Livro-Trabalho e Sociabilidade Unidade I

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Trabalho e Sociabilidade

Autora: Profa. Angélica L. Carlini


Colaboradora: Profa. Amarilis Tudella
Professora conteudista: Angélica L. Carlini

Doutora em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Doutora em Educação
pela PUC-SP. Mestre em Direito Civil pela UNIP. Mestre em História Contemporânea pela PUC-SP. Graduada em
Direito pela PUC-SP. Pós-doutorado em Direito Constitucional pela PUC-RS. Docente da área de Direito da UNIP.
Professora colaboradora do programa de mestrado em Administração da UNIP. Membro da Comissão de Qualificação
e Avaliação da UNIP. Professora e Coordenadora do MBA de Gestão Jurídica de Seguros e Inovação da Escola de
Negócios e Seguros (ENS). Vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCONT). Membro do
Conselho Científico do Comitê Ibero Latino-Americano da Associação Internacional de Direito de Seguro (Aida).
Advogada e parecerista. Pesquisadora na área de inovação e seguro pelo centro de pesquisa e economia do seguro
da Escola de Negócios e Seguros.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

C282t Carlini, Angélica L.

Trabalho e Sociabilidade / Angélica L. Carlini. – São Paulo:


Editora Sol, 2021.

148 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230.

1. Sociedade. 2. Organização. 3. Trabalho. I. Título.

CDU 301.188.1

U511.73 – 21

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor

Prof. Fábio Romeu de Carvalho


Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças

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Vice-Reitora de Unidades Universitárias

Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez


Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa

Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez


Vice-Reitora de Graduação

Unip Interativa – EaD

Profa. Elisabete Brihy


Prof. Marcello Vannini
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Bruno Barros
Aline Ricciardi
Sumário
Trabalho e Sociabilidade

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................7

Unidade I
1 TRAJETÓRIA HISTÓRICA DO TRABALHO NAS SOCIEDADES ORGANIZADAS................................9
1.1 Formação do Estado e das formas de governo......................................................................... 20
1.2 O absolutismo......................................................................................................................................... 22
1.3 Revoluções burguesas: Inglaterra, Estados Unidos e França............................................... 26
1.4 Os principais pensadores do Estado moderno........................................................................... 31
1.5 A Revolução Industrial........................................................................................................................ 43
2 PENSAMENTO LIBERAL E PENSAMENTO MARXISTA: PRODUÇÃO E TRABALHO..................... 50
3 ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL E A DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA.......................................... 59
4 CAPITALISMO HEGEMÔNICO E GLOBALIZAÇÃO.................................................................................. 70

Unidade II
5 DEFINIÇÃO DE TRABALHO: FORMAS DE ORGANIZAÇÃO EMPRESARIAL
DO TRABALHO....................................................................................................................................................... 79
5.1 Formas de organização empresarial.............................................................................................. 86
6 TECNOLOGIA, SOCIEDADE E PRODUÇÃO ECONÔMICA..................................................................... 96
7 NOVAS FORMAS DE PRODUÇÃO E TRABALHO: PLATAFORMAS DIGITAIS,
EMPREENDEDORISMO DIGITAL E NECESSIDADE DE PROTEÇÃO JURÍDICA
E SOCIAL DO TRABALHADOR.........................................................................................................................106
8 TRABALHO E SOCIABILIDADE....................................................................................................................126
8.1 O papel do serviço social na sociedade 4.0..............................................................................133
APRESENTAÇÃO

É um momento histórico importante para estudarmos trabalho e sociabilidade, tão relevantes


para a vida humana, porque estamos em uma fase de transição migrando para uma sociedade cada
vez mais conectada e digital.

As novas tecnologias de informação tornaram a sociedade mais dinâmica, em condições de saber


em tempo real tudo o que acontece em qualquer parte do planeta, sempre com imagens que circulam
rapidamente pelo mundo como também circulam pessoas, bens de consumo, vírus, novos hábitos,
tendências culturais e políticas.

Esse mundo tecnológico já foi chamado de muitas formas diferentes pelos estudiosos: sociedade
pós-moderna, sociedade em rede, sociedade de informação, sociedade de inovação entre outros. Mas o
mais importante não é a denominação que possa ser dada ao conjunto de características da sociedade
contemporânea. O mais importante é nos dedicarmos à reflexão de como essas novas características
da sociedade afetam as relações sociais e, muito em especial, as relações de produção e trabalho.

Com aportes teóricos, reflexões e análises da realidade, o percurso pretende iluminar a prática
dos profissionais de serviço social, para que ela se concretize de forma muito positiva em um mundo
marcado por transformações importantes que precisam ser conhecidas, analisadas e compreendidas.
A atuação dos profissionais de serviço social, assim como em outras categorias profissionais, educação,
por exemplo, precisa estar afinada com as transformações dos modos de produção e da organização
da vida em sociedade, para que os projetos e a construção das políticas públicas levem em conta as
possibilidades e particularidades do nosso tempo.

Nosso olhar atento de estudiosos das relações sociais deve percorrer os diferentes aspectos que
na atualidade caracterizam o mundo em que vivemos, como esses aspectos impactam o Brasil e sua
sociedade e que reflexões poderemos construir para concretizarmos um país mais livre, justo e
solidário que a Constituição Federal determinou como objetivo maior a ser alcançado.

INTRODUÇÃO

O fio condutor de nossos estudos são as relações que se constroem a partir do mundo do
trabalho. É um objetivo vigoroso e complexo que vai exigir nossos melhores esforços de estudo,
pesquisa e reflexão.

Para que possamos dar conta dos objetivos, vamos estudar, primeiramente, a trajetória histórica
do trabalho nas sociedades organizadas; o pensamento liberal e o pensamento marxista nas relações
de produção e de trabalho; e o estado de bem-estar social e os fundamentos da doutrina social da
Igreja, que foram relevantes para a regulação das relações de trabalho. Vamos finalizar com a análise
sobre o capitalismo como prática hegemônica e a globalização que vivemos no mundo a partir do fim
da Guerra Fria, em 1989.

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Depois, vamos nos dedicar a compreender a sociedade contemporânea, tecnológica e de
informação e como se dá a produção nesse novo cenário. Em seguida, vamos analisar o mundo do
trabalho e suas relações nesse ambiente de predomínio tecnológico, em especial a terceirização, o
teletrabalho, o trabalho intermitente, os novos espaços de trabalho (coworking e home office), e
como os instrumentos tecnológicos impactam as relações de trabalho, com o uso da inteligência
artificial, das máquinas que aprendem (machine learning) e outras tecnologias de produção.

Vamos encerrar refletindo sobre as novas formas de trabalho nas plataformas digitais, as relações
sociais na sociedade em rede e, em especial, sobre o papel do profissional de serviço social nesse
mundo em transição.

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TRABALHO E SOCIABILIDADE

Unidade I
1 TRAJETÓRIA HISTÓRICA DO TRABALHO NAS SOCIEDADES ORGANIZADAS

Os estudos históricos e antropológicos apontam que os seres humanos sempre viveram em grupos.
As pesquisas que conhecemos sobre a história da humanidade relatam que os homens sempre viveram
em grupo para sobreviver, porque juntos possuíam maior força física para solucionar os problemas
da alimentação, abrigo e defesa contra animais, contra outros grupos humanos e a defesa contra os
imprevistos da natureza.

O grande temor dos primeiros habitantes humanos da Terra foram os fenômenos naturais, como
chuvas, terremotos, raios e trovões, ou ainda o frio ou calor intensos que provocam riscos para a
sobrevivência. Foi preciso utilizar força física, inteligência e capacidade de organização do grupo
para garantir alimentação e abrigo para enfrentar as diferentes dificuldades naturais. Em grupos,
os homens se protegeram, se defenderam e se organizaram para produzir de forma eficiente o
necessário para sua sobrevivência, inclusive para a procriação de filhos para se constituírem em novos
componentes do grupo.

Os estudos da área de antropologia, sociologia e outros permitem o conhecimento sobre as


diferentes formas de organização social nas quais os homens criaram sua experiência no planeta Terra.

Em decorrência da existência desses estudos, pudemos saber que a história da humanidade


foi construída por sociedades muito organizadas, outras, nem tanto; em alguns momentos pela
predominância do poder matriarcal e, em outros, pelo predomínio do poder patriarcal. Tivemos
grupos nômades e outros que se fixaram em territórios; conhecemos grupos que se relacionavam
facilmente com outros e, ao contrário, outros grupos que não estabeleceram relações amistosas ou
que demoraram paraEcoexistir com outros grupos organizados.

A história da humanidade é a história da diversidade nas formas de organização social e,


principalmente, da diversidade de opções na produção, sobrevivência e bem-estar. Cada grupo social
construiu maneiras diversas de organização social, de distribuição do poder e da produção e, por isso,
refletir sobre essas diferentes formas é um ótimo exercício para compreendermos a sociedade como
a conhecemos no mundo contemporâneo.

Vamos fazer uma rápida passagem por importantes marcos da história da humanidade, que
certamente você já estudou em outros momentos, mas que agora servirão de balizadores para nossas
reflexões em torno do trabalhos e da sociabilidade.

Parece ser possível afirmar que os homens sempre trabalharam mesmo no período que definimos
como fase anterior à agrícola, e, para desenvolverem seu trabalho, produziram várias formas de
9
Unidade I

conhecimento em relação ao meio em que viviam. Yuval Noah Harari, doutor em História pela
Universidade de Oxford e professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, faz importantes
observações a respeito desse período. Leia com atenção:

Que generalizações podemos fazer sobre a vida no mundo pré-agrícola,


então? Parece seguro afirmar que a grande maioria das pessoas vivia
em pequenos bandos compostos de várias dezenas ou, no máximo,
várias centenas de indivíduos e que todos esses indivíduos eram humanos.
É importante observar esse último aspecto, porque ele está longe de ser
óbvio. A maioria dos membros de sociedades agrícolas e industriais são
animais domesticados.

[...]

A maioria dos bandos de sapiens vivia se deslocando, vagando de um lado


para outro em busca de alimentos. Seus movimentos eram influenciados
pela mudança de estações, pela migração anual de animais e pelo ciclo de
crescimento das plantas. Eles costumavam viajar de um lado para outro
no mesmo território, uma área cuja extensão ficava entre várias dezenas
de muitas centenas de quilômetros quadrados.

Na maioria dos habitats, os bandos de sapiens se alimentavam de maneira


versátil e oportunista. Eles saíam à procura de cupins, coletavam bagas,
desenterravam raízes, capturavam coelhos e caçavam bisões e mamutes.
Apesar da imagem difundida de “caçador”, a coleta era a atividade
principal dos sapiens e lhe fornecia a maior parte de suas calorias, além de
matérias-primas como sílex, madeira e bambu.

Os sapiens não saiam apenas à procura de alimentos e materiais. Também


saíam à procura de conhecimento. Para sobreviver, precisavam de um
detalhado mapa mental de seu território. Para maximizar, a eficiência de sua
busca cotidiana por alimento, precisavam de informações sobre padrões
de crescimento de cada planta e os hábitos de cada animal. Precisavam
saber quais alimentos eram nutritivos, quais eram nocivos e quais podiam
ser usados como remédio e de que forma. Precisavam conhecer o progresso
das estações do ano e os sinais de alerta que precediam a uma tempestade
ou um período de seca. Estudavam cada correte, nogueira, caverna de
urso e depósito de sílex nas redondezas. Cada indivíduo precisava
entender como fabricar uma faca de pedra, como remendar um manto
rasgado, como preparar uma armadilha para um coelho e como enfrentar
avalanches, picadas de cobra ou leões famintos. O domínio de cada uma
dessas habilidades requeria anos de aprendizado e prática. [...]

10
TRABALHO E SOCIABILIDADE

Em outras palavras, o caçador-coletor médio tinha conhecimentos mais


abrangentes, mais profundos e mais variados de seu meio imediato do que
a maioria de seus descendentes modernos. Hoje, a maioria das pessoas nas
sociedades industriais não precisa saber muito para sobreviver. [...]

Há alguns indícios de que o tamanho médio do cérebro de um sapiens


efetivamente diminuiu desde a era dos caçadores-coletores. A sobrevivência
naquela época requeria de cada indivíduo habilidades mentais sofisticadas
(HARARI, 2016, p. 54).

Figura 1

É importante refletir sobre o fato de que os Homo sapiens não eram meros coletores da natureza,
mas também desenvolviam atividade de construção de conhecimento para aprender habilidades que
pudessem garantir sua subsistência. Isso, de fato, é muito semelhante ao que fazemos na atualidade
em nossas atividades de trabalho: desenvolvemos o intelecto na construção de conhecimento a fim
de desempenhar atividades pelas quais somos remunerados e pagar o que é necessário para uma vida
digna como alimentos, moradia, roupas e outros.

O trabalho e suas diversas formas ao longo da história parece ser um importante fio condutor para
compreendermos a trajetória da humanidade e das relações sociais.

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Unidade I

Observação

Alguns trabalhos do professor Yuval Harari têm como característica não


serem escritos em formato acadêmico, tanto que se tornaram livros muito
vendidos em todo o mundo, verdadeiros best sellers. Isso não retira deles o
caráter científico e metodológico das informações, pois o currículo do
professor Harari é muito bom e seu trabalho reflete a excelência de seus
estudos e de sua formação. Escrever de forma simples e que facilite
a compreensão de leigos não diminui a seriedade e confiabilidade
das informações. Vale a pena conhecer as reflexões desse importante
autor contemporâneo.

Vamos prosseguir acompanhando a linha do tempo da humanidade e suas relações como trabalho.
Adhermar Marques afirma:

As primeiras civilizações desenvolveram-se em um período conhecido


tradicionalmente como História Antiga. Esse período histórico engloba a
Antiguidade Oriental e a Antiguidade Ocidental.

Durante a Antiguidade Oriental desenvolveram-se as sociedades que, de


acordo com uma determinada concepção historiográfica, são consideradas
“históricas”, uma vez que já dominavam a escrita.

Entre elas, destacaram-se as sociedades egípcia e mesopotâmica,


consideradas civilizações agrícolas dos grandes rios. Além destas,
destacaram-se, também, na região do Oriente Próximo, as civilizações
desenvolvidas pelos fenícios, persas e hebreus.

Diferentemente dos demais povos das civilizações agrícolas, os fenícios


destacaram-se como grandes navegadores, tendo no comércio marítimo a
sua principal atividade econômica. Isso os habilitou a manter um intenso
contato com outros povos, dos quais assimilaram valores culturais.

[...]

Aos fenícios é atribuída a criação do alfabeto, necessário para a elaboração


de uma documentação simplificada essencial aos seus negócios. Esse
alfabeto, que acabou substituindo os complicados sistemas hieroglífico
dos egípcios e cuneiforme dos mesopotâmicos, foi posteriormente
aperfeiçoado por gregos e romanos, sendo considerado, por muitos
historiadores, o maior legado dessa civilização.

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TRABALHO E SOCIABILIDADE

Os persas construíram o maior império da Antiguidade Oriental, que se


estendeu do Rio Nilo ao Rio Indo, diferentemente das civilizações agrícolas
e da civilização marítima dos fenícios, tiveram como base de sua economia
a atividade nômade-pastoril (MARQUES, 2006, p. 10).

Repare que tanto os fenícios como os persas desenvolveram atividades de produção – agrícola
ou de comércio marítimo – e por meio delas, desenvolveram suas relações sociais e de organização.
A necessidade de sobrevivência incentivou os grupos sociais para a produção de alimentos e de
bens para sua proteção. Com o tempo, a sobrevivência deixou de ser a única razão do trabalho e
da produção, surgindo novas necessidades sociais e de ampliação de domínios territoriais que levaram
a humanidade por caminhos de sempre cada vez maior e intensa produção.

O trabalho está na base do da organização e da sobrevivência da humanidade e, nesse sentido,


Adhemar Marques ressalta:

Todas as sociedades da Antiguidade Oriental desenvolveram-se a partir


da chamada “Revolução Agrícola”, ocorrida há, aproximadamente, 8 mil
anos. Tratou-se de um processo histórico que permitiu a fixação os grupos
humanos em determinadas regiões (sedentarização), o que contribuiu
para um significativo aumento demográfico em função do crescimento
da oferta de alimentos (agricultura e criação de animais). Observaram-se
também, nesse momento, uma complexidade maior da técnica
aplicada às atividades produtivas e uma especialização do trabalho
(MARQUES, 2006, p. 12).

Em razão das técnicas de cultivo – agricultura – e da criação de animais com a finalidade de


contribuir para o trabalho e também para o alimento, grupos sociais puderam se fixar em determinadas
regiões quase sempre mais produtivas, com facilidade de acesso à água, terras férteis e terrenos que
viabilizem o plantio, ou seja, pouco pedregosos e inclinados, de forma a tornar a produção mais
eficiente. Ao mesmo tempo, a fixação no mesmo território de grande quantidade de pessoas tornou
relevante a organização dos grupos sociais e fez surgir a hierarquia entre os homens, classes sociais e
outras formas de organização que os historiadores estudam incessantemente.

Adhemar Marques afirma que nas civilizações da chamada Antiguidade Oriental, algumas
características merecem destaque, como, por exemplo:

— Economia baseada na agricultura e com a produção de excedentes.

— Construção de grandes obras de engenharia, como canais de


irrigação e diques.

— Crescente divisão do trabalho e início da exploração social, uma vez


que alguns homens passaram a se apropriar permanentemente dos
excedentes produzidos.
13
Unidade I

— Surgimento de uma elite formada por líderes militares, sacerdotes e


membros da realeza e nobres.

— Regime de trabalho predominantemente compulsório, prestado por


servos e escravos.


Centralização político-administrativa, que culminou com
a constituição do Estado, no qual o poder encontrava-se
institucionalizado e era exercido sobre o conjunto da sociedade
num determinado território. Essa instituição foi importante
para a mobilização de numerosos contingentes de trabalhadores
indispensáveis à realização de obras de drenagem e irrigação e para
a “agricultura de regadio” (MARQUES, 2006, p. 13).

Podemos perceber que algumas questões que atormentam a sociedade até hoje têm sua origem
em um passado muito distante e que, nem por isso, conseguimos encontrar a solução para problemas
como regime de trabalho compulsório ou escravo; surgimento de elite; e exploração social de alguns
homens em relação a outros.

O trabalho como atividade humana de subsistência está presente em todas as diferentes épocas
da história da humanidade como teremos oportunidade de analisar detalhadamente. Da produção
agrícola inicial dos primeiros tempos históricos da agricultura, passando pela Revolução Industrial
até chegar ao momento em que vivemos: a chamada sociedade de inovação, com automação da
produção industrial e de muitas áreas de prestação de serviços, a Indústria 4.0. O trabalho e os
trabalhadores foram e continuam sendo elementos essenciais para construirmos um diálogo com a
organização do Estado e com as formas de governo, a fim de podermos analisar a história e contribuir
para a construção do futuro.

No campo das relações de trabalho, os problemas e tensões precisam ser solucionados de forma
institucional, ou seja, por meio da aprovação de normas para organização e proteção do trabalhador,
da remuneração e para possibilidades de empregabilidade. A prevalência da força de alguns grupos
sobre outros – povos conquistadores sobre conquistados –, ou da elite sobre os homens comuns não
foi uma solução capaz de viabilizar harmonia e paz social. Ao contrário, os atritos na área das relações
de trabalho sempre existiram e até hoje causam consequências sociais, econômicos e políticas.

O trabalho foi sempre uma relação essencial para a sociedade nas diferentes épocas históricas que
a humanidade vivenciou. Da mesma maneira foi essencial para a formação do Estado e das formas de
governo, bem como para a organização dos diferentes grupos humanos que agem em cada sociedade.

A ideia de Estado surge exatamente da necessidade de organizar os grupos sociais para que eles
respeitem uma determinada ordem e, desse modo, vivam em paz e com oportunidade de garantir
sobrevivência e bem-estar. Subjacente a essa ideia de organização está, evidentemente, a ideia de
poder, como ele se constitui, se organiza e se mantém.

14
TRABALHO E SOCIABILIDADE

Quem deve exercer o poder em um determinado grupo social?

Seja em uma tribo ou em uma cidade-Estado, como viviam os gregos, ou em um império, como
viveram os romanos durante um largo período de tempo, não importa a forma como tenham se
organizado, quem é que tem legitimidade para mandar e exigir obediência às suas ordens?

O poder deve ser exercido por aqueles que tenham mais força física ou por aqueles que tenham
mais capacidade intelectual? O poder deve ser exercido isoladamente por um único membro do grupo
ou deve ser exercido por diferentes membros em sistema de alternância? O poder deve ser absoluto ou
seguir regras votadas por todo o grupo?

Como podemos perceber, existem muitas questões a serem discutidas e decididas pelos diferentes
grupos sociais em todo o mundo, sob pena de não conseguirem se organizar de forma eficiente e
adequada para suas necessidades e para manutenção de seus valores.

Todas essas questões que estamos começando a discutir estão na base da ideia de Estado
politicamente organizado e, até hoje, podemos afirmar que não foi possível encontrar uma forma de
governo que atenda todas as necessidades dos homens, que satisfaça todos os anseios de uma vida
em paz e com garantia de qualidade de vida adequada para atender todas as necessidades dos seres
humanos. Ao contrário, quanto mais avançamos nas questões de produção e de consumo, quanto
mais complexas se tornaram as relações na sociedade contemporânea, mais difícil é encontrar uma
forma de organização de Estado e de governo que agrade a todos os cidadãos, que traga paz social e
condições dignas de vida para todos.

Na atualidade, em muitos países do mundo, assistimos diariamente a um desfile de problemas


que estão diretamente relacionados com a organização do Estado e do governo, problemas variados
e complexos que nos evidenciam que embora tenhamos avançado bastante enquanto sociedades
organizadas, ainda não conseguimos encontrar formas de garantia da paz e do bem-estar para todos.

A história da humanidade é repleta de conflitos políticos e sociais que nada mais foram do que
disputas pelo poder. No século XX, duas guerras mundiais convulsionaram a Europa em razão da
luta pela tentativa de organização de um poder hegemônico, que dominasse grande parte daquele
território, como pretendeu o nacional-socialismo ou nazismo, como ficou conhecido o movimento
liderado por Adolf Hitler.

Mas no século XXI, ou seja, nesse exato momento em que vivemos e estudamos sobre trabalho e
sociabilidade, a mesma Europa vivencia a triste experiência de assistir a grupos de refugiados políticos
que se lançam em perigosas travessias marítimas ou terrestres para poderem chegar a outros países.
Alimentam a esperança de encontrar em novos países meios melhores para viver.

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Unidade I

Figura 2

Observe a seguir os dados da Agência da Organização das Nações Unidas (ACNUR) sobre refugiados
em todo o mundo no ano de 2019.

Figura 3

São milhares de pessoas que deixaram a Síria, por exemplo, para fugir de uma guerra civil que
teve início em 2010 e que ainda não terminou e gera grande número de mortos e feridos a cada ano,
além de pessoas que não se sentem seguras naquele país e se refugiam em outro lugar até que a
guerra termine.

16
TRABALHO E SOCIABILIDADE

Repare que os sírios foram em 2019 o maior contingente de refugiados segundo o quadro da
ACNUR, com seis milhões e seiscentos mil pessoas que se tornaram refugiados.

Parte dos europeus é favorável à chegada dos refugiados e defende que eles devem receber
ajuda humanitária e que esforços sejam realizados para que eles sejam plenamente integrados nos
novos países. A Turquia, por exemplo, foi o país do mundo que mais recebeu refugiados segundo
dados da ACNUR.

Existem, porém, países contrários ao recebimento de refugiados, seja em decorrência de problemas


econômicos que possuem e que poderão vir a ser potencializados em razão da chegada de mais
pessoas, seja porque temem que entre os refugiados estejam membros de grupos extremistas com
intenção de viabilizar práticas terroristas.

Os refugiados são diferentes dos imigrantes. Refugiados abandonam seu país porque estão em
risco, porque podem ser atingidos por guerras internas, atos terroristas, perseguição de governos que
se opõem às suas tendências políticas ou até mesmo a sua identidade étnica. Refugiados também
fogem da escassez de alimentos e condições mínimas de vida segura, como acontece nas regiões
devastadas por acidentes da natureza como terremotos, por exemplo. O Haiti é um dos exemplos mais
frequentes de país com alto número de refugiados em decorrência das precárias condições sanitárias
e de segurança alimentar decorrentes de terremotos que devastaram grandes áreas daquele país.

Imigrantes procuram novas opções de vida, de trabalho ou experiências culturais pelas quais
se sentem atraídos. São diferentes dos refugiados que a rigor, não têm mais opção de vida com
segurança em seus países e aceitam correr o risco de fugir para outro país em que nem sempre são
bem recebidos ou morar em acampamentos de refugiados em condições muito precárias.

Figura 4 – Acampamento de refugiados da ACNUR

17
Unidade I

O que fazer com os refugiados?

Esse é um problema complexo para o qual a humanidade não encontrará soluções simples. E não é
um problema tão distante da realidade brasileira como foi no passado. Leia a nota a seguir publicada
no portal da ACNUR (2020) em janeiro de 2020:

A Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) parabenizou hoje o Governo


do Brasil pelo reconhecimento de cerca de 17 mil venezuelanos como
refugiados. A decisão faz parte do procedimento facilitado de prima
facie aprovado em dezembro de 2019 pelo Comitê Nacional para
Refugiados (CONARE).

Desde que a primeira decisão do Comitê foi tomada, no início de dezembro,


venezuelanas e venezuelanos solicitantes da condição de refugiado que
atenderem aos critérios necessários terão seu procedimento acelerado,
sem a necessidade de entrevista.

Com a decisão de hoje, foram considerados elegíveis para a condição


de refugiado pessoas que tiveram até uma saída do Brasil desde 2016.
Até o momento, mais de 37 mil venezuelanas e venezuelanos foram
reconhecidos no Brasil, tornando-se o país com o maior número de
refugiados venezuelanos reconhecidos na América Latina.

As pessoas não podem ter qualquer tipo de permissão de residência, devem


ter mais de 18 anos, possuir um documento de identidade venezuelano e
não ter antecedentes criminais.

Tal medida reforça o papel do Brasil na proteção de refugiados na região,


e deriva do reconhecimento, em junho de 2019, da situação de grave e
generalizada violação de direitos humanos na Venezuela, em linha com a
Declaração de Cartagena de 1984 sobre os refugiados.

“O procedimento facilitado para o reconhecimento do status de refugiado


é uma forma muito eficaz de garantir maior proteção a essas milhares de
pessoas”, disse o representante da ACNUR no Brasil, José Egas, em Brasília.
“Essa postura reforça o compromisso do governo brasileiro em garantir
direitos às milhares de pessoas venezuelanas que buscam proteção no
Brasil”, ressaltou (ACNUR, 2020).

Como sabemos, a Venezuela tem vivido período histórico de grave crise política e consequentemente
econômica, que fez com que milhões de pessoas deixassem aquele país na condição de refugiados
para tentar viver de forma mais segura e digna em outros países. A proximidade geográfica tornou o
Brasil um dos destinos mais procurados pelos venezuelanos.

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TRABALHO E SOCIABILIDADE

No passado recente e por motivos semelhantes, foram os bolivianos que deixaram seu país e
vieram para o Brasil. Segundo dados da Polícia Federal e da Secretaria Municipal de Direitos Humanos
e Cidadania de São Paulo, são mais de 75 mil bolivianos vivendo na capital do estado (apud SP2, 2020).

Os refugiados abandonam seus países, famílias, pertences, sua cultura, porque não enxergam
mais possibilidades de vida digna onde estão. Precisam sair para poder tentar uma vida mais segura
e com melhor qualidade. Quase sempre por trás dessa decisão difícil, estão problemas políticos e
econômicos e, muitas vezes, é difícil saber qual deles começou primeiro: se o econômico ou o político.
Mesmo quando se trata de eventos da natureza como furacões, tufões ou terremotos, em países de
governos mais estáveis e economia produtiva, a recomposição da situação é razoavelmente rápida
e as vítimas são assistidas naquilo que necessitam, sem que seja preciso fugir. Em países nos quais a
estrutura econômica e estatal é precária, corroída pela corrupção e pelas práticas de governo pouco
honestas, não existem recursos para atender as vítimas de tragédias da natureza. Nesses casos, fugir
é a única solução para muitas pessoas.

A organização política e governamental está, quase sempre, na base dos problemas que a
humanidade enfrenta e que geram milhões de vítimas em muitas partes do mundo.

Mesmo no Brasil vivemos nos últimos trinta anos problemas políticos e econômicos que têm em
sua origem dificuldades para organizar o Estado e as formas de governo.

Já há algum tempo que o debate sobre corrupção, impeachment (perda do mandato por crime
de responsabilidade, entre outros motivos previstos na Constituição Federal), recursos financeiros
para campanhas políticas, caixa dois (dinheiro não contabilizado para fins tributários) e lavagem de
dinheiro tomaram conta do cenário político brasileiro, desvendaram práticas de corrupção muito
antigas e de desvio de dinheiro público lamentáveis e motivaram a população brasileira a participar
de manifestações de rua que poucas vezes haviam ocorrido com tanta intensidade e quantidade.

Foram muitos momentos na história recente do país em que a população se organizou.


Atualmente, por meio das redes sociais, foi às ruas das principais cidades do país e manifestou seu
intenso desagrado pelas práticas de políticos e partidos, pela corrupção em empresas que eram ícones
em produtividade, como a Petrobras e, principalmente, pelo mau uso do dinheiro público em muitos
setores da administração governamental. Essas manifestações amplamente divulgadas pela imprensa
mostraram que o país vive um período verdadeiramente democrático, em que a manifestação do
pensamento é livre para todos e não pode ser proibida, salvo se praticada com irresponsabilidade ou
com destruição de patrimônio público ou privado.

Em todas essas situações – guerras, refugiados, corrupção de políticos – as questões de Estado


e formas de governo estão presentes e são um dos principais pontos do debate. Afinal, a forma de
organização do Estado e do governo repercute no âmbito político, social e econômico, na geração
de empregos, na distribuição de renda, na viabilidade de acesso de cada cidadão a uma vida digna ou
marcada por condições precárias.

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Unidade I

A depender da forma como o Estado e as formas de governo se organizam e atuam, os cidadãos


terão melhores condições de acesso à saúde, à educação, à seguridade social, ao emprego, à
aposentadoria, entre outros direitos sociais que no Brasil estão expressamente colocados no artigo 6º
da Constituição Federal, lei mais importante do país.

Assim, é essencial conhecer a formação histórica e política do Estado e as formas de governo, porque
isso pode aprimorar nossa percepção sobre diferentes situações políticas, históricas e sociais e auxiliar a
construir opiniões críticas e propostas profissionais mais adequadas e eficientes em serviço social.

1.1 Formação do Estado e das formas de governo

A ideia de Estado está entre as mais antigas no pensamento político mundial.

Como vimos anteriormente, a opção por viver em grupo e de forma organizada foi adotada pelos
primeiros seres humanos que habitaram o planeta Terra, mas, nem por isso, deixou de ser uma forma
de vida marcada por embates e tensões, porque a luta pelo poder é um traço marcante na vivência
dos diferentes grupos sociais.

Os estudos e pesquisas apontam que em cada um dos períodos da história da humanidade,


existiram grupos e lideranças que foram responsáveis pela organização social, com o objetivo de
garantir a preservação e a sobrevivência da espécie humana.

É razoável pensar que nos períodos mais antigos, o poder fosse exercido pelos mais fortes, por
aqueles em melhores condições físicas para impor pela força a liderança das atividades sociais.
Mas as atribuições dos grupos sociais foram se tornando complexas com a incorporação da tecnologia
na agricultura, produção de excedentes, necessidade de construção de habitações nos lugares em
que a produção agrícola era mais importante, organização dos grupos sociais que passaram a dividir
o mesmo espaço territorial e a produção, ou seja, uma gama de novas necessidades que a cada
momento eram incorporadas à vida dos homens e dos grupamentos sociais.

O desenvolvimento de técnicas e instrumentos para a prática da agricultura marca um importante


momento da história da humanidade e, quase sempre, é tratado de forma muito detalhada pelos
historiadores que associam as práticas agrícolas com melhoria de vida para a humanidade que, afinal,
passava a ter o domínio da produção de alimentos e não estaria mais sob o risco de passar fome ou
ter que usar a força física para ter acesso a meios de sobrevivência.

Há, no entanto, quem discorde do fato de que as técnicas e instrumentos agrícolas tenham sido
benéficos para a humanidade. Essa opinião polêmica é de Yuval Noah Harari e é importante conhecê-lo
porque o confronto de ideias é sempre uma forma positiva para construirmos reflexões ampliadas e
que nos permitam avaliar diferentes pontos de vista.

20
TRABALHO E SOCIABILIDADE

Harari polemiza ao afirmar:

Acadêmicos um dia declararam que a Revolução Agrícola foi um grande


salto para a humanidade. Eles contaram uma história de progresso
alimentado pela capacidade intelectual humana. A evolução, pouco a
pouco, produziu pessoas cada vez mais inteligentes. As pessoas acabaram
por se tornar tão inteligentes que foram capazes de decifrar segredos da
natureza, o que lhes permitiu domar ovelhas e cultivar trigo. Assim que
isso ocorreu, elas abandonaram alegremente a vida espartana, perigosa
e muitas vezes parca dos caçadores-coletores, estabelecendo-se em uma
região para aproveitar a vida farta e agradável dos agricultores.

Essa história é uma fantasia. Não há indícios de que as pessoas tenham


se tornado mais inteligentes com o tempo. Os caçadores-coletores
conheciam os segredos da natureza muito antes da Revolução Agrícola,
já que sua sobrevivência dependia de um conhecimento íntimo dos
animas que eles caçavam e das plantas que eles coletavam. Em vez
de prenunciar uma nova era de vida tranquila, a Revolução Agrícola
proporcionou aos agricultores uma vida em geral mais difícil e menos
gratificante que a dos caçadores-coletores. Estes passavam o tempo com
atividades mais variadas e estimulantes e estavam menos expostos à
ameaça de fome e doença. A Revolução Agrícola certamente aumentou
o total de alimentos à disposição da humanidade, mas os alimentos
extras não se traduziram em uma dieta melhor ou em mais lazer. Em vez
disso, se traduziram em explosões populacionais e elites favorecidas. Em
média, um agricultor trabalhava mais que um caçador-coletor e obtinha
em troca uma dieta pior. A Revolução Agrícola foi a maior fraude da
história (HARARI, 2016, p. 88).

Sem dúvida é uma opinião polêmica e exatamente por isso é tão importante. Provoca reflexões e
propõe que façamos mais pesquisa sobre o tema para aprofundar nosso conhecimento e conseguir
opinar com fundamentação. De todo modo, para nós que estamos estudando trabalho e sociabilidade
ao longo da trajetória histórica da humanidade, a compreensão de que a agricultura não foi apenas
solução, mas também fonte de conflitos entre os diferentes atores históricos, é muito importante.
Aliás, conflitos que em boa medida ainda não foram satisfatoriamente solucionados no mundo
contemporâneo em muitas regiões do planeta, como no Brasil, em que ainda temos expressivos
conflitos sobre o uso e a posse da terra, latifúndios, áreas improdutivas e tantos outros problemas.
Voltaremos a esse tema um pouco mais à frente.

21
Unidade I

Figura 5

Os diferentes períodos de organização social foram se sucedendo, das tribos para grupos
maiores e produtores até chegar à sociedade em que vivemos e à organização política do Estado
como conhecemos em nossos dias, a trajetória da humanidade foi longa e marcada por muitas
tentativas e erros.

Nosso maior interesse, nesse momento, é o estudo do Estado, sua formação e suas principais
características, porque o objetivo é explorar esse conhecimento a partir da perspectiva das relações
de trabalho e sociabilidade. É o Estado por meio de leis que organiza as relações de trabalho e muitas
outras relações sociais, mesmo as de caráter mais privado como casamento, separação, sucessão
de bens, guarda de filhos e outras. A presença do Estado é antiga na história da humanidade e é
importante compreender como essa ideia se consolidou.

Para isso vamos precisar de aportes teóricos das ciências políticas, da sociologia, do direito. Todas
essas ciências têm contribuições para que seja possível estabelecer amplo diálogo com o serviço
social e, assim, alargar as condições de análise e projetos de ação.

Vamos estudar a fase do absolutismo, as revoluções liberais e a formação do Estado a partir de


pensadores que se destacaram na construção de importantes abordagens e conceitos.

1.2 O absolutismo

O final do período histórico da Idade Média foi marcado pelo ressurgimento das práticas de
comércio e muito em especial pela organização de grandes feiras em diferentes regiões da Europa,
com a presença de inúmeros mercadores.

Em razão da atividade comercial, surgiram importantes cidades, muitas das quais conhecemos até
hoje, como Veneza e Gênova, na Itália; Bruges, na Bélgica; Colônia, na Alemanha, entre outras.
22
TRABALHO E SOCIABILIDADE

Saes e Saes explicam como se organizava a atividade econômica nessas regiões:

Diferentemente do campo, nas cidades não existia servidão. E, embora


muitas cidades tivessem se formado em terras de senhores feudais
(devendo obrigações em relação a eles), a grande maioria tornou-se
autônoma com base em uma carta de franquia concedida pelo senhor
territorial (ou obtida por compra ou pela força das cidades).

A organização da atividade econômica nas cidades seguia um padrão


geral que comportava desvios em função das características peculiares de
algumas delas. O artesanato e o comércio estruturavam-se nas chamadas
corporações de ofício (guildas). A corporação tinha o monopólio do
exercício do ofício no âmbito municipal. Assim, para cada ofício havia
uma corporação que define as regras de acesso ao ofício. Em cada ofício,
havia uma hierarquia: mestres, companheiros e aprendizes. Os mestres
eram os únicos autorizados a manter uma oficina ou loja na cidade. Para
ser considerado mestre do ofício, era preciso, antes de mais nada, ter
completado o aprendizado do ofício e demonstrá-lo perante o governo
da corporação. Em certas circunstâncias, a corporação poderia fazer
outras exigências, inclusive de natureza econômica, se houve interesse em
restringir o número de mestres naquele ofício. Portanto, ao controlar o
número de mestres de ofício, a corporação também controlava o volume
de produção, estabelecendo o monopólio da corporação sobre aquele
tipo de produto. Além disso, a corporação também podia impor normas
sobre o preço e a qualidade do produto, evitando qualquer tipo de
concorrência entre os mestres vinculados à corporação.

Os aprendizes eram jovens, em geral filhos ou familiares de mestres, que


viviam em suas casas e trabalhavam em suas oficinas com o objetivo de
aprender o ofício. Concluído o aprendizado – e não sendo admitidos à
condição de mestre – caracterizavam-se como companheiros: artesãos já
qualificados para o ofício, mas que deviam trabalhar para um mestre em
troca de remuneração (e, muitas vezes, vivendo na própria casa do mestre)
(SAES; SAES, 2013, p. 65).

Vários aspectos importantes podem ser extraídos desse trecho da obra de Saes e Saes. O primeiro
é a descrição do funcionamento das corporações de ofício ou guildas, que mostra a existência de
uma hierarquia muito bem organizada e com o objetivo de estabelecer reserva de mercado, ou seja,
restrição ao surgimento da concorrência.

A hierarquia das corporações de ofício era forte a ponto de determinar quem poderia e quem
não poderia exercer determinada atividade profissional e quem poderia ou não organizar uma loja
ou oficina de trabalho. Essas ideias seriam insustentáveis no mundo em que vivemos, marcado pela
liberdade da atividade profissional e empresarial e pela forte concorrência como forma de proteção
23
Unidade I

dos consumidores, porque, afinal, onde há concorrência, há, teoricamente, disputa para oferecer a
melhor qualidade pelo melhor preço e, com isso, conquistar maior número de consumidores.

Outro aspecto relevante da lição de Saes e Saes é a prática do nepotismo, o favoritismo de


parentes, que costumamos encontrar em práticas escusas na administração pública contemporânea
– políticos eleitos que indicam parentes como assessores ou secretários de gabinete –, mas que nas
corporações de ofício eram praticados pelos próprios organizadores em benefícios de seus filhos ou
familiares próximos.

É importante observar, ainda, que a organização dos trabalhadores é antiga e teve início antes do
processo de industrialização.

No plano político, o final da Idade Média, séculos XI a XV, foi marcado pela centralização do
poder. O poder fragmentado dos senhores feudais e a universalidade da Igreja foi substituído pela
centralização política exercida pela monarquia que passa a ter o poder político, militar e administrativo.
Essa passagem de modelo de organização social não ocorre ao mesmo tempo em todas as regiões da
Europa, mas, paulatinamente, ganha força e se estabelece como forma predominante.

Figura 6 – Porto de Gênova, Itália

O absolutismo não se firmou apenas por razões de ordem política, militar ou administrativa.
A produção econômica exerceu influência marcante como explica Adhemar Marques:

[...] a centralização também atendeu às aspirações da nascente


burguesia, interessada na unificação dos mercados e da moeda, na
proteção contra a concorrência de comerciantes estrangeiros e na
existência de uma legislação única, válida para todo o território nacional
(MARQUES, 2016, p. 97).
24
TRABALHO E SOCIABILIDADE

De fato, uma das correntes históricas que explica o fortalecimento do absolutismo fundamenta
suas explicações no fato de a burguesia ter se aliado aos reis para conseguir melhores condições para
o comércio. Saes e Saes ao analisarem essa hipótese histórica relatam:

A fragmentação política típica da época feudal havia criado unidades


autônomas em grande número, o que dificultava a circulação mercantil
(...). Por exemplo, o transporte de mercadorias entre dois pontos da Europa
exigia a passagem por várias unidades políticas autônomas (principados,
ducados, condados etc.), com a cobrança, em cada uma delas, de pedágios e
outros tributos. Além disso, a diversidade de moedas também tornava mais
difícil o comércio entre várias regiões. A unificação de uma área mais ou
menos vasta num Estado centralizado reduziria os problemas decorrentes
da excessiva fragmentação política. Nesse sentido, é plausível afirmar que
havia alguma oposição de interesses entre a nobreza feudal e a burguesia
comercial em certas esferas da atividade econômica, justificando a ligação
entre monarcas absolutos emergentes e a burguesia comercial. Ou seja, a
burguesia daria seu apoio a um nobre pertencente a uma velha dinastia
monárquica (ou a qualquer nobre com a pretensão de se tornar rei) na
luta contra a nobreza feudal. Por seu turno, o rei (ou aquele que pretendia
se tornar rei) dependia de recursos, em grande parte fornecidos pela
burguesia comercial (SAES; SAES, 2013, p. 82).

O poder dos monarcas foi construído, assim, com o apoio da Igreja, cujos clérigos ocupavam
lugar de destaque junto aos reis, pela burguesia comercial, que tinha interesse em aumentar seus
lucros e diminuir impostos e também pelos membros da aristocracia, que tinham interesse em possuir
privilégios que variavam da isenção de impostos a cargos de representação política. Uma aliança
que vigorou por um bom tempo, mas que foi substituída quando novos interesses começaram a se
construir de maneira mais forte.

Souto Maior traça as principais características do absolutismo e, com isso, facilita a nossa
compreensão sobre as razões que levaram esse sistema a ser modificado. Ele afirma:

[...] o absolutismo estabeleceu-se apoiado na burguesia, havendo a


realeza dominado a antiga nobreza feudal. Teoricamente fora inspirado
pelos legistas da Idade Média e posteriormente pelos juristas modernos,
os quais, baseados no princípio fundamental de que a “ordem” é o bem
supremo de qualquer sociedade, afirmavam também governarem os reis
por direito divino. De Deus receberiam os soberanos os seus mandamentos,
competindo aos seus súditos obediência passiva à vontade de seu
governante (SOUTO MAIOR, 1976, p. 309).

Tanto poder não demorou a causar conflitos, em especial, com a burguesia, que desejava maior
liberdade para desenvolver suas atividades de comércio. As revoluções contra o absolutismo foram
chamadas de revoluções burguesas exatamente por isso: foram lideradas por burgueses insatisfeitos
25
Unidade I

com as práticas despóticas dos reis e, principalmente, com as regras que os impediam de ter maior
lucratividade com suas atividades mercantis.

Vamos conhecer brevemente os principais aspectos das três revoluções mais importantes que
determinaram o fim do absolutismo e a construção do Estado das leis, com alguma semelhança com
o que conhecemos na atualidade.

1.3 Revoluções burguesas: Inglaterra, Estados Unidos e França

A primeira revolução burguesa correu no período de 1640 a 1688, na Inglaterra. Aquela sociedade
fortemente hierarquizada e pródiga em manter privilégios de nascimento – apenas para os membros
da realeza –, começava a perder a força. Os revolucionários eram homens que queriam assumir o
protagonismo das decisões políticas e econômicas e não queriam mais se sujeitar aos mandos e
desmandos de reis e rainhas. Além disso, desejavam maior estabilidade do poder político sem tantas
guerras entre os descendentes da realeza para estabelecer de quem seria o poder, porque a instabilidade
política era muito negativa para o desenvolvimento das atividades econômicas.

A burguesia e a realeza tinham projetos políticos e econômicos diferentes, e a forma encontrada


para conciliá-los foi a criação de uma monarquia constitucional, ou seja, o rei poderia continuar
reinando, porém, teria que obedecer às leis criadas por representantes do povo, eleitos para essa
finalidade. Com isso, o arbítrio seria menor, porque as leis eram conhecidas de todos e a estabilidade
poderia ser alcançada. De certa forma, o poder político mudou de mãos porque o rei não decidia
mais sozinho, precisava obedecer à Constituição e tinha que ouvir o povo e dialogar com o
Poder Legislativo.

A burguesia, os pequenos proprietários de terras e as massas populares apoiaram o poder legislativo


e, em consequência, o poder absoluto do rei ficou enfraquecido.

A Declaração de Direitos de 1689, conhecida em inglês como Bill of Rights, foi o marco principal
da Revolução Inglesa. Trata-se de uma declaração de direitos com o objetivo de limitar o poder do
monarca e aumentar a influência do poder legislativo, ou parlamento, como esse poder é chamado
até hoje na Inglaterra.

A Declaração de Direitos foi aprovada no ano de 1689 e procurou garantir:

• que a estrutura do sistema de poder fosse organizada pela existência de três poderes, Legislativo,
Executivo e Judiciário, em que o primeiro-ministro escolhido pelo Parlamento governava e
o rei apenas representava o Estado. Esse modelo permanece em vigor até hoje na Inglaterra.
A rainha tem obrigações de representação do país, mas não governa. O poder de governar é do
primeiro-ministro escolhido pelo parlamento;

• que os cidadãos dispusessem de direitos individuais, em especial o de ter direito à propriedade


privada de bens;

26
TRABALHO E SOCIABILIDADE

• que houvesse liberdade de imprensa;

• que as leis só pudessem entrar em vigor se aprovadas pelo poder legislativo;

• que o poder judiciário tivesse independência para julgar sem nenhuma interferência do rei;

• que o rei não obtivesse e nem utilizasse recursos públicos para uso pessoal, sem prévia aprovação
do Poder Legislativo.

Em resumo, o documento denominado Bill of Rights colocou o rei no mesmo patamar de


importância e de direitos do cidadão comum, representado no parlamento e protegido pelas leis.
Isso foi uma mudança extraordinária e representou um marco na luta por igualdade de direitos e por
organização justa das sociedades.

A revolução burguesa da Inglaterra foi um exemplo para outros países e contribuiu para
incentivar a luta por mudanças, tanto na esfera de poder político como na autonomia para as
atividades econômicas.

A segunda revolução burguesa ocorreu nos Estados Unidos da América e culminou com a
Declaração de Independência, em 4 de julho de 1776, quando os norte-americanos declararam sua
liberdade em relação à Inglaterra, de quem até então eram colônia.

O conflito que culminou com a revolução pela independência teve origem em razões de ordem
econômica. A Inglaterra havia passado muito tempo em guerra e estava com suas finanças corroídas,
por isso aumentou impostos em relação às mercadorias produzidas nos Estados Unidos, que à época
era chamado de Treze Colônias, também reduziu a liberdade econômica da colônia.

Os norte-americanos não estavam dispostos a pagar maiores tributos e nem a reduzirem sua
liberdade mercantil, por isso declararam a independência em relação à Inglaterra e afirmaram no
texto da Declaração de Independência que o que o rei inglês havia violado os direitos mais básicos da
liberdade, o que tornava insustentável a continuidade da relação colonial.

A Declaração de Independência norte-americana é semelhante ao relatório de uma sentença


judicial, porque menciona os fatos um a um para concluir, ao final, que não existia outra opção a não
ser a Declaração de Independência. É no mínimo uma forma elegante de separação política, porque
permitiu aos ingleses conhecerem, de forma objetiva e muito clara, a motivação da separação política
que estava sendo concretizada.

Vale a pena conhecer um trecho da Declaração de Independência norte-americana. Leia


atentamente para poder analisar:

27
Unidade I

Quando, no curso dos acontecimentos humanos, se torna necessário a


um povo dissolver os laços políticos que o ligavam a outro, e assumir,
entre os poderes da Terra, posição igual e separada, a que lhe dão direito
as leis da natureza e as do Deus da natureza, o respeito digno para
com as opiniões dos homens exige que se declarem as causas que os levam
a essa separação.

Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos


os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos
inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a procura da felicidade.

Que a fim de assegurar esses direitos, governos são instituídos entre os


homens, derivando seus justos poderes do consentimento dos governados;
que, sempre que qualquer forma de governo se torne destrutiva de tais fins,

Cabe ao povo o direito de alterá-la ou aboli-la e instituir novo governo,


baseando-o em tais princípios e organizando-lhe os poderes pela forma que
lhe pareça mais conveniente para realizar-lhe a segurança e a felicidade.

Na realidade, a prudência recomenda que não se mudem os governos


instituídos há muito tempo por motivos leves e passageiros; e, assim sendo,
toda experiência tem mostrado que os homens estão mais dispostos a
sofrer, enquanto os males são suportáveis, do que a se desagravar, abolindo
as formas a que se acostumaram. Mas quando uma longa série de abusos
e usurpações, perseguindo invariavelmente o mesmo objeto, indica o
desígnio de reduzi-los ao despotismo absoluto, assistem-lhes o direito
bem como o dever de abolir tais governos e instituir novos Guardiães para
sua futura segurança. Tal tem sido o sofrimento paciente destas colônias
e tal agora a necessidade que as força a alterar os sistemas anteriores de
governo. A história do atual rei da Grã-Bretanha compõe-se de repetidas
injúrias e usurpações, tendo todas por objetivo direto o estabelecimento
da tirania absoluta sobre estes Estados (HANCOCK, [s.d.]).

Os norte-americanos decidiram que seriam um Estado independente no qual viveriam homens


que haviam sido criados iguais e dotados pelo Criador dos mesmos direitos inalienáveis à vida, à
liberdade e à procura da felicidade. O governo passaria a ser instituído com o objetivo de preservar
esses direitos inalienáveis e, nos casos em que o governo se tornasse destrutivo desses fins, poderia o
povo estabelecer um novo governo, sempre baseado nesses princípios imutáveis e importantes para
todo o povo.

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TRABALHO E SOCIABILIDADE

Figura 7 – Monumento no Monte Rushmore, no estado de Dakota do Sul, em homenagem


a presidentes famosos dos Estados Unidos, entre eles George Washington,
primeiro presidente, no período de 1789 a 1797

A terceira revolução denominada burguesa foi a Revolução Francesa que teve início com o
episódio que ficou conhecido como Queda da Bastilha, em 14 de julho de 1789. A Bastilha era uma
prisão situada em Paris, capital da França, e seu prédio foi demolido. Simbolicamente, na atualidade,
no lugar em que se encontrava a Bastilha, existe um prédio estatal; na praça em frente ao prédio, há
uma torre, que tem na ponta uma estátua que representa a liberdade.

Os historiadores apontam que o absolutismo na França foi marcado por inúmeros exemplos de
irresponsabilidade e arbítrio dos reis, que resultaram em miséria e revolta do povo francês. Isso explica
em parte porque a monarquia era odiada pelo povo e a violência imperou na revolução. Além da
camada popular que vivia na miséria em razão dos desmandos da monarquia, também a burguesia
estava insatisfeita, porque esses mesmos desmandos impediam o desenvolvimento das atividades
econômicas, em especial do comércio.

Os reis franceses acreditavam que o poder se resumia à vontade deles e, em consequência, se


consideravam no direito de vida e morte sobre as pessoas e de se apropriarem de todos os bens
que considerassem necessários para seu bem-estar. Isso não poderia durar muito tempo e, de fato,
não durou. Afinal, grande parte da população vivia em situação de total penúria, sem ter o mínimo
necessário para sua sobrevivência.

De outro lado, a burguesia na França era muito forte, porque tinha o controle sobre o comércio,
a indústria e as finanças, mas não tinha o poder político que desejava. O caminho mais curto para
concretizar o projeto burguês de maior liberdade para agir foi derrubar a monarquia e, para isso, se
uniu ao povo. A motivação era diferente, porém, naquele momento, a união de interesses foi mais
forte e o resultado, positivo. Depois disso, a burguesia angariou maior poder, e a população voltou a
sofrer com as dificuldades de subsistência.
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Unidade I

As palavras que marcam a Revolução Francesa são “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. E a


exemplo dos ingleses e norte-americanos, a revolução também produziu uma Declaração de Direitos
do Homem e do Cidadão, votada pelos parlamentares franceses em 26 de agosto de 1789. Foi, sem
dúvida, inspirada nas duas declarações anteriores.

Vale a pena conhecer as primeiras linhas da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão da


França, de 1789:

Os representantes do povo francês, reunidos em Assembleia Nacional,


considerando que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos
do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos
governos, resolveram expor, em uma Declaração solene, os direitos
naturais, inalienáveis e sagrados do homem, a fim de que essa Declaração,
constantemente presente junto a todos os membros do corpo social,
lembre-lhes permanentemente seus direitos e deveres; a fim de que os atos
do Poder Legislativo e do Poder Executivo, podendo ser, a todo instante,
comparados ao objetivo de qualquer instituição política, sejam por isso mais
respeitados; a fim de que as reivindicações dos cidadãos, doravante fundadas
em princípios simples e incontestáveis, estejam sempre voltadas para a
preservação da Constituição e para a felicidade geral (DECLARAÇÃO..., [s.d.]).

Como é possível constatar, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão colocou a lei
acima de tudo, para ser cumprida por governantes e pelos cidadãos, de forma a garantir o que eles
denominaram de “felicidade geral”.

As revoluções burguesas marcaram o fim do absolutismo. É possível perceber, ainda, que o


surgimento do Estado da forma como o conhecemos hoje, com estabelecimento de leis de cumprimento
obrigatório para todos, e de poderes que devem atuar de forma independente e colaborativa
– Legislativo, Executivo e Judiciário –, foi decorrente de inúmeras mudanças ocorridas na ordem
social, econômica e política ao longo da história.

As diversas maneiras como os grupos sociais se organizaram, produziram economicamente para


sua subsistência e para a troca quando tiveram excedentes, e a forma como estabeleceram regras
para o poder político, tudo isso criou as bases para a formação do Estado como o conhecemos hoje.

Lembrete

Absolutismo é o período histórico que se caracteriza pelo fato de


que os reis detinham poder de vida e morte sobre seus súditos. Os reis
acreditavam que eram ungidos por Deus para ocupar o poder. O fim
do absolutismo foi o momento propício para o nascimento do Estado
fundado em leis que estabeleciam direitos e deveres para todos.

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TRABALHO E SOCIABILIDADE

1.4 Os principais pensadores do Estado moderno

Maquiavel, Hobbes, Locke e Rousseau são considerados os principais pensadores teóricos


da formação do Estado moderno. Conhecer o pensamento e as teorias que eles construíram será
importante para a compreensão do que estamos estudando: o trabalho e a sociabilidade ao longo da
trajetória histórica da humanidade.

Entre as várias teorias criadas para explicar o Estado, talvez a mais conhecida seja a teoria do contrato
social, que tem na obra de Jean-Jacques Rousseau que leva o mesmo nome – O contrato social –, um
estudo até hoje bastante debatido entre os estudiosos.

Mas Rousseau não foi o primeiro estudioso a propor essa ideia. Antes dele, dois outros pensadores
justificaram a organização política social a partir da formação de um contrato entre as pessoas que
desejavam viver em sociedades organizadas e, com isso, abrir mão de uma parte de sua liberdade em
troca de segurança e garantia para seus direitos.

Essa é a ideia central que orienta a formação do Estado: todos terão direitos e deveres, o que
significa que terão de agir em conformidade com as leis aprovadas por aquele grupo social e que serão
de cumprimento obrigatório para todos, independentemente do poder econômico, político ou social de
cada um.

O primeiro a estudar e teorizar sobre o Estado foi Thomas Hobbes, inglês, nascido em 1588 e
falecido em 1679. Foi filósofo e cientista político e viveu em um período especialmente conturbado
da história da Inglaterra, marcado por guerras e disputas de poder político.

Hobbes escreveu uma obra considerada fundamental para a compreensão do Estado, o livro se
chama Leviatã e faz alusão a um monstro bíblico. A capa da primeira edição do livro em 1642 tinha
a imagem do Leviatã.

O Leviatã, na visão de Hobbes, representaria o Estado como um homem artificial dotado de


escamas, que são seus súditos. Hobbes era um adepto do absolutismo, e o Leviatã representava que a
vontade dos súditos deve ser restrita. Por meio de um pacto social, os súditos outorgariam ao Estado
o poder soberano para que o exercesse conforme a vontade do governante.

Hobbes tinha seu entendimento no sentido de que a humanidade, naturalmente, tende a viver
em conflito porque todos os homens desejam ter direitos ilimitados. O exercício de direitos ilimitados
gera luta pelo poder, insegurança e guerras.

Por acreditar nessa tendência natural da humanidade, Hobbes afirmava que “O homem é o lobo
do homem”, frase que ficou bastante famosa e, não raro, é utilizada ainda em nossos dias. Para esse
pensador, o homem em estado de natureza é um ser que age na concretização de seus próprios
interesses, sem se importar com os demais. Para obter o que acredita que tem direito, o homem
emprega a força e pode, inclusive, matar outros homens, pois não há limites para a sua ação.

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Unidade I

Se a tendência natural do homem é pelo uso da força para garantia de direitos ilimitados, a
necessidade de autopreservação faz com que o homem concorde em viver sob o comando de um
Estado, ao qual caberá organizar direitos e deveres com o objetivo de preservar a segurança de todos.

O Estado para Hobbes é o poder comum que garante segurança para todos os homens, que
reduz os direitos de forma coercitiva porque pune aqueles que não cumprem as regras, mas, ao
mesmo tempo, se aplica a todos. Os homens concordam em se submeter voluntariamente ao poder
do Estado para alcançar o objetivo de viver em paz, harmonia e construir progresso material por
meio do desenvolvimento de atividades econômicas.

Saiba mais

Pesquise na internet a capa do livro Leviatã para conhecer a figura do


monstro bíblico e suas escamas de pessoas. É uma imagem impactante que
vale a pena conhecer e que nos provoca interessantes reflexões. Assista
também ao filme que propõe importantes temas de reflexão sobre a relação
do cidadão comum com o Estado:

LEVIATÃ. Direção: Andrey Zvyagintsev. Rússia: Non-Stop Productions;


A Company Russia, 2015. 140 minutos.

John Locke, que nasceu em 1632, em Bristol, Inglaterra, e faleceu em 1704, é outro importante
pensador da teoria do Estado. Ele estudou em Westminster e Oxford, escolas inglesas muito tradicionais
onde estudaram os representantes da elite econômica e política. Exerceu vários cargos políticos e
viveu na França de 1674 a 1679. Depois foi obrigado a se exilar na Holanda, em 1683, em decorrência
de perseguições políticas, e só retornou à Inglaterra em 1689. Suas principais reflexões ocorreram
durante o período de conflitos vividos pela Inglaterra no século XVII.

Locke se opunha ao absolutismo e foi exatamente por isso que teve de se refugiar na Holanda
durante um período de tempo. Só retornou à Inglaterra após o triunfo da revolução burguesa e a
mudança das relações de poder naquele país.

Para Locke, o homem vivia em um estado de natureza onde era livre e só concorda em sair dessa
situação para firmar um acordo, um contrato social, por meio do qual todas as pessoas terão direitos
e obrigações, sem privilégios de nascimento ou de qualquer outra natureza.

A diferença no pensamento de Hobbes e de Locke é que, para este, o estado de natureza não era o
espaço de conflitos e de medo; ao contrário, era uma situação de relativa paz e harmonia. Para Locke,
a guerra entre os homens no estado de natureza era apenas uma possibilidade, porque não acreditava
na teoria de que os homens poderiam se destruir por qualquer motivo. A possibilidade existia, mas
não foi o medo o fator determinante para que os homens decidissem viver no regime de direitos e

32
TRABALHO E SOCIABILIDADE

deveres, sob a organização do Estado. O fator que determina a opção pela organização da vida em um
Estado é a garantia de estabilidade no governo e a tranquilidade social.

Viver em sociedade é melhor para Locke com a organização de um poder central e a escolha de
juízes para solucionarem eventuais conflitos.

Um aspecto muito importante para os nossos estudos é que Locke define a propriedade como um
direito amplo, que inclui a vida, a liberdade e os bens. Por isso é que as sociedades precisam de
um governo que proteja o direito de propriedade de seus cidadãos. O mais importante direito do estado
de natureza é mantido pelo Estado, que é o direito de propriedade; e o único direito retirado dos homens
é o de realizar justiça por conta própria utilizando a força física. Esse direito é subtraído dos indivíduos,
mas é garantido ao Estado, porque Locke acredita que este deve possuir poder de vida e morte sobre
aqueles que a ele se submetem.

Para Locke, ao ingressar na vida em sociedade, os indivíduos conservam o direito de propriedade


que nasce no estado de natureza, na medida que é um direito que não depende do reconhecimento
de outros, mas da ação do trabalho. Ele se refere à propriedade da terra e acredita que ela deve
pertencer àqueles que nela trabalham e produzem.

Ele defende, ainda, que o Estado não tem poder contra a propriedade e deve respeitá-la e protegê-la.
Podem imaginar como essas ideias agradaram a burguesia?

É claro que agradaram porque a burguesia tinha como objetivo que a propriedade fosse
respeitada por todos, inclusive pelo Estado, a quem caberia também defendê-la de ameaças. Não há
produção econômica sem segurança política! Aliás, uma lição que se mantém até hoje na sociedade
contemporânea em que vivemos.

John Locke acredita que a propriedade é um direito que os homens possuem pelo simples fato
de existirem. Não é o Estado e nem a sociedade que criam a propriedade privada, é a capacidade de
trabalho de cada ser humano. Ao Estado, compete apenas respeitar e fazer respeitar o direito
de propriedade.

Para ele, o homem se torna proprietário da terra pelo trabalho e deve ser dono do local em que
trabalha. Ele destaca que é o esforço pelo trabalho que torna o homem proprietário da terra, por isso,
ela é um direito natural.

Assim, para Locke, a vida na sociedade organizada tem por objetivo principal proteger o direito
natural, que é, fundamentalmente, o direito de propriedade. Ele afirma que o Estado será tirânico
todas as vezes em que desrespeitar a propriedade, e nessas situações o indivíduo terá direito de
resistir, de se voltar contra o Estado porque estará ancorado em um direito natural.

Por essas ideias e convicções, John Locke é considerado o fundador da doutrina política liberal,
que vamos estudar aqui.

33
Unidade I

As ideias de Locke nos permitem refletir sobre o fato de que a propriedade como um direito natural
de quem trabalha nela é uma concepção muito antiga na trajetória da humanidade. Com o passar do
tempo, nos países de matriz econômica capitalista, essa ideia foi substituída por propriedade como
direito de quem a adquire, e não de quem trabalha. Esse é um ponto de conflito ainda presente em
muitos países como no Brasil, por exemplo.

A maior parte dos trabalhadores na agricultura e na pecuária não são donos da terra e nem
sempre são remunerados de forma adequada para garantir sua subsistência com dignidade.
Ao mesmo tempo, na atualidade, a produção econômica globalizada incentiva a utilização de
tecnologia na agricultura e na pecuária, o que torna os investimentos mais vultosos e acessíveis
apenas aos grandes grupos econômicos.

Figura 8

O último pensador importante da teoria do contrato social como fundamento para a organização
Estado é Jean-Jacques Rousseau, que nasceu em 1712 em Genebra, que era uma república protestante,
e faleceu em 1778, em Paris. Sua mãe morreu no seu parto e seu pai era um relojoeiro sem muitas
posses, por isso Rousseau teve infância pobre, seu pai teve que se exilar por motivos políticos. Sem o
pai, ele foi obrigado a viver com um familiar e depois em abrigos e orfanatos, uma vida difícil e sofrida,
que marcou sua existência.

Rousseau viveu no chamado Século das Luzes, ou seja, no século XVIII, período em que a ciência e
o conhecimento passaram a ser muito valorizados como resultado da ação humana, da racionalidade
e do uso do método científico, comprobatório das teorias e experiências. Foi um período em que a
humanidade abandonou as ideias de predeterminação próprias da Idade Média e passou a valorizar o
uso da razão, da ciência, como forma de conseguir progresso.

34
TRABALHO E SOCIABILIDADE

Essa fase histórica, que também é chamada de Iluminismo, foi marcada pela utilização do raciocínio
lógico e objetivo em todas as áreas do conhecimento e pelo abandono das crendices e superstições,
que não combinavam com a racionalidade que era vista como a base do desenvolvimento econômico,
científico e social.

Lembrete

O Iluminismo foi um período marcante para a construção das grandes


ideias sobre política e sociedade. Muitos filósofos importantes como
Voltaire (1694-1778), Diderot (1713-1784), D’Alembert (1717‑1783),
entre outros, contribuíram com suas reflexões para a formação do
Estado moderno e da organização social e política que conhecemos até
nossos dias.

Apesar de ter vivido nesse período, Rousseau acreditava que o homem selvagem, ou seja, quando
vivia no estado de natureza, sem leis e sem a organização do Estado, era livre e feliz porque tinha
plena liberdade. Para ele, o homem natural é o bom selvagem, ideia totalmente diferente daquela que
aprendemos em Hobbes, para quem “o homem era o lobo do homem”.

Por qual razão, então, o homem teria concordado em viver em sociedade e sob um regime de leis
se ele era mais feliz antes? Bem, Rousseau acreditava que a apropriação de conhecimento nas áreas
de metalurgia e agricultura tinha sido possível apenas para alguns homens, e não para todos. Isso
teria criado uma divisão no trabalho e, em consequência, os homens com maior conhecimento de
técnicas agrícolas e de metalurgia haviam se tornado mais poderosos que os demais.

Para ele, é nesse momento que os bens da natureza, antes disponíveis para o uso de todos, passam
a ser propriedade somente de alguns. E, no pensamento de Rousseau, disso decorrem a escravidão e a
miséria e também os conflitos sociais.

É importante refletir sobre como as ideias de Rousseau são atuais e ainda podem estar na base da
compreensão do mundo contemporâneo, principalmente para a construção da crítica da meritocracia,
tema sobre o qual refletiremos adiante.

No livro O contrato social, Rousseau reflete sobre a possibilidade de construção de uma nova ordem
jurídica, política e social. Uma sociedade radicalmente democrática, fundamentada na vontade geral
como elemento fundamental de sua existência e organização. Para ele, a vontade geral dos homens
é a única vontade legítima, e a vida em sociedade deve ter por função a realização do bem comum.

Para Rousseau, o Estado deve ser o resultado da participação ativa dos homens, e o governo deve
ser subordinado ao povo e exercido pelos membros da sociedade. Ele acredita que a participação
política do povo deve ocorrer de forma direta e contínua e que, para isso, todos deverão ter boa
educação e formação moral. Essas são, para Rousseau, as ferramentas essenciais para que o povo se
previna de governos tirânicos, mantenha sua liberdade e garanta sempre a proteção do bem comum.
35
Unidade I

Novamente, nesse aspecto, a abordagem é muito semelhante àquela que temos na sociedade
contemporânea, principalmente em relação à necessidade de educação com qualidade para que a
população possa exercer corretamente seus direitos e, principalmente, possa cobrar os deveres das
autoridades. Também é fundamental que a educação capacite a população para escolher corretamente
seus representantes em todos os níveis políticos: federal, estadual e municipal.

As fotografias a seguir são do Panteão, em Paris, local em que está enterrado o corpo de Jean‑Jacques
Rousseau. Esse lugar presta uma homenagem a grandes pensadores, cientistas e políticos que fizeram
a glória da França e de seu povo. Justa homenagem a esse pensador tão importante.

Figura 9 – Panteão, em Paris, França

Figura 10 – Túmulo de Rousseau no Panteão em Paris, França

36
TRABALHO E SOCIABILIDADE

Vamos alinhar as ideias mais importantes?

São três importantes pensadores – Hobbes, Locke e Rousseau – chamados de contratualistas


porque têm em comum a ideia de explicar a formação do Estado, do governo, das leis que estabelece
direitos e deveres para cada indivíduo, a partir da noção de um contrato que todos teriam concordado
em cumprir. O homem abandona a liberdade plena do chamado estado de natureza para viver em
uma sociedade organizada, com leis de cumprimento obrigatório para todos, que limitam a liberdade,
mas trazem, em contrapartida, respeito aos direitos e, em especial, ao direito à vida e à propriedade.

Assim surge a ideia central para explicar o que hoje entendemos como Estado. O espaço de
organização política, social e econômica no qual nossa liberdade é limitada por leis que definem o que
podemos e não podemos fazer, ou seja, o que são nossos direitos e nossos deveres. Essa organização
social deve nos garantir, em tese, segurança e possibilidades de acesso a tudo que é essencial para que
nossa vida tenha qualidade e dignidade.

Os estudos de De Cicco e Gonzaga sobre Estado apontam que:

O termo Estado advém do substantivo latino status, relaciona-se com o


verbo stare, que significa estar firme. Uma denotação possível, portanto,
é que Estado está etimologicamente relacionado à ideia de estabilidade.
Daí que o conceito de Estado chegou a ser utilizado para designar
sociedade política estabilizada por um senhor soberano que controla e
orienta os demais senhores.

Historicamente, o termo Estado foi empregado pela primeira vez por


Nicolau Maquiavel, no início de sua obra O Príncipe, escrita em 1513 e
publicada em 1532.

Uma definição abrangente que apresentamos de Estado seria “uma


instituição organizada política, social e juridicamente, que ocupa um
território definido e, na maioria das vezes, sua lei maior é uma Constituição
escrita. É dirigido por um governo soberano reconhecido interna e
externamente, sendo responsável pela organização e pelo controle social,
pois detém o monopólio legítimo do uso da força e da coerção (DE CICCO;
GONZAGA, 2015, p. 113).

Maquiavel teria sido o primeiro a utilizar a expressão Estado. Ele é um pensador importante cujo
nome deu origem à expressão “maquiavélico”. Vamos conhecer um pouco mais sobre esse importante
pensador político?

Nicolau Maquiavel nasceu em Florença em 1469 e faleceu em 1527. Florença nasceu como uma
colônia romana em 59 a.C. e na Idade Média tornou-se uma cidade-Estado independente. No século XIII,
foi um dos polos comerciais mais importantes do mundo, assim como um notável centro cultural
e intelectual da Europa. Além da riqueza econômica, Florença também foi detentora de enorme
37
Unidade I

riqueza artística e intelectual, porque Dante Alighieri, Petrarca, Maquiavel, Botticelli, Michelangelo e
Donatello foram pensadores e artistas florentinos.

Maquiavel foi funcionário público do governo de Florença durante vários anos e foi, também,
escritor, historiador e músico. Mas, sem nenhuma dúvida, ele foi, principalmente, um pensador
político que exerceu influência em razão de suas ideias.

Ele recebeu educação clássica já com vistas a uma futura carreira pública, mas, como a vida
política em Florença era muito conturbada, sua trajetória profissional sofreu impacto desses conflitos
e nem sempre foi muito bem-sucedida. Ele trabalhou para o governo que expulsou os Médici de
Florença e, mais tarde, serviu aos Médici quando estes retornaram ao poder.

Os Médici foram uma poderosa família de Florença que viveu seu apogeu político entre os
séculos XV e XVII. Sua riqueza era oriunda do comércio de produtos têxteis e da participação na
guilda da Arte della Lana. Alguns dos Médici foram banqueiros, políticos, nobres, clérigos e até papa,
Giovanni Médici (1475-1521), que foi o papa Leão X.

Maquiavel escreveu o livro O príncipe em 1513 e dedicou a obra a Lorenzo, filho de Piero de
Médici. Provavelmente, sua intenção com a obra tenha sido agradar os governantes da época e obter
benefícios políticos.

As imagens a seguir são de Florença, a cidade em que Maquiavel nasceu e viveu. Uma é da
Catedral de Florença, e a outra, de uma parte do Palácio dos Médici.

Figura 11 – Catedral de Florença, Itália

38
TRABALHO E SOCIABILIDADE

Figura 12 – Parte do Castelo dos Médici, em Florença, na Itália

Maquiavel em suas reflexões políticas separava a virtude política da virtude moral. Além disso,
não acreditava em poder político como ação política orientada pelo sentido divino, ou seja, para
ele, a política é uma ação exclusivamente humana. Mas essa ruptura com o poder oriundo da igreja
não rendeu bons resultados para Maquiavel. A Igreja Católica como reação passou a utilizar o termo
“maquiavélico” como sinônimo daquilo que é ruim ou perverso. Até hoje, em pleno século XXI, nós
utilizamos essa expressão para designar uma pessoa ardilosa, que usa métodos pouco transparentes
para obter os resultados que deseja. Referimo-nos a pessoas que articulam de forma obscura para obter
vantagens. O termo é sempre utilizado em sentido pejorativo, como crítica, ou, até mesmo, ofensa.

Maquiavel defendia a ideia de que um governante deve ter um conjunto de qualidades


que possibilitem o exercício do poder e destacava, entre elas, habilidade de cálculo, sentido de
realidade, compreensão das circunstâncias, capacidade de adotar medidas extraordinárias, coragem
de desprender-se da moralidade vigente se for necessário e aptidão para se adaptar às diferentes
situações. Esse conjunto de virtudes tornariam qualquer homem um governante com capacidade de
se impor e, consequentemente, realizar seus objetivos.

O sentido em que ele utiliza o termo virtude é bem diferente de qualquer conotação religiosa, que
sempre associa virtude àquilo que é bom, justo e expressa sentimento de fraternidade. Em Maquiavel
virtude expressa outro sentido, muito mais objetivo e racional, destinado à garantia de atributos que
permitissem o exercício do poder.

Para Maquiavel, as bases essenciais de um Estado são as boas leis e as boas armas. O príncipe, para
exercer o poder, deve recorrer não apenas às leis, mas também à força, porque estas seriam as únicas

39
Unidade I

formas de se prevenir da manifestação da maldade humana. Para ele, é fundamental que o príncipe
tenha o poder e saiba mantê-lo.

É de Maquiavel a ideia de que o governante precisa parecer honesto mesmo que não seja. Essa lição,
infelizmente, tem sido muito utilizada entre os políticos em várias partes do mundo. Todos se dizem
honestos e com objetivos nobres e, no entanto, muitos são flagrados com práticas de corrupção e
falta de transparência com o uso dos recursos públicos. Não foi à toa que Maquiavel ficou conhecido
pela frase “os fins justificam os meios”, porque defendia a ideia de que todos os meios utilizados são
válidos, mesmo que violentos ou desonestos, desde que sirvam para que se alcance o objetivo final.

Explicam De Cicco e Gonzaga:

Quanto à célebre frase atribuída ao pensador em comento: “O fim justifica


os meios”, é possível explicá-la como o fim colimado justificaria então
qualquer meio e o bem do Estado ou razão de Estado estaria acima
de qualquer instância moral. Afastando a ideia de bem comum, faz o bem do
Estado se confundir com o bem do governante. Embora se deva esperar
que o príncipe utilize boas armas a fim de atingir a paz social.

A partir desses ensinamentos, denota-se que O príncipe foi a cartilha de todos


os reis absolutos da época do autor, e provavelmente, o livro de cabeceira
dos ditadores contemporâneos (DE CICCO; GONZAGA, 2015, p. 173).

As ideias de Maquiavel precisam ser estudadas no contexto histórico em que ele viveu, que
foi marcado por constantes conflitos políticos. Isso explica, certamente, a defesa que ele faz de
um governo monárquico absolutista que, no entanto, seria útil naquele momento para garantir
estabilidade política, social e econômica.

Figura 13 – Túmulo de Nicolau Maquiavel na Igreja de Santa Croce, em Florença, Itália

40
TRABALHO E SOCIABILIDADE

Após analisar o pensamento de Hobbes, Locke e Rousseau, que explicam porque o homem decide
viver em sociedade e conhecer o pensamento de Maquiavel, o primeiro a utilizar a expressão Estado,
podemos estudar as características dos Estados contemporâneos.

De forma geral, os estudos sobre o Estado são feitos pela Ciência Política e pelo Direito. Há certo
consenso de que o Estado moderno se caracteriza pela existência de elementos constitutivos que são
o território, o povo, a finalidade e a soberania.

Território é a porção do solo, subsolo, mar territorial, espaço aéreo, navios e aviões de uso militar
ou civil, em que apenas uma ordem jurídica pode agir de forma coercitiva.

Povo é um conjunto de pessoas que podem participar da vida política de um Estado porque
possuem vínculo jurídico com ele e, por essa razão, podem exercer direitos como votar e ser votado,
por exemplo. Esse vínculo jurídico da pessoa com o Estado tem caráter permanente e, por isso, é
preciso que sejam cumpridas as regras fixadas pelo Estado. Todos os que vivem no Estado estão
submetidos a essas regras, que também podemos chamar de leis.

A finalidade do Estado é a garantia do bem comum, do interesse público, ou seja, de todos os que
vivem sob suas leis. Definir o que é bem comum ou interesse público não é tarefa simples, porque
individualmente as pessoas têm objetivos muito diferentes umas das outras. Porém, quando se
trata da vida em sociedade e organizada a partir das leis que formam o Estado, parece correto
afirmar que o bem comum consiste em garantir a todos e a cada um, individualmente, condições
para uma vida digna. Para isso, é responsabilidade do Estado criar, implementar e monitorar
políticas públicas nas áreas essenciais como segurança alimentar, de educação, saúde, moradia,
segurança pública, assistência e previdência social, para que todos possam concretizar condições
para uma vida com dignidade.

Soberania é a de autodeterminação de um povo situado em um território sob um regime jurídico


legítimo, ou seja, a capacidade de cada Estado decidir sobre seus interesses sem interferência de
nenhum outro Estado.

Estado é, como podemos perceber, um conceito político diferente do conceito de nação. Nação é
a união de pessoas que integram o mesmo grupo étnico, falam o mesmo idioma e possuem cultura
e costumes semelhantes, construídos ao longo de um período histórico. A identidade de costumes e
tradições e a unidade da língua caracterizam o sentido de pertencimento a todos aqueles que
integram uma nação.

Povo é um conceito derivado do vínculo jurídico que as pessoas estabelecem com um Estado.
Nação é um conceito mais amplo porque depende de elementos que dão unidade às pessoas, partilham
valores, língua, tradição, costumes e vivências.

Não é difícil compreender que existam nações sem Estado, ou seja, grupos de pessoas unidas por
valores, língua e tradição comuns que não possuem um território para compartilhar e, assim, vivem

41
Unidade I

espalhadas em territórios de outros grupos, muitas vezes, em condições bastante precárias ou até
de perseguição.

Os curdos são, nesse momento histórico, a maior nação sem território no mundo. Eles vivem na
Síria, Turquia, Iraque, Irã, entre outros países, estão estimados em mais de 20 milhões de pessoas e não
possuem um Estado curdo com território e legislação determinados. Outro exemplo são os palestinos,
estimados em cerca de 7 milhões de pessoas que se encontram no Oriente Médio e desejam recuperar
áreas territoriais que lhes pertenciam, mas foram ocupadas por Israel. Também os tibetanos, estimados
em 6 milhões de pessoas, vivem em uma região da Ásia ocupada pelos chineses e desejam conquistar
sua autonomia para terem a possibilidade de viver livremente suas tradições, em especial a cultura e
religião budista.

Agora já conhecemos aspectos essenciais da passagem da vida em grupos sociais de um modelo


livre e com prevalência da organização pela força física, que foi aquele utilizado pelos primeiros
habitantes da Terra, para a vida em sociedade organizada por leis que são aprovadas pelo Poder
Legislativo cujos representantes são escolhidos diretamente pelo povo, leis cujo cumprimento é
obrigatório sob pena de aplicação de sanções, que limitam nossos direitos e nos outorgam deveres,
tudo isso sob a coordenação de um Estado composto por poderes harmônicos e independentes e que
também devem obedecer as leis.

É nesse modelo de vida social que vivemos, trabalhamos, estudamos, pensamos, nos manifestamos
livremente, opinamos sobre questões coletivas e individuais e, principalmente, no exercício da
atividade profissional, buscamos melhoria para políticas públicas, para atenção aos mais vulneráveis,
para a concretização do bem comum e do interesse público.

Para chegarmos a esse modelo de organização social, a humanidade percorreu um longo caminho
que, quase sempre, foi marcado por disputas e tensões, lutas violentas entre grupos com interesses
diversos e que pretendiam ocupar o poder e impor suas vontades.

Assim foi durante o Império Romano, a Idade Média, o absolutismo e nas revoluções burguesas.
Afastar o poder absoluto de uma única pessoa e organizar a vida em sociedade de forma mais
equilibrada, com tratamento mais equânime para todos os participantes da vida social, foi sempre a
meta a ser atingida. Mas, da mesma forma, sempre existiram e sempre existirão aqueles que pretendem
fazer prevalecer seus interesses sobre os demais.

Essas tensões e conflitos entre diferentes grupos sociais e econômicos aparece em todos os setores
da vida em sociedade. Nas relações mais íntimas e familiares até nas relações públicas e políticas.
Também aparece nas relações de produção e de trabalho.

Essa é a dimensão que tem maior interesse para nós e à qual vamos nos dedicar agora, com a
abordagem sobre a Revolução Industrial e as relações de trabalho.

42
TRABALHO E SOCIABILIDADE

1.5 A Revolução Industrial

A Revolução Industrial, ocorrida entre os séculos XVIII e XIX na Europa e que hoje denominamos de
“primeira revolução” em razão da existência de outros marcos históricos importantes para a produção
industrial, teve como principais características o êxodo rural, a chegada de milhares de trabalhadores
para as cidades que não estavam preparadas para essas mudanças e relações de trabalho que estavam
ainda muito próximas do regime de escravidão porque se caracterizavam por pesada carga de trabalho
com remuneração insuficiente para a subsistência.

Os trabalhadores daquele período histórico trabalhavam muitas horas por dia, ganhavam tão
pouco, que praticamente só tinham recursos para se alimentar, moravam em condições muito
precárias e morriam de doenças e de acidentes de trabalho com enorme frequência.

Figura 14

Saes e Saes afirmam sobre a Revolução Industrial:

A Revolução Industrial é um tema obrigatório em qualquer estudo de


História Econômica, embora haja grandes divergências em relação ao seu
significado. Carlo Cipolla, conhecido historiador econômico italiano, atribuiu
à Revolução Industrial um papel fundamental da história da humanidade:
Entre 1780 e 1850, em menos de três gerações, uma ampla revolução, sem
precedente há história da Humanidade, mudou a face da Inglaterra. Daí em
diante, o mundo não foi mais o mesmo. Os historiadores frequentemente
usaram e abusaram da palavra Revolução para significar uma mudança
radical, mas nenhuma revolução foi tão dramaticamente revolucionária
quanto a Revolução Industrial – exceto, talvez, a Revolução Neolítica.
Ambas mudaram o curso da história, quer dizer, cada uma provou uma

43
Unidade I

descontinuidade no processo histórico. A Revolução Neolítica transformou


a Humanidade de uma coleção dispersa de bandos selvagens de caçadores
[...] em uma coleção de sociedades agrícolas mais ou menos independentes.
A Revolução Industrial transformou o Homem de um agricultor em um
manipulador de máquinas movidas por energia inanimada. [...]

Esta perspectiva de transformação radical da sociedade britânica – e da


própria humanidade – a partir da Revolução Industrial é, em maior ou
menor grau, defendida por grande número de estudiosos. Ela estabelece que
na segunda metade do século XVIII iniciou-se uma rápida transformação
da indústria britânica por meio da introdução da máquina e da energia
gerada por fontes inanimadas (como o vapor e a força hidráulica) em
substituição à energia humana e à energia animal. A inovação técnica teria
sido o embrião de mudanças profundas na sociedade britânica, em período
relativamente curto, a sugerir se tratar de uma verdadeira “Revolução
Industrial”: o termo, já utilizado nos meados do século XIX, provavelmente
por analogia à Revolução Francesa, foi consagrado por Arnold Toynbee em
sua obra Lectures on The Industrial Revolution in England, de 1884 (SAES;
SAES, 2013, p. 141).

A contribuição de Diogo Freitas do Amaral é positiva para expandir nossa compreensão sobre a
Revolução Industrial:

A Revolução Industrial teve início na Inglaterra, a partir de 1770, na sequência


da Revolução Científica dos séculos 17 e 18 (Isaac Newton, 1642-1727), e
teve como característica fundamental a aplicação das novas descobertas
científicas e técnicas – máquinas a vapor, teares para tecelagem, metalurgia
e processos químicos – a produção de bens e serviços que melhoraram
radicalmente os rendimentos e a qualidade de vida da maioria da população.
Assim nasceu a máquina a vapor (James Wat, 1767), os teares mecânicos
(R. Akwrigtht, 1768, e Samuel Crampton, 1774-9) e a metalurgia moderna
(H. Cort e P. Onion, 1783-4).

Foram estas e outras inovações que deram origem ao predomínio da


indústria como principal sector econômico, que superou o peso da agricultura
e do comércio na produção nacional: indústria têxtil, fundições de ferro,
comboios e navios a vapor e, depois, a carvão; eletricidade e gás como
fontes de energia; o telégrafo e o telefone etc. (AMARAL, 2011, p. 349).

Freitas do Amaral faz uma importante observação:

Todas as produções de novos bens e prestações de novos serviços ficaram


a dever-se, principalmente, a capitais particulares, que foram investidos e
aplicados sob a forma de “sociedades comerciais” exclusivamente privadas
44
TRABALHO E SOCIABILIDADE

ou, no caso da construção e exploração de serviços públicos (transporte,


energia, telecomunicações), mediante a concessão, pelo Estado e/ou pelos
municípios, a empresas concessionárias, que por esse facto passavam de
empresas privadas a “empresas de interesse colectivo”, sujeitas a uma
contínua fiscalização (AMARAL, 2011, p. 349).

O trecho reproduzido está escrito com grafia de português praticado em Portugal, porque o autor
e a edição do livro são daquele país. Por isso a forma diferente de grafar o século – 17, e não XVII
como nós utilizamos –, e outras palavras que estão escritas de forma diferente daquela que usamos
no Brasil. Mas, independentemente da grafia, que não dificulta a interpretação do texto, é possível
perceber que Diogo Freitas do Amaral, que é catedrático da Universidade Nova de Lisboa e pesquisador
nas áreas de ciências políticas, direito e história, manifesta incontido entusiasmo com o processo de
mecanização ocorrido durante a Revolução Industrial.

Ele afirma que esse período melhorou o rendimento e a qualidade de vida das pessoas, mas
também reconhece que:

Os beneficiários e adeptos do sistema do capitalismo industrial do séc. 19


(proprietários de terra, grandes e médios comerciantes ou industriais, alto
funcionalismo público, civil, militar, profissões liberais, etc.) defenderam
na teoria e na prática o capitalismo liberal (Adam Smith, Ricardo, Malthus
e Jean-Baptiste Say, no primeiro quartel do século 19, e Guizot, Bastiat e
outros, a partir do segundo quartel do mesmo século).

Mas os trabalhadores, mesmo com emprego, em regra mal remunerados, e


os desempregados (sem subsídio de desemprego), os idosos (sem pensões
de reforma), os doentes e inválidos (sem serviços públicos de saúde), bem
como os órfãos e as viúvas (sem sistemas de proteção social) e as famílias
pobres vivendo em barracas ou bairros de lata (em habitação econômica)
sentiram-se desfavorecidos, desprotegidos e tratados com frieza e injustiça
por uma sociedade que, para uns poucos, enriquecia mais e mais depressa
do que nunca, enquanto a grande maioria só lentamente melhorava,
quando não ficava cada vez mais para trás (AMARAL, 2011, p. 351).

Dois aspectos são importantes para nossa reflexão: (i) a melhoria tecnológica provocada pela
Revolução Industrial foi benéfica para alguns e muito ruim para outros; e, (ii) há notória semelhança
com o processo de inovação que o mundo vive na atualidade, com a implementação veloz de novas
tecnologias de informação utilizadas em todas as áreas de produção econômica e que poderão
contribuir para diminuir o número de vagas de trabalho, ao mesmo tempo que trarão maior riqueza
para poucos. Isso será analisado adiante, quando vamos refletir sobre o trabalho na sociedade das
novas tecnologias que estamos vivendo.

45
Unidade I

Ainda a respeito das mudanças provocadas pela Revolução Industrial, Marques observa:

A Revolução Industrial determinou também a separação entre capital


e trabalho ao expropriar em definitivo os produtores diretos dos meios
de produção, expropriando-os ainda do “saber técnico” ao estabelecer a
máxima divisão do trabalho.

[...]

Essa subordinação absoluta dos produtores diretos, isto é, dos trabalhadores


ao capital, ocorreu paralelamente à crescente divisão do trabalho e ao
avanço do sistema fabril.

Portanto, a Revolução Industrial não foi apenas uma mera aceleração


do ritmo econômico e um simples avanço da técnica que resultaram em
maior eficácia e aumento da produtividade. Ela foi, principalmente, uma
profunda transformação social que determinou a inserção do trabalhador
em novas formas de trabalho, impôs a mais absoluta disciplina fabril e
hierarquizou em definitivo as relações entre capital e trabalho. E essa
transformação certamente foi revolucionária.

[...]

O sistema fabril, portanto, maximizou os lucros do capitalista. Isso


foi possível devido aos seguintes fatores: rigorosa hierarquia de
funções; vigilância constante e penalidades aplicadas àqueles que
desrespeitavam as regras; longas jornadas de trabalho definidas e
controladas pelo empresário; intensa divisão do trabalho; redução
dos custos de produção; e consequente expansão dos mercados.
É interessante observar que antes da Revolução Industrial, os limites do
mercado definiam o tamanho da produção; a partir da industrialização
e consequente consolidação do capitalismo, o tamanho da produção
ampliou indefinidamente os mercados.

Essa nova realidade determinou, também, a alienação do trabalhador,


alienação essa provocada pelas novas condições de trabalho. Afinal, no
sistema de fábrica, a produção de um determinado objeto era dividida
em diversas etapas e cada uma delas era cumprida por trabalhadores
diferentes, cada vez mais especializados numa determina função.

Apesar do trabalho exaustivo e desgastante, o produto do esforço do


trabalhador individual nunca se transformava num objeto acabado,
inteiramente produzido por ele. Essa situação gerava – e continua gerando –
portanto, um estado de alienação reforçado pela repetição sistemática de
46
TRABALHO E SOCIABILIDADE

movimentos que inibiam a criatividade e a inteligência do trabalhador; dele


esperava-se apenas a interação com o maquinismo num ritmo que não era
determinado por ele próprio (MARQUES, 2016, p. 288).

Figura 15

As afirmações de Adhemar Marques nos fazem repensar a trajetória histórica que acompanhamos
anteriormente: do trabalho agrícola em que as pessoas eram donas de seu tempo, de seus instrumentos
de trabalho e, algumas vezes, até da terra em que produziam; ou, se não eram donas da terra e
trabalhavam para os proprietários, podiam acompanhar o resultado de seu trabalho – a colheita –
e partilhar dele, para o sistema de total domínio do capital que se torna dono da integralidade da
produção, dos maquinários, ferramentas, produtos fabricados e, principalmente, do tempo e da vontade
do trabalhador que agora tem apenas a opção de trabalhar e receber o salário que lhe for destinado.

É possível refletir que a condição de submissão da Idade Média estava reproduzida em muitas
fábricas e que a liberdade obtida nas revoluções burguesas foi efetivamente apenas para os próprios
burgueses que puderam ampliar suas formas de produção sem as restrições e ônus que o absolutismo
determinava. Para os trabalhadores, as condições da Idade Média se modificaram muito pouco.
E tudo com a complacência do Estado cujas leis não protegiam as classes menos favorecidas e, em
contrapartida, permitiram que os capitalistas adotassem condições de trabalho bem pouco favoráveis
para os trabalhadores.

Michelle Perrot, historiadora e professora emérita da Universidade de Paris VII, em sua obra Os excluídos
da história, nos traz um relato importante e original sobre a visão dos operários franceses em relação a
seus patrões. A pesquisa foi feita em autobiografias de operários e de publicações de organizações sindicais
pesquisados pela professora francesa. Vale a pena ler atentamente o relato que ela nos traz:

Opressores, déspotas e tiranos

Os patrões déspotas, burgueses que não fazem nada e só se divertem,


capitalistas exploradores e ladrões: essas três séries de imagens com fios
entrecruzados tecem o discurso operário.

47
Unidade I

Detentores de um poder arbitrário (lembremos que, na época, os


regulamentos fabris emanam diretamente da vontade dos industriais),
os patrões são “opressores” que recusam qualquer participação e discussão,
e exigem total submissão. “Abaixo os patrões, abaixo os tiranos”, lê-se nos
muros de Vaugirard durante uma greve de marceneiros (1882). As duplas
opressores/oprimidos, senhores (diz-se “nossos senhores”)/escravos,
servos, párias estão entre as mais usadas para designar as relações
patrões/operários. Os patrões são senhores, seja por perpetuarem a antiga
feudalidade (sobretudo por volta de 1880 é forte a ideia de continuidade),
seja por fundarem uma feudalidade às vezes pior que a antiga. “Esses
senhores imaginam nos esmagar aos pés como tinha o direito antes de
1789” (curtidores, 1882). Esses “déspotas” desprezam os operários, a quem
consideram como “criados” intercambiáveis. Seus “castelos”, palavra usual
para designar as residências patronais mesmo “burguesas”, encarnam
tanto sua “opulência” como seu poderio e arrogância. Aliás, certos patrões
se referem explicitamente à simbologia feudal até na arquitetura das
fábricas que (por exemplo em Roubaix) se enfeitam com ameias e torres, e
têm portas que imitam pontes levadiças! A aristocracia continua a ser um
modelo cultural obcecante.

Quando eles demoliam as torres nas colinas

Tínhamos pensado que era para sempre;

E o castelo renasce de suas ruínas,

Ninho de burgueses, refúgio de abutres.

Diz um Chant des Mineurs (Canto dos Mineiros) de 1896. Por ocasião das
greves, essas residências são alvos de manifestações, mescla de busca de
um poder que se esconde – o deus oculto – e de expedições punitivas:

Aos tiranos! Aos ladrões!

Esses palácios feitos com nosso suor

E nosso sangue, que eles os rendam!

Arrogantes e cruéis, esses “potentados” sonham com “esmagar aos pés” os


seus súditos. Nostálgicos da Monarquia, não gostam da República, contra
a qual urdem complôs que renascem sem cessar (PERROT, 1988, p. 85).

O relato da pesquisa da professora Michelle Perrot sobre a visão dos operários em relação aos
patrões burgueses é bastante interessante. A opinião dos trabalhadores não era das mais favoráveis
48
TRABALHO E SOCIABILIDADE

e, certamente, era fruto das experiências vividas em seus locais de trabalho marcados pela intensa
disciplina, ocupação total do tempo para a produção, ausência de diálogo e condições em geral muito
ruins de trabalho e remuneração.

Os trabalhadores ingleses e franceses nunca se submeteram a essas condições em oposição.


Travaram lutas históricas muito importantes que merecem ser melhor conhecidas por todos nós.

E. K. Hunt relata:

A industrialização provocou total destruição do modo de vida tradicional


dos trabalhadores. A disciplina rígida nas fábricas e as deploráveis
condições de vida nas cidades eram frutos da necessidade de ter e manter
um emprego. Os altos níveis de desemprego tornavam a tarefa de encontrar
e manter um emprego muito incerta. Além dos mais, a maioria das
mudanças importantes na tecnologia de produção provocou desemprego
tecnológico para muitos trabalhadores. Os três males que galvanizaram
quase toda a resistência do trabalhador foram, então, os salários baixos, as
más condições de trabalho e de vida e a insegurança econômica.

[...]

Nas primeiras tentativas de resistir aos efeitos da industrialização capitalista,


os operários, quase sempre, tentaram juntar-se ou formar sindicatos.

[...]

Outra forma de rebelião dos trabalhadores era a destruição de máquinas.


Os trabalhadores, muitas vezes, não percebiam que não eram as máquinas em
si mesmas que tiravam os empregos, mas sim a forma pela qual eram
utilizadas na busca de lucros máximos pelos capitalistas. Em 1758, os
trabalhadores ingleses destruíram muitas das primeiras máquinas de tosar
lã. O resultado foi quase o pânico em massa, e o Parlamento aprovou uma
lei, ameaçando executar todo trabalhador que fosse apanhado destruindo
uma fábrica ou máquina; mas a destruição das máquinas continuou
enquanto os operários continuaram enfrentando a insegurança econômica
e as privações materiais.

[...]

Na década de 1820, muitos defensores dos interesses da classe operária já


estavam claramente conscientes de que não eram as máquinas a fonte do
mal. A situação dos trabalhadores – argumentavam eles – era o resultado
das instituições econômicas, legais, sociais e políticas. Portanto, qualquer
melhoria substancial das condições dos pobres exigiria uma transformação
49
Unidade I

dessas instituições. Assim, a classe operária teria de entender a base


institucional de opressão e organizar-se coletivamente para criar uma
sociedade melhor (HUNT, 2005, p. 146).

A Revolução Industrial ou, mais especificamente, a introdução das máquinas na produção industrial
trouxe progresso tecnológico e econômico para uma pequena parcela da população – os capitalistas/
patrões –; trouxe submissão total dos trabalhadores aos novos meios de produção – cumprimento de
horário, alienação e baixos salários –; e, em especial, mudou por completo as relações sociais daquele
momento até nossos dias.

Vamos conhecer agora alguns importantes elementos para ampliar nossa capacidade de reflexão
sobre trabalho e sociabilidade: o conceito de liberalismo e o pensamento de Karl Marx.

2 PENSAMENTO LIBERAL E PENSAMENTO MARXISTA: PRODUÇÃO E TRABALHO

O pensamento liberal começou a ser construído a partir das ideias do Iluminismo e no movimento
das revoluções burguesas, nos séculos XVII e XVIII. John Loocke, que já estudamos, foi um dos
pensadores que melhor inspiraram as ideias do liberalismo que, como o próprio nome já sinaliza, é o
pensamento que defende a liberdade política e econômica sem a interferência do Estado.

De fato, o que desejavam os burgueses com as lutas para derrubar o absolutismo dos reis?
Liberdade para participar da vida política por meio da escolha de representantes que falassem por
eles no parlamento (Poder Legislativo); e, principalmente, liberdade econômica para movimentar
seus negócios da forma como considerassem mais adequada com presença mínima do Estado
nessas atividades.

O pensamento liberal se organiza contra os tributos cobrados pelos reis e contra as corporações de
ofício, que também já estudamos e que detinha o poder de evitar a concorrência e, consequentemente,
precificar seu trabalho da forma como considerasse melhor, o que nem sempre coincidia com os
interesses dos comerciantes burgueses.

Paulo Sandroni ensina:

Liberalismo. Doutrina que serviu de substrato ideológico às revoluções


antiabsolutistas que ocorreram na Europa (Inglaterra e França, basicamente)
ao longo dos séculos XVII e XVIII, e à luta pela independência dos Estados
Unidos. Correspondendo aos anseios de poder da burguesia, que consolidava
sua força econômica ante uma aristocracia em decadência, amparada no
absolutismo monárquico, o liberalismo defendia: 1) a mais ampla liberdade
individual; 2) a democracia representativa com separação e independência
entre três poderes (executivo, legislativo e judiciário); 3) o direito inalienável
à propriedade; 4) a livre-iniciativa e a concorrência como princípios básicos
capazes de harmonizar os interesses individuais e coletivos e gerar o progresso
social. Segundo o princípio do laissez-faire, não há lugar para a ação
50
TRABALHO E SOCIABILIDADE

econômica do Estado, que deve apenas garantir a livre-concorrência entre


as empresas e o direito à propriedade privada, quando esta for ameaçada
por convulsões sociais. O pensamento econômico liberal constitui-se, a
partir do século XVIII, no processo da Revolução Industrial, com autores
como François Quesnay, estruturando-se como doutrina definitiva nos
trabalhos de John Stuart Mill, Adam Smith, David Ricardo, Thomas Malthus,
J. B. Say e F. Bastiat. Eles consideravam que a economia, tal como a natureza
física, é regida por leis universais e imutáveis, cabendo ao indivíduo apenas
descobri-las para melhor atuar segundo os mecanismos dessa ordem natural.
Só assim poderia o homo economicus, livre do Estado e da pressão de grupos
sociais, realizar sua tendência natural de alcançar o máximo de lucro com
o mínimo de esforço. Os princípios do laissez-faire aplicados ao comércio
internacional levaram à política do livre-cambismo, que condenava as
práticas mercantilistas, as barreiras alfandegárias e protecionistas. A defesa
do livre-cambismo foi uma iniciativa fundamentalmente da Inglaterra, a
nação mais industrializada da época, ansiosa por colocar seus produtos
em todos os mercados europeus e coloniais. Com o desenvolvimento da
economia capitalista e a formação dos monopólios no final do século XIX,
os princípios do liberalismo econômico foram cada vez mais entrando em
contradição com a nova realidade econômica, baseada na concentração da
renda e da propriedade. Essa defasagem acentuou-se com as crises cíclicas
do capitalismo, sobretudo a partir da Primeira Guerra Mundial, quando o
Estado se tornou um dos principais agentes orientadores das economias
nacionais. Coube a J. M. Keynes redefinir os pressupostos da economia
clássica, considerando a intervenção do Estado na economia e os próprios
monopólios uma evolução racional e natural no desenvolvimento capitalista.
O liberalismo econômico atual mantém-se mais no plano da retórica, pois,
na prática, há muito dirigismo econômico na sociedade capitalista moderna
(SANDRONI, 1999, p. 347).

A expressão em francês laissez-faire representa um dos princípios mais importantes do liberalismo.


Ela significa “deixe fazer” o que representa o ideal dos liberais, deixem que eles façam como quiserem
e como acharem melhor, sem intervenção do Estado, porque isso será melhor para toda a sociedade.

Um dos pensadores econômicos mais conceituados do liberalismo foi Adam Smith, criador da
ideia da “mão invisível”, supostamente capaz de regular as atividades dos homens em sociedade e
garantir harmonia de forma natural, sem intervenção do Estado.

Smith nasceu em 1723 e morreu em 1790, era de uma família escocesa muito influente e teve
acesso a ótimos professores, tornando-se ele próprio professor de retórica, letras, jurisprudência e
filosofia moral. Ele construiu suas reflexões econômicas a partir de uma investigação que promoveu
sobre ciência da sociedade (BACKHOUSE, 2007).

51
Unidade I

Backhouse, a respeito da teoria da “mão invisível”, destaca:

A livre competição faria os recursos serem deslocados para aquelas


atividades em que eles eram mais necessários. O indivíduo seria “levado
por uma mão invisível a promover um fim que não fazia parte da sua
intenção”. Embora Smith não fizesse muito uso da expressão “mão invisível”
(só aparece uma vez em cada um de seus livros principais), ela pode ser
vista como a sua contribuição para o debate sobre o que mantém unida a
sociedade, aberto por Hobbes cerca de um século antes. Smith, porém, não
estava defendendo um laissez-faire total, pois via um papel importante
para o governo (BACKHOUSE, 2007, 157).

Para Smith o papel mais importante que o governo deveria desempenhar na sociedade era a
implantação e o funcionamento de um sistema de justiça. Para ele, sem justiça, o sistema de liberdade
natural não poderia funcionar. Repare que nesse sentido as ideias de Smith se coadunam em grande
parte com as ideias dos pensadores que estudamos e que receberam a qualificação de “contratualistas”.
Eles defendem que o Estado deve existir para garantir os direitos dos cidadãos e, ao mesmo tempo,
exigir que cumpram seus deveres de forma que haja ordem, segurança e harmonia, essenciais para o
desenvolvimento de todas as atividades humanas, em especial a economia.

Mas as ideias de Adam Smith foram além, porque ele realizou também importante análise sobre as
origens e o desenvolvimento dos conflitos de classe na sociedade e de que forma o poder era exercido
na luta de classes (HUNT, 2005).

Uma das ideias mais importantes no pensamento de Smith era a relevância do trabalho para a
produção de riquezas, sendo de sua autoria a afirmação:

O produto anula da terra e do trabalho de qualquer nação, não pode ser


aumentado por qualquer outro meio que não seja o aumento do número
de trabalhadores produtivos ou da força produtiva dos trabalhadores já
empregados. [...] E afirma de forma categórica: “não foi o ouro e nem a
prata, mas com o trabalho, que toda a riqueza do mundo foi comprada
pela primeira vez” (HUNT, 2005, p. 45).

Adam Smith não foi o único pensador sobre o liberalismo, mas, com certeza, foi um dos mais
importantes. Para Streck e Moraes:

O modelo econômico do liberalismo se relaciona com a ideia dos direitos


econômicos e de propriedade, individualismo econômico ou sistema de
livre empresa ou capitalismo. Seus pilares tem sido a propriedade privada
e uma economia de mercado livre de controles estatais.

52
TRABALHO E SOCIABILIDADE

A ênfase é colocada no caráter voluntário das relações entre os diversos


fatores econômicos. A liberdade de contrato é mais valorizada que a
liberdade da palavra.

[...]

O liberalismo se apresentou como uma teoria antiestado. O aspecto


central de seus interesses era o indivíduo e suas iniciativas. A atividade
estatal, quando se dá, recobre um espectro reduzido e previamente
reconhecido. Suas tarefas circunscrevem-se a manutenção da ordem e
segurança, zelando que as disputas porventura surgidas sejam resolvidas
pelo juízo imparcial sem recurso à força privada, além de proteger as
liberdades civis e a liberdade pessoal e assegurar a liberdade econômica
dos indivíduos exercitada no âmbito do mercado capitalista (STRECK;
MORAES, 2006, p. 60).

O liberalismo continua sendo uma forma de pensamento que influencia a economia e a política
e, após o término da Guerra Fria e dos regimes socialistas, as ideias de neoliberalismo adquiriram
muita força. Vamos tratar desse tema – neoliberalismo – ainda nesse momento quando estudarmos
o capitalismo hegemônico e a Globalização.

Outro pensador muito importante para estudos políticos, sociais e econômicos foi Karl Marx, que
vamos conhecer melhor agora.

Figura 16

A frase abaixo do busto de Karl Marx é famosa e foi expressa por ele e por Friederich Engels no livro
Manifesto comunista. A tradução é “Trabalhadores do Mundo, uni-vos”. No original a expressão teria
53
Unidade I

sido “Proletários do mundo, uni-vos”. Foi uma frase muito utilizada na antiga União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas, país surgido com a Revolução de 1917 e que se dissolveu em 1991.

Nasceu em Treves, na Alemanha, capital da província alemã do Reno, em 1818. Seu pai era
advogado e sua mãe era judia e oriunda da Holanda. Sua família se converteu ao cristianismo quando
ele tinha seis anos. Ele foi casado com Jenny von Westphalen, filha de um barão da Prússia com quem
teve cinco filhos.

Sua vida pessoal alternou momentos de estabilidade financeira com outros de completa penúria,
quando teve que contar com a ajuda de amigos para poder sobreviver.

Em razão de suas ideias, de sua participação em movimentos políticos e de suas obras, foi expulso
da Alemanha, da França e da Bélgica e, em 1883, morreu na Inglaterra em razão de forte depressão
motivada pela morte de sua esposa que havia ocorrido dois anos antes.

Marx estudou Direito em Berlim e, em seguida, encaminhou seus estudos para a história e a
filosofia, tendo se doutorado nesta última área do conhecimento. Estudou com os juristas da Escola
Histórica do Direito e teve contato com a filosofia de Hegel, contemporâneo dos professores de Marx.
Nesse momento histórico, a filosofia hegeliana era como tida como filosofia oficial alemã. Em 1840
Marx conviveu de perto com os movimentos operários alemão e francês e, inspirado por essa vivência,
produziu textos e artigos que o tornam visado por perseguições de ordem política, o que o obrigou a
se mudar para Londres.

Marx conheceu o pensador inglês Friedrich Engels de quem se tornou, ao longo de toda vida, um
parceiro intelectual. Engels seria ainda um importante apoio material para Marx nos momentos de
maior dificuldade econômica.

Escreveram juntos a Ideologia alemã, obra em que criticam o pensamento do filósofo Ludwig
Feuerbach e marcam sua oposição ao idealismo típico da filosofia alemã. Também escreveram juntos
em 1848 a obra O manifesto comunista, muito conhecida e estudada.

A parceria intelectual de Marx e Engels se prolongaria até a morte do filósofo em 1883. Engels
faleceu em 1895.

José Arthur Giannotti tem importante reflexão sobre a interpretação a ser dada ao pensamento
de Karl Marx.

A expressão “marxismo” designa um amplo movimento de ideias que se


estende desde a Filosofia até a Política, sendo invocado tanto pelo filósofo
liberal e humanista, quanto pelo tirano mais feroz. Dentro desse xadrez
complicado, do qual dificilmente se consegue escapar, é necessário um
esforço especial para se atingir uma ideia nítida e precisa, embora rápida,
da matriz responsável por um dos mitos contemporâneos mais debatidos.
Desde logo devem-se recusar as posições ditadas por paixões irrefletidas.
54
TRABALHO E SOCIABILIDADE

Mas cabe indagar se é possível tomar distância dessas paixões e alcançar um


porto seguro, a partir do qual se pudesse assistir aos conflitos ideológicos
com a mesma indiferença com que se vê um comercial de televisão.
É possível a objetividade quando está em jogo o destino do homem? Seja
qual for a resposta dada a essa pergunta, é preciso convir que uma leitura
atenta dos textos do próprio Marx deve servir de ponto de partida para
qualquer tomada de posição, quando se pretende chegar a uma consciência
menos obtusa, livre da má-fé e dos oportunismos do momento. Nesse
sentido, as relações com o marxismo, pró ou contra, dependem de uma
análise cuidadosa do legado intelectual de Marx (GIANNOTTI, 1999, p. 5).

A observação de Giannotti é muito adequada para um momento histórico em que boa parte da
sociedade, em especial no Brasil, se divide de forma binária em prós e contras sem adotar a cautela
e o cuidado de conhecer, profundamente, tanto as ideias que adotam como aquelas que rechaçam.

Assim, conhecer o pensamento de Karl Marx e de seu grande parceiro intelectual Friedrich Engels
é um exercício de grande responsabilidade porque não podemos nos apropriar de ideias, defendê-las
ou criticá-las, sem antes nos dedicarmos a um conhecimento profundo que inclui a pesquisa direta
de textos, livros e trabalhos acadêmicos de qualidade.

As principais ideias de Marx e Engels colocadas têm por objetivo compreender como eles
analisavam a relação capital (investidores/empreendedores) e trabalho (operários/trabalhadores) e,
principalmente, como essas ideias poderão ampliar nossa compreensão sobre essa complexa relação
de produção que ainda hoje é fundamental para a organização social, política e econômica da
sociedade em que vivemos e de boa parte do mundo.

Marx afirmou o caráter social, concreto, ativo, produtivo da existência. É nas condições materiais
da vida, e não na consciência ou na evolução geral do espírito humano, que se encontra sua concepção.

O materialismo histórico está fundado nas relações sociais, o que tornou a dimensão do
materialismo no pensamento moderno uma dimensão de materialismo vulgar, porque derivada dos
sentidos e da materialidade direta.

Para Marx, o homem apreende-se socialmente nas relações sociais, históricas e produtivas que
o conformam.

O materialismo histórico é ideia importante no pensamento de Marx. Para ele, são as relações
concretas dos homens envolvidos no sistema produtivo que constroem as ideias, as dimensões
políticas, sociais e jurídicas. Mascaro nos esclarece que:

O termo materialismo, utilizado por Marx e pelos marxistas, pode dar margem
a pensar que se trata de uma visão que leva em conta apenas os átomos,
moléculas, as questões físicas, biológicas ou naturais. Não é disso que se
trata o materialismo histórico de Marx. Justamente para se diferencia dos
55
Unidade I

pensadores burgueses modernos empiristas, para os quais somente contava


a experiência concreta, física, Marx propunha um materialismo histórico,
isto é, calcado fundamentalmente nas relações sociais. O materialismo dos
pensadores burgueses modernos, o empirismo, passa a ser identificado, a
partir disso, por materialismo vulgar, porque meramente dos sentidos e da
materialidade direta (MASCARO, 2010, p. 276).

E ressalta a ideia central do materialismo histórico em Marx:

Com o materialismo histórico, Marx inaugura uma nova fase na trajetória


da filosofia. Inscrevendo-se na materialidade das relações produtivas,
a história tem seu perfazimento não nos indivíduos, nem em suas
consciências, mas sim na base econômico-produtiva da sociedade.

A metafísica e o individualismo filosófico cessam com Marx. A construção


das ideias, das formas de consciência, da própria religião, das instâncias
políticas e jurídicas, tudo isso é fruto, historicamente, das relações concretas
dos homens, envolvidos no sistema produtivo. A produção concreta da
vida social produz certa forma de ideias (MASCARO, 2010, p. 276).

As relações concretas que se estabelecem em uma sociedade – políticas, de relações sociais e


de produção econômica –, são, certamente, o contexto em que nascem modos de organização,
reivindicações, negociações naquele grupo social específico que devem ser cuidadosamente estudadas,
porque explicam muito sobre aquela sociedade. Marx propunha que a materialidade, ou seja, a
realidade das relações produtivas, deveria ser o ponto central da análise da trajetória histórica e não
os aspectos metafísicos ou de pensamento filosófico individual. A realidade e, muito em especial, a
concretude da produção econômica, é que deveria ditar a construção histórica da sociedade.

Sobre a teoria da história de Marx, o economista norte-americano e professor Stanley L. Brue afirma:

Para desenvolver sua teoria da história, Marx combinou a dialética de Hegel


e o materialismo. Em cada época histórica, os métodos predominantes ou
as forças de produção produzem um conjunto de relações de produção
que os suportam. Porém, as forças materiais de produção (tecnologias,
tipos de capital, nível de habilidade de mão de obra) são dinâmicas:
estão em constante mudança. Essas forças contrastam com as relações
materiais de produção (regras, relações sociais entre as pessoas, relações
de propriedade), que são estáticas e reforçadas pela superestrutura. Essa
superestrutura consiste em arte, filosofia, religião, literatura, música,
pensamento político etc. Todos os elementos da superestrutura mantêm
o status quo. Para Marx, a história é um processo por meio do qual as
relações estáticas de produção (a tese) entram em conflito com as forças
dinâmicas de produção (a antítese). O resultado? O conflito revoluciona
o sistema, de modo que novas relações de produção (síntese e nova
56
TRABALHO E SOCIABILIDADE

tese) possam permitir maior desenvolvimento das forças de produção.


O mecanismo de deposição de antigas sociedades é o conflito de classes
(BRUE, 2005, p. 176).

Marx e Engels acreditavam que as contradições do capitalismo o levariam ao seu fim e que os
trabalhadores do mundo deveriam se unir para evitar as consequências disso, assim, o melhor caminho
era os próprios trabalhadores organizarem a produção e o compartilhamento de seus resultados.

Brue explica que Marx “não traçou um esboço do socialismo; esse não era o seu objetivo. [...] ele
quis determinar o processo por meio do qual as forças de produção no capitalismo produziriam uma
antítese e inevitável queda” (BRUE, 2005, p. 177).

Em relação ao objeto central de nossos estudos – trabalho e sociabilidade –, Marx desenvolveu


dois conceitos muito relevantes que precisamos conhecer: o de mais-valia e o de alienação.

Sobre mais-valia, o economista Stanley L. Brue nos fornece uma explicação bastante clara que,
por certo, facilitará a compreensão. Ele afirma:

A exploração dos trabalhadores – a extração da mais-valia pelos capitalistas –


não pode ocorrer quando a produtividade da mão de obra é muito
pequena a ponto de os trabalhadores precisarem consumir produtos de
valor equivalente à própria produção para poder sobreviver. Se esse fosse
o caso, o valor da força de trabalho de um dia seria o tempo de trabalho
de um dia. De acordo com Marx, a exploração da mão de obra aumenta
somente quando os trabalhadores podem produzir mais em um dia do que
eles precisam consumir para sua sobrevivência e de sua família. Então, os
empregadores pagam aos trabalhadores o valor de mercado para sua força
de trabalho, mas o pagamento diário equivale apenas à parte do valor que
os trabalhadores criam. Com a propriedade do capital, os empregadores
possuem o que os trabalhadores precisam para obter a subsistência:
trabalhos que pagam salários. Assim, os capitalistas têm o poder de definir
a duração do dia de trabalho e dizer aos trabalhadores: ”trabalhe o número
de horas que definimos ou escolhemos ou não trabalhem para nós.”
A necessidade força os trabalhadores a optar por trabalhar, mas o tempo
do trabalho que eles gastam durante o dia de trabalho cria uma soma
de valor maior que o valor da própria força de trabalho, os custos de
subsistência. Os proprietários dos meios de produção acumulam mais-valia
(BRUE, 2005, p. 179).

O conceito de mais-valia é essencial no pensamento de Marx e Engels e, por essa razão, vale a
pena consolidar nossa aprendizagem com a definição de Paulo Sandroni:

57
Unidade I

Mais-valia. Conceito fundamental da economia política marxista,


que consiste no valor do trabalho não pago ao trabalhador, isto é, na
exploração exercida pelos capitalistas sobre seus assalariados. Marx,
assim como Adam Smith e David Ricardo, considerava que o valor de
toda mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho socialmente
necessário para produzi-la. Sendo a força de trabalho uma mercadoria
cujo valor é determinado pelos meios de vida necessários à subsistência do
trabalhador (alimentos, roupas, moradia, transporte etc.), se este trabalhar
além de um determinado número de horas, estará produzindo não apenas
o valor correspondente ao de sua força de trabalho (que lhe é pago
pelo capitalista na forma de salário), mas também um valor a mais, um
valor excedente sem contrapartida, denominado por Marx de mais-valia.
É desta fonte (o trabalho não pago) que são tirados os possíveis lucros
dos capitalistas (industriais, comerciantes, agricultores, banqueiros etc.),
além da renda da terra, dos juros etc. Enquanto a taxa de lucro — a relação
entre a mais-valia e o capital total (constante + variável) necessário para
produzi-la — define a rentabilidade do capital, a taxa de mais-valia — a
relação entre a mais-valia e o capital variável (salários) — define o grau
de exploração sobre o trabalhador. Mantendo-se inalterados os salários
(reais), a taxa de mais-valia tende a elevar-se quando a jornada e/ou a
intensidade do trabalho aumenta (aumentando a mais-valia absoluta) ou
com o aumento da produtividade nos setores que produzem os artigos de
consumo habitual dos trabalhadores (aumentando a mais-valia relativa)
(SANDRONI, 1999, p. 362).

O conceito de mais-valia foi um dos mais debatidos do pensamento marxista entre pensadores
políticos, econômicos e sociais em todo o mundo. Não poderia ser diferente, porque ele é a base a
partir da qual se pode concluir que o capitalismo nunca será justo com os trabalhadores, ou seja,
nunca vai remunerá-los de forma correta porque a concepção sobre a qual se estruturam as ideias
de trabalho, remuneração e lucro tem essa defasagem importante que leva à remuneração injusta do
trabalhador. A questão é, ainda, bastante debatida e sempre é recomendável conhecer o pensamento
marxista em sua própria fonte, ou seja, nos escritos de Marx e Engels, para que seja possível avaliar
corretamente as ideias e propostas por eles apresentadas.

Há, ainda, um conceito fundamental no pensamento marxista e do qual já tratamos: a alienação


a que o trabalhador é levado em razão da organização dos meios de produção. Tratamos desse tema
quando estudamos a Revolução Industrial e seus impactos, mas é oportuno voltar a ele em razão de
sua relevância.

No pensamento de Marx e Engels, o homem que está impedido de produzir em seu próprio benefício
se torna alienado, exatamente porque fica inserido em relações que submetem totalmente o trabalho
ao capital, sem qualquer oportunidade de atender seus próprios interesses porque prevalecem os
interesses econômicos de produção para o lucro.

58
TRABALHO E SOCIABILIDADE

Em outras palavras, se os homens não têm o domínio dos meios de produção e não podem
organizar e controlar o processo produtivo, são apenas vendedores de sua força de trabalho e, nessa
medida, equivalem a mercadorias. Isso os torna alienados porque há total subordinação àqueles que
organizam e detêm os meios de produção. Para Marx e Engels, o trabalhador perde uma parte de seu
próprio ser em decorrência da total subjugação ao trabalho, sem qualquer possibilidade de intervir na
organização da produção da qual ele faz parte, porém, não tem voz ativa.

A definição de Sandroni nos fornece mais elementos sobre esse importante tema:

Alienação. [...] Em economia política, a alienação é um dos conceitos


básicos do marxismo, significando a perda sofrida pelo trabalhador de
uma parte de seu ser, quando o capitalista se apropria do fruto de seu
trabalho. Marx partiu da teoria da alienação do filósofo Feuerbach, para
quem o homem abdicaria de sua própria essência ao criar a imagem de
um ser absoluto, superior (Deus), que, embora criado pelo homem, é visto
por este como seu criador. Para Marx, a alienação ocorre não apenas nesse
plano religioso (do homem a Deus), como acreditava Feuerbach, mas em
muitos outros domínios; alienação do cidadão ao Estado, do soldado a
sua bandeira, e, principalmente, do trabalhador ao capital. No sistema
capitalista, segundo Marx, os produtos do trabalho humano passam a ser
meras mercadorias que subjugam o homem, em vez de servir a ele, como
era de esperar, já que são criações suas (SANDRONI, 1999, p. 21).

Essa também é um conceito do pensamento marxista que é bastante debatido entre os estudiosos
e que merece de nós melhor atenção e reflexão.

Observação

Empirismo é uma doutrina segundo a qual todo o conhecimento


provém unicamente da experiência, limitando-se ao que pode ser
captado do mundo externo pelos sentidos, ou do mundo subjetivo, pela
introspecção, sendo geralmente descartadas as verdades reveladas e
transcendentes do misticismo ou apriorísticas e inatas do racionalismo
(HOUAISS, 2001, p. 1127).

3 ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL E A DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA

Para compreender o estado de bem-estar social e a doutrina social da Igreja, precisamos recuar
um pouco na história e analisar alguns aspectos da chamada Revolução Russa, ocorrida em 1917.

A Rússia vivia um regime político de poder absoluto dos czares, que eram o equivalente a reis,
ao mesmo tempo, o início do século XX é marcado por grave crise de produção econômica, carência
de alimentos e meios de se proteger do frio intenso e, consequentemente, de enorme insatisfação
59
Unidade I

da população. Mesmo nessa situação de penúria para a população, o czar Nicolau II determinou que
o país deveria participar da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), na Europa, o que aumentou a
insatisfação da população.

O governo de Nicolau II sofria fortes acusações de práticas de corrupção e ao mesmo tempo


se mostrava incompetente para o exercício de uma boa administração, em especial na área de
produção econômica. Isso criou condições para que as ideias socialistas começassem a ganhar maior
concretude entre as lideranças dos movimentos populares que defendiam a derrubada do czar e da
estrutura de governo.

Adhemar Marques relata:

As condições de vida e de trabalho da classe operária eram bastante


precárias. Diferentemente dos trabalhadores europeus cujas conquistas
sociais em função de um século de lutas e resistências já eram
significativas, o proletariado russo entrou no século XX ainda sujeito a
longas jornadas de trabalho, recebendo salários miseráveis e sem direito
à organização sindical. Mesmo com toda a repressão do regime czarista, as
greves se multiplicaram, tornando-se incontroláveis: em 1901, elas foram
271; em 1902, 522.

Nessa perspectiva, compreende-se a crescente influência das ideias


socialistas no movimento operário. Não sem razão, Lenin, o principal líder do
movimento de outubro de 1917, percebeu o potencial revolucionário
do proletariado, afirmando: “Com a força do proletariado organizado e
consciente, iniciaremos logo a passagem para a revolução socialista [...].
Somos pela revolução ininterrupta: não vamos parar no meio.”

[...]

Mais do que em qualquer outro país, o projeto de revolução socialista


apresentado por Marx e Engels no Manifesto comunista, em 1848, encontrou
grande repercussão entre os trabalhadores russos (MARQUES, 2016, p. 459).

Em outubro de 1917, os bolcheviques tomaram o poder. Eles eram um grupo marxista ortodoxo
e conquistaram o poder político com relativa facilidade em um país que estava mergulhado no caos
político e econômico. Elegeram como lema as palavras: Paz, Terra e Pão que, sem dúvida, é bastante
significativo. Também denominaram o novo tipo de governo que iriam implantar como “ditadura do
proletariado”, e determinaram que a Rússia sairia da Primeira Guerra Mundial.

Passaram a ser de propriedade do Estado todas as terras, minas, usinas, máquinas, bancos, ferrovias,
fábricas e qualquer meio de produção econômica.

Evidentemente que os antigos proprietários se revoltaram com a decisão, o que gerou uma guerra
civil. Países europeus que não concordavam com o regime instalado na Rússia e nem com a saída

60
TRABALHO E SOCIABILIDADE

daquele país da guerra mundial trataram de apoiar os capitalistas proprietários que lutavam contra
o regime recém-implantado. A guerra interna na Rússia demorou longo tempo e, ao seu final, com
a destruição dos irresignados capitalistas que haviam perdido sua propriedade, o país necessitava de
completa reorganização econômica, pois estava caótico.

Figura 17

Para a reconstrução econômica, foram organizados planos quinquenais que estabeleciam metas e
cujo maior objetivo era implementar completamente o regime socialista e estabelecer uma sociedade
sem classes sociais.

A Rússia se tornou a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, conhecida pela sigla URSS.

Há certo consenso entre os estudiosos da Revolução Russa de 1917: ela conseguiu progressos
como a redução do analfabetismo; melhoria dos métodos de produção; evolução significativa nos
campos da tecnologia e saber científico; acesso a educação e cultura para todos os membros da
sociedade; eficiente sistema de saúde e de amparo aos filhos de pais que trabalhavam; eliminação
do desemprego e redução das horas de trabalho; assistência aos inválidos, entre outros importantes
aspectos econômicos e sociais.

No âmbito político, no entanto, foi um regime de força que não permitiu ideias contrárias e nem
liberdade de expressão.

A Revolução modernizou grande parte de um país atrasado, mas, embora


suas realizações tenham sido titânicas – principalmente a capacidade
de derrotar a Alemanha na Segunda Guerra Mundial –, seu custo
humano foi enorme, sua economia fechada estava fadada a se esgotar
e seu sistema político fadado a se esfacelar. [...] Devemos deixar que os
diversos povos socialistas e ex-socialistas façam sua própria avaliação
do impacto da Revolução de Outubro em sua história. Quanto ao resto
do mundo, apenas a conhecemos em segunda mão. [...] Tal como a
Revolução Francesa, a Revolução Russa que continuará a dividir opiniões
(HOBSBAWN, 1995, p. 387).

61
Unidade I

A queda do Muro de Berlim, em novembro de 1989, e a aceleração dos movimentos de


descontentamento popular nos países aliados a União Soviética, como ocorreu na Polônia, na
Tchecoslováquia, na Romênia e na Iugoslávia, aceleraram o fim daquele período e daquela união de
repúblicas socialistas.

A Rússia fez a transição para o regime econômico de mercado e ingressou no mundo globalizado.

O apogeu do modelo socialista da União Soviética enquanto força política se deu durante a
Segunda Guerra Mundial, quando a ação do exército “vermelho”, ou seja, russo, foi fundamental para
conter os alemães. Embora isso tenha sido positivo para os interesses dos países Aliados em ganhar
a guerra (Inglaterra, França, Estados Unidos e União Soviética) contra o Alemanha, Itália e Japão, é
certo que o poderio militar dos russos deixou os países aliados atentos.

Ao final da Segunda Guerra Mundial, tem início a chamada Guerra Fria que se não chegou a ser
uma guerra com armas e batalhas, foi, sem dúvida, um dos episódios mais conflituosos e tensos da
história da humanidade.

Saes e Saes ensinam:

Ao fim da Segunda Guerra Mundial, a maior parte das potências mundiais


estava debilitada. Inglaterra e França, apesar de vitoriosas na guerra,
apresentavam sinais de declínio econômico; Alemanha, Itália e Japão
sofriam os efeitos da derrota. Desse modo, a nova ordem mundial se
estruturou em um sistema bipolar: de um lado, os Estados Unidos, o
grande beneficiário da Segunda Guerra; de outro, a União Soviética que,
apesar da destruição que sofrera durante o conflito, ostentava o mérito de
ter derrotado a Alemanha na campanha do Leste Europeu (fator decisivo
da vitória dos Aliados sobre os exércitos de Hitler). Embora os Estados
Unidos e a União Soviética estivessem do mesmo lado durante a Guerra
(compondo as forças dos Aliados junto com a Grã-Bretanha, França e
outros países), depois da vitória seus governos se afastaram, dando início
a um conflito potencial, que, em uma ocasião, quase se tornou efetivo
(SAES; SAES, 2013, p. 502).

Alguns estudiosos apontam que o início da Guerra Fria foi a declaração do presidente norte-americano
Henry Truman, em 1947, que os Estados Unidos dariam assistência a qualquer país que se considerasse
ameaçado pela expansão do comunismo. Outros estudiosos apontam que a Guerra Fria teria tido
início com as explosões das bombas nucleares de Hiroshima e Nagasaki, cidades japonesas, em agosto
de 1945, desnecessárias para selar o fim da Segunda Guerra Mundial, mas sinalizadoras de que os
norte-americanos dominavam a tecnologia nuclear e eram belicamente mais fortes que os russos.
A expansão do socialismo era uma realidade.

62
TRABALHO E SOCIABILIDADE

Frieden afirma:

Em cinco anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, o socialismo


se expandiu do centro da Europa para o Pacífico. A Guerra Fria levou a
uma rápida imposição do modelo soviético na Europa Central e do Leste.
Entre 1949 e 1953, as nações socialistas dessas regiões do Velho
Continente – Alemanha Oriental, Tchecoslováquia, Polônia, Hungria,
Albânia, Romênia e Bulgária – copiaram a economia planificada da URSS
(exceto a Iugoslávia). [...]

Há variações, mesmo sem contar a busca independente da Iugoslávia por


um socialismo gerido por operários.

[...]

Os governos comunistas na Europa e na Ásia construíram réplicas, com


graus variados de dependência, da União Soviética stalinista. Adotaram
as características básicas da planificação econômica soviética: controle
estatal da indústria, da infraestrutura, do comércio e de grande parte da
agricultura; controles rígidos dos mercados; barreiras altas ou proibitivas, ao
comércio; e investimentos internacionais. O volume de produção agrícola
privada, o grau de centralização e os limites para flutuação variavam.
Não obstante, as linhas gerais seguidas pelas economias planificadas eram
semelhantes de Praga a Sófia, de Kiev a Moscou, e de Pequim a Hanói
(FRIEDEN, 2008, p. 354).

A expansão socialista que chegou até Cuba deixou os norte-americanos e seus aliados preocupados.
É preciso ressaltar que Fidel Castro e seus compatriotas não pretenderam fazer uma revolução
socialista, apenas derrubar um governo marcado por violência e má gestão econômica que resultava
em extrema pobreza da população. Como a resposta norte-americana foi ruim, os revolucionários
encontraram proteção na URSS e a ela se aliaram durante muitos anos, fato que quase provocou um
conflito bélico entre norte-americanos e russos durante a Guerra Fria. Felizmente, não ocorreu.

Conter a expansão socialista era uma tarefa a ser realizada e, para isso, não bastavam armamentos.

Assim, fatos históricos como a Revolução Russa, as duas guerras mundiais na Europa e todas as
suas consequências e, por fim, a expansão socialista são motivos suficientes para o surgimento de
alternativas, entre elas, o Estado do Bem-Estar Social.

Para Wilensky, Estado de Bem-Estar Social, Welfare State ou Estado Assistencial, pode ser definido
como: “Estado que garante tipos mínimos de renda, alimentação, saúde, habitação, educação,
assegurados a todo cidadão, não como caridade, mas como direito político” (WILESNKY, 1975 apud
REGONINI, 2004, p. 416).

63
Unidade I

Essa característica – um direito político e não caridade estatal – é ressaltada por Gloria Regonini:

Como exemplo que se aproxima mais desta definição, é costume apresentar


a política posta em prática na Grã-Bretanha a partir da Segunda Guerra
Mundial, quando, a seguir ao debate aberto pela apresentação do primeiro
relatório “Breveridge (1942), foram aprovadas providências no campo da
saúde e da instrução, para garantir serviços idênticos a todos os cidadãos,
independentemente de sua renda. Este exemplo leva a vincular o conceito
de assistência pública ao das sociedades de elevado desenvolvimento
industrial e de sistema político de tipo liberal-democrático. Na realidade,
o que distingue o Estado assistencial de outros tipos de Estado não é
tanto a intervenção direta das estruturas públicas na melhoria de vida da
população quanto o fato de que tal ação é reivindicada pelos cidadãos
como um direito.

[...]

É necessário chegar ao começo do século XX para encontrar medidas


assistenciais que não só não estão em contradição com os direitos civis e
políticos das classes desfavorecidas, mas constituem, de algum modo, seu
desenvolvimento. É na Inglaterra que, entre 1905 e 1911, um alinhamento
político progressista leva à aprovação de providências de inspiração
igualitária, como a instituição de um seguro nacional de saúde e de um
sistema fiscal fortemente progressivo. Mas então o fundo é totalmente
outro. Estas leis são postas em prática por um Estado liberal-democrático
que reconheceu plenamente os direitos sindicais e políticos da classe
operária, numa sociedade profundamente marcada pela industrialização e
pela urbanização das grandes massas (REGONINI, 2004, p. 417).

E Regonini acrescenta:

[...] Segundo Marshall (1964), podemos distinguir na história política


das sociedades industriais três fases: a primeira (ao redor do século
XVIII), domina-a a luta pela conquista dos direitos civis (liberdade de
pensamento, de expressão....); a fase seguinte (ao redor do século XIX)
tem como centro a reivindicação dos direitos políticos (de organização,
de propaganda, de voto....) e culmina na conquista do sufrágio universal.
É precisamente o desenvolvimento da democracia e o aumento do
poder político das organizações operárias que dão origem à terceira
fase, caracterizada pelo problema dos direitos sociais, cujo acatamento
é considerado como pré-requisito para a consecução da participação
política (REGONINI, 2004, p. 417).

64
TRABALHO E SOCIABILIDADE

Para Streck e Moraes:

[...] pode-se caracterizar este modelo de Estado como aquele que garante
tipos mínimos de renda, alimentação, saúde, habitação, educação,
assegurados a todo cidadão, não como caridade, mas como direito político.

[...]

O cerne da diferença, além da crescente atitude interventiva estatal, se


coloca exatamente nesse aspecto de direito próprio do cidadão a ter
garantido o seu bem-estar pela ação positiva do Estado como afiançador
da qualidade de vida do povo (STRECK; MORAES, 2006, p. 69).

O Estado do Bem-Estar Social, ou seja, a garantia de acesso a direitos sociais que tornem a vida
digna, é resultado de um processo historicamente construído pelos trabalhadores, em todo o mundo,
após a Revolução Industrial e as modificações significativas ocorridas no trabalho, na produção, na
economia e na sociedade. Os trabalhadores se organizaram em sindicatos, fizeram greves, criaram
jornais e panfletos para difundir suas ideias, realizaram reuniões para debater e divulgar seus objetivos,
trabalharam muito e de forma bastante organizada para concretizar seus ideais. Um dos resultados
foi a adoção de práticas sociais mais justas pelo Estado, em especial o acesso gratuito a educação,
saúde, assistência social, acesso a crédito facilitado para moradia, entre outros.

A implementação do Estado de Bem-Estar Social foi em boa parte a resposta dos países capitalistas
ao temor da expansão do socialismo; mas isso só ocorreu porque a organização dos trabalhadores e
suas lutas em prol de melhores condições de vida foram decisivas, mostraram claramente que não era
possível seguir com relações de trabalho que tivessem por objetivo apenas a exploração, sem garantia
de vida digna para quem trabalha.

O Estado de Bem-Estar Social não ocorreu em todos os países da mesma forma. No Brasil, por
exemplo, não temos a concretização do Estado do Bem-Estar Social como em alguns países da
Europa, por exemplo. Mas a Constituição Federal garante os direitos sociais e protege os direitos dos
trabalhadores, e isso já representa uma conquista significativa de todos os trabalhadores brasileiros.

Desde o início do momento histórico que se convencionou chamar de Revolução Industrial e que
já estudamos, as condições de trabalho e de vida dos operários das indústrias chamava a atenção
pela precariedade. Horas excessivas de trabalho, salários insuficientes para garantir a subsistência
com dignidade, ausência de diálogo entre patrões e empregados, violência utilizada como forma de
obter os resultados planejados na produção, uma série de abusos que contrariavam por completo os
direitos humanos.

Essa situação não passou desapercebida para parte da Igreja Católica, instituição que ao longo da
história viveu momentos de grande influência na vida política, econômica e social da humanidade.

65
Unidade I

Explica Diogo Freitas do Amaral:

[...] antes de meados do séc. 19, se defrontaram no plano das ideias, assim
como, mais para o fim do século, no plano político e sindical, as duas
maiores ideologias e forças políticas decorrentes da Revolução Industrial –
o capitalismo conservador-liberal e as várias ideias e movimentos
socialistas. À medida que o conflito se foi agudizando, surgiram vozes
moderadas, cheias de bom senso, que condenaram as duas correntes
que tendiam a extremar-se e defenderam, com bastante êxito prático,
doutrinas intermediárias. [...]

Dupla condenação do socialismo radical e do capitalismo liberal – Os


católicos conservadores esperavam do Papa que se limitasse a condenar
o socialismo; e os socialistas não acreditam que o Papa condenasse o
capitalismo, tal como então existia. Mas Leão XIII não se deixou impressionar
nem por uns nem por outros e abriu caminho a uma posição intermédia,
que primeiro se chamou acção social cristã e, depois, democracia cristã, a
qual pode resumir-se assim. Por um lado, o socialismo radical é condenável,
não só por ser materialista e ateu, mas também porque apregoa a violência
e, preconizando a abolição completa da propriedade privada, contraria o
Direito Natural, priva o homem dos frutos do seu trabalho (ou do trabalho
dos seus pais e avós) e, querendo transferir os meios de produção para o
Estado, levará à supressão da liberdade individual e, portanto, à tirania.

Por outro lado, é também condenável o capitalismo liberal da época,


porque “os ricos e os patrões não devem tratar o operário como escravo”,
nem “usar os homens como instrumento de lucro”, ou “estimá-los apenas
na proporção do vigor dos seus braços”. O Papa afirma que o Cristianismo
“proíbe também os patrões que imponham aos subordinados um trabalho
superior às suas forças ou em desarmonia com a sua idade ou seu sexo.
E Leão XIII faz uma solene chamada de atenção aos riscos e poderosos, que
permanece hoje tão acutilante como há 120 anos: “Não importa nada para
a bem-aventurança eterna que abundeis em riquezas ou outros bens [...]:
o uso que deles fizerdes é que interessa [...] Os afortunados deste mundo
são advertidos de que as riquezas [...] não são de nenhuma utilidade para
a vida eterna, mas antes um obstáculo [...]”

Para além destas posições de princípios – e ao contrário do que os


socialistas radicais logo lhe criticaram –, Leão XIII não se ficou pelos
deveres de justiça, caridade e esmola dos ricos relativamente aos pobres.
Foi muito mais longe e, a par do dever de acção política e social dos
católicos do mundo das coisas terrenas, o Papa proclamou a necessidade
de intervenção na economia e preconizou a criação de sindicatos cristãos
(AMARAL, 2011, p. 423).
66
TRABALHO E SOCIABILIDADE

É sempre importante lembrar que a obra de Diogo Freitas do Amaral está redigida em português de
Portugal e por isso tem expressões e formas de redação diferentes das nossas, o que não nos impede
de compreender as ideias e refletir sobre elas. Nesse trecho que lemos anteriormente, fica evidente
que o Papa Leão XIII, que viveu de 1810 a 1903, teve papel importante em propor a conciliação para
os conflitos de sua época e foi o fundador da chamada Doutrina Social da Igreja. Ele cumpriu seu
pontificado de 1878 a 1903.

Em 1891, o Papa Leão XIII publicou a Encíclica Rerum Novarum, que retoma o pensamento
de Santo Tomás de Aquino no sentido da justiça social. Com esse documento, ele sugere para os
capitalistas para que respeitassem a dignidade de seus trabalhadores como homens e como cristãos
e não os tratassem como instrumentos de fazer dinheiro.

O papa recomendou a formação de uniões de trabalhadores, o aumento do número de pequenos


proprietários agrários e a limitação de horas de trabalho. Além disso, Leão XIII condenou o individualismo
da sociedade liberal burguesa e defendeu a intervenção do Estado, quando exigida pelo bem comum,
para salvaguardar os direitos da pessoa humana.

Em 1961, o Papa João XXIII cujo pontificado foi de 1958 a 1963, escreveu a encíclica Mater et
Magistra, e orientou para a prioridade do trabalho sobre o capital. A propriedade privada dos bens
de consumo e dos meios de produção era não apenas um instrumento indispensável à liberdade da
pessoa humana, mas também uma garantia dos direitos sociais.

O Papa João XXIII afirmou na encíclica que conforme o plano de Deus Criador, a abundância de
todos os bens existe, primeiramente, para a subsistência digna dos homens.

Em 1919, a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), com o objetivo de promover


justiça social, contribuiu decisivamente para que o debate sobre a proteção dos trabalhadores
fosse ampliado.

A missão da OIT desde sua criação foi “promover oportunidades para que homens e mulheres
possam ter acesso a um trabalho decente e produtivo, em condições de liberdade, equidade, segurança
e dignidade” (OIT, [s.d.]).

A OIT foi criada pela Conferência de Paz realizada após a Primeira Guerra Mundial e foi mencionada
na parte XIII do Tratado de Versalhes. O Tratado de Versalhes foi o acordo internacional firmado entre
várias nações com objetivo de colocar fim aos conflitos da Primeira Guerra Mundial – 1914 a 1918

A OIT é anterior à criação da Organização das Nações Unidas (ONU), que só ocorreu em 1948, após
o final da Segunda Guerra Mundial.

Em seu portal na internet, a OIT define sua atuação:

67
Unidade I

Organização Internacional do Trabalho (OIT) é a única agência das Nações


Unidas que tem estrutura tripartite, na qual representantes de governos, de
organizações de empregadores e de trabalhadores de 187 Estados-membros
participam em situação de igualdade das diversas instâncias da Organização.
A missão da OIT é promover oportunidades para que homens e mulheres
possam ter acesso a um trabalho decente e produtivo, em condições de
liberdade, equidade, segurança e dignidade. Para a OIT, o trabalho decente
é condição fundamental para a superação da pobreza, a redução das
desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o
desenvolvimento sustentável (OIT, [s.d.]).

A proteção ao trabalho no Brasil teve início em 1930 com a criação do Ministério do Trabalho.
O portal do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea (CPDOC), da Fundação
Getúlio Vargas, informa sobre esse período da história do Brasil

A criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, em


26 de novembro de 1930, foi uma das primeiras iniciativas do governo
revolucionário implantado no Brasil no dia 3 daquele mesmo mês sob a
chefia de Getúlio Vargas. O “ministério da Revolução” – como foi chamado
por Lindolfo Collor, o primeiro titular da pasta – surgiu para concretizar
o projeto do novo regime de interferir sistematicamente no conflito entre
capital e trabalho. Até então, no Brasil, as questões relativas ao mundo do
trabalho eram tratadas pelo Ministério da Agricultura, sendo na realidade
praticamente ignoradas pelo governo.

Na montagem do ministério, Lindolfo Collor contou com a colaboração


de elementos experientes no trato de questões trabalhistas, como
Joaquim Pimenta e Evaristo de Morais Filho – ligados às organizações
sindicais durante a Primeira República –, e o empresário paulista Jorge
Street, que se notabilizara por introduzir melhoramentos em suas fábricas
em benefício dos trabalhadores. Durante a gestão de Lindolfo Collor, o
ministério conheceu intensa atividade legislativa, referente sobretudo à
organização sindical e aos direitos trabalhistas, e esboçou as linhas-mestras
de sua atuação nos anos seguintes. No campo da organização sindical,
Lindolfo Collor declarava explicitamente que concebia os sindicatos como
um instrumento para mediar o conflito entre empregados e patrões.
Seu objetivo era trazer as organizações sindicais para a órbita do novo
ministério, de forma que elas passassem a ser controladas pelo Estado.
Por outro lado, estimulava-se também a organização e reconhecimento
de sindicatos patronais, na perspectiva de se construir uma organização
social sobre bases corporativas. No que se refere à questão dos direitos
trabalhistas, o regime procurava atender algumas reivindicações históricas
do proletariado, ao mesmo tempo em que construía todo um discurso
ideológico sustentado na ideia da outorga dos direitos dos trabalhadores
68
TRABALHO E SOCIABILIDADE

pelo Estado. Esse projeto foi intensamente criticado pelos grupos de


esquerda, que denunciavam seu caráter corporativista e diluidor dos
conflitos entre capital e trabalho. Por conta disso, nos primeiros tempos
somente os sindicatos das categorias com menor tradição organizativa
aceitaram se enquadrar nas condições exigidas pelo Ministério do Trabalho
para que fossem oficialmente reconhecidos (MINISTÉRIO..., [s.d.]).

Saiba mais

Assista ao documentário Getúlio Vargas, de 1974, dirigido por Ana


Carolina Teixeira Soares:

GETÚLIO Vargas. Direção: Ana Carolina Teixeira Soares. Brasil: Zoom


Cinematográfica, 1974. Disponível em: https://bit.ly/2RBp4lu. Acesso em:
14 abr. 2021.

A primeira constituição federal a tratar de aspectos de regulação do trabalho foi a de 1934 e, a


partir dela, todas as demais dedicaram espaço a esse aspecto tão importante da vida social.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ou Decreto-Lei n. 5.452, entrou em vigor em 1º de maio
de 1943, ainda no governo do presidente Getúlio Vargas, e colocou em vigor normas que regulam as
relações individuais e coletivas do trabalho.

A CLT sempre teve muitos críticos entre os estudiosos de direito porque teria sido inspirada na
Carta del Lavoro, de 1927, implantada na Itália pelo líder fascista Benito Mussolini. Para os fascistas,
o Estado deveria ser o principal mediador das relações de trabalho, por isso previa a existência de um
sindicato único, proibição de greve, entre outros aspectos polêmicos.

O certo é que com todas as críticas, a CLT brasileira é ainda hoje no Brasil uma lei em vigor,
atualizada pela Reforma Trabalhista de 2017, e que mantém íntegros os princípios da Constituição
Federal brasileira de 1988.

O artigo 7º da Constituição Federal brasileira, cuja leitura é recomendada para todos, estabelece
em trinta e quatro incisos os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de estabelecer que
outros possam ser criados sempre com o objetivo de melhorar as condições sociais dos trabalhadores.

Além disso, nos artigos subsequentes, a Constituição Federal garante que é livre a associação
profissional ou sindical, portanto, ninguém poderá ser obrigado a filiar-se ou manter-se filiado a
sindicato; obriga a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho; garante o
direito de greve; entre outros relevantes aspectos da proteção dos trabalhadores.

69
Unidade I

4 CAPITALISMO HEGEMÔNICO E GLOBALIZAÇÃO

Em 1989 o mundo assistiu à queda do Muro de Berlim e, com ele, o sistema socialista implantado na
Europa começava a ser substituído. Alemanha Ocidental – capitalista – e Alemanha Oriental – socialista
– foram reunificadas e adotaram o modelo capitalista. E as repúblicas que compunha a URSS passaram
a ter vida independente. A Rússia fez a transição de sua economia para o modelo capitalista.

Figura 18 – Muro de Berlim

Com características socialistas, existem, no mundo, na atualidade, a República Popular da China,


a República de Cuba, a República Popular Democrática da Coreia do Norte, a República Popular
Democrática do Laos e a República Socialista do Vietnã. Os demais são países de economia capitalista.

Por essa razão, é que se costuma afirmar que o capitalismo é hegemônico no planeta, porque entre
os países capitalistas, estão economias muito fortes como dos Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha,
embora a China seja a segunda economia mais forte atrás apenas dos norte-americanos. Aliás, o
modelo chinês na economia e na política não é mais considerado socialista porque os empreendimentos
privados são a base da economia, tanto com capital nacional como com investidores estrangeiros.
Não ocorreram grandes mudanças no regime político, mas no regime econômico a China protagonizou
transformações significativas.

O fim dos regimes socialistas parecia ter trazidos novos ares para o mundo. Geoffrey Blaney,
professor da Universidade de Harvard, nos ensina que:

No início da década de 1990, surgiu a crença de que o mundo havia mudado


para sempre. Acreditava-se piamente que a democracia e o individualismo
político e econômico haviam obtido um triunfo permanente. O livre-comércio
global era considerado iminente e acabaria definitivamente com as
barreiras. Tratava-se de uma conclusão surpreendente, já que a história
não registra um só triunfo perpétuo.

70
TRABALHO E SOCIABILIDADE

Nessa década plena de otimismo, a internet lançou sua teia sobre o mundo,
aumentando a atmosfera de esperança. Pessoas que viviam afastadas
passaram a comunicar-se com enorme facilidade. Mas tal otimismo era
prematuro (BLANEY, 2011, p. 277)

Se por um lado não foi possível concretizar o entendimento humano e os episódios do terrorismo
– 11 de setembro de 2001 principalmente – provam isso, no âmbito econômico, o fenômeno da
globalização se alastrou e trouxe vantagens e desvantagens para todos os países e para toda a
população, muito em especial para os trabalhadores. A globalização da economia não é um fenômeno
recente, ao contrário, existe desde as empreitadas comerciais dos fenícios. Observa Niall Kishtainy:

Globalização é um termo de significado diferente para políticos, executivos


e cientistas sociais. Para os economistas significa a integração de mercados,
o que eles sempre acharam bom.

[...]

A globalização atual não é inédita. Ela aumentou ou diminuiu ao longo do


tempo à medida que as nações escolhiam políticas diversas. Essas escolhas
aumentaram o efeito do progresso tecnológico na integração dos mercados,
mas também o restringiram (KISHTAINY, 2013, p. 228).

A globalização, em especial no século XXI, não é apenas um fenômeno econômico. É, antes de tudo,
uma aproximação intensa entre diferentes povos e culturas, conhecimento em tempo real de fatos e
eventos em diferentes partes do planeta e despertar para uma consciência de que alguns problemas
sociais e políticos se repetem em diversos países e não ocorrem apenas no local em que estamos.

Esse fenômeno se tornou possível graças ao desenvolvimento tecnológico que interligou o mundo
a partir de rápidos “clics” em telefones celulares, tablets, notebooks e nas televisões que transmitem
programas produzidos em diferentes locais do planeta, sempre em tempo real e com imensa quantidade
de informações e dados para serem absorvidos, embora nem sempre com a necessária reflexão sobre
todas as informações recebidas.

Anthony Giddens diz:

Nos últimos anos, o conceito de globalização passou a ser amplamente


utilizado em debates nos campos da política, dos negócios e nos meios
de comunicação. Há 30 anos, o termo globalização era praticamente
desconhecido, mas hoje parece andar na boca de toda a gente. Entendemos
por globalização o facto de vivermos cada vez mais num “único mundo”, na
medida em que os indivíduos, os grupos e as nações estão a tornar-se cada
vez mais interdependentes. [...] nesse sentido, globalização é algo que tem
vindo a decorrer ao longo de muitos séculos da história da humanidade e
que certamente não se restringe ao mundo contemporâneo. No entanto,
71
Unidade I

os debates actuais centram-se muito mais na aceleração abrupta e na


intensidade da globalização nos últimos 30 anos, sensivelmente. É esta ideia
central de intensificação dos processos de globalização que caracteriza este
curto período de tempo. E é esta acepção do conceito que nos interessa agora.

Fala-se frequentemente em globalização como se se tratasse apenas de


um fenómeno económico. Muitas vezes, a análise centra-se no papel das
empresas transnacionais, cujas operações gigantescas ultrapassam as
fronteiras dos países, influenciando os processos globais de produção e a
distribuição internacional do trabalho. Outros apontam para a integração
electrónica dos mercados financeiros e para o enorme volume dos fluxos
do capital global. Outros autores ainda se centram no âmbito inédito do
comércio mundial, que envolve hoje em dia uma gama muito maior de
bens e serviços que outrora.

Embora as forças económicas sejam parte integrante do fenómeno,


é errado pensar que elas por si sós produzem a globalização.
A globalização contemporânea decorre da conjugação de fatores políticos,
culturais e económicos.

A aceleração da globalização deve-se sobretudo ao desenvolvimento


das tecnologias de informação e comunicação, que vieram intensificar a
velocidade e o âmbito das interacções entre os povos do mundo inteiro
(GIDDENS, 2013, p. 131).

Como vocês puderam perceber, o texto transcrito anteriormente também está redigido em português
de Portugal, porque a obra é publicada por uma editora de Lisboa. Facilidades da globalização!

Mas a ideia central de Giddens é o que importa: a globalização não é um fenômeno apenas
econômico, embora tenha provocado muitas mudanças nesse setor. Mas ocorreram mudanças
também nas relações sociais, políticas e culturais.

E, juntas, globalização e tecnologia, estão provocando mudanças significativas no mundo


do trabalho.

É exatamente isso que vamos estudar e refletir adiante.

72
TRABALHO E SOCIABILIDADE

Resumo

Estudamos a trajetória histórica da humanidade e os grupos sociais


organizados para que o homem pudesse garantir sua sobrevivência.
A luta contra animais ferozes, a defesa contra grupos inimigos, a coleta
de alimentos e a própria reprodução da espécie dependiam diretamente
da vida em grupo.

A produção de instrumentos para a agricultura e o avanço no


conhecimento sobre o solo, clima e cultivo de vegetais fez surgir uma
importante transformação no meio de vida daqueles primeiros homens:
puderam se fixar a um território e podiam plantar e colher o necessário
para sua subsistência. Ocorre que a produção não foi apenas do necessário,
foram produzidos também excedentes e, com isso, teve início a fase de
trocas entre diferentes grupos sociais. E com elas vieram os conflitos.

O mundo viveu períodos de poder exercido apenas pelos reis que se


autoproclamavam escolhidos de Deus, eram apoiados pela Igreja e governavam
de forma absoluta, razão pela qual foi criado o termo absolutismo, para
representar esse período da história que se segue à Idade Média.

A organização do trabalho, por sua vez, era coordenada por corporações


de ofício que tinham o poder de decidir tudo sobre as profissões, inclusive
quem poderia ser aprendiz, quem poderia exercer a profissão e os valores
a serem pagos para a corporação. Verdadeira reserva de mercado para
impedir a concorrência.

Três revoluções ocorreram no século XVII e XVIII para colocar fim ao


absolutismo: na Inglaterra, nos Estados Unidos e na França. Todas elas
sacramentaram os direitos dos homens a uma vida digna, com tratamento
justo e, em consequência, limitaram o poder dos governantes aos termos
da lei. Para governar, era preciso cumprir as leis aprovadas pelo Poder
Legislativo, ou parlamento, cujos membros seriam escolhidos pelo povo.

A vida em sociedade organizada a partir de leis foi a forma encontrada


para prevenir que a força física prevalecesse sobre a organização social
fundada em direitos e deveres. Os homens concordaram em perder parte
de sua liberdade para, em troca, viverem com maior segurança.

Nascem as ideias de organização do Estado, poder central que teria


o dever de proteger a todos, garantir os direitos e exigir o cumprimento
dos deveres sob pena de aplicar sanções.

73
Unidade I

Os pensadores mais importantes para a ideia de Estado são Hobbes,


Locke e Rousseau, mas o primeiro a utilizar essa expressão foi Maquiavel,
que ficou bastante conhecido por afirmar que os fins justificam os meios
e por se tornar sinônimo de pessoa que utiliza práticas ardilosas.

Estudamos em seguida a Revolução Industrial, episódio marcante


da história da humanidade que torna a produção econômica viável por
máquinas que dispensam a força humana ou animal. É o carvão e mais
tarde a energia elétrica que movimentam as máquinas e isso praticamente
extinguiu o trabalho dos artesãos, aumentou o número de horas de
trabalho exigidas dos trabalhadores, diminuiu o valor dos salários e
tornou muito difícil a condição de subsistência da classe trabalhadora.

As ideias do liberalismo se tornaram correntes na organização das


sociedades, mas o século XIX traria Marx e Engels e seus estudos sobre
a luta de classes – capitalistas e trabalhadores –, conceitos importantes
como a mais-valia, alienação dos trabalhadores e a proposta de uma
sociedade sem classes sociais, com todo o poder político e econômico
nas mãos dos trabalhadores. Em uma palavra: o socialismo como período
prévio para a implantação do comunismo.

A Revolução Russa de 1917 foi inspirada no pensamento marxista,


embora, com o passar do tempo, tenha se afastado de suas ideias.
Mas representou para o mundo um sinal de que outras formas de
organização política, econômica e social eram possíveis, o que deixou os
países capitalistas em alerta.

Duas guerras mundiais e todos os prejuízos decorrentes delas; a


organização e a luta dos trabalhadores por melhores condições de
trabalho e de salário foram fatores relevantes para o surgimento das
ideias do Estado de Bem-Estar Social, aquele que garantiria a todos os
cidadãos acesso a direitos sociais como saúde, educação e assistência
social. Esses direitos não seriam favores prestados pelo Estado, mas o justo
reconhecimento de que a vida digna não pode prescindir desses aspectos.

Contribuiu para a formação do Estado de Bem-Estar Social a


Doutrina Social da Igreja Católica, que tem início com o Papa Leão XIII
e se completa com o Papa João XXIII. Ambos escreveram importantes
textos – encíclicas – que deram diretrizes para serem seguidas por todos,
de forma que capitalistas e trabalhadores pudessem construir soluções
mais harmoniosas.

Ao mesmo tempo, no âmbito das relações internacionais, foram


criadas a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização
74
TRABALHO E SOCIABILIDADE

das Nações Unidas (ONU). Ambas difusoras dos ideais de respeito aos
direitos dos trabalhadores e aos direitos humanos. No Brasil, o governo de
Getúlio Dornelles Vargas aprovou e colocou em vigor a CLT, importante
marco legal na proteção dos trabalhadores brasileiros. Recentemente a lei
foi alterada por uma reforma realizada em 2017.

O fim do socialismo em países do Leste Europeu, na Alemanha


Oriental e na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, contribuiu para
a ideia de que o mundo pratica hegemonicamente o capitalismo e, sendo
assim, deve ser relacionar mais fortemente no comércio e na produção
de bens econômicos.

O surgimento de novas tecnologias de comunicação acelerou a


globalização que hoje ocorre não apenas no âmbito econômico, mas,
também, político, social e cultural.

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Unidade I

Exercícios

Questão 1. Há certo consenso histórico de que o período do desenvolvimento da agricultura


contribuiu para melhoria de qualidade de vida da humanidade, em razão da possibilidade de produção
de alimentos em maior quantidade do que no período em que os homens praticavam a caça e a coleta de
alimentos. Nem todos os historiadores pensam dessa mesma forma. Harari, por exemplo, defende que o
período do desenvolvimento da agricultura foi pior para a humanidade.

Analise as afirmativas a seguir e assinale a alternativa correta.

I – Os homens caçadores e coletores conheciam muito bem a natureza, os animais e as plantas que
coletavam e não tinham que administrar os excedentes da produção.

II – Os homens, no período do desenvolvimento da agricultura, ficaram menos expostos à fome, o


que facilitou a explosão populacional, juntamente com a necessidade cada vez maior de mão de obra
para o trabalho agrícola.

III – A agricultura trouxe a vantagem da produção de excedentes, a facilidade na administração social


em face da imobilidade e, principalmente, a necessidade de menor quantidade de horas trabalhadas.

Está(ão) correta(s):

A) I, somente.

B) II, somente.

C) III, somente.

D) I e II, somente.

E) II e III, somente.

Resposta correta: alternativa D.

Análise das afirmativas

I – Afirmativa correta.

Justificativa: para Yuval Noah Harari em seu livro Sapiens: uma breve história da humanidade:
“os caçadores-coletores conheciam os segredos da natureza muito antes da Revolução Agrícola, já
que sua sobrevivência dependia de um conhecimento íntimo dos animas que eles caçavam e das
plantas que eles coletavam. Em vez de prenunciar uma nova era de vida tranquila, a Revolução

76
TRABALHO E SOCIABILIDADE

Agrícola proporcionou aos agricultores uma vida em geral mais difícil e menos gratificante que a dos
caçadores-coletores. Estes passavam o tempo com atividades mais variadas e estimulantes e estavam
menos expostos à ameaça de fome e doença.” (L&PM, 2016, p. 56). A administração dos excedentes
de produção teria sido ensejadora de conflitos sociais e do surgimento de elites favorecidas.

II – Afirmativa correta.

Justificativa: a agricultura propiciou a produção de alimentos em maior quantidade e contribuiu


para diminuir a fome e aumentar a população, até porque o trabalho na lavoura exigia maior número
de trabalhadores para que fosse possível produzir excedentes para serem comercializados.

III – Afirmativa incorreta

Justificativa: para Harari o trabalho na agricultura se mostrou mais exaustivo que o trabalho
de caça e coleta de alimentos, além do que a produção de excedentes gerou as elites favorecidas e
contribuiu para a desarmonia social porque incentivou a busca por lucratividade e poder político para
viabilizar o domínio de maiores áreas agricultáveis.

Questão 2. Podemos associar a Revolução Russa de outubro de 1917 com as ideias centrais do
pensamento de Marx e Engels porque:

A) Eles defendiam que os trabalhadores tomassem o poder para construir outra forma de capitalismo
que deveria ser mais justo e dinâmico.

B) O capitalismo com suas contradições o levaria ao próprio fim e, para evitar isso, os trabalhadores
deveriam se unir e organizar a produção econômica por si próprios.

C) A alienação dos trabalhadores no capitalismo permitiu que a Revolução Russa fosse promovida
pelo exército burguês.

D) Os trabalhadores na visão de Marx e Engels teriam como destino histórico o materialismo, ou seja,
a acumulação progressiva da produção econômica.

E) A mais-valia fomentava a disputa entre os próprios trabalhadores e somente uma revolução


colocaria fim a essa situação de conflito produtivo e social.

Resposta correta: alternativa B.

Análise das alternativas

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: a ideia não era a construção de outra forma de capitalismo, mas de socialismo na
primeira etapa e comunismo como objetivo final a ser alcançado.
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Unidade I

B) Alternativa correta.

Justificativa: a ideia de Marx e Engels era de que o capitalismo repleto de contradições na produção
e distribuição das riquezas enfrentaria crises sucessivas e poderia chegar ao fim. Para evitar isso, a
classe trabalhadora em todo o mundo deveria se unir e assumir a produção e garantir a distribuição
de forma igualitária e justa.

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: a Revolução Russa não foi iniciativa do exército burguês, ao contrário, foi iniciativa
de adeptos das ideias de Marx e Engels conhecidos por bolcheviques.

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: o materialismo histórico é um conceito desenvolvido por Marx e Engels, segundo


o qual tudo se constrói historicamente a partir das relações concretas dos homens envolvidos no
sistema produtivo.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: a mais-valia é uma ideia importante no pensamento de Marx e Engels, entretanto,


não tem relação com disputa entre trabalhadores, mas com a forma de pagamento a menor que os
detentores do capital realizam em razão das horas trabalhadas.

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