportamentos e ações cujo direcionamento
aponta para a importância da observância e respeito sobre os DH, em busca de “uma
sociedade justa, equitativa e democrática” (BRASIL, 2007, p. 26).
Importante documento representativo desse movimento é a Declaração Universal dos
Direitos Humanos (DUDH) de 1948, que aporta, em sua gênese, a proclamação de ideais
comuns aos povos e nações, que devem ser observados a partir do esforço mútuo dos Estados
e Organismos Internacionais, “através do ensino e da educação”, com ênfase à promoção aos
direitos encartados no referido documento (ONU, 2009, p. 4).
Nesse contexto, uma das disposições encartadas na DUDH diz respeito ao direito
de acesso ao serviço público, que assume, em uma de suas interpretações, a feição de que
todos aqueles que necessitarem de serviços públicos possam ser tratados dignamente, com
respeito e parcimônia pelos integrantes do funcionalismo estatal.
No âmbito brasileiro, essa dicção ganha traços ainda mais marcantes diante da adoção
de uma República enquanto forma de governo, embora não raro haja apontamentos – seja
no senso comum, em textos jornalísticos ou até mesmo científicos –, sobre a postura adotada
pelo funcionalismo público no trato cotidiano oriundo do exercício das respectivas funções,
o que ensejou, inclusive, a criação de uma legislação própria para coibir práticas prejudiciais
– Lei nº 13.460, de 26 de junho de 2017, que dispõe sobre a participação, proteção e defesa
dos direitos do usuário dos serviços públicos da administração pública.
Não sendo regra geral o destrato por parte dos servidores públicos, por óbvio, mas
sendo ainda visualizado em vários segmentos, resta colocado o problema que se pretende
refletir neste escorço acadêmico, a dizer, o aspecto civilizatório envolto à questão e a possível
contribuição da EDH para, nesse ambiente, viabilizar uma mudança de paradigmas sociais.
Portanto, pretende-se discorrer sobre a EDH e a DUDH, as disposições constitucionais
e infraconstitucionais afetas ao serviço público no Brasil, com reflexões sobre a aplicabilidade
de medidas educativas em prol do aperfeiçoamento do processo civilizatório brasileiro.
Para tanto, buscar-se-á a articulação a partir da revisão de literatura, com a análise de
livros, artigos e textos de caráter científico, além do substrato jurídico-normativo aplicável
ao enredo do presente trabalho acadêmico, desenvolvendo-se a temática a partir de uma
abordagem qualitativa. Espera-se, sobretudo, sem a pretensão de esgotar a matéria, prestar
subsídio aos estudos que permeiam o objeto fundamental da EDH.

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Educação em Direitos Humanos e a Declaração Universal dos Direitos Humanos

A EDH tem sido tratada pela literatura especializada como uma ferramenta de
amplo espectro e de extraordinária importância na concretização dos DH, mormente em
face da necessidade de conscientização dos diversos setores da sociedade sobre a questão
da observância das normas contidas em convenções, tratados e demais documentos
internacionais que apresentam força normativa no âmbito interno do Estado brasileiro.
A dimensão que se pretende alcançar por intermédio da EDH é bastante destemida,
na medida em que se propugna pela formação de uma cultura de respeito e valorização aos
DH, em prol da formação de um concreto processo de formação cidadã através da educação
(BOMFIM, 2015).
Deveras, a legislação interna recosta a EDH, defluindo da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional – Lei nº 9.394/1991, o fato de ter sido alçada ao patamar de política
pública educacional que deve ser incentivada e proporcionada em todos os níveis de ensino.
Conquanto haja inúmeros desafios à plena efetivação das prescrições legais, tais como
a necessidade de compreender a construção dos sujeitos, o progresso do fenômeno do
empoderamento dos mais vulneráveis, a profusão de valores e princípios constitucionais
e o resplandecer da memória educativa sobre os erros do passado, há de fato inúmeros
avanços que podem ser constatados no Plano Nacional da Educação em Direitos Humanos
(PNEDH) e nas Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos (DNEDH)
(LINS JÚNIOR, 2012).
No PNEDH, tem-se a defesa de que a EDH consiste num processo que atua de forma
sistematicamente orientada à formação dos sujeitos, articulando múltiplas dimensões
que envolvem conhecimentos históricos, a afirmação de valores, os aspectos práticos,
a consciência cidadã, entre outros pontos favoráveis ao seu incremento (BRASIL, 2009;
MALTA; MERCADO, 2018).
Na mesma esteira, as DNEDH esboçam princípios de máxima envergadura na busca
de proteção dos DH, a exemplo da defesa à própria dignidade humana, à igualdade, ao
reconhecimento e valorização da diversidade, à democracia, para além de tantos outros
aspectos de crucial magnitude ao alento interno que deve ser direcionado a essas normas de
caráter supranacional (BRASIL, 2012).
Dentre os estatutos que compõem o corpo de documentos que exteriorizam os DH,
um deles deve ser ressaltado, com especial relevo ao tema tratado neste traçado, a dizer, a
DUDH de 1948, cujo texto sobreleva com precisão o equilíbrio e a força pujante assumida
por normas da mesma natureza ao longo dos anos seguintes de sua elaboração.
Entre seu conteúdo, colige-se, no artigo XXI, a predisposição de acesso às funções
públicas do país enquanto direito humano sobre o qual recai, dentre as hipóteses
exegeticamente possíveis e vislumbradas pela doutrina, aquela que diz respeito ao acesso ao
serviço público prestado com qualidade – termo aqui empregado no sentido daquilo que se
apresenta de forma positiva (ONU, 2009; PAGLIUCA, 2010).
A despeito da complementação no âmbito interno – o que será abordado adiante –,
importa sublinhar que apenas por estar inserida em documento do status da DUDH, já figura
como um direito passível de ser aperfeiçoado a partir da EDH, em busca de sua efetivação

45
Educação em Direitos Humanos e Diversidades
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plena, com o afã de que haja sua incorporação na consciência cidadã coletiva, fitando a evitar
a sua extenuação.
Dessa forma, deve o Estado propiciar, em todos os níveis e nas instituições públicas,
educacionais ou não, o fornecimento de mecanismos alicerçados na EDH que fortaleçam a
postura de proteção aos DH, em prol da “efetivação da cultura dos direitos humanos com vistas
a uma formação ética, crítica e política do indivíduo” (MALTA; MERCADO, 2018, p. 102).

A interpretação do serviço público a par da ótica dos Direitos Humanos

No contexto apresentado, insta destacar, inclusive, que a EDH se apresenta


como instrumento viabilizador do princípio da eficiência, basilar no funcionamento da
administração pública brasileira, sendo não apenas uma recomendação, mas um dever de
atuação, consistente num modo de atuação do agente público com o melhor desempenho
possível das suas atribuições, dentro de um contexto de organização e estrutura que vise
alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público (DI PIETRO, 2015).
A EDH se apresenta, nessa esteira, como instrumento fundamental para que se possa
falar em cumprimento ao princípio da eficiência pela administração pública como um todo.
Por tal razão o art. 12 da Lei nº 13.460/2017 é expresso ao indicar o respeito aos princípios da
eficiência e da celeridade quando se estiver diante de processos administrativos que tratem
da manifestação de usuários do serviço público. Isso, é fato, visa viabilizar uma pronta e
rápida resposta, em caso de provocação pelo utilizador do serviço.
No entanto, ainda que tal não restasse expresso, defluiria da própria sistemática
imposta pelo direito – interno e internacional – a respeito da questão. Efetivamente,
somente será possível falar-se em prestação minimamente condizente com os princípios
constitucionais o serviço público prestado com eficiência. Doutra banda, tal eficiência
de nada valerá acaso não ocorra respeitando os DH dos usuários. Interpretação diversa
fatalmente descamba em violação à dignidade humana, cuja proteção, tutela e fomento, é o
objetivo primordial da própria garantia dos DH e fundamentais.
Assim, para além da viabilização de uma atuação que respeite os direitos humanos, a
EDH serve ainda de vetor de satisfação do princípio constitucional da eficiência, vez que não
se tem como almejar um desempenho otimizado do servidor no exercício de suas atribuições
senão com o respeito aos direitos dos jurisdicionados. Ao revés, a violação de tais direitos
também se mostra como violadora da própria eficiência.
Mas não é só. Ao lado da eficiência, como princípios constitucionais, reitores da
atuação de toda a administração pública têm-se, no art. 37 da CF, ainda, a legalidade, a
impessoalidade, a moralidade e a publicidade (BRASIL, 2020). Convém destacar, nestes, a
moralidade, como sendo influenciada pela EDH.
A respeito de tal princípio, Hely Lopes Meyrelles destaca que o agente público deve
ter em conta, na sua atuação, o elemento ético, de modo que, “assim, não terá que decidir
somente entre o legal e o ilegal, o justo do injusto, o conveniente e o inconveniente, o
oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto” (2012, p. 90).
Pois bem. Não há como distinguir, na atuação do servidor público, o adequado, correto,
do inadequado, e por isto vedado, sem que se tenha como bússola a EDH, de modo que,

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Educação em Direitos Humanos e Diversidades
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também aqui, deve-se observar tal regramento sob pena de dupla violação principiológica
em caso de atuação dissonante com os direitos humanos.
Nessa esteira, é que surge o papel da EDH aplicado ao serviço público e sua
importância no aperfeiçoamento do processo civilizatório, dada a magnitude das temáticas
formativas abordadas e a possibilidade de buscar construir elementos que impliquem no
melhoramento constante da prestação dos serviços públicos no Brasil, aliado às versadas
perspectivas humanistas.
Diante das considerações traçadas, não há como se falar em respeito aos princípios
norteadores da administração pública, ou mesmo às diretrizes atinentes à EDH, ou à DUDH,
sem que se tenha uma atuação do servidor público voltada para o respeito e satisfação dos DH.

Considerações finais

Em festejada passagem prefacial George Sarmento Lins Júnior produziu a seguinte


assertiva a respeito da EDH: “é a ferramenta mais poderosa para fortalecer a cidadania,
combater o arbítrio, a intolerância e o preconceito” (BOMFIM, 2015, p. 3-5).
Nessa linha intelectiva, vê-se que a EDH é, pois, o caminho mais seguro para o fomento
de proteção e ao estrito cumprimento dos DH, porquanto os integrantes da sociedade devem
ter consciência do seu mérito, imiscuindo-se em sua construção histórica, o que tenciona a
desmistificação do movimento.
Com isso, espera-se seja provocada a debilidade da ignorância que ainda insiste em
permear as discussões, especialmente no âmbito do senso comum, sobre os DH.
Indo além, importante consignar que somente será possível falar-se em satisfação aos
princípios norteadores da administração pública em caso de respeito aos DH, mormente os
da eficiência e da moralidade.
Por intermédio da EDH no âmbito formativo dos servidores públicos brasileiros,
objetiva-se expurgar posturas contrárias às perspectivas humanistas necessárias à evolução
do nosso seio social, com vistas a atingir um patamar civilizatório mais elevado.
Aplicada a EDH de forma continuada aos integrantes do funcionalismo público
brasileiro, espera-se a promoção de resultados progressivos em direção ao respeito, à
presteza, ao compromisso social, e uma gama de altos valores que devem ser cortejados,
para que, de forma reflexa, tenha-se também o avanço do processo civilizatório.

Referências

1. BOMFIM, Georgina M. Educação em direitos humanos: análise da política


pública à luz da sociedade aberta dos intérpretes constitucionais. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2015.

2. BRASIL. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de


Educação em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos,
Ministério da Educação, Ministério da Justiça, UNESCO, 2007.

47
Educação em Direitos Humanos e Diversidades
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3. BRASIL. Ministério da Educação. Resolução nº. 1, de 30 de março de 2012:


estabelece Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos. Conselho
Nacional da Educação (Pleno). 2012. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.
php?option=com_docman&view=download&alias=10889-rcp001-12&category_
slug=maio-2012-pdf&Itemid=30192>. Acesso em: 29 jul. 2020.

4. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 28. ed. São Paulo: Atlas
editora, 2015.

5. KILPATRICK, W. H. Educação para uma civilização em mudança. 8. ed. São


Paulo: Melhoramentos, 1970.

6. LINS JÚNIOR, George S. A educação em direitos humanos e a reconstrução


da cidadania brasileira. dez., 2012. Disponível em: <http://www.georgesarmento.com.
br/wp-content/uploads/2011/02/Educação-em-Direitos-Humanos-e-a-promoção-da-
cidadania-brasileira2.dotx>. Acesso em: 10 fev 2017.

7. MALTA, Nigel S. N. P.; MERCADO, L. P. L. Tecnologias da informação e comunicação


no ensino superior da educação em direitos humanos. In: Revista Temas em Educação
(UFPB), v. 27, n. 2, 2018, jul.-dez. Disponível em: <https://periodicos.ufpb.br/index.php/
rteo/article/view/37024>. Acesso em: 29 jul. 2020.

8. MEYRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 38. ed. São Paulo:
Medeiros, 2012.

9. ONU. Declaração dos Direitos Humanos de 1948. UNIC, Rio, 005, agosto 2009.
Disponível em: <https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/
por.pdf>. Acesso em: 24 jul. 2020.

10. PAGLIUCA, José C. Direitos humanos. São Paulo: Rideel, 2010.

11. PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional


internacional. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

48
5

Práticas restaurativas na educação: a humanização na


formação como efetividade dos Direitos Humanos1
Restorative practices in education: humanization in
formation as the effectiveness of Human Rights
Alessandra Maria Martins Gaidargi-Garutti(1); Valéria Jabur Maluf Mavuchian Lourenço(2)

(1)
ORCID : https://orcid.org/0000-0001-5626-5436, Pós-doutoramento em Educação e Culturas; Universidade
Nove de Julho (UNINOVE); São Paulo, SP; Brasil. [email protected];
(2)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3349-6466, Doutoramento em Filosofia da Educação; Universidade
Nove de Julho (UNINOVE); São Paulo, SP; Brasil. [email protected].

ABSTRACT: This paper consists on the conceptual resumption of Human Rights and education, and the
analysis of restorative practices in the educational field, through Restorative Justice, as a paradigm in cross-
sectional education in Human Rights. Established by resolution 225 of the National Council of Justice,
Restorative Justice brings principles that guide a new reference of coexistence in conflict relations, both in
society and in schools, which directly affects the principles and values of human rights education.

KEYWORDS: Human rights; Education; Restorative Justice.

Introdução

O presente trabalho é uma análise das práticas restaurativas na educação como


forma de efetivar a educação em Direitos Humanos e, assim, humanizar a educação. O
fundamento deste estudo é o ideal freiriano de educação para a libertação e humanização
dos sujeitos. O direito à educação caracteriza-se por ser um direito social, oriundo
da segunda dimensão de Direitos Humanos, que traz em seu sentido o surgimento e o
desenvolvimento de um direito, que, em constante evolução, diante do contexto histórico,
e conforme os movimentos de tempo e espaço apresentam-se em contínuo amoldamento
ante as necessidades atuais e visa, também, o suprimento das futuras. Portanto, essencial
a uma educação que se propõe libertadora.
Importante compreendermos que não existe uma concepção pronta e acaba de
Direitos Humanos, e sim um conceito em construção contínua que, assim como a própria
humanidade, não tem definições estáticas. Direitos Humanos resultam de luta histórica, de
diversas nações, para a humanização do que entendemos como justiça. A partir da aprovação
da Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948) pelos integrantes das Nações

1
DOI: 10.48016/GT10Xenccultcap5
Educação em Direitos Humanos e Diversidades
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Unidas, esses direitos passam a ser considerados como aqueles inalienáveis, universais
e indivisíveis aos quais todo ser humano, independente de nacionalidade ou condições
socioeconômicas, deve ter acesso. O direito à educação está entre eles.
Pensar educação implica pensar a ação humana educativa em todas as suas dimensões,
uma vez que é norteadora de outras ações humanas. Educação implica dialogia (FREIRE,
2011a), intersubjetividade e conexão com a realidade, valorizando as subjetividades da
construção do conhecimento, a humanidade de cada um dos envolvidos neste processo.
O ato de educar é indissociável do respeito ao direito humano de ter acesso à educação
enquanto ação humana civilizatória. Em Pedagogia do Oprimido, Freire (2011b) indica
que não se pode ser, autenticamente, livre proibindo que os outros sejam. Por ser esta uma
‘exigência radical’ não há ação humana transformadora que não considere a humanidade
do outro, que não se pontue em dialogia. O autor define Direitos Humanos como o respeito
“do direito de ir e vir, do direito de comer, de vestir, de dizer a palavra, de amar, de escolher,
de estudar, de trabalhar. Do direito de crer e de não crer, do direito à segurança e à paz”
(FREIRE, 2011b, p.130).
Fundamental em sua essencialidade, a educação tem como objetivos constitucionais o
pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho, sujeito à premissa de ser exercido com padrão de qualidade. Como processo
de extrema complexidade, a educação decorre da integração dos fenômenos humanos e de
sua historicidade (SEVERINO, 2012).
A Justiça Restaurativa, instituída pela Resolução nº 225 do Conselho Nacional de
Justiça (BRASIL, 2016) oferece um modelo de intervenção efetiva em questões de conflito,
no ensejo de promover estratégias de pacificação social e um novo olhar para as relações
humanas. Seus princípios, estabelecidos no artigo 2º da referida Resolução, trazem em seu
cerne uma mudança de paradigma de convivência.
O desenvolvimento das práticas restaurativas no ambiente escolar conduz à promoção
de soluções para os conflitos apresentados, de forma pacífica e produtiva, por meio da
reflexão e do diálogo (FREIRE, 2011b), proporcionando compreensão sobre os problemas da
comunidade e aprendizado para os envolvidos, quer sejam alunos, professores, funcionários
ou membros da comunidade.
 O trabalho se divide em dois momentos. Primeiramente abordamos os direitos
humanos e direitos fundamentais, enfatizando o direito à educação e a educação
em direitos humanos, bem como a importância da educação como ferramenta de
desenvolvimento humano. Num segundo momento tratamos das práticas restaurativas
nas escolas como meio de efetividade da educação respeitosa aos direitos humanos,
fundamentalmente freiriana.

Direitos Humanos e Educação

Inerentes a todos os seres humanos, os Direitos Humanos transcendem a existência


do homem, de maneira que apresentam, em sua essência, valores e direitos para proteção da
dignidade da pessoa humana. Apresentam, por característica, a universalidade, na medida
em que abrangem a todas as pessoas de maneira indistinta, em qualquer lugar no mundo,
independente de raça, credo, cor ou nacionalidade. Não obstante, são inalienáveis, de modo

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Educação em Direitos Humanos e Diversidades
Maria Aparecida Vieira de Melo | Maria Aparecida Cruz | Sara Ingrid Borba (Organizadoras)

que não são objetos de tergiversação, bem como imprescritíveis, pois, como inerentes à
pessoa humana, esta goza de sua proteção desde a concepção até após a morte.
Sua evolução no curso da história é fruto de lutas e conquistas, de maneira que
propõe contínuo amoldamento do direito às necessidades humanas atuais e futuras, sendo
um processo dinâmico, em constante evolução, conduzindo ao reconhecimento de novos
direitos (SILVEIRA; ROCASOLANO, 2010).
No contexto das revoluções francesa e americana, no século XVIII, a primeira
dimensão dos direitos humanos foi retratada pela positivação dos direitos civis e políticos,
na qual o valor ‘liberdade’ se traduziu na não interferência do poder estatal na esfera
privada, sem haver a interferência do Poder Público no domínio particular. Os direitos civis,
neste momento, compreendem o direito à vida, à liberdade, à segurança pessoal e à objeção
de consciência. Por sua vez, os direitos políticos compreendem o direito de participação
política, que depreende o direito de votar e ser votado, de participar na elaboração das leis,
de associação política e acesso aos cargos públicos, direito de reunião e direito de petição.
Com a Revolução Industrial, no século XIX, passou-se a sobrevir as primeiras
reivindicações de direitos econômicos e sociais, em virtude do processo de industrialização
e a opressão e exploração do proletariado. Surge, então, a segunda dimensão de direitos
humanos, agora com nova visão do Estado, em uma vertente positiva em relação à sociedade,
no sentido deste adotar medidas a fim de garantir os direitos econômicos, sociais e culturais,
ou seja, os direitos coletivos, tais como educação, direitos sociais, com o objetivo de dirimir
as desigualdades sociais e de proporciona a participação dos trabalhadores dos benefícios
sociais para uma vida digna. O valor igualdade é defendido neste momento, de maneira que
é entendida como igualdade no acesso a bens materiais, e, a solidariedade corresponde à
justiça social.
A Revolução francesa, em 1789 apresenta novo marco histórico, de maneira que a
Constituição da França em 1791 assinalou valores conquistados pela humanidade, e em seu
preâmbulo anuncia como princípios a liberdade, a igualdade e a fraternidade, e apresenta
como fundamentos a família, o trabalho, a propriedade e a ordem pública.
Após a Segunda Guerra Mundial, a humanidade se depara com a necessidade de
rever os valores que conduzem suas decisões, de modo que a terceira dimensão dos Direitos
Humanos surge neste contexto culminando com a criação da ONU, cujo valor premente é a
solidariedade, no sentido de atenuar as desigualdades econômicas e sociais entre as nações,
bem como o direito à paz, ao desenvolvimento, à autodeterminação dos povos e ao meio
ambiente sadio (SILVEIRA; ROCASOLANO, 2010).
Os Direitos Humanos, como categoria histórica e fruto de conquistas e lutas no curso
da humanidade, estão diretamente relacionados às condições da evolução social de modo
geral, e, por meio da compatibilização geracional, promovem um constante processo de
autointegração do direito que se traduz na funcionalização do direito.
Neste artigo o foco são os Direitos Humanos que dizem respeito à educação, direito
social fundamental para construção da sociedade, fato que se depreende do preâmbulo da
Declaração Universal de Direitos Humanos (ONU, 1948):

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Educação em Direitos Humanos e Diversidades
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A Assembleia Geral da ONU proclama a presente Declaração Universal dos


Diretos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos
e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da
sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforcem, através do
ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades,
e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional,
por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos,
tanto entre os povos dos próprios Estados membros, quanto entre os povos
dos territórios sob sua jurisdição.

A formação do indivíduo prima não somente pela construção e aquisição de conhecimento,


como também pelo desenvolvimento de seus potenciais, bem como pelo pensamento crítico e
discernimento, de modo a conduzir o indivíduo a fazer escolhas conscientes, usufruir de sua
liberdade, objetivando a promoção da dignidade da pessoa humana.
A educação possui objetivo formador e informador, de maneira a sustentar a
construção da identidade do indivíduo e sua emancipação, para que tenha compreensão
às possibilidades que antecedem suas escolhas, de modo a ter responsabilidade por seus
atos e assumir suas consequências, expressar sua opinião e vontade com autonomia e
autodeterminação. Ao abordar a questão sobre o que é educar, Rodrigues afirma:

[...] Educar compreende acionar os meios intelectuais de cada educando para


que ele seja capaz de assumir o pleno uso de suas potencialidades físicas,
intelectuais e morais para conduzir a continuidade de sua própria formação.
Esta é uma das condições para que ele se construa como sujeito livre e
independente daqueles que o estão gerando como ser humano. A Educação
possibilita a cada indivíduo que adquira a capacidade de auto conduzir o seu
próprio processo formativo.
Há de se inserir o homem no mundo social e disciplinar os seus impulsos
naturais; desenvolver nele a capacidade do entendimento e do conhecimento;
organizar e promover habilidades necessárias à produção e reprodução das
condições próprias de existência; prepará-lo para compreender-se como
partícipe de um processo civilizatório, no qual se torna responsável com o
bem-estar pessoal e dos outros, e com a incessante busca da felicidade.
A consciência de liberdade, de igualdade, de participação e de disciplina da
vontade, ao atingir o patamar da maturidade nos indivíduos, deve orientar
os seres humanos cidadãos a compreenderem a importância de outros
princípios e valores, sem os quais a vida social se destruirá, entre eles: a
tolerância, a cooperação, a solidariedade, a humildade, o respeito, a justiça.
Eis alguns dos grandes desafios para a ação educativa como ação formadora
do ser humano. (RODRIGUES, 2001, p. 241 e 252)

Não apenas um direito fundamental, a educação em Direitos Humanos traz como


diretriz a valorização da pessoa humana como sujeito central do processo de desenvolvimento.
O Plano Nacional de Direitos Humanos (BRASIL, 2009) apresenta como eixos orientadores
a interação democrática entre Estado e sociedade civil; o desenvolvimento e os Direitos
Humanos; a universalização dos direitos em um contexto de desigualdades; a segurança
pública, o acesso à Justiça e o combate à violência; a educação e a cultura em Direitos
Humanos; e, por fim, o direito à memória e à verdade.
A educação em Direitos Humanos promove o empoderamento do educando e o
conhecimento dos direitos que lhe são inerentes como ser humano, bem como reflete em

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Educação em Direitos Humanos e Diversidades
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uma ética universal na sua formação e nas suas relações com outros sujeitos, com sua
historicidade, com as relações de poder.
Neste sentido, incluir nos projetos políticos pedagógicos o ensino de Direitos Humanos
na transversalidade na Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017) é fundamental para
que se alcance o objetivo do direito à educação, para promoção do pleno desenvolvimento da
pessoa, qualificação para o trabalho e capacitação para exercer plenamente sua cidadania.
Esta proposta, da renovação do entendimento, considerando que conhecimento e
ciência não estão imunes a erros e ilusões e propondo a contestação por argumentos daquilo
que é mecânico e absoluto, representa a luta constante contra as ideias por meio de ideias.
Neste sentido, propõe a reforma do pensamento, por meio de uma adequação dos saberes
de maneira contextualizada, diante do global, ou seja, da relação entre o todo e as partes;
do multidimensional, destacando-se as dimensões históricas, econômicas, sociológicas,
religiosas, e do complexo, cujos elementos constituem o todo e são inseparáveis, tais como
os elementos econômicos, políticos, sociológicos, psicológicos, afetivos e mitológicos, de
maneira que a educação dividida em compartimentos deve ser superada pela promoção da
inteligência geral.
Fica evidenciada, ainda neste contexto, a multidimensionalidade e complexidade
humana, a fim de integrar a plenitude das humanidades, ressaltando que somente é possível
compreender a complexidade humana se houver desenvolvimento conjunto das autonomias
individuais, das participações comunitárias e do sentimento de pertencer à espécie humana.

Educação para o futuro

Enfrentar as incertezas, ter capacidade de realizar escolhas refletidas, ter consciência


de que estas ainda possam se modificar durante a ação em função de imprevistos, é um dos
saberes da educação para o futuro, que ressaltamos que somente será possível se o educando
tiver sólida formação da consciência e exercício de seus direitos e deveres, inerentes a si
como ser humano.
Levar o homem ao processo de conscientização e compreensão é condição para
garantia da solidariedade intelectual e moral da humanidade, superando o egocentrismo, o
etno e sociocentrismo, por meio da ética da compreensão. A educação deve conduzir ao bem
pensar, à introspecção, à consciência da complexidade humana, à abertura em relação ao
outro, a tolerância e ao reaprender incessante.
A ética do gênero humano deve-se desenvolver por meio de três fatores, quais sejam:
o conjunto das autonomias individuais, das participações comunitárias e do sentimento
de pertencer à espécie humana, desenvolvendo a consciência da qual emergirá a ética que
supõe decisões conscientes para o exercício da cidadania no plano democrático, a fim de se
lutar contra a dominação, a opressão e barbárie humana.
A integração do indivíduo à sua cultura e aos seus valores, indicando condutas éticas,
respeitando a diversidade cultural, crenças e valores dos povos, permite o desenvolvimento
sob a amplitude da dignidade. Educar sob todas as formas de conhecimento leva ao
ensinamento e aprendizagem da proteção integral da pessoa como fundamento para
construção da identidade social, moral, psicológica, nas diversas relações do ser humano,

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tais como relações sociais, políticas, consumeristas, trabalhistas, com o Estado na prestação
de serviços públicos, com o meio ambiente, visando à solidariedade e qualidade de vida para
gerações atuais e futuras.
Como princípio, a educação tem o mister de promover a formação consciente do
cidadão, de maneira que este compreenda sua responsabilidade, seus deveres, que possa
pleitear por seus direitos, posicionar-se em face da injustiça e de situações que afrontam sua
dignidade. Mas, para isto, a educação precisa estar alinhada com os ideais de humanidade
e libertação supracitados, e plenamente integrada à conscientização sobre os Direitos
Humanos, que incluem a própria educação para a liberdade.
Os sujeitos envolvidos no processo educacional são seres empíricos, entidades naturais
e sociais, entes históricos determinados por condições objetivas, perfeitamente cognoscíveis
pela ciência. Mas eles interagem permanentemente com essas condições, modificando-as
por sua práxis. Em outras palavras, a educação é viva, e se transforma a todo o momento
tal qual os seres humanos que a compõe, visto que são características da humanidade a
incompletude e o inacabamento. De acordo com Freire (2011b) somos seres de relação, e só
existimos nelas, e nas transformações que nos despertam. A educação para o futuro é aquela
que tem a transformação como um de seus alicerces.
Como processo de extrema complexidade, a educação decorre de sua integração ao
campo dos fenômenos humanos, bem como da sua historicidade. O processo educacional é
substantivamente prática técnica (trabalho) e também prática política (sociabilidade). Sua
função é mediar e intencionalizar essas práticas.
Além de manifestação concreta das práticas técnicas e políticas, a prática educacional
é também uma preparação para o mundo do trabalho e da sociabilidade e apresenta
a perspectiva de ser uma modalidade de trabalho para seus agentes, atividade técnica
produtiva e socialmente útil. Entretanto, é uma forma de preparação de seus destinatários
para o trabalho, um investimento intergeracional para inserir as novas gerações no universo
das relações produtivas, e, se realiza como atividade prática simbolizadora, permeando o
tríplice universo do trabalho, da sociedade e da cultura (SEVERINO, 2012, p.70). Isto torna
ainda mais importante a educação para os Direitos Humanos, que precisam permear as
práticas dos indivíduos nestas três esferas da vida.
No Relatório Delors para a UNESCO, da Comissão Internacional sobre Educação para
o século XXI, a educação “deve levar cada um a tomar consciência de si próprio e do meio
ambiente que o rodeia, e a desempenhar o papel social que lhe cabe enquanto trabalhador
e cidadão” (DELORS, 1996, p. 18), de modo a aprender a conhecer, como competência
cognitiva, de modo a compreender e construir o conhecimento; aprender a fazer, a fim de
colocar em prática, ou seja, agir sobre o meio que o envolve; aprender a viver juntos, conviver,
aceitar as diferenças e cooperar com os outros na convivência em sociedade; aprender a ser,
de modo a formar o cidadão com autonomia. A mudança de paradigma para construção de
nova forma de convivência encontra amparo no relatório Delors para a UNESCO:

A compreensão deste mundo passa, evidentemente, pela compreensão das


relações que ligam o ser humano ao seu meio ambiente. Não se trata de
acrescentar uma nova disciplina a programas escolares já́ sobrecarregados,
mas de reorganizar os ensinamentos de acordo com uma visão de conjunto

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Educação em Direitos Humanos e Diversidades
Maria Aparecida Vieira de Melo | Maria Aparecida Cruz | Sara Ingrid Borba (Organizadoras)

dos laços que unem homens e mulheres ao meio ambiente, recorrendo às


ciências da natureza e às ciências sociais. Esta formação poderia, igualmente,
ser posta ao dispor de todos os cidadãos, na perspectiva de uma educação
que se estenda ao longo de toda a vida (DELORS, 1996, p. 47).

Neste contexto, Paulo Freire, ao abordar a educação para liberdade e autonomia,


traz orientações sobre o saber pensar, sobre a ética, respeito e a valorização da relação
do professor e aluno. Freire (2011a) defende que a prática pedagógica deve conduzir à
ética universal do ser humano, de maneira a condenar a exploração da força do trabalho
humano, a recusar desvirtuar a verdade, a iludir o incauto, a testemunhar enganosamente,
a aproveitar-se do fraco e indefeso. Cabe à educação libertar e emancipar, e não legitimar
contextos sociais opressores.
Ao propor uma reflexão crítica o processo educativo deve conduzir o educando a
assumir-se como ser social, histórico, presente, transformador e rejeitar toda forma de
discriminação, objetivando a formação democrática, de maneira a promover a construção
de uma solidariedade social e política.
Freire (2011a) considera o processo de conhecimento como aquele edificado, passível
de erros e falibilidades, de maneira que a valoração da experiência humana contextualizada
traz nova concepção, na qual a autonomia é premissa primordial, e consolida-se com a
prática do saber com ética, respeito à identidade e à dignidade do educando.

Práticas restaurativas nas escolas

A Justiça Restaurativa, instituída pela Resolução nº 225 do Conselho Nacional de


Justiça (BRASIL, 2016) oferece uma alternativa para gerir conflitos, podendo estes serem
violentos ou não, de maneira a propor uma nova ótica sobre as relações, por meio de um novo
paradigma, que pressupõe o diálogo, o respeito, objetivando a responsabilização, reparação
do dano causado e a restauração das relações rompidas pelo conflito.
Sua prática é norteada por princípios, os quais se encontram dispostos no artigo 2º
da Resolução, e orientam a Justiça Restaurativa, como a corresponsabilidade, reparação dos
danos, atendimento às necessidades de todos os envolvidos, informalidade, voluntariedade,
imparcialidade, participação, empoderamento, consensualidade, confidencialidade,
celeridade e urbanidade.
Ao promover um novo paradigma de convivência seu desenvolvimento no ambiente da
educação conduz à promoção de diálogo entre os atores envolvidos no processo educacional,
bem como às soluções para conflitos, destoando do viés punitivo, mas, de forma pacífica e
produtiva e por meio do diálogo, proporciona a compreensão a respeito dos problemas da
comunidade escolar e aprendizado para os envolvidos.
A participação conduz ao diálogo (FREIRE, 2011b), de maneira respeitosa, em razão
da horizontalidade, na qual todos os seres humanos são iguais, a fim de que todos tenham vez
e voz, proporcionando a interconexão e sentimento de pertencimento, de modo a promover
a responsabilidade e ajustes nas regras de convívio e acordos que conduzam à reparação dos
danos, à esperança, ao empoderamento e fortalecimento da comunidade.

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Educação em Direitos Humanos e Diversidades
Maria Aparecida Vieira de Melo | Maria Aparecida Cruz | Sara Ingrid Borba (Organizadoras)

O diálogo é fundamental nas relações sociais. É processo que permite o aprimoramento


das relações humanas. Conduzido com cautela, conduz a relações significativas e produtivas,
tornando os relacionamentos mais respeitosos e afetuosos.
Em Freire (2011b) o diálogo é constituído por amor, fé, confiança, humildade,
esperança e criticidade. Estas são as características intrínsecas ao diálogo, sem as quais se
torna impossível qualquer relação dialógica. Dentre estas características, a mais importante
é o amor, relacionado com a ação comprometida com o mundo e com o outro. A ação
amorosa permite o diálogo, a compreensão do outro, e a libertação de ambos no processo. O
amor possibilita o reconhecimento do outro enquanto ser inteiro, e, em relação dialógica, a
transformação de si.
O amor, defendido por Freire (2011a) como característica essencial do diálogo, se
completa na fé e na humildade. Estes três fatores possibilitam a transformação dos sujeitos
em virtude da ação dialógica, porque impede que os indivíduos se sobreponham, e tentem
obrigar ao outro sua visão de mundo. A partir desta tríade de sentimentos o indivíduo
estabelece uma relação de confiança com o outro, o que permite que se movimentem juntas
no caminho da libertação.
Há, ainda, outro elemento a considerar para a relação dialógica em Freire (2011b),
que é a esperança. É a perspectiva de mudança, a esperança, que torna o diálogo como busca
pela libertação uma ação possível. O conceito de esperança está ligado à possibilidade de
transformação da sociedade e das relações. Sendo assim, ao considerar a transformação
como uma possibilidade viável, as pessoas compreendem que outras possibilidades de
mundo podem se desenhar, e passam a desenvolver o pensamento crítico.
O diálogo se apresenta como instrumento de transformação. A essência da educação
é o diálogo constante entre educador e o educando, a fim de submeter todas as palavras
à reflexão, tornando a educação uma verdadeira práxis de transformação do mundo,
numa educação para os Direitos Humanos em que se respeita profundamente o direito
à humanidade. E, uma vez que a educação acontece dentro da sociedade, é uma prática
essencialmente humana e social, precisa estar em constante relação dialógica com o contexto
social num todo.
As relações no âmbito escolar são marcadas pelo diálogo, porém a construção de
diálogos significativos é um desafio no fazer educativo e nas relações humanas (FREIRE,
2011a). Criar nas escolas uma cultura de espaços de diálogos é fundamental para o
fortalecimento de relacionamentos e das práticas da democracia.
O diálogo é uma ferramenta eficiente, e por meio dele é possível proporcionar
ações colaborativas, prevenir conflitos, resolver controvérsias, gerar ideias encontrar
soluções compartilhadas.
O Ministério Público de São Paulo, em uma cartilha elaborada para a Secretaria da
Educação do Estado de São Paulo em 2018, apresenta um guia de práticas restaurativas nas
escolas, e, aborda sobre o diálogo:

Diálogo é troca de entendimento e quem o inicia deverá procurar o retorno


da outra pessoa para saber se a mensagem foi recebida e compreendida.
Além das palavras, fazem parte do diálogo: as emoções, o sorriso, o olhar,

56
Educação em Direitos Humanos e Diversidades
Maria Aparecida Vieira de Melo | Maria Aparecida Cruz | Sara Ingrid Borba (Organizadoras)

os gestos, entre outros quesitos, que muitas vezes são mais relevantes que as
próprias palavras.
A construção de diálogos significativos é a principal base para as práticas
restaurativas, pois o diálogo promove a colaboração, a intersubjetividade, a
reelaboração do problema e a humanização das relações.
A ferramenta mais importante para um bom diálogo e para resolver conflitos é
saber escutar com vontade, com atenção e intenção. Escutar demanda decisão
consciente e a vontade de nos livrarmos da distração e das intervenções. Além
de prestar total atenção na outra pessoa, é preciso escutar também com o
coração e com a alma. Aprender a escutar desenvolve paciência e humildade.
São ferramentas para uma boa escuta prestar atenção na outra pessoa,
permitindo que ela sinta e perceba o nosso interesse pela sua história;
entender a mensagem do ponto de vista do outro, ou seja, da pessoa que
fala; dispender esforço para captar a totalidade da mensagem emitida, ou
seja, além das mensagens, os sentimentos e as emoções; prestar atenção na
outra pessoa; escutar a mensagem e prestar atenção nos sentimentos e nas
emoções; não interromper; não fazer julgamentos ou reprovações, e, por fim,
ter empatia (NUNES, 2018)

Atualmente nos deparamos com uma estrutura social pautada pelas diretrizes
do individualismo, utilitarismo, consumismo e exclusão, que são fomentadores da
competitividade, fator que gera desigualdades e conflitos, pela lógica da exclusão, permeando
todos os níveis relacionais, desde a sociedade, relações pessoais, familiares, nas escolas,
produzindo violência estrutural.
Neste sentido, a Justiça Restaurativa é mudança de paradigma de convivência, na
qual se promove a desconstrução da estrutura social e a construção de outra, pautada pela
colaboração, solidariedade, pelo atendimento das necessidades, pela responsabilidade e
corresponsabilidade. É um convite para a sociedade, para que todos estejam juntos e possam
repensar as falhas na estrutura social e quais elementos motivadores da violência.
Como forma de dar efetividade à educação em direitos humanos, sua prática é
conduzida sob a vertente da horizontalidade, fato que traz a possibilidade do pertencimento
e de se trabalhar coletiva e individualmente a ética e valores morais.
Não ser indiferente à dor do outro, não julgar ao ouvir, ter consciência de sua
humanidade, dos afetos e desafetos e aprender a estar confortável com seus sentimentos,
de maneira a não promover a exclusão e a violência, é indubitavelmente possibilitar a
concretude dos direitos humanos do educando (LOURENÇO, 2019).
O individuo ao ser visto e sentido como ser social, oportunizando a possibilidade de
ter vez e voz, como ser responsável dar-lhe a oportunidade de agir coletiva e solidariamente,
por meio das práticas restaurativas, é forma de se construir um novo conceito de justiça, a
que promove a restauração e a efetividade do pertencimento, como forma do exercício pleno
da cidadania e da educação em direitos humanos.

Conclusão

As práticas restaurativas e o ensino de Direitos Humanos são estruturas norteadoras


para educadores que buscam a formação de cidadãos saudáveis, em pleno desenvolvimento,
como proposto no artigo 205 da Constituição Federal.

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Educação em Direitos Humanos e Diversidades
Maria Aparecida Vieira de Melo | Maria Aparecida Cruz | Sara Ingrid Borba (Organizadoras)

A consciência de sermos cidadãos globais e de pertencimento são imprescindíveis


para a educação para a liberdade e autonomia, de maneira que a valorização da criança, do
adolescente e do adulto enquanto alunos os levem ao pensar e agir com ética e respeito.
A transformação institucional é fundamental para que existam espaços dialógicos
nas escolas, e para que eles tenham a finalidade de promover o diálogo enquanto ferramenta
de promoção de desenvolvimento humano. A educação para o futuro demanda uma
mudança de paradigma. A mudança é cultural, de modo a trazer novo pensar à sociedade
e à instituição.
As práticas restaurativas promovem a integração da complexidade da educação ao
campo dos fenômenos humanos. O empoderamento dos alunos, a resolução de conflitos
de forma dialógica e o estabelecimento de conexões respeitosas entre os indivíduos é uma
forma de se estabelecer este novo paradigma.
Ao oferecer aos educandos a possibilidade de falar e serem ouvidos, e também o
aprendizado de ouvir ao outro, a proposta das práticas restaurativas possibilita e estimula
as relações dialógicas como formas de transformação da realidade, de maneira a promover
mudanças no comportamento dos alunos e na forma de se relacionarem, trazendo a
possibilidade de se dar concretude à educação em direitos humanos por meio de uma
educação humanizadora e libertadora.

Referências

1. BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2017. Disponível


em http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNC C_20dez_site.pdf. Acesso em
30/07/2020.

2. _______. Programa Nacional de Direitos Humanos. Decreto 7.037 de


21/12/2009. Disponível em http://www.planalto.gov.br. Acesso em 30/07/2020.

3. _______. Dispõe sobre a Política Nacional de Justiça Restaurativa no


âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências. Resolução Nº 225 de
31/05/2016. Disponível em https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2289 Acesso em
30/07/2020.

4. DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO


da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, 1996. Disponível em http://
ftp.infoeuropa.eurocid.pt/database/000046001-000047000/000046258.pdf. Acesso em
30/07/2020.

5. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática


educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011a.

6. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 2011b.

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Educação em Direitos Humanos e Diversidades
Maria Aparecida Vieira de Melo | Maria Aparecida Cruz | Sara Ingrid Borba (Organizadoras)

7. LOURENÇO, Valéria Jabour M. M. Práticas restaurativas como meio de efetividade da


educação em direitos humanos. In KIAN, Fatima Aparecida; OLIVEIRA JR, Ailton Paulo
(Org.). Educação em pauta. Manaus: Edua, 2019, v. 1, p. 233-246.

8. NUNES, Antonio Carlos Ozorio. Diálogos e Práticas Restaurativas nas


Escolas. Guia Prático para Educadores. Ministério Público do Estado de São Paulo.
Governo do Estado de São Paulo – Secretaria da Educação. São Paulo: 2018. Disponível
em http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Educacao/Di%C3% A1logos%20
e%20pr%C3%A1ticas%20restaurativas%20nas%20escolas%20_%20Guia%20
pr%C3%A1tico%20para%20educadores.pdf. Acesso em 30/07/2020.

9. ONU. Organização das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos


Humanos. 1948. Disponível em http://www.ohchr.org/EN/UDHR/Pages/Language.
aspx?LangID=por. Acesso em: 30/07/2020.

10. RODRIGUES, Neidson. Educação: da formação humana à construção do sujeito ético.


In: Educação e Sociedade. Vol. 2, nº 76, Campinas, 2001. Disponível em http://www.
scielo.br/pdf/es/v22n76/a13v2276.pdf Acesso em 030/07/2020.

11. SEVERINO. A. Joaquim. Educação, sujeito e história. São Paulo: Olho d’água,
2012.

12. SILVEIRA, Vladmir Oliveira; ROCASOLANO, Maria Mendez. Direitos Humanos:


Conceitos, Significados e Funções. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.

59
6

Um olhar antropológico sobre diversidade cultural numa


escola estadual de Salvador1
An anthropological look at cultural diversity in a state
school in Salvador
Sthella Laryssa Barros Loureiro Lima(1)

(1)
ORCID nº http://orcid.org/0000-0003-2542-7994. Mestranda; Antropologia Social; Universidade Federal
da Bahia – UFBA; Salvador; Bahia, Brasil, [email protected].

ABSTRACT: This intervention was based on theoretical references such as Candau (2001), Rocha (2009),
Whyte (2005), Moreira (2001), among others that became relevant. The purpose of this qualitative study is
to analyze the effects obtained by conducting conversations in the school environment, with the interaction
of cultures based on the discussion of the topic of cultural diversity. It is proposed to reflect on the existing
problem at school, arising from conflicts associated with intolerance in the face of the phenomenon of diversity.
Empirical research is carried out at a state high school in the city of Salvador. We seek to develop an education
anchored in the rationality of Habermas’ Theory of Communicative Action and in Freire’s intersubjectivity,
understanding that the approach to cultural diversity at school is an extremely importante theme for the
social formation of the individual. The subjects of the research were the 6th and 8th grade students, and the
teachers of the history discipline. The conversation circles lasted three months. In the teaching perspective,
knowledge about the theme was observed. As well as the need for public policies that support the continuing
education of professionals. In this sense, the school curriculum model also deserves attention regarding the
necessary changes regarding its Eurocentric base and still immersed in a neoliberal model. Through participant
observation, we conclude that discussions on the topic of cultural diversity need to be enhanced in the school
environment, since it is up to the school as an institution to emphasize pedagogical practices that include all
individuals, regardless of race, religion, color or sexual orientation, emphasizing the importance of human
rights and open to paradigmatic changes.

KEYWORDS: Anthropology. Plurality. Human rights

Introdução

Entender as relações sociais é o primeiro passo para iniciar uma investigação que tem
como escopo, a compreensão do valor que compõe a diversidade cultural. A visibilização
e discussão do tema trazem esclarecimentos sobre silenciamentos históricos responsáveis
por produzir uma série de preconceitos e intolerâncias no ambiente escolar. A ideia de
construir um trabalho com esse tema surgiu no período da graduação em direito, em razão
de inquietações decorrentes de uma convivência não tanto pacífica entre os alunos, diante
de dessemelhanças de origem cultural. A naturalização da sociedade do “eu” como sendo
a melhor e que exclui a sociedade “do outro”, considerada como atrasada e animalizada, é
interpretada como lugar de cultura e da civilização por excelência (ROCHA; TOSTA, 2009).
1
DOI: 10.48016/GT10Xenccultcap6
Educação em Direitos Humanos e Diversidades
Maria Aparecida Vieira de Melo | Maria Aparecida Cruz | Sara Ingrid Borba (Organizadoras)

Por meio desse panorama, foi possível refletir sobre as perspectivas que se
aproximavam no que tange a atuação enquanto profissional, a partir da elaboração de
projetos que pudessem trazer transformações nos espaços de aprendizagem.
O acúmulo de experiências traz uma necessidade cada vez maior de aprofundamento,
visto que, de certa forma, a pesquisa de uma organização tem um período para conclusão,
mas não se finda. De fato, a partir da compreensão de um objeto, a visão se amplia na direção
de outros. (WHYTE, 2005). O interesse em desenvolver pesquisas endereçadas ao sistema
de educação escolar e ao ensino superior resulta na contínua dedicação em busca de novos
horizontes empíricos.
Como estudante de antropologia social, busca-se a realização desta pesquisa a partir da
intersecção de várias áreas do conhecimento por meio de uma abordagem contemporânea.
A sinalização quanto à natureza da abordagem, se faz em torno do que Cardoso (1986)
afirma a respeito da lembrança recorrente sobre o olhar romantizado dirigido aos (as)
antropólogos (as), não raramente associados (as) ao um perfil exótico aventureiro. Contudo,
ainda que não identificados (as) com esse perfil simbolicamente romantizado, cumpre dizer
que a investigação sempre tem o significado de uma nova aventura, e a reflexão como efeito
(CARDOSO, 1986, Introdução).
O Presente estudo tem como objetivo, avaliar os efeitos observados na formação
de discentes em decorrência do desenvolvimento de “rodas de conversa” sobre o tema
diversidade cultural, realizadas numa escola estadual de Salvador. Os encontros tiveram
como eixo, a escolha de um tema para cada encontro, sendo estes, questões referentes ao
racismo, sexismo, xenofobia, morfofobias, etarismo e intolerância religiosa.
Neste sentido, o aspecto inicialmente enfatizado para a pesquisa, devido a sua
relevância, refere-se à promoção de programas que tenham o propósito de oferecer a
tomada de consciência da formação da própria identidade cultural (CANDAU, 2001). A
proposta funda-se na reunião de alunos, visto que representam pessoas com características,
naturezas, crenças e culturas diversas, ciente de que quaisquer que sejam as diferenças entre
indivíduos e grupos, haverá semelhanças básicas a serem descobertas (WHYTE, 2005).

A experiência no espaço escolar

Para a realização da presente pesquisa, ancorei-me na Metodologia Comunicativa


Crítica, entendendo a pesquisa como instrumento de compreensão da realidade e de
construção de alternativas. A referida metodologia impulsiona a participação dos sujeitos
envolvidos na pesquisa e permite um campo amplo de respostas, abordando as questões
que envolvem o cotidiano dos participantes. O trabalho foi realizado também a partir da
observação–participante, por meio da realização de rodas de conversas e da aplicação de
questionários abordando a respeito de informações sobre a estrutura da escola, sobre os
relacionamentos intraescolares, análise da frequência de trabalhos com aprendizagem
colaborativa e sobre a aplicação de práticas pedagógicas transdisciplinares.
A escola Estadual está situada na cidade de Salvador, na Bahia, localizada no bairro de
Itapuã. O bairro está sito no nordeste da Orla Atlântica de Salvador e possui uma população
de 66.961 habitantes (IBGE, 2010). A gênese do nome Itapuã vem da língua tupi e tem como
significado “pedra que ronca”. A história da pedra é relatada por moradores que contam que,

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Educação em Direitos Humanos e Diversidades
Maria Aparecida Vieira de Melo | Maria Aparecida Cruz | Sara Ingrid Borba (Organizadoras)

antes de se partir, a pedra roncava na maré vazante. A apresentação do contexto urbano e


social se faz importante para o estudo de um grupo em um determinado período, a partir do
suporte, em dados históricos que apresentem uma visão geral (WHYTE, 2005).
A escola esta situada de frente para à praia. Na entrada tem um portão grande, de
ferro, da cor cinza, cujo porteiro fica sentado ao lado. Logo após o portão, existe um espaço
ao ar livre, tanto à direita, como à esquerda. As paredes do corredor são cinza e têm alguns
azulejos. Do lado esquerdo há duas portas, sinalizando com um desenho, de que se trata de
um banheiro feminino e de um banheiro masculino. Em frente aos banheiros, está a sala dos
professores. Mais à frente, encontram-se algumas salas e, do lado direito, uma escada que
dá acesso ao primeiro andar. Para chegar até a sala dos encontros das rodas de conversas,
cruza-se uma grade ancorada em um portão que fica trancado. Uma funcionária permanece
ao lado do portão para identificar aqueles que desejam ir ao pátio.
A descrição desse trecho apresenta a contribuição metodológica da observação-
participante, pois revela um caminho lento para ingresso no campo de pesquisa, o que se
mostra como ponto positivo para a ampliação do olhar sobre o objeto e sobre as transformações
que ocorrem em torno dele no decorrer dos fatos (WHYTE, 2005). Os encontros aconteciam
entre os intervalos das aulas. No quadro, fixava-se o tema do encontro, impresso numa
folha tamanho A4. Em seguida fazia-se uma apresentação do tema e, tão logo, iniciava-se
às discussões a partir de pontos escolhidos pelos (as) alunos (as). Os temas para exposição
e discussão se referiram a questões em torno do racismo, sexismo, elitismo, xenofobia,
intolerância religiosa, morfofobias, elitismo e etarismo.
As rodas de conversas seguiram com esse ritual (TURNER, 2005) com encontros
semanais pelo período de três meses. Após esse período, os alunos e a professora receberam
um formulário com as perguntas que foram recolhidas no mesmo encontro. As perguntas
estavam divididas em tópicos e se referiam respectivamente à idade, relacionamentos entre
alunos e professores, atividades desenvolvidas em salas de aula sob a condução docente e
sobre o trabalho de aprendizagem colaborativa desenvolvida através das rodas de conversas
sobre o tema diversidade cultural.

O resultado da experiência

O trabalho desenvolvido trouxe muitas reflexões. As respostas do questionário


entregue à professora de história revelaram que, em sua concepção, a compreensão sobre a
importância da discussão sobre diversidade cultural é um ponto valorizado e incentivado. A
professora afirmara que eram desenvolvidas atividades transdisciplinares e que colocara em
prática o diálogo sobre diversidade cultural. Contudo, observou-se que existe uma diferença
marcante sobre o nível de conhecimento dos alunos sobre o tema. Os alunos da 6ª série, por
exemplo, revelaram um conhecimento amplo sobre a temática, de outro lado, os alunos da
8ª série apresentaram um conhecimento parcial.
Os alunos da 6º série se mostraram participativos, relatando inclusive, casos
familiares relacionados aos temas, expressando-se com respeito e naturalidade diante
dos questionamentos levantados pelos colegas. Os alunos da 8ª série demonstraram
envolvimento com as discussões, porém, notou-se um pouco de resistência aos temas,
diretamente defendidos com base em argumentos de ordem familiar e religiosa. Quando

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Educação em Direitos Humanos e Diversidades
Maria Aparecida Vieira de Melo | Maria Aparecida Cruz | Sara Ingrid Borba (Organizadoras)

indagados a respeito da presença de abordagens em sala de aula sobre o tema diversidade


cultural, 92% dos alunos responderam que os assuntos, em regra, não são tratados em sala de
aula. As exceções abordadas pelos professores se referem ao tema do racismo e de questões
sobre intolerância religiosa.
A abordagem sobre diversidade cultural na escola tem natureza ambivalente devido
às polaridades apresentadas através de ideias contrapostas. Contudo, esse cenário é
abrangido pelo caráter democrático que ancora pretensões em políticas de inclusão social
e que se contrapõe a modelos hegemônicos que reproduzem a submissão a padrões postos
como universais (SÀCRISTAN, 2001, p.123-124, apud CANDAU, 2010, p.14-15). Diante
da pergunta sobre a contribuição da abordagem dos temas para a formação dos alunos, as
respostas de forma geral, indicaram uma conscientização sobre a riqueza do tema.
Entre as respostas obtidas, tivemos as seguintes: “Contribui, porque muda a
opinião das pessoas e eu aprendi muito”; “Sim, mudou o meu jeito de agir com os outros.
Me sinto melhor, agora mudei”; “Sim, porque vou saber como evitar problemas, vou
saber tratar melhor as pessoas que convivem com isso”; “Sim, não temos que falar mal
dos outros ou chamá-los de gorda, negro, velho. Não vou olhar os outros como ruins
por serem diferentes”; “Sim, foi bom pra mim para não ter preconceitos. Respeitar o
próximo”; “Sim, porque eu aprendi como as pessoas são diferentes e, cada um pode ser,
o que quer ser”.
A aplicação dos diversos temas é tratada pelos alunos com curiosidade e empolgação.
Alguns ruídos na comunicação decorreram da exposição de opiniões que apresentaram
restrições a alguns temas, oriundos de formação familiar e religiosa. A intolerância religiosa
é um dos temas que se destacam, visto que é notória a rejeição de alguns (as) alunos (as) por
algumas religiões, especialmente as de origem africana, como a umbanda e o candomblé.
Ademais, a intolerância religiosa mostrou-se como ponte para outro tipo de preconceito,
as fobias da sexualidade, uma vez que, algumas religiões condenam a união de pessoas do
mesmo sexo, o que gerou algumas tensões durante as conversas.

Considerações finais

Conforme o exposto, conclui-se que o debate multicultural nos coloca em contato com
nossa formação histórica, através da reflexão sobre os elementos que contribuíram para a
nossa construção sociocultural. As opiniões expostas apresentam por meio da concordância
ou discordância, o que é admirado, negado, reproduzido e silenciado na cultura hegemônica
(CANDAU, 2010). O tom, a cor e a textura dos discursos expostos, remontam à diversidade
de raízes culturais e, evidenciam a necessidade do reconhecimento da natureza polissêmica
que caracteriza o espaço escolar (CANDAU, 2001).
Através desse trabalho de aprendizagem colaborativa foi possível perceber a relevância
de trazer para a sala de aula, projetos dessa natureza, tendo em vista o considerável número
de conflitos que se repetem no espaço escolar, em decorrência da reprodução de preconceitos
de origem étnica, racial, religiosa, etária, de classe, e, de gênero. De fato existe uma
relação direta entre educação e cultura e, não é possível a realização de ações pedagógicas
“desculturizadas”, isto quer dizer, afastadas integralmente da realidade cultural da sociedade.
Pois a ausência de investigação do contexto cultural coloca em risco, a realização de uma

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Educação em Direitos Humanos e Diversidades
Maria Aparecida Vieira de Melo | Maria Aparecida Cruz | Sara Ingrid Borba (Organizadoras)

educação pré-fabricada, logo descontextualizada (FREIRE, 1998). Contudo, em alguns


momentos históricos pode existir o confronto profundo destas relações (CANDAU, 2010).
O resultado da pesquisa aponta para a importância de mudanças na estrutura
curricular e da necessidade de atualização continua dos profissionais da educação. Esses
elementos em atuação conjunta se apresentam como alguns dos fatores de produção que
podem alavancar um modelo de educação pluricultural. A pesquisa acrescenta a necessidade
de reflexão sobre a base da formação dos (das) professores (as), no sentido de avaliar se
estão alinhados a modelos hegemônicos ou abertos à pluralidade cultural e à pluralidade de
identidades, através de um perfil questionador e crítico. Se subscrevem ao modelo neoliberal
ou se apresentam alternativas à sua descontextualização sociocultural (MOREIRA, 2001).

Referências

1. CARDOSO, R.C.L. (org.) A aventura antropológica – Teoria e pesquisa. 2ª


edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. ERIKSON, E.H. Infância e Sociedade. 2ª edição
Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976, introdução.

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In: Moreira, A. F.; CANDAU, V. F. (orgs.). Multiculturalismo: Diferenças culturais e
práticas pedagógicas. Et.4. Petropólis, RJ: Vozes, 2010. MOREIRA, A. F. B.

3. ________. Multiculturalismo, currículo e formação de professores. In: currículo:


políticas e práticas. Papirus, Campinas, Brasil. 2001.

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Editora da UFPR, n.17.Curitiba, Brasil, 2001.

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2009

7. TURNER, Victor. O Processo Ritual, ed. UNB, Brasília, 2005.

8. WHYTE, William Foote. Sociedade de esquina: a estrutura social de uma área


urbana pobre e degradada. Tradução de Maria Lucia de Oliveira. Rio de Janeiro, Jorge
Zahar, 2005.

64
7

Educação? Educações? A prática formativa e a educação


não escolar1
Education? Educations? Formative practice and education
non-school
Maria Aparecida Vieira de Melo(1); Viviane de Bona(2); Ana Célia de Sousa Santos(3)

(1)
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6288-9405. Professora da UFRN/CERES. Professora Formadora
pela Universidade Aberta do Brasil/Universidade Federal Rural de Pernambuco. Diretora Pedagógica do
Centro Paulo Freire: Estudos e Pesquisas. E-mail: [email protected];
(2)
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2985-4133. Pedagoga, Mestre em Educação Matemática e Tecnológica
e Doutora em Educação, ambas pela UFPE. Professora do Centro de Educação e do Programa de Pós-graduação
em Educação da Universidade Federal de Pernambuco, lotada no Departamento de Fundamentos Sócio-
Filosóficos da Educação - DFSFE. Coordenadora do Mestrado Profissional em Educação Básica da UFPE.
Desenvolve pesquisa e extensão com foco em Formação de Professores, Educação Infantil, processos de ensino
e aprendizagem, processos formativos em espaços não escolares, infância contemporânea e representações
sociais. Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas Interdisciplinar em Formação Humana, Representações
e Identidades – GEPIFHRI/UFPE/CNPq. Coordenadora do LIPLEI - Laboratório de estudos, pesquisa e
extensão sobre infâncias e projetos lúdico-educacionais inclusivos. E-mail: [email protected];
(3)
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1628-8363. Educadora Popular. Pedagoga. Doutora em Educação/
UFPE, Mestra em Educação/UFPI, Especialista em Educação, Políticas Públicas e Desenvolvimento
Sustentável/UFPI, Estágio Doutoral/CES-Universidade de Coimbra/PT. Atualmente é professora Adjunta da
Universidade Estadual do Piauí. Desenvolve estudos, pesquisas e extensão nas áreas de Educação e Educação
Popular, com ênfase em Diversidades, Movimentos Sociais, Relações de Gênero, Feminismos, Práticas
Educativas e Formação de Professoras/es. Membro do NEEPE/UESPI, NEPEGECI/UFPI. Pesquisadora do
Grupo de Pesquisa Educação e Inclusão Social GPEDIS/UFPE/CNPq. E-mail: [email protected]

ABSTRACT: Dealing with education is a very relevant issue in view of its complexity. In such a way that
it happens in all spaces both formal and non-formal, that is, at school and outside it, in non-governmental
organizations, in social movements. Therefore, we intend to explain the experience of the working group
Formative processes in non-school spaces of the X Scientific and Cultural Meeting, which in this edition
occurred online, having as its theme “Enccult: 10 years debating practices and reflections on teaching, research
and extension”.

KEYWORDS: Educations. Not school. Formative processes.

Tecendo o começo da proposição feita

O esforço analítico/reflexivo aqui empreendido diz respeito aos processos formativos


que atravessam os diversos espaços não escolares que primam pela formação integral dos

1
DOI: 10.48016/GT10Xenccultcap7
Educação em Direitos Humanos e Diversidades
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sujeitos coletivos e individuais. Assim, neste texto apresentamos a sistematização das


reflexões ocorridas no Grupo de Trabalho (GT) 18 – “Processos formativos em espaços não
escolares” -, materializado no X Encontro Científico e Cultural, que nesta edição, ocorreu em
setembro de 2020 de forma on-line, tendo como tema “Enccult: 10 anos debatendo práticas
e reflexões sobre ensino, pesquisa e extensão”, sob a coordenação geral do Professor José
Crisólogo de Sales Silva.
O GT 18, coordenado pelas pesquisadoras Viviane de Bona, Maria Aparecida Vieira
de Melo e Ana Célia S. Santos, coaduna-se com o tema do evento que em sua 10ª versão se
propôs a reunir trabalhos e experiências sobre as práticas e reflexões desenvolvidas através
do ensino, pesquisa e extensão, pilares fundantes da universidade, tal como consta no artigo
207 da Constituição Federal de 1988 que apregoa: “as universidades gozam de autonomia
didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao
princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão” (BRASIL,
1988, grifo nosso). Esse princípio é também enfatizado pela Lei de Diretrizes e Bases - LDB
9394/96 (BRASIL, 1996), em seus artigos 43 e 53.
Nesta perspectiva, entendemos que a educação é um campo de estudo, pesquisa
e extensão amplo e complexo que acontece em todos os espaços sociais. Deste modo,
compreender a educação em sua multidiversidade enseja voltar os olhares para as
experiências não escolares que permeiam as práticas educativas em espaços como museus,
associações, cooperativas, movimentos sociais, terreiros, organizações não governamentais,
instituições de acolhimento e de recuperação para pessoas com dependências químicas.
Estes e outros tantos espaços desenvolvem processos educativos que promovem (perpassam
pela) mudança de comportamentos, hábitos e posturas, suscitando, assim a transformação
social dos sujeitos e de sua realidade.
Neste sentido, tivemos por finalidade a partir da proposição deste GT proporcionar
a socialização de estudos e experiências formativas dos mais diversos espaços não
escolares que têm causado mudanças na vida das pessoas; divulgar as experiências
de pesquisa e extensão que acontecem nesses espaços e socializar problematizando a
essência do ensino, pesquisa e extensão como fundamentais para a produção e circulação
do conhecimento produzido que corroboram para fomentar a identidade das pessoas
envolvidas nos processos formativos. Por tais finalidades, integramos ao ENCCULT para
assim agregar e congregar outras reflexões epistemológicas que perpassam a formação
humana e aqui são explanadas.
Considerando que o ensino, a pesquisa e a extensão são os pilares para a produção
do conhecimento no âmbito acadêmico, compreendemos que o GT 18 foi importante para
popularizar o conhecimento que vem sendo produzido nesses 10 anos em que o ENCCULT
vem acontecendo, aludindo a experiências formativas de outros territórios e Estados.
Destacamos que as produções acolhidas neste GT possibilitaram a ampliação do olhar para
a formação dos/as licenciados/as, de modo geral e dos/as licenciados/as em pedagogia, de
modo específico, por dar ênfase à Pedagogia Social.
Portanto, o Grupo de Trabalho 18 foi organizado em ciclos de diálogo, relatos de
experiências e apresentação de 08 comunicações orais de pesquisa vivenciado em momentos
que possibilitaram reflexões epistêmicas, tanto das categorias e conceitos trabalhados

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Educação em Direitos Humanos e Diversidades
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pelos/as palestrantes, quanto as que foram trabalhadas pelos/as autores/as dos trabalhos
apresentados. Sintetizamos no quadro 1 a programação específica do GT que aconteceu nos
dias 03 e 04 de setembro de 2020:

Quadro 1: Programação do GT 18 processos formativos em espaços não escolares.

ATIVIDADE/TEMA APRESENTADORES-AS/PALESTRANTES

Amanda Nascimento Santana


Bruno Rodrigo da Silva Lippo
Carliane Maria C. L. da Natividade
Elson dos Santos Gomes Junior
Jéssica Vitória da Conceição Justino
Júlia Ferreira de Lima
Kátia Barbosa Feitosa
Apresentação de trabalhos relacionados à
Maria Aparecida Vieira de Melo
temática do GT – Comunicação Oral
Marina Zaidan Nery
Romário da Silva Almeida
Tayná Priscylla Maria da Silva
Thamiris Izidoro da Silva
Thaynan de Oliveira Sales
Virgínia Renata Vilar da Silva
Viviane de Bona

Viviane de Bona (UFPE)


Círculo de Diálogo 1: Educação? Educações? A
Maria Aparecida Vieira de Melo (UFPB)
prática formativa e a educação não formal
Ana Célia Sousa Santos (UESPI)

Círculo de Diálogo 2: Educação como processo Agostinho Rosas (UFPE)


transformador e de formação para a vida Mediadora: Alessandra Santos (UFPE)

Relatos de experiências sobre processo não formais: sujeitos protagonistas

• Educação popular e a Escola de Formação


Paulo Afonso Barbosa de Brito (UFRPE)
Quilombo dos Palmares

• Formando sujeitos ecológicos Maristela Souza da Silva (PROFCIAMB/UFPE)

• O museu para além do circuito expositivo Priscila Marroquim (PPGECI/UFRPE/FUNDAJ)

• A educação em espaços não escolares: Romário da Silva Almeida (Instituto Nova Semente/
experiências vivenciadas e conhecimentos Comunidade Terapêutica-PI)
adquiridos
Edgar Diniz
• Nas asas da liberdade
(Secretaria de Educação de Pernambuco)
Fonte: Produção própria, 2020.

As temáticas que perpassaram as apresentações dos trabalhos que abriram nossas


discussões estiveram relacionadas ao protagonismo juvenil, à formação cidadã, à formação
humana e luta pela Terra, à capoeira enquanto um espaço educativo e de resistência, ao
enfrentamento de educadores em espaço não escolar e à própria gestão escolar colaborativa.
Conforme podemos visualizar no quadro 1, o GT 18 elucidou com pertinência em seus
círculos de diálogos e relatos os temas dobradiços que escandem o enunciado processos
formativos em espaços não escolares. Razão pela qual nos faz refletir sobre a necessidade

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Educação em Direitos Humanos e Diversidades
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de continuarmos com aprofundamentos nas camadas do território da linguagem para


acionarmos os correlatos em campos distintos que fomentam as regularidades e dispersões
sobre o discurso em reflexão analítica que nos prontificamos a fazer neste escrito.
Esperamos que estas reflexões apresentadas a seguir sejam úteis para
compreendermos que todos os espaços de aprendizagens são importantes para o
crescimento humano e para a conscientização das pessoas em torno do seu papel de
protagonistas em uma sociedade que almeja por transformações urgentes.

Fios que tecem a existência formativa

Partimos da assertiva de que os processos educativos ocorrem em diversos espaços


da nossa vida. Assim, consideramos que eles ocorrem na família, na igreja, na escola, nas
atividades sociais e culturais e na relação com diferentes grupos sociais. Esses processos
nos levam a construir uma consciência de si mesmo e do mundo e a intervir na realidade de
forma a transformá-la. A partir desse entendimento é compreensível afirmar que, sendo a
educação um processo de múltiplas práticas, possui também sujeitos diversos e contextos
variados. Dessa forma, torna-se necessário desenvolver práticas educativas que valorizem
as diversidades construídas pelos diferentes sujeitos e ao mesmo tempo criem espaços de
diálogo e problematização das diferenças existentes. (SANTOS, 2015).
Assim sendo, a nossa relação com o tema em tela diz respeito às práticas formativas
que teceram os fios da nossa existência humana enquanto sujeitos coletivos e individuais
que vivem em seu estado de vir a ser. Deste modo, o processo de formação não escolar que
nos inserimos, acabam nos conduzindo também à militância política, cultural e educacional.
Esses processos ocorreram em diversos espaços de participação na vida comunitária, na
vivência partidária, no movimento estudantil e na prática de Educação Popular. Assim, a
vivência comunitária, partidária, o movimento estudantil e a prática da Educação Popular
foram o marco da nossa consciência política e de construção da resistência de hoje. A maior
e significativa parte desses processos educativos ocorreu fora da escola, em espaços não
escolares de educação, porque de acordo com Brandão (2007, p.7-9):

Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um


modo ou de muitos, todos/as nós envolvemos pedaços da vida com ela: para
aprender, para ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer,
para ser ou para conviver, todos os dias misturados a vida e a educação. Com
uma ou com várias: educação? educações. [...] Não há uma forma única de
educação nem um único modelo de educação; a escola não é o único lugar em
que ela acontece e talvez nem seja o melhor; o ensino escolar não é a única
prática, e o professor/a profissional não é seu único praticante [...].

A educação, ou as educações como nos propomos a refletir analiticamente


partindo de nossa própria trajetória, enseja experiências formativas multifacetadas que
transcendem o espaço escolar formal. Por isso que, esses outros espaços que não é a
escola, são espaços cheios de vida e significados porque falam de nós mesmos, do nosso
cotidiano, de uma realidade mais próxima que só quem se envolve sabe a riqueza. Essas

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são características da Educação Popular (EP), que por sua vez é um espaço de construção
coletiva do conhecimento, na qual todas/os os/as envolvidos/as são valorizados enquanto
sujeitos produtores/as de saberes e conhecimentos oriundos das experiências práticas.
A experiência de formação desenvolvida através da Educação Popular (EP) se dá a
partir da formação programada (cursos, oficinas, intercâmbios, trocas); da formação na
ação (na luta de rua, da ocupação de terra, dos espaços que são restritos somente a alguns)
e, na formação/sistematização (momentos de elaboração coletiva ou individual). Porquanto,
concebemos que a formação não escolar passa pelo crivo da sistematização, do planejamento,
da intencionalidade e da diretividade que corrobora com a aprendizagem sobre algo.
Desta feita, defendemos a assertiva de que a Educação Popular (EP) é prática
formativa que emancipa. Ressaltamos brevemente o seu histórico de forma sucinta, mas
não menos reflexiva analiticamente, a saber: a EP nasce, no Brasil, no início do século XX
com a industrialização; De 1960 a 1970 – as experiências eram voltadas para a alfabetização
– CEB´S, o Movimento da Educação Brasileira - MEB; Nos anos de 1980 – abertura política
– surgem a partir da EP, os Movimentos Sociais Populares. Suas lutas e ações apresentam
aspectos que vão além da relação capital-trabalho. Incorporam a possibilidade de alteração
das relações entre ‘homens’ e ‘mulheres’ e deles(as) com a sociedade e com o meio ambiente;
Surgem os Centros de Assessoria que acompanham os Movimentos Sociais Populares -
MSP; Na década de 1990 são incluídos, no contexto da Educação Popular, os temas como:
cidadania, políticas públicas, participação popular, conselhos de gestão, economia solidária,
orçamentos participativos, desenvolvimento local sustentável, provocando alterações na
relação com o Estado e com a sociedade. Em síntese, são estes acontecimentos que permeiam
uma Educação Popular enquanto prática política, educativa e pedagógica.
Nesta tríade formativa da prática: política, educativa e pedagógica, a Educação Popular
emerge do esforço de mobilização, organização popular do saber e o exercício do poder. É,
ainda, capacitação política, científica e técnica das classes populares para o conhecimento do
mundo com o intuito de transformá-lo num modo melhor de se viver (FREIRE; NOGUEIRA,
1989). Neste conjunto de coisas ditas e escritas sobre a educação popular acionamos que há
disputa entre o saber e o poder, pois, no processo formativo, qual seja o político, o científico
e o técnico se oferecem as devidas condições às classes populares de emancipação social.
Isto é, uma educação que liberta e emancipa as pessoas, razão pela qual é entendida como
práxis social portadora de potencialidades libertadoras dos sujeitos sociais subalternos,
submetidos a processos de exclusão (AZEVEDO, 2010).
Explicitamos que a Educação Popular é o movimento de aprender e ensinar que
possui vida porque tem sentido e dá sentido e significados aos processos de aprendizagens
porque mobiliza emoções, desejos, razões e ações, produzindo ideias desestabilizadoras
e alternativas para o enfrentamento dos sistemas coloniais, patriarcais e capitalistas
(SANTOS, 2008).
Destarte, erigimos que a educação popular é uma práxis decolonialista, pois promove
o giro social para que os sujeitos coletivos de direito possam operar rupturas nos sistemas
coloniais, patriarcais e capitalistas.
Ressaltamos que a intencionalidade pedagógica da Educação Popular tem uma
metodologia própria e, para tanto, acionamos os escritos de Paulo Freire, pois, enquanto

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Educação em Direitos Humanos e Diversidades
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precursor dessa educação nos faz entender que a Educação Popular parte da realidade,
dos interesses e da prática dos sujeitos; ou seja, o contexto sócio-histórico e geográfico
importa; busca um processo de conhecimento e instrumentação que aumente o poder de
intervenção na realidade; deve partir de uma leitura crítica da realidade, da construção
coletiva do conhecimento e tem um projeto sócio-político-cultural e educativo alternativo,
baseado nas dimensões de classe, gênero, étnico/racial e em valores libertários, solidários,
fraternos, ecológicos. Sendo assim, esclarecemos que este modo de educação se distingue da
diretividade de uma prática bancária de ensino na instituição regular.
A partir dessas estratégias metodológicas que têm tecido o nosso desejo de construir
um novo mundo, assumimos outras práticas arraigadas nas concepções da Educação
Popular e na Pedagogia Feminista2. Dado que, o movimento de mulheres e feminista
atravessa o reconhecimento enquanto mulher, depois como feminista e, nesse processo,
perceber em que lugar no mundo estão as mulheres. A Educação Popular fez com que,
reconhecendo quem somos, pudesse entender em que se fundamentam as desigualdades
entre as pessoas, entre os territórios e, principalmente, as desigualdades cognitivas
que faz das ‘mulheres’ subalternas e invisíveis. Através desse processo educativo que
se deu concomitantemente, entendemos que podemos ser anticolonial, anticapitalista
e antipatriarcal, pois, sem o rompimento desses três pilares do eurocentrismo não
transformaremos as relações de desigualdades que perduram até os dias atuais em nossas
realidades. E a nossa realidade não está fácil: pandemia, neofascismo, racismo, feminicídio,
bolsonarismo, mas precisamos de um sonho. Razão pelo qual aludimos ao que está posto
por Freire (1997) que é impossível existir sem sonho. A vida na sua totalidade nos ensinou
como grande lição que é impossível assumi-la sem risco. Deste modo, convidamos para ir à
luta porque a resistência e a consciência política estão naufragando, precisamos resgatá-la
para que o Brasil saia do pesadelo que está vivendo. Precisamos de um sonho! Precisamos
pensar em todas as Educações.

Possibilidades formativas para a atuação Não Formal

A reflexão analítica que vem sendo tecida aqui sobre a educação, educações e
práticas formativas não escolares nos inclina para sistematizar uma reflexão em um
duplo movimento, pois questionamos: quem forma o educador popular? Sabemos que
os espaços não escolares possuem suas práticas metodológicas próprias, são criativos,
dinâmicos e assertivos, não se ocupam na dimensão conteudista para formação do sujeito,
mas sim se ocupam em tirar da marginalidade o sujeito que, muitas vezes, devido à cultura
patriarcalista, patrimonialista, colonialista e capitalista, coloca a condição humana
em um status de menor valor. Diante desta complexidade formativa, aludimos que os
espaços formais podem igualmente fomentar processos formativos não formais, ademais,

2
Pedagogias voltadas para o empoderamento e emancipação das ‘mulheres’. Propõe a desconstrução e
a descolonização dos paradigmas que tornam as mulheres submissas, inviabilizando suas práticas. São
alternativas ao modelo sexista de natureza biologizante. Essa concepção parte do pressuposto de que
vivemos numa sociedade marcada por desigualdades nas relações entre ‘mulheres’ e ‘homens’, causadas
pela naturalização das desigualdades a partir das diferenças sexuais. Assim, o controle masculino sobre as
mulheres é definido por relações de gênero desiguais, sendo, portanto, relações de poder. (SANTOS, 2019,
p. 110).

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Educação em Direitos Humanos e Diversidades
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compreendemos que os sujeitos coletivos e individuais são o que são na sua condição de
vir a ser o que são. Dito de outro modo, são as experiências que constituem os sujeitos em
ser o que são e o que estão projetados a vir a ser.
Neste viés, conforme já problematizado, sabemos que não existe apenas uma única
educação, assim como está posto por Brandão (2007) ao mencionar que a escola não é o único
modelo de educação, que não é o único lugar onde ela acontece e talvez nem seja o melhor.
Entretanto, mesmo não sendo a escola o único lugar de formação humana, acreditamos
que igualmente as instituições formadoras podem corroborar para a formação permanente
dos sujeitos para atuarem nos mais diversos espaços que permeiam processos formativos,
visando à formação integral do ser humano. Bem como, podemos assim constatar que há
educação sempre quando há relações entre as pessoas, pois as pessoas são o que são em
comunhão com o outro.
Salientamos que tanto a educação formal como a não formal tem em comum o mesmo
propósito que é a formação integral dos sujeitos. Todavia, o que destacamos é que há uma
distinção em sua finalidade no que concerne ao seu modus operandi. Isto é, a educação
formal, institucionalizada tem uma matriz curricular, conteúdos, avaliações, diretrizes para
nortear o processo educativo e a avaliação que visa quantificar o nível de aprendizagem dos
sujeitos. Já nos processos educativos não formais que também visa à formação integral dos
sujeitos, a estratégia pedagógica concerne com as necessidades emergentes dos coletivos
sociais, logo, a diversidade cultural é um imperativo a ser considerado para que os processos
formativos possam promover inserção social e coletiva nos diversos espaços da sociedade,
viabilizando aos sujeitos consciência de si, de que são sujeitos igualmente importantes de
fazer jus aos direitos humanos fundamentais, indivisíveis e inalienáveis.
Neste sentido, corroboramos com as afirmações de que

A educação não formal designa um processo com várias dimensões tais


como: [...] É aquela que se aprende “no mundo da vida”, via os processos
de compartilhamento de experiências, principalmente em espaços e ações
coletivos cotidianas. [...] a aprendizagem de conteúdos que possibilitem
aos indivíduos fazerem uma leitura do mundo do ponto de vista de
compreensão do que se passa ao seu redor. (GOHN, 2016, p. 60)

[...] capacita os indivíduos a se tornarem cidadãos do mundo, no mundo.


Sua finalidade é abrir janelas de conhecimento sobre o mundo que circunda
os indivíduos e suas relações sociais. Seus objetivos não são dados a priori,
eles se constroem no processo interativo, gerando um processo educativo
(GOHN, 2006, p. 1, grifos nosso).

Gohn (2006, 2008, 2014, 2016) evidencia que a educação não formal tem um
conteúdo que corrobora com a aprendizagem, sendo este a leitura do mundo, bem como
afirma Freire (1996, 1997, 2001) que a leitura do mundo precede a leitura da palavra,
portanto, compreendemos que os temas abordados atravessam o cotidiano existencial dos
sujeitos em formação, tornando-os cidadãos do mundo e no mundo. Nesta lógica formativa,
Gohn (2008) também destaca que a educação não formal pode ser definida como a que
proporciona a aprendizagem de conteúdos da escolarização formal em espaços como museus,
centros de ciências ou qualquer outro em que as atividades sejam desenvolvidas de forma

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bem direcionada, com um objetivo definido. Assim, a aprendizagem é o elo que se estabelece
entre as relações interpessoais, pois entre o ensinante e o aprendente, a aprendizagem se dá
via de mão dupla.
Para ilustrar o que estamos aqui refletindo analiticamente, explicitamos processos
formativos que vivenciamos em espaços não formais tais como aula coletiva ocorrida com
estudantes de graduação em um Espaço não formal de aprendizagem – Museu; a construção
de diários reflexivos a partir da visita com escolha do formato que mais agrada na elaboração –
texto, imagem, som, vídeo; Apresentação e discussão dos diários durante uma aula intitulada:
Saber e Sabor! Em sendo assim, exemplificamos que a condução é de sobremaneira importante
para promovermos a inclusão social dos sujeitos em espaços com ricas possibilidades de
permear aprendizagens significativas de modo criativo, lúdico e dinâmico.
Diante desta ilustração corroboramos com os ditos de Candau (2010), no momento
em que ela orienta a nossa prática no que concerne ao processo de formação de professores/
as que se ocupam em disseminar outras práticas formativas em espaços distintos da sala
de aula, da escola propriamente dita, onde a diversidade cultural se faz presente, de forma
multicultural, inclusive. Neste caso, assinala que “[...] as questões culturais não podem
ser ignoradas pelos educadores e educadoras, sob o risco de se distanciar dos universos
simbólicos, das mentalidades e das inquietudes das crianças e jovens de hoje” (CANDAU,
2010, p. 16). Desta maneira, os/as educadores/as devem fazer jus às questões culturais que
atravessam o horizonte de sentido dos sujeitos, o seu universo simbólico, sua mentalidade e
inquietudes em ser e estar no mundo e com o mundo.
Porquanto, explicitamos que diante de uma diversidade cultural presente na
sociedade brasileira com composição étnica variada, o debate multicultural nos coloca
diante da nossa própria formação histórica, da pergunta de como nos construímos sócio
culturalmente, o que negamos e silenciamos, o que afirmamos, valorizamos e integramos na
cultura hegemônica. É nesse viés que Candau (2010) propõe uma Perspectiva Intercultural,
concebendo as culturas em contínuo processo de elaboração, de construção e reconstrução.
Certamente, cada cultura tem suas raízes, mas estas são históricas e dinâmicas. Não fixam
as pessoas em determinado padrão cultural engessado. À vista disso, é necessário promover
uma educação para o reconhecimento do ‘outro’, para o diálogo entre os diferentes grupos
sociais e culturais, assim como nos propomos a fazer no GT 18 – ‘Processos formativos em
espaços não escolares’ que integrou o X ECCULT.

A educação que estamos a defender

Já aludimos que a educação visa o pleno desenvolvimento humano, o exercício para


cidadania e a qualificação para o trabalho; assim está posto no artigo 205 da Constituição
Federal de 1988. De tal modo, assinalamos também que a educação acontece por meio de
vários processos formativos, destacamos entre eles as manifestações culturais e a organização
da sociedade civil. Estas educações que são vivenciadas nestes espaços formativos visam à
garantia do direito à educação conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de
1996, em seu 1º artigo, onde define que a educação abrange os processos formativos que se
desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino
e pesquisa, nos movimentos sociais, organizações da sociedade civil e nas manifestações

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Educação em Direitos Humanos e Diversidades
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culturais (BRASIL, 1996). Destarte, acontece em todas as esferas sociais desde o ambiente
familiar até a instituição propriamente organizada para o seu fomento.
Porquanto, assinalamos que a prática formativa é institucionalizada, ou seja,
precisamos estar vinculados a uma instituição de ensino superior para no decorrer do
período formativo de quatro a cinco anos adquirir conhecimentos curriculares que nos
capacitem a estendermos os processos de ensino e de aprendizagem para uma qualificada
atuação. Assim, destacamos as disciplinas curriculares que permeiam o processo formativo
para a docência, tais como a prática como componente curricular e o estágio supervisionado;
ambas proporcionam experiências formativas no campo da pesquisa e da extensão, bem
como também acontece como formação inicial e continuada.
Compreendemos que a formação prática do ser professor, para atuar tanto nos
espaços formativos formais ou não, é acionada através do discurso jurídico enunciativo
que verte sobre a formação do professor tais como as particularidades, as especificidades e
singularidades formativas que estão postas, mas que não iremos analisar nos documentos:
LDB 9394/96; Resolução CNE/CP n° 1/2002, CNE/CP n° 2/2002, CNE/CP n°1 2006, CNE/
CP n°2/2015 (revogada pela Resolução CNE/CP n°2 de 2019 que está em implementação).
Documentos estes que permeiam os desdobramentos sobre os aspectos formativos para o
ser professor tanto da Educação Básica quanto do Ensino Superior.
Enfatizamos que na atualidade estamos vivendo um novo formato educativo em
função da Pandemia do Covid19. Defendemos a ideia de que o novo modus operandi de
promover processos formativos é uma alternativa viável, mas que merece pontuações e
discussões específicas. No que diz respeito à especificidade do trabalho remoto, percebemos
um acentuado uso das ferramentas tecnológicas que permitem a socialização e o conteúdo
que interconecta os sujeitos nos processos educativos que são estabelecidos entre os seres de
relações. Salientamos que neste modus operandi se faz necessário que os/as educadores/as
sociais e populares adquiram competências e habilidades para lidar com os saberes que são
apreendidos no ato do fazer/saber. Sendo assim, reconhecemos que os processos formativos
não formais também têm aderido ao uso das redes sociais para manter a mediação e a
socialização do conhecimento/saber. Afirma Gohn (2020, p. 17),

que movimentos sociais não são estruturas estáticas, ao contrário, sempre


foram dinâmicas, mudam e modelam-se conforme os fatos da estrutura e da
conjuntura. Estão sempre em transformação, às vezes, como reação, outras
vezes como antecipação. [...] Na atual conjuntura global do coronavírus, eles
têm de se reinventar. Práticas, repertórios, narrativas discursivas, estratégias
de ação, formas de atuação, performances, tipo de lideranças etc.

É justamente o que temos visto e consideramos ser mais um dos desafios atuais entre
tantos já encontrados.

Considerações aqui tecidas

No conjunto das coisas ditas e escritas assinalamos neste empreendimento reflexivo/


analítico sobre os processos formativos não escolares, os quais estão ancorados na
Constituição Federal de 1988, na LDB 1996 e Resoluções que direcionam a formação de

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Educação em Direitos Humanos e Diversidades
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professores/as. Documentos jurídicos enunciativos que legitimam a educação na dimensão


do pleno desenvolvimento humano e do exercício da cidadania que se estabelece nos
processos formativos que devem ser fomentados na formação dos/as professores/as tanto
inicial, quanto continuada. Juridicamente, ainda refletimos o que apregoa a LDB 9394/96
sobre os diversos processos formativos, a organização da sociedade civil e as manifestações
culturais, situações que possibilitam a inserção social e inclusiva dos sujeitos de todos os
contextos sócio-históricos.
Distinguimos nesta reflexão que as práticas são diferenciadas em duas instâncias, já
que na educação formal a prática pedagógica segue uma matriz curricular que regulamenta o
conteúdo a ser ensinado. Desta feita, existe uma estratégia pedagógica específica que orienta
os processos educativos historicamente sistematizados pelo currículo, mas que podem se
aproximar dos elementos de uma educação não formal em sua metodologia. Por outro lado,
evidenciamos que os espaços formativos são diversos e que as práticas de aprendizagens são
distintas conforme a experiência social que se estabelece na sociedade vigente. Assim, são
várias as práticas que são experienciadas nos espaços sociais que atravessam a formação
humana dos sujeitos por meio das manifestações culturais, da sociedade civil organizada e
dos próprios processos formativos.
Assinalamos que foram ilustradas experiências formativas em espaços não formais
que creditam o empoderamento e a emancipação social dos sujeitos de direito. Deste modo,
destacamos a Educação Popular como proponente destas ações que fomentam aprendizagens
significativas onde são extraídas dos diversos espaços formativos, bem como, outras
estratégias pedagógicas que permeiam a metodologia própria, ou seja, partir da realidade
sociocultural dos sujeitos coletivos diversos em sua sociedade.
Destarte, aludimos que o multiculturalismo, a diversidade cultural e a perspectiva
intercultural são igualmente considerados nas relações sociais acionadas na dimensão dos
processos formativos em espaços não formais de ensino. Damos ênfase às ações pedagógicas
desenvolvidas nos movimentos sociais, nas associações, nas cooperativas, nos sindicatos,
nos terreiros, nos equipamentos sociais das políticas sociais. Nesse sentido, a pedagogia
social também se destaca nos espaços mais distintos dos processos formativos. Isso
porque, a sociedade conforme sua organização social tem processos educativos próprios
que permeiam ações sociais que fomentem a inclusão social dos sujeitos nos mais diversos
contextos sociais, culturais, econômicos e político.
Nesta perspectiva formativa acionamos categorias da Educação Popular, como
emancipação, transformação social, libertação, autonomia e empoderamento, pois estes
elementos constituem e são constituintes para os sujeitos de direito - seres conscientes de seus
direitos políticos, econômicos, culturais e sociais. Tais direitos humanos estão apregoados
na Constituição Federal de 1988, entretanto a desigualdade social a elidem com o acesso
dos sujeitos a tais direitos, por isso, a importância do reconhecimento de que somos sujeitos
pertencentes a uma sociedade de classe, a qual é desigual e que requer processos educativos
que fomentem o acesso e a permanência para romper com os processos que mantem o status
quo de desigualdade social.

Por conseguinte, assinalamos que os espaços formativos como organizações
não governamentais, igrejas, local de trabalho, sindicatos, associações, cooperativas,
acolhimentos institucionais, museus, assentamentos/acampamentos e comunidades

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Educação em Direitos Humanos e Diversidades
Maria Aparecida Vieira de Melo | Maria Aparecida Cruz | Sara Ingrid Borba (Organizadoras)

culturais diversas são atravessados por processos formativos distintos da instituição regular
de ensino, ou seja, a escola.
Porquanto, explicitamos que no conjunto das coisas ditas e escritas não nos
ocupamos nem com o início e quiçá com o fim da discussão entorno das práticas discursivas
sobre os processos formativos em espaços não formais. Evidenciamos ao cabo e ao fim que
os processos formativos em espaços não escolares corroboram com a formação humana
integral que fomenta a identidade autônoma dos sujeitos, a libertação dos sujeitos das
situações opressoras, destacando que muitas são as ações que podem ser vivenciadas
nos mais diversos espaços para constituirmos a formação dos sujeitos conhecedores,
conscientes de si, críticos e autônomos perante a reivindicação dos direitos humanos.
Deste modo, a oportunidade de trocas vivenciadas através dos ciclos de debates,
das apresentações de trabalho e dos relatos de experiências que vivenciamos no GT
18 – ‘Processos formativos em espaços não escolares’, nos possibilitou socializarmos
aprendizagens diversas, abordando a educação em campos distintos. Assim, o X ENCCULT
nos proporcionou novas experiências formativas, as quais corroboram com o nosso vir a ser
em nossa própria identidade profissional.

Referências

1. AZEVEDO, José Clóvis de. Educação Popular: Alguns Elementos Epistemológicos.


Revista da Faculdade de Direito UniRitter, n. 11. Porto Alegre: 2010.

2. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Educação? São Paulo: Brasiliense, 2007.

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4. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, 1996.

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a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de
licenciatura, de graduação plena. Resolução CNE/CP 1, de 18 de fevereiro de 2002.

6. ______. Resolução CNE/CP 2, de 19 de fevereiro de 2002. Institui a duração e a


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professores da Educação Básica em nível superior. Resolução CNE/CP 2/2002.
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Curso de Graduação em Pedagogia. Resolução CNE/CP 1/2006. Diário Oficial da
União, Brasília, 16 de maio de 2006, Seção 1, p. 11.

8. _____. Conselho Nacional de Educação. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais


para a formação inicial em nível superior e para a formação continuada. Resolução CNE/
CP n. 02/2015, de 1o de julho de 2015. Brasília, Diário Oficial [da] República Federativa do
Brasil, seção 1, n. 124, p. 8-12, 02 de julho de 2015.

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Educação em Direitos Humanos e Diversidades
Maria Aparecida Vieira de Melo | Maria Aparecida Cruz | Sara Ingrid Borba (Organizadoras)

9. ______. Conselho Nacional de Educação. Define as DCNs para a formação inicial


de professores para a Educação Básica e institui a Base Nacional Comum Comum para a
formação Inicial de professores da Educação Básica (BNC-Formação). Resolução CNE/
CP n. 02/2019, de 20 de dezembro de 2019, Diário Oficial da União, Brasília, seção 1,
n. 124, p. 115-119, 23 de dezembro de 2019.

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11. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.


São Paulo: Paz e Terra, 1996.

12. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 48. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1997.

13. FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001.

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15. GOHN, Maria da Glória. Educação não-formal na pedagogia social.. Anais... I


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16. ______. Educação não-formal e cultura política. 4. ed. São Paulo: Cortez,
2008.

17. ______. Educação não formal, aprendizagens e saberes em processos participativos.


Investigar em Educação, n. 1, p. 35-50, nov. 2014.

18. ______. Educação não formal nas instituições sociais. Revista Pedagógica. v.18,
n.39, set./dez. p. 59-75, 2016.

19. _____. Educação não formal: direitos e aprendizagens dos cidadãos(ãs) em tempos
do coronavírus. Revista Humanidades e Inovação. v.7, n.7.7. p. 9-20.  2020.

20. SANTOS, Boaventura de Sousa. Do pós-modernismo ao pós-colonial – e para além


de um e de outro Travessias. Revista de Ciências Sociais e Humanas em Língua
Portuguesa. Edição 6/7. Coimbra: 2008.

21. SANTOS, Ana Célia de Sousa. Extensão universitária: lugar de encontro entre a
educação e as diversidades. Interagir: pensando a extensão, Rio de Janeiro, n. 20, p.
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22. SANTOS, Ana Célia de Sousa. Representações sociais de relações de gênero de


professoras/es da educação infantil. (TESE DE DOUTORADO) Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2019.

76
8

A educação em direitos humanos na diversidade: reflexos


da contemporaneidade1
Human rights education in diversity: reflections of
contemporary times
Maria Aparecida Vieira de Melo(1);Maria Aparecida Cruz(2); Sara Ingrid Borba(3)

(1)
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6288-9405. Professora da UFRN/CERES. Professora Formadora pela
Universidade Aberta do Brasil/Universidade Federal Rural de Pernambuco. Diretora Pedagógica do Centro
Paulo Freire: estudos e pesquisas. Pedagoga da Secretaria de Políticas Sociais do Paulista/PE. Doutoranda
em educação pela Universidade Federal da Paraíba. Mestra em educação, culturas e identidades. Pedagoga.
PE. E-mail: [email protected];
(2)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6116-619X. Técnica administrativa de ensino do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia de PE/IFPE. Professora/tutora pela Universidade Aberta do Brasil/UFRPE.
Especialista em Educação Profissional Técnica. Pedagoga. PE. [email protected];
(3)
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9224-7489. Professora da Educação Básica (Fundamental e EJA).
Professora na Pós-graduação em Educação do Campo e Sustentabilidade/UNEAL. Mestra em Educação Popular
pela UFPB. Especialista em Educação do Campo pela UFAL. Pedagoga. AL. E-mail [email protected].

ABSTRACT: Human rights education is important to be woven in the reflexive/analytical context, given
that lately we have had many rights violated, denied and neglected. Thus, we allude that this reflection lives up
to the narrative of what had been experienced in the X ENCCULT. We aim to communicate the experience of
remote work that was developed in GT 10: human rights education and diversity: reflections of contemporaneity.

KEYWORDS: Education. Human Rights. Statement.

Introdução

O diálogo epistemológico que circunda este empreendimento analítico/descritivo


diz respeito ao enunciado educação em direitos humanos na diversidade, tencionando os
acontecimentos da contemporaneidade.
Assinalamos que a educação em direitos humanos na diversidade tem por finalidade
explicitar o conjunto de coisas ditas e escritas sobre o discurso das políticas educacionais em
prol da garantia dos direitos humanos no contexto escolar na atualidade, analisar a garantia
do direito à educação por meio do uso das tecnologias da informação e comunicação, com
ênfase nas redes sociais como oferta de trabalho pedagógico remoto e, por fim, descrever
a diversidade cultural que está ensejada na cultura da escola. Desta forma, partimos da

1
DOI: 10.48016/GT10Xenccultcap8
Educação em Direitos Humanos e Diversidades
Maria Aparecida Vieira de Melo | Maria Aparecida Cruz | Sara Ingrid Borba (Organizadoras)

curiosidade epistemológica como a educação em direitos humanos está sendo pensada nos
dias de hoje, diante de um fenômeno sanitário que suscita mudanças de hábitos?
Metodologicamente, aludimos à décima edição do Encontro Científico e Cultural (X
ENCCULT). Neste evento tivemos a vivência do grupo de trabalho (GT): A educação em
direitos humanos na diversidade, o qual intencionou, logrando êxito, no escopo teórico/
epistemológico acolher as reflexões sobre a educação indígena, a educação quilombola, a
educação do campo, educação profissional integrada à educação de jovens, adultos e idosos,
bem como de temas sobre orientação sexual e processos formativos não escolares, momento
em que tratamos das questões pertinentes à teoria queer e ao coletivo do LGBTTI.
Propomo-nos a dialogar sobre estas temáticas tendo em vista que a interculturalidade
deve ser uma prática dos professores dentro ou fora da sala de aula, pois, diante da diversidade
inerente no contexto escolar, exige práticas baseadas em práxis inclusivas promovendo,
portanto, a inclusão social e a unidade na diversidade. Com tais reflexões empreendemos
por objetivo geral: analisar os discursos sobre a educação em direitos humanos como
vem sendo fomentada na formação dos professores e, mais especificamente, identificar
a promoção dos direitos humanos através da educação na diversidade, compreendendo
as principais motivações que levam a práticas exclusivas no contexto escolar e, por fim,
ressaltamos a formação em direitos humanos a partir da diversidade dos temas abordados
neste grupo de trabalho. Portanto, viabilizamos as discussões inerentes aos movimentos
sociais que tencionam por um projeto de sociedade mais justo e igualitário por meio da
educação como direito público subjetivo de todos os sujeitos de direitos.
Tendo em vista a manifestação de debates durante os 10 anos refletindo práticas
e reflexões sobre ensino-pesquisa-extensão, o grupo de trabalho “Educação em direitos
humanos e diversidades” acolheu o conjunto de coisas ditas e escritas que perpassam o campo
das ciências sociais e humanas. Sendo assim, esse GT justificou-se dada a sua importância
em ressaltar as discussões sobre a diversidade cultural no contexto escolar na medida em
que propôs contribuir com a formação dos professores e sua atuação, pois sabemos que
muitas práticas pedagógicas ainda estão calcadas no tradicionalismo, evitando assim tratar
de temas que carecem serem postos em evidência como as diversidades que perpassam a
cultura escolar.
Acreditamos que esse GT teve e continuará tendo a grande possibilidade de
fomentar reflexões pertinentes sobre a interculturalidade que deve ser uma práxis
presente nas ações pedagógicas dos professores. Entretanto, sabemos que para tal é
preciso que estes tenham conhecimentos sobre o que pautar mediante as especificidades
e particularidades que concernem a cada grupo cultural. Dito isso, assinalamos ser uma
temática imprescindível para os nossos dias para combatermos a violação de direitos no
contexto escolar e promovermos a interculturalidade mediante as reflexões inerentes aos
movimentos sociais que atravessam os direitos humanos, pleiteando por uma educação
pública e de qualidade para todos.
Portanto, esta reflexão está organizada nas sessões da introdução, das políticas
educacionais, das tecnologias da comunicação e da informação, da diversidade, categorias
que estão amalgamadas no hall da educação em direitos humanos na contemporaneidade e,
por fim, concluímos assinalando os aprendizados adquiridos durante a vivência do GT no X
ENCCULT o qual aconteceu online no decorrer dos dias 01 a 04 de setembro de 2020.

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Educação em Direitos Humanos e Diversidades
Maria Aparecida Vieira de Melo | Maria Aparecida Cruz | Sara Ingrid Borba (Organizadoras)

As TICs na promoção da educação: garantia ou negação de direitos

A notória discussão sobre direitos humanos não pode se dá no sentido de alguém para
outro alguém. Os direitos humanos são direitos comuns a todas as pessoas, independente
do contexto em que se dê, perpassa de forma marcante pelos processos de lutas por políticas
públicas, inclusive, impulsionada pelos movimentos sociais, enquanto representatividade
coletiva pressionando os governantes em ações que as efetivem.
As políticas públicas promovem a garantia do cumprimento dos direitos, direitos
estes já garantidos no contexto da Constituição Federal de 1988, no entanto não tem se
apresentado de maneira fácil quando da sua efetivação. Gilberto Dimensteim, em seu livro
“Cidadão de papel”, faz referência ao cidadão brasileiro cuja cidadania está garantida apenas
na lei, no papel; na vida cotidiana, ainda é muito contraditório.
Tratar de direitos no Brasil é algo complexo visto a falta de conhecimento das pessoas
sobre este assunto e a ausência de consciência crítica sobre seus direitos. Outro fator é
como a sociedade foi estruturada nos moldes da negação, da opressão e dos processos de
exclusão. Tomemos como exemplo a educação em tempos de pandemia em que assistimos
o escancaramento de uma realidade excludente, mostrou o quanto a nossa sociedade está
baseada no faz de contas em que se anuncia processos de sucesso com o uso das tecnologias,
enquanto a maioria dos alunos estão sem condições de acesso aos processos educativos.
São sub condições de acesso quando uma expressiva maioria não tem aparelhos
que suportem as atividades e vídeos que lhes são propostos; quando o celular serve para
toda família e não dá conta; as mães não conseguem orientar as atividades que chegam
pelo aparelho telefônico e as aulas a distância são insuficientes para aprendizagem dos
estudantes; quando links, plataformas de acesso e as ferramentas tornam-se mais um
desafio para a participação nas aulas. Estes e outros mais empecilhos são ignorados em
nome da modernidade tecnológica com avanços de recursos didáticos inovadores, dinâmicos
e eficientes para enriquecer o processo educativo. No entanto, o que evidenciamos foram
professores sendo empurrados massivamente a uma “reinvenção docente”, a um consumo
imediato de acessórios para atender tal exigência e não ficar de fora da modernidade; e, na
outra ponta deste fio, estudantes assistindo a tudo a distância, literalmente é uma educação
à distância, no sentido espacial do direito.
Tem-se que reinventar outras possibilidades de garantir a educação para todos, pois é
inadmissível que a escola enquanto instituição de ensino continue sem seus sujeitos. Afinal,
consta na Constituição Federal de 1988, em seu Art. 206, que “o ensino será ministrado
com base no princípio de igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”,
e reforçando o artigo citado, a Declaração de Salamanca/1994, nos diz que “Os sistemas
e programas educacionais devem considerar a diversidade de características, interesses e
necessidades do alunado.”.
Verifica-se que a inovação tecnológica não está para todos como se pressupunha, ou
em iguais condições, faz parte do cotidiano de professores e estudantes o uso de ferramentas
tecnológicas, mas de forma limitada, de acordo com sua condição social e econômica. O
potencial econômico do sujeito determina as suas possibilidades de acesso aos recursos que
o mundo atual nos exige.

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Educação em Direitos Humanos e Diversidades
Maria Aparecida Vieira de Melo | Maria Aparecida Cruz | Sara Ingrid Borba (Organizadoras)

O modelo de educação no ensino remoto, tão aclamado enquanto solução para a


educação em tempos de pandemia exigiram novos conhecimentos e outras condições para
que esta estratégia diferente de ensinar e aprender pudesse acontecer. Os modelos de técnicas
da mídia tornaram-se aliadas a estas novíssimas práticas pedagógicas, transformando
o professor num incansável usuário de recursos tecnológicos fomentando a máquina de
consumo das ferramentas tecnológicas e assumindo papéis de youtubers na mídia. Num
acorrida desenfreada como que para salvar o mundo não pararam para olhar aos que não
tinham condições e meios para acompanhar tal processo. Foram tomados pela exigência
do mercado transvestida no discurso de que “a educação não pode parar”. E neste contexto
neoliberal em que as regras do mercado prevalecem “como uma instituição social que visa a
eficiência económica, não fazendo parte dos seus intentos e preocupações a equidade social
ou o gozo dos direitos humanos por todos.” (ESTEVAO, 2011). Mais à frente o autor continua:

o que verdadeiramente conta é que a eficiência potencializa a melhoria de


alguns ainda que à custa da privação dos outros. Aqui, os direitos humanos
são entendidos sobretudo como direitos do proprietário, direitos que são
pensados a partir do mercado e, neste aspecto, são direitos que se estendem
não apenas às pessoas individuais, mas também às pessoas jurídicas
colectivas, sobretudo privadas. Estêvão (2011, p.01)

Interessa corroborar as relações evidenciadas em meio a esta dinâmica, constituídas


desde ferramentas tecnológicas a capacitações no modo virtual, cotidianamente e sobre
diversos temas. Notadamente, as propostas deste novo modelo de práticas educativas
adentraram o ambiente familiar envolvendo demais sujeitos familiares num processo
que tinha como cenário a intimidade do lar desses educadores, desnudados pelo desafio e
compromisso em não deixar as crianças sem educação.
Diante deste cenário cabe apontar as fragilidades deste modelo educacional
provisório, pois, se tornou uma tônica dos professores, após alguns meses, afirmarem
que a participação dos estudantes foi insuficiente, portanto, ineficaz no contexto da escola
pública, o que evidenciava a negação de direito a educação sem acesso e sem qualidade. Dos
poucos estudantes que participavam, foram-lhes exigida participação em processos nada
interessantes como copiar atividades do computador ou celular para o caderno, acompanhar
orientações com uso de figuras pelo Whatsapp e assistir vídeos para realizar as atividades.
Neste caso é evidente a subutilização das ferramentas tecnológicas. Os professores não
foram preparados em seus processos formativos.
Defender este modelo de educação que não garante ensino e menos ainda aprendizagem
de forma eficaz e defender a exclusão da maioria das crianças dos processos educativos, é
tornar inválido o cânone constitucional do direito à educação para todos os brasileiros. A
exclusão não é apenas pelo processo que se ofertou como alternativa em momento pandêmico,
a exclusão se deu quando da continuidade deste processo que caminhou deixando de fora e
ignorando suas reais condições, a maioria dos sujeitos que deveriam fazer parte do processo,
e para os quais a educação popular deve estar voltada.
É incontestável que precisamos rever nossas práticas pedagógicas, planos de ensino,
nossas posturas e nossas atitudes diante das tecnologias, pois estamos envolvidos em
processos de ensino e aprendizagem e comprometidos com este novo contexto em que a escola

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Educação em Direitos Humanos e Diversidades
Maria Aparecida Vieira de Melo | Maria Aparecida Cruz | Sara Ingrid Borba (Organizadoras)

também faz parte. É inegável que temos seus sujeitos e o contexto que o cerca, bem como
inserir-se neste mundo potencialmente da comunicação e da informação. Reinventar a escola
é uma tônica necessária, mas antes precisamos concretizar processos humanos de relações
interpessoais que não podem se dá no contexto de desrespeito ao outro e a sua diferença,
nas relações desiguais, na privação do direito, no individualismo, na competitividade do ter
mais em detrimento ao ser mais amoroso, mais justo, mais humanizado.
A educação precisa ser tomada como um direito humano em nossa realidade, não
apenas no papel. As pessoas precisam vivenciar a cidadania em seus contextos de forma
digna e justa, reconhecendo-se como sujeito construtor de sua própria realidade e, por
conseguinte, de sua própria história em suas vivências culturais em seu modo de ser e estar
no mundo.

A diversidade da educação em Direitos humanos

Ao propormo-nos refletir sobre a diversidade no contexto escolar, evidenciamos que


a educação é multifacetada no complexo social. Deste modo, ressaltamos que devemos
incorporar no seio escolar a cultura que está fora da escola para dentro desta, fazendo jus,
portanto, à diversidade das diferenças humanas que constituem e são constituintes do
complexo escolar.
Assim, temos muitas temáticas a desdobrar a fim de confeccionarmos o tecido social
inclusivo na contemporaneidade, a diversidade amalgamada nos coletivos sociais, como os
camponeses, os indígenas, os quilombolas, os gays, lésbicas, travestis, transexuais e tantas
outras diferenças que atravessam a interindividualidade dos sujeitos que constituem eles
em ser o que são. É preciso sensibilidade pedagógica para garantir o direito à educação a
todas as pessoas.
Porquanto, abordar a diversidade como categoria analítica das diversas diferenças
individuais dos seres humanos que torna o espaço escolar simultaneamente singular e
plural é, de sobremaneira, fundamental na contemporaneidade, pois estamos numa
geração autêntica em sua humanidade. Dito de outro modo, o sentimento de pertencimento
identitário e cultural dos sujeitos diversos estão mais fortalecidos. Razão pela qual
precisamos de professores que estejam dispostos e disponíveis a desenvolver práticas
pedagógicas inclusivas.
Desta feita, nos ocupamos em evidenciar que a diversidade cultural que atravessa
a escola é estreitamente plural, a qual permeia a singularidade dos sujeitos coletivos e
individuais sendo assim necessário trabalhar a prática do respeito e da inclusão social das
diferenças que estão carregadas nas entranhas humanas. Pois reconhecemos que

Nas sociedades contemporâneas, a escola é local de estruturação de


concepções de mundo e de consciência social, de circulação e de consolidação
de valores, de promoção da diversidade cultural, da formação para a
cidadania, de constituição de sujeitos sociais e de desenvolvimento de
práticas pedagógicas. O processo formativo pressupõe o reconhecimento da
pluralidade e da alteridade, condições básicas da liberdade para o exercício
da crítica, da criatividade, do debate de ideias e para o reconhecimento,

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Educação em Direitos Humanos e Diversidades
Maria Aparecida Vieira de Melo | Maria Aparecida Cruz | Sara Ingrid Borba (Organizadoras)

respeito, promoção e valorização da diversidade. Para que esse processo


ocorra e a escola possa contribuir para a educação em direitos humanos,
é importante garantir dignidade, igualdade de oportunidades, exercício da
participação e da autonomia aos membros da comunidade escolar. (BRASIL,
2007, p. 31).

Neste contexto, a escola é o centro do processo de estabelecimento dos valores que


estão no campo da diversidade cultural, a qual corrobora para a atuação cidadã, crítica,
alteria e emancipatória dos sujeitos coletivos em suas dimensões singulares e plurais por
meio de processos democráticos de participação.
Porquanto este processo é incialmente um processo individual de vir a ser do sujeito.
Dito de outro modo, somente posso lutar pelo respeito à diversidade cultural quando
reconheço-me igualmente diverso nas esferas políticas, sociais, culturais e emocionais.
Razão pela qual corroboramos com o que está posto por Freire ao enunciar que:

Como educador, devo estar constantemente advertido com relação a este


respeito que implica igualmente o que devo ter por mim mesmo. [...] o
inacabamento de que nos tornamos conscientes nos fez seres éticos. O respeito
à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor
que podemos ou não conceder uns aos outros (FREIRE, 1996, p. 21).

O respeito é crucial para que possamos corroborar com processos pedagógicos


voltados a promoção do respeito às diferenças e a diversidade. Assim, temos como
imperativo ético quando damos ênfase a autonomia e a dignidade dos sujeitos coletivos em
sua individualidade.
Ao darmos ênfase ao respeito como caminho viável para a postura ética a favor das
diferenças e da diversidade dos sujeitos coletivos e individuais, nos aportamos ao que está
preconizado no Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, em seu artigo 17:

O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica


e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem,
da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e
objetos pessoais. (BRASIL, 1990).

Dito isso, acreditamos que o respeito é crucial para garantir o restabelecimento dos
valores que com o tempo vêm sendo fragmentados devido a deturpação que se dá mediante
a naturalização de situações de preconceitos, discriminações, negligências e violações, desde
o ambiente familiar ao contexto escolar, e aos demais espaços sociais, sobretudo, a rua.
Portanto, a escola é o melhor lugar para fomentar processos de inviolabilidade da integridade
física. Entretanto, é preciso que os educadores estejam formados para tais fins.
Assinalamos que a diversidade na atualidade está mais acolhida nos espaços coletivos
e sociais, entretanto, os seres humanos ainda são alvos de constrangimentos devido a sua
diversidade, o que somente pode haver intervenções pedagógicas caso os educadores estejam
despertados, sensíveis e formados para agirem com postura ética e com inclusão social. Ações
pedagógicas que devem igualmente ter como parâmetro o currículo escolar ou a proposta
pedagógica da escola. Desta forma, comunga da defesa para o respeito a diversidade no
contexto escolar, Eyng ao evidenciar que:

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Educação em Direitos Humanos e Diversidades
Maria Aparecida Vieira de Melo | Maria Aparecida Cruz | Sara Ingrid Borba (Organizadoras)

A centralidade do processo curricular não está mais nos conteúdos


disciplinares, mas sim na interdisciplinaridade. As disciplinas e seus
conteúdos passam a se constituir em ferramentas no processo de construção
do conhecimento contextualizado, ou, em outras palavras, as diversas
representações da realidade, sistematizadas nas diferentes áreas do
conhecimento, são auxiliares no processo de conscientização do aprendiz...
(EYNG, 2007, p. 198).

Sabemos que os direitos humanos é um tema transversal. Logo, ao tratamos da


diversidade no contexto escolar, estamos acionando o campo teórico/epistemológico dos
direitos humanos, o qual não cabe na disciplinarização dos conteúdos e de seus campos de
domínios, mas sim, transcende categoricamente a área de conhecimento que pode acolher
a diversidade dos direitos humanos. Dito isto de outro modo, evidenciamos que os direitos
humanos é uma temática que cabe em todas as áreas de conhecimento, por este motivo é um
tema transversal. Está no campo da interdisciplinaridade e também da transdisciplinaridade.
Salientamos que quando o conteúdo é disciplinarizado há uma limitação de cunho
teórico e epistemológico, pois se centraliza numa visão linear e cartesiana, elidindo com a
possibilidade holística dos campos de domínios diversos que podem fortalecer os nós da
rede da diversidade dos direitos humanos no contexto escolar.
Assim sendo, devemos pensar no currículo no campo da interculturalidade dos
direitos humanos, o qual posiciona os sujeitos em diferentes formas, atuando no campo
da militância, da educação em espaços não formais, teórico e prático. Tal como se espera
com o currículo voltado para esta especificidade, da forma como está posto por Eyng ao
explicitar que:

O currículo desempenha, de fato, distintas missões em diferentes contextos


e níveis educativos, de acordo com as características e finalidades que
refletem de cada nível. O currículo deve, portanto, ser concebido tendo
como parâmetro o contexto em que se configura e as práticas educativas
na realidade, mediante as quais se expressa, considerando-se o currículo
proposto, o projeto pensado/escrito e o currículo vivenciado, a prática do
projeto pensado/aplicado, avaliado (EYNG, 2002, p. 28).

As missões que encarregam o currículo escolar são de suma relevância para configurar
o contexto da sociedade, isto é, a cultura de fora para dentro da escola. No entanto, é preciso
que se mobilizem práticas educativas cunhadas na realidade dos sujeitos, conforme a escola
esteja territorialmente localizada, tendo em vista que é preciso se fazer jus as diversidades
inerentes aos sujeitos que assim darão vida ao currículo estudado. Deste modo, é preciso
uma pedagogia crítica que permeie processos educativos e avaliativos concernentes com os
contextos sócio-históricos.
Ressaltamos que a diversidade está presente no currículo de várias formas, pois
quando temos um currículo planejado e articulado com a diversidade cultural local, abraça
a diversidade e as diferenças que estão entrelaçadas e atravessas na identidade dos sujeitos
que fazem a escola. Neste sentido, salientamos que não há neutralidade, quando acionamos
a diversidade local e global para tencionar os processos educativos. A despeito do exposto,
damos ênfase neste enunciado:

83
Educação em Direitos Humanos e Diversidades
Maria Aparecida Vieira de Melo | Maria Aparecida Cruz | Sara Ingrid Borba (Organizadoras)

Desta forma, o currículo escolar é um texto que pode nos contar muitas
histórias: histórias sobre indivíduos, grupos, sociedades, culturas, tradições;
histórias que nos pretendem relatar como as coisas são ou como deveriam
ser. O que há de comum entre elas uma vontade de saber que, como assinala
Foucault (1996), é inseparável da vontade de poder, e tem se constituído em
“prodigiosa maquinaria destinada a excluir” (p. 20). Na política cultural estas
representações construídas pelos discursos vão posicionando os indivíduos
numa certa geografia e economia do poder cujo objetivo é o governo, a
regulação social (COSTA, 1998, p. 61).

Explicitamos que o discurso impregnado no currículo dar ênfase a uma vontade de


poder ao mesmo tempo em que posiciona o sujeito educador a uma prática pedagógica,
ancorada em uma pedagogia crítica, pois tão somente assim é possível operar rupturas no
processo de controle da sociedade por meio dos governos, bem como de práticas colonizadoras
de ensino/aprendizagem. Contudo, compreendemos que há um jogo político que tem por
finalidade controlar socialmente as massas, mas são as práticas sociais que podem romper
as fronteiras e abarcar as diversidades e diferenças a partir do currículo vivido.
Deste modo, destacamos a escola como lócus de possibilidades de incidir nas mudanças
para práticas descolonizadoras, tais como a sociocêntrica, etnocêntrica, androcêntrica e
urbanocêntrica, uma vez que o papel da escola implica em construir possibilidades de uma
sociedade mais justa e mais fraterna, tendo em vista que “a escola produz espaço privilegiado
para alguns enquanto reforça a desigualdade e a subordinação de outros. Os professores estão
implicados na produção e reprodução dos discursos e práticas que configuram os sujeitos e
constituem suas múltiplas identidades culturais” (MEYER, 1998, p. 69). Significa que cabe
aos professores atuarem a favor do combate aos processos de desigualdades sociais.
Destacamos que ao abordar sobre as problematizações inerentes ao campo complexo
da diversidade dos sujeitos acionadas com os direitos humanos e a educação, fazemos e
damos ênfase aos processos educativos que se pautam em sua promoção, dialogando sobre
as diferenças, as diversidades, as culturas que estão no entorno da comunidade escolar e que
deve assim integrar as ações participativas de toda a comunidade, sobretudo, no que tange
a sistematização do projeto político pedagógico, do currículo e das práticas pedagógicas.
Assim, democraticamente poderemos lutar em prol da garantia do acesso e permanência
dos sujeitos nos processos escolares, pois é por meio de uma educação democrática que
nos fazemos democraticamente dando ênfase à diversidade cultural inerente a escola. Por
esta razão dialogar sobre a educação em direitos humanos é essencialmente importante
na contemporaneidade.

Sistematização do grupo de trabalho 10: A educação em direitos humanos e


diversidade

A décima edição do Encontro Científico e Cultural – X ENCCULT - aconteceu nos


dias 01 a 04 de setembro do respectivo ano, exclusivamente de forma online. O coordenador
que articulou com muito esmero a organização deste evento foi o Professor José Crisólogo
Sales, da Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL). Destacamos que o nosso grupo de

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Educação em Direitos Humanos e Diversidades
Maria Aparecida Vieira de Melo | Maria Aparecida Cruz | Sara Ingrid Borba (Organizadoras)

trabalho acolheu vários trabalhos que refletiram com muita criticidade sobre os temas
transversais que atravessam a educação em direitos humanos e diversidade, quais foram:
Diversidades Culturais, Orientação Sexual, Modalidades Educacionais, Movimentos
Sociais, Direitos Humanos, Educação, Interculturalidade. Ressaltamos que foi coordenado
pelas professoras/pesquisadoras: Maria Melo; Aparecida Cruz e Sara Borba. Tivemos o
apoio dos monitores: Kátia Barbosa, Romário Almeida e Ricardo Antônio. Vivenciamos
o nosso GT nos dias 01 e 02/09 com a apresentação dos trabalhos e com as palestras, tal
como podemos assim visualizar.
Quadro 1: Programação do GT 10: a educação em direitos humanos e diversidade.

ATIVIDADE/TEMA APRESENTADORES-AS/PALESTRANTES

Apresentação de trabalhos relacionados à temática do GT

Prof. Dra. Vera Lúcia Braga de Moura (SEC-PE)


Abertura dos trabalhos
Mediadora – Profa. Sara Ingrid Borba

Alessandra Maria Martins Gaidargi-Garutti


Edvaldo Nunes dos Santos
Emanuel Ferreira da Silva
Éverton de Jesus Santos
Jessia Elem Cunha Barbosa
Jonatha Rodrigues da Silva
Apresentações dos trabalhos do GT José Bartolomeu dos Santos Júnior
Marcelo Karloni da Cruz
Mariana Pompeu Egydio
Nigel Stewart Neves Patriota Malta
Sthella Laryssa Barros
Loureiro Lima
Viviane Santos da Silva

Roda de Diálogos 01:


Prof. Me. Luciano Carlos Mendes de Freitas Filho
Tema 01 - Educação em Direitos Humanos em
(IFBA)
debate nas práticas curriculares: enfrentamentos
Prof. Me.William Fernandes de Araújo Barbosa
Tema 02 - A invisibilidade de transexuais e
Mediadora: Profa. Maria Aparecida Cruz (IFPE)
travestis na escola

Roda de Diálogos 2:
Tema 1 – A educação em Direitos Humanos e Profa. Titular da UFPE - Aída Monteiro
diversidades na atualidade
Tema 2 - Educação em Direitos Humanos na Profa. Me. Elizabete Bezerra Patriota – IFAL-AL
formação de professores Mediadora: Profa. Maria Aparecida Vieira de Melo

Fonte: Produção própria, 2020.



Esta experiência foi bastante significativa, pois, proporcionou discutir temas
atualizados na contemporaneidade, dando ênfase a temáticas que denuncia e anunciam
processos formativos que viabilizam a garantia dos direitos humanos, tendo a educação
como propulsora para transformação da sociedade, com um projeto alternativo em meio ao
caos que se estabelece nas violações dos direitos humanos.

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Educação em Direitos Humanos e Diversidades
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Considerações

Esta reflexão analítica/descritiva parte do pressuposto enunciativo sobre o


pensamento da educação em direitos humanos e diversidade, grupo de trabalho que acolheu
vários trabalhos, com produções a respeito de temas importantes que estão coadunados
neste campo e que precisam ser pensados/refletidos epistemologicamente. Desta maneira,
foi possível angariar reflexões pertinentes embasadas na realidade da contemporaneidade
diante das diversas formas de violação dos direitos humanos, mas também as diversas
bandeiras que são defendidas ancoradas no hall da educação em direitos humanos,
sobretudo, a formação dos professores para promover práticas pedagógicas embasadas
numa pedagogia crítica.
Vivenciamos a organização do GT 10 com apresentações de trabalhos e palestras com
temas relevantes para a atualidade. De tal modo, destacamos que a educação em direitos
humanos se torna ainda mais relevante conforme a conjuntura que estamos vivendo de
desmantelos nos campos sociais, políticos, econômicos e culturais.
Consideramos que no conjunto das coisas ditas e escritas sobre o discurso das políticas
educacionais em prol da garantia dos direitos humanos no contexto escolar na atualidade
está muito aquém de promover a igualdade de acesso e condições de permanência, ainda
mais com a dimensão do trabalho pedagógico remoto em que as políticas educacionais não
chegam aos lares. Quando nos propomos analisar a garantia do direito a educação por meio
do uso das tecnologias da informação e comunicação, concluímos que nem todas as pessoas
tem acesso às ferramentas tecnológicas e condições de acesso aos pacotes de dados da internet
e o próprio conhecimento operacional das redes sociais, pois uma coisa é usar a rede social
como entretenimento, outra é como suporte pedagógico para aquisição do conhecimento. No
que tange a diversidade cultural que está ensejada na cultura da escola, diante da conjuntura
atual, sabemos que a escola precisa acolher a diversidade cultural. Contudo, devido a um
currículo cartesiano não há esta possibilidade, logo, precisamos descolonizar o currículo, o
qual tem a ver com processos democráticos de participação da comunidade escolar.
A nossa curiosidade epistemológica sobre como a educação em direitos humanos está
sendo pensada nos dias de hoje, diante de um fenômeno sanitário que suscita mudanças
de hábitos, nos levou a concluir que os direitos humanos têm se tornado um campo vasto
de possibilidades pedagógicas para fomentarmos formações de professores, tanto inicial
quanto continuada, sendo uma temática que denuncia as violações aos direitos humanos ao
mesmo tempo em que anuncia possibilidades do inédito viável por meio de uma educação
problematizadora da realidade vigente.
Por conseguinte, assinalamos que este GT nos possibilitou diversos aprendizados, bem
como nos trouxe alegria ao tratarmos de temáticas pertinentes, tanto com as apresentações
de trabalhos com temas diversos, quanto com as palestras que ampliaram ainda mais a nossa
compreensão sobre a educação em direitos humanos e diversidade na contemporaneidade.
Processos de retrocessos denunciados e possibilidades outras de resistirmos e assim
construímos uma sociedade mais e melhor.

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Maria Aparecida Vieira de Melo | Maria Aparecida Cruz | Sara Ingrid Borba (Organizadoras)

Referências

1. BRASIL, Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de


Educação em Direitos Humanos: 2007. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos
Humanos, 2003 e 2007. Acesso em: 18 jun. 2009.

2. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. 1990. Disponível em:<http://


www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm>. Acesso em: 20 Set. 2020.

3. COSTA, M. V. (Org.). O currículo nos limiares do contemporâneo. Rio de


Janeiro: DP&A, 1998.

4. ESTEVÃO, Carlos V. Democracia, Direitos Humanos e Educação. Para uma


perspectiva crítica de educação para os direitos humanos. Revista Lusófona de
Educação versão impressa ISSN 1645-7250 Rev. Lusófona de Educação no.17
Lisboa 2011 Instituto de Educação e Psicologia - Universidade do Minho, cestevao@
iep.uminho.pt Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S1645-72502011000100002

5. EYNG, A. M. Projeto Político Pedagógico: Planejamento e Gestão da Escola. Revista


Educação em Movimento, v. 1, n. 2, maio/ago. 2002, Curitiba: Champagnat, 2002.

6. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São


Paulo: Paz e Terra, 1996.

7. MEYER, D. E. Etnia, raça e nação: o currículo e a construção de fronteiras e posições


sociais.In: COSTA, M. V. (Org.). O currículo nos limiares do contemporâneo. Rio de
Janeiro: DP&A, 1998.

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ISBN 978-65-87824-04-8

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