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EDUCAÇÃO DO CAMPO E

PESQUISA EDUCACIONAL:
SUJEITOS, SABERES E PRÁTICAS EDUCATIVAS

Organizadora
Juliane Gomes de Sousa
Juliane Gomes de Sousa
(ORGANIZADORA)

EDUCAÇÃO DO CAMPO E
PESQUISA EDUCACIONAL:
SUJEITOS, SABERES E PRÁTICAS EDUCATIVAS

Palmas- TO
2020
Universidade Federal do Tocantins

Reitor Membros por área:


Luis Eduardo Bovolato Liliam Deisy Ghizoni
Eder Ahmad Charaf Eddine
Vice-reitora
(Ciências Biológicas e da Saúde)
Ana Lúcia de Medeiros

Pró-Reitor de Administração e Finanças (PROAD) João Nunes da Silva


Jaasiel Nascimento Lima Ana Roseli Paes dos Santos
Lidianne Salvatierra
Pró-Reitor de Assuntos Estudantis (PROEST) Wilson Rogério dos Santos
Kherlley Caxias Batista Barbosa
(Interdisciplinar)
Pró-Reitora de Extensão, Cultura e Assuntos
Comunitários (PROEX) Alexandre Tadeu Rossini da Silva
Maria Santana Ferreira Milhomem Maxwell Diógenes Bandeira de Melo
(Engenharias, Ciências Exatas e da Terra)
Pró-Reitora de Gestão e Desenvolvimento de Pessoas
(PROGEDEP)
Vânia Maria de Araújo Passos Francisco Gilson Rebouças Porto Junior
Thays Assunção Reis
Pró-Reitor de Graduação (PROGRAD) Vinicius Pinheiro Marques
Eduardo José Cezari (Ciências Sociais Aplicadas)

Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação (PROPESQ)


Marcos Alexandre de Melo Santiago
Raphael Sanzio Pimenta
Tiago Groh de Mello Cesar
Conselho Editorial William Douglas Guilherme
EDUFT Gustavo Cunha Araújo
(Ciências Humanas, Letras e Artes)
Presidente
Francisco Gilson Rebouças Porto Junior

Revisão Gramatical
Cícero da Silva

Diagramação e capa: Gráfica Movimento


Arte de capa: Gráfica Movimento

O padrão ortográfico e o sistema de citações e referências bibliográficas são prerrogativas de cada autor.
Da mesma forma, o conteúdo de cada capítulo é de inteira e exclusiva responsabilidade de seu respectivo autor.

http://www.abecbrasil.org.br
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação – CIP

S725e

Sousa, Juliane Gomes de. (Org).


Educação do Campo e Pesquisa Educacional: sujeitos, saberes
e práticas educativas . / Organizadora Juliane Gomes de Sousa . –
Palmas, TO: EDUFT, 2020.
127 p. : il. ; 21 x 29,7 cm.

ISBN 978-65-89119-06-7
Inclui minicurrículo dos autores ao final e as referências.

1. Educação. 2. Educação, campo. 3. Pesquisa educacional. 4.


Práticas educativas. 5. EJA. 6. Educação, jovens. 7. Educação,
adultos. I. Título. II. Subtítulo.

CDD – 370.193
SUMÁRIO
PREFÁCIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

APRESENTAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

Parte I - Educação do Campo: construções epistemológicas e investigativas . . . . 12


1. Vidas Marias: memórias de mulheres quebradeiras
de coco babaçu em Tocantinópolis-TO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Tássia Martins Cipriano e Cássia Ferreira Miranda
2. Povos do Campo: aproximações conceituais
basilares às epistemologias ambientais do Campo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
Lisiane Costa Claro
3. O Ensino Desenvolvimental em diálogo com a EJA:
uma revisão bibliográfica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
Regina Vieira de Souza e Gustavo Cunha de Araújo
4. Algumas características dos estudantes da LEdoC
da UFT/Câmpus de Arraias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
Helena Quirino Porto Aires e Luiz Bezerra Neto

Parte II - Experiências formativas no contexto da


Licenciatura em Educação do Campo (LEdoC) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
5. A realidade da vida acadêmica para estudantes
indígenas na universidade: descobertas e desafios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
Milena dos Santos e Cícero da Silva
6. A monitoria de alunos indígenas no curso de Educação do Campo:
experiências do PADI e PIMI . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
Renata Lopes Cipriano Guimarães e Mara Pereira da Silva
7. Estágio curricular no curso de Licenciatura em Educação do Campo:
reflexões sobre vivências no itinerário formativo do educador . . . . . . . . . . . . . 94
Juliane Gomes de Sousa e Joedson Brito dos Santos
8. Perspectivas de pesquisa na área de linguagens do curso da LEdoC/UnB
e no grupo de pesquisa e programa de extensão terra em cena (FUP/UnB) . 109
Rafael Litvin Villas Bôas, Adriana Gomes Silva, Eliene Novaes Rocha e Kelci Anne
Pereira

Sobre os autores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126


Educação do campo e pesquisa educacional

PREFÁCIO
Foi com bastante felicidade que recebi o convite para fazer o prefácio desta obra, a qual
é fruto do esforço criativo e das vivências do Curso de Licenciatura em Educação do Campo
(LEdoC), e nos brinda com riquíssimas aprendizagens oriundas das experiências vividas em
diversas partes do país, com destaque para o fazer pedagógico e dialógico desenvolvido pela
LEdoC da Universidade Federal do Tocantins (UFT), no Câmpus de Tocantinópolis com habi-
litação em Artes e Música.
O livro é uma coletânea de textos bem articulados, os quais versam sobre Educação do
Campo e pesquisa educacional. A obra impressiona positivamente pelo elevado nível de apro-
fundamento das temáticas que se propõe em discutir, levando-se em conta, principalmente o
quão recente é o curso do ponto de vista cronológico de sua criação. Vê-se que esse amadureci-
mento em tão pouco tempo reflete, ao meu ver, a acertada condução empreendida pelo seu seleto
e insigne corpo docente, pela gestão do curso, incluindo-se aqui o compromisso dos discentes e
servidores técnicos e seu denodado empenho.
Com toda certeza, esta obra traz novos significados e olhares sobre o fazer pedagógico
nas/das Licenciaturas em Educação do Campo, contribuindo sobremaneira para os interessados
na temática.
Na leitura da obra, constata-se o grau de imersão do seu corpo docente na realidade dos
discentes, o contato com as comunidades locais e as constantes trocas de saberes que essa con-
vivência possibilita através da organização didático-metodológica, da prática inovadora e bem
sucedida da pedagogia da alternância associada à esperança (do verbo esperançar), e ao desejo
por mudança, através do processo educativo, que se constata em todos que fazem a licenciatura
acontecer. Ocorre que a junção de todos esses elementos contidos na LEdoC, de fato, eviden-
ciam frase tão sábia do poeta modernista espanhol Antonio Machado, o qual afirma em seu
poema Cantares que:
Caminhante, são tuas pegadas

o caminho e nada mais;

caminhante, não há caminho,

Se faz caminho ao andar

O conjunto da obra se divide em oito capítulos, sendo que cada um deles expressa o desejo,
esforço e empenho por “fazer um caminho ao andar” com muito profissionalismo e dedicação.
Assim, encontramos na leitura ricas experiências e abordagens de questões relacionadas
aos indígenas, egressos, povos do campo, classe trabalhadora, estágio, ensino desenvolvimental
e memórias de mulheres quebradeiras de coco babaçu, as quais são identificadas como Marias,
associadas às tantas vidas Marias que perduram em nosso cotidiano, bastando que tenhamos o
olhar voltado para querer identificá-las ao nosso redor.

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Educação do campo e pesquisa educacional

Os textos nos conduzem a uma leitura prazerosa de vários aspectos da formação docente,
através de múltiplas abordagens mantendo um fio condutor da discussão sob vários olhares e
estilos de escrita, articulando ótimas reflexões e nos remetendo a mais uma frase do supracitado
poeta espanhol Antonio Machado, ao dizer que:
Ao andar se faz caminho

e ao voltar a vista atrás

se vê a senda que nunca

se há de voltar a pisar

Caminhante não há caminho

Senão há marcas no mar...

É assim que vejo o Curso de Licenciatura em Educação do Campo (LEdoC), o qual, mesmo
com pouco tempo de existência, mas ao voltarmos nossa “vista atrás”, já podemos perceber as
“marcas no mar...” as quais reafirmam a grandiosidade da obra que realizam, a magnitude do
fazer pedagógico e estão sempre a nos mostrar que vale à pena caminhar, fazer caminho e deixar
marcas.
Sigamos em frente em busca de mais aprendizados com desejos de deleite através desta
leitura!
Nataniel da Vera-Cruz Gonçalves Araújo
Universidade Federal do Tocantins – UFT
Maio de 2020

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Educação do campo e pesquisa educacional

APRESENTAÇÃO
A obra Educação do Campo e pesquisa educacional: sujeitos, saberes e práticas educati-
vas reúne pesquisas que focalizam a Educação do Campo em suas diversas dimensões: sujeitos,
formação, contextos, práticas e epistemologias, cuja intencionalidade é contribuir com o debate
em torno desse campo de investigação, que é fecundado pela multiplicidade de experiências
apresentadas nos capítulos da obra pelos(a)s seus/suas autores(as). As reflexões socializadas
nesse livro possibilitam, ainda, a potencialização da produção de conhecimento, aprofundamen-
to de estudos e análises sobre processos educativos em desenvolvimento, na área em evidência.
Os capítulos, estruturados em duas partes, estão articulados por meio da temática comum:
Educação do Campo. Em sua amplitude ontológica, metodológica e epistemológica, são frutos
de investigações desenvolvidas por pesquisadores de quatro instituições de ensino superior do
Brasil: Universidade Federal do Tocantins (UFT); Universidade de Brasília (UnB); Universi-
dade Federal de São Carlos (UFSCar); Universidade Federal do Piauí (UFPI), as quais, além
de apresentarem uma diversidade de discussões e reflexões, agregam, de modo multifacetado,
diferentes áreas do conhecimento.
Organizada em oito capítulos, a obra expressa a busca pela ampliação do ramo investi-
gativo sobre a Educação do Campo em território nacional. Um movimento que é crescente nos
últimos anos, em parte, impulsionado pela criação e consolidação dos cursos de Licenciatura
em Educação do Campo (LEdoC) nas diversas regiões do país. Os capítulos estão distribuídos
de modo a desvelar, a partir de um esforço coletivo, diferentes contextos, experiências e olhares
investigativos, os quais se constituem como importantes focos de disseminação e produção de
conhecimento no campo de estudo referenciado.
O primeiro capítulo, “Vidas Marias: memórias de mulheres quebradeiras de coco
babaçu em Tocantinópolis-TO”, das autoras Tássia Martins Cipriano e Cássia Ferreira
Miranda, apresenta uma abordagem do cotidiano de cinco camponesas moradoras de uma comu-
nidade tocantinopolina, que fazem/fizeram da quebra do coco babaçu seu labor. A pesquisa, que
tem na História Oral seu método de materialização, tenciona as relações dessas “Marias” a partir
de suas vivências com essa atividade econômica e cultural, com questões de gênero, trabalho e
o “lugar da mulher” que fora socialmente construído. A investigação aponta, ainda, para o en-
fraquecimento da tradição da quebra do coco babaçu no contexto estudado, assinalada como a
atividade mais tradicional da comunidade. Em síntese, o texto proporciona um “mergulho” nas
histórias de vidas e possibilita reflexões pertinentes sobre a ocupação dos papéis sociais, e suas
implicações para o imaginário e representação da mulher que habita o campo.
No segundo capítulo, intitulado “Povos do campo: aproximações conceituais basilares
às epistemologias ambientais do campo”, a autora Lisiane Costa Claro, a partir de discus-
sões sobre as epistemologias ambientais do campo, faz uma leitura compreensiva de dimensão
conceitual sobre o campo e seus sujeitos, a partir de duas dimensões: a territorial e a epistemo-
lógica. Desse modo, por meio de uma reflexão de cunho hermenêutico fenomenológico, faz
uma tessitura analítica sobre construções relativas às categorias referenciadas, tendo como fio
condutor a multiplicidade de contextos rurais que compõe o cenário brasileiro, em suas diferen-
tes configurações éticas, estéticas, étnicas, poéticas, culturais, materiais e educativas.

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Educação do campo e pesquisa educacional

O capítulo seguinte, “O ensino Desenvolvimental em diálogo com a EJA: uma revisão


bibliográfica”, é de autoria dos pesquisadores Regina Vieira de Souza e Gustavo Cunha de
Araújo. Por meio das reflexões propostas no trabalho, potencializa-se a perspectiva da investiga-
ção e a produção do conhecimento no contexto dos cursos que formam educadores do campo, ao
apresentar os resultados parciais de uma pesquisa de Iniciação Científica (PIBIC) desenvolvida
no curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música, da UFT,
Câmpus de Tocantinópolis. Com uma abordagem quali-quantitativa, de caráter descritivo e bi-
bliográfico, o capítulo, recorte de um estudo mais amplo, apresenta algumas revisões teóricas a
respeito do ensino desenvolvimental e da EJA.
Já o capítulo intitulado “Algumas características dos estudantes da LEdoC da UFT/
Câmpus de Arraias”, dos autores Helena Quirino Porto Aires e Luiz Bezerra Neto, é fruto
de uma pesquisa de doutorado de um dos autores. O trabalho integra uma investigação mais
ampla e tem por objetivo específico realizar um diagnóstico das características dos estudantes
do curso de Licenciatura em Educação do Campo, intentando compreendê-los a partir de suas
realidades concretas. Com esse desejo, a investigação abrange particularidades, tais como: cor/
raça, gênero, grupo familiar, faixa etária, local de residência, condições socioeconômicas, as
quais permitiram visualizar, dentre outros aspectos, os seguintes: a diversidade constitutiva do
curso; predominância de trabalhadores que buscam conciliar formação universitária e trabalho,
sendo este necessário para sua subsistência; número expressivo de quilombolas e de integrantes
de movimentos sociais no curso. Essas configurações contribuem, de modo significativo, para a
visualização das partes que integram o todo constitutivo da realidade concreta de existência do
curso.
O capítulo “A realidade da vida acadêmica para estudantes indígenas na universida-
de: descobertas e desafios”, de Milena dos Santos e Cícero da Silva, é parte de uma pesquisa
vinculada ao curso de Licenciatura em Educação do Campo: Códigos e Linguagens – Artes e
Música da UFT, Câmpus de Tocantinópolis. Tem por objetivo refletir sobre desafios encontrados
por estudantes indígenas ao longo da graduação no referido curso. Inicialmente o texto apresenta
um breve histórico sobre a Educação Indígena no Brasil e, na sequência, discorre sobre políticas
públicas voltadas à formação de professores do campo e a caracterização do curso, foco do
estudo. Desvela como resultado, dentre outras questões, as principais dificuldades que os estu-
dantes indígenas Apinayé enfrentam para entrar e permanecer na universidade.
O texto das autoras Renata Lopes Cipriano Guimarães e Mara Pereira da Silva, com o
título “A monitoria de alunos indígenas no Curso de Educação do Campo: experiências do
PADI e PIMI”, retrata, reflexivamente, as vivências materializadas em dois programas insti-
tucionais de monitoria, cujo público atendido era constituído por estudantes indígenas da etnia
Apinajé, vinculados ao referido curso. As experiências de uma ex-bolsista e ex-coordenadora,
atuantes nos programas (PADI e PIMI), são tecidas de modo a explicitar as contribuições ad-
quiridas tanto pelo público atendido, quanto pelas propositoras das ações. Entre os desdobra-
mentos, é elencada a importância do processo vivenciado para os estudantes em formação; a
colaboração com a prática pedagógica de ambas as docentes, sendo uma egressa do curso e hoje
professora no referido contexto; assim como, para o desenvolvimento de pesquisas e continui-
dade do percurso formativo.

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Educação do campo e pesquisa educacional

Na sequência, o capítulo “Estágio curricular no curso de Licenciatura em Educação


do Campo: reflexões sobre vivências no itinerário formativo do educador”, de autoria de
Juliane Gomes de Sousa e Joedson Brito dos Santos, tece reflexões acerca das experiências do
estágio curricular no contexto do curso de Licenciatura em Educação do Campo: Códigos e
Linguagens – Artes e Música da UFT, ofertado no Câmpus de Tocantinópolis. Por meio de uma
pesquisa documental materializada pela análise em relatórios, diários de bordo, produzidos por
acadêmicos vinculados às disciplinas de estágio supervisionado, e em documentos institucio-
nais, o texto aponta essa experiência obrigatória nos cursos de licenciatura como propulsora
à produção de conhecimento; demonstra sua importância como atividade articuladora entre o
processo formativo e o campo de atuação profissional; bem como, desvela desafios de diferente
natureza: pedagógicos, institucionais e perceptivos enfrentados pelos estudantes em formação.
A obra é finalizada com o capítulo dos autores Rafael Litvin Villas Bôas, Adriana Gomes
Silva, Eliene Novaes Rocha e Kelci Anne Pereira intitulado “Perspectivas de pesquisa na área
de Linguagens do curso da LEdoC/UnB e no grupo de pesquisa e programa de extensão
Terra em Cena (FUP/UnB)”, e relata a forma como a pesquisa está organizada na Licenciatura
em Educação do Campo da Universidade de Brasília, com ênfase na habilitação em Linguagens,
analisando as influências das atividades de extensão e do trabalho interdisciplinar da área, no de-
senvolvimento das pesquisas dos/as estudantes. A investigação tem como participantes egressos
do referido curso e contextualiza as discussões a partir do grupo de pesquisa e programa de
extensão “Terra em Cena: produção teatral e audiovisual da educação do campo”, que segundo
os autores, articula ensino, extensão e pesquisa.
O desejo coletivo, força que impulsiona a produção da presente obra, é de que as discus-
sões pontuadas ampliem o horizonte investigativo e reflexivo no âmbito da Educação do Campo.
Que os capítulos compartilhados sejam vistos como espaços para semeadura do conhecimento,
de práticas educativas e potencializadores da conexão entre saberes, sujeitos, modos de fazer e
viver múltiplos.
Tocantinópolis/TO, 30 de abril de 2020.
Organizadora.

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Educação do campo e pesquisa educacional

Parte I

Educação do Campo: construções


epistemológicas e investigativas

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Educação do campo e pesquisa educacional

1. Vidas Marias: memórias de


mulheres quebradeiras de coco
babaçu em Tocantinópolis-TO
Tássia Martins Cipriano
Cássia Ferreira Miranda

1. Introdução
Este trabalho visa analisar as trajetórias das mulheres que têm ou tiveram como ofício a
quebra de coco babaçu, em especial no povoado Folha Grossa, situado no município de Tocan-
tinópolis, estado do Tocantins, a fim de entender e conhecer as raízes culturais desse Povoado e,
em especial, dar visibilidade as histórias de mulheres camponesas, destacando suas vivências,
suas batalhas e a forma como analisam suas trajetórias. Para tal, foram realizadas entrevistas
com cinco mulheres do Povoado que compartilharam suas experiências a partir de um roteiro
elaborado previamente.
O intuito desta investigação é contribuir para o registro da história das mulheres campo-
nesas, quebradeiras de coco babaçu, cuja realidade é bem diferente daquelas que residem em
grandes centros urbanos. Embora possuam suas diferenças, a pesquisa possibilitou perceber
pontos de aproximação entre essas mulheres, visto que as trajetórias da opressão de gênero ex-
trapolam as barreiras geográficas e oprimem muitas delas – muitas de nós.
Por muitos anos as histórias das mulheres foram esquecidas, estão ausentes nos registros
da história do Brasil e do mundo, conforme pontua Margareth Rago (1987) a história por muito
tempo foi contada apenas pelos homens, era a história deles a que era registrada e passada de
geração em geração. Em meados do século XX, a história se lançou a descoberta de novos temas
de estudo e a história das mulheres começou a ser foco de análise.
De acordo com Burke (1992), isso se deu devido ao fato de a Nova História passar a ser
alvo de pesquisas. Essa tendência de investigação histórica começou a se interessar por toda a
atividade humana, tudo tem história, pois tudo tem um passado e compreender esse passado nos
permite assimilar nosso presente e contribui para a construção de nosso futuro.
Nesse contexto, a história das mulheres e do feminismo adquiriu destaque na historio-
grafia brasileira, a partir dos anos 1970, enfatizando os movimentos de mulheres em busca de
direitos. Scott (1992) coloca que o movimento das mulheres ganha mais força na década de
1980, tendo se inserido nas questões de gênero, conseguindo o seu próprio espaço na esfera
pública, espaço até então regido pela presença masculina. Para a autora, a categoria gênero é
utilizada para sugerir que as informações de homens e mulheres implicam um no estudo do
outro, visto que o mundo das mulheres faz parte do mundo dos homens, e vice-versa. Scott
(1990, p.75-76) destaca que

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Educação do campo e pesquisa educacional

[...] com a proliferação dos estudos do sexo e da sexualidade, o gênero se tornou


uma palavra particularmente útil, porque ele oferece um meio de distinguir a
prática sexual dos papéis atribuídos às mulheres e aos homens. Apesar do fato
dos(as) pesquisadores(as) reconhecerem as relações entre o sexo e (o que os so-
ciólogos da família chamaram) “os papéis sexuais”, estes(as) não colocam entre
os dois uma relação simples ou direta. O uso do “gênero” coloca a ênfase sobre
todo um sistema de relações que pode incluir o sexo, mas que não é diretamente
determinado pelo sexo nem determina diretamente a sexualidade.

Para os estudiosos e estudiosas da história das mulheres, a história oral é uma fonte valiosa
de pesquisa. A possibilidade de ouvir os relatos e considerá-los como registro de um acon-
tecimento é fundamental diante do silenciamento feminino nas fontes de registros considera-
dos tradicionalmente oficiais. Reconhecendo a potência da metodologia de história oral, este
estudo está ancorado na mesma. A história oral é uma metodologia de pesquisa que utiliza como
fonte de análise a realização de entrevistas gravadas com um indivíduo ou com um determinado
grupo de indivíduos. A história oral se pauta principalmente na subjetividade, na memória e na
oralidade. Conforme pontua Alberti (2000, p. 2-3), a
[...] consolidação da história oral como metodologia de pesquisa se deve ao
fato de a subjetividade e a experiência individual passarem a ser valorizadas
como componentes importantes para a compreensão do passado. [...] A ênfase
na biografia, na trajetória do indivíduo, na experiência concreta, faz sentido
porque a biografia mostra o que é potencialmente possível em dada sociedade
ou grupo.

Neste trabalho, a história oral está sendo utilizada como método, visto que as entrevistas
das mulheres quebradeiras de coco babaçu são o foco principal e nelas está todo o sentido da
pesquisa. Por ter o olhar centrado nas quebradeiras, utilizamos a história oral temática, traba-
lhando com as memórias dessas mulheres na comunidade Folha Grossa, no município de Tocan-
tinópolis-TO, sem procurar abranger a completude da história de vida delas.
As mulheres entrevistadas nos contam suas experiências com a quebra de coco babaçu,
passada de geração para geração. Relatam que todas as mulheres de suas famílias tinham que
saber quebrar coco babaçu e trabalhar na roça. Essa característica nos remete a um curta metragem
chamado Vida Maria. Vida Maria, um projeto realizado pelo governo do Ceará, premiado no 3º
Prêmio Ceará de Cinema e Vídeo, dirigido por Márcio Ramos e conta a história de uma menina
chamada Maria José, uma criança camponesa de cinco anos que tem o seu estudo interrompido
para ajudar a mãe.
Segundo atenta Miranda (2019), o nome Maria é carregado de simbolismos. É frequen-
temente atrelado à imagem da Virgem Maria, importante figura do imaginário católico brasi-
leiro, que traz à tona um perfil de mulheres que não atuam na esfera pública, mas que vivem
atreladas ao lar, envolvendo-se exclusivamente nos cuidados dos filhos, da casa, do marido. No
curta mencionado anteriormente, enquanto Maria trabalha, ela vai crescendo, casa, tem filhos
e envelhece. E essa história vai se repetindo de geração em geração, esse é o destino de tantas
camponesas, esse é o porvir das Marias.

14
Educação do campo e pesquisa educacional

2. Memórias das mulheres quebradeiras de coco


babaçu
Trabalhar com história oral sem abordar a memória é algo impossível. É através dela
que cada um de nós conserva os acontecimentos e as representações do passado individual e
coletivo. A memória se manifesta no presente, mas é, também, passado. Dessa forma, memória
é uma relembrança do passado, uma recordação de um fato... são acontecimentos vividos, pre-
senciados ou herdados.
Embora não signifiquem a mesma coisa, memória e história caminham juntas. Pollak
(1989) reflete a respeito e afirma que a história oral permitiu a existência dos estudos da memória
no campo das ciências humanas e sociais, sendo ela subterrânea ou periférica, iniciando assim a
relação entre memória e história. Afirma ainda que as memórias podem ser silenciadas e, como
exemplo, ele cita a memória silenciada por questões políticas. Para o autor, as lembranças e o
esquecimento fazem parte da construção da memória, são os ditos e os não ditos da história.
Ao trabalhar com a memória é necessário ter em mente a complexidade que ela abarca.
Para os pesquisadores e pesquisadoras dedicados à história oral, é preciso compreender que não
há “a verdade” dos fatos que se manifestam nas entrevistas, mas sim, versões dos acontecimen-
tos que aparecem no presente através das teias de informações, sensações e sentimentos de um
ser humano que, provavelmente, a cada vez que conta determinada história, a contará de forma
diversa da anterior.
O trabalho com a memória permite conhecer a narrativa de fatos vivenciados, registrando
tanto a memória individual quanto a memória coletiva de determinado grupo ou comunidade.
Para Halbwachs (1990), a memória coletiva é uma construção social, elaborada entre indivíduo
e grupo. Para compreendermos melhor as significações vinculadas à prática da vivência da
quebra do coco babaçu pelas mulheres do povoado Folha Grossa, entrevistamos cinco mulheres
que serão aqui identificadas por suas iniciais, embora todas elas tenham assinado uma carta
de cessão dos direitos de uso da entrevista e de imagens, autorizando, inclusive, o uso de suas
identidades.
A área em estudo é uma comunidade localizada no interior do município de Tocantinópo-
lis, estado do Tocantins, pertencente à microrregião denominada Bico do Papagaio, região Norte
do Brasil. Esse município está situado nas margens do rio que nomeia o Estado e localiza-se a
cerca de 570 km da capital, Palmas-TO. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE, 2017), o município tem a população de 23.119 pessoas.
Intitulada comunidade Folha Grossa, o povoado em questão se localiza a cerca de 5 km do
centro de Tocantinópolis, pela TO-126. Segundo Soares (2012), a fonte de renda dos moradores
do povoado vem de empregos na zona urbana, na juquira ou tió - termos utilizados para trabalhos
na roça de pastos e derrubadas de matas. As mulheres do povoado têm afazeres diversos: são
donas de casa; domésticas; trabalham com a exploração do coco babaçu - seja para a extração
do azeite de coco ou na fabricação do carvão; trabalham com a horticultura, a criação de gado,
galinha, porco e nos botecos onde vendem cachaça e organizam festas de forró (a principal é a
famosa seresta).

15
Educação do campo e pesquisa educacional

Nas terras da comunidade Folha Grossa se encontra uma grande área de coco babaçu. Os
primeiros moradores foram para lá com o propósito de viver da extração dessas palmeiras. Com
a fartura do coco babaçu na região, logo foi criada a empresa Tobasa Bioindustrial, que trabalha
com o aproveitamento integrado do coco babaçu. Fundada em 1968 e inaugurada em 1970, a
empresa oportunizou a criação de vários postos de trabalho na cidade e se destaca como uma
atividade sólida na região.
A palmeira do coco babaçu é chamada de orbignya phalerata e pode chegar a cerca de
vinte metros de altura e vive em média 100 anos. Cada palmeira produz de dois a seis cachos de
coco ao ano e a produção de um hectare dessa palmeira pode chegar a aproximadamente duas
toneladas de coco por ano. Seus múltiplos aproveitamentos incluem a fabricação de produtos
comestíveis, medicinais, ornamentais, cosméticos e de biocombustíveis. O óleo de babaçu é rico
em vitaminas (E, A) e tem propriedades antioxidantes, anti-inflamatórias e redutoras de coleste-
rol. A amêndoa de babaçu é o segundo produto florestal não madeireiro mais vendido no Brasil
(Cooperativa Interestadual das Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçu, [201_]).
Um problema enfrentado pelas pessoas que vivem dessa produção é o desmatamento das
plantas nativas, em especial, a palmeira de coco babaçu. De acordo com a Cooperativa Inte-
restadual das Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçu (CIMQCB, [201_]), esse desmatamento
ocorre devido à degeneração florestal na região, incluindo a pecuária, a exploração da madeira,
os cultivos de soja, palma, cana-de-açúcar e eucalipto. Além disso, a expansão das fazendas de
piscicultura, afetando a fonte de água na região, e o uso do babaçu como carvão nas indústrias
de ferro-gusa e de aço também contribuem para a escassez da palmeira na região. Igualmente
Matos et al. (2015, s.p.) afirmam que
A expansão da agricultura baseada em monocultura de larga escala representa
uma grande ameaça aos babaçuais e, por conseguinte, às quebradeiras de coco.
Hoje, já há uma forte expansão de culturas de soja, eucalipto e cana na região, o
que significa não só o desmatamento de grandes áreas, mas também queimadas
e envenenamento das palmeiras de babaçu, expulsão de agricultores familiares
e povos agroextrativistas de suas terras e impedimento do acesso aos babaçuais.

As mulheres entrevistadas são diretamente afetadas pelo impacto do desmatamento em


seu ofício. Para melhor compreendermos quem são as mulheres que deram seus relatos e via-
bilizaram essa pesquisa, faremos em pequenas linhas algumas considerações sobre cada uma
delas. No que tange a um aspecto prático do desenvolvimento da metodologia de história oral,
destacamos que todas as entrevistas foram gravadas e transcritas e que na transcrição optamos
por manter a grafia de acordo com a fala das depoentes. Logo, buscamos não realizar significa-
tivas alterações, possibilitando assim uma maior proximidade à fala coloquial das entrevistadas,
o que nos permite identificar aspectos subjetivos acerca da forma de se colocar e relatar suas
experiências.
M. G. M. nasceu em 1934, na cidade de Mirador, no estado do Maranhão, porém foi criada
e cresceu no povoado Folha Grossa. Atualmente mora em Tocantinópolis com um dos seus
filhos, por conta da idade avançada. Apesar de ter 84 anos, ainda cata, quebra e vende azeite e
carvão de coco babaçu. Sua família é toda do povoado Folha Grossa e é lá que ela cata o coco.
M. G. M. foi casada duas vezes e é viúva duas vezes. No segundo casamento, teve oito filhos,
nunca estudou. Hoje é aposentada, mas criou seus filhos trabalhando em roça e na extração do
coco babaçu.

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Educação do campo e pesquisa educacional

N. S. M. nasceu em 1935, na cidade de Mirador, no estado do Maranhão. Viúva, teve


quatro filhos, dos quais três estão vivos. Iniciou os estudos, mas não chegou a ser alfabetiza-
da. Começou a quebra do coco babaçu com dez anos de idade, sempre trabalhou na roça e na
extração do fruto do babaçu. Hoje é dona de muitos alqueires de terras, onde realiza a coleta e
permite que outras mulheres que trabalham com a extração coletem o coco em sua propriedade.
Já H. A. M. nasceu em 1948, na cidade de Tocantinópolis-TO. Casada, tem onze filhos,
sendo sete homens e quatro mulheres. Trabalhou como doméstica e com a extração do coco
babaçu fazendo azeite, carvão, sabão, entre outros. Começou a quebrar o fruto do babaçu com
sete anos de idade. Por conta da idade avançada e de dores no corpo, parou de atuar como que-
bradeira.
F. R. M. nasceu em 1950, em Tocantinópolis-TO e tem sete filhos, quatro mulheres e
três homens. Sempre morou no povoado Folha Grossa, onde criou seus filhos. Estudou até a 4ª
série (atualmente 5º ano), é aposentada e trabalhou como doméstica e com a extração do coco
babaçu. Começou a quebra do coco com 19 anos, logo após se casar. Relata que aprendeu o
ofício sozinha, com a vida.
I. C. S. nasceu em 1960, é divorciada e tem seis filhos, sendo cinco homens e uma mulher.
É moradora do povoado Folha Grossa, estudou até a 4ª série (atualmente 5º ano) e começou a
quebrar coco aos cinco anos de idade, sempre trabalhou como lavradora e com a extração de
coco babaçu. Hoje, trabalha em parceria com uma colega que cata o coco para I. C. S. quebrar,
e dividem o lucro pela metade.
Elas carregam no olhar um aspecto sofrido, provavelmente devido a uma vida cansativa
do trabalho braçal, mas não deixam de sorrir. Todas agradecem a oportunidade de ter trabalha-
do com o coco babaçu, pois, apesar das dificuldades, conseguiram criar seus filhos através da
palmeira.
As histórias de vida dessas mulheres são muito parecidas, não tiveram oportunidade de
estudar e começaram a quebrar coco entre os cinco e 19 anos de idade, a maioria aprendeu com
a mãe:
Minha mãe me ensinou a quebrar coco, ela tirava as tiras, repartia o coco, me
dava as bandinhas, para mim tirar o bago. (H. A. M, 2018).

Mamãe me ensinou, ela tirava a talhada e entregava para nós. (M. G. M, 2018).

Comecei a quebrar coco com 10 anos de idade, quem me ensinou foi a mamãe.
(N. S. M, 2018).

Comecei a quebrar coco tinha 19 anos. Aprendi sozinha, depois que casei,
aprendi na vida, precisando aí aprende. (F. R. M, 2018).

Eu tinha uns 12 anos, quando minha mãe botou nós para trabalhar. Minha mãe
que me ensinou. (I. C. S, 2018).

As entrevistadas carregam memórias semelhantes. Muitas delas não tinham terra para
retirar o coco babaçu, então trabalhavam para os donos das fazendas. Os donos vendiam a
amêndoa e pagavam uma porcentagem para elas. As condições de trabalho eram péssimas,
passavam o dia nas matas, todos os dias da semana, sem almoçar. Como afirma H. A. M:

17
Educação do campo e pesquisa educacional

Eu ia às 07 horas da manhã e chegava às 05 horas da tarde, todo dia, quando


chegava que ia fia, acordava fazia meu quebra-jejum, levava para debaixo dos
pé, quando dava a boa vontade comia, aí ficava o dia todo, só jantava à noite.
Minha fía a vida era dura, hoje é muito bom. (H. A. M, 2018).

Elas contam que a quebra do coco é uma atividade econômica e cultural passada de geração
para geração, todas as mulheres de sua família tinham que saber o ofício e trabalhar na roça.
No entanto, apesar de terem ensinado aos seus filhos a quebrar o coco babaçu, elas relatam o
desinteresse pela continuidade do ofício. Afirmam que apenas as pessoas mais velhas mantêm a
prática e que hoje não se encontram jovens quebrando. Ao serem questionadas a respeito de suas
perspectivas de futuro, com relação à continuidade dessa prática, elas destacaram:
Ensinei meus filhos, mas hoje eles não querem nem saber. Acho que no futuro
não vai ter gente trabalhando com coco não, será? Acho que não. (H. A. M,
2018).

Minha filia tem mais ninguém que quer quebra coco não. (M. G. M, 2018).

Meus filhos tudim sabe, mas eles aprenderam sozinho, mais hoje eles não
mexem com isso não. Aqui mesmo tinha um bucado, só que já tá tudo parando
também né, não guenta, só das mais véia, essas mais nova não quebra coco, esse
povo novo qué quebra coco não. Eu acho que não, pode até ser que tenha, mais
é difícil. (F. R. M, 2018).

Ensinei ninguém a quebrar coco não, meus filhos sabem nada. Agora as mulé
tão até parando, por causa da idade né, aí elas dizem que não guenta mais.
Jovens também não [risos], esses jovens de hoje em dia qué esse serviço não.
Acho difícil, acho que não, esses jovens, não querem aprender né, aí os de idade
que sabe, vai se acabando, aí pronto. (I. C. S, 2018).

A partir das impressões das entrevistadas percebemos a iminência da extinção do ofício de


quebradeira de coco babaçu. É um traço cultural ainda muito forte na região, mas o fato de não
haver um interesse das novas gerações indica que em breve será uma atividade pouco conhecida
e ainda menos praticada.
Além de cuidar do plantio, da casa e dos filhos, as mulheres saíam para a coleta do coco
geralmente em grupos – muitas vezes levando seus filhos – à procura das palmeiras. Ao encon-
trarem, sentavam-se debaixo das árvores e começavam a quebra do coco, conforme destacam as
entrevistadas:
Saía muita mulher, nós ia para o mato, de 10, 20 mulher, nós ia de pé, fritava
carne, ovo, qualquer coisa, botava no saco, sumia no mundo, nós catava
espalhada, depois juntava debaixo de um pé. (M. G. M, 2018).

Antes eu vendia coco, era por prato, era 3 litros de coco para dá um prato. Nós
ia para o mato, quebrava espalhada, quando chegava de tardezinha vendia para
os donos da fazenda. (F. R. M, 2018).

Quando eu era mais jovem a gente vendia, pra se vestir, calçar. De primeiro
tinha gente que comprava coco aqui, agora ninguém compra mais. Nos saía o
grupo de mulher, ia para a Mariazinha, que agora é as aldeias dos índios, nós ia,

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Educação do campo e pesquisa educacional

tinha parente nosso, ia quebrar coco nas férias do colégio, ia quebrava aí a gente
vendia. Comprava o tecido e mandava fazer a roupa. Naquele tempo, meu pai
comprava o coco, meu padrinho comprava, aí eles vendiam para um comprador
que tinha na cidade, eu não lembro o nome dele. (I.C. S., 2018).

Para realizar tal atividade, essas mulheres colocam um machado (ou machada) bem afiado
preso em suas pernas, equilibram o coco em cima e, com um pedaço de pau, começam a bater no
coco até quebrar para poderem retirar as amêndoas. A seguir, trazemos registros das principais
ferramentas utilizadas, bem como do fruto da palmeira, o coco babaçu.

Foto 1 - Coco babaçu

Fonte: Acervo de Tássia Martins Cipriano.

Foto 2 - Machado e machada, material utilizado para quebrar o coco

Fonte: Acervo de Tássia Martins Cipriano.

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Educação do campo e pesquisa educacional

Foto 3 - Pedaço de pau, popularmente chamado de porrete, utilizado para quebrar o coco.

Fonte: Acervo de Tássia Martins Cipriano.

Nas fotos acima estão os materiais que as mulheres quebradeiras de coco babaçu faziam
uso para quebrá-lo e retirar a amêndoa. Os materiais presentes nas fotos são da entrevistada M.
G. M. Na Foto 2, temos dois objetos, o objeto superior é um machado, ele tem o cabo de madeira
maior, e a lâmina (popularmente chamado de cabeça) menor e ereta. Já o objeto inferior é uma
machada, ela tem o cabo de madeira menor, com a cabeça maior e curvada, ambos servem para
cortar a casca do coco babaçu. Na Foto 4, temos cinco pedaços de pau, todos servem para bater
o coco contra a lâmina do machado, realizando assim a cisão do fruto.
Das cinco entrevistadas, quatro delas ainda trabalham com o coco babaçu. Dessas, três
fazem azeite e carvão para consumo próprio, e a quarta, apesar de estar com 84 anos de idade,
faz azeite e carvão para comercializar. Elas trabalham em casa e, devido à idade avançada,
fazem a pinha de coco, quebram em média 12 litros por dia: “Tem vez que eu quebro 10 litros
por dia, outra vez quebro 9, outa vez 12, é assim, não tem medida certa não. ” (F. R. M, 2018).
A quinta entrevistada não quebra mais coco por causa de problemas na coluna. Três das
cinco entrevistadas relatam muita dor ao trabalhar. De acordo com Mourão et al. (2013), os
sintomas que as quebradeiras de coco babaçu se queixam podem estar relacionados a atividade
que exercem, mas também podem ser relacionados com a idade delas, a nutrição e aos cuidados
com higiene e ambiente. Relatam ainda que
Todas as atividades laborativas, de alguma forma, podem causar impactos
negativos à saúde do trabalhador, de modo especial aquelas desempenhadas
em ambientes insalubres e/ou que requerem movimentos repetitivos por longas
jornadas diárias, como é o caso das atividades relacionadas à coleta, ao trans-
porte e à quebra do coco babaçu. (MOURÃO et al., 2013, p. 7).

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Educação do campo e pesquisa educacional

Apesar de tanto trabalho e dores, essas mulheres ainda encontram tempo e energia para
outras atividades, em especial o artesanato, exercendo essas nos poucos momentos de lazer. A
relação com as artes, além de se fazer presente através do trabalho artesanal de algumas, também
se manifesta durante a quebra do coco babaçu. H. A. M. e I. C. S. relatam que no momento em
que estão quebrando coco babaçu costumam cantar músicas. “Eu cantava bunitinho, era só
música boa [risos]. Cantava Andorinhas, do Trio Parada Dura, e hino da igreja” (H.A.M., 2018).
“Eu gosto de cantar música da igreja, eu gosto de música da igreja [risos]” (I. C. S., 2018). H.
A. M. canta durante a entrevista um trecho da música: “As andorinhas voltaram, e eu também
voltei, pousar no velho ninho, que um dia aqui deixei...”
Moraes e Mendes (2016) afirmam que a música aproxima a ligação entre a arte e a vida,
articulando os movimentos corporais e ritmos de pessoas e grupos em tarefas coletivas, fazendo
a convivência no trabalho prazerosa. Os autores afirmam, ainda, que a linguagem musical como
prática humana está presente na sociedade antiga e moderna, em múltiplas perspectivas:
Assim, a temática cantos de trabalho entre povos rurais aponta para mundos
da vida expressos no discurso musical do trabalho que se canta. Neste âmbito,
instrumentos de trabalho marcam a pulsação da música e versos, muitas vezes,
de improviso, falam de maneiras de conviver, de padrões de sociabilidade,
de saberes, crenças, mitos, ritos, Brasil afora como registrado em pesquisas
diversas, em textos, filmes, vídeos, etc. (MORAES; MENDES, 2016, p. 8).

A presença da música durante o trabalho é um traço bem marcante da identidade das


mulheres quebradeiras de coco babaçu, conforme observamos nas entrevistas realizadas.
A identidade se constrói a partir das experiências de vida das pessoas, está relacionada
a quais grupos elas pertencem, suas relações sociais, de gênero, faixa etária, profissão, entre
outros fatores que dão a elas um sentido de ser. A identidade está sempre vinculada às semelhan-
ças e às diferenças em relação ao outro. Eu sou porque sou igual ou eu sou porque sou diferente.
Nesse sentido, as mulheres quebradeiras de coco babaçu possuem diversos aspectos em comum
devido ao fato de partilharem de espaços e de experiências muito próximos. Todas se declaram
como quebradeiras de coco e demostram considerar esse trabalho como atrelado às funções do-
mésticas, se referindo a quebra do coco como um trabalho incluso nas suas jornadas de “dona
de casa”.
É importante ressaltar que a mulher é de suma importância na vida no campo, elas trabalham
roçando o pasto, cuidando de terra, plantando, adubando, colhendo, contribuindo, assim, com
a renda da família. No entanto, o papel que lhe foi destinado desde a infância é cuidar do lar e
“ajudar” o marido na renda. É visto como obrigação delas cuidar da casa, cuidar dos animais
domésticos, da família e ajudar no trabalho na roça:
As mulheres eram seres do silêncio por sua própria natureza ou que, na divisão
do trabalho, tenham ficado com as tarefas do corpo, da procriação, da casa,
da agricultura, da domesticação dos animais, do servir-cuidar-nutrir, perdendo
assim sua capacidade como sujeito. (TEDESCHI, 2009, p. 181).

Nesse sentido, e nos pautando nos debates contemporâneos a respeito dos estudos de
gênero, a divisão do trabalho entre homens e mulheres é uma questão bastante pungente no
campo. Sendo destinado aos homens o espaço público, às mulheres restava a esfera privada:

21
Educação do campo e pesquisa educacional

A divisão do trabalho que se estabeleceu entre os sexos atribuiu o cuidado do lar


para a mulher, função, quando não invisível, tida como de pouco valor social.
Enquanto a produção material foi atribuída aos homens, tarefa considerada de
prestígio e que confere poder dentro da sociedade. (SOUSA; GUEDES, 2016,
p. 01).

Com isso, os homens são os responsáveis pelas tarefas de “mais prestígio”, as que são
consideradas pela sociedade patriarcal como aquelas que exigem mais preparo, refletindo uma
forma enraizada de domínio do público ante o privado.
Como já destacamos, o século XX foi um período de grandes mudanças na história das
mulheres e nas relações de gênero. Para as mulheres, foi um período de conquistas, de tomada
da esfera pública, com consideráveis avanços, e sua inserção como sujeito da fala nos estudos
históricos. Mas a privação do convívio igualitário em sociedade ainda é uma realidade na vida
de muitas mulheres e, em especial, das mulheres camponesas:
De fato, as mulheres em sua maioria eram extremamente submissas aos seus
maridos, pais, sendo totalmente presas às convenções de uma sociedade
machista e repressora. As mulheres de origem nobre eram destinadas a casa-
mentos arranjados que serviam para firmar alianças e procriar. As campone-
sas cuidavam de plantações e de artesanatos, porém nem assim obtiveram sua
liberdade. (BASTOS et al., 2016, p. 190-191).

As entrevistadas apesar de dizerem que o trato do coco é um trabalho masculino e feminino,


ao analisarmos seus relatos, percebemos que há uma evidente divisão entre as atividades ditas
para homens e atividades para mulheres.
Trabalho com coco é de mulher, é de homem, é dos dois, desde que me entendo
por gente, vi homem mexendo com coco também. De primeiro quando eu era
mais nova, o homem quebrava coco, e era muito [risos]. Tem trabalho de mulher
e de homem. Mulher é quem cuida da casa, homem é de roça. Homem trabalha
com inchada, facão. (N. S. M, 2018).

Conheço homem que quebra coco, mas era lá um dia. Isso é trabalho para
mulher e homem. Trabalho de mulher é cuidar de casa, lava trem. (H. A. M,
2018).

Conheço homem... quebra coco não. Acho que pra mim, tanto faz, é um trabalho
de mulher e de homem, querendo fazer né [risos]. Na roça já tem né, porque tem
mais trabalho pesado na roça, mas pra homem de que pra mulher. O homem
querendo ajuda de tudo que ela faz em casa, tem menino pequeno ajuda, na
cozinha, ajuda em tudo. Antigamente não, mas hoje em dia praticamente a
maioria dos homens são mais doméstico que já fazem de tudo em casa, com a
roupa, faz tudo. (F. R. M, 2018).

HOMEM? Não conheço não. Quebrar coco é um trabalho de mulher. Na roça


mais é para o homem né, a mulher ajuda porque tem que ajudar o marido,
quando não tem é mais o filho. Em casa, agora os homens tão ajudando as
mulheres em casa, de primeiro era só a pobres das mulher mesmo [risos]. (I. C.
S, 2018).

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Educação do campo e pesquisa educacional

Não podemos deixar de considerar o fato de que as mulheres entrevistadas são de outra
geração, no que tange à faixa etária e, em linhas gerais, não tiveram acesso ao estudo e a outros
canais de informação que as auxiliassem a observar e questionar esses modelos sociais. Possivel-
mente por isso, elas afirmam que trabalhar com coco babaçu é trabalho de ambos os sexos – uma
visão mais contemporânea das questões de gênero – porém, atrelam a participação feminina mais
aos cuidados do lar e aos homens o trabalho mais pesado, não demostrando nenhum incômodo
com essa caracterização.
Quando falamos em “trabalho de mulher”, podemos perceber uma amarra da cultura
machista na qual fomos geradas e que temos que lutar diariamente para romper. No tocante
às relações de trabalho ainda há muito pelo que lutar. É possível perceber em alguns ofícios,
exercidos por homens e mulheres, o fato de as mulheres ganharem menos que os homens exe-
cutando o mesmo trabalho em cargas horárias equivalentes ou, até mesmo, com cargas horárias
maiores (PRONI; PRONI, 2018). Outro exemplo claro das barreiras diárias enfrentadas pelas
mulheres é o fato – bastante discutido na contemporaneidade – de algumas mulheres em idade
fértil serem rejeitadas pelo mercado de trabalho devido à possibilidade de engravidar e gozar
do seu direito à licença maternidade. As mulheres ainda lutam nos espaços de poder para galgar
postos destinados apenas aos homens. Muitas são as normas sociais, muitas vezes “invisíveis”
que prendem e podam a ação feminina.
As mulheres camponesas não escapam dessas amarras sociais. Nesse sentido, atualmente a
maioria das mulheres camponesas continuam afastadas da vida pública e da comunidade, tendo
suas vidas dedicadas ao cumprimento de tarefas consideradas mais fáceis e diretamente vincu-
ladas ao cuidado e manutenção da casa e dos filhos.

3. Considerações finais
Ao longo da pesquisa foi possível perceber que durante grande parte da história as mulheres
foram suprimidas, como se não existissem, como se suas trajetórias não fossem relevantes.
Poucas foram as mulheres que conseguiram romper a barreira do silenciamento e registrar suas
trajetórias nos livros de história, nas memórias passadas de geração em geração, nos relatos
tomados como patrimônios pela sociedade.
No que tange às pesquisas históricas, esse comportamento foi sendo alterado a partir do
desenvolvimento da Nova História, com uma mudança radical na interpretação das fontes his-
tóricas, com o amadurecimento de novas perspectivas de interpretação do passado. As mulheres
conquistaram a esfera pública, suas vivências passaram a ser registradas e interpretadas. Elas
passaram inclusive a poder ser gestoras dos registros de suas narrativas. Seus traços estão mais
vivos no estudo da história das mulheres e das relações de gênero. As mulheres têm vez e voz.
A opressão ainda é a realidade de uma boa parte das mulheres, e o mais correto seria dizer
que todas nós mulheres, em diferentes momentos e situações que vivenciamos, somos tolhidas
apenas pelo fato de sermos mulheres. Mas já tivemos avanços. No Brasil, as mulheres, com
muita luta e enfrentamento, estão conseguindo conquistar seus espaços na sociedade e, apesar
do preconceito, trabalham fora de casa, sustentam famílias, presidem o País, lutam pelos seus
direitos, se organizam em grupos feministas e ocupam os espaços de fala. Mas ainda há muito
que trilhar e lutar.

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Educação do campo e pesquisa educacional

As mulheres do povoado Folha Grossa, no município de Tocantinópolis, têm suas vivências


marcadas pela luta e pela resistência. Reagem às dificuldades financeiras, aos problemas fami-
liares, às opressões de gênero e continuam firmes utilizando a quebra do coco babaçu como
fonte de renda e marca identitária. No entanto, a atividade mais tradicional da comunidade está
morrendo. Talvez por conta da escassez da palmeira do coco babaçu no município, ou pela falta
de interesse dos jovens em dar continuidade a essa tradição. Essas mulheres trabalharam de
domingo a domingo, para que seus filhos tivessem um estudo.
Ao contrário do curta metragem Vida Maria, elas deixaram seus filhos estudarem. Porém,
se nessa comunidade apenas pessoas idosas ainda têm a prática de quebrar coco babaçu, o que
será da quebra no futuro? O que antes era uma atividade tradicional, e que todas as mulheres
sabiam quebrar coco babaçu, hoje apenas as idosas dão continuidade. Os jovens estudam nas
áreas urbanas, ou em escolas rurais que adotam um ensino urbano, e querem sair do campo.
Não são estimulados a permanecer na zona rural. Uma educação voltada para os povos do
campo, uma Educação do Campo, que valorize os saberes camponeses, que lute por uma melhor
qualidade de vida no campo, com acesso a todas as facilidades que a zona urbana oferece, talvez
pudesse incentivar os jovens a valorizarem mais a permanência no campo e a ver formas de vida
próspera em suas comunidades. Esses questionamentos nos acompanharão ao término dessa
pesquisa e fazem com que ela adquira uma potência única, na medida em que serve de registro e
reflexão de uma atividade tão importante para a memória coletiva da cidade de Tocantinópolis.
Uma memória que sobrevive e reside a partir das vidas e memórias de tantas Marias.

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Educação do campo e pesquisa educacional

2. Povos do Campo:
aproximações conceituais
basilares às epistemologias
ambientais do Campo
Lisiane Costa Claro

1. Questões iniciais
O Campo1 sob uma constituição vinculada às representações estigmatizadas, minado por
aspectos de ausências, de fragilidades, de imagens pejorativas e de reducionismos sobre seus
habitantes a uma única forma de “ser sujeito do Campo”, forja também a imagem de um “Sujeito
Estigmatizado” (CLARO, 2018) em detrimento de tantas outras formas de ser, viver, conhecer e
recriar o Campo. Como alternativa às construções que fragmentam, estigmatizam e inviabilizam
o Campo e seus sujeitos, é que se objetiva com este texto evidenciar a diversidade dos Povos do
Campo, instigando a possibilidade de reconhecimento de pautas viáveis ao reconhecimento e
construção das epistemologias ambientais do Campo.
A relevância do estudo parte da compreensão de que após duas décadas da proposta da
Educação do Campo enquanto pauta nacional, em coerência com a própria proposta pedagógica
da Educação do Campo que se anuncia aberta à constante (re)construção, considera-se relevante
rever os desafios presentes no espaço do Campo. Do mesmo modo, acredita-se necessária a
revisão sobre a própria definição acerca da categoria “Campo”, tendo como fio condutor os
povos que a constituem.
Mais cuidadosamente, identificam-se os alarmantes índices de violência em espaços cons-
tituídos por ribeirinhos, pescadores artesanais, seringueiros, indígenas e quilombolas remanes-
centes (PORTO-GONÇALVES; CUIN, 2013). Em 2019, sob as tentativas de expulsão pro-
tagonizadas pelo poder privado, as comunidades tradicionais foram as que mais sofreram tal
violência, correspondendo a 45,76%; em seguida, foram as famílias posseiras, com 30,50%
e logo, as famílias Sem Terra, com 16,10% (ARAÚJO et al., 2020). Dados que sugerem a
afirmação de que apesar de a Educação do Campo abarcar esses grupos, para além do grupo que
se compreende por agricultores familiares, nota-se que as desigualdades e opressões são mais
evidentes nos territórios constituídos por esses outros sujeitos os quais também deveriam ser
acolhidos, como as políticas públicas demarcam. Políticas que são evocadas e reivindicadas na
proposta da Educação do Campo.

1 Por uma reivindicação ontoepistemológica é que se utiliza a grafia com inicial em maiúscula referente ao
termo “Campo” enquanto um conceito carregado de sentidos em sua constituição enquanto uma categoria
de interpretação no horizonte hermenêutico (CLARO, 2018).

27
Educação do campo e pesquisa educacional

Acredita-se que ainda é preciso sublinhar as diversas experiências no bojo dos processos
educativos que se somam à proposta da Educação do Campo, em seu caráter pedagógico,
político, ético e estético, o que pode ser alcançado por meio da leitura das outridades do Campo.
Consideram-se as Epistemologias Ambientais do Campo (CLARO, 2018) enquanto uma
via de ampliar as aprendizagens, teorias e reflexões acerca dos movimentos do Campo e da
educação a ele vinculada. Além disto, atribui-se às Epistemologias Ambientais do Campo o
papel de contribuir com a proposta da Educação do Campo ao contemplar outras experiências
conectadas aos povos diversos presentes no Campo, os quais, em muitos casos, ainda não estão
articulados enquanto movimentos sociais populares, mas que em sua ação apresentam viabilida-
des de (re)criação de seus saberes e lutas.
Diante disso, por meio de uma leitura de cunho hermenêutico fenomenológico (RICOEUR,
1978; 2014), realiza-se uma leitura compreensiva de dimensão conceitual, embasada em duas
orientações: a territorial e a epistemológica. A primeira acolhe pautas como a organização
econômica e a reforma agrária, enquanto a segunda tem como elementos de diálogo os saberes
populares e as leituras de mundo. Evidentemente não são eles blocos isolados, alguns temas que
se identificam mais arraigados a uma ou outra orientação podem convergir em ambas as aborda-
gens. Ainda, considera-se que as questões de fundo ambiental e político podem perpassar tanto
a pauta territorial quanto a epistemológica.

2. Relações entre terra, território, produção e o Estado


na construção conceitual dos povos
Sobre os povos que constituem o espaço campesino, sob a perspectiva da abordagem
quanto ao território, considera-se válido destacar algumas questões acerca da utilização da terra
como produção material e reflete-se o quanto a terra representa um tema gerador de divergentes
interesses.
Carvalho (2005), ao tratar da diversidade presente no contexto campesino, registra que o
campesinato brasileiro está alicerçado em dois eixos: a diversidade de produção e relação com
o mercado (e os processos habituais e culturais que se desenvolvem por meio dessas relações)
e a biodiversidade que gera diferentes maneiras de enxergar o ambiente a partir das relações
culturais tecidas pelo trabalho.
Em sentido análogo, Pérez (2001), ao estudar a economia latino-americana, identifica o
espaço rural enquanto um conjunto de territórios no qual os povos realizam diferentes ativi-
dades como agricultura, comércio, serviços, pequenas e médias indústrias, artesanato, pesca,
mineração, extração de recursos naturais, entre outros.
Segundo Arroyo, Caldart e Molina (2009), os povos do Campo constituem uma cultura
específica através das maneiras de trabalhar, as quais diferem das formas de trabalho do espaço
urbano. Essa dinâmica está presente nas comunidades tradicionais, muito embora os processos
de urbanização com o estímulo do capital têm ameaçado o trabalho nesses contextos. Para esses
autores, as especificidades que constituem a cultura estão presentes nas formas de relacionar-se
com o tempo e o meio ambiente, nas formas de organização familiar, comunitárias, de trabalho
e educação.

28
Educação do campo e pesquisa educacional

Já, segundo Martins (1986), o “eixo estrutural” desses conflitos ocorre a partir da disputa
pela terra enquanto o direito que apresenta ao ser utilizada para o sustento das comunidades.
Além disso, esse embate pela terra se “torna luta pela ampliação dos espaços políticos dos tra-
balhadores, pela democracia e não, simploriamente, uma luta econômica pela ampliação dos
espaços econômicos de reprodução do capital”. (MARTINS, 1986, p.71).
Deste modo, compreende-se que os povos do Campo são grupos que constroem uma
história repleta de lutas e resistências. Portanto, as disputas desses povos não estão restritas aos
interesses do sistema econômico capitalista que se vive, mas partem da exigência pela participa-
ção ativa para além da comunidade.
Próximo a essa compreensão, Pires (2012) salienta que a definição do campesinato abarca
três elementos que estão estritamente relacionados: o acesso a terra para a produção; o trabalho
familiar; e a constituição de unidade de consumo e produção.
Segundo o decreto no. 7.352, de 4 de novembro de 2010, são consideradas populações do
campo:
[...] os agricultores familiares, os extrativistas, os pescadores artesanais, os ri-
beirinhos, os assentados e acampados da reforma agrária, os trabalhadores assa-
lariados rurais, os quilombolas, os caiçaras, os povos da floresta, os caboclos e
outros que produzam suas condições materiais de existência a partir do trabalho
no meio rural. (BRASIL, 2010).

A identificação desses povos múltiplos e cheios de especificidades considera que reco-


nhecer o Campo exige-nos o reconhecimento acerca dos chamados “povos tradicionais”. Para
a problematização da ideia de “povos ou comunidades tradicionais”, voltar à atenção para o
campo das políticas de Estado é uma das formas de identificar as implicâncias na conceituação
destes povos. Neste sentido, cabe destacar que a pauta é acolhida no bojo de decisão dos órgãos
internacionais, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Por este prisma, o conceito pode ser encarado com base no reconhecimento das formas
de trabalho nesses ambientes, as quais por se confrontarem, originalmente, com as formas de
trabalho impostas pelo modelo capitalista, ganham destaque com respeito à necessidade de seu
resguardo.Com isso, e com o recebimento de royalties, os Estados Nacionais são pressionados a
criarem políticas direcionadas a esses grupos historicamente subalternizados.
Por outro prisma, os povos tradicionais podem ser compreendidos a partir da sua histo-
ricidade ligada à sua territorialidade. Para Little (2002), os territórios dos povos tradicionais
fundamentam-se em décadas, em alguns casos, séculos de ocupação efetiva, o que independe de
seus territórios estarem contemplados ou não na razão de propriedade tanto na Colônia quanto
na República. A legitimidade de seu território é situada na base histórica e não instrumental, bem
como na sua persistência cultural vinculada à memória. Deste modo, seu aspecto conceitual não
está pautado em leis ou títulos, mas nos aspectos simbólicos e identitários na relação do grupo
com sua área.
Do panorama lançado pelo âmbito das políticas territoriais, surge o Decreto Presidencial
n.º 6.040, de 7 de fevereiro de 2007. Esse decreto instituiu a Política Nacional de Desenvolvi-
mento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais – PNPCT, bem como apostou na sua
implementação por meio da elaboração da Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável

29
Educação do campo e pesquisa educacional

dos Povos e Comunidades Tradicionais – CNPCT. Essa comissão é interdisciplinar e constituída


por 15 representantes de órgãos e entidades da administração pública federal e 15 representantes
de organizações não governamentais.
Essa comissão deve atentar para as comunidades tradicionais, as quais são consideradas
aquelas constituídas por grupos
[...] que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam
territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural,
social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e
práticas gerados e transmitidos pela tradição. (BRASIL, 2007).

Barreto Filho (2006) afirma que o poder público nacional, bem como a agenda ambien-
talista assumem a questão da política dos povos e comunidades tradicionais com base em três
fenômenos. O primeiro refere-se à pauta internacional com relação às áreas protegidas; o segundo
contempla a articulação entre as áreas de proteção e o desenvolvimento no país e, por último, o
processo das mobilizações e movimentos dos grupos sociais que consolidavam sua identidade
étnica e coletiva assumindo mais intensamente o debate ambiental nas suas lutas políticas vin-
culadas ao território. Destaca-se o terceiro fenômeno como um elemento imprescindível para o
reconhecimento dos povos que habitam e constituem os saberes do Campo.
Assim, ressalta-se que o decreto mencionado aponta para o reconhecimento das leituras de
mundo específicas desses grupos. Contudo, cabe destacar que tais “formas próprias de organi-
zação social” são diversas, contendo uma vasta heterogeneidade, quando se reporta ao conceito
de povos tradicionais. Além disso, essa leitura que aborda a “transmissão pela tradição” - como
definido no decreto acima - pode remeter a ingênua concepção de que os povos estão isolados
por completo, sem receber influências “externas”, como se existisse certa fixidez nos hábitos,
formas perpétuas e intocáveis de se viver.
Ainda sim, mesmo que fosse possível total isolamento de quaisquer “interferências” além
fronteiras, o ser humano é criativo e reinventa suas formas de ser no mundo. Assim, afirma-se
que “muitas pesquisas antropológicas recentes, [...], contestam o caráter fixo das tradições. Para
essas, a cultura popular nas tradições e manifestações folclóricas se renova constantemente por
meio da criação anônima”. (SILVA; SILVA, 2006, p. 3). Como parte desses grupos criativos,
estão:
Povos Indígenas, Quilombolas, Seringueiros, Castanheiros, Quebradeiras de
coco-de-babaçu, Comunidades de Fundo de Pasto, Faxinalenses, Pescadores
Artesanais, Marisqueiras, Ribeirinhos, Varjeiros, Caiçaras, Praieiros, Sertane-
jos, Jangadeiros, Ciganos, Açorianos, Campeiros, Varzanteiros, Pantaneiros,
Geraizeiros, Veredeiros, Caatingueiros, Retireiros do Araguaia, entre outros.
(BRASIL, 2013, s.p.).

Embora as políticas públicas representem esforços em sublinhar tais especificidades com


relação aos povos originários e tradicionais, é fundamental que haja uma construção a qual
reconheça o protagonismo desta multiplicidade através da participação e visibilidade destas
inúmeras populações.
Silva e Sato (2010), ao mapearem os grupos sociais do estado de Mato Grosso, destacam
a existência de 65 grupos sociais e 45 etnias indígenas, resultando num total de 87 identidades

30
Educação do campo e pesquisa educacional

no território analisado. As autoras corroboram que esse tipo de estudo é pertinente para a ma-
nutenção das políticas públicas contemplarem as necessidades e expectativas das identidades
que compõem o território, possibilitando alternativas que propiciem a diminuição de impactos e
superação de conflitos socioambientais. Para as autoras:
É preciso saber ouvir as múltiplas vozes; mais do que isso, é preciso dar
audiência às muitas vozes esquecidas e excluídas do modelo implantado, para
que estes grupos possam ser protagonistas fortalecidos na luta contra qualquer
hegemonia orientada pelos padrões homogêneos do desenvolvimento. A sobre-
vivência desses sujeitos sociais está intimamente ligada, em primeiro lugar,
ao direito de permanecer em seus territórios, aliado, às condições de inclusão,
que lhe assegurem ter, minimamente, uma vida digna. (SILVA; SATO, 2010, p.
280).

Vinculada à questão territorial, é importante ressaltar que os povos tradicionais constituem,


resguardam e reinventam seus conhecimentos tradicionais, possibilitando diversas maneiras de
produzir saberes e conhecimento. Entre esses saberes, destacam-se:
[...] técnicas de manejo de recursos naturais, métodos de caça e pesca, conhe-
cimentos sobre os diversos ecossistemas e sobre propriedades farmacêuticas,
alimentícias e agrícolas de espécies e as próprias categorizações e classifi-
cações de espécies de flora e fauna utilizadas pelas populações tradicionais.
(SANTILLI, 2005, p. 192).

Ao reconhecer a diversidade cultural presente na construção dessas tradições, dialoga-


-se com Castro (2000), ao abordar que o trabalho desses coletivos cria relações para além das
técnicas de manejo, ao englobar o místico e o simbólico. Através de envolvimentos como esse,
é possível afirmar que a vida econômica nos espaços dessas comunidades está indissociada do
aspecto social.
No entanto, é preciso ressaltar que o sentido de comunidade ou povo tradicional deve
ultrapassar a ideia de “reconhecimento” de sua contribuição enquanto formação do território e
nacionalidade brasileira. É indispensável aprofundarem-se às especificidades desses grupos, a
fim de não restringir a esfera cultural à folclorização, não tentar apaziguar um passado (tantas
vezes ainda presente) de tentativas e conquistas (no sentido mais colonizador possível) de subal-
ternização desses sujeitos. Assim:
Comunidade tradicional constitui-se como um grupo social local que desen-
volve: a) dinâmicas temporais de vinculação a um espaço físico que se torna
território coletivo pela transformação da natureza por meio do trabalho de seus
fundadores que nele se instalaram; b) saber peculiar, resultante das múltiplas
formas de relações integradas à natureza, constituído por conhecimentos,
inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição ou pela interface com
as dinâmicas da sociedade envolvente; c) uma relativa autonomia para a repro-
dução de seus membros e da coletividade como uma totalidade social articu-
lada com o “mundo de fora”, ainda que quase invisíveis; d) o reconhecimento
de si como uma comunidade presente herdeira de nomes, tradições, lugares
socializados, direitos de posse e proveito de um território ancestral; e) a atuali-
zação pela memória da historicidade de lutas e de resistências no passado e no

31
Educação do campo e pesquisa educacional

presente para permanecerem no território ancestral; f) a experiência da vida em


um território cercado e/ou ameaçado; g) estratégias atuais de acesso a direitos,
a mercados de bens menos periféricos e à conservação ambiental. (BRANDÃO,
2010, p. 37).

Com base no conceito destacado, é possível compreender que esses grupos enfrentam o
desafio de manter-se em seu território e que não estão livres de sofrerem formas de dominação.
A questão crucial é pensar quais as formas de opressão. Serão elas sempre físicas? Voltadas
à invasão territorial? De tentativas de exploração do ambiente? Ou as formas de dominação
poderiam ser por meio da invasão violenta de novos sentidos, valores e lógicas? Comunidades
que partem da esfera solidária estão ameaçadas por meio dos valores individualizantes típicos
da sociedade que cultiva a ética do mercado? Acredita-se que sim. Freire (2002), ao expor sua
compreensão sobre a ética, distingue:
Mas, é preciso deixar claro que a ética de que falo não é a ética menor, restrita,
do mercado, que se curva obediente aos interesses do lucro.Em nível inter-
nacional começa a aparecer uma tendência em acertar os reflexos cruciais da
“nova ordem mundial”, como naturais e inevitáveis. Num encontro internacio-
nal de ONGs, um dos expositores afirmou estar ouvindo com certa frequên-
cia em países do Primeiro Mundo a ideia de que crianças do Terceiro Mundo,
acometidas por doenças como diarreia aguda, não deveriam ser salvas, pois tal
recurso só prolongaria uma vida já destinada à miséria e ao sofrimento. Não
falo, obviamente, desta ética. (FREIRE, 2002, p. 8).

Quando é colocada a diferença entre os sentidos da ética, percebe-se a existência de um


significado que visa o lucro, onde o dinheiro vale mais que a vida, que o individualismo pesa
mais que o coletivo. De forma a contrariar essa lógica, as comunidades tradicionais formam um
“território coletivo pela transformação da natureza por meio do trabalho de seus fundadores que
nele se instalaram”. (BRANDÃO, 2010, p.37).
Nesse sentido, outros significados estão atrelados à terra, à constituição identitária, ao
ambiente e às diferentes maneiras de viver e ser do Campo.

3. Ecologia Política, Ambiente e os povos diversos do


Campo
No horizonte compreensivo dos povos do Campo, vinculam-se a essa pauta a questão da
territorialidade e as implicâncias expressas das disputas pelos espaços sociais. Little (2002),
aportado a uma perspectiva da Ecologia Política, aponta que a diversidade sociocultural do
país é acompanhada pela ampla diversidade fundiária e que uma imensidão de grupos sociais
constitui esses espaços (indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores artesanais, caboclos,
caiçaras, entre outros).
Esses grupos têm sido chamados de “comunidades”, “povos”, “sociedades”, como já foi
registrado, porém, compreende-se que sejam nomenclaturas necessárias em algumas instâncias
de reivindicação política e na busca pela justiça ambiental, por exemplo. Por outro lado, é re-

32
Educação do campo e pesquisa educacional

conhecido o destaque que o autor realiza ao salientar que, do ponto de vista etnográfico, esses
povos são tão diferentes entre si que seria um tanto quanto problemático agrupá-los no mesmo
conjunto.
Neste sentido, o autor aponta uma nova temática agregadora ao debate dos processos edu-
cativos no espaço do Campo, reconhecendo um fenômeno impreterível para pensar os alicerces
de uma educação de visão mais holística e complexa no escopo do espaço não urbano. Salienta
a “outra reforma agrária”, um fenômeno que acontece a partir da reivindicação desses povos,
chamados por Little (2002) de não camponeses, mas que vivem em um espaço não urbanizado,
com suas especificidades culturais e locais.
Com ressalvas ao pensamento do autor, no que tange à sua consideração sobre os povos
tradicionais de forma alijada da compreensão de povos campesinos, considera-se que a inferên-
cia de Little (2002) demonstra que ainda sim, quando se refere ao espaço do Campo, há uma
ideia arraigada preponderantemente à identidade dos povos agricultores como constituinte desse
contexto. Contudo, de acordo com a Educação do Campo e suas diretrizes, essa diversidade de
povos precisa estar presente em sua construção, o que não está sendo efetivado em todos os
âmbitos dos diferentes grupos que ocupam as ruralidades no Brasil.
Considera-se a relevância política em articular os diferentes povos - sem, todavia, ne-
gligenciar suas especificidades - que constituem o Campo. Cabe destacar a abordagem sobre
a territorialidade que o antropólogo realiza. Sobre esta pauta o pesquisador destaca que: “[...]
a questão fundiária no Brasil vai além de redistribuição de terras e se torna uma problemática
centrada nos processos de ocupação e afirmação territorial, os quais remetem, dentro do marco
legal do Estado, às políticas de ordenamento e reconhecimento territorial” (LITTLE, 2002, p. 2).
Com efeito, identifica-se um fenômeno vinculado à esfera das populações tradicionais
que compõe o espaço campesino. Num estudo realizado por Porto-Gonçalves e Cuin (2013) ao
longo do ano de 2013 sobre os conflitos nos espaços do Campo brasileiro, os autores destacam
as vítimas da violência e participantes de áreas de conflitos presentes nesse contexto: pequenos
proprietários, 2%, atingidos por barragens, 1%, sem terra, 28%, enquanto a categoria social
referente às populações tradicionais somava um total de 60%.
Mediante esse alarmante dado sobre os conflitos que pesam sobre os grupos considerados
tradicionais, destaca-se a urgência em debater as implicações acerca da distribuição territorial
desses povos, considerando os direitos vinculados às formas de reprodução social dos mesmos.
Os autores ainda ressaltam que, com exceção da região Sudeste, somando as macrorregiões do
país, mais de 50% das categorias sociais envolvidas em conflitos são populações tradicionais e
que, o montante dessas categorias, 55% estavam localizadas na Amazônia (PORTO-GONÇAL-
VES, 2013).
Em sentido próximo, Little (2002) abarca as relações dos diversos povos com o território
enquanto artífice das disputas no âmbito da reforma fundiária. O autor toma o campo da Teoria
Antropológica da Territorialidade para realizar um novo enfoque dado as semelhanças e conti-
nuidades dos diferentes grupos. Define o conceito de territorialidade como “o esforço coletivo
de um grupo social para ocupar, usar, controlar e se identificar com uma parcela específica de
seu ambiente biofísico, convertendo-a assim em seu ‘território’ ou homeland”. (LITTLE, 2002
p. 3).

33
Educação do campo e pesquisa educacional

Com isso o autor defende que assim como a contextualização é necessária para a abordagem
da Ecologia Política (a que se propõe em seu trabalho), para uma séria análise do território de
qualquer grupo que seja, é preciso lançar mão de uma abordagem histórica. O autor também
defende a cosmografia por intermédio de uma abordagem etnográfica. Essa cosmografia registra
os saberes ambientais, ideias e identidades construídas coletivamente por meio do processo
histórico e as relações sociais com o território natural.
Neste prisma, no esforço de demarcar uma Educação Ambiental do Campo, quando se
pensa as práticas educativas no lócus em evidência, o espaço ultrapassa os limites de um terri-
tório de agricultura. Quaisquer políticas e processos pedagógicos no que se referem à escolari-
zação dos diversos povos que constituem as outridades da ocupação dos territórios campesinos
devem ser compreendidos enquanto fenômenos de análise, ou interpretativos, do ponto de vista
hermenêutico fenomenológico, dentro do horizonte de uma Educação Ambiental do Campo.
Para tanto, abordar algumas contribuições que emergem da territorialidade junto a essa
proposta torna-se pertinente na medida em que contribui para o reconhecimento e compreensão
dos conflitos existentes no seio das disputas territoriais. A retomada histórica realizada por Little
(2002) aponta um processo de hegemonia de controle territorial por meio da constituição do
Estado-Nação, ocultando outros tipos de territórios. Na abordagem da territorialidade em que
acredita, o autor amplia o olhar para as especificidades e continuidades dos diversos territórios
e demonstra que o Estado teve dificuldades em reconhecer os territórios sociais dos povos tradi-
cionais devido à problemática relação entre eles e a soberania.
Neste sentido, reforça a contextualização como embasamento necessário à compreen-
são das diversas relações construídas recorrendo ao território e dialoga com a ideia de Razão
Histórica (QUIJANO, 1988), a qual representa resistência ao controle hegemônico do Estado.
Assim:
Como os territórios desses grupos se fundamentam no arcabouço da lei consue-
tudinária, raras vezes reconhecida e respeitada pelo Estado-nação, as articula-
ções entre esses grupos são marginais aos principais centros do poder político.
Mas é igualmente claro no registro etnográfico sobre os povos tradicionais que
eles estabeleçam territórios no sentido definido aqui. (LITTLE, 2002, p.8).

Mediante essa preocupação que a territorialidade traz, lembra-se que, diferentemente


dos grupos articulados ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que ainda
encontram certo respaldo e reconhecimento de sua luta pelo Estado, vários outros povos possuem
um maior desafio de articulação em relação à visibilidade estatal.
Uma Educação Ambiental do Campo precisa reconhecer esse desafio e buscar, nas
memórias desses povos, as potencialidades educativas a elas imbricadas. A esse respeito:
A expressão dessa territorialidade, então, não reside na figura de leis ou
títulos, mas se mantém viva nos bastidores da memória coletiva que incorpora
dimensões simbólicas e identitárias na relação do grupo com a sua área, o que
dá profundidade e consistência temporal ao território. (LITTLE, 2002, p. 11).

Com efeito, uma Educação Ambiental do Campo abre espaço para dialogar junto aos
diversos povos tradicionais, sem, contudo, agrupá-los de maneira aligeirada e generalizan-
te. Acredita-se que o exercício de reivindicação pelos interesses ambientais e sociais desses

34
Educação do campo e pesquisa educacional

povos encontra espaço no campo educativo num sentido compreensivo possível de impulsionar
a transformação no horizonte emancipatório desses povos. Não raro, essa transformação não
é efetivada devido à falta de compreensão de tais interesses e problematização dos conflitos
presentes, nas disputas territoriais, por exemplo.
Ao recorrer à questão territorial em termos de disputa e jogo de interesses diversos e por
vezes antagônicos, é preciso destacar o processo de reforma agrária. Ao revisar os escritos de
Luxemburgo (1976), compreende-se sua preocupação a respeito da ação camponesa na busca
pela transformação social num horizonte socialista. Registra que são necessários dois aspectos
para essa transformação no campo agrário: a base da economia do Campo por meio da naciona-
lização da grande propriedade rural e o fim da desarticulação entre indústria e campo enquanto
mecanismo do sistema capitalista.
Para Leite e Ávila (2007), a concepção de reforma agrária está vinculada à compreensão
não somente como uma política de distribuição de ativos fundiários (o que
poderia ser traduzido em inglês por land reform), mas como um processo mais
geral - agrário, e não apenas fundiário (o que em inglês se diferenciaria pelo
termo agrarian reform) - envolvendo o acesso aos recursos naturais (terra,
água, cobertura vegetal no caso dos trabalhadores extrativistas etc.), ao finan-
ciamento, à tecnologia, ao mercado de produtos e de trabalho e, especialmente,
à distribuição do poder político. (LEITE; ÁVILA, 2007, p. 13).

Por meio desse entendimento, que abarca o funcionamento agrário de forma mais ampla,
os autores contemplam os desafios presentes pelos diversos povos vinculados ao Campo,
apontando que, no caso dos chamados “povos nativos” (que compreendem como indígenas,
quilombolas, pescadores, ribeirinhos, extrativistas, entre outros), também está em disputa a re-
gularização dos direitos a utilização e apropriação das áreas que já são ocupadas pelos mesmos.
Assim, compreende-se que o processo da reforma agrária está vinculado às questões da territo-
rialidade que, no entanto, ainda têm seus entraves na lógica do sistema capitalista e no bojo da
racionalidade instrumental que exigem a intervenção do Estado para a garantia da reprodução
social das sociedades campesinas.
Veiga (1982) salienta que esse processo envolve a distribuição mais equitativa da terra e
da renda agrícola pelo Estado, pressionado pelos movimentos sociais populares do Campo, im-
pulsionando a mudança da estrutura agrária de um país ou região.
Muito embora com as mudanças de governo alcançadas pelas perspectivas mais progres-
sistas, as expectativas de se efetivar uma reforma agrária capaz de contrariar a imagem que o
Brasil possui de ser um país dos mais expressivos índices de desigualdade de distribuição de
terras, visto que a reforma agrária se deu “a passos lentos” ao longo dos anos 2000. Apesar de
ter-se acompanhado avanços como a ampliação do acesso a crédito, à alimentação, à habitação
e infraestrutura, com o suporte do estudo de Maniglia (2009), é possível realizar uma leitura de
que o apoio ao agronegócio durante o governo de Lula foi muito presente.
Acompanha-se um modelo de desenvolvimento baseado na monocultura, com ênfase nas
comoditties, visando à ampliação da reprodução de capital no Campo. Para tanto, o governo
subsidiou uma série de ações agrícolas. A exemplo disso, vê-se a movimentação em torno dos
ditos “agrocombustíveis”, espaço de investimento dos capitalistas incentivados pelo lema da

35
Educação do campo e pesquisa educacional

soberania energética disseminada pelo governo (MANIGLIA, 2009). Os pequenos produtores e


os povos tradicionais vêm pagando um preço alto por esses “avanços” no Campo, os quais estão
no horizonte de uma lógica desenvolvimentista.
Conforme mapeamento do IBGE (2011), na região da Amazônia não estão registrados os
estabelecimentos de pequenas propriedades rurais, o que não deve invisibilizar as opressões e
violências contidas nela; haja vista que é o local onde se encontram as grandes porções de terras
concentradas nas mãos de poucos, os quais estão em disputa constante com os povos tradicio-
nais que ali vivem.
Porto-Gonçalves e Cuin (2013) apontam que a questão da reforma é antiga e definitiva-
mente ainda atual. Os autores, aportados na referência do conflito para sua análise, demarcam a
importância do conceito para os estudos referentes aos processos de reforma agrária, haja vista
que o mesmo demarca a diferente posição de diversos grupos sobre um mesmo tema.
Nesse rumo, demarcam que, desde a década de 1970 no Brasil, as oligarquias, sob uma
roupagem de poder tecnológico-financeiro-latifundiário-midiático, tradicionalmente instrumen-
talizam as políticas de governo de acordo com seus interesses. Fazem uma crítica em relação
às parcerias representadas por essas oligarquias latifundiárias tradicionais, junto às estatais fi-
nanceiras (como o BNDES), científicas (por exemplo, EMBRAPA) com as grandes corporações
industriais-financeiras (Monsanto, Cargill, Bunge & Born, Syngenta, etc.) (PORTO-GONÇAL-
VES e CUIN, 2013).
Esse bloco, que pode representar de forma ainda mais intensa as injustiças ambientais, as
desigualdades agrárias e, portanto, a violência no Campo, presentes não só em nosso país, mas
como os autores apontam também no Paraguai, Argentina e Bolívia, reiteram a necessidade de
abordar a questão da reforma agrária sob um olhar crítico necessário ao Campo.
Numa análise pertinente, os autores destacam a situação de conflito no Campo do país em
2013. A partir do estudo anual desde 1985, com respeito aos conflitos nas zonas rurais, apresenta
que:
[...] o primeiro mandato de Lula, foi o que registrou o maior número de conflitos,
de famílias envolvidas e de outros indicadores de violência. Nos últimos três
anos, governo Dilma, a média anual supera as médias anuais de todos os períodos
analisados no Atlas, exceto o período 2003-2006. Os números elevados deste
período se devem, por um lado, à iniciativa dos grupos dominantes que temiam
que Lula fizesse a Reforma Agrária, e por outro, pela pressão dos movimentos
sociais com ações em prol da Reforma Agrária [...]. Já no segundo mandato de
Lula (2007-2010) estabeleceu-se uma espécie de Pax Agrária, com prioriza-
ção da política de exportação de commodities, por um lado e, por outro, com
políticas de transferência de renda (Fome Zero, Bolsa Família e outras). (POR-
TO-GONÇALVES; CUIN, 2013, p. 19).

Ainda que haja questões de disputas partidárias no âmbito das políticas de governo,
esses dados demonstram o quanto os governos progressistas, não só no Brasil, mas em muitos
outros países da América Latina, tentam utilizar-se da lógica capitalista para certa manutenção
econômica das camadas populares, consequentemente nos grupos do Campo.
Sobre a relevância de compreender e identificar os conflitos socioambientais, trata-se de

36
Educação do campo e pesquisa educacional

um importante instrumento para a reflexão e para a ação dos sujeitos envolvi-


dos com o processo de democratização do meio ambiente. Destarte, para que
a paisagem de degradação se transforme em um novo horizonte, com mais
proteção ecológica e inclusão social, é preciso que estejamos engajados e sub-
sidiando políticas públicas para que o planejamento socioambiental do estado
possa considerar a riqueza das paisagens naturais, assim como, as diferentes
identidades [...]. (SILVA; SATO, 2012, p. 24).

As pesquisadoras registram que seja fundamental visibilizar tais conflitos, tanto para es-
clarecer acerca da insustentabilidade do modelo de desenvolvimento, quanto para subsidiar re-
ferenciais aos governos e à sociedade civil na elaboração de políticas públicas instigando as
dimensões conceitual, política e científica.
No período enfatizado do estudo de Porto-Gonçalves e Cuin (2013), segundo os autores, os
movimentos sociais foram responsáveis por 244 conflitos (desses, 230 em relação às ocupações
e 14 nos acampamentos). Com isso, 81,1% dos conflitos foram provocados pela ação do poder
privado (fazendeiros, grileiros, madeireiros, empresários ou mineradores). Nessa percenta-
gem, fazem parte práticas como assassinatos, expulsões, ações do poder público, por meio do
Executivo e do Judiciário manifestadas em prisões e ações de despejo.
Os autores demonstram por meio de um mapa2 a distribuição desigual dos conflitos no
Campo. Assim, destacam o índice da intensidade dos conflitos: excepcionalmente alto no estado
de Amapá; altíssimo no Acre; em Rondônia e Tocantins muito alto; e Maranhão, Mato Grosso,
Pará e Roraima são estados com um índice de conflito considerado alto. Por meio desses índices,
os autores evidenciam que a expansão do capital sobre a Amazônia traz sérios desdobramen-
tos sociais e ambientais. O Nordeste teve dois estados com índice alto: Pernambuco e Paraíba,
enquanto na região Centro-Sul, o Mato Grosso do Sul apresentou índice altíssimo de áreas em
conflitos. Por fim, os autores concluem:
Há uma geopolítica da despossessão em curso. As maiores vítimas são as
populações que tradicionalmente ocupam o território. Não sem razão elas se
destacam entre os grupos sociais envolvidos em conflitos, e desse lugar de
conflito e r-existência, importantes questões teórico-políticas estão sendo for-
muladas, como a luta pela reapropriação da natureza e a afirmação da diversida-
de social e cultural desses protagonistas, onde o território emana como questão
central no novo desenho que vem assumindo a questão (da reforma) agrária.
(PORTO-GONÇALVES; CUIN, 2013, p. 26).

Deste modo, é necessário reconhecer a necessidade de acolher na pauta da reforma agrária


o papel que vem sendo protagonizado pelos povos tradicionais, o que, obrigatoriamente, desa-
fia-nos a (re)conhecer os sujeitos que formam os espaços do Campo.
Reitera-se a necessidade de acolhida da multiplicidade dos povos que se articulam ao
Campo como espaço de existência simbólica e material. É preciso igualmente destacar a com-
preensão das diversas formas de viver, aprender, ensinar e lutar, tanto na esfera da elaboração do
conhecimento, quanto na assunção epistemológica das pedagogias do campo. Neste horizonte,
considera-se que a Educação Ambiental potencializa as viabilidades de leituras ao Campo e

2 O mapeamento foi elaborado pelos autores a partir de dados disponíveis no IBGE e pela Comissão Pastoral
da Terra e pelo Sistema Nacional de Informações das Cidades.

37
Educação do campo e pesquisa educacional

aos seus sujeitos os quais enfrentam o paradoxo de assumirem e elaborarem suas identidades,
paralelamente ao desafio da inautenticidade de uma definição rígida, engessada e estigmatizada.

4. Considerações que convidam à reinvenção do olhar


ao Campo com seus sujeitos
A multiplicidade conceitual que corresponde aos povos do Campo possibilita o entendi-
mento do campo da Educação Ambiental como um terreno fértil às leituras realizadas sobre o
Campo e sobre sua dimensão educativa. Mesmo com a variedade de orientações epistemológi-
cas, considera-se que as sistematizações dos saberes devem estar articuladas à produção da exis-
tência destes sujeitos, especialmente aos grupos sociais ligados ao Campo ainda invisibilizados.
Neste processo, acredita-se na emergência das epistemologias ambientais do campo.
Estas formas de elaborar os conhecimentos reabilitam o conceito das práticas rurais num
horizonte que rompa com as aspirações ruralistas e opressoras, emprestando sua dimensão de
Campo como possibilidade de demarcar suas orientações políticas, culturais, ambientais e eco-
nômicas, tendo em comum a centralidade dos saberes produzidos ligados ao Campo enquanto
espaço simbólico e material de existência.
Ou seja, não cabe as epistemologias ambientais do Campo negligenciarem estudos que
não partem de um contexto empírico vinculado ao âmbito rural, pois, como se vê, a dimensão
territorial está para além de uma base material, mas assume os símbolos, a linguagem, os saberes
históricos e a memória coletiva vinculada ao grupo social que, de algum modo, pode estar
vinculado ao Campo. Por outro lado, também não é papel das epistemologias ambientais do
Campo descartarem os registros situados numa compreensão da ruralidade como espaço físico
geográfico, se nelas forem identificados elementos viáveis à consolidação do meio rural como
lócus de viabilidades dos saberes e do protagonismo de seus habitantes num horizonte mais
ampliado de seu entendimento.
Nossa leitura é a de que as epistemologias ambientais do Campo ao serem assumidas na
elaboração das práticas e reflexões tecidas, para e, com os povos do Campo, podem potenciali-
zar a reivindicação do Campo enquanto espaço de luta, (re)criação e (re)construção identitária,
constituição de visão de mundo e produção da existência da vida. Um exemplo desta viabilidade
nasce da articulação entre a Educação Ambiental a serviço das camadas populares do Campo,
com o trabalho da extensão num sentido emancipador do espaço rural e de seus conjuntos sociais.
Assim, as epistemologias ambientais do Campo, engendradas pelo horizonte compreensi-
vo, ampliam os olhares aos contextos tão diversos que compõem a ruralidade no território bra-
sileiro como Campo, bem como instigam a relação dos sujeitos e do espaço que os constituem
em suas dimensões éticas, estéticas, étnicas, poéticas, culturais, materiais, entre tantas outras
sejam possíveis.

38
Educação do campo e pesquisa educacional

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40
Educação do campo e pesquisa educacional

3. O Ensino Desenvolvimental em
diálogo com a EJA: uma revisão
bibliográfica
Regina Vieira de Souza
Gustavo Cunha de Araújo

1. Introdução
Entendemos que a construção de conhecimentos está relacionada diretamente com a
interação social que o indivíduo tem com o ambiente e com outras pessoas. Do ponto de vista da
perspectiva Histórico-Cultural, em especial nos estudos de Vigotski (2001; 1999), o desenvol-
vimento é impulsionado pelo aprendizado e, que o bom ensino, aquele eficaz, é o responsável
pelo avanço do desenvolvimento. Nessa perspectiva, em algumas de suas pesquisas é possível
observar a importância dada à linguagem, relevante para a comunicação humana, pois essa co-
municação com o outro é condição para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores:
por meio da linguagem a interação se torna possível; interagir com o outro e sobre um objeto, o
sujeito desenvolve essas funções; indivíduo esse que pode ser, por exemplo, um jovem ou adulto
que retorna à escola ou à universidade para dar continuidade aos seus estudos. Assim, este pen-
samento considera a linguagem como fator primordial para a comunicação e a interação social
entre as pessoas inseridas num determinado contexto histórico e cultural.
Este capítulo apresenta alguns resultados parciais de uma pesquisa de Iniciação Científica
(PIBIC) desenvolvida no curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em
Artes e Música da Universidade Federal do Tocantins (UFT), Câmpus de Tocantinópolis. Tal
pesquisa encontra-se como parte integrante de um projeto mais amplo em desenvolvimento inti-
tulado “Ensino Desenvolvimental com jovens e adultos:3 implicações da teoria Histórico-Cultu-
ral”, cadastrado na Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação (PROPESQ) da UFT.
Vale destacar que a pesquisa é desenvolvida no âmbito do Grupo de Pesquisa em Artes Visuais
e Educação - GPAVE/CNPq, e conta com financiamento da UFT.
Como principal objetivo, este estudo busca identificar teses e dissertações sobre o ensino
desenvolvimental com jovens e adultos no Catálogo de Dissertações e Teses da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Como específicos, a pesquisa
pretende: a) levantar a produção científica referente ao ensino desenvolvimental com jovens
e adultos no Catálogo de Dissertações e Teses da CAPES; b) verificar as categorias de análise
mais recorrentes nas produções levantadas; c) identificar o tipo de relação entre a Educação de

3 Referimo-nos a estudantes jovens e adultos na perspectiva de educação e aprendizagem ao longo da vida,


uma vez que os estudantes participantes da pesquisa são jovens e adultos universitários da Educação do
Campo, e não da educação básica. A pesquisa faz parte de um projeto maior aprovado pelo Comitê de Ética
e Pesquisa (CEP) - CAAE: 59558116.6.0000.5406.

41
Educação do campo e pesquisa educacional

Jovens e Adultos (EJA) com o ensino desenvolvimental nas produções pesquisadas. Contudo,
para este capítulo, seguindo o cronograma previsto na pesquisa de PIBIC, objetivamos apresen-
tar algumas revisões teóricas feitas a respeito do ensino desenvolvimental e da EJA, na produção
de reflexões acerca desse tema, importante para situar teoricamente esta investigação.
Este capítulo está dividido da seguinte forma: no primeiro momento, apresentamos a In-
trodução da pesquisa, com o objetivo de situar o leitor acerca do objeto de estudo apresentado.
Na sequência, socializamos os procedimentos metodológicos da pesquisa em desenvolvimento,
com o fito de esclarecer como este estudo foi pensado e executado. Em seguida, apresentamos
alguns resultados parciais da pesquisa, como alguns dados gerados na pesquisa de levantamento
teórico realizada, a respeito da teoria do ensino desenvolvimental e sobre a EJA. Por fim, apre-
sentamos algumas conclusões parciais da pesquisa em desenvolvimento.

2. Procedimentos metodológicos
Esta pesquisa é de abordagem quali-quantitativa, de caráter descritivo e bibliográfico
(BOGDAN; BIKLEN, 1994). A forma de análise dos dados segue a técnica da pesquisa interpre-
tativa (ERICKSON, 1985). Para esse autor, a análise interpretativa deve acompanhar a descrição
específica e geral da revisão bibliográfica, deve ser feita a partir dos documentos analisados
entre outros procedimentos metodológicos utilizados, em diálogo com as bases teóricas que
fundamentam o estudo e pontos de vista do pesquisador, o que vai ao encontro das pretensões
desta pesquisa de iniciação científica.
Os dados estão sendo gerados a partir da pesquisa em teses e dissertações referentes ao
ensino desenvolvimental com jovens e adultos, das quais estão sendo pesquisadas por meio
de palavras-chave no Catálogo de Dissertações e Teses da CAPES. Tais palavras utilizadas na
pesquisa são: EJA, Ensino Desenvolvimental, Didática Desenvolvimental, e Teoria Histórico-
-Cultural. Após esse levantamento, as produções serão categorizadas, organizadas e analisadas,
segundo a perspectiva da pesquisa interpretativa. É essencial assinalar que assumimos neste
capítulo uma metodologia bibliográfica, de cunho interpretativo, uma vez que os dados quantita-
tivos estão sendo gerados nessa fase da pesquisa, segundo seu cronograma previsto, e que serão
posteriormente socializados em momento oportuno.
A partir desses pressupostos, esta pesquisa espera contribuir para outros estudos acerca do
tema Educação de Jovens e Adultos e Ensino Desenvolvimental, ainda incipientes na educação
brasileira, além de tentar ampliar estudos sobre essa temática, importante para a produção de
conhecimento na área.

3. Resultados e discussão
Dentre alguns resultados parciais encontrados na pesquisa de PIBIC, socializamos nesse
momento as revisões teóricas realizadas a respeito do aporte teórico utilizado nesta investigação,
especialmente estudos sobre o ensino desenvolvimental, no âmbito da Teoria Histórico-Cultu-
ral, além da EJA, segundo cronograma de pesquisa. Vale ressaltar que, neste exato momento

42
Educação do campo e pesquisa educacional

da pesquisa, estamos realizando também o levantamento bibliográfico na base de dados Scielo,


no Google Acadêmico e no Catálogo de Dissertações e Teses da CAPES sobre as produções
voltadas a EJA e ao ensino desenvolvimental. Essas informações serão posteriormente sistema-
tizadas, analisadas e, consequentemente, socializadas no relatório final do PIBIC e publicadas
em artigo científico.

3.1. Pressupostos teóricos do ensino desenvolvimental

Para iniciarmos a discussão, Puentes, Amorim e Cardoso (2017) afirmam que a didática
desenvolvimental surgiu em 1958 em oposição à didática tradicional, que não propiciava aos
estudantes uma aprendizagem que ampliasse as suas relações sociais com o outro, que inibia
a criatividade deles nas suas ações dentro e fora da sala de aula. Ainda, segundo os autores,
a educação tradicional não permite a associação entre realidade e espaço escolar, o que pode
acontecer apenas numa perspectiva desenvolvimental. Isso nos ajuda a compreender que o co-
nhecimento teórico-científico deve estar relacionado ao modo de construção dos saberes, para
que, como consequência, o aluno se aproprie do entendimento a respeito do objeto a ser estudado
e possa desenvolver, plenamente, a sua aprendizagem. Por isso, a importância de se pensar em
um ensino com essa perspectiva, que proporcione aos educandos meios para avançarem no
processo de ensino e aprendizagem.
Em consonância com essa reflexão, Sforni (2015) destaca que a organização de ensino
dada pela prática pedagógica a partir da interação entre a didática e a teoria histórico-cultural
leva o aluno a ter um desenvolvimento mental decorrido de sua aprendizagem. Para a autora, a
educação é constituída pelo processo de humanização em que o conhecimento é adquirido pelas
vivências, pelas culturas, pela interação com o espaço onde vive e também é desenvolvida pelas
instituições de ensino, nas quais o conhecimento é sistematizado. Além disso, os conhecimentos
são construídos a partir de práticas pedagógicas relacionadas por vezes ao espaço sociocultural
do educando e educador, levando o aluno a ter um pensamento teórico, ou seja, por meio de
conceitos científicos desenvolvidos pela atividade mental.
A respeito da formação de conceitos, Davídov (1988) destaca a generalização, que se refere
à separação das qualidades do objeto, classificando-o, comparando-o, analisando-o, buscando
estabelecer uma representação geral dele, que pode ocorrer por meio de uma palavra ou desenho,
por exemplo, o que vai ser de fundamental importância para a formação de conceitos científicos
(pensamento teórico) nos alunos. Salienta que os conhecimentos teóricos são bastante trabalha-
dos na escolarização, visto que, na medida em que os estudantes compreendem e assimilam as
teorias, desenvolvem a sua consciência e esse tipo de pensamento. Conclui ao dizer que a gene-
ralização e a formação de conceitos é que caracterizam o pensamento humano.
Assim, para Davídov (1988, p. 105), a formação da generalização de conceitos não pode
ocorrer separada da abstração, pois “a separação de certa qualidade essencial como comum
inclui sua desmembração de outras qualidades [...] o conhecimento do comum, sendo resultado
da comparação e de sua fixação na palavra, sempre é algo abstrato, imaginável”. Em outras
palavras, a generalização possibilita aos estudantes realizarem a classificação (sistematização),
considerada muito importante na atividade de estudo. É por isso que o autor afirma que uma
das principais tarefas no ensino é justamente classificar, como, por exemplo, classificar animais,
plantas e objetos. Desse modo, a classificação se torna fundamental e importante no processo de
generalização, por possibilitar reconhecer coisas, objetos e fenômenos que fazem parte de um
gênero e espécie.

43
Educação do campo e pesquisa educacional

Ao refletir sobre esse processo, Davídov (1988) esclarece que os estudantes, durante a sua
escolarização e por meio dos programas das disciplinas, são levados a desenvolverem generali-
zações a partir da observação e dos materiais visuais oferecidos nas aulas. Nesse raciocínio, ele
destaca a principal função da generalização de conceitos:
No processo de estudo e de atividade prática, o homem utiliza diversas regras de
ação. A condição para aplicação da regra a situação concreta ou ao objeto único
é sua referência prévia a uma determinada classe comum. Por isso é necessário
saber ‘ver’ este comum em cada caso concreto e único. O meio mais eficaz, que
está na base de dita aptidão, são os sistemas de generalizações conceituais que
possibilitam separar os traços identificadores precisos e unívocos de uma ou
outras classes gerais de situações ou objetos. (DAVÍDOV, 1988, p. 106).

Nas palavras do autor, as ideias (pensamentos) referentes à generalização de conceitos são


importantes para o fundamento que baseia os métodos de ensino e os conteúdos das disciplinas.
No entanto, esclarece que, a princípio, a didática e a metodologia dessas ideias são visuais, o
que corrobora com a afirmação de que a generalização de conceitos na educação não é apenas
teórica, mas visual, pois “serve de base para a prática de ensino e, por sua vez, por meio da
aplicação do princípio do caráter visual, encontra nela sua permanente e ampla confirmação”.
(DAVÍDOV, 1988, p. 107).
Nessa linha de reflexão, Sforni (2015) assevera que o professor não deve desconsiderar a
didática, as discussões sobre as metodologias e técnicas de ensino, mas propor conhecimentos
teóricos sobre elas. Isso nos instiga ao entendimento de que o conhecimento teórico-científico
deve estar sempre relacionado ao modo de transmissão dos saberes, para que, como consequên-
cia, o aluno se aproprie do entendimento a respeito do objeto a ser estudado. Assim, a autora
explica ainda que o procedimento metodológico intitulado “Experimento Didático-Formativo”,4
faz com que o pesquisador e/ou professor disponha de processos desenvolvimentais de pensa-
mento, a fim de melhorar as suas práticas pedagógicas e que tornem mais investigativas, pois
essas exigem dos estudantes um constante desenvolvimento da mente para que consigam formar
conceitos.
Para elucidar um pouco mais essa reflexão, Peres e Freitas (2014) fazem uma importante
observação: para que os alunos tenham domínio de um determinado conteúdo, ou seja, tenham a
compreensão da sua construção e transformação, é necessário que eles não se apropriem apenas
de conceitos prontos, mas que tenham o entendimento de que a pesquisa pode ajudá-los na
análise e compreensão do contexto histórico-social da sua realidade. Isso permite que os alunos
relacionem o conceito teórico-científico de tal conteúdo com a sua realidade e saberes, processo
importante para ajudá-los a compreenderem o objeto estudado, via movimento de pensamento:
do abstrato ao concreto.
Como assinala Davídov (1988), a teoria do concreto como unidade do diverso ocorre por
meio da passagem do abstrato ao concreto, ou seja, por meio do pensamento. Nesse sentido, o
pensamento teórico tem o objetivo de elaborar as informações do caráter concreto do objeto
(contemplação) e da representação em forma de conceito, para que possa reproduzir a essência

4 Esse experimento diz respeito a 4 (quatro) etapas metodológicas: revisão de literatura e diagnóstico da
realidade a ser estudada; elaboração do sistema experimental baseado no plano de disciplina; desenvolvi-
mento desse experimento a partir desse sistema elaborado; análise dos dados e elaboração do relatório final
(AQUINO, 2015; 2017).

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Educação do campo e pesquisa educacional

do concreto. Mas, para isso, segundo o autor, para que ocorra tal reprodução, é necessário que
o conteúdo do concreto tenha uma ligação histórica com o sistema, que nessa conexão estejam
evidentes as contradições com o sistema e, por fim, que essa conexão deixe clara a conexão
existente entre o sistema e a sua essência. Com efeito, “o abstrato e o concreto são momentos do
desmembramento do próprio objeto, da realidade mesma, refletida na consciência e por isso são
derivados do processo da atividade mental”. (DAVÍDOV, 1988, p. 144).
Em outras palavras, esse teórico afirma que a abstração inicial (abstração ou generaliza-
ção substantiva; ascensão do pensamento ao concreto) ocorre quando o indivíduo separa, em
seus dados, o que tem caráter universal (geral), para que possa reduzir as diferenças existentes
nessa totalidade relacionadas à base que as gera: a essência. Isto é, “primeiro se separa e depois
se estuda especialmente a forma universal ou a essência do todo”. (DAVÍDOV, 1988, p. 148).
Diante disso, se realiza a síntese (do abstrato ao concreto). Portanto, o conceito teórico surge
como “procedimento de ascensão do abstrato ao concreto”. (DAVÍDOV, 1988, p. 152). Para
elucidar um pouco mais esse processo, o autor assim descreve:
Com a ajuda dos professores, os alunos analisam o conteúdo da matéria curri-
cular e identificam nela a relação geral principal, descobrindo que essa relação
geral pode se manifestar em relações particulares encontradas nesse material.
Ao registrar essa relação geral descoberta, os alunos constroem a abstração
substantiva do assunto estudado. Ao continuar a análise desse material, os
alunos identificam a ligação dessa relação geral com suas diversas manifesta-
ções, obtendo uma generalização substantiva do assunto que estão estudando.
Assim, ao utilizarem a abstração e a generalização para deduzir outras abs-
trações particulares (sempre com a ajuda do professor) e para juntá-las no
objeto integral (concreto) estudado, elas convertem a formação mental em um
conceito, que será o ‘núcleo’ do assunto estudado. É este núcleo que orientará
as crianças durante a assimilação de todo o material curricular que precisam
aprender. (DAVÍDOV, 1988, p. 167).

O fragmento acima é esclarecedor: no início os estudantes buscam identificar o núcleo


central do conteúdo estudado, separando as suas partes, para que possam compreender como
o conteúdo surgiu e como se relaciona com a área de estudo (ou mesmo com outras). Esse
processo, segundo o autor, ocorre do geral para o particular, pois por meio desse processo eles
convertem essas relações mais particulares em conceitos (DAVÍDOV, 1988). Para reforçar essa
reflexão, é oportuno destacar outra citação desse autor:
[...] o pensamento teórico se realiza em duas formas fundamentais: 1) pela
análise dos dados reais e sua generalização separa-se a abstração substantiva,
que estabelece a essência do objeto concreto estudado e que se expressa no
conceito de sua ‘célula’; 2) depois, pelo caminho da revelação das contradições
nesta célula e da determinação do procedimento para sua solução prática, segue
a ascensão a partir da essência abstrata e da relação universal não desmem-
brada, até a unidade dos aspectos diversos do todo em desenvolvimento, ao
concreto. (DAVÍDOV, 1988, p. 150).

Importante destacar que a atividade de estudo se mostra relevante nesse processo, pois se
refere à formação de conceitos. Consequentemente, está relacionada ao ensino desenvolvimen-
tal. Segundo Davídov (1988), a atividade de estudo tem como conteúdo o conhecimento teórico

45
Educação do campo e pesquisa educacional

(combinação entre abstração inicial/substantiva, generalização e conceitos teóricos). Ressalta


ainda que a atividade de estudo se refere apenas a uma das atividades desempenhadas pelas
crianças. Elas aprendem por meio de diferentes atividades presentes em seu meio social, mas a
principal é a atividade desenvolvida na escola, pois “ela determina o surgimento das principais
formações psicológicas básicas de uma faixa etária, define o desenvolvimento mental geral das
crianças em idade escolar e, também, o desenvolvimento de sua personalidade”. (DAVÍDOV,
1988, p. 159).
Ou seja, a atividade de estudo se baseia na formação de conceitos que ocorre na aprendi-
zagem (DAVÍDOV, 1988). Refere-se aos conceitos espontâneos (presentes antes da criança ir
à escola) e aos conceitos científicos (já existentes e que se juntam aos conceitos espontâneos
ao longo da escolarização). Porém, é preciso que o professor planeje e organize um ensino (de-
senvolvimental) que possibilite aos estudantes executarem diferentes tarefas e ações, para que
possam desenvolver esses conceitos e, portanto, a avançar na aprendizagem e a amadurecer as
suas funções psicológicas superiores.
Na esteira desse pensamento, Vigotski (2001) afirma que o ensino escolar é como uma
ponte entre os conceitos cotidianos e os conceitos científicos. A diferença é que os conceitos
científicos são mais relevantes pelo fato de que são sistematizados e possuem alta reflexão sobre
eles na medida em que são individualizados e analisados, passando então, a ser um elemento
primordial do pensamento.
Dito de outra maneira, Vigotski (1999) diferencia os conceitos científicos dos cotidianos:
os conhecimentos adquiridos no dia a dia são os cotidianos. Já os conhecimentos aprendidos na
escola são sistemáticos e planejados. Embora ambos sejam importantes para o desenvolvimento
do estudante, o autor ressalta que os conceitos científicos são mais relevantes no processo de
ensino e aprendizagem por exigir um nível maior de raciocínio e reflexão dos objetos de conhe-
cimento, sua análise, síntese e abstração. Ou seja: é uma forma superior de atividade mental que
o estudante desenvolve, desde que trabalhe os conteúdos escolares nessa perspectiva.
No ciclo em discussão, Libâneo (2016) nos alerta que, para que se tenha um desenvol-
vimento de pensamento e conceitos teórico-científicos, é necessário que tenha uma base de
formação vinda especialmente das práticas pedagógicas voltadas a princípios de aprendizagem
em que se garante a obtenção do domínio de um determinado conteúdo que inclui procedimen-
tos lógicos. Procedimentos esses que têm como característica ter a aplicação (do conceito teóri-
co-científico) em vários campos da aprendizagem, inclusive na Educação de Jovens e Adultos.
Em sua análise, o autor afirma que o conceito teórico geral é o objetivo da aprendizagem,
porém, para que se tenha essa visão ampla de conceito geral, o qual podemos chamar também
de núcleo conceitual, é necessário que o planejamento de ensino e/ou elaboração do pensamento
teórico tenha consigo abstração e generalização de conceitos. Enfim, que se divida em catego-
rias, ou seja, se divida em conceitos específicos para se conhecer profundamente este, a fim de
dominar um determinado conteúdo, aprendizado.
Portanto, é de grande importância destacar que os conceitos a serem aprendidos não são
conhecimentos já prontos e sim são objetos de conhecimentos. E isso está totalmente relacio-
nado à didática desenvolvimental, por se basear na formação de conceitos. Além disso, esses
objetos de conhecimentos são resultados de um conhecimento construído pelo aluno através de
uma investigação científica. Afinal, para Davídov (1988), a função preponderante da escola é

46
Educação do campo e pesquisa educacional

assegurar meios para os alunos formarem um modo de pensar teórico-conceitual apropriando-se


de conhecimentos. Assim, para alcançar essa apropriação de conhecimentos o aluno passa pelos
processos lógicos e investigativos. Ou seja, processos de pensar através de um núcleo conceitual
e pesquisas científicas do objeto de estudo.
Sendo assim, apropriar-se de um conceito é conseguir reproduzir mentalmente o conteúdo
de um objeto (DAVÍDOV, 1988). Dessa forma, é possível perceber em sua teoria o papel dos co-
nhecimentos científicos, artísticos e filosóficos no desenvolvimento dos educandos (FREITAS;
ROSA, 2015). Assim, Davídov defende a relação entre os métodos de ensino (conhecimento
didático) e os conteúdos (conhecimentos específicos) no processo de aprendizagem do educando,
por meio da resolução das tarefas.
Essas reflexões nos ajudam a compreender que para formar o pensamento teórico-cientí-
fico é necessário que o aluno tenha o domínio do processo de origem e desenvolvimento de um
objeto de conhecimento. Como parte desse processo, o planejamento de ensino começa com a
análise do conteúdo e o professor deve analisar o conteúdo de forma geral e identificar o núcleo
conceitual do conteúdo. Vale enfatizar que o núcleo conceitual é um princípio que estabelece
elementos para a formação de um objeto de estudo que é concebido como o processo de desen-
volvimento para a prática social e histórica de um âmbito científico.
Com base no planejamento de ensino, Libâneo (2016) assevera que é importante destacar
que não basta apenas a análise do conteúdo, é essencial que os conteúdos estejam ligados à
motivação do aluno para que este tenha resultados melhores na sua aprendizagem. Enfim, quando
envolve a “bagagem” cultural no processo de ensino do aluno, o conhecimento obtido torna con-
sideravelmente significativo em suas práticas diárias e locais. Segundo esse teórico, para que
se tenha um desenvolvimento de pensamento e conceitos teórico-científicos, é necessário que
tenha uma base de formação vinda especialmente das práticas pedagógicas voltadas a princípios
de aprendizagem, em que se possa garantir a compreensão dos conteúdos trabalhados em sala
de aula. Assim, para se chegar ao objetivo da aprendizagem, é necessário que o planejamento de
ensino e a elaboração do pensamento teórico (formação de conceitos) ocorram via abstração e
generalização de conceitos, para que possa, enfim, compreender um determinado conteúdo, isso,
na perspectiva desenvolvimental da teoria Histórico-Cultural.
De acordo com a revisão teórica feita a respeito do ensino desenvolvimental, entendemos
que essa perspectiva, baseada na teoria Histórico-Cultural, é a mais adequada para trabalhar
com jovens e adultos, uma vez que considera no processo educativo a realidade, as especifici-
dades e as reais necessidades de aprendizagem desses educandos, colocando-os como o centro
da aprendizagem nesse processo, juntamente com o professor. Além disso, com essa perspec-
tiva, os estudantes podem ser motivados a estudarem e aprenderem aquilo que lhes chamem a
atenção, importante para desenvolverem as suas criatividades, habilidades e pensamento, indo
do abstrato ao concreto (e não o caminho inverso, como faz o ensino tradicional). Dessa forma,
estariam promovendo o amadurecimento de suas funções psicológicas superiores e, consequen-
temente, estariam avançando na aprendizagem e se tornando mais maduros e autônomos para
realizar diferentes atividades do seu dia a dia.
Após essas reflexões produzidas, socializamos em seguida algumas revisões feitas a
respeito da Educação de Jovens e Adultos, com o objetivo de situá-la e contextualizá-la nessa
discussão, buscando um diálogo com o ensino desenvolvimental.

47
Educação do campo e pesquisa educacional

3.2. Educação de Jovens e Adultos na pesquisa educacional

Conforme Santos e Amorim (2016), a EJA no Brasil é marcada por um currículo exclu-
dente que não leva em consideração as necessidades e realidades do jovem e adulto, bem como
seus interesses e perfis. Além disso, os currículos presentes na EJA são geralmente de caráter e
interesse ideológico e dominante, que visa atender aos interesses do Estado. Mas isso não é de
agora. Para as autoras, a EJA vem tendo esse currículo desde a segunda metade do século XX,
a partir do surgimento de programas que na época foram ineficientes para erradicar o alfabe-
tismo no país, além de outras campanhas de alfabetização. Nesse sentido, a EJA herdou dessa
época a concepção de que essa modalidade de educação deve se basear apenas na alfabetização
do jovem e adulto, e que eles têm pressa em concluir seus estudos, devido a sua inserção ao
mercado de trabalho.
Nesse sentido, a EJA teve na Lei n. 9.394/96 uma nova perspectiva curricular, que a
colocou como uma modalidade de ensino de caráter específico e, portanto, diretrizes próprias
(SANTOS; AMORIM, 2016). Nessa perspectiva, foram criadas as Diretrizes Curriculares para
a EJA nº. 11/2000 e a Resolução nº. 01/2000 que define a Proposta Curricular para a EJA, no
segundo segmento do ensino fundamental. É importante ressaltar que essas políticas públicas
educacionais foram importantes conquistas para a EJA no cenário educacional, embora não
tenham sido suficientes para desenvolver e avançar políticas públicas que assegurassem a oferta
e a qualidade da EJA ofertada nas escolas públicas do país.
Nesse sentido, pode-se afirmar que a oferta da Educação de Jovens e Adultos
não se restringe a questão da alfabetização e, sim, compreende princípios espe-
cíficos para essa modalidade de ensino, que apontam para além da escolariza-
ção e visam à formação de sujeitos plenos de direito e conscientes do seu papel
no mundo. (SANTOS; AMORIM, 2016, p. 122).

Contudo, Santos e Amorim (2016) alertam que, mesmo tendo esses desafios na EJA,
atualmente é possível observar avanços em sua política pública,5 muito devido aos esforços da
sociedade civil, como os movimentos sociais e os Fóruns de EJA no país que, baseados numa
perspectiva freireana de uma educação libertária, são fundamentais para que as políticas educa-
cionais para a EJA avancem e se concretizem com qualidade.
É nesse sentido que se deve ter um currículo na EJA que seja, efetivamente, próximo
da realidade do estudante, que atenda suas reais necessidades de aprendizagem e interesses;
portanto, que seja próprio dessa modalidade, ou seja:
[...] que tenha o desenvolvimento do trabalho pedagógico a partir das histórias
de vida, interesses e saberes que os alunos trazem para a sala de aula. Portanto, a
abordagem dos conteúdos deve estar relacionada às questões cotidianas dos es-
tudantes jovens e adultos, para estabelecer conexões entre a vida e os conteúdos
escolares. Por isso, a necessidade de se perguntar quem são esses estudantes e
como vivem, levando em consideração a diversidade presente no processo: se
são homens, mulheres, negros, negras, jovens, adultos, idosos, moradoras do

5 Entendemos política pública enquanto produção e regulação de serviços públicos, bem como a participa-
ção efetiva da população nas escolhas coletivas necessárias de uma cidade, para atender as demandas da
população, tendo o Estado como principal ator para que essas políticas se concretizem (MACHADO, 2016;
MACHADO; VENDRAMINI, 2013).

48
Educação do campo e pesquisa educacional

campo ou da cidade, indígenas, quilombolas, enfim, sujeitos que constroem


conhecimentos e produzem cultura. (SANTOS; AMORIM, 2016, p. 125).

Assim, faz-se necessário ter um currículo flexível na EJA para atender à diversidade dos
sujeitos, bem como seus saberes e experiências de vida. É nesse pressuposto que tanto a escola
como a universidade se tornam indispensáveis ao jovem e adulto para que possam construir
sentidos para suas vidas e a exercer seus direitos à cidadania e à educação.
É importante que o professor conheça bem seu aluno, suas experiências de vida e seus
conhecimentos acumulados ao longo dessas vivências construídas, para que possa propor um
ensino mais adequado aos interesses e necessidades desses estudantes. Desse modo, considerar
o saber prévio (referente às suas experiências de vida) do aluno possibilita ao professor trabalhar
os conteúdos da disciplina a partir das demandas do aluno, podendo avançar no aprendizado
naquilo que eles não dominam ainda. Ou seja, “se o educando da EJA não percebe de forma sig-
nificativa para seu desenvolvimento o ensino trabalhado no espaço escolar, ele não compreen-
derá a razão de ter que aprender certos conteúdos e, não os compreendendo, tenderá a achá-los
pouco atrativos e, consequentemente, pode abandonar a escola”. (MACHADO; RODRIGUES,
2014, p. 387).
Nessa direção, Machado e Rodrigues (2014) argumentam que o conteúdo que é trabalhado
com o jovem e adulto, portanto, o que eles leem deve ser contextualizado com a sua realidade,
podendo dessa forma instigá-los a se interessarem a aprender, o que torna a aprendizagem mais
significativa. Contudo, chamam a atenção ao fato de que, ao trabalhar com temas atuais, o
professor deve ficar atento para não recair no ensino tradicional, como, por exemplo, trabalhar
leitura e escrita com o aluno por meio de memorização, cópia e repetição mecânica.
É fundamental que o educando seja visto como sujeito do processo ensino-
-aprendizagem e, dessa forma, trabalhar com textos desde o início torna-se im-
prescindível, diagnosticando os níveis em que os educandos se encontram no
desenvolvimento da escrita (silábico, alfabético, ortográfico) e da leitura (quem
lê com dificuldade não lê) não para estigmatizá-los, mas para contribuir que
avancem para níveis subsequentes na produção de textos significativos, com
coerência, coesão e criticidade. (MACHADO; RODRIGUES, 2014, p. 389).

Nesse sentido, para que o educando da EJA produza textos significativos que reflitam os
seus saberes e sua realidade, é importante que o professor seja mediador nesse processo, ao
considerá-lo como o centro dessa aprendizagem, como já mencionado e defendido pelo ensino
desenvolvimental, no tópico anterior. A esse respeito, Freire (2007) ressalta que um saber inte-
ressante que pode ajudar o docente nessa prática educativa se refere à autonomia do estudante,
que precisa ser desenvolvida na medida em que ele se sentir motivado e se interessar pelas ati-
vidades propostas. Desse modo, respeitar a sua curiosidade, bem como as suas diferenças e pre-
ferências, é importante também nesse momento, pois faz parte de sua aprendizagem e história
de vida (FREIRE, 2007).
Freire (2007) assevera ainda que outro saber relevante nesse processo é a busca pela
apreensão da realidade na qual o educando vive, trabalha e se constitui como sujeito histórico, isto
é, mediado pelo professor, o estudante deve compreender o seu mundo de forma contextualizada,
mas relacionando com as suas experiências de vida e aprendizado, uma vez que ambos (professor
e aluno) são indivíduos importantes e necessários na produção de conhecimento na escola.

49
Educação do campo e pesquisa educacional

Além de se apropriar desses saberes, o professor deve ensinar os conteúdos que sejam in-
teressantes e que motivem os alunos a quererem aprender; que sejam conteúdos que os transfor-
mem, que lhes proporcionem uma formação mais crítica acerca da realidade, para que possam
intervir no mundo com mais autonomia e com tomada de consciência. Em adição, é importante
que o professor considere a compreensão, a paciência e a atenção com as necessidades de apren-
dizagem de cada aluno (FREIRE, 2007).
Para encaminharmos algumas conclusões desta pesquisa, compreendemos que utilizar os
pressupostos teóricos da teoria Histórico-Cultural nas práticas pedagógicas, mais precisamente
a corrente teórica do ensino desenvolvimental, é uma forma de o estudante jovem e o adulto
amadurecer o seu pensamento de maneira que tenham melhores condições de criar, raciocinar e
desenvolver melhor as atividades em sala de aula que precisam fazer, tendo no professor impor-
tante mediador nesse processo formativo.

4. Considerações à guisa de conclusão


De acordo com alguns resultados parciais desenvolvidos nesta etapa da pesquisa, previstos
no cronograma, baseados na revisão teórica construída, compreendemos que o plano de ensino
para a didática desenvolvimental inclui elementos indispensáveis para a sua formulação, tais
como: o tópico do conteúdo de um planejamento de aula (ou de disciplina), a descrição do
núcleo de conceito, o problema da aprendizagem como elemento que confere uma forma in-
vestigativa à atividade de estudo, a designação dos conteúdos e a formulação dos objetivos, os
procedimentos didáticos e os procedimentos de avaliação (LIBÂNEO, 2016).
Nesse sentido, para a formação do planejamento didático-pedagógico de ensino, têm-se
esses elementos enquanto dimensões epistemológicas que implicam na constituição de um saber
construído pelo educando via formação de conceitos (desenvolvimento do pensamento teórico).
Esse processo, em nosso entendimento em diálogo com a literatura científica desta pesquisa,
possibilita a perspectiva de ensino mais adequada para que os estudantes jovens e adultos de-
senvolvam plenamente o seu processo de ensino e aprendizagem.
Por fim, tentamos mostrar nessa breve revisão bibliográfica que no ensino desenvolvimen-
tal é necessário que o estudante jovem e o adulto se apropriem de conceitos para que possam
atribuir significados durante o seu processo de desenvolvimento e, consequentemente, formar
conceitos. É nesse sentido que a didática desenvolvimental se baseia, numa perspectiva teórica
Histórico-Cultural, que considera no processo de ensino e aprendizagem do estudante a sua
realidade, as suas experiências e histórias de vida, indo contra o ensino tradicional que por vezes
não considera essas especificidades no currículo escolar, como mostrado na literatura da EJA
analisada nesta pesquisa.
Por tudo isso, consideramos a importância de descobrir e compreender a produção biblio-
gráfica acerca da EJA e ensino desenvolvimental na literatura científica, para que seja possível
entender de que forma esse ensino vem sendo estudado, debatido e analisado na educação e se
há produções referentes a essa perspectiva que envolve jovens e adultos, o que pode ajudar a
ampliar um pouco mais a produção de conhecimento na área.

50
Educação do campo e pesquisa educacional

Referências
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Educação do campo e pesquisa educacional

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52
Educação do campo e pesquisa educacional

4. Algumas características dos


estudantes da LEdoC da
UFT/Câmpus de Arraias
Helena Quirino Porto Aires
Luiz Bezerra Neto

1. Introdução
O presente texto é um recorte da tese de doutorado em Educação pela Universidade Federal
de São Carlos (UFSCar), que apresenta um estudo sobre o curso de Licenciatura em Educação
do Campo (LEdoC) da Universidade Federal do Tocantins (UFT), Câmpus de Arraias, anali-
sando em que medida as condições de sua materialização contribuem para a formação da classe
trabalhadora. Dessa forma, este texto tem como objetivo realizar um diagnóstico das caracte-
rísticas dos estudantes do curso de Licenciatura em Educação do Campo, com a intenção de
compreendê-los a partir de sua realidade concreta.
Para tanto, empreendemos uma investigação que busca responder a seguinte problemati-
zação: Quem são os estudantes da LEdoC da UFT/Câmpus de Arraias, Tocantins?
Para respondermos tal questão, buscamos desvelar o objeto de estudo a partir da realidade
concreta, procurando relacioná-lo com a sociedade na busca da compreensão desse movimento
da formação humana em sua totalidade.
Na mesma linha de compreensão, Martins (2006, p. 10-11) aponta que:
[...] se queremos descobrir a essência oculta de um dado objeto, isto é, superar
sua apreensão como real empírico, não nos bastam descrições acuradas (escritas,
filmagens, fotografias etc.!!), não nos bastam relações íntimas com o contexto
da investigação, isto é, não nos bastam fazer a fenomenologia da realidade
naturalizada e particularizada nas significações individuais que lhes são atri-
buídas. É preciso caminhar das representações primárias e das significações
consensuais em sua imediatez sensível em direção às descobertas múltiplas de-
terminações ontológicas do real.

Partindo de tais considerações, compreender a realidade concreta em sua totalidade se


constitui na apreensão da análise do objeto em seus aspectos da singularidade, particularidade
e universalidade, pois somente trilhando esse caminho é provável uma aproximação de todas as
informações que compõem o contexto investigado. Compreende-se, no entanto, de acordo com
a perspectiva aqui assumida, que principiar a identificação dos sujeitos protagonistas do Curso é
o ponto de partida. Martins (2006, p. 14) aponta que a pesquisa, nesse ponto de vista,

53
Educação do campo e pesquisa educacional

[...] pressupõe como ponto de partida, a apreensão do real imediato, isto é, a


apresentação inicial do todo, que convertido em objeto de análise e por meio
dos processos de abstração resulta numa apreensão tipo superior, expressa no
concreto pensado. Porém, esta não é a etapa final do processo, uma vez que
as categorias interpretativas, as estruturas analíticas constitutivas do concreto
pensado serão contrapostas em face do objeto inicial, agora apreendido não
mais como imediatez, mas em sua totalidade concreta.

Com base nessa compreensão, realizamos inicialmente um mapeamento no intuito de


conhecer as características dos estudantes do curso. Dessa forma, para arguir e analisar tal pro-
posição, foi aplicado o questionário semiestruturado com questões abertas e fechadas com a fina-
lidade de obter informações importantes, tais como, cor/raça, gênero, grupo familiar, condições
socioeconômicas, trabalho, dentre outras questões que possibilitam a entendê-los a partir de
sua realidade. Dos matriculados que totalizam 311 estudantes em 2018/2, 193 desse universo
responderam o questionário. Nesse sentido, apresentamos os resultados obtidos a partir de 62%
dos alunos do referido Curso pesquisado.
O curso de Licenciatura em Educação do Campo no Brasil se configurou como uma das
grandes conquistas dos movimentos sociais, no que se refere à qualificação dos profissionais
da educação do/no campo e para os trabalhadores desse espaço, devido à sua configuração de
oferta.
Assim sendo, o curso de Licenciatura em Educação do Campo no Brasil funciona por
meio da Educação por Alternância (AIRES, 2020), proposta em que o processo de ensino e
aprendizagem ocorre em espaços denominados Tempo Universidade (TU) e Tempo Comuni-
dade (TC). Nesse viés, há possibilidades da troca de saberes nesses espaços, uma vez que essa
dinâmica não ocorre somente com uma perspectiva metodológica, mas como meio que viabiliza
a mediação do conhecimento em que considera os espaços, os sujeitos, as realidades, as comuni-
dades, as contradições, enfim, permite uma integração de elementos favoráveis para a formação
dos sujeitos da classe trabalhadora.
E assim, essa política de formação de professores tem se constituído como uma das ações
viáveis para qualificação inicial e continuada e conseguintemente, o desenvolvimento de uma
educação mais próxima da realidade dos educandos, os campesinos, e ao mesmo tempo possibi-
lita de certa forma a difusão do conhecimento para além daquele lugar.
Não há dúvidas de quão importantes são as ações no âmbito da formação de professores
para o campo brasileiro, no entanto, também temos consciência das medidas e dos rumos que
a educação vem tomando e que esses podem atingir drasticamente a efetivação desses cursos
reverberando em impactos no que tange à qualidade do curso e na efetivação do modelo de al-
ternância.
Isso porque a situação econômica, política e social nesses últimos anos (a partir do golpe
de 2016) é algo preocupante, pois vem acompanhada de diversos retrocessos que afetam direta-
mente a educação como um todo e, principalmente, a educação da classe trabalhadora e daquela
que vive no campo de forma mais incisiva, sobretudo após as eleições de 2018. Vivemos um
momento de incertezas e sem muitas perspectivas para a educação, pois as ações pouco têm
contribuído para o avanço da educação, pelo contrário, têm provocado retrocessos em alguns
aspectos.

54
Educação do campo e pesquisa educacional

Nos anos de 2019 e 2020, as universidades públicas foram alvo do governo federal, com
cortes de verbas e contingenciamento. A perseguição do ofício de professor por um ministro
que pouco compreende o contexto educacional além de outras ações tem comprometido o bom
andamento das universidades no ensino, pesquisa e extensão. Ademais, as declarações do atual
(2020) Ministro de Educação, o economista Abraham Weintraub, para justificar os cortes, men-
cionando que as universidades não fazem pesquisa e sim promovem “balbúrdia”, provocaram
desconforto e revolta, pois depreciam a imagem dos professores universitários. Em outra de-
claração bem recente, o Ministro fez referência às pesquisas e tecnologias das universidades
fazendo ilações, como se essas fossem utilizadas apenas para plantações de maconha6 existentes
nesses espaços, com a finalidade de servir como material de pesquisa. São acusações desmedi-
das, generalistas, de todas as formas e que não são desmentidas a posteriori.
Diante desse cenário nem um pouco otimista, essa realidade e percepção envolvem as dis-
cussões sobre a materialização do curso da LEdoC, e o quanto essas medidas a estão afetando.
Outrossim, é relevante trazermos estudos que abordem a formação de professores no Brasil, no
sentido de contextualizar as partes e assim entender o todo. O conjunto dessas informações nos
alça de certo modo a pensar sua realidade empírica.

2. Algumas características dos estudantes do curso de


Licenciatura em Educação no Campo
Aqui são apresentadas as análises de algumas características dos estudantes do curso de
Licenciatura em Educação do Campo, com base que nos questionários respondidos pelos 193
estudantes participantes da pesquisa no mês de janeiro de 2019, período do Tempo Universidade.
Assim sendo, foi identificado inicialmente que o público alvo do curso de Educação do
Campo, Câmpus de Arraias, UFT, é constituído por 123 mulheres (64%) e 70 homens (36%).
Embora as pesquisas revelem que há um número significativo de homens no magistério, esses
dados mostram que a presença feminina na profissão docente no curso ainda é bastante expres-
siva. E isso evidencia o que diz também o Plano Nacional de Formação dos Professores da
Educação Básica de 2017 ao apontar que, em todas as etapas e modalidades da educação básica,
81,6% dos professores em regência são mulheres, isto representa mais de um milhão e meio de
docentes (1.542.925).
A Lei nº 12.852, de 05 de agosto de 2013 (BRASIL, 2013), menciona que o sujeito com
faixa etária entre 15 e 29 é considerado jovem. Nesse sentido, podemos perceber que o curso da
LEdoC está repleto deles, que por sua vez representam mais da metade dos alunos pesquisados
(Gráfico 1). Isso de certa maneira evidencia na prática as ações propostas a partir da Política
Nacional de Educação do Campo na inserção de todos na educação.

6 Fala do ministro: “há plantações de maconha, mas não são três pés de maconha, são plantações extensivas
de algumas universidades, a ponto de ter borrifador de agrotóxico. Porque orgânico é bom contra a soja para
não ter agroindústria no Brasil, mas na maconha deles eles querem toda tecnologia à disposição”. Dispo-
nível em: <https://educacao.uol.com.br/noticias/2019/11/22/weintraub-ha-plantacoes-extensivas-de-maco-
nha-em-universidades-federais.htm>. Acesso em: 30 dez. 2019.

55
Educação do campo e pesquisa educacional

Gráfico 1 – A faixa etária dos estudantes da LEdoC.

Fonte: Elaborado pelos autores/Questionários – janeiro, 2019.

Observa-se que a média de idade dos ingressantes no curso de Educação do Campo é


bastante diversificada, porém, é perceptível que há um quantitativo de estudantes na faixa etária
de 22 a 26 anos, todavia, há uma parcela significativa de estudantes acima de 26 anos (Gráfico
1). Essa diversidade nos leva a pensar que muitas dessas pessoas não tiveram a oportunidade
de ter o acesso ao ensino superior logo após o término do seu processo de escolarização na
Educação Básica e, somente com esse curso, puderam pensar numa formação em nível superior.
Na LEdoC, pode-se dizer que há uma parcela significativa de pessoas acima dos 30 anos
de idade que estão fazendo o curso. Esses sujeitos, em sua grande maioria, não tiveram o ensejo
nem sequer de “sonhar”, ou até mesmo pensavam que era algo muito distante de sua realidade,
adentrar um dia a universidade para estudar.
Sob essa questão, Bezerra Neto (2013) aponta que, devido às dificuldades enfrentadas
pelas escolas no campo, a possibilidade de ingresso desse público no ensino superior era quase
impossível, tanto pela pouca oferta de vaga, quanto pelas lacunas de conteúdo e conhecimento
transmitidos em muitas dessas escolas. Isso dificulta(va) aos alunos concorrer às vagas univer-
sitárias, surgindo um sentimento de descrença e incapacidade.
Acrescenta-se ainda que devido aos vários anos sem contato com o saber sistematizado,
muitos deles apresentaram e apresentam dificuldades em acompanhar o processo de ensino e
aprendizagem, exigindo e requerendo assim uma atenção maior tanto por parte dos colegas em
compreendê-los nesse sentido, quanto por parte dos professores em seus planejamentos e na
mediação dos conteúdos nos primeiros períodos do curso. Fase essa muito difícil e complexa
em função da adaptação aos vários aspectos da vida acadêmica, ou como bem lembra Arroyo
(2014, p. 26), “às universidades chegam outros sujeitos trazendo outras indagações para pensar
o fazer pedagógico”.
O curso da LEdoC é composto por esses diversos sujeitos, que por sua vez, nos colocam
a refletir o quão são enormes os desafios sobre a formação superior, sobretudo, uma formação
pautada na emancipação, que se contraponha à pedagogia hegemonicamente arraigada ao
sistema que vivemos e, ao mesmo tempo, que compreenda, no sentido de buscar caminhos para
resistir. Assim,

56
Educação do campo e pesquisa educacional

Trata-se um atrevimento mais desestabilizador desse povo diverso da classe


trabalhadora, reconhecer subalternos, inferiores, irracionais, incultos. Logo se
afirmar capazes de produzir saberes, valores, culturas, modos de pensar. Saberes
do trabalho, das resistências. Isto é, produtores de experiências humanizadoras,
educativas. Pedagógicas. (ARROYO, 2014, p. 32).

Em outras palavras, são atrevimentos de ambas as partes, tanto para quem vai receber o
saber (estudante), quanto para quem vai transmitir o conhecimento (professor). Acrescenta-se
ainda que esse reconhecimento não implique na redução de conteúdos. Pelo contrário, é preciso
entender os alunos em seu contexto social para oportunizá-los uma formação para além da
realidade concreta deles.
No que se refere ao perfil étnico/racial dos estudantes da LEdoC,
[...] é diverso, trabalhadores, camponeses, mulheres, negros, povos indígenas,
jovens, sem teto, sem creche... Sujeitos coletivos históricos se mexendo, in-
comodando, resistindo. Em movimento. Articulados em lutas comuns ou tão
próximas por uma reforma agrária, urbana, educativa. Por trabalho, salários,
carreira. Por outro projeto de campo, de sociedade. (ARROYO, 2014, p. 26).

O público do curso da LEdoC em sua maioria é composto de sujeitos que se consideram


pretos, pois o contexto do Sudeste do Tocantins é constituído por 51% (99) pretos, 39% (78)
pardos, 6% (11) brancos, 2% (4) amarelos e 1% (1) indígena.
Os dados revelam que há um número bastante significativo de sujeitos que se conside-
ram como preto/pardo no curso. Isso se justifica devido ao fato de que no período, conhecido
como Brasil Colônia, no século XVIII, a região em que ficam localizados os municípios de
Arraias e Natividade pertencia à Comarca de Goiás, local em que se extraia grande quantidade
de ouro, e, como sabemos, a mão de obra principal eram os negros escravizados. E quando da
sua alforria, em 13 de maio de 1888, pela lei Áurea, esses não tinham para onde ir e permanece-
ram na região. Ou seja, a população dos municípios circunvizinhos também apresenta vestígios
culturais, sociais e étnicos dessa época.
Considerando esses dados, é possível constatar que os estudantes que se autodeclaram
preto/pardo certamente são aqueles que historicamente tiveram seus direitos negados, apresen-
tam condições socioeconômicas mais baixas que os demais e foram contemplados pela Lei
12.711/2012 (BRASIL, 2012) que institui a obrigatoriedade dos estabelecimentos de ensino
superior público (universidades e institutos federais) ofertarem vagas em seus processos seletivos
a esses sujeitos. Vale dizer também que tal ação só se efetivou a partir das discussões da neces-
sidade de políticas para as minorias. Ou seja, culminou não como um direito social comum a
todos os indivíduos, mas após reinvindicações e lutas dos próprios trabalhadores, sujeitos esses
que sempre ficaram em desvantagens aos direitos fundamentais na prática.
Presenças de Outros Sujeitos em ações coletivas que se tornaram afirmativas no
campo, quilombolas, indígenas, povos da floresta, movimento feminista, negro,
de orientação sexual, pró-teto, moradia, pró-escola/universidade... Sujeitos
sociais, invisibilizados, apenas destinatários de programas sociais e de políticas
educativas se mostrando presentes, visíveis, resistentes. (ARROYO, 2014, p.
25).

57
Educação do campo e pesquisa educacional

Sobre essa diversidade de sujeitos na universidade, Arroyo (2014, p. 25) nos alerta que
às “escolas/universidades chegam sujeitos outros que nunca chegaram”. Isso, segundo ele nos
leva a pensar outras pedagogias para tal atendimento. É importante ressaltar que quando o autor
se refere a outras pedagogias não se caracteriza na redução de conhecimento na formação de
sujeitos da classe trabalhadora, mas pensar em outras maneiras para mediá-lo, tendo em vista
as adversidades existentes (não residem na cidade em que se localiza a universidade; residem
em locais em que as condições materiais de vida são precárias; são sujeitos que ficaram muito
tempo sem estudar).
No que se refere à origem dos estudantes, urbana ou rural, os dados mostram que 64% dos
estudantes são oriundos da zona urbana, 35% são da zona rural e 2% não responderam sobre
suas origens.
Com isso, pode-se dizer que apesar de ser um curso proposto em especial para a população
que vive no campo, esse público alvo ainda é pouco, se compararmos o número de estudantes
oriundos da cidade. Sobre essa questão, Marx (1985, p. 118-119) destaca que:
A maior divisão do trabalho material e mental é a separação da cidade e campo.
O antagonismo entre cidade e campo começa com a transição da barbárie para a
civilização, da tribo para o estado, da localidade para a nação, e percorre toda a
história da civilização, até nossos dias (LIGA CONTRA A LEI DOS CEREAIS).
A existência da cidade implica, ao mesmo tempo, a necessidade de administra-
ção, de política, de impostos etc., em resumo: do município e, pois, da política
em geral. Aí, primeiramente, tornou-se expressa a divisão da população em
duas grandes classes, diretamente baseada na divisão do trabalho e nos instru-
mentos de produção. A cidade já é, na realidade, a concentração de população,
de instrumentos de produção, de capital, de prazeres, de necessidades, enquanto
o campo representa, justamente, o posto, seu isolamento e separação. O anta-
gonismo da cidade e campo só pode existir como consequência da propriedade
privada. É a mais crassa expressão da submissão do indivíduo sob a divisão do
trabalho, a uma atividade definida que lhe é imposta - uma sujeição que trans-
forma um homem um limitado animal citadino e outro em um restrito animal do
campo e, diariamente, renova o conflito entre seus interesses.

Se adicionarmos tais elementos que compreendem o campo e a cidade, na visão de Marx


(1985), temos cidades e campo, mas se levarmos em consideração as cidades do Estado do
Tocantins, poucas apresentam características que constituem o espaço da cidade, e a grande
parte possui elementos da ruralidade.
A LEdoC atende alunos de vários lugares do Estado do Tocantins, bem como do Estado de
Goiás. Isso demonstra o quanto a proposta do curso consegue atingir um público mais específico
que são os sujeitos da classe trabalhadora do campo que enfrentam dificuldades principalmente
do ir e vir diário para frequentar um espaço universitário. Vejamos a distribuição por município
e estado dos estudantes da LEdoC:

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Educação do campo e pesquisa educacional

Tabela 1 - Distribuição dos estudantes da LEdoC por local de residência atual.

ESTADO MUNICÍPIO TOTAL


Arraias 57
Conceição 01
Lavandeira 03
Natividade 03

Tocantins Rio da Conceição 03


São Salvador 01
São Valério 02
Paranã 38
Alto Paraiso 01
Campos Belos 17
Cavalcante 10
Goiás Divinópolis 01
Monte Alegre 26
Teresina 13
Não respondeu 17

Fonte: Elaborada pelos autores/Questionários – Janeiro, 2019.

Vale dizer também que, além da proposta do curso ser interessante, muitos estudantes
não teriam condições de frequentar outro curso superior em que as aulas acontecem em período
integral, ou durante todo o ano/semestre (diariamente). Esse curso está possibilitando a um quan-
titativo significativo de professores e outros trabalhadores a terem acesso ao ensino superior. Se
não fosse esse curso, muitos daqueles que moram mais distantes iriam delongar ou, até mesmo,
não iriam perpetrar um curso superior. Dessa forma, percebe-se o quão é essencial uma proposta
que pensa sobre a realidade desses sujeitos.
Do total de participantes da pesquisa, 61 estudantes (32%) são oriundos de comunidades
Quilombolas. E, de acordo com os dados da Fundação Cultural Palmares,7 só no Estado do
Tocantins existem 38 comunidades quilombolas certificadas. Percebe-se que há um quantitativo
significativo de estudantes, e que isso se deve ao fato de que o município de Arraias, onde se
situa o câmpus da UFT, está localizado próximo a comunidades remanescentes de quilombo-
las reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares, tanto no Estado do Tocantins, quanto no
Goiás. Desse modo, a UFT/Arraias atende ao território do Sítio Histórico e Patrimônio Cultural
Kalunga em Goiás (maior comunidade quilombola do país) e as Comunidades Quilombolas de
Arraias: Comunidade Quilombola Kalunga do Mimoso, Lagoa da Pedra, Kaagados e Lagoa dos
Patos.8

7 Fonte: Comunidades Quilombolas. Disponível em: <https://portal.to.gov.br/reas-de-interesse/cultura/patri-


monio-cultural/comunidades-quilombolas/>. Acesso em: 09 nov. 2019.
8 A UFT/Arraias tem em seu corpo discente 144 (cento e quarenta e quatro) estudantes que recebem Bolsa
Permanência MEC (quilombolas e indígenas) e desse total 75 (setenta e cinco) estão vinculados ao curso de
Educação do Campo (Dados coletados junto a Diretoria de Assistência Estudantil – DAE/2020).

59
Educação do campo e pesquisa educacional

Ademais, convém lembrar que o curso da LEdoC permitiu a muitos quilombolas terem
o acesso à universidade em virtude, principalmente, da modalidade de oferta do curso que é o
regime em alternância. Essa ampliação do acesso pode ser percebida em uma pesquisa desenvol-
vida por Carvalho e Sales (2016, p. 182) sobre Educação no Campo e aplicação das Políticas
públicas para Quilombolas: Acesso e Permanência na Universidade, na qual demostram esse
aspecto, por meio de depoimento de uma aluna da Comunidade do Claro, Prata e Ouro Fino:
“estamos vivendo um novo tempo. Nossos jovens sonharam e agora estão entrando na univer-
sidade”.
Além disso, as autoras também evidenciaram nesse estudo os desafios postos para o
estudante quilombola continuar na universidade, pois sabemos que não basta ter acesso ao curso,
mas são necessárias melhores condições materiais que permitam que esses estudantes permane-
çam na universidade. O depoimento de um aluno participante da pesquisa de Carvalho e Sales
(2016, p. 185) exala essa situação:
[...] o meu maior desafio, porém, continua sendo a longa distância do lugar onde
eu moro até o polo de Arraias; viajo numa moto pilotada pelo meu esposo e o
percurso de quase 100 km entre Paranã e minha comunidade é de estrada de
chão, que se torna inacessível durante os períodos de chuvas com formação de
atoleiros.

Segundo Carvalho e Sales (2016, p. 186), são muitos problemas que a aluna enfrenta para
ter a acesso à universidade, como “com transporte, acomodação, o (não) acesso à internet, e,
o problema que julga maior, o fato de sua comunidade não possuir energia elétrica”, em que
acontecem de a aluna realizar suas leituras por meio de luz de lamparinas. Para além dessas
questões, Bezerra Neto (2013, p. 22) enfatiza que:
[...] ao se pensar na questão do acesso à universidade ou no ensino superior de
modo geral, a classe trabalhadora se depara com um grande problema, dado que
os mecanismos de acesso a esse grau de instrução, sobretudo o vestibular, são
formulados a partir daquilo que é ensinado para uma elite política e econômica
nas mercadorias e não daquilo que se ensina na escola da classe trabalhadora
(escola mantida pelo Estado) no ensino básico.

Isso nos coloca a pensar que a classe trabalhadora, em especial a que vive no campo, passa
por vários problemas, que vão desde o acesso à universidade perpassando também por sua per-
manência.
Pode-se perceber por meio deste diagnóstico que a participação dos estudantes em movi-
mentos sociais ainda é tímida, uma vez que somente 15% deles, o que corresponde a 28 alunos
de um universo de 193, fazem parte de algum movimento social.
As lutas de classes dos movimentos sociais representam algo muito importante para a con-
tinuidade da educação para a classe trabalhadora, principalmente aos que vivem nesse espaço.
Molina (2017, p. 590) ressalta que é um desafio
[...] conseguir manter o precioso patrimônio construído na concepção e na
prática das políticas de formação de educadores que respeitem as especificida-
des dos sujeitos a educar, entre elas as políticas de formação dos educadores do
campo, fortemente ameaçadas neste momento.

60
Educação do campo e pesquisa educacional

Essa situação de ameaças às políticas públicas educacionais precisa de união constante


de toda classe trabalhadora para resistir a qualquer ataque aos direitos sociais, dentre eles a
educação. Isto é, a conjuntura atual (2020) exige da classe trabalhadora a unidade de ações
nas lutas para o enfrentamento na garantia desses direitos que foram conquistados ao longo da
história.
De acordo Ribeiro (2013, p. 29), “os movimentos sociais populares são portadores
do novo, do projeto popular da sociedade e da educação. Os sujeitos políticos coletivos que
promovem as experiências de educação rural/do campo, focalizando nessa obra”. Isto é, são eles
que marcaram e marcam a luta pela terra desde a primeira metade do século XIX, em especial a
partir da constituição Federal de 1988.
Para Gohn (2011, p. 336), os movimentos sociais “possuem identidade, têm opositor e
articulam ou fundamentam-se em um projeto de vida e de sociedade. Historicamente, observa-
-se que têm contribuído para organizar e conscientizar a sociedade; apresentam conjuntos de
demandas via práticas de pressão/mobilização; têm certa continuidade e permanência”.
Em suma, os movimentos sociais enquanto sujeitos históricos, sociais, políticos e coletivos
desempenham um papel importante na luta pela terra, pela educação e por uma sociedade mais
justa e igualitária. Assim, no momento atual no qual o país está passando urge a necessidade
constante de reivindicações em prol de um projeto maior, em benefício da maioria. Ou seja, a
luta contínua para a permanência dos direitos sociais.
Sobre o trabalho dos estudantes, 44% possuem trabalho remunerado, enquanto 55% não
possuem. Resta verificar, em relação ao trabalho remunerado que possuem, se essa condição é
suficiente para garantir a permanência do estudante na LEdoC.
Ademais, infere-se também que mais da metade dos entrevistados de um universo de
193 estudantes encontram-se desempregados, demandando assim um esforço maior estudar,
visto que em sua maioria eles têm famílias para sustentar. Sobre essa questão do desemprego,
dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de 2019 (IBGE, 2019) apontam que o
desemprego no Brasil está aumentando demasiadamente, pois nos meses de setembro, outubro
e novembro de 2018, a “taxa de desocupação” era de 11,6%; já em dezembro de 2018, janeiro e
fevereiro de 2019 aumentou para 12,4%. Assim, se continuar crescendo nessa proporção tende
a ficar mais grave a situação da classe trabalhadora.
Lembrando que o trabalho remunerado cria valor de uso, apropria os elementos naturais
para atender suas necessidades, conexão essa necessária ao ser humano enquanto sujeito
histórico, o trabalho adentra como uma atividade vital do ser humano. Cabe-se perguntar: a
força de trabalho permite contemplar suas necessidades básicas, além dos custos para se manter
na universidade? Por isso,
Repito, frisando: o trabalho ‘é condição natural eterna da vida humana, sem
depender, portanto, de qualquer forma dessa vida, sendo antes comum a todas
as suas formas sociais’. E essa constatação que se constitui como critério para
identificar e aferir as formas particulares de trabalho como trabalho comunal,
trabalho escravo, trabalho servil, trabalho livre, trabalho assalariado e, obvia-
mente, trabalho alienado. (SAVIANI, 2010, p. 09, grifos do autor).

61
Educação do campo e pesquisa educacional

Destaca-se, ainda, na distribuição geral das atividades, que 61% dos estudantes trabalham
exclusivamente nas redes públicas federal, estaduais ou municipais, 26% são autônomos e
apenas 13,4% deles atuam exclusivamente na rede privada, perfazendo, nesse caso, um total de
84 trabalhadores, num universo de 193 estudantes pesquisados.
Para Frigotto (2006, p. 242), o trabalho é a categoria ‘ontocriativa’ da vida humana, e o
conhecimento, a ciência, a técnica e a tecnologia e a própria cultura são mediações produzidas
pelo trabalho na relação entre os seres humanos e os meios de vida. Contudo, essa realidade
denota que embora o trabalho seja uma atividade indispensável ao ser humano, ele ainda não faz
parte da vida de todos que dele precisam.
Vale dizer que o Estado do Tocantins apresenta: rendimento nominal mensal domiciliar
per capita de R$ 1.045,00; proporção de pessoas de 16 anos ou mais em trabalho formal, con-
siderando apenas as ocupadas na semana de referência de 42,7 %; proporção de pessoas de 14
anos ou mais de idade (ocupadas na semana de referência) em trabalhos formais de 47,7 %;
rendimento médio real habitual do trabalho principal das pessoas de 14 anos ou mais de idade
(ocupadas na semana de referência) em trabalhos formais de R$ 2.536,00; pessoal ocupado na
Administração pública, defesa e seguridade social 84.102 pessoas (IBGE, 2010).
Esse diagnóstico permitiu ultimar que, embora as condições materiais em sua totalidade
interfiram para que ocorra uma formação plena, o curso em análise é ainda uma oportunidade
ímpar na vida desses sujeitos e representa algo muito significativo, que para muitos se tornava
algo muito distante da realidade. Ademais, configura-se como o alcance de uma vaga em curso
superior com uma proposta de fato pensada para os povos do campo. Para além dessas informa-
ções, podemos inferir ainda que essas contradições apresentadas pelos estudantes são alguns dos
desafios postos para a materialização do curso.

3. Tecendo algumas considerações


A partir do diagnóstico empreendido, consta-se que o perfil dos estudantes do curso de
Licenciatura em Educação do Campo é diverso. São predominantemente trabalhadores em luta
constante, tentando conciliar universidade (e todas suas atividades no TU e TC) e trabalho. O
curso tem uma identidade plural, tanto em questões étnicas, quanto sociais, econômicas, de
localidade, de enfrentamentos e de anseios. O que os estudantes possuem em comum é ter no
curso – e em suas especificidades (Alternância) –, a oportunidade de frequentarem o Ensino
Superior; muitos queriam o curso, mas não possuem condições de ir para outros locais; outros
queriam apenas um curso (estudar), mas não podem ir e vir todos os dias ou não podem deixar
suas famílias e morar em cidades que oferecem cursos universitários. Em suma, essa modalida-
de de curso é a realidade concreta da classe trabalhadora.
No que tange a sua composição, origem, perspectivas e interesses, eles são diversos. O
curso é composto por negros, pardos, amarelos, brancos e indígenas, de todas as idades, de di-
ferentes municípios e estados, tanto da zona urbana quanto rural. Há uma presença expressiva
de quilombolas e de integrantes de movimentos sociais. No que se refere à ocupação, há con-
cursados, contratados tanto por órgãos públicos, quanto por empresas privadas, assim como há
autônomos e os que dependem das bolsas e/ou auxílio para conseguirem estudar.

62
Educação do campo e pesquisa educacional

É inegável que o curso de Licenciatura em Educação do Campo possibilita à classe traba-


lhadora do campo o acesso à educação superior. No entanto, a expansão de cursos voltados para
essa população – que é diversa em vários aspectos – apresenta alguns entraves inerentes ao perfil
dos alunos, uma vez que muitos desses estudantes são mães e pais de famílias que necessitam do
trabalho para sua sobrevivência.
É importante ressaltar-se que se vivencia um cenário incerto (2020) pelo fato de algumas
políticas públicas educacionais estarem sendo ameaçadas nesses últimos anos e isso, por sua
vez, afeta diretamente a consolidação das LEdoCs no Brasil. Entende-se que as lutas da classe
trabalhadora foram importantes para conquistar alguns direitos, porém é preciso mais do que
urgente resistir às ações contrárias à essa classe (como foi a extinção da Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão – SECADI/MEC), no sentido de pelo menos
garantir alguns direitos sociais, dentre eles o do acesso e da permanência à educação.
O estudo de algumas características dos estudantes da LEdoC da UFT, Câmpus de Arraias,
Estado do Tocantins, proporciona compreender vários aspectos socioeconômicos, o que propicia
a compreensão de como as partes se organizam e, portanto, como se configura um todo. Ou seja,
permitiu entender melhor os estudantes para que de fato não se corra o risco de analisá-los nesse
processo de formação pela aparência, como pontua Marx (2008).

Referências
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Educação do campo e pesquisa educacional

sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações
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64
Educação do campo e pesquisa educacional

Parte II

Experiências formativas no
contexto da Licenciatura em
Educação do Campo (LEdoC)

65
Educação do campo e pesquisa educacional

5. A realidade da vida acadêmica


para estudantes indígenas na
universidade: descobertas e
desafios
Milena dos Santos
Cícero da Silva

1. Introdução
Este trabalho integra uma pesquisa vinculada ao curso de Licenciatura em Educação do
Campo: Códigos e Linguagens – Artes e Música da Universidade Federal do Tocantins (UFT),
Câmpus de Tocantinópolis. Destacamos que a pesquisa mais ampla (SANTOS, 2018), da qual
este capítulo representa uma parte, teve como objetivo principal analisar dificuldades relacio-
nadas à escrita de gêneros acadêmicos por alunos indígenas da Licenciatura em Educação do
Campo da UFT. Porém, para este trabalho, estabelecemos como objetivo refletir sobre desafios
encontrados por estudantes indígenas ao longo da graduação no curso focalizado.
Para tanto, em um primeiro momento procuramos recuperar, ainda que brevemente, um
pouco da história da Educação Indígena no Brasil, como a caracterização do processo de esco-
larização. Em seguida, discorremos sobre políticas públicas voltadas à formação de professores
do campo, uma vez que a licenciatura em que os colaboradores da pesquisa estudam faz parte de
tais políticas de formação para o fortalecimento da Educação do Campo e um de seus objetivos
é formar profissionais que valorizem a heterogeneidade e a diversidade do campo. Por sua vez,
os povos indígenas também lutam por políticas educacionais, onde sua cultura seja valorizada,
onde haja um ensino que seja bilíngue, intercultural e diferenciado, que valorize a diversidade
cultural.
Por último, caracterizamos o curso de Licenciatura em Educação do Campo: Códigos e
Linguagens – Artes e Música da UFT, Câmpus de Tocantinópolis, para que o leitor conheça o
lócus da pesquisa, bem como os dados do estudo que refletem desafios elencados pelos estu-
dantes indígenas no decorrer da graduação. Destacamos, entre outras coisas, eventuais dificul-
dades que um indígena se depara para entrar e permanecer na universidade, assim como usar
a língua portuguesa e as tecnologias digitais na comunicação e desenvolvimento de atividades
acadêmicas.

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Educação do campo e pesquisa educacional

2. Breve histórico da Educação Indígena no Brasil


Para falar da Educação Indígena no Brasil, precisamos voltar ao ano de 1500, quando aqui
chegaram os primeiros europeus, neste território chamado Brasil, à época habitado por aproxi-
madamente mil povos diferentes, que foram denominados pelos que aqui chegaram de “índios”.
Não obstante, observa-se que desde o período colonial até o final do século XX a educação
escolar indígena tinha como objetivos a dominação, a catequização e a assimilação dos povos
indígenas (QUARESMA; FERREIRA, 2013).
As primeiras ações de escolarização dos povos indígenas deram-se pelas mãos dos jesuítas,
que desembarcaram no Brasil por volta de 1549. Esse modelo de escolarização trazido pelos
padres tinha como desígnio a civilização dos indígenas, mediante o combate aos maus costumes,
além de buscar a conversão dos indígenas ao cristianismo (QUARESMA; FERREIRA, 2013).
Ademais, o ensino da doutrina cristã ocorria por meio da oralidade.
A educação imposta aos indígenas surgiu da união da cultura, mas a partir do modelo
imposto pelos dominadores portugueses. Com isto, pode-se concluir que este primeiro contato
dos indígenas com a educação aconteceu em uma conjuntura onde os poderes político e
econômico estão interligados ao poder evangelístico, ou seja, uma educação missionária e civi-
lizatória (QUARESMA; FERREIRA, 2013). Esse modelo de ensino teve seu fim somente por
volta do ano de 1759 com a expulsão dos jesuítas por Marquês de Pombal, tendo pendurado
por aproximadamente 210 anos. Somente uma década depois da expulsão dos jesuítas é que foi
implementado o ensino público oficial.
Com a expulsão dos padres jesuítas, a educação ficou a cargo da Coroa portuguesa, dando
início a uma nova estrutura. Entretanto, esta contava com a mesma “tradição pedagógica jesuítica
e seus valores essenciais” (AZEVEDO, 1944, p. 315). Essa nova estrutura tinha como objetivo
reintegrar os indígenas à sociedade dominante, fazendo com que sua cultura e identidade étnicas
fossem apagadas. Em 1757, foi criado o Diretório dos Índios, que “previa a criação de uma
escola para meninos e outra para meninas e a contratação de mestres e mestras respectivamente;
determinava a proibição do uso das línguas maternas e a obrigatoriedade do português, como um
meio para a civilização” (MEDEIROS, 2018, p. 8).
Apesar de não respeitar nem atender aos interesses e direitos dos povos indígenas, tal
educação perdurou por cerca de cinco séculos subsequentes à formação do Brasil enquanto
nação, sem ocorrer mudanças significativas (QUARESMA; FEREIRRA, 2013). Em meados do
ano de 1798 é extinto o Diretório dos Índios, mas as suas diretrizes ainda continuaram em vigor
mesmo depois da proclamação da Independência.
Durante o século XIX, a educação para os indígenas, em linhas gerais, mante-
ve-se a mesma. Com o objetivo de formar súditos do novo Império, buscava-se
cristianizar, civilizar e preparar os índios para o trabalho. Embora a política
determinasse o uso de meios brandos no trato com os indígenas, as práticas
educativas mantinham-se violentas, na medida que tinham por finalidade que
os diferentes povos abandonassem as suas culturas e adotassem o modo de
vida do colonizador, sendo incorporados à nova sociedade que se formava.
(MEDEIROS, 2018, p. 10).

67
Educação do campo e pesquisa educacional

Na década de 1970, foi instaurado um novo paradigma para a escolarização dos povos
indígenas, sendo reconhecido o direito dos indígenas à diferença, ou seja, a escolarização deve
ocorrer de maneira que respeite a diversidade cultural dos povos indígenas. A partir da Consti-
tuição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), o ensino para os povos indígenas cria uma nova página
em branco, deixando de exigir que os mesmos sejam reintegrados à sociedade dita dominante e
passam a ter o direito a um ensino que valorize a sua cultura em todos os aspectos.
Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em 1996,
ratificam-se alguns pontos apresentados na Constituição Federal, indo mais além ao estabe-
lecer pela primeira vez uma “educação escolar bilíngue e intercultural aos povos indígenas”
(BRASIL, 1996, p. 31). A educação indígena agora tem o direito a ter um currículo, projeto
político-pedagógico, materiais didáticos próprios e formação específica dos professores. Em seu
artigo 78, a LDB estabelece como objetivos dessa nova estrutura da educação indígena “a recu-
peração de suas memórias históricas, a reafirmação de suas identidades étnicas, a valorização de
suas línguas e ciências” (BRASIL, 1996, p. 31).
Estabelece-se, então, a educação escolar indígena, com estrutura não de acordo com a
cultura do dominante, mas conforme as características próprias de cada povo indígena, ou seja,
respeitando o pluralismo cultural e valorizando as identidades étnicas. Em 1998, surge o Refe-
rencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI), cuja finalidade é solidificar essa
nova concepção da educação indígena, ou seja, uma educação indígena específica e diferenciada
no plano didático-pedagógico e na formação de professores indígenas. Esse documento vem
para sustentar a ideia de uma escola indígena intercultural, bilíngue e diferenciada. Afirma a
importância da integração do etnoconhecimento com conhecimentos universais selecionados.
Para garantir a mudança no gerenciamento da educação indígena, o Conselho Nacional
de Educação (CNE), por meio do Parecer nº 14/1999, determinou o status jurídico, pedagógico
e administrativo da escola indígena, estabelecendo normas e ordenamento jurídico específicos:
Estabelecer, no âmbito da Educação Básica, a estrutura e o funcionamento das
escolas indígenas, reconhecendo-lhes a condição de escolas com normas e orde-
namento jurídico próprio e fixando as diretrizes curriculares do ensino intercul-
tural e bilíngüe, visando a valorização plena das culturas dos povos indígenas e
a afirmação e manutenção de sua diversidade étnica. (CNE, Resolução 03/1999,
Artigo 1º).

De acordo com o excerto, somente a partir da mudança de concepção de educação indígena


pelo Estado é que se tem uma educação indígena que contemple os direitos e interesses de cada
povo indígena. Legalmente, agora a educação indígena abre uma nova página, deixa de ser algo
imposto e passa a ser algo reivindicado e “pensado” com a participação dos indígenas.
A educação ofertada aos povos indígenas hoje já deu largos passos, entretanto, ainda há
muito a ser mudado. Segundo Grupioni (2006, p. 63), “a falta de vontade política de setores go-
vernamentais continua sendo o principal impedimento para que os direitos conquistados na le-
gislação se efetivem”. Este conjunto de leis estabelece orientações de como deve ser a educação
dos povos indígenas e que, mesmo com suas fragilidades, se colocadas em prática pode ser dado
um grande avanço nas políticas públicas no que tange à educação escolar dos povos indígenas.

68
Educação do campo e pesquisa educacional

A educação indígena deve ser distinta da educação posta para o homem branco em todos
os seus aspectos, não na qualidade, mas sim na maneira de adotar as metodologias, as formas
de ensinar. Leite e Albuquerque (2013, p. 3) argumentam que, “para que a educação voltada
para os povos indígenas não tenha como finalidade a integração dos mesmos na sociedade não
indígena, desvalorizando e apagando a cultura indígena, ela deve ser bilíngue, intercultural e
diferenciada”. Para que haja de fato essa educação indígena, que respeite a diversidade do povo
indígena, uma das tarefas mais urgentes no campo da educação escolar indígena é a formação de
professores indígenas para o ensino de suas respectivas culturas.
As demandas por formação em ensino superior por parte dos povos indígenas surgem a
partir da nova estrutura da educação escolar posta para estes povos, sendo necessário formar
professores indígenas para trabalhar nas escolas das aldeias, nas turmas de Ensino Fundamental
e Ensino Médio, além de criar cursos de Licenciaturas Interculturais Indígenas. Neste tipo de li-
cenciatura é possível formar profissionais indígenas capazes de fazer síntese dos conhecimentos
adquiridos na academia e relacioná-los com os de suas comunidades (LIMA, 2007).
A inserção dos indígenas nas universidades públicas é um fenômeno recente no Brasil,
teve grande visibilidade e efeito efetivamente na última década, como resposta à progressiva
ampliação da escolarização de crianças, jovens e adultos nos territórios indígenas. Isto ocorre a
partir do reconhecimento da educação indígena na LDB (BRASIL, 1996), no Plano Nacional de
Educação (2001) e nas Diretrizes para Política Nacional de Educação Escolar Indígena (1993)
no Brasil e em consonância com a implementação do sistema de cotas para indígenas nas uni-
versidades públicas, e também as Licenciaturas Interculturais (AMARAL; BAIBICH, 2012).
Bergamaschi et al. (2018) explicam que as ações para que se promova a entrada de
indígenas nas universidades ocorrem desde o início da década de 1990, mediante convênios
firmados entre a Fundação Nacional do Índio (Funai) e instituições de cunho privado ou comuni-
tário. Ademais, o Programa Universidade para Todos (ProUNI), do governo Federal, é também
uma importante ação que abriu caminhos para a entrada de indígenas nas instituições de ensino
superior privadas.
Para formar professores, um dos principais modos de ingresso de indígenas no ensino
superior público ocorre por meio do Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas
Indígenas (Prolind), criado pelo Ministério da Educação (MEC). Cada curso de licenciatura
indígena oferecido pelas universidades públicas possui um currículo diferente do outro, porém
seguem os mesmos princípios no tocante a respeitar as diferenças interculturais e territoriais de
cada etnia (MEC, 2018). Salienta-se ainda que há cerca 20 cursos de licenciatura indígena no
país, exclusivos para os povos indígenas, cuja finalidade é fortalecer a formação dos professores
indígenas.
Outra forma de ingresso dos indígenas nas universidades é por meio de oferta de vagas
especiais ou suplementares nos cursos regulares. Cerca de 50 instituições de ensino superior
tinham suas ações de políticas de ingresso de estudantes indígenas mediante as vagas reservadas/
especiais ou suplementares, o que garantia o ingresso efetivo de boa parte dos indígenas nas uni-
versidades. Porém, com a promulgação da Lei Federal n.º 12.711/2012, isto mudou (AMARAL,
2010). Cada universidade possui sua forma de ingresso de alunos indígenas e algumas aprovei-
tam o processo seletivo já existente, como o vestibular universal (ENEM), que trabalha com
o sistema de cotas, ou aquelas que possuem seu vestibular próprio, podendo ter um processo
seletivo específico com prova diferenciada.

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Educação do campo e pesquisa educacional

Depois de debatermos sobre o breve histórico da educação indígena, na seção seguinte


abordaremos as políticas para formação de professores do campo, para que assim possamos
chegar ao foco principal deste trabalho, que é discutir as dificuldades dos alunos indígenas da
etnia Apinayé vinculados ao curso de Licenciatura em Educação do Campo da UFT, Câmpus de
Tocantinópolis, para chegar e concluir a graduação.

3. Políticas para formação de professores do campo


No ano de 2007, com a implantação do Programa de Apoio à Formação Superior em
Licenciatura em Educação do Campo (Procampo), foi implementado o projeto de criação das
Licenciaturas em Educação do Campo. A criação deste projeto se deu em caráter emergencial
pelo Ministério da Educação (MEC), em resposta às reivindicações dos movimentos sociais e
sindicais do campo, tendo estes como parceiros ONGs, intelectuais e universidades (COSTA,
2016). O Procampo é uma política de formação de professores, que foi implementada por meio
de ações e reivindicações apresentadas ao Estado pelo Movimento da Educação do Campo
(MOLINA, 2015). Assim,
A aprovação do Procampo e o reconhecimento de uma formação inicial para
o docente do campo ajudam a trazer para o cenário educacional questões até
então silenciadas. Com o Procampo é possível dizer que a política educacional
ganha uma nova estrutura. Isso não significa entender este programa a partir
de uma visão ingênua e romântica em que somente os interesses da população
do campo será garantido ou que é uma estratégia do Estado para dizer que as-
segurará o direito dos sujeitos do/no campo, muito embora represente uma das
metas do novo Plano Nacional de Educação (2001-2010). (COSTA, 2016, p.
107).

A luta por uma política pública para a Educação do Campo vem sendo conduzida desde
a primeira Conferência Nacional “Por uma Educação Básica do Campo”, realizada em 1998,
sendo reivindicada uma política pública que fosse capaz de dar apoio à formação de professores
do campo, tornando-se uma prioridade nas reivindicações do movimento (MOLINA, 2015).
Esse movimento defende uma Educação do Campo que valorize, sobretudo, a heterogeneidade
e a diversidade do campo nos processos formativos.
A luta para se ter uma formação própria para professores do campo se dá a partir da visão
de que os professores formados para lecionar nos anos iniciais ou até os que estão em serviço
não estão preparados para atender as peculiaridades e a heterogeneidade do campo: “fazer a in-
tegração entre os conteúdos escolares e o conteúdo advindo da vida, do cotidiano, das histórias,
memórias e cultura dos educandos, da comunidade, do local, do campo” (ALENCAR, 2010, p.
223-224).
Em contrapartida a estas reivindicações, o MEC convidou um grupo de pesquisadores vin-
culados a universidades e aos movimentos sociais para construírem e apresentarem um projeto
concreto de formação de educadores do campo. Esse grupo estruturou a conjectura do curso de
Licenciatura em Educação do Campo (LEdoC), determinando diretrizes, princípios, metodo-
logias, sujeitos atendidos, forma de implementação e instituições responsáveis pela execução.

70
Educação do campo e pesquisa educacional

Com isto, assegurou-se que as LEdoC devem ter uma matriz curricular própria, superando
assim o modelo já existente nas universidades ao implementar uma formação multidisciplinar
por área de conhecimento, em regime de alternância pedagógica. Este regime compreende dois
tempos/espaços formativos: Tempo Universidade (TU) ou Tempo Escola (TE), como alguns
autores nomeiam, e Tempo Comunidade (TC), uma organização baseada nas experiências for-
mativas de cursos do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera). Molina
(2015, p. 153) observa que há três dimensões para assegurar o perfil de habilitação da LEdoC,
sendo elas “a docência por área de conhecimento; a gestão de processos educativos escolares
e a gestão de processos comunitários”. E a partir destas dimensões se arquitetou perspectivas
como a de
[...] promover e cultivar um determinado processo formativo que oportunizasse
aos futuros educadores, ao mesmo tempo, uma formação teórica sólida, que
proporcionasse o domínio dos conteúdos da área de habilitação para a qual
se titula o docente em questão, porém, extremamente articulada ao domínio
dos conhecimentos sobre as lógicas do funcionamento e da função social da
escola e das relações que esta estabelece com a comunidade do seu entorno.
(MOLINA, 2015, p. 153).

A organização das LEdoC por área de conhecimento se justifica também pelo fato de
que seria inexequível nas escolas de educação básica das comunidades do campo o modelo de
currículo das licenciaturas disciplinares tradicionais, pois a formação por área de conhecimento
deve ampliar-se objetivando promover ações que cooperem para ultrapassar a desintegração do
conhecimento, cunhando, sugerindo e agenciando “ações docentes articuladas interdisciplinar-
mente, associadas intrinsecamente às transformações no funcionamento da escola e articuladas,
ainda, às demandas da comunidade rural na qual se insere esta escola” (MOLINA, 2015, p. 153).
A partir da consciência de que a realidade do campo necessita de um profissional docente
com uma formação mais ampla, ou seja, uma formação multidisciplinar, compreendeu-se a ne-
cessidade de repensar os conteúdos, bem como os tempos e espaços formativos, as propostas
metodológicas, além de organizar as LEdoC em regime de alternância pedagógica.
Tal estratégia de oferta objetiva facilitar o acesso e a permanência no curso dos
professores em exercício nas escolas do campo, possibilitando seu ingresso
na educação superior sem ter de abandonar o trabalho na escola básica para
elevar sua escolarização, bem como intenciona evitar que o ingresso de jovens
e adultos do campo nesse nível de ensino reforce a alternativa de deixar a vida
no território rural, conforme consta na matriz da LEdoC. (MOLINA, 2017, p.
596).

Com a criação das LEdoC, com metodologias e estratégias mais apropriadas à formação
dos povos do campo, além de contribuir para a extensão na educação básica nas escolas do
campo, busca-se a superação da longa jornada de desvantagens educacionais que os camponeses
têm em sua história, possibilitando assim que a política educacional voltada para os camponeses
ganhe uma nova estrutura. O campo, que antes era apenas local que servia matéria-prima, agora
passa a ter direito e ser espaço de vida, história e memória. Todavia, ainda não se extinguiu a
imagem de que o meio rural é produtor primário, pois essa identidade ainda permanece viva
na cabeça daqueles que defendem o agronegócio. Mas a mudança é que os sujeitos do campo,
produtores de matéria-prima, agora também sejam vistos como sujeitos produtores de vida e
história (COSTA, 2016).

71
Educação do campo e pesquisa educacional

O curso de LEdoC está fundamentado de maneira legal na LDB (Lei nº 9.394/1996);


Parecer CNE/CEB nº 36/2001 e Resolução CNE/CEB nº 1/2002, que institui as Diretrizes Ope-
racionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo (DOEBEC); Parecer CNE/CEB nº
09/2001 e Resolução CNE/CP nº 1/2002, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Formação de Professores da educação básica, em nível superior, curso de licenciatura de
graduação plena.
Em 2006, o MEC convidou algumas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES)
visando à instalação de um curso de graduação em Licenciatura em Educação do Campo. As
IFES contempladas para o desenvolvimento de quatro projetos-piloto do curso foram: Uni-
versidade de Brasília (UnB), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal
de Sergipe (UFS) e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Vale destacar que essas
universidades já acumulavam experiências com a formação de professores do campo e estavam
envolvidas em projetos de gestão em parceria com atores sociais do campo (SILVA, 2018).
Depois de implantar as turmas dos projetos-piloto em 2007, o MEC criou o Procampo. A
partir das experiências das universidades (UnB, UFBA, UFS e UFMG) envolvidas com o proje-
to-piloto, o MEC lançou, respectivamente em 2008 e 2009, os Editais nº 02/2008 e nº 09/2009,
convocando as IFES no intuito de que apresentassem projetos visando à criação de novos cursos
de LEdoC. Estes editais reforçam o objetivo do Procampo, que é sustentar e promover “projetos
de cursos de licenciatura específicos em educação do campo que integrem ensino, pesquisa e
extensão e promovam a valorização da educação do campo e o estudo dos temas relevantes con-
cernentes às suas populações” (BRASIL, 2008, p. 1). No ano de 2012, em atenção às reivindica-
ções dos camponeses, o governo Federal deu sequência às ações de apoio à política de formação
de professores das escolas do campo, conforme previsto no Decreto n. 7.352/2010 (BRASIL,
2010), e lançou o Edital nº 02/2012 (BRASIL, 2012). Ao todo, através da chamada pública do
Edital nº 02/2012 foram selecionados cerca de 42 projetos de cursos de LEdoC nas diversas
áreas do conhecimento de universidades públicas das diferentes regiões brasileiras, dentre eles,
o curso da UFT focalizado nesta pesquisa (SILVA, 2018).
Esse conjunto de editais do Procampo consagra, de certo modo, uma política única de
formação para professores do campo no Brasil. Em 2010, eram 21 turmas de Licenciatura em
Educação do Campo instaladas em algumas IFES públicas do Brasil. Segundo Molina (2020, p.
90), “as Licenciaturas em Educação do Campo estão em todo o Brasil, estão em todas as regiões,
e em 19 estados. São atualmente, de acordo com o Censo de 2017, 44 cursos LEdoC, em 31 ins-
tituições de Ensino Superior”. Esses dados corroboram que se conseguiu materializar a oferta de
cursos permanentes de LEdoC em diferentes territórios. Essas licenciaturas são fundamentais e
importantes ferramentas de luta por políticas públicas, sendo também o exemplo de uma política
que permitirá a ampliação da rede de escolas públicas no/do campo, melhorando assim o acesso
à educação básica aos povos do campo. No próximo tópico, trataremos da dinâmica de criação
e funcionamento da LEdoC que é base para a obtenção dos dados deste trabalho.

72
Educação do campo e pesquisa educacional

4. A Licenciatura em Educação do Campo da UFT,


Câmpus de Tocantinópolis
A Universidade Federal do Tocantins (UFT), levando em consideração questões perti-
nentes à Educação do Campo e ao histórico de desigualdade social por que os povos do campo
vêm passando ao longo dos anos, assim como as demandas dos trabalhadores e trabalhadoras do
campo manifestadas através dos movimentos sociais que apoiam e representam os camponeses
do Tocantins, no ano de 2012, participou do Edital nº 02/2012, lançado pelo MEC, e foi contem-
plada com a implantação de dois cursos de Licenciatura em Educação do Campo, um vinculado
ao Câmpus de Tocantinópolis e outro ao Câmpus de Arraias (SILVA et al., 2017).
A UFT, Câmpus de Tocantinópolis, fez sua proposta para ofertar o curso de Licenciatura
em Educação do Campo: Códigos e Linguagens – Artes e Música. Os atos legais que instituem
o curso são a Resolução nº 10/2013 do Consuni/UFT, publicada em 25 de setembro de 2013,
Resolução n° 6/2014 do Consepe/UFT, de 22 de janeiro de 2014 e o Edital nº 02/2012 - SESU/
SETEC/SECADI/MEC (BRASIL, 2012). O Câmpus de Tocantinópolis que abriga o curso
está situado na microrregião do Bico do Papagaio, Norte do estado do Tocantins, sendo esta
cidade situada às margens do Rio Tocantins, na divisa do estado do Tocantins com o estado
do Maranhão, distante 530 km da capital, Palmas. Assim, o curso atende toda a microrregião
do Bico do Papagaio, que faz divisa com Sudoeste do Maranhão e Sudeste do estado do Pará
(SILVA et al., 2017).
Dado o vínculo do curso com os povos do campo, busca-se a participação de todos os
camponeses: agricultores familiares, ribeirinhos, extrativistas, pescadores artesanais, assentados
e reassentados da reforma agrária, acampados, quilombolas, indígenas, dentre outros. O curso
objetiva valorizar e melhorar o ensino ofertado nas escolas do campo. Daí a importância de os
próprios sujeitos do campo vinculados ao curso buscarem essa valorização, uma vez que estes
terão a compreensão do valor real do seu povo, do território, da cultura e da identidade de cada
um.
Desde a primeira turma (2014/1), o ingresso dos discentes nesse curso dá-se por meio de
processo seletivo específico e as vagas são distribuídas por quatro sistemas diferentes (Sistema
Universal; Sistema de Cotas para Etnia Indígena; Sistema de Cotas para Quilombola; e Sistema
de aplicação da Lei 12.711/2012), devendo o aluno optar por apenas um.
O curso Licenciatura em Educação do Campo: Códigos e Linguagens – Artes e Música
funciona em caráter regular e, em atenção às recomendações do MEC, o projeto do curso com-
preende a realidade sociocultural específica dos povos do campo, dispondo de organização cur-
ricular por etapas ou módulos equivalentes a semestres regulares cumpridos em alternância pe-
dagógica entre Tempo Universidade (TU) e Tempo Comunidade (TC) (SILVA et al., 2017). Na
proposta formativa é levada em consideração a educação como intrínseca à realidade específica
do seu aluno, o que de certa forma facilita o acesso e permanência dos professores-alunos no
curso. A alternância pedagógica, dentre outras coisas, permite que os alunos que vivem no/do
campo não necessitem continuar no dilema de escolher entre a educação e sua vida no campo.
Vale destacar que boa parte dos alunos do curso focalizado são indígenas. Na seção seguinte,
traremos depoimentos dos alunos indígenas vinculados ao curso explanando sobre os desafios
que estes enfrentam para cursar o ensino superior.

73
Educação do campo e pesquisa educacional

4.1. Estudantes indígenas na universidade: descobertas e desafios

Este estudo é caracterizado como uma pesquisa de campo, de abordagem qualitativo-in-


terpretativista. A pesquisa foi desenvolvida no curso de Licenciatura em Educação do Campo:
Códigos e Linguagens – Artes e Música da UFT, Câmpus de Tocantinópolis. Fonseca (2012, p.
23) enfatiza que o objetivo da pesquisa de campo é “conseguir informações e/ou conhecimentos
acerca de um problema, para o qual se procura uma resposta, ou de uma hipótese, que se queira
comprovar, ou ainda, descobrir novos fenômenos ou as relações entre eles”. Ademais, estudos
pautados nos métodos da pesquisa qualitativa possibilitam obter opiniões pessoais dos partici-
pantes e estas podem ser conseguidas no seu espaço de vivência próprio.
Os participantes da pesquisa são oito estudantes indígenas da etnia Apinayé vinculados
à LEdoC focalizada e vivem nas aldeias que ficam localizadas no território dessa etnia. Eles
estão distribuídos nas seguintes aldeias: dois moram na aldeia Cocal Grande, dois na aldeia
Pintada, dois na aldeia Furna Negra, um na aldeia Patizal e um na aldeia Boi Morto. A aldeia
mais distante é a Patizal, que fica a aproximadamente 70 km da UFT, Câmpus de Tocantinópolis
(SANTOS, 2018).
Um indígena, ao tentar ingressar em um curso superior na universidade, enfrenta uma
série de dificuldades. São tantos desafios que o sonho da graduação (diploma), às vezes, pode
se tornar frustração. Um dos principais obstáculos que os alunos indígenas do curso enfrentam
para ter acesso ao ensino superior é a distância que eles têm de percorrer para chegar até a UFT.
Um dos discentes colaboradores da pesquisa salienta que
[...] a dificuldade pra nós estudar na cidade é difícil porque a gente aqui não
tem carro, o acesso do transporte é difícil pra vim pra cá todo dia; aqui também
não tem energia, não tem computador pra gente digitar os trabalhos. Aqui é
novo aldeia, aldeia Pintada não tem acesso pra vim todo dia o transporte pra cá.
(Estudante G9).

Esse depoimento evidencia o quanto é difícil o acesso do carro até a aldeia (Pintada) que
o discente reside, pois tal aldeia está em processo de criação, com isto as estradas são bastante
precárias, uma vez que só carro traçado consegue chegar até o local. Por isso, este aluno precisa
seguir a pé até a aldeia mais próxima para tomar o transporte e chegar à UFT.
Ainda em sua fala, o Estudante G salienta a dificuldade para realizar os seus trabalhos, pois
a aldeia em que ele vive não possui energia elétrica, prejudicando-o de modo a não conseguir
realizar certos trabalhos da universidade. A ausência de energia, computador e internet na aldeia
também impossibilita que o discente realize certas pesquisas, acesse aplicativos que possam
ajudá-lo na elaboração de trabalhos, além de impossibilitar que ele encaminhe algum e-mail
para seus professores ou monitores do Programa Institucional de Monitoria Indígena (PIMI)10
para sanar suas dúvidas.

9 Por questões éticas, os nomes de todos os colaboradores desta pesquisa foram substituídos por pseudônimos.
Advertimos o leitor que optamos por manter a grafia das palavras tal como elas aparecem nas falas registra-
das em entrevistas dos colaboradores.
10 O PIMI é um programa disponibilizado pela UFT com o objetivo de facilitar a inclusão dos alunos indígenas
durante as atividades de ensino, pesquisa e extensão, contribuindo assim com a permanência e sucesso
destes na universidade. No ano da pesquisa (2018), o programa contava com quatro monitoras bolsistas/
remuneradas.

74
Educação do campo e pesquisa educacional

O Estudante E destaca que sua dificuldade é “[...] não tenho moto pra ir pra cidade mais
hoje nós temos, a gente tem a nossa casa lá na cidade”. Neste depoimento, podemos perceber
novamente a dificuldade de locomoção, mas o discente lembra que tem uma casa para ficar
na cidade. A casa mencionada é o alojamento disponibilizado pelo curso de Licenciatura em
Educação do Campo da UFT aos alunos camponeses que residem fora da cidade de Tocan-
tinópolis para ficar ao longo dos períodos de TU. Trata-se de um alojamento exclusivo para
discentes do curso e os acadêmicos que necessitam de tal moradia precisam se inscrever e passar
por uma seleção.
A Estudante I observa que “[...] a gente tem muita dificuldade pra aprender meche compu-
tador por isso que nós precisa de ajuda, nós precisa também de ajuda pra aprender meche com
computador”. Neste depoimento, a colaboradora expressa a dificuldade que ela e seus colegas
têm em manusear o computador, sendo este uma ferramenta muito importante para aqueles que
fazem graduação. Trata-se de uma demanda relacionada ao letramento digital e que a universi-
dade precisa desenvolver ações capazes de ajudar todos os alunos, não só os indígenas, que é
promover a inclusão e o acesso às novas Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs). Na
fala da estudante, percebe-se que há vontade de aprender a manusear um computador, depreen-
dendo-se um pedido de ajuda em tal fala.
O computador, ao longo dos anos, tornou-se indispensável para os estudantes, pois é uma
ferramenta que facilita o acesso a internet, a realização de certas pesquisas e a utilização de
aplicativos e editores de texto que auxiliam na elaboração de trabalhos. Além disso, é capaz de
armazenar um número considerável de dados. Por estes e tantos outros motivos, o computador
na contemporaneidade é uma ferramenta de trabalho/pesquisa e que está presente em todos os
setores da sociedade atual. Na educação, é uma ferramenta de suma importância em virtude de
sua rapidez e versatilidade no momento em que vivemos, pois o computador torna-se fundamen-
tal para o desenvolvimento do letramento digital.11 Todavia, não tendo acesso a esta ferramenta,
os indígenas e demais estudantes acabam sendo prejudicados em sua formação.
Para quem não tem acesso a obras da biblioteca física da universidade, sem os recursos
que o computador oferece para pesquisa de trabalhos de apoio em formato digital como artigos,
livros, dissertações, teses, entre outros, o trabalho do estudante, em alguns casos, pode não ficar
conforme a universidade espera. Ou seja, tendo computador e acesso a internet, certamente o
estudante terá maior facilidade em sua vida acadêmica, pois ele não necessitará frequentar ex-
clusivamente a biblioteca e o laboratório da UFT para realizar pesquisas.
Outro desafio que os estudantes indígenas enfrentam no percurso de sua formação é o
receio do novo. E são inúmeros os significados interligados ao acesso ao ensino superior, pois há
[...] uma mudança abrupta de vida, podendo ser sentido como um “estouro
na cabeça”. A vida acadêmica traz muitas mudanças que exigem um esforço
de adaptação do indivíduo, seja no sentido de corresponder às exigências de
desempenho, mais altas do que no ensino médio, seja no sentido de se adaptar
a novas regras da instituição e a novas pessoas, como colegas, professores ou
funcionários. A mudança de um ambiente familiar conhecido (a escola) para
outro desconhecido (a universidade) parece gerar inicialmente uma sensação
de atordoamento, que sugere a perda de referências anteriores. (TEIXEIRA et
al., 2008, p. 192).
11 Para mais detalhes sobre letramento digital, ver Araújo e Pinheiro (2014).

75
Educação do campo e pesquisa educacional

O Estudante F lembra que no seu primeiro dia de aula “[...] não sabia o que eu ia aprender lá
no curso né, de novidade”. Nesta fala, o aluno revela sua incerteza em relação ao que iria aprender
de novo no curso que este iniciava. Percebe-se que o contato com o novo o deixou um pouco
receoso com os seus colegas e professores, corroborando o que salientam Teixeira et al. (2008).
Outro ponto desafiador a destacar é que, em suas aldeias, os indígenas normalmente falam
a sua língua materna (o Apinayé), mas quando chegam à universidade eles têm que falar e com-
preender o Português em todas as situações comunicativas envolvendo as atividades acadêmi-
cas. De certo modo, isso assusta e os deixa inseguros, pois o Português é uma segunda língua
para os indígenas, tornando-se também um desafio para o curso de Licenciatura em Educação
do Campo da UFT pensar/propor novas metodologias que atendam as demandas dos alunos e
necessidades de aprendizagens em língua adicional. E a dificuldade em falar a língua portuguesa
é apontada por todos os colaboradores da pesquisa:
[...] é pra nós índio tem muito dificuldade pra aprender né, a gente não fala bem
o Português, mas entende um pouco o Português a gente entende alguma coisa
muito não mas um pouco. (Estudante I).

[...] a minha dificuldade é... falar na língua portuguesa é... muito difícil pra nós
indígena estar falando, mais tô aprendendo um pouco. (Estudante F).

[...] e pra nós a gente não fala bem o Português, mais a gente tá falando pra
aprender, né? Pra gente poder falar no meio dos outros, no meio dos colegas
mais a gente vai aprendendo daqui pra frente, né. (Estudante G).

Em todas essas três falas fica evidente a dificuldade dos estudantes Apinayé em falar o
Português. Os estudantes I e F explicam o quanto é difícil para um indígena aprender a falar bem
a língua portuguesa, e que a maior dificuldade não é entender as pessoas falando o Português,
mas sim em falar a língua. Acreditamos que parte das dificuldades se dá em decorrência de dife-
rentes aspectos do Apinayé e do Português, como por exemplo, fonética, gramática, ordem das
palavras, léxico, conjugação de verbos, concordância, além de outras questões linguístico-cul-
turais específicas. Logo, tudo isso acaba sendo uma barreira para os indígenas, dificultando-os a
não utilizar bem o Português na oralidade e na escrita.
No processo de alfabetização em suas aldeias, os indígenas não contam com nenhum
programa que os auxilie na alfabetização em Português. Nos primeiros anos de ensino (Ensino
Fundamental I), os professores são todos indígenas, uma vez que as crianças na comunidade
somente começam a falar a língua portuguesa quando entram no Ensino Fundamental II. Mesmo
os professores nos anos iniciais do Ensino Fundamental sendo indígenas, os referenciais e os
materiais didáticos são em Português. Assim, os professores ministram suas aulas sem o material
adequado para os auxiliarem, sendo que os alunos são monolíngues em sua língua materna, o
Apinayé. Almeida (2015, p. 166) assevera que os alunos sem essa base nos anos iniciais do
Ensino Fundamental serão
[...] alunos egressos do Ensino Fundamental ingressando no Ensino Médio
sem habilidade mínima de leitura e de escrita, nem na Língua Apinajé nem em
Português. Sem contar a problemática de os professores nessa fase da escolari-
zação não serem indígenas e não falarem a língua dos alunos. É, portanto, uma
educação monolíngue na língua da sociedade dominante, para estudantes que
tem como primeira língua outra que não a do material didático.

76
Educação do campo e pesquisa educacional

Segundo o excerto, podemos concluir que os alunos Apinayé concluem o Ensino Médio
com muitas dificuldades em ler e escrever, em virtude de terem concluído o Ensino Fundamental
sem serem alfabetizados. Consequentemente, os alunos chegam à graduação e se deparam com a
escrita acadêmica, embora ainda não possuam domínio mínimo da língua portuguesa. Por isso,
não só os acadêmicos indígenas sentem muitas dificuldades em relação ao emprego da língua
portuguesa, sobretudo para elaborar os trabalhos acadêmicos, o que acaba sendo um dos grandes
obstáculos que precisam enfrentar ao longo da graduação. Com base em sua experiência como
monitora do PIMI na LEdoC da UFT, em um dos relatórios enviados para a professora-orienta-
dora do programa, Santos (2016, p. 1) destaca que uma das metodologias adotadas para auxiliar
os indígenas foi
[...] o de enviar um e-mail para todos os professores do curso para que estes
pudessem neste e-mail encaminhar o que passaram como atividade para o
tempo comunidade, pois muitas das vezes a maneira como é passado na aula os
indígenas não compreendem, considerando que os mesmos ainda apresentam
dificuldades na compreensão da língua portuguesa, assim impossibilitando o
entendimento dos alunos indígenas acerca das atividades.

O relato da monitora reforça que a dificuldade frente ao uso da língua portuguesa represen-
ta para os indígenas um grande desafio que precisam enfrentar ao longo da graduação, sendo que
tal dificuldade pode impossibilitá-los de compreender, por exemplo, como deve ser realizado
um trabalho, qual a abordagem certa/ideal para execução de cada tipo de trabalho, etc. E é neste
momento que devemos nos lembrar dos significados de letramento do professor e letramento
acadêmico, onde o professor deve adotar metodologias apropriadas à realidade da turma e levar
em consideração o meio social em que os estudantes vivem e, a partir disto, mostrar e oferecer
ferramentas capazes de ajudá-los a superar as barreiras linguístico-discursivas.
E eu tô fazendo esse curso de Educação do Campo é porque esse é meu sonho
de ser professora, ajudá o meu povo que é muito importante. Eu preciso ajudá o
meu povo, que eu sempre sonho de ser professora da aldeia, preciso ajudá o meu
povo também que precisa de nós também indígena como professora, né? Esse é
meu sonho de ser professora e ajudá o nosso povo que precisa muito aprender o
português que às vezes o nosso povo não sabe falar ainda o português; a gente
precisa ajudar e se um dia a gente chegar ser professora eu quero ajudar os que
tão precisando que a gente fala o português e na língua [Apinayé] também.
(Estudante I)

Na declaração da discente fica evidente que, mesmo com todos os obstáculos para chegar
ao curso de Licenciatura em Educação do Campo, as dificuldades enfrentadas dentro da UFT
na condição de aluna, o sonho de ser professora e de ajudar o seu povo é maior. O desejo de
aprender/dominar a língua portuguesa é grande e não somente para que ela possa falar fluen-
temente o Português, mas também para poder ensiná-lo aos membros de sua comunidade, os
Apinayé.

77
Educação do campo e pesquisa educacional

5. Considerações finais
Neste capítulo, nosso objetivo foi refletir sobre desafios encontrados por estudantes
indígenas Apinayé ao longo da graduação no curso Licenciatura em Educação do Campo:
Códigos e Linguagens - Artes e Música da Universidade Federal do Tocantins, Câmpus de To-
cantinópolis. A pesquisa revelou que os principais desafios enfrentados pelos estudantes não se
limitam a questões inerentes ao espaço acadêmico.
Com base nos dados da pesquisa, as principais dificuldades que os estudantes indígenas
se deparam para cursar a graduação são principalmente: i) longa distância entre as aldeias e a
UFT, Câmpus de Tocantinópolis; ii) condições precárias das estradas e/ou ausência de trans-
porte em algumas aldeias para locomoção até a universidade; iii) ausência de energia elétrica,
computador e internet em algumas aldeias para elaboração de trabalhos acadêmicos; iv) pouca
experiência dos indígenas com o uso do computador e aplicativos para realizar atividades,
como, por exemplo, usar editores de texto para digitar trabalhos e/ou enviar/receber e-mails
para/da universidade; v) baixo domínio da língua portuguesa, o que causa dificuldades para os
indígenas executarem as atividades propostas pelos professores. É importante ressaltarmos que
outros alunos da UFT também enfrentam essas mesmas dificuldades, principalmente em relação
a acesso e uso das TICs.
Mesmo com todos esses obstáculos, os estudantes indígenas participantes da pesquisa
expressam uma vontade enorme de concluir a graduação para ajudar a própria comunidade,
como revelou a pesquisa. E eles precisam ser licenciados para poderem ajudar a fortalecer a
Educação Escolar Indígena nas aldeias. Por sua vez, cabe também aos docentes do curso da
LEdoC desenvolver atividades/projetos que possam incluir os alunos indígenas, sobretudo no
sentido de levá-los a desenvolver o letramento acadêmico.

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80
Educação do campo e pesquisa educacional

6. A monitoria de alunos indígenas


no curso de Educação do Campo:
experiências do PADI e PIMI
Renata Lopes Cipriano Guimarães
Mara Pereira da Silva

1. Introdução
A Universidade Federal do Tocantins (UFT) é uma instituição que pertence a rede federal
de ensino e está vinculada ao Ministério da Educação (MEC), oferecendo cursos em diversas
modalidades em que se incluem graduações como a de Licenciatura em Educação do Campo
(LEdoC) – Artes e Música que é oferecida no Câmpus de Tocantinópolis, na região conhecida
como Bico do Papagaio.
De acordo com o Projeto Pedagógico do Curso (PPC), o Tocantins possui uma população
bastante heterogênea que agrupa uma variedade de povos indígenas e uma significativa população
rural. Nesse sentido, a UFT tem, portanto, o compromisso com a melhoria do nível de escolari-
dade no Estado, oferecendo uma educação contextualizada e inclusiva. Dessa forma, a Univer-
sidade tem desenvolvido ações voltadas para a educação indígena, educação rural e de jovens e
adultos. A LEdoC tem como objetivo promover uma educação apropriada aos povos do campo,
visando uma profissionalização adequada para se trabalhar na própria região do aluno.
O curso em estudo pode ser considerado novo na UFT, pois teve início, com sua primeira
turma, no ano de 2014. Por ser um curso voltado para povos do campo, apresenta um perfil
discente plural, onde encontramos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, assentados da reforma
agrária e outros.
De acordo com o PPC, a criação dessa LEdoC faz parte de uma ampliação do MEC,
iniciada em 2003, de promover uma política nacional de Educação do Campo. Essa política
foi formulada pela antiga Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e
Inclusão (Secadi), através da Coordenação Geral de Educação do Campo (CGED), sendo a
criação do curso um marco muito importante para a população local.
O curso tem como proposta educativa a formação por alternância, sendo que nesse tipo
de sistema educativo a formação acontece não somente no espaço escolar, mas também “pela
experiência e no contato com o meio. Em ambos, os elementos de formação são instrumentos
complementares da aprendizagem das pessoas” (GARCÍA-MARIRRODRIGA; PUIG-CAL-
VÓ, 2010, p. 64). Para os autores García-Marirrodriga e Puig-Calvó (2010), nessa proposta
de formação “Permite-se que intervenham pessoas muito diferentes: os formadores, os profis-
sionais, as famílias, os próprios jovens em formação, os responsáveis de alternância, pessoa
experientes” (GARCÍA-MARIRRODRIGA; PUIG-CALVÓ, 2010, p.64). Nesse sentido, são

81
Educação do campo e pesquisa educacional

valorizados além do conhecimento científico, os saberes e fazeres das comunidades. A formação


por Alternância prima pela experiência dos sujeitos e necessita de um diálogo constante entre os
atores locais, o que os autores chamam de “Alternância Integrativa” (GARCÍA-MARIRRODRI-
GA; PUIG-CALVÓ, 2010, p. 64). A formação por alternância acontece em dois tempos-espaços
formativos, isto é, na universidade e na comunidade dos estudantes, em se tratando dos acadê-
micos indígenas, em suas respectivas aldeias.
Neste capítulo, traremos duas visões acerca de experiências com programas institucionais
voltados ao acompanhamento pedagógico discente, através de políticas institucionais de ensino
e assistência estudantil, realizados dentro do curso em estudo. Os programas abordados serão o
Programa Institucional de Monitoria Indígena (Pimi) e Programa de Apoio ao Discente Ingres-
sante (Padi).
Os trabalhos de monitoria vinculados a esses programas foram realizados com estudantes
Apinajé, também conhecidos como Apinagé, Apinayé e outras denominações. Apesar dessa etnia
receber vários termos relacionados ao nome, no decorrer desse capítulo iremos usar Apinajé
pelo motivo de ser a denominação que esses povos desejam serem reconhecidos. Os Apinajé
pertencem ao tronco linguístico Macro-Jê e família Jê.
Os Apinajé têm como principais aldeias a São José e Mariazinha, que ficam localizadas
próximas ao município de Tocantinópolis, no Tocantins, as quais são consideradas aldeias sede
por possuírem algumas estruturas governamentais, como escola e posto de saúde. O Ministério
da Saúde (MS), em 2016, informa em seu site que, segundo dados da Secretaria Especial de
Saúde Indígena (SESAI), a população da etnia Apinajé contava com cerca de 2.498 indígenas.
Esses indígenas, atualmente, se organizam em aproximadamente 47 aldeias e escolheram a UFT
como um espaço de ensino e aprendizagem da cultura do não índio, assim como tentam fazer
reconhecida as suas culturas tradicionais para os não indígenas nesse lugar educacional.
A metodologia utilizada consiste na abordagem de dados qualitativos que, segundo Gibbs
(2009, p. 17), “são essencialmente significativos, mas, mais do que isso, mostram grande di-
versidade”. Os dados qualitativos podem se apresentar das mais variadas formas. Para Gibbs
(2009, p. 17), “Eles não incluem contagens e medidas, mas sim praticamente qualquer forma de
comunicação humana-escrita, auditiva ou visual; por comportamentos simbólicos ou artefatos
culturais”. Em se tratando dessa proposta, os dados qualitativos foram coletados a partir das
histórias de vida das autoras com os programas institucionais Pimi e Padi, por meio de diversas
formas de comunicação humana. Segundo o autor, as pessoas envolvidas em uma pesquisa
conseguem por meio de suas histórias dar sentido as suas “experiências passadas e comparti-
lham essas experiências com outras”. (GIBBS, 2009, p. 80).
A monitoria, de forma geral nas universidades, tem como função contribuir para a formação
do acadêmico como futuro professor de nível superior, assim como, no aperfeiçoamento do
ensino na graduação. De acordo com a Lei de Diretrizes Bases (LDB) 9394/96, em seu artigo
84 estabelece-se que “Os discentes da educação superior poderão ser aproveitados em tarefas de
ensino e pesquisa pelas respectivas instituições, exercendo funções de monitoria, de acordo com
seu rendimento e seu plano de estudos”. (BRASIL, 1996, p. 51).
Em se tratando dos programas que serão abordados neste capítulo, o Pimi tem como
objetivo, conforme a UFT, “facilitar a inclusão dos alunos indígenas nas atividades de ensino,
pesquisa e extensão, contribuindo para a sua permanência e sucesso acadêmico” (PIMI, 2020).

82
Educação do campo e pesquisa educacional

No caso do Padi, seu objetivo geral conforme a instituição é “auxiliar os estudantes ingressantes
que estejam matriculados no 1º e/ou 2º período(s) e àqueles reprovados nas disciplinas básicas
curriculares” (PADI, 2020).
Os programas apresentados Pimi e Padi focalizam tarefas de ensino muito semelhantes,
embora se aproximem, na proposta da UFT, no Pimi existem monitores e, no Padi, tutores, que
são os termos usados nesse estudo. Além da questão nominal dos termos, um outro fator que
diferencia os dois programas é que no Pimi os(as) monitores(as) precisam estar preparados para
o atendimento do aluno indígena em todas as disciplinas do curso e atividades curriculares que
envolvam o ensino, a pesquisa e a extensão. No caso do Padi, os(as) tutores(as) atendem por área
de conhecimento, com o intuito de “ampliar o atendimento aos alunos ingressantes na Institui-
ção proporcionando-lhes suporte didático, no sentido de minimizar deficiências de conhecimen-
tos básicos necessários às disciplinas introdutórias dos cursos de graduação” (PADI, 2020). É
um programa que não envolve apenas indígenas, mas todos os discentes da turma. No caso das
experiências que serão relatadas, a professora orientadora e tutora trabalharam na época especi-
ficamente com os estudantes indígenas da etnia Apinajé.
O capítulo traz a visão e experiência das duas autoras, Mara da Silva relatando sua jornada
como professora orientadora no Pimi, durante os anos de 2016.2, 2017 e 2018.1, e Renata
Cipriano, como tutora do Padi, durante o ano de 2017, quando ainda era discente do curso da
LEdoC. As autoras vivenciaram as experiências de modo diferente: uma como professora orien-
tadora e outra como tutora.

2. Metodologias, estratégias de acompanhamento e


atividades práticas no Pimi
No Pimi, os monitores são selecionados por um edital publicado pela Pró-Reitoria de
Graduação (Prograd) semestralmente. Após a escolha dos monitores, uma das metodologias
e estratégias para o desenvolvimento das atividades do programa foram as reuniões, a cada
início de semestre, como forma de dialogar com os estudantes indígenas, sobre suas necessida-
des de acompanhamento nas propostas/atividades do curso. Nessa reunião, além dos estudantes
indígenas e a professora orientadora, estavam presentes, também, os monitores do programa
para ouvirem as demandas dos acadêmicos indígenas. Além de ouvir as necessidades de acom-
panhamento dos indígenas, as reuniões no início do semestre serviram como um espaço de
diálogo para os indígenas avaliarem o programa, ou seja, a maneira que foram atendidos pelos
monitores, assim como se autoavaliarem durante o semestre.
Considerando também que o curso funciona em regime de formação por alternância, nas
reuniões que ocorriam no tempo universidade, logo no início, decidíamos também onde seriam os
encontros do tempo comunidade. O adiantamento desse processo se dava como forma de garantir
a logística do deslocamento, reservando na universidade o transporte e motorista para nos deslo-
carmos até as aldeias. E se houvesse necessidade, nos direcionávamos até a residência do aluno
indígena. Essa necessidade se fazia presente quando o estudante não comparecia no atendimento
do tempo comunidade (nas aldeias sedes), então nos dirigíamos até sua aldeia de origem para
saber o motivo. Silva et al. (2018, p. 81), ao se referirem ao atendimento dos Apinajé no Pimi,
afirmam que: “são registradas as presenças/ausências dos alunos atendidos nas atividades como

83
Educação do campo e pesquisa educacional

forma de acompanhar o interesse ou desinteresse deles pelos encontros que podem ser inviabili-
zados por diversos motivos: problemas pessoais, familiares, financeiros e outros”.
Nas reuniões foram apresentados pelos estudantes indígenas alguns problemas enfrenta-
dos, desde o deslocamento das aldeias, suas vivências na universidade, bem como as precárias
condições das estradas, principalmente em período chuvoso. Silva et al. (2018) apresentam os
problemas enfrentados por indígenas Apinajé na universidade as quais denominam de desafios e
dificuldades vivenciados pelos acadêmicos indígenas. Entre os desafios apontados pelas autoras,
encontram-se: o uso do computador para realizarem seus trabalhos e o manuseio da língua por-
tuguesa na oralidade e na escrita, visto que os acadêmicos têm como língua materna o Apinajé.
Às dificuldades apresentadas incluem-se, também, a questão do deslocamento das aldeias até a
universidade, enfatizando a falta de transporte.
A preocupação dos povos indígenas com a oralidade e a escrita na Língua Portuguesa, de
um modo geral, acontece por acharem necessária a apropriação desse conhecimento como forma
de se relacionarem com o Estado nacional para reivindicarem seus direitos. Souza (2018, p. 52),
indígena e escritor da etnia Macuxi, afirma em relação à importância da escrita para os povos
indígenas,
Antes símbolo da colonização civilizatória, a escrita tornou-se um instrumento
importante, na medida em que possibilitou aos povos indígenas estabelecerem
diálogos e entendimentos com o poder público, por meio de produção de docu-
mentos reivindicatórios para a melhoria das políticas públicas hoje oferecidas
– sobretudo na saúde e na educação, mas também na demarcação, homologação
do território, segurança alimentar em nossas terras.

No caso do povo Apinajé, não é diferente. A busca pela apropriação da língua portuguesa
tanto na modalidade oral quanto na escrita, tem possibilitado a presença de muitos jovens na
universidade, que têm se formado em nível de graduação, especialização e mestrado.
Os monitores, ao adentrarem no projeto do Pimi, assinavam um termo, afirmando que se
dedicariam 20 horas semanais ao programa. Essas horas eram divididas em um cronograma que
envolvia momentos de estudos, acompanhamento dos alunos, reuniões com a professora orien-
tadora, elaboração de relatórios e outros.
Esses monitores atuavam de forma remunerada e não remunerada, sendo que o aluno que
se disponibilizava em participar, de forma voluntária, tinha as mesmas responsabilidades de um
monitor que recebia bolsa de monitoria.
Na realização das monitorias do Pimi, houve anteriormente toda uma preparação dos
monitores como: leituras sobre povos indígenas; leituras sobre a história e cultura do povo
Apinajé; e leituras sobre direitos indígenas na educação, com o objetivo de formar esses
monitores para atuarem em contextos educacionais de povos indígenas. No rol dessas leituras,
foram apresentados os autores Da Matta (1976) e Nimuendaju (1983), que foram os pioneiros
em estudos voltados para o povo Apinajé. Apesar da existência do ensaio sobre os Apinayé
de Nimuendaju(1939), optamos pela obra de 1983, por entender ser de mais fácil compreen-
são para alunos de graduação, pelo fato de ser em Língua Portuguesa. É mister informar que
os monitores participaram ativamente das atividades de planejamento, ações e avaliações do
programa, visto que as reuniões serviam como espaço para avaliar as metodologias de aprendi-
zagem que estávamos utilizando.

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Educação do campo e pesquisa educacional

Os monitores procuravam se apropriar dos conteúdos das disciplinas antecipadamente aos


encontros, para ajudarem os estudantes indígenas no entendimento do assunto e realização das
suas atividades no tempo universidade, como também, nos trabalhos que eram encaminhados
para o tempo comunidade.
Outra prática muito comum foi o acompanhamento realizado pelos monitores, dos estu-
dantes até a Secretaria acadêmica da UFT, para resolverem questões referentes aos seus históri-
cos acadêmicos, como notas e frequências lançadas nos diários eletrônicos.
Além dos atendimentos em relação às atividades de ensino, nesse período que estivemos
na função de professora orientadora do Pimi, desenvolvemos em conjunto com os monitores
e os estudantes projetos de extensão, como: I, II e III Mostra de Vídeos Apinajé, Oficina de
Educação Musical para povos indígenas, Reafirmando a identidade por meio de imagens. Neste
último, gerou um álbum memorial de fotografia sobre a importância da universidade na vida
desses povos, o qual intitulamos “Narrativas Apinajé”.

Figura 1 - Álbum memorial “Narrativas Apinajé”.

Fonte: Dados da pesquisa (2018).

A elaboração desses projetos de extensão foi uma forma de garantir a participação desses
alunos em eventos acadêmicos, pois em sua maioria foram realizados dentro das aldeias. Além
disso, houve a participação dos estudantes indígenas, os monitores do programa e professora
orientadora no 2º Concurso de Fotografia da UFT, organizado pela Pró-Reitoria de Extensão,
Cultura e Assuntos Comunitários (PROEX), em que os participantes apresentavam uma fotogra-
fia que retratasse o cotidiano da comunidade acadêmica ou o espaço físico da UFT, tendo como
objetivo estimular a prática da fotografia e sensibilidade artística. Nesse concurso, a professora
orientadora ganhou em primeiro lugar na categoria Vida Acadêmica, apresentando uma fotogra-
fia da Mostra de Arte que ocorreu na aldeia São José.
Na pesquisa científica foi possível publicarmos um capítulo no livro “Educação do Campo,
Artes e Formação Docente” (Volume 2), que é uma publicação da LEdoC – Artes e Música, de
Tocantinópolis. E apresentamos e publicamos trabalhos em eventos locais, nacionais e inter-
nacionais. Dentre esses eventos acadêmicos, citamos como exemplo: IV Jornada Universitária
pela Reforma Agrária; II Seminário de pesquisa em educação, pobreza e desigualdade social;
Encontro 20 anos de Educação do Campo e do Pronera; III Simpósio e I Seminário Internacional

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Educação do campo e pesquisa educacional

do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura e Território. Corroboramos com Praça


(2015) ao apresentar a prática da pesquisa científica na Universidade como um elemento impor-
tante na vida estudantil, e como um instrumento incentivador nas práticas de reflexão crítica e
construtiva. Para a autora, “os estudantes que realizam a pesquisa científica na Universidade,
estão em sua maioria, mais preparados para o mercado de trabalho, adquirem maturidade pro-
fissional precocemente e se destacam entre outros estudantes na hora da tomada de decisão”
(PRAÇA, 2015, p. 76).
No período em que estivemos coordenando o Pimi, passaram sete monitores, sendo cinco
não indígenas e dois indígenas que em 2018 se prontificaram em participar do programa volun-
tariamente. Desse grupo de alunos, seis optaram no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) por
pesquisar sobre os Apinajé, seja na escola, na universidade ou em suas respectivas aldeias, e
foram orientados por outros professores do curso.

Quadro 1 - TCC dos Monitores do PIMI.

Monitores (a) Título do TCC


Célio Ribeiro Dias Apinagé Indefinido
Edmar Xavito Apinagé Indefinido
O ensino de Arte e a educação inclusiva: relato de experiência
Gracilene dos Santos
numa escola indígena Apinayé
Os problemas ambientais na Aldeia São José da etnia Apinayé
Jéssica Adriana dos Santos Silva
de Tocantinópolis-TO
Vozes benditas: Histórias de vida de benzedeiras e benzedeiros
Maria Gerlane Alves de Sousa
no povoado Vale verde
Letramento acadêmico: reflexões sobre a produção de gêneros
Milena dos Santos acadêmicos por estudantes indígenas em uma licenciatura em
Educação do Campo
Taylane Fernandes da Silva Arte Apinayé: um estudo de caso na Escola Indígena Tekator-TO

Fonte: Dados da pesquisa (2020).

Observa-se no quadro acima que apenas uma aluna decidiu escrever seu TCC em outra
temática. É mister informar que a professora orientadora do Pimi não foi orientadora dos
trabalhos acima, mas participou de quatro das cinco bancas de defesa dos TCC do Quadro 1. Os
dois trabalhos de acadêmicos indígenas ainda não tiveram suas defesas, estão programados para
serem defendidos posteriormente.

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Educação do campo e pesquisa educacional

3. Metodologias, estratégias de acompanhamento e


atividades práticas no Padi
No Padi, como forma de diminuir o índice de reprovação e evasão na UFT, as tutorias são
divididas por área de conhecimento, as disciplinas contempladas pelo programa apresentam alto
índice de reprovação, diagnosticado, previamente, pela Prograd. Em relação ao funcionamento
do programa, de modo geral, Ruas Junior (2018, p. 108) questiona,
Como o programa funciona? A Prograd lança um edital para submissão de
propostas pedagógicas com o objetivo de preencher vagas para formar grupos
de tutores sob o gerenciamento de um professor-coordenador. Essas vagas são
distribuídas por área de conhecimento básico para disciplinas com índice de re-
provação, de acordo com diagnóstico sistêmico promovido pela Prograd. Dessa
forma, compete a cada professor – coordenador ser responsável por um grupo
de até 05 (cinco) alunos-tutores bolsistas, podendo ainda ter outros 05 (cinco)
na condição voluntária).

O programa é administrado pelo professor coordenador, que faz parte do quadro docente
efetivo da UFT. O curso de LEdoC foi contemplado com o Padi para a área de conhecimento de
Música, avaliado e aprovado pela Prograd através do edital 12/2017, pois apresentava um índice
muito grande de reprovação, por parte dos discentes que tinham dificuldades nas disciplinas
vinculadas a essa área.
Com isso, foram selecionados cinco tutores bolsistas e dois tutores voluntários para darem
início às atividades voltadas ao programa. De acordo com Ruas Júnior (2018, p.111), o programa
estabeleceu como meta para o primeiro semestre de atividade: “1) reduzir o número de reprova-
ções nas disciplinas de Fundamentos da Notação Musical e Teoria e Percepção Musical II (dis-
ciplinas ofertadas no semestre 2017.1); 2) promover o acompanhamento regular e sistemático
aos discentes dentro do contexto da alternância pedagógica”. (RUAS JUNIOR, 2018, p. 111).
Ainda segundo Ruas Júnior (2018), que era o professor coordenador à época, entre as
estratégias adotadas e que foram colocadas em prática pelo grupo do Padi-Música, estava a
frequência do(a)s tutores(as) nas disciplinas em que seriam ofertados os acompanhamentos.
Segundo o autor, esse posicionamento era para “garantir a divulgação constante das ações do
Padi entre os alunos ingressantes e promover a interação e o estreitamento de afinidade entre
tutores e alunos, com o objetivo de identificar mais rapidamente os conteúdos deficitários nos
ingressos”. (RUAS JUNIOR, 2018, p. 111).
No Padi, ficamos responsáveis pelo acompanhamento dos alunos indígenas. Em conversas
durante as aulas de tutoria e em conversas com os alunos indígenas, percebemos que as princi-
pais queixas voltadas para a não compreensão das aulas eram:
1. Não entender o que o professor estava falando (pelo uso de palavras oriundas do meio
acadêmico);
2. Não ter acesso àqueles tipos de instrumentos musicais;
3. Timidez para levar os seus questionamentos até o professor;
4. Nunca ter visto partituras musicais antes de entrar na universidade.

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Educação do campo e pesquisa educacional

Portanto, novos objetivos e metodologias foram traçados para que pudéssemos realizar
um bom trabalho no programa com os alunos indígenas e sanar esses problemas. O primeiro
objetivo foi traçar meios para que desenvolvêssemos mais o diálogo entre tutores e discentes,
estreitando laços e ganhando confiança um do outro para diminuir a timidez, e tivéssemos um
diálogo sincero a respeito do conteúdo. Tudo isso com o intuito de eliminar a sensação de
estar diante de um professor e que os acadêmicos estavam ali apenas para assistir mais aulas,
colocando de modo que ficasse claro que éramos colegas de curso.
Muitas vezes, os próprios alunos se sentem mais à vontade para consultar seus compa-
nheiros e tirar dúvidas. A esse respeito, Slavin (1990), citado por Nunes (2007, p. 53), afirma
que “pesquisas sobre aprendizagem cooperativa vêm mostrar como os alunos aprendem com
seus colegas, representando uma rica estratégia de estimular esse apoio mútuo”. Segundo Nunes
(2007), nesse sentido o “monitor é um aluno, participa da cultura própria dos alunos, que tem
diferenças com a dos professores. A interação daquele com a formação dos alunos da disciplina
tende a favorecer a aprendizagem cooperativa, contribuindo com a formação dos alunos e do
próprio monitor”. (NUNES, 2007, p. 53).
Para isso, durantes as aulas, realizávamos uma espécie de troca de saberes, onde a tutora
ensinava palavras importantes para o meio acadêmico, as quais seriam vistas diversas vezes
durante a sua formação na universidade. Após a explicação das palavras, os acadêmicos indígenas
anotavam o que tinham entendido sobre o real significado das palavras apresentadas. Os acadê-
micos indígenas, então, também traziam palavras de sua língua materna, para que pudéssemos
conhecer um pouco de sua cultura, concretizando assim a troca de saberes mencionada. A língua
materna para os Apinajé é a primeira língua. O Português é a segunda língua desse povo.
Outro método utilizado com os indígenas no Padi foi a contextualização dos conteúdos,
trazendo um pouco para sua cultura, usando nas aulas instrumentos musicais oriundos de suas
aldeias, que eles já conheciam na prática, mas não na teoria, como o maracá.
Os tutores do Padi precisavam dedicar doze horas semanais para o desenvolvimento de
atividades com os alunos. Então, cada tutor deixou livre, ou seja, em aberto, para que os próprios
alunos escolhessem com quem gostariam de trabalhar. Assim, cada monitor ficou responsável
por um número X de alunos que necessitavam das aulas de tutoria.
Durante reuniões entre professor coordenador e tutores, foram desenvolvidos jogos e brin-
cadeiras lúdicas para realizar com os alunos, onde quebrava, ainda mais, a formalidade das
aulas, e os alunos aprendiam de forma divertida e não cansativa.
A ação do monitor não pode, como às vezes sucede, se restringir a um help desk
ou tira-dúvidas. Deve ir além, envolvendo também estratégias sistematicamen-
te estruturadas com grupos de alunos, buscando, sob orientação do professor,
coordenar momentos de estudo coletivo e de aprofundamento de temáticas de
interesse de parte ou de toda a turma. (NUNES, 2007, p. 54, grifo nosso).

Todos os jogos abordavam assuntos de teoria musical, trabalhados nas disciplinas mencio-
nadas anteriormente. Seguem abaixo alguns exemplos:
1. Jogo de tabuleiro
Objetivo do jogo: Revisar conteúdos de teoria musical.

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Educação do campo e pesquisa educacional

Conteúdos trabalhados: Tom e Semitom, Intervalos, escalas maiores e menores com


sustenido e bemol.
Regras do jogo:
• Cada jogador escolhe um pino;
• Sorteia a ordem de jogadores;
• Cada jogador joga os dados para saber quantos Tom e Semitom deve avançar;
• Ao chegar na nota do teclado, deve responder a uma questão da carta;
• Se errar volta para a casa que estava anteriormente;
• Ganha o jogador que finaliza o percurso.

Figura 2 - Jogo de tabuleiro.

Fonte: Dados da pesquisa (2017)

2. Jogo da Memória
Objetivo do jogo: Revisar conteúdo de teoria musical.
Conteúdos trabalhados: Figuras musicais e armadura de clave.
Regras do jogo:
• Encontrar pares iguais.

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Educação do campo e pesquisa educacional

Figura 3 - Jogo da memória.

Fonte: Dados da pesquisa (2017).

É mister informar que esses jogos serviram apenas como recursos para se trabalhar
os conteúdos musicais, visto que a Educação Musical não pode se resumir a jogos (GUIA;
FRANÇA, 2005). O jogo na Educação Musical é de suma importância para o desenvolvimento e
aprendizagem da música pelos estudantes. Essas foram algumas das experiências metodológicas
que funcionaram com sucesso para as aulas de tutoria, garantindo assim os seus avanços nas
disciplinas que envolviam conteúdos de teoria musical.

4. Contribuições das experiências no Pimi como


professora orientadora
Assim como professora orientadora do Pimi, o interesse dos monitores pela temática dos
povos indígenas foi muito significativo, considerando que eles usaram as experiências viven-
ciadas no programa para problematizarem as suas respectivas pesquisas de TCC que focaram
nas Artes visuais, na língua portuguesa e em problemas ambientais das aldeias. Como citado
anteriormente, uma das monitoras não desenvolveu seu TCC focando nos indígenas, mas optou
por histórias de vida de benzedeiro(a)s.
Foi possível também orientar as monitoras nas atividades de Estágio Curricular Super-
visionado, pois optaram em algum momento de suas vidas acadêmicas por realizar o estágio
obrigatório nas escolas das aldeias. Desse modo, fazendo o elo entre a educação superior e a
educação básica atentando para o que Molina (2014) diz sobre a sintonia desses dois níveis de
ensino, não podem ser pensados dicotomizados, mas que é necessário articular a formação dos
futuros professores com a educação básica e com os materiais didáticos.
A participação nas bancas de TCC também proporcionou momentos significativos de
aprendizagens e apreciação da produção de conhecimentos científicos. Nesse momento, foi
possível avaliar a escrita e a oralidade dos estudantes, além de ouvir críticas e em outras partes

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Educação do campo e pesquisa educacional

elogios vindos dos demais colegas das bancas. Essas questões me levaram a refletir sobre minha
própria prática tanto em sala de aula como nas orientações de orientandos.
Assim como as monitoras em seus TCCs, a vigência no programa como professora orien-
tadora tem servido, no momento, como problematização na pesquisa de Doutorado que vem
sendo desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Letras: Ensino de Língua e Literatura
da UFT, em Araguaína-TO.

4.1. Contribuições das experiências no Padi como monitora para o hoje


como professora na LEdoC

Um dos objetivos do programa é “propiciar ao tutor(a) discente a oportunidade de enrique-


cimento técnico e pessoal, por meio de desenvolvimento de atividades acadêmicas, permitindo-
-lhe ampliar a convivência com outras pessoas do meio universitário” (PADI, 2020).
A experiência com esses programas nos beneficia com um grande desenvolvimento
didático, pois aqui se tem uma vivência aproximada do que realmente é a docência, conhecen-
do e enfrentando alguns dos desafios que acompanham essa profissão. É válido destacar que a
monitoria/tutoria é uma via de mão dupla, ou seja, monitores/tutores e monitorados/tutorados
são beneficiados, pois os dois aprendem durante as aulas.
Como tutora do programa do Padi, foi possível se conhecer como professora, passando
a colocar em prática o que já havia aprendido, em teoria, em disciplinas de metodologia, de
didática e de estágio. Se conhecer como professora, pelo fato de que foi ali, naquele espaço,
dado através do programa, que se encontrar ministrando aulas e vendo com quais formas de
lecionar seriam melhores e bem confortáveis.
Durante a participação no programa o aprendizado que ficou foi que devemos sempre estar
nos autoavaliando como docentes, pois é necessário aprender diariamente, refletir sobre as me-
todologias, estratégias e atividades que estão sendo utilizadas durante as aulas e perceber se está
sendo benéfico para os alunos, e se não está, o que fazer para melhorar? Que caminho seguir?
São questionamentos que nos fazemos a todo o momento, e o programa possibilitou a solucio-
ná-las. Hoje carregamos tudo o que foi aprendido com esta incrível experiência, colocando em
prática com alunos em sala de aula.

5. Considerações finais
Neste capítulo, compartilhamos as experiências vivenciadas em dois programas institucio-
nais da UFT, vivências experimentadas por uma ex-tutora do Padi, hoje professora na LEdoC e,
uma ex-professora orientadora do Pimi e professora da LEdoC. São experiências de programas
diferentes, mas tendo em comum o público formado especificamente por indígenas da etnia
Apinajé.
Uma incursão no universo das experiências do Pimi e Padi, da UFT/Câmpus de Tocantinó-
polis, vinculadas ao curso de Educação do Campo: Artes e Música, nos leva a refletir sobre a im-
portância desses programas institucionais para a comunidade acadêmica, tanto para a formação
em alternância dos monitores, quanto para o estudante que recebe o serviço, assim como para o
professor orientador.

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Educação do campo e pesquisa educacional

Penso que os monitores do Pimi e os do Padi que tiveram contato com os acadêmicos
indígenas se encontram preparados para atuar em ambientes educacionais que têm como público
alvo esses povos tradicionais.
Podemos concluir que os programas institucionais que atuam para a permanência dos
discentes nas universidades são extremamente importantes, levando um enorme enriquecimento
pessoal para todos os participantes, seja aluno, monitor, tutor ou professor orientador.

Referências
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de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, 1996. Disponível em:
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Educação do campo e pesquisa educacional

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS. Projeto Político Pedagógico do Curso de


Educação do Campo (PPP) – Artes e Música. UFT: Tocantinópolis, 2016.

93
Educação do campo e pesquisa educacional

7. Estágio curricular no curso


de Licenciatura em Educação do
Campo: reflexões sobre vivências
no itinerário formativo do
educador
Juliane Gomes de Sousa
Joedson Brito dos Santos

1. Introdução
Discussões sobre o estágio compõem a literatura educacional a partir de diferentes
enfoques, o que por um lado evidencia sua importância como componente dos cursos de li-
cenciatura, o qual nas palavras de Pimenta e Lima (2017) deve constituir-se como atividade
teórico-prática possibilitadora de análise, compreensão, posicionamento crítico e a proposição
de transformações nos ambientes educacionais de formação; e por outro, a contemporaneidade
desta discussão, tendo em vista os diversos contextos formativos e seus determinantes estrutu-
rais, geográficos, históricos, sociais, políticos, econômico e os desafios postos para a formação
e atuação docente.
Dessa forma, o se debruçar, pensar e repensar sobre esses aspectos, dentro da Licenciatura
em Educação do Campo: habilitação em Artes e Música, ofertada na Universidade Federal do
Tocantins (UFT), Câmpus de Tocantinópolis, poderá contribuir com a constituição do debate
acerca do estágio nos contextos das Licenciaturas em Educação do Campo (LEdoC), em âmbito
nacional, em vista a jovialidade desse curso, como também, os desafios postos para a formação
dessa educação, e a constituição de suas dimensões específicas. O curso de Licenciatura em
Educação do Campo é recente no Brasil. Conforme Molina (2015), ele é fruto de uma política de
Estado datada do ano de 2012, resultado das demandas e reivindicações de diferentes movimen-
tos sociais e que resultou na implantação de 42 cursos de licenciatura em Educação do Campo.
Assim, apontar desafios, potencialidades e configurações institucionais servirá como
subsídio para a reflexão e compreensão dos sentidos formativos atribuídos a essa atividade
(estágio) no cenário dessas licenciaturas que se encontram em processo de construção e con-
solidação “[...] enquanto área de produção de conhecimento”. (MOLINA, 2015, p. 148). Deste
modo, o presente capítulo tem por objetivo tecer reflexões acerca das experiências do estágio
curricular supervisionado no contexto do curso de Licenciatura em Educação do Campo: habi-
litação em Artes e Música (LEdoC), a partir das percepções discentes.

94
Educação do campo e pesquisa educacional

Para o desenvolvimento desse estudo/texto, adotamos uma abordagem qualitativa, por


possibilitar o tratamento de aspectos subjetivos e perceptivos dos sujeitos envolvidos, tornando
a diversidade de significados a base para as reflexões e análises (ANDRÉ, 1983). Recorremos
à pesquisa documental (GIL, 2002) a partir de documentos de “primeira mão”, caracterizados
como aqueles que ainda não receberam tratamento analítico, a saber: relatórios e diários de
bordo produzidos pelos estagiários do supracitado curso no período de 2018 a 2019; e a docu-
mentos de “segunda mão”, compostos por documentos oficiais, tais como: diretrizes e resolu-
ções que orientam a organização do estágio no âmbito da Licenciatura em Educação do Campo.
E, ainda, um levantamento bibliográfico, tendo por base referenciais que discutem a temática
abordada, bem como em monografias desenvolvidas (como Trabalho de Conclusão de Curso)
vinculadas ao contexto educacional investigado.
O capítulo é composto por 03 seções. Na primeira, são delineados breves apontamen-
tos acerca do estágio, levando em consideração a literatura da área em articulação com o
cenário formativo da Licenciatura em Educação do Campo: habilitação em Artes e Música. Na
segunda, é feita uma breve apresentação do curso e da estrutura do estágio na referida organi-
zação formativa. Na terceira, são tecidas reflexões a partir das experiências vivenciadas pelos
discentes no percurso das etapas que compõem o estágio na supracitada realidade educacional,
as quais contribuem para a tessitura das considerações finais.

2. Estágio e docência: apontamentos sobre referenciais


e fundamentos
O estágio, enquanto campo de estudos, tem permeado amplos debates no âmbito da lite-
ratura educacional, fomentando discussões que perpassam pela relação teoria-prática, concep-
ções, configuração da ação pedagógica, profissionalização, dentre tantas outras que abrangem
a formação e atuação docente. Porém, embora seja um tema comum, a análise em torno de sua
configuração ganha sempre novos contornos a partir do contexto, conjuntura e objetivos deli-
neados para a formação de professores. É com base nesses pressupostos que se faz importante
analisar o estágio à luz do projeto de formação pensado para o educador do campo.
Como ponto crucial para esta análise, é imprescindível acentuar que para além de compo-
nente obrigatório nos cursos de formação de professores, visto por vezes como algo burocrático
e técnico, o estágio deve configurar-se como um elemento articulador que propiciará ao aluno-
-estagiário uma prática reflexiva sobre as epistemologias, práxis e modo de atuação docente,
constituindo-se conforme acentua Barreiro e Gebran (2006, p. 15) como “[...] momento privi-
legiado da formação de professores e da profissionalização docente”. Isso lhe confere espaço
oportuno dentro dos currículos das licenciaturas para vivências sobre o campo futuro de ação.
Porém, no âmbito das configurações institucionais da formação de professores, o estágio
tem sido pensado, corriqueiramente, como o momento de operacionalização do que é apreendi-
do nas disciplinas tidas como “teóricas”, refletindo, assim, uma visão construída e potencializa-
da pelo paradigma da fragmentação, que pela ótica disjuntiva separa teoria de prática, sujeito e
objeto, conhecimento científico de saberes tradicionais. Esse paradigma, estruturado e ramifica-
do pela ciência moderna,

95
Educação do campo e pesquisa educacional

[...] propôs a fragmentação do todo e, por consequência, as instituições de


ensino em todos os níveis praticaram o paradigma newtoniano-cartesiano re-
partindo o conhecimento em áreas, as áreas em cursos, os cursos em discipli-
nas, as disciplinas em unidades e as unidades em aulas. O próprio modelo de
universidade atende a lógica disciplinar, e os currículos dos cursos são lineares
e reducionistas. (BEHRENS, 2012, p. 147).

Para a proposição do estágio na perspectiva de mudança dessa lógica, mesmo que de modo
pontual, coloca-se como precípuo situá-lo, em primeiro lugar, como campo de investigação, que
a partir das vivências individuais e coletivas, organização e reflexão sobre os processos, seja
possível identificar desafios, explicitar potencialidades e produzir conhecimento contextualiza-
do. Como exemplo de iniciativas que convergem para esse direcionamento, temos os seguintes
relatos que contemplam experiências no contexto educacional da Licenciatura em Educação do
Campo: habilitação em Artes e Música:
De acordo com a Educação de Jovens de Adultos, ao entrevistar e responder
o questionário que realizei com cada um, a respeito das dificuldades que esses
discentes têm para permanecer na escola, baseando nas aulas que pude observar
durante o meu estágio [...]. (NUNES, 2019, p. 50, grifo nosso).

[...] o que pude refletir a partir da execução do meu Estágio Supervisionado


II. Minha motivação acerca da temática desse TCC surgiu quando iniciei meus
estágios supervisionados nas escolas, onde pude observar o olhar do aluno nas
aulas de artes e o modo como cada um interpreta os conteúdos ministrados em
sala. (RODRIGUES, 2019, p. 10, grifo nosso).

Tendo em mente ver o Estágio Curricular Supervisionado como um espaço


formativo, na qual o discente terá seu contato inicial com seu possível ambiente
de trabalho, além de vivenciar oportunidades de ter contato com a prática
docente, a pesquisa busca mostrar como se dá esse contato do estudante com o
estágio e como o mesmo contribui com a sua formação. (GOMES, 2019, p. 10,
grifo nosso).

A pesquisa surgiu a partir da curiosidade de conhecer a formação dos pro-


fessores que ministram a disciplina de artes na cidade de Tocantinópolis-TO,
uma vez que a proposta da pesquisa se manifestou durante a disciplina de
Estágio Curricular no curso de Educação do Campo com habilitação em Artes
e Música da UFT/Tocantinópolis, no período da observação da minha regência
em sala de aula. (OLIVEIRA, 2018, p. 12, grifo nosso).

Verifica-se, nestes recortes, retirados de monografias apresentadas como Trabalho de


Conclusão de Curso no referido contexto educacional, a potencialização do estágio como
propulsor para o desenvolvimento de pesquisas acadêmicas, ou seja, de discussões sobre a ação
pedagógica, a escola e o trabalho docente. Reflexões que, se arraigadas na concepção de práxis
educativa, poderão culminar em transformações no futuro educador do campo que se tornará o
estagiário-pesquisador de então. É possível entrever, ainda, a imbricação de sujeito (estagiário-
-pesquisador) e objeto (estágio) no processo de problematização, discussão e produção cientí-
fica.

96
Educação do campo e pesquisa educacional

As experiências de estágio como campo de pesquisa têm oportunizado, dentre outros


aspectos, análises acerca da estrutura e organização do currículo, no que se refere ao lugar
dessas vivências nos cursos de formação de professores, suscitando indagações do tipo: Qual a
função do estágio curricular supervisionado? É prático, teórico ou teórico-prático? Configura-se
como atividade meramente burocrática? Como ele tem se fundamentado em diferentes reali-
dades? Como é a relação da universidade com a educação básica, a partir do estágio? Essas e
tantas outras questões têm permeado pesquisas educacionais e continuarão a compor o quadro
das discussões sobre o estágio, uma vez que tratam de questões epistemológicas mutáveis e con-
textuais, que se encontram inseridas “[...] em um sistema educacional, em dada sociedade e em
determinado tempo histórico”. (PIMENTA; LIMA, 2017, p. 46).
Diante disso, pensar o estágio como integrante da carga formativa do educador do campo
leva necessariamente a trazer como base de discussão o fato do currículo ser configurado, so-
cialmente, como estrutura de poder, que por sua vez, estipula espaços e se caracteriza como
organizador dos caminhos objetivados para determinada formação, carregando em seu âmbito
motivações, interesses, intenções, ideologias e determinações que configuram as especificidades
das distintas realidades educacionais. Conforme afirmam Moreira e Candau (2007, p. 28), “o
currículo é um território em que se travam ferozes competições em torno dos significados”.
Neste sentido, torna-se imprescindível uma problematização contínua sobre o lugar das
artes nessa disposição curricular no contexto da educação básica, assim como, refletir sobre os
desafios de tornar o estágio de uma licenciatura em Educação do Campo, que forma professores
habilitados para o ensino de artes, um potencial formativo para além da mera burocratização e
“praticismo”.
Ou seja, a reflexão proposta deve ser profunda e ampliada, que não se encerrará nesta
produção escrita, pois está debruçada sobre duas dimensões, de amplitude social e educacio-
nal, marginalizadas historicamente: a educação para sujeitos do campo, que foi por um longo
período negligenciada, tendo como pensamento dominante a “[...] interpretação político-ideo-
lógica da oligarquia agrária, conhecida popularmente na expressão: ‘gente da roça não carece
de estudos’. Isso é coisa de gente da cidade”. (LEITE, 1999, p. 14); e do ensino de artes que
tem sido situada “[...] a margem das demais disciplinas, sendo mais considerada como mera
atividade curricular, e tampouco importante disciplina curricular e área do conhecimento [...]”.
(ALMEIDA, 2018, p. 12).
A marginalização duplicada, que por assim se constituir, é campo frutífero de estudos e
pesquisas que demonstrem o potencial dessas duas dimensões na formação humana e profissio-
nal, e que estas sejam a base para a efetivação de lutas por reconhecimento e constituição de
políticas públicas e educacionais que as fortaleça.
Destarte, ao refletir sobre qualquer dimensão da Educação do Campo, há que se considerar
que esta é uma área permeada por tanto “outros” sujeitos, sendo eles, nas palavras de Arroyo
(2014, p. 9),
[...] grupos sociais que se fazem presentes em ações afirmativas nos campos,
nas florestas, nas cidades, questionando as políticas públicas, resistindo à se-
gregação, exigindo direitos. Inclusive o direito à escola, à universidade. São os
coletivos sociais, de gênero, etnia, raça, camponeses, quilombolas, trabalhado-
res empobrecidos que se afirmam sujeitos de direitos.

97
Educação do campo e pesquisa educacional

É necessário atentar-se, em primeiro lugar, aos princípios e especificidades da educação


fomentada e idealizada para esses coletivos sociais. Uma formação que não só proporcione
mão de obra para inserção no mercado de trabalho, mas a instrumentalização de educadores
engajados com os ideais comunitários, lutas, anseios e desejos dos que vivem e frutificam o
campo em suas diversas dimensões: histórica, econômica, sociopolítica, cultural, dentre tantas
outras, que permeiam suas realidades experienciais.

2.1. Configuração curricular do estágio obrigatório no Curso de


Licenciatura em Educação do Campo: habilitação em Artes e Música

O curso de Licenciatura em Educação do Campo: habilitação em Artes e Música, insti-


tuído a partir de 2013 e autorizado em 2014 por meio de resoluções internas da Universidade
Federal do Tocantins (UFT), tem como justificativa para sua criação o contexto fomentado por
um amplo debate acerca da importância da expansão e consolidação das LEdoC no cenário bra-
sileiro. Somando-se a esse aspecto, as condições históricas e geográficas da localização da sede
do curso, situado na cidade de Tocantinópolis, a qual compõe a microrregião denominada e re-
conhecida popularmente como “Bico do Papagaio”. É uma área de fronteira entre os Estados do
Tocantins, Pará e Maranhão, marcada historicamente por conflitos envolvendo terra e território.
Constitui-se como campo fértil para a produção de atividades econômicas ligadas à agricultura
e pecuária. (SILVA; CUNHA, 2012).
E é neste contexto, caracterizado pela existência de grande quantidade de trabalhadores e
trabalhadoras rurais, que se validam as experiências da Licenciatura em Educação do Campo:
habilitação em Artes e Música. Atualmente o curso atende educandos oriundos de diferentes
cidades pertencentes aos Estados do Tocantins, Maranhão e Pará.
Desde sua recente criação, a referida LEdoC vem buscando a constituição de sua organi-
zação institucional, bem como a consolidação enquanto licenciatura que atua na formação de
educadores para atuação no campo, na região supracitada. E neste aspecto, âmbito de atuação,
vale ressaltar o que é fomentado como perfil de egresso:
O perfil do Licenciado em Educação do Campo está estruturado de forma a
garantir uma formação que possibilite ao egresso atuar de forma interdisci-
plinar na área de conhecimento Códigos e Linguagens em espaços educativos
escolares e não escolares. Dessa forma, o licenciado estará apto para atuar na
disciplina de Artes nos anos finais do ensino fundamental e ensino médio, bem
como na gestão de processos educativos. (PPC, 2019, p. 35-36).

Cabe destacar, ainda, quanto ao campo de desempenho profissional:


Atuação pedagógica em comunidades rurais, tanto no desenvolvimento do
trabalho pedagógico com famílias, grupos sociais, cooperativas, associações
e movimentos sociais junto às lideranças e equipes, quanto na implementação
técnica e organizativa de projetos de desenvolvimento comunitário sustentável.
(PPC, 2019, p. 38).

98
Educação do campo e pesquisa educacional

É com o intuito de contribuir com a consecução deste perfil formativo que o estágio tem
sido estruturado. E neste direcionamento é almejado como eixo articulador das diferentes lingua-
gens artísticas contempladas na realidade educacional do curso – Teatro, Música e Artes Visuais
– e da indissociabilidade entre vivências, teorias, saberes e contextos educacionais diversos.
Para tanto, é no ano de 2016 que se dá a constituição das primeiras “Diretrizes curricu-
lares do estágio supervisionado do curso de Licenciatura em Educação do Campo com habili-
tação em Artes e Música”, orientada por dispositivos legais como a Lei Federal de n. 11.788,
de 25 de setembro de 2008, e a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)
9394/96 (BRASIL, 1996). Porém, a partir da reformulação do Projeto Pedagógico do Curso
(PPC), iniciada no ano de 2018, para atendimento da Resolução n. 2, de 1° de julho de 2015, a
comissão de estágios da LEdoC, composta por docentes que ministram as disciplinas dessa área,
reuniu-se para discutir sobre a configuração do estágio no cenário formativo do curso.
Desse modo, a partir do diagnóstico do trabalho até então desenvolvido, o qual oportuni-
zou o levantamento dos desafios enfrentados, foram pontuadas discussões que culminaram em
mudanças inseridas no novo documento (Diretrizes), com atenção especial para a tentativa de
equilíbrio na distribuição da carga horária nas 04 etapas correspondentes ao estágio curricular
supervisionado, seguindo o que disciplina a Resolução n. 2, de 1° de julho de 2015, que esta-
belece o quantitativo de 400 horas de estágio supervisionado para cursos de licenciatura com o
mínimo de 3.200 horas; e para a inserção de vivências na gestão escolar (observação e atuação),
que se configura como campo de atuação do egresso. Espaço de vivências até então ausente na
estrutura curricular do curso.
De tal forma, a organização das etapas do estágio nas diretrizes atuais comporta a seguinte
distribuição:
Quadro 1 - Distribuição da carga horária do estágio curricular supervisionado na LEdoC.

Etapa Características Carga horária


Momento de observação no ambiente da sala de aula do
Ensino Fundamental II, na disciplina de Arte, com o intuito
Estágio Curricular
de acompanhar o desenvolvimento da ação pedagógica; 90h
Supervisionado I
Acompanhamento do trabalho na gestão escolar, por
meio de observação.
Continuidade no processo de observação na gestão da
Escola, ampliando para Participação na gestão escolar;
Estágio Curricular Observação de Regência Escolar em sala de aula do
90h
Supervisionado II Ensino Fundamental II, na disciplina de Arte;
Exercício de Regência Escolar na sala de aula do Ensino
Fundamental II, na disciplina de Arte.
Observação em sala de aula do ensino médio na
Estágio Curricular modalidade regular ou EJA.
105h
Supervisionado III Exercício de regência em sala de aula do Ensino Médio ou
EJA;
Elaboração e desenvolvimento de um projeto com a
Estágio Curricular participação da comunidade. O mesmo deve buscar
120h
Supervisionado IV contemplar demandas oriundas das comunidades e
envolver necessariamente as linguagens artísticas.

Fonte: Elaborado com base nas “Diretrizes curriculares do estágio supervisionado do curso de Licenciatura
em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música”. (UFT, 2019).

99
Educação do campo e pesquisa educacional

A heterogeneidade das fases do estágio e das experiências oportunizadas em cada uma,


abrangendo desde diferentes etapas da educação básica: Ensino Fundamental e Médio, assim
como a modalidade da Educação de Jovens e Adultos; e aspectos como regência, gestão, a ela-
boração e operacionalização de projetos comunitários, tem respaldo no que afirmam Pimenta e
Lima (2017, p. 47):
Esse conhecimento envolve o estudo, a análise, a problematização, a reflexão
e a proposição de soluções às situações de ensinar e aprender. Envolve expe-
rimentar situações de ensinar, aprender a elaborar, executar e avaliar projetos
de ensino não apenas nas salas de aula, mas também nos diferentes espaços da
escola.

Porém, verifica-se que assim como a maioria dos cursos de licenciatura no Brasil
(PIMENTA; LIMA, 2017), o estágio dentro do currículo da LEdoC é situado no que se conside-
rou denominar de segundo bloco do curso, ou seja, a partir do quinto período, em um curso com
08 semestres formativos. Demonstra, assim, que há uma divisão implícita dentro da organiza-
ção curricular, visualizada do seguinte modo: primeiro momento apreensão da teoria; segundo
momento operacionalização prática dos conhecimentos adquiridos.
Cabe informar que o curso se materializa por meio da Pedagogia da Alternância, que de
modo operacional se caracteriza pela existência de dois tempos formativos: Tempo Universida-
de (TU), em que o educando permanece na universidade para estudos, orientações, aulas que
oportunizam discussões epistemológicas; e Tempo Comunidade (TC), no qual os estudantes
retornam para suas comunidades, dando continuidade às suas atividades laborais e comunitárias,
e, realizam pesquisas que relacionam os saberes acadêmicos com seus modos de vida, produção
e educação, educações? (BRANDÃO, 2007). Nesta organização, as ações do estágio são reali-
zadas, majoritariamente, no Tempo Comunidade (TC).
Para refletir acerca do estágio no espaço formativo da LEdoC, que habilita educadores
para o ensino de Artes, apresenta-se como imprescindível analisar os discursos daqueles que
estão diretamente envolvidos no processo, haja vista que neles são manifestadas inquietações,
ações, dúvidas, emoções e na maioria das vezes, refletem o primeiro contato dos educandos
com o campo de sua futura atuação enquanto profissionais da educação. Com este intuito, são
listadas duas categorias, a saber: Contextos de vivências: a importância do estágio curricular
supervisionado no processo formativo; e Desafios pedagógicos, perceptivos e institucionais,
que acolherão alguns discursos registrados em diários de bordo e relatórios produzidos por
educandos no período de 2018 a 2019.

3. Contextos de vivências: a importância do estágio


curricular supervisionado no processo formativo
As vivências no estágio oportunizam reflexões sobre os modos de ser e fazer do educador,
a convivência com o ambiente escolar, a apreciação e compreensão das funções e atribuições
para além da sala de aula, dentre tantas outras questões de ordem pedagógica e organizacional.
Por assim se constituir, essas vivências possibilitam o contato, para a maioria dos estudantes
o primeiro, com o campo real da profissionalização, que os coloca face a face com atribuições

100
Educação do campo e pesquisa educacional

próprias do agir docente. A esse respeito, os discentes discorrem sobre a importância do que
é vivido nas ações teórico-práticas do estágio, no que se refere ao exercício das funções de
educador. Neste direcionamento, seguem suas percepções:
Foi um momento de construção de aprendizagem, não foi nada fácil houve
nervosismo, algumas dificuldades, como planejar a aula, pois, fico pensando
será que dessa maneira que irei trabalhar meus estudantes vão aprender, vão
realmente prestar atenção na aula? São algumas dificuldades como essas que
podem contribuir para a constituição de um bom educador, pois, temos que
planejar pensando em como será o processo de aprendizagem do estudante
durante aquela aula, e não pensar que é somente chegar na sala de aula e
aplicar o conteúdo e pronto. (Relatório, 2019).

A ênfase na necessidade e importância na realização do planejamento para o desenvolvi-


mento das ações pedagógicas tem notória preocupação nas narrativas discentes, o que conduz
ao desvelamento de que o ato educacional é intencional, não aleatório e requer uma organização
didática, iniciada com uma previsão detalhada do que, como, para quem, com quais recursos,
dentre outras variáveis inerentes à construção das propostas de ação.
Tal aspecto, o planejamento, que de modo pormenorizado se materializa por meio do
plano de aula, se concretiza nas experiências do estágio como um ato necessário, colocando os
educandos na posição de sujeitos que idealizam o processo de ensinar e aprender como uma
tessitura de várias dimensões: posição do professor frente ao objetivo de ensinar; heterogenei-
dade do grupo atendido; preparação epistemológica para a realização das intenções da aula;
expressão da autoridade pedagógica; assunção da posição de professor; gestão do ambiente
educativo.
Essas características requerem antes de tudo uma reflexão, pois, envolvem possibilidades
e limitações que afetam diretamente o contexto de ensino e aprendizagem. É um momento de
exercício do trabalho docente dentro do processo formativo, que valida a importância de um
currículo, na licenciatura, que articule as disciplinas de sua matriz. Que seja capaz de fazer com
que o discente, na vivência de sua prática, analise e entenda o contexto de sua atuação a partir
das diferentes teorias estudadas; e que operacionalize sua ação a partir de saberes didáticos,
avaliativos e das demais construções pedagógicas apreendidas no espaço da academia e ressig-
nificadas na relação com suas experiências.
O estágio em suas diferentes etapas, dentro da LEdoC foco do presente estudo, tem propi-
ciado um espaço para identificar e refletir sobre desafios e propor ações dentro dos contextos de
atuação. Sendo que um dos quesitos iniciais, que se apresenta principalmente após o primeiro
contato com a regência em sala, refere-se aos questionamentos acerca do trato didático-peda-
gógico e metodologias utilizadas pelos professores atuantes na disciplina de Arte. Os posicio-
namentos a seguir ilustram essa atitude:
[...] ele [professor regente] tem muita dificuldade em ministrar suas aulas de
Arte por não ser formado na área, não tem controle sobre horário da aula, a
turma respeita o professor mais como amigo do que como seu papel de ensinar,
a escola também não disponibiliza materiais para facilitar seu trabalho em
sala de aula. (Relatório, 2018).

101
Educação do campo e pesquisa educacional

[...] expliquei como seriam minhas aulas, quais as metodologias seriam utiliza-
das, a mesma [professora regente] disse que estava bom, mas tinha que ter uma
atividade para os estudantes colar no caderno [...] para eles [estudantes] não
se esquecer tinha que ter um texto e uma atividade no caderno e falou que não
tem como deixar o “tradicionalismo” um pouco de lado. No entanto, eu ques-
tionei como iria saber se meus alunos realmente aprenderam, pois acredito que
com novas práticas pedagógicas os estudantes poderão ter um maior aprendi-
zado e um ótimo resultado do que ficar “preso” nesses modelos de atividades.
(Diário de bordo, 2019).

É perceptível nas narrativas um desafio acentuado com frequência, a saber: a dificuldade


de ruptura com práticas arraigadas institucionalmente, as quais são reproduzidas de modo auto-
matizado, repetitivas, independentes da heterogeneidade da turma de educandos. E, por vezes,
impostas sem reflexão ao trabalho do futuro educador. A esse respeito, Libâneo (2013, p. 83)
traz contribuições ao afirmar que,
A atividade de ensinar é vista comumente, como transmissão da matéria aos
alunos, realização de exercícios repetitivos, memorização de definições e
fórmulas. O professor “passa” a matéria, os alunos escutam [...] praticam o que
foi transmitido em exercícios de classe ou tarefas de casa e decoram tudo para
a prova. Este é o tipo de ensino existente na maioria de nossas escolas, uma
forma peculiar e empobrecida do que se costuma chamar de ensino tradicional.

Essas caraterísticas são retomadas como ponto de angústia, indagações e de análises sobre
o ensino ofertado para disciplina de Arte, e de como tais práticas e metodologias contribuem
para a solidificação da representação histórica dessa área no currículo escolar.
Diante do exposto, acentua-se que o sentido da práxis ganha ênfase no processo oportuni-
zado, uma vez que o questionamento da ação, se conduzido por uma reflexão sistematizada que
amplie a visão para além de um julgamento vazio acrítico (PIMENTA; LIMA, 2017), poderá
resultar em uma ação pedagógica transformadora, haja vista que,
A prática e a reflexão sobre a prática (práxis fundamentada na teoria) [...] colo-
cam-se como parte da própria prática, num movimento contínuo de construção,
como parte da experiência vivida pelos sujeitos e como elemento essencial de
transformação da realidade. (CALDEIRA; ZAIDAN, 2013, p. 22).

Neste sentido, de pensar e agir a partir das vivências do estágio, o qual tem como uma de
suas características a aproximação com o campo de atuação, o relato a seguir enfatiza o caráter
indissociável da teoria e prática: [...] a importância da teoria e prática levando em conta
que são coisas indissociáveis, nós os futuros professores devemos manter essa práxis, levando
em conta todo conhecimento teórico adquirido durante a vida acadêmica para prática [...].
(Relatório, 2018).
Essa verificação valida a importância do estágio e seu direcionamento para além de
mera reprodução de práticas existentes, ou seja, da perspectiva da imitação. Ideia amplamente
defendida por Pimenta (1995, 2017), a qual tem por base de sustentação a lógica do estágio
como espaço de formação, permeado pelo potencial de análise, reflexão, pesquisa, crítica, pro-
posição e transformação da ação pedagógica e de seu ambiente concreto de operacionalização.

102
Educação do campo e pesquisa educacional

Dessa forma, pode-se perceber que essa relação teórico-prática é materializada a partir das
seguintes perspectivas: capacidade de interpretação e compreensão da realidade educacional, a
fim de pontuar intervenções; reconhecimento de teorias implícitas nas práticas pedagógicas das
instituições (PIMENTA; LIMA, 2017); planejamento, sistematização de ações e operacionali-
zação destas no ato de ensinar.
Outro ponto que merece destaque refere-se à carência na formação específica para o ensino
de Artes, citado no depoimento anterior e enfatizado de modo contundente pelos discentes em
formação (estagiários), os quais relacionam com frequência esse déficit ao modo como essa área
é negligenciada dentro da organização do currículo.
Esse aspecto é ratificado a partir do consenso tácito de que a disciplina de Arte é ministra-
da por docentes formados em outras áreas, cuja carga horária de trabalho precisa de complemen-
tação. A esse respeito, pesquisas no contexto do curso de Licenciatura em Educação do Campo:
habilitação e Artes e Música, tais como: Oliveira (2018), Almeida (2018) e Vieira (2019), têm
evidenciado a demanda no contexto da educação básica da microrregião do Bico do Papagaio
por professores com esse perfil formativo.

3.1. Desafios pedagógicos, perceptivos e institucionais

O estágio, entendido como atividade em processo, encontra-se permeado por implica-


ções de diferentes naturezas: pedagógicas, epistemológicas, sociais, culturais e institucionais,
as quais fazem com que o sujeito protagonista, aquele que é propositor e executor de ações
(estudante-estagiário), perceba-se imbricado em desafios que, no conjunto das experiências,
possibilitam reflexões contundentes sobre a sua atuação profissional. Os desafios de natureza
pedagógica podem ser exemplificados nos relatos abaixo:
[...] o tempo é muito curto das aulas e o professor tem que saber bem como
utilizar esse pequeno tempo para abordar [...] seu conhecimento sobre tal
assunto e fazer com que os alunos tenham o conhecimento sobre o assunto.
(Relatório, 2018).

Já no ensino médio, e na primeira turma a ser realizada minha regência, os


alunos estavam muito agitados, poucos participaram da aula e tinha bastante
dificuldades de entender o conteúdo proposto para eles, na segunda turma por
ter sido realizada a noite havia poucos alunos na sala, mas eram bem partici-
pativos com perguntas e contribuições que agregavam no desenvolvimento da
aula. (Relatório, 2019).

É notório nos dois depoimentos o quanto a experiência possibilitou o contato com aspectos
diretamente ligados à atuação e organização do trabalho docente, tais como o planejamento e
a organização didática. Momentos que exigiram dos futuros educadores o desenvolvimento de
estratégias que atendessem aos objetivos pedagógicos da ação educacional (institucional), assim
como promoveu a reflexão acerca da diversidade dos ambientes formativos e dos sujeitos que os
compõem, externada pelo reconhecimento de que metodologias que se adequam a um grupo, na
orientação da aprendizagem, podem surtir pouco ou nenhum efeito em outro, conforme o último
relato. Reflexões como estas encaminham para o entendimento de que “o trabalho docente é uma
atividade intencional, planejada conscientemente visando atingir objetivos de aprendizagem.
Por isso precisa ser estruturado e organizado”. (LIBÂNEO, 2013, p. 104).

103
Educação do campo e pesquisa educacional

Desafios que são rotineiramente registrados em relatórios, ou reportados em falas. Seja de


uma forma ou de outra, é possível verificar que, para além de questões pedagógicas, o estágio
tem sido espaço para o enfrentamento de angústias, receios e expressão de sentimentos quanto
à profissionalização e identidade do ser professor.
No dia da aula eu fiquei um pouco ansiosa, não comi nada, não consegui dormir
direito, estava preocupada com relação a minha aula, com medo de ser uma
aula diferente do que eu tinha planejado. (Diário de bordo, 2019).

Foi muito gratificante esse estágio de regência, pois, é fundamental esse


processo de estágio para minha formação e para minha vida pessoal. Foi um
momento de construção de aprendizagem, não foi nada fácil houve nervosismo,
algumas dificuldades, como planejar a aula, pois, fico pensando será que dessa
maneira que irei trabalhar meus estudantes vão aprender? Vão realmente
prestar atenção na aula [...]. (Relatório, 2019).

Acredito que o maior desafio deste estágio foi conter a emoção quando surgiu
uma pergunta na qual eu não esperava, pois, o conteúdo em nenhum momento
me fez pensar que haveria esse tipo de olhar crítico da parte de um aluno em
relação a exposição das imagens, como relatei na descrição da aula 2, teve
um aluno que me perguntou, “porque desde esse tempo nós somos vistos como
minoria? ”. Ele fez esse questionamento a partir da imagem dos “operários”
[obra de Tarsila do Amaral], pois como ele é negro, acredito que, o que fez ele
ter esse olhar foi a questão do racismo que infelizmente é muito forte nos dias
de hoje, nesse momento não tive muito o que falar, pois foi uma pergunta muito
forte. (Relatório, 2018).

Há uma inquietação recorrente e, na maioria das vezes, explícita, relacionada ao fato de


conseguir “ser professor”, assumir a sala de aula como lócus de trabalho e poder realizar o seu
fazer pedagógico. Esse aspecto é manifestado, principalmente, pela preocupação excessiva em
efetivar o planejado.
As aflições de origem psicológica tais como: nervosismo e ansiedade, por um lado revelam
a importância de um acompanhamento sistematizado na figura do professor/orientador, o qual
poderá promover, por meio das situações vividas, reflexões produtoras de aprendizagens; além
de configurar-se como base de apoio a partir de sua experiência formativa. E por outro, demons-
tram o quanto a experiência é nutrida por possibilidades de reconhecimento, enfrentamento e
por vezes pela recusa da profissão. Uma vez que coloca o sujeito como central na constituição
da representação do profissional que poderá se tornar, ao espelhar os quesitos que comporão seu
trabalho cotidiano, abrangendo desafios e limitações pedagógicas, estruturais, materiais e de
relações interpessoais.
Para além dos desafios já citados, outro de natureza institucional se apresenta, a saber:
dificuldade de parceria com escolas da educação básica. Os depoimentos dos discentes afirmam
essa evidência:
Durante essas aulas a minha dificuldade foi conseguir a autorização da DRE
de [XXX] para poder fazer minha regência [...]. (Relatório, 2018).

104
Educação do campo e pesquisa educacional

Ao logo da construção do projeto nos deparamos com algumas situações cons-


trangedoras com a Escola Estadual [XXX]. Primeiro, pelo fato de não ter uma
pessoa responsável por acompanhar os estagiários que procuram a instituição
escolar para realização de estágios, erámos mal recebidos sempre que íamos
a escola, foi realizada mais de uma visita na instituição escolar para que este
fosse executado, sempre a diretora que nos recebia e na maioria das vezes
estava bastante ocupada, quando nos atendia, usava sempre tom de ironia ou
falta de interesse para com as discentes. (Relatório, 2019).

Quanto ao assinalado no primeiro relato, cabe esclarecer que a UFT, instituição a qual o
curso de Licenciatura em Educação do Campo está vinculado, celebra convênios com um número
significativo de órgãos, secretarias, empresas, sendo esse o primeiro requisito para formalização
das parcerias. Contudo, o que se tem percebido, reforçado pelos depoimentos ilustrados acima,
é que se torna necessária a tomada de consciência por parte de muitos gestores, professores e
responsáveis por diretorias acerca do seguinte ponto: o estágio não é atividade meramente bu-
rocrática, as escolas são campos potenciais para as vivências do ser e fazer docente do educador
em formação, portanto, essas instituições, antes de tudo, estão colaborando para o processo
formativo de sujeitos que poderão retornar e contribuir socialmente nesses contextos. É uma
parceria que requer comprometimento mútuo.

4. Considerações finais
Ao buscar tecer reflexões acerca das experiências do estágio curricular no contexto do
curso de Licenciatura em Educação do Campo: habilitação em Artes e Música (LEdoC), a partir
das percepções discentes, foi possível o desvelamento de pontos importantes, que podem con-
tribuir para o entendimento de sua configuração e o direcionamento de decisões quanto a essa
atividade, constituinte do processo formativo do educador do campo. O curso possui pouco
tempo de existência na realidade institucional que está vinculado e, por isso, ouvir os sujeitos
que vivenciaram esse processo é de extrema importância tanto para sua consolidação quanto
ressignificação contínua.
Constatou-se, neste estudo, que o estágio na educação escolar no âmbito da LEdoC tem
sido campo profícuo para o estímulo à produção de conhecimento. Fato perceptível a partir da
elaboração de monografias enquanto Trabalho de Conclusão de Curso, nas quais as experiências
tecidas nas diferentes etapas do estágio curricular supervisionado são os fios que direcionam
para o objeto de investigação. Os desdobramentos dessas pesquisas, da observação e atuação
dos estudantes-estagiários no contexto das escolas de educação básica têm possibilitado o le-
vantamento de um panorama/diagnóstico acerca do ensino ofertado na disciplina de Arte na
microrregião do Bico do Papagaio, sendo ele: o déficit de formação específica dos docentes que
atuam nessa área. O que, na análise dos futuros educadores, tem reverberações negativas no
trato pedagógico direcionado à disciplina.
As reflexões apontam, também, para a importância do estágio como eixo articulador
entre o processo formativo e o campo de atuação profissional ao possibilitar aos educandos o
contato com o contexto de escolas de educação básica, bem como a convivência com diferentes
dimensões que compõem a ação pedagógica docente: planejamento, didática, metodologias,

105
Educação do campo e pesquisa educacional

relação teoria e prática. Revelando, ainda, aos discentes a intencionalidade no ato de ensinar, o
qual requer comprometimento, reflexão, tomada de consciência e o desenvolvimento de ações
capazes de produzir mudanças no ensino ofertado na área de artes.
Os desafios são referenciados, sobretudo, pelas inquietações quanto ao cumprimento do
papel de professor, na relação à aceitação do trabalho desenvolvido, ao planejado-executado,
ao processo de condução da aula, o que tem ocasionado enfrentamento de angústias; o conheci-
mento das funções docentes e suas consequentes implicações; e o desencadeamento de reflexões
sobre a própria ação. No tocante às dificuldades institucionais, acredita-se ser imprescindível
pontuar discussões que envolvam as escolas (professores, gestores), diretorias e secretarias de
educação, com o intuito de ressaltar a importância das parcerias institucionais e o papel con-
tundente do estágio na formação dos futuros profissionais da educação, situando-o para além
da carga horária obrigatória nos cursos de licenciatura. Identificar esses limites pode direcionar
para a tomada de decisões.
De modo geral, acentua-se como ponto central o fato de que o estágio voltado para um
curso que forma sujeitos para o trabalho em contextos rurais diversos exige, antes de tudo,
entender que os processos de vivências plurais devem constituir a força matriz do seu pla-
nejamento. Neste sentido, a organização do curso em Alternância deve ser visualizada como
potencial para a imersão significativa dos educandos na perspectiva do estágio nos contextos
das escolas de educação básica, não apenas, mas essencialmente nesses ambientes educacionais
situados o mais próximo possível de suas comunidades.

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106
Educação do campo e pesquisa educacional

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108
Educação do campo e pesquisa educacional

8. Perspectivas de pesquisa na
área de linguagens do curso da
LEdoC/UnB e no grupo de pesquisa
e programa de extensão terra em
cena (FUP/UnB)
Rafael Litvin Villas Bôas
Adriana Gomes Silva
Eliene Novaes Rocha
Kelci Anne Pereira

1. Introdução
Escrito treze anos depois do início do curso de Licenciatura em Educação do Campo
(LEdoC) da Universidade de Brasília (UnB), por quatro membros do grupo de pesquisa e
programa de extensão “Terra em Cena: teatro e audiovisual na educação do campo”, o capítulo
pretende estabelecer uma visão panorâmica da trajetória da constituição da pesquisa na área de
Linguagens do curso e do trabalho desenvolvido pelo Terra em Cena nesse percurso. Com esse
intuito, trouxemos para o texto reflexões de nove egressos12 de diversas turmas da LEdoC, que
gentilmente se disponibilizaram a responder as questões que elaboramos.
As licenciaturas em Educação do Campo são cursos de graduação por área de conhecimen-
to, criados para atender, em regime de alternância, às demandas de formação e educação básica
das populações trabalhadoras do campo, das águas e das florestas. No caso da UnB, a LEdoC
contempla as áreas de linguagens, matemática e ciências da vida e da natureza, delineadas a
partir de pedagogias críticas e participativas de integração entre ensino pesquisa e extensão.
Dessa experiência da Educação do Campo, surge e se consolida o Terra em Cena, que atua
com a socialização dos meios de produção teatrais e audiovisuais e com pesquisa na interface
entre arte, política e educação.

12 Utilizamos pseudônimos para identificar tais estudantes, respeitando a ética na pesquisa envolvendo seres
humanos, a saber: Amanda Fortes, Carina Lurdes, Cláudia Ribas, Gilberto Galhardo, Amanda Fortes, Kedma
Muriel, Laura de Carvalho, Lian Gomes, Marta Lemos, Paulo Xavante e Tomás Sousa.

109
Educação do campo e pesquisa educacional

2. A criação da área de Linguagens na LEdoC


A decisão de constituirmos a área de Linguagens como uma das áreas de habilitação do
curso da UnB partiu de, ao menos, duas constatações: a baixa quantidade de professores habili-
tados para o ensino de português e artes nas escolas do campo, e a importância do ensino das lin-
guagens artísticas e da linguística para o processo de formação humana, considerando a riqueza,
em termos quantitativos e qualitativos, do repertório cultural acumulado em cada linguagem
artística e também nas expressões tradicionais da cultura camponesa. Outro fator decisivo para
a formação de professores do campo habilitados para a docência em Linguagens é a qualidade
precária do ensino nessa dimensão, expressa, por exemplo, na escolha de obras adotadas no
processo de ensino:
As obras de diversas linguagens são selecionadas exclusivamente pelo conteúdo,
ou seja, pelo que supostamente abordam, ignorando a dimensão formal, isto é,
a questão de como tal conteúdo é abordado. Dessa maneira, a especificidade
formativa e desideologizadora do estudo crítico das linguagens é soterrada, e
o ensino de artes e de português é ofertado apenas como suporte para as outras
áreas de conhecimento. Então, é comum os professores de artes serem solicita-
dos para “ajudar” a área de ciências a explicar determinado fenômeno por meio
de um “teatrinho”, ou músicas serem selecionadas exclusivamente pelo que diz
a letra das canções, ou ainda, filmes serem selecionados para substituir a aula
dos professores, como ilustração do conteúdo, e não como uma matéria para a
reflexão em si. São sintomas de nossa deficiência estrutural no campo do ensino
na área de linguagens. (VILLAS BÔAS et al., 2011, p. 188).

Em sentido amplo, a luta pela terra e pela reforma agrária ampliou a consciência dos
direitos da classe trabalhadora do campo, reconhecendo a educação, os direitos humanos, a
saúde e o direito à cultura como dimensões inalienáveis de um projeto popular de sociedade.
Dessa maneira decidimos constituir na UnB, na área de Linguagens, um conjunto de com-
ponentes curriculares que buscassem a integração do campo estético, composto por componen-
tes de literatura, teatro, música e artes plásticas, e pelos componentes da linguística, compreen-
dendo desde as dinâmicas de letramento básico até os estudos avançados em sociolinguística,
semântica, fonética e morfologia. A subárea de habilitação em Linguagens, inicialmente, se
constituiu com quatro disciplinas de Arte e Sociedade, sendo duas voltadas para o teatro, uma
para música e uma para artes plásticas, além de quatro componentes de estudos literários. Dois
componentes foram criados para apresentar conceitos definidores da área: “Mediações entre
forma estética e forma social” e “Estética e política”. E em outra dimensão foram agregados
os componentes curriculares da Linguística, Língua Portuguesa, Letramento e Tecnologias da
Informação e Comunicação (TICs).
Em 2011, os docentes dos componentes curriculares do campo estético da área de Lin-
guagens publicaram no livro Licenciaturas em Educação do Campo: registros e reflexões a
partir das experiências piloto (UFMG, UnB, UFBA e UFS) (MOLINA; SÁ, 2011), a primeira
sistematização dos pressupostos de criação da área e as avaliações dos resultados dos primeiros
anos do curso no artigo Estética e educação do campo: movimentos formativos na área de
habilitação em linguagens da LEdoC. Um dos aspectos destacados no artigo é que a experiên-
cia de construção da área se deu a partir do encontro do debate sobre cultura dos movimen-

110
Educação do campo e pesquisa educacional

tos sociais do campo com grupos de professores e pesquisadores que resguardaram aspectos
centrais da tradição crítica brasileira, calcada no materialismo histórico dialético. “A força desse
encontro fundamentou a organização do campo estético da área de Linguagens da Licenciatura
em Educação do Campo (LEdoC), no âmbito de sua primeira turma, que se deu em parceria da
UnB com o Instituto Técnico em Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária (Iterra)” (VILLAS
BÔAS et al., 2011, p. 180).
De especial interesse para o processo específico aqui observado é a “simbiose
produtiva” entre o Coletivo Nacional de Cultura do MST e o grupo de pesquisa
Literatura e Modernidade Periférica, do Departamento de Teoria Literária e
Literatura da UnB, que ocorre desde 2005. Alguns integrantes do grupo atuam,
direta ou indiretamente, em atividades dos movimentos sociais do campo há
mais tempo, assumindo um papel de integração entre o debate sobre a cultura
no interior dos movimentos sociais e a pesquisa crítica desenvolvida no espaço
universitário. Desse modo, a participação de integrantes do grupo na produção
do Planejamento Político Pedagógico (PPP) da LEdoC, em 2006, permitiu a
potencialização da construção do campo estético da área de Linguagens, pois
contava com a força da experiência daquela “simbiose produtiva”. (VILLAS
BÔAS et al., 2011, p. 180).

No processo de assimilação da experiência do debate sobre cultura acumulado pelo


Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e outros movimentos sociais do campo,
ligados à Via Campesina, disciplinas foram criadas em cursos de formação da Escola Nacional
Florestan Fernandes (ENFF) para discutir a tradição da estética marxista, por meio das mediações
dialéticas entre forma social e forma artística, e as relações entre as esferas política e estética
foram incorporadas no curso, como disciplinas ofertadas para o conjunto das turmas, antes da
escolha das áreas de habilitação. Partimos da compreensão de que o conhecimento dos fun-
damentos básicos do debate sobre arte e cultura são, antes que uma necessidade específica da
formação profissional, um direito humano inalienável (CANDIDO, 2007).
Na reformulação do Projeto Político Pedagógico do Curso (PPPC) da LEdoC, aprovado
em 2019, a área de Linguagens foi reorganizada, após avaliação interdisciplinar. Foram conside-
rados quais componentes apontavam perspectivas de articulação entre as dimensões pedagógica
– teórica – metodológica – com interface no processo de mobilização e organização das comu-
nidades camponesas e quilombolas.
Outro critério foi a ponderação de quais componentes disciplinares eram menos favoreci-
dos pela curta carga horária no PPPC original no âmbito das Artes. Nesse sentido, foi avaliado
que a Linguagem Musical tinha uma carga horária bastante restrita e que a experiência no curso
da LEdoC com habilitação em Música, da Universidade Federal de Tocantins (UFT), muito
próximo ao nosso território de atuação, levou a LEdoC da UnB à finalização dos componentes
curriculares ligados à formação musical, “redirecionando a carga horária a ela destinada ao for-
talecimento das Linguagens Audiovisual e Teatro, mais sólidas no nosso curso e com docentes
concursados especificamente para tal” (PPPC da LEdoC UnB, 2019, p. 28).
Diante deste quadro e da demanda crescente de compreensão e conhecimento
técnico da linguagem audiovisual e das artes plásticas decidimos proceder com
a substituição da linguagem musical pelas artes visuais e artes do vídeo. Essa
mudança se adequa ao trabalho com múltiplos letramentos que a área de Lin-

111
Educação do campo e pesquisa educacional

guística já desenvolve, enriquecendo o trabalho com a possibilidade de trabalho


com as artes visuais e com o audiovisual. (PPPC da LEdoC UnB, 2019, p. 28).

Esse movimento para a reestruturação do PPC na área de Linguagens e a consolidação


do trabalho com os componentes curriculares Audiovisual e Artes Visuais teve início, ainda
em 2011, quando um grupo de educadores da LEdoC UnB concorreu e foi selecionado com o
projeto “Formação de Educadores do Campo para o uso de Tecnologias de Informação e Comu-
nicação, para análise e produção audiovisual e trabalho com a juventude rural do Centro Oeste”
no edital “Apoio à capacitação no uso das Tecnologias da Informação e Comunicação para a
juventude rural”, do Ministério das Comunicações (MC) em parceria com a Secretaria Nacional
de Juventude (SNJ), vinculada à Secretaria Geral da Presidência da República (SGPR), do então
primeiro governo de Dilma Rousseff (2011-2014). A experiência desse projeto influenciou dire-
tamente a reorganização da área de Linguagens no novo PPPC da LEdoC UnB (GONÇALVES,
2019, p.132).
O projeto de Formação de Educadores do Campo para o uso de TICs potencializou o
trabalho da tríade acadêmica de ensino, pesquisa e extensão junto à LEdoC e ao programa de
Extensão Terra em Cena, na articulação entre os trabalhos formativos e artísticos com o Teatro
e o Audiovisual, favorecendo a intervenção e mobilização nas comunidades da Licenciatura em
Educação do Campo da UnB.
Instigados por essa oportunidade, foram desenvolvidos pelo projeto oficinas de produção
audiovisual – desde o roteiro a montagem documental – resultando em cinco filmes: “O Antes
do Agora” (Assentamento Virgilândia – Formosa/GO); “Brigada Semeadores” (Assentamento
Pequeno William – Planaltina/DF); “Conquistar a terra, produzir o pão” (MATR/DF); “Império
e suas raízes” (Cavalcante – Comunidades Kalunga/GO), “Juventude rural: tradição e mudança”
(PA Banco da Terra/MG).

3. O lugar da pesquisa na LEdoC da UnB


Ao descreverem os princípios formativos gerais da LedoC da UnB, Molina e Sá (2011, p.
39) destacam:
A Educação do Campo nasce comprometida com as transformações de vida do
povo brasileiro que vive no campo. Sua preocupação é elevar os níveis de esco-
larização dos sujeitos do campo, e simultaneamente, contribuir para promover
mudanças estruturais neste território, cuja vinculação com a cidade é inexorá-
vel. A concepção de educação, da expressão Educação do Campo, não pode
abrir mão da necessária ligação com o contexto no qual se desenvolvem estes
processos educativos: com os graves conflitos que ocorrem no meio rural brasi-
leiro, em função dos diferentes interesses econômicos e sociais para utilização
deste território. Esta concepção é constituinte, é estruturante, de um determina-
do projeto de campo, que por sua vez é parte maior da totalidade de um projeto
de sociedade, de nação [...] a ação desenvolvida por estes educadores deve
torna-los aptos a compreender e agir em diferentes espaços, tempos e situações.

112
Educação do campo e pesquisa educacional

Nesse sentido, a Educação do Campo, enquanto categoria de pesquisa, busca consolidar


na formação dos educadores uma concepção de pesquisa como princípio educativo. Ou seja,
ao referir-se à pesquisa, reafirma-se que a construção do conhecimento não é algo etéreo ou
reservado a um grupo seleto de pesquisadores, mas sim elemento pedagógico estruturante que
acontece na construção cotidiana do trabalho, na produção e reprodução da vida, na organização
e luta dos trabalhadores, na escola do campo e, também, nos espaços acadêmicos.
A LEdoC da UnB está estruturada de modo que a formação do educador-pesquisador seja
intrínseca ao processo formativo. Para Caldart, essas estratégias de formação têm “permitido
transformações na forma da escola, cuja função social originária prevê apartar os educandos da
vida, muito mais do que fazer da vida seu princípio educativo”. (CALDART, 2012, p. 263). É a
pesquisa como princípio educativo que permite o processo dialético de reflexão: acesso à teoria,
construção de práticas e reelaboração da realidade.
O trabalho reflexivo proposto no Projeto Político Pedagógico da LEdoC aponta o desafio
de realizar uma formação que contribua para a formação de um educador que não apenas dará
aulas, mas que deverá alimentar uma perspectiva formativa que tenha o trabalho, intelectual e
militante, comprometido socialmente como estruturante dessa formação.
Tendo esses elementos como princípios, a LEdoC/UnB reafirmou, no processo de refor-
mulação do PPPC, a extensão e a pesquisa como condições necessárias para a estruturação do
ensino em alternância. Esta perspectiva educativa, em que a organização do trabalho pedagó-
gico prevê ações entre Tempo Universidade (TU) e Tempo Comunidade (TC), ressignificou os
sentidos de pesquisa e extensão no curso, ao reafirmar a unidade entre teoria e prática, enquanto
práxis pedagógica de todos componentes curriculares, de modo que isso possa ocorrer continua-
mente, na formação docente na Universidade, mas também na Escola e na comunidade.
O currículo prevê dois momentos para a organização do trabalho pedagógico. Um primeiro,
iniciado na comunidade, durante o qual o/a estudante deve realizar atividades teórico-práticas,
de estudo e/ou investigação e/ou intervenção, preparando-se para o segundo momento, que é
o Tempo Universidade, onde continuará com a relação teórico-prática em outro contexto, o
acadêmico. Nele terá a possibilidade de analisar os dados e materiais que trouxe da comunidade,
em conjunto com seus colegas e professores, objetivando aprofundar e complexificar a análise
teórica dos problemas e desafios socioeconômicos enfrentados em seu território de atuação
docente, posteriormente retornando aos seus territórios com novas perspectivas de trabalho.
Ao destacar a alternância como dispositivo de alerta para o real como objeto de estudo e
composição de uma visão crítica sobre o mundo, Carina Lurdes, da turma 1 da LEdoC, comenta:
Considerando que muitos de nós passamos por processos de escolarização
muito precarizados, limitados para o desenvolvimento da abstração, minha
impressão é que a relação entre tempo escola e tempo comunidade por meio das
práticas direcionadas para inserção orientada na escola e na comunidade, foi
um ponto chave para nos permitir entender os vínculos entre ensino, pesquisa e
mais tarde extensão, que existiram no curso. O contato com a realidade acabava
sendo o lugar que ajudava “questionar e construir” as categorias estudadas no
curso [...], era o momento que eu conseguia visualizar com mais materiali-
dade o sentido e essa conexão [entre ensino, pesquisa e extensão], e que nos
convidava a revisitar as aulas e textos estudados para não permanecer num lugar

113
Educação do campo e pesquisa educacional

acomodada das práticas educativas das escolas e dos processos de formação da


comunidade, no meu caso, acompanhando os coletivos de juventude, de cultura
e de comunicação do MST, no território de assentamento.

Para Tomás Sousa, da turma 1, a alternância permite entrelaçar de tal modo aprendizagem,
investigação e ação que se borram algumas fronteiras no processo formativo: “[...] talvez, não
seja tão possível perceber a diferença entre extensão e pesquisa, uma vez que a pesquisa inicia
muito cedo, como o tempo comunidade que é parte significativa do curso”.
Portanto, na Licenciatura em Educação do Campo, o exercício de investigação se impõe
como elemento estruturante do ensino, articulado sempre que possível às ações da extensão, na
medida em que busca ampliar e fortalecer a perspectiva de formação de docentes críticos, mili-
tantes, capazes de construir alternativas para transformar a escola e a comunidade.

4. As dimensões da pesquisa na área de Linguagens


A pesquisa dos/as estudantes da área de Linguagens, de maneira geral, é realizada a partir
da opção desses sujeitos por uma linguagem específica; ou, pela interface entre áreas de conhe-
cimento; ou, a partir da análise de problemas mais gerais, do campo pedagógico ou social. Em
todos os casos, contam com a orientação de docentes da Área ou do Núcleo Básico do curso e
podem ou não estar ligadas aos problemas da realidade.
Uma das dimensões importantes do trabalho de pesquisa se constitui a partir da ideia de
práticas sociais e práticas artísticas. A professora de Linguística do curso, Rosineide Magalhães
de Sousa, aborda esse campo de estudos, a partir da Sociolinguística Interacional e Educacional
e do letramento como prática social:
As pessoas podem ser encorajadas a pesquisar suas próprias práticas, eviden-
ciando a ligação entre o ensino e a pesquisa, entre a educação e a vida diária,
analisando como o processo de pesquisa pode ser uma ferramenta pedagógi-
ca e o modo no qual os estudos detalhados de muitas áreas da vida cotidiana
fornecem evidências da natureza do letramento situado. (SOUSA, 2011, p. 276).

A categoria de práticas artísticas foi adotada pelas professoras do curso de Licenciatura


em Educação do Campo da UFMG, Cristiene Carvalho e Aracy Alves Martins, como ponto
de partida para reunião do conjunto de reflexões que compõem o livro Práticas Artísticas do
Campo. Segundo as organizadoras do livro, essa categoria permite a reflexão sobre as relações
construídas entre os sujeitos sociais a partir da arte. A arte é por elas compreendida como uma
categoria de luta dos sujeitos do campo (CARVALHO; MARTINS, 2016, p. 20). De acordo com
Carvalho (2015, p. 35):
Utilizamos a expressão “práticas artísticas” na perspectiva de ampliar a com-
preensão do que seja a área do conhecimento denominada “artes”. Nesse sentido
consideramos como práticas artísticas as formas como os sujeitos concebem,
compreendem e fruem as atividades relacionadas ao teatro, à dança, à música, à
pintura, à escultura, ao cinema, entre outras linguagens artísticas.

114
Educação do campo e pesquisa educacional

Com efeito, boa parte das pesquisas da área de Linguagens da LEdoC da UnB articulam
características de registro etnográfico ao trabalho descritivo do objeto específico. De acordo
com Marta Lemos, da turma 6 da LEdoC:
A escolha do tema da minha pesquisa teve várias influências, a começar pelas
disciplinas de Pesquisa História e Memória, onde pude identificar e valorizar
ainda mais as manifestações culturais da minha comunidade e de alguma forma
repassar o conhecimento e a importância de mantermos aquela cultura, a dis-
ciplina de audiovisual, mas todas as disciplinas da área de linguagem direta ou
indiretamente contribuíram para a escolha do tema.

Muitos trabalhos analisam as variações linguísticas em determinadas comunidades, ou


registram a dinâmica do trabalho pedagógico da escola da comunidade do educando, no que se
refere ao ensino de Linguagens ou de algum componente específico da área. Portanto, a expe-
riência em andamento, seja nas comunidades ou nas escolas, ou ainda na interface entre elas,
é um dos principais eixos de articulação da pesquisa na área de Linguagens e, como veremos,
também dos trabalhos desenvolvidos pelos integrantes do grupo de pesquisa “Terra em Cena:
teatro e audiovisual na educação do campo”.
Como exemplo, cabe destacar o volume de pesquisas sobre o trabalho dos coletivos de
teatro que construímos em conjunto com os estudantes, as comunidades, as escolas e as orga-
nizações populares existentes nos territórios camponeses e quilombolas atendidos pela LEdoC.
Entre outros estudos, as monografias elencadas a seguir analisam o método de trabalho e a
eficácia estética, política e pedagógica dos grupos de teatro em que seus autores atuaram ou
atuam. Mônica Luciana Frozzi e Letícia Pereira, da turma 1 da LedoC, com pesquisas intituladas
respectivamente Teatro e Formação: a experiência do grupo Peça pro Povo (FROZZI, 2011)
e Teatro como ferramenta de formação política para as integrantes do grupo de teatro MMC:
resistência e arte (PEREIRA, 2011), refletem sobre dois coletivos teatrais de movimentos cam-
poneses da região sul do país, o “Peça pro povo”, do MST do Rio Grande do Sul e o “Resistência
e Arte”, de Santa Catarina. Janderson Barros dos Santos, da turma 2 da LEdoC, no Trabalho
de Conclusão de Curso (TCC) História e desafios do MST do DF e Entorno (SANTOS, 2017),
analisa o trabalho teatral da Brigada de agitprop Semeadores, do MST do Distrito Federal e
Entorno. Lucinete do Carmo de Paula Rocha e Fabiana Francisca do Rosário, ambas da turma 4
da LEdoC, nas respectivas monografias Trabalho Teatral: uma mediação para formação política
e organização social (ROCHA, 2013) e Teatro do Oprimido e o Processo de Formação Política:
estudo de Caso sobre o coletivo Arte e Cultura em Movimento (ROSÁRIO, 2013), analisam a
experiência do grupo Arte e Cultura em Movimento, do assentamento Virgilândia. Cassiana
Rosa dos Santos e Raianne Gonçalves dos Santos, da turma 8 da LEdoC, com as respectivas
monografias Teatro e questão racial: experiência em construção do coletivo Vozes do Sertão
Lutando por Transformação (SANTOS, 2018) e Teatro Político como luta emancipatória das
comunidades tradicionais (SANTOS, 2018) analisam as atividades do coletivo Vozes do Sertão
em Luta por Transformação (VSLT), sediado na cidade de Cavalcante (GO) e com atuação nas
comunidades do quilombo Kalunga.
Como desdobramento e aprofundamento da experiência do projeto “Formação de Edu-
cadores do Campo para o uso de TIC’s, para análise e produção audiovisual e trabalho com a
juventude rural do Centro Oeste”, duas monografias analisaram os elementos pesquisados na rea-
lização dos filmes: Semeadores 2003 a 2013: Análise do processo de lutas e formação por meio

115
Educação do campo e pesquisa educacional

do trabalho com a linguagem teatral (SOUZA, 2013), de Adriana Fernandes Souza, da turma
2 da LEdoC; e Documentários no território Kalunga: análise dos filmes Entre Vãos e Império
e suas raízes (TORRES, 2014), de Sideni Cesário de Torres, da turma 3. Outros dois trabalhos
de conclusão de curso da LEdoC que refletem sobre o trabalho com o audiovisual no território
Kalunga são a monografia de Maria Lúcia Martins Gudinho, da turma 6 da LEdoC, intitulada
A folia de São Sebastião no Povoado São José em Cavalcante - Goiás: uma experiência em le-
tramentos múltiplos (GUDINHO, 2017) e a monografia de Ana Carolina de Deus Coutinho, da
turma 8 do curso, intitulada, O uso do audiovisual no ensino de história: desafios, potencialida-
des e limites na escola da comunidade de São José, Cavalcante/GO (COUTINHO, 2018).
Em outra frente de atuação estão as pesquisas preocupadas em mapear o impacto da
indústria cultural nas escolas e comunidades, registrando os métodos que aderem sem questio-
namento a padrões mercantis e a dinâmicas hegemônicas de representação da realidade, como os
trabalhos de dois egressos da turma 1: de Ingrid Elisabete Pranke, A utilização do audiovisual
pela Escola Estadual de Ensino Médio Joceli Corrêa e suas implicações (PRANKE, 2011), de
Abrahão Godóis, As canções cantadas no Acampamento Heranças de Adão Preto, em Julho
de Castilhos, pelas pessoas que tocam violão ou outros instrumentos (GODÓIS, 2011), e de
Gideão Gomes Pereira, da turma 2 do curso, com a monografia Indústria cultural: a influência
da cultura de massa nas músicas ouvidas pelos jovens do assentamento Virgilândia Município
de Formosa-GO (PEREIRA, 2013). Ou ainda, pesquisas que registram e analisam o impacto
crescente do modo de produção do agronegócio, do hidronegócio e da indústria minerária sobre
populações rurais e comunidades tradicionais, como o trabalho de Luan Gouvêia, da turma 8 da
LEdoC, com a monografia Desafios organizativos da luta quilombola: a construção do poder
popular (GOUVÊIA, 2018). Também consta, no acervo de monografias do curso, pesquisas
relacionadas aos processos de envolvimento estudantil com a dinâmica das escolas do campo,
como é o caso das monografias A dimensão educativa da arte na escola do campo Iraci Salete
Strozak em território da luta pela terra (LOOP, 2013), de Carla Maria Loop, da turma 1 do curso
e a monografia de Pedro Xavier, da turma 2, intitulada (Des)Interesse Escolar do Estudantes do
Colégio Estadual Vale da Esperança. (XAVIER, 2013).
Há também, embora em menor escala, pesquisas cujos objetos são aprofundamentos teóricos
sobre determinado conceito, categoria ou obra estética como, por exemplo, nas monografias de
Tiago Sottilli, Mística e arte nos processos de formação do IEJC (SOTTILLI, 2011), da turma
1 da LEdoC, de Nathanael José Ferreira, Arena conta Zumbi: perspectivas do teatro político na
década de 1960 (FERREIRA, 2014), de Keyla Morales L. Garcia, A formação da consciência
política no trabalho teatral (GARCIA, 2013) e o trabalho de André Bispo A ficção e a confissão
o de Paulo Honório: o significado da estrutura do romance São Bernardo de Graciliano Ramos
(BISPO, 2013), ambos da turma 3 da LEdoC. Cabe destacar, como resultado do trabalho dos
docentes de literatura em parceria com estudantes da primeira turma da LEdoC, ocorrida em
parceria com o Instituto de Educação Josué de Castro (RS), a publicação do livro Caderno de
literatura: um percurso de formação em literatura na Educação do Campo (CORRÊA; HESS;
ROSA, 2019).
Ao analisarem as possibilidades abertas pela LEdoC para avanços no percurso rumo à pós-
-graduação, nossos entrevistados mostram que há uma coerência entre as vivências do ensino,
extensão e pesquisa da formação inicial e o interesse em seguir perscrutando os problemas/
objetos da área de linguagens, por exemplo, posteriormente. Amanda Fortes realça, entre outros
aspectos, o valor das práticas de extensão para a continuidade nos estudos:

116
Educação do campo e pesquisa educacional

[...] a continuidade do processo formativo é despertado principalmente pelas


oportunidades possibilitadas pelos projetos de Extensão, associação da teoria
e prática, que leva o sujeito em formação ir aprofundando e ampliando as pos-
sibilidades de pesquisas e registros das experiências, ou seja, é a Práxis em
prática.

Devemos sublinhar, entretanto, limites desse processo. Embora a pesquisa seja um elemento
permanente do processo de formação da LEdoC, e a alternância os coloque frente à frente com
a complexidade do real, é no TCC que os estudantes se deparam com uma fissura entre crítica
social e alternativas metodológicas, evidenciando um gargalo da pesquisa participante, a qual
precisa ajudar a construir respostas complexas, aos problemas complexos, como dito acima. Nas
palavras de Carina Lurdes, da turma 1, isso fica evidente:
O mesmo ocorreu com a pesquisa, com o fechamento do trabalho me dei conta
que era preciso ter um arcabouço maior sobre as propostas mais concretas do
que fazer, da prática pedagógica diferenciada, com alternativas no campo do
“como”, que fossem possíveis de realizar, considerando aquele grande campo
de críticas que desenvolvemos sobre o trabalho com artes tradicional, às vezes
conservador, moralista, elitizado...

Outro aspecto a ser destacado diz respeito à consolidação da interdisciplinaridade. Lian


Gomes, da turma 8, comenta: “A formação interdisciplinar, na prática, é um grande desafio, pois
estamos acostumados a trabalhar de forma dicotomizada”. Paulo Xavante, da turma 2, nessa
mesma linha, realça que durante sua graduação percebeu o esforço do curso em superar a frag-
mentação do ensino e reconhece que muitas iniciativas tiveram êxito, mas não todas. Por outro
lado, nossos entrevistados relatam que a alternância, e a pesquisa como princípio educativo em
seu interior, ajudam de algum modo a superar a segmentação do conhecimento, na medida em
que a materialidade do real e suas múltiplas determinações “parece necessitar de todas as frentes
de interpretação”, conforme Tomás Sousa.

5. O Terra em Cena: desafios da alternância e de


integração entre o ensino, a pesquisa e a extensão
O Terra em Cena nasce, em parte, das demandas que emergiram da alternância, particu-
larmente do processo de Inserção Orientada na Escola (IOE) e Inserção Orientada na Comuni-
dade (IOC) e das mediações que tais inserções exigiam, além de fecundar-se na experiência de
trabalho de seus membros com brigadas culturais dos movimentos camponeses, que incorpo-
raram a arte como o fio da costura educativa da consciência de classe e da expressão mística
politicamente engajada.
Sobre as demandas do Tempo Comunidade, foi percebida como necessária a promoção de
iniciativas de socialização dos meios de produção teatral e audiovisual, por exemplo, desde uma
concepção formal e de conteúdos da desopressão, reintegrando os vínculos necessários entre
arte e política também no modo de organização do trabalho cultural das comunidades.

117
Educação do campo e pesquisa educacional

Mais do que isso, fomos percebendo a necessidade do incentivo aos estudantes para que
eles se apropriem de forma prática dos conhecimentos teóricos, utilizando-as para inserir suas
vozes na construção das narrativas de si, da sua classe e de suas próprias comunidades e ex-
periências. Para isso foi preciso estimular a formação de coletivos artísticos que oportunizem
múltiplos letramentos aos educandos, admitindo-se: que havia uma enorme dificuldade de
base entre eles, inclusive em aspectos elementares como a lida com a língua escrita, conforme
reconhecem os entrevistados; que era necessário otimizar os processos formativos do curso,
atenuando/ressignificando uma das consequências da alternância de encurtamento do tempo de
aula; e que era possível promover, pela dinâmica de tempos na comunidade e na universidade,
maior integração da área de Linguagens.
Nesse contexto, criamos o Terra em Cena em 2010, no âmbito da extensão, e diferentes
estudantes, pelo contato que tinham sobretudo com as disciplinas de teatro e depois de audiovi-
sual na LEdoC, participaram do processo. Paulo Xavante, da turma 2, relata o significado dessa
inserção para sua formação:
[...] o Terra em Cena contribui bastante para minha formação enquanto educador.
Possibilitou um olhar mais sistemático para questões sociais, uma prática peda-
gógica que supere o modelo de educação verbalista e um rigor metodológico de
estudo. Fazer parte do Terra em Cena não foi algo puramente cênico, mas poder
interpretar e representar a realidade, dura como é, de forma artística. Momentos
intensos de ensaios, de leituras do roteiro, momento de interação com o público,
sobretudo os que não tinham acesso aos diversos modos de arte. Foi a partir
desses elementos que pude entender o quão importante é avançar no processo de
ensino e pesquisa, me fez perceber que, enquanto “Sem-Terra” precisava desafiar
o sistema econômico vigente que exclui e subordina a classe trabalhadora.

Cláudia Ribas, da turma 8, explora não apenas o papel formador da consciência social, de
raça e gênero, como dimensões da formação humana decorrente do trabalho do Terra em Cena:
Fazer parte do Terra em Cena foi descobrir um mundo novo, cheio de interro-
gativas, descobertas. A experiência que tive no coletivo me ajudou a entender
a mim mesma e o mundo. O coletivo me apresentou o Teatro do Oprimido, que
me libertou e me fez amar ainda mais a arte de ser atriz. Eu mulher negra vinda
do Quilombo Kalunga, só pude assim me reconhecer e me colocar no lugar
de luta e fala pelo povo negro, porque o coletivo me proporcionou espaços de
densas reflexões.

Laura de Carvalho, da turma 4, amplia essa visão, trazendo elementos do desenvolvimento


humano e da criticidade, decorrentes do conjunto de relações e experiências com a arte no Terra
em Cena:
As mudanças de atitudes e a formação da consciência transformadora que tive e
que tenho, devo a minha participação no Terra em Cena. As peças que fazíamos,
as leituras, as discussões, os debates, os textos que produzíamos os protocolos
verbais e escritos que realizávamos, as viagens, os lugares e as pessoas que
conheci e me envolvi, carrego até hoje comigo. Essa formação [...] me tirou da
plateia como expectadora e me levou a ser a personagem principal da história
enquanto educadora.

118
Educação do campo e pesquisa educacional

Lian Gomes, da turma 8, realça o engajamento comunitário pressuposto pelo método de


trabalho do Terra em Cena e demarca essa característica como um dos fatores que o faz per-
manecer no grupo: “A metodologia adotada pela perspectiva de uma educação para a vida de
maneira que se realiza formação nos territórios envolvendo toda a comunidade, ou seja, não
se limita ao escopo dos estudantes [...] Ciente deste potencial mesmo depois de formado estou
ligado ao coletivo”.
Em 2016, considerando a riqueza desse processo na extensão e o fato de pesquisas que já
estavam sendo realizadas pelos membros do Terra em Cena, decidimos formalizar o Grupo de
Pesquisa Terra em Cena, junto ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecno-
lógico - CNPq, ao mesmo tempo em que ampliamos o projeto de extensão para um programa e
projetamos a criação da Rede Terra em Cena, envolvendo diferentes coletivos teatrais e produto-
res de audiovisual que já vinham sendo formados nas comunidades camponesas e quilombolas,
na dinâmica da extensão da UnB, bem como o projeto Cenas Camponesas, da LEdoC da Uni-
versidade Federal do Piauí (UFPI), que nasceu da cooperação técnica e científica com o Terra
em Cena.
Notamos que o trabalho de extensão com teatro político e vídeo popular, desenvolvido
junto às escolas e comunidades camponesas e quilombolas, a partir de métodos de educação
popular, favorecia a formação dos estudantes e, de algum modo, tinha ressonância sobre a
escolha de temas para os trabalhos finais de conclusão de curso. A arte, como estudo da realidade
e forma de expressão e reinvenção do mundo e de si, mediada por processos de trabalho coletivo
inspirados em experiências históricas de construção do poder popular pela classe trabalhadora,
mobilizava os estudantes na escolha de seus objetos de estudo.
No que diz respeito às influências para a pesquisa, os egressos entrevistados comentam:
O tema de minha monografia dialoga com as atividades desenvolvidas no Terra
em Cena, a qual participei, por meio do grupo de teatro VSLT ao trabalhar a
peça “Se há tanta riqueza por que somos pobres?” que coloca em discussão o
problema mineral no território quilombola Kalunga. (Lian Gomes, turma 8).

O tema da minha monografia foi influenciado por uma junção de experiências


que tive no período escolar (Ensino fundamental e médio), os aprendizados nas
aulas de teatro da LEdoC e o meu envolvimento com o Terra em Cena e com o
Pibid. (Laura de Carvalho, turma 4).

As aulas de Conflitos Estruturais Brasileiros e Educação Popular, literatura,


teatro e economia política me instigaram a fazer minha monografia [...] Tivemos
a oportunidade de vivenciar experiências maravilhosas com teatro invisível,
teatro fórum, místicas. (Kedma Muriel, turma 3).
O tema da minha monografia surgiu através dos estudos e experiências viven-
ciadas nas aulas das aulas de linguagens. Mais vale salientar que os projetos de
extensão nos quais tive a oportunidade de participar também colaboraram. [...]
No Pibid trabalhei bastante sobre linguística no qual me levou a realizar análise
do discurso crítica de músicas sertanejas de raiz e universitária. Mas o Terra
em Cena também me ajudou no desenvolvimento da pesquisa, porque, nesse
período, nós educandos da LEdoC trabalhávamos com um grupo de jovens da
comunidade onde formamos um grupo de teatro chamado “Arte e cultura em
movimento” [...] no qual a pesquisa se realizou. (Gilberto Galhardo, turma 2).

119
Educação do campo e pesquisa educacional

A partir das experiências proporcionadas por esses dois coletivos [Terra em


Cena e VSLT] eu tive a certeza que o teatro político era o instrumento certo e
eficaz para eu compreender a questão racial e assim poder interferir e propor
mudanças na minha realidade. O Programa de Educação Tutorial também fun-
damental [...] Cabe ressaltar que primeiramente fui questionada pela minha
realidade, a partir do momento que os problemas sociais, classe e raça, não me
pareciam mais naturais que resolvi me informar. (Cláudia Ribas, turma 8).

O tema da minha monografia se deu pela observação, e já estava como docente


na escola que fiz a pesquisa, do (Des)Interesse dos estudantes, o jogo da palavra
de dupla interpretação se deu a partir da extensão com o teatro, considerando
que, quando utilizávamos o teatro como linguagem os estudantes da escola sen-
tiam-se interessados, quando voltávamos com as aulas “tradicionais” ocorria
um desinteresse. Resultado, o desinteresse se dava a partir da abordagem meto-
dológica das aulas. (Paulo Xavante, turma 2).

Nesse contexto, percebemos a necessidade de organizar eixos de pesquisa para potenciali-


zar o desenvolvimento do trabalho integrado entre as dimensões de ensino, pesquisa e extensão.
Até o presente momento, organizamos quatro eixos de pesquisa, a saber: “Arte, Política e
Ideologia Documentário”, “Questão agrária e Educação do Campo”; “Formas e movimentos do
teatro político”; “Teatro como prática pedagógica na educação do campo”.13
O vigor dos eixos de pesquisa foi se forjando a partir da cultura do incentivo ancorada na
disponibilidade dos membros mais experientes do grupo em escreverem com e/ou orientarem
os trabalhos das gerações mais jovens. O trabalho coletivo de produção de conhecimento se
reflete num conjunto plural trabalhos dos membros do Terra em Cena: 12 artigos (2013-2019),
um relatório de pós-doutorado (2017), 6 teses (2009-2019), 18 dissertações (1995-2019) e 4 mo-
nografias de especialização (2012-2014), 10 trabalhos de conclusão de curso pela UnB (2007-
2019) e 2 trabalhos de conclusão de curso pela UFPI (2019).14
Para se ter uma ideia do crescimento exponencial ao longo da trajetória do Terra em Cena,
e da força do processo coletivo de pesquisa, mencionamos que de 2013 a 2018 tivemos 6 artigos
publicados em periódicos, ao passo que, em 2019, essa quantidade dobrou: dos doze artigos,
apenas três são de autoria individual, e desses dois foram publicados nos primeiros anos do Terra
em Cena. Tal dado, somado à observação do enfoque teórico-metodológico das pesquisas e à
presença das vozes dos movimentos sociais em vários desses estudos, evidencia o esforço per-
sistente dos trabalhadores do Terra em Cena em vivenciar a constituição de uma intelectualidade
coletiva e engajada.
No conjunto das publicações, dois objetos principais são recortados: de um lado, nossa
própria experiência nos processos de ensino e extensão, em rede e na LEdoC, permeados pelas
oportunidades e limites do regime de alternância; de outro lado, o esforço de interpretação dada
realidade de nosso tempo, nos posicionando e interpretando a história.

13 Para conhecer as ementas dos eixos de pesquisa, deve-se consultar o Blog do Terra em Cena (http://terraem-
cena.blogspot.com) e ou o diretório do Terra em Cena junto ao CNPq.
14 Informações complementares sobre os textos podem ser encontradas no Blog do Terra em Cena (http://ter-
raemcena.blogspot.com). Os artigos encontram-se publicados em revistas de artes cênicas, interdisciplinares
e da área de Linguagens, tais como as Revistas Sala Preta, Urdimento, Revista Brasileira dos Estudos da
Presença, Conhecer e ConSenso.

120
Educação do campo e pesquisa educacional

Esse material, que frequentemente dialoga com as pesquisas estéticas do grupo, que
resultam em produções audiovisuais e teatrais, complementa as referências epistemológicas e
metodológicas para cursos e aulas ministradas pelos membros do Terra em Cena na LEdoC, e
são os próprios, no caso das produções audiovisuais teatrais, o resultado da interdisciplinaridade
com a qual do Terra em Cena visa contribuir. Sobre isso, o egresso Lian Gomes, da turma 8,
comenta:
[...] Nas disciplinas da área de Linguagens talvez a nossa maior experiência
interdisciplinar esteja impressa no trabalho que envolve teatro e audiovisual,
como exemplo cito os cinco episódios do programa Revoluções divulgado no
youtube pelo Terra em Cena.

Consonante com a resposta de Lian Gomes, Carina Lurdes, da turma 1, apresenta a inter-
disciplinaridade como uma tentativa presente e um desafio anunciado desde o início do curso:
Na experiência do curso tivemos alguns exemplos do que é possível integrar,
como os seminários que permitiam discutir a formação interdisciplinar,
algumas disciplinas que experimentaram fazer trabalhos conjuntos no campo
da estética, arte, teatro, música, literatura. Mas penso que fez falta um conteúdo
mais focado, que se aproximasse ainda mais da prática educativa em si, que
permitisse os estudantes aprenderem sobre métodos possíveis de colocar em
prática na sala de aula, além de avançar sobre outros aspectos como as artes
visuais, a dança, e a própria fusão das linguagens.

Já Amanda Fontes e Laura de Carvalho, das turmas 2 e 4, respectivamente, focalizam suas


respostas nos êxitos de tessitura da interdisciplinaridade, nos primeiros anos do curso.
Uma formação de professores que possibilita a esses profissionais já se formarem
com uma base totalmente estruturante na interdisciplinaridade, na qual pos-
sibilita uma profunda compreensão da conectividade entre os conteúdos, a
realidade dos sujeitos em formação e da complementariedade das disciplinas.
(Amanda Fontes).

As aulas de produção textual, teatro, literatura, música, e outras andam juntas


e no curso os professores souberam integrar essas disciplinas nos mostrando os
caminhos que os discentes deviam seguir para ter essa leitura mais complexa
e ampla no meio social. Acredito que essa integração é eficaz. (Laura de
Carvalho).

Cabe salientar que a perspectiva de atuação coletiva do Terra em Cena produz conse-
quências ampliadas para outras universidades e LEdoCs, como é o caso da LEdoC da UFPI, de
Bom Jesus (município sul piauiense), que, por meio do Projeto de Extensão Cenas Campone-
sas, integra a Rede Terra em Cena e agrega – ao panorama de produção científica sobre teatro
político, vídeo popular e educação do campo do Terra em Cena – artigos, iniciações científicas e
TCCs. Tais pesquisas têm acrescentado indagações e interfaces novas no trabalho de pesquisa do
grupo, requerendo uma provável ampliação de suas linhas de pesquisa. Essa exigência decorre
das aproximações entre agroecologia e cultura, que emerge como necessidade dos estudantes
camponeses da LEdoC no contexto de fronteira agrícola do sul do Piauí, a partir de mediações
teatrais de denúncia da relação deletéria “sociedade (capitalista) – natureza (chamada agronegó-

121
Educação do campo e pesquisa educacional

cio)” e de anúncio de modo de vida camponeses ecologizados, alternativos à mercantilização da


vida, na forma, por exemplo, de impérios agroalimentares.
O trabalho do Terra em Cena junto à UFPI, por meio do projeto Cenas Camponesas,
também influenciou a especialização em educação do campo dessa universidade, tanto na
criação da disciplina Teatro do Oprimido e Educação do Campo, como no fortalecimento da
linha de pesquisa que vincula cultura e educação popular, junto a qual, atualmente, existem duas
monografias em processo de elaboração.

6. Considerações finais
Na articulação entre as dimensões do ensino, pesquisa e extensão da área de Linguagens
da LEdoC podemos destacar que, em grande parte dos casos, os processos de pesquisa estão
intrinsecamente articulados ao ensino e às ações de extensão que os estudantes desenvolvem em
Tempo Comunidade que, por sua vez, estão vinculadas às dimensões formativas do curso, de
inserções orientadas na escola e na comunidade (IOC e IOE).
Como a área de Linguagens é constituída por dois campos de conhecimento, podemos
notar nos depoimentos dos egressos que, se nem sempre existe a materialização do trabalho
conjunto de todo o corpo docente e disciplinas da área, por outro lado, entre as disciplinas da
área existem interfaces, como no caso do teatro e audiovisual, que se agregam e potencializam
como trabalho do programa de extensão e grupo de pesquisa Terra em Cena.
Cabe destacar, positivamente, o esforço que os docentes da área e professores colabora-
dores do curso tiveram, no decorrer dos anos, para ofertar cursos de especialização e extensão
oportunizando aos egressos uma possibilidade de aprofundamento dos estudos, como nos casos
do curso de pós-graduação Lato Sensu “Educação e Linguagens nas escolas do campo” ofertado
pelo Programa de Pós-Graduação (PPG) em Literatura, coordenado pela professora Ana Laura
dos Reis Corrêa, em parceria com a Faculdade UnB Planaltina e com a Escola Nacional Florestan
Fernandes (ENFF), o curso de especialização Lato Sensu Residência Agrária: Matrizes produ-
tivas da vida no campo” coordenado pelo professor Rafael Litvin Villas Bôas, e ofertado pelo
PPG em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural da FUP, e o curso de especialização em
Língua Portuguesa aplicado ao ensino básico, coordenado pela professora Rosineide Magalhães,
ofertado pelo PPG em Linguística, do Instituto de Letras da UnB.
Além dos cursos de especialização, vários docentes da LEdoC atuam em programas de
pós-graduação da Universidade de Brasília e de outras universidades, em amplo leque de linhas
de pesquisa, o que permite aos egressos da graduação a oportunidade de continuidade de estudos.
Na UnB, docentes da área de Linguagens do curso atuam no PPG em Artes Cênicas, do Instituto
de Artes, no PPG em Linguística e no PPG em Literatura do Instituto de Letras, e docentes de
outras áreas do curso atuam no PPG em Meio Ambiente e Desenvolvimento do campus de Pla-
naltina, na linha de Educação do Campo do PPG em Educação, no PPG em Direitos Humanos
do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares, no PPG em Povos Tradicionais e Sustenta-
bilidade (FUP/CDS/FE). Em vários desses programas temos egressos da LEdoC que cursaram
ou estão cursando mestrado e, em menor escala, doutorado.

122
Educação do campo e pesquisa educacional

Além disso, no decorrer dos anos a área de Linguagens vem realizando uma série de ini-
ciativas de extensão com o intuito de socializar o debate que desenvolve nos componentes disci-
plinares, estimular a ampliação da demanda pelo vestibular da LEdoC e pela área de habilitação
em Linguagens, e potencializar as articulações com as escolas públicas de redes municipais e
estaduais de ensino. Podemos citar, como exemplo: duas iniciativas de extensão coordenadas
pela professora Eliene Novaes, o curso de extensão do Residência Agrária Jovem, que possi-
bilitou articular o debate da formação da juventude com os temas de ação do programa Terra
em Cena e o Curso de Extensão de Formação de professores das escolas do campo do Distrito
Federal, no âmbito do Programa Escola da Terra do MEC, na perspectiva dos princípios da
Educação do Campo, do teatro e do audiovisual, como instrumentos de formação de educado-
res do campo; o programa de extensão Laboratório de Educação e Comunicação Comunitária,
coordenado pelo professor Felipe Canova Gonçalves; os simpósios anuais do grupo de pesquisa
Literatura e Modernidade Periférica, coordenados pelos professores Ana Cotrim, Bernard Hess,
Ana Laura dos Reis Corrêa, Alexandre Pilati e Deane Costa; o projeto de extensão de Escolari-
zação de Jovens e Adultos e o programa de extensão FUP nas Escolas coordenado pelo professor
Djiby Mane; as oficinas abertas que o programa Terra em Cena realiza anualmente durante as
edições da Semana Universitária; e as turmas e módulos de formação que a Escola de Teatro
Político e Vídeo Popular do Distrito Federal tem realizado em universidades e comunidades do
Distrito Federal, de Goiás e do Piauí.

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registros e reflexões a partir das experiências piloto. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.p. 275-288.

SOUSA, A. F. Semeadores 2003 a 2013: análise do processo de lutas e formação por meio do
trabalho com a linguagem teatral. 2013. 98f. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) –
Universidade de Brasília, Planaltina, 2013.

TORRES, S. C. Documentários no Território Kalunga: análise dos filmes Entre Vãos e


Império e suas Raízes. 2014. 98f. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) – Universidade
de Brasília, Planaltina, 2014.

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. FACULDADE UNB PLANALTINA. Projeto Político Pe-


dagógico do Curso de Graduação em Licenciatura em Educação do Campo. Planaltina, DF:
UnB/FUP 2019.

VILLAS BÔAS, R. L.; BASTOS, M. D.; CORRÊA, A. L. R.; CASTRO, D. M. F.; HESS, B. H.;
BORGES, R. A. Estética e Educação do Campo: movimentos formativos na área de habilitação
em Linguagens da LEdoC. In: MOLINA, M. C.; SÁ, L. M. (Orgs). Licenciaturas em Educação
do Campo: registros e reflexões a partir das experiências piloto. Belo Horizonte: Autêntica
Editora, 2011. p. 179-210.

XAVIER, P. (Des)Interesse Escolar do Estudantes do Colégio Estadual Vale da Esperança.


2013. 53f. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Educação do Campo) – Universi-
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125
Educação do campo e pesquisa educacional

Sobre os autores
Adriana Gomes Silva
Graduada em Licenciatura em Educação do Campo (2017), Mestra em Educação (2019)
pela Universidade de Brasília (UnB). Integra a coordenação pedagógica do programa de extensão
e grupo de pesquisa Terra em Cena. E-mail: [email protected]
Cássia Ferreira Miranda
Doutora em Teatro, licenciada em História e Pedagogia, é professora na Universidade
Federal do Tocantins (UFT), no curso de Licenciatura em Educação do Campo. É líder do Grupo
de Estudos e Pesquisas em História, Educação e Artes - GEPHEA/UFT/CNPq e vice-líder do
Grupo de Pesquisa em Artes Visuais e Educação - GPAVE/UFT/CNPq. E-mail: cassiamiranda@
mail.uft.edu.br
Cícero da Silva
Doutor em Letras: Ensino de Língua e Literatura pela Universidade Federal do Tocantins
(UFT) e professor adjunto da mesma instituição, atuando no Programa de Pós-graduação em
Letras: Ensino de Língua e Literatura (PPGL) e no curso de Licenciatura em Educação do
Campo: Códigos e Linguagens – Artes e Música. Atua nas áreas de Linguística Aplicada e
Educação do Campo/Pedagogia da Alternância. E-mail: [email protected]
Eliene Novaes Rocha
Licenciada em Pedagogia pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Mestre
em Educação e Contemporaneidade pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Doutora
em Educação pelo PPGE/FE/UnB, Pós-Doutoranda pela Universidade de Barcelona (ES). Pro-
fessora Adjunta da Universidade de Brasília (UnB), onde atua no Curso de Licenciatura em
Educação do Campo. Coordena o Programa de Pesquisa intitulado Portal dos Fóruns EJA do
Brasil. Integra a coordenação pedagógica do programa de extensão e grupo de pesquisa Terra
em Cena. É membro do Projeto de Extensão Mulheres na Ciência. E-mail: elienenrocha@gmail.
com
Gustavo Cunha de Araújo
Doutor em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
(UNESP), Câmpus de Marília/SP. É professor da Universidade Federal do Tocantins, Câmpus
de Tocantinópolis, no curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes
e Música, e no Programa de Pós-Graduação em Educação. E-mail: [email protected]
Helena Quirino Porto Aires
Doutora em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). Mestre em
Educação pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). Graduada em Pedagogia pela Fundação
Universidade do Tocantins (UNITINS). Graduação em Licenciatura em Biologia pela UFT.
Tem experiência na área de Educação da Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio, Ensino

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Educação do campo e pesquisa educacional

Superior e Gestão Escolar. É professora assistente no curso de Licenciatura em Pedagogia da


UFT, Câmpus de Arraias. E-mail: [email protected]
Juliane Gomes de Sousa
Graduada em Pedagogia e mestra em Educação pela Universidade Federal do Tocantins
(UFT). Atualmente é professora efetiva da UFT/de Tocantinópolis - Curso de Licenciatura
em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música. Vice-coordenadora do Grupo de
Estudos e Pesquisas em Política e Prática Educacional (GEPPPE), e membro da Rede Interna-
cional de Escolas Criativas (RIEC). E-mail: [email protected]
Joedson Brito dos Santos
Graduado em Pedagogia pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), mestre em
Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e doutor em Educação pela Universida-
de Federal da Paraíba (UFPB). É professor da Universidade Federal do Tocantins (UFT) com
estágio Pós-doutoral na Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Grupo de Estudos
e Pesquisas em Política e Prática Educativa. E-mail: [email protected]
Kelci Anne Pereira
Graduada em Pedagogia e Comunicação (2004; 2016). Mestre em educação (2011) e
doutora em Educação (2015). Docente da Licenciatura em Educação do Campo da Universidade
Federal do Piauí (UFPI). Participa da coordenação do Núcleo de Agroecologia e Artes do Vale
do Gurguéia (UFPI), do Núcleo Pesquisas e Estudos com Comunidades Camponesas (UFPI) e
do Programa e Grupo de Pesquisa Terra em Cena (UnB). Coordenadora do Projeto de Extensão
Cenas Camponesas. E-mail: [email protected]
Lisiane Costa Claro
Doutora em Educação Ambiental, licenciada em História e Pedagogia. Professora na Uni-
versidade Federal do Tocantins (UFT), atuando no curso de Pedagogia e no Programa de Pós-
-Graduação em Mestrado em Ensino de Ciências e Saúde (PPGECS/UFT). Vice-líder do Grupo
de Estudos e Pesquisas em História, Educação e Artes - GEPHEA/UFT/CNPq. Atua na área da
Educação, nas linhas de Educação Popular, Ambiental e do Campo; História Oral; Ensino de
História e Formação Pedagógica. E-mail: [email protected]
Luiz Bezerra Neto
Graduado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, especialista
em Economia do Trabalho e Sindicalismo com mestrado e doutorado em Educação pela Univer-
sidade Estadual de Campinas (UNICAMP), pós-doutorado pela Universidade Federal da Bahia
(UFBA). Professor associado da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), atuando na
graduação e na pós-graduação. Membro de corpo editorial da Revista Eletrônica de Ciências da
Educação (RECE) e da Revista de Educação (REVEDUC). É coordenador do Grupo de Estudos
e Pesquisas sobre Educação no Campo (GEPEC). E-mail: [email protected]
Mara Pereira da Silva
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Letras: Ensino de Língua e Literatura da
Universidade Federal do Tocantins (UFT). Mestra em Música pela Universidade de Brasília
(UnB). Licenciada em Música pela Universidade do Estado do Pará (UEPA). Professora da

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Educação do campo e pesquisa educacional

UFT, coordenou o Programa Institucional de Monitoria Indígena (PIMI) no Curso de Educação


do Campo: Artes e Música, Câmpus de Tocantinópolis. Atualmente desenvolve pesquisa inter-
disciplinar envolvendo a Literatura, o ensino de música e povos indígenas. E-mail: maramusic.
[email protected]
Milena dos Santos
Graduada em Educação do Campo: Códigos e Linguagens - Artes e Música pela Uni-
versidade Federal do Tocantins (UFT) e Mestranda do Programa de Pós-graduação em Letras:
Ensino de Língua e Literatura (PPGL) da UFT. É bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (CAPES). E-mail: [email protected]
Rafael Litvin Villas Bôas
Graduado em Jornalismo (2001), Mestre em Comunicação Social (2004), Doutor em Li-
teratura (2009) pela Universidade de Brasília (UnB) e pós-doutor em Artes Cênicas pela Uni-
versidade de São Paulo (USP). Professor Associado da UnB. Leciona na área de Linguagens da
Educação do Campo e nos programas de pós-graduação em Artes Cênicas e Mestrado Profissio-
nal em Artes da UnB, e no programa Desenvolvimento Territorial da América Latina e Caribe
(Unesp/ENFF). Coordena o grupo de pesquisa e programa de extensão Terra em Cena. E-mail:
[email protected]
Regina Vieira de Souza
Estudante do curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e
Música da Universidade Federal do Tocantins (UFT), Câmpus de Tocantinópolis e pesquisadora
de Iniciação Científica (PIBIC/UFT). E-mail: [email protected]
Renata Lopes Cipriano Guimarães
Licenciada em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música, Licenciatura
em andamento em Letras – Português, especialista em Libras, especialista em Gestão Escolar
com ênfase em supervisão e orientação. Atua como professora na Universidade Federal do
Tocantins (UFT), no curso de Educação do Campo. É Membro do grupo de Estudos e Pesquisas
em História, Educação e Artes – GEPHEA/UFT/CNPq. E-mail: [email protected]
Tássia Martins Cipriano
Licenciada em Educação do Campo, com habilitação em Artes e Música, licenciada em
Letras - Libras, especialista em Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Intérprete de LIBRAS no
Instituto Federal do Tocantins – IFTO. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em História,
Educação e Artes – GEPHEA/UFT/CNPq. E-mail: [email protected]

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