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TERAPÊUTICO
ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO
SUMÁRIO
REFERÊNCIAS
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ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO
Para Isabel Castelo Branco, AT do Espaço Holos, este profissional ―atua como
suporte quer seja ambulatorialmente, quer seja durante a internação, em conjunto
com uma equipe multidisciplinar, propiciando condições favoráveis para que o
paciente se sinta confiante em dar novos passos, em transpor barreiras, alargando o
seu repertório de convívio em sociedade e reintegrando-o gradativamente a ela”. O
objetivo maior é ajudar a resgatar aspectos saudáveis de sua vida, que podem ter
sido prejudicados no curso da doença.
Entendendo o papel do Acompanhante Terapêutico
O Projeto Terapêutico
Segundo Isabel Castelo Branco, “se trata de dispender tempo junto ao paciente em
atividades que o auxiliem no resgate de sua funcionalidade enquanto cidadão,
levando à construção de um projeto de vida e reconstruindo sua rotina;
reestruturando sua relação com o mundo; redescobrindo interesses pessoais;
permitindo que crie e alcance metas que viabilizem compartilhar experiências e
objetivos com grupos sociais aos quais deseje estar inserido”.
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ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO
Retomando a fórmula freudiana Wo Es war, soll Ich werden, Lacan situa o lugar do
sujeito: lá onde isso estava, lá, como sujeito, devo [eu] advir. Ao incluir o objeto da
falta como determinante do sujeito, o cogito só tem sentido na medida que se vincula
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ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO
É nesta perspectiva que Lacan evidencia que quanto ao sujeito não se trata de um
fenômeno e sim de algo que é estrutural, um sujeito marcado pela linguagem,
articulado à cadeia dos significantes, sendo no ato da fala que ele pode surgir, o que
fica claro quando ele se pergunta no Seminário 5: As formações do
inconsciente (1957-58):
"O que é um sujeito? Será alguma coisa que se confunde, pura e simplesmente,
com a realidade individual que está diante de seus olhos quando vocês dizem o
sujeito? Ou será que, a partir do momento em que vocês o fazem falar, isso implica
necessariamente uma outra coisa? (… ) quando há um sujeito falante, não há como
reduzir a um outro, simplesmente, a questão de suas relações como alguém que
fala, mas há sempre um terceiro, o grande Outro, que é constitutivo da posição do
sujeito enquanto alguém que fala." (LACAN, 1957-58/1999, p.186)
É a partir da fala e do modo como esta é endereçada ao outro que podemos escutar
e identificar o sujeito e, na medida que o sujeito é falante, sua relação com o outro
não se fecha numa relação dual, já que inclui um terceiro, o grande Outro 1 que
constitui a posição do sujeito enquanto falante. É a relação do sujeito com o Outro
que nos oferece o caminho para investigar o que é específico do sujeito na psicose,
o que pretendemos discutir a partir da análise de um fragmento clínico de um caso
que foi atendido num Centro de Atenção Psicossocial do município do Rio de
Janeiro, o Caps Clarice Lispector. É fundamental enfatizar que a idéia aqui não é
fazer um estudo de caso e a partir daí empreender uma discussão teórica
relacionada a ele, mas sim, justamente, utilizar um fragmento de um caso para
ilustrar e clarear algumas das questões que dizemrespeito ao sujeito na estrutura
clínica citada.
FRAGMENTO CLÍNICO
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Nara2 é uma mulher de uns 50 anos que até dois anos atrás nunca havia realizado
nenhuma forma de tratamento. Ela chegou ao Caps por ocasião de sua primeira
internação, acompanhada de um sobrinho. Seus dois filhos moram em outro estado
e Nara mora sozinha num apartamento da Zona Norte do Rio de Janeiro. Foi
internada em virtude de um conflito com o vizinho do andar de baixo, que exigia há
muito tempo que ela consertasse uma infiltração na parede. Nara, pela constante
sensação de invasão que vive, recusava-se a permitir que qualquer pessoa entrasse
em sua casa para resolver o problema. Deste modo, o vizinho se viu obrigado a
contatar a Justiça, que enviou um oficial à casa dela, intimando-a a realizar o
conserto. Encontrando-se diante de algo insuportável, Nara exaltou-se e desacatou
o oficial, o que resultou em prisão, seguida de encaminhamento para um manicômio
judiciário. Lá, seu sobrinho, depois de muito argumentar, conseguiu que ela fosse
transferida para um hospital psiquiátrico. Podemos identificar o episódio que
provocou a internação de Nara como o desencadeamento de uma crise psicótica, já
que a fez romper com uma organização que até então vinha dando conta de sua
inserção no mundo.
Ao começar a contar o que lhe aconteceu, Nara relata a forma como se sente na
relação com o Outro, indicando-nos o seu lugar de existência no mundo, lugar
marcado e determinado pelo significante invasão. Há anos sente-se invadida por
seus vizinhos que estão sempre a lhe usurpar tudo o que tem: namorado, trabalho,
amigos. Isso se dá desde a morte do homem com quem iria se casar, pois na
presença dele se sentia protegida em todos os sentidos, inclusive do ponto de vista
financeiro, e com sua morte tornou-se completamente vulnerável à ação deles que
teve início com o boicote ao seu trabalho. Nara deixa claro que a presença deles já
existia em sua vida antes, quando ainda era casada com o pai de seus filhos e
morava na Bahia. Entretanto, era uma presença menos invasiva e mais controlável.
Nara trabalhava como costureira em casa e tinha sua clientela. Aos poucos os
clientes foram sumindo até chegar ao ponto de ela não ter mais encomendas e ficar
sem dinheiro; isso se deu em paralelo à ação deles, o que a faz ter certeza
do boicote a sua vida. Nesta época, começou a ter que depender dos filhos para
viver, ficando muito fragilizada. Tentou ainda investir em outro trabalho, de
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cabeleireira em salão, ramo em que havia atuado antes, mas não deu certo, já que
estava tomada e perturbada pelo boicote constante dos vizinhos. No início, tal ação
manifestava-se por alguns fenômenos esquisitos que, com o tempo foram se
intensificando e transformando de fato no que ocorre hoje: considera os vizinhos
como pertencentes a um grupo demoníaco que age contra ela por meio
do desenvolvimento de hierarquias no abstrato. É no abstrato, explica, e não por
meio da realidade concreta que eles se comunicam com ela, invadindo sua mente e
seu corpo. Por telepatia a fazem capaz de escutar tudo que falam e tramam. Essas
falas são percebidas em seu ouvido, exercendo também uma pressão sobre sua
mente e é aí que se tornam insuportáveis.
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ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO
Nara luta dia a dia para barrar o Outro e isso de fato se efetiva em parte em virtude
do tratamento que lhe oferece um espaço para falar sobre tais acontecimentos. Esse
lugar de escuta é fundamental para que ela organize todo o conteúdo que vem do
Outro de forma massiva. Tal lugar deve ser investido de um desejo, o desejo do
analista que possibilita, desta forma, a transferência com a abertura de um espaço
para o sujeito, sustentando uma existência possível. O acolhimento da fala de Nara
viabiliza para ela uma forma de existir que é fundamental para que possa seguir se
relacionando com as pessoas de um modo a se sentir menos invadida.
É neste espaço reservado que ela se permite falar o que se passa com ela, sem
medo de ser julgada ou taxada de louca. Fora deste contexto, disfarça o quanto
pode o seu tormento, procurando evitar conversar com eles, pois aí iriam chamá-la
de louca na rua e, louca eu não sou, diz ela. É essa abertura e a possibilidade de
acolher a fala que vem do Outro, a fala delirante, da forma mais neutra possível, ou
seja, de modo a não estranhá-la e julgá-la, que faz operar o desejo do analista e, por
conseqüência, a transferência que se manifesta no caso de Nara pela presença
semanal para compartilhar sua vivência e, desta forma, barrá-la cada vez um pouco
mais. O esforço constante, diário, de Nara para barrar o Outro ilustra de forma clara
o lugar do sujeito de estar à mercê de um Outro que não foi barrado, sendo nesta
relação que podemos identificar o sujeito.
"consiste não em fazer apelo a um sujeito que não pode responder, mas sim em
criar as condições para que ali, numa existência aniquilada pela psicose, se produza
essa possibilidade" (TENÓRIO, 2001, p.124).
"A Verwerfung será tida por nós, portanto, como foraclusão do significante. No ponto
em que, veremos de que maneira, é chamado o Nome-do-Pai, pode pois responder
no Outro um puro e simples furo, o qual, pela carência do efeito metafórico,
provocará um furo correspondente no lugar da significação fálica." (1957-58/1998,
p.564)
podemos pensar que a relação do sujeito com o Outro não foi atravessada pela falta,
já que é uma relação não dialetizada, não mediada. A questão que surge, neste
momento, é: como produzir uma mediação, uma separação, alguma forma de barrar
este Outro invasivo? No caso abordado, vem sendo construída uma mediação,
devagar e sutilmente, pois, à proporção que Nara se endereça ao outro, há uma
tentativa de ser reconhecida por ele e isso produz algum movimento de circulação
significante. Aí está o sujeito, massacrado pelo Outro, mas em vias de encontrar um
novo lugar de existência.
Em sua tese de doutorado Sujeito e psicose (2000), Angela Pequeno anuncia duas
versões para o sujeito que nos ajudam a pensar o modo como ele se situa na
psicose. Ao realizar uma diferenciação entre o sujeito do significante e o sujeito do
gozo, caracteriza o primeiro como o sujeito desejante, aquele ao qual nos referíamos
no parágrafo acima. Para que ele advenha é necessário que o lugar do Outro seja
marcado por uma falta, determinando-o como falta-a ser, como desejante. Lacan em
a "Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano" (1960)
define que:
"um significante é aquilo que representa o sujeito para outro significante. Esse
significante, portanto, será aquele para o qual todos os outros significantes
representam o sujeito: ou seja, na falta desse significante, todos os demais não
representariam nada. Já que nada é representado senão para algo." (LACAN, 1998,
p.833)
psicose talvez possa ser caracterizado como sujeito do gozo, justamente por não ser
marcado pela falta. No entanto, é importante esclarecer que tal hipótese se ancora
num caso de psicose que escolhemos como referência e não pretendemos a partir
dele generalizar qualquer hipótese.
Na medida em que há busca do gozo como repetição que se produz o que está em
jogo no franqueamento freudiano – o que nos interessa como repetição, e se
inscreve em uma dialética do gozo, é propriamente aquilo que se dirige contra a
vida. É no nível da repetição que Freud se vê de algum modo obrigado, pela própria
estrutura do discurso, a articular o instinto de morte." (LACAN, 1969-70/1992, p.43)
A repetição define um ciclo que busca o retorno ao inanimado, e é neste ponto que
podemos fazer uma ligação com o gozo tal como descrito por Lacan, indicando que,
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Esta afirmação nos coloca diante da diferença que marca a relação do sujeito na
psicose com a linguagem, encontrando-se no lugar de refém de sua condição
parasitária, invadido por ela, manipulado por ela. Neste sentido, observamos que a
palavra é colocada na relação com o sujeito psicótico como lhe sendo exterior, vinda
de fora e não de dentro, o que significa não se apropriar, não ter o domínio da
linguagem, ou pelo menos a ilusão de ter tal domínio. Todos os seres humanos,
seres de linguagem, são dominados, de certa forma, por ela, no entanto, alguns, os
ditos normais, têm a ilusão de que a dominam e isso, por ser um dado da estrutura,
parece ser suficiente para protegê-los da condição parasitária da linguagem.
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Esta inversão, segundo Freud, teria relação com o impulso homossexual que estaria
na base da paranóia, o que vai ser questionado por Lacan. Dr. Flechsig ganha assim
o lugar de perseguidor que exerce forte influência sobre Schreber.
No entanto, é à Flechsig que Schreber se endereça por meio do pedido para que
realize um exame benévolo de seus escritos, suas memórias. Flechsig ganha um
lugar na transferência — lugar que fica evidente na carta aberta escrita para ele —
lugar de destinatário. Pede desculpas pelas coisas que escreveu sobre ele; no
entanto, as reforça, atestando sua posição delirante ao evidenciar a real influência
emanada do sistema nervoso de Flechsig sobre o seu sistema nervoso. Afirma com
toda certeza que mesmo à distância Flechsig manteve com seus nervos uma
relação hipnótica e sugestiva. O que é interessante pontuarmos aqui é a importância
do endereçamento do discurso delirante ao outro como tendo função de
estabilização para o sujeito que encontra espaço para se representar. Para que isso
efetivamente se dê é preciso que o discurso delirante seja acolhido pelo destinatário
para que de fato ganhe um sentido de estabilização e não se transforme em puras
letras sem sentido.
O trabalho clínico com a psicose, desta forma, deve caminhar na direção de acolher
ou até produzir um possível endereçamento, criando condições para que o sujeito,
que muitas vezes parece não estar lá, possa encontrar um espaço de existência.
Para que isto seja possível, é preciso acompanhar o psicótico na criação de meios
para barrar o Outro, sendo este trabalho o que Lacan chamou de secretariar,
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Este lugar de escuta sustentado pelo psicanalista deve seguir parâmetros diferentes
dos adotados no caso da clínica com a neurose. Isso é fundamental se quisermos
realmente pensar em uma clínica da psicose. Como indica Zenoni (2000), invertendo
os termos da equação freudiana, ao invés de se aplicar a psicanálise com neuróticos
à psicose, o que resulta infrutífero, aplica-se a psicose à psicanálise, pois a própria
psicose nos ensina sobre sua estrutura, sua lógica, indicando-nos o caminho de
escuta que devemos seguir, por meio das soluções que ela mesma encontra para
lidar com a falta estrutural do significante paterno. Neste ponto, esvazia-se o sujeito
suposto saber, base da transferência no tratamento psicanalítico com neuróticos,
pois quanto mais esvaziado é esse sujeito do saber, mais se torna possível a clínica.
Em suas palavras: "É na escola da psicose que nós nos colocamos para aprender
como praticar" (ZENONI, 2000, p.19).
"De fato, é nas psicoses que se encontra, muito mais ostensivamente que em outros
lugares, a posição de um Outro suposto saber e talvez da maneira mais pura no
delírio de suposição, onde o sujeito crê saber que o Outro sabe, sem mesmo às
vezes jamais ter necessidade de saber, de inventar aquilo que o Outro sabe (… )"
(ALLOUCH, 1997, p.440)
Esse Outro, contudo, é absoluto, e o saber é tomado como certeza. É pela crença
presente no delírio de que o Outro sabe e, portanto, invade o sujeito, que a posição
do psicanalista como sujeito-suposto-saber deve ser repensada na direção clínica do
trabalho com o psicótico. Quem porta um saber aí é o sujeito, já que ele tem certeza
de que o Outro sabe sobre sua vida, sobre seus pensamentos, sobre a sua condição
e, neste sentido, o persegue, o tortura, o faz refém, prisioneiro. A regra no campo
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"(… ) o psicótico é um mártir do inconsciente, dando ao termo mártir seu sentido, que
é o de testemunhar. Trata-se de um testemunho aberto. O neurótico também é uma
testemunha da existência do inconsciente, ele dá um testemunho encoberto, que é
preciso decifrar. O psicótico, no sentido de que ele é, numa primeira aproximação,
testemunha aberta, parece fixado, imobilizado, numa posição que o coloca sem
condições de restaurar autenticamente o sentido do que ele testemunha, e de
partilhá-lo no discurso dos outros." (LACAN, 1955-56/1985, p.153)
Tal assertiva nos leva a refletir ainda mais sobre a vivência desta clínica que é
marcada por surpresas e que exige assim certa dose de criatividade e jogo de
cintura nas intervenções necessárias para cada situação. Ao nos abrirmos para um
novo aprendizado clínico, a partir do que a própria estrutura psicótica nos ensina,
vamos, aos poucos, construindo formas de pensar esse trabalho. O lugar de
aprendiz é fundamental, por abrir caminhos de intervenções clínicas guiadas pelo
sujeito que vai ensinando o que ele pode e o que não pode suportar. Trata-se de
algo difícil, já que temos que nos desviar o tempo todo de um lugar de quem sabe
para irmos ao encontro de um sujeito frágil que pode se sentir invadido muito
facilmente, fechando portas para um trabalho possível.
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"uma posição favorável para encontrar um sujeito que sabe o que acontece com ele,
que é ele mesmo a significação do que lhe é endereçado enigmaticamente. É uma
posição favorável para encontrar esse sujeito, sem alimentar uma posição intensiva,
persecutória de transferência. (… ) Na psicose o saber não é suposto, mas realizado
pelo próprio sujeito, que é a referência, o gozo desse saber. É por isso que quando o
Outro se apresenta como o Outro do saber, ele pode ser encontrado sob uma forma
erotomaníaca ou persecutória. Enquanto que a posição do sujeito não saber deixa
principalmente ao sujeito a iniciativa de saber." (2000, p.20)
Podemos identificar isso no caso de Nara que construiu uma realidade delirante para
explicar e dar algum sentido a sua vivência psicótica. Seus vizinhos são os
responsáveis por tudo o que acontece de ruim a ela, pois eles invadem seus
pensamentos, lendo-os, dando-lhe ordens imperativas, exigindo que ela deite com
eles e usando seu corpo, sua "fachada" para conseguirem as coisas, como drogas,
por exemplo. Obrigam-na a assinar procurações que lhes dão plenos poderes, já
que ela é uma superintendente de assuntos gerais do mundo, do universo, uma
pessoa muito importante. Tais pessoas têm um poder especial, agindo de forma
velada, aparecendo somente para ela, promovendo dores em seu corpo, mal-
estares. Essa forma que Nara criou para ordenar, organizar e entender o que se
passa com ela é a própria realidade delirante.
Ao escutar o discurso de Nara, percebe-se que ele é marcado por uma certeza e por
um saber que não devem ser contestados, e o acolhimento destes viabiliza a
transferência e a possibilidade de Nara se proteger. Dando ênfase à formulação de
Lacan sobre a relação particular do sujeito na psicose com o significante, relação
esta que faz com que o sujeito compareça aí como sujeito do gozo na medida que
está à mercê do Outro, da própria linguagem, é a escuta se pautando por essa
referência, no caso de Nara, pelo saber delirante, que nos conduzirá à construção
da clínica. O saber do sujeito, aliado a um não saber do psicanalista e da equipe,
pode ser considerado, assim, o responsável pela realização da clínica da psicose.
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Para isso, é importante tratar com mais precisão o ponto de vista epistemológico que
nos sustenta. Freud (1915a, p. 137) defende a perspectiva de que, ainda que as
ciências devam se orientar por conceitos claramente definidos, ela se inicia pela
descrição, agrupamento, classificação e correlação de fenômenos, sobre os quais,
inevitavelmente, se aplicam idéias abstratas, não provenientes, necessariamente, do
material manipulado. Essas idéias tornar-se-ão, posteriormente, conceitos e são
determinadas pela relação significativa que possuem com o material empírico.
Adquirem mais precisão, na medida em que a investigação avança e amplia os
territórios do material pesquisado.
Assim, podemos dizer que não pretendemos a exploração conceitual, por um lado,
ao tratar de um tema tão novo quanto o AT. Por outro, buscaremos, longe de uma
prática pragmática que encontra os fins em si própria, encontrar referenciais teóricos
para orientar o que temos feito e entendido sobre a clínica do AT, aprendendo com
os psicóticos que acompanhamos a pensar essa clínica tão sutil quanto concreta.
Contextualizando a prática do AT
Aqui escrevemos uma das histórias possíveis acerca do AT. Nela, vamos nos deter
mais nos aspectos da prática que orientou o percurso e o uso do AT, do que
necessariamente em fatos, datas e nomes de referência ao mesmo. Essa história
pode ser encontrada, com ricas contribuições analíticas, na dissertação de mestrado
de Reis Neto (1995) e nos trabalhos da instituição A Casa (1991 e 1997), de São
Paulo.
O AT, a nosso ver, tem uma história marcada pelas tentativas de reformulação da
assistência à psicose. Nascido na década de 60, junto a movimentos reformistas,
como os das comunidades terapêuticas, o então auxiliar psiquiátrico _ antiga
denominação do AT _ ainda trabalhava dentro do hospital, sob orientação médica.
Era-lhe exigida basicamente uma disponibilidade de convivência, na medida em que
não havia um saber ou mesmo a valorização de um saber científico ou teórico que o
orientasse. Era exercido, em geral, por auxiliares de enfermagem. A valorização,
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ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO
O recorte que nos interessa destacar surge com a saída do AT para as ruas.
Algumas experiências (como a da Villa Pinheiros, no Rio de Janeiro, Brasil, e a do
Centro de Estudos e Tratamento de Abordagem Múltipla em Psiquiatria/CETAMP,
em Buenos Aires, Argentina, por exemplo) permitiram a ampliação da função do AT.
Seu trabalho passou a incluir a mediação com a família do paciente, a administração
de medicação e a participação numa definição diagnóstica mais precisa e no
planejamento do projeto terapêutico do paciente. Acreditamos que esse maior
espectro de ação do AT torna-se possível a partir de uma postura desierarquizada,
de respeito ao trabalho em equipe e de uma valorização da escuta do paciente,
marcada pela Psicanálise nessas duas instituições.
Há, pois, um deslocamento quanto ao setting de atuação do AT, que deixa de ser
um auxiliar de clínica para se tornar um auxiliar de rua (Dutra, Nogueira, Peixoto,
Pereira & Santos, 2002). Além disso, o AT passa a ser um agente importante no
tratamento da psicose, desconfigurando sua subordinação ao saber médico-
psiquiátrico como mero auxiliar. De "auxiliar psiquiátrico", esse ator torna-se "amigo
qualificado" para, enfim, ganhar a denominação que hoje é corrente, qual seja, a de
"acompanhante terapêutico".
Dutra et al. (2002) nos informam que, em Minas Gerais, particularmente na capital
mineira, a prática do AT de uma maneira mais sistematizada acontece tardiamente _
década de 90 _ em relação às outras capitais do país. Houve uma experiência na
década de 70, simultaneamente à implantação de comunidades terapêuticas nos
Centro Psicoterapêutico e Centro Terapêutico Comunitário Santa Margarida com
acompanhantes terapêuticos supervisionados por psiquiatras/psicanalistas e
terapeutas ocupacionais. "Com a entrada da teoria lacaniana em nosso meio, na
década de 80, e uma leitura ainda imatura desse grande pensador da Psicanálise,
esse procedimento deixou de interessar aos estudantes e jovens profissionais que
antes se encarregavam de sustentá-lo, sob a alegação de que `o acompanhante não
ocupava o lugar destinado ao analista na cura, prestando-se apenas a identificações
imaginárias'" (Greco, 2001, p. 2). Em 1995, por meio da clínica privada
Urgentemente, o AT formaliza-se como dispositivo que auxilia no tratamento extra-
hospitalar da psicose. A clínica, inspirada no Instituto A Casa, de São Paulo, é a
única que oferece atualmente formação em Acompanhamento Terapêutico para
profissionais ligados à Saúde Mental.
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Aqui já se coloca uma questão da aplicação da psicanálise ao AT. Tal qual na clínica
com crianças, em geral, a demanda pelo AT nasce da instituição de tratamento,
raramente do próprio acompanhado. Mas, tal qual na clínica com crianças,
entendemos que isso não inviabiliza essa clínica. Por quê? Primeiramente, porque,
em se tratando de psicóticos, a estrutura do trabalho analítico é diferenciada. Não há
Outra cena inconsciente para a qual remeter a interpretação. Aliás, não se interpreta
na psicose, exatamente por isso; do contrário, teríamos o risco de um
desencadeamento. Além disso, é pouco usual a presença de uma "demanda" de
tratamento por parte de um psicótico. Assujeitado aos imperativos do Outro que lhe
vocifera ordens, aniquila seu corpo e o despoja de seu ser, o psicótico permanece
muitas vezes submetido a esses imperativos alienantes. Quase sempre é trazido por
alguém que, num primeiro momento, fala por ele. Inclusive é tarefa do analista
retomar o valor simbólico perdido de sua palavra. E, por fim, essa é apenas uma
mera comparação na medida em que, nem o louco é um infantilizado e deficitário
por conta de sua psicose, nem o AT é um analista. Utilizamos, portanto, essa
analogia, apenas com o intuito de destacar como se forja a entrada do ou demanda
pelo trabalho do AT.
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Assim, se não há uma teoria do AT, há uma prática que merece, pelo diálogo entre o
campo da Saúde Mental e o da psicanálise, uma análise mais detida, a partir do
aprendizado com os psicóticos que acompanhamos.
Habitou, por um tempo, no cenário do AT, uma discussão acerca de sua inserção se
dar no campo da clínica ou no campo da reabilitação psicossocial. A dicotomia que
sustentou esse hiato entre clínica e reabilitação, herdeira da psiquiatria italiana,
parece-nos poder ganhar uma superação dialética. Entendamos um pouco mais do
discurso da reabilitação psicossocial.
Pitta propõe uma definição mais contemporânea. Para ela, nas chamadas
democracias emergentes, com a ênfase na noção de eqüidade, "Reabilitação
Psicossocial" poderá significar justamente um tratado ético-estético que anime os
projetos terapêuticos para alcançarmos a utopia de uma sociedade justa com
chances iguais para todos" (1996, pp. 23-4). O que temos aqui é um ideal político
em torno do conceito e da prática da reabilitação.
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Ele descarta a idéia de clínica associada à reabilitação: "as práticas terapêuticas que
nos últimos 100 anos derivaram dos modelos da clínica são altamente
insatisfatórias, por diversas razões" (Saraceno, 1996, p. 150). E, ainda, acrescenta
que sente como "extremamente pobre a referência à palavra clínica como
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continente, como referência teórica a uma prática que é tão mais complexa e
articulada" (1996, p. 153) como a da reabilitação psicossocial.
É com Viganò (1997 e 1999), entretanto, que vemos essa crítica ser levada a sua
radicalidade, numa proposta articulada à clínica, enquanto dimensão inarredável de
inscrição do sujeito e de possibilidade de implicação nas respostas que constrói.
Viganò avança e inclui a dimensão subjetiva como direção para se pensar as ações
sociopolíticas. Em conformidade com Freud e com Lacan, coloca os sintomas como
as estratégias de cura empreendidas pelos sujeitos psicóticos para se libertarem da
dependência ligada à foraclusão5. Daí a fraqueza dos modelos de reabilitação que
tentam tamponar o sintoma negativo, em vez de se interessarem pelo positivo, ou
seja, pelo estilo das estratégias adotadas pelo próprio sujeito como saídas. "Toda
aprendizagem que o Outro social fornece ao sujeito permanece na série de objetos
dados pelo Outro materno e não libertará jamais o sujeito de sua dependência, dita
simbiótica. [...] A reabilitação não reabilita senão à ordem simbólica, aquilo que
permite a um sujeito se comunicar com a realidade. Esta afirmação tem uma
conseqüência: a reabilitação pode ser bem-sucedida somente com a condição de
seguir o estilo que sugere a estrutura subjetiva do psicótico" (1997, p. 63).
Assim, o que deve ser buscado não é o real somático de uma função, o aprendizado
de uma habilida de tão-somente, mas as condições simbólicas do sujeito para
enfrentar o real do gozo do Outro. Ou seja, seguir as estratégias desenvolvidas pelo
próprio sujeito como política para a reabilitação. Seguindo essa perspectiva, Zenoni
(2000) comenta que a problemática clínica é inseparável do contexto social do
sujeito, apontando-nos a necessidade de articulação da dimensão social do sujeito
com a dimensão clínica do social (tal como tirar documentos, pagar contas, lidar com
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ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO
o dinheiro, namorar etc.). O autor afirma que uma pragmática cotidiana, se tomada a
partir do ponto de vista da clínica, permite um arranjo mais vivível da situação futura
do sujeito; uma vez que, mesmo após o momento crítico de seu estado, ele vai se
deparar com problemas que implicam o real pulsional e a relação com o Outro
(Generoso, 2005).
Daí a advertência de Viganò (1999) para não cairmos numa nova cronicidade. Pois,
apesar da desconstrução do hospital psiquiátrico, corre-se o risco de incorrer-se em
novas formas de exclusão e segregação, por vezes realizadas a partir da própria
rede de assistência à Saúde Mental com idealizações acerca das possibilidades de
emancipação e autonomia do louco. A esse risco, ele propõe como estratégia de
trabalho a construção do caso clínico.
Como se vê, para Viganò não há como dissociar clínica e reabilitação, cada um
desses processos estabelecendo uma relação dialética com o outro. Mais que
discutir em que seara podem ocorrer as soluções psicóticas, parece-nos que ele se
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ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO
O caso de Norberto ilustra essa situação. Brincamos que ele foi da empada ao bolo
_ ainda que não fosse um homem voraz... Natália, estudante de Psicologia,
começou seu acompanhamento quando ele ainda estava internado em 2001.
Norberto, então com 51 anos, fazia parte do Programa Municipal de
Desospitalização Psiquiátrica de Belo Horizonte, hoje Programa Nacional de Volta
para Casa. Havia uma possibilidade de um irmão recebê-lo em sua casa, quando da
alta hospitalar, mesmo após mais de dez anos de esparsa convivência e de uma
resistência contundente. Para a família, Norberto era um louco. Ponto. Não havia
possibilidades de diálogo sobre seu retorno para casa, até que foi trazida à baila a
bolsa-desospitalização que a família receberia junto com Norberto, obviamente. A
partir daí, iniciou-se a negociação para sua saída do hospital psiquiátrico.
Norberto, por seu turno, quase não falava. Natália, a acompanhante, poucas vezes
conseguia escutar o que ele dizia, tamanha sua inibição e engessamento
institucional. Raramente se expressava e, se o fazia, era num tom tão baixo que a
insistência de Natália em lhe pedir que repetisse o que dizia, acabava por finalizar a
conversa mal começada... Ela, então, oferece-lhe uma empada, comprada no bar do
hospital. A partir daí, e inequivocadamente, Norberto passa a lhe abrir sorrisos
gratificantes e chega mesmo a tentar beijá-la.
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A alta do AT, nesse caso de sucesso (o que não é prata corrente na clínica do AT),
foi sinalizada pelo próprio acompanhado. Também com Lacan, aprendemos a
secretariar a psicose, descobrindo com o sujeito seu savoir-faire com o sintoma.
Lacan (1955-56, p. 235) é claro ao tratar da função do analista, que aqui transpomos
para a do operador da Saúde Mental, guardada a diferença estrutural das duas
funções que estamos trabalhando ao longo do texto. "Vamos aparentemente nos
contentar em passar por secretários do alienado. [...] Pois bem, não só nos
passaremos por seus secretários, mas tomaremos ao pé da letra o que ele nos
conta _ o que até aqui foi considerado como coisa a ser evitada". Além de oferecer
uma direção ao tratamento possível da psicose, Lacan de quebra ainda realiza
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Mas... recupera a razão (!?). Era preciso comunicar a situação à família e cabia a ela
o dever de fazê-lo. Desolada pega o ônibus, planejando, nos mínimos detalhes,
como dar a penosa notícia do desaparecimento de Norberto. Afinal, foram meses de
trabalho, dela, da equipe do programa, da rede aberta de assistência, que seriam
perdidos. Todo o esforço político em justificar o Programa no município poderia ter
sido em vão, caso acontecesse algo grave a Norberto. Além disso, os vizinhos e a
própria família facilmente retomariam a postura preconceituosa e justificariam com
um belo "não falei!" que louco é louco mesmo, não tem jeito, nem cura. O projeto de
AT, financiado pela faculdade, teria um dado estatístico irrecuperável em seus
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créditos. E ela jamais se perdoaria... Em meio a esses pensamentos duros, ela toca
a campainha e é atendida por ninguém mais ninguém menos que Norberto. Sorrindo
para ela, a cumprimenta e pergunta porque ela demorou tanto a chegar no Centro
de Convivência. Cansado de esperar, ele tomou um ônibus e foi para casa. Deu-lhe
um belo bolo, sinalizando aquilo que ela já sabia. Já era passado o tempo desse
sujeito se haver com sua própria vida, sozinho.
Lacan, em A psicanálise e seu ensino (1957, p. 439) já criticava uma certa vertente
teórica da psicanálise que postulava que o eu do analista, chamado de autônomo,
seria o parâmetro da realidade do qual a análise, para o analisando, constituiria a
prova. Acrescenta ainda que não se trata de nada disso nos confins da análise e
propõe que, no lugar disso, se restabeleça uma cadeia simbólica em três
dimensões: a da história de uma vida vivida como história, a da sujeição às leis da
linguagem _ as únicas possíveis de sobredeterminação _ e a da articulação
intersubjetiva pela qual a verdade entra no real. "É a esse Outro para além do outro
que o analista dá lugar, pela neutralidade com que se faz não ser ne uter, nem um
nem outro dos dois que aí estão; e, se ele se cala, é para lhe dar a palavra" (p. 440).
Lacan é claro ao afirmar que é na relação do homem com o significante que a
humanidade se institui. Em contraposição a uma perspectiva dualista, imaginária e
especular que poderia sustentar a relação analista-analisante, ele propõe uma
orientação pelo simbólico nesse período de seu ensino. Sabemos que, na década de
70, ele vai propor uma orientação clínica marcada pela insuficiência do simbólico em
dar conta do real, localizando a prevalência do real como indicador ético na direção
do tratamento. Há um desencontro irredutível do sujeito com a linguagem e com
seus outros. O interessante, a partir dessa segunda clínica lacaniana, é operar
exatamente a partir daí, do que se pode fazer com esse impossível de remediar, de
como cada sujeito vai construir uma solução a esse mal-estar, fazendo com ela uma
parceria na vida.
Ora, por que estamos a falar da direção da clínica psicanalítica com Lacan ao tratar
da clínica do AT? Como já dissemos, acreditamos que, se não existe uma teoria
acerca da prática do AT, é bem verdade, hoje, que esta já pode ser formalizada e
orientada por alguns vetores oriundos da clínica psicanalítica, em especial com a
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De saída, destacam-se, para nós, alguns operadores essenciais a essa prática. Eles
são marcados por proposições psicanalíticas correntes em nosso meio. Elas são
extraídas da clínica com a psicose e ganham, no campo da Saúde Mental, um
contorno e uma acolhida. Podemos enumerar concisamente esses vetores, a fim de
delimitar alguns princípios de ordem em nosso trabalho cotidiano:
(1) De saída, podemos dizer que seu pano de fundo se contrapõe ao de uma
vertente reabilitadora e pedagógica de intervenção que mascararia a possibilidade
de construção do caso clínico, numa direção que aposta no recolhimento das
produções do inconsciente nos acontecimentos de fala e de linguagem, reportando-
as para a construção do caso em equipe.
2) Para nós, o AT se inscreve num trabalho de rede e sua indicação, precisa, está
pautada justamente numa prática que congrega o diálogo de equipe entre diferentes
saberes, na contramão de qualquer movimento de alienação, seja material ou
simbólico.
(6) Daí, o respeito à história que pode ser (re)construída pelo acompanhado torna-
se, para nós, uma das grandes placas na indicação de caminhos a percorrer. E, por
vezes, o percorremos concretamente _ indo, por exemplo, à cidade de Governador
Valadares (MG) de trem para tentar encontrar documentos pessoais de um
acompanhado que haviam ficado com Deus por lá... _ ainda que saibamos que
podem se tratar de retalhos perdidos no tempo porque não inscritos num espaço
simbólico. Destaca-se a importância dessa costura, ao mesmo tempo real, simbólica
e imaginária, por parte do AT.
(10) Por fim, e como decorrência lógica necessária desses deslocamentos e dessas
diferenças estruturais que caracterizam a clínica do AT, teremos uma incidência
particularizada dos efeitos e do manejo da transferência. Esse vetor exige um
desdobramento teórico mais complexo que alcança a clínica do AT, para além da
clínica psicanalítica com as psicoses em si mesma.
De modo geral, escutamos falar e lemos que o AT opera a partir do imaginário. Aqui,
partimos da hipótese de que, nessa clínica de rua ou clínica em ato, o
acompanhante opera a partir do real da cena, emprestando seu corpo e suas
palavras à intervenção. Mas de que lugar ele o faz? Se no tratamento do sujeito
neurótico operamos a partir da noção de falta-a-ser, resta-nos pensar em que
medida isto se aplica ao caso das psicoses. É com seu ser que o acompanhante
opera? A pergunta colocada ganha seu valor na medida em que correntemente
encontramos nos textos sobre o acompanhamento terapêutico a concepção de que
o AT trabalha com seu ser e que se colocaria como um "espelho vivo" para o
acompanhado.
Tomemos a psicose como o que nos ensina o que é da estrutura. De modo geral,
utilizamos o esquema L para explicitar a constituição do sujeito como sendo
marcada a partir de sua entrada no campo simbólico, na justa mediada em que o
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operaremos como este "espelho vazio". Aquilo que parte do imaginário do sujeito se
harmonizará não mais com esse outro ao qual está habituado, seu parceiro, que o
separa de seu eu, a, mas com o Outro radical que lhe é velado. Desse modo, é entre
o Outro e o eu (entre A e a) que vai situar-se a transferência, na medida em que
estará ausente o outro a', representado pelo analista.
Para finalizar
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REFERÊNCIAS
https://www.holiste.com.br/o-papel-acompanhante-terapeutico/>acesso em
05/06/2020
https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1516-
14982008000200009&script=sci_arttext&tlng=pt>acesso em 05/06/2020
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-
71282005000200004>acesso em 05/06/2020
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