Parâmetros de Atuação Do Ministério Público em Audiências de Custódia
Parâmetros de Atuação Do Ministério Público em Audiências de Custódia
Parâmetros de Atuação Do Ministério Público em Audiências de Custódia
I – NORMAS APLICÁVEIS
II – REFERENCIAL TEÓRICO
Nã o se deve perder de vista que o Ministério Pú blico atua de forma muito mais
ampla na ordem jurídica, para além de seu cunho meramente acusató rio, sendo,
também, garante da dignidade da pessoa humana, nã o podendo dela abrir mã o.
Por tais razõ es, é axiomá tico que nã o basta ao membro do MP simplesmente
integrar a audiência de custó dia ou, melhor dizendo, ocupar a cadeira a ele
reservada. Exige-se, também, uma atuaçã o proativa do ó rgã o ministerial e que,
diante de qualquer informe de violência sofrido por parte do acusado, apure o fato
e, em sendo o caso, instaure o procedimento persecutó rio correspondente. No
entanto, para que a presença do Ministério Público possa surtir os efeitos que
dela se espera, os profissionais que atuam na sessão das audiências de
custódia não podem ser os mesmos que integram o setor responsável por
fazer o controle externo da atividade policial. Fosse assim, o juízo de valor
acerca das declaraçõ es do flagranteado, nã o raro, ocasionaria uma animosidade ao
membro do MP no momento de fiscalizar o exercício da atividade policial, valendo
a lembrança de que tal ó rgã o será um dos destinatá rios do termo de depoimento
prestado em audiência de custó dia (GOMES, 2017, p. 391-392).
A regra é que na audiência de custó dia a denú ncia sobre violência policial nã o seja
feita, ou porque nenhum dos profissionais envolvidos na sessã o pergunta, ou
porque o preso se sente desestimulado ou constrangido a nã o fazê-lo. Entretanto,
mesmo quando a pessoa presa, frente a todas as circunstâ ncias adversas, faz
referência à s violências sofridas, sua versã o sobre os fatos quase sempre é
questionada ou desacreditada, porque supostamente sua condiçã o de suspeita de
ter cometido um crime a deslegitimaria para fazer qualquer declaraçã o
considerada vá lida. Em nosso acompanhamento de campo das audiências e nos
relatos obtidos, dúvidas das mais diversas são colocadas para contrariar a
versão dada pelo detido: se a violência não aconteceu porque ele resistiu à
prisão; se ele saberia indicar o nome dos policiais que o agrediram; se ele
sabe dizer se era policial civil ou militar; se ele saberia por quais motivos os
policiais bateriam nele; se ele não conhecia os policiais anteriormente eles
nã o teriam porque quererem agredi-lo. Se, para qualquer das perguntas o preso
nã o tiver resposta ou tiver dú vidas, mesmo que haja evidências físicas de lesõ es,
reduz-se enormemente as chances de que haja pedido de investigaçã o da denú ncia,
registrando-se na ata da audiência apenas que, posteriormente, deve-se fazer a
devida averiguaçã o dos fatos (BALLESTEROS, 2016a, p. 46-47).
Fato é que até o momento, nas audiências de custó dia, o Ministério Público dos
estados não tem demonstrado nenhum protagonismo diante das denúncias
de maus-tratos e tortura levados ao conhecimento dos órgãos do sistema de
justiça, e, quando muito, mesmo diante dos casos mais evidentes de agressõ es,
tem empurrado a responsabilidade de apuraçã o para a Corregedoria das polícias.
Um registro que vale a pena ser feito nesse sentido é que alguns promotores dizem
que mesmo nã o acreditando nos relatos dos presos, porque na maioria das vezes
as violências sofridas sã o “necessá rias” diante da resistência oferecida à prisã o e
nã o seriam, portanto, maus-tratos, pedem que o juiz providencie o
encaminhamento das denúncias às respectivas corregedorias apenas para
evitar que eles sejam taxados de coniventes ou sejam denunciados por
prevaricação (BALLESTEROS, 2016a, p. 53-54).
Se bem investigados, os relatos colhidos em audiências de custó dia podem ser uma
janela para o aprimoramento do controle externo da atividade policial, tarefa
institucional (e, má xime) constitucional deste que acumula uma série de funçõ es
— e que, nas audiências de custó dia, exerce um “duplo papel”: o de parte,
sobretudo na açã o penal eventualmente vindoura, e de “fiscal da lei” para as
irregularidades na detençã o, na prisã o e nas prá ticas atinentes (sobretudo quanto
aos casos de torturas e violências congêneres). Parece claro que, nessa duplicidade
de atuaçã o que sabidamente dificulta algumas consideraçõ es mais taxativas, o
papel do Ministério Público ante a realização das audiências de custódia é —
ou deve ser — predominantemente o de fiscal e o de controlador externo.
Naquele momento, e dada a evidente funçã o maior da audiência de custó dia, a
avaliação da necessidade da constrição cautelar e o rigor na análise da
própria higidez do procedimento (e a responsabilização dos agentes da lei
responsáveis por arbítrios e ilegalidades) devem prevalecer sobre a vertente
parcializada de acusador. Caso contrá rio, começa, inclusive, a perder o sentido a
pró pria ideia-motriz. É preciso que se crie, inclusive, uma cultura de troca de
vértice, uma vez que o Ministério Pú blico nã o pode fazer qualquer ponderaçã o
entre a necessidade de submeter as competentes açõ es penais contra suspeitos de
prá ticas delitivas e os controles externos propositivos (ex: solicitar abertura de
inquéritos), com a igualmente fundamental necessidade de fiscalizar os
procedimentos e de promover controles externos diretos em relaçã o aos abusos e
delitos perpetrados pelos pró prios atores legais (FERREIRA; DIVAN, 2018, p. 545-
546).
Por outro lado, os dados da primeira fase de pesquisa demonstram que há lacunas
de diversos tipos: (i) institucionais, sob o ponto de vista da produção de dados,
quer por parte da magistratura quer por parte do Ministério Pú blico; (ii)
administrativas, diante da ausência do acompanhamento do laudo do Instituto
Médico-Legal, na audiência de custódia, para que o juiz se sinta municiado para
fazer perguntas à pessoa presa sobre a tortura que esta possa ter sofrido; e (iii)
político-criminais, diante da dificuldade, comprovada pela subnotificação dos
dados sobre os relatos de tortura escutados em audiências de custódia e os
registros oficiais sobre os encaminhamentos de ofícios às Corregedorias e ao
Ministério Público, o que nos leva a apontar para uma seletividade no fluxo que
se monta, institucionalmente, para investigar a tortura, criminal ou
administrativamente (FERREIRA; DIVAN, 2018, p. 546).
III – PROPOSIÇÕES
REFERÊNCIAS
BALLESTEROS, Paula R. Audiências de custódia e prevenção à tortura: aná lise
das prá ticas institucionais e recomendaçõ es de aprimoramento. Brasília:
Ministério da Justiça, Departamento Penitenciá rio Nacional, 2016a. Disponível em:
https://dspace.mj.gov.br/handle/1/5404. Acesso em: 12 mar. 2022.
ONU. Alto Comissariado das Naçõ es Unidas para os Direitos Humanos. Protocolo
de Istambul: manual para a investigaçã o e documentaçã o eficazes da tortura e
outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Traduzido pelo
Gabinete de Documentaçã o e Direito Comparado da Procuradoria-Geral da
Repú blica. Nova Iorque; Genebra: Naçõ es Unidas, 2001. Disponível em:
https://www.gov.br/mdh/pt-br/centrais-de-conteudo/prevencao-e-combate-a-
tortura/manual-de-aplicacao-do-protocolo-de-istambul.pdf/view. Acesso em: 11
mar. 2022.