Administração Autárquica

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UNIVERSIDADE ABERTA ISCED

FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAS E HUMANAS


CURSO DE ADMINISTRAÇÃO PUBLICA

A Administração Autárquica em Moçambique. Pressupostos para uma efectiva


autonomia Administrativa e Financeira.

Sofia Salomão Neve

3° Ano

Maxixe, 2022
Índice

1. Introdução ........................................................................................................................... 3

1.1. Objectivos do trabalho ................................................................................................ 4

2. Sistemas de organização administrativa do Estado: a centralização e a descentralização . 4

2.1. A Descentralização administrativa em Moçambique ................................................. 5

2.2. As autarquias locais: conceito, atribuições e competências ....................................... 5

2.3. Autonomia das Autarquias locais ............................................................................... 6


2.3.1. Autonomia Administrativa ................................................................................. 7
2.3.2. Autonomia patrimonial ....................................................................................... 7
2.3.3. Autonomia financeira ......................................................................................... 7

3. Conclusão ........................................................................................................................... 9

4. Referências bibliográficas ................................................................................................ 10


1. Introdução

A descentralização administrativa é um tema muito bem discutido em Moçambique nos últimos


anos, principalmente, a partir da entrada em vigor da Constituição da República de
Moçambique (CRM) de 1990. Ao longo desses anos a compreensão e as exigências sobre a
implementação da descentralização aumentaram. Exemplo disso é a criação das autarquias
locais pela Lei n.o 2/97, atribuindo-lhes o poder de serem detentoras de finanças e património
próprios de modo a torná-las administrativa, financeira e patrimonialmente autónomas, posição
que veio a ser integrada na nova CRM de 2004.

A lei acima referida atribui às autarquias locais poderes, entre outros, de elaborar, aprovar,
alterar e executar seus planos de atividades e orçamentos, de dispor de receitas próprias e de
gerir o seu património, visando a sua sustentabilidade financeira. Portanto, é na autonomia e
sustentabilidade financeira das autarquias locais onde reside o objeto deste estudo.

Torna-se crucial destacar que os dispositivos legais retro mencionados atribuem às autarquias
locais o poder legal de, autonomamente, sobreviverem às custas de receitas próprias
arrecadadas dentro do seu território e geridas pelos respetivos órgãos, apesar da Lei nº 1/2008
reconhecer a existência de transferências orçamentais feitas através de fundo de compensação
autárquica, do apoio ao desenvolvimento autárquico e investimento público e das transferências
extraordinárias admitidas por lei, consideradas exceções de carácter complementar ao
orçamento das autarquias.

No entanto, o que nos apoquenta é o facto de que já passaram sensivelmente 20 anos desde que
as primeiras autarquias locais entraram em funcionamento em Moçambique, e o município da
cidade de Nampula foi um dos primeiros a ser criado, mas mesmo assim torna- se difícil afirmar
que este é ou não sustentável. Não obstante, consideramos este espaço temporal como suficiente
para aprimorar muitas medidas atinentes a sustentabilidade das autarquias locais e de modo
particular, do município da cidade de Nampula.

Por isso, sendo movidos por estas e outras circunstâncias, surge-nos a seguinte questão
problemática: Será que o Conselho Municipal da Cidade de Nampula (CMCN) já goza, jurídica
e materialmente, da autonomia financeira constitucionalmente prevista?
1.1.Objectivos do trabalho

a) Objectivo Geral

• Investigar a administração Autárquica em Moçambique e apresentar os pressupostos


para uma efectiva autonomia Administrativa e Financeira.

b) Objectivos específicos:

• Analisar os sistemas de organização administrativa do Estado;


• Desenvolver premissas básicas que possam concorrer para uma efectiva autonomia
administrativa e financeira das autarquias em Moçambique.

2. Sistemas de organização administrativa do Estado: a centralização e a


descentralização

Conforme Diogo Freitas do Amaral, organização administrativa é o modo de estruturação


concreta que, em cada época, a lei dá à Administração Pública de um país, e ela pode-se
classificar em concentração ou desconcentração e centralização ou descentralização.

A centralização é tida como “o sistema em que todas as atribuições administrativas de um dado


país são por lei conferidas ao Estado, não existindo, portanto, quaisquer outras pessoas coletivas
públicas incumbidas do exercício da função administrativa” e, diz-se descentralização
administrativa quando certos interesses locais são atribuídos a pessoas coletivas territoriais
cujos órgãos estão dotados de autonomia, podendo atuar livremente no desempenho dos
poderes, apenas sujeitos à fiscalização da legalidade dos seus atos pelos tribunais.

De acordo com Gilles Cistac, o conceito de descentralização acima pressupõe a conjugação de


três pressupostos, nomeadamente:

a) existência de interesses locais diferentes dos interesses nacionais;


b) a outorga de personalidade coletiva própria e diferente da do Estado e;
c) a modalidade da escolha dos titulares dos órgãos das autarquias locais, que é por
eleições.

2.1.A Descentralização administrativa em Moçambique

Vários fatores contribuíram para o início do processo de descentralização em Moçambique,


nomeadamente, a guerra civil que gerou a degradação política, económica e administrativa do
Estado; o acordo de paz celebrado entre a FRELIMO e a RENAMO em 1992, em Roma, pois
confirmou e consolidou mudanças económicas e políticas fundamentais em curso já desde
finais da década 80; a reforma da Constituição que introduziu o pluralismo e a democracia
multipartidária e as primeiras eleições presidenciais e gerais multipartidárias realizadas entre
os dias 27 e 29 de Outubro de 1994.

A primeira lei sobre descentralização foi aprovada mesmo antes do início do mandato da
Assembleia multipartidária em 1994, a Lei n.o 3/94, no âmbito do Programa de Reforma dos
Órgãos Locais (PROL) em curso desde 1991, que criava o quadro legal e institucional de
reforma dos órgãos locais, e foi revogada pela Lei n.o 2/97, ainda em vigor. Esta lei criou
condições para emenda constitucional de 1996, que introduziu uma revisão pontual à lei
fundamental do país, consagrando as autarquias locais como pessoas coletivas públicas, dotadas
de órgãos representativos próprios.

Mais tarde os esforços de recuperação traduzidos em políticas de reforma foram enquadrados


no Plano de Ação para a Redução da Pobreza Absoluta (PARPA II) e, consequentemente foram
aprovadas várias leis que compõem o quadro legal das autarquias locais, e em 1998 acontecem
as primeiras eleições autárquicas em Moçambique, consumando-se, assim, a descentralização.

2.2.As autarquias locais: conceito, atribuições e competências

A CRM integra os princípios sobre as autarquias locais no capítulo XIV que fala sobre o Poder
Local, ou seja, o nº 1 do art. 272 estabelece que “o Poder Local compreende a existência de
autarquias locais”, e no nº 2 do mesmo artigo define-as como sendo “pessoas coletivas
públicas, dotadas de órgãos representativos próprios, que visam a prossecução dos interesses
das populações respetivas, sem prejuízo dos interesses nacionais e da participação do Estado”.
O mesmo conceito foi adotado da Lei n.o 2/97, especificamente no n.o 2 do seu artigo 1.
Gilles Cistac retira deste conceito três elementos distintos: primeiro, as autarquias locais são
pessoas coletivas públicas; segundo, são dotadas de órgãos representativos próprios; terceiro e
último elemento, prosseguem os interesses das populações respetivas19.

Freitas do Amaral define as atribuições como sendo “...os fins ou interesses que a lei incumbe
as pessoas coletivas públicas de prosseguir”. Portanto, este autor entende ou defende que falar
de fins ou interesses é a mesma coisa que falar de atribuições.

O termo atribuições não é sinónimo de competências, pois, enquanto as atribuições se referem


às tarefas, fins ou interesses assumidos pela autarquia local, as competências traduzem-se no
conjunto de “poderes funcionais que a lei confere para a prossecução das atribuições das
pessoas coletivas públicas”.

A CRM garante às autarquias locais a administração, sob responsabilidade própria, de todos os


assuntos locais e, na Lei n.o 1/2008, o legislador consagra um núcleo fundamental de
atribuições essenciais para assegurar a autonomia local. Daí que atribui as seguintes
competências às autarquias locais: fazer o investimento público nas áreas de infra-estruturas
rurais e urbanas; saneamento básico; energia; transporte e comunicações; educação e ensino;
cultura, tempos livres e desporto; saúde; ação social e gestão ambiental. Porém, “os órgãos das
Autarquias locais só podem deliberar ou decidir no âmbito das suas competências locais e para
a realização das atribuições que lhes são próprias”.

2.3.Autonomia das Autarquias locais

Autores como Freitas do Amaral e Gilles Cistac defendem que a autonomia local é
verdadeiramente a expressão da descentralização administrativa, definindo-a como sendo o
direito e a capacidade efetiva das autarquias locais regulamentarem e gerirem, nos termos da
lei, sob sua responsabilidade e no interesse das respetivas populações, uma parte importante
dos assuntos públicos.

O princípio de autonomia local explicitamente patente no artigo 7 da Lei n.o 2/97, assim como
no artigo 3 da Lei n.o 1/2008, pode ser aplicado e se realizar em três perspetivas fundamentais,
a saber, a) perspetiva administrativa, b) perspetiva patrimonial e c) perspetiva financeira.
2.3.1. Autonomia Administrativa

De acordo com o nº 2 do artigo 7 da Lei n.o 2/97, a autonomia administrativa das autarquias
locais compreende dois poderes: poder normativo, que consiste na prática de atos definitivos
(poder regulamentar) e executórios (segundo os princípios de legalidade e especialidade) na
área da sua circunscrição territorial e, poder organizacional, pois as autarquias locais podem
criar, organizar e fiscalizar serviços destinados a assegurar a prossecução das suas atribuições.

2.3.2. Autonomia patrimonial

A autonomia patrimonial é o poder de ter o património próprio suposto e/ou tomar decisões
relativas ao património público no âmbito da lei. É nisto que a legislação autárquica espelha,
quando estabelece, no nº 4 do artigo 7 da Lei nº 2/97, e nº 3 do artigo 3 da Lei nº 1/2008, que
“a autonomia patrimonial consiste em ter património próprio para a prossecução das atribuições
das autarquias locais”.

2.3.3. Autonomia financeira

De acordo com Gilles Cistac citando François Labie, a autonomia financeira das autarquias
locais reveste uma dupla dimensão:

“Uma dimensão jurídica em primeiro lugar, que consiste no conhecimento de livre poder de
decisão das autoridades locais tanto em matéria de receitas como em despesas, poder que não
deve ser travado pelos controlos muito estritos da parte do Estado [...]; em seguida uma dimensão
material, que consiste na possibilidade para as autarquias locais de assegurar a cobertura das suas
próprias despesas por recursos próprios sem ser obrigado recorrer para equilibrar os seus
orçamentos aos subsídios do Estado. Por outras palavras, sobre um plano material, a autonomia
financeira define-se não mais em termos de capacidade jurídica mas em termos de independência
material em relação ao Estado”.

Nos termos do nº 1 do artigo 276 da CRM, as autarquias locais têm finanças próprias. E o nº 3
do artigo 7 da Lei nº 2/97 dispõe claramente que:

A autonomia financeira compreende os seguintes poderes:

a) elaborar, aprovar, alterar e executar planos de atividades e orçamento;


b) elaborar e aprovar as contas de gerência;
c) dispor de receitas próprias, ordenar e processar as despesas e arrecadar as receitas
que, por lei, forem destinadas às autarquias (o grifo é nosso);
d) gerir o património autárquico;
e) recorrer a empréstimos nos termos da legislação em vigor.

A alínea d) do nº 2 do artigo 3 da Lei nº 1/2008, acrescenta o poder de “realizar investimentos


públicos” que não estava contemplado no leque dos poderes financeiros estabelecidos pela Lei
nº 2/97.

Praticamente as autarquias locais precisam de dispor de meios financeiros próprios, ou seja, a


descentralização é eficiente se as autarquias locais dominarem verdadeiramente as suas
finanças. É nesta vertente que Eduardo Nguenha, Uri Raich e Bernhard Weimer, citando
Bardhan, afirmam que “quanto mais capacidade os governos locais têm de obter receita a partir
das suas bases tributárias próprias, maior a sua responsabilidade (accauntability) para com os
cidadãos e menor o risco de captura dos benefícios provenientes da despesa pública pela elite
local”. Ou seja, eles consideram que há maior controlo dos gastos com as receitas provenientes
dos impostos e outras fontes de receitas próprias dos governos locais do que dos gastos
provenientes das ajudas internacionais ou das transferências intergovernamentais.
3. Conclusão

O processo de descentralização é relativamente antigo em Moçambique apesar de que se tornou


mais consistente a partir do fim dos anos 80. Com efeito, desde a segunda metade do século
XIX, a descentralização é uma questão de natureza política que interessa directamente à
Moçambique como província ultramarina de Portugal.

A proclamação da independência do país, em 1975, provocou uma ruptura profunda na forma


da organização administrativa herdada do Estado colonial. Contudo, apesar desta ruptura,
algumas das características da administração colonial continuaram a persistir até os nossos dias.
Moçambique herdou uma estrutura administrativa essencialmente baseada no princípio de
centralização que se traduziu, nomeadamente, na centralização do poder de decisão a nível dos
órgãos superiores da administração central. A natureza do regime político alterou-se
substancialmente, mas não foi possível, na fase inicial da independência do país, estender este
movimento até ao conjunto das estruturas administrativas do Estado. A necessidade de reforçar
a unidade nacional e a liderança do partido único, além do imperativo de atingir alguns
objectivos sociais, económicos e políticos, aconselhou a manutenção do “centralismo da
decisão administrativa”.

Portanto, o modelo ideal de descentralização territorial que foi imaginada no fim dos anos 90
em Moçambique foi introduzido numa realidade “agressiva”: insuficiências de meios materiais
e financeiros, exiguidade dos recursos humanos, nomeadamente, do pessoal bem formado nas
novas técnicas da descentralização, infra-estruturas, a maior parte do tempo, degradadas e/ou
em mau estado de funcionamento e dos eleitores na expectativa de uma mudança radical na
gestão dos recursos locais.

Contudo, as autarquias locais souberam fazer face a essas dificuldades com mais ou menos
sucesso e a imensa maioria dos cidadãos moçambicanos reconhece a sua utilidade. A
descentralização é, por natureza, um processo e, como qualquer processo social, o elemento
temporal desenvolve um papel importante na estruturação progressiva da sua dinâmica. O
processo de descentralização é ainda jovem em Moçambique e terá ainda necessidade do apoio
do Estado. O Estado deve medir os efeitos da descentralização - processo que ele próprio
empreendeu - e estar consciente do grande potencial criativo que este processo pode gerar.
4. Referências bibliográficas

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Coimbra, 1998.

ARAÚJO, MANUEL MENDES DE, Cidade de Nampula: A rainha do norte de Moçambique,


in Finisterra, XL, 79, 2005.

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CAETANO, MARCELLO, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, 10a Ed., Ver. e atualiz.,
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Legislação consultada

MOÇAMBIQUE, Constituição da República de Moçambique, Boletim da República, I Série,


número 44, de 2 de Novembro de 1990.

MOÇAMBIQUE, Constituição da República de Moçambique, Boletim da República, I Série,


número 51, de 22 de Dezembro de 2004.

Moçambique, Lei n° 3/94, de 13 de Setembro, Cria os distritos municipais. Boletim da


República, I Série, número 37, 2° Suplemento, de 13 de Setembro de 1994.
MOÇAMBIQUE, Lei no 2/97, de 18 de Fevereiro, Aprova o quadro jurídico para a implantação
das autarquias locais. Boletim da República, I Série, número 7, de 18 de Fevereiro, 1997.

MOÇAMBIQUE, Lei no 1/2008, de 16 de Janeiro, Define o regime financeiro, orçamental e


patrimonial das autarquias locais e o Sistema Tributário Autárquico. Boletim da República, I
Série, número 3, de 16 de Janeiro, 2008.

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