Fernanda Ramos Pereira 2022

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Assistência Social e a População em


Situação de Rua: desafios da gestão do
SUAS para efetivar direitos durante a
pandemia da Covid-19 no Amazonas

Fernanda Ramos Pereira

'10.37885/220709586
RESUMO

Durante a pandemia da Covid-19, uma das principais preocupações dos gestores e traba-
lhadores do SUAS, tem sido garantir proteção social aos segmentos mais vulnerabilizados
da população, que utiliza a rua como meio de moradia e sustento. Para além de toda a
complexidade que envolve o segmento de rua, os gestores do SUAS têm buscado superar
as inúmeras dificuldades para a manutenção da rede de serviços do SUAS, que desde 2017
passa por um processo de desfinanciamento, com redução contínua no orçamento, o que
compromete a oferta de serviços da Proteção Social Básica e Especial nos equipamentos
do CRAS, CREAS, Centro POP e nos acolhimentos institucionais. Os sucessivos cortes
nos orçamentos das políticas sociais se intensificaram a partir da aprovação da Emenda
Constitucional no 95/2016, que impôs o limite do teto dos gastos públicos, acelerando o
desmonte do Sistema de Proteção Social brasileiro. Diante disso, a pandemia da Covid-19
surge no país em um cenário de crise econômica e política, acentuando cada vez mais as
desigualdades sociais. Espera-se, com este trabalho, suscitar a reflexão sobre os principais
desafios da gestão do SUAS, para a efetivação dos direitos diante de um contexto de crise
sanitária e econômica e, com grandes repercussões no campo da proteção social brasileira.

Palavras- chave: Assistência Social, População em Situação de rua, Pande-


mia, Gestão do SUAS.
INTRODUÇÃO

O estado do Amazonas possui uma população estimada de 4.207.714 (IBGE, 2020).


Com seus 62 municípios, abriga cerca de 896 mil indígenas, a maior população indígena
do país, conforme o Censo de 2010.
Assim como os demais estados da federação, o Amazonas apresenta inúmeros con-
trastes sociais, embora sua capital, Manaus, represente o sexto maior Produto Interno Bruto
(PIB) das cidades brasileiras, com cerca de 73 bilhões (2019).
Segundo dados do Relatório de Informações Sociais (Ministério de Cidadania, 2020),
677.999 famílias estão inseridas no Cadastro Único e apenas 382.107 são beneficiárias do
Programa Bolsa Família.
Conforme dados do último Censo de 2010, o estado do Amazonas registrou 652.763
mil pessoas em situação de pobreza extrema, ou seja, um público potencial para a política
de assistência social. Dentre este segmento, encontram-se os indivíduos que vivem em
situação de rua, principalmente na capital, Manaus.
Durante a pandemia da Covid-19, um dos principais questionamentos dos gestores e
trabalhadores do SUAS foi: como garantir proteção e isolamento social para um segmento
que usa a rua como moradia e sustento? A população em situação de rua é considerada
aquela que apresenta pobreza extrema, perda de vínculos familiares, não possui residência
e utiliza os espaços públicos como moradia e sustento.
A população em situação de rua é equivocadamente denominada pelo Estado e socie-
dade, como sujeitos “invisíveis”. Esta é uma afirmação refutada por gestores e trabalhadores
do SUAS que lidam com este segmento no cotidiano profissional e, conhecem muito bem
suas necessidades e reais condições de vida e sobrevivência.
Sabe-se que esta falsa invisibilidade retrata a negligência do Estado brasileiro há dé-
cadas em não promover pesquisas, que possam traçar o perfil demográfico da população
de rua e desobrigá-lo de implantar políticas públicas e sociais.
Neste sentido, se faz necessário que as diretrizes da Política Nacional da População em
Situação de Rua, instituída em 2009, sejam colocadas em prática pela agenda governamental.
O presente artigo possui o propósito de apresentar e refletir sobre os principais de-
safios da gestão do SUAS, para efetivar os direitos da população em situação de rua no
Amazonas, no contexto de crise sanitária, econômica e de permanentes ataques ao Sistema
de Proteção Social brasileiro.

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Políticas públicas para a População de Rua no Brasil: uma década de poucos avanços

A Constituição Federal de 1988 representa um marco na conquista dos direitos so-


ciais no país. No entanto, quando nos referimos aos direitos e garantias da população em
situação de rua, podemos afirmar que nos últimos anos foram conquistas morosas para este
segmento da população considerado de extrema vulnerabilidade.
A Carta Magna, nos artigos 203 e 204, garante o direito à assistência social a quem
dela necessitar, independente de contribuição. Neste sentido, a Assistência Social como
política de Seguridade Social visa assegurar o acesso amplo, simplificado e
seguro aos serviços e programas que integram as diversas políticas públicas, garantindo
assim, além da igualdade e equidade, o respeito à dignidade da pessoa humana; atendimento
humanizado; valorização e respeito à vida e à cidadania, dentre outros.
Segundo o Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR), as sucessi-
vas chacinas contra os “moradores de rua”, e principalmente a chacina que ocorreu na Praça
da Sé, em São Paulo, em 2004, contribuiu para chamar a atenção da sociedade e do poder
público sobre as diversas violações de direitos humanos cometidas contra o povo da rua.
Sendo assim, com apoio do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis
(MNCR), em setembro de 2005, foi realizado, em Brasília, o I Encontro Nacional de População
em Situação de Rua. O evento possibilitou ampla discussão sobre diferentes pautas ligadas
às demandas e necessidades deste segmento e a elaboração de um conjunto de reivindi-
cações, que posteriormente foram encaminhadas aos representantes do governo federal e
usadas como subsídios na elaboração de políticas públicas na área.
Como desdobramento do I Encontro Nacional, foi aprovada a Lei nº 11.258/2005, que
alterou o Parágrafo Único do artigo 23, da Lei no 8.742/1993, Lei Orgânica de Assistência
Social (LOAS), garantindo a criação de programas e serviços a este público numa perspec-
tiva intersetorial.
Em 2005 foi criado o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), cujo modelo de
gestão é público, descentralizado, participativo, que tem o objetivo de organizar, em todo
território nacional, as ações da Política de Assistência Social, de acordo com a obrigação de
cada ente federativo. O SUAS organiza as ações da Assistência Social por meio da Proteção
Social Básica e Especial; o acesso aos serviços, programas, benefícios se dá principalmente
através do Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) e do Centro de Referência
Especializado da Assistência Social (CREAS), disponíveis em todo território nacional.
Em 2009, foi aprovada a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais por meio
da Resolução CNAS no 109/2009, um dos grandes avanços da política de assistência social;
fruto de inúmeros debates realizados no âmbito do controle social do SUAS. A tipificação

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vem assegurar e orientar um conjunto de serviços socioassistenciais relacionados à proteção
social básica e especial, tendo como público- alvo também as pessoas em situação de rua.
Em dezembro de 2009, a Política Nacional para a População em Situação de Rua
(PNPSR), regulamentada pelo Decreto no 7.053/2009, foi promulgada com o objetivo de
garantir serviços e programas no campo da saúde, educação, previdência, assistência so-
cial, moradia, segurança pública, cultura, esporte, lazer, trabalho e renda. Seu texto legal
aprova a criação do Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da PNPSR
em cada estado da federação.
Em relação às políticas de saúde voltadas para a população em situação de rua, so-
mente em 2011 foi instituída a Política Nacional de Atenção Básica por meio da Portaria no
122, de janeiro de 2011, que as definiu as diretrizes da organização e funcionamento das
equipes de Consultório na Rua, considerado um serviço itinerante, multidisciplinar que visa
ampliar o acesso deste segmento aos serviços de saúde, numa perspectiva de integralidade.
O Sistema Único de Saúde (SUS) caracteriza-se como fundamental para a promoção
dos direitos da população em situação de rua. Conquistado na Constituição Federal de 1988
e regulamentado em 1990, por meio da Lei no 8.080, o SUS é uma das maiores conquistas
do povo brasileiro por ser um sistema público, descentralizado, participativo e que tem como
princípios norteadores, a universalidade, integralidade e a equidade. Mesmo com seus inú-
meros problemas de gestão, operacionalização e financiamento, o sistema nos últimos 30
anos tem garantido a cobertura de quase 90% da população brasileira e cada vez mais se
consolida como um dos principais modelos de saúde para o resto do mundo.
É importante mencionar que o Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) foi
fundamental para o reconhecimento de direitos da população em situação de rua. Atualmente,
ele é considerado um movimento atuante, politizado, e se faz presente nos comitês, comis-
sões e conselhos para a elaboração de políticas públicas.
Apesar das garantias afirmadas na PNPSR, o que observamos nos últimos anos foram
conquistas morosas, em todas as áreas, principalmente no acesso ao direito à moradia. A am-
pla mobilização dos movimentos sociais, principalmente do Movimento Nacional de Pessoas
em Situação de Rua, juntamente com as instâncias de controle social (comitês e conselhos
locais) será fundamental, para fazer a pressão social necessária em todos entes federados,
em busca da manutenção e ampliação de suas conquistas já bem delineadas na PNPSR.

Caracterizando a população em situação de rua no Brasil e no Amazonas

Conforme o artigo 1º da PNPSR (2009), a população em situação de rua é um grupo


populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares
interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular. Trata-se de

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uma população que utiliza logradouros públicos e áreas degradadas como espaço de moradia
e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento
para pernoite temporário ou como moradia provisória.
A última pesquisa nacional de contagem da população em situação de rua foi realiza-
da em 2008 pelo Ministério de Desenvolvimento Social (MDS), em 71 cidades, com 32 mil
pessoas acima de 18 anos. Os principais resultados encontrados foram: a população em
situação de rua em sua maioria é predominante do sexo masculino (82%); negros (67%);
jovens (43,21%); tem baixa escolaridade, sendo 17,1% analfabetos; apresentam tempo
médio na rua há mais de 2 anos (48,4%). Os principais motivos que levam esta população
a escolher o espaço da rua como moradia e sobrevivência são: problemas com álcool e
drogas (35,5%); desemprego (29,8%); conflitos familiares (29,1%); não possuem vínculos
familiares (51,9%); e há, ainda, os que possuem familiares residentes na mesma cidade,
mas não mantém nenhum contato (38,9%).
Em relação às formas de sobrevivência desta população, a pesquisa de 2008 mostrou
que a maioria trabalha (70,9%) ou exerce alguma atividade remunerada (58,9%). Outro dado
importante é que 30% da população entrevistada disseram ter algum problema de saúde e
24,8% afirmaram não possuir nenhuma documentação civil. Se compararmos os dados da
pesquisa nacional de 2008 com os resultados da pesquisa recente sobre a População em
Situação de Rua de 2019, realizada pela Prefeitura de São Paulo em parceria com a Fundação
Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), notamos algumas similaridades entre ambas.
A pesquisa de São Paulo mostrou que a maioria da população entrevistada pertence
ao sexo masculino (86%) e a faixa etária predominante está entre 18 e 59 anos (89%); são
predominantemente pretos e pardos (68%). Em relação aos motivos principais que levaram
esta população a morar nas ruas da capital paulista, destacam-se conflitos familiares (40%);
dependência química (33%); desemprego (23%) e perda de moradia (13%).
O Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), realizou recentemente uma
estimativa da população em situação de rua no Brasil e identificou que no período de se-
tembro/2012 a março/2020, esta população cresceu em torno de 140%, ou seja, passou de
92.515 para 221.869. A estimativa foi feita por meio de modelo estatístico desenvolvido por
Natalino (2020), usando os dados do Cadastro Único, Censo SUAS, Registro Mensal de
Atendimento (RMA) e IBGE de 2015.
Na Figura 1, agrupamos por região, os dados do IPEA (2020), sobre a estimativa da
população em situação de rua do país, entre 2012 e 2020. Observa-se uma concentração
deste segmento principalmente na região sudeste.

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Figura 1. Estimativa da População em Situação de Rua no Brasil por Regiões.

Trazendo para a nossa realidade, no estado do Amazonas, ainda não sabemos precisar
o número de pessoas vivendo em situação de rua. É urgente que a gestão do SUAS priorize
em seu planejamento anual a realização de pesquisas e diagnósticos sobre a população de
rua, em vários territórios do estado do Amazonas.
Segundo dados do Cadastro Único, entre os anos de 2016 e 2018, em todo o Amazonas
foram acompanhadas 5.907 pessoas em situação de rua pelo Centro Pop. Somente Manaus
teve um volume de 4.909 atendimentos(83,12%), sendo 90,66% do
sexo masculino e 9,34%, apenas, do sexo feminino. Sobre o perfil da população aten-
dida, 3.640 (70,11% ) são adultas usuárias de crack e outras drogas; 1.484 (28%) são mi-
grantes e 68 (1,31%) são pessoas que apresentam alguma doença ou transtorno mental.
Quanto ao perfil etário e sexo da população atendida, 552 (9,34%) são do sexo feminino e
5.335 (90,66%), do sexo masculino.
Em março de 2020, após consulta realizada no Cadastro Único, foi observado que no
estado do Amazonas há 776 famílias em situação de rua, totalizando 945 indivíduos nessa
situação. Contestando esse dado, a Pastoral do Povo da Rua, da arquidiocese de Manaus,
afirma empiricamente que existem aproximadamente duas mil pessoas em situação de rua
na capital amazonense. O cadastro revelou também que pelo menos 857 pessoas estão
concentradas em Manaus, ou seja, o equivalente a 90% da população em situação de rua
atendida em todo o Amazonas.
Os dados acima expressam um perfil superficial da População em Situação de Rua do
estado e, em particular da cidade de Manaus. Não foi possível precisar como esta popula-
ção está distribuída nos demais 61 municípios do Amazonas. Isso comprova a necessidade

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urgente dos gestores em implantar/implementar a vigilância socioassistencial nos municípios
e do governo local em financiar pesquisas e estudos que retratem as reais condições de vida
e sobrevivência deste segmento considerado extremamente vulnerável.
É importante conhecer a realidade da população de rua de forma mais ampla: histó-
rico familiar antes de ingressarem às ruas; tempo de rompimento dos vínculos familiares;
tempo de rua; se costumam fazer uso da rede socioassistencial do SUAS e demais políticas
públicas; suas condições de saúde; o que fazem para sobreviver na capital e no interior do
estado; sua composição por raça/etnia; se estão inseridos no Cadastro Único; se recebem
benefício/aposentadoria; se possuem documentação civil e se são egressos do sistema
prisional. Esses são alguns dos elementos principais que podem contemplar as próximas
pesquisas censitárias ou diagnósticos sobre esta população.

Assistência Social e a População em Situação de Rua: os desafios da gestão do SUAS


para efetivar direitos durante a pandemia da Covid-19 no Amazonas

No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou que


estava em curso uma pandemia um novo agente do Coronavírus (COVID-19), doença que
naquela data já afetava mais de 100 países, dentre eles, o Brasil. Segundo ainda a OMS,
o modo de transmissão acontece a partir de secreções respiratórias de uma pessoa in-
fectada, bem como pela tosse, no contato próximo de pessoa a pessoa; os sintomas são,
especialmente, os de ordem respiratória, podendo o paciente apresentar febre, tosse e
dificuldade para respirar.
Em maio de 2020, conforme registros da Organização Mundial de Saúde, o Brasil já
era o país latino americano com maior registro de infecção por Coronavírus. Estava em
terceiro lugar no ranking mundial do número de pessoas infectadas, depois apenas dos
Estados Unidos e Índia, e em segundo lugar no número de mortes, ficando atrás apenas
dos Estados Unidos.
O Amazonas é um dos estados da Federação mais castigados pela pandemia da
Covid-19. Em 24 de abril de 2020, o Amazonas apresentava 2.888 casos e 234 mor-
tes. Em outubro de 2020, o estado já registrava 151.186 casos e 4.325 mortes, segundo
dados da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-AM).
Paralelo a este quadro de pandemia, o Brasil ainda vive os reflexos de uma crise
econômica mundial iniciada em 2008, e agravada a partir de 2016, com o impedimento da
ex.Presidente Dilma Rousseff. Com uma das piores taxas de desemprego dos últimos anos,
chegando a 14,4%, o país convive com aproximadamente 14 milhões de desempregados e
aproximadamente 40 milhões de trabalhadores na informalidade, o que tem provocado um
aumento das taxas de pobreza extrema e maior demanda por Assistência Social.

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Sabe-se que o efeito da crise sanitária é mais intensa entre as camadas mais pobres da
população, aquela que sobrevive da informalidade, com baixa escolaridade, com os piores
rendimentos, oriunda das periferias e predominantemente negra.
Desde o início da pandemia, uma das principais preocupações dos gestores e traba-
lhadores do SUAS se voltava à população em situação de rua. O seguinte questionamento
pairava sobre a gestão: como adotar medidas de prevenção e isolamento social para uma
população que usa a rua como espaço de moradia e sustento.
Durante toda a pandemia da Covid-19, tanto a sociedade quanto o Estado se dirigiam
a este segmento como os “invisíveis da sociedade”. Importante deixar claro que os segmen-
tos mais vulnerabilizados da população, que aos olhos do Estado brasileiro são invisíveis,
porque não entram na contabilidade do Censo do IBGE, mas, são usuários permanentes
dos serviços do SUAS.
As políticas sociais no capitalismo são desdobramentos e até respostas e formas de
enfrentamento às expressões multifacetadas da questão social, cuja raiz encontra-se nas
relações de exploração do capital sobre o trabalho (NETTO, 1992). Neste sentido, as políti-
cas sociais são consideradas um conjunto de estratégias políticas, elaboradas pelo Estado,
para o enfrentamento às desigualdades sociais. Para Pedro Demo (2007), a política social
autêntica é aquela que possibilita a redistribuição de renda e poder, sendo ao mesmo tempo
preventiva e equalizadora de oportunidades.
Neste sentido, a Assistência Social, sendo ela política pública de Seguridade Social,
não será suficiente para o enfrentamento das desigualdades sociais. Por isso a importância
da integração das políticas públicas e sociais.
A falta de prioridade do poder público nos últimos anos em efetivar políticas públicas
para o segmento de rua, levou os principais órgãos federais, como a Defensoria Pública
da União (DPU), Ministério Público Federal (MPF) e Ministério Público do Trabalho (MPT),
no início da pandemia do Coronavírus, a determinarem aos órgãos locais, um conjunto de
ações intersetoriais, tendo em vista garantir a proteção social do segmento de rua.
Dentre as exigências solicitadas à gestão estadual e municipal estavam: 1) implantação
de medidas de abrigamento emergencial para grupos de risco; 2) criação de espaços de
isolamento social para pessoas de rua infectadas com o Coronavírus; 3) garantia da oferta
dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), materiais para higienização para trabalha-
dores e usuários; 4) garantia da oferta diária do serviço de higienização e alimentação para
as pessoas em situação de rua; 5) realização de vacinação contra a gripe para pessoas
acima de 60 anos e trabalhadores; 6) instalação de pontos de água potável para os usuários;
7) disponibilidade de banheiros públicos próximos aos locais de abrigamento provisório.

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A seguir, discutiremos os principais desafios enfrentados pela gestão do SUAS para
efetivar direitos da população em situação de rua, num contexto de crise sanitária e econô-
mica, com duros ataques ao sistema de proteção social brasileiro.

a) O desafio de garantir isolamento social para uma população que utiliza a rua como
meio de moradia e sustento.

Durante a pandemia do Coronavírus, a população de rua trouxe inúmeros desafios aos


gestores e trabalhadores do SUAS, por conta de toda complexidade que envolve este seg-
mento, composição heterogênea e o enorme desafio em garantir isolamento, distanciamento
social e higiene, principalmente, aspectos muito distantes da realidade e condições desse
grupo populacional. O apoio da rede socioassistencial do SUAS e do SUS foi fundamental
para socializar o máximo de informações junto aos usuários. Uma programação foi elaborada
com o apoio dos profissionais de Saúde e trabalhadores da rede complementar do SUAS,
por meio das Organizações da Sociedade Civil (OSC), para divulgação e orientação das
medidas de prevenção e cuidados.
Um dado importante observado foi a dificuldade que a equipe técnica teve em realizar
o cadastro social desta população, uma vez que muitos usuários são egressos do siste-
ma prisional e acabavam omitindo informações importantes como nome completo, RG e
CPF. Outra dificuldade observada relacionou-se ao cadastro do Auxílio Emergencial, do
Governo Federal. Mais de 50% da população acolhida nos dois abrigos emergenciais não
possuíam documentação civil, o que dificultou o acesso imediato ao auxílio. O apoio da
Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos (SEJUSC) foi fundamental para emissão
da documentação civil. A secretaria também disponibilizou computadores e telefones para
acessos ao cadastro.

b) O desafio da intersetorialidade do SUAS junto às demais políticas públicas

O SUAS completou recentemente 15 anos de implantação. Ele é responsável por


organizar a Assistência Social nos três níveis de governo e garantir por meio de um con-
junto de serviços, benefícios e programas, a proteção social não contributiva no âmbito da
seguridade social.
O SUAS tem como princípios organizativos, a gratuidade, a integralidade, a equidade e
a intersetorialidade, que permitem a integração e articulação da rede socioassistencial com
as demais políticas e órgãos setoriais(NOB-2012).
Durante o trabalho junto à população de rua, observamos, de imediato, que este seg-
mento é caracterizado por inúmeros agravos e doenças como: doenças de pele, tuberculose,
doenças crônicas, dependência química, Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs),

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AIDS, gravidez de alto risco e doenças bucais, o que nos exigiu uma ampla articulação com
toda a rede pública de saúde em todos os níveis de complexidade.
Havia uma permanente negligência das equipes que atuavam no serviço de emergência
do SAMU, pois quando acionadas pelas equipes técnicas, não priorizavam as solicitações
dos abrigos emergenciais. Esses episódios contínuos nos levaram a comprovar que esta
população sofre um enorme preconceito e discriminação por parte dos agentes públicos e
pela sociedade de modo geral.
Esta situação obrigou a Secretaria Estadual de Saúde (SUSAM) a disponibilizar o ser-
viço de ambulância com equipe técnica, em horário integral, para a atender as demandas
dos dois abrigos emergenciais.
No epicentro da pandemia, nos deparamos com uma rede pública de Saúde insuficiente
e precária, pois não havia leitos suficientes, somados a um déficit de profissionais do SUS
na área da saúde mental e nas equipes do Consultório de Rua.
As equipes dos Consultórios de Rua são organizadas de acordo com as modalida-
des I, II e III. Em fevereiro de 2015, havia em todo país 133 equipes e, em fevereiro/2020,
esse quantitativo passou para 191 equipes. Apenas cinco estados da Federação contam
com 10 ou mais equipes de Consultório na Rua. No estado do Amazonas existem duas
equipes de Consultório de Rua, sendo uma na capital Manaus e uma no município de
Manacapuru, na Região Metropolitana de Manaus. Os dados indicam a necessidade urgente
dos governos ampliarem a rede de serviços no SUS voltados ao segmento da População
de Rua em todo país.
No campo da Assistência Social, o quadro não é muito diferente. Apesar dos avanços
neste campo, ainda há inúmeros desafios a serem enfrentados pelos entes federados na
promoção dos direitos das pessoas em situação de rua. Na Figura 2 é possível visualizar o
número reduzido de unidade de CREAS e Centro-POP considerados serviços específicos
para a população de Rua.

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Figura 2. Número de Equipamentos do SUAS no Amazonas.

Fonte: Ministério de Cidadania/CadSUAS, janeiro de 2022.

c) O desafio em manter e ampliar os serviços no contexto de desfinanciamento do


SUAS

Um dos eixos estruturantes do SUAS é o financiamento partilhado entre os entes fe-


derados, viabilizado por meio de transferências obrigatórias, regulares e automáticas entre
os fundos de assistência social.
Um dos grandes desafios dos gestores do SUAS na atualidade tem sido a manutenção
da Rede SUAS instalada, diante de um contexto de redução do gasto público, consequência
da EC no 95/2016. O descaso do governo federal com o SUAS vem se ocorrendo desde 2017,
por meio do congelamento e redução contínua dos recursos para manutenção dos serviços
socioassistenciais do SUAS. Antes mesmo da pandemia já havia uma grande dificuldade
dos gestores municipais em manter a rede instalada do SUAS, situação que se agravou
durante a pandemia, devido ao aumento da demanda de serviços, benefícios e programas.
Como sabemos, boa parte dos municípios brasileiros depende exclusivamente dos re-
cursos federais para manutenção da rede do SUAS. O não cumprimento do repasse mensal
por parte do governo federal vem comprometendo a oferta dos serviços da proteção social
básica e especial, principalmente nos municípios de pequeno porte.
O desfinanciamento do SUAS é uma ameaça ao Sistema de Seguridade brasileiro,
pois desde que foi instituído, em 2005, o Sistema dispõe de mais de oito mil CRAS; mais de
2.700 CREAS; mais de 200 Centros POP e mais de seis mil vagas em abrigos para crianças/
adolescentes, adultos, mulheres, idosos e deficientes.
A situação do SUAS não é mais dramática porque o Controle Social tem feito incidência
política junto ao Senado e Câmara Federais para a recomposição orçamentária do SUAS.

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Importante destacar o papel de liderança do CONGEMAS e sua articulação com o FONSEAS,
CNAS, Frente Nacional em Defesa do SUAS, Frente Parlamentar em Defesa do SUAS,
FNTSUAS e FNUSUAS, na luta em defesa do SUAS, do cumprimento do pacto federativo
e pela manutenção de um dos principais sistemas de proteção social da América Latina.
Os ataques ao SUAS na sua base orçamentária foi mais incisiva em 2018, quando a
Assistência Social sofreu um corte de 50% na Proposta de Lei Orçamentária Anual 2019,
comprometendo a cobertura dos serviços, benefícios e programas do SUAS. Havia uma
previsão orçamentária na ordem de R$ 61,136 bilhões, mas foram disponibilizados ape-
nas R$ 30,899 bilhões, ou seja, praticamente metade do montante previsto.
Durante todo ano de 2019 foram realizadas várias mobilizações e audiências públicas
na Câmara e Senado para a recomposição orçamentária do sistema. Após muita luta, em
dezembro de 2019 ocorreu a liberação de um crédito suplementar no valor de R$ 938 milhões
para a manutenção dos serviços do SUAS. Em 2019, o CNAS aprovou o orçamento para
2020 no valor R$ 2,7 bilhões, para a manutenção dos serviços socioassistenciais. No entanto,
foram disponibilizados apenas R$ 1,3 bilhão.
No início de 2020, o Ministério de Cidadania surpreendeu os gestores do SUAS redu-
zindo em 40% o valor de repasses das parcelas mensais para a manutenção dos serviços
do SUAS, com a justifica de “equalizar” o financiamento do sistema. Com o advento da pan-
demia no país e o aumento expressivo da demanda por benefícios eventuais, acolhimentos
e EPIs, a situação da rede de serviços ficou dramática.
Em abril de 2020, o Ministério de Cidadania liberou, por meio da Portaria no 369/2020, o
montante de R$ 2.5 bilhões para Ações do Covid-19 no SUAS relacionadas ao acolhimento,
alimentos e Equipamentos de Segurança Individual (EPIs). No entanto, os repasses mensais
obrigatórios não foram efetuados.
Em relação ao Amazonas, os 62 municípios do estado do Amazonas receberam
o total de R$ 41,3 milhões para manutenção dos serviços da Proteção Social Básica e
Especial. Os maiores repasses foram para cofinanciar o serviço de acolhimento institucional
(aquisição de alimentos e EPIs) e os serviços da proteção social, devido à elevada demanda
por benefícios eventuais (cestas básicas e auxílio funeral).
Em contrapartida, a gestão estadual da SEAS recebeu via transferência fundo a fundo
do governo federal, nos meses de abril e maio de 2020, apenas R$ 129.600,00 para manu-
tenção de um abrigo para migrantes venezuelanos, dois abrigos emergenciais de população
de rua e R$ 9.450,00 para compra de EPIs para as equipes técnicas.
É importante ressaltar que o custo do SUAS no Amazonas é bastante elevado devido
ao fator amazônico. Vale ressaltar que o governo federal ainda não conseguiu propor critérios
de partilha diferenciados para os estados da região amazônica.

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Durante a pandemia da Covid-19, alguns municípios amazonenses como: Tabatinga,
São Gabriel da Cachoeira e Barcelos que concentram um grande contingente indígena,
acabaram demandando aos entes federados, maiores esforços para conterem o avan-
ço do Coronavírus.
A situação de São Gabriel da Cachoeira é bem peculiar, pois o município, localizado
no alto rio Negro, concentra 90% da população indígena do estado e em maio de 2020 re-
gistrou 741 casos e 21 mortes (FVS). Com uma rede de serviços do SUAS ainda bastante
insuficiente, dispõe apenas de um CRAS, um CREAS e um Acolhimento institucional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Política Nacional para a População em Situação de Rua (Decreto no 7.053/2009)


possibilitou a criação de serviços específicos voltados para este segmento considerado de
extrema vulnerabilidade. No entanto, mesmo sendo considerada uma conquista, a PNPSR
ainda apresenta várias lacunas, pois muitas das suas diretrizes não foram efetivadas pelos
governos, por vários fatores de ordem política, econômica e social.
Percebemos que a pandemia do novo Coronavírus veio escancarar as desigualdades
sociais no país e desnudar a ideia de invisibilidade que permeia a População de rua. É sabido
que o estado do Amazonas foi bastante castigado pela Covid-19 e as lições que os gestores
públicos precisam tirar desta catástrofe mundial é a urgência do Estado brasileiro em garantir
um Sistema de Proteção Social mais efetivo, que alcance principalmente as populações mais
vulneráveis, pois, como vimos, a pandemia castigou severamente as classes populares.
É fundamental que o poder público do estado do Amazonas avance na oferta de
Políticas Públicas para a População de Rua, pois é inaceitável que o SUS e o SUAS dispo-
nham apenas de três Centros POP e de duas equipes de Consultório de Rua.
A experiência na gestão do SUAS nos possibilitou enxergar a importância da articulação
da rede pública do SUAS junto ao SUS, às entidades da Assistência Social e às instituições
filantrópicas/religiosas, no apoio às medidas de isolamento social. Após a determinação do
MPF, DPU e MPT que solicitou aos órgãos públicos medidas emergenciais de proteção e
isolamento social, o trabalho em parceria com a Prefeitura de Manaus e as entidades foi
fundamental para conter o avanço do Coronavírus entre a população de Rua.
Ressaltamos a necessidade dos gestores locais em realizar pesquisas e diagnósticos
sobre a população em situação de rua nos diferentes territórios do Amazonas, tendo em vista
mapear suas demandas e necessidades para subsídio das futuras ações governamentais.
Compreendemos que garantir os serviços do SUAS é de fundamental importância para
promover o direito à acolhida, ao convívio, à autonomia dos sujeitos, numa perspectiva de
integração dos serviços aos benefícios e às demais políticas públicas. Por isso, não basta

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apenas cadastrar, abrigar e alimentar o povo da rua; é necessário garantir renda, saúde,
trabalho, educação e principalmente o acesso à moradia digna.
Por fim, precisamos reafirmar a defesa do Sistema Único de Assistência Social (SUAS),
em tempos de duros ataques ao Sistema de Seguridade Social brasileiro, por parte de um
governo ultraneoliberal, que privilegia os investimentos financeiros em detrimento das polí-
ticas sociais. É inaceitável que o governo Bolsonaro se recuse a repassar anualmente 2,7
bilhões de reias, para a manutenção dos serviços do SUAS e privilegie aos bancos privados
com um “socorro” de 1 trilhão de reais. Portanto, faz-se urgente a mobilização das bancadas
parlamentares estadual e federal, fóruns de trabalhadores, usuários, movimentos sociais,
colegiados de gestores, para a luta em defesa de um dos maiores Sistemas de Proteção
Social da América Latina.

REFERÊNCIAS
1. Demo.Pedro. Política Social, Educação e Cidadania. Papirus. Campinas, SP. 1994.

2. Fundação Vigilância em Saúde do Amazonas. Painel de monitoramento do COVID-19.


Disponível no endereço: http://saude.am.gov.br/painel/corona/.

3. Instituto de Pesquisas Aplicadas. IPEA. Nota Técnica no 73, junho/2020. Estimativa


População em situação de Rua no Brasil.

4. Instituto de Pesquisas Aplicadas. IPEA. Nota Técnica no 74, junho/2020. População


em Situação de Rua em Tempos de Pandemia: Um Levantamento de Medidas Muni-
cipais Emergenciais.

5. NETTO, José Paulo. Capitalismo monopolista e Serviço Social. São Paulo: Cortez,
1992.

6. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde(SAPS). Pesquisa


realizada em 14 de outubro de 2020. Disponível em https://aps.saude.gov.br/ape/
consultoriorua/.

7. Ministério de Cidadania. Relatório de Programas e Ações. Consulta realizada em


outubro/2020. disponível em <www. aplicacoes.mds.gov.br>

8. Ministério de Desenvolvimento Social e Agrário. Caderno de Orientações Técnicas


sobre os gastos no pagamento dos profissionais das equipes de referência do
SUAS.1ª ed. Brasília, 2016.

9. Natalino, Marco. Estimativa da População em situação de rua no Brasil. IPEA, 2020.

10. BRASIL, Decreto no 7.053 de 23 de dezembro de 2009. Presidência da Casa Civil.


Brasília, DF, 23/dez/2009.

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