Sermão de Santo António

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1.

Contexto do Sermão de Santo António (aos peixes)


Sermão: repreensão argumentativa de um tema que tem como objetivo transmitir uma mensagem

Data: 13 de junho de 1654 (dia de Santo António)

Local: São Luís do Maranhão, Brasil

Objetivos: Defesa dos direitos dos indígenas brasileiros e crítica ao comportamento dos colonos
portugueses; convencer o auditório

Estrutura interna: Tripartida (exórdio, exposição e confirmação, peroração)

Estrutura externa: Seis capítulos

Estrutura argumentativa:

Delectare- agradar o auditório/público

Docere- ensinar; transmitir ideias e apresentar argumentos para convencer o público

Movere- convencer o auditório; fazer alterar e manipular a opinião dos outros

Fictício- peixes

Auditório
Reais- colonos e Homens

A crítica social é conseguida através da caricatura dos peixes (das suas propriedades físicas
concretas) e dos seus comportamentos (virtudes e vícios), que são alegoria (representação abstrata)
de algumas qualidades (inexistentes nos Homens) e de defeitos (comuns aos Homens).

Vieira pretende persuadir os Homens a imitar as virtudes dos peixes ou a repudiar os seus vícios,
que, no jogo alegórico, são efetivamente humanos.

2. Exórdio (introdução)
a) Capítulo I

Conceito predicável: retirado do novo testamento e é um argumento de autoridade que pretende


indicar o tema do sermão

Vos Estis sal terrae


Pregadores (padres) têm a função de impedir a corrupção (conservar dos Homens
as almas dos Homens e preservá-las)
“Vós sois o sal da terra”

Os pregadores impedem os Homens de cair em pecado


“O efeito do sal é impedir a corrupção, mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa
havendo tantos nela, que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção?”

Há muitos pregadores, mas continua a haver corrupção, por isso, Padre António Vieira pergunta qual
é efetivamente a causa de tanto pecado

O sal não salga A terra não se deixa Ouvintes imitam o que os Ouvintes não servem a
salgar pregadores fazem e não o Cristo, mas sim aos seus
que dizem apetites
Responsabilidade Responsabilidade dos Seguem o exemplo dos Defendem os seus
dos pregadores ouvintes pregadores (memesis) interesses pessoais

Padre António Vieira está a criticar os pregadores, dizendo que eles têm a culpa dos pecados dos
Homens e que não estão a fazer um bom trabalho a transmitir a mensagem de Deus:

- Pregadores não pregam a verdadeira doutrina

- Pregadores fazem uma coisa e dizem outra

- Pregadores pregam a si e não a Cristo

CASTIGO: “(…) lançá-lo fora como inútil, para que seja pisado por todos.”

Padre António Vieira analisa as causas da corrupção, medindo a culpa ora dos pregadores, ora dos
ouvintes e reflete acerca do castigo que deve ser dado a cada um deles.

Neste capítulo, Santo António aparece como exemplo, por ser um grande orador, um homem
virtuoso e persistente.

Estava S. António a pregar aos Hereges, que não o queria ouvir, quando estes quase o mataram.
Assim, mudou de auditório e pregou aos peixes.

Vieira pretende fazer como ele e pregar aos peixes.

3. Exposição/Confirmação (desenvolvimento)
b) Capítulo II (Louvores aos peixes em geral)

Este capítulo começa com uma pergunta retórica: “Enfim, que havemos de pregar hoje aos peixes?”
que identifica o destinatário aparente do sermão (os peixes) e tem como função envolver o auditório
no discurso.

2ºParágrafo: O Padre explica a estrutura do Sermão; ir-se-á dividir em duas partes: “No primeiro
louvar-vos-ei as vossas virtudes, no segundo repreender-vos-ei os vossos vícios.”

Qualidades dos peixes:

1. Ouvem e não falam, mas não se podem converter ao cristianismo (defeito)


2. Foram as 1ªs criaturas criadas por Deus
3. São os animais em maior número e os maiores
4. Não domam nem domesticam

Os animais terrestres (cão, cavalo, leão, tigre, papagaio, rouxinol) são domesticados pelos
Homens. Os peixes, que estão longe dos Homens, não são domesticados.

Os Homens têm uma influência negativa nos amimais, logo, os peixes devem manter-se
longe dos Homens para evitarem cativeiro: “Peixes, quanto mais longe dos Homens, tanto
melhor.”

O Homem retira os animais dos seus elementos e subjuga às suas vontades.

Arca de Noé: o Dilúvio ocorreu de forma a castigar os Homens e os animais terrestres, que
estavam perto do Homem e que, por isso, também pecavam. Todos os peixes sobreviveram.

5. São obedientes, atentos e devotos

Em cada virtude, lê-se uma crítica aos Homens:

1. Falam e não ouvem


2. Vaidade
3. Insolência e presunção
4. Violência e obstinação
5. Crueldade irracional
6. Exibicionismo

c) Capítulo III (Louvores aos peixes em particular)

Peixe Virtudes S. António Crítica Humanos


De Tobias O fel do peixe curava a S. António fazia os Homens ver a Perseguiram S. António (tal como os
cegueira e o seu virtude e afastar-se do pecado moradores do maranhão perseguem
coração expulsava os o Padre); Desrespeito pela doutrina
demónios divina, heresia
Rémora Apesar de ser A língua de S. António era uma Os Homens deixam-se levar pela
pequeno, consegue rémora na Terra: tinha força para soberba, cobiça, vingança e
determinar o rumo da dominar as paixões humanas sensualidade (pecados)
nau (tem um grande (soberba, vingança, cobiça e
poder) sensualidade)
Torpedo Faz tremer o braço do S. António também fazia os Os pescadores representam aqueles
pescador (protege-se Homens “tremer” e arrepender-se que se aproveitam do poder para
através de descargas satisfazer a sua ganância (persistem
elétricas) num caminho incorreto)
Quatro- Tem dois pares de S. António também ensina aos Incapacidade de discernimento
Olhos olhos (para olhar para Homens que devem pensar no Céu (distinguir o certo e o errado)
cima e para baixo) e no Inferno

PEIXE DE TOBIAS:

Anjo São Rafael, que acompanhava Tobias, disse-lhe para arrastar o peixe para Terra, abrir e tirar as
entranhas e as guardasse- ao ver o que está por dentro, Tobias ia perceber que o peixe não era
assim tão assustador; “Quem vê caras, não vê corações”
S. António: Hereges gritaram com ele (como Tobias) porque pensavam que os queria comer; mas se
eles ouvissem a verdade (abrir as entranhas), iam perceber que só queria curar as cegueiras e livrar
os demónios

RÉMORA:

A rémora tem o poder de direcionar a nau para o sítio certo, ou seja, de guiar as pessoas longe do
pecado. Tem uma influência positiva nos Homens.

Padre António Vieira recorre ao uso de alegorias. Usa naus para caracterizar os Homens e
representar as paixões humanas e os pecados: Nau Soberba (arrogância), Nau Vingança, Nau Cobiça
(inveja) e Nau Sensualidade (vaidade). A rémora direciona, então, os Homens para longe destas
naus.

TORPEDO:

O torpedo é um peixe elétrico que faz com que, quando é pescado, o braço do pescador trema e é
solto.

S. António levou os homens a tremer e arrepende-se dos seus pecados, tal como o torpedo faz o
pescador arrepender-se de o ter pescado.

QUATRO-OLHOS:

Têm dois pares de olhos para que consiga olhar, em simultâneo, para cima e para baixo porque têm
inimigos tanto dentro de água como fora.

Os Homens devem seguir este exemplo para que possam olhar para o Céu e para o Inferno, pois
assim lembram-se das consequências das suas ações e de não pecar.

d) Capítulo IV (repreensões aos peixes em geral)

Após ouvirem os louvores, os peixes iram ouvir também as repreensões.

“Servir-vos-ão de confusão, já que não seja de emenda” – Mesmo ouvindo as repreensões, os peixes
não irão alterar os seus comportamentos porque são peixes. Devido às suas características
intrínsecas, não se podem converter.

Os Homens, embora possam, também não alteram os seus comportamentos.

Críticas feitas aos peixes:

- Comem-se uns aos outros e, sobretudo, os maiores comem os mais pequenos

Comer representa o aproveitamento.

“Cudais que só os Tapuias se comem uns aos outros; (…) muito mais se comem os brancos.”
(Tapuias- indígenas do Brasil que praticavam canibalismo) Padre António Vieira diz que não são os
únicos que se comem. Os brancos (cidade) também se comem uns aos outros (aproveitamento).
“Pois tudo aquilo é andarem buscando os homens como hão de comer, e como se hão de comer.”
Os homens andam sempre à procura de como se aproveitar dos outros; tentar lucrar e ter um
benefício próprio (egoísmo/egocentrismo).

Paralelismo anafórico (exemplos)

1. Um defunto comem-no: herdeiros, testamentários, legatórios, credores, oficiais de defuntos,


padres, advogados, sangrador, mulher, coveiro, tocador de sinos

Conclusão: “(…) enfim, ainda ao pobre defunto o não comeu a terra, e já o tem comido toda a
terra.”

2. Réu num julgamento comem-no: meirinho, carcereiro, escrivão, solicitador, inquiridor,


testemunha, julgador

Conclusão: “(…) ainda não está executado nem sentenciado e já está comido.”

Críticas aos peixes Críticas aos Homens


Comem-se uns aos outros e, sobretudo, os Os Homens aproveitam-se/exploram-se uns dos outros e,
maiores comem os mais pequenos principalmente, os mais poderosos exploram os menos
poderosos (chefe e empregado)
Notável ignorância e cegueira (morre pelo O mesmo fazem os Homens (na guerra quando dão a vida
anzol) pela pátria)

Santo António: dedicou a vida a pescar os Homens e a convertê-los ao cristianismo

“(…) pescou ele muitos, e só estes se não enganaram,(…)”

e) Capítulo V (repreensões aos peixes em particular)

Peixe Vícios dos peixes Vícios dos Homens

Roncadores Pequeno mas é a ronca do mar Presunção e gabarolice (fala-


(som muito alto e grave) baratos, convencidos)

Pegador Pequeno, pega-se aos peixes Parasitismo social e bajulação


maiores (vivem à custa dos outros)
Voador Grandes barbatanas, que Vaidade e ambição desmedida
funcionam como asas (se são (não se contentam com nada;
peixes, porque querem ser querem ser melhores do que
aves?) são)

Polvo Poder de camuflagem Hipocrisia, traição e falsidade

RONCADORES:

“Se as baleias roncaram, tinha mais desculpa a sua arrogância na sua grandeza.”- as baleias são
grandes (melhores), por isso deviam roncar mais que os roncadores.
São Pedro- disse que ia matar muito na batalha, fraqueou mais que todos

VOADOR:

Ícaro- tinha asas de cera e disseram-lhe para não voar demasiado alto porque as asas iriam derreter
mas ele voou (ambição leva à morte)

POLVO:

“O polvo com aquele seu capelo na cabeça parece um monge, com aqueles seus raio estendidos
parece uma estrela, (…) parece brandura, a mesma mansidão. (…) o dito Polvo é o maior traidor do
mar.” – Ele tem uma aparência positiva mas, na verdade, é traidor (aparências enganam-
camuflagem)

É comparado com Judas, o maior traidor da Terra.- a diferença é que Judas abraçou Jesus mas foram
outros que o prenderam, enquanto que é o polvo que efetivamente prende as suas presas.

3. Peroração (conclusão)

f) Capítulo VI

No último capítulo, Padre António Vieira explica que irá acabar o Sermão mas que irá recordar um
episódio bíblico (sacrifício).

Para os sacrifícios escolheram-se animais terrestres ou aves mas os peixes ficaram totalmente
excluídos- RAZÃO: os peixes, ao chegarem ao altar, já estariam mortos e Deus não quer que lhe
chegue nada morto

Almas mortas pelo pecado não são queridas por Deus

Padre António Vieira vai contra a igreja cristã e diz que há crimes que não podem ser perdoados
(colonos) e já não têm salvação

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