Livro Texto Unidade I

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Introdução à

Filosofia da Ciência
Autor: Prof. Marco Antonio Loschiavo Leme de Barros
Colaboradores: Prof. Renato Bulcão
Profa. Angélica Carlini
Professor conteudista: Marco Antonio Loschiavo Leme de Barros

Doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Direito e
Desenvolvimento pela Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo. É bacharel em Filosofia pela USP e em Direito
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC‑SP). Atua como professor titular da Universidade Paulista
(UNIP), onde leciona nos programas de graduação em Filosofia, Direito e Relações Internacionais. É pesquisador das
áreas de filosofia política e do direito, direito público, sociologia e teoria do direito, pesquisa empírica e metodologia
em direito.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

B277i Barros, Marco Antonio Loschiavo Leme de.

Introdução à Filosofia da Ciência / Marco Antonio Loschiavo


Leme de Barros. – São Paulo: Editora Sol, 2019.

140 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXV, n. 2-151/19, ISSN 1517-9230.

1. Revolução científica. 2. Pensadores da Filosofia. 3. Método.


I. Título.

CDU 001.11

U503.28 – 19

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
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Unip Interativa – EaD

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Prof. Marcelo Souza
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Juliana Muscovick
Ricardo Duarte
Sumário
Introdução à Filosofia da Ciência

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................8

Unidade I
1 REVOLUÇÃO CIENTÍFICA................................................................................................................................ 15
2 MUNDO EM EBULIÇÃO?................................................................................................................................ 23
3 NOVO MODELO DE CIENTISTA: NICOLAU COPÉRNICO...................................................................... 26
4 APROXIMAÇÃO ENTRE ARTES E CIÊNCIAS: LEONARDO DA VINCI............................................... 35

Unidade II
5 PENSADORES DA FILOSOFIA DA CIÊNCIA............................................................................................... 46
5.1 Crítica a Aristóteles: Giordano Bruno........................................................................................... 46
5.2 Experiência nas ciências: Francis Bacon...................................................................................... 50
5.3 Invenção nas ciências: Galileu Galilei........................................................................................... 58
5.4 Geometria copernicana: Johannes Kepler.................................................................................. 66
5.5 Medicina moderna: William Harvey.............................................................................................. 71
5.6 Racionalismo: René Descartes......................................................................................................... 74
5.7 Física moderna: Isaac Newton......................................................................................................... 82
6 DESDOBRAMENTOS DA REVOLUÇÃO CIENTÍFICA E O DEBATE SOBRE O MÉTODO............... 89
6.1 Empirismo: John Locke....................................................................................................................... 89
6.2 Idealismo: George Berkeley............................................................................................................... 94
6.3 Ciência dos costumes: David Hume.............................................................................................. 95
6.4 Teoria da seleção natural: Charles Darwin.................................................................................. 98
6.5 Método....................................................................................................................................................102
6.5.1 Método cartesiano: treinamento do espírito.............................................................................103
6.5.2 Divisões dos métodos...........................................................................................................................108

Unidade III
7 VERDADE E ERRO...........................................................................................................................................118
7.1 Verificação ou refutação..................................................................................................................120
8 PARADIGMAS E CRISES NA CIÊNCIA.....................................................................................................123
8.1 Crises e revoluções científicas........................................................................................................125
APRESENTAÇÃO

A ciência está relacionada com o vasto processo de busca pelo conhecimento sobre a natureza
e o mundo, utilizando diferentes técnicas e métodos. Tal conhecimento também representa os
movimentos de dominação do homem sobre a natureza e, portanto, a história da ciência coincide com
as transformações e aplicações técnicas da sociedade. Mas qual é o papel da filosofia nesse processo?

Desde a Antiguidade, os filósofos se preocupam com as implicações das novas maneiras de


pensar e seus desdobramentos na vida humana. Os pré‑socráticos, por exemplo, se preocupavam
em encontrar o elemento ordenador do mundo, justificando suas diferentes cosmogonias. Este livro
retoma o período do início do pensamento moderno e procura de forma sistemática apresentar um
panorama do surgimento e da consolidação de um campo identificado como filosofia da ciência,
com notável progresso entre os séculos XIV e XVII. Para além dos pré‑socráticos, o avanço da
ciência ocorreu por meio dos trabalhos de filósofos renascentistas e modernos que apostavam
no empreendimento da razão humana, o que permitiu uma revolução técnica para diferentes
profissionais e outros técnicos (e não ao contrário).

Hoje, o próprio campo em questão se encontra fragmentado diante da especialização do conhecimento


científico. É possível discutir uma filosofia da biologia, da matemática, da física, da química, da medicina,
das ciências humanas, entre tantas outras disciplinas. Todavia, as importantes questões sobre a relação
entre filosofia e ciência ainda permanecem e devem ser debatidas.

Basta ponderar, por exemplo, como a publicação de 25 de abril de 1953, na revista Nature, do texto
“Estrutura molecular dos ácidos nucleicos”, de Francis Crick e James Watson, impactou a vida humana
ao descrever a estrutura em dupla hélice do ácido desoxirribonucleico – o conhecido DNA. Após a
descoberta do DNA, os estudos genéticos expandiram vertiginosamente no final do século XX e início
do XXI, a ponto de confirmar a formação de um consórcio de cientistas com o objetivo comum de
desvendar e mapear os códigos genéticos dos organismos vivos (Projeto Genoma), com aplicações em
diversas áreas, como economia, cultura e a própria medicina.

Atualmente, discute‑se como a nova técnica de edição genética permite corrigir doenças em células
humanas. Há notícia até mesmo da criação de seres vivos geneticamente modificados, para além da
técnica da fertilização in vitro. Do ponto de vista da filosofia da ciência, levando-se em conta o exemplo
apontado do DNA, é possível questionar: o que é hoje efetivamente considerado como ciência? O que
o distingue da não ciência? Qual é o papel da ciência na sociedade contemporânea? E, ainda, como a
ciência avança em relação aos seus conteúdos passados?

Ora, para responder essas perguntas é preciso olhar para nossa história e observar que diferentes
filósofos tiveram que construir ao longo do tempo um arcabouço teórico para definir conceitos e indicar
como as ciências são capazes de produzir verdades sobre a natureza e o mundo.

Considerando o filósofo inglês David Hume, sabemos que nem tudo o que observamos até agora
pode confirmar nossas teorias científicas. O que se nota é a concorrência de diferentes modelos
até surgir alguma outra evidência empírica capaz de substituí‑los. Afinal de contas, o próprio ato
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de conhecer ocorre em oposição a um conhecimento anterior, destruindo conhecimentos mal
estabelecidos. A ciência dos homens está em constante movimento de tensão e superação, ainda
que de forma provisória.

Este livro é uma apresentação abrangente das principais etapas do desenvolvimento da filosofia da
ciência como uma disciplina especializada no interior da filosofia e da ciência. Dessa forma, percorre‑se
o que marca esse movimento de tensão e superação entre teorias científicas.

Para tanto, diferentes períodos históricos são mobilizados. Trata‑se de uma introdução para
estudantes de graduação por meio da história da filosofia. O propósito é indicar os principais filósofos e
as preocupações de cada época, bem como temas relevantes da própria filosofia da ciência.

É imprescindível reconhecer a importância do estudo da filosofia da ciência tanto para nos


aprofundar no conhecimento da história da filosofia quanto para a formação acadêmica do aluno,
haja vista o interesse do aluno em elaborar um trabalho acadêmico de qualidade. Nesse sentido, toda
a discussão sobre o método e as formas dedutivas e indutivas do pensamento científico apresentada
neste livro‑texto é de grande valia para aqueles interessados na pesquisa.

Serão tratados os seguintes tópicos: a Revolução Científica; o avanço da astronomia; o surgimento


da física moderna; a aproximação entre artes e ciências; o método científico; o papel da indução e da
dedução; a discussão entre racionalismo e empirismo; a verdade e o erro; os paradigmas, as crises e as
revoluções nas ciências. Ainda, muitas ponderações sobre as várias etapas da produção acadêmica são
abordadas, o que reforça a importância deste livro para a formação científica do aluno.

Por ocasião dessas apresentações algumas questões são indicadas para provocar reflexão, bem como
sugestões de leitura complementar e exercícios.

Desejamos a todos bons estudos!

INTRODUÇÃO

O que é ciência? Para iniciarmos este estudo, vamos retomar um trecho do diálogo entre Sócrates e
o jovem Teeteto, apresentado por Platão.

Nesse texto socrático Teeteto, um jovem cientista, indaga se o conhecimento é uma opinião infalível.
Sócrates prontamente refuta tal posição ao replicar se essa opinião é fundamentada e verdadeira,
inclusive remetendo à profissão dos oradores e advogados, que se preocupam em persuadir os indivíduos
pelas opiniões a respeito das justificativas subjacentes, aproximando‑se da atuação dos sofistas.

Teeteto: Que a opinião verdadeira é conhecimento. A opinião verdadeira,


parece, é infalível e que tudo o que dela resulta é belo e bom.

Sócrates: Não há como experimentar para ver, Teeteto, diz o chefe de fila
na passagem do rio. Aqui dá‑se o mesmo: o que temos a fazer é avançar na
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investigação. Talvez venhamos a esbarrar em alguma coisa que nos revele o
que procuramos. Se pararmos por aqui, é que não descobriremos nada.

Teeteto: Tens razão. Vamos em frente e examinemos!

Sócrates: O problema não exige um estudo prolongado, pois existe toda uma
profissão que mostra bem como a opinião verdadeira não é conhecimento.

Teeteto: Como é possível? Que profissão é essa?

Sócrates: A desses modelos de sabedoria a que se dá o nome de oradores


e advogados. Tais indivíduos, com a sua arte, produzem a convicção, não
ensinando, mas sugerindo as opiniões que lhes aprazem. Ou julgas tu que
há mestres tão habilidosos que, no pouco tempo concedido pela clépsidra,
sejam capazes de ensinar devidamente a verdade acerca de um roubo ou de
qualquer outro crime, a ouvintes que não foram testemunhas do fato?

Teeteto: Não creio, de forma nenhuma. Eles não fazem senão persuadi‑los.

Sócrates: Mas, para ti, persuadir alguém não será levá‑lo a ter uma opinião?

Teeteto: Sem dúvida.

Sócrates: Então, quando há juízes que se acham justamente persuadidos


de fatos que só uma testemunha ocular, e mais ninguém, pode saber, não
é verdade que, ao julgarem esses fatos por ouvir dizer, depois de terem
formado deles uma opinião verdadeira, pronunciam um juízo desprovido
de conhecimento, embora tendo uma convicção justa, se deram uma
sentença correta?

Teeteto: Com certeza.

Sócrates: Mas, meu amigo, se a opinião verdadeira dos juízes e o


conhecimento fossem a mesma coisa, nunca o melhor dos juízes teria uma
opinião correta sem conhecimento. A verdade, porém, é que se trata de duas
coisas diferentes (PLATÃO, 2001, p. 124‑125).

O resultado encontrado pelo jovem é que a opinião não equivale ao conhecimento e, portanto, há
algo para além da mera curiosidade natural dos homens em compreender e explicar as coisas.

Não há dúvida que o espanto de Teeteto na busca da resposta sobre o que é o conhecimento é o
despertar e primeiro motor para buscar examinar o mundo; trata‑se do começo da ciência, o que, por
vezes, se confunde com o próprio despertar filosófico. Todavia, a simples apreensão da existência de
uma coisa não significa o imediato conhecimento, nem mesmo aquele reputado como científico.
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A concepção apresentada por Platão de conhecimento ficou identificada na história como a crença
verdadeira justificada. Diz o filósofo que o homem não deve somente se atentar ao fato, mas achar
a razão dele, por vezes tido como geral, permanente e essencial. Conhecer é possuir a ideia, segundo
Platão, e tal ponto exige retomar o sentido de ideia na filosofia platônica.

Verdadeira

Crença Justificada

Ideia

Figura 1 – A ideia platônica

O termo “ideia” tem origem no grego eidos, que deriva do verbo “ver”. As ideias são justamente as
formas incorpóreas e transcendentes que servem de modelo aos objetos sensíveis, sustenta Platão.
A ideia é uma essência que existe por si, independentemente das coisas e do intelecto humano. Por isso,
na visão platônica, a ideia possuiria uma índole matemática (influência provável do pitagorismo, do qual
Platão foi próximo).

As ideias seriam, assim, as causas intemporais para os objetos sensíveis. Por exemplo, existe
um belo em si, um belo superior, o que explica todos os casos e graus particulares de beleza.
Nos diálogos Mênon, Fédon, O Banquete, A República e Fedro Platão vai caracterizando essas
causas inteligíveis dos objetos físicos, que ele chama de ideias ou formas. Elas seriam incorpóreas e
invisíveis, o que significa justamente dizer que não está na matéria a razão de sua inteligibilidade.
Seriam reais, eternas e sempre idênticas a si mesmas, escapando à corrosão do tempo, que torna
perecíveis os objetos físicos. Perfeitas e imutáveis, as ideias constituiriam os modelos dos quais
as coisas materiais seriam apenas cópias imperfeitas e transitórias. Seriam, pois, tipos ideais a
transcender o plano mutável dos objetos físicos.

Conhecer é, portanto, apreender a ideia em si. Então, como conhecer essas realidades invisíveis e
incorpóreas, nós que vivemos aqui no mundo sensível? No diálogo Mênon, Platão sustenta que é o
nosso intelecto, e não nosso corpo, que pode conhecer as ideias. Isso porque nosso intelecto é, também
como as ideias, incorpóreo.

Para tanto, o filósofo apresenta o mito de Er: a alma humana antes do nascimento, antes de
prender‑se ao cárcere do corpo, teria contemplado as ideias quando seguia o cortejo dos deuses. Quando
encarnada, a alma perde a possibilidade de contato direto com as ideias incorpóreas, mas diante de suas
cópias os objetos sensíveis podem ir gradativamente recuperando o conhecimento das ideias. Dessa
forma, conhecer seria, então, lembrar, reconhecer, um ato de reminiscência.

Interessante é perceber que desde Platão tem prevalecido a noção de ciência como o conhecimento
certo das coisas por suas causas e leis. Em tal conceituação ele é sempre certo e definitivo, e
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objetivamente isso depende de um conjunto de verdades logicamente encadeadas entre si, de maneira
que forme um sistema de proposições coerentes. Nessa concepção inicial de conhecimento há um
primeiro motor, descrito como pura atividade e que é objeto do seu próprio pensamento: Deus.

Mas como os corpos podem ser movidos por ele? O inteligível e o desejável
se movem sem serem movidos, graças a uma finalidade inscrita em cada
ente. O primeiro motor move porque é desejável, atrai como o amado
desperta no amante o movimento de suas paixões. O Deus de Aristóteles,
sem criar o mundo, deixa que ele persista em vista daquilo que ele deve
ser. Mas o ser não precisa vir a ser, ele é simplesmente porque, como já
nos indica o pensamento puro da alma, se faz atividade sem potência.
A forma não é mais causa do mundo, no sentido que lhe imprimia Platão,
configura‑se como causa de si mesma, imóvel, paradigmática porque
tudo o que é se altera para ser aquilo que deve ser. Fora dessas condições
muito abstratas a ciência de Deus, a teologia, tem pouca coisa a dizer. Se
não é, como se dirá mais tarde, uma teologia negativa, não deixa de ser
minguante (GIANNOTTI, 2011, p.127).

Não restam dúvidas que a definição de Platão de conhecimento como crença verdadeira justificada
influenciou o surgimento da ciência enquanto um conhecimento sistemático e baseado em um método
em séculos posteriores.

Saiba mais

Ciência é conhecimento, mas nem todo conhecimento é ciência.


Segundo a literatura racionalista da história da filosofia moderna, o
conhecimento científico se distingue do empírico por se basear em causas
e leis universais e aplicar um método pautado em processos rigorosos de
pesquisa adaptados à natureza dos objetos, examinados e reunidos em um
conjunto de proposições lógicas. Saiba mais sobre o assunto em:

DESCARTES, R. Regras para a direção do espírito. Tradução de João


Gama. Lisboa: Edições 70, 1985.

Mas o conceito platônico ainda é vigente? Essa posição começa a ser questionada quando diferentes
pensadores passam a se preocupar com a questão da experiência, afinal, como ter a ideia de uma coisa
inteligível se não é possível viver ou observá‑la? Conhecer se reduz apenas ao modelo matemático? Há
uma finalidade compartilhada subjacente a todo modelo científico?

Por meio desses questionamentos é possível perceber que uma série de eventos ocorreu e
transformou o percurso da humanidade, inclusive o próprio tratamento dado à natureza se modificou.

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O filósofo brasileiro José Arthur Giannotti afirma que “a filosofia primeira está destinada a se confrontar
com a ontologia e com a teologia, segundo se privilegiam quer os problemas lógicos, aqueles do dizer
que procura a verdade, quer os problemas relativos aos princípios do uno e do múltiplo existentes”
(GIANNOTTI, 2011, p.128).

De uma posição respeitosa em face da sacralidade do externo e desconhecido, a natureza passa a


ser dissecada e, por vezes, modificada pelos cientistas. É nesse contexto que, para muitos autores, surge
a ciência moderna a partir do século XIV. O interesse, agora, passa a ser a produção de teorias que
elaborem previsões e testes reais.

O pensamento científico, ao contrário do que se observou na compreensão platônica, reagiu contra


a definição do conhecimento como certo e definitivo, capaz de identificar a essência da realidade e
resolver todos os problemas do homem e da vida, subjacente a um primeiro motor, como o divino.
O que se torna evidente são as próprias limitações do conhecimento humano diante da natureza e a
própria complexidade do ato de conhecer mediante teorias e métodos. Nos séculos seguintes ao período
da Idade Moderna observou‑se a importância do falibilismo na ciência, o qual sustentava que teorias
científicas são falíveis e sujeitas a substituições futuras, merecendo apenas uma confirmação provisória.

Essa compreensão do pensamento científico permite entender a importância da elaboração de um


trabalho acadêmico devidamente estruturado, contemplando exigências de referências, formatação
e conteúdo. Nesse sentido, a afirmação científica, respeitando as exigências apontadas, deve ser um
resultado da concatenação argumentativa do texto e debatida pela comunidade acadêmica interessada
naquele assunto.

Exemplo de aplicação

O artigo científico é uma forma de comunicação entre o pesquisador e a comunidade acadêmica a


que ele está vinculado. Por meio de sua publicação comunica‑se algum achado da pesquisa ou conclusão
importante. Nesse sentido, o artigo precisa possuir clareza para que seus argumentos e experimentos
descritos possam ser replicados por qualquer leitor.

Reflita a respeito da importância da replicabilidade dos argumentos e experimentos científicos para


a validade da afirmação científica.

O resultado é que não há consenso quanto aos critérios e padrões que devem ser adotados para que
se possa especificar o que é um conhecimento científico diante da vasta pluralidade de fontes e métodos.
Cada comunidade científica possui seus critérios e, nesse sentido, ganha destaque uma perspectiva mais
realista sobre a ciência, que se preocupa com as condições de observação e com o próprio observador,
assim como com a importância da construção coletiva de conhecimento e da formação de consórcios
de pesquisas.

Será que é possível conhecer o mundo apenas como um observador externo na relação sujeito e
objeto, ora enfatizando a razão, ora a experiência? A tentativa da ciência moderna clássica de eliminar

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o subjetivismo e conhecer racionalmente o universo objetivo não pode ser concretizada em face da
complexidade da relação entre observador e observado. Segundo uma posição construtivista do século XX,
o conhecimento é um processo de construção do observador, não sendo possível mais distinguir sujeito e
objeto. Trata‑se, então, de entender o problema da ciência pós‑kantiana, que possuía como pressuposto
a separação entre conhecimento e pensamento. Toda ciência era produzida por um observador externo
e lhe cabia a tarefa de explicar os eventos a partir de um método. No entanto, os sucessivos erros
descritivos nos processos investigativos fizeram reconsiderar as experiências. Adiciona‑se a esse
movimento o processo de especialização do conhecimento: cada vez mais o conhecimento é um ato
específico que observa uma relação particular em contexto. O desafio é localizá‑lo dentro de uma teoria
e explicá‑lo a partir de um método particular.

Assim, um dos grandes desafios que se colocam é a questão da interação. Todo experimento é uma
forma de relação com o observador. É o observador quem participa da experiência e altera o mundo.
Logo, não é possível afirmar o primado do sujeito e nem do objeto, pois tanto objeto como sujeito se
confundem. Ciência, agora, constitui‑se a partir da experiência do observador. O conhecimento sobre o
mundo é também o conhecimento sobre o observador.

Ora, essas transformações em relação a Platão só operaram na medida em que o conceito de


conhecimento como crença verdadeira justificada foi alterado, em especial por pensadores que entre
os séculos XIV e XVII apostaram no empreendimento da razão humana. Dessa forma, é possível pontuar
algumas orientações da filosofia da ciência que se discutiram ao longo dos séculos:

• A ciência permite compreender e explicar as coisas e também agir sobre a natureza.

• A distinção entre sujeito e objeto no plano científico é cada vez mais questionada a partir do
observador, que é parte do mundo que observa.

• Toda teoria científica depende de critérios e estruturas da observação, pois o conhecimento é


resultado do seu campo de experiência.

• Não existe uma única razão, mas múltiplas razões.

• A importância do erro, pois prova que nossas observações são limitadas e que o conhecimento é
sempre de caráter hipotético e aproximativo.

• A ciência não é o campo da revelação do sagrado, mas o momento de compreensão de problemas


específicos e mundanos, problemas de observação.

• A concepção de verdade é variada: consensualista, por correspondência, pragmática, entre outras.

A seguir vamos detalhar esse processo tomando como ponto de partida a Revolução Científica.

13
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA CIÊNCIA

Unidade I
1 REVOLUÇÃO CIENTÍFICA

Desde 1543, com a publicação do estudo de Nicolau Copérnico sobre o modelo heliocêntrico, até
1687, com a divulgação das leis de Isaac Newton para os movimentos dos corpos, é possível observar
uma transformação na relação entre o homem e a natureza, que marca o importante período conhecido
como Revolução Científica.

Trata‑se de uma revolução, pois constata‑se uma ruptura com a forma de produção de
conhecimento baseada na sacralidade da natureza e que remonta à cosmologia e à cosmogonia,
compreensão de um mundo ordenado e organizado a partir de uma narrativa e de determinadas
forças geradoras (physis).

Segundo a filósofa Marilena Chaui, a physis é a natureza eterna e em perene transformação, que dá
origem a todos os seres infinitamente variados e diferentes do mundo.

Os diferentes filósofos escolheram diferentes physis, isto é, cada filósofo


encontrou motivos e razões para dizer qual era o princípio eterno e imutável
que está na origem da natureza e de suas transformações. Assim, Tales
dizia que o princípio era a água ou o úmido; Anaximandro considerava que
era o ilimitado sem qualidades definidas; Anaxímenes, que era o ar ou o frio;
Heráclito afirmou que era o fogo; Leucipo e Demócrito disseram que eram
os átomos. E assim por diante (CHAUI, 2000, p. 41).

De uma ciência antiga, teorética e qualitativa observa‑se a transformação para a nova ciência dos
pensadores modernos, que é tecnológica, quantitativa, vinculada às observações e experimentos. Esses
são os traços desse novo campo iniciado por Copérnico.

Nos Diálogos sobre Duas Novas Ciências, Galileu Galilei (1988) já antecipa esse modelo ao contrapô‑lo,
via diálogo de três personagens, ao modelo antigo. A visão escolástica e tradicional é representada
por Simplício, que defende à luz dos antigos o geocentrismo; a posição moderna é representada pelo
cientista Salviati, reputado como o alter ego de Galileu e disposto a defender a ciência baseada na
observação, experiência e matematizacão. Ainda há um terceiro personagem, Sagredo, representando
a própria sociedade interessada em conhecer as novas teorias da época e a possibilidade de um novo
horizonte para a humanidade baseado no conhecimento científico.

No primeiro dia do diálogo, no qual é formulada uma crítica à distinção de Aristóteles sobre mundo
sublunar e supralunar, comenta Salviati a Sagredo:

15
Unidade I

Salviati: A atividade constante que os venezianos demonstram em seu


famoso arsenal sugere à mente estudiosa um grande campo de investigação,
especialmente aquela parte do trabalho que envolve mecânica; pois
neste departamento todos os tipos de instrumentos e máquinas são
constantemente construídos por muitos artesãos, entre os quais deve haver
alguns que, em parte por experiência herdada e em parte por suas próprias
observações, tornaram‑se altamente experientes e espertos na explicação.

Sagredo: Você está certo. De fato, eu mesmo, sendo curioso por natureza,
frequentemente visito este lugar pelo mero prazer de observar o trabalho
daqueles que, por causa de sua superioridade sobre outros artesãos,
chamamos de “homens de primeiro escalão” na investigação de certos
efeitos, incluindo não apenas aqueles que são impressionantes, mas também
aqueles que são recônditos e quase inacreditáveis. Às vezes também tenho
sido confundido e levado ao desespero de alguma vez explicar algo pelo qual
não podia dar conta, mas que meus sentidos me diziam ser verdade. E não
obstante o fato de que o que o velho homem nos disse há pouco tempo seja
proverbial e comumente aceito, ainda assim me pareceu completamente
falso, como muitos outros ditos que são atuais entre os ignorantes; pois
acho que eles introduzem essas expressões para dar a aparência de saber
algo sobre assuntos que eles não entendem.

Salviati: Você se refere, talvez, àquela última observação dele quando


perguntamos a razão pela qual eles empregaram estoques, andaimes e
órteses de dimensões maiores para lançar um grande navio do que para
um pequeno; e ele respondeu que eles fizeram isso para evitar o perigo de
o navio se despedir sob o seu próprio peso pesado, um perigo ao qual os
pequenos barcos não estão sujeitos?

Sagredo: Sim, é isso que quero dizer; e refiro‑me especialmente à sua


última afirmação, que sempre considerei como uma opinião falsa, embora
atual; ou seja, que ao falar dessas e de outras máquinas semelhantes não
se pode argumentar do pequeno ao grande, porque muitos dispositivos
que têm sucesso em pequena escala não funcionam em larga escala.
Agora, como a mecânica tem sua base na geometria, onde o simples
tamanho não corta nenhuma figura, não vejo que as propriedades de
círculos, triângulos, cilindros, cones e outras figuras sólidas mudem com
o tamanho delas. Se, portanto, uma máquina grande for construída de tal
maneira que suas partes suportem uma à outra na mesma proporção que
em uma menor, e se a menor for suficientemente forte para o propósito
para o qual foi projetada, não vejo por que o maior também não deve ser
capaz de suportar quaisquer testes severos e destrutivos aos quais possa
estar sujeito (GALILEI, 1988, p. 57).

16
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA CIÊNCIA

Figura 2 – Aristóteles, Ptolomeu e Copérnico discutem questões de astronomia


sob a coroa e a bandeira ducal da família Médici

Nesse diálogo é possível observar os traços básicos da nova ciência. Discutindo o caso bélico
da cidade-Estado de Veneza, Salviati sustenta que os venezianos são bem‑sucedidos em parte por
experiência e em parte por observação. A contraposição com o modelo antigo é evidente, afinal,
sem testes e preocupação com as experiências qualquer possibilidade de conhecimento científico é
apenas uma hipótese que deve ainda ser confirmada no mundo. Isso, aliás, pode representar prejuízos
no desenvolvimento da sociedade, como Galileu aponta ao mencionar os fracassos bélicos daqueles
que não se baseiam na experiência para projetar suas armas e atacar.

Na segunda passagem constata‑se que é apresentada uma relação entre coisas que não podem ser
explicadas e o que os sentidos observam. No final, a descrição fica completa e diz que a mecânica tem
sua fundação na geometria. A nova ciência moderna apresentada é aquele conhecimento fundado na
observação, experiência e matematização do conhecimento.

Essa nova ciência aposta na ação humana, admitindo que o homem é capaz de controlar de alguma
maneira seu destino e, portanto, aceitando a dominação da natureza. O homem agora se encontra livre
para conhecer o mundo e também lutar por sua sobrevivência, já que a ideia de ordem se enfraquece.
Percebe‑se, então, uma inversão em relação aos antigos, pois a ciência não é apenas a contemplação
do espírito ou a passagem do plano sensível para o inteligível; conhecer torna-se uma forma de poder
e atuação na sociedade. A preocupação não está vinculada a outro mundo ou plano de existência das
ideias, mas a esta vida e este mundo real.

17
Unidade I

O aspecto mais destacado daquela revolução terá sido a mudança da relação


entre teoria e práxis, o velho ideal da vida contemplativa cedendo lugar
ao da vida ativa. Enquanto o homem medieval e o antigo visavam à pura
contemplação da natureza e do ser, o moderno deseja a dominação e a
subjugação (KOYRÉ, 2006, p. 13).

Uma possível pergunta a ser formulada nesse momento é se efetivamente a nova ciência marca uma
ruptura com a antiga e se há uma continuidade. Thomas Kuhn, historiador e filósofo da ciência, afirma
que a revolução ocorre quando há uma conjuntura de eventos que marcam a superação de posições
que não eram conhecidas.

A revolução depende, assim, de novos métodos, tecnologias, descobertas e lutas políticas. Por
exemplo, a revolução copernicana, que substituiu a explicação geocêntrica pela heliocêntrica,
não teria acontecido antes do período das Grandes Navegações, da descoberta do Novo Mundo,
do fortalecimento do humanismo, da reforma do cristianismo e também do apoio à ciência por
determinada classe política.

Exemplo de aplicação

Pensando em sua própria experiência com a pesquisa e o ensino, que implicações o avanço da
tecnologia acarretou em sua área de estudo? Um importante exemplo disso é a própria educação
superior na era da informação, baseada no ensino a distância.

Foi nessa conjuntura que Copérnico conseguiu produzir um outro paradigma sobre a cosmologia.
Alexandre Koyré, na obra Do Mundo Fechado ao Universo Infinito, afirma que “o espírito humano, ou
pelo menos o europeu, sofreu uma revolução profunda, que alterou o próprio quadro e padrões de nosso
pensamento, e da qual a ciência e a filosofia modernas são, a um só tempo, raiz e fruto” (2006, p. 7).

A nova ciência é, então, uma revolução pelos seguintes motivos apontados por Koyré:

• Apresentação de uma nova cosmologia, com universo heliocêntrico e depois acêntrico da


astronomia moderna.

• Conversão do espírito da teoria para a prática, ou seja, da ciência contemplativa para a


ciência ativa.

• Substituição do modelo teleológico e organicista pelo modelo mecânico e causal.

• Secularização da consciência, o afastamento de metas transcendentes para objetivos imanentes.

• Descoberta pela consciência humana de sua subjetividade essencial e, por conseguinte, a


substituição do objetivismo dos medievos e dos antigos pelo subjetivismo dos modernos.

18
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA CIÊNCIA

Importantes nomes que marcaram essa revolução foram Francis Bacon, René Descartes e Isaac
Newton. Tais autores, que são de diferente épocas e lugares, assumem como ponto em comum a
possibilidade do livre-pensamento e a necessidade de produção de experiências para conhecer o mundo.
Em outras palavras, o mundo que deve ser conhecido não é mais aquele finito e bem ordenado, mas
indefinido e até infinito.

A matemática surge como um subsídio importante nessa época, já que suas dúvidas nascem de
questões práticas, mas possuem uma base demonstrativa inegável, que auxilia na formação de um
modelo dedutivo‑indutivo que prevalecerá nas ciências modernas e permite a aplicação em diferentes
situações. Sobre esse ponto, Marilena Chaui afirma:

A universalidade e a necessidade dos objetos e instrumentos teóricos


matemáticos deram à ciência matemática um valor de conhecimento
excepcional, fazendo com que se tornasse o modelo principal de todos
os conhecimentos científicos no Ocidente; enfim, a ciência exemplar e
perfeita. Os objetos matemáticos são números e relações, figuras, volumes
e proporções. Quantidade, espaço, relações e proporções definem o campo
da investigação matemática, cujos instrumentos são axiomas, postulados,
definições, demonstrações e operações [...] A matemática é, por excelência,
a ciência hipotético‑dedutiva, porque suas demonstrações e cálculos se
apoiam sobre um sistema de axiomas e postulados, a partir dos quais se
constrói a dedução coerente ou o resultado necessário do cálculo (CHAUI,
2000, p. 332).

Diferente do campo científico atual, marcado pelas especializações e fragmentações do saber,


naquela época a matemática era uma base comum que auxiliava as diferentes áreas do saber, que eram
unificadas em diferentes estudos. Vale lembrar que as áreas do saber não estavam repartidas com tanta
nitidez, o que acontecerá apenas no século XIX. Artes plásticas e engenharia se confundiam com
frequência, da mesma forma que astronomia e astrologia ou, ainda, medicina e física.

Por vezes, é possível também notar movimentos de crítica e especialização, como aconteceu com
a química diante da alquimia, ou com a física em relação à metafísica. Ainda, deve‑se notar que esse
período marca uma fase de grande diversidade e pluralidade de teorias e experimentos, muitos deles
retomados e reformulados em séculos posteriores.

Uma perspectiva crítica deve ser pontuada também, já que os principais cientistas da Revolução
Científica são geralmente vinculados ao gênero masculino. É inegável que naquela época a vida das
mulheres cientistas era muito difícil por questões políticas e também por práticas discriminatórias
e excludentes.

A primeira mulher matemática da história de que se tem notícia foi Hipátia de Alexandria (370‑415),
inventora do hidrômetro e do astrolábio. Já no período medieval é possível destacar os trabalhos de
Trotula di Ruggiero (1050‑1097) na área médica. Posteriormente, por meio de diferentes conquistas,
as mulheres conseguiram em alguma medida um espaço nas ciências, como Maria Sibylla Merian
19
Unidade I

(1647‑1717), fundadora do campo da botânica, e a física e primeira mulher a receber o Prêmio Nobel
Marie Curie (1867‑1934).

Saiba mais

A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU),


em reconhecimento ao trabalho da Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e da ONU Mulheres e,
principalmente, em razão da importância dos temas ciência e equidade
de gênero, confirmou o dia 11 de fevereiro como Dia Internacional das
Mulheres e Meninas na Ciência. Uma boa apresentação histórica das
mulheres na ciência está em:

IGNOTOFSKY, R. As cientistas: 50 mulheres que mudaram o mundo. São


Paulo: Blucher, 2017.

A seguir está uma cronologia do período compreendido neste livro, indicando os importantes eventos
e publicações de obras:

• 1415: início da era das Grandes Navegações, com a ocupação de Ceuta pelos portugueses com o
propósito de controlar a navegação na costa norte-africana.

• 1442: publicação da obra História do Povo Florentino, de Leonardo Bruni, que introduz o conceito
de humanismo.

• 1450: início da produção da Bíblia de Johannes Gutenberg, recorrendo à prensa de tipo móvel e
permitindo a difusão do conhecimento escrito no mundo.

• 1452: nascimento de Leonardo da Vinci em Anchiano, na região florentina da Itália.

• 1473: nascimento de Nicolau Copérnico em Torun, Polônia.

• 1490: término do desenho Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci, marcando a dominação das
proporções matemáticas do corpo humano e estabelecendo um padrão de simetria.

• 1492: Cristóvão Colombo chega às Índias Ocidentais, no ponto onde hoje está o arquipélago das
Bahamas, dando início ao Descobrimento da América.

• 1517: início da Reforma Protestante, com a afixação das 95 teses de Martinho Lutero na porta da
catedral de Wittenberg.

• 1519: morte de Leonardo da Vinci em Amboise, França.

20
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA CIÊNCIA

• 1522: Fernão de Magalhães completa a primeira circum‑navegação, modificando toda a concepção


geográfica terrestre, com a ajuda do seu parceiro Juan Sebastián Elcano, que termina a viagem
após sua morte.

• 1543: morte de Nicolau Copérnico, em Frauenburg, Polônia. Esse é o mesmo ano da publicação
póstuma da obra De Revolutionibus Orbium Coelestium [Da Revolução de Esferas Celestes], na
qual o astrônomo apresenta a teoria heliocêntrica.

• 1543: publicação de A Estrutura do Corpo Humano, do belga Andreas Vesalius, inaugurando a


anatomia moderna.

• 1546: nascimento de Tycho Brahe em Knutstorp, Dinamarca.

• 1548: nascimento de Giordano Bruno em Nápoles, Itália.

• 1561: nascimento de Francis Bacon em Londres, Inglaterra.

• 1564: nascimento de Galileu Galilei em Pisa, Itália.

• 1570: publicação do Teatro do Globo Terrestre, de Abraham Ortelius, primeiro atlas resultado das
explorações marítimas.

• 1571: nascimento de Johannes Kepler em Weil der Stadt, Alemanha.

• 1573: publicação da obra Da Nova Estrela, de Tycho Brahe, revelando o movimento das estrelas
após observar a explosão de uma estrela supernova.

• 1578: nascimento de William Harvey em Kent, Inglaterra.

• 1593: prisão de Giordano Bruno.

• 1596: nascimento de René Descartes em La Haye en Touraine, França.

• 1600: morte de Giordano Bruno em Roma, Itália.

• 1601: morte de Tycho Brahe em Praga, República Tcheca.

• 1608: Hans Lippershey, fabricante de lentes dos Países Baixos, apresenta uma primeira versão do
telescópio para observação de objetos a distância. Posteriormente, o telescópio foi aperfeiçoado
por Galileu Galilei por meio de experimentações e polimento do vidro, o que permitiu sua aplicação
em estudos astronômicos.

• 1609: publicação da obra Astronomia Nova, de Johannes Kepler, descrevendo a órbita elíptica de
Marte e formulando a hipótese de um campo magnético solar.
21
Unidade I

• 1610: publicação de Sidereus Nuncius [Mensageiro Sideral], de Galileu Galilei, primeiro tratado
sobre a Lua e as estrelas feito por meio de observações de um telescópio, confirmando a superação
da teoria geocêntrica.

• 1619: publicação da obra Harmonia do Mundo, de Kepler, que discute a harmonia e a congruência
das formas geométricas e dos fenômenos físicos.

• 1620: publicação da obra Novum Organum, de Francis Bacon, que apresenta um sistema lógico
alternativo ao silogismo aristotélico e defende o método indutivo.

• 1626: morte de Francis Bacon em Londres, Inglaterra.

• 1627: nascimento de Robert Boyle em Waterford, Inglaterra.

• 1628: publicação da obra Estudo Anatômico do Movimento do Coração e do Sangue nos Animais,
de William Harvey, apresentando uma teoria completa sobre a circulação sanguínea.

• 1630: morte de Johannes Kepler em Ratisbona, região da Baviera, Alemanha.

• 1632: publicação da obra Diálogos sobre os Dois Principais Sistemas Mundiais, de Galileu Galilei,
que compara o sistema copernicano ao ptolomaico.

• 1633: Galileu Galilei é condenado pela Inquisição, sendo obrigado a se retratar por sua defesa do
heliocentrismo e do movimento da Terra.

• 1637: publicação da obra Discurso sobre o Método, de René Descartes.

• 1642: morte de Galileu Galilei em Arcetri, Itália.

• 1643: nascimento de Isaac Newton em Woolsthorpe, Inglaterra.

• 1650: morte de René Descartes em Estocolmo, Suécia.

• 1657: morte de William Harvey em Londres, Inglaterra.

• 1660: fundação da Royal Society for Improving Natural Knowledge.

• 1661: publicação de O Químico Cético, de Robert Boyle, marcando a diferença entre a química e a alquimia.

• 1665: surgimento das primeiras revistas científicas (journals), como o Journal des Savants na
França e os Philosophical Transactions of the Royal Society na Inglaterra.

• 1687: publicação de Princípios Matemáticos da Filosofia Natural, de Isaac Newton, apresentando


as leis de movimento dos corpos e a lei de gravitação universal.
22
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA CIÊNCIA

• 1691: morte de Robert Boyle em Londres, Inglaterra.

• 1727: morte de Isaac Newton em Londres, Inglaterra.

Na sequência, para fins de contextualização da Revolução Científica, é discutida a importância do


humanismo para a ciência, bem como a atividade das Grandes Navegações, a descoberta do Novo
Mundo e o surgimento do primeiro modelo de cientista moderno.

2 MUNDO EM EBULIÇÃO?

Diferentes eventos permitiram o surgimento da ciência moderna. Primeiro, o humanismo renascentista


não promoveu necessariamente a filosofia natural, mas sua ênfase no domínio das línguas e textos
clássicos teve como efeito colateral a promoção das ciências. Segundo, muitos cientistas estudaram
grego com o propósito de produzir um esboço da astronomia ptolomaica. O matemático Regiomontanus,
por exemplo, ao elaborar suas teorias, fez uma série de estudos dos pensadores antigos e por meio dessa
retomada – comentando o Almagesto – iniciou‑se uma discussão sobre se a teoria lunar de Ptolomeu
não estava de acordo com as observações que ele fizera. Ele notou que Ptolomeu mostrou que a Lua
ficava em vários momentos duas vezes mais longe da Terra do que em outras ocasiões, o que deveria
fazer a Lua parecer duas vezes maior. Na época, além disso, havia um debate ativo sobre os desvios de
Ptolomeu da exigência de Aristóteles de movimento circular uniforme.

Fato é que o acesso aos textos clássicos, sobretudo após as traduções, permitiu o debate e o
questionamento de conhecimentos já cristalizados, baseados nesses autores antigos.

Figura 3 – Planeta Terra

Outro evento significativo foi a Reforma Protestante. Um importante caráter desse período é a
independência excessiva de qualquer autoridade, sobretudo considerando o impacto da Reforma, que
permitiu o livre exame e a autonomia absoluta em matéria religiosa. Deve‑se lembrar que naquele

23
Unidade I

tempo os ataques da Renascença haviam desprestigiado as teorias tradicionais, e a ciência moderna


rompe definitivamente com o modelo científico passado. Seus representantes julgaram‑se no dever de
construir desde alicerces até sistemas inteiramente novos. Na nova ciência que surge é cada vez menor
o espaço de um conhecimento baseado em um argumento de autoridade.

Saiba mais

A Reforma Protestante foi um movimento que impôs uma série de


alterações nas práticas da Igreja Católica, justificando a formação de uma
religião protestante. O principal líder dessa reforma foi o religioso alemão
Martinho Lutero, que denunciou a venda de indulgências. Tal movimento
também representou uma modificação no plano do pensamento científico,
na medida em que defendia a separação da atuação da Igreja em diversos
âmbitos da sociedade, como economia, política e ciência. Nesse sentido, a
Reforma também foi apoiada por diferentes pensadores, os quais ajudaram
a defender a separação entre fé e razão. Para conhecer mais sobre, assistir:

LUTERO. Dir. Eric Till, 2003. 124 minutos.

Algumas marcas importantes desse período se diferenciam dos modelos filosóficos anteriores, como:
distinção e separação da teologia; tradução e difusão de textos clássicos em outras línguas para além do
latim; e multiplicação dos centros de cultura, em razão da quebra da unidade doutrinal.

Uma síntese de todos esses eventos é justamente a descoberta do Novo Mundo, que evidenciou de
uma vez por todas a quebra da racionalidade baseada na estrutura feudal da Europa, por meio de avanços
nas técnicas das navegações. Ficou demonstrado que o espírito aventureiro do homem é capaz de lançar o
olhar para o desconhecido e permitir novas experiências – traço que marca a vida no novo cientista.

Tratava‑se da era das Grandes Navegações, período em que o interesse era o estabelecimento de
rotas marítimas comerciais para a importação e exportação de recursos entre as grandes metrópoles
europeias. O objetivo inicial era a busca de novas rotas comerciais, mas o resultado foi o descobrimento
de novos territórios no globo e a intensificação dos processos de colonização. Sem a invenção de uma
série de tecnologias, essas navegações não seriam possíveis; basta pensar na importância da cartografia,
da navegação à vela e dos estudos matemáticos aplicados nas embarcações que permitiram a circulação
das pessoas no mundo. Nessa época, constatou‑se uma distinção entre a descoberta por acaso e a
invenção com um propósito prático e vinculado à teoria.

A distinção entre esses modelos confirma a mudança do espírito de um mundo em ebulição. Tal visão
pode ser bem comprovada pela seguinte passagem de Koyré, ao comparar a descoberta dos oculistas
holandeses com sua transformação por Galileu Galilei em relação ao telescópio.

24
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA CIÊNCIA

Nada nos revela melhor esta diferença fundamental do que a história da


construção do telescópio por Galileu. Enquanto os Lippershey e os Janssen,
que haviam descoberto, por um feliz acaso, a combinação de vidros que
forma os óculos de longo alcance, se limitavam a fazer os aperfeiçoamentos
indispensáveis e de certo modo inevitáveis (tubo ocular móvel) aos seus
óculos reforçados, Galileu, logo que teve notícia da luneta de aproximação
holandesa, elaborou‑lhe a teoria. E foi a partir desta teoria, sem dúvida
insuficiente, mas teoria apesar de tudo, que, levando cada vez mais longe a
precisão e o poder dos seus vidros, construiu a série de suas perspicilles, que
lhe abriram aos olhos a imensidade do céu.

Os oculistas holandeses não fizeram nada de semelhante, porque,


justamente, não tinham a ideia do instrumento que inspirava e guiava
Galileu. Deste modo, a finalidade procurada – e atingida – por ele e por
aqueles era inteiramente diferente. A luneta holandesa é um aparelho com
um sentido prático: permite‑nos ver, a uma distância que ultrapassa a da
vista humana, o que lhe é acessível a uma distância menor. Não vai mais
longe, não pretende ir mais além e não foi por acaso que nem os inventores,
nem os utentes da luneta holandesa se serviram dela para observar o céu.
Pelo contrário, foi para responder a necessidades puramente teóricas, para
atingir o que não cai na alçada dos nossos sentidos, para ver o que ninguém
jamais viu, que Galileu construiu os seus instrumentos: o telescópio e depois
o microscópio (KOYRÉ, 1989, p. 72‑73).

Esse novo mundo é aquele que ninguém jamais viu e, portanto, foi somente por meio da criação
via pensamento científico e da realização de uma teoria preocupada com o concreto que se permitiu
ao homem transcender a fronteira do não visto. É nesse contexto, por exemplo, que perguntou Galileu
em sua carta à grã‑duquesa da Toscana, ao colocar o humano no centro do universo: Quem de fato
estabelecerá limites para a engenhosidade humana? O homem era a base de tudo.

Exemplo de aplicação

À medida que a industrialização avançou, a tecnologia assumiu um protagonismo maior no trabalho


e também na ciência. Basta observar a automação e informatização de uma série de etapas da pesquisa,
que hoje são realizadas por diversos modelos matemáticos informáticos.

Reflita como a tecnologia informática pode levar a uma maior eficiência e produtividade na
pesquisa, ao mesmo tempo que afeta a experiência do pesquisador, como, por exemplo, na seguinte
notícia científica:

Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)


desenvolveram um software capaz de mapear, de maneira rápida e
econômica, porções específicas do genoma de plantas poliploides –
aquelas que têm mais de dois conjuntos de cromossomos, como é o caso
25
Unidade I

da cana‑de‑açúcar. A ferramenta pode ser útil para projetos que visam ao


melhoramento genético de plantas de interesse comercial [...] O resultado
do trabalho feito na Unicamp foi a criação de um software denominado
Polyploid Gene Assembler (PGA, ou Montador de Genes Poliploides).
O PGA representa uma nova estratégia para realizar a montagem do espaço
genético a partir de genomas complexos usando sequenciamento de DNA
de baixa cobertura (MOON, 2019).

Porém, essa nova ciência também trouxe novos dilemas – que serão discutidos neste livro –, afinal,
como podemos viver com qualquer senso de importância e significado se, quanto mais descobrimos
sobre o universo, menos significativos parecemos ser e mais insignificantes nos tornamos? Qual é, então,
o valor humano de saber mais?

Uma reflexão importante é perceber que o mundo continua em ebulição e, considerando que a ciência
faz parte constante de nossas vidas, qual é o sentido do pensamento científico hoje? Basta atribuir um
sentido próprio frente aos novos problemas? Refugiar‑se no passado? Como, então, pensar o futuro?

É importante recordar‑se da filósofa Hannah Arendt e perceber a necessidade de resgatar o espírito


aventureiro das ciências:

É bem provável que os homens, se viessem a perder o apetite pelo


significado que chamamos de pensamento e deixassem de fazer perguntas
incontestáveis, perdessem não apenas a capacidade de produzir aquelas
coisas‑pensamento que chamamos de obras de arte, mas também a
capacidade de fazer todas as perguntas sobre as quais toda civilização é
fundada (ARENDT, 2000, p. 48).

3 NOVO MODELO DE CIENTISTA: NICOLAU COPÉRNICO

Nicolau Copérnico nasceu em 19 de fevereiro de 1473 na cidade de Torun, na Polônia. Após a morte
do seu pai em 1483, o jovem foi criado por seu tio materno Lucas Watzenrode, clérigo de sucesso na
região – o que facilitou sua estabilização social na época. Em 1491, Copérnico iniciou seus estudos em
matemática, astronomia e astrologia na Universidade de Cracóvia. Anos mais tarde seu tio contribuiu
para que ele conseguisse um cargo administrativo na Catedral em Frauenburg, possibilitando um
conforto material para que o rapaz continuasse seus estudos, eventualmente obtendo licenças de suas
atividades profissionais para frequentar as aulas.

Em 1496, iniciou uma formação em direito canônico na Universidade de Bolonha e conheceu o


professor de astronomia Domenico Maria Novara. A partir da convivência com Domenico, o jovem
Copérnico fez suas primeiras observações astronômicas. Em Bolonha, estudou o humanismo, o que
permitiu retomar os estudos astronômicos dos gregos, além de traduzir essas obras, inclusive as de Ptolomeu.

26
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA CIÊNCIA

Observação

O grego Cláudio Ptolomeu (100‑170 d.C.) afirmava que a Terra era


o centro do universo (sistema geocêntrico). Segundo esse sistema, cada
planeta descreveria uma órbita circular cujo centro descrevia outra órbita
circular em torno da Terra.

Em 1501, Copérnico estuda medicina na Universidade de Pádua – na época o currículo do curso


de medicina contava com disciplinas da chamada astrologia médica. Essa disciplina baseava‑se no
estudo das estrelas para aplicação na medicina, na medida em que se acreditava que os corpos celestes
desempenhavam um papel intermediário na criação das coisas na Terra e continuavam a influenciá‑las
ao longo de sua existência. Todavia, Copérnico não concluiu seus estudos em medicina; optou por se
vincular à Universidade de Ferrara e retomar sua formação em direito canônico.

Após completar seus estudos, em 1505 retorna a Frauenburg para prosseguir com suas atividades
administrativas, tais como dirigir o fundo de provisionamento, julgar disputas, participar de reuniões e
manter contas e registros da igreja local. Diante de suas atuações políticas, para muitos historiadores foi
considerado um importante líder para a Prússia Ocidental.

Copérnico começou a trabalhar com astronomia por conta própria, em algum momento após 1510,
quando seu primeiro ensaio Pequeno Comentário sobre as Hipóteses da Constituição do Movimento
Celeste (Commentariolus) foi produzido, questionando a astronomia clássica baseada na filosofia
aristotélica. Seu principal alvo foi o modelo geocêntrico de Cláudio Ptolomeu.

A tradição antiga e medieval considerava que o mundo possuía limites


(ou seja, o mundo era finito), sendo formado por um conjunto de sete
esferas concêntricas, em cujo centro estava a Terra, imóvel. À volta da Terra
giravam as esferas nas quais estavam presos os planetas (o Sol e a Lua eram
considerados planetas). Em grego, Terra se diz Gaia ou Geia. Como ela se
encontrava no centro, o sistema astronômico era chamado de geocêntrico e
o mundo era explicado pelo geocentrismo (CHAUI, 2000, p. 94).

Aqui vale lembrar da perspectiva antiga. Aristóteles defendeu a tese de que havia quatro
elementos físicos – terra, água, ar e fogo –, sendo que todos esses elementos gravitariam em
direção à Terra; logo, somente ela poderia ser o centro do universo. Nessa leitura, além da Terra
existiam mais seis planetas baseados no curso do zodíaco: Lua, Mercúrio, Vênus, Sol, Marte e
Júpiter. Os elementos físicos, segundo Aristóteles, moviam‑se verticalmente, dependendo de seu
peso; os corpos celestes não eram físicos, mas um quinto elemento cuja natureza era se mover
em círculos perfeitos ao redor da Terra, fazendo uma rotação diária. Nessa descrição, a Terra era
o centro de todos os círculos, carregando os corpos celestes ao seu redor, ao passo que todo
movimento era uniforme e imutável.

27
Unidade I

Tal era o modelo conhecido como geocêntrico, posteriormente modificado por outros pensadores.
Para esses, por exemplo, a Terra não era o verdadeiro centro das órbitas e o movimento não era uniforme.
Uma das questões levantadas era o fato de que se notavam movimentos retrógrados dos planetas;
portanto, se sustentou que a órbita se move em epiciclos ao redor da Terra.

A preocupação dos antigos astrônomos não residia apenas no interesse em descrever os verdadeiros
movimentos dos corpos celestes, mas também em apresentar uma explicação aproximada para saber
onde esses corpos estariam em um dado momento – “salvar os fenômenos”. Vale, ainda, lembrar que
nem todos os astrônomos seguiam o modelo geocêntrico na época. Os pitagóricos sugeriram que a
Terra se movia em torno de um fogo central. Além disso, durante a Idade Média, o mundo islâmico era o
centro do pensamento e da atividade astronômica e no século IX vários aspectos da teoria de Ptolomeu
foram recalculados.

Retomando os estudos do mundo islâmico, Copérnico questionou o modelo geocêntrico do universo


de Ptolomeu, que, para cumprir com a exigência de Aristóteles do movimento circular uniforme de
todos os corpos celestes, pressupôs um equante, ponto imaginário em torno do qual os corpos pareciam
seguir essa exigência.

Segundo Copérnico, o problema de Ptolomeu decorria do fato de que esse equante provocava um
movimento desigual nas órbitas dos planetas, contrariando preceitos aristotélicos. Para tanto, Copérnico
apresentou um modelo heliocêntrico, isto é, um conceito de universo no qual as distâncias dos planetas
do Sol levavam a uma relação direta com o tamanho de suas órbitas.

Em grego, Sol se diz Hélios e por isso o sistema de Copérnico é chamado


de heliocêntrico, e sua explicação, de heliocentrismo, pois o Sol está
no centro do nosso sistema planetário e tudo se move ao seu redor
(CHAUI, 2000, p. 95).

Copérnico chegou à teoria heliocêntrica por meio de uma análise cuidadosa dos modelos planetários.
Ele afirmou que a Terra é apenas o centro da órbita da Lua. Na leitura copernicana todas as esferas
envolvem o Sol, que é próximo do centro do universo. O universo é, por sua vez, maior do que se
supunha anteriormente, e a distância da Terra ao Sol é uma pequena fração do tamanho do universo.
Ainda, chegou a sustentar que o movimento dos céus e do Sol é criado pelo movimento da Terra.

Tomando como pressupostos os movimentos que atribuo à Terra na presente


obra, descobri finalmente, depois de longas e numerosas observações, que,
se os movimentos dos outros astros errantes fossem referidos ao movimento
orbital da Terra e se a tomássemos como base para determinar as dimensões
da revolução de cada um dos demais astros, seria possível deduzir disso não
só seus movimentos aparentes como também a ordem e as dimensões de
todos os astros e orbes, aparecendo no próprio céu uma conexão tal que
nada poderia mudar em nenhuma de suas partes sem que em consequência
houvesse uma confusão das restantes e do universo inteiro. [...]

28
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA CIÊNCIA

Por esta razão, creio que se deve em primeiro lugar examinar com atenção
qual a verdadeira relação entre a Terra e o céu, para que não ocorra que,
querendo estudar as coisas mais elevadas, acabemos ignorando as que são
mais próximas de nós, e devido a esse erro atribuamos a corpos celestes o
que se aplica à Terra (COPÉRNICO apud MARCONDES, 2016, p. 22).

É impossível saber exatamente quando Copérnico começou a defender a cosmologia heliocêntrica


diante da escassez de fontes primárias. Seus únicos escritos astronômicos foram o Commentariolus, a
Carta contra Werner e De Revolutionibus Orbium Coelestium [Da Revolução de Esferas Celestes].

O principal entrave para divulgar seu modelo era sua contrariedade com o texto bíblico. Todavia,
o medo da reação das autoridades eclesiásticas foi provavelmente a menor das razões pelas quais ele
adiou a publicação de seu livro. A razão mais importante para o atraso foi que o trabalho maior exigia
observações astronômicas e provas matemáticas complexas. Suas funções administrativas certamente
interferiram tanto na pesquisa quanto na escrita; ele era incapaz de fazer as observações regulares de
que precisava. O astrônomo conseguiu acertar seu primeiro ensaio com a obra De Revolutionibus.

Observação

As principais teorias científicas são resultados de colaborações e


auxílios de outros pensadores. A ciência avança em razão de esforços
coletivos, ainda que a história tenda a consagrar apenas alguns sujeitos.
Assim, é possível mencionar que a chegada de Georg Joachim Rheticus a
Frauenburg contribuiu para o avanço das ideias de Copérnico. Rheticus era
professor de matemática na Universidade de Wittenberg e em 1538 tirou
uma licença para visitar vários estudiosos famosos nas áreas de astronomia
e matemática, entre eles Copérnico, o qual o convenceu a revisar sua
abordagem sobre trigonometria.

A obra Da Revolução de Esferas Celestes compreende seis livros e apresenta o resultado de cálculos
feitos com base em observações do céu a olho nu. De modo esquemático, o Livro I discute o que veio a
ser conhecido como a teoria copernicana, estabelecendo a ordem dos corpos celestes sobre o Sol. Dizia o
astrônomo que a esfera das estrelas fixas é seguida pelo primeiro dos planetas, Saturno, que completa
seu circuito em trinta anos; Júpiter realiza sua revolução em doze anos; Marte gira em dois anos;
a revolução anual leva o quarto lugar da série, e contém a Terra e a Lua como um epiciclo; na quinta
posição, Vênus retorna em nove meses; o sexto lugar é ocupado por Mercúrio, que gira em um período
de oitenta dias.

Tal descrição estabeleceu uma relação entre a ordem dos planetas e seus períodos, tornando‑se um
sistema unificado. Trata‑se do argumento mais importante em favor do modelo heliocêntrico de
Copérnico, superior ao modelo de Ptolomeu, que supunha os planetas girando em torno da Terra,
de modo que Sol, Mercúrio e Vênus tinham a mesma revolução anual.

29
Unidade I

Figura 4 – Diagrama do sistema solar com sete planetas em órbitas circulares e a Terra como número V

No Livro I, capítulo 11, Copérnico também sustentou que os movimentos de todos os corpos devem ser
circulares e uniformes; notou que a razão pela qual eles podem parecer não uniformes para nós é porque
seus círculos têm polos diferentes dos da Terra ou porque a Terra não está no centro dos círculos em que eles
giram. No entanto, não rejeitou por completo a física aristotélica, pois afirmou que a terra e a água, juntas,
pressionam um único centro de gravidade. Para ele, a Terra não tem outro centro de magnitude e é mais
pesada, pois suas lacunas estão cheias de água. Como Aristóteles havia afirmado, a Terra era o centro em
direção ao qual os elementos físicos gravitam. Esse foi um grande problema para o modelo de Copérnico,
afinal, se a Terra não fosse mais o centro, por que os elementos ainda gravitariam em direção a ela?

Na sequência está um trecho do De Revolutionibus, Livro I, capítulo 8, no qual Copérnico responde


aos argumentos de que a Terra está em repouso:

Mas se alguém acha que a Terra gira, dirá, com razão, que esse movimento é
natural e não violento, já que as coisas que ocorrem naturalmente produzem
efeitos contrários aos causados pela violência a que força ou violência é
aplicada. Elas são corrompidas por necessidade e não podem sobreviver por
muito tempo; pelo contrário, os processos naturais são adequadamente
mantidos e preservados em sua perfeita disposição. Portanto, Ptolomeu
não deveria ter temido que a Terra, juntamente com todas as coisas
terrestres, explodisse pela virada produzida pela ação da natureza, que
30
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA CIÊNCIA

é muito diferente daquela que a arte pode causar ou da que provém da


ingenuidade humana. Mas por que ele não temia que isso acontecesse com
o universo, cujo movimento tem que ser muito mais rápido porque o céu
é muito maior do que a Terra? Ou o céu se tornou tão imenso porque está
separado do centro pela indescritível veemência desse movimento, de modo
que ele deveria cair se parasse? Quanto ao resto, se esse raciocínio fosse
válido, a magnitude do céu se estenderia ao infinito. Uma vez que, quanto
mais arrastado é para cima pela própria força do movimento, mais rápido
será esse movimento, por causa da circunferência em constante aumento,
uma circunferência que deveria viajar no período de vinte e quatro horas; e
inversamente: aumentar o movimento também aumentaria a imensidão do
céu. Dessa forma, a velocidade aumentaria a magnitude para o infinito e a
magnitude a velocidade. [...]

Mas que as disputas dos filósofos decidam se o mundo é finito ou infinito;


nós, em todo caso, temos certeza de que a Terra é limitada por uma
superfície esférica entre seus polos. Por que hesitaríamos, então, por mais
tempo, em atribuir‑lhe uma mobilidade perfeitamente compatível, por
sua natureza, com sua forma, em vez de desalojar o mundo inteiro, cujos
limites ignoramos e não podemos conhecer? Como não admitiríamos que
a realidade desta mudança diária pertence à Terra, e apenas sua aparência
ao céu! E que, consequentemente, acontece o que Eneias (em Virgílio) diz:
deixamos o porto e as terras e as cidades se afastam.

De fato, quando um navio flutua com calma, os navegadores veem se


movendo, à imagem de seu movimento, todas as coisas exteriores e acreditam
permanecer em repouso, com tudo o que está com eles. Agora, no que diz
respeito ao movimento da Terra, pode ser que, similarmente, se acredite que
o mundo inteiro se move em torno dela. Mas o que diremos das nuvens e
outras coisas que flutuam no ar, bem como das que caem ou, inversamente,
ascendem às alturas? Bem, simplesmente, que não apenas a Terra, com
o elemento aquoso que a acompanha, se move assim, mas também uma
parte não desprezível do ar e de todas as coisas que, similarmente, têm
relação com a Terra. Se o ar próximo da Terra, misturado com a matéria
terrestre e aquosa, participa da mesma natureza que a Terra, é porque
esse movimento do ar é um movimento adquirido, do qual participa sem
resistência como consequência da contiguidade e do movimento perpétuo
da Terra (COPÉRNICO, 1996, p. 25‑26).

A fama e o livro de Copérnico percorreram a Europa nos anos seguintes, e uma segunda edição foi
lançada em 1566. Dessa forma, o livro foi lido e comentado por diferentes astrônomos, alguns apoiando
e outros rejeitando os estudos.

31
Unidade I

Lembrete

Copérnico rejeitou os críticos que poderiam alegar que ele era contra a
Bíblia, dando o exemplo de Lactantius – apologista cristão do século IV –,
que afirmou que a astronomia é escrita para astrônomos.

Um desses leitores foi Tycho Brahe, que chamou Copérnico de “segundo Ptolomeu” e apreciou
tanto a eliminação do equante quanto a criação de um sistema planetário. Mas Tycho não pôde
adotar o sistema copernicano, em parte pela razão religiosa de ir contra o que a Bíblia parecia
pregar. Ele, portanto, adotou um modelo misto: o sistema “geo-heliostático”, no qual os dois
planetas interiores giravam em torno do Sol e esse sistema, juntamente com o restante dos planetas, girava
em torno da Terra.

Andreas Osiander, importante teólogo da época e participante da Reforma Protestante, foi discípulo
de Copérnico e escreveu o prefácio De Revolutionibus. Ele assim se posiciona sobre o papel da efetiva
empreitada de Copérnico, inclusive definindo o propósito de uma astronomia na época:

Com efeito, é próprio do astrônomo compor, por meio de uma observação


diligente e habilidosa, o registro dos movimentos celestes. E, em seguida,
inventar e imaginar as causas deles, ou melhor, já que não se podem
alcançar de modo algum as verdadeiras, quaisquer hipóteses que, uma vez
supostas, permitam que esses mesmos movimentos sejam corretamente
calculados, tanto no passado como no futuro, de acordo com os princípios
da geometria. Ora, ambas as tarefas foram executadas com excelência pelo
autor. Com efeito, não é necessário que essas hipóteses sejam verdadeiras
e nem mesmo verossímeis, bastando apenas que forneçam cálculos que
concordem com as observações (OSIANDER, 2008, p. 253).

Michael Maestlin, da Universidade de Tübingen, foi outro astrônomo que adotou o heliocentrismo
de Copérnico. Embora tenha escrito um livro popular que era geocêntrico, ensinava a seus alunos o
sistema heliocêntrico. O curioso é que um de seus alunos foi Johannes Kepler, importante cientista que
aperfeiçoou o modelo heliocêntrico.

Lembrete

Segundo o modelo de Brahe, o Sol giraria em torno da Terra e os


planetas em torno do Sol.

Copérnico inaugurou o modelo de cientista da época. Alguns desdobramentos da revolução


copernicana podem ser pontuados da seguinte maneira:

32
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA CIÊNCIA

• O universo é infinito.

• Os astros não estão presos em esferas, mas fazem um movimento (como demonstrará Kepler,
depois de Copérnico) cuja forma é a de uma elipse.

• O centro do universo não é a Terra.

• O Sol é uma estrela e a Terra, como os outros planetas, gira ao redor dele.

• O Sol está em movimento na galáxia.

A revolução copernicana é também interpretada de diferentes formas, considerando o seu impacto


na história da filosofia e na própria antecipação de debates da modernidade. Freud, por exemplo,
menciona que Copérnico provocou uma ruptura na certeza da existência humana, na medida em que
provou que os homens não eram o centro do mundo – ainda afirma que Darwin contribuiu com essa
empreitada ao provar que os homens descendem de um primata, que são apenas um elo na evolução
das espécies, e não seres especiais, criados por Deus para dominar a natureza.

Figura 5 – O Sol se pondo

Tal caracterização é muito reveladora sobre o impacto político da produção científica. Ora, por
qual motivo Copérnico teve que esconder seus resultados? Seriam apenas questões de foro íntimo
do astrônomo? Uma resposta possível é perceber que o modelo geocêntrico, na verdade, justificava
a manutenção de uma estrutura de poder e coincidia com o discurso da Igreja romana na época, ao
sustentar que a realidade era constituída por uma hierarquia de seres, dos mais perfeitos – os celestes
– aos mais imperfeitos – os infernais –, e que essa hierarquia colocava a Igreja em uma posição de
superioridade na sociedade. A ruptura desse modelo demonstrou um questionamento da legitimidade
do poder da instituição, podendo subvertê‑la por razões científicas.

33
Unidade I

Exemplo de aplicação

O apoio político e financeiro é fundamental para o avanço da pesquisa e do ensino. Do ponto de


vista sociológico, as despesas com ensino parecem estar diretamente ligadas aos níveis de alfabetização
e ao desempenho educacional.

Considerando o contexto da pesquisa e do ensino no Brasil, o que pode ser feito para aumentar o
apoio político e financeiro à pesquisa e educação?

Outro importante teórico que resgatou a figura de Copérnico para destacar e comparar a importância
da sua revolução no interior do pensamento foi Kant, no prefácio à 2ª edição da Crítica da Razão Pura.

Kant apresenta uma revolução copernicana na metafísica, pois, em vez de colocar no centro a
realidade objetiva ou os objetos do conhecimento, questiona a própria razão. Nessa leitura, a razão é
uma forma pura sem conteúdo, anterior à experiência, marcando a distinção entre pensar e conhecer.

Tentemos, pois, uma vez, experimentar se não se resolverão melhor as


tarefas da metafísica admitindo-se que os objetos se deveriam regular
pelo nosso conhecimento, o que assim já concorda melhor com o que
desejamos, a saber, a possibilidade de um conhecimento a priori desses
objetos, que estabeleça algo sobre eles antes de nos serem dados. Trata‑se
aqui de uma semelhança com a primeira ideia de Copérnico; não podendo
prosseguir na explicação dos movimentos celestes enquanto admitia que
toda a multidão de estrelas se movia em torno do espectador, tentou se
não daria melhor resultado fazer antes girar o espectador e deixar os astros
imóveis. Ora, na metafísica pode‑se tentar o mesmo, no que diz respeito
à intuição dos objetos. Se a intuição tivesse de se guiar pela natureza dos
objetos, não vejo como deles se poderia conhecer algo a priori; se, pelo
contrário, o objeto (enquanto objeto dos sentidos) se guiar pela natureza
da nossa faculdade de intuição, posso perfeitamente representar essa
possibilidade (KANT, 2001, p. 46).

Séculos depois da revolução copernicana, diferentes ecos estão presentes no dia a dia. Talvez seja
por essa magnitude que seu nome é sempre lembrado como aquele que marcou o início da Revolução
Científica. Veja Hannah Arendt (2005), por exemplo, no ensaio de 1963 “A Conquista do Espaço e a
Estatura Humana”, ao questionar: como podemos viver com qualquer senso de importância e significado
se, quanto mais descobrimos sobre o universo, menos significativos parecemos ser e mais insignificantes
nos tornamos? Qual é, então, o valor humano de saber mais?

No campo da astronomia, Copérnico já tinha lançado em alguma medida a questão da visão do


homem sobre si mesmo e sobre a condição humana. Afinal, a exploração do espaço aumenta ou diminui
a estatura existencial do ser humano? Segundo a posição de Arendt, a tarefa da ciência pós‑Copérnico
é tentar escapar do solipsismo humano, com o objetivo de ampliar nosso conhecimento sobre o

34
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA CIÊNCIA

desconhecido, devendo admitir o quanto escapa à razão quando se coloca em questão o que deixa de
ser observado, algo sempre infinitamente maior do que a ciência.

Em que pese o destaque dado a Nicolau Copérnico anteriormente, muitos outros pensadores também
contribuíram para a Revolução Científica – inclusive alguns anteriores e outros contemporâneos
a Copérnico. Nesse sentido, a seguir será feito um inventário de temas sobre a relação entre a
ciência e outras disciplinas que marcaram a história da filosofia da ciência. O intento disso é indicar
importantes pensadores que contribuíram para a defesa da aposta do controle da natureza por meio do
empreendimento da razão humana.

Certamente, muitos outros pensadores foram deixados de lado nesse recorte; por isso, essa seleção
deve ser considerada com o propósito pedagógico de compreender as transformações da época sem
prejuízo de estudos complementares de outros autores e teorias.

Observação

A ciência é o resultado da contribuição de diferentes pensadores, o


que exige ênfase na importância do diálogo e da construção coletiva
do conhecimento.

As análises apresentam dados biográficos e são entremeadas pelas discussões das ideias principais
de cada pensador e, quando possível, por apontamentos de alguns trechos das obras mais relevantes.
Por fim, buscou‑se respeitar uma ordem cronológica dos pensadores.

Dessa forma, são abordados os seguintes pensadores: Leonardo da Vinci, Giordano Bruno, Francis
Bacon, Galileu Galilei, Johannes Kepler, William Harvey, René Descartes e Isaac Newton.

4 APROXIMAÇÃO ENTRE ARTES E CIÊNCIAS: LEONARDO DA VINCI

Personagem central da Revolução Científica, Leonardo da Vinci tornou‑se um exemplo da complexa


relação entre arte e ciência. De um lado, a arte se vincula com o pensamento, um modo aberto,
comunicativo e livre de qualquer propósito instrumental, capaz de atribuir sentido ao mundo. Trata‑se
efetivamente de uma transformação que permite a permanência de diferentes leituras sobre o mundo.
Hannah Arendt, por exemplo, afirma que as obras artísticas são as mais intensamente mundanas,
marcadas por uma durabilidade superior às coisas úteis do dia a dia, que cumprem tarefas e se esgotam
com facilidade. Do outro lado, a ciência é compreendida a partir dos processos cognitivos que buscam
um objetivo definido e que marcam a instrumentalidade e temporalidade diante das observações sobre
o mundo, como apresentado neste livro.

No entanto, ciência e arte também guardam aproximações e são poucos aqueles que conseguem
equilibrá‑las, tal como Da Vinci fez. Em seu legado, destacou como ambas as áreas são formas criativas
de lidar com o desejo irreconciliável da condição humana de querer saber sobre um mundo incerto e
marcado por mudanças constantes.
35
Unidade I

Saiba mais

Para uma boa reconstituição da vida de Leonardo da Vinci é possível


recorrer à biografia baseada em seus cadernos:

ISAACSON, W. Leonardo da Vinci. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2017.

Não à toa o próprio artista e cientista acabou antecipando uma série de questões que só se consolidaram
na modernidade. Um bom exemplo de aproximação é perceber como a arte recorre à geometria e também
depende do desenvolvimento de tecnologias para observar e permitir a representação organizada do mundo.
Aliás, a invenção da perspectiva por Filippo Brunelleschi possibilitou uma representação mais realista do
mundo, já que admite a dimensão de profundidade e ela corresponde ao ponto de vista do observador.

É nesse contexto que se destaca o trabalho de Da Vinci. Nascido na região de Florença, em 15 de abril
de 1452, acumulou diferentes ocupações como pintor, desenhista, escultor, arquiteto e engenheiro. Fato
é que esse personagem simbolizou o ideal humanista da Renascença, comprovando a possibilidade de
o homem dominar a natureza e também a grande importância da tecnologia como saber teórico que
se aplica na prática por meio de diferentes artes.

Saiba mais

Sobre a distinção entre técnica como conhecimento empírico e


tecnologia como base teórica aplicada, ver:

CHAUI, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2000.

Da Vinci se consagrou ao destacar o importante papel da observação: afirmava que a visão era
o sentido mais elevado do homem, porque só ele transmitia os fatos da experiência imediatamente,
corretamente e com certeza. Todo fenômeno percebido tornou‑se objeto de conhecimento e saper
vedere (saber ver) tornou‑se o grande tema de seus estudos. Assim, seu legado se vinculou fortemente
às áreas que se relacionam com a questão da representação. Da Vinci também revelou que a forma de
representação permitia estudar a própria natureza, novamente aproximando arte e ciência.

O jovem Leonardo recebeu treinamento em pintura e escultura na oficina de Andrea del Verrocchio e lá
também teve conhecimento de técnicas mecânicas. Em 1472, foi aceito na guilda de pintores de Florença, mas
permaneceu na oficina de seu professor por mais cinco anos, após os quais trabalhou de modo independente
em Florença até 1481. Diferentes esboços técnicos foram produzidos por Da Vinci nessa época.

Em 1482, mudou‑se para Milão para trabalhar a serviço do duque da cidade, atraído pelos projetos
da corte de Ludovico Sforza. Trabalhou para Ludovico até sua queda em 1499. Altamente estimado

36
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA CIÊNCIA

nos círculos da corte, Da Vinci foi constantemente mantido ocupado como pintor e escultor oficial. Ele
também foi frequentemente consultado como consultor técnico nos campos de arquitetura, fortificações
e assuntos militares e, ainda, atuou como engenheiro hidráulico e mecânico.

Como artista mestre, Da Vinci manteve uma oficina em Milão, empregando aprendizes e estudantes.
O papel da maioria desses auxiliares não é claro, levando à questão dos chamados trabalhos apócrifos
de Da Vinci, nos quais o mestre colaborou com seus assistentes. Muitos especialistas e estudiosos não
conseguiram concordar em suas atribuições desses trabalhos.

Após a invasão francesa em Milão, Da Vinci retorna a Florença e é nomeado especialista em


arquitetura em uma comissão que investiga os danos à fundação e estrutura da igreja de San Francesco
al Monte. Nessa época, o artista concentra também seus estudos na matemática e no verão de 1502
ingressa no serviço de César Bórgia como arquiteto militar sênior e engenheiro geral, cujo objetivo era
obter controle de uma série de terras.

Saiba mais

César Bórgia foi um nobre e filho do papa Alexandre VI. Tornou‑se


duque de Valentinois e nos círculos de sua corte trabalharam Nicolau
Maquiavel e Leonardo da Vinci. Tornou‑se referência para Maquiavel na
escrita de O príncipe. Para saber mais sobre o assunto, assistir:

O FAVORITO dos Bórgias. Dir. Henry King, 1949. 107 minutos.

Nessa época, Da Vinci também fez dissecações no hospital de Santa Maria Nuova e ampliou seu
trabalho anatômico em um estudo da estrutura e função do organismo humano. Ele também fez
observações sistemáticas do voo das aves, sobre as quais elaborou um tratado. Até mesmo seus estudos
hidrológicos sobre a natureza e o movimento da água ampliaram‑se em pesquisas a respeito das
propriedades físicas da água, especialmente as leis das correntes, que ele comparou com as do ar.

A atividade científica de Leonardo floresceu durante esse período. Seus estudos em anatomia
alcançaram uma nova dimensão em sua colaboração com Marcantonio della Torre, importante anatomista
de Pádua – relação em que novamente se percebe a importância da colaboração nas ciências. Da Vinci
esboçou um plano para um trabalho global que incluiria não apenas reproduções exatas e detalhadas
do corpo humano e de seus órgãos, mas também a anatomia comparativa e todo o campo da fisiologia.
Seus manuscritos estão repletos de estudos matemáticos, ópticos, mecânicos, geológicos e botânicos.

Essas investigações tornaram‑se cada vez mais impulsionadas por uma ideia central: a convicção de
que a força e o movimento como funções mecânicas básicas produzem todas as formas externas em
natureza orgânica e inorgânica e lhes dão sua forma. Além disso, acreditava que essas forças funcionais
operavam de acordo com leis ordenadas e harmoniosas.

37
Unidade I

Dizemos que um conhecimento é mecânico quando nasce da experiência


e que é científico quando nasce e termina na mente. O conhecimento
semimecânico é aquele que nasce da ciência e termina na operação
manual. Mas a mim me parece que as ciências são vãs e cheias de erros
se não nascem da experiência, mãe de todas as certezas, e se não são
confirmadas por ela e se em sua origem, meio e fim não passam pelos
cinco sentidos (DA VINCI, 2008, p. 27, tradução nossa).

Nos últimos anos Da Vinci recebeu apoio de Giuliano de Medici, irmão mais novo do papa Leão X,
habitando a residência Belvedere no Vaticano. Nessa época, além de se dedicar à pintura, ficava em seu
estúdio trabalhando em experimentos técnicos e estudos matemáticos. No final de 1516 deixa a Itália
junto com Francesco Melzi, seu aluno mais dedicado. Passa os últimos três anos de sua vida em Cloux,
local onde também morreu, sendo enterrado na igreja do palácio de Saint‑Florentin, destruída durante
a Revolução Francesa – o que impossibilitou que sua sepultura fosse localizada.

Muitos comentadores reportam que o período entre 1490 e 1495 foi a fase mais inventiva de
Leonardo da Vinci. Nesse período escreveu um tratado sobre pintura, outro sobre arquitetura, além
de dois livros referentes aos elementos da mecânica e um sobre anatomia humana. Suas pesquisas
geofísicas, botânicas, hidrológicas e aerológicas também começaram nesse período.

A partir dessa abordagem veio seu conceito abrangente de ciência da pintura. Leon Battista Alberti
e Piero della Francesca, importantes comentadores sobre as artes da época, já haviam oferecido provas
da base matemática da pintura em sua análise das leis da perspectiva e da proporção, reforçando, assim,
a afirmação da pintura como ciência. Mas as afirmações de Leonardo foram muito além: ele acreditava
que o pintor, duplamente dotado de poderes sutis de percepção e completa capacidade de pictorializá‑la,
era a pessoa mais qualificada para alcançar o conhecimento verdadeiro, pois podia observar de perto e
reproduzir cuidadosamente o mundo ao redor.

No texto Tratado da Pintura, organizado por seu discípulo Francesco Melzi, Leonardo da Vinci
aproxima ciência e arte ao afirmar que a pintura é como o único imitador de todas as obras manifestas
da natureza. Ele atribui um significado essencial à autoridade dos olhos, acreditando firmemente na
importância de saper vedere. Essa era a ideia que estava por trás de sua defesa da pintura como ciência.

Não à toa, a comparação é um recurso recorrente na pintura: “o olho ilude‑se menos do que qualquer
outro dos sentidos” (DA VINCI, 2008, p. 45, tradução nossa); portanto, sugere que a observação direta,
inerente à criação de uma pintura, tem uma qualidade científica verdadeira.

Exemplo de aplicação

Tal como a pintura, a pesquisa empírica é baseada na observação e classificada como quantitativa
e qualitativa. A primeira pretende mensurar aquilo que é observado e utiliza análises estatísticas para
explicar as observações. A pesquisa qualitativa, por outro lado, tenta detalhar as observações, permitindo
uma compreensão aprofundada do assunto.

38
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA CIÊNCIA

Reflita sobre a importância de pesquisas empíricas que atualmente utilizam métodos mistos –
quantitativos e qualitativos –, haja vista a possibilidade de diferentes observações sobre um mesmo
fenômeno social.

A ciência mais útil é aquela cujos resultados são mais comunicáveis e, por isso, é menos útil aquela
cujos resultados são menos comunicáveis. A ciência da pintura é comunicável a todas as gerações
do universo porque sua finalidade depende da faculdade da visão, e o caminho do ouvido ao sentido
comum não é o mesmo que o do ver. A pintura não necessita da interpretação de diversas línguas como
as letras e satisfaz de imediato a espécie humana, de modo semelhante ao que produz a natureza
(DA VINCI, 2008).

Depois de afirmar que os resultados úteis da ciência são comunicáveis, Da Vinci afirma que a pintura
é igualmente clara; diferentemente da poesia, apresenta seus resultados como uma matéria para a
faculdade visual, dando satisfação imediata aos seres humanos.

Ao definir a pintura como ciência, Leonardo também enfatiza sua base matemática. Nos cadernos
ele explica que as dez funções ópticas do olho (escuridão, luz, corpo e cor, forma e localização, distância
e proximidade, movimento e repouso) são todas componentes essenciais da pintura. Ele aborda essas
funções por meio de discursos detalhados sobre perspectiva, que incluem explicações de sistemas de
perspectiva baseados em geometria, proporção e modulação de luz e sombra.

Leonardo da Vinci também ficou conhecido por seus cadernos e anotações – principal fonte de
registro de seu conhecimento científico e que somam milhares de páginas bem escritas, abundantemente
ilustradas com esboços, o legado literário mais volumoso que qualquer pintor já deixou.

Uma característica especial que torna as anotações e esboços de Da Vinci incomuns é o uso da
escrita em espelho. Ele era canhoto, então, a escrita em espelho veio fácil e naturalmente, embora
não se saiba por que escolheu fazê‑lo. Apesar de ser um tanto incomum, seu roteiro pode ser lido com
clareza e sem dificuldade, com a ajuda de um espelho – como testemunharam seus contemporâneos –,
e não deve ser encarado como uma caligrafia secreta.

Seus escritos devem ser interpretados como etapas preliminares de obras destinadas a uma eventual
publicação que nunca chegou a concluir. Outra característica incomum nos escritos é a relação entre
palavra e imagem. Da Vinci lutou por uma linguagem mais clara e expressiva, e a vivacidade e riqueza
de seu vocabulário foram o resultado de intenso estudo independente, que representaram uma
contribuição significativa para a evolução da prosa científica no vernáculo italiano. Apesar de sua
articulação, deu precedência à ilustração sobre a palavra escrita em seu método de ensino. Por isso,
em seus cadernos, o desenho não ilustra o texto; em vez disso, o texto serve para explicar a imagem.
Suas representações gráficas – a que ele chamou de demonstrações – são consideradas um precursor
da moderna ilustração científica.

Entre essas preocupações de demonstrações estão seus estudos sobre a anatomia humana. Seu estudo
da anatomia, originalmente desenvolvido para sua formação como artista, tinha crescido na década

39
Unidade I

de 1490 em uma área independente de pesquisa. Quando seu olho penetrante descobriu a estrutura do
corpo humano, Leonardo ficou fascinado pela figura do homem e procurou compreender seu
funcionamento físico como criação da natureza.

Os primeiros estudos anatômicos de Leonardo tratavam do esqueleto e dos músculos. No entanto,


mesmo no início, combinou anatomia com pesquisa fisiológica. Observando a estrutura estática do
corpo, passou a estudar o papel das partes individuais do corpo na atividade mecânica. Isso o levou
finalmente ao estudo dos órgãos internos. Suas descobertas desses estudos foram registradas nos
famosos desenhos anatômicos.

Os desenhos são baseados em uma conexão entre representação natural e abstrata. Da Vinci
representava partes do corpo em camadas transparentes, que permitiam uma percepção do órgão,
usando seções em perspectiva, reproduzindo os músculos como cordas, indicando partes ocultas por
linhas pontilhadas e planejando um sistema de hachura. O valor genuíno dessas demonstrações reside
em sua capacidade de sintetizar uma multiplicidade de experiências individuais na mesa de dissecação
e tornar os dados visíveis de forma imediata e precisa.

Embora ele tenha mantido seus estudos anatômicos para si mesmo, publicou algumas de suas
observações sobre a proporção humana. Trabalhando com o matemático Luca Pacioli, considerou as
teorias proporcionais de Vitrúvio, arquiteto romano do século I a.C., como apresentadas em seu tratado
De Architectura [Sobre Arquitetura]. Impondo os princípios da geometria na configuração do corpo
humano, Da Vinci demonstrou que a proporção ideal da figura humana corresponde às formas do
círculo e do quadrado.

Em sua ilustração dessa teoria, o chamado Homem Vitruviano, Leonardo demonstrou que, quando um
homem coloca os pés firmemente no chão e estica seus braços, ele pode ser contido dentro das quatro linhas
de um quadrado, mas, quando em uma posição de braços abertos, ele pode ser inscrito em um círculo.

Observação

No século I a.C., o arquiteto e pensador Vitrúvio propôs que o corpo


humano coubesse dentro de um círculo, simbólico do divino, e um quadrado,
associado ao terreno e secular – ideia que mais tarde ficou conhecida como
a teoria do microcosmo. Essa teoria foi ampliada e influenciou correntes
religiosas, científicas e artísticas que assumiam como ponto de partida o
indivíduo para explicar o universo. Em 1487, Leonardo da Vinci redescobriu
as teorias de Vitrúvio e as colocou em prática.

Essa representação é, na verdade, uma grande cartografia do corpo humano, que ele havia produzido
por meio de seus desenhos anatômicos, e também uma cosmografia do microcosmo. Da Vinci aplicava
um raciocínio analógico entre o homem e o universo; dizia que o homem é composto de terra, água, ar e
fogo. Ele comparou o esqueleto humano com as rochas e a expansão dos pulmões ao respirar ao mesmo
tempo, e isso com o fluxo e refluxo dos oceanos.
40
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA CIÊNCIA

Figura 6 – Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci

O estudo da mecânica, com o qual Da Vinci se tornou bastante familiar como arquiteto e engenheiro,
também refletiu o funcionamento da natureza. Durante toda a sua vida, Da Vinci foi um construtor
inventivo; ele entendeu completamente os princípios da mecânica de seu tempo e contribuiu de muitas
maneiras para o seu avanço. A importância dos cadernos de mecânica estava menos na descrição de
máquinas ou ferramentas de trabalho específicas do que no uso de modelos de demonstração para
explicar os princípios e funções mecânicos básicos empregados na construção de máquinas. Como em
seus desenhos anatômicos, desenvolveu princípios definidos de representação gráfica – estilização,
padrões e diagramas – que oferecem uma demonstração precisa do objeto em questão.

Fato é que, onde Da Vinci sondasse os fenômenos da natureza, ele reconhecia a existência de forças
mecânicas primordiais, que governam a forma e a função do universo. Isso é visto em seus estudos
sobre o voo das aves, nos quais sua ideia juvenil da viabilidade de um aparelho voador tomou forma e
levou à exaustiva pesquisa do elemento ar. O exemplo principal são seus planos de um ornitóptero, uma
máquina voadora mantida no alto pelo bater de suas asas.

41
Unidade I

Figura 7 – Leonardo da Vinci

Da Vinci marcou a percepção do artista como transmissor dos dados verdadeiros e precisos da
experiência adquirida pela observação visual. Em uma época em que se comparava o processo da criação
divina à atividade de um artista, inverteu a analogia, usando a arte como seu próprio meio para
aproximar os mistérios da criação, afirmando que, por meio da ciência da pintura, a mente do pintor é
transformada em uma cópia da mente divina, uma vez que opera livremente na criação de muitos tipos
de animais, plantas, frutas, paisagens, campos, ruínas e lugares inspiradores.

Resumo

A nova ciência foi desenvolvida por Nicolau Copérnico ao defender o


modelo heliocêntrico em vez do geocêntrico. Tal afirmação representou
uma revolução, já que uma nova cosmologia estava em voga, bem
como a substituição de uma forma diferente de lidar com a natureza e
produzir conhecimento.

Em relação ao modo de produzir ciência, é possível sustentar a


substituição do modelo teleológico e organicista pelo modelo mecânico e
causal, com grande ênfase no papel da observação e da experimentação.

42
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA CIÊNCIA

Sobre o tratamento dado à natureza, a nova ciência admite a possibilidade


de dominação por meio do empreendimento da razão humana. Admite‑se
a possibilidade do exame e controle dos fenômenos naturais por meio de
cálculos e simulações de estudos.

Tal modificação também deve ser compreendida a partir de uma série


de acontecimentos que ocorreram naquela época, como o advento do
humanismo renascentista, a Reforma Protestante e as Grandes Navegações.

Por fim, foi estudado como a pintura ganha status de ciência a partir
de Leonardo da Vinci, que se utilizou do sistema de perspectiva baseado em
geometria, proporção e modulação de luz e sombra.

Exercícios

Questão 1. A ciência é infalível e seguir seus métodos é o caminho para a solução dos problemas
que afligem as diferentes sociedades. Considerando essa afirmação, avalie as afirmativas a seguir:

I – Verdadeira, porque confiar no conhecimento científico é o que faz a humanidade evoluir.

II – Falsa, porque as teorias científicas são falíveis e mutáveis.

III – Verdadeira, porque a ciência foi o motor propulsor do desenvolvimento tecnológico e isso só
tem aspectos positivos para a sociedade.

IV – Falsa, porque não há consenso quanto aos critérios e padrões que devem ser adotados para que
seja possível especificar se um conhecimento é científico.

É correto o que se afirma apenas em:

A) I.

B) I e III.

C) II.

D) III.

E) II e IV.

Resposta correta: alternativa E.

43
Unidade I

Análise das afirmativas

I – Afirmativa incorreta.

Justificativa: o conhecimento científico é falível e deve ser utilizado sempre como uma verdade
provisória, que poderá ser modificada com o avanço da própria ciência.

II – Afirmativa correta.

Justificativa: as teorias científicas são falíveis e mutáveis porque o conhecimento científico deve ser
reiteradamente produzido, inclusive para checar o que já foi pesquisado anteriormente.

III – Afirmativa incorreta.

Justificativa: a ciência é agente propulsor de desenvolvimento, mas, muitas vezes, ela também acarreta
resultados negativos, como a poluição crescente e seus efeitos devastadores para o planeta Terra.

IV – Afirmativa correta.

Justificativa: cada comunidade científica possui seus critérios e, nesse sentido, ganha destaque uma
perspectiva mais realista sobre a ciência, que se preocupa com as condições de observação e com o próprio
observador, assim como a construção coletiva de conhecimento e a formação de consórcios de pesquisas.

Questão 2.

Figura 8

Essa foto é de um importante monumento existente em Lisboa, às margens do Rio Tejo, em Portugal,
chamado Padrão dos Descobrimentos. Trata‑se de uma homenagem aos navegadores portugueses que
se aventuraram no mar em busca de novas rotas comerciais e também novos territórios. No entanto,

44
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA CIÊNCIA

não foram apenas os portugueses que viveram intensamente esse período denominado Era dos
Descobrimentos, ou das Grandes Navegações, que se desenvolveu entre os séculos XV e XVII. Os espanhóis
e outros europeus também viveram intensamente esse período histórico. O resultado disso é muito
conhecido entre todos os brasileiros: a descoberta de novos territórios e a intensificação do processo de
colonização. Tendo como base esse período, avalie as afirmativas a seguir:

I – O conhecimento científico não evoluiu, porque a navegação já era conhecida desde os fenícios.

II – As descobertas científicas tinham o propósito prático de que as novas tecnologias viabilizassem


as navegações.

III – A ciência estava mais voltada para a proteção da saúde dos navegadores, que sofriam muito nos
longos períodos que ficavam no mar.

IV – As navegações eram guiadas pelos ventos e pela posição das estrelas, e nenhum instrumento
científico era útil para isso, porque a natureza impulsionava os navios.

V – Os instrumentos utilizados naquele período já eram conhecidos dos mais antigos navegadores
do planeta.

Com base no que foi exposto anteriormente, é correto o que se afirma apenas em:

A) I e III.

B) II.

C) IV.

D) V.

E) IV e V.

Resolução desta questão na plataforma.

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