Augusto W. M. Teixeira Júnior - Geopolítica - Do Pensamento Clássico Aos Conflitos Contemporâneos. 1-Editora Intersaberes (2017)
Augusto W. M. Teixeira Júnior - Geopolítica - Do Pensamento Clássico Aos Conflitos Contemporâneos. 1-Editora Intersaberes (2017)
Augusto W. M. Teixeira Júnior - Geopolítica - Do Pensamento Clássico Aos Conflitos Contemporâneos. 1-Editora Intersaberes (2017)
I
come/ho editorial • Dr. Iva Jose Both (presidenre)
Drs Elena Godoy
Dr. Nelson Luis Dias
Dr. Neri dos Santos
Dr. UlfGregor Baranow
Dado inrernacionais de Caralogacao na Publlcacao (CJP) capitulo dois Teorias classicas da geopolitica, 48
(Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
2.I Introducao, 50
• • •
2.2 Fundamentos da geopoli'.ticada Guerra Fria, 86
TeixciraJUnior , Augusto W. M.
Gcopolltica: do pcnsamento classico aos conAitos
contempod.neos/Augusto W. M. Teixeira JUnior. Curitiba:
lnterSabercs, 2017. ta edicao, 2017. capltulo tris Geopolitica e geoestrategia, 98
Foi feiro o dep6siro legal.
Bibliografia.
lnformamos que C de lnrelra 3.1. Conceito de geoestrategia, 100
ISBN 978-8,-,972-336-6
rcsponsabilidade do auror a emissao de
1. Geopolfrica I. Tftulo. conceitos. 3.2 Principais escudos geoestrategicos e a arte militar, 104
17-01520 CDD-320.12 Nenhuma partc desra publicacao poder.i
sec reproduzida por qualquer meio
ou forma sem a prevla autcrizacao da
• • • Edirora lmerSabercs.
fndices para cat:ilogo sistem:itico: A violacac dos direitos autorais C crime
I. Ceopolfrlca 320.12 estabelecido na Lein. 9.610/1998 e
punido pclo arr. 184 do COdigo Penal.
capitulo quatro O papel da geopolitica nas relacoes
internacionais, 138
d.
D eJcator,a I •
Referencias, 223
Respostas, 231
diaria de inspiracao.
II Agradecimentos.
IO
Marche OU Creve
(Lema da Legiao Estrangeira,Franca.)
I
II Apresenta~ao
-
I
I
12
II
do a respeito das cornpe- -- Ap6s o estudo deste capitu\o, voce sera capaz de:
1. comprc:cndn o rurglmentc da gcogr:di.1 polfric.1 e IU.l vtn-
tencias que ira desenvolver cul..11;:lo com a rcllo:io sobrc Escdc c r1:rri16~io;
1. cn1endnc miliur an.1litiumcmc os ccoceoos quc se articu-
llm ii qucnio do e.,p.1,;:o e poden rcrritOrio, Ircnrelra. llmi-
e dos conhecimentos que ees e zona de inAufocb;
J. po;[Ul.u umr poii~fo pr6priarobrc o debate eruregeografia
ira adquirir corn O estudo po\Jiiu c gc:oPol/tiCJ acerca do 1t.1mJ de ciCnci.1 da i.illim:a
com bee no legadc d1 EKoh Oc1crminhu.
do capitulo.
Voce pode consultar as Nesta -se~ao, a proposta e Questoespara reflexiio
CASTitO, T. o:k. Geopalltb.; prir>dplos, mdoH firu. Rio d, Jrndro --obras indicadas-------nnrF'e"'s-rt7a---~ ~leva.,_lo a-I"efletir criticamen- l. Pcsquisc wbn: o proccsso de aparuio d.1 Ocan desde o
fin.a.Ida Guerra Fri.i .tc~ os di.t.s amili e respond.a: A RIJ..nia
e. 0 caphalumo global c J quesrdo d1 pardlha colonf rl quest6es, a fim de que voce Difercnu:mcme do pJd..io defcmho c concili.tdo,- adoc.i.do por
sew antcces.sorc1 quJmo !t c::xpam.1o da Organiu,;.fo do TracJdo
rornaram a guerr:i. Imperialisra i mprovdvel, do Adlmico Norlc (Otan) c ~ prescn,;J da Ali;in,;a A11.lntica na
conteudos do capitulo
• Ramos da geografia e o pensar o Estado.
• Surgimento da geografia politica.
• Relacao entre espac;:o e poder: conceitos.
• Fundamentos da geopolitica: Escolas Possibilista e Determi-
nista.
• Geopolitica: entre ciencia e ideologia.
24
remos os fundamentos da geopolitica par meio do arnadurecimento I Estados-nacao, assim coma para sua cornpreensao. Conforme Flint
da Escola Determinista alerna. (2006), os ge6grafos analisam o mundo sob as perspectivas espacial
e geografica. Entretanto, apesar da forca e relevancia da vertente
Hsica da geografia, dedica-se especial atencao a dimensao humana,
1.1 Relarao entre esparo e poder imersa e envolta no ambiente natural. De certa forma, o processo de
transforrnacao dos saberes geograficos em uma ciencia da geogra-
Para emender geopolftica, precisamos ter um ponto de partida. fia ajuda a emender sua divisao entre as vertentes Hsica e humana
A prindpio, devemos perguntar: de onde essa forma de conheci- (a geografia polftica e um ramo desta). 0 esquema a seguir, pensado
mento veio? Ao que podemos responder: da ciencia geogd.fica. Uma por Castro (1999), ilustra com clareza nao apenas a sequencia do
visao inicial e dada pelo geopolitico Colin Flint (2006) quando desenvolvimento da geografia, mas tarnbern suas divis6es.
exp6e dais significados complementares sobre o que e geografia.
Primeiramente, ele afirma que e um estudo daquilo que torna os
Figura 1.1 - Da geografia a geopoHtica
lugares unicos, tendo como objeto tambern as conex6es e interacoes Geografia
<
Como reforco da afirrnacao de que a geopolicica e tributaria da
geografia, podemos esclarecer que, apesar de atualmente ser con- Hlsrdria !~~;~~ogeografia
Geo-Hist6ria
siderada uma disciplina academica resultante da interacao entre Militar
Geoestrategia
geografia, hist6ria e ciencia polftica, a Geopolf tica tern na geografia
GeopoUtka
humana, mais especificamente, seu nascedouro. Para Flint (2006), a
Fonte: Adaptado de Castro, 1999, p. 18.
geopolitica e uma parte da geografia humana. 0 estabelecimento de
uma ciencia geografica acarretaria a necessidade de lancar luz sobre Munido de um panorama sobre a geografia e suas vertentes,
as relacoes entre sociedades, o espa<;:o e o poder em suas multiplas voce podera aprofundar sua compreensao sabre essa ciencia, Uma
forma util para emender o hist6rico da Geografia e acompanhar o
desenvolvimento da disciplina par meio da evolucao de seus debates A vontade humana necessariamente prepondera sabre as tendencias
e do trabalho de alguns autores. de deterrninacao do meio?
De Alexander van Humboldt (1769-1859), que na obra Kosmos Menas convicto da forca do componente humano contra o
(1855) exp6e um detalhado estudo sabre a geografia do mundo peso do meio, o ge6grafo frances Jean Brunhes (1869-1930) apre-
conhecido, ate Karl Ritter (1779-1859), com seus importantes tra- senta uma das primeiras leituras da realidade como um dualismo
balhos, derarn-se, sob uma perspectiva mais sisternatica, as pri- homem-natureza, 0 mesmo autor que criou a expressao geografia
meiras descobertas sabre as conex6es, correlacoes e causalidades humana afirma que "o homem nao se pode subtrair, em absoluto, as
entre fatores ffsicos e fenomenos humanos. Segundo Castro (1999), condicoes naturais, pollticas e culturais do espa<;o vital" (Brunches,
essas contribuicoes lancararn as bases do que viria a ser a moderna citado por Castro, 1999, p. 19).
geografia humana, cuja forca explicativa estaria na preocupacao Desde o nascimento da geografia, o embate entre a vontade
com a interacao entre os fenornenos ffsicos e humanos. Como humana e o peso deterministico do meio e da geografia se colo-
consequencia, se o comportamento do Homo Sapiens Sapiens e cava coma cerne das controversias do campo. Enquanto as ideias
influenciado pelo ambiente e pelo meio ffsico, a geografia humana de La Blache influeciavam a Escola Possibilista e a geopolftica I
1:
passa a figurar coma ciencia social. Entretanto, a indagacao sabre critica, surgiram, tarnbern no seculo XIX, concepcoes favoraveis
1,:.
quern determina ou condiciona quern - se a natureza ou a vontade a geodeterminacao OU a deterrninacao do ambiente natural e da
humana - passou a fazer parte do debate geografico', geografia sabre a politics e as relacoes humanas. Embora exista uma
Como alerta Castro (1999), para Paul Vidal de la Blache (1845- inclinacao da literatura classica a favor da geodetermina<;ao, a ques-
1918), a geografia ea ciencia dos lugares, e nao dos homens. Mas tao do peso da determinacao do ambiente Hsico sabre o humano
o que seriam esses lugares? Desde o seculo XIX, o conceito de nao foi de pronto resolvida na ciencia geografica. Para uma boa
Lugar e fundamental para a geografia. Citando Agnew, importante cornpreensao dessa evolucao nesse campo do saber, nao podemos
geopolfrico critico, Flint (2006) chama atencao para o fato de tal nos esquecer da escola gerrnanica de geografia, em particular da
conceito relacionar-se a tres aspectos cruciais: localizacao (funcao antropogeografia2 de Friedrich Ratzel (1844-1904).
do lugar no mundo), local (as instituicoes, formais ou nao, que O pensamento geografico germanico desenvolveu-se conco-
organizam desde a polfrica ate a identidade ligadas ao local) e senso mitantemente a tumultuada historia da unificacao alerna. De um 27
de lugar (sentido de pertencimento referente a uma coletividade e, conjunto de principados, reinos e ducados, a Alemanha emergiu
na geografia, a um lugar espedfico). Sendo assim, na geografia, os unida sob a lideranca prussiana.
lugares sao fruto das interacoes humanas, da significacao que as
coletividades dao ao ambiente Hsico. Portanto, Lugar nao e apenas
um dado ffsico na natureza; ele e dotado de significado e passfvel
de conteudo politico. Com base nessa leitura, podemos perguntar:
I Retomaremos esse debate na secao r.z. 2 Expressao que da dtulo a uma das principais obras de Ratzel.
Mapa 1.1 - Irnperio Alernao (1871) Se Humboldt e Ritter percebiam a relevancia da art iculacao
entre a geografia e o comportamento humano, foi Ratzel quern
Mar Baltlco sistematizou a predominancia do elemento politico da geografi.a
humana. Para ele, a natureza e de extrema relevancia para o saber
Mar do Norte geografico, mas foi alern, ao incorporar o Estado em sua analise.
Como demonstra Castro (1999), Ratzel superou a geografia humana
convencional, buscando apoio em ciencias auxiliares para a com-
preensao do Estado e de seu impacto no saber geografico. Segundo
Castro (1999, p. 20), "a Geografia Politica passaria a se ocupar das
IMPERIO RUSSO
CJ
-
Outros Eslados aternaes
Fronteira do lmperioAlemao
Escala aproximada
1 : 12 000 000
1 cm: 120km
o+LN
S
sos valorizados, seriam inseridas na geografia. Essa fusao ocorreu
por meio de conceitos coma Estado, territorio e povo, aos quais nos
~ I I I 1 !o I I I 2Jo km
Base cartogr;Uica: Natural Earth deteremos um pouco na sequencia,
Sistema de rererencte: D-Europeu- 1950
I
As vezes, podemos incorrer em reducionismo ao mencionarmos apenas o Uma importante obra em que os fatores geograficos, ambientais e biol6-
Estado coma forma de organizacao polftica, Ao invescigarmos o periodo gicos sao uni dos para explicar o desenvolvimenco dos povos e Armas, ger-
que compreende o final do seculo XIX e a primeira metade do seculo m es e aw· os destinos das sociedades humanas, de Jared Diamond (2009).
XX, encontramos uma epoca na qual povoava o globo uma miriade Apesar de nao ser uma producao geopolitica, ilustra com clareza coma
de formas de organizacao polltica, entre elas a estacal. Cidades-Escado, fatores dessa ciencia podem subsidiar a criacao de explicacoes sabre a
imperlos, protetorados e colonias dariam espa<;:o, ao longo do seculo macro-hist6ria humana. 0 livro demonstra coma ideias das geogra-
XX, ao Estado coma forma de comunidade politica predominance fias humana e polftica subsistem em explicacoes atuais sabre processos
(Bull, 2002). complexos, coma o sucesso e o fracasso no desenvolvimento dos povos.
32
Conforme Castro (1999), a politica era governada pela geografia. Ate o momenta, vimos que a geografia se desenvolve em varias
Ratzel foi fundamental para o estabelecimento da geografia coma vertentes, entre elas a pr6pria geopolitica. Cabe agora indagarmos:
ciencia academics, contribuindo tambern para lancar as bases teo- Afinal, o que diferencia fundamentalmente ambas as ciencias?
ricas que fundamentaram a geopolfrica (Flint, 2006). Como prova Mello (1999, p. 12), quando se refere a Zbigniew Brzezinski3,
dessa articulacao, Andrade (1993, p. 6) afirma que Ratzel "admitia afirma que a geopolftica "refere-se a cornbinacao de fatores geografi-
que os Estados centrais, mais dinarnicos, tendiam a se expandir cos e politicos que determinam a condicao de um Estado ou regiao,
em direcao ao mar, domando ou anexando vizinhos mais fracas, enfatizando o impacto da geografia sabre a politica", Conforme
enquanto os Estados rnaritimos tendiam a desenvolver suas esqua- Mattos (2002), uma primeira diferenciacao entre geopolitica e geo-
dras e a criar colonias", Adiante, voce notara que Ratzel anteve o grafia politica consiste na forma coma se analisa a interacao entre
choque estrutural abracado por Halford Mackinder sabre rnariti- politica e geografia. Segundo o referido autor, a geografia politica
midade versus continentalidade. analisa seus objetos coma uma fotografia, coma alga estatico - ou
A conexao umbilical entre a geopolfrica e a geografia politica seja, a opcao sincronica de analise caracterizava a visao da realidade
pode ser explicada pela classica preocupacao dos ge6grafos com coma uma foto, sabre a qual a geografia politica teceria analises e 33
o territ6rio, as fronteiras e o espac;:o. Esses aspectos da realidade avaliacoes (Mattos, 2002). Distintamente, a geopol.ftica analisaria
fisica constituiam as principais unidades de analise para a ciencia seu objeto coma um filme. Como resultado dessa outra forma de
geografica, quando esta se dedicava aos fenornenos da polftica e apreender a realidade, para Mattos (2002, p. 18), a geopolitica "E o
do poder. Historicamente, a preocupacao humana com a geografia produto da interacao dinarnica dos tres fatores: Politica, Geografia
estava relacionada com as vantagens estrategicas que o conheci- e Historia, conduzindo a uma prospectiva dos acontecimentos do
mento do meio e da fisiografia davam as comunidades pollticas. Estado". Por outro lado, para o ge6grafo da Universidade de Sao
Desde Her6doto, considerado o "pai da Historia", o dominio sabre Paulo (USP) Messias da Costa (2008), a geografia politica consiste
o ambiente fisico no qual o homem cac;:ava, coletava frutos, exercia
atividades agrfcolas e guerreava era vista como fundamento impor- 3 Cientista politico e geoescrategista nascido na Polonia e radicado nos Estados Unidos que atuou
ativamente em adrninistracoes federais entre as decadas de 1960 e 1980.
tante para o sucesso da vida humana.
numa ciencia basica ou fundamental, ao passo que a geopolftica e Se a geopolitica consiste historicamente em uma ciencia do
aplicada ou pratica, Para esse autor, a geografia polftica e afeita a poder e para o poder, como demonstra Lacoste (1976), ela tam-
polftica territorial dos Estados. bern serve para constesta-lo. Nesse empreendimento, geopolitica e
As diferencas pautadas por Costa (2008) nao dizem respeito ape- estrategia se fundem ao encarar a dorninacao, a expansao territorial
a
nas funcao do conhecimento, mas tarnbem a seu status ciendfico. e os movimentos de autodeterrniancao dos povos como parte de
Para o referido autor, "o desenvolvimento da Geografia Politica, sua hist6ria, sendo a guerra um de seus instrumentos politicos cen-
enquanto um corpo de teorias fundamentais e de certo modo trais. Por isso, desde a heroica defesa espartana contra os persas nas
universais, sempre se deu a partir de uma pratica academica que Term6pilas ate a instrucao do pensamento estrategico da guerrilha
procurava manter certo distanciamento critico, uma dada autono- comunista chinesa em 1949, o saber geografico foi um importante
mia relativa frente aos objetivos imediatistas e pragmaticos" (Costa, aliado para aqueles que buscavam preservar ou conquistar o poder.
34
2008, p. 21). Entretanto, e valido indagar: Como a geopolitica surgiu como
Com isso, Costa (2008) afirma que a geografia politica se desen- ciencia independente? Como a geografia politica cedeu aos ali-
volve sob os auspicios do rigor cientifico, dpico da atividade acade- cerces te6ricos e aos fundamentos iniciais da geopolitica? Como
mica, ten do,• assim, status cientifico. Por outro lado, sob a geopolitica o determinismo alernao se tornou a principal base da geopolitica
repousa um manto de desconfianca, o qual a relaciona diretamente classica? Desenvolveremos as respostas a essas indagacoes a seguir.
a sua utilizacao na primeira metade do seculo XX e nas pollticas de
expansao, guerra e colonialismo. De acordo com essa perspectiva
critica, a geopolitica consiste em um saber engajado, comprome-
1.2 Fundamentos da geopolitica
tido com o poder. Mello (1999), inclusive, considera notaveis geo-
politicos e geoestrategistas, como Halford Mackinder, tido como Segundo Castro (1999) e Mattos (2002), estudiosos como Vidal de
"conselheiro do principe" - expressao utilizada por Raymond Aron la Blache, Isaiah Bowman e Lucien Febvre podem ser considerados
em analogia ao papel desempenhado por Nicolau Maquiavel na representantes da Escola Possibilista. Identificado diretarnente com
producao do manual de poder (a obra O principe) para os Medicis a obra de La Blache (1845-1918), em oposicao ao determinismo geo-
no seculo XVI. Para Costa (2008), caracteristicas como essa desfa- 35
grafico, o possibilismo ancora seu raciodnio no prindpio de que a
vorecem o status ciendfico da geopolitica. Segundo Andrade (1993), liberdade impacta na forma e no alcance em que o meio geografico
a geopolitica postula um saber que, apesar de pratico, e ciendfico. limita e possibilita a acao dos individuos. 0 elemento humano e
Contudo, como faria posteriormente a geopolitica critica, o autor racional manifesta-se, sobretudo, por meio da politica. Assim, a
nao se omite de criticar aquilo que chamou de "doutrinacao geopo- relacao entre homem e geografia e mediada, antes de tudo, pelo
litica" e seus efeitos associados, como a colonizacao e a exploracao fator politico. Como pilares dessa escola geografica, o pressuposto
entre os povos (Andrade, 1993). do progresso e a crenca na ciencia e na tecnica sao fatores que fazem
a balanca entre a razao e a geografia pender a favor do homem. Se Nesse campo, poucos autores sao tao representativos de uma
o fator racional, instrumental e humano nao for imperativo, havera escola como Ratzel. A obra desse pesquisador fez eco da geografia
a possibilidade de relacoes de reciprocidade entre a sociedade e o politica a geopolitica, de Mackinder aHaushofer. Sua contribuicao
meio, mas nunca de deterrninacao. e crucial para entender o vocabulario politico e estrategico utili-
Apesar da relevancia das contribuicoes trazidas pela Escola zado por estadistas, hem como as guerras da primeira metade do
Possibilista, foi no determinismo germanico que a Geopolitica seculo XX. A articulacao organica entre o Estado e sua geografia,
coma disciplina realmente se desenvolveu. Embora existisse a ideia a relevancia do espac;:o vital (Lebensraum) e a crenca na tendencia
de que a politica e mediadora nas relacoes entre o homem e seu natural a expansao territorial dos Estados impactaria fortemente o
meio, o determinismo geografico4 afirmava a preponderancia do desenvolvimento das teorias geopoliticas do poder terrestre.
fator flsico, inclusive na explicacao do processo civilizat6rio sabre Para Ratzel, assim como para Kjellen e outros geopoliticos,
o qual se debruca a geografia politica (Mattos, 2002). A escola o Estado era um ente naturalmentepolitico, mas tambem orgdnico,
geogrdfica alemd, coma tarnbern ficou conhecido o determinismo Entendido como uma entidadeviva, um organismo dinarnico, era
germanico, "era fortemente caracterizada pela influencia do natu- constituido por um corpo politico e institucional(expressao formal
ralismo (em particular pelas ideias de Darwin), o que resultou do Estado), pelo territ6rio(espaco) e pelo povo. Devemos ressal-
num conteudo determinista em suas interpretacoes dos fen6menos tar que, como um organismo vivo, o Estado exibe uma tendencia
sociais, entre eles os politicos" (Costa, 2008, p. 22). a
natural expansiio. Em sua saga existencial, o Estado, como corpo
Como ocorria no mundo natural, o estudo do complexo vivo, nem sempre reuniria as condicoes necessarias essenciais a sua
homem-geografia ocorreria sob o prisma biol6gico. Nessa pers- manutencao e sobrevivencia, Recursos escassos e press6es popu-
pectiva, o Estado consistia em um "organismo vivo" dotado de lacionais poderiam ser desafios relevantes, mas seriam acrescidos
necessidades biol6gicas, coma a voracidade por recursos e o esti- a tarefa de conquistar o espac;:o vital. Tomando coma base ernpf-
mulo a expansao, Vemos nesse pensamento o cerne do argumento rica a experiencia hist6rica da construcao e expansao territorial
em favor da expansao dos Estados, demonstrado aqui e tarnbem dos Estados Unidos da America, Ratzel percebe que a expansao
durante todo o Capftulo 2. do Estado nao e uma pulsao imanente e natural, mas repousa no
Embora favoreca o elemento geografico sabre a vontade humana, fundamento da consecucao do espac;:o vital (Costa, 2008). 37
o determinismo geografico alernao condiciona a cornpreensao da Mattos (2002, p. 27) discorre sabre esse assunto:
polftica a constrangimentos e possibilitades perenes da natureza.
Em sua teoria do espac;:o vital (lebensraum), sintetizou o crescimento
Por mais contraintuitiva que parec;:a, essa escola aproxima cada
organico do Estado, afirmando que nao haveriam de substituir os
vez mais a geografia da politica, em particular as manifestacoes
territ6rios politicamente organizados, aos quais nao se "oferecern ao
da politica de poder, como a expansao, a guerra e a conquista
crescimento raz6es naturais ou econ6micas". Assim, dentro da con-
territorial com fins de sobrevivencia e acumulacao de poder do
cepcao de Ratzel, s6 "um territ6rio extenso, esparsamente povoado,
organismo estatal.
e um grande Estado do future".
4 Uma cdtica relevance recebida por essa escola consiste em suas alegadas tendencias mecanicistas e
naturalistas, presences na obra de Kjellen, Mackinder, entre outros autores (Costa, 2008).
Ratzel lancou as sete leis do expansionismo, apresentadas a a tens6es nas zonas de expansao imediata, o orgao periferico do
seguir segundo Castro (1999, p. 28): Estado: a fronteira. Sobre esse terna, reproduzimos as palavras de
Costa (2008, p. 19):
r. 0 espac;:o dos Estados deve crescer com a sua cultura.
2. 0 crescimento do Estado-nacao segue a outras manifestac;:6es de Demro dessa evolucao, o advento das fronteiras externas e internas,
crescimento do povo, devendo, necessariamente, preceder o cresci- por exemplo, nao estaria na raiz do processo de constituicao dos
mento do pr6prio Estado, Estados, mas justamente o contrario, isto e, a consrituicao dessa
3. 0 crescimento do Estado rnanifesta-se pela adicao de outros forma maior de institucionalizacao do poder politico e que tern
Estados dentro do processo de arnalgarnacao. determinado a fixacao cada vez mais r{gida dos limites entre as
4. A fronteira e o 6rgao periferico do Estado. sociedades-nacoes, A partir dai, os conflitos interessados ao espac;:o
5. Em seu crescimento, o Estado luta pela absorcao de secoes poli- politico tornam-se cada vez mais "inrernacionais", ou seja, de um
ticamente importantes. estagio em que se podia falar de um grupo social e seu espac;:o,
6. 0 primeiro Impeto para o crescimento territorial vem de outra passa-se a outro, no qua! se deve falar de sociedades-nacoes-Esrados
civilizacao superior. e seus territories respectivos. Assim, no piano do espac;:o mundial,
7. A tendencia geral para a anexacao territorial e amalgamac;::fo um imenso espac;:o geopolitico se estrutura, sob formas mais ou
transmite o movimento de Estado para Estado e aumenta a sua menos rfgidas.
intensidade. Em uma luta por sobrevivencia e seguranca, ocasionada pelo
Esses sete pontos nos dao uma visao clara sobre as rnotivacoes, tensionamento decorrente da conquista do espas;o vital, os Estados
as causas e os mecanismos por tras do comportamento expan- nascem, expandern-se e morrem. Considerando a ja mencionada
sionista do Estado. Nos marcos de uma cornpreensao de mundo hist6ria de expansao territorial dos Estados Unidos, Ratzel toma
calcada em um evolucionismo darwinista, o progresso da razao e emprestados da hist6ria os exemplos da forrnacao de irriperios classi-
da cultura humanas ocorre concomitantemente a luta entre povos, cos, como o Imperio Macedonico de Felipe II, e a constituicao dos
Estados e culturas por recursos escassos. Em meio a isso esta a Estados modernos, como a Alemanha unificada. Segundo Castro
consolidacao do Estado, do territ6rio e da segurans;a. Semelhante (1999), o ge6grafo alernao presenciou esse processo de unificacao - 39
a um corpo vivo, o Estado tern a pulsao de expandir originada no exemplo da expansao, da arnalgarnacao e do surgimento de um
crescimento de fatores end6genos, em particular a cultura de seu novo Esrado - da Prussia a Alemanha.
povo. Atingido o limite do crescimento natural, o corpo estatal
urge em expandir-se, incorporando outros Estados e territ6rios
por meio do processo de arnalgamacao". Tal comportamento leva
Tomando como exemplo a teoria nacionalista de concepcao CASTRO, T. de. Geopolitica: prindpios, meios e fins. Rio de Janeiro:
ponto central de doutrinas politicas do seculo XX, que colocam Uma das melhores obras gerais de geopolitica no Brasil, escrita
o Estado como o epicentro da politica nacional e internacional. pela importante geopolitica brasileira Therezinha de Castro. Esse
Contaminados pelo espirito de seu tempo, Ratzel, Kjellen e outros livro nao apenas apresenta vertentes importantes da geopolitica e
veriam no Estado um demiurgo possibilitador da vontade nacional. da geoestrategia, como permite ao leitor uma aproxlmacao com a
A ultirna decada do seculo XIX e a primeira do XX assisti- geopolftica brasileira e tern as caros ao debate nacional.
42
a
riam ernergencia da geopolitica nao apenas como pratica, mas
tambern como ciencia acadernica dotada de identidade e objeto.
Seu "produto final", uma disciplina acadernica viva e em evolucao
constante, tern se mostrado aberto e passlvel de crfticas e suspeicoes Sintese
acerca de seu status ciendfico e sua objetividade. Durante os debates
Neste capftulo, apresentamos as principais etapas, debates e autores
metate6ricos sabre a validade dessa ciencia como tal, defensores da
que nos possibilitarn entender a evolucao da geografia politica para
geopolitica classica ou da sua versao crltica sustentam vis6es que
a geopolftica. Por meio da relacao entre espac;:o e poder, abordamos
justificam essa forma de saber ea sua relevancia, inclusive para as
conceitos basilares, como Estado, nacao, territ6rio e fronteiras. Na
relacoes internacionais.
sequencia, analisamos as bases historicas do saber geografico e
Autores como Leonel Itaussu de Almeida Mello (1999),
sua articulacao com as lutas humanas aos conflitos entre Estados.
Therezinha de Castro (1999) e Meira Mattos (2002) entendem que,
Alern disso, examinamos as principais escolas da geografia polf-
embora a geopolf tica seja uma ciencia, ela sensivel ao poder e e as tica, de modo a perpassar conteudos centrais ao entendimento dos
suas demandas. Como a exposicao das teorias do poder geopolftico
fundamentos da geopolitica. Esperamos que, com base na leitura
permitira elucidar, a geopolitica produz interpretacoes e explicacoes
deste capitulo, voce tenha conseguido distinguir os enfoques da 43
sisternaticas sobre as realidades nacionais e internacionais. Apesar
geografia politica dos da geopolitica e identificar seus principais
de o intento ou a rnotivacao dos escritos ser orientado(a) pela poll-
debates compartilhados.
tica, o rnetodo - fazer cientifico - da geopolfrica atende aos rigores
da ciencia moderna e objetiva.
Conteudos do capltulo
• Especificidades das teorias geopolfricas.
• Teoria do poder maritime.
• Teoria do poder terrestre.
• Teoria do Rimland.
• Aspectos introdut6rios da geopolitica da Guerra Fria.
I De acordo com Flint (2006), o objeto central da geopolltica classica era a cornpeticao interes- 2 Estamos nos referindo as dimens6es em sintonia com a ideia de guerra tridimensional, ou seja,
tatal. Haveria uma tentativa de separacao dessa acao polirica com o fenorneno do imperialismo. dimens6es em que o poder militar se processa - no mar, na terra ou no ar.
Retomaremos esse tema no Caplrulo 4.
3 Ver debate sabre poder em Baldwin (2003).
futuramente. Por ultimo, o prestigio e uma forma de poder ima- influencia o pensamento naval de pretendentes ao poder maritimo,
terial conferida a um Estado por outros estados4. como a China conternporanea (Sempa, 2014).
Esse breve esboco sobre as possibilidades de estudo do poder na Para o almirante estadunidense, o mar nao apenas importava
geopolitica certamentamente contribuira para sua cornpreensao do nos arranjos estrategicos e politicos; era essencial em todos os tem-
desenvolvimento das teorias geopoliticas. Afinal, como entendia o pos. Ele o era no passado, dada sua contribuicao para a construcao
General Meira Mattos (2002), esta e uma ciencia do poder. Nada das bases atuais de poder, e seria no presente, por meio das condi-
mais pr6ximo dessa afirrnacao do que a relacao que os classicos coes fisiograficas para o avanco do poder nacional. Assim, o mar
dos poderes rnarftirno e terrestre tiveram com a Realpolitik e o seria fundamental tanto para o futuro das potencias maritimas
vigor da geopolitica5. quanto dos antagonismos internacionais. Escrevendo para uma
gerac;:ao que vivenciou, no seculo XIX, guerras capazes de alterar
52
Teoria do poder maritime o equilibria de poder global ou que afetaram expressivamente a
conduta do conflito armado entre comunidades politicas, Mahan
A geopolitica, como resultado de uma continuacao (ou de uma
encontrou um publico que pensava a estrategia e o espac;:o em ter-
separacao, como preferem alguns) da geografia polftica, teria ainda,
mos daquilo que veio a ser conhecido posteriormente por poder
no final do seculo XIX, um importante lampejo de sua forca e
terrestre.
relevancia, em particular com a obra The Influence of Seapower
upon History, I660-I783 (1890), do almirante estadunidense Alfred
Tayer Mahan (1840-1914). Distinto do que um pensamento intui-
tivo postularia, pautando o inlcio da discussao na teoria do poder As Guerras Napoleonicas (1803-1815), a Guerra Franco-Prussiana (1870-
terrestre, em particular pela fundamental contribuicao de Halford 1871) e a aceleracao do dilema de seguranc;:ae da corrida armamentista
Mackinder, e com Mahan que adentraremos na seara das teorias entre Reino Unido e Alemanha pela hegemonia europeia (final do
classicas da geopolf tica. seculo XIX e comec;:o do XX) sao exemplos de conflitos que alteraram
O Almirante Mahan foi um misto de militar e academico. Em o equilibrio de poder europeu. Nesse interim, apesar de seu impacto
sua carreira, lecionou e presidiu o Newport War College e o Naval regional, deve-se dar arencao a Guerra Civil Americana (1861-1865).
53
War College. Como parte do seu acumulado intelectual e de sua Considerada a primeira guerra moderna do mundo, foi responsavel por
experiencia naval, nao apenas propugnou a necessidade do poder elevar os meios disponiveis de forc;:a a outro nivel qualitativo; o resul-
marftimo para o futuro dos Estados Unidos, mas tarnbern influen- tado dessa guerra garantiu as condicoes para a ernergencia da potencia
ciou diretamente presidentes norte-americanos, como McKinley estadunidense (Duarte, 2013).
e Theodore Roosevelt (Flint, 2006). Ate os dias atuais, Mahan
Seja pela proliferacao de obras sobre a guerra de uma Europa
pos-napoleonica, tendo como artifice maior Clausewitz (1780-
4 Algumas das variaveis de poder discutidas aqui es tao presentes na formula de poder de Ray Cline.
Para o estudanre de Relacoes Incernacionais, e de grande valor verificar o emprego dessa esrrategia 1831), seja ·pela posterior popularidade de Jomini (1779-1869)6, o
analitica no estudo sobre balanca de poder na Bacia do Prata desenvolvido por Mello (1996).
5 Baseados em Gray (1988), adorarnos a ordem de apresenracao das ceorias geopoliticas classicas
iniciando com Mahan, Mackinder e Spykman. 6 Clausewitz e Jomini serao retomados no Caplrulo 3.
pensamento militar voltou-se para a terra firme. Nesse ambiente Para Mahan, fatores como localizacao geografica, tamanho do
intelectual e poll tico, Mahan teve um impacto inestirnavel. territorio e populacao seriam fundamentais para um Estado, nao
Considerado um dos mais celebres pensadores da estrategia apenas influindo em sua posicao na luta de poder entre as potencias,
militar - para alguns, um tatico naval (Proenca Jr.; Diniz; Raza, mas tarnbern na definicao do tipo de poder em que o Estado seria
1999) -, Mahan foi um dos pioneiros de um pensamento sobre a classificado9. Crowl (2001) afirma, em sua revisao do pensamento
guerra no mar. Sohre esse tema estabeleceu obras que o alcaram a estrategico de Mahan, que os fatores supracitados seriam essenciais
fama de estrategista naval (Crowl, 2001). para a habilidade do Estado em converter-se a um poder madtimo.
Distintamente da abordagem geopolitica, que preconiza a arti- Os cinco fatores decisivos para a constituicao do poder maritimo
culacao entre geografia, hist6ria e politica na producao de suas expressao do poder geopolitico - sao:
explicacoes e teorias, a obrn de Mahan estuda, na realidade, expe-
54 posicionamento + extensao territorial + populacao + carater
riencias navais com o objetivo de "analisar os fundamentos da
estrategia naval, mostrando que o Poder Maritimo fornece expli- nacional + polltica de governo (Castro, 1999; Crowl, 2001)
cacoes para a maior parte dos acontecimentos historicos" (Castro,
Enquanto parte da teoria estrategica conternporanea ao
1999, p. 108). Para Castro (1999), em Mahan, o estrategista naval
Almirante Mahan argumentava em defesa da superioridade da
extrapola a contribuicao no campo da geoesrrategia, especialmente
guerra na terra para o sucesso militar e a vit6ria polftica, ele defen-
ao articular o poder madtimo com o nacional. Por outro lado,
dia a superioridade do mar para esses efeitos. Destacando a relacao
devemos recordar que, quando do lancarnento de sua principal
entre insularidade e continentalidade ao longo da hist6ria, ilustrada
obra de referenda, em 1890, a geopolftica e o termo em si ainda
pelos exemplos de Inglaterra, Franca e Holanda, Mahan evidencia
nao haviam sido criados7• Como ciencia, era uma area que lutava
que a condicao insular britanica, conhecida pela expressao esplen-
para desenvolver-se no seio da geografia politica. Dessa forma, clas-
dido isolamento, seria determinante para sua construcao imperial
sificar Mahan explicitamente como um geopolitico pode ser um
calcada no dorninio do mar (Crowl, 2001) ..
equfvoco: contudo, e um erro ainda maior negar que ele prestou
importances contribuicoes para a geopoHtica8•
55
8 Vale ressaltar que a diferenciacao enrre geogrnjinpolltica e geopolfticn, bem coma entre esca ultirna
ea geoestrategia, nem sempre e clara. Como veremos no Capitulo 3, varies geopolfcicos articulam 9 Essa linha de invesrigacao instigou uma gama de geopoliticos a pensar a relacao rnarernatica entre
geopolitica e estrategia, sendo importances formuladores do pensamenco geografico e militar. coeficiences de maritimidade e concinencalidade (Bonfim, 2005).
A situacao imediata das ilhas britanicas, sob o controle da
.0
"O
0 .. Coroa, estabeleceria as bases para a posterior expansao territo-
E .ll
rial, cujo poder emanava de Landres. A conquista daquilo que
Castro (1999, p. 107) chamara de "glacis defensivos" seria seguida
z
\ g da ocupacao de posicoes esrraregicas em mares distantes. Conforme
ilustrado pelo geoestrategista Brzezinski (1998), desde o seculo
XIX, a Gra-Bretanha ancorava sua condicao imperial na projecao
global de poder, tendo coma base tambern o controle dos mares.
As partes escuras do mapa correspondem aos territories sob controle
britanico. E possfvel perceber que o Irnperio Britanlco utilizou a
estrategia de controlar importantes "pontos de estrangulamento",
coma o Estreito de Gibraltar (em disputa com a Espanha), a pas-
sagem do Caba (Africa do Sul) e o Canal de Suez (hoje controlado
-'
pelo Egito). Apenas esse exemplo ja nos permite entender coma
:,
<O
Landres exercia controle sabre a abertura e a negacao de passagem
maritima em rotas primarias e secundarias que ligam a Europa
a
Ocidental Asia, o Atlantico ao fndico.
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.- Para Mahan, a acao polftico-estrategica do Irnperio Britanico
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·~
0
nao seria possivel sem componentes dornesticos. A populacao e seu
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.- carater nacional seriam importantes para a conversao do pats em
I poder maritimo. Sorna-se a isso a existencia de uma mentalidade
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0 0
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oceanica, junta ao condicionante fisiografico, que obrigasse uma
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...... coletividade a perseguir seu espac;:o vital para alem-rnar, Reunidos,
·.::::
..c esses fatores compunham parte da equacao dornestica responsavel 57
'-
QJ
"tJ pelo nascimento de um poder madtimo. As outras partes desse
0
Q. construto, o papel do governo e sua orientacao para o mar ou para
0
"tJ a polftica territorial, desempenhariam funcao central no calculo
0
IIU
v, do poder maritimo (Castro, 1999; Crowl, 2001).
QJ
'o' Os fatores descritos anteriormente nao seriam relevantes apenas
'-
0... para a forrnulacao de um pensamento estrategico voltado ao mar,
ancorado em variaveis identificaveis na geopolftica; eles seriam
importantes tambern pelo impacto na polftica real, seja nos Estados
Unidos, seja em potencias europeias, coma o Reino Unido e a
I I
Alemanha. A obra de Mahan produz a chamada doutrina naua- A lnglaterra seria o exemplo maior dessa assertiva mahaniana.
lista, que marca o ressurgimento de uma mentalidade ansiosa por A conversao desse pals no maior poder maritimo ate entao foi pos-
lancar-se ao mar, incorporando possibilidades e desafios estrategicos a
slvel grac;:as opcao de constituir uma grande frota naval a despeito
concernentes a essa escolha polftica, Por exemplo, seu classico The da deterrninacao fisiografica de pequena expressao terrestre. Essa
Influence of Sea Power upon History (1890) ganhou status de "blblia" situacao naturalmente podaria sua condicao de potencia terrestre,
em varias marinhas. Conforme Sempa (2014),"o Kaiser Wilhelm II dada a pr6pria condicao de insularidade natural. Para Mahan, o
teria ordenado que cada navio de guerra alernao tivesse uma c6pia mar consistia num vasto espac;:o comum, em que rotas de cornercio
do livro a bordo". permitiam o estabelecimento de canais de cornunicacao. Dotada
Mahan, que fora formado na United States Naval Academy dos meios, a potencia que optasse por desenvolver o poder mad-
(Usna) em 1859, viria a servir na Marinha da Uniao em plena timo e cumprisse as condicoes necessarias teria o mar como aliado,
Guerra Civil Americana e atuaria como colaborador do U.S. Naval pois este propicia a mobilidade de meios, designios e vontades con-
War College'? entre os anos de 1880 e 1890. Suas aulas naquela tra os quais "o Poder Terrestre encontrava obstaculos geograficos"
instituicao, que seriam a base de sua obra maxima aqui ja referen- (Castro, 1999, p. 106). 0 mar, que para alguns Estados produziria
ciada, reverberariam tarnbem no desenvolvimento da doutrina de o efeito de poder parador das aguas11 (Mearsheimer, 2001), para
guerra naval dos Estados Unidos ate meados da Primeira Guerra outros seria um vetor central para a projecao de poder e inlluencia.
Mundial. 0 "evangelista do poder naval", como ficou conhecido,
foi um dos precursores da geopolitica. De acordo com Castro (1999,
p. 106), "sua celebre Teoria do Poder Marftimo baseava-se em fato
historicamente comprovado, de que o controle dos mares para
fins comerciais e militares fora sempre trunfo decisive em codas
as guerras desde o seculo XVII".
59
10 Para obter mais Inforrnacoes sobre essa famosa instituicao e o papel que Mahan nela desempenhou,
acesse: <https://www.usnwc.edu/About/History.aspx>. 11 No original, "the stopping power of water".
As contribuicoes do Almirante Mahan o colocam coma um dos
pioneiros da geopolfrica, coma ja dissemos, apesar do seu status
acumulado como estrategista naval e geoestrategista. Mahan tam-
bern prestou importante contribuicao para o desenvolvimento da
disciplina, tendo em vista que autores como Nicholas J. Spykman
partiriam de suas afirrnacoes sobre o poder rnaritimo para contra-
por a teoria geopolftica do poder terrestre.
II)
a divulgacao de sua revolucionaria teoria.
0 O autor teria ligacao com os primeiros desenvolvimentos de
"'C
ro uma s6lida teoria do poder terrestre, fundamental para atribuir
u
c:
<IV
(1)
a geopolitica um arcabouco te6rico pr6prio, distinto em perfil
u e forma daquele da geogra.fia politica. Seu peso na estruturacao
0
:.0
0
e e
da disciplina tao elevado que nao possfvel discutir geopol.i'.tica 61
l(V
U" classica sem fazer referenda a Mackinder. Nao e exagero afirmar
(1)
a.
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• j]:
ro ii£!t ~c: surgimento de uma classe trabalhadora operaria e a progressiva
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(1_
I
industrializacao inglesa colocavam em risco a forma de vida da britanica estaria arneacado pela real possibilidade do surgimento de
aristocracia, fortemente arraigada a agricultura. A mudanca social uma potencia terrestre dominante na Europa continental. Como
significava uma transformacao das relacoes de poder e de potencia ensina Mattos (2002, p. 22):
dentro da pr6pria Gra-Breranha (Flint, 2006). Esta concepcao mackinderiana, sobre a possibilidade de criacao
No front externo, se, no inlcio do seculo XIX, o Reino Unido
de um Poder Mundial tendo coma centro uma base continental
lutava contra a arneaca da hegemonia francesa no continente, vindo '
contrariava a teoria anterior do almirante Mahan, que concebera
a ter papel essencial na reconstrucao da Europa (Kissinger, 1973), na
um poder mundial baseado no dornfnio dos mares, segundo o lema
segunda metade do seculo, a Alemanha (unificada sob a lideranca "quern dominar os mares dorninara o mundo",
de Bismarck) e a Russia Imperial oporiam resistencia hegemonia a
Nesse momento, e importante voce recordar o que vimos sobre
britanica, Apesar de seu receio em relacao a Berlirn, o antagonismo
o impacto da obra de Alfred Mahan nos formuladores de polf tica e
entre Moscou e Londres chamou atencao de Mackinder, levando-o
estrategia naval nas grandes potencias entre o final do seculo XIX
a sistematizar uma analise e teorias sobre os rumos dessa rivalidade
e o inicio do XX. A Alemanha e um born exemplo, pois, nos anos
estrategica. Andrade (1993, p. 6-7) sintetiza as raz6es politicas e a
1890, iniciara uma corrida naval com a Inglaterra, encerrada apenas
dirnensao geografica do conflito:
com a eclosao da Primeira Guerra Mundial. Entretanto, enquanto
O primeiro [Russia], pais que se expandiu pelo continente asiatico, a
os povos se lancavarn aventura de construcao ou reforco de sua
durante seculos procurou obter portos em mares abertos - livres projecao rnarltima do poder nacional, Mackinder argumentava
do bloqueio dos gelos durante o inverno e da passagem de estreitos que os rumos da polltica internacional apontavam para a preva-
controlados par outros pafses -, e o segundo [Gra-Bretanha], pos- lencia do poder terrestre. 0 duelo estrategico entre Gra-Bretanha e
suindo a Marinha mais forte, na epoca, estabeleceu colonias em Russia contava com outro contendor de peso: a Alemanha. Situada
todos os continentes e controlou os paises da America Latina [ .. .]. no centro da Europa e projetando-se por via terrestre, conforme
Se a recente expansao da Alemanha colocava em xeque o peso sua inclinacao hist6rica, Berlim iniciava uma frenetica corrida aos
da Gra-Bretanha na balanca de poder12 europeia, Mackinder via mares.
na Russia um possivel antagonista de longo prazo, com impor- A geopolitica e a estrategia do corneco do seculo XX apresen-
tantes consequencias para o Irnperio Britanico. Ele notara que os tavam o panorama para o pesadelo de Mackinder: a possibilidade
padr6es de expansao da Gra-Bretanha e da Russia se dariam por de dorninio continental por uma grande potencia terrestre ou pela
canais opostos. Enquanto o primeiro seguiu a pulsao expansionista alianca entre Alemanha e Russia. Dito isso, ressaltamos que a for-
pelo mar, o segundo lancou-se a conquista do espac;:o necessario a mulacao geopolf tica do te6rico Ingles s6 podera ser enrendida em
seus designios por meio terrestre. Um dos aspectos que oporiam sua totalidade se nos detivermos a sua teoria do poder terrestre.
Mackinder aos estrategistas e geopolf ticos de seu tempo seria sua Como veremos a seguir, Mackinder contribuiu com um area-
afirrnacao, contraintuitiva, de que o future da potencia maritima bouco conceitual e um construto te6rico fundamental para a geo-
politica, Seu artigo seminal - The Geographical Pivot of History -,
12 Uma das obras mais interessantes sobre balanca de poder no seculo XXI e B11/1111ce of Power Theory apresentado na conferencia da Royal Geographical Society, em
I
1111d Practice in the 2I'' Century, organizada por Paul, Wirtz e Fortman (2004).
I
23 de janeiro de 1904, foi publicado no The GeographicalJournal no politico fechado (Flint, 2006). Para entendermos melhor coma
mesmo ano. Esse texto marcou nao apenas os incipientes geopolfri- essa ideia afeta sua teoria, devemos tentar imaginar o mundo de
cos, mas chocou os ge6grafos em geral ao trazer uma ideia diffcil de Mackinder em 1904. Apesar da grande distancia entre esse tempo
a
aceitar epoca: a Europa Ocidental nao seria o centre do mundo. e o nosso, alguns traces de continuidade sao marcantes. Express6es
Diferentemente do que as narrativas hist6ricas normalmente alar- coma liberalismo, liure-comercio, abertura de mercado, comercio
deam, nao foi da Europa Ocidental que partiram os principais global, investimentos externos diretos e disputa por novos mercados
processos de expansao, anexacao e amalgarnacao, que resultariam ja eram realidade na referida epoca, 0 ge6grafo ingles lidou com
nao apenas na construcao dos Estados nacionais coma os conhece- esse estado de coisas tomando coma parametro o primeiro impulso
mos, mas tambem na distribuicao territorial e de forcas do mundo de expansao rnarftirna europeia. Aquila que Mackinder chamou
povoado pelas grandes potencias tradicionais. Mackinder chocou a
de "epoca colombiana", referindo-se primazia de Colombo no
seus conternporaneos ao olhar para a Asia. Nao uma Asia longin- descobrimento do Novo Mundo, era um processo que chegava a
qua, construida no imaginario dos navegadores europeus (Kaplan, termo no final do seculo XIX. Aproximando o mundo conhecido
2013), mas uma Asia profunda, territorial e terrestre, cuja expansao a a
massa de terra das Americas e expansao naval para a Asia e a
vertiginosa e impressionante escapou aos olhos dos pesquisadores Oceania, os europeus desbravavam a rnultiplicidade de povos e
ocidentais. Nessa regiao e em suas dinarnicas profundas e que civilizacoes, agora conectados sob o manta das dinarnicas globais
repousaria o destino da Europa e do restante do mundo. de poder e riqueza.
De acordo co.m Mello (1999), entre 1904 e 1943, Mackinder Diante do referido processo, Mackinder destacava outro movi-
desenvolveu uma sofisticada concepcao hist6rico-geografica, mento de expansao, nao pelo mar, mas por terra. Para ele, a con-
segundo a qual a polltica e o poder reinam coma fatores explicati- quista das estepes da Siberia pelos russos seria tao importante coma
vos. Essa concepcao apresenta os seguintes elementos ordenadores a descoberta da Rota do Caho pelos portugueses (Mackinder, 2004),
(Mello, 1999): pois permitiria colocar sob um {mica centro decisorio (Moscou)
uma massa compacta de terra, que se alongaria desde o leste da
• 0 mundo coma sistema politico fechado.
Europa ate a costa do Pacifico, limitado ao norte pelos mares gela-
• Historia universal baseada na causalidade geografica.
dos do Artico e ao Sul por uma pleiade de potencias pequenas e
• Postulado da luta pela supremacia entre o poder maritime
emergentes, fundamentais para a costura geoestrategica da Eurasia,
e o poder terrestre.
coma podemos verificar no mapa a seguir.
Infl.uenciado pelo pensamento de Mahan, Mackinder conside-
rava a politica global interconectada, operando coma um sistema
Esse "movirnenro de dupla expansao" (Mello, 1999) produziria
os moldes para a futura oposicao entre oceanismo e continenta-
lismo em torno da hegemonia mundial. 0 mundo controlado pelo
resultado da expansao dos europeus ocidentais pelo mar se chocaria
com a realidade politica e fisiografica resultante da massa territorial
euroasiatica do Irnperio Russo.
Outro fator par teas desse desenvolvimento deve ser devida-
mente explicitado: a tecnologia. Apesar de conternporaneo dos
navios a vapor e de sua revolucao no aprimoramento dos meios
navais, para Mahan, o desenvolvimento da tecnica e da tecnolo-
66
gia pouco mudaria a guerra no mar. Nesse sentido, seriam mais
relevantes a forca dos constrangimentos geograficos e as condicoes
politicas e psicossociais do povo, coma a "mentalidade maritima",
Ja para Mackinder,' a tecnologia desempenharia um papel crucial
<(
in
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em seu esquema explicitativo. 0 advento do navio e de locomotivas
a vapor; a expansao das ferrovias, que agora cortavam continentes,
--' coma a Transiberiana; e o desenvolvimento da tecnologia auto-
0
m
motiva transformariam a logfstica (Mackinder, 2004). Enquanto
a
para Mahan o mar conferiria potencia maritima a vantagem da
mobilidade, para Mackinder a inventidade humana aplicada aos
meios da guerra faria essa vantagem pender para a potencia ter-
restre. As dificuldades do terreno e do relevo seriam controladas
pela tecnologia; assim, a forma coma o ambiente terrestre limitava
a mobilidade e a velocidade das comunicacoes rnilitares e civis
0
Ill mudaria para sempre (Mello, 1999).
Ill
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::s sc. O somat6rio das novas tecnologias aplicadas producao, cir-
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culacao de mercadorias e a guerra, junta ao terrnino da expansao
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c. ~s das grandes potencias para o Nova Mundo e a Asia, daria o tom
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do infcio da "epoca p6s-colombiana". Em uma leitura das relacoes
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'O internacionais, seria possfvel argumentar que o sistema internacio-
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sc. nal incorporaria a totalidade das massas terrestres do globo, com
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suas economias e dinamicas politicas agora enquadradas em um
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1'1:1
c.
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1'1:1
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sistema politico fechado (Mello, 1999). No entanto, essa consciencia
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::E: )OJt:St:Ut:JA l?SSJt:lflJ
0
u.
a
contraria visao eurocentrica dominante nao seria compartilhada que, apesar das deterrninacoes geograficas em choque com a hist6-
rapidamente pela intelectualidade e por formuladores de politica ria, uma potencia maritima poderia construir uma expressao con-
conternporaneos de Mackinder. tinental de poder. Contudo, em sua 6tica, seria mais facdvel que
Outro pilar no ediflcio te6rico erguido por Mackinder e a cau- uma potencia terrestre, ao controlar uma vasta gama de recursos
salidade geografica na hist6ria universal. Como pontua Mello e porcoes anfibias de terra, construisse com exito meios s6lidos de
(1999, P· 33): expressao naval, constituindo, assim, uma condicao de potencia
anfibia (Mello, 1999; Castro, 1999; Kaplan, 2013). Esse assunto e
A visao mackinderiana baseia-se no condicionamento exercido pelas
de particular relevancia, pois nao apenas coloca Mackinder em
realidades geograficas sobre os processos hist6ricos, no confronto
choque com Mahan e com o espirito da epoca, mas tambern e
secular entre as potencias oceanicas e as potencias continentais,
ponto de partida para a crftica de Nicholas J. Spykman em sua
68 assim como no dedinio da supremacia mundial do poder maritimo
Teoria do Rimland.
e no advento da era pos-colombiana do poder terrestre.
Com isso em mente, discutiremos o terceiro pilar na grande teo-
Em dialogo com o legado da geografi.a politica classica, ria de Mackinder: a rivalidade entre oceanismo e continentalismo.
Mackinder entendia que a natureza, a geografi.a e o meio irnpu- Como instrumento explicativo e ilustrativo de sua tese, Mackinder
nham condicionamentos que constrangiam as escolhas humanas, recorreu a
Hist6ria para apresentar coma, desde os prim6rdios
inclusive a vocacao maritima ou terrestre de um Estado. A tenden- das cidades-Estado gregas ate a sua epoca - a primeira metade do
cia de uma potencia firmar-se coma maritima, terrestre ou anfibia seculo XX-, era possivel verificar a rivalidade entre o poder rnari-
estava intimamente relacionada a seu posicionamento e a sua loca- timo e o terrestre na luta pela hegemonia.
lizacao (insular, mediterranea ou interrnediaria), da mesma forma
que o espas;o impacta na forrnacao polftica, social e cultural de
Quadro 2.1 - Conflitos hist6ricos luz da oposicao a
oceanismo versus continentalismo
coletividades humanas, coma sua tendencia ao comercio maritimo,
a expansao territorial por terras condguas ou abertura de frentes a Perfodo hist6rico Nome do conflito Antagonistas principais
maritimas e continentais. Potencias hist6ricas, coma Inglaterra e ldade Antigo Guerra do Peloponeso Atenas x Esparta e demais aliados
Russia, seriam ilustrativas da inter-relacao entre constrangimentos Guerras Medicas Cidades-Estado gregas x lrnperio Persa
geografi.cos e devir hist6rico na confirrnacao das identidades e da Guerras Punicas Roma x Cartago
vocacao de poder'", ldade Moderna Guerra dos Sete Anos Franca x Gra-Bretanha (principais)
Sabre esse aspecto, e importante salientar uma possivel incom- Guerras Napole6nicas Franca x Gra-Bretanha (e coallzoes)
preensao derivada de uma leitura rapida de Mackinder. Apesar de Era Contemportinea "Grande Jogo" Russia x Gra-Bretanha
enfatizar a superioridade do poder terrestre sabre os demais, ele nao
Fonte: Elaborado com base em Mackinder, 2004; Mello, 1999; Creveld, 2005.
exclui a irnportancia da dimensao maritima. Mackinder entendia
Os conflitos armadas interestatais listados no Quadro 2.1 nao
13 Como demonstra Mackinder (2004), as condicoes insular e continental de Inglaterra e Russia, res-
pectivamente, condicionaram seus processos de expansao, 0 primeiro pelos mares e o segundo pelas
foram selecionados por Mackinder aleatoriamente. Eles sao repre-
plan!ceis e estepes siberianas. A inrer-relacao mencionada aqui foi fundamental para a construcao de sentativos de uma escolha te6rica e metodologicamente orientada
suas identidades territoriais como Imperios ultramarino (Ingles) e condguo (russo).
para dar conta da inrerpretacao do desenvolvimento hist6rico a luz Explicando esse raciodnio, entende-se que a tese defendida
da oposicao secular entre potencias terrestres e maritimas. Outro por Mackinder "era a de que o Poder Terrestre poderia conquis-
trace distintivo dessas guerras e que elas sao entendidas como tar as bases do Poder Marf timo, caso conseguisse adicionar a sua
desencadeadoras de fortes impactos, seja na mudanca do centro retaguarda continental uma frente oceanica que lhe possibilitasse
de poder, seja na hegemonia. Acima de tudo, fizeram pender entre tornar-se um Poder Anfibio, simultaneamente terrestre e maritirno"
as potencias o mando e a lideranca de varias configurac;:6es do sis- (Mello, 1999, p. 39).
tema internacional. Analisando como Mackinder interpretava o Esse cenario podera ser mais bem apreciado a luz da principal
antagonismo marftimo e continental, Mello (1999, p. 37) explica: contribuicao de Mackinder a geopolftica: a teoria do Heartland.
Segundo Villa (2000), Heartland e o conceito-chave que consti-
As potencias terrestres utilizavarn-se de sua posicao central e de suas
tui a pedra de toque da teoria do poder terrestre de Mackinder.
70 linhas interiores para se expandir em direcao as regi6es perifericas e
Foi com base no conceito inicial de Area Piv6 (Pivot Area) que se
conseguir saidas para os mares e oceanos. As potencias marltimas
desenvolveu um conjunto poderoso de conceitos, como Grande
apoiavam-se em sua posicao insular e em suas linhas exteriores
Oceano (Great Ocean), Ilha Mundial (World Island), Crescente
para dominar as regi6es litoraneas e manter as potencias terrestres
lnterno (Inner Crescent), Crescente Externo (Outer Crescent) e, pos-
encurraladas dentro dos limites de sua posicao interrnediaria.
teriormente, Oceano Central (Midland Ocean). Explicaremos esse
Em slntese, afirma que as potencias terrestre e marftima, em construto te6rico a seguir.
sentidos opostos (mar-terralterra-mar), manobravam estrategica- Mackinder apresenta, em sua forrnulacao te6rica, uma teoria da
mente em seus processos de expansao, Destaca-se nessa leitura hist6ria. Distintamente de uma narrativa objetiva sobre aconteci-
geo-hist6rica a prernencia da localizacao e do territ6rio como fator mentos humanos, uma teoria da hist6ria busca explicar o sentido,
fundante da direcao tomada pelo Estado. Mais importante ainda, as causas e os efeitos dos processos hist6ricos, conectando-os a
a pulsao expansionista, ja detectada nos prim6rdios da geografia fatores causais no nfvel mais geral, relativo a fen6menos econ6mi-
polftica, e trazida a tona na forrnulacao geopolftica de Mackinder. cos, sociais ou polfticos.
Estados podem nao ser considerados organismos vivos, submetidos
as leis da biologia, mas tern, contudo, o desfgnio de expandirem-se : Concep~~omarxlsta da historia 71
no ensejo de sobreviver e preponderar. A luta de classes e vista por Marx como o motor da historia. Para o te6-
Assim, o conflito anglo-gerrnanico, que se arrastava desde o final rico alernao, os principais fatores da dialetica da mudanca social e do
do seculo XIX ate a forrnalizacao das hostilidades, com a eclosao devir hist6rico residem nas relacoes de producao e em sua esrrarificacao
da Primeira Guerra Mundial, nao apenas arneacava o equilfbrio
social classista. Mello (1999) demostra que a conexao Marx-Mackinder
do poder europeu, erguido das cinzas das Guerras Napole6nicas
e interessante para ressaltar como ambos apresentam o que poderfarnos
por diplomatas como Metternich, Castlereagh e Talleyrand
chamar de teorias da bistoria (Marx; Engels, 1998; Aron, 1999).
(Kissinger, 1973), mas tarnbem colocava em xeque a hegemonia
da Gra-Bretanha entre as potencias.
Para Mackinder, o entendimento do mundo coma unidade Distinto do fracionamento do mundo em varies oceanos
compacta, o primado da causalidade geografica e a oposicao e continentes, Mackinder arguiu pela existencia de uma Ilha
terra-mar constitularn os pilares centrais de sua concepcao da his- Mundial, constitufda par Eurasia e Africa, a qual seria banhada
toria'", Tradicionalmente, o intelectual do inicio do seculo XX pelos mares daquilo que o autor chamou de Grande Oceano. Na
era educado para pensar a distribuicao da agua e da massa territo- verdade, Mackinder entendia coma arbitraria a divisao dos mares,
rial do planeta em quatro oceanos e cinco continentes15. Em seu vendo-os coma a {mica superficie liquida do planeta (Mello, 1999;
desenvolvimento da teoria do Heartland, Mackinder subverte esse Flint, 2006). Longe dessa enorme concentracao de terra (Eurasia e
esquema mental. Mas coma ele faz isso? Africa), as Americas e a Australia eram encaradas coma ilhas-con-
Vamos pensar juntas: oceanos e mares sao elementos separa- tinente, orbitando a grande Ilha Mundial. Esse esquema mental e
dores dos continentes, a exemplo da America - que e uma massa representado em seu famoso mapa de 1904.
72
contlgua de terra - e da Antartida. Entretanto, dividimos a Europa
da Asia e esta da Africa, sendo essas massas contiguas de terra. Os Figura 2.1 - 0 mundo segundo Mackinder (1904)
Urais nao separam fisicamente a Europa da Asia, assim coma os
Pirineus nao dividem a Europa em dais continentes. A Peninsula
do Sinai ea regiao do Canal de Suez ligam o continente africano
ao asiatico, assim coma a America Central e seu istmo ligam a
America do Norte do Sul. a
Essa breve reflexao nos permite considerar nossa construcao
G
mental sabre a forma coma a geografia polirica e a cartografia ~
E
1
representam a verdade, que consiste em um construto hist6rico,
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politico e cultural. As condicionantes geograficas nao sao neces- "'
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sariamente fatores que levam divisao ou uniao entre povos e a .
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continentes, mas, sim, processos hist6ricos longos e profundos. o
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Baseado nessa linha de raciodnio, Mackinder desenvolve a ideia 0
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de Ilha Mundial, a qual marca o contexto geografico da existencia N
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THE NATURAL SEATS OF POWER. 0
de uma area pivo, denominada coracdo continental ou Heartland rirnl orrn-wltolly conuneutel. Oul,•r ctl'H'~nt-wbolly ocenuic. loner crC!<:eot-1,:,rtly contleeetet, p:irlly O('('IDil'. u
17 Vale destacar que, em Democratic Ideals and Reality (1919), Mackinder reforc;a sua reflexao em
termos de balanceamento, vindo inclusive a propor arranjos cooperativos internacionais voltados
a frear a porencia terrestre. Ideia basica que seria incorporada na propositura da Organizacao do
Tratado do Arlanrlco Norte (Oran). 19 Abordaremos as consequencias desses aspectos no Capftulo 3.
18 Voltaremos a esse ponto ao discutir a expressao geapolttica do poder aereo no pr6ximo capftulo. 20 Nesse esquema, a Africa nao esrava coneccada a Eurasia, coma na visao mackinderiana.
Figura 2.2 - 0 mundo vista pelo Polo Norte dado perturbador: a proximidadedas massas terrestresda Eurasia
e da America do Norte, um golpe fatal na tese isolacionista.
Essa constatacao cartografica e geopolitica de Spykman resul-
tou em irnplicacoes estrategicas severas. A necessidade fisiografica
pela intervencao americana na Europa e na Asia apoiava o pleito
de que o envolvimento estadunidense no equilibria de poder nao
a
era apenas essencial sua seguranca, mas um condicionante geo-
grafico claro. Essa realidade permitiu a Spykman chamar atencao
para o risco do cerco do Novo pelo Velho Mundo (Mattos, 2002).
. .,.
-~
21 Projecao carrografica classica, que coloca a Europa Ocidental no centre do mundo, como refe-
renda no planisferio.
22 Mattos (2002) apresenta uma interessante reflexao acerca dessa rnudanca cartografica e de suas
irnplicacoes para a geopoUcica de Spykman. Castro (1999) permite uma leicura mais proxirna da
geoesrraregia sobre esse assunto,
No campo das teorias geopolfticas e da geoestrategia, a principal Mackinder como interlocutor intelectual, ele rebate a centralidade
contribuicao de Nicholas Spykman foi a teoria do Rimland. Em da oposicao geo-hist6rica entre potencia terrestre e marftima. Para
dialogo com seus predecessores, como Mahan, foi principalmente Spykman, tanto a Primeira quanta a Segunda Guerra Mundial
com Mackinder que Spykman travou sua batalha no plano inte- demonstraram que o posicionamento e a orientacao geoestraregica
lectual. Primeiramente, a ideia de Rim/and surgiu como uma res- de potencia (rnar/terra) nao definiram aliados nem os lados no
posta ao papel secundario desempenhado pelo Crescente Interno da duelo de vontades expresso no processo belico global. Em segundo
teoria do Heartland. Para Mello (1999, p. 120), "Geograficamente, o lugar, em vez do controle da Ilha Mundial pela potencia que moni-
Rimland situava-se numa posicao interrnediaria que se defrontava, tora o Heartland, em virtude do excedente de poder nao balanceado
por um lado, com o anel desertico e montanhoso que circundava que esse controle proporcionaria, Spykman entendia que era mais
a planicie siberiana e, por outro lado, com o semidrculo maritimo provavel que uma potencia naval com expressao anfibia pudesse
.
que contornava o contmente eusanano .
. ))
Conteudos do capltulo
• Diferencas entre geopolfrica e geoestraregia.
• Incorporacao da dimensao rnilitar ao pensamento geopolftico,
• Express6es terrestre, maritirna e aerea do poder militar,
i- .
res e a projecao de poder na arena da guerra tridimensio-
nal no seculo XX;
3. interpretar conflitos internacionais dos seculos XX e XXI a
luz do ferramental da geopolftica e da geoesrrategla.
Neste capitulo, apresentaremos a articulacao entre a geopolitica e Podemos, entao, concluir que a Geopolitica e a relacao entre a
a geoestrategia. Das cidades-Estado gregas ao Estado nacional, os Geografia e a Polftica, enquamo a Geoestrategia e a relacao entre
objetivos das unidades polfticas que se valem da geopolitica nor- a Geografia ea Estrategia, Tanto a Polftica quanta a Estrategia se
malmente as colocam em choque com outras unidades, levando-as ligam as condicoes internas e externas de um Estado, sendo gover-
a antagonismos e resultando, par vezes, no uso da forca e na guerra. nadas por fatores geograficos.
Sendo assim, o controle politico do espac;o, promovido pelo saber Nao podemos desconsiderar ao fato de que os geopoliticos clas-
geopolltico, coloca-o em interacao com outra vertente de conheci- sicos refletiam sabre uma realidade cujas relacoes internacionais
mento: a estrategia. Veremos, portanto, as contribuicoes das teorias eram pautadas par interacoes de forca, coercao e violencia, A guerra
geopoliticas no campo da geoestrategia, assi~ coma os fundamen-
era um resultado comum das interacoes estrategicas interestatais.
tos te6ricos (teoria estrategica) par tras dessas ideias. Esses conteu-
IOO Se esta constituiu o ponto de partida para a sisternatizacao da geo-
dos serao fundamentais para a cornpreensao das express6es marf-
grafia desde tempos imemorais, o belico continuou a fazer parte
tima, terrestre e aerea do poder militar, central para a geoestrategia.
do arcabouco mental da geopolitica. Nessa perspectiva, Andrade
(1993, p. 8) afirma que "os estudiosos dos problemas militares, da
estrategia, procuram adaptar o conhecimento geopolitico a uma
3,1 Conceito de geoestrategia polftica de guerra, ofensiva ou defensiva, dando origem a um ramo
do conhecimento que vem sendo dominado de Ceoesrrategia".
Como vimos no capitulo anterior, cada geopolitico analisado con- E licito afirmar que a guerra e uma rnanifestacao da politica.
tribuiu com o pensamento estrategico de seu tempo. Se Mahan Segundo Clausewitz (2010), a guerra e a continuacao da politica
trouxe contribuicoes ao saber geopolitico nos prim6rdios da disci- par outros meios. A politica confere os objetivos cujos esforco
plina, isso foi feito em um dialogo com a hist6ria, a estrategia e a belico e atos de forca constituem os meios pelos quais a vontade
tatica, cujo escopo era a guerra no mar. Mackinder, ao desenvol- e realizada. Se na geopolltica a geografia determina a politica, na
ver a teoria do Heartland, tinha em mente coma a geografia (des) geoestrategia a geografia condiciona a escolha e a configuracao da
favorecia o uso da forca militar; ele tarnbem conhecia a estrategia esrrategla voltada a realizacao dos objetivos de uma comunidade IOI
e a logistica das potencias em sua rivalidade hist6rica entre ocea- politica. Mattos (2002, p. 26) afirma que "a Geopolitica foi, durante
nismo e continentalismo. Spykman, par sua vez, utilizando-se da o seculo XX, a principal inspiradora da Estrategia de Poder das
cartografia para representar o advento do poder aereo e a conexao superpotencias politicas'',
mar-terra coma opcao anflbia, desenvolveu a teoria do Rimland, Em complemento a cornpreensao de Mattos (2002), devemos
dotando os Estados Unidos de elementos para a organizacao de sua mencionar que, ao lado da geopolitica como influenciadora da
grande estrategia, Esta passou a incluir um relevante componente geoestrategia, estao a pr6pria estrategia e a teoria da guerra - fun-
militar e de forca, sofisticado par Kennan, Brzezinski e Kissinger. damentos que ligam fatores geograficos, hist6ricos e politicos aos
Segundo Castro (1999, p. 22): imperativos do uso da forca militar nas relacoes internacionais. A
existencia de teorias da estrategia e da guerra atesta que esse tipo de
conhecimento se volta ao problema da violencia organizada entre militar e estrategico desde a segunda metade do seculo XIX ate
comunidades politicas. 0 poder militar projetado na interacao o terrnino da Primeira Guerra Mundial. Ainda hoje, a teoria da
estrategica entre Estados, forma predominante de comunidade guerra de Clausewitz inspira pensadores e comandantes militares,
politica, nao ocorre no vacuo. A forca desdobra-se no espac;o, em como o general estadunidense Colin Powell (Strachan, 2008).
territ6rios, dominios e geografias. Apesar de a guerra em terra Em contraposicao a
leitura da guerra de Jomini, em que leis
ser a primeira forma de beligerancia que associa a necessidade do e prindpios fixos ganhavam forma em aforismos e sirnplificacoes
saber militar ao conhecimento da geografia flsica, a guerra no mar generalizaveis, Clausewitz entendia que o proposito de uma teoria
e sua derivacao em novos dominios - aereo, espacial, cibernetico da guerra era educar a mente. Essa educacao seria possivel por uma
etc. - provocam reflex6es constantes e adaptacoes sobre como o formulacao te6rica que pensasse a guerra como racional, nacional
ambiente afeta e possibilita a projecao de forca, favorecendo tanto e instrumental(Proenca Jr.; Diniz; Raza, 1999).
102
a forrnulacao da estrategia quanto da tatica. Por mais distintas
que sejam as manifestacoes da guerra na terra, no mar e no ar, a As influencias de Jomini e Clausewitz em Mahan\
geografia e o meio impactam na conduta da guerra. e Corbertt --------····.I
Quest6es concernentes as caracteristicas da guerra, como os efeitos Mahan, por exemplo, nutriu sua reflexao sabre poder maritimo com
do medo, da sorte e da incerteza; a dinarnica de escalada, que guia base em obra rnilirar de Jomini. Numa perspectiva da estrategia e tatica
adversaries a medidas extremas; a forca superior da defesa; a difi- naval baseada em prindpios e leis jominianos, Mahan buscou adaptar
culdade de sustentar acoes militares em longos perfodos de tempo; prindpios da guerra na terra a guerra no mar. Como exernplo, a afir-
a necessidade de adaptacao ao inesperado - todas sao caracteristicas rnacao "nunca divida a esquadra" transformou-se em um dizer classico
familiares aos que lutaram no mar e no ar. (Moran, 2010, p. 125, dessa forma de pensar a estrategia e a guerra. Embora nao esteja rela-
traducao nossa) cionado diretamente com a geopolitica e a geoestrategia, mas sim com
a tatica e a estrategia navais, e necessario conhecermos O pensamento
Se a geopolitica aporta subsidios para o desenvolvimento da
rnilitar de Julian S. Corbertt, um importante contraponto a Mahan
geoestrategia, e porque uma revolucao intelectual precedeu a pr6-
apoiado em Clausewitz (Proenca Jr.; Diniz; Raza, 1999).
pria cornpreensao que o Ocidente europeu tinha sobre a estrategia 103
3,2 Principals estudos geoestratcgicos e a arte monarquico ou nacional, costurou a relacao entre territorio, limites
e Estado. Seja para garantir as fronteiras, seja para ampliar o domi-
militar nio, o Exercito foi hisroricamente o vetor da voncade nacional sob
a 6tica da forca. lndependentemence da relevancia das Marinhas,
Conforme veremos neste capltulo, a conduta da guerra e influen-
em ultirna instancia, "so Exercitos podem garantir fronteiras e exer-
ciada severamente pela geografia. Enquanto a geografia fisica
cer soberania no territ6rio" (Moran, 2010, p. 126, traducao nossa).
"define as identidades taticas das forcas armadas, moldando tam-
Dos tempos das convocacoes ternporarias pelo soberano - ao
bern o seu efeito estrategico" (Moran, 2010, p. 125), a geopolitica
conduz a estrategia e fecha o ciclo das principais express6es de
a
longo da Idade Media - criacao de forcas permanentes e profis-
sionais a service do Estado absolutista e, posteriormente, nacional,
poder nacional ao articular as vertentes do krdtos (poder) politico
os Exercitos se tornaram corresponsaveis pelo (re)desenho da carto-
e militar, ligac;:ao virtuosa entre vitoria militar e objetivo politico.
. grafia de poder. Entretanto, apesar do seu amplo historico de opera-
coes ofensivas, a literatura reitera sua forca defensiva. Enquanco as
Expressdo terrestre do poder militar
Marinhas rem limitacoes geneticas para projetar forca em ambiente
Embora Clausewitz seja extremamente influente em todo o pensa- terrestre, os Exercitos a desdobram em qualquer ambience e tearro
mento militar ocidental, sendo considerada obrigat6ria sua leitura de operacoes em solo. Segundo Moran (2010), a capacidade dos
para qualquer vertente do poder rnilitar, ele escreveu especifica- Exercitos de conquistar e manter, e nao apenas de destruir, produz
mente sobre a guerra em terra. Sua cornpreensao sabre a vantagem um trade-off. Por um lado, potencializam as chances de obtencao
natural da defesa sabre a ofensiva; os desafios e custos da mobili- da vit6ria polltica pela forca; por outro, aumentam os riscos poli-
dade dos Exercitos; a relevancia do "atrito" para a vitoria militar e ticos pelo envolvimenco de um tipo de poder que pode mudar um
a fricc;:ao como conceito importante para apreender as limitacoes
i·
{
regime ou derrubar um governo no ambito de uma guerra ilimitada a favor das Marinhas e, posteriormente, das forcas aereas, A capa-
(Moran, 2010). cidade dos Exercitos de defender territ6rios e fronteiras, mitigada
pelos custos de mobilidade e de calculo politico atrelados, esbarra
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tarnbern no pr6prio mecanismo produtor de vit6ria: o sucesso
tatico e estrategico. Lembrando que o objetivo da guerra e a vit6ria,
Um dos pontos vitais desenvolvidos por Clausewitz refere-se ao "cen-
Clausewitz (2010) nos ensina que esta nao e apenas rnilitar, devendo
tro de gravidade" do inimigo. Se a guerra consiste na continuacao da
tambern alcancar objetivos politicos.
polftica por meios de Iorca, com o objetivo de compelir o inimigo a
O desdobramento das forcas terrestres busca a vit6ria por meio
nossa vontade de forma a alcancar a vit6ria, e necessario descobrir qual
de atrito ou manobra. Embora ambos pressuponham o uso da forca,
o seu ponto vital. Essa area, normalmente situada dentro do territ6rio
o primeiro prioriza o somat6rio de danos na estrutura combatente
do opositor, poderia ser destruida pelo poder maritimo, mas somente
inimiga, progredindo a acao ate nao haver mais condicoes (rnilita-
o Exercito teria condicoes de destrul-la, controla-la e mante-la, Apenas
res e/ou politicas) de combater; o segundo, por sua vez, pressup6e
a expressao terrestre do poder rnilitar conseguiria alavancar a vit6ria
a aplicacao de violencia contra estruturas criticas do inimigo, de
rnilitar em vit6ria politica ao quebrar a vontade do inimigo de lutar,
forma a atingir a vit6ria pelo colapso (Hart, 1991; Moran, 2010).
levando-o a subrneter-se aos objetivos do vitorioso. 0 mecanismo que
Em outras palavras, a primeira abordagem da guerra em terra e
a
liga O objetivo politico sua realizacao ea violencia; nao qualquer forma
considerada estrategia de afao direta, e a segunda, estrategia de
de forca, mas a violencia organizada e racionalmente projetada contra
aproximacao indireta (Mattos, 1986).
um alvo. A natureza da guerra, amparada em sua 16gica politica, tern
Para o estadista e o estragista militar, definir qual a melhor abor-
na violencia o seu meio idencificador. Apesar de, por mais de dez mil
dagem estrategica e tao crucial como compreender contra quern se
anos, a humanidade registrar eventos belicos entre comunidades poll-
esta lutando e qual sua identidade estrategica. Ao lado das abor-
ticas organizadas, a natureza da guerra como expressao da politica pela !i
dagens direta e indireta pensadas por Hart (1991), as contribuicoes
violencia e perene. Embora a conduca da guerra se rnodifique, seja pela
orientais sao de fundamental irnportancia nesse campo do pensa-
cultura, seja pelos meios tecnol6gicos e tecnicos disponiveis em cada
mento rnilitar, De Sun Tzu a Mao Tse-Tung, e desenvolvido um
era e lugar, a natureza da guerra subsiste. Nada representa melhor esse
107
primoroso pensamento militar caracterizado na tradicao oriental
entendimento do que a sintese laconica do General Sherman - um dos
de estrategia de aproximacao indireta: o sucesso da guerra ocorre
llderes militares da Uniao na Guerra Civil Americana - ao afirmar que
ao atacar nao o inimigo em si, mas sua vontade de lutar. 0 atrito
"guerra e o inferno" e que "guerra e crueldade" (Lantis; Howlett, 2010).
cede espa<;:o a manobra. Atacar a estrategia do adversario apoiado
em inteligencia e mobilidade e o caminho para a vit6ria militar e,
Somadas ao elevado custo politico de utilizacao da expressao
posteriormente, politica (Lantis; Howlett, 2010).
terrestre do poder militar, as dificuldades de deslocamento por terra
O surgimento da insurgencia revolucionaria, ou da guerrilha,
imp6em desafios para a mobilidade dos Exercitos, Embora mar-
toma como forca a procrastinacao, Enquanto, no pensamento
chas como a de Napoleao, da Franca ate Moscou, com tropas ape
estrategico convencional, o tempo e a geografia desempenham
e a cavalo, sejam representativas do esforco logistico das potencias
funcao de planejamento e acao para a vit6ria no campo de batalha,
terrestres, a mobilidade tradicionalmente foi vista como um ponto
para a guerrilha, o tempo e elastico e a geografia, essencial para o dos mares, a Russia desenvolvia seu geopoder em uma longa area
transcurso da acao defensiva, ofensiva e de apoio insurgente. Mao condgua, capaz de projetar-se para o Crescente Interior e, pos-
Tse-Tung desenvolve uma teoria da guerrilha, amplamente aplicada teriormente, para os mares, como demonstra o conflito com o
em conflitos posteriores, em particular no Vietna, sob a conducao japao no inlcio do seculo passado. Esse exemplo relembra que o
polftica de Ho Chi Mine rnilitar do General Ngien Giap. Essa poder terrestre poderia desenvolver a expressao maritima do poder
teoria entendia que a guerrilha se dividia em fases: (1) defensiva, nacional, conferindo, assim, maior mobilidade sua expansao a
(2) de inrensificacao guerrilheira e, por fim, ap6s consolidar uma continental-maritirna. Em Democratic Ideals and Reality (1919),
forca armada convencional, (3) de confronracao convencional rumo Mackinder lanca bases para a geoestrategia da Guerra Fria. Em seu
a vit6ria decisiva (Mattos, 1986; Lantis; Howlett, 2010). esquema, ele via Inglaterra e japao como potencias maritimas par-
Muito antes da teorizacao de T. E. Lawrence sobre a insurgencia dcipes do Crescente lnterno. Assim sendo, uma alianca militar do
rn8
e do desenvolvimento da teoria da guerrilha de Mao, Mackinder Atlantico Norte (posteriormente constitui'.da sob a Otan) e o japao
debatia-se com os desafios geopoliticos e estrategicos enfrentados seriam pec;:as centrais para o exerci'.ciodo equili'.brio de poder e o
por um Imperio Britanico arneacado, uma Alemanha em ascen- balanceamento das forcas continentais, como Alemanha e Russia 1.
sao e uma Russia em posicao de aproveitar as vantagens tecno- Como vimos, Mackinder tinha boas raz6es para temer o sur-
l6gicas de seu tempo. Por tras do desenvolvimento da teoria do gimento de uma potencia ou uma uniao de potencias capazes de
Heartland, dois eventos belicos contemporaneos ao ge6grafo ingles dominar o Heartland e a Ilha Mundial. Os principais candidatos
perrnitiram-lhe fazer algumas consideracoes: a guerra entre o Reino a realizar tal feito eram Russia e Alemanha. Nesse sentido, se a
Unido e os colonos boeres naAfrica do Sul (1899-1902) ea Guerra teoria de Mackinder comecava a ganhar a geopoli'.tica em 1904, seu
Russo-Japonesa (1904-1905). pensamento fez eco tanto na Russia quanta na Alemanha. Neste
Tanto o Irnperio Britanico quanta o Russo se projetavam muito pals, o principal expoente da geopoli'.tica e da geoestrategia foi o
alern de suas fronteiras naturais, desdobrando forca e meios rnili- general ge6grafo Karl Haushofer, diretor do lnstituto Geopoli'.tico
tares a mais de 5 mil quilomentros de suas capitais. Ambos - o de Munique.
primeiro por mar, o segundo por terra - eram representativos de Professor da Universidade de Munique, Haushofer desenvolveu
109
vultosos processos de expansao e militarizacao oceanica e terrestre. uma geopoli'.ticabaseada nas teses de autores como Ratzel, Kjellen e
Contudo, uma diferenca no campo da geoestrategia poderia dar Mackinder. Conceitos como o de esparo vital ganharam novo folego
vantagem a Moscou. Segundo Castro (1999, p. 117), "Mackinder no contexto da ascensao do III Reich e da retonamada da busca
fundamentou seu Heartland na inviolabilidade do Poder Terrestre, desse espac;:o na marcha ao leste ap6s invasao a URSS desencadeada
visto que, posicionada na Eurasia, essa regiao geoestrategica pela Operacao Barbarossa (1941). Como alertam Mello (1999) e
;:
,; defronta-se com o Artico, bloqueado pelos gelos, constituia uma Castro (1999), embora o Reich se utilizasse de express6es caras a
if
1-- .•
regiao protegida contra as acoes do Poder Marftimo", geopoli'.ticade Haushofer e do pr6prio legado de Ratzel e Kjellen, o
A retaguarda geoestrategica do territ6rio russo possibilitava a conteudo prescritivo do General Haushofer era claramente distinto
defesa do Heartland, oferecendo vantagens defensivas naturais.
I Castro (1999} desenvolve amplamente como esse raciodnio coloca Mackinder entre os pais da
Enquanto o Reino Unido desdobrava forca no ambiente incerto teoria da contencao,
da real geopolitica do III Reich (Flint, 2006). Em uma concepcao intuito de operacionalizar o saber geopolltico, em dialogo com as
que, nas relacoes internacionais, chamadamos de multipolar, o necessidades da estrategia militar, os te6ricos da contencao levaram
general argumentava pela divisao do mundo em pan-regi6es, cada a geoestrategia a outro patamar.
uma delas submetida a um Estado-diretor. Vejamos a Figura 3,I a
seguir.
Mapa 3.1 -As tres frentes estrategicas da Guerra Fria
IIO
·.· ·· . :---·
OCEANO
PAC/FICO
a a
1 : 205 000 000
com relacao politica internacional e geoestrategia da epoca: 1 cm:2050km
III
(Pan-Russia) e japao (Coprosperidade da Grande Asia) cornparti- Fonte: Adaptado de Brzezinski, 1998, p. 1.
-
: lhavam a condicao de potencias emergentes, revisionistas ou refor-
mistas do status quo e equilibrio de poder centrado nas potencias Nos anos 1940, te6ricos americanos depararam-se com a obri-
li. ' gas;ao de compreender o desafio geoestrategico que enfrentavam.
it tradicionais da Europa Ocidental, com o Reino Unido como fiel da
IL .
balanca'', Se a teoria do Heartland foi bem acolhida em Munique Com base no legado de Mahan e Spykman, George F. Kennan seria
(Alemanha), o mesmo ocorreu na Uniao Sovietica com estrategis- fundamental para mudar a politica externa dos Estados Unidos
tas como Gorshkov nos primeiros anos da Guerra Fria. Como poucos anos ap6s a Segunda Guerra Mundial. Como embaixador
em Moscou, Kennan enviou um telegrama3 informando as autori-
2 Cornposicao de cada regiao: Pan-America (paises do continente americano); Eurasia (Europa,
Orience Proximo e Africa); Pan-Russia (Russia, Ira e India); Coprosperidade da Grande Asia (China, 3 ~onhecido como "The Long Telegram", esta disponivel incegralmente em: <http://digitalarchive.
japao, Coreia, Indonesia e Oceania) (Cairo, 2008). w1lsoncencer.org/documem/n6178> (Wilson Center, 1946).
<lades estadunidenses do que pensava ser um Impeto expansionista Punicas e da Batalha de Lepanto a derrota da Invendvel Armada,
da Uniao Sovietica; os Estados Unidos nao estavam preparados o mar desempenhou um papel importante na hist6ria militar.
para lidar com essa situacao, ainda sob a euforia do p6s-Guerra4.
Se Kennan explicou o contexto dos primeiros anos da Guerra A controversia sobre a influema:·~•~.,-e,:.: - i
Fria, cujos momentos mais dramaticos foram o Bloqueio de Berlim maritimo na guerra
(1954) e a Crise dos Misseis5 (1962), Kissinger foi central para a Tanto a Batalha de Salamina (480 a.C.), entre as frotas grega e persa,
politica e a teoria da contencao na Guerra do Vietna (19656 a 1973), quanto a Batalha de Lepanto (1571), que opos os navios de guerra vene-
e Brzezinski, na "participacao" americana durante a Guerra do zianos ao poder naval turco no Mediterraneo, podem ser citadas como
Afeganistao ap6s a invasao sovietica (1979-1989). situacoes em que o poder madtimo e a guerra no mar foram basilares
Spykman, Kennan, Kissinger e Brzezinski articulavam as tres para a vit6ria e a sobrevivencia dos Estados. Pouco conhecida, a bata-
ll2
dimens6es da guerra (terra, mare ar) na cornposicao geoestrategia. lha naval de Lepanto foi definidora do fracasso da expansao islarnica
Contudo, ancorados no primado mahaniano da superioridade do no Mediterraneo europeu, parada pela frota veneziana. Outro exemplo
poder maritimo sabre o terrestre, priorizavam em seus esquemas a da influencia do mar na hist6ria foi o dominio do Mediterraneo pelos
capacidade da potencia dominante do Crescente Externo de canter romanos (Mare Nostrum), fundamental para o sucesso das Guerras
a potencia terrestre em sua posicao continental. Assim sendo, para Punicas, que os opuseram a Cartago. Na Era Moderna, a derrota da
melhor cornpreensao dessa geoesrrategia e de seus desdobramentos lnvendvel Armada espanhola marcou a derrocada do poderio iberico e
no pensamento rnilitar, e necessario abordar a guerra no mar. a ascensao da Inglaterra a potencia regional. No seculo XX, a Batalha
de Midway, embora tenha sido um embate aeronaval, foi decisiva para
Expressdo maritirna do poder militar mudar o curso da guerra no Pacifico (Hart, 1991; Creveld, 2005).
O mar sempre foi um desafio para as coletividades humanas. Sendo
um obstaculo natural as cornunicacoes internacionais, constitui-se, Ao mesmo tempo que a natureza conspirou para aproximar as
para alguns, uma barreira simbolica (alern-mar) e um complemento coletividades humanas de fontes de agua potaveis - em rios e lagos
a identidade (mentalidade oceanica), Acompanhando a hist6ria da Mesopotamia, par exemplo -, gerou a possibilidade de serem
n3
humana desde o surgimento da linguagem escrita, a guerra tam- atacadas por meios navais. Na Era Moderna, a "diplomacia das
bern teve sua expressao naval muito antes da construcao do Estado canhoneiras"7 foi uma expressao relevante de como as populacoes
coma o conhecemos hoje. Da Batalha de Salamina, das Guerras estao a merce de grandes sistemas de armas navais.
Independentemente do impacto destrutivo e psicol6gico que
os meios navais imp6em a imaginacao, a principal funcao das
4 Usando o pseud6nimo Author X, Kennan publicou o telegrama na revisra Foreign Affairs com o
Marinhas ate o seculo XVI era de forca auxiliar ao poder terrestre.
rirulo The Sources of Soviet Conduct (Kennan, 1946). Ate entao, os nascentes Exercitos nacionais eram decisivos para
5 E de fundamental importancia a leitura do classico The Essence of Decision, de Graham T. Allison.
6 Embora os Estados Unidos cenham se aproximado do Vietna do Sul desde a derrota francesa na
Guerra da Indochina, foi em 1965 que a presen~a milicar americana passou por um notavel incre-
menro, e cada vez mais os grupos de assessores militares e forcas especiais foram substituidos por 7 Para emender melhor esse conceiro, acesse: <http://cpdoc.fgv.br/sices/defaulc/files/verbetes/primeira-
forcas convencionais. -republica/DIPLOMAC!A%20DAS%20CANHONEIRAS.pdf>.
a vit6ria militar. A principal missao das Marinhas consistia no p. rro-rrr), "numa analise dos fatos geopoliticos, a mais simples defi-
transporte de tropas (Moran, zoro), A mobilidade conferida pelo nicao de Poder Maritimo seja talvez dizer que se constitui no Poder
mar tornava a expressao maritima do poder em forca adjunta, sem Militar exercido no mar", complementado pela expressao civil.
papel estrategico pr6prio. A Epoca Colombiana, como denominada O pensamento estrategico do Almirante Mahan eleva a Marinha
por Mackinder (2004), mudaria esse panorama. 0 expressivo pro- a uma condicao que, em sua epoca, ja havia sido perdida para os
cesso de expansao global originado nos mares elevou as Marinhas Exercitos, Para Mahan, a Marinha poderia comandar o mar, seja
a
mercante e de guerra condicao de protagonistas no desenho do pela negacao de seu uso, seja por meio da protecao das linhas de
Novo Mundo e na readequacao de forcas do Velho Mundo. Os cornercio (Crowl, 2001). Esse entendimento mahaniano se baseia
vultosos processos de transporte de valores, pessoas e cargas e fato- na compreensao de que os mares sao caminhos, canais de comu-
res civilizacionais atrelados ao colonialismo elevaram a Marinha a nicacao, que podem ser abertos e fechados por potencias aptas a
condicao de arma estrategica, rnilitar, politica, econornica e social. faze-lo. Com a mente no tempo em que as economias nacionais
De miss6es defensivas - por exemplo, a escolta e a negacao do uso dependiam do cornercio exterior para sua sobrevivencia, o controle
do mar - a acoes ofensivas - como atividades de corso e a guerra dos mares (comando) era uma atribuicao estrategica fundamental8.
economics -, o poder maritime ganhava contornos estrategicos Apenas o poder maritimo teria a capacidade de fazer uso da mobi-
pr6prios. lidade que os mares permitem e de penetrar em areas pr6ximas ao
Poi exatamente na epoca em que cornecava a declinar a supre- territ6rio de Estados, em tempos de paz (comercio) ou de guerra
macia aparente do poder rnarftimo, impasto desde o tempo das (bloqueio, bombardeio, engajamento naval).
Grandes Navegacoes ate a Segunda Revolucao Industrial, no seculo Em sua geoestrategia, Mahan afirmava que os Estados U nidos
XIX, que Mahan surgiu como salvador de um poder que se via apresentavam uma condicao insular e estrategica impar. A distan-
arneacado pela ernergencia do poder terrestre. A ideia de esquadra cia dos grandes centros de tensao mundial (Europa), sua condicao
de combate (Crowl, 2001) defendida por Mahan e sua argumen- bioceanica e o relativo controle das fronteiras ao none e ao sul
tacao de que nunca se deveria dividir a esquadra eram tao com- nao justificariam aos Estados Unidos um processo de expans:fo
batidas quanto sua recusa em aceitar a realidade. 0 impacto que para alern de sua area de lnfluencia imediata. A America Latina,
as revolucoes industriais tinham sobre a forma de producao de o Caribe e a porcao oriental do Pacifico viriam a ser o teatro de
riqueza no capitalismo, bem como sobre a logistica e a capacidade operacoes da "fortaleza americana". Nesse sentido, seria necessario
combatente para o poder terrestre, mudariam a face da guerra lutar pela hegemonia regional.
(Proenca Jr.; Diniz; Raza, 1999).
Apesar de suas limitacoes, nao e possivel pensar a geoestrate-
gia e a tatica da guerra no mar sem fazer referenda a Mahan. Poi
ele quern cunhou a expressao sea power (poder maririmo), que
comporta a interacao entre o. poder naval, o comercio e seu papel
a a
essencial expansao colonial (Moran, 2010) e proliferacao da 8 Essa quesrao reverberou num importance debate no direico internacional, em que se envolveram
civilizacao ocidental e dos valores cristaos, Conforme Castro (1999, dois expoentes no assunto: Grotius e Selden, com as teses Mare Liberum e Mare Clausum, respecti-
vamente (Brown; Nardin; Rengger, 2003).
De forma a garantir sua seguranc;:a, caberia a Washington pro-
jetar-se em todo continente americano, assegurando que nenhuma
potencia, regional ou extrarregional, lhe impusesse ameaca. Para tal
intento, o poder rnaritimo e os fuzileiros navais eram fundamentais
no ambito da projecao de poder dos Estados Unidos.
Com o adentrar do seculo XX, os ensinamentos de Mahan
°M cornecaram a sofrer o forte choque da realidade. As transforma-
00
en
.... coes oriundas da Revolucao Industrial cornecavarn a quebrar o
I
00
en peso econornico do poder rnaritimo. As novas tecnologias, coma
=-
00
a artilharia de costa, minas e torpedos, nao apenas dificultavam
u6 ltJ
c: a guerra economica (coma o bloqueio econornico), mas tambem
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ltJ
...J favoreciam a seguranca e o poder terrestre com as ferrovias, o tele-
v
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grafo, os motores a cornbustao e as rodovias (Crowl, 2001; Moran,
'i::
,a, 2010; Mello, 1999).
E
<C Como explicado por Moran (2010, p. 133, traducao nossa), pro-
ltJ
c: fessor da Escola de Pos-Graduacao da Marinha dos Estados Unidos,
"a utllidade estrategica de uma poderosa Marinha esta suscedvel a
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c: continua evolucao de sistemas de ataque de longa distancia e outras
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ltJ guerra tao longe da cos ta que estes nao possam atacar [o inimigo
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II)
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II)
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II)
Q) a influenciar o pensamento naval. Do outro lado do mundo, o
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ltJ almirante sovietico Gorshkov desenvolveu a abordagemda rede u7
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de bases navais (network of naval facilities). De acordo com Castro
E
II)
Q) (1999, p. 131):
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Q) ..; 9 No original: "The strategic utility of a potoerful navy is ultimately subject to the continuing evolution
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10 Voltarernos a esse ponto ao dissertar sabre o poder aereo na figura de Seversky.
Apesar de toda a transforrnacao pela qual passou o poder marl- romance de Wells, Guerra dos mundos, de 1898, foi seguido de ourro
timo, a guerra no mar continua sendo um assunto importante grande sucesso do mesmo autor, a novela Wtngs, publicada em 1908.
para a geopolftica e a estrategia. Apesar de os Estados Unidos Na imaginacao da epoca, o temfvel ataque alienigena ao Planeta
serem atualmente o unico pals cuja Marinha tern alcance oceanico Terra, contado na obra de Wells, foi substitufdo pelo cenario nao
(Moran, 2010), grandes potencias (Reino Unido, Franca, Russia) de uma ofensiva aerea de outro mundo, mas da Alemanha contra
e paises emergentes (China) visam incrementar seus meios navais Nova Iorque, bombardeada por uma aviacao militar germanica
e vasos de guerra em aguas regionais. (Maclsaac, 2003). Em sintese, a reflexao fantasiosa de Wells res-
Embora o engajamento naval entre navios nao seja a regra cor- saltava a relevancia do dominio do ar para o sucesso das operacoes
rente da guerra no mar, as plataformas navais sao cada vez mais militates de um futuro vindouro. 0 surgimento de tal revolucao
utilizadas para o transporte de tropas e logistica, assim como no nos meios de guerra poderia ocasionar transforrnacoes duradouras
120
apoio a operacoes combinadas e aeronavais. Desde a Batalha de na pr6pria conduta da guerra. Inquietacoes dessa natureza con-
Midway, e dificil pensar o poder maritirno nos seculos XX e XXI tribuirarn para a construcao do pensamento acerca de um poder
sem a figura do porta-avioes ou, ainda, de corvetas e fragatas dota- aereo (Maclsaac, 2003).
das da capacidade de lancar misseis mar-ar ou mar-terra. Seja na O cenario romanceado por Wells e a hip6tese de surgimento
Operacao Iraqi Freedom, seja na Guerra da Siria, os meios navais de uma expressao militar de capacidade destrutiva tao avassaladora
sao fundamentais para operacoes taticas e estrategicas. Porern, para nao permearam apenas o campo da literatura fantastica, Nos meios
nossa cornpreensao da guerra naval nos dias atuais ficar completa, militar e estraregico, pensar a guerra no ar tornou-se um desafio
abordaremos a seguir a expressao aerea do poder militar: o poder cada vez mais corrente. Segundo Moran (2010), a integracao dos
aereo.
I
a
meios aereos conduta da guerra era um dos desafios mais impor-
tantes do seculo XX. Um dos principais autores desse assunto foi
Expressdo aerea do poder rnilitar o italiano Giulio Douhet (1869-1930).
Militar e veterano da Primeira Guerra Mundial, Douhet pre-
Se os mares sempre foram objeto de interesse e mistica por pane
senciou a ernergencia da aviacao de caca e bombardeio na Europa,
de varias culturas, com o ceu nao foi diferente, Enquanto os ocea- 121
mudando o campo de batalha. Porern, o enorme potencial da avia-
nos inspiravam coragem e, ao mesmo tempo, causavam pavor em
i' c;:ao ainda nao tinha sido alcancado. Com base em suas experien-
•<
funcao das hist6rias do "fim da terra" e de monstros marinhos, o
cias e seu conhecimento de engenharia militar, Douhet escreveu
dominio dos ceus e a capacidade de emular as aves sempre desper-
Comando do ar (1923), em que postula nao apenas uma primeira
taram a irnaginacao dos homens. Mitos como o de fcaro revelam
reflexao sisternatica sobre a aviacao rnilitar, mas defende tambern
que a ardua tarefa de voar implica em riscos, mas, coma o exito de
um papel estrategico para aquela que ele julgava ser uma arma
Dedalo demonstra, era um perigo que valia a pena correr.
independente, como ja o eram o Exercito e a Marinha.
O carater rnitico e desafiador dos ares sobreviveu ate o seculo
Como bem colocado por Madsaac (2003), a evolucao da aviacao
XX. Celebres autores de ficcao, como H. G. Wells, foram not6rios
rnilitar entre a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais acarretou
divulgadores do interesse pela aviacao e por seu futuro. 0 classico
nao apenas uma transforrnacao nas formas de emprego do aviao,
mas tarnbern uma indagacao sabre o real significado do poder Quadro 3.1 - Etapas da evolucao do emprego do poder aereo
aereo. Se lembrarmos da expressao poder maritimo, cunhada pelo
O aviao como extensao dos • Miss6es de reconhecimento e observacao.
Almirante Mahan, vira a nossa mente que esse poder e composto olhos dos comandantes • Miss6es de reconhecimento e perseguicao,
de aspectos militares e civis (Crowl, 2001). 0 poder aereo diz res- terrestres. • Adicao de capacidade de destruicao
a
peito expressao militar dos meios aereos - assim como o poder (metralhadoras e bombas na pr6pria aeronave).
a
naval refere-se guerra no mar - ou representa a soma dos meios Apoio tatlco as forcas • Alvo: posicoes inimigas em terra ou mar.
engajadas. Suporte ao avanc;:o amigo ou impedindo o
civis e militares na consolidacao de um poder unfvoco dos ares?
avanco advers:irio.
O surgimento do aviao nos campos de batalha europeus durante
• Miss6es de apoio aereo aproximado e interdicao.
a Primeira Grande Guerra desencadeou um conjunto de transfer-
Aeronaves operando • Objetivo estrategico: ataque a alvos distantes
rnacoes quanta a seu uso. Num primeiro momenta, a incipiente independentemente de das linhas de contato com o prop6sito de
122
aviacao rnilitar, normalmente atrelada aos Exercitos!', desernpe- Exercitos e demais Armadas, destruir elementos essenciais a capacidade
nhava miss6es de reconhecimento e observacao, Assim como no exercendo, posteriormente, inimiga de fazer guerra.
comando pr6prio (torca • Bombardeio estrategico,
caso dos baloes nas Guerras Napoleonicas, o aviador era os "olhos" singular).
do general sabre um campo de batalha complexo e longo, auxi-
Fonte: Elaboradocombase em Macisaac, 2003; Proenca Jr.; Diniz; Raza, 1999; Moran, 2010.
liando-o na tomada de decis6es e ordens que acarretariam na sobre-
vivencia ou na morte dos seus comandados. Uma segunda vertente Com Comando do ar, Douhet tornou-se o primeiro pensador
de atuacao foi a de reconhecimento e perseguicao, Incrementos no militar e estrategista a pensar no poder aereo como arma inde-
design e na manobrabilidade permitiram que a aviacao se aprimo- pendente. 0 objetivo nao era apenas constituir uma forca singu- :I
rasse em acoes de caca, cujo engajamento e abate entre avi6es era lar, dotada de comando pr6prio; visava-se principalmente a uma
pratica corrente: Dorado de uma metralhadora no banco traseiro rnudanca na forma como a guerra poderia ser feita dai em diante.
do cockpit da aeronave, piloto e atirador tornavam-se ases dos ares. Se considerarmos em Douhet uma teoria da guerra no ar, cinco
Em momenta posterior, com a adicao de meios destrutivos mais pontos deverao ser destacados (Madsaac, 2003):
eficientes, como armas de repeticao rapida (metralhadoras) e explo-
sivos de detonacao por impacto, a aviacao caminhava para a aviacao 1. A guerra moderna nao distingue combatentes de nao combatentes. 123
de caca e de bombardeio (Proenca Jr.; Diniz; Raza, 1999; Madsaac, 2. Impossibilidade de ofensivas terrestres vitoriosas.
~
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2003). Ao alcancar a condicao de cumprir miss6es de bombardeio 3. Impossibilidade de medidas defensivas contra uma estrategla aerea
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a. . (estrategicas) em vez de restringir-se ao apoio aereo aproximado de ofensiva.
L tropas de infantaria ou meios navais (taticos), o poder aereo passou 4. Necessidade de preparacao para ataques de bombardeios rnacicos
a ser defendido como uma arma com funcao estrategica, operando contra centros populacionais inimigos, governo e industria (for-
de forma independente de Exercitos e Marinhas. car a paz).
5. Forca Aerea independente, armada com bombardeios de longo
alcance e mantida em constante estado de prontidao (requisito
fundamental).
II Mantendo a rradicao, ate os dias atuais a forca aerea francesa se denomina Armee de l'air.
Como pode ser visto no quadro anterior, o advento do aviao nos aerotransportado na costa da Gra-Bretanha, a chamada Operarao
campos de batalha mudou a pr6pria guerra e o conceito de campo de Ledo Marinho. Nesse intento, buscou sobrepujar a principal linha
batalha. A distincao classica entre combatentes e nao combatentes defensiva que se colocara contraria aos planos do III Reich: a Real
deixou de ter sentido. 0 centro de gravidade do inimigo poderia ser Forca Aerea (RAF). Ao longo da referida batalha, a taxa de atrito
a pr6pria populacao, a qual poderia ser alvo de bombardeios estra- alerna superou as capacidades do Reich de repor pilotos e meios
tegicos voltados a quebrar o moral (psicol6gico) ou vista como fator aereos, Apesar dos vultosos recursos e das inovacoes taticas alernas,
de producao no esforco de guerra (econ6mico). Em uma acepcao os ingleses contavam com uma vantagem tecnol6gica inedita: o radar.
dausewitziana, a guerra aerea de Douhet era uma guerra total. Nern Douhet nem os alernaes na epoca imaginaram a existencia de
Outro aspecto relevante e que, sem o comando do ar, a rnobili- tal incremento, tampouco a razao pela qual os cacas da RAF sempre
dade, tao cara as Marinhas e ao desdobramento da forca terrestre, se engajavam, de forma inesperada, a Luftwaffe. 0 radar, assim como
124
tornou nao apenas perigosa, mas crucial para o sucesso das operacoes o aprimoramento da aviacao de caca e da artilharia antiaerea, foi
ofensivas. Se isso nao fosse suficiente, os sistemas de armas da epoca fundamental para impor custos (atrito) a imaginada superioridade
de Douhet e aqueles que ele vislumbrava para o futuro dificilmente do aviao.
seriam pareos para constituir medidas de defesa antiaereas'", A velo- Outro resultado inesperado por Douhet foi o efeito do bornbar-
cidade do aviao, sua capacidade de atacar e evadir-se do territ6rio deio esrrategico sobre o moral civil e sua vontade de lutar. Tanto os
inimigo e sua manobrabilidade o transformaram em uma arma aliados quanto o Reich utilizaram a aviacao para bombardear alvos
ofensiva, cuja defesa se dava por seus pr6prios atributos naturais. civis e centros populacionais sem efetivo valor militar. A Alemanha
Essas caracteristicas do poder aereo converteram o aviao num nazista bombardeou a costa da Inglaterra e Landres, especialmente
meio possfvel de levar a guerra nao s6 ao territ6rio do inimigo, com cacas Stuka, e, quando essa possibilidade se esgotou, optou
mas tambern a seus potenciais centros de gravidade. Bombardeios por bombardear a Cra-Bretanha com foguetes V-r e misseis V-2.
rnacicos contra centros populacionais, governo e industria seriam Apesar dos danos causados, foram os aliados, especialmente ingle-
os vetores para quebrar a vontade de lutar do inimigo e forcar a paz, ses e estadunidenses, que desenvolveram meios aereos capazes de
de forma a faze-lo ceder aos objetivos politicos do Estado vitorioso. realizar bombardeios de longo alcance. Seja pela campanha de
Para nao sofrer com esse destino, o Estado deveria ter uma forca bombardeio ao japao, seja pela destruicao do Vale do Ruhr, na 125
aerea independente, focada na missao de bombardeio estrategico Alemanha, crimes contra a populacao civil foram praticados, como
de longo alcance e sempre em estado de prontidao. a destruicao da cidade alerna de Dresden. Nos casos citados, o efeito
A tese de Douhet, focada na superioridade do poder aereo e no estrategico suposto por Douhet nao veio a se concretizar. As forcas
bombardeio estrategico como cerne da conduta da guerra do futuro, aereas de Estados Unidos e Inglaterra foram conquistando cada vez
sofreu importante impacto ao longo da Segunda Guerra Mundial. mais comando pr6prio, com carater de forca independente. Com
Durante a Batalha da Inglaterra (1940), a Alemanha buscou criar a criacao dos Bomber Commands, que notabilizou figuras como
as condicoes militates e logfsticas para um desembarque anHbio e LeMay e Arthur "bomber" Harris, o bombardeio estrategico nao
parecia estar surtindo o efeito de quebrar a vontade de lutar, ape-
12 A dificuldade de rnovirnentacao das forcas terrestres iraquianas durante a Primeira Guerra do
Golfo se deve, em parte, a superioridade aerea da coalizao,
sar de reduzir substantivamente a capacidade combatente inimiga.
Contrariamente a isso, a taxa de atrito e perdas e os custos humanos Bomber Commands, a aviacao de caca embarcada em porta-avi6es
eram desproporcionais. revolucionaria nao s6 a conduta da guerra, mas tambern criaria
A desassociacao entre o que era esperado pela teoria e pelo a expressao do poder aeronaval, dando sentido ao poder anfibio
planejamento militar e a realidade efetiva dos fatos levou os estra- preconizado pela geopolitica de Spykman.
tegistas a repensar os pressupostos de Douhet. 0 rnilitar estaduni- Embora o aviao rompa um conjunto de restricoes impostas pela
dense William Mitchell (1879-1936) foi considerado o "pai da Forca geografia, relativizando as distancias e reduzindo o tempo de deslo-
Aerea dos Estados Unidos"13, um dos principais responsaveis pela camento e projecao de forca, o poder aereo nao e desprovido de base
doutrina aerea dos Estados Unidos na primeira metade do seculo geografica, Avi6es precisam pousar, suas tripulacoes necessitam de
XX. Enquanto, na versao definitiva de Comando do ar14, Douhet repouso e as aeronaves dependem de pistas para decolar. Porta-avi6es
defende que o poder aereo deveria focar em uma ampla e perma- cumprem a funcao de plataforma estavel no mar, ampliando sobre-
126
nente forca de bombardeios, Mitchell enfatiza a relevancia de que o maneira as possibilidades logisticas e de alcance, com as quais a avia-
Estado deveria ter a sua disposicao todos os meios possiveis do poder s:ao de caca sofre. Batalhas da Segunda Guerra Mundial, como as de
aereo, sem os quais nao se conseguiria dominar a guerra na terra. Mar de Coral e Midway, sao provas de como a expressao aeronaval
Para isso, avi6es de caca, reconhecimento, transporte e bombar- e as operacoes conjuntas entre distintas express6es do poder rnilitar
deios seriam de extrema importancia, cumprindo diversas funcoes, baguncararn o esquema mental que dividia a guerra em terra, mar
Adotando uma posicao distinta da de Douhet, Mitchell suavizava e ar em funcoes e comandos independentes.
o foco nos bombardeios contra a populacao civil, entendendo que Contemporaneamente, por exemplo, quando a assimetria de
a ofensiva aerea estrategica deveria se concentrar em neutralizar a poder rnilitar se configura com clara vantagem para os paises desen-
base economica do inimigo (Macisaac, 2003). volvidos, verifica-se a predilecao pelo uso do poder aereo contra
Por meio desse breve debate, em que opomos Mitchell a Douhet, paises com poder militar inferior. Semelhantemente as Marinhas,
podemos emender a evolucao do poder aereo na primeira metade o poder aereo possibilita ao Estado passar mensagens politicas, de
do seculo XX: de uma arma predominantemente tatica, cujas fun- coacao e coercao, com custo inferior ao de desdobrar forcas ter-
coes eram auxiliares as forcas terrestres ou a Marinha, assumiu restres convencionais e a vantagem de aplicar forca de forma mais
um papel estrategico personificado no bombardeio. Contudo, o segura (Moran, 2010). 127
desenrolar da Segunda Grande Guerra, especialmente o teatro de Antes de adentrarmos especificamente na seara da geoestrategia
operacoes do Pacifico, demonstrou que, apesar do destaque dos na dimensao da guerra no ar, e relevante apresentarmos o debate
anterior. 0 internacionalista precisa compreender que a evolucao
13 William "Billy" Mitchell (1879-1936) foi um dos principais defensores do poder aereo nos Estados
Unidos durame o prirneiro quarto do seculo XX. Tendo iniciado sua carreira militar no Exercito
dos meios de fors;a, seu impacto na conduta da guerra e os des-
norte-americano, Mitchell foi transferido para Virginia em 1916 para comandar a aviacao do Exercito.
Sua experiencia de comando e cornbare nos ares da Franca, ao longo da Prirneira Guerra Mundial,
dobramentos nas relacoes internacionais sao fundamentais nao
fez dele urn avido defensor da criacao de urna forca aerea independente para os Estados Unidos. Sua s6 para a geocstrategia dos Estados, mas tarnbern para a pr6pria
defesa se chocava corn o pensamento dominante do o6cialato da epoca, vindo a passar por uma
corre rnarcial em 1925. Ap6s ser condenado, saiu do Exerciro e continuou sua defesa do poder aereo geopolitica. De acordo com Castro (1999, p. 127), "o Poder Aereo
independenre por meio de publicacoes de artigos, jornais e livros. Faleceu em 1936 e foi promovido
posrumamente a major general pelo Presidenre Harry Truman. gerava uma Geopolitica integralizada" que teria de dialogar, no
14 Segundo Proenca Jr., Diniz e Raza (1999), inicialmente Douhet entendia a necessidade de uma
cornposicao plural de meios aereos, entre caca e bombardeios. Sua posicao foi radicalizada em favor
campo da estrategia, com a tridimensionalidade da guerra.
do ulrimos na decada de 1920.
No campo da geopolftica classica, pensadores coma Mahan, Como bem pontua Mello (1999, p. 60):
Mackinder e Spykman lidaram de forma distinta com o advento
A terceira dimens:io do conflito - a guerra no ar - evidenciou a
do poder aereo, Mahan pouco viu do advento desse poder, muito
importancia de um novo poder ascendente, que nao podia mais
menos de sua aplicacao militar. Para Mackinder, o Heartland tinha
ser ignorado pelos generais e almirantes: o poder aereo, A rigor, a
um conjunto de caracreristicas geogrifi.cas e Hsicas que dificilmente
necessidade de organizacao de um poder aereo estrategico e inde-
seriam violadas pelo poder aereo, entao em ascensao. Spykman nao
pendence ja havia sido teorizada, no periodo do emreguerras, pelo
incorporou apenas o poder aereo a sua geopolitica e estrategia: sua
brigadeiro italiano Giulio Douhet e, no corneco da Segunda Guerra,
pr6pria teoria geopoHtica (Rimland) levava em conta operacoes con-
pelo major russo-americano Alexander Seversky.
juntas entre distintos domfnios do poder militar, Aceitando o prisma
de que a conduta da guerra passava por revis6es profundas ao longo Para Seversky (1894-1974), russo naturalizado estadunidense, a
128
do maior embate belico da hist6ria, autores coma Spykman e Kennan forma como as cartografias de poder de sua epoca interpretavam os
pensaram outros mapas para alern da projecao original de Mercator desafios da geoestrategia devia ser alterada radicalmente. Em um
ou de sua versao alterada de Mackinder. esforco sintonizado com a iniciativa de Spykman, que privilegiou a
A realidade do poder aereo nao impactou somente na forma projecao centrada no Artico, Seversky desenvolveu uma importante
coma a cartografia interpreta realidades de poder, mas tarnbern p6s inovacao analitica sabre a guerra no ar e sua decorrente geoestrate-
em xeque a validade de pressupostos te6ricos antes s6lidos. A Ioca- gia. Mais pr6ximo de uma perspectiva isolacionista, em oposicao
lizacao estrategica e as caracreristicas vistas por Mackinder coma a Spykman, Seversky propunha um posicionamento estrategico
favoraveis a defesa do Heartland passaram a ser um desafio da mais defensivo. Seu argumento se baseava na leitura do Circulo
potencia terrestre contra os meios aereos, A irasdvel forc;:a dessa Polar Artice, a partir do qual se via que Estados Unidos e Uniao
nova realidade levou a mudancas na geopolitica e na geoestrategia. Sovietica estavam muito mais perto do que a perspectiva carto-
grifica tradicional apresentava. Essa nova perspectiva trouxe um
: Poder aereo e o(s) Heartland(s) nova foco para a geoestrategia fortemente baseada no poder aereo.
"'
'O colocava em antagonismo e choque direto as express6es dos poderes
-.;
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::,
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aereos sovietico e americano.
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O cenario complicado e desafiador apresentado pela geoestrate-
gia de Seversky seria potencializado por dois fatores. Primeiramente,
apesar de as principais forcas aereas do mundo terem se consolidado
"'e
c.
como forcas independences, dotadas de comando pr6prio, durance e
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"'
'O ap6s a Segunda Guerra Mundial cresceram as operacoes conjuntas
I::,
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entre Exercitos, Marinhas e Forcas Aereas, A exisrencia de vetores
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mistos, aeronavais ou aerotransportados demonstrava a multipli-
cidade de opcoes que o poder militar poderia operar na realidade
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.::t:.
II)
(Moran, 2010). Um segundo fator, de carater revolucionario, seria
I,.
Q) :3w o surgimento das armas nucleares e sua vinculacao ao poder aereo.
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O aparecimento de um nova armamento ou sistema de armas
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nao gera automaticamente uma nova estrategia ou tatica'", A pri-
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ambito de um bombardeio estrategico, quando, em 6 de agosto
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de 1945, a bordo do aviao Enola Gay, os Estados Unidos lanc;:aram
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c.. a, contra Hiroshima o primeiro artefato nuclear da hist6ria .
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15 "O raio de alcance de domfnio aereo dos Esrados Unidos abrangeria todo o concinente americano,
parte do norte da Africa, Europa e quase toda a Asia, excetuando-se as peninsulas meridionais. 0
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raio de alcance da :irea de domlnio aereo da URSS cobriria toda a Eurasia, parte da Africa e America
M do Norte are o sul do Mexico" (Castro, 1999, p. 128) .
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16 Vero debate sobre revolucao nos assuntos milicares em Proenca Diniz e Raza (1999) e Cohen
RI (2010) .
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O intenso debate surgido nos estudos estrategicos e na geopolf- a dinarnica da confrontacao entre as superpotencias, impondo
tica, com o advento da Era Nuclear, teria de lidar com a realidade rarnbern limite ao amplo emprego de forcas convencionais entre si.
daquilo que Bernard Brodie (1946) chamou de The Absolute Weapon. Como teorizado por Jervis (1978), o dilema de seguranca somava-se
Como explica Freedman (2003), a dissuasao nuclear torna-se central ao risco de nao controlar a escalada de hostilidades, que poderia
ao pensamento estrategico, incorrendo em uma mudanca drastica levar a uma ecatombe nuclear. No contexto da destruicao rnutua
sobre a rnissao fundamental do poder militar. Enquanto, original- assegurada'", o que antes era um vetor de forca atrelado original-
mente, a teoria da guerra instituia que a funcao do poder armado mente ao poder aereo (as armas nudeares) acabaria por revolucionar
consistia em veneer a guerra no campo de batalha, atingindo os a pr6pria guerra (Freedman, 2003; Walton, 2010).
fins politicos do Estado, agora a finalidade da forc;:a armada era Atualmente, as inovacoes desencadeadas pelo surgimento do
evitar a guerra em si. Quase como uma realizacao do sonho de aviao e de todo o sistema de armas ligado a guerra no ar nao para
Douhet, que vira no aviao a forc;:a revolucionaria que a arma nuclear de surpreender. Desde a conquista (nao rnilitarizada) do espac;:o
permitiria executar, a primeira geracao de estrategistas nucleares sideral por meio do dialogo entre o meio aereo e a cibernetica, o
pensou essa arma a luz do poder aereo. futuro do poder aereo continua a afetar a geoestrategia e a geo-
Em sua refiexao, Seversky vivenciou uma realidade na qual os polftica. Seja pela utilizacao de drones, seja pela consolidacao do
Estados Unidos tinham um claro antagonismo, no sentido efetivo ciberespaco como novo dominio da guerra, a geoestrategia enfrenta
mackinderiano, entre oceanismo e continentalismo. Esse antago- o desafio do imperativo geografico contra o invento humano, em
nismo, fortemente expresso em areas de dominio aereo e em areas uma dialetica que move a evolucao da estrategia e do espac;:o.
de disputa, era exarcebado pelo fim do monop6lio nuclear por parte
a
dos Estados Unidos (Macisaac, 2003). Tarnbern ligado estrutura
de forca do poder aereo, o advento do missil - cujo V-2 alemao e GRAY, C. S. Geopolitics of the Nuclear Era: Heartland, Rimlands, and
o pai - permitiria a projecao de forc;:a (convencional ou nuclear) the Technological Revolution (Strategy Paper). New York: Crane,
por ar em distancias intercontinentais, dispensando o custo de
Russak & Co, 1977.
meios aereos tradicionais. A era dos misseis balisticos conjugava
Escrita por um dos principais autores de estudos estrategicos, essa 133
o poder aereo com a projecao de forc;:a iniciada em terra (silos de
obra de referenda permite ao leitor observar a maestria da apro-
misseis ou veiculos lancadores), mar (vasos de guerra de superflcie
xicao da geopolitica com os estudos ostrateglcos. Colin Gray nao
ou submarino) ear (bombardeios).
apenas recupera conceitos e teorias classicas de nosso cam po, mas
Eventos criticos em que esteve na mesa a opcao de utilizacao de
tambern potencializa sua analise com o ferramental te6rico dos
artefatos nucleares, como a Guerra da Coreia (1951-1953) ea Crise
'
estudos da guerra.
dos Misseis (1962), demonstraram que o custo politico e existen-
cial na utilizacao desse tipo de armamento nao mudara apenas
I.
l
' 17 Curiosamente conhecida pelo acronirno ingles M.A.D -Mutual Asured Destruction.
Eurasia, essa regiao geoestrategica, defrontando-se com o
MATTOS, C. de M. Estrategias militares dominantes: sugest6es
Artice, bloqueado pelos gelos, constituia uma regiao prote-
para uma estrategia rnilitar brasileira. Rio de Janeiro: Biblioteca
gida contra as acoes do ... " (Castro, 1999, p. rrz):
do Exercito, 1986.
a. poder aereo.
Neste livro, o general e geopolitico brasileiro Meira Mattos explana,
b. poder anfibio.
de forma sintetica, os principais conceitos e temas dos estudos estra-
egicos. As duas vantagens centrais desta obra sao sua articulacao c. poder terrestre.
direta com a geopolitica, em primeiro lugar, e seu carater propositivo d. poder marftimo.
para pensar o Brasil. e. poder aeronaval.
J;: I
Mdos a obra
Assista ao documentario Sob a neuoa da guerra, dirigido por
Errol Moris, e escreva um comunicado governamental sob
a 6tica da geoestrategia justificando os bombardeios estra-
tegicos na Segunda Guerra Mundial e na Guerra do Vietna,
SOB A nevoa da guerra. Direcao: Errol Morris. EUA: Co-
lumbia Tristar, 2003.
O papelda
geopolitica
nas retacoes
• • •
I nternaclona 1s
Conteudos do capitulo
• Geopolltica e imperialismo.
• De Lenin a Lacoste: espas;o e poder na tradicao marxista.
• Geopolltica e globalizas;iio: teoria da dependencia e do
sisterna-mundo.
• Aspectos da geopolitica cdtica.
• Geopol.i:tica, hegemonia e novas escolas.
Hobson sabre o tema, Lenin desenvolveu uma acida critica e uma com fatores econornicos e sociais, coma a dialetica marxista da
leitura conjuntural sabre a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), luta de classes2• Mahan e Mackinder saudavam os avancos tecni-
considerando-a como a primeira guerra imperialista no mundo e cos coma fatores relevantes na configuracao do tempo e espas;o,
a ultima etapa do desenvolvimento capitalista. Sendo assim, para influindo no calculo de poder dos Estados-nacionais, ao passo que
ele, o imperialismo seria o ultimo passo antes da revolucao socia- Lenin entendia que essas revolucoes tecnicas e ciendficas aplica-
lista (Lenin, 1917). das ao mundo da producao reforcavam as estruturas de opress:fo
e exploracao. Em vez de frisar a relevancia das novas redes ferreas
I E importance frisar que, para Lenin, nem todas as guerras eram imperlalisras, pois havia as "guer-
ras revolucionarias" (Lenin, 1920). Sabre esse ripo de manifestacao belica, ver Saint-Pierre (2000). 2 Para uma primeira aproxirnacao com esse debate, ver Marx e Engels (1998).
no seio da Europa e de seu impacto para o poder terrestre, Lenin A hist6ria de todas as sociedades ate o presente e a hist6ria das lutas
entendia esses desenvolvimentos como ligados a grande producao de classes. Homem livre e escravo, patricio e plebeu, senhor feudal
capitalista, monop6lios e oligarquias financeiras. Em sua essencia, e servo, membro de corporacao e olicial-artesao, em sintese, opres-
a rnudanca na geografia econornica do mundo de sua epoca e o sores e oprimidos estiveram em constante oposicao uns aos outros,
incremento tecnol6gico viriam para aumentar os efeitos da opressao travaram uma luta ininterrupta, ora dissimulada, ora aberta, que
contra os assalariados no centro capitalista, como nas colonias e a cada vez terminava com uma reconfiguracao revolucionaria de
semicolonias. No que tange a guerra, o lider bolchevique entendia toda a sociedade ou com a derrocada comum das classes em luta.
que essa nova condicao economica, conquistada sob o predorninio Esse antagonismo nao e o mesmo de Mackinder, que op6e ocea-
do capitalismo a escala mundial, tornara as guerras imperialistas nismo ao continentalismo na explicacao da hist6ria. Distintamente
inevitaveis (Lenin, 1920). da visao de que a "epoca colombiana" colocava em choque as
144
Enquanto o Almirante Mahan via de forma positiva a expansao potencias de sua epoca pela impossibilidade de expansao por ter-
da presenc;:a e do poder estadunidense pelas Americas, embasado ras ate entao desconhecidas, sendo a guerra interestatal, portanto,
em uma visao civilizat6ria e crista - fazendo juz a seu apelido um resultado necessario do antagonismo de vontades do impulso
de "evangelista do poder naval" (Crowl, 2001) -, a tradicao mar- expansionista natural ao Estado, Lenin incorporou essa dirnen-
xista-leninista acusava esse processo por entender que a expansao sao de antagonismo entre Estados em sua explicacao da Guerra
(neo)colonialista contribuia para subjugar nao apenas paises, mas Imperialista, sornando-a, como cerne explicative, a base economica
seus povos, nos marcos de um capitalismo agora global. A America capitalista em evolucao, e nao ao condicionamento geografico,
Latina, por exemplo, em meio ao embate entre a propagacao civili- A transforrnacao do mundo em "sociedade internacional uni-
zat6ria concebida por Mahan (apesar de intermediada por interes- ficada", a luz dos avancos da tecnologia, produzia o mundo de
ses geoestrategicos) e a critica ao capitalismo de Lenin, seria vista Mackinder e Lenin, em que, "no plano politico, a sociedade inter-
como marginal e passiva nos principais esquemas geopoliticos nacional encontra-se fragmentada num sistema interestatal anar-
(Cairo, 2008). quico e oligopolista; no plano econornico, estava integrada a um
Em uma perspectiva mais pr6xima do realismo politico, mercado unico de dimensao planetaria" (Mello, 1999, p. 28-29). E in-
Mackinder concebia que os planos geopoliticos e estrategicos 145
teressante notar que a explicacao para os embates belicos coincide
pensados e operados pelas potencias terrestres e maritimas eram nas duas interpretacoes geo-hist6ricas, uma da geopolitica e outra
permeados por disputas condicionadas pela dinamica oceanismo da economia politica: o choque de Estados tradicionais (Inglaterra)
versus continentalismo. Lenin, ancorado em Marx, compartilhava contra Estados tardios (Alemanha) teria na partilha colonial o pro-
do entendimento de que a hist6ria nao avanca a esmo, mas segue blema central. A Primeira Guerra Mundial seria o grande exemplo
um percurso balizado por forcas em antagonismo, cuja dialetica hist6rico para ambas as explicacoes, Se, para Lenin, o imperialismo
de vontades faz progredir a hist6ria em termos qualitativos ou na era a fase final do capitalismo, um mal a ser combatido por meio
mudanca de modos de producao, A fim de clarificar essa visao, da superacao do capitalismo pela revolucao do proletariado, para
recorremos a um escrito de Marx e Engels (1998, p. 7-8): Mackinder, era produto da epoca colombiana e preludio de um
nova centro de poder, regido por uma potencia continental deten- Por outro lado, contrario as praticas do Velho Mundo, coma
tora do Heartland. o colonialismo, Nicholas J. Spykman concebia que as condicio-
Uma terceira interpretacao surgiria para contrapor a leitura nantes econornicas, tao caras a teoria do imperialismo de Lenin,
comunista de Lenin a interpretacao conservadora de Mackinder: seriam subordinadas a dinamicas profundas do poder geopolf tico
a funcao do imperialismo segundo Haushofer. e estrategico. 0 controle do Rimland - mais importante que as
Incorporando variaveis geopoliticas a sua geoesrraregla, coma lutas anti-imperialistas e o discurso de liberatacao dos povos - seria
fez Mackinder, o general Haushofer se colocava no continuum do fundamental para os esquemas de poder do mundo p6s-guerra. De
pensamento da geografia polftica naturalista alerna, em que a busca certa forma, a posicao intervencionista sustentada por Spykman
pelo "espaco vital" justifica-se nao apenas pelas demandas materiais e vista por alguns coma a defesa do novo imperialismo praticado
de uma porencia em expansao, mas tarnbern pelo crescimento de pelos Estados Unidos em seu momenta de ascensao a condicao de
sua cultura superior. Distintamente do que afirmaAdolfHitler em potencia dominante do sistema internacional (Cairo, 2008; Agnew,
Minha luta (Flint, 2006), Haushofer compreendia a possibilidade 2008).
de uma ordem multipolar em que o colonialismo seria benefice De forma sintetica, podemos dizer que o amadurecimento do sa-
nao apenas para os Estados-diretores, mas tarnbern para os povos ber geopolitico esta atrelado ao debate com outras vertentes do co-
atrasados, submetidos a lideranca das express6es estatais mais bem nhecimento, como a economia politica. Como pudemos constatar,
acabadas em suas regi6es. Em um esforco de resolver o impasse o pensamento inaugurado por Marx e Engels e revisto por Lenin
detectado por Hobson, Lenin e Mackinder, em que o imperialismo em sua teoria do imperialismo e explicacao da guerra nos permite
levaria inevitavelmente a guerra entre potencias, Haushofer pensou ver o fenomeno do poder a luz de outras variaveis e dinarnicas. A
um modelo mental em que cada grande potencia emergente, em geografia e a geopolitica, por sua vez, nao ficaram indiferentes ao
sua respectiva area de influencia natural, poderia exercer lideranca pensamento crftico relativo ao modo de producao capitalista e a
e organizar as relacoes geopoliticas e sociais internas. seus efeitos. Na primeira metade do seculo XX, ge6grafos como
Henri Lefebvre dariam o mote de uma reorientacao critica ao pen-
Potencias emergentes em esquemas geopoliticos samento geogratico, cujos Icones na segunda rnetade desse mesmo
pregressos seculo seriam geopoliticos criticos coma Yves Lacoste. Mas antes de 147
E importante notarmos que as potencias que seriam os Estados-diretores adentrarmos na seara desses autores, dedicaremos algumas linhas
no esquema geopolitico de Haushofer - Estados Unidos, Alemanha, aos estudos criticos na geopolitica.
Russia e japao - eram todas emergentes no comec;:o do seculo XX ou A geopolitica critica reconhece seu ponto de partida espacial
revisionistas da ordem internacional liderada por Londres. Essa caracte- e visa pensar com base nele. Segundo autores desse campo, o
dstica e relevante para voce entender a relacao das porencias do status saber e influenciado pelo meio e pelo tempo em que e produ-
quo e revisionistas na balanca de poder com a geopolfrica (Mello, 1999). zido. Semelhante a Cox (1981), quando este afirma que toda teo-
ria e para alga e para alguern, a geopolitica critica se distingue,
por exemplo, dos estudos de area. De forma a marcar a diferenca,
segundo Preciado (2008), os estudos de area seriam caracterizados
pelo "ocidentocentrisrno", nao apenas pelo modo como estudam que esse enfoque e utilizado especialmente por pesquisadores mais
regi6es, mas principalmente por seu apelo comparativo com o recentes, que visam analisar as realidades de um mundo em que
mundo desenvolvido do Ocidente. Para o geopolitico espanhol, o Estado, apesar de ainda fundamental, nao e mais o unico ou
estudos de area "configuram, assim, uma geografia binaria, dpica o preponderante ator das relacoes internacionais e da geopolitica
da visao de mundo moderna, que corneca a se desenvolver no (Preciado, 2008; Agnew, 2008). Esse tipo de perspectiva e tambern
Renascimento europeu e, posteriormente, estende-se a todo o uma critica as escalas da geopolftica tradicional, que, ao priorizar
mundo. Esse e um dos elementos fundamentais da colonialidade o Estado e o internacional, reduzem o rol de atores que participam
do saber" (Cairo, 2008, p. 2m-202). das dinamicas apreciadas por essa ciencia (Flint, 2006).
A pr6pria utilizacao da expressao colonialidade do saber reforca a A geopolfrica critica, como vislumbrada por Cairo (2008), Agnew
caracterizacao feita anteriormente sobre a perspectiva autoconsciente (2008) e Preciado (2008), recebe inrluencia de Henri Lefebvre (19m-
de espa<_;:o e posicao da geopolitica critica. Baseando-se em pioneiros 1991), importante fil6sofo e sociol6gico frances que incorporou,
dessa perspectiva geopolitica, como Agnew, Gear6id 6 Tuathail de forma expllcita, no pensamento marxista variaveis de cunho
e Simon Dalby, Cairo (2008, p. 202) explica que "sua ideia fun- geografico, 0 espa<_;:o e suas praticas seriam fatores relevantes em
e
damental reconceituar a Geopoli'.tica como discurso que contri- seu pensamento, e o entendimento sobre a evolucao das formas
bui para a construcao cultural do mapa geopolitico global". A ex- estatais abarcaria o embate entre esse tipo de comunidade polftica
pressao discurso da um tom diferenciado a essa proposta de conhe- e atores corporativos, como empresas multinacionais. Conforme
cimento articulador das realidades geografica, hist6rica e de poder. Lefebvre e os representantes da geopolitica critica, o discurso nao e
No intuito de produzir uma interpretacao nao convencional da apenas uma forma de expressao da cornpreensao da realidade, mas
Geopoli'.tica, os cri'.ticos concebem uma divisao interna dessa dis- tarnbern um instrumento transformador. Para essa nova geopolitica,
ciplina: haveria uma Geopolitica Pratka, atrelada ao fazer politico
o discurso geopolfrico se fundamentaria na relacao dialetica entre as
do Estado e de suas instituicoes e seus meios, e uma Geopolitica
"representacoes do espaco" e as "praticas espaciais", coma afirmava
Formal, produto de acadernicos e especialistas. Uma terceira divi-
Lefebvre (1974). As praticas espaciais se referem a lugares espedfi-
sao na rnanifestacao geopolitica e apontada: a Geopolitica Popular,
cos e a conjuntos espaciais inter-relacionados e organizados para a
responsavel por tornar os saberes geopoliticos acessf veis a populacao 149
producao econ6mica e a reproducao social em dada forrnacao social.
comum (Dodds, 2007).
(Cairo, 2008, p. 203)
Como representante da vertente critica da geopolitica, Cairo
(2008) argumenta contra o que considera reducionismo, ou seja, A relacao entre espa<_;:o, representacao e poder se da de forma
um enfoque que prioriza a reliexao sobre espa<_;:o e poder apenas contundente no pensamento do autor frances, Para ser dominante,
atento ao Estado como agente. Uma quarta inovacao geopolitica a representacao do espa<_;:o precisa estar articulada as praticas sociais
da vertente crltica e a antigeopolitica, que incorpora atores infrana- dominantes, ou seja, a ordenacao e o planejamento do espa<_;:o
cionais, como organizacoes sociais e populares, movimentos e indi- urbano articulam a relacao de classes, interesses e organizacao da
viduos, subvertendo as tradicionais escalas de analise priorizadas producao de determinada sociedade. Em Lefebvre, espa<_;:o, eco-
na geopoli'.tica convencional, na formal e na pratica, Vale salientar nomia e poder se imbricam na conforrnacao de uma realidade de
classes, em que nao apenas sua esfera objetiva importa, mas tarnbern 1960, em A geografia do subdesenvo!vimento, o renomado professor
suas representacoes. Por isso, a relevancia do discurso. abalaria a geografia de sua epoca com o lancamento de outro clas-
Outro vetor relevante de contestacao do pensamento de sico, intitulado Geografia: isso serve, em primeiro lugar, para fazer
Lefebvre que nos ajuda a entender a geopolfrica critica e sua leitura a guerra, de 1976.
da evolucao do Estado na hist6ria de "longa duracao", Segundo Como sua expressiva atuacao na prestigiosa revista Herodote
o frances, desde as cidades-Estado, do Estado-feudal-militar, aos indicava, Lacoste optou por desenvolver um saber geografico critico
Irnperios, destaca-se o aparecimento do Estado-nacao e do Estado e diferenciado do saber academico, Ao confrontar a geografia com
moderno. Para ele, estes dois ultirnos apresentam uma forma de estrategias - geografias - ideologias (subtitulo da revista Herodote
"ruptura de tipo politico" (Lefebvre, 2012, p. 140-141). 0 Estado ate o inicio dos anos 1980), Lacoste travou uma batalha ao status
moderno desenvolve os meios de planejamento do espa<;:o. 0 corpo quo da geografia de sua epoca, Desse modo, aceitou a dura rea-
polftico-institucional passa a ser corresponsavel pelo crescimento lidade de que a geografia serve para fazer a guerra, ate mesmo a
econornico, e sua atuacao no planejamento espacial pelo con- versao acadernica, que reifica os discursos de poder da geopolitica
trole de setores estrategicos - cornunicacoes, eletricidade, rodo- do Estado. Contudo, Lacoste parte dessa aceitacao para postular
vias - torna-se o mecanismo pelo qual age, produzindo aquilo que que a geografia tambern serve para transgredir e superar o status
Lefebvre (2012, p. 141) chamou de "modo de producao estatal", quo. No contexto de severa critica a Guerra Fria e ao imperialismo,
Concomitantemente a essa metamorfose no mundo politico, visua- para Lacoste, a geografia deveria contribuir para a resistencia a
lizada pelo acadernico Frances nos anos 1970, ocorria a mundializa- dominacao.
<;:ao do Estado e a expansao do mercado mundial e das corporacoes A geografia tern, em sua genese e pratica, o apre<;:o pelo espa<;:o,
transnacionais (Lefebvre, 2012). a sensibilidade para a estrategia e a compreensao do poder. Lacoste
Como observamos, Lefebvre rompeu com o paradigma das (1976), entendendo que os ge6grafos rarnbern tern algo a dizer sobre
escalas macro e estatocentricas do Estado e de suas relacoes como a geopolftica, argumenta que a geografia pode servir para lutar
. {mica agenda da investigacao geopolitica, incorporando uma com- contra a opressao. Enveredando por outras cartografias de poder,
t
i plexa teia de atores e niveis em que o poder e o espa<;:o se intercalam nao orientadas necessariamente por posicoes de leste-oeste, como
.
i
·. na producao da realidade. Esses aportes, basilares para a geopolitica obrigava a Guerra Fria, Lacoste incorporou as relacoes centro-peri-
critica, foram reforcados por Yves Lacoste. feria em seu rnodelo e o corte norte-sul na complexa engrenagem
Ge6grafo frances de linhagem intelectual marxista nao orto- de dorninacao com a qual a geografia e a estraregia contribuiriam
a a
doxa, Lacoste direciona disciplina geografica e geopolitica uma para uma "geopolftica dos dominados".
das mais relevantes crfticas e contribuicoes na redefinicao do campo. Foi exatamente essa contribuicao de Lefebvre e Lacoste - que
Trazendo aportes da hist6ria e da filosofia da ciencia, Lacoste (1976) une marxismo e geografia numa critica sisternatica ao status quo
buscou demonstrar que a geografia convencional era uma ciencia a a
acadernico e polltica de seu tempo - que acabou por inspirar a
servico do poder, do sistema. Com isso, reiterava as tendencias de geopolitica crltica. A sensibilidade <lesses autores para as represen-
dominacao entre os povos. Embora tenha dialogado com a vasta tacoes e praricas sociais, a rnutacao do Estado moderno e a pr6pria
literatura sobre desenvolvimento e subdesenvolvimento nos anos dinarnica do capitalismo sob a mundializacao levou a geopolitica
a ser um instrumento de compreensao do mundo e tambern um cara a marxistas e neomarxistas, coma Andre Gunder Frank, e
meio para ajudar na luta contra a dorninacao dos povos. Par exem- tambern a pensadores estruturalistas, coma Celso Furtado, Maria
plo, em dialogo com o pensamento critico latino-americano e em da Conceicao Tavares e Jose Luis Fiori. Esse conceito, inicialmente
sintonia com o legado dos ge6grafos referenciados anteriormente, associado a fatores de ordem econ6mica e tecnol6gica, quando
Cairo (2008, p. 204) aponta a tarefa de "explorar a constituicao apoiado nas nocoes classicas de distribuicao e organizacao do poder
espacial dos mecanismos do poder na America Latina e a carto- internacional, permite uma visao mais holistica do carater mul-
grafia das resistencias a esse poder". tifacetado do poder. Durante longo perfodo hist6rico, o poder
manifestou-se nas relacoes internacionais pela primazia do poder
Geopolitica e globalizafdo militar, mas, na contemporaneidade, este tende a ser subutilizado
em favor dos poderes econ6mico e tecnol6gico. Uma das explica-
A geopolftica, o marxismo e as relacoes internacionais se encontra-
coes para essa mudanca se refere ao advento da globalizacao,
riam na frudfera construcao de um saber critico sabre processos
Na decada de 1980, forcas integradoras passaram a unificar os
coma a globalizacao, a rnundializacao e o regionalismo. Mais uma
espas;os econ6micos nacionais, aumentando o grau de interdepen-
vez, o problema da desigualdade e da distribuicao assimetrica de
dencia entre a esfera dornestica dos Estados e a ordem internacional
recursos socialmente valorizados permeava as relacoes de poder
(Lafer, 2004). Nos anos 1990, a globalizas;ao consolidou-se coma
entre os atores internacionais. A geopolfrica dialogava cada vez
um fen6meno de reconfiguracao do poder dos Estados. No decorrer
mais com perspectivas te6ricas, coma a teoria da dependencia e a
desse momenta hist6rico, fen6menos coma a compressao do tempo/
teoria do sistema-mundo. Se falarmos em estratificacdo internacio-
espas;o e a emergencia de novas tecnologias de inforrnacao e comu-
nal, poderemos afirmar que esta tern sido historicamente desigual.
nicacao se tornaram as marcas da Revolucao Ciendfico-Tecnol6gica
Os recursos socialmente valorizados em cada tempo hist6rico sao,
(Vizentini, 2007).
em geral, apropriados par pafses, Estados ou unidades politicas que
Como efeito dessas transformacoes, a capacidade de usar a eco-
exercem certa forma de predominancia, dominio ou hegemonia
nomia de forma a coagir e influenciar outros paises foi potenciali-
sabre os demais.
zada. Contudo, o cenario estrutural da divisao de poder no seculo
a
Simplificando, os recursos de poder essenciais sobrevivencia ou
a
XXI apresenta uma unipolaridade quanta dimensao militar, mas 153
a supremacia tendem a ser controlados pelos paises que se situam
uma multipolaridade quando se trata dos aspectos de poder eco-
no topo da hierarquia internacional de poder e riqueza. As rela-
n6mico e tecnol6gico (Nye, 2002).
coes internacionais vislumbram formas diferentes de estratificacao
Nascida tarnbem no seio do pensamento inspirado em Karl
internacional. Entre as mais conhecidas estao a multipolaridade,
Marx, a teoria do sistema-mundo de Immanuel Wallerstein (2004)
representada historicamente pelo Concerto Europeu do seculo XIX;
somaria-se aos esforcos de ge6grafos e demais cientistas sociais na
a bipolaridade,caracteristica da Guerra Fria; e a unipolaridade,
construcao de novas cartografias das resistencias, Apostando em
condicao do sistema internacional ap6s o fim da Uniao Sovietica.
uma escala de analise que prioriza a estrutura, a dimensao macro
Outra dirnensao da distribuicao de poder e a utilizada no con-
do sistema de poder e a riqueza internacional, Wallerstein entende
ceito de Divisao Internacional do Trabalho (DIT). Essa nocao e
que, diferentemente do preceito realista da anarquia coma dado
estrutural (Waltz, 2002), impera uma hierarquia calcada na distri- Aas rres niveis hierarquicos de economia-potencia de Wallerstein,
buicao assirnetrica de poder e riqueza. Essa distribuicao de recur- Taylor soma oucras tres escalas de analise: "a economia-mundo,
sos socialmente valorizados nao apenas organiza os Estados e suas vinculada a realidade; a localidade, vinculada a experiencia; e o '·
respectivas economias internacionais em uma hierarquia vertical, Estado-nacao, relacionado ao ambito da ideologia" (Preciado, 2008,
coma tarnbern espelha uma dlspersao espacial da desigualdade p. 254). Com influencias de Marx a Lefebvre, a geopolitica crf-
internacional. tica encontra nos esquemas analfticos de Wallerstein e Taylor um
Enquanto os pioneiros latino-americanos da teoria da depen- poderoso instrumento de compreensao das estruturas de poder e
dencia pensaram a divisao do mundo sob o carte geoeconornico exploracao do capitalismo.
norte-sul, ou centro-periferia, Wallerstein encarna essa concepcao e Antes de avancarrnos, convern esdarecermos alguns pontos para
adiciona a ela um ideal: a semiperiferia. Nesse esquema, potencias que voce nao corra o risco de interpretar erroneamente a discussao
154
do centro organizam o sistema internacional de poder e riqueza, te6rica realizada nesta secao, Apesar de pressuporem a localizacao
no qual economias perifericas orbitam em sua funcao. No sentido geografica, os conceitos de centro, periferia e semiperiferia nao
interrnediario, entre os dais extremos dessa estratificacao interna- representam necessariamente posicoes estanques no planisferio.
cional, paises da semiperiferia, como Brasil e Mexico, lutam para Por exemplo, a Australia se situa no sul geografico, mas e conside-
quebrar as amarras do subdesenvolvimento econornico e participar rada parte do centro ou, como preferem os economistas politicos
do centro, apesar de constarem no sul geografico. Em uma pers- contemporaneos, do Norte global. Por outro lado, paises coma o
pectiva atual, adentrar a fundo na globalizacao nao seria necessa- Mexico, que esta situado no Hernisferio Norte, sao considerados
riamente uma estrategia de safda de tal; pelo contrario, poderia ser parte da semiperiferia ou do Sul global. Como a explicacao anterior
vista coma uma forma de aprofundar a posicao subalterna do pats sabre as rnultiplas e sobrepostas escalas e hierarquias nos permite
na hierarquia internacional. inferir, o sistema-mundo engendra relacoes sociais assimetricas, cuja
De acordo com Preciado (2008), e com base nesse arcabouco exploracao, na acepcao marxista, leva as economias nacionais a se
te6rico previo que autores coma Peter Taylor incorporam aspectos especializarem funcionalmente em areas espedficas da producao
da teoria da dependencia e, particularmence, da teoria do sis- e circulacao de mercadorias.
tema-mundo no campo da geopolltica cdtica. Se nos lembrarmos de Mackinder e do impulso expansionista 155
da epoca pre-colornbiana, veremos que a emergente economia
A geografia politica que Taylor desenvolve retoma, como base
capitalista planetaria ocorre em concornitancia aos processos de
de identihcacao espacial, as estruturas triparrires da econornia-
colonialismo e imperialismo. Com o processo de independencia
-mundo - centros, periferias e semiperiferias - que sao entendidas
iniciados em 1776 nos Estados Unidos, no seculo XIX na America
por Wallerstein como processos de exploracao da econornia-mundo,
Latina e no p6s-Segunda Guerra na Asia e na Africa, os paises que
e tambern implicam uma representacao espacial do mundo ligada
outrora constituiam o setor "atrasado" do sistema de exploracao
as mudanc;:asde ritmo dos ciclos de auge e crises dos que est:fo sub-
colonial tornaram-se Estados fragilizados desde seu ingresso no
metidos a economia capitalista. (Preciado, 2008, p. 254)
concerto de nacoes,
Essa cornposicao pautada pela assimetria de poder e riqueza esse pais vivenciara desde entao, Com relacao ao debate entre os
reverbera na cornposicao de um centro, que lidera a evolucao e defensores das concepcoes de imperio e hegemonia (Arrighi, 1996;
as etapas mais avancadas do capitalismo; uma semiperiferia, que Wallerstein, 2004), o geopoHtico crltico John Agnew apresenta uma
abarca caracterfsticas de ambas as condicoes; e uma periferia. importante reflexao, apostando na validade da hegemonia coma
Acesso a tecnologia, desigualdade, desenvolvimento e subdesen- principal chave explicativa.
volvimento sao aspectos socioecon6micos de uma causalidade his-
t6rica engendrada no Sul geografico, sendo esta a massa terrestre
que a literatura marxista considera a ponta mais fragil de um sis- 4.2 Geopolitica critica
tema de exploracao,
De acordo com Preciado (2008) e Wallerstein (2004), na geoe- Voce possivelmente lembra que o panorama politico desenhado
conomia do sistema-mundo, potencias da semiperiferia desempe- por Spykman e Kennan apontava para os Estados Unidos coma
nham papel relevante nas dinarnicas de constestacao do status quo uma potencia emergente a condicao de principal Estado do sis-
de poder. Se, par um lado, a globalizacao reforca estruturas de tema internacional. A doutrina do destino manifesto de Theodore
desigualdade internacional, favorecendo grandes corporacoes Roosevelt, gestada inicialmente na irnaginacao geopolitica de 'i
multinacionais, par outro, o regionalismo surge coma estrategia autores coma Mahan, convertia-se em realidade no p6s-Segunda 'I
a
geoecon6mica voltada defesa dos interesses nacionais em uma Guerra. Findado o maior conflito belico da hist6ria, os Estados
economia "mundializada". Unidos assumiram a posicao outrora ocupada pelo Reino Unido
i
Enquanto a globalizacao emergia retumbante, opcoes ligadas coma potencia hegem6nica global (Arrighi, 1996).
ao regionalismo se colocavam coma estrategias defensivas na eco- Os Estados Unidos descendem de uma linhagem de hegemonias
nomia internacional (Hurrell, 1995). Aspectos da geografia econo- hist6ricas ao longo do capitalismo, posicao ocupada anteriormente
mica, coma a proximidade territorial, a contiguidade de tecidos par potencias coma Espanha, Holanda e Reino Unido. Com o
econ6micos e a possibilidade de ampliacao da escala de consumo desaparecimento da Uniao Sovietica, sua principal antagonista ao
no ambito regional, possibilitavam agregar a geoeconomia coma longo da bipolaridade, os Estados Unidos alcancaram a condicao de
157
um fato notavel da geopolitica do p6s-Guerra Fria. 0 ambiente potencia hegem6nica global, cujo poder acumulado nao poderia ser
politico internacional sabre o qual tais iniciativas se deram se balanceado militarmente em seu momenta inicial. Ademais, com
caracterizou par um dado mencionado anteriormente: o momento seus meios de persuasao, ou de soft power, coma prefere Nye (2002),
unipolar. Como descrito par Krauthammer (1990), a unipolari- os estadunidenses ancoram seu poder em uma projecao global.
dade momentanea dos Estados Unidos no sistema internacional
suscitou a literatura a indagacao sabre qual condicao de potencia
Recorrendo aos conceitos de hegemonia e imperio, Agnew (2008)
da algumas pistas de como se manifesta o poder global dos Estados
Unidos e de como sua geografia de poder se enquadra nas classifica-
coes da geopolitica critica. A ideia de imperio descende da concepcao
de dominio, nutrida desde o periodo classico romano, referindo-se
ao controle rnaximo de um poder politico sobre espacols) e povo(s)3.
O autor afirma que o imperio pode ser contiguo ou marltimo, como
o foram o russo e o ingles. Citando Rosen, Agnew (2008, p. 209)
esclarece que "Imperio e o controle exercido por uma nacao sabre
outras tanto na regulacao de seu comportamento externo como
na garantia de formas minimamente aceitaveis de comportamento
interno entre os estados subordinados. Normalmente os Estados
poderosos fazem o anterior, mas nao o ultimo".
Em outra perspectiva, o conceito de hegemonia, apesar de
polissemico nas relacoes internacionais4, tern raiz no grego antigo.
II)
0
Distintamente de imperio, configura-se como uma rnanifestacao
:'S! do poder na forma de "urna liga ou confederacao, porern sem uma
c:
:::>
II)
clara indicacao de sentido, se e o resultado de uma coercao ou
0
"C de um consenso, ou uma cornbinacao de ambos" (Agnew, 2008,
.....ro
II) p. 208). Na acepcao comum do termo, a hegemonia e entendida por
w
II)
0 -~ meio da analogia com um animal mitol6gico: o centauro. Metade
"C
'-
cavalo, metade homem, tal conceito reveste-se de uma dupla face:
Q)
"C coercitiva, irracional, e persuasiva, racional (Cox, 1981). Assim
J: 0
c.. sendo, sua projecao nas relacoes sociais e espaciais pode ser difusa, 159
Q)
"C sem ser expressa, necessariamente, por meio do dominio direto de
ro
..c uma entidade politica sobre outras ou por coletividades humanas
0
b.O sob seu jugo.
A geopolftica crftica de Agnew nao e interessante apenas por
0
lnl
v-
........
Q)
lancar rnao de um conjunto de conceitos e problemas earns as rela-
0
'-
0. coes internacionais, mas tarnbern porque vai alern de economistas
...o;j,
ro
c.. 3 Os significados dcsses termos podem ser enconrrados no dicionario on-line Michaelis (2017).
ro
:E 4 Veja a contribuicao sobre o assunro em Cox (1981) e Mearsheimer (2001).
politicos que nao incorporam de forma assertiva as variaveis da
i Para saber mais
geografia em seus modelos. Nesse sentido, amparado no trabalho • I
de Durand, Levy e Retaille. (1992), Agnew (2008) apresenta qua- LACOSTE, Y. La geographie, fa sert, d'abord, a faire la guerre. Paris:
tro modelos de espacialidade do poder em que a hegemonia pode Maspero, 1976.
ser analisada: conjuntos mundiais (Ensemble of Worlds), campo Obra basilar para entender a geografia ea geopolitics critica. Lacoste
de forcas (Field ofForces), rede hierarquica (Hierarchical Network) explana com densidade as intimas relacoes da clencia geopolitica
e sociedade mundial integrada (Integrated World Society). Cada com os interesses do poder. Em vez de descartar a disciplina, pro-
modelo apresenta uma visao gradualista do nfvel de progresso do blematiza solucoes importantes para o panorama critico, sensivel
Estado (do autocentrado, primitivo, a comunidade politica proje- aos problemas de dorninacao e ernanclpacao human as.
tada em escala global), do tipo e da intensidade da interacao entre
160
a
Estados e economias e da propensao ao conflito e cooperacao
entre eles. Baseado em Durand, Levy e Retaille (1992), Agnew
(2008, p. 13) afirma: Sintese
Com o fim da Guerra Fria, que tinha produzido um importante Neste capitulo, abordamos a genese e o desenvolvimento da geo-
restabelecimento do modelo de campo de forcas entre os estados grafia critica dos subsfdios da reoria do imperialismo em Lenin a
mais poderosos, o modelo de redes hierarquicas se encontra em geopolitica da hegemonia em Agnew. Constatamos que a articu-
ascendencia, com os primeiros sinais do inicio de uma tendencia lacao entre geografia, historia e politica na vertente crltica e per-
para um modelo de "sociedade mundial integrada". Mas este e ainda meada pela compreensao da economia e de suas relacoes sociais
somente o corneco de sua infancia. Esse quadro, naturalmente, ape- de poder e dorninacao. Para o campo do saber ao qual este livro se
nas aponta as tendencias de longo prazo. Aquilo que se pretende e direciona, vale salientar que essa forma de fazer geopolfrico aponta
proporcionar.uma aproximacao da espacialidade hist6rica do poder para o fato de que, se o poder global e suas disputas concorrem
politico, associada em diferentes epocas com diferentes modelos de em antagonismo e expansao, o fazem por raz6es infraestruturais
espacialidade dominante e a coexistencia de outros. a
atreladas producao, circulacao e exploracao end6genas ao capita-
A sensibilidade para emender a influencia da geoeconomia na lismo, reverberando no entendimento das seguintes escalas: socie-
a
geopolitica permite geopolitica crltica afirmar que, no contexto da dade civil, cidades, regi6es, Estados e globo. Nesse cruzamento
globaliza<_;:ao, nao e o nfvel macro, global e estrutural que predomina de escalas e processos sociais, Agnew (2008, p. 216) afirma existir
na organizacao das relacoes de poder. Em face da chamada "rnudanca uma "geopolitica da globaliza<_;:ao conternporanea", a qual nao esta
da 16gica geografica da economia mundial" (Agnew, 2008, p. 216) desconectada dos Estados Unidos e de sua aludida condicao de
seja do epicentro econornico do Atlantico Norte para o Pacifico, seja hegemonia global. Nesse embalo, o pr6ximo capitulo versara sobre
do global para o local-, Agnew (2008, p. 216) sintetiza que "o novo os enfoques atuais da geopolitica ante a Nova Ordem Mundial.
nao e a 'globality', mas, sim, a sua combinacao de redes globais e a
fragmenta<_;:ao territorial localizada".
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de geopolitica
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ante a Nova
Ordem Mundial
Conteudos do capitulo
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destaca que a tese de Huntington tinha um potencial de "profecia
autorrealizadora", que se tornara um cornbustfvel na nova seara
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0 de conflitos internacionais. Como uma contradicao, aquilo que
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A leitura de Mead (2014) apresenta um importante contraste
Zonas integradas e ndo integradas
com a de outro geopolf tico: Thomas Barnett.
Voce deve lembrar que um dos aspectos constantes da literatura Diante desse quadro, em que os Estados Unidos, sob a lideranca
deste capitulo e que, no p6s-Guerra Fria, os Estados Unidos busca- do Presidente Bush, declararam a Guerra Global Contra o Terror,
vam uma interpreracao do mundo que pudesse ser util sua polfrica a uma nova leva de estudos e propostas na geopolitica e na estrategia
a
internacional e sua geoestrategia. Os referentes basilares da bipo- veio ao encontro dos formuladores de politica e dos debates acade-
laridade nao mais estavam presentes, e os referentes de seguranc;:a, micos. Uma das teses mais influentes no campo da geoestrategia
earns ao planejamento de defesa e seguranc;:a, eram agora outros. e Functioning Core and Non-Integrated Gap, de Thomas Barnett
De Fukuyama a Huntington, teorias sabre o mundo p6s-Guerra (2003). Estudioso de assuntos militares, Barnett foi assessor do
Fria se degladiavam pela melhor explicacao e proposta de mundo. secretario de Defesa dos Estados Unidos e um importante formu-
176 A inrroducao das tendencias de conflito entre civilizacoes lador da geoestrategia par tras da resposta estadunidense contra o
impactou na cornpreensao de coma a geografia, a hist6ria e a poll- Iraque em 2003.
tica sofrem inlluencias na era da globalizacao. Cultura, identidade Partindo dos aportes legados por Huntington, construiu-se
e etnicidade se misturam ao amplo conjunto de variaveis que bus- uma interpretacao da realidade internacional organizada em dois
cam explicar essa complexa realidade. Como dito anteriormente, contextos espaciais distintos: o centro funcional (functional core)
O choque de ciuilizadies parece uma profecia dos atentados terro- ou zona integrada, ea lacuna nao integrada(non-integrated gap),
ristas de n de setembro de 2001. Para Mead (2014, p. 16, traducao ou zona nao integrada. Como voce podera ver a seguir, essa pers-
nossa), pectiva gera uma cartografia pr6pria, que capta as nuances da visao
ap6s 9/n, o presidente George W. Bush baseou a sua politica de mundo de Barnett.
O
3 No original: "{ . .] after 9/u, President George W. Bush based his foreig11 policy 011 the ~eliefthat Middle
Eastern terrorists constituted a uniquely da11gerous oppo11e11t, and he lm111ch_ed what he said w_ould be a long.
war agai11st them. In some respects, it appeared that the world was back III the realm _of history. But the
Bush administration's belief that democracy could be implanted quickly in the A~ab Middle J!as;, stam:,1g
with Iraq, testified to a deep conuiction that the overall tide of events was ru11n111g Ill Americas favor ·
Ao visualizar o mapa de Barnett, voce provavelmente vai se per-
guntar: Quern faz parte do core e da gap? Segundo o geoestrategista
do Pentagono, a America do Norte, parte da America do Sul, a
Uniao Europeia, a Russia, o japao e as economias emergentes da
Asia, Australia, Nova Zelandia e Africa do Sul fazem parte do cen-
tro funcional. No outro lado, paises da Bacia do Caribe, quase toda
a Africa, OS Balds, 0 Caucaso, a Asia Central, 0 Oriente Media e O
Sudoeste e o Sudeste Asiatico fazem parte da lacuna nao integrada.
Distintamente de Huntington, que delirnira sua cartografia
.....
.....
a, de poder com base na divisao entre as civilizacoes, para Barnett,
178 clo..
ra as potencias emergentes nao ocidentais nao sao necessariamente
IXI c'::,.:'
VI +-'
arneacas ao Ocidente ou, mais especificamente, aos Estados Unidos.
ra c
E Q)
o Na acepcao de Barnett, a cultura nao e o cerne explicative das
0 ci t,
..c ro ,._ dinamicas geopoliticas de conflito. Sua ideia de integracao e nao
I- ~ Li:
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integracao esta diretamente relacionada ao nlvel de participacao dos
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pafses no que diz respeito a globalizacao. Para Barnett, os principais
0
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4 No original: "Our next war in the Gulf will mark a historical tipping point - the moment when 5 Nao existe consenso sabre o status de revisionista quanta as porencias abordadas neste capltulo.
Washington takes real ownership of strategic security in the age of globalization". Para elucidar as controversias sabre esse assunto, leia Mead (zora) e Ikenberry (zora).
s.z Estudo dos quadros de instabilidade Esse resultado representa um serio problema para os Estados
Unidos e seu status de potencia lfder no p6s-Guerra Fria. Washington
mundial contempordneos
buscou alicercar os pilares da Nova Ordem Mundial sob o signo da
democracia liberal e do capitalismo, de instituicoes rnultilaterais
O conjunto de transformac;:6es do p6s-Guerra Fria analisado trouxe
a
importantes desafios geopolitics no final do seculo XX e inicio
que propugnavam normas condizentes com essa visao de mundo.
Nesse sentido, Mead (2014, p. 13, traducao nossa) alerta que
do XXL Um dos temas centrais que permeiam os debates nesse
perfodo indaga sobre o fim da geopolftica, nao apenas como sistema "os ocidentais nao deveriam ter tido a expectativa de que a geopoH-
de explicacao da realidade, mas como pratica e comportamento tica a moda antiga fosse embora. 0 fizeram porque fundamental-
dos Estados. mente leram de forma equivocada o significado do colapso da Uniao
Nos momentos finais da primeira decada do seculo XXI, foram Sovietica: o triunfo ideol6gico da democrada capitalista liberal sobre
colocadas em xeque a ideia de Jim da historia e a tese do Jim da o comunismo, mas nao o fim do poder duro".6
a a
geopolitica. Um fenomeno relacionado geopolftica e geoestra-
Segundo Mead (2014), o establishment de paises ocidentais
tegia vem ganhando forca nas relacoes internacionais desde 2000,
acreditou que os principais problemas geopoliticos haviam sido
passando a adotar contornos preocupantes de 2008 em diante.
resolvidos, exceto as quest6es referentes a ex-Iugoslavia e ao con-
Estamos nos referindo ao retorno das potencias revisionistas ou
contestadoras do status quo de poder internacional. flito israelo-palestinos. Essa crenca se assentava em eventos reais.
Com a unificacao da Alemanha, o fim da URSS, a desintegracao
Na primeira decada ap6s o colapso da URSS, os Estados Unidos
do Pacto de Vars6via e a integracao de alguns <lesses paises na
reforcararn o desenho da ordem internacional p6s-Segunda Guerra,
Organizacao do Tratado do Atlanrico Norte (Oran), o tabuleiro
potencializado sob a Nova Ordem Mundial. No processo, propa-
estrategico europeu parecia resolvido a favor dos Estados Unidos.
gavam-se as virtudes da democracia liberal e do capitalismo como
Triunfante no estabelecimento de sua visao de ordem na Asia e no
modelo vencedor e a (mica opcao viavel para o futuro na globali-
Oriente Medic, o Ocidente acreditava que restava aos paises nao
zacao. Recuperando-se do peso da unipolaridade, potencias como
ocidentais juntarem-se ao movimento de modernizacao em todas
Russia, China e Ira lentarnante cornecararn a questionar a intiuencia
as suas vertentes: econornica (capitalismo), politica (democracia)
definidora dos Estados Unidos, nao necessariamente na polftica
e ideol6gica (liberal). Para Mead (2014) e, de certa forma, para
mundial, mas especialmente em suas esferas de infiuencia regio-
Huntington (1996), essa visao representaria nao apenas a crenca no
nais. Com a Russia anexando a Crimeia, a China expandindo sua
fim da hist6ria, mas tarnbem no fim da geopolltica, o que talvez nao
presenc;:a naval no Pacifico, o japao alterando sua constituicao no
encontre respaldo diante dos conflitos neste inicio de seculo XXL
quesito da clausula antiguerra e o Ira sendo acusado de proliferacao
nuclear e estando envolvido militarmente na Guerra da Siria, 0
argumento a favor da geopolitica como forca motriz do seculo XXI
voltou a se intensificar.
6 No original: "But Westerners should never have expected old-fashioned geopolitics to go away. 1hey did
so .only becat'.se they fu'.1da.menta!ly misread what the collapse of the Soviet Union meant: the ideological
triumph ofliberal capitalist democracy over communism, not the obsolescence of hard power".
Conflitos do seculo XXL· potencias revisionistas relacoes internacionais (Zakaria, 2008). No concerto asiatico, alem
versus status quo? da China, podemos citar diversos paises capazes de influir no sis-
tema (System Affecting States), como Russia, India e japao, Apesar
Nesse contexto de novas ameafas e reconfiguracao dos espafOS, pela
de ser uma potencia ocidental e americana, em virtude de sua
ernergencia de porencias como a China e pelo ressurgimento de
projecao para o Pacifico, os Estados Unidos sao uma das potencias
poderes como a Russia, essa era geopolitica apresenta novas com-
mais ativas na geopolfrica da Asia. A manutencao de dinamicas
plexidades, agregando, assim, elementos novos. Com o advento de
de balanca de poder, as rivalidades por recursos valorizados e o
uma ordem unipolar, ou de supremacia militar e estrategica incon-
hist6rico de guerras fazem com que a Asia enfrente desafios por
teste dos Estados Unidos, a infiuencia tende a ser mais valorizada
uma maior cooperacao na era da globalizas;ao.
do que o controle direto sobre recursos e territ6rios alheios, espe-
E nesse cenario geopolitico e estrategico que a China vem reali-
cialmente no caso de potencias medias e regionais (Zakaria, 2008).
zando aquilo que chamou de ascensdo pacifica7. A expressiva trans-
Entre os pensadores que argumentam a continuidade ou o
forrnacao de um pals subdesenvolvido e "atrasado" nos anos 1940 na
"retorno" da geopoHtica no seculo XXI, Kaplan (2013) e Mead
segunda maior potencia econornica do mundo em 2016 envolveu
(2014) se sobressaem. Para eles, potencias como Russia, China e
um conjunto de transforrnacoes nas esferas social, cultural e militar,
Ira agem no sentido contrario a a
ordem e distribuicao de poder
A ascensao da China pauta sua insercao internacional. Sua projecao
configuradas ap6s a queda do Muro de Berlim. Para Kaplan (2013),
global, calcada nas relacoes econornicas, comerciais e financeiras,
potencias como a Turquia, entre a Europa e o Oriente Medic, ea
ea contraparte de uma projecao militar centrada na sua esfera de
degradacao do Mexico, na fronteira com os Estados Unidos, trazem
inliuencia imediata de poder.
novos problemas ao mapa de poder da decada atual. Em sintese,
Segundo o editor da area internacional da revista Newsweek,
configuram parte dos desafios do mundo p6s-hist6rico (Mead,
"Pequim percebeu que manter boas relacoes com os Estados Unidos
2014). Para deixar mais darn como esses processos de desenvolvem,
era fundamental para o seu desenvolvimento, em parte porque
dissertaremos a seguir sobre os casos da China, do Ira e da Russia.
queria ter acesso ao maior mercado mundial e tecnologia mais a
avancada" (Zakaria, 2008, p. 117). Uma politica de nao interferen-
China e reconfigurarao do esparo asidtico
cia em assuntos dornesticos e de nao confrontacao foi posta em
A Asia tern sido cada vez mais valorizada nos estudos da geo- pratica para fins de cooperacao. Contudo, quest6es em aberto tern
polftica conternporanea. Esse continente de grande importancia mantido em acao motivadores para o conflito. Temas geopoliticos,
estrategica passa a ser o epicentro das transforrnacoes na distribui- como a independencia de Taiwan, a maior dependencia chinesa
s;ao dos poderes econornico, tecnol6gico e rnilitar na atualidade.
A ascensao da China aponta para a ernergencia de novas potencias
com capacidade de afetar decisivamente tabuleiros importantes das
7 Para uma perspecriva mais ampla sobre a estrategia de insercao internacional chinesa, veja Foot
(2009).
em relacao a commodities, recursos naturais, energia alern-mar e Mapa 5,3 - Situa~ao estrateglca do Oceano [ndico
seu evidente processo de rnodernizacao militar, acirram os animos
naquela regiao da Asia, pondo em xeque o pacifico de sua concep-
c;ao de ascensao. Nesse esteio, a rnanutencao e o reavivamento de
rivalidades regionais hist6ricas com paises como f ndia, J apao e CHINA
. . k~
~
~ o
Palses banhados
pelo Oceano lndico
®
Pontos de passagem D
Bases militares navais
americanas
Presenc;amilitar rrancesa
a+L N
~ L-:'l/t'~~P~rin~c~ipa~is~c~on~n~ilo~s-~_Lam~"°"-~-~-·Amao-·~__:A~'~'~e~Jo~'~~:::..::!::!..___::!!:::==
lento resulta da postura assertiva da China em aumentar seu domi- Fonte: Adaptado de BBC, 2016.
I
!
produzir vetores de entrega sofi.sticados. Com misseis de alcance
de 2.000 km (ja desenvolvidos) e misseis balisticos de 3.500 km
RUSSIA
;----; 4400 OGNAS (em desenvolvimento), o pais afeta expressivamente a balanca de
I
1 r---------.,:--·
REINO
UNIDO COREIADO
poder do Oriente Medic. Como consequencia, imp6e riscos a
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_ 225 OGIVAS .; • • FRAN<;A ,NORTE ordem regional engendrada pela administracao George W. Bush.
290 QGNAS
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•;!.,
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ISRAEL ::: -PAQUISTAO l Grafico 5.1 - Poder de fogo do Ira
80 OGWAS
---------,;·· 90 OGIVAS
[NOIA -· ALTURA
194 80 OGIVAS
32m
25m
pio, o Ira nao apresentaria risco para o status quo da nao prolifracao
nuclear. Porern a descoberta por fontes de inteligencia ocidental
de atividades secretas nas centrais nucleares de Bushehr, Natanz e
Arak reacendeu as suspeitas e press6es contra o Ira (Lampreia, 2014). 195
Dessa forma, a tensao entre o direito ao dominio do ciclo completo ALCANCE 3 500 km 2 000 km 1300 a 500 km 280 km
2 000 km
de enriquecimento de uranio para fins padfi.cos e o carater emi-
nentemente dual (uso civil e militar) da tecnologia nuclear colocam
• Em desenvolvimento • Operacionais
Teera como um dos principais t6picos da agenda de seguranca
internacional dos Estados Unidos no p6s-Guerra Fria e de outras Fonte: Adaptado de IG Sao Paulo, 2013.
Q ....
:. ~ Em desenvolvimento
a Russia seria um caso interrnediario. Para o analista americano, a
Operacionais Russia e mais bern-sucedida do que a China em quest6es geopoli-
ticas regionais, mas menos do que o Ira. Desde que assumiu, pela
Fonte: Adaptado de IG Sao Paulo, 2013.
primeira vez, o pasta de presidente da Federacao Russa, Vladmir
O acumulado de experiencias e tratativas de membros do Putin age no sentido de reestruturar o poderio russo, restabele-
Conselho de Seguranca da Organizacao das Nacoes Unidas cendo espa<;:os e a influencia perdidos de forma celere nos anos
(ONU), inclusive Russia e Ira e de outras iniciativas multilaterais iniciais do p6s-Guerra Fria. Entretanto, coma pontuado par 197
que buscavam o acordo nuclear com o Ira, permitiu aos Estados Macfarlane (2009) e Mead (2014), o peso e a forca econornica da
Unidos engendrarem a Dual Track Strategy (Lampreia, 2014). De Russia pos-sovietica nao suportam as custos da reestruturacao de
um lado, engajava Teera com politicas coercitivas multilaterais, um espa<;:o de poder semelhante ao da antiga URSS.
coma restricoes severas a exporracao de petr6leo; de outro, criava Desde o declinio da Uniao Sovietica, nao apenas a economia
condicoes para um acordo e cess6es par parte do Ira, chegando-se, russa decaiu; a capacidade militar e os meios de projetar forca no
em 2015, a um acordo nuclear com esse pafs, Apesar de dificulda- seu entorno tarnbern foram seriamente prejudicados. Enquanto o
des no Congresso Americana, o acordo ate o momenta tern sido Pacto de Vars6via deixou de existir ap6s o colapso da URSS, a Otan
um sucesso em frear o programa nuclear iraniano, permitindo que passou par um processo robusto de rransforrnacao (Wallander;
Teera se reinsira nos mercados globais de petr6leo. Em que pese o Keohane, 1999), inserindo em seu conjunto varies paises da antiga
descontentamento de Israel e da Arabia Saudita, analistas coma Cortina de Ferro, com destaque paraAlemanha (Oriental), Polonia,
Republics Checa, entre outros.
Se em terra, na porcao ocidental da Eurasia, os Estados Unidos
ampliaram sua rede de contencao do poderio russo, nos mares
O>NlONO>'VO>
q"lOlOa:JO>OO
O)O)O)C1)C1)00
.,.... .,... ..- .,... .,... N N circundantes, em particular nos Mares Mediterraneo e Negro,
!iEJD0~H31 planejam instalar um complexo sistema de defesa contra rnisseis
ballsticos, o Aegis Umbrella (Guarda-Chuva Aegis). Considerando
que os meios balfsticos desenvolvidos pelo Ira e pela Coreia do
Norte poderiam atingir paises aliados, seria necessario criar um
sistema de deteccao e inrerdicao missilistica na Europa, com base
em meios terrestres e navais .
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Desde 2008, quando a Russia participou da guerra contra a Georgia
sob a justificativa de proteger as minorias russ6fonas na Ossetia do
Sul (enclave ao norte do territ6rio georgiano) ap6s agressao por for-
cas georgianas, Putin apresentou uma disposicao Impar em frear o
processo de perda de infiuencia e status no espa<;o da antiga URSS.
Para Mead (2014), o presidente russo obteve sucesso em blo-
quear a expansao da Otan. Nessa ernpreitada, retirou territorio da
Georgia e trouxe a Armenia para sua influencia. Como observado
no mapa a seguir, o apice da expansao russa foi a incorporacao da
Crimeia, no contexto da Guerra civil Ucraniana.
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~a. Sl!IMM de reter!ncia: WGS.64
Proj~o cbnlr.a conforme de Lambert para Europa
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~c Fonte: Adaptado de Tharoor, 2014.
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Ao longo da geo-historia eslava, a Peninsula da Crimeia perten-
ceu ao Imperio Russo e, depois, a Republica Socialista Federativa
1
J
A Ucrania, oscilando entre a influencia da Uniao Europeia e a
da Russia, passou por um turbulento processo eleitoral em 2010.
da Russia, no seio da Uniao Sovietica; em 1954, Khrushchev cedeu
aquele territorio a Republica Socialista Sovietica Ucraniana. Com
I
l
Yanukovych se tornava presidente do pafs. Visto como um can-
didato pro-Russia, praticou uma especie de diplomacia pendular
·,~ ;
o estabelecimento do poder sovietico e sua posterior inclinacao buscando barganhar com Moscou e Bruxelas, no sentido de con-
aos mares quentes, a Crimeia convertera-se em um territorio fun- seguir melhores opcoes e acordos para Kiev. Como resultado, um
damental para projetar poder maritimo para o Mar Negro, o Mar acordo com a Uniao Europeia foi acertado, mas acabou frustrado
Medirerraneo, entre outros. Com a dissolucao da URSS, Russia e por uma reviravolta nas negociacoes por interferencia de Moscou,
Ucrania celebraram acordos que permitiram a Moscou manter o contraria aquela resolucao. Yanukovych cedeu em favor do governo
uso administrativo e rnilitar da peninsula, alocando nela parte con- russo, fazendo com que segmentos da sociedade civil se voltassem
202
sideravel de sua forca naval (Frota do Mar Negro). Essa condicao, contra seu governo e contra a influencia russa na Ucrania, Apos
porern, seria arneacada por eventos politicos inesperados em Kiev. os famosos protestos na Praca Maidan, a principal da capital ucra-
A partir dos anos 2000, o mundo foi varrido pelas chamadas niana, Kiev, o presidente pro-russo caiu, levando o pais a uma
reuolucoes coloridas, que atingiram primeiramente a Servia (2000), sangrenta guerra civil, a qual permanece ativa.
depois a Georgia (2003) e, mais recentemente, a Ucrania (2004) e No contexto de profunda instabilidade na Ucrania, em que sua
o Quirguist:fo (2005). Pafses da antiga Cortina de Ferro passaram principal base de operacoes no Mar Negro estava em risco, Moscou
por rnudancas de governo e, as vezes, de regime (Cheterian, 2005), jogou a carta mais ousada desde o fim da Guerra Fria: anexou a
que, em tese, os aproximavam a concepcao de mundo capitalista, Crimeia, agora uma republica autonorna.
liberal e democrata. Na pratica, esses paises passaram para a orbita
de influencia dos Estados Unidos e da Uniao Europeia, com con-
sequencias geopolfricas catastroficas para a Russia.
203
I
I Em 1996, Samuel Huntington realizou uma intrigante ana-
lise que acabou sendo confirmada pela atual Guerra da Ucrania,
I Dialogando com John Mearsheimer, representante do que
Huntington chamou de paradigm.a estatista, afirmava que o neor-
realista americano vislumbrava um futuro conflituoso entre Russia
e Ucrania ainda nos idos de 1996. Em suas palavras:
204 !
Ucrania, normalmente caem em compericao motivadas por receios
de seguranca, Russia e Ucrania podem superar essa dinamica e r
..'.,,i ..,
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ocorrer (Mearsheimer, citado por Huntington, 1996, p. 37, tradu-
<;ao nossa)10 .
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Huntington (1996), partindo do pressuposto de que paradigmas
.
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geram predicoes, p6e em teste o paradigma civilizacional. Ao
ra
·cu enfatizar quest6es como os lacos culturais e hist6ricos que ligam
E Russia e Ucrania, ele chama atencao para a existencia de uma fault
'i:
u line (linha de falha) que separaria a civilizacao ortodoxa (leste da
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Ucrania) da ocidental (oeste da Ucrania). Para Huntington, em vez
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'6".o de Kiev e Moscou engendrarem uma competi<;:ao estrategica, que
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.....
ra poderia ocasionar uma guerra entre ambos, seria mais provavel a
~
.....
V) divisao da Ucrania em dois paises, amparada no corte civilizacional
Cl)
0
..... interno. A clareza na previsao de Huntington espanta, em especial
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Cl) quando afirma que, diante da possibilidade de a Ucrania se dividir
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ra ~ 10 No original: "the situation between Ukraine and Russia is ripe far the outbreak of,ecurity competition
a. !c between them. Great power, that share a long and unprotected common border, like that between Russia
ra
:::E: ...
0 and Ukraine, often lapse into competition driven by security fears. Russia and Ukraine might overcome
this dynamic and learn to live together in harmony, but it would be unusual ifthey do".
em duas, "a separacao baseada em fatores culturais levaria a prever
que seria mais violenta do que na Tchecoslovaquia, mas menos san- J
grenta que na Iugoslavia'"! (Huntington, 1996, p. 37, traducao nossa). !
l
Embora seja tentador ler a recente expansao do poderio russo 'l
na Eurasia coma uma postura ofensiva, existem fortes indicios de
se tratar de uma contraofensiva geoestrategica. Como demons-
trado anteriormente, varies paises do Pacto de Vars6via fazem hoje
parte da Otan. Para autores como Ikenberry (2014, p. 30, traducao
nossa), apesar de vit6rias na Georgia, Armenia e Crimeia, "a Russia
nao esta em ascensao; pelo contrario, esta experimentando uma
206
das maiores contracoes geopolfticas por que uma grande porencia
passou na era moderna''12• Um mapa de Brzezinski e ilustrativo
do tamanho das perdas de Moscou no p6s-1991.
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11 No original: "11 civilizational approach minimizes that and instead highlights the possibility of Ukraine ""': 00
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splitting in half, 11 separation which culturalfactors would lead 011e to predict might be more violent than
that of Czechoslovakia but for less bloody than that of Yugoslavia". ra
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12 No original: "Russia is not on the rise; to the contrary, it is experiencing one of the greatest geopolitical ra
contractions ofany major power in the modern era". ::E ~
Embora o uso da forca por parte de Moscou contra paises do
Leste Europeu possa ter sido motivado mais por suas fraquezas
l j
panorama geoestrategico de nossos dias e envolto na sombra de um
hiperpoder. De certa forma, isso limita o comportamento revisio-
I'
do que por sua forca, a Russia lanca mao de sua participacao na I nista de potencias como China, Russia e Ira. Contrario a analise
Guerra da Slria como meio de balancear e competir com os Estados !
I
de Mead (2014), Ikenberry (2014) considera que o comportamento
Unidos. Nesse sentido, alinhamentos com paises como China e Ira de potencias revionistas e mais bem explicado por suas fraquezas
lhe sao favor:iveis. Apesar de nao estar amparada em quantidades do que por suas forcas,
de poder compadveis com os designios geopoliticos, a Russia sob Outro aspecto expressivo, muito bem desenvolvido por Kaplan
Putin joga um inteligente jogo de xadrez internacional, movendo-se (2013), Mead (2014) e Ikenberry (2014), e o faro de essas potencias
com cautela e frieza rumo a um resultado em aberto. terem rivalidades entre si e pontos de atrito, que dificultarn, por
exemplo, a construcao de uma coalizao revisionista capaz de sub-
208 verter a ordem internacional p6s-Guerra Fria. Lembrando Barnett
(2003), os Estados Unidos continuam sem um antagonista a altura
ss Balance do debate geopolitico no pos-Guerra
da URSS. Apesar de polfticas como a barganha pelo aumento do
Fria preyo do petr6leo e pela proliferacao nuclear, entendidas como
revisionistas por Mead (2014), potencias como China, Ira e Russia
Diferentemente do mundo triunfante do capitalismo global, da contestam as lirnitacoes da ordem internacional.
proliferacao das democracias liberais e do livre cornercio, a realidade Como pontua Ikenberry (2014), em cdtica a Mead (2014), talvez
do p6s-Guerra Fria apresenta elementos importantes de contestacao nao estejamos vivenciando uma busca pelo controle do Heartland,
nao apenas a ordem vigente, mas tarnbem a teses como as do fim da Ilha Mundial e do mundo. A subversao da ordem por outra
da hist6ria e do fim da geopolitica. A velha politica da expansao se restringe a lutar por esferas de infiuencia e pelo possivel reor-
territorial, do controle dos mares e estreitos, da projecao de poder denamento de seus espayos de poder naturais. E como se Ratzel
pelos ares e da gram:itica da guerra como vocabul:irio politico nao e Kjellen estivessem de volta, mas com menos impeto guerreiro,
a
deixou de existir no seculo XXL Contudo, a contestacao ordem e limitado por um quantitativo de poder americano nao compensado.
o conteudo revisionista tern Iimitacoes importantes, que afetam a O colossal poder estadunidense configura-se como o principal 209
forma como a geopolitica se processa no contexto contemporaneo. obstaculo para a realizacao da agenda desses palses (Mead, 2014).
Um dos aspectos que distinguem o mundo do seculo XXI da O fato e que a Eurasia, como vislumbrada por Mackinder, voltou
geopolitica do seculo XIX e corneco do XX e a unipolaridade. Seja a cena internacional.
a gigantesca concentracao de poder militar nas maos dos Estados
Unidos, seja uma visao suavizada de hegemonias regionais ou mul-
tipolariade desequibilibrada, como prefere Mearsheimer (2001), o
I
. !
I.
I I
'
A geopolitica e a geoestrategia resultantes da interacao entre
j superporencia, grandes potencias e potencias emergentes tern em
I
:
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comum o fato de Russia, China e Ira .fazerem parte da grande
massa de terra euroasiatica. Em algum grau, por mais limitado
J
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!"' Preciado, 2008), sobretudo na capacidade de usar a coercao e a
~
,... forca se necessario, Descendendo do legado geopolf tico de Mahan,
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Spykman e Kennan, os Estados Unidos criaram uma estrutura de
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a. ol"'
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:::E: 13 No original: "Order building is not premised 011 the end of geopolitics; it is about how to answer the
big questions of geopolitics".
poder capaz de projetar forca para qualquer parte do mundo. Hoje,
sao um dos unicos pafses a nao apenas realizar planejamentos glo-
l
j almejem a possibilidade de uma con.figurac;:ao multipolar abarcar
uma perspectiva multicivilizacional, em que a convivencia entre
: \
ou teatro de operacoes.
fio da geopolfrica do seculo XXI esra posto a mesa; uma de suas
Essa estrutura de poder dos Estados Unidos se ancora em fun-
principais quest6es consiste em saber se estamos vivenciando uma
damentos de que China, Russia, Ira e outras possfveis potencias Segunda Guerra Fria.
I
I
i
I,
1 I
Questoes para reflexao
1. Pesquise sabre o processo de expansao da Oran desde o
Estud.o d.e caso
final da Guerra Fria ate os dias atuais e responda: A Russia
esta em urna ofensiva ou defensiva geopoHtica? Justifique
sua resposta.
I
l
Il
l
i.
l
Referencias
da geopolitica diante da geoestrategia e de importantes pensadores l
militares, como Clausewitz, Mahan e Douhet. Contudo, aqueles I'
222
imperialismo e a perspectiva critica deram um folego importance a I.
,.
I
critica passaram a sofrer disputa por parte de novos paradigmas, sc1elo.php?script=sci arttext& 'd-SOI03 4 . p. www.sclelo.br/
nrm=iso&tlng=pt>.Acesso em~l2 .: 2~1:.792008000200002&lng=en&
como o ciuilizacional, de Huntington, e o do centro funcional, de
-· Geopolitics:Re-visioning World Politics 2 ed N y. k R I d
Barnett. Os tempos de indecisao e euforia que caracterizariam o fim ANDRADE . . . ew or : out e ge, 2003.
da hist6ria sao, na verdade, palco de novos conflitos e do ressurgi- 'M. C. de. Geopolitica do Brasil 2 ed s- P l A' .
ARON R . . . ao au o: rrca, 1993.
' . As etapas do pensamentosociol6gico 5 ed Sao Pa I M F
mento de dinamicas adormecidas. Diante desse cenario, nenhuma ARR · · · u o: · ontes, 1999.
aliada seria tao util para enfrentar a tempestade como a geopolitica. l~HI, G. 0 longo seculo XX: dinheiro, poder e as ori ens do
Rio de Janeiro: Contraponto; Sao Paulo: Ed. da Unes ,gl996 nosso tempo.
Finalizamos este livro com a certeza de que a geopolitica esta BALDWIN, D A Po d . p .
RISSE T. SIMM wer an Internat10nal Relations. In: CARLSNAES W.
mais viva do que nunca. Do alto da posicao de lideranca e pre-
ponderancia dos Estados U nidos a ascensao da China e ao res-
Sage P~bi;cation, ~o~!'. :.· ~7~~~~book oflnternational Relations. Lo;do~;
BARNETT T p M Th
surgimento da Russia no cenario geoestrategico do seculo XXI, , . . . e Pentagon's New Map· War d p .
Twenty-FirstCentury 2003 D' ' l h . an eace In the
percebemos a relevancia de voltarmos as leituras de autores como low-resolution-map/>.Aces . 1spo2n51:e em: < ttp://thomaspmbarnett.com/
· so em: Jan. 2017.
Mahan, Mackinder, Spykman, Lacoste e Brzezinski.
Por fim, sugerimos a voce algumas quest6es. Em seu entendi-
--·
EsquireMagazineOnline Edition 10 Sept 2016
esquire.com/news-politics/al546/th .b
6- ,
Why the Pentagon Changes its Maps: and Wh We'll K .
tp Going to War.
. '.spomve em: <http://www.
mento, persiste a relevancia da geopolitica em nossos dias? 0 pen- em: 25 jan. 2017. omas- arnett-Iraq-war-primerl>. Acesso
samento estrategico, como visto no decorrer destas paginas, esta,
BBC. History: Bismarckand Unificat' 2014 . ,
enfim, obsoleto? Podemos falar de uma Segunda Guerra Fria? co.uk/bitesize/higher/history/na~~n. 1 · ·, D1~~on1~el em: <http://www.bbc.
Nosso intuito e que esta obra seja nao apenas um manual, mas em: 25 jan. 2017. ona Ism um cation/revision/3/>. Acesso
um aliado no desafio de pensar a geopolitica na contemporaneidade. --· WhyistheSouthChinaSeaContentious~ 12Jul 2016 D' , I
www.bbc.com/news/world-asia-pacific-13748349.A . ispomve em: <http://
. >. cesso em: 2 mar. 2017.
BBC Brasil. Crimeia pede P £ d ,
6 mar 2014 D' 'aria azer parte a Russia; entenda com mapas a crise.
· · 1spomve em· <http·// bb
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