METAIS

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Cristina Carapeto

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METAIS

Entre as muitas substâncias tóxicas que afectam os ecossistemas aquáticos estão os metais
pesados como a prata (Ag), o cádmio (Cd), o crómio (Cr), o cobalto (Co), o cobre (Cu), o
mercúrio (Hg), o molibdénio (Mo), o níquel (Ni), o chumbo (Pb), o estanho (Sn) e o zinco (Zn),
bem como elementos mais leves e mesmo metalóides como por exemplo o alumínio (Al), o
arsénio (As) e o selénio (Se).

Os elementos metálicos, ex. Cd, Cu, Pb e Zn, são bons condutores de


electricidade, têm uma aparência brilhante e tendem a entrar em reacções como
catiões carregados positivamente. Um total de 108 elementos têm estas
propriedades e são considerados metais verdadeiros. Além destes, há 7 outros
elementos chamados “semi-metais” ou metalóides, ex. As, Se, Te. Eles
apresentam as propriedades físicas próprias dos metais mas, quimicamente
comportam-se mais como elementos não metálicos.
O destino químico, tóxico e ambiental dos elementos metálicos está relacionado
com a sua posição na tabela periódica. O termo “metais pesados” tem sido várias
vezes utilizado para referir os elementos metálicos baixos na tabela periódica com
massas atómicas elevadas (> 100), ou uma densidade superior a 5g / cm3. Cerca
de 38 elementos têm uma densidade superior a esta; muitos são abundantes na
crusta terrestre e foram utilizados durante a evolução natural da vida. Tais
elementos (ex. Fe, Mn, Cu, Zn, Mo) são hoje essenciais; outros, geralmente
presentes em muito baixas concentrações (ex. Ag, Cd, Hg, Pb) são altamente
tóxicos. A necessidade, e a potencial toxicidade dos metais pesados resulta do
facto de eles serem elementos de transição, capazes de formar compostos
complexos com uma variedade de outros elementos orgânicos ou inorgânicos. Os
actinídeos, elementos com números atómicos de 89 - 103, como por exemplo o
plutónio, são todos radioactivos.
A utilidade do termo “metais pesados” tem sido questionada. O alumínio, que é
frequentemente descrito como um metal pesado, não o é, pois a sua massa
atómica é apenas 27 e a sua densidade 2,7 g/cm3; o mesmo acontece com o
selénio, que muitas vezes é descrito como um metal pesado e apresenta
semelhanças, no seu comportamento ambiental, aos verdadeiros metais pesados.
Termos alternativos, como por exemplo “elementos pesados”, têm sido utilizados
para abranger os metais pesados e seus congéneres. Apesar disto, o termo metal
pesado está bem estabelecido na literatura. É, no entanto, importante não

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esquecer que há semelhanças no destino ambiental e no comportamento de todos


os elementos metálicos, reflectindo as semelhanças da sua química básica das
quais se salienta a sua persistência. Os elementos metálicos e os seus catiões, ao
contrário dos compostos orgânicos, não são degradados.

Todos estes elementos são ubíquos, pelo menos em concentrações traço, e muitos deles são
essenciais para o metabolismo das plantas e/ou animais na forma de micronutrientes. Outros,
contudo, não são necessários à vida das plantas ou animais, embora existam na natureza na
sua forma elementar ou formando complexos.

Do ponto de vista de poluição ambiental os metais podem ser classificados, segundo Wood
(1974), de acordo com o seguinte critério: (1) metais que não são críticos; (2) metais tóxicos
mas muito insolúveis ou muito raros; (3) metais muito tóxicos e relativamente acessíveis. A
tabela 1 apresenta a classificação dos diversos metais segundo o critério descrito.

Tabela 1 - Classificação dos elementos de acordo com a sua toxicidade e disponibilidade


(Wood, 1974)

Metais não críticos Tóxicos mas muito Muito tóxicos e relativa/


insolúveis ou muito raros acessíveis
Na C F K P Li Ti Ga Hf La Be As Au Co Se
Mg Fe Rb Ca S Sr Zr Os W Rh Hg Ni Te Tl Cu
H Cl Al O Br Si Nb Ir Ta Ru Pd Pb Zn Ag Sb
N Re Ba Sn Cd Bi Pt

Os metais são introduzidos nos sistemas aquáticos, pelo desgaste das rochas e dos solos,
como resultado de erupções vulcânicas e através de uma variedade de actividades
antropogénicas (extracção mineira, processamento e utilização de metais e/ou substâncias que
os contenham, utilização de combustíveis fósseis). Sob certas condições ambientais, estes
elementos podem acumular-se. Até mesmo aqueles que funcionam como micronutrientes
essenciais, se podem tornar tóxicos para os organismos aquáticos e para os seres humanos,
desde que o nível de exposição seja suficientemente elevado. Situações há em que, mesmo
sem a intervenção do Homem, alguns metais atingem concentrações suficientemente elevadas
a ponto de causar danos ecológicos. Muitas vezes este fenómeno é provocado pela exposição

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superficial dos minerais com elevadas concentrações de elementos tóxicos, causando a


contaminação de solos, sedimentos, água e biota. Contudo, este tipo de contaminação é,
geralmente, limitada nas suas dimensões e a área afectada é, consequentemente, restrita. A
Tabela 2 dá uma ideia da toxicidade relativa de vários metais, com base nas concentrações
máximas permitidas pela Environmental Protection Agency (EPA) para protecção da saúde
humana.

Tabela 2 - Concentração Máxima Permitida pela EPA para Vários Metais em Águas
Naturais para Protecção da Saúde Humana

Metal Símbolo Químico Conc. máxima permitida


mg / m3
Mercúrio Hg 0,144
Chumbo Pb 5
Cádmio Cd 10
Selénio Se 10
Tálio Tl 13
Níquel Ni 13,4
Prata Ag 50
Manganésio Mn 50
Crómio Cr 50
Ferro Fe 300
Bário Ba 1000
Fonte: Adaptado de Laws, 1993

Com a chegada da era moderna da industrialização passou a haver uma contaminação


generalizada. Este facto pode ser ilustrado, por exemplo, pelo aumento da poluição por
chumbo em muitas florestas naturais, embora a fonte mais provável da poluição por Pb seja a
produção de gases emitidos por automóveis que utilizam gasolina, onde este elemento está
presente. Por outro lado, a mineração e a utilização de combustíveis fósseis têm aumentado
consideravelmente a quantidade de alguns metais introduzidos nos oceanos. Os metais
mobilizados pelas diversas actividades antropogénicas podem ser transportados para o mar
por escorrências continentais, através de efluentes urbanos e industriais ou por transporte

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atmosférico. Os metais pesados são motivo de grande preocupação porque são tóxicos em
concentrações relativamente baixas.

Como foi referido anteriormente, alguns metais são também micronutrientes essenciais e,
portanto, os seus efeitos tóxicos dependem da concentração a que um organismo é exposto
(fig. 1).
Actividade metabólica

Concentração do elemento

Fig. 1 - Actividade metabólica versus concentração


(A) para um elemento essencial
(B) para um elemento não essencial

Os elementos essenciais estimulam a actividade biológica quando estão presentes em


concentrações baixas e apenas se tornam tóxicos quando atingem o nível de tolerância tóxica.
Os elementos não essenciais não apresentam efeitos de estimulação biológica e o nível de
tolerância tóxica é muito mais baixo em relação aos primeiros.

No decurso da história da humanidade e, infelizmente, mesmo em anos mais recentes, a saúde


humana tem sido afectada em diversas ocasiões por metais tóxicos. Os historiadores há muito
que especulam sobre o facto de a queda do Império Romano poder ter sido causada, pelo
menos em parte, pela diminuição das capacidades mentais da classe governativa como
resultado de intoxicação pelo chumbo. Sabe-se que os Romanos guardavam o vinho em

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recipientes de cerâmica que era revestida com Pb. Parte do metal poderia ser lixiviado pela
bebida (de natureza acídica) e, subsequentemente, ingerido. Também Lewis Carroll no seu
livro “Alice no País das Maravilhas”, ao introduzir a figura do chapeleiro maluco, dá-nos conta
de um problema de saúde grave relacionado com a actividade profissional de certos indivíduos.
No século XIX as pessoas que trabalhavam na indústria de chapéus de feltro na Grã-Bertanha
sofriam, frequentemente, de danos neurológicos como resultado da exposição aos compostos
de mercúrio, usados nos acabamentos dos chapéus altos. Um exemplo mais recente de
envenenamento por Hg foram os casos ocorridos na Baía de Minamata e no Iraque, de que se
falará mais adiante.

Concentrações Naturais no Ambiente

A concentração natural de elementos tóxicos em diversos compartimentos do ambiente está


descrita na Tabela 3. Em todos os casos a concentração nas rochas e nos solos é mais
elevada do que a presente na água e também é, em regra, superior à concentração no biota.
No entanto, é interessante notar que a forma química dos elementos tóxicos dissolvidos na
água torna-os, de uma maneira geral, relativamente disponíveis para os organismos, pelo que
numa concentração aquática relativamente baixa, podem exercer um poderoso efeito tóxico.
Em contraste, as concentrações elevadas de metais nos solos e nas rochas apresentam-se, na
sua maioria, como formas insolúveis e, como tal, a sua disponibilidade é baixa.

Na água os metais aparecem como misturas complexas e diversas de formas solúveis e


insolúveis. Eles podem estar presentes como espécies iónicas, complexos orgânicos e
inorgânicos e/ou associados com colóides e material particulado suspenso. A informação sobre
a concentração total dos metais dissolvidos é de valor limitado uma vez que o destino
ambiental e toxicidade das várias espécies metálicas difere de modo considerável e não
reflecte, necessariamente, a abundância geral do metal no corpo de água. Infelizmente, muitas
vezes apenas se conhece a concentração total do metal. Os problemas analíticos, associados
à especiação dos metais a muito baixas concentrações na água, são complexos e ainda não
foram completamente ultrapassados. Os compostos organometálicos na água variam em
complexidade desde simples complexos de aminoácidos até aos complexos formados com
substâncias húmicas. É frequente os compostos húmicos constituírem a forma predominante
de material orgânico dissolvido em águas naturais e podem de imediato formar complexos com
certos catiões metálicos. Com base em estudos empíricos, é possível organizar os metais, em
termos da sua tendência para formar complexos com elementos orgânicos, da seguinte forma:
Hg > Cu > Ni > Zn > Co > Mn > Cd > Pb

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Tal organização reflecte apenas uma tendência geral, mas é necessário ter presente que a
formação e estabilidade dos complexos organometálicos é muito afectada pela composição
química e pH da água.

O mercúrio forma associações estáveis com compostos húmicos de elevado peso molecular,
os quais servem como os principais veículos na transferência do Hg do meio terrestre para o
meio aquático e no movimento do metal dentro do corpo de água. A estabilidade destes
complexos, Hg - substâncias húmicas, parece ser independente do pH e da concentração
salina, o que está em contraste, por exemplo, com o comportamento do cobre. Na águas dos
rios a maioria do Cu (99%) está presente em complexos húmicos. Quando estas águas
atingem o mar e, portanto, a salinidade aumenta, a proporção de cobre associado a compostos
húmicos diminui rapidamente. Na água do mar predominam as espécies inorgânicas de cobre,
com especial incidência para o Cu(OH)2. Os complexos Cu - substâncias húmicas somam
apenas 10% do total do cobre presente.

Os hidróxidos metálicos são, em geral, a forma inorgânica predominante das espécies


metálicas em águas naturais e, devido à relação entre a solubilidade do hidróxido do metal e o
pH, a concentração do catião metálico é muitas vezes função do pH. As concentrações de
metais e a sua mobilidade aumentam com pH baixos (acídicos). Os rios transportam grandes
quantidades de metais para as águas costeiras, estando a maioria deles associados ao
material particulado em suspensão. Muitos destes metais depositam-se rapidamente quando
chegam aos estuários. O potencial impacto ambiental destas descargas depende do complexo
conjunto de interacções químicas e físicas que ocorrem, à medida que as águas dos rios
entram nos oceanos. A mobilização de poluentes associados com este material, as dragagens
de portos e os resíduos sólidos terrestres depositados no mar, constituem uma forte causa
para a contaminação por metais.

A mobilidade e a disponibilidade dos metais ligados aos sedimentos aumenta devido a quatro
factores:

1. Baixa de pH: o pH dos sedimentos pode baixar consideravelmente devido à oxidação


bacteriana do enxofre e do ferro ferroso. As reduções no pH serão mais marcadas nos
sedimentos que tenham uma pequena capacidade tampão. O aumento da acidez também
tem efeitos indesejáveis como a aceleração da metilação de determinados metais.
2. Aumento da concentração salina: a competição por locais de adsorção e a formação de
clorometais solúveis favorece a libertação dos metais.

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3. Presença de elevadas concentrações de agentes complexantes naturais ou sintéticos


restringe a mobilidade dos metais
4. Alteração das condições redox: sedimentos anóxicos, redutores, restringem a mobilidade
dos metais porque favorecem a formação de sulfitos insolúveis e estáveis.

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Tabela 3 - Concentrações base (ppm = mg / kg, peso seco) de elementos tóxicos em diversos compartimentos ambientais

Rochas
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Basalto Xisto argiloso Calcário Arenito Solo Água do mar Água doce Plantas Mamíferos Peixes
terrestres (músculo) marinhos
Ag 0,1 0,07 0,12 0,25 0,05 0.00004 0,0003 0,01-0,8 0,009-0,28 0,04-0,1
Al 87.600 88.000 9000 43.000 71.000 0,002 0,3 90-530 0,7-28 20
As 1,5 13 1 1 6 0,0037 0,0005 0,2-7 0,007-0,09 0,2-10
Cd 0,13 0,22 0,028 0,05 0,35 0,0001 0,0001 0,1-2,4 0,1-3,2 0,1-3
Co 35 19 0,1 0,3 8 0,00002 0,0002 0,005-1 0,005-1 0,006-0,05
Cr 90 90 11 35 70 0,0003 0,001 0,03-10 <0,002-0,84 0,03-2
Cu 90 39 5,5 30 30 0,0003 0,003 5-15 10 0,7-15
F 510 800 220 180 200 1,3 0,1 0,02-24 0,05 1400
Fe 56.000 48.000 17.000 29.000 40.000 0,002 0,5 70-700 180 9-98
Hg 0,012 0,012 0,18 0,29 0,06 0,0003 0,0001 0,005-0,02 0,02-0,7 0,4
Mn 1500 850 620 460 1000 0,0002 0,008 20-700 0,2-2,3 0,3-4,6
Mo 1 2,6 0,16 0,2 1,2 0,01 0,0005 0,06-3 0,02-0,07 1
Ni 150 68 7 9 50 0,00058 0,0005 1-5 1,2 0,1-4
Pb 3 23 5,7 10 35 0,00003 0,003 1-13 0,2-3,3 0,001-15
Se 0,05 0,5 0,03 0,01 0,4 0,0002 0,0002 0,03 0,4-1,9 0,2
Sn 1 6 0,5 0,5 4 0,000004 0,000009 0,2-2 0,01-2 -
U 0,43 3,7 2,2 0,45 2 0,0032 0,0004 0,005-0,04 0,001-0,003 0,04-0,08
V 250 130 45 20 90 0,0025 0,0005 0,001-0,5 0,002-0,02 0,3
Zn 100 120 20 30 90 0,005 0,015 20-400 240 9-80
Fonte: Adaptado de Freedman, 1989

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Toxicidade

Como na maior parte das situações toxicológicas, a dose recebida pelo organismo alvo não é
apenas função da concentração do produto tóxico no ambiente; também é função do período
de exposição. Portanto, em determinadas situações, uma exposição prolongada a uma baixa
concentração disponível de um elemento tóxico pode causar envenenamento. Muitas vezes
isto acontece devido a uma progressiva bioacumulação do elemento, até que a dose tóxica
seja atingida.
No ambiente aquático a toxicidade dos metais depende de vários factores:

Ião
Ião complexado
Inorgânica Solúvel Ião “sequestrado”
Molécula
Forma do metal
na água

Orgânica Particulada Coloidal


Precipitado
Adsorvido

Presença de outros Sinergia Mais-que-aditivo


metais ou venenos Nenhuma interacção Aditivo
Antagonismo Menos-que-aditivo

Factores ambientais Temperatura


(influências na pH
fisiologia dos Concentração de oxigénio dissolvido
organismos e Intensidade da luz
possível forma Salinidade
do metal na água)

Estádio da vida (ovo, larva, etc.)


Alterações no ciclo de vida (reprodução, muda do
exosesqueleto)
Idade e tamanho
Condição do Sexo
organismo Condições alimentares (bem / mal alimentado)
Actividade
Protecção adicional (ex. presença de carapaça ou concha)
Adaptação aos metais

Respostas Alteração do comportamento


comportamentais

Fonte: Adaptado de Libes, 1992

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Em particular, a especiação química do metal é importante, pois nem todas as formas são
igualmente tóxicas. Os complexos do metal com moléculas orgânicas geralmente são mais
tóxicos que os seus equivalentes inorgânicos e são também, de uma maneira geral, absorvidos
mais rapidamente pelos organismos. A especiação dos metais pesados é muito influenciada
pela concentração de ácidos húmicos. Na ausência deste ligando, os metais dissolvidos
formam complexos com ligandos inorgânicos. Alterações do pH, e consequentemente na
alcalinidade, também influenciam a especiação dos metais.

É frequente o mecanismo de toxicidade ser a disrupção de um sistema enzimático. Isto ocorre


quando os iões metálicos se ligam a uma enzima e modificam a sua configuração
tridimensional do que resulta a alteração, ou a perda, da sua função catalítica específica. Outro
mecanismo tóxico frequente é a danificação do DNA. Sintomas de danos no biota podem incluir
um quadro anormal no desenvolvimento, crescimento e morte. Estas situações podem ser
observadas a nível individual ou a nível da população, consoante existam ou não, diferenças
na susceptibilidade entre indivíduos e populações que podem ser de origem genética. Os
organismos bentónicos serão, por ventura, os mais afectados pelos metais existentes nos
sedimentos pois o benthos é o repositório final dos materiais particulados que, de alguma
forma, são transportados para os sistemas aquáticos. Áreas na proximidade de saídas de
esgoto, contêm muitas vezes elevadas concentrações de metais, particularmente se a linha de
esgoto é receptora de descargas de operações industriais que utilizem esses elementos. A
recuperação dos metais existentes nos seus efluentes, por parte das indústrias, é uma medida
que ajuda a minimizar a poluição das águas, mas muitas vezes esses sistemas de reciclagem
não existem ou são pouco efectivos. Sob condições apropriadas, os metais depositados nos
sedimentos podem ser lixiviados e continuar a contaminar a água do sistema e as cadeias
alimentares durante muitos anos, após as descargas terem terminado. Concluindo, o exame da
concentração de metais nos sedimentos, no material particulado em suspensão e no biota, dá
uma indicação mais correcta do nível de contaminação do sistema em causa do que a simples
determinação das concentrações dos metais dissolvidos.

A biomagnificação

Depois de inúmeras vezes se ter observado que as concentrações dos metais nos organismos
aquáticos são mais elevadas que as dos mesmos metais na água, levou a que se pusesse a
hipótese de que estes elementos se poderiam tornar progressivamente mais concentrados em
níveis tróficos elevados nas cadeias alimentares, devido a bioacumulação e biomagnificação.
Contudo, se para alguns metais a magnificação através da cadeia alimentar não parece colocar

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quaisquer dúvidas, para outros metais nem sempre este processo é muito claro e, por vezes
mesmo, aparecem evidências contraditórias. Como foi já referido anteriormente, organismos
diferentes reagem de forma diversa, em presença do mesmo agente agressor. Tal como no
caso dos pesticidas, os efeitos agressores podem ser produzidos por mecanismos diferentes,
nomeadamente pela absorção directa do poluente em solução na água e por diferenças no
equilíbrio do poluente entre a água e o organismo. Será, portanto, difícil dizer até que ponto o
aumento das concentrações em determinados organismos (como no fitoplâncton e no
zooplâncton) reflectem uma magnificação na cadeia alimentar ou apenas diferenças no
equilíbrio das trocas do metal, entre a água e o organismo. Além disso, a concentração dos
metais nos diversos organismos também difere nos órgãos onde o elemento se irá concentrar
(fígado, rins, etc.). Estas diferenças reflectem, em princípio, a tendência que os diversos metais
exibem para se ligarem a vários grupos moleculares existentes nas células, assim como o grau
de exposição do organismo. É, pois, importante estar consciente de que existem diferenças
significativas na toxicidade dos diversos metais e nos mecanismos através dos quais estes são
transferidos na biosfera.

Não seria viável, neste manual, descrever com detalhe os problemas causados por cada metal
nos ecossistemas, pelo que serão apenas analisados os três metais pesados mais tóxicos
(mercúrio, cádmio e chumbo) e um metalóide, para que não se fique com a ideia de que
apenas os primeiros causam problemas ambientais e de saúde. A tabela 4 enumera alguns dos
elementos-traço que com maior frequência estão presentes em ecossistemas aquáticos
naturais, indica as suas fontes mais prováveis e o significado da sua presença.

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Tabela 4 - Alguns elementos-traço importantes em águas naturais


Elemento Fontes Efeitos e significado
Arsénico Sub-produto de operações Tóxico, possivelmente
mineiras, pesticidas, desperdícios carcinogénico
químicos
Berílio Carvão, indústrias Toxicidade, possivelmente
carcinogénico
Cádmio Indústrias, mineração, metal Substitui bioquimicamente o zinco,
tóxico
Crómio Galvanização de metais, outras Possivelmente carcinogénico
como Cr (IV)
Cobre Galvanização de metais, resíduos Não muito tóxico para os animais,
industriais, mineração algas e plantas
Flúor (ião F -) Natural, industrial, aditivo nas Previne as cáries dentárias com
águas cerca de 1 mg/l, danos nos dentes
e ossos com cerca de 5 mg/l
Iodo (ião I -) Industrial, águas salgadas naturais, Previne o bócio
intrusão salina
Ferro Água com baixo pE em contacto Não muito tóxico, danifica juntas
com fontes de ferro, águas ácidas nas casas de banho e roupas por
das minas causa dos depósitos de óxido de
ferro
Chumbo Industrial, mineração, Tóxico, destruição da vida
combustíveis, canalizações selvagem
Manganésio Água com baixo pE em contacto Não muito tóxico, danifica as
com fontes de Mn, resíduos juntas nas casas de banho e
industriais roupas devido aos depósitos de
óxido de manganésio
Mercúrio Resíduos industriais, mineração, Toxicidade aguda e crónica
carvão
Molibdénio Resíduos industriais, fontes Essencial para as plantas, alguma
naturais toxicidade para os animais
Selénio Fontes geológicas naturais, carvão, Micronutriente essencial em níveis
enxofre baixos, tóxico em níveis altos
Prata Fontes geológicas naturais, Causa uma descoloração azul-
galvanização em processos acinzentada da pele, membranas
fotográficos mucosas, olhos
Zinco Resíduos industriais, galvanização Elemento essencial, fitotóxico em
de metais, canalizações níveis elevados

Fonte: Adaptado de Manahan, 1993

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