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Eunice Sueli Nodari

Samira Peruchi Moretto


Débora Nunes de Sá
João Davi Oliveira Minuzzi
Organizadores

História
ambiental
em rede
novos temas e
abordagens

editora
História
ambiental
em rede:
novos temas e
abordagens
© Dos Autores, 2022
Os autores dos capítulos são integralmente responsáveis pela veracidade
dos dados, pelas opiniões e pelo conteúdo do trabalho aqui publicado.
Apoio financeiro
Universidade Federal da Fronteira Sul
Editoração
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Álison Wagner Gomes da Silva
Revisão
Joana Paula Ataíde
Projeto gráfico
Acervus Editora
Capa
Alex Antônio Vanin
Samira Peruchi Moretto
Imagem da Capa
Samira Peruchi Moretto

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)


Ficha Catalográfica – Sistema de Bibliotecas (SiBi/UNIVALE)

História ambiental em rede: novos temas e abordagens [recurso


H673 eletrônico] / Eunice Sueli Nodari, Samira Peruchi Moretto, Débora
Nunes de Sá, João Davi Minuzzi, organizadores. – Governador
Valadares : Univale Editora ; Passo Fundo : Acervus, 2022.
396 p. : il. color.

ISBN 978-65-87227-33-7 (digital)


ISBN 978-65-87227-32-0 (impresso)

1. História ambiental. 2. Recursos naturais. 3. Meio ambiente.


4. Pesquisa científica. I. Nodari, Eunice Sueli. II. Moretto, Samira
Peruchi. III. Sá, Débora Nunes de. IV. Minuzzi, João Davi. V. Título.

CDU: 502.1(09)
CDD: 577.09

Ficha elaborada pela bibliotecária Ma. Isis Carolina Garcia Bispo – CRB 6/3804
Eunice Sueli Nodari
Samira Peruchi Moretto
Débora Nunes de Sá
João Davi Oliveira Minuzzi
Organizadores

História
ambiental
em rede:
novos temas e
abordagens
Universidade Vale do Rio Doce
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Sumário
Apresentação 9

Monocultivos modernos e o Neo Columbian Exchange:


o Atlântico na era do Antropoceno 13
Eunice Sueli Nodari | Lucas Mores (in memoriam)

Parte I
Paisagens e Fronteiras

A Araucaria angustifolia em Misiones, Argentina, na percepção de


dois escritores-viajantes do século XIX:
Juan Bautista Ambrosetti e Florencio de Basaldúa 37
Débora Nunes de Sá

Florestas plantadas, paisagens transformadas:


a atuação da Floresta Nacional de Chapecó entre 1960 e 1988 53
Michely Cristina Ribeiro | Samira Peruchi Moretto

Fronteiras socioambientais no Oeste Catarinense:


a colônia Porto Novo 71
Natan Roberto Kickow

Construindo o Celeiro Catarinense:


política e modernização agrícola durante
a ditadura civil-militar 83
Marina Andrioli

O relato de Herbert Huntington Smith sobre o bioma Pampa:


“uma região de campo, que produz gaúchos, gado e revoluções” 103
João Davi Oliveira Minuzzi

Portugal e a cultura das Quinas (Cinchonas):


imperialismo ecológico na segunda metade do século XIX 121
Diego Estevam Cavalcante
Parte II
Vitivinicultura e Sojicultura na História

Novos vinhedos, velhos dilemas:


perspectivas socioambientais e variedades Piwi na
vitivinicultura do Planalto Catarinense 143
Gil Karlos Ferri | Eunice Sueli Nodari | Rubens Onofre Nodari

Vinho e meio ambiente:


entre desafios do passado, presente e futuro 157
Carla Pires Vieira da Rocha

Caminhos do vinho:
a paisagem vitivinícola de Mendoza, Argentina 167
Julia Mai Velasco | Laianny Cristine Gonçalves Terreri

As campanhas do solo e a sojicultura:


uma história ambiental do Oeste Catarinense 183
Adriana Elizabeta Seitenfus | Gabrieli Elisa da Costa | Tailana Benelli

A expansão da soja em Soledade/RS (1960 a 1985) 195


Márcio Comin

Parte III
Os impactos socioambientais como tema de estudo

A água diante do desastre socioambiental da Samarco 215


Lissandra Lopes Coelho Rocha

Entre lucros e riscos:


a atividade mineradora no Brasil e
o caso do rompimento da barragem de Fundão 231
Adriana de Oliveira Leite Coelho

(Re) lembranças:
um olhar ambiental sobre a história do Rio Doce 245
Jacqueline Martins de Carvalho Vasconcelos
Construindo Políticas Públicas para o meio ambiente:
a participação popular e os resíduos sólidos em Porto Alegre 263
Esther Mayara Zamboni Rossi

Crescimento populacional, desequilíbrio e preocupações


ambientais no Sudoeste do Paraná:
o (des)caso com os resíduos de madeira em São João na década de 1960 277
André Egidio Pin

História Ambiental e Ecocrítica no Antropoceno:


conexões para imaginar outros mundos possíveis 295
Leandro Gomes Moreira Cruz | Morgana Elisha Jahnke

Parte IV
As práticas agropecuárias e temas adjacentes

Del conflicto fronterizo colombo-peruano


a las disputas internas en Tarapacá (Amazonas, Colombia) 319
Ivón Natalia Cuervo

Protagonismo feminino das agricultoras agroecológicas no


Norte e Noroeste do Rio Grande do Sul 333
Daiana Paula Varotto

La ganadería vacuna (Bos Taurus) en el piedemonte andino


amazónico del Caquetá, 1900-1935:
una perspectiva histórico ambiental 353
Fabio Alvaro Melo Rodríguez

Sistemas de cogestão adaptativa e o estado de direito ecológico


no re-centramento público e na transmissão transgeracional de
commons no Antropoceno 371
Fabiana Jacomel

Sobre os autores e autoras 389


Apresentação

A História Ambiental está na essência deste livro. A compreendemos como cam-


po ou um tema da historiografia que inclui as sociedades humanas, mas também
reconhece a historicidade dos sistemas naturais e faz “uma leitura aberta e inte-
rativa entre ambos”. Muito aceita é a definição da História Ambiental “como um
esforço para trabalhar analiticamente, de forma aberta, dinâmica e interativa,
três dimensões básicas que se mesclam na experiência concreta das sociedades”,
que são: o mundo biofísico, a atividade socioeconômica e a cultura1.
A ideia de organizar o livro História ambiental em rede: novos temas e
abordagens, agrupando as pesquisas desenvolvidas por graduandos, pós-gra-
duandos e docentes surgiu em meados de 2020. Débora Nunes de Sá e João
Davi Oliveira Minuzzi, atualmente doutorandos do Programa de Pós-gradua-
ção em História da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), levaram
um esboço do livro para as docentes Eunice Sueli Nodari e Samira Peruchi
Moretto, que fazem parte da linha de Pesquisa “Meio Ambiente e Migrações:
espacialidades e globalidades” e receberam com muito entusiasmo a ideia. Ini-
cialmente, estava previsto convidar um grupo restrito de alunos da UFSC, po-
rém, as organizadoras compreenderam que o livro poderia ter mais autores e
1
  PÁDUA, José Augusto. As bases teóricas da História Ambiental. Estudos Avançados, São Paulo, v. 24, n.
68, p. 81-101, 2010.
ser o primeiro de uma série de obras contendo textos de gerações que frequen-
tam ou estiveram ligados ao Laboratório de Migração, Imigração e História
Ambiental (LABIMHA) da UFSC2.
O laboratório está quase completando três décadas e os professores auxilia-
ram na formação de profissionais que atuam em diferentes instituições do Brasil.
Criado em 1994 pelos professores João Klug e Eunice Sueli Nodari, que o coor-
denam atualmente, foi inicialmente intitulado de Laboratório de Imigração e
Migração (LABIMI), assim como a linha de pesquisa que passou a fazer parte
do PPGH/UFSC. A linha de pesquisa estava aberta para acolher e formar pes-
quisadores que abordassem a seguinte temática: migrações, igreja e colonização,
movimentos sociais e experiências, identidade, globalização e política3.
Com o passar dos anos e o desenvolvimento das novas abordagens de
pesquisas, se construiu a aproximação entre os temas migração, colonização e
meio ambiente. O primeiro projeto de História Ambiental na UFSC foi de-
senvolvido em 2001, trouxe uma perspectiva interdisciplinar à História e foi
coordenado pela professora Eunice Sueli Nodari. Com a introdução do tema
no Laboratório, houve a busca por leituras teóricas de História Ambiental e
iniciou-se a produção de textos, trabalhos de conclusão de curso, dissertações
e teses utilizando essa abordagem.
No ano de 2008, o Laboratório incorporou a História Ambiental em seu
nome e passou a se chamar LABIMHA. Naquele momento, havia teses e disser-
tações defendidas, novos alunos se juntaram ao grupo, prosseguiram os estudos
de História Ambiental e ampliaram o legado desse Laboratório. A partir da ge-
ração contemporânea do LABIMHA surge esta obra. Parte dos pós-graduandos
que ingressaram no LABIMHA nos anos 2000, hoje atuam como docentes em
universidades brasileiras e integram grupos de pesquisas que estudam o tema e
formam novos historiadores ambientais. Como exemplo, pode-se citar o Fron-
teiras: Laboratório de História da Universidade Federal da Fronteira Sul, fun-

2
  Grupo de pesquisa Laboratório de Imigração, Migração e História Ambiental. As informações completas
estão no diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq: dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/1600952320990251.
3
  Para conhecer algumas das dissertações e teses defendidas até 2010, a partir das atividades do LABIMHA,
ver o capítulo MORETTO, S.P.; NODARI, E.S. O meio ambiente como tema da História. In:_ FLORES,
M.B.R.; BRANCHER, A.L. (Orgs.). Historiografia: 35 anos. Florianópolis: Letras Contemporâneas,
2011. p. 93-109.
dado por dois integrantes egressos do LABIMHA – a professora Samira Peru-
chi Moretto e o professor Marlon Brandt; e o Núcleo de Estudos Históricos do
Mundo Rural (NEHMuR), vinculado à Universidade de Passo Fundo (UPF),
onde está o professor Marcos Gerhardt, também ex-orientando da profa. Eunice
e do prof. João. Além dos egressos do LABIMHA, outros colegas que vem dis-
cutindo e pesquisando sobre a História Ambiental se juntaram aos laboratórios
e às linhas de pesquisas das instituições aqui citadas.
Assim, este livro reúne textos de graduandos, mestrandos, doutorandos e
recém-doutores que fazem parte do LABIMHA, do Fronteiras e do NEHMuR.
Destacam-se três características que conectam os textos que compõem a obra:
1) Todos são de autoria de uma nova geração de historiadores ambientais; 2) Os
trabalhos foram orientados por membros do LABIMHA ou por colegas que
compõe os laboratórios aqui citados; 3) A professora Eunice Sueli Nodari, que
auxiliou na organização deste livro, orientou muitos dos colegas que hoje são os
orientadores dos trabalhos aqui agrupados; 4) Por fim, e não menos importante,
todos os textos aqui agrupados utilizam da História Ambiental como corrente
teórica como aporte para desenvolvimento de seus temas.
Assim, a obra que chega até aos leitores no inverno de 2022 pode ser com-
preendida de diversas formas, trazendo continuidades e versando novidades
quanto à temática discutida. O primeiro destaque da obra é compartilhar o co-
nhecimento interdisciplinar relacionado às pesquisas sobre questões ambientais.
O segundo é reconhecer o papel dos laboratórios de pesquisa em História Am-
biental citados e sua contribuição na discussão do tema. Por fim, o livro apresen-
ta à comunidade acadêmica novos trabalhos e o resultado, mesmo que prelimi-
nar, das investigações científicas de jovens pesquisadoras e pesquisadores.
Optamos por apresentar os blocos temáticos, ao invés de mencionar cada
capítulo em específico. Contudo, a título de homenagem, faz-se necessário dar
destaque ao primeiro capítulo da obra, intitulado Monocultivos modernos e o Neo
Columbian Exchange: o Atlântico na era do Antropoceno de autoria de Eunice
Sueli Nodari e Lucas Mores (in memoriam). O capítulo é um dos últimos traba-
lhos deste brilhante estudante que nos deixou precocemente em 2019 em coau-
toria com a sua orientadora.
O primeiro bloco temático Paisagens e Fronteiras nos oferece a oportunida-
de de compreender a conexão entre as percepções na representação da paisagem
e a materialidade dos mais variados ambientes. Da mesma forma, a fronteira é
representada de forma polissêmica nesse bloco como um espaço de divisões e
compartilhamentos.
No segundo bloco, intitulado Vitivinicultura e Sojicultura na História, a
discussão histórica que se estabelece sobre tais formas de produção gravita so-
bre o eixo do tempo. A articulação entre a tradição e a inovação, tendo o meio
ambiente como perspectiva, evidencia os desafios da vitivinicultura no início do
século XXI. Já os trabalhos sobre o avanço da soja mostram a velocidade com
que a monocultura industrializada se alastrou sobre o sul do Brasil.
Os impactos Socioambientais como tema de estudo emergem como terceiro
bloco de capítulos ao integrar trabalhos que se debruçam sobre as consequências
das ações humanas sobre o ambiente. Cabe lembrar, que tais consequências se-
guem uma via de mão dupla: seres humanos transformam e são transformados
pelo ambiente em que estão inseridos. O que fica claro em cada um dos capítulos
é o quanto a rapidez com que os seres humanos consomem o que convenciona-
ram chamar de recursos naturais, afeta de forma negativa a vida das sociedades
humanas.
O último, mas não menos importante bloco, As práticas agropecuárias e
temas adjacentes foi estruturado com trabalhos que dão conta de conflitos na
disputa por recursos naturais, o protagonismo feminino no meio rural, a pecuá-
ria nos Andes e o direito ecológico. O enfoque dos capítulos evidencia o caráter
globalizado dos temas selecionados e aponta para o lugar central da interdiscipli-
naridade da pesquisa na História Ambiental.
Desejamos a mesma prazerosa e instigadora leitura que a obra nos propiciou!

Alfredo Ricardo Silva Lopes


Marcos Gerhardt
Samira Peruchi Moretto
Monocultivos modernos e o
Neo Columbian Exchange:
o Atlântico na era do Antropoceno

Eunice Sueli Nodari*


Lucas Mores**

As conexões realizadas no Atlântico entre os séculos XV e XVIII, tiveram papel


fundamental na transformação ecológica dos regimes biológicos. Para Marks, no
período denominado de Holoceno, todas as pessoas do mundo viviam dentro
dos limites deste Antigo Regime biológico, onde os fluxos de energia se basea-
vam em fontes de energia solar, no trabalho humano ou na força dos animais
(MARKS, 2012, p. 59). Ou seja, o autor considera que neste período existia
um regime orgânico, onde os grupos humanos dependiam da energia solar para
cultivar alimentos e a queima de árvores como combustível, limitando as possi-
bilidades humanas de consumo e de reprodução. No entanto, desde o século XV,
o Antigo Regime biológico estava sendo questionado por diversos fatores como:
o aumento demográfico na Europa; a introdução, disseminação e mercantiliza-
ção de plantas, animais e fungos do Novo Mundo; e o próprio imperialismo em
sua dimensão global, existindo uma troca de experiências entre humanos e não
humanos em diferentes tipos de biomas (MARKS, 2012, p. 64).
Partindo desta perspectiva de transformação dos fluxos de energias, com-
preendemos neste trabalho, que o Atlântico foi um espaço fundamental ao li-

13
gar diferentes espécies biológicas, ao mesmo tempo, que foi substancial para a
produção de commodities a partir da segunda metade do século XVIII. Neste
sentido, este ensaio se propõe a repensar o Atlântico por meio de uma História
Ambiental, que problematize alguns elementos destas mudanças ecológicas en-
tre o final do século XVIII e início do XIX, no intuito de abordar a formação
do Antropoceno. No entanto, diferente de Marks que em sua perspectiva ob-
serva os países industrializados, partiremos da hipótese que para a formação do
Regime Biológico moderno, foi necessária a intensificação de processos ligados
ao Antigo Regime, como é o caso da escravidão de africanos em larga escala.
Ou seja, compreendemos como Donald Worster, que é necessária a discussão de
variações de impactos humanos sobre o planeta, em um primeiro momento ela
é localizada, mas sua difusão cria proporções globais e que ajudaria a criar, o que
Worster denomina de “Segunda Terra” (WORSTER, 2016, p. 225).

História Atlântica e o “Intercâmbio de Colombo”1

O campo da História Atlântica pode ser entendido como uma corrente histo-
riográfica que estuda um dos espaços mais importantes da era moderna: a emer-
gência no século XV e o subsequente crescente da bacia Atlântica, como lugar
de trocas demográficas, sociais, culturais e outras formas de ligação, entre con-
tinentes, ilhas e a própria circulação no oceano (GREENE; MORGAN, 2009,
p. 4). Entre os principais agentes dessas mudanças, os autores consideram como
peças-chave: as pessoas, patógenos e plantas, pois, o movimento e a combinação
destas peças modificação todas as esferas da vida no oceano após o século XV.
Este campo utiliza a concepção de mundo atlântico, como um espaço e uma co-
munidade de intercâmbio de commodities, de trabalho, de ideias, de linguagem
e de cultura. O Atlântico, neste caso, deve ser entendido como um sistema de
análise, mapeando os lugares de desenvolvimento da metrópole e da colônia,
acentuando as trocas inter-imperiais e intra-imperial (O’REILLEY, 2004, p. 67).
Para Bailyn, a História Atlântica é uma conexão de elementos entre as histórias

  Tradução livre de Columbian Exchange.


1

14
européias, norte-americana, caribenha, latino-americana e a do oeste da África,
abrindo uma miríade de possibilidades de conexão, comparações e diferentes
formas de aplicação do conceito de sistemas (BAYLIN, 2005, p. 59-60).
Alison Games considera a História Atlântica como uma abordagem com
fronteiras abertas, se caracteriza por ser uma parte da História Mundial, utilizan-
do um microscópio que observa processos locais/regionais, mas que também,
num jogo de escalas, observa a escala global (GAMES, 2006, p. 748). Neste sen-
tido, alguns processos podem ser observados como exclusivos das espacialidades
construídas no Atlântico, ou ainda, entender como se desenvolveram processos
globais no Atlântico. Esta dupla ferramenta, possibilita um entendimento com a
produção de História Global, como aponta John Mcneill ao pensar uma Histó-
ria Ambiental Global, aponta que as condições locais são importantíssimas com
suas lentes microscópicas, quanto às macroscópicas, fornecendo exemplo locais
em conjunto com conclusões mais amplas (CORONA et al., 2008, p. 236).
Também, como aponta Henrique Espada, a microescala/história, não se apresen-
ta como oposição à abordagem macro, mas sim, de entender que o macro não é
preestabelecido (ESPADA, 2015, p. 583). Logo, os jogos de escala na escrita da
História Atlântica são fundamentais para realizar as conexões destes processos.
Seguindo um sistema de classificação, David Armitage pondera que His-
tória Atlântica pode ser realizada a partir de três modos, cada qual com sua es-
pecificidade de objeto:“(1) História circum-atlântica – história transnacional do
mundo atlântico. (2) História trans-atlântica – a história internacional do mun-
do Atlântico. (3) História cis-atlântica – a história nacional ou regional dentro de
um contexto atlântico” (2014, p. 209). Em primeiro lugar, Armitage compreende
a história circum-atlântica como um espaço de trocas, intercâmbios, circulações e
transmissões, formando não apenas os litorais, mas também um conjunto de pro-
cessos que desembocam no Atlântico (2014, p. 209). Neste sentido, se enquadra
nessa categoria o comércio, as ideias que circulam pelo Atlântico, mas também,
as doenças, a fauna e flora que circulam neste oceano. Como os dois principais
aspectos dessa perspectiva de História Atlântica, Armitage argumenta que ela
consegue incorporar tudo que se situa ao redor da bacia oceânica, mas também,
se caracterizando como móvel e conectiva (2014, p. 209).

15
Para Armitage, “A história trans-atlântica é a história do mundo Atlântico
contada através de comparações. O sistema de circulação do Atlântico criou li-
gações entre regiões e pessoas antes separadas” (2014, p. 210). Assim, podemos
compreender que esta categoria tem se desenvolvido, enfatizando as compara-
ções de processos históricos, mapeando as diferenças e similaridades dos proces-
sos históricos desenvolvidos no espaço do Atlântico. Como exemplo, podemos
pensar a escravidão no Atlântico, seja na África, ou ainda, perceber suas diferen-
ças nas Américas, compreendendo suas peculiaridades e aproximações. Por fim,
podemos compreender a categoria de cis-atlântica, que opera entre uma escala
mais micro de observação, e uma escala mais ampla, como aponta Armitage: “A
história “cis-atlântica” estuda lugares particulares como localidades singulares
dentro de um mundo Atlântico e busca definir essa singularidade como o resul-
tado da interação entre particularidades locais e uma rede mais ampla de cone-
xões (e comparações)”(2014, p. 212). O objetivo desta categoria é o de entender,
como determinados lugares funcionavam em relação ao Atlântico, por exemplo,
como eram as dinâmicas dos portos do Rio de Janeiro durante o período do trá-
fico de escravizados africanos. Depois de mapear estas concepções, este trabalho
adotará a perspectiva de circum-atlântica, ao entender, que são nas conexões e
trocas ecológicas que se desenvolve o Neo-Columbian Exchange.
O processo conhecido como Columbian Exchange (ou em tradução livre,
o intercâmbio de Colombo), termo cunhado por Alfred Crosby, pode ser conce-
bido como um dos processos mais importantes iniciado com a viagem de Cristó-
vão Colombo em 1492. Segundo McNeill, Columbian exchange é a maior e mais
rápida transferência biológica de larga escala da história mundial, especialmente,
porque outros navegadores seguiram o projeto de Colombo, inclusive alguns
de sua geração (MCNEILL, 2012, p. 446). Assim, Colombo inaugurou um ca-
minho direto e regular para as trocas no Atlântico a partir de 1492, trazendo
microrganismos para o continente americano, e em sua segunda viagem levou
para a Europa algumas espécies nativas da América.
Para Crosby, o ser humano, antes de tudo, é um agente ecológico que rea-
liza transformações, conscientes ou inconscientes, no ambiente por meio de
introduções de animais, plantas, fungos ou outros seres vivos (CROSBY, 2003,
p. 15). É neste sentido que podemos entender as diferentes trocas existentes
no começo do período das navegações, onde uma pequena quantidade de se-

16
mentes era introduzida do outro lado do Atlântico, doenças foram difundidas
pelo contato Atlântico e animais foram levados para outros habitats. Nessas
introduções, disseminações e domesticações, gerando novos ambientes e cons-
truindo novas relações ecológicas.
Ao longo do tempo, europeus consolidaram ainda mais este processo, le-
vando diferentes tipos de plantas como milho, batata, tomate, feijão, entre ou-
tras, que se difundiram rapidamente na Eurásia, enriquecendo a dieta alimentar,
em alguns casos da elite, mas em outros contextos de populações pobres como é
o caso da expansão da batata pela Europa (MARKS, 2012, p. 61). Para Crosby,
este processo marcou uma grande expansão devido à vantagem para as plantas
americanas, pois estas têm diferentes demandas de clima, solos e técnicas de cul-
tivo do que os cultivos do Velho Mundo, mas ao mesmo tempo, oferece uma
complementação a alimentação já existente na Europa (CROSBY, 2003, p.
177). Simultaneamente, puderam ser disseminadas em várias latitudes, desde o
norte da Europa até o sul da África. Logo, espaços que não eram mais utilizados
para a agricultura, pois o solo considerado como esgotado, tem nos cultivos ame-
ricanos um novo uso agrícola. Por outro lado, os agricultores do continente ame-
ricano também adquiriram novos hábitos alimentares e práticas agrícolas. Por
exemplo, podemos listar algumas espécies como frutas cítricas, bananas, uvas e
figos da Eurásia, como também, sorgo, inhame, quiabo e melancia da África,
possibilitando uma ampliação das possibilidades de agricultura (MCNEILL,
2012, p. 445). Neste sentido, este intercâmbio pode ser entendido como uma
transformação dos dois lados do Atlântico, construindo ambientes diferentes
em ambos os lados, sendo o oceano fundamental para a conexão ambiental entre
Eurásia, África e América.
Na perspectiva de Crosby, o Columbian exchange seria um processo con-
tínuo e que ainda estaria acontecendo na época da escrita do livro (1972), não
havendo divisões posteriores. Logo, entendemos que o uso deste conceito de cer-
to modo se torna muito amplo e a-histórico, no sentido de abarcar uma grande
temporalidade, sem perceber as diferenças. Agora, iremos debater o conceito de
Antropoceno, ou seja, a nova era geológica proposta pelas alterações dos huma-
nos em relação aos fluxos biogeoquímicos da terra e a biodiversidade do planeta
nos últimos 200/300 anos.

17
O Antropoceno

O período geológico denominado de Holoceno apesar de ser um tanto impre-


ciso, porque pode ser considerada como origem a última grande glaciação, foi
definido pela relativa estabilidade climática, com poucas alterações na fauna e na
flora (DICKSON, 2013, p. 3). A maior alteração de fauna e flora desse período
ocorreu devido à ação humana, com práticas como a agricultura e a caça, mas que
em escala planetária, estas não tiveram impacto significativo. Entretanto, desde
a década de 2000, cientistas ambientais têm problematizado que desde meados
do século XVIII o ambiente global, especialmente o clima e a diversidade bioló-
gica, se alteraram em determinada intensidade que estaríamos em uma nova era
geológica, o Antropoceno (STEFFEN et. al, 2010, p. 843). A discussão sobre o
Antropoceno apresenta pelo menos dois pontos importantes: 1- a força trans-
formadora dos seres humanos em uma escala temporal relativamente curta; 2- a
saída da estabilidade climática e a grande alteração na biodiversidade. Os autores
defensores desta perspectiva adotam o período inicial da Revolução Industrial
como o princípio do Antropoceno, dado que é a partir dela que começamos a
observar novos fluxos de energia e alteração química do planeta (TRISCHLER,
2013, p. 6). Logo, a transição entre Holoceno e Antropoceno é uma transição de
Regimes Biológicos, onde um Antigo Regime biológico, fundamentado no flu-
xo de energia solar, para um Regime Moderno biológico, com fluxos de energias
baseadas em reações químicas, em especial, de combustíveis fósseis (MARKS,
2012, p. 61). Para Marks, o Antigo Regime biológico estava sendo questionado
por diversos fatores como: o aumento demográfico na Europa; a introdução, dis-
seminação e mercantilização de plantas, animais e fungos do Novo Mundo; e o
próprio imperialismo em sua dimensão global, existindo uma troca de experiên-
cias entre humanos e não humanos em diferentes tipos de biomas (2012, p. 64).
Entre motivos levados em consideração para diferenciar este período, é o
impacto humano na estrutura do sistema terrestre, como por exemplo, a cober-
tura do solo, estrutura da zona costeira e o funcionamento, no ciclo biogeoquí-
mico, mas também fatores sociais, como aumento demográfico e o aumento da
população urbana (CRUTZEN; STEFFEN, 2003, p. 252). Logo, o Antropoce-
no não pode ser visto somente como um fenômeno relacionado às causas “natu-

18
rais”, mas sim, da própria transformação das sociedades humanas. Talvez, o dado
mais importante seja o boom populacional ocorrido desde a Revolução Indus-
trial, pois em 1750 havia cerca de 700 milhões de pessoas, crescendo para apro-
ximadamente 1,65 no início do século XX, e atualmente, ultrapassa o número
de 7 bilhões de humanos (ARTAXO, 2014, p. 20). Esse aumento populacional
indica que a mudança do planeta ocorre em larga escala, sendo que cientistas
ambientais apontam que aproximadamente 77% de toda área da superfície ter-
restre já foi ou tem sido de alguma forma utilizada pelos humanos. Desta forma,
o mundo não poderia mais ser caracterizado por biomas – conjuntos naturais de
habitats – mas, sim, “Antromas” – paisagens antrópicas, tais como florestas ma-
nejadas, terras agrícolas, pastagens e áreas urbana (LEINFELDER, 2013, p. 15).
Marks entende que durante o século XVIII havia indícios que vários lugares
no mundo haviam atingido os limites ecológicos do Antigo Regime biológico,
especialmente pela falta de recursos e os limites do crescimento haviam chegado
a um novo estágio (2012, p. 64). O autor interpreta que ao mesmo tempo, exis-
tiu uma crise ecológica na China e na Europa, mas que tiveram em seus resulta-
dos processos distintos. Essa diferença ocorre de modo especial entre a Inglaterra
e a China, porque os primeiros conseguiram localizar uma fonte de energia que
faria com que estes não dependessem mais da energia solar, enquanto os chineses
não conseguiram. Mais do que isso, os combustíveis fósseis foram a chave para o
desenvolvimento e difusão da industrialização, ou seja, a industrialização é um
dos resultados de uma nova relação enérgica das sociedades humanas (2012, p.
66). Entretanto, o autor deixa claro que sem a expansão de outros recursos gené-
ticos (o açúcar, para a alimentação humana) e sem as condições políticas (colo-
nialismo), a própria Revolução Industrial teria sido um fracasso.
Neste sentido, compreendemos que o Atlântico é significativo para a com-
preensão da alteração de regimes biológicos. Primeiramente, os lugares que mais
produziam commodities nos séculos XVIII e XIX estavam localizados na Amé-
rica, como é o caso do açúcar do Haiti/Cuba/ Brasil. Por outro lado, o próprio
colonialismo britânico iniciado e desenvolvido na experiência do Atlântico,
também teve papel fundamental para a expansão deste novo regime. Logo, essa
perspectiva nos possibilita interpretar que a experiência atlântica é primordial e

19
que o próprio desenvolvimento de um regime biológico moderno está vinculado
às experiências gestadas e experienciadas nos contatos e trocas marítimos entre
meados do século XVIII e início do XIX.
Como aponta Paul Dukes, muitos historiadores consideraram o período
anterior à década de 1850 como uma fase pré-industrial, que observada a partir
da História Social, é alterada significativamente (DUKES, 2011, p. 4). No en-
tanto, Dukes pensa nas redes efetivadas no período anterior a 1850, e compreen-
de que os fluxos de commodities, como açúcar e algodão, e a própria organização
colonial são fundamentais para entender o surgimento do Antropoceno. Esta
primeira fase do Antropoceno, considerada desde 17632 até a Segunda Guerra
Mundial, pode ser caracterizada pelas mudanças da fauna e da flora, caracteriza-
da pelo otimismo do crescimento econômico e por uma incipiente modificação
na concentração de CO² na atmosfera (DAVIES, 2016, p. 45).
Por outro lado, apesar de dominante, esta não é única perspectiva adotada
para explicar o Antropoceno. William Ruddiman compreende que o início do
Antropoceno, pode ser ainda mais antigo, datado da Revolução Agrícola e todos
os seus desdobramentos, como a sedentarização, a construção de cidades, a do-
mesticação dos animais, a extinção de grande parte da megafauna e o início das
alterações de concentração de CO² na atmosfera (RUDDIMAN, 2013, p. 47).
Para o autor, a retirada da floresta na Rússia para fins agrícolas e de combustível,
bem como, as grandes plantações de arroz no leste asiático, já haviam alterado
de forma significativa o planeta, muito antes da Revolução Industrial. O que
aproxima as duas perspectivas do uso do conceito, além de compreender a ação
humana no planeta, está relacionado às mudanças da atmosfera terrestre.
Contudo, a perspectiva de Antropoceno também vem gerando debates en-
tre autores que não concordam com a utilização do conceito. Um destes exem-
plos é o historiador Donald Worster, que acredita que o final do século XX marca
uma nova era, definida por problemas ambientais, mas que não devemos buscar
respostas em um passado distante. Worster avalia que o principal problema do
uso do conceito de Antropoceno é a crença da superioridade humana em relação

2
  Os autores que debatem este conceito colocam aproximadamente como 1750 o período do início do
Antropoceno, mas para Davies ela só pode ser entendida após o aperfeiçoamento da máquina a vapor de
James Watt em 1763.

20
aos ciclos naturais do planeta, mas, que de certo modo, ele é um mecanismo que
dialoga com a crise ambiental enfrentada no final do século XX e início do XXI
(WORSTER, 2016, p. 225). Para entender esse processo, Worster considera
que devemos entender o século XIX como início da alteração, problematizan-
do a dificuldade de compreendermos todos os efeitos causados pela Revolução
Industrial, porque ela provavelmente seja um processo muito mais complexo e
sigiloso do que podemos mensurar, porque mudou a química do ar, do solo, das
águas, ou seja, seus efeitos são invisíveis (2016, p. 98).
Ao revisitar trabalhos de História Ambiental anteriores à criação do con-
ceito de Antropoceno, alguns autores já debatiam a transformação das matrizes
energéticas e de uma alteração de regime biológico. O principal caso é o do his-
toriador Ted Steinberg, que ao discutir o principal impacto da Revolução Indus-
trial, interpreta que é a mudança dos fluxos de energia. Para Steinberg, as novas
formas de produção de energia são muito superiores à necessidade biológica da
população do período, sendo este, o principal fato pelo rápido crescimento das
populações humanas nos séculos XIX e XX (STEINBERG, 1986, p. 273).
Outra crítica importante é a realizada por Donna Haraway, que cogita a
possibilidade de não chamar o período de Antropoceno, mas sim, de Capita-
loceno, pois a autora entende que a transformação é causada pelo capitalismo
do que efetivamente pelo ser humano de modo mais abrangente. Portanto, as
modificações são produzidas pelo capitalismo visto que: “redes relacionados à
circulação do capital e de commodities, como os metais preciosos, as plantações
de grande porte, mas também os genocídios indígenas e a escravidão, varrendo
trabalhadores humanos e não-humanos de todos os tipos” (HARAWAY, 2016,
p. 53). No entanto, apesar de reconhecer o papel do capitalismo como força
transformadora, não se pode esquecer que a União Soviética foi um dos países
que mais modificou o ambiente no século XX, seja com o uso de químicos ou a
produção de energia em grandes escalas ( JOSEPHSON, 2010, p. 15; JOSEPH-
SON, 2012, p. 314). Logo, compreendemos que o Antropoceno é um fenôme-
no maior e mais complexo, que a divisão entre capitalismo/socialismo.
Logo, os principais defensores deste conceito entendem que o processo da
criação do Antropoceno está relacionado à Revolução Industrial, com suas ori-
gens no século XVIII na Grã-Bretanha e com a expansão pelo ocidente da Re-

21
volução termo-industrial do século XIX, marcando o final da agricultura como
principal atividade humana e definindo as espécies numa trajetória diferente da
estabelecida na maior parte do Holoceno (STEFFEN et. al, 2011, p. 846). No
entanto, podemos também refletir a partir de outro caminho. A partir do século
XVIII, começou a se difundir uma única forma de agricultura de grande porte,
a plantation. Historiadores ambientais têm revisitado este conceito, para enten-
der que as modernas plantations, são sistemas baseados em monocultivos que
combinam a permanência de determinadas práticas e plantas, ao mesmo tempo,
que vivem da instabilidade ambiental e econômica (UEKOTTER, 2016, p. 8).
Uekotter considera que desde o crescimento dos movimentos abolicionistas, o
conceito de plantation esteve somente ligado à escravidão, mas ao revisitar este
conceito, o autor entende que estes sistemas agrícolas podem ser mais bem en-
tendidos a partir de quatro chaves de leitura: monocultivo, dependência da ex-
portação, situações de trabalho duro e precária e desigualdade social (2016, p.
12). Ao ampliar este conceito, podemos entender como plantation casos como o
cultivo do café no Brasil e a imigração do início do século XX ou das plantações
de bananas na Nicarágua em meados do mesmo século. Por isso, nos questiona-
mos: seria o Antropoceno um período de predominância das plantations, ligada
às experiências do Atlântico e as conexões globais? E qual o seu papel dentro das
dinâmicas atlânticas ao longo dos séculos XVIII e XIX?

Neo-Columbian Exchange e o Antropoceno

O açúcar é a principal commodity introduzida por europeus na América em


seus primeiros anos no continente. Um exemplo deste fato é a moderna pro-
dução de açúcar no Brasil, principal produtor mundial entre 1580 e 1680,
onde se produzia em regiões litorâneas, no intuito de exportação para a Europa
(SCHWARTZ, 2008, p. 339). Schwartz aponta duas questões: que neste perío-
do se desenvolvia o processamento a partir da força de rodas d’água ou por bois,
sendo que até meados do século XVIII não se alterou as tecnologias de produção
do açúcar e que sua produção se baseava no trabalho escravo (2008, p. 347-350).
Neste sentido, podemos observar que a presença do monocultivo a partir de uma

22
dinâmica do Antigo Regime biológico, onde as energias dependem do trabalho
humano, da fotossíntese e da tração animal. Este processo poderia ser classifica-
do dentro da lógica do processo contínuo do Columbian Exchanges.
O historiador ambiental Stuart McCook considera que observar uma ló-
gica entre a introdução de diferentes agentes da fauna e flora de modo contí-
nuo apaga diferentes mudanças econômicas, sociais, das relações de trabalho,
tecnológicas, políticas e até mesmo científicas (MCCOOK, 2011, p. 12). As-
sim, ele propõe para que haja uma diferenciação, classificando como Columbian
Exchange e o neo Columbian Exchange. Por exemplo, McCook recorda que a
primeira fase do Columbian exchange foi marcada por uma baixa resistência bio-
lógica dos ameríndios em relação às doenças europeias. No entanto, por volta de
1750 alguns grupos indígenas já haviam criado resistências a estas doenças. Para
McCook, são cinco os fatores que diferenciam os dois processos: Em primeiro
lugar, o grande boom da agricultura industrial para exportação; as novas redes de
cientistas em escala global e os seus diferentes movimentos de plantas e animais;
as novas tecnologias como ferrovias e barcos movidos a vapor, o que acelerava
os processos de trocas biológicas; a introdução direta de espécies asiáticas e afri-
canas no continente americano, sem “outras” experiências anteriores; e por fim,
não se tratava mais de um encontro de dois mundos diferentes (2011, p. 13).
O historiador John McNeill, também propõe uma revisão e expansão ao
conceito de Crosby, por entender que este deixou alguns elementos essenciais
de fora de sua análise. Em primeiro lugar, McNeill reconhece que a análise de
Crosby focaliza muito mais os processos de América e Europa, pois para ele seria
difícil uma obra no período ter grande discussão sobre África, pois a história
da região ainda era escassa (MCNEILL, 2013, p. 25). Neste sentido, o autor
entende que é necessário revisitar este conceito, pensando o papel da África e
dos africanos nestas dinâmicas de trocas biológicas. A banana e o arroz africano
podem ser considerados dois dos melhores exemplos de plantas introduzidas no
continente americano, aliado a suas técnicas de cultivo. Na introdução destas
novas espécies, também foram trazidas espécies do mosquito Aedes aegypti, que
se espalhou no continente e só teve seu combate a partir do século XX (2013,
p. 26). McNeill considera que Crosby também não trabalhou os impactos de
plantas americanas nas dinâmicas africanas. Como lembra o autor, o milho ser-
viu para uma maior expansão dos impérios africanos, o aumento dos exércitos

23
e mesmo para a alimentação transatlântica de navios negreiros (2013, p. 26).
A mandioca é outra planta que se expandiu na África durante este momento,
muito relacionada ao tráfico negreiro, devido à rapidez e praticidade que eram
trabalhar em suas colheitas. Neste sentido, McNeill considera que a construção
do Atlântico ocorreu de modo mais híbrido entre os três continentes, ao invés
da interpretação de Crosby, aumentando a possibilidade de inserção da biota
africana para o debate.
McNeill ainda considera que outro fator, um grande aumento populacional,
em especial no Caribe criou relações ecológicas. Como exemplo, McNeill traz
dados do aumento populacional de ilhas como é o caso de Barbados com 1.400
pessoas em 1629, para mais de 60.000 em 1713, a Jamaica com a população esti-
mada em mais de 145.000 em 1750, e o crescimento de St. Domingos de 8.000
em 1687 para mais de 182.000 pessoas em 1750 (MCNEILL, 2010, p. 24).
Por outro lado, neste mesmo período estava ocorrendo uma Revolução
do Açúcar, alterando a planta de uma especiaria para atender os interesses das
elites europeias, para um produto que se expande para um mercado de mas-
sas, acelera questões imigratórias de europeus, mas principalmente a escravidão
Atlântica. A Revolução do Açúcar também modificou questões ecológicas das
regiões onde se instalou, como florestas e savanas que foram modificadas para
ambientes domesticados e controlados, áreas limpas para a cana e outras plan-
tações (2010, p. 27-28). Segundo Thornton, “mais da metade de todos os afri-
canos transportados para as Américas no século XVIII destinara-se às colônias
das ilhas do Caribe” (THORNTON, 2004, p. 409). Assim, a commodity do
açúcar foi essencial para aumentar as escalas de alteração em relação aos perío-
dos anteriores na ligação atlântica. Retomando ao ponto abordado por Marks
anteriormente, a Revolução do Açúcar, também pode ser vista do outro lado do
Atlântico Norte, no maior consumo de açúcar e maior fluxo de energia. Logo,
somente este elemento já seria suficiente para discutirmos a importância do
Atlântico na construção do Antropoceno.
O aumento do tráfico atlântico também é outra chave importante para
compreendermos a transição para o Neo-Columbian Exchange. Segundo o his-
toriador John Thornton, no início do século XVIII o desembarque de africanos
chegava a aproximadamente 36 mil no início do século, dobrando por volta de
1760, chegando a 80 mil escravos no final do século (THORNTON, 2004,

24
p. 394). Ao contrário de algumas interpretações, compreendemos assim como
Robin Blackburn que os escravos africanos são fundamentais para a construção
de um mercado de consumo em massa, em especial, de açúcar, algodão e tabaco
(BLACKBURN, 2003, p. 15). Blackburn, também entende que o século XVIII
inaugura uma nova forma de plantation, pois a partir desse período ela começa
a pertencer tanto ao mundo da manufatura quanto ao mundo comercial. Para
Blackburn isso ocorre porque a partir deste período, ao menos no Caribe, se
integrou cultivo, processamento e transporte (2003, p. 401).
No caso do Brasil, as primeiras importações de escravos ocorreram com o
açúcar no Nordeste e tiveram seu aumento do tráfico transatlântico causado em
um primeiro momento pela procura de escravos devido à mineração em Minas
Gerais no início do século XVIII (FLORENTINO et al., 2004, p. 85). A se-
gunda metade do século XVIII também marca uma transição, mudando como
principal conexão atlântica do porto de Salvador para o Rio de Janeiro, onde as
plantations estavam em plena expansão, e inúmeros pequenos e médios estabe-
lecimentos se dedicavam à agricultura escravista de alimento (FLORENTINO,
1997, p. 27). A expansão destas plantations no Brasil pode ser entendida como
um reflexo da expansão do Antropoceno para as terras americanas? Jason Moo-
re relaciona esse crescimento da agricultura em larga escala nas Américas e sua
expansão, com o declínio da produção de alimentos na Inglaterra após 1750 de-
vido à exaustão do solo (MOORE, 2016, p. 117).
No caso do Brasil, podemos observar os dados trazidos por Chalhoub so-
bre a expansão da escravidão na primeira metade do século XIX:

De acordo com as estimativas mais recentes, em todo o período


do tráfico negreiro, para o Brasil, desde meados do século XVI
até os anos 1850, chegaram ao país mais de 4,8 milhões de africa-
nos escravizados, no primeiro quartel do século XIX (1801-25),
entraram 1.012.762 africanos; no segundo quartel (1826-1850)
1.041.964, e outros 6.800 vieram após a nova lei de proibição do
tráfico em 1850. A aritmética dos dados revela que mais de 42%
das importações de africanos para o Brasil em três séculos do trá-
fico negreiro aconteceram apenas na primeira metade do século
XIX (CHALHOUB, 2012, p. 35).

25
Ao observar a citação acima, compreendemos que ao mesmo tempo em
que o número de escravos aumenta se localiza o mesmo período da expansão
da produção de cana de açúcar, mas, especialmente do café no Vale do Paraíba.
Em relação aos estudos de escravidão, um conceito tem sido desenvolvido para
trabalhar este período do final do século XVIII e início do XIX, onde se estabe-
lece uma relação entre capitalismo e escravidão, denominado de Segunda Escra-
vidão. Para Dale Tomich, a expansão do capitalismo moderno reestruturou di-
ferentes processos sociais e econômicos em diversas partes do planeta, inclusive
a escravidão, não sendo ela um oposto do capitalismo, mas o integrando-o nos
espaços das plantations de cana de açúcar, café e algodão (TOMICH, 2004, p.
54). No entanto, os estudos desenvolvidos por este campo, se preocupam uni-
camente com as transformações sociais ocorridas por este processo, sem ques-
tionar as alterações do ambiente. Podemos refletir que em espaços agrícolas são
os corpos dos trabalhadores que modificam e são modificados pelas condições
ambientais, criando fronteiras muito fluidas entre o natural e o humano, mas
que revelam desde as condições de trabalho até elementos da construção deste
novo ambiente (RODGERS, 2015, p. 7).
Por outro lado, podemos pensar no caso da diminuição de seres humanos
que saíram da África neste período. Segundo Inikori, apesar de difícil datação
de quantos africanos saíram da África durante a modernidade, pode se utilizar
algo entre 15 e 20 milhões de seres humanos (INIKORI, 1976 apud LOPES,
2012, p. 180). Desse modo, podemos compreender que no início do Antropo-
ceno existe um impacto da diminuição de seres humanos na África, ao mesmo
tempo, em que ocorre a introdução de cultivos americanos. Mas e qual é o papel
dos europeus neste processo?
A partir de 1750, a Europa sofreu uma transformação de escala enérgica
que não havia sido experimentada por nenhuma outra sociedade. Esta alteração
marcou a passagem do Antigo Regime biológico e do Novo Regime biológico,
modificando as sociedades em diferentes níveis, desde o ecológico, passando por
aspectos sociais e as relações de trabalho. Como aponta Débora Bendocchi Al-
ves, as migrações em massa foram motivadas por uma nova estrutura em relação
ao ambiente, em especial ao cultivo agrícola, possibilitada pela destruição das
instituições feudais/semifeudais, que ao mesmo tempo libertaram o campesina-

26
to da servidão, concentraram as terras e aumentaram a produção de alimentos
(ALVES, 2016, p. 5). Como efeito dessas mudanças, alguns países como a Irlan-
da, Alemanha e a Itália, tiveram grande crescimento demográfico e que tem con-
sequências a partir da segunda metade do século XIX, como aponta a autora:

Entre 1830 e 1850, como já mencionamos, a corrente imigratória


não foi relevante, devendo-se este fato não somente à lei que proi-
bia o governo imperial de subvencioná-la, mas principalmente por
esta não trazer benefícios imediatos para a economia do país. A po-
lítica imigratória só florescerá a partir das décadas de 1840 e início
da de 1850 quando o fim do comércio de escravos era dado como
certo. (...) Entre 1820 e 1829, emigraram cerca de 5.753 alemães
para o ultramar; entre 1830 e 1839, 124.726; de 1840 a 1849 o
total foi de 385.434 indivíduos, chegando a 976.072 entre 1850 e
1859.1 Entre 1850 e 1930, por volta de 4.000.000 de pessoas aban-
donaram o território alemão e, nesse mesmo período, o total de
emigrantes europeus foi de cerca de 51.696.000 (2016, p. 7).

Bendocchi Alves, ao analisar a imigração alemã para a América nos apre-


senta alguns dados importantes. Se por um lado, a segunda metade do século
XVIII, reforçou a escravidão, aumentando a quantidade de humanos transpor-
tados entre a África e a América, a partir de 1830, quando a Inglaterra busca
coibir o tráfico transatlântico de escravos, aumenta o número de migrantes eu-
ropeus. Ao mesmo tempo, o aumento demográfico é causado pelas modificações
do Antropoceno, este também, gerava a necessidade de mão de obra para um au-
mento da produção. Logo, o processo de formação do Antropoceno precisa ser
problematizado a partir de diferentes lugares/escalas, pois, ele gera seu impacto
de diferentes modos em lugares distintos.
A interpretação de Marks entende que os países europeus, de certo modo,
precisavam da produção de commodities em larga escala que ocorria nas colônias.
Para Marks, a agricultura existente nas colônias era indispensável para alimentar
as sociedades da Revolução Industrial, pois, caso os trabalhadores precisassem
se preocupar com o algodão ou mesmo em produzir seu próprio alimento, es-
tariam perdendo produção industrial (MARKS, 2012, p. 66). Neste sentido, a
ligação Atlântica era fundamental, pois sem as plantations e as colônias, os países
europeus não conseguiriam manter sua atividade industrial.

27
Outra discussão importante é entender como a agricultura dos séculos
XVIII e XIX era dinâmica. Para McCook, a discussão sobre a agricultura no
neo-Columbian Exchange, pois para o autor essa se caracteriza pela constante
inovação. No entanto, o significado de inovação neste caso, significa a percepção
de que a paisagem não é estática, mas sim, dinâmica, sendo necessária controlar
as entidades ali presentes (MCCOOK, 2011, p. 15). Neste sentido, foi comum
durante os séculos XVIII e XIX a importação de pessoas, plantas e animais exóti-
cos, com o objetivo de melhorar o ambiente local. Uma das regiões onde mais se
buscou estas renovações foi o Caribe, como pode ser observado no trecho abaixo:

O plantio de cana em covas em vez de valas reduziu a erosão e


contrabalançou a redução da fertilidade dos campos por meio da
aplicação de adubo. A integração do uso de animais de criação
como fonte de esterco, como meio transporte e às vezes como fon-
te de tração para os moinhos acrescentou mais um elemento vital
ao crescimento da produção, embora exigisse mais área para ser
usada como pastagem. Com sua abundância relativa de terras, os
donos de plantation da Virgínia podiam sempre passar de ‘seções’
exauridas para outras férteis, e ainda se passaria um bom tempo
antes que introduzissem esses aperfeiçoamentos. Os produtores
de açúcar do Caribe, especialmente das ilhas menores, tiveram de
aprender um manejo mais cuidadoso que levava em conta a vanta-
gem da economia. [...] Os avanços técnicos do cultivo e do proces-
samento estimularam a produção durante vinte e quatro horas do
dia na estação da colheita, e eram compatíveis com a intensifica-
ção do trabalho o ano todo (BLACKBURN, 2003, p. 15).

Blackburn apresenta a situação dos plantios de cana-de-açúcar no Caribe,


que por necessidade precisam se renovar para manter seus níveis de produtivi-
dade. Mas, ao mesmo tempo, conseguiram produzir técnicas que foram funda-
mentais para a intensidade desta produção durante as colheitas, tendo resultados
ainda melhores. Para McCook, esta intensificação ocorrida primeiramente no
Caribe inglês e depois no francês, passa a ser observado por outras coroas que
buscam na ciência a intensificação de sua produção de commodities. Ao analisar o
caso espanhol, McCook mapeia um programa de pesquisa levado a cabo pela co-
roa espanhola entre 1750 e 1830 para potencializar o plantio de cana-de-Açúcar,
especialmente em Cuba. A cana foi objeto de pesquisa especial, pois era o princi-

28
pal produto do Caribe, mas, ao mesmo tempo, a indústria caribenha era baseada
em somente uma variedade de cana, sendo que os espanhóis buscaram introduzir
outras espécies criolas para aumentar a produtividade por hectare (MCCOOK,
2002, p. 79). O autor considera que a busca por estas alternativas ocorreu prin-
cipalmente pela maior demanda no mercado e pelo pequeno espaço que as ilhas
do Caribe tinham para ampliar suas plantações. Assim, não foram somente os
terrenos exauridos que foram recuperados como apontou Blackburn, mas tam-
bém existiu uma busca da intensificação de produção com novas espécies.
Outro ponto levantado por McCook é o processo de hibridização agríco-
la que ocorria por parte destes cientistas. McCook relata que na segunda meta-
de do século XVIII, a América latina passou a utilizar dois tipos de cana: uma
variedade produtiva conhecida por Otaheite cane que foi encontrada pela pri-
meira vez no Taiti e que se espalhou rapidamente pelo Brasil, Guiana britânica,
Bahamas e Antilhas; e por outro lado, a variedade selecionada por cientistas
franceses na Guiana Francesa, mais tarde conhecida como cana caiana, que se
espalhou pela Martinica, Guadalupe e pela própria Guiana (2002, p. 80-81).
Aliado a essas novas variedades, cientistas espanhóis, franceses e ingleses, inves-
tiram no desenvolvimento de novas técnicas para ampliar a produção em larga
escala de açúcar. Como aponta McCook, a perspectiva que os cientistas e fazen-
deiros tinham da produção, era que a demanda sempre continuaria crescendo,
fazendo com que a ciência passasse a ser parte de um projeto de desenvolvimen-
to colonial e posteriormente, nacional (2002, p. 81). O que observamos com
esta introdução de novas variedades e técnicas foi a tentativa de um controle
racional do ambiente por parte dos grupos humanos, no intuito de tornar o
ambiente mais produtivo para seus interesses. Para o historiador Ted Steinberg,
este aspecto é central para a discussão sobre uma modificação ecológica mo-
derna, pois, muito mais que a Revolução Industrial, essa nova percepção do
controle humano sobre o ambiente, é o que tem causado as modificações nos
últimos séculos (STEINBERG, 1986, p. 264).
Conjuntamente ao açúcar, outra commodity teve papel fundamental para
o desenvolvimento da Revolução Industrial, o algodão. Como aponta o histo-
riador Sven Beckett, desde 5000 antes do presente, o algodão foi uma planta
importante para diferentes sociedades ao redor do mundo, como chineses, so-

29
ciedades africanas, sociedades americanas antes da chegada dos europeus (BE-
CKETT, 2014, p. 35). Citando o caso dos Astecas, o autor considera que estas
sociedades tinham habilidades importantes e organização social para o desen-
volvimento deste tecido, especialmente, porque ele demanda trabalho intensivo,
virando importante moeda de troca e de impostos. Para Beckett, a grande trans-
formação ocorre com as grandes navegações e o período que ele considera ser
os primeiros passos da Revolução Industrial, ao compreender que os diferentes
mundos e usos do algodão, se tornam um Império do algodão, centrado na dinâ-
mica europeia (2014, p. 51).
No entanto, este Império do algodão, ainda estava ligado a uma dinâmica
do Antigo Regime biológico, ou seja, uma sociedade em que o fluxo de ener-
gia não era tão grande e que não conseguia produzir em larga escala. Beckett
pondera que o algodão era considerado uma peça de luxo, produzida pela Índia,
Império Otomano e o Brasil, mas que com a explosão da manufatura do algodão
britânico a partir de 1780, um novo produtor surge no mercado internacional,
os Estados Unidos (2014, p. 123). Compreendemos que este ponto é fundamen-
tal, pois o país não era um grande produtor de algodão no período anterior, mas,
com as mudanças ocorridas pelo novo regime biológico, cria-se uma plantation,
com intensa mão de obra escrava e em produção em larga escala.
Em meados do século XVIII, a instituição da escravidão nos Estados Uni-
dos era limitada ao sul de Maryland, onde estes, viviam e trabalhavam em planta-
ções de arroz e tabaco, e segundo Mauldin, era um sistema que estaria destinado
a desaparecer (MAULDIN, 2012, p. 138). Mas, o processo de introdução em
larga escala da plantation no sul dos Estados Unidos teve um boom após 1790,
se tornando o regime ecológico dominante na região, fazendo com que se ti-
vesse um aumento de escravos na região, uma grande alteração ecológica para
a implantação do monocultivo e ainda, acelerando as conexões atlânticas entre
Estados Unidos e Inglaterra (2012, p. 139). Segundo Beckett, a expansão da ma-
nufatura britânica de algodão ocorreu a partir de uma dependência da violência
sobre o Atlântico (BECKETT, 2014, p. 135). Assim, compreendemos que não
é somente o caso do algodão britânico, mas que todas as plantations americanas
estão ligadas ao mundo Atlântico, alterando as relações sociais, econômicas e
ecológicas. De certo modo, a produção de açúcar, café e algodão em larga escala
foi fundamental para gerar e alimentar o regime biológico moderno.

30
Considerações finais
Segundo McCook neo-Columbian exchange é gradualmente substituído no iní-
cio do século XX, com o declínio do complexo de plantations coloniais e da
escravidão africana. Com isso, a relação de uma conexão direta entre África, Ca-
ribe e Europa é quebrada. McCook ressalta que depois desse período, o Caribe
continua com dinâmicas de plantation, mas agora com bananas e açúcar, numa
relação imperialista com os Estados Unidos, numa troca biológica muito limi-
tada (MCCOOK, 2011, p. 28). Por outro lado, devemos relativizar a afirmação
de McCook, pois no início do século XX muitos países estavam a todo vapor na
produção de commodities. Podemos pensar o caso do Brasil, que após a expansão
da ferrugem do café na África e Ásia, se tornou o maior produtor mundial. No
começo do século XX, podemos localizar também a experiência do Instituto
Agronômico de Campinas (IAC). Este instituto ao realizar pesquisas sobre di-
ferentes variedades do café, importava diretamente da África uma grande quan-
tidade de plantas e junto delas, alguns animais e fungos que causaram grandes
problemas para a cafeicultura brasileira posteriormente (SILVA, 2007, p. 992).
Ou seja, podemos pensar que os desdobramentos do neo-Columbian exchange
chegaram ao século XX, construindo o mundo Atlântico, como um mundo bio-
lógico híbrido. Por outro lado, a própria discussão sobre Antropoceno pode ser
ampliada, se pensada a partir dos monocultivos atlânticos e de seus papéis na
construção de um regime biológico moderno.

Referências
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Notas
*Orientadora de Mestrado e de Doutorado (não concluído) de Lucas Mores no PPGH/UFSC. Esta ho-
menagem é muito pouco do que este menino brilhante representou na nossa vida acadêmica. Agradeço a
Débora e ao João Davi, por terem resgatado este trabalho.
**In memoriam. Lucas Mores fez o seu Mestrado no PPGH em História da UFSC e quando estava no seu
Doutorado, nos deixou tragicamente. A presença deste jovem intelectual brilhante continua conosco nas
lembranças e nos seus trabalhos. O presente trabalho foi escrito por ele, estamos mantendo tal qual o fez.
Infelizmente, não tivemos tempo de publicar em vida. Lucas nos deixou em 2019.

34
PARTE I

Paisagens e
Fronteiras
A Araucaria angustifolia em Misiones,
Argentina, na percepção de dois
escritores-viajantes do século XIX:
Juan Bautista Ambrosetti e Florencio de Basaldúa

Débora Nunes de Sá*

A Floresta com Araucária em Misiones, na República Argentina, está distribuí-


da pelos atuais territórios dos Departamentos de San Pedro e General Manuel
Belgrano, no extremo oriente da Selva Paranaense, como é possível observar no
Mapa 1. A Araucaria angustifolia, chamada também pino misionero ou pino Pa-
raná, de Curiy pelos indígenas Guarani e de Faeg pelos indígenas Kaingang, tem
predomínio no estrato arbóreo superior da floresta e se distribui por altitudes
aproximadas aos 800 metros pelos “[...] declives orientais e na altura da Sierra
Central de Misiones, isto é, nos vales laterais do Peperiguazy, afluente direto do
Rio Uruguai” (HUECK, 1953, p. 15), em áreas com precipitação anual supe-
rior a 1.000 mm (RAU, 2005). O clima é subtropical úmido e o solo é lateríti-
co e, entre outras características, é argiloso, permeável, ácido e de cor vermelha
acentuada. Na Argentina, é popularmente denominado de “tierra roja” ou “tierra
colorada”. O contraste deste com o verde da vegetação concederam à paisagem,
nas palavras dos engenheiros agrônomos argentinos Ragonese e Castiglione, “un
aspecto original y atrayente” (1946, p. 128).

37
Mapa 1. Área de ocorrência da Araucaria angustifolia no Brasil e na Argentina. Fonte: Com
base em HUECK, Kurt. Distribuição e Habitat Natural do Pinheiro do Paraná (Araucaria
angustifolia). Boletim da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade de São
Paulo. Botânica, São Paulo, v. 10, p. 5-24, novembro 1953. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
– IBGE (2018). Instituto Geográfico Nacional – IGN/República da Argentina (2019). Organização:
PESSETI, Mateus; SÁ, Débora N.

No fim do século XIX, muitos dos escritores-viajantes e técnicos que per-


correm essa parte da Selva Paranaense dedicaram parte de seus relatos para des-
crever e apresentar aos seus leitores a Araucaria angustifolia – naquele período,
ainda classificada botanicamente como Araucaria brasiliensis. O mesmo acon-
teceu no Brasil, quando diversos viajantes percorreram a Floresta com Araucá-
ria que se distribui pelos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná
e por fragmentos dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, e
publicaram relatos em que descreveram as paisagens por eles avistadas. Tal con-
texto foi apresentado pela historiadora ambiental Eunice Nodari (2012), que
procedeu à análise sobre os relatos de Robert Ave-Lallemant (1812-1884) e
Maximiliano Beschoren (1847-1887), na qual constata que esses viajantes elo-
giavam a exuberância da Floresta com Araucária presente nos estados do Rio
Grande do Sul e Santa Catarina.

38
Eunice Nodari (2015) também analisou, em Florestas em Territórios de
Fronteira: Sul do Brasil e Misiones na Argentina, a descrição da natureza presente
em parte da Selva Paranaense, em território argentino, a partir da análise dos re-
latos do agrimensor Rafael Hernandez (1840-1903), que, durante quatro meses
do ano de 1883, projetou a implantação das colônias de Candelaria, atualmente
município do departamento de nome homônimo, e de Santa Ana, atual capital
do Departamento de Candelaria. Nodari avaliou que Hernandez, em seus relatos,
deixou claro que Misiones só alcançaria projeção nacional e progresso econômico
por meio da migração europeia e pela ação efetiva do Estado nacional argentino.
O outro viajante cujos relatos foram analisados pela historiadora foi Juan Bautista
Ambrosetti (1865-1917), que realizou três viagens por Misiones, respectivamen-
te em 1891, 1892 e 1894, sendo que, na última delas, visitou a região do atual
Departamento de San Pedro e se surpreendeu com a imponência da araucária em
relação às demais árvores que compõem a floresta (NODARI, 2015).
Neste capítulo, se selecionou para análise dois relatos de viajantes que per-
correram a Floresta com Araucária de Misiones. O primeiro é o do argentino
Juan Bautista Ambrosetti, de sua viagem de 1894, quando percorreu a região
de San Pedro; o segundo é o do espanhol naturalizado argentino, Florencio de
Basaldúa, que viajou pela região de Misiones entre 1897 e 1898, tendo seu relato
publicado em 1901. Não se objetiva realizar uma análise completa dos relatos
desses viajantes, mas sim atentar para as impressões com que descreveram a Flo-
resta com Araucária presente em território argentino. As passagens reproduzidas
aqui são mantidas no idioma original, o espanhol, com a intenção de garantir
fidelidade aos escritos das fontes.

Floresta com Araucária de Misiones na visão de dois


escritores-viajantes do século XIX

O historiador ambiental José Luiz de Andrade Franco recorda que o viajante


é uma figura universal e que em suas viagens “[...] entra em contato com uma
realidade nova, antes desconhecida, e volta modificado pela experiência, com
uma perspectiva ampliada do mundo”, por isso, é “um contador de estórias, um

39
mediador entre dois mundos, o seu e aquele outro que ele agora conhece” (2016,
p. 286). Os relatos produzidos pelos viajantes são importantes fontes para a pes-
quisa histórica, e, no seu uso, a historiadora Eliane Fleck pondera que é preciso
considerar “[...] que as descrições e informações constantes nesses relatos cons-
tituem, na verdade, representações, reinvenções da realidade, produzidas com
base nas visões de mundo dos viajantes que incidem sobre a feitura e transforma-
ção historiográfica de uma memória” (2006, p. 273). Além disso, Fleck destaca:

Assim, para terem seu significado decifrado, os relatos dos viajan-


tes devem, necessariamente, considerar a articulação texto e con-
texto. Como as experiências narradas deixam transparecer visões
de história, torna-se fundamental analisar a relação do narrador
com o seu tempo, caracterizando formas diferenciadas de percep-
ções de mundo (2006, p. 274).

As impressões que os viajantes possuíam com relação à natureza, em especí-


fico no que refere à Floresta com Araucária em Misiones, nos permitem observar
com que critérios a natureza era observada, percebida e utilizada no período de
suas viagens, refletindo em grande parte o pensamento científico da época.
Juan Bautista Ambrosetti (1865-1917), embora tenha nascido em Guale-
guay, Província de Entre Ríos na Argentina, cresceu em Buenos Aires, e, por
seu interesse em ciências naturais e por coleções de diversos tipos de objetos, foi
apresentado a Eduardo Ladislao Holmberg1, quem mais tarde se tornaria seu
sogro. Em 1882, Ambrosetti foi incluído como membro da Sociedade Científica
Argentina, e a partir dali realizou viagens pelo território argentino, como para o
Chaco em 1885 e outras três para Misiones durante 1891 e 1894 (AGUILAR,
2009). Os relatos dessas viagens foram publicados na ordem: Primer Viaje ao
Território de Misiones em 1893; Segun viaje por Misiones em 1894, e Tercer Viaje
por Misiones em 1896.
O antropólogo Jorge Alcaráz destaca que as três expedições de Ambrosetti
por Misiones representaram importante contribuição para a etnografia, o folclo-
re e a arqueologia argentina, e, sobretudo, seu trabalho“representó un giro para

  Holmberg (1852-1937) foi naturalista e escritor argentino que estudou a fitogeografia da República da
1

Argentina.

40
las narrativas posteriores que recurrieron a sus descripciones, en particular los
integrantes del Instituto Geográfico Argentino” (2009, p. 127). Ambrosetti é
reconhecido pela comunidade científica argentina como importante naturalista,
arqueólogo e antropólogo, pois:

En la década de 1880 inició sus trabajos como explorador, colabo-


ró con varios museos, perfilándose como naturalista, sin embargo,
a comienzos de 1890 sus exploraciones lo llevaron progresiva-
mente a diferenciar sus motivaciones intelectuales con respecto a
sus predecesores, por ejemplo, incorporando la población local y
sus manifestaciones culturales como temas principales en sus re-
gistros (ALCARÁZ, 2009, p. 127).

Em 1896, a terceira expedição de Ambrosetti por Misiones foi patrocina-


da pelo Instituto Geográfico Argentino, com o propósito de “[...] completar las
descripciones sobre la región y aumentar el número de piezas de las secciones de
etnografía y arqueología del Museo Etnográfico del Instituto” (ALCARÁZ, p.
141). A publicação resultante da viagem foi intitulada Tercer Viaje a Misiones,
na qual, entre diversas análises e descrições, o naturalista descreveu sua passagem
pela região das araucárias em solo argentino,em “San Pedro de Monte Agudo”,
“situado em plena región de los grandes pinos o mejor dicho araucárias” (AM-
BROSETTI, 2008, p. 147).
Ao se aproximar de San Pedro, Ambrosetti descreveu a Araucaria angusti-
folia, ou chamada pela denominação comum pinheiro e/ou pino: “Llegamos al
pozo de Piñero o del Pino, llamado así, porque un solo ejemplar pero espléndi-
do, se elevaba majestuoso con su inmensa copa simétrica, dominando el conjun-
to que lo rodeaba” (2008, p. 146). A presença de um espécime de araucária, além
de descrita por ele como esplêndida, também dava nome à localidade próxima de
San Pedro: pozo de Piñero/Pino. Ao adentrar em San Pedro, descreveu: “Estos
gigantescos árboles se empiezan a mostrar allí y continúan por leguas y leguas
ocupando el espinazo de la sierra misionera y gran parte del vecino estado bra-
silero del Paraná” (2008, p. 147). O viajante também detalhou a composição da
Floresta com Araucária:

41
El número de pinos es enorme, y su conjunto sobre las alturas tie-
ne un carácter especial que contrasta con todas las otras clases de
vegetación. En primera línea se notan los individuos aislados de
los planos cercanos, altos, enhiestos, derechos, cargados con sus
copas simétricas y extendidas regularmente a ambos lados. En al-
gunos, el tronco se viste de ramas abortivas pequeñas, que apare-
cen como mechones pegados a él.
Los otros planos se confunden en una masa negra de la que sólo se
destacan las copas más o menos altas de algunos ejemplares, cuya
silueta se recorta en el azul del cielo (2008, p. 147).

O destaque foi para as araucárias na parte superior da floresta, e para aquelas


em que a silhueta se desenhava no azul do céu. Ambrosetti também observou que:

El interior de estos bosques de pinos, en general es desahogado,


relativamente. Entre ellos no arraigan muchas plantas por la som-
bra que desde tanta altura proyectan estos árboles, entre los cuales
hay algunos que miden hasta más de cuarenta metros. En cambio,
nuevas plantas brotan del suelo y se mezclan con otras artificiales,
las cuales no son sino gajos que las tormentas desprenden de los
árboles, y que, al caer, como las hojas les sirven de paracaídas, vienen
derechos y se clavan en el suelo, quedando parados (2008, p. 147).

Na interpretação de Ambrosetti, o sub-bosque da floresta apresentava


poucas espécies arbóreas, pois a quantidade de luz que chegava até ele não era
suficiente para o desenvolvimento de outras espécies. Isso acontecia porque a
enorme quantidade de araucárias formava um “teto”, diminuindo a passagem
de luz. Ambrosetti manifestou também que “Los piñones son muy agradables,
y esta es la causa de que San Pedro haya sido punto habitado preferentemente
por los indios, quienes todos los años iban allí a regalarse con ellos durante los
meses de marzo, abril y aun de mayo”(2008, p. 148). Ambrosetti supôs que a
presença dos pinhões foi um dos fatores que fizeram com que as populações
indígenas se estabelecessem nas regiões, pois o pinhão era importante fonte de
alimento em alguns meses do ano.
Para consumir os pinhões, os indígenas realizam um procedimento que
consistia em: “ponerlo en remojo por un cierto tiempo, a fin de que se hinche y
no dé trabajo pelarlo”. Em seguida, com o pinhão descascado, “hacen una pasta

42
que comen casi siempre hervida”. Esse método, no entanto, de acordo com Am-
brosetti, não era utilizado pelos “los blancos” – população não indígena – por
conta “del gusto ácido pronunciado que adquieren los piñones” (2008, p. 148).
Além de identificar que o modo de preparação do pinhão pelas comunida-
des indígenas era diferente daquele utilizado pela população branca que residia
em San Pedro, Ambrosetti relatou que a maneira como as pinhas eram derrubadas
das araucárias era também muito diferente entre as populações, pois os indígenas:

Para cosechar los piñones, los indios trepaban sobre los árboles,
valiéndose para esto de un gran aro de caña tacuara achatada, el
cual debía abrazar el tronco del árbol. Entre este y la parte so-
brante del aro, se coloca la persona, pasándoselo por debajo de
los brazos.
El indio que sube lleva su hacha de piedra o hierro, con la que va
haciendo en el tronco pequeños escalones a medida que trepa,
para poder apoyar los pies, mientras el aro le sostiene el cuerpo.
Colgada en la parte externa, y del primer tercio del brazo dere-
cho, lleva también una tacuara larga.
Llegado arriba, mientras se sostiene con una mano al tronco, con
la otra, por medio de la caña, empuja las piñas de los extremos de
las ramas para que caigan al suelo (2008, p. 148-149).

A população branca, utilizava um método distinto daquele praticado pelas


comunidades indígenas, pois de acordo com Ambrosetti “[...] los blancos no se
dan tanto tanto trabajo y armados de un hacha, no trepidan en voltear el árbol
para desporjalo de sus piñones, dejándolo luego tirado allí a que se pudra” (2008,
p.149). O método não indígena, utilizado pelos brancos – que era de cortar a
araucária para retirar as pinhas – era, portanto, muito mais danoso ao ambien-
te. Ambrosetti, além da utilização do pinhão como alimento pelos humanos,
relatou que outros animais se alimentavam dele: “todos los representantes de la
fauna de bosque”, como veados, tatus, antas e porcos-do-mato (2008, p. 148).
Outro registro feito por Ambrosetti foi sobre a madeira da araucária, “una
madera fácil de trabajar, flerte, y de um color rosado muy bajo” (2008, p. 149) e
que era utilizada na construção das casas de San Pedro:

43
La forma de las casas es muy simple, idéntica a la de los ranchos,
con techo a dos aguas sostenido por horcones y cumbreras de dis-
tinta madera, sacada del monte vecino.
Las paredes están forradas de tablas paradas, unas al lado de otras,
deslizadas, puede decirse, dentro de un marco de otras colocadas
horizontalmente, tanto en la parte superior como en la inferior.
Como las tablas no son perfectas, las junturas no pueden hacerse
bien, de modo que entre ellas siempre pasa un poco de aire y luz
abundante.
El techo se cubre también con estas tablas colocadas unas sobre
las otras como si fueran tejas, un algo parecido a los tejos de ripio.
En algunas casas, las paredes son de barro, sostenidas por un enre-
jado de madera (2008, p. 150).

A confecção das tábuas era feita de maneira considerada pelo autor como
“primitiva”, apenas com uso do instrumento de machado, o que resultava em
casas simples. Além de a madeira da araucária ser utilizada na construção das
casas, também era utilizada nos currais, por conta da sua relativa abundância
com relação a outras espécies, e principalmente pela qualidade e durabilidade
da madeira. Essa foi uma das razões que fez com que Ambrosetti registrasse com
destaque em seu relato o potencial da araucária para uso econômico, e, por esse
motivo, considerava necessário “pensar en la posibilidad de su explotación que
sería para Misiones un gran elemento de riqueza” (2008, p. 150). O desafio, no
entanto, estava no modo como tornar as condições de exploração fáceis e bara-
tas, e, para isso, sugeriu duas opções. A primeira consistia no envio dos troncos
de araucária pela via fluvial: “La primera es una prolija exploración a los varios
arroyos afluentes del Paraná que se hallen cerca de allí, a fin de ver si en la época
de las grandes crecientes puede transportarse por ellos los trozos de madera sin
preparación ninguna” (2008, p. 150), com troncos de até 10 metros de compri-
mento, o que impediria que ficassem presos nas curvas dos rios/arroios.Assim,
os troncos das araucárias seriam enviados de forma “bruta”, sem processamento
manual e/ou mecânico, o que facilitaria que o interior da madeira chegasse ao
destino de maneira intacta.
A segunda opção para a exploração sugestionada por Ambrosetti consistia
na construção de uma Tramway Decauville, um sistema semelhante ao das ferro-
vias, com a diferença de que as peças que constituíam as vias eram pré-fabricadas
e poderiam ser removidas e realocadas:

44
Este tramway cuya vía podría colocarse ventajosamente buscan-
do un terreno apto, aun cuando fuera más larga que el camino
actual sería naturalmente ventajoso, pues se trataría de evitar el
cortar muchos arroyos y los repechos fuertes; podría ser tirado
por mulas, y el viaje de San Pedro al Paraná se haría con mucha
rapidezembro
Nunca le faltaría carga, pues dando preferencia a la yerba, durante
la época de la zafra, se podrían ir preparando los troncos para ser
transportados cuando aquella concluyera (2008, p. 151).

Além das vantagens econômicas, Ambrosetti considerava que, junto ao


sistema Tramway Decauville, era possível proceder à instalação de uma serraria
hidráulica em San Pedro, o que facilitaria que a população nômade que vivia na
região se estabelecesse em Misiones. Para Ambrosetti, o sistema Decauville:

[...] ayudaría a radicar la población flotante que anda siempre des-


parramada en el territorio, ocupándose de trabajar sin rumbo, hoy
en un yerbal, mañana en un obraje, ya en la costa argentina, ya en
la brasilera, etc., sin morada fija, sin hábitos sedentarios, en una
palabra: nómades, a cauda de la forma en que se hacen hoy día las
explotaciones en Misiones (2008, p. 151).

Na avaliação do historiador Bruno Aranha, Ambrosetti acreditava que o


Tramway Decauville“[...] poderia semear a chegada da civilização e possibilitar
a sedentarização de uma população nômade que perambulava pelo interior mi-
sionero” (2014, p. 106). Ambrosetti também demonstrou em seu relato a preo-
cupação com o possível desaparecimento dos indígenas Kaingang, elencando a
tuberculose e também o estilo de vida que passaram a viver, pois:

Varios años de carestía y miseria han degenerado físicamente a


esa raza otrora vigorosa. Mientras nos hallábamos en San Pedro,
pudimos observar que la base de su alimentación era los zapallos,
únicos que se habían salvado de la plaga de las langostas.
En otro tiempo, cuando aún se hallaban en estado salvaje, siempre
conseguían una alimentación abundante. El monte les proporcio-
naba variadas frutas y muchos cogollos de palmeras; las abejas sil-
vestres le ofrecían a cada paso sus colmenas repletas de miel y los
insectos, variadas larvas grasosas: el tambú.

45
En sus nómades peregrinaciones, hallaban caza numerosa de ma-
míferos grandes y aves, en los que probaban la destreza de sus fle-
chas.
En los grandes arroyos afluentes del Paraná, hacían sus parí y con
ellos recogían cantidades de pescados que comían, y ahumaban
para consérvalos.
Todo esto por sí solo bastaba para que la vida no les fuese tan difí-
cil; pero además tenían la cosecha de piñones (...) (2008, p. 152).

Para o viajante, a alimentação dos indígenas era precária se comparada com


tempos anteriores, quando eram nômades encontravam uma oferta maior de ali-
mentos tanto em quantidades quanto em variedade. Com o abandono da vida
nômade, os indígenas passaram a trabalhar na colheita da erva-mate, e Ambrose-
tti (2008, p. 152) conclui que isso lhes trouxe dívidas e perda de seus costumes,
de maneira que “han optado por la resignación pasiva de extinguirse poco a poco
sin hacer nada para reaccionar” (2008, p. 152). Para Ambrosetti, a causa de te-
rem abandonado sua vida nômade e trabalhado como peões na colheita da erva-
-mate, além da má alimentação, passou a refletir em outros hábitos, que levariam
à extinção dessa comunidade indígena.
Identifica-se que Ambrosetti, na sua descrição da Floresta com Araucária em
Misiones, registra a relação humana de indígenas e de não indígenas, com a espé-
cie Araucaria angustifolia. Dedica-se a pormenorizar o potencial econômico do
uso da madeira da araucária para o progresso de Misiones, região distante e dife-
rente do espaço em que ele vivia a metrópole, Buenos Aires, onde o que considera
como progresso já existia. Como avaliaram Eunice Nodari e Paulo Zarth em Na-
tureza sem limites: observações de viajantes no território de Misiones, Ambrosetti ti-
nha a percepção de que “[...] a natureza deveria estar a serviço dos seres humanos,
e somente esses transformariam a província em uma região viável de forma social
e econômica e assim podendo se igualar a outras regiões do país” (2018, p. 211).
Outro viajante que esteve em San Pedro foi o espanhol naturalizado ar-
gentino Florencio de Basaldúa. Escolhido para representar a Argentina na Ex-
posição Universal de Paris em 1900 viajou a Misiones em 1897 e em 1898, em
parte com recursos próprios e em parte com financiamento do Instituto Histó-

46
rico Geográfico Argentino, com o objetivo de reunir produtos a serem apresen-
tados na exposição de Paris, o que concedeu caráter científico à sua expedição.
O relato da viagem foi publicado sob o título de Pasado – Presente – Porvenir
del Territorio Nacional de Misiones, em 1901. Aranha avaliou que a viagem de
Basaldúa ao Território Nacional de Misiones, “Para além da causa científica,
também era um dever patriótico. Basaldúa queria fazer jus à cidadania argenti-
na que lhe havido outorgada” (2014, p. 75).
Basaldúa, no capítulo do seu relato intitulado “Por la Sierra de Misiones”,
descreveu que ela se encontrava “[...] cubierta de gigantescos curi, el pino misio-
nero, que los botánicos llaman araucaria braziliensis; sin excluir por eso ni los
árboles de yerba mate, ni las demás especies vegetales […]” (1901, p. 180). Assim
como Ambrosetti, registrou o consumo dos pinhões pela fauna silvestre que ha-
bitava a região: “[…] en la época de su completa maduréz vienen á nutrirse con
ellas piaras innumerables de tatetos que otros llaman tayasús, especie de cerdo o
jabalí silvestre” (1901, p. 180, grifo do autor). Em seu relato, o viajante destacou
a importância do pinhão para alimentação humana e não humana, e possivel-
mente as cercas registradas na Figura 1 também influenciavam e delimitavam a
área de consumo dos pinhões pelos indivíduos indígenas e não indígenas que ali
viviam ou circulavam.
Na mesma perspectiva de outros viajantes que percorreram Misiones du-
rante o fim do século XIX, Basaldúa também considerava a madeira da araucá-
ria como um importante recurso econômico que precisava ser explorado: “Esti-
mo en más de treinta ó cuarenta mil hectáreas la región cubierta de araucárias,
verdadera mina de pinos inexplotable hoy, por falta de medios de transporte”
(1901, p. 181). Também deu visibilidade – por meio dos dados apresentados
aqui na Tabela 1 – para as espécies arbóreas que naquele período eram buscadas
pelos “obrajeros”, nesse caso, aqueles indivíduos que se dedicavam ao comércio
de madeira, e ainda para aqueles que, ao ler seu livro/relato, pudessem se inte-
ressar por tais espécies.

47
Espécie Densidade
Algarrobo negro (Igopé-guazú de los Guaranies) 0,750
Ibirapitá-mini 0,878
Quebracho colorado 1,234
Lapacho 1,012
Timbó 0,425
Tataré 0,650
Laurel negro 0,679
Guayaiví 1,165
Cedro de Misiones 0,572
Urundey 1,092
Petereby 0,810
Mora 0,935
Carandá 1,197
Palo santo 1,161
Curupay 0,987
Pino de Misiones (Curí) 0,410
Ibiruó 0,981
Tabela 1. Espécies da Selva Paranaense citadas por Basaldúa (1901). Fonte: BASALDÚA, Florencio
de. Pasado – Presente – Porvenir del Territorio Nacional de Misiones. La Plata, 1901. p. 176.

Além do nome comum da espécie, Basaldúa, com o intuito de contribuir


com os “ebanistas” – isto é, marceneiros (1906, p. 176) – que lessem o seu livro,
agregou a densidade de cada espécie arbórea, conforme se observou na Tabe-
la 1. Provavelmente, esses dados contribuíram, para os leitores, de duas manei-
ras: a primeira ao permitir identificar quais madeiras eram mais apropriadas na
confecção de armários e outros tipos de mobiliários; e a segunda, mais tarde,
também pode ter contribuído para identificar qual madeira possuía densidade
apropriada para flutuar via transporte fluvial, até os mercados consumidores.
Florencio de Basaldúa – assim como Juan Bautista Ambrosetti –, também
preocupado com a exploração econômica da madeira da Selva Paranaense, suge-
riu em seu relato que o governo argentino construísse dois aéreo-carrilles, algo
similar ao que se poderia chamar de um trem aéreo, sistema que era utilizado
nas minas de Eskal-erria, país basco. O argumento utilizado por Basaldúa era de
que o aéreo-carril não precisava de investimento financeiro alto, por duas razões:

48
[...] la primera, porque la fuerza propulsora – la gravedad – resulta
enorme por la densidad de más de cuatrocientos metros desde la
Sierra a los ríos, en menos de veinte leguas de longitud; y en se-
gundo lugar, porque estando el Territorio cubierto por tupidos
bosques de árboles gigantescos, bastará suspender los cables en
rondanas atadas á las más gruesas ramas, para tener instalado el
Aéreo-carril sin necesidad de gastar gruesas sumas en construir
armaduras y suportes (1901, p. 178).

Segundo os argumentos destacados, Basaldúa sugeria a construção de dois


aéreo-carrilles, o primeiro de San Pedro a Puerto de Paraná-Guazú, e outro de
Yerbal-Viejo a San Javier. Para o viajante, a construção do aéreo-carril traria como
consequência diversos benefícios além da exploração econômica da madeira,
possibilitando que agricultores e migrantes se estabelecessem definitivamente na
região. Tudo isso contribuiría para “[...] el provenir social y económico del terri-
torio”, isso é, o aéreo-carril e as consequências oriundas da sua circulação trariam
ao Território Nacional de Misiones desenvolvimento, levando ao progresso tão
ambicionado por aqueles que viviam na metrópole (Buenos Aires) e que viam as
regiões do interior argentino como longe daquilo que consideravam civilização.
Florencio de Basaldúa descreve que a procura maior para uso da madeira
para comércio era a do cedro, possivelmente se referia à espécie Cedrela fissilis,
com distribuição pela Selva Paranaense de Misiones. Para ele, o cedro “[...] va
em camino de desaparecer por completo, lo mismo que la yerba-mate, á los gol-
pes del hacha destructora del obrajero que no tiene más ideal que la ganancia,
y considera res nullius os bosques del Estado”. A maior parte das florestas da
região se encontrava sobre propriedade do Território Nacional de Misiones, no
entanto, sem a presença efetiva do Estado para controle e vigilância. Por isso,
Basaldúa entende que a população fazia uso da floresta res nullius, expressão
latina que significa “terra de ninguém”. Em razão disso, ele reclamava por leis
que protegessem a floresta:

Los más entendidos obrajeros han constatado que los bosques


más ricos en cada legua cuadrada: este solo dato y los cortes con-
tinuos de que son objeto, demuestran que, dentro de muy poco
tiempo, no existirá un solo cedro en todo el territorio de Misiones,
perdiendo el Estado un poderoso elemento de riqueza.

49
Igual cosa sucede con los yerbales, sin que, hasta la fecha ni los
Gobernadores, ni los Ministros, ni el Congreso se hayan tomado
la molestia de dictar una Ley protectora de bosques que conserve
esta fuente de riquezas (1901, p. 189, grifo do autor).

A preocupação de Basaldúa se somava aos outros viajantes e escritores da-


quela época, que registraram a contínua diminuição das áreas florestais, especial-
mente dos ervais nativos (GERHARDT, 2013). Essa preocupação, entretanto,
não se dava exatamente sob o viés que atualmente chamamos de “conservacio-
nista”, que atenta para as diversas formas de vida existentes em um ambiente flo-
restal, desde pequenos microrganismos até grandes mamíferos, ou mesmo era
voltada à diversidade genética das espécies da flora. O controle do uso do cedro
e da erva-mate estava relacionado, sim, ao manter e estender o uso de espécimes
que provinham riqueza econômica para o Estado nacional argentino, no maior
extrato de tempo possível, por isso, a importância de proteger tal riqueza.
Basaldúa, assim como Ambrosetti, também registrou a presença de popu-
lações indígenas: “La región que en este momento atravesamos ha servido de
último refugio a los indios kaigángues ó mejor dicho kaá-ingá-ingáes, es decir,
los ingá-ingá habitadores del bosque kaá…” (1901, p. 181), e sugeria que o go-
verno nacional fundasse ali uma colônia indígena, com o intuito de recompen-
sar “[…] á estos indios laboriosos que han sido los verdaderos dueños del fértil
territorio” (1901, p. 183), pois considerava que essa população se encontrava
abandonada pelo governo.

Considerações finais
Juan Bautista Ambrosetti e Florencio de Basaldúa, ambos intelectuais que per-
tenciam ao círculo social intelectual da elite de Buenos Aires, percorreram a
Selva Paranaense em fins do século XIX. Ali, com relação à espécie nativa Arau-
caria angustifolia, registraram e preconizaram a sua beleza com relação a outras
espécies e destacaram também o potencial uso econômico das diversas espécies
que compunham a Selva Paranaense do fim do século XIX. No entanto, lamen-
tavam não ser possível explorá-las – o que auxiliaria no progresso do Território
Nacional de Misiones –, pois não havia meios de transportes para enviar o mate-

50
rial lenhoso até os centros de processamento e/ou de consumo da madeira. Para
Ambrosetti, o sistema Decauville, e para Basaldúa, o aéreo-carril eram métodos
que, uma vez aplicados pelo governo argentino, potencializariam a exploração
dos recursos florestais da Selva Paranaense, trazendo também como benefícios
o incentivo da migração e práticas de agricultura. Tal visão faz parte de um pen-
samento utilitarista do século XIX no que refere aos bens florestais, postura que
era típica daquele período, mas que ainda encontra adeptos, mesmo que muitas
dessas espécies identificadas pelos viajantes como abundantes no século XIX, no
presente, se encontrem ameaçadas de extinção, como a Araucaria angustifolia.

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51
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culty of Forestry, Albert-Ludwigs-University, Freiburg in Breisgau, Germany, 20.

Agradecimentos
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES/
DS/PDSE, pela bolsa de estudos concedida.

Notas
*Débora Nunes de Sá, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC), com período sanduíche na Universidad Nacional de General Sarmiento/ARG.
Integrante do Laboratório de Migração, Imigração e História Ambiental (LABIMHA)/UFSC, e do Núcleo
de Estudos Históricos do Mundo Rural (NEHMuR); bolsista CAPES-DS/PDSE, sob a orientação da Profa.
Dra. Eunice Nodari (UFSC) e coorientação de Prof. Dr. Marcos Gerhardt (UPF). [email protected].

52
Florestas plantadas,
paisagens transformadas:
a atuação da Floresta Nacional de
Chapecó entre 1960 e 1988

Michely Cristina Ribeiro*


Samira Peruchi Moretto**

“A floresta é maravilhosa. Pinheiros de grossura e altura eston-


teantes. Vimos exemplares de mais de um metro e meio de diâme-
tro. Hervaes que irrompem na pequena roçada feita para a picada”
(COSTA, 1929 apud CEOM, 2005, p. 42)

A epígrafe deste texto foi descrita por Arthur Ferreira da Costa a respeito de um
dos trechos da viagem do governador Adolfo Konder1 e sua comitiva ao Oeste
catarinense2, em 1929. Partindo de Florianópolis e alcançando como destino o
Oeste, visitando regiões de fronteira com o Rio Grande do Sul, a Argentina e
o Paraná, a viagem aparece com frequência nos documentos do período como
“bandeira”, o que reforça o sentido de integração da região presente na moti-
vação do percurso. O relatório de viagem escrito por Arthur Ferreira da Costa

1
  No período em que a viagem foi realizada, o termo empregado para designar o governo estadual corres-
pondia a Presidente do estado de Santa Catarina.
2
  Com a definição de limites entre os estados de Paraná e Santa Catarina, em 1917 foram criados os muni-
cípios de Chapecó, Cruzeiro (atual Joaçaba), Mafra e Porto União. O município de Chapecó correspondia a
uma área de quase 14.000 km², abrangendo dos limites com o município Cruzeiro até a fronteira com a Ar-
gentina. Ao longo do século XX, Chapecó se desmembrou em diversos outros municípios, mas no período
da viagem do governador Konder, Chapecó representou toda a região Oeste.

53
versa sobre temas, principalmente, no campo político e no que diz respeito à
ocupação do território. Além disso, trechos como o presente no início deste ca-
pítulo foram descritos recorrentemente no relato e se dedicavam a apresentar as
características do meio natural dos locais por onde a comitiva passou, destacan-
do as particularidades ou características marcantes de cada um dos locais.
A exuberante natureza destacada por Ferreira da Costa eram as florestas
de araucárias, presentes em algumas fitofisionomias do Bioma Mata Atlântica.
De acordo com Dean (1996), calcula-se que esse complexo florestal abrangia
cerca de um milhão de quilômetros quadrados, sendo composto por grande di-
versidade de fauna e flora que a tornam destaque mesmo entre outras florestas
tropicais. A evolução da Mata Atlântica levou milhões de anos, retraindo ou
expandindo seus limites de acordo com períodos glaciais ou de calor, o que está
relacionado à diversidade da floresta. Como resultado desses longos e complexos
processos de formação, a Mata Atlântica destaca-se não apenas pela sua diversi-
dade, mas também por abrigar grande número de espécies endêmicas, ou seja,
que se desenvolveram apenas nesse local. Considerando apenas as espécies ar-
bóreas, “mais de metade era endêmica. Outros 8% eram compartilhadas com a
Floresta Amazônica” (DEAN, 1996, p. 33).
A região de abrangência do bioma Mata Atlântica, que ocupa uma grande
área longitudinal do Brasil, passou por diversas transformações motivadas pela
ocupação das áreas de floresta, o que resultou na redução de sua área, principal-
mente após a chegada dos europeus. Da interação entre homens e mulheres com
o meio ambiente decorre o que Warren Dean afirmou que é possível chamar de
história de exploração e destruição, uma vez que o mundo natural é reduzido à
paisagem domesticada ou espaço, pois “para viver no meio da floresta, os mora-
dores da floresta necessariamente a derrubam” (DEAN, 1996, p. 30).
O mesmo fato pode ser relatado no estado de Santa Catarina, com o au-
mento no desmatamento sendo observado a partir dos processos de colonização.
No Oeste, pode-se localizar temporalmente esse aspecto nas primeiras décadas
do século XX, com a chegada das companhias colonizadoras e de serrarias e
madeireiras. As características do meio natural foram relevantes para a ocupação
da região, onde estão presentes a Floresta Ombrófila Mista (FOM) e a Floresta
Estacional Decidual (FED).

54
Em Santa Catarina, a FED foi estabelecida depois da FOM e dos campos
e está situada ao longo do rio Uruguai e seus afluentes, entre as altitudes de 150
e 800 metros (GASPER et al., 2013). Estima-se que sua extensão original no es-
tado correspondia a 7.946 km², enquanto levantamentos recentes indicam que,
em 2008, apenas 1.231,10 km² ainda eram remanescentes. Com isso, a cobertura
da FED que antes correspondia a 8% da superfície catarinense, hoje alcança me-
nos de 1,5% (VIBRANS et al., 2012). Os remanescentes dessa tipologia florestal
são poucos e bastante fragmentados, sendo que a maior parte é encontrada em
áreas de até 50 hectares. Além disso, nas amostras coletadas entre setembro de
2008 e maio de 2009 para o Inventário Florístico Florestal de Santa Catarina
(IFFSC) não foram encontradas 36 espécies arbóreas catalogadas em levanta-
mento anterior, do ano de 1979, o que indica a possibilidade de extinção regio-
nal das espécies em questão (GASPER et al., 2013).
Em relação à Floresta Ombrófila Mista, as estimativas são de que sua área
original era de 42.851,56 km², ou seja, 45% da superfície do Estado. Atualmen-
te, encontra-se reduzida a 24,4% da sua extensão original, o que corresponde a
13.741,3 km², 14,4% da área de Santa Catarina. Assim como a FED, os rema-
nescentes da FOM são fragmentados, sendo que 55% destes estão em áreas de
até 20 hectares (VIBRANS et al., 2013). Comparando com o mesmo levanta-
mento realizado em 1979, as amostras analisadas pelo IFFSC não encontraram
39 espécies citadas anteriormente como de ocorrência na FOM, das quais “dez
espécies foram amostradas pelo IFFSC somente na Floresta Ombrófila Densa e
uma destas e duas outras constam do banco de dados SpeciesLink (2012) como
coletadas na FOM de Santa Catarina nos últimos 20 anos, mas sem registros
recentes” (GASPER et al., 2013, p. 206).
As características da Floresta Ombrófila Mista compreendem a localização
no Planalto Meridional brasileiro, com ocorrência em regiões sem período seco,
com temperaturas médias anuais relativamente baixas (LEITE, 2002). Na bacia
do rio Uruguai, entre as altitudes de 500 a 800 metros, o clima é identificado
por quatro meses quentes e quatro meses frios, com temperaturas médias entre
12,7ºC e 21,8ºC (KLEIN, 1990). A FOM se destaca pela presença da araucária
no estrato emergente, com variação de espécies no sub-bosque de acordo com as
características de cada região. Devido à cor escura da folhagem do pinheiro, rece-

55
be a denominação de “mata preta” (KLEIN, 1990, p. 104). Outros nomes tam-
bém atribuídos à FOM são: Floresta de Araucárias, Mata de Araucária, Zona de
Pinhais, entre outros. Em meio às espécies que compõem a FOM, e que foram re-
gistradas no levantamento do IFFSC, a araucária (Araucaria angustifolia), o butiá
(Butia eriospatha), a imbuia (Ocotea porosa) e a canela-sassafrás (Ocotea odorífera),
estão presentes na lista de espécies ameaçadas de extinção (GASPER et al., 2013).
Segundo Donald Worster (1991), é necessário compreender a formação
do meio natural, para entender as suas transformações. Desta forma, auxilia na
percepção de como o ambiente foi moldado a partir do interesse antrópico, até
resultar na configuração que a paisagem da Floresta Nacional de Chapecó, obje-
to deste estudo, apresenta atualmente.
A variação na composição florestal da região, seja em questão de espécies
ou de área de abrangência, é o resultado de um longo e complexo processo de
ocupação, uso de recursos naturais e busca pelo controle legal sobre o meio. Es-
tes aspectos estão associados de forma mais ampla aos debates que ocorreram
em âmbito nacional, com a percepção de que o uso econômico da madeira era
passível de esgotamento. Nesse sentido, ocorreu a atuação federal, por meio de
legislação e de órgãos nacionais vinculados ao governo, de forma a propor al-
ternativas ao cenário de desmatamento. Assim, o Instituto Nacional do Pinho
(INP) estabeleceu a criação de parques florestais destinados ao reflorestamento.
Entre as unidades instituídas, encontra-se o Parque Florestal João Goulart,
criado em 1961. Com a extinção do INP, suas atribuições foram realocadas para
o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF). Assim, os parques
florestais passaram a ser denominados como Florestas Nacionais. No caso do
Parque Florestal João Goulart, sua criação, enquanto floresta nacional ocorreu,
conforme consta no decreto, por meio da portaria nº 560 de 25 de outubro de
1968, com o nome de Floresta Nacional de Chapecó. Atualmente, a FLONA
Chapecó faz parte da categoria de unidade de uso sustentável, definida pela Lei
9.985, de 18 de julho de 2000, como “exploração do ambiente de maneira a
garantir a perenidade dos recursos ambientais renováveis e dos processos eco-
lógicos, mantendo a biodiversidade e os demais atributos ecológicos, de forma
socialmente justa e economicamente viável” (BRASIL, 2000).

56
Indústria madeireira e exploração da floresta com araucária
Os trabalhos sobre as áreas de florestas têm se destacado como temática de es-
tudos da História Ambiental. As florestas presentes na região Sul do Brasil de
modo geral apresentam aspectos históricos que se assemelham e se relacionam
ao contexto observado no oeste de Santa Catarina. Além disso, a presença sig-
nificativa da araucária, associada a diferentes formações vegetais, também repre-
senta uma característica que se estende pelos três estados que compõem o sul
brasileiro, bem como parte da Argentina. Esse elemento possibilitou a intensifi-
cação da atividade madeireira no sul do país, uma vez que a exploração se torna
mais regular pelo caráter mais uniforme da floresta (CABRAL; CESCO, 2008).
Sendo assim, estudos desenvolvidos por outros pesquisadores nos auxiliam na
compreensão dos processos de colonização e desmatamento da região em estudo
(NODARI, 2012, 2018; CARVALHO, 2011; MORETTO, 2021; MORET-
TO; BRANDT; SILVA, 2017; SALINI, 2018).
Conforme apontam Cabral e Cesco (2008), a indústria madeireira passa a
atingir maior relevância a partir de 1920, contando com melhorias técnicas e de
transporte da produção. Antes desse período, as araucárias derrubadas, para que
fosse implantada a lavoura, eram utilizadas na construção de casas e para outras
finalidades cotidianas. A partir disso, foram instaladas as primeiras serrarias pri-
mitivas, sendo que “o beneficiamento da madeira dava-se em um regime de do-
mesticidade e não visava à exportação ou a venda para outros núcleos coloniais”
(CABRAL; CESCO, 2008, p. 40).
Já no início do século XX, a indústria madeireira no Rio Grande do Sul se
destaca nas frações de importações do estado. A organização dos industriais que
atuavam no setor facilitou a resolução de problemas que até então dificultavam
o desenvolvimento da indústria (CABRAL; CESCO, 2008). O crescimento
das atividades madeireiras acompanhou a busca por novas áreas de floresta, na
medida em que as antigas regiões esgotavam o potencial de exploração da arau-
cária. Com isso, a região oeste de Santa Catarina, onde está localizada a Floresta
Nacional de Chapecó, atraiu tanto pequenos madeireiros quanto empresas de
grande porte (NODARI, 2012). Ao analisar discursos e mensagens de governa-
dores, Moretto (2010) afirma que a derrubada das matas foi incentivada pelos
governantes catarinenses, que tinham o estado do Paraná como exemplo em rela-

57
ção à exportação madeireira. Assim, em 1947, havia 115 serrarias que realizavam
o corte de madeira de pinheiro em Chapecó (NODARI, 2012, p. 255). Estes
fenômenos que refletiram na transformação da paisagem no Oeste catarinense
estão ligados aos fatores que colaboraram para que na região fosse instituído um
parque florestal, posteriormente sendo renomeado para floresta nacional.
A criação de parques florestais, nos moldes em que foi instituído o Parque
Florestal João Goulart, está correlacionada a demandas do setor industrial madei-
reiro, o qual enfrentava, nos anos 1940, uma série de dificuldades que comprome-
teram o seu funcionamento. A partir de questões mais imediatas, como a dificul-
dade de escoamento da produção, dificuldade no controle do volume de madeira
ofertado e estabilização dos preços, e tendo em vista os problemas futuros que po-
deriam ser enfrentados pelo setor devido à ausência de matéria-prima, o Sindicato
Patronal dos Exportadores de Madeira do Paraná elaborou um documento, em
1940, que seria destinado ao governo federal, sugerindo a criação de um órgão para
controlar as atividades do ramo (CARVALHO, 2018). As reivindicações do sin-
dicato foram atendidas pelo governo, resultando na criação do Instituto Nacional
do Pinho, no ano de 1941. Como cita Sá, o INP também estendia sua atuação às
outras espécies florestais, mas “a denominação específica ‘do Pinho’ se deve à im-
portância econômica dessa madeira e à busca de soluções para os problemas na sua
exportação e ‘produção’, considerada a mais vantajosa na época” (SÁ, 2017, p. 41).
Carvalho (2018) também destaca que, como o INP seguiu boa parte das su-
gestões estabelecidas no documento, o reflorestamento foi um aspecto enfatizado
nas ações do órgão, principalmente a partir da implantação de locais destinados à
monocultura de araucária. Essa proposta se materializou na criação dos parques
florestais, em áreas compradas ou doadas ao INP. A respeito da finalidade dos
plantios realizados nos parques florestais, é relevante considerar que:

No Código Florestal de 1934, vigente na década de 1940 quando a


maioria dos Parque Florestais foi criada, os incluiu na categoria de
“florestas modelo” com a finalidade de produzir espécies arbóreas
nativas e exóticas para disseminação entre particulares, o que por
sua vez constituiria matéria-prima florestal, possibilitando a amplia-
ção de mercados para a madeira. Assim, sua função preponderante
era atender a uma demanda de mercado, ou seja, aos interesses eco-
nômicos da nação. O ecossistema passou a ser reorganizado e foi

58
convertido por meio da ação humana em um agroecossistema para
atender necessidades externas e econômicas (SÁ, 2017, p. 11).

Ao todo, o INP instituiu dez parques florestais entre 1943 e 1961, nos es-
tados de Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais
(SÁ, 2017; CARVALHO, 2018). Considerando a proposta de realizar o reflo-
restamento nesses parques, Moretto (2010) e Carvalho (2018) ressaltam que a
utilização do termo “reflorestar” muitas vezes transmite uma conotação positiva,
remetendo à reconstituição de uma floresta nativa. Porém, o modelo de refloresta-
mento aplicado nesse período consiste no plantio de árvores, não necessariamente
em áreas anteriormente florestadas, para possibilitar a manutenção das atividades
madeireiras. Por ter como prioridade a finalidade produtivista, o próprio plantio
de araucárias, destacado inicialmente nas ações do INP, foi perdendo espaço devi-
do ao fato de não atingir os resultados esperados, considerando o tempo de cres-
cimento necessário. Nesse contexto, começam a ser realizados experimentos com
espécies vegetais exóticas, as quais demonstraram ter um crescimento mais rápido,
podendo ser realizado o primeiro desbaste em um período de sete anos (MORE-
TTO, 2010). Essas constatações, iniciadas ao longo dos anos 1950, resultaram
em maior destaque para a plantação de pinus na década de 1960 (CARVALHO,
2018). Com isso, contabilizando ao todo, “o INP plantou nesses parques somados,
desde a fundação de cada um deles até a criação do IBDF [...] em 1967, cerca de 60
milhões de árvores, sendo mais de 47 milhões de araucárias, 12 milhões e 700 mil
Pinus elliottii e 475 mil de outras espécies” (CARVALHO, 2018, p. 83).
Na década de 1960, com a extinção do INP e a realocação de suas atribui-
ções ao Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, a política de cresci-
mento econômico vislumbrada por meio das atividades nos parques florestais
continuou priorizando o plantio das espécies mais lucrativas. Neste período,
os parques florestais do extinto INP passaram a ser administrados pelo IBDF,
havendo a transição em sua classificação para Florestas Nacionais. Conforme
constatou Carvalho (2018, p. 90), além dos parques florestais, “o Brasil também
importou dos EUA o modelo conservacionista da natureza racionalizada e pro-
dutiva, a serviço do bem-estar humano”. Nesse sentido, o IBDF dá preferência
à transformação dos antigos parques florestais em florestas nacionais que sejam
planejadas a partir da lógica produtivista.

59
Criação do Parque Florestal João Goulart
No contexto de criação de parques florestais destinados a realizar plantio de es-
pécies para futura exploração, o Parque Florestal João Goulart foi o último a
ser instituído pelo Instituto Nacional do Pinho, no ano de 1961. A unidade,
atualmente, é dividida em três glebas, sendo que a 1 e a 3 estão localizadas no
município de Guatambu, e a gleba 2, no distrito de Marechal Bormann, municí-
pio de Chapecó. No total, a área da Floresta Nacional de Chapecó corresponde
a 1.590,60 hectares (ICMBio, 2011).
Mesmo antes da implementação do Parque Florestal João Goulart, Chape-
có já contava com uma agência do INP. Como o escoamento da produção ocor-
ria por meio de balsas no Rio Uruguai, ao longo de seu curso foram instalados
postos de controle da exportação. Consequentemente, foi criado, em 1948, o
Serviço do Rio Uruguai (SRU), o qual tinha sua sede em Chapecó, e cuja atua-
ção abrangeu postos nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul (SÁ,
2017; SALINI, 2018). Como parte das atividades do SRU, Salini (2018) relata
que a documentação sobre o credenciamento de serrarias aponta para a existên-
cia de 112 empresas do ramo legalmente instaladas no município em 1949.
Após a extinção do Serviço do Rio Uruguai, foi instalada uma agência do
INP em Chapecó, no ano de 1952. A atuação da agência permaneceu restrita a
aspectos de controle administrativo, como a distribuição de guias de produção,
comunicação e fiscalização dos postos, atividades ainda vinculadas ao comércio e
exportação da produção madeireira (MORETTO; RIBEIRO, 2020).
Mantendo o mesmo viés produtivista observado na atuação dos demais par-
ques florestais, em 1961 foi fundado em Chapecó o Parque Florestal João Goulart.
Como principal diferença, porém, destaca-se que o período em que a unidade foi
estabelecida corresponde ao momento em que o INP já havia identificado nas es-
pécies exóticas um potencial maior de alcançar os resultados esperados por meio
dos plantios. Portanto, desde o início de sua atuação, o Parque realizava experimen-
tos com pinus e eucalipto, além de ainda manter áreas com plantio de araucária.
Assim, em 1961, o Instituto Nacional do Pinho comprou uma área de 500
alqueires (1.210 hectares), pelo valor de 12 milhões e quinhentos mil cruzei-
ros, no distrito de Guatambu, para possibilitar o início do desenvolvimento das
atividades do Parque Florestal João Goulart. No recibo de compras e memorial

60
descritivo das terras, são especificados os limites da área adquirida, que corres-
ponde à gleba 1. Entre as benfeitorias localizadas nessas terras, são elencadas no
documento as seguintes: quinze casas de madeira, duas serrarias de centro, seis
chiqueirões, galpões, cerca de tábuas e arame, além de dois paióis e uma tafona
(RECIBO E MEMORIAL GLEBA I, 1961).
Além das benfeitorias, o recibo especificava que a área comprada era carac-
terizada por “de terras de cultura, matos e pinhaes” (RECIBO E MEMORIAL
GLEBA I, 1961). Ressalta-se, ainda, outro aspecto que consta no recibo de com-
pras: além da existência de duas serrarias de centro, o documento especifica que
havia nessas terras árvores adequadas para a industrialização. Ao INP, seria per-
mitida a ocupação imediata das terras, exceto pelas benfeitorias e pelas

[...] as árvores adultas industrializáveis, serão abatidas dentro do


prazo de 360 dias, a contar da presente data, a fim de que pos-
sa o INSTITUTO NACIONAL DO PINHO, instalar e fazer
funcionar a futura Estação Florestal de Chapecó, sem qualquer
restrição ou entrave administrativo. Os pinheiros adultos indus-
trializáveis que não forem retirados – das propriedades ora vendi-
das no prazo acima estipulado, serão indenizados – pelo Instituto
Nacional do Pinho, na base seguinte: Pinheiros de 45 centímetros
a 60 centímetros de diâmetro, na altura de 1 (um) metro no pé,
Cr$ ..... 1.500,00 (um mil e quinhentos cruzeiros) por unidade;
acima de 60 centímetros de diâmetro na altura de 1 (um) metro
no pé Cr$ 3.000,00 (três mil cruzeiros) por unidade. Quanto às
madeiras de lei e qualidade, que não forem retiradas no prazo ob-
jeto do presente recibo, passarão a pertencer ao INSTITUTO
NACIONAL DO PINHO, independente de qualquer indeniza-
ção (RECIBO E MEMORIAL GLEBA I, 1961).

Esses aspectos corroboram o fato de que se objetivava instalar os parques


florestais em áreas para ser realizado o plantio das espécies enquanto monocul-
tura, não atribuindo um ponto decisivo à presença ou não de áreas de floresta
nativa nas glebas compradas. A própria previsão de retirada das árvores com po-
tencial industrializável indica a necessidade de sua remoção para efetivar o início
dos plantios, em um terreno que permitisse maior controle da produção.
Nas terras compradas pelo INP, anteriormente utilizadas para cultivo e
com presença de áreas com araucária, iniciou-se o processo de estudo e plan-

61
tação de espécies nativas e exóticas. Durante a realização desta pesquisa, não
foram encontrados documentos que apresentassem de forma detalhada como
ocorreram os plantios, os obstáculos enfrentados nesse processo ou os resultados
obtidos. Entretanto, as fontes utilizadas ao longo desse trabalho possibilitam a
compreensão de algumas alterações gerais implementadas na área de terras cuja
compra foi descrita anteriormente.
Ao final da década de 1960, a visita do então presidente do IBDF, General
Silvio Pinto da Luz, proporcionou o cruzamento de diferentes fontes para com-
preender alguns aspectos das transformações na paisagem da FLONA ocorridas
durante seus primeiros anos de atuação. Além de um álbum fotográfico registrado
na ocasião da passagem do general pela FLONA de Chapecó, as cerimônias e
solenidades realizadas nesse período tiveram grande destaque na imprensa local.
Diversos discursos proferidos pelas autoridades foram reproduzidos nos periódi-
cos, contribuindo para a análise tanto de práticas efetivadas por meio do IBDF,
quanto de expectativas evidenciadas em previsões futuras. A imprensa local des-
tacou que o Presidente do IBDF, “ficou surpreso ao notar que aquelas instalações
tinham sido transformadas em ponto turístico, graças ao trabalho de embeleza-
mento e organização procedido” (FOLHA D’OESTE, 5 de julho de 1969, p. 1 e
2). Não foram encontradas outras fontes que detalhassem ou indicassem a que se
referem às atividades turísticas desempenhadas na FLONA de Chapecó, confor-
me mencionado na notícia, para o período da visita do general e nem dentro do
recorte temporal desta pesquisa. A observação em referência ao trabalho de em-
belezamento também é interessante, pois refletindo sobre a paisagem constituída
no local e na função desempenhada pela unidade de um reflorestamento direcio-
nado à manutenção das atividades madeireiras, denota a ideia de que a natureza
desejada é aquela ordenada e controlada pela ação antrópica.
Outra análise que reforça esse aspecto é a das imagens registradas durante a
visita do general à FLONA. O álbum em questão é composto por 74 fotografias,
que registram a chegada de Silvio Pinto da Luz ao município, por meio de balsa
no Rio Uruguai, e acompanham a passagem pela unidade. São registradas as so-
lenidades de inauguração da Floresta Nacional de Chapecó, simbolizada pela fita
na entrada da unidade. O corte da fita foi realizado, a convite do presidente do
IBDF, pelo ex-presidente do Instituto Nacional do Pinho, Hermínio Tissiani.
As fotografias que representam o deslocamento de Pinto da Luz e sua co-
mitiva dentro da FLONA, visitando as instalações da unidade, a imagem do que

62
poderia ser considerado como mata nativa aparece cada vez mais distanciada.
Na Imagem 1 é possível notar maior proximidade do grupo nas áreas em que foi
realizado o plantio de espécies exóticas, como o pinus. Ainda que outros docu-
mentos indiquem a existência de vegetação nativa na FLONA de Chapecó, não
aparecem registros fotográficos do presidente do IBDF visitando essas áreas.

Imagem 1. Visita do presidente do IBDF às instalações da FLONA de Chapecó, 1969. Fonte: Acervo
da Floresta Nacional de Chapecó/ICMBio.

Outro registro fotográfico da mesma ocasião, retratado por outro ângulo,


permite ter uma noção da extensão das áreas de plantio de espécies exóticas. Na
Imagem 2, permanece simbolicamente no centro da unidade uma araucária, en-
quanto ao seu redor se concentram as áreas de plantação de Pinus spp. Devido
ao tamanho da árvore em questão, pode-se supor que ela já estava no local antes
da instituição da unidade, não tendo sido plantada para atender ao mesmo fim
que as demais. Pode-se, ainda, levantar a hipótese de que haviam outras árvores
nativas ao redor, que foram derrubadas no processo de ordenamento do ambiente
que permitiu o plantio de outras espécies, constituindo uma floresta homogênea
para exploração. Nesse sentido, a presença humana, assim como observado por Sá
(2018, p. 269) na Floresta Nacional de Passo Fundo (RS), é identificada “sobretu-
do pela disposição das árvores, todas alinhadas, característica do agroecossistema

63
(um ecossistema manejado pela ação humana para fins comerciais)”. Sobre esses
ecossistemas, Worster (2003, p. 29) conclui que “é sempre uma versão truncada de
algum sistema natural original: há menos espécies interagindo em seu interior, e
muitas linhas de interação têm sido encurtadas e direcionadas numa única direção”.

Imagem 2. Vista da Floresta Nacional de Chapecó, 1969. Fonte: Acervo da Floresta Nacional de
Chapecó/ICMBio.

Nas décadas seguintes, pouca ênfase foi dada à Floresta Nacional de Chape-
có pela imprensa local. A unidade seguia com suas atividades de pesquisas sobre
os plantios, mas o fato de os resultados não se apresentarem de forma imediata
pode ter influenciado no desinteresse por abordar a FLONA. Em 1978, foram
realizados os primeiros desbastes nos plantios de pinus (ICMBio, 2011). Os
estudos realizados pela Universidade Federal de Santa Maria para a elaboração
do primeiro plano de manejo da unidade também indicam a quantidade exata
de cada plantio: “a área plantada divide-se em 7,9 ha de Araucaria angustifolia;
396,9 ha de Pinus sp. 24,9 ha de floresta mista Araucaria angustifolia e Pinus
sp. e 3,3 ha de Eucalyptus sp.”(INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AM-
BIENTE E RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS, 1989. p. 8). Portanto,
os primeiros anos de atuação da Floresta Nacional de Chapecó representam a
consolidação de um modelo de unidade voltada ao cultivo de espécies exóticas,
predominando a finalidade de produção.

64
Mapa 1. Floresta Nacional de Chapecó, 1984 e 2020. Fonte: Imagens Google Earth. Adaptado por
Clóvis Alceu Cassaro e Michely Cristina Ribeiro. 2020.

O Mapa 1, elaborado a partir de imagens de satélite, corresponde à região


no entorno das glebas 1 e 3 da Floresta Nacional de Chapecó, nos anos de 1984
e de 2020. Ambas as imagens permitem observar como a fragmentação florestal

65
relatada por meio do IFFSC se manifesta na abrangência da região deste estudo,
entrelaçando áreas destinadas à agricultura e ao espaço urbano com áreas de re-
manescentes florestais.
Apesar de as imagens de satélite aparentarem um aumento da área de flo-
restas mais densas, é necessário considerar que isso se deve ao plantio de mono-
cultura de árvores, tanto nativas quanto exóticas, o que não corresponde neces-
sariamente a uma regeneração da mata nativa. Nas áreas em que foi realizado o
plantio de exóticas, o entrave à regeneração ocorre pelo fato de estas se tornarem
concorrentes no ecossistema nativo (MORETTO, 2010). Além disso, a degra-
dação no entorno da FLONA dificulta a recomposição natural e a formação de
corredores ecológicos.

Considerações finais
Os dados apresentados no presente artigo demonstram o processo de antropiza-
ção do meio natural na região estudada. O Oeste Catarinense passou pela inten-
sificação desse processo após a ocupação por grupos alocados muitas vezes pelas
companhias colonizadoras, atraídos pelas porções de terras aptas à agricultura.
Este processo também estava atrelado às práticas de desmatamento e atividades
madeireiras, que foram responsáveis pelo desmatamento de muitas áreas na região.
A necessidade de obter matéria-prima voltada para o âmbito extrativista
vegetal, visando atender o setor que era ameaçado pela escassez de árvores, se tor-
nou uma política governamental. Havia interesse na manutenção das cifras em
torno da exportação e comércio da madeira. Nesta lógica, o Instituto Nacional
do Pinho estabeleceu a criação de parques florestais destinados ao reflorestamen-
to. A visita do presidente do IBDF, General Silvio Pinto da Luz ao Oeste, bem
como as festividades e compromissos atrelados a esta visita, demonstraram a im-
portância da região para economia nacional em função da extração madeireira.
Destarte, a inserção de espécies exóticas para o plantio de monoculturas foi
responsável pela descaracterização da paisagem local. Mesmo havendo o cresci-
mento da área florestada, o que se vislumbrou foi o aumento da monocultura de
espécies madeiráveis. Grande parte da floresta original desmatada não obteve
condições de se recompor, caracterizando também, uma ameaça aos ecossiste-
mas e à biodiversidade.

66
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68
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Santa Maria, 1989.
Presidente do IBDF chegará têrça-feira e será na ocasião amplamente homenageado
pela indústria extrativa. Folha d’Oeste. Diretore Homero Franco. Chapecó, 28 de
junho de 1969, ano VI, n. 204, p. 1.
Presidente do IBDF, General Sylvio Pinto da Luz visitará a região. Folha d’Oeste.
Diretores Homero Franco e Gabriel Dezen. Chapecó, 21 de junho de 1969, ano VI,
n. 203, p. 1.
Presidente quer Brasil verde e madeireiros transmitindo profissão aos seus filhos. Folha
d’Oeste. Diretor Homero Franco. Chapecó, 5 de julho de 1969, ano VI, n. 205, p. 2.
RECIBO E MEMORIAL GLEBA I. Chapecó, 21 de dezembro de 1961. Acervo
da FLONA Chapecó.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq -


409340/2021-9 e 310850/2021-5) e pela bolsa de iniciação científica. À Funda-
ção de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (FAPESC),
pelo apoio ao projeto e bolsa concedida no mestrado. À Universidade Federal da
Fronteira Sul (UFFS), pelo auxílio financeiro.

Notas
* Mestranda em História pela Universidade Federal da Fronteira Sul (PPGH/UFFS). Graduada em Histó-
ria pela Universidade Federal da Fronteira Sul, campus Chapecó. Integrante do Fronteiras: Laboratório de
História Ambiental da UFFS. Bolsista FAPESC. Orientada pela professora Dra. Samira Peruchi Moretto.
** Professora do curso de licenciatura em História e do Programa de Pós-graduação em História da Uni-
versidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) e do Programa de Pós-graduação em História da Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC). Coordenadora dos projetos: “Os usos do meio ambiente no Oeste de
SC: medidas de conservação nas décadas de 1970 a 2000” (Edital 459/UFFS/2019), “Transformações e
preservação ambiental no Oeste de Santa Catarina, nas décadas de 1980 e 1990” e “Uma História ambiental
das transformações e da antropização das paisagens no Oeste Catarinense” (FAPESC/UFFS - EDITAL
380/GR/UFFS/2021).

69
Fronteiras socioambientais
no Oeste Catarinense:
a colônia Porto Novo

Natan Roberto Kickow *

No início do século XX, a Floresta Estacional Decidual (FED), vegetação do bio-


ma Mata Atlântica (Mapa 1), ainda cobria densamente a bacia hidrográfica do rio
Uruguai no oeste catarinense”, sobretudo ao longo do seu curso principal e nas
porções média e baixa de seus afluentes” correspondendo a uma área original de
7670 km². Esse espaço “historicamente serviu de habitat para diferentes grupos
humanos – indígenas, caboclos e colonos” passando por diversos movimentos de
ocupação e repovoamento (SCHORN et al., 2014, p. 822; SALINI, 2018, p. 14).
As florestas estacionais são caracterizadas em razão da “caducifolia condi-
cionada por sazonalidade climática de temperatura e/ou precipitação”, de forma
que pelo menos 50% das espécies da vegetação perde das folhas durante um pe-
ríodo mais quente/seco ou frio/chuvoso. O sistema de classificação vegetal bra-
sileiro reconhece duas tipologias, a Floresta Estacional Semidecidual e Floresta
Estacional Decidual, distribuídas de maneira descontínua em diferentes partes
do país, sendo associadas mais frequentemente com o bioma Mata Atlântica e
Cerrado (GASPER et al., 2011, p. 130; 2015, p. 78-79).

71
Mapa 1. Mapa fitogeográfico do Estado de Santa Catarina. Fonte: Adaptado de KLEIN, Roberto
Miguel. Flora Ilustrada Catarinense: Mapa fitogeográfico do Estado de Santa Catarina. Itajaí.
Herbário Barbosa Rodrigues, 1978.

No caso catarinense, é considerado um prolongamento das florestas da


bacia do rio Paraná e da província de Misiones, na Argentina. Trata-se de uma
vegetação mais recente em relação à Floresta Ombrófila Mista (FOM), tendo
sua expansão na região mais a oeste do estado ocorrido por meio da “difusão de
elementos bióticos”, pelos rios localizados no Paraná, incorporando em razão
disso também contribuições florísticas da FOM e da estepe ou campos nativos
(GASPER et al., 2011, p. 130)
Dentre as espécies florísticas frequentemente associadas a essa região fitoe-
cológica em Santa Catarina estão a:

[...] peroba-rosa (Aspidosperma polyneuron Müll. Arg.), o ipê-roxo


(Handroanthus heptaphyllus (Vell.) Mattos), o paud’alho (Galle-
sia integrifolia (Spreng.) Harms), o pau-marfim (Balfourodendron
riedelianum (Engl.) Engl.), a canafístula (Peltophorum dubium
(Spreng.) Taub.), o louro-pardo (Cordia trichotoma (Vell.) Arráb.
ex Steud.) e a grápia (Apuleia leiocarpa (Vogel) J.F. Macbr.) (LEI-
TE, 1994 apud GASPER et al., 2015, p. 79).

72
As ocupações humanas mais antigas deste espaço, conforme apontam regis-
tros arqueológicos, datam de 11.000 a 12.000 A.E.C, por grupos de caçadores-
-coletores que viviam de maneira perene no local. Os principais indícios de sua
presença se referem a carvão de fogueiras localizado nas margens do Rio Uruguai.
Mais recentemente, a partir de 2.000 A.E.C, a região passou a ser ocupada por
grupos da unidade arqueológica Guarani, de tradição cerâmica e que praticavam
a agricultura e a domesticação de plantas (SCHMITZ, 2011, p. 76-78).
A interação desses primeiros povos com esse ambiente foi pouco agressiva
e, embora transformassem e alterassem a paisagem, utilizavam a floresta numa
relação mais antrópica ou até mesmo, sustentável. Nesse sentido, Drummond
(1997, p. 46) defende que: “essa ‘sustentabilidade’ do indígena é provavelmente
mais resultado de suas tecnologias mais simples e do baixo número de pessoas do
que uma intenção deliberada de preservar a natureza”. Jací Poli defende que, em
linhas gerais, o povoamento da região oeste catarinense em três fases:

Fase de ocupação indígena: até meados do século XIX, afora al-


gumas incursões exploratórias portuguesas, a região era território
tradicionalmente ocupado pelos índios Kaingang;
Fase cabocla: a população que sucedeu à indígena e miscigenou-se
com esta foi a dos luso-brasileiros, mais conhecidos como cabo-
clos. A principal atividade era a agricultura de subsistência, o corte
da erva-mate e o tropeirismo. Esta é a fase mais esquecida e a me-
nos estudada de todas;
Fase da colonização: caracterizada pela penetração de elementos
de origem alemã e italiana, vindos principalmente do Rio Gran-
de do Sul pelo desenvolvimento dos projetos de colonização e da
exploração madeireira. Esses colonos passam a adquirir terra das
colonizadoras, formando a grande frente agrícola e pecuária que
vai afastando aos poucos o caboclo (2015, p. 150).

Com a expansão colonial brasileira para oeste durante o século XIX e a


chegada do colono, as populações tradicionais foram perdendo seus territórios
e passaram a ser destituídas de sua posse, ou ainda, forçadas a migrar. Sobre esse
período, Salini destaca como marco de povoamento para a região a instalação de:

73
[...] fazendas de criação de gado no sul do país, principalmente
nos campos de Guarapuava, em 1810, e em Palmas em 1840.
A atividade pecuarista alavancou o setor econômico desenca-
deando um promissor investimento no ramo, qual motivou a
migração de muitos fazendeiros com suas famílias, empregados
e escravos (2018, p. 38).

No final do século XIX, o oeste catarinense passou a ser objeto de disputas


territoriais de natureza política, inicialmente com a Argentina, que reivindicou
sua posse, dando origem a um conflito diplomático conhecido como “questão
de Palmas” (1890-1895) e que acabou sendo resolvido favoravelmente ao Bra-
sil com a intervenção do presidente estadunidense Stephen Grover Cleveland.
Posteriormente, uma controvérsia quanto aos limites gerou um processo judi-
cial entre os estados do Paraná e Santa Catarina. Essa disputa tramitou no ju-
diciário por anos e foi resolvida após a Guerra do Contestado pelo presidente
da república Wenceslau Braz, que intermediou um acordo que dividiu a área:
os paranaenses ficaram 20.000 km² e os catarinenses com 28.000 km² (WER-
LANG, 1992, p. 11-12).
Com a finalização desse último conflito, o povoamento do oeste catarinen-
se passou a ocorrer, sistematicamente, por meio das companhias colonizadoras.
Dentre as razões que motivaram esse processo pode-se destacar: o interesse do
governo pela manutenção e povoação desses territórios cuja posse havia sido ob-
jeto de controvérsias, de representações racistas e preconceituosas pelos gover-
nantes em relação às populações tradicionais e caboclas1 e os interesses econômi-
cos público e privado relacionados à exploração e à arrecadação de tributos com
a colonização da região2.

1
  Reichert (2010, p. 3) pontua que além de “o Estado não promover nenhum projeto específico de acesso do
caboclo a terra, defendeu teorias preconceituosas e racistas em relação a sua identidade cultural, bem como
utilizou a força repressiva policial e militar na expulsão do caboclo das suas posses”.
2
  Renk (1990, p. 48) defende que: “O lucro direto seria aquele decorrente da remuneração paga pelas terras,
não sendo questionado se o montante estipulado e pago era ou não justo. O rendimento indireto estava
nos encargos assumidos pelas empresas colonizadoras em abrirem estradas, mantê-las, mesmo que para isso
fossem remuneradas com terras, mas desobrigando o tesouro em ressarcir despesas efetuadas. Some-se a isso
a possibilidade de arrecadação de impostos, a curto e longo prazos e os dividendos políticos que poderiam ser
auferidos se os empreendimentos obtivessem êxito”.

74
O estado passou então a conceder grandes porções de florestas a empresas
colonizadoras, que por sua vez deveriam construir estradas de rodagem ou tri-
lhos de trem e atrair os povoadores. Werlang aponta que:

As terras normalmente eram concedidas às Companhias Coloni-


zadoras em troca da construção de estradas: que, em alguns casos,
beneficiavam a própria Companhia. Receberam terras em troca
da construção de estradas a Companhia Colonizadora Oeste Ca-
tarinense, a Bertaso e Maia, a Companhia Brazil Development
que, além de estradas de rodagem recebeu terras em troca da cons-
trução da estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande. Outras Com-
panhias como a Chapecó-Pepery, Volksverein e a Barth-Benetti e
Cia., adquiriram as terras da Brasil Development (1992, p. 27).

Dentre a atuação dessas empresas colonizadoras, destaca-se a Volksverein


für die Deutschen Katolligen in Rio Grande do Sul (Sociedade União Popular
para Alemães Católicos no Rio Grande do Sul) que adquiriu um complexo de
florestas, entre os rios Macuco e Peperi-Guaçú, para implantação de um assen-
tamento exclusivo para alemães católicos e seus descendentes, a colônia Porto
Novo, que corresponde aos atuais municípios de Itapiranga, São João do Oeste e
Tunápolis no estado de Santa Catarina.

A colônia Porto Novo

A Sociedade União Popular para Alemães Católicos foi uma associação fundada
no ano de 1912, no 9º Congresso Católico em Venâncio Aires, com o objetivo es-
tatutário geral de: “promover o bem-estar tanto material como espiritual dos cató-
licos de descendência alemã”. A característica marcante desse projeto foi o direcio-
namento étnico-confessional “para teuto-brasileiros e somente para eles” (SKT.
PAULUSBLATT, 1912 apud RAMBO, 2011, p. 239; RAMBO, 2011, p. 247).
A associação buscou inicialmente desenvolver ações no estado do Rio
Grande do Sul, contudo, dificuldades na aquisição de terras, oposição do gover-
no rio-grandense e a dificuldade na manutenção do quesito da homogeneidade

75
étnico-confessional fizeram com que a colonizadora buscasse novas oportuni-
dades fora do estado e adquiriu, em 1926, da empresa Chapecó-Pepery, um
complexo de florestas entre os rios Macuco e Pepery-Guaçú, representado na
Figura 2 (RAMBO, 2011; WERLE, 2001).
Mayer (2017, p. 24) explica que as intensas propagandas feitas pelas em-
presas colonizadoras, ao mesmo tempo em que as terras nas “colônias velhas”
do Rio Grande do Sul estavam ficando escassas devido ao esgotamento do solo,
fizeram com que os descendentes desses primeiros imigrantes alemães, que mi-
graram durante o século XIX, passassem a procurar novas fronteiras para colo-
nização, dentre as quais, a nova colônia às margens do Rio Uruguai.

Mapa 2. Mapa da colônia Porto Novo. Fonte: Adaptado de MIDDENDORF, Karl. Porto Novo -
brasilien: Siedlung für deutschsprecehnde katholiken am Uruguayfluß im Statte Santa Catarina in
Brasilien. Porto Alegre: Tipografia do Centro, 1932. p. 50-51.

76
As terras da colônia foram então divididas inicialmente em lotes de 25
hectares, em moldes não muito diferentes dos lotes das antigas colônias alemãs
existentes no Rio Grande do Sul. O assentamento também previa que os lotes
se mantivessem nos entornos de uma “sede comunitária dotada com igreja e es-
cola, mais uma estrutura para o comércio e lazer” de forma a criar “comunida-
des coesas e identificadas pelo senso de igualdade social e convívio comunitário”
(HAHN, 2005, p. 38-39).
Com a instalação desses agricultores iniciou-se um intenso processo de al-
teração da paisagem com a derrubada das florestas, inicialmente com o macha-
do e a serra manual e, muito posteriormente, com o uso da motosserra. Nessas
primeiras décadas da colônia, suas atividades estiveram ligadas à expansão de
zonas de cultivo com a derrubada da mata para abertura de áreas agricultáveis
por meio da mão de obra familiar, com produção limitada a cultivos de subsis-
tência e eventual venda de excedentes (NODARI, 2012; FRANZEN, 2016,
p. 195-196). O processo histórico foi muito semelhante ao estudado e narrado
por Gerhardt (2009) no caso da colônia Ijuhy, fundada no noroeste do Rio
Grande do Sul em 1890.
Sobre o trabalho de derrubada da mata, temos as memórias de Maria
Wiersch Rohde:

Por todos os lados as estradas eram construídas; ao longe e bem próxi-


mo, se ouvia o som dos machados cortando a mata – e o ruído assus-
tador de grandes árvores tombando. Nas horas quentes do meio-dia
quando se fazia necessário estabelecer uma pausa no trabalho, podia-
-se observar, diariamente, enormes nuvens de fumaça das queimadas.
Aí nós sabíamos que este ou aquele havia aproveitado o calor e o tem-
po seco para tentar sua sorte. Muita coisa dependia de como e quando
a mata queimava bem, inclusiva galharia toda. Apenas restavam as to-
ras mais grossas que acabariam sendo aproveitadas. Se, no entanto, a
queimada era ruim, talvez por causa do tempo chuvoso, restava muita
galharia. Esta precisava ser removida antes da semeadura e isto sempre
demandava muito tempo e esforço. Quem conseguia derrubar a mata,
queimá-la e semear no seu devido tempo, portanto tinha tido sorte,
pois podia contar com a primeira colheita em cinco meses. Isto cor-
respondia, entre os colonos, a ganhar na loteria (2011, p. 76).

As tecnologias agrícolas utilizadas na colônia eram idênticas ao tipo de

77
agricultura utilizada nas colônias velhas do Rio Grande do Sul. De natureza
predatória, constituíam basicamente na derrubada da floresta, na qual eram
aproveitadas as madeiras de maior valor comercial, seguida de queimadas para
limpeza do solo e semeadura. A grande quantidade de espécies madeiráveis pre-
sentes nas florestas eram auspiciosamente exaltadas na propaganda oficial do
assentamento. Afirmava-se:

Se a qualidade do solo é, além da localização, de importância de-


terminante para o colono, não se deve menosprezar o valor e o
papel econômico das árvores de madeira de lei, presentes na mata
que cobre ou cobria o lote. É a partir das árvores que o coloniza-
dor experiente avalia a qualidade do lote pretendido. Como ex-
pressão do seu veredito, ele finca seu longo facão na terra. A venda
das toras poderá reforçar bastante as finanças e, além disso, ele não
precisará comprar madeira para construção de casa e galpões. É
necessário mencionar que a maior parte das árvores da mata na-
tiva, encontrada em todos lotes de forma mais ou menos densa,
são madeiras de lei, adequadas a marcenaria e carpintaria. Temos
aí madeiras duras muito apreciadas como: louro, cedro, cabriúva,
ipê, angico, canafístula, tajaúba, grapiapunha. quebra-machado,
guajuvira (Schartzhertz), canjerana... E, como madeiras mais leves
e fáceis de trabalhar temos: muitas variedades de canela, alecrim,
guatambu, guabirova, caroba, jaraqiatiá, marmeleiro, corticeira,
açoita-cavalo, e timbaúva; ou de qualidade mais leve – mas durá-
vel – ocupadas para construção de canoas, ou para lenha: as laran-
jeiras, e a batinga (MIDDENDORF, 1933, p. 57).

A comercialização dessas árvores foi importante para a manutenção da saúde


financeira da associação colonizadora durante o período de guerra, que paralisou a
venda de lotes. A Volksverein mantinha, ela própria, um comércio madeireiro com
a Argentina de forma a contornar, ainda que em parte, as dificuldades financeiras
da empresa. Inclusive havia a perspectiva futura de que, com a exploração racional
do recurso madeireiro e o reflorestamento sistemático, o comércio de madeira po-
deria ser uma opção econômica para a região (ROHDE, 2011, p. 299-300).
Extrai-se de entrevista realizada por Rambo:

[...] tanto que, quando o Volksverein vendeu aquela terra para os


colonos eles iam junto e marcavam aquelas madeiras que eram de-

78
les. Na terra do pai tinha 20 e poucas árvores marcadas, cedro,
loro. Podiam tirar o mato, mas essas árvores o Volksverein ia der-
rubar. E vinha às vezes uma turma (o Finger com a carroça, um
Staub e mais gente). Vieram lá tirar a madeira. Vinha uma turma
e derrubava e depois vinham os arrastadores e levavam para o rio e
faziam as balsas (2007, p. 146-147).

É necessário frisar que, antes mesmo da colonização pela Volksverein, havia a


retirada e a comercialização de madeira naquele espaço e com a chegada dos no-
vos povoadores essa prática se intensificou de sobremaneira. As madeiras de maior
valor comercial, especialmente o cedro e o louro, por disposição contratual, eram
marcados e excluídos na venda dos lotes pela Volksverein para serem retiradas e
posteriormente comercializados por meio das balsas (ROHDE, 2011, p. 299).
Essa expansão da colônia sobre a floresta iniciou na segunda metade da dé-
cada de 1920 e se intensificou durante as décadas de 1960 e 1970 com a introdu-
ção da motosserra, ao mesmo tempo em que os últimos lotes da colônia foram
comercializados (NODARI, 2012, p. 78-86). Jungblut (2000, p. 78-86) explica
que 50% dos lotes da colônia foram vendidos entre os anos de 1926 e 1930; 25%
entre os anos de 1931 a 1940 e os restantes entre 1941 e 1969.
Neste sentido, o local escolhido para a instalação da colônia Porto Novo
corresponde a um espaço de fronteira com, pelo menos, três dimensões: o
rio Uruguai, uma fronteira permeável na interpretação de Nodari e Gerhardt
(2021) entre os estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina; a proximida-
de com a Argentina, com a qual diversas relações econômicas e socioculturais
foram estabelecidas; e a fronteira entre a floresta e o espaço dela tomado pelo
desmatamento para o projeto de colonização.

Considerações finais

Sabe-se que “grupos étnicos têm formas distintas de interagir com o ambiente e
que suas ações modificam ecossistemas, com impactos de curta, média e longa
duração” (NODARI, 2012, p. 35), de tal forma que as “percepções, valores éticos,
leis, mitos e outras estruturas de significação se tornam parte do diálogo de um
indivíduo ou de um grupo com a natureza” (WORSTER, 1991, p. 202), sendo

79
que o “comportamento social dos seres humanos em relação ao mundo natural,
assim como a própria estruturação socioeconômica da vida coletiva, passa pelas
visões de natureza e dos significados da vida humana” (PÁDUA, 2010, p. 95).
No caso do oeste catarinense esse processo de intervenção humana com a
região fitoecológica da Floresta Estacional Decidual se desenvolveu por meio de
um longo processo de povoamento e repovoamento. Seu momento mais inten-
so ocorreu a partir da década de 1920 com a chegada de imigrantes de origem
europeia, principalmente alemã e italiana e por meio da atuação de companhias
colonizadoras, que passaram a derrubar as florestas para abertura de áreas agríco-
las. Esse processo levou à rápida supressão da floresta, reduzindo sua área a frag-
mentos isolados de menos de 3% de seu tamanho original, conforme indicam
estudos datados no final dos anos 1990 (NODARI, 2012, p. 35-36).
O processo de derrubada da floresta era visto como um processo civilizató-
rio como defende Bublitz no estudo sobre “colônias velhas”, entre o “civilizado,
marcado pela agricultura colonial, e o inculto, marcado pela própria mata” (2010,
p. 82) ou ainda, conforme Gerhardt (2009, p. 18), a natureza era vista “como uma
fronteira entre o selvagem e o civilizado, entre o espaço intocado e o cultivado”.
No caso específico da colônia de Porto Novo a propaganda e o discurso
dominantes apresentavam a floresta como algo a ser vencido, um vazio cheio de
riquezas, apenas aguardando a mão diligente do colonizador para que fossem co-
lhidas. Embora ainda careçam de estudos mais aprofundados, esse discurso alia-
do a um forte isolamento étnico-confessional, tecnologias agrícolas predatórias,
transformou drasticamente a floresta levando a sua quase total supressão.

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Agradecimentos
À Fundação Universidade de Passo Fundo (FUPF) pela bolsa de estudos concedida.

Notas
*Mestrando em História pela Universidade de Passo Fundo. Orientador: Dr. Marcos Gerhardt. Bolsista da
Fundação Universidade de Passo Fundo (FUPF).

82
Construindo o Celeiro Catarinense:
política e modernização agrícola durante
a ditadura civil-militar

Marina Andrioli*

Senhor Ministro, A gente desta região, “Celeiro de Santa Catari-


na”, sente-se profundamente honrada com a segunda visita de V.
Exa. a Chapecó, agora, como antes, trazendo-nos uma palavra de
incentivo, mostrando os caminhos que devemos seguir, em res-
posta ao atual esquema de ação da política agrícola do Governo
Federal. E surpreende-nos que um Ministro de Estado deixe o seu
gabinete de trabalho para vir ao meio rural desta longínqua região,
apertar a mão do colono, falar com ele, sentir os seus problemas,
mano-a-mano diante do homem que produz no anonimato. E o
faz sem foguetórios, sem demagogia, abrindo o jogo da verdade,
falando cara-a-cara, como nunca antes havíamos presenciado nes-
te País. [...] A agricultura brasileira, ao escrever sua história, por
certo a dividirá em dois capítulos: antes e depois de Cirne Lima
(PARA CIRNE..., 1972, p. 7).

O trecho do jornal Folha d’Oeste, de 06 de outubro de 1972, foi escrito para o en-
tão ministro da Agricultura, Cirne Lima, ler. O texto resume, de maneira elogio-
sa, o momento que estava vivendo o Oeste catarinense, especialmente Chapecó.
O ministro é reverenciado por ter saído de seu gabinete e encontrado “cara a cara”
(PARA CIRNE..., 1972, p. 7) com o agricultor oestino, que, daquele momento

83
em diante, poderia afirmar com propriedade que sabe quem é e o que faz o minis-
tro da Agricultura. A reportagem depura muitos dos temas relacionados ao obje-
tivo principal deste texto, ou seja, uma análise crítica desse viés ufanista, como a
relação do Oeste com o governo central, as políticas nacionais e seus reflexos no
Oeste de Santa Catarina, os discursos da elite política e econômica, assim como
as transformações do homem do campo e da paisagem. Portanto, o objetivo deste
texto é analisar o surgimento e o estabelecimento da ideia de Celeiro Catarinense,
mais especificamente tratando das relações político-institucionais que resultaram
em incentivos para o desenvolvimento da agricultura na região, no período de
1968 a 1979, durante a ditadura civil-militar, considerando o potencial de pro-
mover mudanças nessas políticas no que diz respeito às maneiras de produzir, à
organização da vida rural e urbana, ao entendimento do novo “homem do cam-
po” e de sua influência na transformação da paisagem do Oeste catarinense.
Em relação à discussão sobre as influências desse período nas alterações da
paisagem, essa abordagem trará alguns aspectos materiais dessa mudança, con-
forme coloca Santos (2013, p. 36), quando afirma: “As atividades mais moder-
nas, na cidade e no campo, passam a exigir adaptações do território, com a adição
ao solo de acréscimos cada vez mais baseados nas formulações da ciência e na
ajuda da técnica”. Ademais, o tratamento dado à natureza e à tecnificação como
solução dos problemas do campo será tema abordado adiante e, finalmente, será
nosso objetivo compreender o discurso e as práticas das elites e das lideranças
políticas na modificação da paisagem, por meio dos planos de desenvolvimento.
Assim, por meio deste estudo, buscamos subsídios que possibilitem a com-
preensão sobre a construção das estruturas de transformação social, política e
ambiental da região, em uma ótica ampliada e que considere não somente o cará-
ter simbólico, mas que revele a complexidade à qual a região foi submetida, con-
templando a análise das ações e dos projetos executados pelo Estado. Destaca-se
a importância desta obra no sentido de que são apresentadas distintas análises,
as quais, somadas, preenchem linhas na complexa teia que formou o Celeiro
Catarinense, dando sentido a discursos, pensamentos e políticas nessa região,
complementando estudos já realizados na mesma temática. Por exemplo, após
o lançamento nacional do programa “Plante que o governo garante”, realizado
em Chapecó em 1973, com participação do então ministro da Fazenda Delfim

84
Neto, percebe-se uma trama de relações político-institucionais que resultaram
no crescimento da agroindústria (Sadia, S.A Indústria e Comércio Chapecó –
SAIC e outras), das cooperativas (Alfa), da assistência técnica (Associação de
Crédito e Assistência Rural do Estado de Santa Catarina – ACARESC), resul-
tante de investimentos públicos e privados na modernização agropecuária (BA-
VARESCO, 2005; SILVA, 2002).

A década de 1970 e a problemática da


modernização da agricultura
Considerando-se autores que já se dedicaram ao tema, mas em seus aspectos dis-
cursivos, nossa intenção é fazer a interligação entre os elementos formadores do
Celeiro em si, materialmente, e no ideário local, estadual e nacional (SILVA,
2002; SIQUEIRA, 2016). Na década de 1970, portanto, a região Oeste de San-
ta Catarina passou por intensas transformações políticas, econômicas, sociais
e ambientais (POLI, 1999; RENK, 1995; CORAZZA; RADIN, 2016), que
resultaram na criação de um novo centro produtivo e em expressivas transfor-
mações no mercado de trabalho, refletindo na organização social do campo e
na infraestrutura rural e urbana. No início da referida década, o Oeste de Santa
Catarina ficou conhecido como o Celeiro Catarinense (PARA CIRNE..., 1972;
Celeiro Catarinense, 1974), uma retórica utilizada por lideranças políticas pró-
-ditadura e que se consolidou na região. Esta compreensão foi adotada por revis-
tas – como o caso da revista Celeiro Catarinense, e acabou sendo propagada por
outros meios de comunicação. Este termo, contudo, buscava traduzir a intenção
dos governos locais e nacional em difundir os preceitos da Revolução Verde e
consolidar a região como a grande provedora de alimentos em âmbito estadual,
nacional e internacional (FORNECK; KLUG, 2015).
Esta estratégia foi uma política de governo durante a fase nacional conheci-
da como “milagre econômico” – uma tentativa de executar reformas estruturais
durante a ditadura civil-militar por meio de planos desenvolvimentistas. O pe-
ríodo entre 1968-1973 do ‘milagre econômico’ brasileiro é analisado pelos eco-
nomistas em função do crescimento das taxas do Produto Interno Bruto (PIB)
na ordem de 11,1% ao ano. Dessa forma, “uma característica notável do ‘milagre’

85
é que o rápido crescimento veio acompanhado de inflação declinante e relativa-
mente baixa para os padrões brasileiros, além de superávits no balanço de pa-
gamentos” (VELOSO; VILLELA; GIAMBIAGI, 2008, p. 220). Outrossim, a
“concepção” do Celeiro Catarinense também foi o período de explosão das ten-
sões no campo e do êxodo rural, já que há uma cisão com o modelo de produção
da propriedade familiar, sendo que o desenvolvimentismo, além de trazer arados
mecânicos e fertilizantes, ofuscou parte das práticas arraigadas culturalmente
e reproduzidas nas médias e pequenas propriedades (RENK, 1995; IOKÓI,
1995; ESPÍNDOLA, 2012). Para Lohn (1997, p. 52), cria-se um “embate entre
mundos tomados como opostos”; a década de 1970, portanto, foi o ponto de
ruptura entre a ideia de Oeste “isolado” e o surgimento do “moderno” Celeiro
Catarinense. Este “boom” não pode ser dissociado dos interesses das elites políti-
cas e econômicas na destinação de significativa parcela do território catarinense
para o desenvolvimento das atividades agropecuárias. A escolha dessa década foi
feita a partir da observação da substancial mudança enfrentada na base produti-
va agrícola da economia brasileira, a qual marcava uma nova fase:

A década de 1970 assistirá a uma profunda mudança no conteúdo


do debate. Impulsionada por uma política de créditos facilitados,
que se inicia na segunda metade dos anos 60, pelo desenvolvimen-
to urbano-industrial daquele momento, que se convencionou
chamar na literatura de “milagre brasileiro”, a agricultura brasi-
leira não apenas respondeu às demandas da economia como foi
profundamente alterada em sua base produtiva. O maciço cres-
cimento do uso da tecnologia mecânica, de defensivos e adubos,
a presença da assistência técnica, o monumental êxodo rural etc.
permitem dizer que o Brasil mudou, e o campo também. Não em
seu todo, nem de forma homogênea, mas tornou-se uma realida-
de totalmente diferente da que servira de palco para as discussões
precedentes. Com isso, necessariamente, os referenciais de análise
tornam-se obsoletos e uma nova fase no estudo científico do meio
rural tem início (GONÇALVES NETO, 1997, p. 78).

Ou seja, é nessa alteração das relações do campo com a cidade, do campo


com a tecnologia e do campo brasileiro e catarinense com o mundo que é trata-
do os elementos que conectam essa história e, ainda, demonstram a relevância

86
da década que é objeto deste estudo. Os Planos Nacionais de Desenvolvimento
(PND) I e II, durante os governos Médici e Geisel, assim como a já mencionada
campanha “Plante que o governo garante”, desempenharam ímpar contribuição
na viabilidade dessa nova realidade, juntamente com os planos estaduais, como
o Plano Catarinense de Desenvolvimento (PCD) e o Plano de Metas do Gover-
no Estadual (PLAMEG) I e II. Quando esmiuçado o PCD, no governo de Co-
lombo Machado Salles, verifica-se o maior percentual de investimento (22,7%)
previsto em relação ao total de capital investido no setor agrícola. Dados essen-
ciais sobre infraestrutura e integração também foram levantados por Alcides
Goularti Filho, segundo o qual, “no setor de transporte, foram construídos 565
km de estradas e pavimentados 159 km [no estado de Santa Catarina]” (GOU-
LARTI FILHO, 2005, p. 637).
Na década de 1970, a tradicional e modesta produção familiar e seu relativo
isolamento dos mercados consumidores receberam um novo impulso: “[...] é atra-
vés da utilização dos modernos insumos, da mecanização do campo aliada a uma
mudança de hábito por parte dos agricultores que seria consolidada a ‘evolução’
tão desejada por parte das elites” (Silva, 2002, p. 32), sendo que, no ano de 1975,

O estado de Santa Catarina ocupa, dentro do contexto nacional,


posição de destaque, cultivando de forma permanente cerca de 1,6
milhões de hectares. E apesar de ocuparmos parcela mínima do
território nacional (1,13%), o Estado está entre os cinco maiores
produtores de alimentos do país (KONDER, 1975, p. 24).

A análise do Plano de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina na


gestão de Adolfo Konder (1975-1979) aponta um rigoroso guia aos preceitos
dos PND para a agricultura:

Da mesma forma, deverá ser criada empresa que se dedique à ex-


tensão rural e àassistência técnica ao setor, segundo a política do
Governo da União (EMBRATER [Empresa Brasileira de Extensão
Rural]). Por outro lado, dar-se-á ênfase à produção cerealífera,
à pecuária de corte e leiteira, à suinocultura e à avicultura, bem
como, condicionando-se às possibilidades de comercialização, à
horticultura e à fruticultura (KONDER, 1975, p. 29).

87
Ao se observar a ideia de Palmeira (1989, p. 89) sobre o significado do pla-
nejamento estatal no campo, é possível conceber que o presente estudo demanda
da análise de diversas conjunturas, discursos e meandros ainda não tão explora-
dos. Segundo este autor afirmou:

É difícil pensar a modernização da agricultura conduzida pelo Es-


tado sem pensar as transformações sofridas pelo próprio Estado.
É necessário não propriamente elaborar uma teoria do moderno
Estado brasileiro, de que os cientistas políticos vêm se ocupando
com menor ou maior sucesso, mas procurar indicar, ainda que de
modo aproximativo, o que tem sido a ação do Estado no campo,
analisar os meios através dos quais essa ação se tem dado e, sobre-
tudo explorar as suas implicações. Mas isso não basta. É preciso
pensar o que a simples presença do Estado no campo tem signifi-
cado (PALMEIRA, 1989, p. 89).

Acompanhando esse raciocínio, passaremos a debater sobre quais aspectos


levaram o Brasil a uma mudança na condução da política econômica e industrial
após o golpe civil-militar de 1964 e seus reflexos locais. A compreensão deste
período, ainda que em linhas gerais, é essencial, já que é nessa mudança de pa-
radigma político que se sustenta um discurso com impactos na trajetória de de-
senvolvimento em âmbitos nacional e local, no oeste de Santa Catarina. Foram
selecionados alguns dados para o debate que sustentam o impacto deste período
para o estado de Santa Catarina e para a microrregião de Chapecó, conforme
pode ser observado nas Tabelas 1 e 2.

Ano 1962* 1970 1975 1980 1985 1995 2006

Milho em
346.805 672.156 728.929 877.716 850.628 754.966 886.803
grão
Soja em
2.468 90.633 263.876 427.996 403.530 167.680 273.999
grão
Trigo em
104.097 120.009 32.388 10.657 35.035 29.943 38.623
grão

Tabela 1. Área colhida por tipo de produto – Santa Catarina (mil hectares). Fonte: Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) – Censo Agropecuário (adaptado pela autora). * A série inicia em
1962, pois, apesar de já haver dados sobre as colheitas de milho e trigo, esses produtos são mais escassos
em relação à soja.

88
Microrregiões 1970 1975 1980 1985 1995
São Miguel d’Oeste 142 688 1.365 1.747 2.242
Chapecó 162 840 2.175 3.168 4.607
Xanxerê 167 764 1.738 2.298 2.741
Joaçaba 451 1.172 2.197 3.305 6.116
Concórdia 53 269 533 1.000 1.821
Canoinhas 551 1.357 2.886 3.680 5.437
São Bento do Sul 46 79 312 441 626
Joinville 679 1.711 2.786 3.795 3.772
Curitibanos 214 632 1.333 1.804 2.619
Campos de Lages 384 753 1.839 2.467 4.252
Rio do Sul 687 2.464 4.445 6.199 7.364
Blumenau 282 1.030 2.351 2.785 3.349
Itajaí 125 473 1.064 1.266 1.102
Ituporanga 191 800 2.228 3.495 5.174
Tijucas 78 191 619 1.064 1.242
Florianópolis 188 243 603 737 1.165
Tabuleiro 19 129 848 1.136 1.730
Tubarão 462 502 1.160 2.052 2.607
Criciúma 326 415 861 1.505 2.105
Araranguá 856 1.129 1.762 2.491 3.077

Tabela 2. Total de tratores existentes nos estabelecimentos agropecuários das microrregiões de Santa
Catarina. Fonte: IPEADATA (adaptado pela autora).

Na Tabela 1, foram selecionados apenas três produtos – milho, soja e trigo


–, sendo possível notar que os dois primeiros tiveram crescimentos constantes
até 1985. A soja apresentou a maior expansão por hectare em Santa Catarina,
especialmente se observada a produção por hectare em 1962 sendo comparada
com o ano de 1970, quando o incremento em oito anos foi de aproximadamente
40 vezes. Tal fato está diretamente relacionado ao processo debatido neste capí-
tulo, pois revela a complexidade a qual os agricultores foram submetidos, sendo
necessário não só que se compreendam as constantes mudanças no campo, como
também que sejam procurados meios de inserção nesse processo histórico. Na
Tabela 2, ao se observar a microrregião de Chapecó, verifica-se que o número de

89
tratores por estabelecimentos agrícolas foi de 162 a 840 em um ínterim de ape-
nas cinco anos, entre 1970 e 1975, o que configura mais de 500% de aumento.
Ao serem analisados os dados, e compartilhando da perspectiva de Santos
(2013, p. 38), é possível inferir que o artifício tende a se sobrepor à natureza,
com a ideia de um meio ambiente sendo construído por interesses mercantis.
É oportuno, nesse sentido, o compartilhamento de uma síntese feita por Soraia
Ramos (2010), ao escrever sobre os sistemas técnicos agrícolas e os meios técni-
co-científico-informacionais no Brasil. Nesta obra, Ramos (2010) destaca a ne-
cessidade de a produção agrícola inserir-se na lógica industrial, em consonância
com a linha defendida por Santos (2013).

De maneira geral, a modernização do campo ocorre primeira-


mente com a mecanização da produção, observada pela utilização
crescente de arados, aspersores, colheitadeiras, pulverizadores e
tratores. Em um segundo momento, a novidade decorrerá da uti-
lização dos derivados da indústria química; fertilizantes, agrotó-
xicos: herbicidas, inseticidas, fungicidas e corretivos para o solo,
que se dá paralelamente ao desenvolvimento da biotecnologia e da
engenharia genética (RAMOS, 2010, p. 316-317).

As Tabelas 1 e 2, apresentando a evolução da área colhida e do número de


tratores nas propriedades, juntamente com as análises de autores como Santos
(2013) e Ramos (2010), demonstram o momento peculiar da agricultura brasi-
leira na década de 1970, seu exponencial crescimento e os caminhos escolhidos
para este setor pelo Estado. Diante dessa exposição, demonstraremos como a
mecanização e outras técnicas e tecnologias impactaram no meio ambiente do
Oeste Catarinense durante o período de construção do Celeiro Catarinense.

Modernização da agricultura e impactos ambientais:


conservar para produzir no futuro
Para esta seção são apresentadas as preocupações em relação ao meio ambiente.
Igualmente, foram selecionados textos que trazem reflexões em relação ao rápido
avanço da modernização, proferidas ainda na década de 1970, as quais são vistas
como indispensáveis para a formação deste trabalho. Nesse sentido, na edição de

90
maio/junho de 1970 da revista Celeiro Catarinense, foi publicada uma matéria
intitulada “Santa Catarina lança campanha de conservação do solo” (CIDA-
DE..., p. 8), de autoria do Comitê Central de Conservação do Solo de Chapecó.
Nela, é identificada uma preocupação em relação à erosão do solo, que poderia
limitar o seu nível de produtividade:

Se por um lado o solo é fértil, resultando em fartas produções,


por outro, possui topografia acidentada, que facilita a erosão atra-
vés das chuvas constantes que levam a camada fértil do solo para
o Rio Uruguai. A erosão numa região produtora e rica como esta,
facultada em todos os sentidos pela topografia acidentada, tem
condições excepcionais para transformá-la numa região estéril e
pobre. A situação vigente, motivou aos engenheiros agrônomos
da ACARESC, Ministério e Secretaria da Agricultura a lançar o
grito de alarme, planejando esquema de trabalho e educando o
produtor rural para a adoção de práticas conservacionistas (CI-
DADE..., 1970, p. 8).

Pautando o tema da conservação dos solos, no jornal Folha d’Oeste (1974),


a matéria redigida por engenheiros agrônomos da ACARESC traz um alerta e a
preocupação em relação ao manuseio do solo frente às secas e à erosão:

Se observamos as lavouras do oeste de Santa Catarina veremos


que na sua grande maioria elas ainda não possuem um perfeito
sistema de conservação do solo. O agricultor, no afã de utilizar
palmo a palmo sua propriedade, não protege as áreas agricultáveis
da maneira que elas mereçam. O agricultor “cura” as doenças que a
sua terra mais se recente, como acidez e baixa fertilidade, mas não
usa os meios profiláticos que a livrarão de seu maior mal, a ero-
são. A cada chuva que passa, são toneladas de terra, de calcário, de
adubo, é o trabalho do agricultor que se vai, tudo porque ele não
dispensou alguns dias de trabalho, alguns litros a mais de óleo na
proteção de suas terras contra a erosão [...]. A conservação do solo
feita dentro dos princípios técnicos previne a erosão, conserva a
terra produzindo por mais anos, evita a perda de adubo e calcário
utilizados, contribui para o aumento da produtividade agrícola
(FOLHA D’OESTE, 1970, p. 10).

91
Em ambos os veículos de comunicação, ainda que em anos distintos, o zelo
em evitar a erosão dos solos se dá pelo mesmo motivo, o de preservar e garan-
tir a continuidade da produção. Ainda, a Associação de Crédito e Assistência
Rural do Estado de Santa Catarina (ACARESC) assumia o papel de educar
o trabalhador para que conseguisse melhores resultados e para que suas ações
não tivessem caráter irreversível sobre o solo, mostrando também a caracterís-
tica conservacionista desta instituição. Partindo para outro tema correlato, na
última edição da revista Celeiro Catarinense localizada nesta pesquisa, de 1974,
há reportagem intitulada “Madeira – Ciclo de Ouro na história de Chapecó”
(CELEIRO CATARINENSE, 1974, p. 5-8). Nela, há uma espécie de história da
indústria madeireira em Chapecó, que é analisada em três aspectos:

1 - Quando a madeira exuberantemente existente serviu de enri-


quecimento aos proprietários de extensas áreas, cujos valores apu-
rados na época foram totalmente desviados de aplicação regional.
O dinheiro era canalizado para centros maiores, onde somou-se
a outras fortunas e talvez continue gerando lucros até hoje. 2 –
Surgiu a segunda fase, quando a exploração madeireira teve raí-
zes formadoras da fixação do homem à região, como indústria
próspera e quando os lucros eram aplicados aqui mesmo. Nesta
segunda fase enquanto o pinheiro era retirado, em seu lugar sur-
gia a lavoura ou a invernada. 3 – Na terceira fase, já quando a
madeira estaria por desaparecer devido a extinção da espécie, sur-
ge o IBDF [Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal]
obrigando o reflorestamento a todos os madeireiros. Novamente
por intermédio da madeira, nasce outra atividade empresarial: o
reflorestamento. E futuramente, quando as árvores agora planta-
das estiverem desenvolvidas, certamente surgirá uma quarta eta-
pa com o seu aproveitamento industrial. E novas riquezas serão
geradas (CELEIRO CATARINENSE, 1974, p. 8).

Pode-se observar que a floresta serviu aos interesses empresariais em todas


as três fases exploradas pela reportagem; além disso, há uma indignação do re-
dator quando observa que os lucros da primeira fase não foram destinados ao
desenvolvimento regional. O que se pode destacar como José Augusto Pádua
(2002) já observou no pensamento de séculos anteriores, é o de que há uma
preocupação com os recursos ambientais – nesse caso, florestais –, mas atrelados

92
aos interesses de mercado. Trazendo essa interpretação para o século atual e a
região de Santa Catarina, há o artigo “Transformando a paisagem: uma história
ambiental de Chapecó” (SILVA; BRANDT; MORETTO, 2018), do qual se
destaca a seguinte passagem:

Quando as elites políticas e empresariais do município abraçaram o


desenvolvimento enquanto projeto de manutenção de seus privilé-
gios e controle da população, araucárias, cedros, guabirobas, uvaias,
amoras silvestres e outras espécies nativas entraram em processo de
extinção ou mantiveram-se vivas quase que apenas nos símbolos
municipais (SILVA; BRANDT; MORETTO, 2018, p. 183).

O que fica claro é a ideia de imutabilidade do interesse econômico em rela-
ção à conservação do meio ambiente, deixando esta questão em segundo plano,
no caso de Chapecó, como os autores afirmaram, em caráter até mesmo decorati-
vo. Partindo para outros aspectos da preocupação com o meio ambiente, no jor-
nal Folha d’Oeste, de 1976, nº 578, duas matérias são permeadas por esse tema e
que serão aqui comentadas: a primeira intitulada é “Os inseticidas e suas conse-
quências” (FOLHA D’OESTE, 08 maio 1976, p. 15) e a segunda, “Proteção do
meio ambiente” (FOLHA D’OESTE, 08 maio 1976, p. 18). Na primeira, há uma
preocupação com o uso de pesticidas e os impactos que eles podem ter no con-
sumidor, relacionando-os até mesmo ao surgimento de doenças como o câncer:

O uso apresenta periculosidade maior ainda – e já preocupa os


pesquisadores brasileiros quando se trata dos inseticidas do grupo
organoclorados, no qual vamos encontrar o DDT, o BHC e o Al-
drin, o Dieldrin e outros. O que acontece é que os resíduos destes
inseticidas quando usados persistem à fase de industrialização dos
alimentos, podendo acompanhá-los até o momento de seu consu-
mo pela população (FOLHA D’OESTE, 08 maio 1976, p. 15).

Na continuidade, o texto ainda cita um estudo que encontrou relação entre


o uso destes químicos e o câncer em estados do Norte e Nordeste brasileiros,
porém não menciona ou aprofunda tais dados. Ainda, sugere quais soluções po-
deriam ser apresentadas, aconselhando, inclusive, a proibição desses pesticidas
nas lavouras brasileiras. Neste caso, é impossível não estabelecer relação com a

93
obra de Rachel Carson (1969), “Primavera silenciosa”, o que leva a crer que esta
reportagem provavelmente foi inspirada na divulgação mundial dos estudos de
Carson. Logo nas primeiras páginas, quando fala sobre o DDT, consta:

A partir de quando o DDT foi colocado à disposição do uso civil,


um processo de escalação tem estado em marcha, pelo qual mate-
riais cada vez mais tóxicos devem ser encontrados. Isto aconteceu
porque os insetos, numa reivindicação triunfante do princípio de
Darwin, relativo à sobrevivência dos mais fortes e mais adequados,
desenvolveram super-raças imunes aos efeitos do inseticida em par-
ticular usado contra Cies; daí resultou a necessidade de se prepa-
rarem substâncias químicas ainda mais mortíferas – cada vez mais
letais – e, depois, outras, ainda mais propiciadoras de morte. Isso
aconteceu também porque, por motivos que serão descritos mais
adiante, os insetos destrutivos com frequência passam por súbitos
retrocessos, isto é, por uma fase de ressurgência, depois dos borrifa-
mentos, em quantidades ainda maiores do que antes de tais borrifa-
mentos. Assim, a guerra química não é ganha nunca; e a vida toda
é colhida no seu violento fogo cruzado (CARSON, 1969, p. 15).

Nessa fala, a autora resume como funcionam os pesticidas e como sua efi-
ciência pode ser questionada. Ela fez estudos sobre o uso destes químicos asso-
ciados ao desaparecimento de espécies, especialmente nos Estados Unidos. Se,
por um lado, sua obra foi impactante e inovadora, por outro, também despertou
duras críticas da comunidade científica ligada à produção destes químicos. Sobre
o funcionamento dos pesticidas:

A definição dos pesticidas, portanto, deve constituir preocupação


de todos nós. Uma vez que vamos viver tão intimamente ligados a
tais substâncias químicas – comendo-as e bebendo-as – deixando
que elas entrem na própria medula dos nossos ossos – será melhor
que saibamos alguma coisa a respeito de sua natureza e da sua po-
tência (CARSON, 1969, p. 26).

O texto de Carson talvez tenha inspirado alerta ecológicos como, por


exemplo, presente no jornal Folha d’Oeste (FOLHA D’OESTE, 8 maio 1976),
quando levanta a hipótese de a contaminação pelo uso dos pesticidas ser cruzada

94
e, mesmo após processos industriais, permanecer nos alimentos. Sobre este tema,
que foi objeto de estudo de Carvalho et al. (2017), foi feita uma tentativa de
localizar as quantidades de agrotóxicos utilizadas nas propriedades catarinenses,
de 1940 a 1995, porém, só foi possível obter os valores dispendidos na compra
desse insumo, conforme os autores afirmaram:

Em todos os censos do IBGE relativos ao estado de Santa Catarina


que pesquisamos, desde 1940 até 1995, não se encontra nenhuma
informação sobre as vendas ou o consumo em volume ou peso des-
ses produtos químicos. Foi possível, no entanto, avaliar o total das
despesas (na moeda vigente em cada censo) até o censo de 1970, e,
a partir do censo de 1975, está disponível o número de estabeleci-
mentos que utilizavam. Porém, a quantidade usada não é informa-
da. Assim, com base nos dados do censo de 1950, é possível inferir
que era pouco comum o uso de agrotóxicos, pois é informado o nú-
mero de pulverizadores existentes em cada município. Para os 104
mil estabelecimentos recenseados no estado, havia apenas 1.963
pulverizadores e polvilhadeiras (equipamentos para distribuir ou
espalhar produtos em pó), número que aumentou para ainda mo-
destos 6.313 em 1960 (CARVALHO et al., 2017, p. 79).

Sobre o uso e a disseminação dos agrotóxicos ou de defensivos agrícolas,


inclusive pela ACARESC, Carvalho et al. (2017) fizeram levantamentos e en-
trevistas nos quais foi possível concluir que informações, apesar da formação téc-
nica, sobre os possíveis efeitos intoxicantes dessas substâncias era praticamente
desconhecido, corroborando o medo relatado no artigo acima citado. Já em rela-
ção à segunda reportagem destacada, “Proteção ao meio ambiente”, pode-se afir-
mar que seu teor se assemelha ao texto anterior, conforme pode ser observado:

O decantado e tristemente famoso fenômeno do meio ambiente


não é senão o resultado da inesgotável capacidade do homem para
descobrir novos métodos para torturar-se a si mesmo. Segundo
o Dr. Nicolau Laitano, a poluição constitui a eloquente e trágica
testemunha da atividade autodestruidora do homem e dos inume-
ráveis recursos que usam os seres humanos para mutilar-se (FO-
LHA D’OESTE, 08 maio 1976, p. 15).

95
O que há em comum nos discursos de ambos os textos é a responsabilida-
de pela poluição recaindo no uso indevido dos recursos pelo ser humano, co-
locando-o como responsável pelos danos causados e como receptor direto de
suas consequências. Persistindo nessa afinidade entre os discursos, em 1978, no
jornal Oestão, consta o título “O que é conservação do meio ambiente”, escrito
por Altamiro Alves Pereira, representante da Juventude Rural da ACARESC.
Seguem alguns trechos:

Os jornais nos mostram fotos e nos informam, as emissoras de


rádio e televisão noticiam, comentam e mostram os efeitos do en-
venenamento dos rios, lagos e do próprio oceano. E, como se não
bastasse a devastação das florestas, a extinção da fauna, a polui-
ção do ar, a própria água está sendo envenenada, conforme fatos
comprovados no litoral gaúcho. Por que tudo isso? Simplesmente
porque nossa mentalidade é “salve-se quem puder”. Somos ensina-
dos a conseguir lucros e mais lucros, não importa a que preço, o
que importa são lucros imediatos. Por isso não medimos as conse-
quências de nossos atos [...] hoje, estamos vendo os efeitos e pre-
juízos das secas. As chuvas já não são regulares. Secas e enchentes
destroem safras, causam doenças e ceifam vidas. A causa dessas
irregularidades nós bem conhecemos: “É sem dúvida o desmata-
mento sem controle”. Existe solução para esse problema? É claro
que sim: é simplesmente cumprir as determinações do Código
Florestal. Mas quem as cumpre? (PEREIRA, 1978, p. 13).

O objetivo de Altamiro Alves Pereira é elencar fatos que auxiliem a educar


os jovens, especialmente os da juventude 4-S, sobre o conhecimento e o respeito
ao Código Florestal. O que se visualiza no texto, além da preocupação do autor,
é a inserção do tema desmatamento e, novamente, a responsabilização dos indi-
víduos pelas secas e, quiçá, pela mudança climática.
Aproveitando as indagações do autor, será que o Código Florestal trazia a
proteção almejada? A referência é ao Código Florestal Brasileiro, instituído por
lei em 1965. Em seu artigo 2º, caracteriza as florestas de preservação permanen-
te, que eram as situadas:

96
a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água desde o seu nível
mais alto em faixa marginal cuja largura mínima seja:
1) de 30 (trinta) metros para os cursos d’água de menos de 10
(dez) metros de largura;
2) de 50 (cinquenta) metros para os cursos d’água que tenham de
10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;
3) de 100 (cem) metros para os cursos d’água tenham de 50 (cin-
quenta) a 200 (duzentos) metros de largura;
4) de 200 (duzentos) metros para os cursos d’água que tenham de
200 (duzentos) a 500 (quinhentos) metros de largura;
5) de 500 (quinhentos) metros para os cursos d’água que tenham
largura superior a 600 (seiscentos) metros;
b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d’água naturais ou
artificiais;
c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados olhos
d’água, qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mí-
nimo de 50 (cinquenta) metros de largura;
d) no topo de morros, montes, montanhas e serras;
e) nas encostas ou partes destas com declive superior a 45º, equi-
valente a 100 por cento na linha de maior declive;
f ) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de
mangues;
g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de rup-
tura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em
projeções horizontais;
h) em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qual-
quer que seja a vegetação (BRASIL, 1965, p. 1-2).

Apesar da clareza dos dispositivos do Código Florestal Brasileiro, algumas


pesquisas demonstram o descumprimento da legislação. É o que se pode afirmar
após a leitura de Nodari (2012, p. 47), quando demonstra que, “mesmo havendo
leis em vigor desde a década de 1930, não eram respeitadas na maioria dos ca-
sos”, incluindo os dispositivos contratuais, como os de compra e venda das com-
panhias colonizadoras, que, como ela afirmou, “em seus contratos de compra e
venda coloca como cláusulas obrigatórias a necessidade de reflorestamento pelo
proprietário” (NODARI, 2012, p. 49). Neste artigo, a autora ainda avisa:

A evolução florestal é um processo dinâmico, o qual envolve tem-


po-espaço e ocorre numa velocidade imperceptível aos nossos sen-

97
tidos, que se estende por várias gerações humanas. Isto significa
não somente a perda da floresta em si, mas de toda biodiversidade
que dela provinha; assim, observamos que num futuro bem próxi-
mo não saberemos mais descrever toda a riqueza que tínhamos, e
nós, seres humanos, fomos os responsáveis por este processo (NO-
DARI, 2012, p. 50).

Outrossim, o que se pode concluir é que, apesar de ter havido e de exis-


tirem dispositivos legais que regulamentam o uso dos recursos florestais, estes
não eram respeitados.

Conclusões

Para o balanço deste capítulo, algumas considerações devem ser realizadas: a pri-
meira delas é a de que, para atender aos anseios de um período modernizante,
seguindo uma tendência global liberalizante, incrementos e tecnologias foram
utilizados nos campos intensivamente. Este processo apartou uma parcela da
população que não teve acesso ao crédito; algumas famílias empobrecidas che-
garam ao extremo de migrar para uma região desconhecida, que era a Amazônia.
Este mesmo processo migratório revela a preocupação central do governo, que
era a de utilizar todo o potencial produtivo das terras nacionais para produzir e
incrementar a renda. Ainda, outra análise pode ser realizada ao se observar o teor
do conteúdo localizado e selecionado das mídias: pouca ou nenhuma resistência
por parte dos agricultores em relação à modernização agrícola é narrada nestes
meios, e mesmo o movimento migratório para um extremo da nação recebe um
tom de conquista e admiração na revista Celeiro Catarinense.
Apesar de ter sido encontrado um artigo que narra preocupação em re-
lação aos males para a saúde, em relação aos defensivos agrícolas, Carvalho et
al. (2017) fizeram um levantamento no qual concluíram que o conhecimento
sobre o potencial intoxicante destas substâncias naquele período era insipien-
te, até mesmo por parte do corpo técnico da ACARESC. Nesse sentido, reto-
mando os conceitos apresentados por Espindola (2012), parece assertivo dizer
que as práticas agrícolas e ambientais utilizadas pelos agentes da formação do

98
Celeiro Catarinense são um misto de exploracionismo com conservacionismo,
pois, à medida que foram encontrados discursos que salientavam a necessidade
de conservação dos solos, por exemplo, para posterior utilização, também foram
localizados aqueles que colocavam a necessidade do homem em primeiro lugar,
por exemplo, na urgência de se “limpar” quilômetros de matas para a constru-
ção de vias, por onde circulariam os êxitos do progresso. Em resumo, os demais
exemplos corroboram a ideia de um tipo de base produtiva desejável aos olhos
do progresso, concretizando, a partir do pensamento das elites locais, Chapecó
como polo econômico e Celeiro do Oeste catarinense.

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Agradecimentos

À Universidade Federal da Fronteira Sul e a FAPESC, pelo auxílio financeiro


no projeto: Uma História ambiental das transformações e da antropização das
paisagens no Oeste Catarinense (1960 a 1980).

Notas
*Marina Andrioli; Mestre em História pela Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS); orientada pelo
Prof. Dr. Marlon Brandt.

101
O relato de Herbert Huntington
Smith sobre o bioma Pampa:
“uma região de campo, que produz gaúchos,
gado e revoluções”

João Davi Oliveira Minuzzi*

Os cascos de um cavalo em disparada pisoteiam forte a terra seca do campo no


auge da temporada de verão. O som das cigarras pode ser ouvido a distância
enquanto a fragrância das diminutas flores de campo atrai uma variedade de in-
sertos. Bandos de pássaros cruzam o céu sem nuvens ao passo que alguns peixes
deslizam pela tranquila correnteza do arroio, um dos poucos lugares com água
fresca dentro de um raio de quilômetros. É nas margens desse pequeno curso
d’água que algumas árvores crescem e oferecem uma valiosa sombra em dias tór-
ridos como aquele. Um sapo repousa na beira do arroio próximo a um grupo de
capivaras que aproveitam para saciar a sede. Apenas um elemento estranho está
ali presente, esse cenário todo é observado atentamente por um viajante que faz
anotações de suas impressões em uma pequena caderneta.
A cena descrita é apenas hipotética e um exercício de imaginação, mas po-
deria muito bem descrever uma tarde de verão nos campos do Pampa cerca de
200 anos atrás, época em que muitos humanos viajaram para a América e regis-
traram suas impressões sobre tudo o que observavam, dentre eles Herbert Smi-
th, o personagem central desta pesquisa. O século XIX ficou marcado por essas
viagens, muitas com finalidades científicas, que na época foram populares como

103
gênero literário e que hoje nos auxiliam a compreender melhor esse período his-
tórico em diversos aspectos da vida humana, incluindo as questões relativas so-
bre a interação das sociedades americanas com o seu meio.
Neste artigo, procuro explorar o relato de viagem a partir dos referenciais
da História Ambiental dando destaque para os aspectos do texto referentes à
natureza e em especial ao pensamento e percepção ambiental. Esse tipo de aná-
lise se enquadra em uma das grandes linhas de pesquisa da área definidas pelo
historiador Donald Worster que é o estudo das “percepções, valores éticos, leis,
mitos e outras estruturas de significação [que] se tornam parte do diálogo de
um indivíduo ou de um grupo com a natureza” (WORSTER, 1991, p. 202). Os
relatos de viagem nos auxiliam a compreender como eram as formas de perce-
ber e interagir com o mundo natural em determinado recorte espaço-temporal.
Na questão temporal, estamos situados no século XIX e ele se demonstra extre-
mamente interessante e relevante quando se trata de concepções a respeito da
natureza, pois segundo Keith Thomas (2010) é a partir do século XVIII que
novas ideias a respeito do mundo natural passam a se chocar com ideias até então
hegemônicas e podemos notar que o século XIX é um reflexo dessas mudanças.
O trabalho de Thomas para o caso inglês e o de José Augusto Pádua (2002) para
o caso brasileiro são as principais bases teóricas para se pensar essa pesquisa.
Em termos espaciais, o recorte adotado é o bioma Pampa, uma vasta área
com predominância de campos que hoje é administrada pela Argentina, Brasil e
Uruguai. O conceito de bioma é pautado em um recorte macroespacial e agru-
pa uma diversidade de ecossistemas mais ou menos semelhantes em um recorte
espacial mais abrangente. O interessante do bioma Pampa é que ele é recortado
por fronteiras nacionais que foram se estabelecendo justamente ao longo do sé-
culo XIX, o que potencializa essa pesquisa pois, “a História Ambiental permite
ousar e ultrapassar fronteiras que, afinal, são fluídas, e construídas cultural e po-
liticamente pelos humanos” (NODARI, 2015, p. 300) nos possibilitando inter-
pretar esse espaço fronteiriço a partir de outros aspectos geralmente ignorados
pelo campo historiográfico. No Brasil, o Pampa é apenas uma pequena zona no
extremo sul do país sendo um dos menores dos seis biomas brasileiros em termos
territoriais. De forma distinta, ocupa toda a extensão do Uruguai e na Argentina
abrange boa parte do centro do país onde se concentram as principais atividades
políticas, econômicas e culturais.

104
O Pampa é uma extensa região de planície levemente ondulada composta
de campos com vegetação rasteira e pouca presença de árvores, comumente en-
contradas nas margens de rios e arroios desse território. Smith escreve sobre a Ar-
gentina que todos estão “acostumados a considera-la como uma região de pampas
immensos e baixos, com muito pouca diversidade do solo, clima, e producções.
Nada, porém, dista tanto da realidade. Os pampas ocupam apenas uma parte do
paiz, e variam muito de natureza” (SMITH, 1922, p. 197)1 citando ainda os An-
des, as florestas tropicais e a Patagônia. A associação do Pampa com um deserto
é muito recorrente e se deu especialmente pela sua baixa densidade populacional
e pela vastidão de seu cenário paisagístico com um horizonte de campos a perder
de vista. Esta visão errônea de vazio gera inúmeras consequências até os dias atuais
e no século XIX fomentou a expansão da presença dos Estados Nacionais sobre
esse território fronteiriço, impulsionado pelos processos de independências das
antigas colônias ibéricas e dos complexos processos de colonização e escravidão no
meio de diversos conflitos e guerras que marcaram a história do espaço platino. Ao
descrever o Uruguai, Smith resume o jovem país como “uma região de campo, que
produz gaúchos, gado e revoluções” (SMITH, 1922, p. 181), o que de certa forma
poderia ser estendida ao restante do bioma. A zona fronteiriça era um espaço tan-
to de conflito quanto de aproximação o que torna o contexto político-social da re-
gião platina no século XIX ainda mais interessante, por essa riqueza de temáticas
esse recorte espaço-temporal se tornou motivador de muitas pesquisas históricas
nas últimas décadas, todavia ainda há uma carência de trabalhos que busquem
compreender as questões relativas à natureza na perspectiva histórica.
O Pampa necessita de uma maior atenção das autoridades, comunidade
científica e população em geral por ter sido um dos biomas mais antropomorfiza-
dos ao longo dos séculos e carecer de mais unidades de conservação, especialmen-
te no Brasil (OVERBECK; et al., 2015). Os campos nativos do Pampa acabam
não tendo um apelo de conservação tão grande em comparação a outras áreas
predominantemente florestais que acabam recebendo mais áreas de proteção. To-
davia ambos os espaços possuem sua importância na manutenção da biodiversi-
dade e um dos desafios para a conservação do bioma Pampa no século XXI passa
exatamente pela educação ambiental e valorização dos ecossistemas campestres.

  Foi optado por manter a ortografia original da fonte.


1

105
Quem foi Herbert Huntington Smith?2

Neste texto iremos analisar o relato de viagem de Herbert Huntington Smith


(1851-1919), um naturalista nascido em Manlius nos Estados Unidos e que fre-
quentemente viajava por diversos lugares do mundo, em especial para o Brasil. Ele
realizou uma viagem pelo Pampa durante os anos de 1881 e 1882 enquanto per-
corria um trajeto maior entre a então capital brasileira Rio de Janeiro e a cidade de
Cuiabá. O registro dessa viagem foi publicado em jornal e posteriormente foi com-
pilado em livro intitulado “Do Rio de Janeiro a Cuyabá: notas de um naturalista”.
Esse relato carrega inúmeras passagens interessantes para se pensar o cotidiano do
período e nos é caro para auxiliar a refletir sobre as percepções e interações das pes-
soas com a natureza, especialmente pela atenção dada por Smith a esses assuntos.
Realizou seus estudos na Universidade de Cornell onde teve contato com
o professor e geólogo Charles Hartt (1840-1878), que o incentivou a participar
de uma excursão ao Pará no ano de 1870. Aos 19 anos, o jovem Smith desembar-
cava para a sua primeira viagem ao Brasil e começaria ali uma sequência de via-
gens científicas que o levaria a percorrer diversos países da América nas décadas
seguintes. No Brasil, realizaria quatro viagens entre 1870 e 1885, sendo durante
a quarta e última passaria pelo Pampa entre os anos de 1881 e 1882, trecho que
iremos aqui analisar.
Já fluente em português e acostumado com a tropicalidade brasileira, Smith
sai do Rio de Janeiro em direção à Cuiabá em uma rota não muito usual aos olhos
atuais, mas bastante percorrida naquele período: ele parte em direção ao sul de
navio, passa um período de seis meses explorando o interior do Rio Grande do
Sul e novamente embarca em direção à Montevidéu e Buenos Aires para então
subir o rio Paraná rumo ao norte onde se localiza o Paraguai e o seu destino final,
Cuiabá, onde permaneceria alguns anos estudando a fauna e flora do local. A
navegação fluvial e marítimas, naquele período ainda eram o meio mais rápido,
eficaz e presente na região, impulsionado pela facilidade de acesso da bacia do
Rio da Prata. A introdução das ferrovias é percebida pelo viajante e no período
seguinte à sua viagem se tornariam mais recorrentes no cotidiano da região.

2
  As informações sobre a vida desse viajante são em sua maioria retiradas das obras de Josiane Kunzler (2011)
e Maria Martins & Paulo Moreira (2013); e da apresentação escrita por Capistrano de Abreu presente na
própria fonte (SMITH, 1922).

106
Smith era casado com Amelia ‘Daisy’ Woolworth Smith da qual infeliz-
mente temos poucas informações. Assim como muitas outras mulheres na ciên-
cia do período a sua participação e importância acabaram silenciadas ou ofus-
cadas atrás de uma figura masculina. Amelia viajava na companhia do marido
e realizava boa parte das tarefas de coleta, preparação e armazenamento de es-
pécimes coletados. A comitiva do viajante ainda empregava outros trabalhado-
res fixos e temporários, entre eles os caçadores ‘Paraguayo’ e o ‘Conversador’, os
ajudantes americanos Guilherme e Alberto, os jovens irmãos Peter e Karl, além
de uma grande quantidade de guias ao longo da jornada. Karl chama atenção,
pois tinha apenas 14 anos quando começou a trabalhar para Smith o que não o
impediu de o acompanhar até Cuiabá, pois era considerado muito inteligente e
vivo e que “em pouco aprendeu a colecionar aves e insectos, tornando-se auxiliar
precioso” (SMITH, 1922, p. 47).
A serviço do Museu Nacional do Brasil, “Smith deveria realizar viagens
de exploração ao interior do Brasil formando coleções de história natural, parte
das quais pertenceriam ao museu” (KUNZLER et al., 2011, p. 52), sendo que o
contrato foi renovado outras três vezes. Enquanto contratado pelo Museu Na-
cional do Brasil que realizou a viagem entre a capital do Império brasileiro e a
cidade de Cuiabá, coletando no caminho diversos exemplares da fauna e flora
brasileira que parte ficou sob posse da instituição e outra parte sob posse do pró-
prio viajante. Devido ao seu trabalho e interesse pela ciência, muitos elementos
do mundo natural ganham destaque no relato de Smith. Se compararmos com
outros viajantes do período, podemos perceber que há uma grande variedade de
menções a espécies animais e vegetais que não são usuais de serem encontradas
nestes outros relatos, como a importância que Smith dá às samambaias, libélulas,
cochonilhas e tantos outros exemplos de espécies. Esta característica de escrita
é bem perceptível e muito interessante pois, possibilita acessarmos uma quanti-
dade maior de informações sobre a existência e hábitos de espécies do Pampa,
especialmente daquelas que não são tão destacadas em outros relatos de viagem.
Ao longo do texto de Smith podemos notar como ele idealizava a essência
trabalhadora dos colonos, especialmente os alemães e como era extremamente
racista em relação aos indígenas e aos negros (SMITH, 1922, p. 42-44). Ca-

107
racterísticas bastante comuns para o período do autor. Outra curiosidade sobre
Smith é que ele possuía um grau de deficiência auditiva que parece ter surgido
ainda cedo na vida deste viajante e ter se agravado ao longo do tempo. Sua morte
em 1919 inclusive está relacionada a sua surdez, pois o mesmo não percebeu um
trem chegando em sua direção enquanto se deslocava em direção3 a Universida-
de do Alabama, onde trabalhava. Amelia passa a assumir a função de seu marido
após essa trágica morte.
Bastante influenciado pelas ciências e literatura, Smith foi um dos viajantes
mais dedicados aos avanços científicos na região. Ele lera o relato de Charles
Darwin que passou pela região entre 1832 e 1833. Entre vários nomes, mencio-
na o escritor romântico Clark Russel e também Hermann Burmeister, um zoó-
logo alemão que comandou o Museu de Ciência de Buenos Aires por diversos
anos. Esses nomes mostram um pouco das influências de Smith e de como ele
estava bem informado sobre os principais temas do período.

A viagem pelo Pampa

Iremos acompanhar Smith por todo o percurso do mesmo pelo Pampa, passan-
do pelos territórios dos três países: Brasil, Uruguai (Banda Oriental) e Argen-
tina. Como já mencionado ele chega ao Pampa vindo das regiões tropicais do
Brasil, da qual já era habituado após ter passado algum período no Ceará, Per-
nambuco, São Paulo, Santa Catarina e especialmente no Pará e no Rio de Janei-
ro. Seu primeiro destino em terras mais ao sul é o porto de Rio Grande, cidade
que naquele período era a porta de entrada mais conhecida para a província do
Rio Grande do Sul. Devido à sua proximidade com a costa, a região em torno
de Rio Grande e São José do Norte apresenta uma grande quantidade de areia

3
  Sua morte é um tanto quanto curiosa e soma-se a outras mortes diferentes a sua volta, sendo a primeira de
seu professor Hartt que aos 38 anos morreu de febre amarela no Brasil. James Wells Champney, um pintor
que o acompanhou em algumas excursões pelo país e morreu em Nova York em 1903 em um acidente de
elevador. Orville Derby, seu colega e que lhe apresentou ao historiador Capistrano de Abreu (que faz a apre-
sentação da edição de seu relato em 1922), morreu em um quarto de hotel no Rio de Janeiro, apontado como
suicídio após realizar críticas ao governo e tendo deixado, estranhamente, uma carta incompleta.

108
que formam dunas através da ação intensa dos ventos. A cidade portuária de Rio
Grande era constantemente o ponto de entrada na província e outros tantos via-
jantes já haviam desembarcado ali. Em 1821, Auguste de Saint-Hilaire registrava
que “nada se iguala à tristeza desses lugares [...] e nossa alma se enche, pouco a
pouco, de melancolia e terror” (SAINT-HILAIRE, 1987, p. 70) ao observar a
região. Percepção muito semelhante da que Smith toma do local “leguas e leguas
de brancura monótona [...] paisagens tristonhas como não se póde descrever”
(SMITH, 1922, p. 21), este “imenso deserto em movimento” (SMITH, 1922,
p. 22) era constantemente remodelado pela ação dos ventos. Na cidade vizinha,
São José do Norte, “as ruas terminam em terrenos planos, tristonhos, húmidos,
cobertos de grama grosseira e entremeiados de cacimbas, inçadas de mosquitos,
rescendendo a lixo” (SMITH, 1922, p. 29).
Seu primeiro contato com o Pampa é bastante negativo e cheio de críticas,
porém o viajante ainda não menciona estar propriamente em território pampea-
no, vendo esta região da província como algo à parte. Depois desta primeira expe-
riência em Rio Grande, ele embarca em um navio a vapor até Porto Alegre, capital
da província onde permanece por alguns dias até subir o rio Caí e chegar à atual
cidade de Montenegro. Esta cidade fica em um ecótono, ou seja, uma zona de en-
contro entre dois biomas (Mata Atlântica e Pampa) e são nos arredores da cidade
que o viajante vai destacar as diferenças entre estas duas zonas e descrever efetiva-
mente os campos como pertencentes aos Pampas pela primeira vez. Montenegro
foi a base de Smith por muitos meses, mas ele continuou fazendo viagens curtas
pelos arredores chegando nas atuais cidades de Triunfo, São Jerônimo e Arroio
dos Ratos. Mais ao sul da província ele visita Piratini, Bagé e Pinheiro Machado,
bem como a proeminente cidade de Pelotas. Em 1822, ele volta ao porto de Rio
Grande partindo em direção a Montevidéu e logo em seguida, cruza o rio da Pra-
ta e chega a Buenos Aires. Da capital portenha continua viagem fluvial pelos rios
Paraná e Paraguai, até chegar ao Chaco paraguaio e finalmente, ao seu destino
Cuiabá onde permaneceria pesquisando por mais alguns anos.

109
Visões de natureza:
O contraste entre distintos biomas

Em cada localidade visitada, Smith procurava escrever um pouco de suas impres-


sões, vamos procurar compreender qual era a visão de natureza deste viajante
perante o Pampa levando em consideração o contexto do período e as principais
correntes de pensamento existentes. De modo geral, podemos verificar que as
percepções sobre a natureza em geral, estavam em constante mudança no século
XIX, já em fins do século XVIII:

A antiga preferência por uma paisagem cultivada e dominada pelo


homem conhecia uma contestação radical. Encorajadas pela sua
facilidade para viajar e por não estarem diretamente envolvidas no
processo agrícola, as classes educadas vieram a atribuir importân-
cia sem precedentes a contemplação da paisagem e à apreciação do
cenário rural (THOMAS, 2011, p. 316-317).

Essa mistura de distintas formas de percepção ambiental dita muito das


discussões do período e cada viajante vai ser mais ou menos influenciado por es-
sas ideias. Pela sua proximidade com o meio científico Smith acaba apresentando
mais ideias relacionadas à racionalização dos espaços e o desenvolvimento eco-
nômico que poderia ser gerado, todavia não deixa de apresentar certos traços do
pensamento mais romântico. O viajante vai mais frequentemente relatar as capa-
cidades da região de se desenvolver, sempre sugerindo atitudes que poderiam ser
tomadas e elogiando, por exemplo, os argentinos por comprarem muitos arados
ao passo que os brasileiros mal os utilizavam (SMITH, 1922, p. 200-201), ele
também elogia o governo argentino pelos “planos immensos de melhoramentos
interiores, construindo vias-ferreas, promovendo a educação e a sciencia, esten-
dendo seu poder nas regiões despovoadas” (SMITH, 1922, p. 200) por onde di-
versos naturalistas excursionavam. Essa ideia de uma zona despovoada ignorava
completamente os grupos indígenas e as espécies não-humanas que tinham essas
“regiões despovoadas” como lar.
O historiador William Cronon ao estudar a colonização de Massachusetts
aponta que muitos viajantes e agentes da colonização se questionavam “como

110
pôde uma terra ser tão rica e seu povo tão pobre?”4 (CRONON, 2011, p. 33,
tradução nossa), o que de certo modo também está presente nos relatos sobre o
Pampa de outros viajantes e do próprio Herbert Smith que destacam a exuberân-
cia da natureza e todas suas possibilidades, mas que não viam efetivamente uma
ação humana “adequada” interferindo na realidade desses países platinos. Muitas
comparações são realizadas entre os estados platinos, especialmente pelas suas
diferenças culturais e naturais. Smith acreditava que:

as vantagens do lado da Argentina são suas terras abertas, próprias


para a cultura de cereaes ou para a criação de gado, e as extensas
planícies que favorecem a construcção de vias-ferreas, emquanto
que os cereaes e productos pastoris asseguram-lhe a prosperidade
financeira (SMITH, 1922, p. 201).

Para o viajante, o Brasil como um todo tinha mais terras, portos, rios e mi-
nerais. Havia também as comparações sobre as espécies de animais em cada país,
como aponta o autor sobre “a ausência de florestas em grande parte da republica
Argentina explica a sua pobreza em insectos sylvanos; mas não creio que o con-
traste entre as faunas brasileira e argentina proceda somente da differença de
vegetação e clima” (SMITH, 1922, p. 196).
A grande contribuição de Smith para compreendermos o Pampa é justa-
mente a sua experiência em zonas de ecótono e as comparações realizadas entres
diferentes localidades da América do Sul. Tanto sua passagem entre a divisa do
Pampa com a Mata Atlântica, quanto com a divisa entre o Pampa e o Chaco, de-
monstra aspectos interessantes de serem analisados. Primeiramente, comprova
que o Pampa já era mais ou menos compreendido como uma espacialidade-uni-
dade, o viajante escreve que:

a sub-região pampeana está bem reconhecida quanto ao estudo


da distribuição geographica, mas seus limites e natureza até ago-
ra não andam claramente definidos. Propriamente, parece incluir
não só a republica Argentina, como o Estado-Oriental, todo o Rio
Grande do Sul até uma linha um pouco ao Norte do rio Jacuhy
(SMITH, 1922, p. 197).

  No original: “how could a land be so rich and its people so poor?”.


4

111
Essa definição dada por Smith é muito semelhante da ideia atual dos limites
desse bioma, mesmo que o próprio conceito de bioma, ou ecorregião para o caso
argentino, seja extremamente recente. Usar a ideia de bioma para compreender o
passado, nesse caso, não parece ser tão deslocado e nos propicia uma abordagem
mais acessível sobre o período em que a região ainda não estava tão claramente
delimitada pelos termos científicos. De qualquer forma, Smith continua nos de-
monstrando a clara separação entre esses diferentes cenários paisagísticos.

A transição faz-se tão de chofre e de sorpresa que dir-se-ia uma ma-


gica. Para quem vem de cavalgar na floresta sombria e calada, salta
aos olhos um mundo novo, - mundo de paizagens largas, abertas, de
luz que caracola, de ventos que varrem victoriosos, mundo onde cada
planta e animal que vemos, differe dos da floresta,..., para traz, em
rumo á serra Geral, todo o paiz parece embuçado de arvoredo. Mas
para o Sul e para o Oeste derramam-se léguas após léguas de campo
ondulado até o horizonte (SMITH, 1922, p. 89-90 – grifo nosso).

Ao chegar neste trecho de floresta que se encontra com uma vastidão de


campos no sul do atual município de Montenegro, Smith descreve as diferenças
entre o ambiente em que estava e aquele que se mostra a sua frente. Associar a
floresta às sombras enquanto os campos são luz é um artifício recorrente em
vários escritos do período como demonstra Keith Thomas: “Um dicionário poé-
tico de meados do século XVII sugere, com epítetos apropriados a uma floresta
‘terrível’, ‘sombria’, ‘ selvagem’, ‘deserta’, ‘agreste’, ‘melancólica’, ‘desabitada’ e ‘asso-
lada por feras’” (2010, p. 275). Em contraposição, os campos geralmente eram
vistos positivamente por serem mais facilmente cultivados e habitados, todavia
nem todos os campos eram exaltados. Vemos tanto no relato de Herbert Smith
quanto em outros viajantes que percorreram o Pampa (MINUZZI, 2017) que
os campos não cultivados são sinônimo de uma natureza inaproveitada e de uma
sociedade preguiçosa e pouco laboriosa.

Atransição, deve dizer-se, é maior ainda do que parece. Physicamen-


te é aqui o extremo do Brasil, e entramos no Estado-Oriental. Plan-
tas e animais, paizagens, a propria vida, industrias e commercio do

112
Brasil ficaram atraz. Politicamente o imperio vai algumas centenas
de kilometros adiante; socialmente todo o resto da provincia gravita
para as republicas platinas [...] a mudança parece estender-se a tudo.
É differente o clima – mais frio, chuvas, menos frequentes, a estação
da secca mais fortemente contrastada com a das aguas,..., rios per-
manentes são aqui menos communs do que na região das florestas;
os alagadiços, ao contrário, são mui numerosos [...] as plantas de
campos differem das da floresta (SMITH, 1922, p. 90-92).

Na percepção de Smith não era apenas ambientalmente, mas também social-


mente e culturalmente que ocorria uma clara e distinta divisão. O Brasil com suas
florestas ficava para trás enquanto o mundo platino e seus vastos campos se des-
vendavam no horizonte. Smith ainda diferenciava o caráter natural de cada região
ao mencionar que a região dos campos “é distinctamente menos tropical – menos
brasileira” (SMITH, 1922, p. 92) do que a das florestas que rodeiam Montenegro.
O Rio Grande do Sul acaba sendo uma zona de encontro de diversas influências
ambientais, sociais, culturais e políticas que tornam a história dessa região tão inte-
ressante, com tantos tipos de fronteiras e cheia de encontros e desencontros.
No pensamento do viajante, e de muitos da época, o norte do Rio Grande
do Sul com sua Mata Atlântica teria predestinação à agricultura enquanto os
campos do Pampa, ao sul da Província, teriam valor para a atividade pastoril.
“A floresta fornece a madeira e outros produtos, e suas terras férteis se prestam
à agricultura, depois de derribadas; a terra de campo, ao contrário, não serve ou
pelo menos não se usa para a agricultura, mas proporciona excelente pastora-
douro ao gado” (SMITH, 1922, p. 93-94). Esta concepção acaba se ressaltando
ainda mais ao longo do século XIX devido às formas de ocupação da terra e aos
diferentes grupos étnicos que se estabelecem em cada região. Os imigrantes euro-
peus (italianos, alemães e outros tantos) se estabelecem no Norte, em pequenos
lotes de terra e já chegam da Europa com a ideia de produção agrícola. Enquanto
isso, o Sul é dominado por grandes estâncias e criação de gado que havia sido
introduzido séculos atrás e proliferados com incrível intensidade. “Os hábitos e
o caráter do povo” (SMITH, 1922, p. 94) variam de acordo com as ocupações,
sendo o povo do Norte apegado ao lar e ao trabalho na lavoura, enquanto os do

113
Sul são errantes e vagam pelos campos junto ao gado (SMITH, 1922). Claro,
que esta análise posta aqui é bem simplista e serve mais para apresentar a visão da
época do que para explicar o processo histórico de ocupação da terra.
A característica do Pampa mais referida pelo viajante não é a presença de
um elemento, mas sim a ausência de algo: a falta de árvores. Em diversos mo-
mentos o viajante se depara com árvores em matas ciliares e pequenos bosques,
mas fica bastante surpreso da pouca quantidade delas ao longo de toda a região
que percorre nos campos. No Uruguai destaca que “excepto algum eucalypto,
e outras arvores plantadas, não havia vegetação mais alta do que moitas baixas
ao longo das margens dos arroios” (SMITH, 1922, p. 188), enquanto em Bue-
nos Aires “a cidade será aformoseada pelo crescimento das arvores que têm sido
plantadas em muitas partes, embora a tal respeito nunca possa competir com
o Rio [de Janeiro], onde a natureza tanto se esmera em colaborar com a arte”
(SMITH, 1922, p. 194), realizando um comentário mais romântico sobre a na-
tureza tropical da Mata Atlântica carioca. A ausência de um elemento da natu-
reza em determinada localidade nos permite pensar em como a sociedade que
ali se estabeleceu reagiu a isso, especialmente quando notamos que a madeira
é um elemento de extrema importância no cotidiano dessa sociedade herdeira
dos costumes europeus (PERLIN, 1992) e o relato de Smith pode se somar com
outras pistas deixadas por outros viajantes sobre essa temática.
Na transição entre Pampa e Chaco subindo o rio Paraguai o viajante vai
perceber a mudança de paisagem de maneira um pouco menos abrupta do que
a observada anteriormente em relação à Mata Atlântica. De qualquer forma, ele
registra que no rio “quase em toda parte as margens eram de florestas, que se tor-
navam cada vez mais tropicaes, à medida que avançávamos” (SMITH, 1922, p.
228) denunciando a mudança de ambiente. O relevo não muda muito próximo
dos rios, mas “ha diferença de vegetação; farrapos, de mata começam a aparecer
abaixo da junção do Paraguay, e para o Norte aumentando de extensão, espe-
cialmente junto aos rios” (SMITH, 1922, p. 255). As planícies do Pampa e suas
plantas e animais iam ficando para trás e abriam espaço para a zona alagadiça e
pantanosa do Gran Chaco.
De forma geral, Smith apresenta pensamentos bastante típicos do perío-
do. Descreve São José do Norte como “uma cidadezinha branca de cegar e sem

114
sombra, situada ao pé de dunas de areia,..., aqui anima-se o rio com as muitas
embarcações ancoradas” (SMITH, 1922, p. 27), ressaltando positivamente o
elemento humano (embarcações) no meio da paisagem pouco convidativa. E
assim, o faz mais vezes ao ressaltar os armazéns das cidades, os hotéis no meio
dos campos e todos os empreendimentos realizados. Os vastos campos sem pro-
dução lhe incomodam e ele sugere modificações e melhoramentos para diversos
locais como a introdução de estradas de ferro, canais, estradas, pontes e outras
infraestruturas. Este pensamento mais utilitarista da natureza, bastante comum
ao longo do século XVIII e ainda no XIX (THOMAS, 2010), se choca, por
vezes, com um pensamento mais romântico e contemplador das belezas natu-
rais. Como quando visitou uma cachoeira cercada de samambaias no interior
de Montenegro, no bioma Mata Atlântica: “ainda hoje esta scena esvoaça-me
no espirito como o lampejo de uma terra de fadas, cujo par nunca mais vi e tal-
vez nunca mais veja” (SMITH, 1922, p. 83).
A coexistência de pensamentos mais utilitaristas com pensamentos mais
românticos é bem comum nos viajantes, pois eram correntes de pensamento que
possuíam e disputavam muito espaço no período (THOMAS, 2010; PÁDUA,
2002). Podemos evidenciar a marca destes pensamentos no relato de Smith
quando se trata da sua relação com os animais.

A relação com os animais e seu trabalho como zoólogo


Smith, provavelmente, é um dos viajantes que mais dá espaço para anotações
sobre a presença de animais e seus hábitos em seus escritos, evidenciado pelo seu
trabalho como zoólogo. Ele acredita que “para conhecer completamente qual-
quer especie, temos de acompanha-la á casa” (SMITH, 1922, p. 61), ou seja,
observar os animais em seu habitat para uma compreensão completa de sua exis-
tência e é esse exercício que desempenha rotineiramente durante sua viagem.
Uma variedade de mamíferos e aves são descritas, o que é bastante recorrente em
relatos pois, são espécies mais fáceis de observação ou de importância econômi-
ca. Mas Smith vai além e registra uma grande variedade de insetos, aracnídeos,
peixes, moluscos e outros tantos seres que, por vezes, passam despercebidos pela
percepção de algum observador menos atento.

115
Uma passagem marcante e digna de praticamente um capítulo inteiro é o
relato sobre a vida de Billy, seu sagui5 de estimação. Aqui Smith descreve todos
os hábitos, gostos e desgostos do pequeno macaco. A ligação forte com Amelia
além da interação entre Billy e as pessoas e os outros animais. Billy, infelizmente,
viveu pouco tempo ao lado do casal e parece ter adoecido com o clima frio do sul
do Brasil:

não houve quem não chorasse em casa, porque todos eramos mui-
to affeiçoados ao bichinho. Minha senhora recusou-o absoluta-
mente para nossa colecção, enterrou-o com honras fúnebres de-
baixo de uma roseira e semanas depois encontrei-a juncando-lhe
de flores o tumulo saudoso (SMITH, 1922, p. 72).

O sagui fora tão importante aos dois que não se juntou a coleção e em vida
possuía inúmeros benefícios que o humanizavam como uma cama própria, presen-
ça na mesa de jantar e um casaco de flanela confeccionado especialmente para ele.
Um filhote de jaguatirica também fez parte do grupo sob os cuidados de
Guilherme, porém em poucos meses o filhote também adoeceu e morreu. A for-
te ligação que o grupo fizera com a pequena jaguatirica e com Billy demonstram
que determinados animais podiam ocupar um espaço de atenção, sociabilidade e
carinho, enquanto outros, como os cavalos do grupo, eram basicamente tratados
de forma distante cuja importância estava em sua função e não em sua existência.
O pensamento utilitarista de Smith é bem presente quando ele relata sobre um
passeio malsucedido próximo de São José do Norte, todavia o passeio não havia
sido inteiramente sem proveito pois

os pássaros e animaes achados n’estes sítios são quase todos pecu-


liares, e muitos d’elles interessantes. As cacimbas tambem, apezar
de sua apparencia de poucos amigos, estão cheias de peixes, ca-
rangueijos, camarões, planarios, insectos aquáticos: um zoólogo
lucraria passando aqui algumas semanas (SMITH, 1922, p. 29).

5
  Provavelmente um sagui de tufos pretos - Callithrix penicillata, que Smith diz ter comprado em Pernam-
buco. Um detalhe curioso é que Smith escreve sentir muito de nunca ter registrado em fotografia as caretas
que Billy fazia. Hoje não temos nenhuma foto de Amélia e poucas imagens do próprio Herbert. Isso nos faz
pensar o quanto registros que achamos que poderiam ser eternos podem se esvair em apenas algumas décadas
e de quanto material poderíamos ter acesso sobre o passado e que infelizmente se perderam.

116
O caráter peculiar dos animais e o possível lucro gerado por eles torna o
péssimo passeio em algo valioso. As cochonilhas encontradas nos arredores de
Pinheiro Machado, no Rio Grande do Sul, poderiam render muito dinheiro na
venda de pigmento vermelho extraído das mesmas (SMITH, 1922, p. 151-152),
ressaltando o valor econômico e a utilidade desses insetos para os seres humanos
e não necessariamente destacando a espécie por si própria.
O trabalho cotidiano de Smith capturando, matando e colecionando di-
versos espécimes demonstra que ele e o restante do grupo possuíam uma relação
mais utilitarista e fria com os animais quando se tratava de trabalho e por vezes
uma relação mais afetiva, como com Billy. O abatimento de uma capivara (SMI-
TH, 1922, p. 75-77) sem nenhuma necessidade é uma passagem que mostra o
pouco caso que o grupo fazia da vida animal que encontravam nas matas e cam-
pos, justificando ainda que as capivaras por serem roedores seriam pertencentes
ao grupo de animais, dos quais “menor grau de inteligencia atestam” (SMITH,
1922, p. 76). A longa lista de cerca de 315.000 espécimes de animais coletadas
(MARTINS, MOREIRA, 2013) demonstra o grande impacto que a comitiva
de Smith teve sob a fauna por onde passaram entre 1891-1895 em última viagem
pelo Brasil, além do lucro adicional que Smith teve com a venda de parte dessa
coleção para outras instituições (KUNZLER et al., 2011). O debate sobre as re-
lações entre humanos-não humanos poderá ser expandida em futuros trabalhos
dando conta de outras camadas que compõe esse intrigante e complexo tópico,
mas podemos notar nessa breve exposição que a relação de Smith com os ani-
mais variava bastante de acordo com o tipo de espécie e as concepções do mesmo
sobre as funções que aquele animal desempenharia no mundo.

Considerações finais

O relato de viagem de Herbert Huntington Smith sobre o Pampa é extremamen-


te rico em informações sobre a paisagem e a vida animal e vegetal deste território,
bem como sobre as delimitações desse espaço como uma unidade bem definida. A
partir de seus registros escritos podemos acessar diversas informações sobre o am-

117
biente e a sociedade, as interações entre ambos e especialmente sobre formas de
pensamento ambiental. Este relato nos possibilita refletir sobre como este bioma
se encontra atualmente e como é a relação que desenvolvemos com ele ao longo
do tempo, demonstrando inúmeras transformações ocorridas desde então.
O pensamento de Smith sobre a natureza e as formas ideais de ocupação
da terra e constituição da sociedade do Pampa nos permite pensar em como os
discursos eram realizados no período e como muito destas ideias de valoração e
depreciação do mundo natural continuam extremamente presentes no pensa-
mento corrente da atualidade. Algumas pistas sobre o que as pessoas que viviam
no Pampa pensavam e planejavam sobre esse espaço também podem ser capta-
das ao longo das páginas do relato. Destacamos ainda que a relação com a natu-
reza do Pampa também está intimamente relacionada às questões identitárias
nacionais e regionais, extremamente intensas naquele período. Por fim, estudar
a natureza dessa região possibilita ao campo historiográfico uma compreensão
mais profunda e complexa da sociedade do período, permitindo aos historiado-
res colaborarem com a construção do conhecimento dessa região e um melhor
planejamento sobre sua preservação.

Referências
CRONON, William. Changes in the land: Indians, Colonists and the Ecology of
New England. Ebook, 2011.
KUNZLER, Josiane; et Al. Herbert Huntingdon Smith: um naturalista injustiça-
do? In: Filosofia e História da Biologia, v.6, n.1, p.49-67, 2011.
MARTINS, Maria Cristina Bohn; MOREIRA, Paulo Roberto Staudt (Orgs.).
Herbeth H. Smith: um naturalista em viagem pela América Meridional. São Leopol-
do: Oikos/Editora da Unisinos, 2013.
MINUZZI, João Davi Oliveira. Uma impressão a cada viagem: percepção da nature-
za do Pampa na visão de viajantes europeus 1818-1858. Santa Maria: Universidade
Federal de Santa Maria, 2017 [Dissertação de mestrado em História].
NODARI, Eunice. Florestas em Territórios de Fronteira: Sul do Brasil e Misiones na
Argentina. Revista de História Regional, Ponta Grossa, v. 20, n. 2, p. 300-316, 2015.

118
OVERBECK, Gerhard; et al. Conservation in Brazil needs to include non-forest
ecosystems. In: Diversity and Distributions (Print), v. 21, p. 1455-1460, 2015.
PÁDUA, José Augusto. Um sopro de destruição: Pensamento político e critica am-
biental no Brasil escravista (1786-1888). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002.
PERLIN, John. História das florestas: a importância da madeira no desenvolvimen-
to da civilização. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1992.
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem ao Rio Grande do Sul. Porto Alegre: ERUS, 1987.
SMITH, Herbert Huntington. Do Rio de Janeiro a Cuyabá. São Paulo: Melhora-
mento, 1922.
THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural: Mudanças de atitude em relação às
plantas e aos animais (1500-1800). São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
WORSTER, Donald. Para fazer História Ambiental. In: Estudos Históricos vol.
4, n. 8, 1991.

Agradecimentos

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- CAPES/DS


pela bolsa de estudos concedida.

Notas
*Doutorando no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC); bolsista CAPES-DS. Membro do Laboratório de Imigração, Migração e História Ambiental (LA-
BIMHA). Orientado por Eunice Sueli Nodari (UFSC) e coorientado por Fábio Augusto Morales Soares
(UFSC). E-mail: [email protected].

119
Portugal e a cultura das
Quinas (Cinchonas):
imperialismo ecológico na
segunda metade do século XIX

Diego Estevam Cavalcante*

John R. McNeill no texto Biological Exchange in Global Environmental History,


contido no livro intitulado A Companion to Global Environmental History (2012),
argumentou que as trocas biológicas aconteceram desde o início da história da hu-
manidade, servindo essencialmente como base para a sobrevivência dos povos à
medida que esses migravam de um local a outro em busca de melhores condições
de sobrevivência. Mas foi, sobretudo com o início da modernidade, a partir princi-
palmente dos movimentos exploratórios transoceânicos, que essas trocas passaram
a acontecer com uma velocidade jamais vista antes. Impulsionado pela chegada
de Cristóvão Colombo à América em 1492, esse fluxo migratório intencional ou
acidental de plantas, animais e patógenos ganhou outra dimensão.
Alinhado aos estudos elaborados por Alfred Crosby, John McNeill sustenta
que a consequência mais notável da “troca colombiana” inaugurada no final do sé-
culo XV foi aquela sofrida pelos povos originários na América: “[...] os ameríndios
adquiriram um grande conjunto de novas plantas e animais, bem como doenças
devastadoras até então desconhecidas para eles. Essas doenças incluíam varíola,
sarampo, caxumba, tosse convulsa e gripe [....]” (2012, p. 442, tradução livre).

121
Alfred Crosby sendo uma das principais referências quando o assunto é
transferências de plantas apresentou ao público em 1972 em sua primeira edição
a obra The Columbian Exchange (2003), A Troca Colombiana em tradução livre.
Nesse livro, o autor aponta para o que ele considera essencial para entender os
processos de inserção do Novo Mundo ao Velho Mundo: as mudanças ocorridas
com as viagens de Colombo à América foram, sobretudo de natureza biológica.
Foi a partir dessa experiência de contato entre europeus e o continente recém-
-conhecido que se concretizaram as mais impressionantes relações ecológicas da
era moderna. Europeus mudaram radicalmente o cenário natural da América
com a introdução de animais (cavalos, bois e porcos), plantas (trigo principal-
mente) e agentes patológicos (varíola) do Velho Mundo. Por outro lado, recebe-
ram em troca, além de um vasto território para exploração de sua natureza como
potencial de recurso natural, também plantas cultivadas por sociedades indíge-
nas locais, como a batata, além de doenças como a sífilis. Esse livro foi o início,
por assim dizer, de outra obra seminal igualmente de sua autoria: Imperialismo
Ecológico: a expansão biológica da Europa (900-1900).
O conceito de imperialismo ecológico é a tese central de Alfred Crosby
(2011) nesse livro. Em sua linha argumentativa tenta mostrar que só foi possível
aos europeus se instalar em territórios diferentes e distantes do continente de
origem devido aos mecanismos para facilitar o processo de mobilidade, adapta-
ção e fixação ao novo ambiente. Entre esses estavam os agentes patológicos, ou
seja, vírus, bactérias, fungos, micro-organismos de forma geral, que, entrando
em contato com um local novo causava mudanças sem precedentes, de forma
rápida, sem controle. Outros métodos diziam respeito à introdução de novas
espécies de animais, vegetais e artefatos produzidos pelo homem europeu, es-
pecialmente os belicosos. Mas como ressalta o autor, não eram também todas
as regiões do globo que interessavam aos povos do Velho Mundo. Eles tinham a
pré-disposição a se interessar por regiões com climas semelhantes ao encontrado
em suas terras natais. Nesse sentido, foi possível para eles formarem colônias – o
que Crosby caracterizou como neo-europas – que logo aumentaram considera-
velmente em termos populacionais.
Os portugueses não ficaram de fora desse processo e atuaram fortemente
no movimento global de transporte de plantas, animais e doenças. De acordo
com Anthony John. R. Russell-Wood, “dado o caráter global do seu empreen-

122
dimento, os portugueses foram os transportadores de plantas e hortícolas dos
climas temperados para os tropicais, e vice-versa” (2016, p. 201). Ainda segundo
Russell-Wood, na maior parte dos casos esse transporte foi feito priorizando-se
as sementes, mas houve situações em que o transporte de toda a planta ou por
estacas também foi executado. É sobre esse papel dos portugueses como propa-
gadores de plantas que o presente capítulo irá se concentrar. Aqui abordaremos
a questão da Quina e algumas reflexões acerca de duas obras portuguesas em que
são abordados temas em relação à transferência e aclimatação dessa árvore endê-
mica dos Andes para as colônias na África na segunda metade do século XIX.
A dinâmica de transferências de vegetais causado por esses movimentos
talvez possa ser melhor compreendida por meio dos documentos lançados por
Júlio Augusto Henriques e Bernardino Barros Gomes. O primeiro foi professor
de Botânica e diretor do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra entre
1875 a 1886 e entre 1901 a 1911, e em 1880 lançou as Instrucções praticas para
a cultura das plantas que dão a Quina; o segundo era funcionário na Repartição
de Agricultura do Ministério das Obras Públicas e em 1864 publicou a obra
Cultura das plantas que dão a Quina.
Bernardino Barros Gomes (1839-1910) foi engenheiro silvicultor formado
pela Universidade de Coimbra e vinha de uma família tradicionalmente ligada ao
campo científico. Seu pai, Bernardino António Gomes Filho (1806-1877), era
médico e matemático formado pelas Universidades de Paris e Coimbra, respecti-
vamente. Seu avô paterno também foi um iminente homem de ciência do período
entre o século XVIII e primeira metade do XIX. Bernardino António Gomes
(1768-1823) se destacou, sobretudo por suas pesquisas e publicações voltadas
para o campo da Química e Farmácia, com especial atenção àquele que concedeu
aos estudos químicos avanços nas investigações sobre a casca da Quina. Em 1806,
Bernardino António Gomes foi o responsável por descobrir e isolar pela primeira
vez o alcaloide cinchonina. Foi o primeiro alcaloide descoberto na casca e seus es-
tudos e técnicas serviram como base para que pouco mais de uma década depois,
em 1818 para ser mais exato, dois franceses chamados Joseph Pelletier e Joseph
Caventou, isolassem a substância mais importante presente na casca da Quina: a
quinina. Ou seja, Bernardino Barros Gomes também vinha de uma família com
histórico de relações científicas com as árvores Cinchonas e sua casca.

123
Evidenciar a política de transferência de vegetais por intermédio da cultura
escrita dos portugueses com relação à árvore da Quina nos ajuda a entender me-
lhor quais dimensões essa árvore assumiu no período, tanto em uma perspectiva
ambiental quanto econômica, local e global.

De Bernardino Barros Gomes


e a Cultura das Plantas que dão a Quina

A obra A Cultura das Plantas que dão a Quina é uma espécie de compêndio sobre
as principais informações relativas às Quinas, desde alguns dados históricos sobre
as origens ambientais da árvore aos processos de transferência e aclimatação exe-
cutados pelos Impérios Britânico e Holandês. É dividida em 4 capítulos que dão
exatamente esse tom à obra: capítulo 1 – O que são as plantas da quina; capítulo
2 – Cultura da Quina em Java; capítulo 3 – Cultura da Quina na Índia Inglesa; e
capítulo 4 – Fatos e considerações sobre o que industrialmente se deve entender
por cultura das quinas. A obra acompanha também um apêndice e estampas.
Como se poderá ver a seguir, Bernardino Barros Gomes deixa evidente que
seu propósito com a obra é o caráter pedagógico que a ela pode exercer para os
agricultores e demais interessados na cultura das Quinas:

Os processos seguidos nos viveiros hollandezes e inglezes, conhe-


cidos e descriptos como estão, merecem ser levados ao conheci-
mento de quantos se interessem por ensaios de introducção das
plantas da quina nas nossas colonias. A traducção dos melhores
escriptos a este respeito, e a sua publicação, sendo obra de pouco
vulto, preenche-se talvez do melhor modo o fim útil de esclarecer
nossos cultivadores [...].
Adiante encontrarão os leitores o que pela nossa parte temos ten-
tado fazer no sentido de concorrer para espalhar algumas uteisno-
ticias (GOMES, 1864, p. 20).

No entanto, antes de continuar a obra trazendo os resultados das análises


do cultivo empreendido pelos holandeses na ilha de Java, Bernardino Barros Go-
mes pontuou sobre o que para ele era assaz importante: a entrada o quanto antes

124
do Império Português nos projetos de transferência e aclimatação das Quinas, tal
qual vinha sendo feito por ingleses e holandeses. Nesse sentido, ele afirmou sobre
a ausência de indiferença por parte do governo em questões dessa ordem ao dar
o suporte necessário “para que o nome portuguez breve se associe ao hollandez e
ao inglez n’este util empenho” (GOMES, 1864, p. 17). Essa iniciativa, segundo
o mesmo autor, veio após surgir na metrópole através de conselheiros a ideia de
melhoramento nas colônias:

O sr. dr. Welwitsch em correspondencia para Lisboa suscitou a


lembrança de tentar nas nossas colonias a cultura das quinas. Essa
lembrança foi logo, como merecia, devidamente attendida e leva-
da ao conhecimento de s. ex.ª o ministro o sr. Mendes Leal, que
logo depois deu as primeiras ordens para se obterem sementes
(GOMES, 1864, p. 17).

Como a ideia de melhoramento atravessava obrigatoriamente questões


econômicas, tornar uma colônia melhor era torná-la economicamente útil.
Logo, nada mais sintomático a esse respeito do que tentar a introdução das Cin-
chonas nas principais colônias. Para isso, Barros Gomes afirmou que uma por-
ção compreendendo trinta mil sementes da espécie Cinchona pahudiana havia
chegado à Lisboa vindo da Índia Holandesa ( Java) e que havia sido distribuída
quase imediatamente.
Para um olhar menos atento, essa porção enviada pelos holandeses de Cin-
chona pahudiana talvez pudesse fazer supor uma relação de parceria entre os
dois impérios, especialmente porque Bernardino Barros Gomes não faz qual-
quer menção sobre se o governo português pagou por essas sementes. Em nossa
interpretação do documento é permitido levantar a hipótese de que se tratou de
remessas de sementes doadas como forma de diminuição de estoque e explicare-
mos o porquê disso.
Bernardino Barros Gomes a certa altura do seu texto explicou que após
algumas tentativas sem sucesso de introduzir espécies de Cinchonas em Java,
os holandeses enfim conseguiram obter algum êxito e já podiam observar um
ótimo estado de crescimento de várias espécies, de modo que em 5 de dezembro
de 1859 a ilha de Java contabilizava 100.133 plantas e 835.848 sementes, das

125
quais 15.819 eram de Cinchona calisaya; 920.068 de uma espécie que era até
então desconhecida; 45 de Cinchona lanceolata; 35 de Cinchona succirubra e 14
de Cinchona lancifolia (GOMES, 1864, p. 10-11).
Desse total, todavia, os holandeses só poderiam se orgulhar das quase 16
mil espécies de Cinchona calisaya e das quase cem espécies divididas entre Cin-
chona lanceolata, succirubra e lancifolia, porque eram as que detinham a maior
porcentagem de alcaloides concentrados nas suas cascas, especialmente a cali-
saya, que tinha uma proporção média de 3,03 por cento, o que a tornava equipa-
rável às melhores espécies habitáveis diretamente nos Andes.
Quanto às outras 920 mil espécies indeterminadas, os holandeses suspei-
tavam de que se tratava da espécie Cinchona lucumaefolia e ficaram empolgados
porque era de um tipo que havia se adaptado muito bem ao clima e ao solo da
região. As dúvidas, porém, se mantinham quanto à exatidão da espécie, de modo
que o diretor do Jardim Botânico de Java resolveu enviar amostras ao quino-
logista britânico John Eliot Howard (1807-1883) e após análise por parte de
Howard constatou-se que a espécie não era de Cinchona lucumaefolia e o pior,
seu grau de concentração de alcaloides na casca era baixíssimo. Segundo análise
do químico E. J de Vrij, enviado à Java para estudar as cascas de Cinchonas em
sua composição, a espécie em questão dava menos de 1%, precisamente 0,4% de
alcaloides, o que a tornava praticamente uma espécie sem valor nem medicinal
tampouco econômico. Por outro lado, como se tratava de uma espécie nova, que
nunca havia sido reduzida ao sistema natural e por isso, mesmo não aparecia nos
catálogos das Quinas, Howard resolveu então nomeá-la Cinchona pahudiana,
em homenagem ao governador de Java, sr. Pahud (GOMES, 1864, p. 11-12).
Voltando ao caso da remessa com 30 mil sementes enviadas pelos holan-
deses para o governo português, nossa hipótese de que se tratou de doação para
se desfizer de estoque acumulado se confirma à medida em que perpassa a ideia
de que essas espécies de Cinchona pahudiana não ofereciam nenhum benefício
àqueles, sobretudo no plano econômico e medicinal. Ou seja, uma manobra que
se ao mesmo tempo supõe um estado de parceria, por outro lado pode revelar a
indiferença dos holandeses por essa espécie.
Vale lembrar que de acordo com Eric Hobsbawm uma das chaves para se
compreender o século XIX é ter em mente que um dos seus maiores feitos foi
ter criado uma economia global única, que atingiu de forma constante as mais

126
remotas regiões do mundo, em uma rede cada vez mais carregada de transações
econômicas. Esse mesmo século XIX, segundo o autor, é também o período em
que as principais potências desenvolvidas se direcionaram para os países menos
desenvolvidos, levando a um interesse dos países ocidentais, sobretudo, aos lo-
cais mais remotos do globo, tais como a bacia do rio Congo ou a um arquipélago
no Pacífico. Ao mesmo tempo, ainda que esses locais não atraíssem o desejo de
povoamento branco, eram neles o europeu colonizador enxergava múltiplas pos-
sibilidades, como criar negócios, comércio, gerar lucros e obter produtos para a
sociedade ocidental. Nesse sentido, a “[...] civilização agora precisava do exótico.
O desenvolvimento tecnológico agora dependia de matérias-primas que, devido
ao clima ou acaso geológico, seriam encontradas exclusiva ou profusamente em
lugares remotos” (HOBSBAWM, 1988, p. 95-96).
A busca pelo que é exótico, raro e precioso vai à mesma tendência de Her-
metes Reis de Araújo ao afirmar que a demanda cada vez mais crescente da so-
ciedade por produtos não poderia “[...] continuar a ser sustentadas pelos frutos
espontâneos da natureza” (ARAÚJO, 1998, p. 03). Em um período de intensas
buscas por matéria-prima útil aos anseios dos governos imperiais, faria sentido
o governo holandês ceder tantas quantidades de sementes se o objeto não fosse
lucrativo, o que aparentemente não era.
Bernardino Barros Gomes tinha consciência do pouco valor medicinal
e econômico que as sementes de Cinchona pahudiana tinham nessa dinâmica
pela busca da aclimatação das Quinas porque como afirmamos acima, ele mes-
mo traz as informações atinentes aos processos de análises químicas empreen-
didas sobre a casca feitos por John Eliot Howard. Em outro momento de seu
texto ele deixou em relevo a sua percepção sobre o tema e afirmou que era pre-
ciso ao governo português buscar novas variedades de cascas para encontrar as
que fossem as mais valiosas:

É porém de interesse evidente tratar de obter, não uma ou outra es-


pecie isolada, mas uma boa collecção de todas as introduzidas nas
culturas inglezas e hollandezas, porque uma vez obtida esta variedade
de sementes deve d’ella resultar a preciosa garantia de que pelo menos
uma ou outra especie, entre todas, se acommodará melhor aos climas
novos sob as vamos cultivar. Tanto mais o devemos fazer, que da es-

127
pecie cujas sementes se acabam de obter ha infelizmente toda a rasão
para não esperar uma producção de casca de valor comparavel sequer
á das quinas soffriveis do comercio (GOMES, 1864, p. 18).

Mais adiante no documento ele indagou sobre a possibilidade de os pró-


prios holandeses já terem ciência do fraco desempenho da espécie pahudiana
na produção de alcaloides: “Sendo isto assim, temos que as próprias analyses
hollandezas estabelecem o pouco valor medicinal d’esta espécie, porque mos-
tram, como atrás se disse, que a proporção dos alkaloides que a casca d’ella forne-
ce não de 0,4%”. (GOMES, 1864, p. 18-19). A essa observação ele acrescentou
o interesse de que se obtivessem novas e mais variadas qualidades de sementes,
sugerindo a ideia de conseguir através dos britânicos. Não devemos esquecer que
Portugal ainda mantinha a região de Goa, na parte oeste da Índia, sob seu do-
mínio. Não é forçoso admitir que Bernardino Barros Gomes considerasse isso
uma vantagem na hora de negociar sementes de espécies de Cinchonas com os
britânicos, como podemos observar: “Alem d’ellas poderá talvez convir, para a
nossa India por exemplo, obter plantas dos relativamente próximos viveiros da
serra de Neilgherry ou de Ceylão” (GOMES, 1864, p. 19).
A partir dessas observações Gomes passou a sua atenção aos locais que
considerava mais apropriados para receber as culturas de Cinchonas. Aqui, no-
tadamente, ele se referia principalmente às ilhas atlânticas, sobretudo Açores,
Madeira e Cabo Verde, mas também às terras coloniais do continente africa-
no, como Angola, Benguela e Moçambique, além da própria Índia Portuguesa.
Suas reflexões sobre esses locais focavam em uma revisão baseada em questões
climáticas, de relevo, temperatura, além da parte botânica atentando-se sobre
algumas plantas já introduzidas e que se adaptaram bem aos locais escolhidos.
Nesse ponto, Jean-León Soubeiran e Augustin Delondre fornecem breves, mas
importantes informações sobre o início do processo de cultivo de Cinchonas nas
colônias portuguesas:

O Sr. José do Canto nos informou que as provas de cultivo de


Cinchonas, que ele havia feito ultimamente em suas propriedades
de San-Miguel, uma das ilhas dos Açores, tanto em Ponte Delga-
da como em Furnas, nos deram boas esperanças, e o Sr. Edmond

128
Goeze, inspetor do Jardim Real de Coimbra, nos informou que
havia recebido, por volta do mês de outubro de 1867, do Sr. Dr.
Hooker, um pacote de sementes de Cinchona officinalis que este
último havia recebido do Ceilão. Estas sementes, semeadas no
Jardim Botânico Real de Coimbra, forneceram cinquenta plantas
jovens que, em dezembro de 1867, tinham crescido tão bem que
já era possível multiplicá-las por estacas; o Sr. Goeze esperava, ao
final de menos de um ano, ter cem plantas robustas o suficiente
para se prestarem às provas de cultivo de Cinchonas que ele que-
ria experimentar nos Algarves, na Madeira e talvez nas Ilhas de
Cabo Verde (SOUBEIRAN; DELONDRE, 1868, p. 160-161,
tradução livre).

Essas tentativas iniciais trazidas por Soubeiran e Delondre ajudam a de-


monstrar como os portugueses estavam interessados na experiência de acli-
matação das Quinas. Gomes destacou em seu texto como os climas coloniais
podiam contribuir nesse sentido, porque eram nas suas palavras “tão variados
como ricos, e para a sua comparação com os bem investigados climas dos An-
des” (GOMES, 1864, p. 19, grifo nosso).
Apostar nas colônias sempre foi política de estado no Império Português e
no século XIX isso não foi diferente. Valentim Alexandre assinala bem essa ques-
tão ao tratar da relação entre Portugal e África. Segundo Alexandre, havia na me-
trópole um forte movimento que defendia o domínio português sobre as colônias
do continente africano, especialmente na primeira metade do século XIX, e mes-
mo na segunda metade dos Oitocentos, esse movimento ainda se manteve muito
latente, com o acréscimo de que era comum aparecer nos documentos e na im-
prensa portuguesa a ideia das potencialidades das colônias africanas, onde o que se
enxergava nelas eram os germens de novos Brasis (ALEXANDRE, 1993, p. 56).
Em outro texto, Valentim Alexandre deixa ainda mais realçada essa noção
da aposta na riqueza da natureza colonial por parte do governo português. Apos-
tando em uma teoria que desse conta de superar os limites impostos por duas
correntes da historiografia portuguesa que relacionavam a política de Portugal
em relação às colônias como algo do tipo “imperialismo econômico” ou “colo-
nialismo de prestígio”, Valentim Alexandre apresenta ao leitor o que ele chama
de “mito”, que é por ele definido como sendo de dois tipos: o do Eldorado e o
da herança sagrada. Servindo particularmente aos nossos interesses importa-nos

129
aqui o mito do Eldorado, onde Alexandre afirma que esse “tem como pano de
fundo a crença inabalável na riqueza das colónias de África, na sua extrema ferti-
lidade, nos tesouros das suas minas por explorar” (ALEXANDRE, 1995, p. 40).
Outra característica que contribuía para o caráter estrutural desse mito foi
a visão de que era necessário apostar nas riquezas das colônias africanas para
compensar a perda do Brasil. Sendo essa a visão dominante não é de se estranhar
a defesa sobre o domínio territorial, tendo em vista que durante três séculos o
Brasil foi a principal colônia portuguesa1. Através dessa discussão, revela-se tam-
bém os porquês que se apostava tanto nos domínios ultramarinos para os proje-
tos de aclimatação das árvores de Quina.
Ideias parecidas ocorriam também com outros impérios e se estendeu até o
início do século XX. Hellen Tilley argumenta, por exemplo, que a iniciativa dos
britânicos em promover estudos sobre o continente africano, o projeto African
Research Survey, foi uma reorientação do governo britânico para as políticas em
relação às suas colônias na África. Esse projeto tinha como base o conhecimento
científico e sistemático dos territórios por intermédio, sobretudo dos estudos
em biologia, geografia, medicina e antropologia. A autora ainda acrescenta que:

Na verdade, o African Survey foi um projeto que poderia facil-


mente ser interpretado como uma promoção da hegemonia im-
perial. Seu objetivo inicial era coordenar e, se possível, padronizar
as políticas coloniais na África nos territórios britânico, francês,
belga e português. Os líderes da Pesquisa, em sua busca por um
controle colonial mais eficaz, abraçaram a aplicação do conhe-
cimento científico e seu complemento, o colonialismo científico
(TILLEY, 2011, p. 04, tradução livre).

1
  Ressaltamos, porém, que essa mirada para as potencialidades da natureza colonial africana não foi exclu-
sividade do século XIX pós-emancipação do Brasil. Investigando a relação entre a medicina europeia e a
natureza na África Oriental, especificamente Moçambique, Eugênia Rodrigues afirma que no século XVIII
e início do XIX o mundo natural das colônias portuguesas na África já era alvo de investigação. A autora
cita como exemplo o fenômeno que ficou conhecido como viagens filosóficas, um conjunto de expedições
liderados pelo naturalista italiano Domenico Vandelli, que enviou em missão para as colônias vários de seus
discípulos formados na Universidade de Coimbra para fazer estudos de História Natural nas possessões ul-
tramarinas. Dentre as principais obrigações estava fazer levantamento, coleta e envio de produtos naturais
dos três reinos da natureza que pudessem ter alguma utilidade econômica ou medicinal. Nesse mesmo texto
a autora nos dá indícios de que nesse período Portugal já demonstrava interesse em confirmar se havia Quina
em suas colônias. Em duas ocasiões a autora apresenta relatos de naturalistas que dedicados em descrever
plantas de Moçambique apontam para a possível presença de Quina nessa região (RODRIGUES, 2013).

130
Dentro dessa lógica do conhecimento e colonialismo científicos houve a
defesa de um reconhecimento amplo para inventariar os recursos naturais das
colônias, a partir de recursos desenvolvidos e aplicados em outras possessões; o
silenciamento ou exclusão de vozes dissonantes que se preocupavam com o futuro
dos territórios; a recomendação pelo uso de novas tecnologias culturais, como o
rádio e filme, como forma de melhor infiltração nas diferentes culturas do con-
tinente; além disso, havia também a necessidade de modernizar o modo de vida
das populações locais, especialmente as práticas agrícolas e médicas, além de in-
seri-los na ordem econômica internacional: “Em suma, a Pesquisa Africana foi
projetada para dominar os ambientes da África e seus habitantes humanos por
meio de planejamento e gestão científica” (TILLEY, 2011, p. 4, tradução livre).

As instruções práticas de Júlio Augusto Henriques


para o cultivo das Quinas

Em 1880, Júlio Augusto Henriques, então Diretor do Jardim Botânico da Uni-


versidade de Coimbra, publicou um livreto em formato de manual sobre as prá-
ticas de cultivo das plantas que dão a quina. Como o próprio autor afirma, seria
uma maneira de facilitar o “conhecimento botanico das especies de plantas da
quina, porque, sendo difficil para os botânicos de profissão, seria impossivel para
os cultivadores, que geralmente carecem dos principios scientificos, que para
tanto seriam necessarios” (HENRIQUES, 1880, p. V).
Em nossa interpretação, essa preocupação em facilitar o conhecimento bo-
tânico sobre as plantas da Quina tinha razão de ser por dois motivos: o primeiro
era de que reconhecer espécies de Cinchonas era um trabalho que exigia muita
observação e dedicação ao que já havia sido produzido sobre descrições botâni-
cas das espécies. E ainda assim, isso não era garantia de que não haveria erros ou
equívocos, basta lembrar do caso dos holandeses com a Cinchona pahudiana.
Como provavelmente, os cultivadores portugueses nas colônias, especialmente
na África, tinham pouca familiaridade com as árvores de Cinchonas, o risco de
cometer erros no cultivo seria maior.

131
O segundo motivo tem a ver com a própria obra de Bernardino Barros Go-
mes. A obra de Gomes foi publicada em 1864 e a de Júlio Augusto Henriques
em 1880. Dezesseis anos separaram uma publicação da outra e é muito prová-
vel que o livro de Bernardino Barros Gomes não tenha tido outra edição, pois
Henriques argumentou em seu texto que o livreto de seu amigo era àquela altura
muito raro de se encontrar, o que o fez tomar a iniciativa de lançar as instruções
como forma de guiar os cultivadores de Quina.
Além disso, há significativas diferenças entre ambas as obras. Barros Gomes
concentrou sua atenção em trazer relatos das experiências holandesas e britâ-
nicas, além de descrições físicas e meteorológicas dos locais onde a cultura das
Quinas foi praticada nas colônias desses dois países. Por outro lado, ele pouco
explorou a descrição botânica das árvores com os níveis de alcaloides que cada
uma carregava. Já Augusto Henriques direcionou sua escrita em trazer o esta-
do de cultivo das Quinas baseado na obra do inglês George King, A Manual of
Cinchona cultivation in India: “São elas o resumo, e muitas vezes a traducção,
d’um livro assás completo sobre a cultura das quinas na India ingleza” (HENRI-
QUES, 1880, p. V), além da descrição das espécies mais valiosas, aquelas com
altas porcentagens de alcaloides em suas cascas: “1.ª a Cinchona Calisaya Wedd.
e suas variedades, sendo superior a todas a Ledgeriana, cuja casca chega a produ-
zir 10 e 12 por cento de alcaloides; 2.ª a C. succirubra; 3.ª a C. Pitayensis, e 4.ª a
Cinchona officinalis” (HENRIQUES, 1880, p. 12-13).
Se por um lado, ele relatava as mais valiosas, não causaria estranheza se ele
também trouxesse as menos valiosas, e foi isso que ele fez, tendo colocado nes-
sa lista as espécies Cinchona lancifolia e micranta. Faz-se necessário reiterar: as
espécies mais valiosas eram as que detinham a maior quantidade de alcaloides.
E eram valiosas tanto no sentido medicinal quanto econômico. Aqui podemos
perceber que a natureza foi colocada sob a égide do capitalismo, pois essa classi-
ficação evidencia o caráter econômico a qual a árvore foi submetida.
De acordo com Warren Dean, a iniciativa de transferir e aclimatar espécies
de Cinchonas nas colônias foi de grande importância para os ingleses, pois “[...] o
cultivo da cinchona para a obtenção da quinina era um acontecimento de imen-
sa importância histórica, já que facilitava o colonialismo europeu nos trópicos”

132
(DEAN, 1989, p. 35). Estendemos essa afirmação ao Império Português, porque
essa pretensão de obter quinino a partir do cultivo das melhores Quinas certamen-
te não era exclusividade dos britânicos, assim como não era exclusivo deles o desejo
de conquista dos trópicos, dessa vez exemplificado pela penetração na África.
Outro ponto que chama a atenção entre os textos é a maneira com que os
autores lidam com o acesso e aquisição de novas espécies de Quina para experi-
mentos de aclimatação. Depreendemos de nossa análise que entre os anos 1864
e 1880 houve certo avanço nas formas com que Portugal passou a ter acesso a
esses recursos. Em 1864 Gomes ainda escreveu em tom de apelo para o interesse
e necessidade de ser obter as sementes das melhores espécies, enquanto Hen-
riques em 1880 já se referia a aquisição de plantas como sendo de fácil acesso
(GOMES, 1864, p. 19; HENRIQUES, 1880, p. III). A hipótese do avanço nas
formas de ter acesso ao recurso se faz perceber na carta que Júlio Augusto Henri-
ques recebe de Miguel de los Ríos, seu contato no Jardim Botânico de Lima. Na
missiva Miguel dizia que:

Exmo Senhor:
Em contestação a sua atenta carta de 12 de Maio do corrente ano,
sou grato em dizer a Vossa Excelência que não existindo neste Jar-
dim Botânico sementes de plantas de Quina, pedi-lhes às auto-
ridades das províncias onde se cultivam as ditas plantas, a fim de
satisfazer os desejos de Vossa Excelência (RÍOS, 1874, p. 1).

Sintomático da fala de Miguel de los Ríos é a afirmação de ausência de se-


mentes da dita árvore no jardim botânico de Lima. Haja vista ser um dos países
de origem das espécies de Cinchonas, ter de recorrer às outras províncias para
pedir que lhes enviassem sementes é no mínimo uma situação que mereceria
um esclarecimento, que nos leva a pensar, por exemplo, na degradação ambien-
tal causada pelas formas inadequadas de extração da casca, causando a extinção
de diversas espécies, todavia investigar os motivos dessa carestia foge aos limites
impostos nesse texto. O que importa aqui é assinalarmos que ao alinharmos o
discurso de Bernardino Barros Gomes sobre o recebimento de remessas com
sementes da espécie Cinchona pahudiana com o de Júlio Augusto Henriques

133
exemplificado na citação acima, mantendo contato e pedindo contribuições de
outros jardins botânicos, é possível inferirmos a existência de uma rede botânica
de transferência e aclimatação de Quinas na era do imperialismo, o qual Portugal
buscava participação com a finalidade de se igualar às demais nações europeias
protagonistas desse fenômeno.
Em 07 de julho de 1882 a Secretaria de Estado de Negócios da Marinha e
Ultramar, na pessoa do Diretor Geral do Ultramar Francisco Joaquim da Costa
e Silva, enviou uma correspondência a Júlio Augusto Henriques em resposta à
comunicação do próprio Henriques de 17 de maio do corrente ano:

Em resposta ao officio de V. Ex.ª de 17 de Maio ultimo, em que


communica a esta Secretaria de Estado que ha já crescido numero
de plantas de quina, provenientes das sementes vindas do estran-
geiro, e em que V. Ex.ª manifesta o desejo de saber com anteci-
pação quaes os logares e quaes as pessoas que deverão receber as
plantas, encarrega-me S. Ex.ª o Ministro e Secretario dos Nego-
cios da Marinha e Ultramar de dizer a V. Ex.ª que existe nesta
Secretaria de Estado requisição do Governo da Provincia de An-
gola para serem mandadas plantas para a colonia de S. Januario
(PORTUGAL, 1882, p. 1).

Essas plantas de Quina que chegaram do estrangeiro, como foi afirmado


acima, aprofundam a nossa afirmação sobre o caráter das redes botânicas as quais
Portugal fazia parte no século XIX. Não é especificado na missiva a origem des-
sas plantas de Quina, mas acreditamos que tenham sido provenientes da Índia
Britânica, tendo em vista que em 1882 as plantações de cultivo de Cinchonas já
estavam consolidadas na colônia inglesa. Além disso, como veremos mais à frente,
em duas ocasiões pelo menos, o próprio Henriques cita o recebimento de remes-
sas de sementes ora envida do jardim botânico de Kew ora vindo diretamente das
plantações na Índia britânica, o que acaba por corroborar nossa hipótese.
Não obstante, o envio de remessas de plantas para algumas partes das colô-
nias portuguesas tanto no continente africano quanto nas ilhas atlânticas já era
uma realidade há pelo menos uma década. Nas Instrucções Practicas para a cultura
das plantas que dão a Quina Júlio Augusto Henriques faz a seguinte afirmação:

134
Além d’algumas quinas cedidas a particulares, o jardim botani-
co forneceu as plantas seguintes, todas pertencentes á especie
C. succirubra:
Para Cabo Verde, em outubro de 1869................. .................100 plantas
Para o sr. J. Jacome Correia (S. Miguel) em janeiro de 1870............14
Para o Governador Civil do Funchal, em julho de 1870.....................34
Para diversas possessões africanas, em outubro de 1870..............100
Para o Barão de Castello de Paiva (Madeira), em outubro de 1870
....................................................................................................32
Para S. Thomé e Principe, em fevereiro de 1871.............................100
Para o Hospital Estephania (Madeira), em janeiro de 1877..........100
(HENRIQUES, 1880, p. 10-11).

As informações acima complementavam outros dados que ele trazia em seu


livreto, referentes aos envios para as colônias, como o fato de algumas das plantas
terem aparentemente se adaptado bem ao clima de São Tomé e Cabo Verde, a
ponto de Júlio Augusto Henriques afirmar que elas nasceram tão ou mais rápido
que na Índia inglesa (1880, p. 11).
Na obra Júlio Augusto Henriques ainda retomou o debate sobre as semen-
tes da espécie Cinchona pahudiana. Afirmou que essa remessa foi enviada para
as colônias na África por iniciativa de Mendes Leal, Ministro da Marinha e Ul-
tramar. Mas que as culturas dessa espécie não prosperaram, o que ele afirmou
até com tom de alívio e alegria, relembrando a pouca qualidade dessa espécie
na produção de alcaloides e que passou inclusive a ser proibida na ilha de Java.
A sugestão deixada por Bernardino Barros Gomes de se procurar obter espécies
melhores é colocada em prática por Henriques:

O jardim botanico da Universidade de Coimbra tomou mais tar-


de a iniciativa de n’estes uteis trabalhos, procurando obter boas
sementes e creando plantas, que todas têm sido mandadas para a
Africa portugueza. Em setembro de 1867 recebeu do Dr. Bernar-
dino A. Gomes, que tanto interesse mostrou sempre por esta cul-
tura, uma planta de Cinchona succirubra, e do jardim real de Kew
sementes de Cinchona officinalis; em 1868 a sociedade de aclima-
ção de Paris mandou-nos sementes das C. officinalis, micrantha,
peruviana, nitida e succirubra; em 1869 ainda do jardim de Kew se
recebiam sementes das C. officinalis e succirubra; e em 1871 o Ba-

135
rão F. de Mueller mandou da Australia sementes de C. officinalis.
Em 1877, a pedido meu, o sr. Rivara, cujo nome será sempre res-
peitado pelo seu zelo e dedicação na administração geral da India,
mandava-me boas sementes, provenientes das plantações inglezas.
Em 1878, por intervenção de S. Ex.ª o Rev.mo Arcebispo Primaz do
Oriente obtive do sr. dr. Lisboa, de Bombaim, grande quantidade
de sementes, provenientes também da India ingleza; e o jardim
botanico de Buitenzorg por mais d’uma vez me tem mandado se-
mentes das melhores qualidades, e que têm produzido bons resul-
tados (HENRIQUES, 1880, p. 10).

Por certo Júlio Augusto Henriques, como Diretor de uma das principais
instituições portuguesas não se escusou de utilizar de seu prestígio para fomen-
tar uma rede de contatos para adquirir exemplares de Quinas. Destacam-se, no-
vamente, as redes botânicas formadas por meio desses contatos espalhados pelos
principais jardins botânicos do período e nos principais locais onde as árvores de
Cinchonas já eram cultivadas.

Considerações finais

Esse capítulo buscou mostrar algumas discussões relacionadas às duas obras


específicas publicadas em Portugal na segunda metade do século XIX. São elas:
Cultura das Plantas que dão a Quina (1864) e Instrucções praticas para o cultivo
das plantas que dão a Quina (1880), de autoria de Bernardino Barros Gomes e
Júlio Augusto Henriques, respectivamente.
Longe de estarem isoladas no tempo e no espaço, elas fazem parte de um
conjunto de acontecimentos que fez do século XIX o período da disseminação
global da Quina. Naquele momento, sobretudo a partir da segunda metade, uma
série de experimentações patrocinadas por Holanda e Grã-Bretanha passaram
a buscar a transferência e aclimatação da árvore da Quina da região dos Andes,
onde ela crescia no seu ambiente natural, para outras naturezas, particularmente
nas colônias em outros continentes. A principal questão era escolher espaços em
que as características físicas se assemelhassem àquele de origem das árvores. Nesse
sentido, foram selecionadas as colônias nas regiões tropicais da Ásia ( Java e Índia).

136
O Império Português, observando esses movimentos, passou então a tentar
manobras semelhantes, escolhendo para isso suas colônias na África, bem como
as ilhas atlânticas. Ainda que não possamos afirmar com total certeza se os por-
tugueses conseguiram obter sucesso igual ou próximo àqueles obtidos por Ingla-
terra e Holanda em suas respectivas colônias, é certo que Portugal, como nação
imperialista que era, não hesitou em utilizar os meios que lhes cabiam para co-
locar em prática o empreendimento de transferência e aclimatação das Quinas.
Desse modo, a publicação dos dois livros analisados neste capítulo integrou uma
dinâmica maior de eventos que vinham acontecendo no referido século e aten-
diam à demanda que procurou inserir Portugal no grupo de países que tentaram
a aclimatação da importante árvore da Quina, como havia desejado Bernardino
Barros Gomes em sua obra:

Esperemos que os jardins da Madeira, e talvez dos Açores, resol-


vam em breve o problema de fazer vegetar as quineiras sob um céu
quase europeu; que as mais altas ribeiras de Cabo Verde e os eleva-
dos presidios dos sertões africanos a seu turno as recebam e vejam
prosperar: que a India portugueza converta em uteis applicações
no seu território a experiencia dos vizinhos cultores de quina in-
glezes; e por ultimo que na Oceania portuguezes e hollandezes se
associem na empreza de espalhar pelas ilhas do grande archipela-
go as preciosas arvores febrífugas (GOMES, 1864, p. 111).

De maneira geral nossa intenção foi demonstrar como as discussões trazi-


das por ambos os autores estavam relacionadas a uma série de estudos, discussões
e conclusões que já vinham sendo elaboradas em âmbito internacional e que fo-
ram adaptadas por Bernardinho Barros Gomes e Júlio Augusto Henriques ao
contexto português, com vistas a suprir uma demanda interna.
De modo paralelo, procuramos evidenciar aproximações e distanciamen-
tos no que dizia respeito ao conteúdo das duas publicações, ao mesmo tempo
em que buscamos enfatizar que no contexto das obras e dos autores, a ideia
principal naquele momento perpassava a possibilidade de formação de uma
rede botânica entre e por meio dos impérios, com trocas de informações e espé-
cies relativas às árvores de Quina.

137
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TILLEY, Hellen. Africa as a Living Laboratory: Empire, Development, and the
Problem of Scientific Knowledge, 1870-1950. Chicago and London: The Universi-
ty of Chicago Press, 2011.

Notas
*Doutorando em História Social pela Universidade Federal do Ceará. É orientado pela Profª. Drª. Kênia
Sousa Rios e coorientado pela Profª. Drª. Eunice Sueli Nodari (UFSC). O presente trabalho foi realizado
com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de
Financiamento 001. E-mail: [email protected].

139
PARTE II

Vitivinicultura e
Sojicultura na História
Novos vinhedos, velhos dilemas: 
perspectivas socioambientais e variedades Piwi
na vitivinicultura do Planalto Catarinense

Gil Karlos Ferri*


Eunice Sueli Nodari**
Rubens Onofre Nodari***

A inserção de vinhedos no Planalto catarinense é um fenômeno recente que im-


pacta na economia, bem como na paisagem da região. A configuração de um
novo território vitivinícola é permeada por constantes escolhas diante dos velhos
dilemas sobre os métodos de cultivo das videiras: convencionais (ambientalmen-
te danosas) ou alternativas (com aspectos sustentáveis). Para compreender a tra-
jetória e as perspectivas da vitivinicultura neste espaço e as interconexões com
outros locais, recorremos à história ambiental global para compor uma narrativa
que combine os fatores humanos e ambientais desse processo.
De acordo com os historiadores John Robert McNeill e Erin Stewart Maul-
din, a história ambiental reconhece que o mundo natural não é apenas o pano
de fundo para os eventos humanos, mas evolui por si só, tanto por conta própria
quanto em resposta às ações humanas. Apesar de a história ambiental em escala
global ter se beneficiado da ascensão da história mundial ou global – uma res-
posta intelectual aos processos globalizatórios –, é importante considerar que,
em geral, ela é construída sobre a base de trabalhos locais e pesquisas regionais,

143
pois nenhum historiador pode dominar todos os detalhes de seu tema de pesqui-
sa a nível do planeta. A história ambiental global, então, é frequentemente um
processo de costurar estudos de múltiplas escalas geográficas e perspectivas para
elaborar uma narrativa ou uma análise da mudança ecológica em uma perspecti-
va global (MCNEILL & MAULDIN, 2012, p. XVI e XVIII).
Nos processos de domesticação e disseminação de espécies, as videiras
(plantas trepadeiras do gênero Vitis) e os seres humanos são exemplos da in-
teração ocorrida entre seres vivos. Evidências arqueológicas e arqueobotânicas
sugerem que a vinicultura começou no Oriente Próximo, c. 6000–5800 a.C.
durante o início do período Neolítico (GRASSI & DE LORENZIS, 2021, p.
02). As análises genéticas de parentesco entre as populações de V.vinifera e V.syl-
vestris são consistentes com dados arqueológicos e apoiam a origem geográfica
da domesticação da videira no Oriente Próximo (MYLES et al., 2011, p. 3533).
Cronologicamente, as principais rotas propostas para explicar a migração da vi-
deira ao redor da bacia do Mediterrâneo foram: 1) do Monte Ararat à Grécia,
passando pela Mesopotâmia e Egito ou pela Anatólia; 2) da Grécia para a Mag-
na Graecia (Sicília, sul da Itália), França (Marselha) e Espanha; e 3) da França
ao norte da Europa (GRASSI & DE LORENZIS, 2021, p. 04). Por meio das
migrações e trocas comerciais entre os povos, a uva e o vinho ganharam destaque
em culturas como o Antigo Egito, Fenícia, Grécia e Roma, chegando até nós,
sobretudo, a partir da importância da bebida na mitologia judaico-cristã ( JO-
NHSON, 2001, p. 51). 
No século XX, o vinho tornou-se uma commodity de estratégica relevân-
cia econômica e social. Este interesse é justificado por sua milenar importân-
cia simbólica e cultural, bem como, notadamente, seu alto valor agregado. Para
muitas culturas, o vinho é considerado um alimento. Além disso, pesquisas têm
demonstrado aspectos positivos do consumo moderado do vinho para a saúde,
relacionando à bebida com a prevenção de doenças, à longevidade e uma melhor
qualidade de vida (GUILFORD & PEZZUTO, 2011, p. 471).
No Brasil, a produção de uva e vinho tornou-se um negócio expressivo com
a imigração italiana, pesquisas tecnocientíficas e incentivos governamentais. No

144
século XIX, a produção vitícola teve impulso com a importação de variedades
europeias, americanas e híbridas introduzidas nas áreas de colonização italiana
do país, como a Serra Gaúcha e o Sul de Santa Catarina. Em consequência do
crescimento do mercado consumidor, a partir da década de 1970 verifica-se uma
modernização da vitivinicultura brasileira. Entre as principais regiões produto-
ras, destacam-se a Serra e a Campanha Gaúcha, o Planalto catarinense, o Vale
do Rio São Francisco, o Norte do Paraná, o Noroeste de São Paulo e o Norte de
Minas Gerais. Neste capítulo, a análise se concentra na região do Planalto cata-
rinense, apresentando um balanço crítico acerca da introdução e os impactos so-
cioambientais da vitivinicultura sob a perspectiva da história ambiental global.

Vitivinicultura no Planalto catarinense

No Estado de Santa Catarina, a produção de uva e vinho se relaciona com a


história dos fluxos de colonização do território. Apesar de algumas iniciativas
pontuais em épocas anteriores, a viticultura em Santa Catarina só progrediu com
a colonização italiana dos vales atlânticos, a partir de 1875, e com a migração de
ítalo-brasileiros para o meio-oeste, a partir da década de 1910 (NODARI, 2017,
p. 83). A mais recente fronteira vitivinícola de Santa Catarina é a região de alti-
tude do Planalto Serrano. Diferente das regiões tradicionais, onde a vitivinicul-
tura se desenvolveu em função da imigração italiana, no Planalto catarinense ela
foi baseada em pesquisas científicas, investimento de empreendedores e apoio
técnico especializado.
Até a implantação de vinhedos no final do século XX, o território do Pla-
nalto catarinense teve na agropecuária e no extrativismo vegetal suas principais
atividades econômicas. Entretanto, desde o início do século XX, pelo menos, o
diferencial do clima da região já era observado visando ao desenvolvimento da
fruticultura com interesses econômicos. Na monografia estatístico-descritiva do
município de São Joaquim, publicada pelo IBGE e o Departamento Estadual de
Estatística do Estado de Santa Catarina em 1941, observa-se que a região já era
perscrutada para o potencial cultivo de espécies frutíferas:

145
Pomicultura: – E’, sem dúvidas um dos característicos mais mar-
cantes do nosso clima, o ótimo desenvolvimento que têm aqui as
árvores frutíferas exóticas, e a ausência absoluta da laranjeira e da
bananeira. Um e outro fatos, se não se justificam plenamente face
à latitude, 28 – 29 °, explicam-se, certamente, pela elevada altitude
do município, nunca inferior a 1.200 metros, o que lhe confere o
carater dos climas frios. [...]. Tendo-se em vista as condições climá-
ticas e os ensaios realizados, êste município poderá ser, de futuro,
um dos grandes centros produtores de frutas do Brasil (RIBEI-
RO, 1941, p. 41, grafia original).

Percebendo o diferencial das condições edafoclimáticas do Planalto, a par-


tir da década de 1970 o Governo de Santa Catarina passou a apoiar iniciati-
vas para o cultivo de espécies de clima temperado, como as videiras, através do
Programa de Fruticultura de Clima Temperado (PROFIT). Embora o PROFIT
tenha contribuído para o interesse dos produtores no cultivo de variedades eu-
ropeias, foi somente nas décadas de 1990 e 2000 que o cultivo dessas variedades
foi amplamente impulsionado pelo incentivo governamental e investimentos
privados (BRDE, 2005, p. 75).
Em 1997 o governo do Estado de Santa Catarina assinou o primeiro pro-
tocolo de intenções com a Província Autônoma de Trento, Itália, para o desen-
volvimento de parcerias no setor agrícola. A partir deste documento, em 2005,
foi firmado um acordo que permitiu a realização do projeto Tecnologias para o
Desenvolvimento da Vitivinicultura de Santa Catarina – também chamado de
“Projeto Trento” –, para estudar e indicar variedades de videiras italianas para as
regiões de altitude do estado de Santa Catarina. Além do apoio financeiro, a Pro-
víncia Autônoma de Trento se comprometeu com os participantes do projeto de
pesquisa a disponibilizar suporte técnico-científico por intermédio da Fundação
Edmund Mach, com visitas técnicas de pesquisadores italianos às áreas experi-
mentais no Brasil, realização de intercâmbios e treinamentos de pesquisadores e
estudantes brasileiros em Trento, como forma de viabilizar a produção de uvas
e vinhos com sustentabilidade agronômica, tecnológica, ambiental e econômica
(PORRO & STEFANINI, 2016).

146
Para a execução do projeto Tecnologias para o Desenvolvimento da Vi-
tivinicultura de Santa Catarina, no final de 2005, foram definidas quatro uni-
dades experimentais localizadas em regiões representativas do território catari-
nense com diferentes altitudes, oscilando de 947 a 1.415m acima do nível do
mar. As regiões escolhidas para as unidades experimentais foram: Unidade 1,
região de São Joaquim, situada a 1.415m de altitude (latitude 28°16´50” S e
longitude 49°56´20” O) na Estação Experimental da Epagri. Unidade 2, região
de Campos Novos, localizada a 947m de altitude (latitude 27°19´83” S e lon-
gitude 50°49´18” O), na Estação Experimental da Epagri; Unidade 3, região de
Tangará/Marari, situada a 1.211m de altitude (latitude 27°12´24” S e longitude
51°06´96” O), na propriedade da Vinícola Pisani na localidade Marari; e Unida-
de 4, região de Água Doce, localizada a 1.300m de altitude (latitude 26°43´92”
S e longitude 51°30´72” O), na Vinícola Villaggio Grando. As coletas de da-
dos, avaliações e análises do projeto tem a participação da Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC), e para cada unidade foi designado um pesquisador
de referência da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa
Catarina (EPAGRI), responsável pela gestão do vinhedo. A equipe da UFSC
assumiu a coordenação do projeto, aprofundando temáticas específicas com a
formação de mestres e doutores (PALLADINI et al., 2021, 149 e 151). Além
dos estudos de aclimatação de castas italianas que proporcionaram o cultivo co-
mercial de algumas delas, a parceria firmada por meio do “Projeto Trento” serviu
de base para o início do projeto de cooperação tecnocientífica para o intercâm-
bio e desenvolvimento de variedades resistentes (tema da próxima seção).
Nos vinhedos da região do Planalto de Santa Catarina predominam va-
riedades  Vitis vinifera para produção de vinhos finos e espumantes, plantadas
entre 900 e 1400 metros de altitude. Diferente das regiões tradicionais, onde a
vitivinicultura se desenvolveu em função da imigração italiana, no Planalto cata-
rinense a produção de vinho é baseada em pesquisas científicas, investimento de
empreendedores e apoio técnico especializado. Até 2020, 35 vinícolas iniciaram
suas atividades, totalizando uma área de cerca de 700 hectares de vinhedos de
uvas finas implantadas na Serra Catarinense.

147
Mapa 1. Regiões de altitude superior a 900 m. e localização dos vinhedos para produção de vinhos
finos no estado de Santa Catarina (2019). Fonte: PANDOLFO & VIANNA, 2021, p. 18.

Atualmente, diversos dilemas se impõem para o pleno desenvolvimento da


vitivinicultura no Planalto catarinense, principalmente aqueles relacionados às
práticas de cultivo das videiras. Empresários, agrônomos e enólogos estão diante
da oportunidade de configurar um novo terroir por intermédio de suas escolhas,
sejam elas tradicionais, replicando velhos métodos, ou alternativas com viés sus-
tentável, inovando no cultivo de novas variedades e utilizando práticas de mane-
jo com benefícios ambientais e socioeconômicos de longo prazo.
A crítica da antropóloga estadunidense Anna Tsing é pertinente para o caso
da inserção de vinhedos na paisagem. Em sua obra Viver nas ruínas a autora argu-
menta que, enquanto cientistas sociais, precisamos apreciar os desafios do Antro-
poceno em nossas pesquisas e prestar mais atenção às socialidades interespécies
das quais todos nós dependemos, incluindo tudo o que não é humano em nossas
narrativas, ampliando o conceito de sustentabilidade e considerando o máximo
possível as interações entre paisagens e seres tanto humanos quanto não humanos.
De acordo com Tsing, os viveiros industriais transformam o mundo vivo em ati-
vos, disciplinando os organismos como recursos, removendo-os de seus mundos
de vida. Os investidores simplificam as ecologias para padronizar seus produtos e

148
maximizar a eficiência e a velocidade da replicação. Os atuais fluxos econômicos
impulsionam o desenraizamento de diversos organismos vivos, gerando impactos
sem precedentes e preocupantemente incertos para as diferentes dinâmicas so-
cioecológicas ao redor do globo (TSING, 2019, p. 235 e 238).
O aprimoramento dos meios de transporte e a intensificação dos desloca-
mentos humanos vêm desencadeando impactos sociais e ambientais em diferen-
tes níveis e espaços. No setor vitivinícola, temos o exemplo da catástrofe ocorrida
nos parreirais europeus causada pela introdução do míldio (Plasmopara viticola),
do oídio (Uncinula necator) e da filoxera (Dactylosphaera vitifolae), fungos e in-
setos oriundos da América do Norte que atingiram a Europa, sobretudo na se-
gunda metade do século XIX. O problema causado pela introdução desses pató-
genos levou ao desenvolvimento de novas técnicas de cultivo e produção visando
ao controle destas doenças e pragas1, como o uso de tratamentos químicos e a
exploração de espécies silvestres, tanto para o desenvolvimento de porta-enxer-
tos, quanto como fontes de resistência a doenças e pragas visando sua introdução
no contexto genético de V. vinifera (RITSCHEL et al., 2015, p. 158).
Os diversos tratamentos fitossanitários dispensados aos vinhedos represen-
tam algo extremamente delicado, pois o vinho é considerado uma bebida que
promove a saúde e sua imagem pode ser prejudicada se associada à presença de
resíduos de agrotóxicos. Além disso, junto com o desmatamento, variedades
transgênicas e mudanças climáticas, o uso de pesticidas está entre as causas da
diminuição e do sumiço de populações inteiras de abelhas, espécies de extrema
importância para a polinização de vegetais e consideradas insubstituíveis pelo
Debate Anual Earthwatch de 2008 (NODARI, 2020, p. 6-7). Embora alguns
avanços possam ser identificados, a força econômica do setor agroquímico ainda
faz com que o sistema regulatório facilite a aprovação de agrotóxicos que, por
sua vez, têm seus usos incentivados por políticas públicas que não levam em con-
sideração seus malefícios para os ecossistemas e a saúde humana (CARVALHO,
NODARI & NODARI, 2017, p. 89).

1
  Devemos considerar que fungos como o míldio e oídio e insetos como a filoxera são tidos como doenças
e pragas sob o ponto de vista das relações humanas com outras espécies. Para os seres humanos, estes orga-
nismos vivos são percebidos negativamente porque representam empecilhos para o cultivo e produtividade
das videiras.

149
Variedades Piwi

No atual cenário vitivinícola brasileiro, observam-se dois principais entraves para


o desenvolvimento do cultivo de videiras: 1) as cultivares importadas, oriundas
de clima temperado, apresentam dificuldade de adaptação, resultando em baixa
produtividade; e 2) essas cultivares são altamente suscetíveis a doenças, exigindo
muitas intervenções químicas para obter o controle fitossanitário (PROTAS,
CAMARGO & MELLO, 2002, p. 30).
Nas condições climáticas do Planalto catarinense, o cultivo das variedades
europeias requer grande quantidade de agroquímicos no controle de doenças
como o míldio (Plasmopara viticola) e oídio (Uncinula necator). O controle quí-
mico destas doenças resulta no uso de fungicidas, o que, além de aumentar o cus-
to de produção, também oferece riscos à saúde humana e ao ambiente, compro-
metendo a sustentabilidade do sistema produtivo. Para agravar esta condição,
as mudanças climáticas previstas podem aumentar ainda mais a pressão destas
doenças sobre o cultivo das videiras, resultando no uso ainda mais intensivo de
fungicidas. Considerando esses entraves para o desenvolvimento vitivinícola,
pesquisadores da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de San-
ta Catarina (EPAGRI) e da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),
em parceria com instituições da Itália (Instituto Agrario di San Michele all’Adi-
ge, Fundação Edmunch Mach) e Alemanha (Institute for Grapevine Breeding
Geilweilerhof, Julius Kühn-Institut), estão investindo em programas de melho-
ramento fitogenético para a criação de novas variedades que combinem qualida-
de enológica e resistência às pragas e doenças (FAPESC, 2017, p. 04-05).
Desde o início do século XX, espécies do gênero Vitis (V. labrusca, V. ro-
tundifoliae, V. rupestres, de origem americana e V. amurensis, de origem asiática)
estão sendo usadas em cruzamentos com a videira europeia (V. vinifera L.) na
tentativa de combinar qualidade de vinho com resistência genética a doenças. As
variedades obtidas por meio destes cruzamentos são chamadas de Piwi (Pilzwi-
derstandsfähige), que, em uma tradução livre do alemão, significa “resistente aos
fungos”. Dando sequência a esses cruzamentos, nos últimos anos, pesquisadores
da EPAGRI e UFSC buscam avaliar o potencial viti-enológico e a tolerância a

150
pragas e doenças das variedades existentes com as variedades que serão intro-
duzidas oriundas da Itália e Alemanha. O objetivo será a seleção de variedades
adaptadas as diferentes regiões climáticas catarinenses, resistentes às doenças e
ao ataque de insetos e com qualidade para consumo in natura da uva e produ-
ção de vinho (FAPESC, 2017, p. 03 e 06). O cultivo de variedades Piwi requer
menor número de pulverizações e menor quantidade de agrotóxicos do que as
variedades tradicionais de V. vinifera. Na conjuntura do comércio internacional,
a disponibilidade de variedades próprias significaria independência tecnológica
e melhores condições para participar de um mercado rentável e competitivo.
Nas últimas décadas, a seleção assistida por marcadores combinada com
o retrocruzamento múltiplo com cultivares de V. vinifera permitiu o desenvol-
vimento de cultivares resistentes a fungos com genes de resistência a doenças e
uma percentagem significativa (mais de 85%) de V. vinifera em seu pedigree, ge-
ralmente referidos como Piwi e aceitos como cultivares de V. vinifera em alguns
catálogos europeus. Em alguns casos, porém, Piwi pode referir-se indistintamen-
te tanto a híbridos interespecíficos quanto a cultivares “resistentes a doenças de
V. vinifera” mais recentes (BRIGHENTI et al., 2019, p. 116). Os cultivares hí-
bridos são obtidos por métodos convencionais, sem engenharia genética, o que
tem a vantagem de mantê-los fora do debate atual sobre os organismos genetica-
mente modificados (BELLO & SANCHÍS, 2008, p. 11).
As variedades Piwi não são a única opção para a consolidação de uma
vitivinicultura diferenciada, entretanto, representam uma alternativa para o
cultivo mais sustentável em uma região que busca seu espaço e marca no cenário
vitivinícola global, notadamente pelo menor impacto adverso no meio ambiente
e na saúde humana, comparativamente as variedades de V. vinifera, pelo menor
uso de agrotóxicos. Na figura 1, observa-se o experimento com a variedade Re-
gent, cultivada no campus da UFSC de Curitibanos, no Planalto de Santa Catari-
na. A Regent é uma das primeiras variedades Piwi desenvolvida em 1972 no  Ins-
titute for Grapevine Breeding Geilweilerhof ( Julius Kühn-Institut, Alemanha)
e liberada para cultivo em 1996.

151
Figura 1. Fotografia de experimento com a variedade Regent, cultivada no campus da UFSC
de Curitibanos, no Planalto de Santa Catarina. Fonte: Fotografia de Rubens Onofre Nodari.
Curitibanos, SC, 24 janeiro 2019. Acervo do Projeto “Da terra à mesa :uma história ambiental da
vitivinicultura nas Américas.

Em matéria vinculada na Revista Gula no outono de 2021, os jornalistas


Alexandre Lalas e Nuno Guedes Pires apresentam a produção enológica e o eno-
turismo na Serra catarinense como “uma região em construção”:

Nada mais justo que olhemos para a Serra Catarinense como uma
região em construção. Nem poderia ser diferente. Partindo do
zero absoluto e com tão pouco tempo de investimentos sérios, o
que foi conseguido em 20 anos é impressionante. Há qualidade
e potencial. O que talvez ainda precise ser melhor trabalhado é
a identidade, o sentido do lugar. Talvez seja necessário descobrir
ainda mais o campo e as valências que as particularidades da re-
gião têm a oferecer. Escutar e entender o que dizem as vinhas, o
que sussurra o terroir (REVISTA GULA n. 271, 2021, p. 46).

152
A observação que a região está em processo de afirmação da sua identidade é
pertinente, pois demonstra que os caminhos estão abertos para escolhas socioam-
bientalmente responsáveis. Levando em conta que o vinho é um produto cultural
que exige a intervenção humana em todo o processo, é muito importante a análise
deste setor sob uma perspectiva mais ampla proveniente das ciências humanas e
naturais, pois a tecnologia nem sempre é suficiente para tratar problemas relacio-
nados à dinâmica da natureza (NODARI & FRANK, 2019, p. 197-198).
A paisagem bucólica dos vinhedos é o principal elemento que os turistas
associam ao vinho. Deste modo, transformações espaciais que levem a descarac-
terização desta paisagem vitícola poderão ocasionar a perda desta representa-
ção simbólica para os moradores locais, turistas e consumidores dos seus vinhos
alhures. Podemos inferir a necessidade simbólica e mercadológica da preservação
dos remanescentes dos campos nativos e das florestas de araucárias, bem como
a harmonia espacial e ambiental entre os cultivares exóticos (videiras) e os seres
vivos nativos da região (fauna e flora).

Considerações finais

Apesar de tratar-se de um novo território no cenário vitivinícola global, os viti-


vinicultores do Planalto de Santa Catarina encontram-se diante do velho dilema
sobre as práticas de cultivo: convencionais (ambientalmente danosas) ou alter-
nativas (com aspectos sustentáveis). Para tanto, a história ambiental global busca
contribuir neste debate, colocando em perspectiva a trajetória, os impactos so-
cioambientais e as potencialidades sustentáveis da vitivinicultura neste espaço.
O reconhecimento crítico e fundamento na ciência acerca desse dilema, mas,
sobretudo das opções para sua superação, constituem, por fim, a relevância social
e acadêmica deste capítulo. Um esboço que busca contribuir na compreensão de
que sociedade e meio ambiente são interdependentes para a viabilidade de um
território vitivinícola a longo prazo.   

153
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À Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina
(FAPESC) pelo auxílio financeiro através do projeto de pesquisa “Vitivinicultura
Serrana: o despontar de um terroir de oportunidades para Santa Catarina” e
ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
pelo auxílio financeiro ao projeto “Da terra à mesa: uma história ambiental da
vitivinicultura nas Américas”. Website do projeto: <https://projetosvinhedos.wi-
xsite.com/daterraamesa>.

Notas
*Doutorando no Programa de Pós-Graduação em História Global da Universidade Federal de Santa Catari-
na (PPGH/UFSC). Orientado por Eunice Sueli Nodari (UFSC). E-mail: [email protected].
**Professora Titular da Universidade Federal de Santa Catarina. Programas de Pós-Graduação em História
e Interdisciplinar em Ciências Humanas. Coordenadora do Laboratório de Imigração, Migração e História
Ambiental (LABIMHA/UFSC). E-mail: [email protected].
***Professor Titular da Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Recursos
Genéticos Vegetais. E-mail: [email protected].

156
Vinho e meio ambiente:
entre desafios do passado, presente e futuro*

Carla Pires Vieira da Rocha**

A indústria de vinhos é uma das mais antigas do mundo. Sua relação com o meio
ambiente não se reduz a particularidades do solo e do clima onde a videira é
cultivada, ou o que se convenciona chamar de terroir1, mas traça sua história
de permanência frente a desafios desde o passado até o presente e o futuro. Ao
longo dos séculos, essa bebida associada à sociabilidade e ao prazer, a rituais e ao
equilíbrio da dieta e da refeição, teve sua produção expandida para vários terri-
tórios ao redor do globo, o que significou uma reconfiguração no consumo de
vinhos, passando a ser incorporado em regiões onde anteriormente não era cos-
tume2. Essa expansão, do mesmo modo que implicou a necessidade de adaptação

1
  O conceito de terroir originou-se na França e inicialmente tinha seu significado voltado para vários pro-
dutos agrícolas franceses, além do vinho. No entanto, no início do século XX, passou a ser predominante no
setor vitivinícola, associando vinhos a propriedades e regiões específicas, algo especialmente importante para
a legislação de apelação controlada, surgida na década de 1920 que, entre outros objetivos, buscava assegurar
a noção de um produto regional (ULIN, 2013). Essa perspectiva ainda abrange a crescente valorização de
processos que ressaltam a origem dos produtos, materializados na forma de sistemas de certificação, como a
Denominação de Origem (DO) e Indicação de Procedência (IP).
2
  A expansão da vitivinicultura e do consumo de vinhos é a associada aos processos de globalização, sobre-
tudo os referentes ao período que inicia no século XV com as expedições seiscentistas e os processos de colo-
nização. Sobre a relação entre vinho e globalização, ver: ROCHA, Carla Pires Vieira da Rocha; NODARI,
Eunice Sueli. Vinho e imaginários em contexto de globalização avançada. Veredas Revista Interdisciplinar de
Humanidades, v. 4, n. 7, p. 159-178, jun./dez., 2021.

157
de culturas viníferas a solos e condições climáticas diversas, envolveu a alteração
de paisagens e também de ecossistemas ao redor do mundo3. À medida que a
produção de vinhos vai se alinhando com o sistema agro-alimentar modelado
pela indústria, não apenas provoca como também enfrenta ameaças cada vez
mais pontuais com relação aos impactos ambientais, colocando em evidência a
necessidade de se rever diferentes práticas envolvidas nesse universo.

Vinho no contexto das emergências climáticas:


entre enfrentamentos e persistências

Desde finais do ano de 2020, o mundo passou a enfrentar a pandemia da Co-


vid-19. No intuito de contornar esse fenômeno, fomos obrigados a revisar e
reconfigurar alguns de nossos hábitos cotidianos e também diversas práticas
sociais. Ao mesmo tempo, muitas atividades nos mais variados campos foram
paralisadas em âmbito global. Uma situação inédita para as últimas gerações,
que modificou inclusive a dinâmica de inúmeras cidades ao redor do mundo.
Em muitos centros urbanos, principalmente os que passaram a adotar o confina-
mento (lockdown) como alternativa para controlar a pandemia, viu-se de forma
mais explícita o impacto da ausência da ação humana, com a diminuição signifi-
cativa da poluição ambiental, sobretudo aquela relacionada às emissões de com-
bustíveis fósseis. Além disso, chamaram a atenção visitas inusitadas de alguns
animais silvestres em algumas áreas urbanas, eventos surpreendentes que passa-
ram a ser noticiados pelos diferentes meios de comunicação. Uma fauna que, de
forma inédita, se sentiu à vontade para transitar por espaços que, em períodos
anteriores, lhes eram predominantemente hostis, ocupados pelo fluxo vultoso e
constante de pessoas e veículos. Se essa dinâmica provocada pela pandemia nos
possibilitou lembrar o quanto nos distanciamos do ambiente natural em nossos
refúgios urbanos, simultaneamente, confrontou-nos com a inegável condição

3
  Sobre a história e expansão da vitivinicultura ao redor do mundo, ver: PHILLIPS, Rod. Uma breve his-
tória do vinho. 3a ed. Rio de Janeiro: Record, 2005 e McGOVERN, Patrick; FLEMING, Stuart. The origins
and ancient history of wine. Reading, Gordon & Breach, 1994; JOHNSON, Hugh. A história do vinho.
São Paulo: Cia. Das Letras, 1999. TATTERSALL, Ian; DESALLE, Rob. A Natural History of Wine. New
Haven & London: Yale University Press, 2015.

158
de nossa contemporaneidade marcada pelo impacto cada vez mais predatório
da ação humana no ambiente, abarcando consequências crescentes e de grandes
proporções nos mais diversos contextos, incluindo o do universo vitivinícola.
O cenário imposto pela Covid-19 nos mostrou o quanto estamos vulnerá-
veis e despreparados para situações extremas relacionadas às consequências dos
impactos ambientais. No âmbito da vitivinicultura, a pandemia repercutiu de
diferentes formas; por um lado, significou o impacto profundo no turismo viti-
vinícola, resultante das restrições sociais impostas, e também o estabelecimento
de medidas de cuidado com a saúde de diferentes trabalhadores do setor, in-
cluindo sommeliers, enólogos, que passaram a conviver com o temor da anosmia
e da ageusia(perda do olfato e do paladar), sintomas recorrentes do contágio
pelo vírus. Por outro lado, evidenciou-se um aumento significativo no consumo
desta bebida, trazendo certo alento para produtores diante de uma conjuntura
de incertezas e instabilidade generalizada. Entretanto, ainda que não tenham
sido correlacionados diretamente à pandemia, outros eventos relativos à proble-
mática crescente das mudanças climáticas ocorridos simultaneamente e que já
têm sido frequentes, ainda que esparsos, não deixam dúvidas sobre o resultado
dos impactos ambientais recorrentes e que vêm colocando em questão a necessi-
dade de revermos com urgência o modelo da sociedade em que vivemos, sobre-
tudo no que se refere aos sistemas produtivos.
O aumento sistemático das temperaturas associado às mudanças climáti-
cas, ainda que possa contribuir para a qualidade, quantidade de uvas ou mes-
mo dificultar o surgimento de fungos no cultivo das vinhas em algumas regiões,
pode provocar o ressecamento dos frutos, impedindo o seu crescimento, a exem-
plo do que ocorreu na França em 2019. Já na principal região vitivinícola do
Brasil, a Serra Gaúcha, ainda no ano de 2021, o problema residiu nas geadas, que
comprometeram o desenvolvimento de brotos de algumas variedades vitiviníco-
las. Inúmeros outros exemplos poderiam ser citados, no intuito de evidenciar a
imprevisibilidade climática crescente e suas consequências diversas.
Enquanto temperaturas extremas estão ocasionando grandes ondas de ca-
lor, geadas e granizo, prejudicando safras em diferentes estações, incêndios flo-
restais recorrentes vêm dizimando vinhedos e transformando vinícolas renoma-
das em cinzas. Considerando a frequência cada vez maior desses eventos, não

159
é difícil constatar que o resultado dos impactos ambientais vem colocando em
risco a própria sobrevivência desta modalidade de produção em diversas regiões
ao redor do mundo, como é o caso de Napa Valley, na Califórnia, região da costa
oeste dos Estados Unidos. Afora essa área, entre os anos de 2020 e 2021, incên-
dios devastadores também acometeram regiões vitivinícolas no sul da França e
na Austrália. Além de arruinarem algumas vinícolas, os prejuízos causados por
esses incêndios ainda incluem alteração no sabor do vinho, em razão da inten-
sidade da fumaça, e também efeitos de longo prazo, como alterações do solo
resultantes da sua queima.
As emergências climáticas vêm também redimensionando a geografia do
vinho, na medida em que produtores têm buscado áreas de cultivo mais adaptá-
veis a essa problemática. Além disso, técnicas têm sido implementadas visando
contornar os efeitos a curto e longo prazo dessas mudanças. Apesar de tais esfor-
ços, é importante lembrar que as mudanças climáticas estão avançando muito
rapidamente e de modo nem sempre previsível. Evidência disso é o calor extremo
que tem ocorrido na Europa nos últimos anos, região do mundo onde ainda se
concentra grande parte da produção mundial de vinhos. Um exemplo recente
em tal sentido é o da cidade de Siracusa, na Sicília, que no mês de agosto de 2021,
seus termômetros registraram 48,8ºC, indicando um possível recorde de tempe-
ratura de todo o continente. Segundo a Organização Meteorológica Mundial
(OMM), o aumento da temperatura média 2º C acima do normal é uma tendên-
cia global que tende a ser mais intensa, longa e frequente em razão do aumento
das temperaturas globais causadas pelas concentrações de gases de efeito estufa4.
No âmbito da produção de vinhos, talvez haja argumentos no sentido de
defender a adaptabilidade das vinhas a situações diversas, uma vez que estas vêm
enfrentando as mais variadas adversidades ao longo dos seus sete milênios de exis-
tência. O caso da filoxera, um pequeno inseto que se multiplicou e dizimou videi-
ras na Europa no século XIX, ainda hoje é referência nesse sentido. A utilização de

4
  Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2019/07/1678802 Acesso em Janeiro/2020. Sobre as mu-
danças na produção de vinhos relacionada aos baixos níveis de colheita de uvas em razão da instabilidade das
condições climáticas mundiais, ver: http://www.fao.org/3/al176e/al176e.pdf acesso em Janeiro de 2020.
Considerando especialmente o aquecimento global evidenciado nos últimos quatro anos, que tem ocasio-
nando diversos eventos, desde ciclones, inundações e calor extremo. Disponível em: http://www.oiv.int/en/
oiv-life/oiv-2018-report-on-the-world-vitivinicultural-situation Acesso em Janeiro de 2020.

160
porta-enxertos de origem americana com espécie mais resistente ao inseto (vinhas
labrusca) foi uma alternativa que possibilitou não somente a sobrevivência da cul-
tura vitivinícola até hoje, mas também exemplo de como a sua materialidade é
suscetível e, portanto, dependente de uma interação harmônica com o ambiente.
Embora um evento dessa natureza ateste a resiliência da vitivinicultura
diante de eventos extremos, o fato é que as mudanças em curso vêm exigindo
uma reconfiguração mais ampla, orientada pela insustentabilidade também do
modelo atual de produção alimentar, incluindo a relativa aos vinhos. Esse siste-
ma de produção vem, inegavelmente, provocando danos profundos à terra, aos
ecossistemas e à saúde humana. Em sentido mais amplo, não é somente a vitivini-
cultura que está sob ameaça; à medida que avançam as mudanças climáticas, suas
graves consequências não incidem apenas nas espécies de animais e de plantas,
mas também nas populações humanas, colocando em discussão inclusive sua so-
brevivência no planeta.
Na tentativa de compreensão da época atual, especialmente no que se refere
ao crescimento e implicações das problemáticas ambientais, a noção de Antro-
poceno vem ganhando centralidade a partir de diversos campos5. Esta concepção
definiria uma nova era geológica determinada pelo impacto da ação humana, isto
é, teria iniciado um novo momento na história da terra em que a humanidade
emerge como a influência mais poderosa na ecologia global (McNEIL; EN-
GELKE, 2016). Já para o historiador e sociólogo Jason Moore (2016), o termo
Capitaloceno estaria mais de acordo para descrever os impactos humanos sobre a
terra, mas, sobretudo no âmbito das sociedades capitalistas e sua forma de gerir a
natureza, o trabalho, a reprodução e as condições de vida.Ainda que haja contro-
vérsias no que diz respeito a este conceito ser ou não o mais adequado para dar
conta desta conjuntura de aceleração de processos decorrentes da manutenção de
padrões de produção e consumo já incompatíveis com o planeta, o fato é que, ine-
gavelmente, as consequências de tais processos são cada vez mais evidentes, colo-
cando em questão a necessidade de uma reconfiguração urgente desses padrões.

5
  A noção de Antropoceno ganhou popularidade sobretudo a partir de um artigo publicado no ano 2000
pelo Nobel de Química Paul Crutzen e Eugene Stoermer, professor e pesquisador da Escola de Recursos
Naturais e Meio Ambiente da Universidade de Michigan, em que argumentam a inauguração de uma nova
era a partir da atuação da humanidade como força geológica.

161
Expansão da vitivinicultura,
impactos ambientais e sustentabilidade

Já é sabido que a expansão progressiva da vitivinicultura ao redor do mundo tem


sido favorecida pelo implemento de tecnologias específicas que atuam nas suas
diversas etapas, abrangendo desde a produção até a distribuição e comercializa-
ção. Em decorrência disso, o vinho foi alinhado com outros tantos alimentos
ofertados em nosso mundo contemporâneo, em que a produção foi cada vez
mais se divorciando do consumo. Nessa perspectiva, apesar de ainda vigorarem
iniciativas de pequeno e médio porte, com estrutura de viés mais artesanal, o
vinho também passou a ser produto resultante da grande indústria, elaborado
em larga escala e distribuído em âmbito global.
Do mesmo modo que a industrialização crescente da vitivinicultura vem
possibilitando um redimensionamento no consumo de vinhos, que já não se res-
tringe a determinadas fronteiras culturais, tem colocado em relevo uma série de
questões, mais especificamente, no que se refere às consequências dos seus im-
pactos na esfera ambiental e na saúde humana. Seguindo o modelo da agricultu-
ra vigente, orientado por uma ótica predominantemente produtivista, predató-
ria e cada vez mais condicionada ao uso de agroquímicos, a produção de vinhos
também tem motivado preocupações e apontado para a necessidade de se buscar
de alternativas, sobretudo no que diz respeito a um modo de produção que leve
em conta perspectivas de caráter mais sustentável6.
Perda da biodiversidade, poluição do ar, das águas, degradação progressiva
dos solos e também impactos na saúde humana, seja de trabalhadores rurais ou
de consumidores são algumas das problemáticas associadas à agricultura atual.
Já é consenso que este modelo de produção alimentar vem contribuindo direta-
mente para as mudanças climáticas.Em contrapartida, as alterações drásticas no

6
  No ano de 2018, a Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV), responsável por promo-
ver a vitivinicultura em escala mundial, incluiu em suas recomendações aos diversos organismos nacionais
integrantes, incluindo o Brasil, a importância de se observar princípios mais sustentáveis nessa atividade,
orientando-se por: (...) uma estratégia global na escala dos sistemas de produção e processamento da uva,
incorporando ao mesmo tempo a sustentabilidade econômica de estruturas e territórios, produzindo pro-
dutos de qualidade, considerando requisitos de precisão em viticultura sustentável, riscos ao meio ambiente,
segurança do produto e saúde do consumidor e valorização dos aspectos patrimoniais, históricos, culturais,
ecológicos e paisagísticos.

162
clima têm gerado impactos cada vez mais frequentes em diferentes modalidades
de agricultura, também abrangendo aquela voltada para a produção de vinhos.
Transformar um ecossistema num agro-ecossistema inevitavelmente impli-
ca perdas (PORTO-GONÇALVES, 2015) e o cultivo de uvas para vinho e a
produção de vinho estão longe de consistirem em atividades ambientalmente
benignas (CHRIST e BURRIT, 2013). O fato de a viticultura ser desenvolvida
e estabelecida em certas áreas por muito tempo, aliado ao fato das videiras serem
cultivadas em cultura permanente, significa que as atividades não qualificadas
na vinha conduzem a problemas em longo prazo, como compactação do solo,
poluição da água ou destruição da fauna e flora, contribuindo para a degradação
ambiental (ROSNER et al., 2015). Levando em conta tal panorama, avulta a
necessidade não apenas de revisão desse modelo atual, mas também da busca
de alternativas mais sustentáveis, já que suas consequências colocam em xeque a
própria continuidade da vitivinicultura7.
A noção de sustentabilidade engloba dimensões distintas, incluindo desde
o ambiental, até o social, econômico, ecológico, territorial, cultural, política na-
cional e política internacional (SACHS, 1990, 2002). Na esfera da agricultura,
afora a preservação, sobretudo do solo e da água, a orientação por um viés mais
sustentável envolve utilização mínima de insumos artificiais de fora do sistema
agrícola, recuperação dos distúrbios causados pelo cultivo e colheita e, ao mesmo
tempo, ancorar-se como atividade economicamente e socialmente viável (GO-
MIERO, PIMENTEL e PAOLETTI, 2011). A restauração da biodiversidade
de paisagens agrícolas também é apontada como algo fundamental no âmbito de
uma agricultura sustentável, uma vez que a biodiversidade, entre outros fatores,
possibilita que agro-ecossistemas sejam capazes de patrocinar tanto a fertilidade
do solo, quanto a proteção das culturas e a sua produtividade (ALTIERI, 1999).
É importante relembrar que as atividades no campo vitivinícola não de-
pendem apenas da energia solar, mas também do clima, da água, do solo e de
uma boa interação desses elementos com os processos ecológicos. Apesar da
conscientização a respeito da necessidade de se tomar medidas que minimizem
impactos ambientais relativos à vitivinicultura vir ganhando relevo ao redor do
7
  Sobre Vinho e sustentabilidade ver também: ROCHA, Carla Pires Vieira da Rocha; NODARI, Eunice
Sueli. Winemaking, Environmental Impacts and Sustainability: New Pathways from Vineyard to Glass?
Historia Ambiental Latinoamericana y Caribeña (HALAC), 2020, v.10, n. 1 pp. 223-243.

163
globo, a maior ou menor aplicabilidade de princípios sustentáveis nesse campo
depende do contexto em questão, sobretudo porque a noção de sustentabilidade
pode variar8. Além disso, cabe observar que uma vez que impactos ambientais não
se restringem à agricultura, o conceito de sustentabilidade vem sendo utilizado
indiscriminadamente como meio de promover ações que não estão totalmente
comprometidas com o propósito em que esse conceito se baseia, colocando cada
vez mais em questão a possibilidade de seu esvaziamento. Manter o foco no pro-
pósito essencial desse conceito é fundamental, à medida que a produção de vinhos
vai se inserindo no quadro das problemáticas ambientais globais e a necessidade
de uma reconfiguração nesse campo torna-se uma pauta cada vez mais urgente.
Muitos países ao redor do mundo têm implementado ações de caráter mais
sustentável na vitivinicultura. No Brasil, tais iniciativas nesse campo ainda apa-
recem como bastante incipientes. Comparativamente a outros países, o Brasil
não possui produção e consumo de vinhos que se possa considerar muito repre-
sentativos, mas isso não significa que não haja a necessidade de uma revisão nesse
âmbito, sobretudo se forem observadas algumas problemáticas crescentes, como
a ampla utilização de agroquímicos nessa modalidade de agricultura, colocando
em questão tanto prejuízos crescentes ao ambiente quanto à saúde humana9. A
expansão de iniciativas mais sustentáveis na vitivinicultura brasileira ainda signi-
fica um grande desafio a ser superado, já que, além da disposição de produtores,
também depende do incentivo e fortalecimento de políticas que reconheçam a
urgência de se tomar medidas que favoreçam essas iniciativas.

8
  Christ e Burritt (2013) referem-se a um estudo realizado em vinhedos na Argentina evidenciando que as
práticas consideradas ecologicamente sustentáveis em um cenário se tornaram insustentáveis quando aplica-
das a outro ambiente no qual as condições geográficas diferiam. A partir desse mesmo exemplo, ressaltam
que, enquanto governos e associações industriais podem fornecer assistência no desenvolvimento de dire-
trizes de gestão ambiental, é improvável que estas sejam implementadas no mesmo grau entre organizações
individuais, considerando as diferenças tanto em termos de atividades organizacionais como de condições
geográficas. Tal consideração também indica a importância da consolidação de políticas voltadas para a sus-
tentabilidade na vitivinicultura favorecendo o seu implemento em escalas diversas, ou seja, que contemple
não apenas o grande produtor, como também o pequeno.
9
  Sobre a utilização de agrotóxicos no Brasil, ver: BOMBARDI, Larissa Mies. Geografia do Uso de Agro-
tóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia. São Paulo: FFLCH – USP, 2017.

164
Considerações Finais
As funções distintas atribuídas ao vinho pelas diferentes sociedades nos repor-
tam à antiguidade dessa bebida. Do mesmo modo, a subsistência das videiras
ao longo de milênios nos lembra de tanto da sua dependência quanto da sua
adaptação ao meio ambiente. Nos últimos anos, temos assistido ao impacto
crescente das emergências climáticas em contextos vitivinícolas diversos. Esse
panorama reflete, de forma inegável, a insustentabilidade do modelo produtivo
alimentar atual. As consequências de uma intervenção progressivamente preda-
tória no ambiente, que não leva em conta a preservação dos diferentes elementos
naturais, isto é, o cuidado com os solos, a água, a manutenção da biodiversidade,
entre outros fatores, são cada vez mais evidentes. Diante desse quadro de mudan-
ças acirradas resultante dos impactos ambientais, avançar em ações sustentáveis
na vitivinicultura, no que se inclui aquela desenvolvida no Brasil, torna-se um
imperativo não apenas para superar os desafios que já se apresentam no presente,
como também para garantir sua sobrevivência futura.

Referências
ALTIERI, Miguel A. The ecological role of biodiversity in agroecosystems Agricul-
ture. IN: Ecosystems and Environment 74, 1999, p. 19-31.
BOMBARDI, Larissa Mies. Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões
com a União Europeia. São Paulo: FFLCH – USP, 2017.
CHRIST, Katherine L.; BURRITT, Roger L.. Critical environmental concerns in
wine production: an integrative review . IN: Journal of Cleaner Production 53, 2013.
p. 232-242.
GOMIERO, Tiziano; PIMENTEL, David; PAOLETTI, Maurizio G. Is There a
Need for a More Sustainable Agriculture?, IN: Critical Reviews in Plant Sciences,
30:1-2, 2011. p. 6-23.
JOHNSON, Hugh. A história do vinho. São Paulo: Cia. Das Letras, 1999.
McGOVERN, Patrick; FLEMING, Stuart. The origins and ancient history of wine.
Reading, Gordon & Breach, 1994.
McNEIL, J.R.; ENGELKE, Peter. The great acceleration: an environmental histo-
ry of the anthropocene since 1945. Cambridge/Massachusetts/London/England:

165
The Belknap Press of Harvard University Press, 2016.
MOORE, Jason W., Anthropocene or Capitalocene? Nature, History, and the Crisis
of Capitalism, Oakland: PM Press, 2016.
PHILLIPS, Rod. Uma breve história do vinho. 3a ed. Rio de Janeiro: Record, 2005.
PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. A globalização da natureza e a natureza
da globalização. 6 ed. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 2015.
ROCHA, Carla Pires Vieira da Rocha; NODARI, Eunice Sueli. Winemaking, En-
vironmental Impacts and Sustainability: New Pathways from Vineyard to Glass?
IN: Historia Ambiental Latinoamericana y Caribeña (HALAC), 2020, v.10, n. 1
pp. 223-243.
ROCHA, Carla Pires Vieira da Rocha; NODARI, Eunice Sueli. Vinho e imaginá-
rios em contexto de globalização avançada. Veredas Revista Interdisciplinar de Hu-
manidades, v. 4, n. 7, p. 159-178, junho/dezembro, 2021.
ROSNER, Franz Gerhard et al.. Assessment of sustainability in Austrian wine pro-
duction IN: BIO Web of Conferences, 5, 2015. Disponível em: DOI: https://doi.
org/10.1051/bioconf/20150501022 Acesso em: fevereiro/2020.
SACHS, Ignacy. Desarrollo sustentable, bio-industrialización descentralizada y
nuevas configuraciones rural-urbanas. Los casos de India y Brasil. IN: Pensamiento
Iberoamericano, Madrid, v. 46, p. 235-256, 1990.
_____________. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. 2. ed. Rio de Janei-
ro: Garamond, 2002.
TATTERSALL, Ian; DESALLE, Rob. A Natural History of Wine. New Haven &
London: Yale University Press, 2015.
ULIN, Robert C. Terroir e Locality: An Anthorpological Perspective. In: BLACK,
Rachel E. and ULIN, Robert C.. (eds.). Wine and culture: vineyard to glass. Lon-
don/New York: Bloomsbury Publishing, 2013. p. 67-84.

Notas
* O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001 e integra a pesquisa relacionada ao projeto vin-
culado ao Laboratório Imigração, Migração e de História Ambiental – Labimha da UFSC: Da terra à mesa:
uma história ambiental da vitivinicultura nas Américas, coordenado pela Profa. Dra. Eunice Sueli Nodari,
financiamento do CNPq.
** Pós-Doutoranda no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas (UFSC), Dou-
tora em Ciências Humanas (UFSC).

166
Caminhos do vinho:
a paisagem vitivinícola de Mendoza, Argentina

Julia Mai Velasco*


Laianny Cristine Gonçalves Terreri**

O turismo enológico ou enoturismo é uma das atividades mais importantes


dentro do ramo da vitivinicultura, pois auxilia no processo de consolidação das
marcas, na inovação e desenvolvimento das vinícolas e na valorização do terroir.
Para as vinícolas, a oferta de atividades que atraem o enoturista para seu espaço
permite a aproximação entre produtor e consumidor, criando um laço de fideli-
dade, além de agregar valor ao vinho. Para as localidades, o enoturismo valoriza
as paisagens e a cultura regional, além de gerar empregos tanto diretos quanto
indiretos. Por fim, para os entusiastas do vinho, o turismo enológico possibilita
ampliar seus conhecimentos, além de fornecer atividades lúdicas e que se enqua-
dram na categoria de lazer ativo (BOZZANI, 2012).
Entre as razões que motivam os enoturistas nas visitas, estão o interesse
em conhecer mais a fundo os aspectos sociais, históricos, produtivos, econô-
micos, políticos e culturais do produto que consomem no território em que
este é produzido (GIRINI, 2017). Além disso, considerando que a maioria
se desloca a partir de zonas urbanas, há também a busca por paisagens que di-
ferem daquelas de seu cotidiano. Como refletem Lavandoski e Lanzer (2012,

167
p. 774), “uma vez que a essência do turismo está na motivação de viajar para
lugares diferentes do local de residência, é a paisagem o elemento que melhor
indica ao turista essa mudança de lugar”.
Para o setor vinícola, a paisagem é fundamental, pois serve como elemen-
to identitário e autenticador da qualidade do produto oferecido - a uva e o vi-
nho. A paisagem é a manifestação visual das características geográficas e cultu-
rais de uma região vitivinícola, e influencia fortemente na expressão do terroir
do vinho. Dentro do setor do enoturismo, a valorização dos traços distintivos
e autênticos da cultura e do território em que está inserido o cultivo, como a
gastronomia e a paisagem, se tornam diferenciais competitivos para atrair os
enoturistas (GIRINI, 2017).
O presente trabalho1 propõe uma análise do desenvolvimento do enoturis-
mo na região vitivinícola da província de Mendoza, na Argentina, entendendo a
paisagem como atrativo turístico vendida e comercializada em si mesma.

A vitivinicultura na Argentina

A uva e o vinho têm recebido, nas últimas décadas, destaque crescente no merca-
do mundial. Para além de seu valor cultural, identitário, ritualístico e medicinal,
esses produtos têm expressado uma participação relevante na economia de vários
países do mundo.
O cultivo da uva e a produção de seus derivados, especialmente do vinho,
tem importância destacada em diversas culturas. No continente americano, os
vinhedos seguiram as expedições de conquista tanto de Portugal quanto da Es-
panha, e já há registros de sua produção no século XVI. Uma análise mais tra-
dicional explica sua introdução e rápida disseminação pelos territórios conquis-
tados como devidas ao caráter religioso e ritualístico do vinho, especialmente
dentro das práticas católicas professadas por portugueses e espanhóis. No entan-
to, os estudos mais recentes apontam para os fatores sociais e econômicos como

1
  Este trabalho é um dos resultados do projeto “Da terra à mesa: uma História Ambiental da vitivinicultura
nas Américas”. Site: https://projetosvinhedos.wixsite.com/daterraamesa

168
explicação para a propagação das parreiras pelo Novo Mundo, já que o vinho
representava um estilo de vida, e a introdução de sua produção nas Américas
significava a manutenção deste para os que se encontravam longe de suas terras
natais (NODARI; FRANK, 2019).
Na Argentina, a vitivinicultura se desenvolveu, num primeiro momento,
a partir da atuação de ordens religiosas que acompanhavam as expedições co-
lonizadoras. Jesuítas, agostinianos e dominicanos foram os responsáveis pela
adaptação das plantas europeias, pelo desenvolvimento de novas técnicas para
o cultivo das variedades selecionadas e para a elaboração de vinhos, além de
contribuírem teoricamente com a confecção de obras a respeito de enologia.
O sucesso de sua produção se reflete na análise das propriedades vitivinícolas,
em que aquelas de maior extensão e produtividade estiveram em mãos eclesiais.
Como afirma Pablo Lacoste (2015), os monastérios e conventos foram as esta-
ções experimentais do período colonial.
No entanto, apesar da hegemonia das ordens religiosas, a produção viti-
vinícola laica também ocorria a partir do investimento particular das famílias
colonizadoras que, na passagem do século XVIII para o século XIX, assumiram
a dianteira no processo de secularização da vitivinicultura argentina. A transfe-
rência das propriedades vitivinícolas dos monastérios e conventos para os setores
civis foi resultado de uma série de mudanças políticas, ideológicas e culturais que
se desencadearam no país (LACOSTE, 2015).
O desenvolvimento e expansão da vitivinicultura a partir do século XIX
são resultados de quatro acontecimentos na história argentina, conforme anali-
sado por Maria Luciana Bozzani (2012):

A primeira delas foi a concessão de créditos para financiar as planta-


ções de vinhedos. Os primeiros viticultores pertenciam às principais
famílias crioulas que possuíam terras férteis, que até 1883 se dedica-
vam à produção de trigo e gado, e a partir desse momento começa-
ram a investir nos vinhedos. O segundo fato de grande importância
foi a chegada da ferrovia inglesa em 1885, que possibilitou a liga-
ção entre Mendoza e Buenos Aires. O terceiro fator que contribuiu
para o crescimento desta atividade foi a Lei de Isenção de Impostos
para quem investisse na vinha, regime que durou de 1881 a 1900.
O quarto fator, de grande importância, foi a imigração europeia,

169
que contribuiu com diversos esforços, tecnologia , mão-de-obra e
conhecimento do trabalho a realizar na vinha e das novas práticas
de vinificação [...] (BOZZANI, 2012, p. 7, tradução nossa, foram
mantidos os nomes da proveniência).

Com as guerras de independência e as guerras civis do século XIX, havia


mais estrangeiros circulando, e mais argentinos, criollos, indo à Europa (LA-
COSTE, 2015). Assim, a cultura do vinho do Velho e do Novo Mundo se in-
tercambiava. A produção de uvas e vinhos, que havia se “americanizado” nos
três séculos após a Conquista, voltou a guiar-se pelos padrões do Velho Mundo,
especialmente os franceses, com grande influência dos imigrantes que ali se ins-
talaram no século XIX. As variedades ibéricas, que produziam vinhos brancos e
rosados, foram desvalorizadas, priorizando-se o cultivo de uvas para a produção
dos vinhos tintos, que eram os vinhos considerados de alta qualidade.

No caso dos vinhos, a aplicação deste critério foi muito clara:


para Sarmiento, as cepas de valor enológico eram exclusivamen-
te as chamadas “uvas francesas”, sendo pouco ou nenhum valor
reconhecido para as vinhas ibéricas. Moscatel Blanco (Moscatel
de Austria), Uva de Italia (Moscatel de Alejandría), uva preta,
Torrontés, Mollar de América e os restantes cultivados durante
séculos no Cone Sul foram –para Sarmiento– parte do passado e
não do futuro da indústria vinícola regional (LACOSTE, 2015,
p. 86, tradução nossa, foram mantidos os nomes da proveniência).

Este novo período de imigração, tanto francesa quanto italiana e alemã que
vieram depois, marca uma revolução técnica e científica na produção vitiviníco-
la, além de uma mudança cultural e valorização de novas tradições.
Atualmente, a Argentina está entre os principais países sul-americanos pro-
dutores de uva e vinho, junto com o Chile e o Brasil. De acordo com o relatório
publicado pelo Observatório Vitivinícola Argentino (OVA) em dezembro de
2020, o país possui uma área de 214.000 hectares destinada ao cultivo da uva
(ARGENTINA, 2020). A Argentina ocupa a 5ª posição entre os produtores
mundiais de vinho, tendo como Mendoza sua província mais expressiva na in-
dústria vitivinícola, concentrando cerca de 65% das fazendas vitivinícolas do país.

170
A província de Mendoza, recorte geográfico do presente capítulo, não teve
em seu desenvolvimento vitivinícola um processo muito diferente do que já foi
exposto. Mendoza foi um dos principais portos terrestres da época colonial, e
garantiu a prosperidade da região através de uma dinâmica rede de transportes
multimodais que permitiam o escoamento da produção de uvas e vinhos já nas
primeiras décadas da colonização (AGUILERA, LACOSTE, 2015).
Situada no centro-oeste da Argentina e apresentando formações monta-
nhosas, desérticas e de oásis, o cultivo das parreiras mendocinas foi firmado em
um complexo sistema de irrigação desenvolvido pelos povos originários a partir
do degelo dos Andes, formando os chamados oásis, irrigados por quatro rios:
Mendoza, Tunuyan, Diamante e Atuel. Com a segunda onda migratória, foi
promulgada a Lei de Águas em 1884, que objetivava implementar a rede de irri-
gação através da construção de diques e abertura de canais, e resultou no aumen-
to de áreas destinadas inteiramente ao cultivo da uva, produto base da economia
regional (MORETTI-BALDIN, 2008).
A província de Mendoza fornece condições ideais para o bom desenvolvi-
mento das uvas e da identidade de um vinho. Seu solo varia de argiloso a rochoso
calcário, tipos que permitem uma boa drenagem de água e retenção de calor, que
compensam pela escassez de chuva e grande amplitude térmica. Estas condições
permitem tanto às variedades crioulas quanto às europeias de atingirem o ponto
de maturação para a produção de vinhos de excelência, com boa acidez e en-
corpados. As três principais regiões vitivinícolas da província são: Vale de Uco,
Maipú e Luján de Cuyo (BOZZANI, 2012).
Atualmente, Mendoza está entre os 100 melhores destinos internacionais,
que é responsável por atrair milhares de turistas todos os anos (TIMES, 2021).
Entretanto, apesar do destaque histórico da região e de sua presença na economia
vitivinícola do país, o reconhecimento do caráter turístico do vinho e dos vinhedos
e o desenvolvimento estratégico do enoturismo por parte das vinícolas e do gover-
no é relativamente recente, a partir do final da década de 1990 (GIRINI, 2017).

171
A paisagem do enoturismo

O enoturismo está relacionado a outras categorias de turismo, como o turismo


gastronômico, o turismo rural, o turismo cultural, o turismo de aventura, tu-
rismo temático, entre outros (FIDEL, 2020). Assim, o enoturismo configura-
-se como uma prática de lazer ativo (active-leisure), um hobby cujo objetivo é
aprender no próprio local a respeito dos aspectos envolvidos na produção das
uvas e fabricação dos vinhos através das tradições associadas a essa cultura (TIE-
FENBACHER, TOWNSEND, 2019).
Getz e Brown (2006) apontam que há três perspectivas sob as quais se de-
vem analisar o enoturismo: a do enoturista, a do turismo ou do destino e a do
produtor vitivinícola. Dessa forma, o enoturismo se configura tanto como um
comportamento do consumidor quanto como uma estratégia por meio da qual
se estabelecem regiões enoturísticas pela propaganda e associação imagética,
bem como uma oportunidade de marketing das próprias vinícolas no contato
direto com o consumidor.
Também é possível considerar o enoturismo como mais um tipo de produ-
to turístico que integra os recursos e serviços turísticos de uma zona vitivinícola
sob um mesmo conceito. Estes recursos e serviços se referem tanto aqueles já
existentes quanto aqueles que podem ser desenvolvidos a partir da estratégia de
setores privados ou do governo (PEREIRA et al, 2012).
Outra definição importante desta atividade é a proposta pela Carta Eu-
ropeia de Enoturismo, lançada em 2005. Nela, enoturismo é definido como o
conjunto de atividades de lazer e tempo livre e recursos turísticos relacionados
com as culturas materiais e imateriais do vinho, da uva e de seu território (BO-
ZZANI, 2012). O turismo enológico, portanto, refere-se à relação busca e ofer-
ta entre os entusiastas do vinho e as vinícolas, onde um está à procura de uma
experiência de imersão nos aspectos da produção vitivinícola e o outro tem a
capacidade de oferecer esse acesso. O objetivo é valorizar a cultura, a tradição, os
costumes, a gastronomia e os festejos das regiões vitivinícolas ao mesmo tempo
em que se promove a conservação das paisagens.
As localidades em que os vinhedos são plantados refletem nas particularida-
des e identidade dos vinhos. Isso porque as características regionais de solo, relevo

172
e clima influenciam diretamente na qualidade da uva e, por conseguinte, na qua-
lidade do vinho. Há de se contabilizar ainda o componente humano, com seus
tipos de ocupação do solo, técnicas empregadas e, por fim, as práticas culturais e
tradições que levam consigo e que formam a identidade do local de produção. É
esta identidade, produzida através da união dos aspectos físicos e sociais de uma
região, que, na linguagem do vinho, se conceitua como terroir. No ramo do turis-
mo de vinho, a proteção e valorização dos traços distintivos e autênticos da cultu-
ra e do território em que está inserido o cultivo, como a gastronomia e a paisagem,
se tornam diferenciais competitivos para atrair os enoturistas (GIRINI, 2017).
Por intermédio da familiaridade com o local de produção e dos aspectos
físicos e culturais que envolvem os vinhos e vinhedos, os enoturistas buscam uma
nova relação com a natureza e o que imaginam como natural ou rural associado
à calma e à tranquilidade a partir do conhecimento do território em que a uva e
o vinho são produzidos, além da valorização da produção artesanal, que para os
consumidores destes produtos costuma ser de grande influência.

Nos últimos tempos, a procura de uma nova relação com a na-


tureza, a qualidade e segurança dos alimentos e, em particular,
a necessidade de “identidade”, para caracterizar os locais como
portadores de valores e tradições, tem levado a um número cres-
cente de pessoas a verem as áreas rurais como locais de valores,
recursos, cultura e produtos para descobrir e desfrutar (GIRINI,
2017, p. 3, tradução nossa).

A apreciação pelo natural e seu desenvolvimento, dentro do setor do turis-


mo do vinho, levou a uma revolução na arquitetura das vinícolas para responder
a essa nova relação entre as bodegas e a paisagem, buscando uma valorização do
entorno como um traço de identidade. Apesar de produzir uma imagem clara
quando mencionado, o conceito de paisagem é polissêmico.
Em 1992, a noção de paisagens culturais foi introduzida com a Convenção
do Patrimônio Mundial, que as definiu como a combinação dos fatores huma-
nos e naturais que serve de atestado à evolução da sociedade no tempo. É basea-
do neste conceito e no atestado da importância das paisagens que as vinícolas
procuram, atualmente, incluir seus territórios na Lista do Patrimônio Mundial,
o que contribui para sua proteção e promoção (GIRINI, 2017).

173
Milton Santos define que há dois tipos de paisagens: as naturais e as artifi-
ciais. Estas últimas se referem àquelas que possuem interferência humana, seja para
uso político, técnico, turístico, entre outros. As paisagens artificiais se configura-
riam como a herança de sucessivas ocupações e diversas formas de produção. Desta
forma, a paisagem pode ser compreendida como a unidade dos elementos naturais
e socioculturais como “resultado histórico acumulado” (SANTOS, 2006, p. 70).
A paisagem vitivinícola é bastante característica: parreirais enfileirados, cer-
cados por vegetação arbórea e, no caso das bodegas mendocinas, a Cordilheira dos
Andes ao fundo pode completar o cenário, como pode ser observado na Figura 1.

Figura 1. Bodega Domaine Bousquet, Mendoza. Fonte: Vinícola Domaine Bousquet, ano não
identificado2.

Uma das vantagens da exploração da paisagem para o setor vitivinícola é


que sua apreciação não depende de uma época do ano definida. No outono/
inverno o frio é convidativo para a degustação do vinho ao admirar os parreirais
em dormência; já na primavera/verão os parreirais ganham vida novamente as
uvas maduras marcam o período da vindima, que atrai uma grande quantidade
de turistas para as vinícolas.

  Disponível em: https://domainebousquet.com/en/domaine-bousquet-2/ Acesso em 25 de out 2021.


2

174
Assim, é por meio das paisagens que as vinícolas firmam a identidade e a
qualidade de seus produtos, apelando para o caráter autenticador das paisagens
frente à idealização da natureza e pureza dos parreirais por parte dos turistas.
É com base nesses ideais, que todos os anos são responsáveis pela movimenta-
ção de pessoas e capital financeiro no setor do enoturismo, que as paisagens são
construídas e estilizadas, abrangente o suficiente para atenderem a uma imagem
comum de paisagem vitivinícola, e únicas o suficiente para oferecerem um dife-
rencial para aqueles que se deslocam para vê-las.

Esse modo de funcionamento motoriza um conjunto de imagi-


nários que podem ser associados a uma manifestação do culto la-
tino-americano, redefinindo a paisagem apropriada pelo capital.
Para isso, apela a uma estética ancorada no “terroir”, no “autênti-
co”; peneiradas e simplificadas pelo filtro da globalização. [...] um
conjunto de atividades em que o ambiente se reduz a um cartão
postal, com valor estético atribuído a partir da visão de mundo
compartilhada pelo empresário-turista [...] (PASTOR et al, p.
130-131, tradução nossa).

Dessa forma, os recursos naturais são explorados também sob seu aspecto
cultural e tradicional, sendo estilizados para a mercantilização da experiência viti-
vinícola, que contribui para a circulação de capital. Assim, é necessário deixar cla-
ro que o enoturismo deve ser também analisado através de seu caráter econômico,
ou seja, do dinheiro movimentado pelos turistas entusiastas do vinho. A atividade
turística no geral, mas especialmente o turismo do vinho, é uma atividade que
exige tempo ocioso e recursos que não são comuns a grande maioria das pessoas,
caracterizando-se assim como uma atividade elitista (PASTOR et al, 2017).
Além disso, o enoturismo pode ser considerado uma atividade luxuosa,
entendendo luxo aqui como uma atividade confortável, cara, de alta qualida-
de, como algo que desperta desejo, mas não necessariamente precisa ter/fazer
(ZAINURIM; NEILL; SCHANZEL, 2021). Thach et al. (2018) descreve o
luxury wine em sete pontos: qualidade, raridade, estética, status, simbolismo e
sustentabilidade. E o elemento comum para a definição desses tópicos seria o
terroir, pois este poderia proporcionar a produção de baixos volumes de vinho
de luxo, e com uma produção restrita, isto poderia proteger e melhorar as sete
características do requintado produto.

175
A paisagem se torna, então, mais uma das mercadorias ofertadas, e as viní-
colas, compreendendo as possibilidades econômicas do desenvolvimento deste
setor, têm investido em novas atividades que proporcionem maior contato entre
o turista e a paisagem - que é a manifestação visual dos elementos citados - como
passeios por entre os vinhedos, práticas de esportes como corridas e trilhas e
passeios de bicicleta e a cavalo (Figura 2). No entanto, a manifestação do cres-
cimento da importância deste setor para a economia vitivinícola está na incor-
poração de novos espaços arquitetônicos às vinícolas, como salas de degustação,
restaurantes, museus, lojas e até mesmo instalações para hospedagem. A existên-
cia destes espaços expressa à procura do contato mais íntimo com a produção e a
paisagem vitivinícola (GIRINI, 2017).
A oferta dessas atividades vem da compreensão recente, por parte das vi-
nícolas e dos vinicultores, do valor agregado que tal oferta acresce ao produto
final, o vinho. O enoturismo aproxima produtor e cliente, e se procura criar um
elo, uma relação de fidelidade com a marca. Para isso, os vinicultores abrem suas
vinícolas aos enoturistas, e na maioria das vezes recepcionam pessoalmente, e os
guiam por meio dos vinhedos, das salas de degustação, dos museus e dos restau-
rantes (TIEFENBACHER, TOWNSEND, 2019).

Figura 2. Excursão de bicicleta pela região vinícola de Mendoza. Fonte: Viator, ano não identificado3.

3
 Disponível em: https://www.viator.com/pt-BR/tours/Mendoza/Bike-Tour-in-Mendoza-Wine-Coun-
try/d931-5693BIKE Acesso em 25 de out 2021.

176
Os Caminos del Vino:
iniciativas enoturísticas na Argentina

A Argentina hoje conta com um roteiro turístico que oferece dezesseis rotas que
percorrem ao total de oito províncias vitivinícolas: Salta, Catamarca, Rio Negro,
La Rioja, San Juan, Mendoza, Córdoba e Neuquén. Essas rotas são, entretanto,
recentes. O reconhecimento do caráter turístico do vinho e dos vinhedos e o
desenvolvimento estratégico do enoturismo por parte das vinícolas e do governo
ocorreu a partir do final da década de 1990, parte de uma política de destaque da
Argentina internacionalmente através de dois produtos: a carne e o vinho.
Dentro da indústria vitivinícola, desenvolveu-se o projeto “Los Caminos
del Vino” promovido pela Câmara Vitivinícola Nacional. O projeto consistiu na
elaboração e distribuição de folhetos de divulgação sobre as zonas vitivinícolas
do país e seu roteiro turístico que reuniu bodegas, museus e outros espaços rele-
vantes ao mundo do vinho (BOZZANI, 2012). Outra iniciativa estratégica do
setor foram os projetos “Música Clássica por los Caminos del Vino” e “Tango
por los Caminos del Vino”, atividades que se baseiam em ter as paisagens vitivi-
nícolas como seus “cenários” (GIRINI, 2017).
Tendo em vista que a Argentina e o Chile estão entre os principais destinos
escolhidos pelos enoturistas na América Latina, os dois países têm em trâmite
um projeto que visa constituir a maior rota de vinho do mundo, atravessando a
Cordilheira dos Andes. Com 1.300 quilômetros de extensão, o roteiro abrange
a história do vinho pelas regiões de Coquimbo, no Chile, e San Juan, La Rioja,
Catamarca e Santiago del Estero, na Argentina (CHILE, 2020).
Contudo, é importante considerar o cenário atual do enoturismo. Devido
à pandemia do COVID-19 e a necessidade de quarentena e isolamento, o turis-
mo na América Latina, em todas suas esferas, teve uma queda de 72% em via-
gens internacionais no ano de 2021 em comparação com o ano de 2019 (OMT,
2021). Ainda sim, a Argentina teve um papel de destaque na retomada de ativi-
dades. Em junho de 2020, já era anunciado que a Itália e a Argentina eram países
exemplos na recuperação do enoturismo, mesmo que em tempos pandêmicos.
Isso se deve principalmente ao fato da Corporación Vitivinícola da Argentina

177
(Coviar) ter lançado uma cartilha com séries de medidas protetivas que visam
regular a segurança tanto do enoturista quanto do vitivinicultor e outros funcio-
nários envolvidos (TURISMO, 2020).
O enoturismo foi um dos primeiros ramos turísticos a voltar em funciona-
mento pelo aumento da procura a visitar lugares e atividades ao ar livre, com a
natureza como destino, de forma a garantir um maior isolamento e menor risco
de contágio pelo Coronavírus. Desta forma, atividades como tours e degustação
de vinhos dentro da vinícola caíram na procura, enquanto piqueniques e consu-
mo de vinhos nos jardins e vinhedos conquistaram o público nesses últimos dois
anos de pandemia (GARIBALDI, 2020).
Outro ponto que vem atraindo a atenção dos enoturistas para a Argentina,
é o prêmio de melhor vinícola do mundo pela terceira vez consecutiva à vinícola
Zuccardi Valle de Uco, situada na região de Mendoza (CANOPY, 2021a).

Figura 3. Restaurante com vista para as Cordilheiras dos Andes na Vinícola de Zuccardi Valle de Uco.
Fonte: Vinícola Zuccardi Valle de Uco, ano não identificado.4

A vinícola, que foi inaugurada em 2016, conta com um complexo arqui-


tetônico, vista para a Cordilheira dos Andes, restaurante de alta gastronomia
com foco em ingredientes locais e vinhos de alta altitude baseados no terroir.

  Disponível em: https://zuccardiwines.com/turismo . Acesso em: 24 nov. de 2021.


4

178
O dono da vinícola, José Alberto Zuccardi aponta que “O enoturismo é como
uma atividade que utilizamos para comunicar os nossos vinhos. Se fizermos pu-
blicidade, as pessoas vão esquecer em cinco minutos, são tantos, mas quando
você tem a sua própria experiência é algo que estará com você para sempre”
(CANOPY, 2021b, tradução nossa).

Considerações finais
O enoturismo é analisado aqui como uma atividade em plena expansão, princi-
palmente considerando as novas tendências na busca por natureza e ambientes
abertos. Parte-se do entendimento que a uva e o vinho, assim como as atividades
a eles relacionadas, são responsáveis por movimentar a sociedade tanto cultu-
ralmente quanto economicamente, para se entender quais são as estratégias de
países em desenvolvimento, como a Argentina, para se destacar nesse ramo co-
mercial, exportador e turístico.
Desta forma, o enoturismo fica responsável por duas aproximações impor-
tantes: a do consumidor com a marca vinícola e a do consumidor com a paisa-
gem vitivinícola. Além de garantir a qualidade dos vinhos pelas características
de solo, relevo e clima, a paisagem também contribui para a uma construção
e visualização de elementos culturais e identitários das vinícolas. Geralmente é
isto que os enoturistas procuram em suas visitas: uma conexão com a natureza,
uma valorização da produção artesanal e o conhecimento sobre o território que
os vinhos são desenvolvidos.
É necessário considerar também o caráter elitista e luxuoso desta atividade
turística, a qual a paisagem é vendida como mercadoria, e não a baixos custos.
Atualmente, percebem-se as vinícolas investindo cada vez mais em estruturas
modernas de visitação e hospedagens e atividades singulares de lazer.
Por tudo isso, a região de Mendoza na Argentina, se destaca tanto pelo seu
volume de produção de uva e vinhos quanto pela qualidade das visitas enoturísti-
cas que acontecem na região. Além disso, o país teve um papel importante na re-
tomada das atividades vitivinícolas abertas ao público após o início da pandemia
de Covid-19, com a protocolização de regras e normas garantindo ao enoturista
conforto e segurança.

179
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00334-x.

181
Agradecimentos

Agradecemos à Universidade Federal de Santa Catarina e ao CNPq pelas bol-


sas de Iniciação Científica concedidas e ao CNPq pelo auxílio financeiro ao
projeto de pesquisa “Da terra à mesa: uma História Ambiental da vitivinicul-
tura nas Américas”.

Notas
* Graduanda em História na Universidade Federal de Santa Catarina e integrante do LABIMHA. Bolsista
de Iniciação Científica orientada pela Professora Dra Eunice Sueli Nodari. e-mail: [email protected].
** Graduanda em História na Universidade Federal de Santa Catarina e integrante do LABIMHA. Bolsista
de Iniciação Científica orientada pela Professora Dra Eunice Sueli Nodari. e-mail: [email protected].

182
As campanhas do solo e a sojicultura:
uma história ambiental do Oeste Catarinense

Adriana Elizabeta Seitenfus*


Gabrieli Elisa da Costa**
Tailana Benelli***

O Oeste de Santa Catarina foi e é marcado pela presença intensa da produção


agrícola, em grande maioria, pela presença da monocultura baseada no plan-
tio de grãos, sendo um importante motriz para a economia estadual. Para com-
preender o atual contexto onde debates e decisões políticas se sobrepõem às ne-
cessidades de se repensar as relações socioambientais são necessárias fazer uso da
História. O presente capítulo visa fazer uma breve reflexão em torno dos impac-
tos da agricultura e das relações socioambientais no Antropoceno, na região do
Oeste de Santa Catarina, entre os anos de 1990 e 2010.
A História Ambiental, disciplina que vem ganhando espaço nos debates
acadêmicos desde a década de 1970 proporciona um novo olhar para os diferen-
tes períodos históricos, introduzindo a necessidade de se observar as mudanças
na paisagem natural, como isto afetou e ainda afeta a relação do ser humano com
o meio natural (WORSTER, 1991, p. 199), nos permitindo uma nova escrita
histórica. Outro aspecto que a História Ambiental busca é o entendimento quan-
to aos recursos úteis ou inúteis para as sociedades, considerando que o recurso
natural só existe a partir de uma identificação cultural (DRUMMOND, 1991).

183
A colonização da região do Oeste catarinense trouxe consigo transforma-
ções no meio natural devido à intensa atividade de extração madeireira, iniciada
no século XX. O bioma presente na região do Oeste de Santa Catarina é a Mata
Atlântica, esta abriga a Floresta Estacional Mista (FED) assim como a Floresta
Ombrófila Mista (FOM), a FED “compreende altitudes de 150 a 800 metros,
entrando em contato com a FOM a partir dos 600 metros” (MORETTO, RI-
BEIRO, 2020 p. 41), esta última formação vegetal também é conhecida como
floresta de araucárias.
Até metade do século XX, a extração de madeira era uma importante ati-
vidade econômica na região. Pensar na colonização da região Oeste de Santa
Catarina, neste período, tendo em vista a atuação das madeireiras, após o esgota-
mento da Floresta Ombrófila Mista (FOM) (NODARI, 2018) e a inclusão da
agricultura sob a visão da História Ambiental, torna possível traçar um caminho
para nosso atual contexto, observando essa mudança paisagística e os problemas
enfrentados pelo uso excessivo de agrotóxicos, adubação química e sementes ge-
neticamente modificadas.
Para entender o processo de colonização do Oeste Catarinense, é necessá-
rio destacar que a região já era habitada por indígenas e caboclos, desconsideran-
do assim a ideia de um vazio demográfico. Após a intensa derrubada das florestas
e a diminuição de madeireira foi um dos motivos para se pensar a introdução da
agricultura nestas terras (MORETTO, 2017).
As famílias descendentes de alemães e italianos vindos das colônias do Rio
Grande do Sul foram os agentes que mais proporcionaram mudanças na paisa-
gem regional, à fomentação de novas técnicas agrícolas auxiliou neste processo
de aumento da produção e assim transformação na paisagem. Estes agricultores
também foram responsáveis pela introdução da monocultura da soja, seu cultivo
inicialmente era voltado para alimentação animal. Sua inserção também vai ser
responsável pela modernização da agricultura na região, onde por volta da déca-
da de 1970, já na segunda metade do século XX, teremos seu boom, com a inser-
ção de novos maquinários e novas técnicas, como fertilização e controles quími-
cos, a fim de obter mais ganhos na colheita e, consequentemente, menos perdas
na produção, levando a leguminosa, neste período, a ganhar valor comercial.

184
A inserção da commodity soja na região do Oeste Catarinense proporcio-
nou o fomento de um debate já instaurado no final do século XX, quando a
Associação de Créditos e Assistência Rural de Santa Catarina (ACARESC),
fundada em 1957, a partir do décimo sétimo projeto do Escritório Técnico Agrí-
cola (ETA), em associação com a Secretaria da Agricultura e Federação das As-
sociações Rurais (LOHN, 1996), lançou em 1970 a Campanha de Conservação
do Solo, onde a atuação dos extensionistas proporcionou a inserção de novas
técnicas agrícolas para a região (OLINGER, 2016).
Para compreender melhor a interação solo e soja buscaremos apontar no
presente capítulo a trajetória de ambos na região do Oeste de Santa Catarina,
entre as décadas de 1990 e 2010, para isso, a análise do documento publicado da
35ª Reunião de Pesquisa da Soja da Região Sul, indicações técnicas, de 2007, pro-
porcionará um aporte para conclusões mais recentes na História Ambiental do
Oeste Catarinense, sendo de início, abordada a temática soja e logo após o solo.

Solo no Oeste Catarinense


após expansão das práticas agrícolas

A preocupação em abordar o debate relacionado à conservação e correção do


solo no Oeste de Santa Catarina ganhou grande visibilidade com a Campanha
de Conservação do Solo lançada pela ACARESC em 1970. Seguindo o mode-
lo extensionista dos Estados Unidos (OLINGER, 2016), a associação criada a
partir do décimo sétimo projeto do ETA, passou a especializar os agricultores da
região oestina para mudarem suas técnicas de manejo com o solo.
Na mesma década, em 1970, a preocupação com relevo, reconhecimento
da composição e tipos de solo presentes no Oeste Catarinense fomentou oLe-
vantamento de reconhecimento dos solos do Estado de SC, levantamento este
realizado em acordo entre a Superintendência do Desenvolvimento da Região
Sul - SUDESUL, a Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, Sudesul e o
Governo do estado de Santa Catarina, proporcionando assim maior conheci-
mento regional para a expansão da agricultura (MEC; MINTER; GOVERNO
DO ESTADO; SUDESUL; SECRETARIA DA AGRICULTURA, 1970).

185
Desde então, muitos são os estudos realizados a partir da necessidade de reconhe-
cimento de técnicas de manejo e adubação do solo que proporcionem uma maior
produtividade das culturas agrícolas, como exemplo, os manuais de adubação e
calagem da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo - Núcleo Regional Sul.
A publicação dos Anais 35ª Reunião de Pesquisa da Soja da Região Sul, in-
dicações técnicas, realizada em 2007, também faz aporte das pesquisas realizadas
pela Sociedade Brasileira de Ciência do Solo. É possível observar a importância
dada a todas as etapas do plantio da soja na Região Sul do Brasil, mas aqui nos
ateremos à preocupação inicial apresentada no plantio desta cultura: a necessi-
dade de correção e adubação do solo.
As técnicas conservacionistas, já propostas na metade do século XX, por
extensionistas da ACARESC, ainda mantém grande visibilidade em pesquisas
mais recentes, a desestruturação das camadas do solo por meio do uso do arado,
juntamente com a escassa cobertura vegetal do solo são apontadas como cau-
sadoras da erosão e degradação do solo. Uma das técnicas conservacionistas, o
plantio direto, é proposto a ser trabalhado de forma a observar as características
do clima, da planta e do solo, objetivando assim “expressar o potencial genético
das espécies cultivadas mediante a maximização do fator ambiente e do fator
solo, sem, contudo, degradá los” (35ª REUNIÃO DE PESQUISA DA SOJA
DA REGIÃO SUL, 2007 p. 7), relatando aqui do cultivo da espécie da soja.
Entretanto, para que a técnica de plantio direto seja eficaz é necessária a sis-
tematização da lavoura, cuja prioriza a remoção de possíveis sulcos ocasionados
na maioria das vezes pela pluviosidade que causa erosão. No sistema de plantio
direto, o uso de maquinários agrícolas cria essa necessidade de um terreno sem
obstáculos. A reestruturação do solo também pretende descompactá-lo, um solo
com essa característica não permite a absorção da água da chuva, impossibilitan-
do a formação vegetal.
A rotação de culturas, também fomentada por conservacionistas, busca a
adubação orgânica, uma técnica de manejo que se tornaria menos agressiva ao
meio ambiente já que os resíduos das leguminosas fariam o papel dos fertilizan-
tes químicos, sendo mantidos o ano todo como cobertura do solo (SOCIEDA-
DE BRASILEIRA DE CIÊNCIA DO SOLO. COMISSÃO DE QUÍMICA
E FERTILIDADE DO SOLO, 2004), ainda para a região Sul do Brasil, “um

186
dos sistemas de rotação de culturas compatíveis com a produção de soja, para
um período de três anos, envolve a seguinte sequência de espécies: aveia/soja,
trigo/soja e ervilhaca/milho” (35ª REUNIÃO DE PESQUISA DA SOJA DA
REGIÃO SUL, 2007 p. 08), a adubação orgânica, entretanto, não é apresentada
como a única ou mais importante opção no processo de correção do solo. A ca-
lagem do solo, ou seja, a correção do solo observando o nível de pH, é feita em
sua maioria com calcário, “a eficiência de utilização de fertilizantes é menor em
solos ácidos e, portanto, a calagem deve ser a primeira atividade para a correção
da fertilidade dos solos” (SFREDO, 2008 p. 106). Ainda segundo a 35ª Reunião
de Pesquisa da soja da Região Sul (2007), esse corretivo deve ser aplicado seis
meses antes da semeadura da soja.
Outro processo utilizado e defendido tanto nas Indicações Técnicas para a
Cultura da Soja no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina 2007/2008, quanto
pela Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, região Sul, é a inoculação das se-
mentes de soja, esta técnica visa proporcionar às plantas uma capacidade própria
de fixação de nitrogênio, não sendo necessária a correção do solo neste aspec-
to, “a adubação nitrogenada para a cultura da soja não é recomendada devido
à eficiência da fixação biológica de nitrogênio do ar por estirpes de rizóbio”
(SOCIEDADE BRASILEIRA DE CIÊNCIA DO SOLO. COMISSÃO DE
QUÍMICA E FERTILIDADE DO SOLO, p. 146, 2004), entretanto, no siste-
ma de plantio direto após o plantio da soja inoculada por no mínimo três anos,
há a possibilidade de não ser mais eficaz o processo de inoculação (35ª REU-
NIÃO DE PESQUISA DA SOJA DA REGIÃO SUL, 2007), neste caso, o
problema deve ser resolvido observando as suas especificidades.
Outros métodos de conservação que afetam diretamente o solo são os tra-
tamentos químicos realizados a partir de agrotóxicos. Para o tratamento quími-
co na parte aérea é apresentado em tabela mais de 42 fungicidas na 35ª Reunião
de Pesquisa da Soja da Região Sul de 2007, além de fungicidas indicados para o
tratamento das sementes antes do plantio.
O preparo inadequado do solo também pode acarretar em transtornos
aos agricultores não somente durante o plantio e desenvolvimento da soja,
mas também na colheita desta monocultura. Os desníveis dos terrenos, como
já citados, causam prejuízo quando “provocam oscilações na barra de corte da

187
colhedora, fazendo com que haja corte desuniforme e muitas vagens deixem
de ser colhidas” (35ª REUNIÃO DE PESQUISA DA SOJA DA REGIÃO
SUL, 2007 p. 151), a semeadura em épocas não recomendadas também pode
ocasionar perda na produção.

Da Ásia ao Oeste Catarinense:


a soja e práticas de manejo do solo
O estado de Santa Catarina possui cerca de 52% de seu território recoberto por
lavas vulcânicas, mantendo no Oeste características de relevo suave ondulado
e ondulado. Estas características, juntamente com a formação vegetal propor-
cionam uma aptidão para culturas anuais, entretanto, sendo necessárias práticas
conservacionistas para o uso adequado dos solos (SANTA CATARINA, Secre-
taria de Estado da Agricultura e Abastecimento, 1994).
Como já citado, o Oeste Catarinense já fora uma região com maior for-
mação vegetal, FOM e FED, entretanto a colonização iniciada no século XX, a
atuação das madeireiras e a inserção da agricultura transformou um solo, antes
recoberto e rico em adubação vegetal, em um solo sem cobertura e sem manejo
adequado para pensar sua fertilidade em longo prazo.
Outro fator que auxiliou para a degradação do solo é a inserção de culturas
anuais sem o seu devido preparo, já que essas culturas necessitam de práticas con-
servacionistas. Tendo em vista, que com o plantio anual da soja, pode-se com-
preender a necessidade de aplicar no cultivo desta monocultura as técnicas con-
servacionistas, que visam ao melhoramento do solo já degradado. A necessidade
de compreender melhor a relação solo e soja nos faz retroceder à introdução
desta monocultura no Brasil e então no Oeste Catarinense.
A leguminosa soja é endêmica do Continente Asiático, conforme sua ne-
cessidade na alimentação aumentava, ao mesmo tempo aumentava-se sua disper-
são pelo mundo. No Brasil, alguns dados apontam para sua inserção no ano de
1882, no Estado da Bahia (BONETTI, 1970). Vindo mais tarde, a ser inserida
no Estado do Rio Grande do Sul, nas entre safras do trigo, logo que nas entre
safras os silos de estocagem ficavam vazios, assim utilizava-se os mesmos silos do
estoque de trigo para a estocagem da soja (ANDRIOLI, 2016).

188
Em Santa Catarina, sua inserção, ocorre na primeira metade do século XX,
por volta da década de 1930, segundo dados da Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (EMBRAPA), a soja foi introduzida inicialmente “por agriculto-
res oriundos do Rio Grande do Sul, os quais se sediaram no Oeste e no vale
do Rio do Peixe, e a utilizavam para a alimentação dos suínos” (DONATELLI,
1981, p. 16), a soja aparece como uma opção para a ocupação destas terras que
até então eram consideradas desocupadas.
Com o boom da produção da soja, por volta da década de 1970, o grão, na
região Oeste de Santa Catarina, se torna responsável pela a inserção da moderni-
zação da agricultura, em que se inicia uma série de mecanização e tecnificação da
mesma. Isto é, teremos a inserção de maquinários, que auxiliaram na plantação e
colheita da leguminosa, a fim de diminuir a perda de grãos, como também novas
formas de manejo do solo, por meio dos fertilizantes e o uso de defensivos agrí-
cola, para que haja pleno desenvolvimento da planta, e etc. Nesta década, vamos
ter um aumento significativo da área plantada, segundo a tabela1:

Safra Área (ha)


1970/71 101.814
1979/80 520.401

Tabela 1. Área plantada da soja em Santa Catarina, na década de 1970. Fonte adaptada de: Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Neste período, a produção da soja se eleva em função da alta dos preços


internacionalmente, levando a Estados como Santa Catarina, e o Rio Grande do
Sul a ter uma vantagem na venda da soja em relação aos demais estados, logo que
estes estavam iniciando as plantações de soja.
É importante salientar, que neste período, a plantação da monocultura
soja, vai sofrer forte influência das Cooperativas, como é o caso da “Ceval Ali-
mentos” em Gaspar, a primeira empresa de processamento de soja do Estado.
Sua instalação impulsionou ainda mais “o processo de expansão da soja em Santa
Catarina” (FUGANTI, JÚNIOR, p. 11), logo que essas cooperativas fornecem
técnicas conservacionistas, como também implementações agrícolas, a fim de
auxiliar os agricultores no manejo do plantio da soja.

189
Os estudos acerca do plantio da soja na região sul do Brasil, incluindo aqui
os estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, fomentaram publicações de
manuais do plantio desta cultura, como exemplo a 35ª Reunião de Pesquisa da
Soja da Região Sul, indicações técnicas. As etapas do plantio da monocultura são
abordadas levando em consideração desde o preparo do solo, plantio e manejo
de doenças e pragas.
A 35ª Reunião de Pesquisa da Soja da Região Sul aponta a relação da ne-
cessidade dos cuidados do solo e produção da soja. Muitas vezes só o tratamento
precoce com fertilizantes, calcários, etc., não oferece nutrientes suficientes para
que ocorra o pleno desenvolvimento da leguminosa, faz-se necessário, a implan-
tação de novas sementes que sejam cientificamente modificadas, tais sementes são
desenvolvidas conforme a necessidade do solo, ou seja, da sua falta de nutrientes,
como também para solos com alta fertilidade, além das relações climáticas, con-
forme o período do ano em que está sendo plantada. Esse fator é chamado de
sistema de cultivares da soja, a qual segundo os anais da 35ª Reunião de Pesquisa
da Soja da Região Sul,nas safras de 2006/07, houve vinte e sete espécies de soja
geneticamente modificada, utilizadas para o ciclo de plantação precoce. Desta-
ca-se uma das sementes utilizadas como a Embrapa 48, é indicada para regiões
endoclimáticas, sua semeadura é realizada principalmente em solos corrigidos e
com fertilidade média a alta (EMBRAPA SOJA, 1999). Há também vinte e seis
tipos de sementes indicadas para o ciclo de plantação médio, dentre elas, pode
se enfatizar a semente Embrapa 59, para solos corrigidos e com fertilidade alta,
segundo Embrapa Soja, 1999, já para os ciclos de plantações semi tardios, foram
indicadas apenas nove espécies de sementes de soja, como por exemplo, a semente
Embrapa 60, apropriada para solos com fertilidade alta, Embrapa Soja, 1999.

Considerações finais

Através da História Ambiental, a possibilidade de novas pesquisas vem instigan-


do um novo olhar para recortes históricos já trabalhados. Observar o processo
de colonização, ocupação das terras oestinas sob esta nova percepção proporcio-
na preencher lacunas antes não percebidas.

190
O solo teve neste processo de colonização iniciado no século XX, sofreu
um processo de transformação, em função da redução das áreas florestais. A
inserção da agricultura e as novas técnicas de manejo e conservação foram neces-
sárias justamente por esse processo de transformação. O plantio da monocultura
da soja fora pensado a partir de uma nova necessidade econômica, onde a agri-
cultura familiar já não se mantinha eficaz para o Celeiro Catarinense. O debate
acerca do aumento da produção agrícola já se fazia presente na Campanha de
Conservação do Solo, lançada pela ACARESC em 1970, assim como a neces-
sidade de conservar o solo. Já não era mais possível o sistema de “derrubada da
floresta e na queima, sendo realizada a semeadura nas cinzas” (BRANDT, 2018,
p. 33), prática esta conhecida como coivara, muito empregada principalmente
por indígenas e caboclos na região do Oeste Catarinense.
Como observado ao longo deste capítulo, para a manutenção econômica
tem-se pensado todo o processo do plantio da soja, desde o preparo do solo até
a colheita e armazenamento dos grãos. Perante a ação antrópica, houve a neces-
sidade de novas práticas de manejo do solo, adubação, sementes geneticamente
modificadas, uso de fertilizantes e maquinários agrícolas, assim como essas téc-
nicas de manejo impõem transformações na paisagem. O uso destas técnicas de
manejo condiz com problemas de erosão, já que o solo em declive e sem vegeta-
ção acaba sendo danificado com a pluviosidade. A utilização de maquinários na
retirada de possíveis “obstáculos”, assim como, a correção e adubação do solo, so-
mado a escolha por sementes geneticamente modificadas, da monocultura soja,
catalisam transformações ambientais, a curto e em longo prazo. O sistema de
monoculturas implantado para fomentar a economia regional possibilita, acima
de tudo, a degradação e intoxicação do meio ambiente. Assim, percebe-se que as
práticas agrícolas muitas vezes, priorizaram o lucro, em detrimento a conserva-
ção ou preservação ambiental.

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neiro, vol.4, n. 8, 1991. P. 198-215

Agradecimentos
Agradecemos a Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) e ao Conselho Na-
cional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelas bolsas PIBIC,
assim como a Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Cata-
rina (FAPESC) por apoio financeiro no projeto: Uma História ambiental das trans-
formações e da antropização das paisagens no Oeste Catarinense (1960 a 1980).

193
Notas
*Graduanda do curso de História pela Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) campus Chapecó.
Bolsista de iniciação científica pelo edital Nº 540/GR/UFFS/2021, projeto intitulado: Transformações e
preservação ambiental no Oeste de Santa Catarina, nas décadas de 1980 e 1990, orientada pela Prof. Dra.
Samira Peruchi Moretto. E-mail: [email protected].
**Graduanda do curso de História pela Universidade Federal da fronteira Sul (UFFS) campus Chapecó.
Bolsista de iniciação científica da CNPq, pelo edital Nº 540/GR/UFFS/2021, projeto intitulado: História
Ambiental: a vitivinicultura no Meio-oeste e Oeste catarinense (1970 a 1990), orientada pela Prof. Dra.
Samira Peruchi Moretto. E-mail: [email protected].
***Graduanda do curso de História pela Universidade Federal da fronteira Sul (UFFS) campus Chapecó.
Bolsista de iniciação científica da CNPq, pelo edital Nº 540/GR/UFFS/2021, projeto intitulado: Do An-
tropoceno ao “Soyaceno”: Transformações Socioambientais nas Fronteiras de Brasil, Argentina e Paraguai,
orientada pelo Prof. Dr. Claiton Marcio da Silva. E-mail: [email protected].

194
A expansão da soja em Soledade/RS
(1960 a 1985)

Márcio Comin*

A soja se constitui de uma das mais antigas cultivares e um dos alimentos que con-
têm grande quantidade de proteínas que podem ser consumidas pelo ser humano
na forma de diversos produtos, assim como, pode servir para nutrição animal. É
o gênero agrícola que lidera as exportações com larga vantagem sobre as demais
culturas, constituindo a base econômica de um grande número de municípios
do Norte do Rio Grande do Sul, em especial, de Soledade, foco de nosso estudo.
Essa trajetória histórica do avanço da soja como principal cultura rio-gran-
dense foi marcada pelo processo de modernização da agricultura, ocorrida no
Brasil na segunda metade do século XX, que evidenciou a mudança da base téc-
nica da agricultura provendo uma nova forma de produzir para o campo. Nesse
sentido, ocorreu a introdução do pacote tecnológico da Revolução Verde, ou
seja, na mecanização, no uso de sementes híbridas, agrotóxicos e fertilizantes
visando o aumento da produção e da produtividade.
Nesse cenário, era também intenção do Estado brasileiro diminuir o défi-
cit na balança comercial com as importações de produtos industrializados, para
isso, estimulou o desenvolvimento de algumas culturas por meio do crédito sub-

195
sidiado que atendeu a parte dos agricultores. Atraídos pela valorização da soja no
mercado internacional e ao mesmo tempo, pela decadência do trigo, os produto-
res rurais centralizaram sua atenção para o cultivo da soja.
O objetivo central desse trabalho é refletir sobre a expansão da soja no mu-
nicípio de Soledade/RS, entre os anos de 1960 e 1985, destacando os impactos
socioambientais decorrentes dessa atividade. Justificamos a importância des-
sa pesquisa como forma de ampliarmos a compreensão da história rural assim
como, demonstrar a relevância que a agricultura possuiu na formação socioeco-
nômica e ambiental do município em estudo.
Partimos de uma questão problematizadora, que buscou identificar quais
foram os elementos que possibilitaram a expansão da soja e quais impactos so-
cioambientais essa cultura promoveu em Soledade/RS, no recorte temporal re-
ferido. A abordagem utilizada é a da História Ambiental, por entender que ela
nos ajuda a ampliar o leque interpretativo do processo histórico, além de fornecer
subsídios de outras áreas do saber que nos auxiliam na compreensão da realidade.
As fontes históricas empregadas na pesquisa foram o censo agropecuário
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que permitiram o le-
vantamento de dados relevantes sobre a modernização da agricultura e sobre a
soja e também, analisamos dois Jornais: O Paladino e a Folha de Soledade, dis-
poníveis no Arquivo Histórico Municipal, que nos forneceram interpretações
sobre a disseminação da sojicultura no município.

Breve histórico

A cultura da soja é conhecida a pelo menos 5 mil anos. Originária da região chi-
nesa da Manchúria, a leguminosa era utilizada para alimentação humana e animal,
expandiu-se por Coreia e Japão entre os séculos II e III d.C. Já na Europa, apenas
no, no século XVIII onde foi cultivada de forma ornamental em jardins botânicos.
No continente americano, os Estados Unidos da América (EUA) realizaram os
primeiros experimentos com a planta em 1808, no estado da Pensilvânia, todavia,
os agricultores norte-americanos mostraram interesse no cultivo apenas em 1880
para a produção de alimento aos animais (BONATO; BONATO, 1977, p. 9).

196
No Brasil, a literatura pesquisada aponta o ano de 1882, para a introdução
dos primeiros experimentos com a planta na Bahia, sendo o Engenheiro Agrô-
nomo Gustavo Dutra, da Escola Agronômica Baiana, figura central. Porém, ve-
rificou-se que as sementes aclimatadas para o ambiente norte-americano não se
adaptaram as baixas latitudes daquele estado, não obtendo êxito. Mais tarde em
São Paulo, no Instituto Agronômico de Campinas em 1891, novos testes foram
realizados e considerados positivos na produção de feno e grãos (DALL’AG-
NOL, et al., 2016, p. 1).
A introdução da soja no estado do Rio Grande do Sul, beneficiada pelo cli-
ma semelhante ao sul dos EUA, revela pontos de vista variados, não havendo um
consenso. Levamos em consideração os escritos de Emídio Rizzo Bonato (1987,
p. 9), que chama a atenção para o ano de 1901, onde houve o relato de uma expe-
riência com o plantio da soja realizada por A. Welhaüser, no município de Dom
Pedrito. Segundo o autor, oficialmente, considera-se que o marco inicial para a in-
serção da soja em nosso estado ocorreu em 1914, a partir da publicação de estudos
do professor F. C. Craig, estadunidense que lecionou na Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS) e distribuiu sementes a unidades experimentais.
Há também de se considerar o papel desempenhado pelo pastor norte-a-
mericano Albert Lehenbauer que trouxe as primeiras sementes de soja amarela
para Santa Rosa, cidade localizada na região Noroeste do estado gaúcho. As Mi-
crorregiões das Missões, Alto Uruguai e Planalto Médio fizeram parte da “Fren-
te de Expansão da Soja”, que na década de 1970 era a maior produtora de grãos
do Brasil (ALVES, 2013, p. 125).
Em carta enviada a parentes no ano de 1976, Helene, esposa do pastor
Albert Lehenbauer, assim descreveu as primeiras plantas da soja trazidas à ci-
dade de Santa Rosa:

Chegamos em Santa Rosa em 12 de novembro de 1923. Logo na


chegada, Lehenbauer iniciou o plantio. Lembro-me exatamente
que os primeiros pés de soja não chegavam a crescer nem mesmo
um palmo, no entanto carregavam uma ou duas vagens, as quais
continham igualmente um ou dois grãos. Assim ele continuou
plantando e a soja sempre crescendo e vindo cada vez mais, com
maiores grãos e vagens (CHRISTENSEN; BINDÉ, 2004, p. 40).

197
Ao produzir os primeiros grãos na região de Santa Rosa, a lavoura da soja se
expandiu para outros locais, porém, é importante ser rememorado que inicialmen-
te, esse produto tinha mercado restrito para a venda. Era utilizado principalmente
na “ração dos porcos que passaram a engordar muito mais rápido do que se alimen-
tados com abóbora, milho, mandioca e restos de cozinha” (HESSE, 1996 p. 22).
A criação de suínos era uma das atividades econômicas mais importantes,
dele se extraía a carne e a banha, que era bastante valorizada, revendida no co-
mércio em Santo Ângelo e Ijuí, pois “naquele tempo, se ganhava dinheiro ou
plantando fumo ou criando porcos” (CHRISTENSEN; BINDÉ, 2004, p. 53).
Eventualmente, o grão também era usado na alimentação humana na fabricação
de farinha para o pão ou secada e moída para ser consumida como bebida, em
substituição ao café (CHRISTENSEN; BINDÉ, 2004, p. 55).
A disseminação das sementes da soja esteve ligada à ideia de compartilha-
mento, comum nas comunidades rurais. Assim, as sementes plantadas e colhi-
das eram divididas com os vizinhos, parentes ou conhecidos, proporcionando
a troca de experiências e do conhecimento sobre a nova cultura. Nesse sentido,
é bastante significativo o depoimento de Maria Racho, que afirma: “Lembro-
-me quando tinha 9 anos, conheci o Pastor Lehenbauer que trouxe as sementes
de soja para os paroquianos. Nas primeiras colheitas, todos os que ganharam
sementes, tinham que repartir com os outros e assim por diante” (CHRISTEN-
SEN; BINDÉ, 2004, p. 52).
Recordamos que o comércio da soja e, portanto, de sementes, ainda não
havia se constituído, sendo preponderante as atividades econômicas de criação
como o gado, os suínos e culturas ligadas a subsistência como a mandioca, o
feijão, o trigo e o milho. A lavoura da soja somente iria adquirir alguma impor-
tância econômica a partir de 1941, onde consta a produção de 457 toneladas (t)
e em 1947, o Brasil passou a fazer parte das estatísticas internacionais como país
produtor, atingindo 25.881 t do produto (DALL’AGNOL, 2016, p. 22).

198
Os fatores da expansão da soja

A situação da agricultura e particularmente da soja, começou a modificar-se


após a Segunda Guerra Mundial por uma série de fatores que estão imbricados
ao contexto internacional e também, a elementos de ordem interna nacional.
Externamente, terminada a 2ª Guerra, os EUA e a União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (URSS) despontaram como superpotências competindo
entre si por áreas de influência que representavam o prolongamento de seus in-
teresses políticos, econômicos e militares pelo mundo. Naquele cenário o de-
bate sobre a fome tornou-se central, pois, muitos países sofriam com a falta de
alimentos. A alternativa para amenizar o problema foi proposta pela Fundação
Rockefeller e Ford, que ficou conhecida como Revolução Verde.
De acordo com Brum, a Revolução Verde:

[...] tinha como objetivo explícito contribuir para o aumento da


produção e da produtividade agrícola no mundo, através do de-
senvolvimento de experiências no campo da genética vegetal para
a criação e multiplicação de sementes adequadas às condições dos
diferentes solos e climas e resistentes às doenças e pragas, bem
como da descoberta e aplicação de técnicas agrícolas ou tratos cul-
turais mais modernos e eficientes (1985, p. 59).

Andrioli (2008, p. 103) afirma que a Revolução Verde se baseava em al-


guns elementos interligados como a mecanização exemplificada pela produção
de tratores, colheitadeiras e equipamentos; a aplicação de adubo químico, pesti-
cidas e medicamentos animais e o progresso da biologia, mostrado por meio do
desenvolvimento de sementes híbridas e de novas raças de animais com poten-
cial reprodutivo superior.
As qualidades nutritivas da soja permitiram o crescimento de sua impor-
tância econômica em termos externos, contribuindo para o aumento da de-
manda e consequentemente para o preço do produto no mercado internacional
(CONCEIÇÃO, 1986, p. 23). Na prática, os países e regiões que possuíam as
condições edafo-climáticas para a produção da soja, e isso incluía o Rio Grande
do Sul e consequentemente Soledade, seriam beneficiadas com o aumento da
produção, possibilitando o alargamento do mercado para essa cultura.

199
Contribuiu para a expansão dos mercados externos para a oleaginosa o au-
mento significativo na produção de aves de corte entre o final de 1960 e início dos
anos de 1970 no Brasil, ocasionado demanda crescente de rações com alto teor
proteico, ao mesmo tempo, ocorreu a diminuição na oferta de outras fontes de
proteína como o amendoim e a farinha de peixe. Incluiu-se nesse contexto especí-
fico, a retração da produção norte-americana, fator que também favoreceu para a
excelente cotação da soja no mercado internacional (CUIABANO, 2019, p. 472).
Internamente, vários elementos se relacionavam a expansão da produção da
soja com destaque, para o que se chamou de modernização da agricultura que
modificou a sua base técnica via introdução do pacote tecnológico da Revolução
Verde (sementes híbridas, fertilizantes químicos e mecanização), sem promover
alterações na grande propriedade (SILVA, 1998, p. 19). Também estabeleceu ou-
tras relações possíveis, pois ao mesmo tempo em que foram ocorrendo inovações
tecnológicas, foi se estruturando transformações sociais que dizem respeito à or-
ganização do modo como se produz. A forma de pagamento de mão-de-obra é
cada vez mais assalariada, os pequenos produtores vão sendo expropriados, dando
lugar a formas de produção empresarial (GRAZIANO NETO, 1982, p. 26).
O objetivo principal da modernização da agricultura era aumentar a pro-
dução e a produtividade por meio do uso de capital e da tecnologia. Esses atri-
butos foram disponibilizados principalmente pelo Estado que tomou para si a
tarefa de financiar e subsidiar o desenvolvimento no campo, centralizando as
políticas públicas para agricultura, exercendo estímulos a algumas culturas de
exportação, entre elas a soja, sendo que nesse percurso, acentuaram-se as desi-
gualdades sociais e os problemas ambientais (SILVA; ANJOS, 2020, p. 2).
Campos (2012, p. 4-5) avalia que foi possível constatar grande participa-
ção dos produtos primários nas exportações entre 1968 a 1973, sendo o aumen-
to mais notável o da soja, passando de 1,9% e 19% respectivamente. Ressalta que
a soja se serviu de todo o aparato de subsídios e insumos modernos, transfor-
mando-se em importante produto comercial.
Destacamos que a modernização foi facilitada pela criação do Serviço Na-
cional de Crédito Rural (SNCR) em 1963, que disponibilizou grande quantida-
de de recursos financeiros para a progressiva mecanização e compra de insumos

200
para a agricultura e a fundação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(EMBRAPA) em 1973, que dinamizou as pesquisas na agropecuária, em espe-
cial as sementes de soja (CAMPOS, 2010, p. 10).
Os fatores internos vão para além da modernização da agricultura que ora
descrevemos brevemente. Outros parâmetros também foram importantes para a
compreensão da conjuntura que transformou a soja em “carro chefe” da agricul-
tura modernizada, para exemplificá-los consideramos importantes as ideias de
Dall’agnol, que aponta:

1. Semelhança do ecossistema do sul do Brasil com aquele predo-


minante no sul dos EUA, favorecendo o sucesso na transferência
e adoção de cultivares e outras tecnologias de produção. 2. Esta-
belecimento da “Operação Tatu”(calagem e fertilização dos solos
ácidos e inférteis) no estado do RS, em meados dos anos 60, onde
se concentrou a quase totalidade da produção brasileira de soja.3.
Incentivos fiscais aos produtores de trigo durante os anos 50, 60 e
70, beneficiando igualmente o cultivo da soja, que utilizava, no ve-
rão, as mesmas áreas, mão de obra e maquinaria do trigo. 4. Merca-
do internacional em alta, principalmente na primeira metade dos
anos 70, como consequência da frustração da colheita de grãos na
ex-União Soviética e China, assim como da pesca de anchova no
Peru, cujo farelo era amplamente utilizado como componente pro-
téico na fabricação de rações para animais domésticos, passando,
os fabricantes de rações, a utilizar o farelo de soja a partir de en-
tão. 5. Substituição das gorduras animais (banha e manteiga) por
óleos vegetais e margarinas, mais saudáveis ao consumo humano.
6. Estabelecimento de um importante parque industrial de proces-
samento de soja, de desenvolvimento e produção de máquinas e
implementos, assim como, de produção de insumos agrícolas (anos
70/80). 7. Facilidades de mecanização total da cultura. 8. Estabe-
lecimento de um sistema cooperativista dinâmico e eficiente, que
apoiou fortemente a produção, o processamento e a comercializa-
ção das colheitas 9. Estabelecimento de uma bem articulado rede
de pesquisa de soja, envolvendo os poderes públicos federal e es-
tadual, apoiada financeiramente pela indústria privada e, 10. Me-
lhorias nas estradas, nos portos e nas comunicações, facilitando e
agilizando o transporte e as exportações (2007, p. 4).

201
Avalia-se que a expansão da soja pelo município de Soledade, no recorte
histórico de 1960 a 1985, foi beneficiada pelo aumento gradativo do mercado
internacional para esse produto em específico. Da mesma forma que fatores in-
ternos, colaboraram para o seu pleno desenvolvimento, principalmente a partir
da década de 1970, como veremos adiante.

A Soja em Soledade

O município de Soledade/RS, fundado em 1875 a partir de sua emancipação de


Passo Fundo, está localizado no norte do Rio Grande do Sul. Ao longo de sua
trajetória histórica apresentou realidade socioeconômica e ambiental distinta.
Em grande parte de seu território, prevalecia a pecuária extensiva, praticada em
latifúndios. Em outras áreas, havia a existência de uma agricultura rudimentar,
sobretudo de subsistência, onde se inteiravam elementos sociais característicos
como grandes proprietários onde a eles estavam ligados peões e arrendatários.
Nas regiões de policultura era comum a presença de grande número de caboclos,
posseiros ou proprietários e um número crescente de imigrantes alemães e italia-
nos (KAJAWUA, 2001, p. 36).
O Município era composto originalmente por campos nativos e a Floresta
Ombrófila Mista, em uma região de transição campo/floresta onde atividades
econômicas e tipos sociais diferentes interagiram com o meio ambiente, trans-
formando-o em novas possibilidades econômicas e ao mesmo tempo, alterando
ou mesmo destruindo suas caraterísticas originárias. Diante dessa complexidade
das sociedades humanas, a natureza ora foi vista como sinônimo de obstáculo
ao desenvolvimento, precisando ser removida e por outro lado, configurou-se
como símbolo da própria riqueza, sendo almejada. Estabelece-se uma ideia de
fronteira móvel balizada não por limites ou marcos divisórios, mas pela ideia que
se construiu dos espaços intocados e do cultivado (GERHARDT, 2013, p. 77).
Uma das formas de observarmos os espaços cultivados e como foram
ganhando terreno entre os campos nativos e o mato, mostrando o avanço da
agricultura e da soja, são os elementos informativos que compõem o censo do
IBGE, os quais utilizamos como fonte de pesquisa. Dados importantes que de-

202
monstram a expansão da oleaginosa no município em estudo podem ser vistos,
embora estejamos conscientes que os números não apresentam uma verdade in-
questionável, mas apontam caminhos e reflexões.
Os primeiros registros da sojicultura em Soledade/RS datam de 1950,
onde se constatou 15 toneladas (t) produzidas, sendo que o documento pes-
quisado não registrou a área plantada. Em 1960, a soja ocupava apenas 84 hec-
tares (ha) de área plantada, produzindo 84 toneladas do grão. No decorrer do
marco temporal de nosso estudo, podemos observar aumento sucessivo da área
plantada, com exceção do quinquênio 1980/85, onde mostra pequena redução,
enquanto que a produção foi sempre ascendente. Porém, ressalta-se que o trigo
e o milho constituíam-se importantes culturas temporárias de inverno e verão
respectivamente pelo menos até 1975, quando a soja passa a ocupar o posto de
principal cultura em área e produção.

Milho Trigo Soja


Ano Área (ha) Prod. (t) Área (ha) Prod. (t) Área (ha) Prod. (t)
1960 12.827 17.717 9.441 6.435 84 84
1970 24.809 25.415 16.428 11.783 6.978 3.535
1975 18.018 22.268 8.000 5.036 27.957 36.604
1980 15.747 19.808 9.949 6.970 38.155 51.137
1985 15.042 20.200 7.310 6.422 37.141 55.259

Tabela 1. Principais culturas temporárias de Soledade: 1960 a 1985. Fonte: Elaborado pelo autor a
partir de IBGE, 1960 a 1985.

A expansão da soja em Soledade/RS entre os anos de 1960 a 1985 esteve


vinculada ao cultivo do trigo que era base econômica não apenas de Soledade, mas
regional. Desde as primeiras décadas do século XX, existiu uma conexão estreita
entre a produção do trigo com o estabelecimento de moinhos na região, incluin-
do o Moinho Soledadense Ltda, construído em 1952, para atender a demanda
na fabricação de farinha de trigo e milho (O PALADINO, 11 maio 1968, p. 3).
Essa relação pôde ainda ser verificada com utilização de ambas as culturas
nas mesmas áreas de plantio. Possibilitava ao agricultor, duas safras ao ano, uma
no verão e outra no inverno, o que favorecia a rotação de culturas e a consolidação
do binômio trigo/soja como alternativa para aumentar a renda da propriedade.

203
Como afirma Tedesco; Sander, “[...] falar em trigo é falar em Vargas em
nível de estado e país” (2002, p. 102), devido às políticas de incentivo à produ-
ção do cereal que quando governador, estimulou o melhoramento das semen-
tes através da instalação de unidades de pesquisa logo depois, em 1930, quando
presidente, a grande preocupação era a concessão de estímulos financeiros que
aumentassem a produção visando à substituição das importações que, segundo
os autores ocorreu após a Segunda Guerra Mundial (2002, p. 103).
Entre os anos de 1956 e 1967, a cultura do trigo entrou em decadência (TE-
DESCO; SANDER, 2002, p. 93), abrindo espaço para que a soja se expandisse,
utilizando-se das máquinas e implementos que outrora serviram para as atividades
tritícolas. A ampla utilização de insumos modernos e da mecanização da lavoura
são atributos marcantes na produção de soja em Soledade. Favoreceu e dinamizou
o comércio local e regional impulsionado pela modernização da agricultura.
São fartamente propagandeados nos jornais, as casas de comércio que ven-
diam, revendiam e forneciam assistência aos agricultores. A Hexel Tratores, reven-
da Valmet para a região, prometia a entrega de toda linha de implementos e assis-
tência técnica aos agricultores e plantões durante plantio e colheita (FOLHA DE
SOLEDADE, 17 novembro 1984, p. 7). A Comercial Agro Máquinas Soledade,
vendia trilhadeiras, motores, grades, arados entre outros (O PALADINO, 01 se-
tembro 1973, p. 7), a Alto Agrícola S/A, empresa de Passo Fundo com filial em
Soledade, era representante dos tratores Massey Fergusson e caminhões Volkswa-
gen para Soledade e região (FOLHA DE SOLEDADE, 24 dezembro 1985, p. 6).
A criação da Cooperativa Agrícola Soledade Ltda, em 1969, também foi
fundamental para a ampliação da importância da soja, pois foi responsável por fo-
mentar a atividade agrícola no município. Inicialmente os silos de armazenamen-
to eram alugados, pertenciam a Companhia Brasileira e Armazenamento (Cibra-
zem), ligada ao recebimento do trigo, milho e outros grãos. Posteriormente, a
estrutura foi repassada a cooperativa (BORGES, 2019, p. 59), que não tardou em
ampliar sua estrutura física e suas atividades ligadas à oleaginosa e aos agricultores.
A reportagem de O Paladino destaca o papel desempenhado pela institui-
ção cooperativista no atendimento ao homem do campo, “que agora pode ter
assistência com orientação segura e consciente de Engenheiros Agrônomos para
redução de riscos e aumento da produtividade”. Mais adiante a notícia registra o

204
papel financeiro da cooperativa na “concessão de financiamentos capazes de au-
mentar o quadro de máquinas e custear as despesas das safras agrícolas”, oferecia
ainda, “ótima estrutura para o recebimento e comercialização evitando atraves-
sadores” (O PALADINO, 21 setembro 1974).
Todavia, a assistência técnica era insuficiente, havia apenas dois profissio-
nais para atender cerca de 2.400 associados (O PALADINO, 13 maio 1972, p.
02), por isso, assinaram-se acordos de assistência técnica que envolviam a coope-
rativa, Emater e Prefeitura de Soledade (FOLHA DE SOLEDADE, 5 outubro
1985, p. 07). Além das atividades já citadas, a Coagrisol também era responsável
pela venda de insumos como fertilizantes, sementes melhoradas e agrotóxicos
(O PALADINO, 03 fevereiro 1973, p. 8).
A agricultura comercial foi ganhando força em Soledade, impulsionada
pela modernização da agricultura aliada ao crédito subsidiado e ao binômio tri-
go/soja, foi conquistando importante espaço econômico tradicionalmente ocu-
pado pela pecuária. No entanto, é oportuno dizer que na medida em que a soja
ia se alastrando, importantes problemas ambientais foram sendo registrados.
Nesse sentido, o plantio convencional que consistia na gradagem, subsolagem e
escarificação, (PES; GIACOMINI, 2017, p. 31), era utilizado de forma intensi-
va, deixava o solo desprotegido contra a ação hídrica o que ocasionava a erosão
(DEBIASI, 2013, p. 11-12).
Em reportagem que impactou a opinião pública local, a Folha de Soleda-
de registrou a ocorrência de uma voçoroca. Formada ao longo de seis anos, na
comunidade de São João dos Delavy, interior de Soledade. A grande vala, com
cerca de cento e cinquenta metros de extensão, medindo de vinte a trinta metros
de largura e aproximadamente treze metros de profundidade, inutilizou parte da
lavoura usada no plantio de trigo e soja, causando alterações profundas na pai-
sagem. Como diz a reportagem “Somente a natureza poderá recuperar. Prazo?
Mais de cem anos” (22 dezembro 1990, p. 11).
Registram-se também as dificuldades do agricultor local em abandonar a
antiga prática da queimada, herança indígena da coivara, para “limpar” a palha-
da ou mesmo para renovar a pastagem dos campos utilizados com o gado, fator
que potencializou a erosão, pois contribui para deixar o solo desprotegido e que
também diminuía a fertilidade (REDIN et al., 2011, p. 388).

205
O fogo também foi usado na tentativa de diminuir as populações do Ta-
manduá-da-soja (Sternechus subsignatus), conhecido também como bicudo-da-
-soja que afetava as lavouras de Soledade. Entretanto, como salientou o Agrô-
nomo da Emater Regional, de Passo Fundo, “é importante chamar a atenção
dos agricultores que desejam queimar a resteva da soja, pensando em controlar
a praga, esta prática não tem nenhum valor”. Isso porque a larva do inseto “hi-
bernava em galerias de 5 a 10 centímetros abaixo do solo”, onde o fogo não iria
atingir (FOLHA DE SOLEDADE, 21 abril 1990, p. 4).
Na medida em que a sojicultora vai se popularizando entre os agricultores
do município pesquisado, expandindo as áreas de cultivo e aumentando a pro-
dução sob a lógica do capital, foi possível registrar o acréscimo no uso de agro-
tóxicos para controle das pragas e ervas daninhas. Houve casos de intoxicação
humana e animal e contaminação de rios.
Em 1974 em uma matéria do Jornal O Paladino, consta o número de vinte
casos de intoxicação por agrotóxicos e um óbito. Alerta ainda que até março de
1975, conforme registro do hospital municipal, haviam ocorrido cinco casos de
intoxicação. O motivo apontado para as ocorrências aparece grifado no texto,
como sendo uso incorreto do agrotóxico. Mais adiante, pondera que há outros
tantos casos de envenenamento que afetam animais domésticos, o gado e as abe-
lhas e finaliza afirmando, que cabe uma maior orientação técnica para aqueles
que usam inadequadamente os agrotóxicos (10 maio 1975, p. 5).
No ano de 1989 também houve uma denúncia, exposta nas páginas da Fo-
lha de Soledade (25 mar. 1989, p. 2) na qual um morador de Água Branca, inte-
rior do município de, declarou às autoridades a contaminação de um rio chama-
do popularmente de Taquara da Lixa. Contatou-se a morte de peixes, tartarugas
e caranguejos e cheiro forte na água. Pontua também, que nas comunidades do
interior a alocação dos recipientes de agrotóxicos constituia-se em um problema,
pois não havia um local protegido do vento e chuva, tratando-se de um poço que
recebe os vasilhames vazios e que exalam cheiro.
A explicação de que a contaminação por agrotóxicos se devia ao uso ina-
dequado é bastante comum entre as décadas de 1960 a 1990. Coloca sobre o

206
agricultor a responsabilidade pelo infortúnio e eximia o fabricante e a substância
contaminadora, contudo, como diz Garcia (1996, p. 3), trata-se de uma expli-
cação simplista porque há outros fatores determinantes para que haja contami-
nação por agrotóxicos, sendo importante também, o nível educacional, acesso a
orientação técnica, máquinas e equipamentos adequados.
A moderna agricultura trouxe índices de produção e produtividades eleva-
dos beneficiando parte dos agricultores, contribuindo para reforçar o estigma do
agricultor moderno, ou seja, aquele que “conseguia ter melhor produtividade,
melhor produção, equipamentos e máquinas de última geração, obter sementes
geneticamente melhoradas [...]” (NEVES et al., 2010 p. 27), para o governo era
esse o modelo que se pretendia como forma de alavancar o setor rural e fazer
progredir a balança comercial.
Por outro lado, os ganhos auferidos com o aumento da produtividade e da
produção constatados também em nível local, contrasta com a diminuição de
culturas destinadas a produção de alimentos, geralmente oriunda de pequenos
produtores rurais, que não tiveram condições de continuar produzindo em vista
da falta de incentivos.
Como afirma Graziano Neto (1982, p. 59), “As condições de rentabilida-
de do setor exportador sempre foram melhores e para tais atividades sempre se
direcionaram os maiores capitais, pois o que interessa no capitalismo é o lucro”.
Portanto, não interessava ao capital a produção de um ou outro produto de sub-
sistência, mas sim, a manutenção de lavouras ligadas à exportação. Essa foi uma
das razões que levaram os pequenos produtores a impossibilidade de continua-
rem a produção de gêneros de subsistência.
A produção de mandioca foi a mais afetada. É provável que as razões prin-
cipais para sua brutal diminuição estava relacionada às mudanças dos hábitos
alimentares da população, onde o arroz vai ganhando espaço no gosto popular e
o milho ainda desempenha papel importante na alimentação humana (SILVA;
MURRIETA, 2014, p. 51). A Tabela 2 mostra a queda de produção e área plan-
tada das principais culturas de subsistência de Soledade.

207
Lavouras 1960 1970 1975 1980 1985
Arroz 1.065 (ha) 1.891 (ha) 2.524 (ha) 1.492 (ha) 1491 (ha)
1.331 (t) 1.193 (t) 1.948 (t) 845 (t) 1014 (t)
Feijão 7.514 (ha) 4.789 (ha) 5.139 (ha) 6.430 (ha) 5.815 (ha)
4.536 (t) 2.337 (t) 2.961 (t) 2.640 (t) 3.101(t)
Mandioca 3.998 (ha) 1.782 (ha) 549 (ha) 510 (ha) 748 (ha)
38.723 (t) 17.172 (t) 5.343 (t) 5.050 (t) 7.965 (t)
Batata-doce - - 206 (ha) 228 (ha) 40 (ha)
25 (t) - 1.176 (t) 1.370 (t) 258 (t)
Batata Inglesa - 276 (ha) 161 (ha) 40 (ha) 57 (ha)
285t 422 (t) 312 (t) 185 (t) 79 (t)

Tabela 2. Principais lavouras de subsistência em Soledade: 1960 a 1985. Fonte: Elaborado pelo autor,
a partir do censo agropecuário de 1960 a 1985.

Outro motivo é que as culturas coloniais incluía-se também a batata doce e


a batata inglesa, foram incapazes de concorrer com a soja devido ao baixo valor
de mercado e de rentabilidade, sendo que nessa relação a oleaginosa apresentava
possibilidades maiores de lucro (CONCEIÇÃO, 1986, p. 57).
No entender de Schlesinger; Noronha (2006, p. 138-139), a desestrutura-
ção das lavouras baseadas na produção diversificada de alimentos, que é uma das
características das pequenas propriedades, viola o direito ao trabalho uma vez
que “a baixa empregabilidade do agronegócio não permite a reinserção produ-
tiva dos trabalhadores rurais ou se o faz, lhes proporcionam empregos de baixa
qualidade”e também, defende que a “ocupação das áreas pela monocultura colo-
ca milhares de famílias em situação de insegurança alimentar”.
Sob o ponto de vista ambiental, as lavouras condicionadas à exportação,
exemplificadas na soja contribuíram não apenas para as modificações na dinâ-
mica socioeconômica das pequenas propriedades, mas pela diminuição da bio-
diversidade. No entender de Gerhardt e Nodari, (2016, p. 61), isso significou a
perda de um patrimônio ambiental que se instrumentalizou, no final do século
XX. Argumentam ainda, que com a Revolução Verde e a modernização da agri-
cultura, “[...] a maior parte das necessidades alimentares globais eram supridas
por um número de plantas escolhidas e cultivadas por sua produtividade, ou seja,
95% dos alimentos provinham de apenas 30 espécies”.

208
O Jornal Folha de Soledade registrou a problemática da monocultura em
âmbito local associando-a ao êxodo rural no município. Era um ano de seca e,
portanto, de prejuízos no campo. Diz a matéria:

A questão fundamental é que sejam apurados os motivos do êxo-


do rural [...] agora a seca fez com que um deles viesse à tona, a
monocultura [...] que deixa o agricultor na dependência de contar
com uma produção alta. Enquanto houver uma resistência à di-
versificação de culturas este item continuará a causar mais trans-
tornos de falta de alimentos [...]. Para se combater o êxodo rural a
zona rural deveria ter prioridade [...] (25 janeiro 1986, p. 4).

Existia em Soledade a preocupação com os problemas relacionados a mo-


nocultura e ao êxodo rural. No entanto, o processo de desenvolvimento do meio
rural impulsionado pela modernização da agricultura, impunha uma nova forma
de produzir, para a qual, parte dos agricultores não pôde acompanhar.

Conclusão

Por fim, partimos da ideia de que a expansão da soja no município de Soleda-


de/RS entre os anos de 1960 a 1985 esteve ligada ao processo histórico amplo,
relacionado à Revolução Verde, que proporcionou novas tecnologias baseadas
no uso de sementes híbridas, fertilizantes químicos, agrotóxicos e na mecani-
zação com objetivo de aumentar a produção e a produtividade agrícola. Essas
ideias foram adotadas no Brasil na segunda metade do século XX sob o rótulo
de modernização da agricultura contando com a tutela do Estado brasileiro, que
financiou e subsidiou a agricultura, concentrando investimentos nas lavouras de
exportação, sendo um dos objetivos, o de equilibrar as contas externas.
A expansão da soja no município em estudo aconteceu posteriormente em
relação a outros locais da região Noroeste do estado do Rio Grande do Sul, be-
neficiada principalmente pelo preço no mercado internacional e pela moderni-
zação da agricultura, tendo na cooperativa o seu principal centro dinamizador.
Esses fatores favoreceram para o predomínio da oleaginosa que, a partir de 1975,
assumiu o protagonismo na agricultura de Soledade superando o trigo e o mi-

209
lho em área plantada e produção. Colaborou para estimular o comércio local e
regional de insumos e máquinas agrícolas. Simultaneamente, ajudou a alterar a
configuração das lavouras de subsistência em virtude de sua ampla aceitação no
mercado de exportação contribuindo para a perda da biodiversidade.
Constataram-se problemas ambientais envolvendo a cultura da soja, asso-
ciados ao uso de agrotóxicos, que causaram a contaminação de rios, pessoas e
animais e também envolvendo a erosão, causada pelo plantio tradicional e pela
queima que deixava o solo desprotegido da ação da chuva, causando erosão evi-
denciada na sua forma mais grave, a voçoroca.

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Agradecimentos
Ao findar esse trabalho de pesquisa, agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoa-
mento de Pessoal de Nível Superior – CAPES/DS pela bolsa de estudos concedida
que juntamente Arquivo Histórico Municipal de Soledade, tornou possível esse es-
tudo, possibilitando novas oportunidades de entendimento sobre a agricultura local.

Notas
*Professor da Rede Estadual e Municipal de Soledade/RS, Pós-graduado em Gestão Democrática Escolar
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Mestrando em História pela Universidade de
Passo Fundo - UPF, na linha de pesquisa Economia, Espaço e Sociedade orientado pelo Professor Dr. Marcos
Gerhardt.

212
PARTE III

Os impactos socioambientais
como tema de estudo
A água diante do desastre
socioambiental da Samarco

Lissandra Lopes Coelho Rocha*

O rompimento da barragem de rejeitos minerais da Samarco/Vale/BHP, situada


em Mariana/MG em uma região de cabeceira da bacia hidrográfica do rio Doce,
representou um desastre socioambiental de grande magnitude e repercussão.
O Encarte Especial sobre a bacia do rio Doce da Superintendência de Pla-
nejamento de Recursos Hídricos descreve a bacia do rio Doce presente nos esta-
dos de Minas Gerais e Espírito Santo com desigualdade entre as suas diferentes
regiões. Como é uma bacia que tem em sua trajetória atividades econômicas de
extração mineral, abriga em sua extensão diversas barragens de rejeitos. Além
disso, ressalta-se a rica biodiversidade da bacia quase totalmente inserida no bio-
ma de Mata Atlântica (AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS, 2016, p. 5-6).1
A bacia hidrográfica do rio Doce compreende 225 municípios, cujos terri-
tórios estão totalmente ou parcialmente nela inseridos, sendo 200 mineiros e 25
capixabas. São 209 sedes municipais localizadas no território da bacia, com uma
população residente de aproximadamente 3,6 milhões de habitantes (INSTI-
TUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2010).

  Acesso ao Encarte Especial sobre a Bacia do Rio Doce – ANA.


1

215
Segundo dados do Encarte Especial sobre a bacia do rio Doce (2016, p. 10)
as lavras de extração de ferro e minério de ferro se concentram, de modo geral,
nas cabeceiras do rio Piracicaba, um dos principais afluentes do Rio Doce e, em
parte das cabeceiras do rio do Carmo. As minas de ferro da região operam à base
de elevado grau de mecanização e equipamentos pesados, sendo empreendimen-
tos de grandes empresas. As duas principais mineradoras que atuam na bacia são
a Vale e a Samarco Mineração, as duas maiores produtoras de minério de ferro
do país. Das 399 barragens de acumulação de rejeitos de mineração reguladas
pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), 69 estão localiza-
das na bacia do Doce (17,3%) e 55% do total em Minas Gerais (INSTITUTO
BRASILEIRO DE MINERAÇÃO, 2012).
A bacia do rio Doce é encarada como um complexo ecossistema que abran-
ge uma diversidade de biomas, de biodiversidade e de corpos hídricos que res-
pondem pela manutenção de diferentes tipos de serviços ambientais de suporte,
regulação, provisão, entre outros, numa interrelação sistêmica (PINHEIRO et
al., 2019, p. 66) demonstrada na figura 1 abaixo:

Figura 1. Serviços ecossistêmicos gerados pelo Ecossistema da bacia do rio Doce antes da tragédia.
Fonte: Projeto Manuelzão (2018).

216
Os recursos hídricos da bacia do rio Doce desempenham um papel fun-
damental na economia do leste mineiro e do noroeste capixaba, uma vez que
fornece a água necessária aos usos doméstico, agropecuário, industrial e geração
de energia elétrica, dentre outros. Assim, a chegada da lama no rio Doce afetou
grande parte das atividades socioeconômicas das cidades da bacia, já que em tais
ambientes as atividades estavam diretamente ou indiretamente ligadas ao rio,
desde o lazer e turismo, até atividades pesqueiras e agropecuárias.
Além da utilização pela população, os cursos d’água da bacia do rio Doce
têm a função de canais receptores, transportadores e autodepuradores dos rejei-
tos e efluentes produzidos pela atividade da mineração e dos esgotos domésticos
da grande maioria dos municípios ali existentes, o que compromete a qualidade
da água. Tais rejeitos possuem metais e substâncias com características químicas
capazes de comprometer o meio ambiente e a saúde das pessoas que utilizam
essa água. Os rejeitos também provocaram o assoreamento do rio Doce, que ao
tornar-se mais raso deixa a população ribeirinha em situação de alerta diante de
possíveis inundações futuras, além da alteração do ecossistema do rio.
Das 209 sedes municipais da bacia do rio Doce, 149 provém exclusiva-
mente de captações superficiais e 8 delas dependem diretamente da água do rio
Doce. Também dependem dessa água, porém de forma parcial, 32 cidades, que
possuem captações superficiais em outros mananciais (AGÊNCIA NACIO-
NAL DE ÁGUAS, 2011).
Os danos causados pela onda de lama de rejeitos da Samarco foram iden-
tificados como degressivos, já que, quanto mais próximos da barragem maior
foi o dano e suas consequências. Dessa forma, o impacto comum a todas as lo-
calidades refere-se à impossibilidade de utilização da água para abastecimento
rural e urbano, sendo que os municípios que são dotados de fontes de captação
alternativas foram menos afetados.
Tiveram o seu fornecimento de água à população interrompido, em função
das modificações na qualidade da água, os municípios e distritos com sistemas
de abastecimento diretamente dependentes do rio Doce: Alpercata, Governador
Valadares, Tumiritinga, Galiléia, Resplendor, Itueta e distrito de Aimorés, em Mi-
nas Gerais e; Baixo Guandu, Colatina e distrito de Linhares, no Espírito Santo.
Em razão da citada interrupção do serviço de abastecimento também foram afe-

217
tados outros serviços públicos, como saúde e educação, além do comércio de bens
e serviços e indústrias locais supridas pela rede urbana, todos dependentes da rede
pública de água (AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS, 2016, p. 42-43).
A água ganha destaque nesse desastre minerário, já que os rios não foram
só atingidos, mas o desastre usou os rios e córregos como transporte para seus
impactos e destruição, afetando muito mais que um componente hídrico de uma
bacia hidrográfica, mas alterando “habitats, hábitos e coabitantes” (ESPÍNDO-
LA; NODARI; SANTOS, 2019) humanos e não humanos, numa corrente in-
terligada de devastação e prejuízos socioambientais.
Além disso, todo tipo de vida foi carregada e morta com a lama. Foram
ainda afetados pelo mar de lama os ribeirões Gualaxo do Norte e do Carmo,
as comunidades que estavam no caminho da lama: Paracatu de Baixo e Barra
Longa. O “tsulama” invadiu o leito do rio Doce, que já apresentava um cenário
de comprometimento ambiental em função de degradação e escassez hídrica do
passado, ultrapassando os limites toleráveis em sua turbidez (PINHEIRO et al.,
2019, p. 65). Onde antes a turbidez era de 2,50 NTUs (Unidade Nefelométricas
de Turbidez) a lama determinou índices superiores a 800 mil NTUs, sendo o
nível máximo tolerável de 1.500 NTUs.
A grande onda de lama que chegou a 50 metros de altura foi chamada de
“tsulama” pela semelhança com tsunamis. A primeira vez que identificamos esse
termo foi em uma notícia postada em 17 de janeiro de 2016 no site da Asseplan,
empresa de arquitetura, aprovação e regularização imobiliária, ressaltando o des-
preparo do Estado para atuar diante de desastres de tamanha magnitude, além
de apresentar críticas ao processo de aprovação sem aval do Ministério Público e
com condicionantes não cumpridas como a ausência de plano de contingência.
No dia seguinte, o Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (Gesta),
da Universidade Federal de Minas Gerais, postou em seu site matéria também
usando o termo e citando a veiculação do desastre na mídia televisiva ressaltando
informações sobre o conhecimento do risco pela empresa Samarco. Em novem-
bro de 2016 o termo é novamente usado como título de uma reportagem de Pau-
lo Márcio de Mello no site Monitor Mercantil onde faz um relato dos aconteci-
mentos, além de ressaltar o posicionamento do Ministério Público e do Ibama.

218
Mas foi no Blog do Pedlowski2 de ciência, política e sociedade que o termo
foi mais explorado, inicialmente, com a orientação para leitura do artigo de Bru-
no Milanez, “O que não se aprendeu com a tragédia no Rio Doce”, em agosto
de 2017 e posteriormente em 2019, quando o autor do blog explica o porquê
do uso do termo “tsulama” para definir os incidentes de Mariana e Brumadinho.
Segundo o autor, a escolha foi proposital buscando causar impacto aos leitores,
passar a ideia de um movimento “colossal e avassalador”, como se fosse um tsuna-
mi oceânico, produzindo destruição devastadora e em proporções apocalípticas.
Foi assim, de forma arrasadora, que o “tsulama” invadiu o córrego Santarém
(MG) e devastou Bento Rodrigues (MG), exterminou plantações de pequenos
agricultores, matas ciliares, vegetação nativa e nascentes, comprometendo o uso
da água, gerando um desastre socioambiental de grandes proporções.
A violência, a intensidade e a densidade do mar de lama se mantiveram
devastadoras causando a morte de toneladas de peixes e comprometendo a qua-
lidade da água impossibilitando o uso para o abastecimento humano nas cidades
ribeirinhas dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, produzindo uma situa-
ção de caos e calamidade pública por onde passou.
A onda de rejeitos desceu pelo rio Doce, agora caudaloso, tingindo-o ime-
diatamente de uma cor muito forte, em função da lama e comprometendo sua
turbidez. Nesse ponto do rio, onde se concentra a maior população abastecida
pelo rio Doce, o IGAM detectou turbidez de 51 mil UNT no início da manhã
do dia 10 de novembro e um pico de quase 120 mil UNT às 10h40mim do
mesmo dia, nesse mesmo trecho, situado a mais de 300 km distante do local do
desastre (Encarte Especial sobre a Bacia do Rio Doce, 2016, p.36).
A fotografia de Bruno Alencastro (figura 2) abaixo mostra como o mar de
lama se apossou e invadiu toda a cidade, sufocando o rio e deixando somente a
tonalidade de lama por todo o lugar.

2
  Blog construído como espaço de divulgação de fatos, opiniões e informações com o propósito de elevar
a capacidade crítica dos seus leitores. Construído de forma proposital para estabelecer uma ligação com o
trabalho científico realizado pelo seu idealizador com questões que parecem ser fundamentais na conjuntura
atual. O responsável pelo Blog é o Professor Associado da Universidade Estadual do Norte Fluminense em
Campos dos Goytacazes, RJ. Bacharel e Mestre em Geografia pela UFRJ e PhD em “Environmental Design
and Planning” pela Virginia Tech. Pesquisador Colaborador Externo do Centro de Ecologia, Evolução e
Alterações Ambientais da Universidade de Lisboa.

219
Figura 2. Rio Doce em Governador Valadares – MG. Fonte: Foto de Bruno Alencastro / Agencia RBS.

No município de Governador Valadares, o abastecimento de água ficou


interrompido por cerca de sete dias, devido ao desastre com os rejeitos da Barra-
gem da Samarco/Vale/BHP e o reabastecimento só foi possível com a utilização
de produtos químicos que aglutinavam as partículas de rejeito, permitindo a de-
cantação e distribuição. Isso representou afetar um município que é polo da me-
sorregião do Vale do Rio Doce com uma população de 263.689 habitantes que
sofreram os impactos do desastre. Entre todos os municípios e distritos afetados,
Governador Valadares é o que tem maior número de habitantes, representando
quase o dobro em população do segundo município da bacia do rio Doce (INS-
TITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2010).
Logo, a ictiofauna subiu até a lâmina d’água e saltou para fora do rio, mor-
rendo em desespero pela falta de oxigênio. Em pouco tempo, estavam todos mor-
tos. Toda a vida do rio Doce foi dizimada por sufocamento e o odor de podridão
da morte invadiu todas as cidades ribeirinhas. Muito mais do que os organismos
em si, os processos ecológicos responsáveis por produzir e sustentar a riqueza
e a diversidade do rio foram afetados, assim como parâmetros físico-químicos

220
e biológicos da água. O rio Doce que se apresentava enfermo pelo histórico de
contaminação agora tem o diagnóstico de morte de toda a sua biota.
Nessa próxima imagem (figura 3) temos o antes (Dió Freitas) e o depois
(Adilson Fagundes) do rio Doce em um mesmo ângulo, a mostrar claramente a
dimensão do quanto o rio foi soterrado pela lama, gerando impacto até mesmo,
para quem, não o conheceu antes.

Figura 3. Antes e depois do rio Doce. Fonte: Foto antes de Dió Freitas. Foto depois de Adilson
Fagundes / Blog Seja Origens.

A exemplo da figura 3 anterior, também a foto de Heliane Ramos, constan-


te no livro eletrônico “Pesca artesanal e o desastre ambiental no rio Doce” (OLI-
VEIRA et al., 2020) faz questão de comparar a vista do rio Doce no município

221
de Governador Valadares (MG) antes (A) e depois (B) do desastre socioambien-
tal causado pelo rompimento da barragem da Samarco Mineração.

Figura 4. Antes e depois do rio Doce. Fonte: Heliane C. Z. Ramos (OLIVEIRA et al., 2020).

As figuras 5 e 6 tiradas dentro do Campus da Universidade Vale do Rio


Doce (Univale), que tem o rio Doce ao redor de todo o seu campus, na semana
do desastre são capazes de demonstrar o sofrimento dos peixes e a vivência dos
moradores das cidades ribeirinhas ao ver a agonia dos peixes sufocados pela lama.

Figura 5. Peixes agonizando no rio Doce por falta de oxigênio. Fonte: foto tirada pelo aluno do
Curso de Engenharia Civil e Ambiental, Antônio Carlos de Oliveira Martins Júnior dentro
do Campus da Universidade Vale do Rio Doce (Univale) na semana do desastre.

222
Figura 6. Peixes mortos à beira do rio Doce. Fonte: Fotos tiradas pelo aluno do Curso de
Engenharia Civil e Ambiental, Antônio Carlos de Oliveira Martins Júnior dentro do
Campus da Universidade Vale do Rio Doce (Univale) na semana do desastre.

Passado o ápice do desastre e a enxurrada de lama de peixes mortos, Go-


vernador Valadares e outras cidades ribeirinhas da bacia do rio Doce tiveram a
habitabilidade urbana e ambiental de seus territórios completamente modifica-
dos. A insegurança na qualidade da água afetou a rotina da cidade que ficou com
seu abastecimento totalmente interrompido por cerca de 7 dias. Nesse período,
as pessoas precisavam economizar água até para se alimentar; a água mineral se
tornou artigo de luxo e fruto de brigas e disputas; já que por um galão de 20 de
litros de água mineral, muitos eram capazes de empunhar uma arma para roubo
do item em situação de desespero. Todos que podiam saíram da cidade e muitos
desistiram de voltar; o banho tornou-se um procedimento cheio de medos em
função da insegurança do que a água poderia gerar de problemas na saúde. Nas
periferias, as pessoas, mais social e economicamente fragilizadas, usavam dos re-
cursos que tinham e utilizavam a água dos córregos sem qualquer tratamento,
recebendo os ônus ambientais maiores dessa situação imposta.

223
Na manhã de terça-feira, dia 10, cinco dias após o desastre, a água
em Valadares começou a escassear. No dia 11, com os reservató-
rios vazios, a cidade entrou em colapso. Os caminhões-pipa con-
tratados pela prefeitura não davam conta de atender a todas as
comunidades. A prefeitura exigiu da Samarco a doação de água
mineral, o que só foi feito após ordem judicial, já que a empresa
afirmava não ter logística para fazer a distribuição. Governador
Valadares se transformou numa praça de guerra, com saques a
lojas e supermercados, tiroteios e ataques aos caminhões-pipa. O
Exército precisou ser acionado. Moradores armados obrigavam
os motoristas a desviar os caminhões-pipa para bairros não assis-
tidos. Pessoas com dificuldades de locomoção ficaram presas em
casa, com as torneiras secas. Somente na semana seguinte, mais de
quinze dias após o acidente, a situação começaria a se normalizar
(DIEGUEZ, 2016, p. 17-18).

A grossa camada de lama da barragem da Samarco se espalhou por toda


extensão do rio Doce comprometendo o abastecimento de dezenas de cidades
ao longo do rio. Na figura 7, temos o Exército distribuindo água para pessoas no
centro de Governador Valadares, em razão da suspensão de seu abastecimento
regular de água.

Figura 7. Exército distribui água para pessoas no centro de Governador Valadares. Fonte: Foto de
Gabriela Biló / Estadão (2015).

224
Ainda demonstrando a ajuda do exército na condução do processo de dis-
tribuição de água mineral, a figura 8 mostra o quanto o abastecimento afetou a
vida das pessoas, que precisavam passar horas em filas para conseguir 4 litros de
água mineral. Como a cidade apresenta elevada temperatura climática, e o desas-
tre aconteceu em período de muito calor, a espera no sol e em pé gerava desmaios
e mal-estar em diversas pessoas como mostra a foto, da mulher que desmaiou e
precisou ser carregada.

Figura 8. Mulher passa mal na fila para conseguir água mineral em Governador Valadares. Fonte: Foto
de Gabriela Biló / Estadão (2015).

As filas e o problema do abastecimento de água ainda são retratados por


jornais de renome, como na figura 9, em que a BBC Brasil mostra como as filas
em Governador Valadares eram gigantescas, chegando a reunir mais de mil pes-
soas em busca de água mineral, diante da ausência total de abastecimento por
cerca de sete dias.

225
Figura 9. Oficial do Exército organiza fila de distribuição de água mineral para moradores de
Governador Valadares. Foto: Divulgação da BBC Brasil (2015).

O problema do abastecimento e a necessidade de distribuição de água mi-


neral na região ainda foram retratados pelo jornal internacional The Guardian,
que na figura 10 mostra água mineral sendo distribuída para Baixo Guandu após
o rompimento, em função da poluição do rio Doce, ou seja, os desdobramentos
urbanos do desastre e o sofrimento da população ao longo do trajeto da lama foi
retratado internacionalmente.

Figura 10. Água mineral sendo distribuída em Baixo Guandu. Fonte: Foto de Heriberto Araújo / The
Guardian (2015).

226
A água mineral passou a ser a única água possível a ser utilizada para todos
os fins, inclusive atividades domésticas, o que incentivou o consumo de artigos
descartáveis para economia do item, como demonstra a figura 11.

Figura 11. Utilização de artigos descartáveis em razão da falta de água. Fonte: foto de Alexandre
Nascimento / G1 (2015).

O abastecimento da cidade ficou prejudicado por muitos dias requerendo


medidas e alternativas emergenciais, mas que sempre representavam aumento
de custo, como perfuração de poços artesianos e compra de água mineral em
outras cidades.
A figura 12 demonstra como vários municípios ficaram com o abasteci-
mento de água comprometido em função de sua dependência do rio Doce e
como as providências em cada um foram diferentes.

227
Figura 12. Suspensões no abastecimento de água nos municípios dependentes do rio Doce e medidas
adotadas. Fonte: Encarte Especial sobre a Bacia do Rio Doce (2016, p. 44). Elaborado a partir de
informações da Força Tarefa.

A realidade urbana totalmente alterada e prejudicada determinou estraté-


gias, conflitos e formas de resistência protagonizadas pelos habitantes nas dis-
putas abertas ou silenciosas, conscientes e muitas vezes inconscientes que, sem
alternativa, redesenham seu espaço e sua rotina urbana, totalmente determinada
pelo rompimento de uma barragem que afetou e comprometeu o rio, única fonte
de abastecimento, em um movimento de interrelação na construção da história
territorial urbana com a história ambiental, e concluindo, sem dúvidas, ser esse
desastre socioambiental.
A exposição “A Lama: de Mariana ao mar”, organizada pelo Instituto Mo-
reira Salles3 relata que os estragos do rompimento da Barragem da Samarco/

3
  Exposição realizada entre 10 de junho de 2017 a 4 de março de 2018, organizada pelo Instituto Moreira
Salles com curadoria de Sergio Burgi. Mais informações disponíveis em: https://ims.com.br/exposicao/a-la-
ma-de-mariana-ao-mar/

228
Vale/BHP, seguiram pelo rio Doce em direção à foz, no litoral capixaba, num
trecho de mais de 300 quilômetros, e mesmo sete meses após o desastre, conti-
nuavam visíveis. A coloração da água se mantinha alterada, assim como as dúvi-
das e inseguranças dos diversos moradores ribeirinhos.
Determinados itens específicos caracterizam o rompimento da barragem
da Samarco/Vale/BHP e demonstram a grande extensão desse desastre e o quan-
to ele foi desdobrado e afetou a questão hídrica, como impactos referentes à alte-
ração da qualidade da água, à interrupção do abastecimento público de algumas
cidades e de diversos outros usuários de água. Além disso, outros usos dos recur-
sos hídricos na bacia foram afetados, como geração de energia elétrica, indústria,
pesca e lazer. Os rios Gualaxo do Norte, do Carmo e Doce foram afetados e
ainda podem sofrer impactos por tempo indefinido. As dúvidas e incertezas em
relação à água e à sua ligação com esse desastre ainda permanecem sem respostas,
deixando a população em completa insegurança.

Referências
AGÊNCIA NACIONAL DAS ÁGUAS. Atlas Brasil: Abastecimento Urbano de
Água. Brasília: ANA, 2011. Disponível em: <http://atlas.ana.gov.br/Atlas/ forms/
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2016. Disponível em: <https://arquivos.ana.gov.br/RioDoce/EncarteRioDo-
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Economia Mineral Brasileira. 7ª ed. Brasília. Dezembro de 2012. Disponível em:
<http://www.ibram.org.br/sites/1300/1382/00002806.pdf>. Acesso em: 7 de
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Doce. Campos dos Goytacases, RJ: Camilah Antunes Zappes/FAPERJ, 2020.
PINHEIRO, Tarcísio Márcio Magalhães et al. (Org.). Mar de Lama da Samarco na
bacia do rio Doce: em busca de respostas. Belo Horizonte: Instituto Guaicuy, 2019.

Notas
*Doutora em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC em parceria com a
Universidade Vale do Rio Doce – Univale (DINTER). Orientada pela Profa. Dra. Eunice Sueli Nodari e
coorientada pelo Prof. Dr. José Rubens Morato Leite.

230
Entre lucros e riscos:
a atividade mineradora no Brasil e
o caso do rompimento da barragem de Fundão

Adriana de Oliveira Leite Coelho*

No quinto dia de novembro de 2015, a barragem de Fundão, em Mariana, de


propriedade da Samarco, rompeu-se e liberou, segundo Laudo Preliminar do
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA), 34 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração na Bacia Hi-
drográfica do Rio Doce (IBAMA, 2015). Os distritos de Bento Rodrigues e Pa-
racatu de Baixo foram completamente inundados, com o primeiro sendo quase
totalmente destruído. O desastre provocou a morte de 19 pessoas e, devido à
pluma de rejeitos que, momentaneamente, prejudicou a captação direta do rio
Doce, o abastecimento de água ficou comprometido em nove cidades.
Esse episódio, além de seus efeitos catastróficos, serve como uma amos-
tra reveladora da magnitude da atividade mineradora no Brasil. Em 2016, por
exemplo, as substâncias da classe dos metálicos responderam por cerca de 77%
do valor total da produção mineral comercializada. Entre essas substâncias, oito
destacam-se por corresponderem a 98,6% do valor da produção comercializada
da classe, quais sejam: alumínio, cobre, estanho, ferro, manganês, nióbio, níquel
e ouro (BRASIL, 2017). Entre os metais que se destacam está o ferro, que corres-
ponde a 63,4% da produção mineral comercializada. De acordo com o Depar-

231
tamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), a produção anual brasileira
de minério de ferro está em torno de 430 milhões de toneladas, competindo a
Minas Gerais 68,5% deste valor (BRASIL, 2016).
O objetivo deste capítulo é descrever como ocorreu e os impactos do rom-
pimento da Barragem de Fundão, analisando o evento como um caso específico
associado aos riscos inerentes da atividade mineradora. O capítulo apresenta a
seguinte estrutura. Na próxima seção é apresentada uma breve descrição da Bacia
Hidrográfica do Rio Doce. Na terceira seção, é apresentado um pequeno pano-
rama sobre a mineração no Brasil e em Minas Gerais e, por fim, na quarta seção,
o desastre socioambiental de Mariana, assim com os seus impactos, são descritos.

A Bacia Hidrográfica do Rio Doce


A Bacia do rio Doce (Mapa 1) possui aproximadamente 86.715 km2 de dre-
nagem, sendo 86,0% pertencentes ao estado de Minas Gerais e 14,0% ao do Espí-
rito Santo, abrangendo em sua área um total de 230 municípios (ANA, 2010). O
Rio Doce é o seu principal rio, formado pelos rios Piranga e Carmo, cujas nascen-
tes estão situadas nas encostas das serras da Mantiqueira e Espinhaço. Com 853
km de extensão da nascente à foz, o rio Doce nasce no município de Ressaquinha,
Minas Gerais, onde recebe o nome de Piranga, e deságua no oceano Atlântico, no
distrito de Regência, município de Linhares, no estado do Espírito Santo. Pela
margem esquerda, tem como principais afluentes os rios: Piracicaba, Santo Antô-
nio e Suaçuí Grande, em Minas Gerais; Pancas e São José, no Espírito Santo. Pela
margem direita, os rios Casca, Matipó, Caratinga-Cuieté e Manhuaçu, em Minas
Gerais; e Guandu, no Espírito Santo (CBH-DOCE, 2012, p. 32).
De acordo com suas características físicas, a bacia se divide em três regiões
fisiográficas distintas, sendo elas: Alto, Médio e Baixo Rio Doce. O Alto Rio Doce
compreende da área das nascentes até a confluência com o rio Piracicaba, nas pro-
ximidades do município de Ipatinga, Minas Gerais; o Médio, da confluência com
o rio Piracicaba até a divisa entre Minas Gerais e Espírito Santo; e o Baixo, da divisa
entre Minas Gerais e Espírito Santo até a foz, no Oceano Atlântico (ANA, 2010).
O relatório de 2010 do Plano Integrado de Recursos Hídricos (PIRH) des-
taca, também, a diversidade econômica da Bacia do rio Doce, com a presença

232
de uma diversidade de atividades, sendo as principais: a agropecuária (reflores-
tamento, lavouras tradicionais, cultura de café, cana-de-açúcar, criação de gado
leiteiro e de corte e suinocultura); a agroindústria (sucroalcooleira); a mineração
(ferro, ouro, bauxita, manganês, pedras preciosas e outros); a indústria (celulose,
siderurgia e laticínios); o comércio e serviços de apoio aos complexos industriais;
e a geração de energia elétrica.
A Bacia Hidrográfica do Rio Doce vem há anos sendo impactada pelas
mais variadas atividades humanas. Essas atividades influenciam na vegetação,
nos solos, na topografia, nos corpos d’água e na biodiversidade em geral. Todos
os resquícios dessas atividades são direcionados para o rio Doce.
Cabe destacar que importantes depósitos de minério de ferro itabirítico
e hematítico estão na parte mineira da Bacia do rio Doce, onde encontram-se
instaladas a Samarco Mineração, com unidades em Ouro Preto e Mariana, e a
Vale, também nesses dois municípios e em Itabira, sendo essas empresas as res-
ponsáveis diretas pela tragédia de Mariana.

Mapa 1. Localização da Bacia do rio Doce. Fonte: Plano Integrado de Recursos Hídricos da Bacia
Hidrográfica do Rio Doce - PIRH (2010).

233
É inegável que o desastre socioambiental ocorrido em Mariana derivou das
formas de ocupação da região, da exploração dos recursos naturais e do uso das
águas que confluem para o rio Doce. Isso significa que, no exutório da bacia do
rio Doce, estão evidenciados todos os processos que fazem parte do seu conjunto.

A atividade mineradora no Brasil e em Minas Gerais


Ao longo de toda a história do Brasil, a atividade do setor mineral vem acompa-
nhada da degradação ambiental. Embora algumas empresas tenham começado
a incorporar as preocupações com a conservação ambiental na década de 1970,
essas aparecem somente nos anos de 1980 (BARRETO, 2001).
Apesar dos impactos ambientais causados por esse setor, o Plano Nacional
de Mineração 2030 (PNM-2030), elaborado pelo Ministério das Minas e Ener-
gia (MME), ressalta a importância da atividade de mineração, pois essa seria a
base para diversas cadeias produtivas, participando com 4,2% do PIB e 20% do
total das exportações brasileiras, além de gerar um milhão de empregos diretos,
o equivalente a 8% dos empregos na indústria. Nesse cenário, o Brasil se destaca
internacionalmente como produtor de nióbio, minério de ferro, bauxita, man-
ganês e vários outros minerais.
No que se refere às regiões prejudicadas ambientalmente pela mineração,
destaca-se o Quadrilátero Ferrífero, a melhor região para exemplificar os efeitos
da degradação ambiental. Localizada no centro-sul do Estado de Minas Gerais,
com extensão territorial de aproximadamente 7.160 km2, abrange 34 municípios
— entre eles, Ouro Preto, Congonhas, Belo Horizonte, Itabira e Mariana1 —,
cujas economias são baseadas na extração mineral e na metalurgia. O proces-
so extrativo da mineração nessa região transformou o ecossistema, destruindo a
cobertura vegetal, deslocando grandes volumes de sedimento, ressecando e as-
soreando os cursos d’água. Esses impactos, bastante expressivos, podem, ainda
hoje, ser percebidos no ambiente (GUIMARÃES e MORAIS, 2018).

1
  Os trinta e quatro municípios que formam o Quadrilátero Ferrífero são: Barão de Cocais, Belo Horizonte,
Belo Vale, Betim, Brumadinho, Caeté, Catas Altas, Congonhas, Conselheiro Lafaiete, Ibirité, Igarapé, Ita-
bira, Itabirito, Itatiaiuçu, Itaúna, Jeceaba, João Monlevade, Mariana, Mario Campos, Mateus Leme, Moeda,
Nova Lima, Ouro Branco, Ouro Preto, Raposos, Rio Acima, Rio Manso, Rio Piracicaba, Sabará, Santa Bár-
bara, Santa Luzia, São Gonçalo do Rio Abaixo, São Joaquim de Bicas e Sarzedo.

234
Figura 1. O Quadrilátero Ferrífero (MG). Fonte: Entendendo a Mineração no Quadrilátero
Ferrífero (2011).

De acordo com o Sumário Mineral (2016 — ano-base de 2015) do Depar-


tamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), as reservas mundiais de mi-
nério de ferro são da ordem de 194,3 bilhões de toneladas. Com uma produção
de aproximadamente 32,1 bilhões de toneladas, o Brasil possui a segunda maior
reserva, ficando atrás somente da China. Minas Gerais — no Quadrilátero Fer-
rífero —, por sua vez, detém 82,9% das reservas brasileiras, o que equivale a 26
bilhões de toneladas. Portanto, trata-se de uma região de extrema importância
sob o ponto de vista econômico e ambiental.
Ainda de acordo com o DNPM (2018a), a produção anual brasileira
está em torno de 430 milhões de toneladas, sendo que o estado de Minas
Gerais, com 17,0% das reservas exploradas, contribui com aproximadamente
69,0% desse valor.
Em 2016, as substâncias da classe dos metálicos responderam por cerca de
77% do valor total da produção mineral comercializada. Entre essas substâncias,
oito destacam-se por corresponderem a 98,6% do valor da produção comerciali-
zada da classe, a saber: alumínio, cobre, estanho, ferro, manganês, nióbio, níquel
e ouro (DNPM, 2018b). Entre os metais que se destaca o ferro corresponde a
63,4% da produção mineral comercializada.

235
Segundo Castro, Júnior e Lima (2011), para suprir as necessidades do
mundo moderno,a mineração se caracteriza por ser uma atividade industrial que
provoca grandes alterações nas condições ambientais nos locais onde se instala,
com o funcionamento das minas provocando grandes alterações na superfície ou
na crosta terrestre, quando são operadas subterraneamente.
Nas minas de ferro do Quadrilátero Ferrífero, são utilizados os métodos de
lavra a céu aberto, ou seja, aqueles que provocam perturbações diretas na superfí-
cie. Consequentemente, elas geram impactos ambientais na topografia e alteram
as paisagens naturais; podem modificar e, ocasionalmente, destruir escarpas,
picos de montes e microssítios. Um problema é a subversão de ecossistemas na-
turais, bem como valores estéticos da natureza. Essas alterações, na maioria das
vezes, são irreversíveis e podem resultar no desaparecimento de algumas espécies
vegetais e animais (CASTRO, JÚNIOR e LIMA, 2011).
Castro, Júnior e Lima (2011) apontam, de forma clara, os principais im-
pactos ambientais gerados pela mineração: desmatamentos, alteração nos aspec-
tos qualitativos e no regime hidrológico dos cursos d’água, desencadeamento
dos processos erosivos, mortalidade da ictiofauna (peixes), desaparecimento de
animais silvestres do local, poluição química provocada pelo mercúrio metálico
na hidrosfera, biosfera e na atmosfera.
Milanez e Losekann (2016) destacam que a mineração se apresenta como
promessa de geração de emprego e riquezas, não obstante, acarreta vários impac-
tos sociais. A mudança da paisagem não se restringe às áreas naturais ou isoladas,
a transformação também ocorre no ambiente construído, com apropriação das
terras das comunidades locais e desmobilização. Consequentemente, alterações
nas relações sociais, desintegração social e mudanças significativas nas culturas
regionais. Outros impactos levantados foram o deslocamento de outras ativida-
des econômicas e eliminação das formas de sustento e de vida desta população.
A atividade de mineração gera impactos na saúde das pessoas que vivem
próximas a grandes minas devido à poluição por material particulado, bem como
pela contaminação dos cursos d’água, gerando conflitos em torno do consumo,
risco de abastecimento da água e comprometimento das atividades econômicas
locais. Ademais, as condições de trabalho perigosas e insalubres envolvidas nesta
atividade (MILANEZ e LOSEKANN, 2016, p. 170-179).

236
A água é um dos bens mais importantes em todo o processo da mineração,
desde a extração e produção mineral, abrangendo a exploração da jazida, os pro-
cessos de beneficiamento do minério e as ações após a atividade exploradora.

A poluição dos recursos hídricos na mineração se dá pelo transpor-


te de partículas de áreas decapeadas (mina, pilhas de estéril, estra-
das, pátios, etc.) por água pluvial; lançamento de rejeitos ou efluen-
tes nos cursos d’água; deposição de resíduos sólidos não inertes que
podem contaminar tanto águas superficiais quanto subterrâneas;
bombeamento de carga sólida ou solúvel para rebaixamento do
lençol nos cursos d’água; turbilhonamento dos aluviões na opera-
ção de dragagem; lançamento de esgotos sanitários e óleos e graxas
das oficinas (CASTRO, JÚNIOR e LIMA, 2011, p. 67).

Castro, Júnior e Lima (2011), ressaltam que a água utilizada na minera-


ção pode conter metais pesados, produtos químicos e resíduos tóxicos, variando
conforme o tipo de minério, os métodos de lavra e o tratamento do minério.
Outra particularidade levantada pelos autores refere-se à concentração do metal
pesado manganês, que, eventualmente, apresenta-se elevada, associada ao ferro
nas jazidas de minério de ferro do Quadrilátero Ferrífero. Além disso, expressam
que os efluentes (grandes volumes de rocha e solo) oriundos da atividade de mi-
neração do ferro contribuem para o assoreamento dos rios e córregos.
Os autores destacam, ainda, que a implantação de barragens é um dos pro-
cedimentos para a “prevenção e minimização do assoreamento dos rios a jusante
das áreas de mineração”, sendo instaladas visando reter os rejeitos e efluentes e, ao
mesmo tempo, “preservar a estrutura e funcionalidade do sistema fluvial afeta-
do”. Desse modo, presumem que o impacto ambiental dessa atividade na comu-
nidade do seu entorno será ínfimo (CASTRO, JÚNIOR e LIMA, 2011, p. 72).
Embora as mineradoras procurem minimizar os impactos ambientais asso-
ciados a barragens de rejeitos, problemas de curto e longo prazo não deixarão de
existir. Seus principais impactos serão: “poluição da água (superficial e subterrâ-
nea) durante a operação e após o fechamento da mina, estabilidade e segurança
da barragem, poeira gerada na praia de rejeitos, impacto visual e desmatamento”
(CASTRO, JÚNIOR e LIMA, 2011, p. 72). Deve-se também levar em conta

237
que o risco de rompimento de barragens de rejeitos é um elemento estrutural-
mente ligado à atividade de exploração mineral e é proporcional ao crescimento
da produção mineral.
A exploração mineral no Brasil já existe há três séculos, principalmente no
estado de Minas Gerais. No entanto, somente nos últimos anos a maioria das
pessoas se deu conta da relação entre exploração mineral, barragem de rejeitos e
o consequente risco de seu rompimento. Especialmente nos últimos 15 anos, o
setor mineral intensificou de forma significativa a exploração. Esse fato deveu-se
ao grande aumento da demanda mundial de commodities e, em consequência, à
expressiva valorização desses produtos. No caso específico do Brasil, esse acrés-
cimo da extração dos minérios teve dois motivos principais: em primeiro lugar,
pelo alto consumo e importação de minério de ferro pela China; em segundo
lugar, pela política de crescimento econômico, baseada na primarização da eco-
nomia, investindo fortemente em bens primários mais do que nos beneficiados e
industrializados (MILANEZ e LOSEKANN, 2016).
O Quadrilátero Ferrífero, como apontado anteriormente, possui um arran-
jo geológico-estrutural de grande complexidade, sendo reconhecido mundial-
mente como um importante terreno pré-cambriano, com significativos recursos
minerais, em especial ferro e ouro. Em contrapartida, é a região de Minas Gerais
que contém a maior concentração urbana, com cerca de 22% do total da popula-
ção do estado (CASTRO, JÚNIOR e LIMA, 2011). Ou seja, pressupõe-se que
uma grande parcela da população do estado estará exposta à ocorrência de even-
tos catastróficos, como os ocorridos em Mariana, principalmente se levarmos
em conta que aspectos dinâmicos das transformações ambientais e ocorrência
de casualidades geológicas imprevisíveis devem ser considerados ao se analisar o
perigo e o risco de rompimento de barragens de rejeitos.

O desastre socioambiental em Mariana e seus impactos


Para melhor compreensão da abrangência desse desastre socioambiental, faz-se ne-
cessário contextualizá-lo. Zhouri et al. (2016, p. 37) definem desastres como sendo
“acontecimentos coletivos trágicos nos quais há perdas e danos súbitos e involun-
tários que desorganizam, de forma multidimensional e severa, as rotinas de vida

238
(por vezes, o modo de vida) de uma dada coletividade”. Afirmam, ainda, que “os
desastres não se limitam ao evento catastrófico, mas se desdobram em processos
duradouros de crise social, frequentemente intensificadas pelos encaminhamentos
institucionais que lhe são dirigidos, o que faz perpetuar o sofrimento social”.
A empresa Samarco Mineração S.A., cujo capital é controlado prioritaria-
mente pela Vale S.A e a BHP Billiton Brasil Ltda., é proprietária da Barragem de
Rejeitos de Fundão, que se rompeu em 05 de novembro de 2015, provocando a
morte de 19 pessoas. Na ocasião, aproximadamente 50 milhões de metros cúbi-
cos de resíduos minerários foram liberados e carreados pelo rio Doce, percorren-
do cerca de 600 km até o litoral do Espírito Santo (ZHOURI et al., 2016, p. 1).
Na perspectiva da abrangência socioambiental, esse desastre pode ser consi-
derado um dos maiores do mundo e, ao buscar informações, chega-se à conclusão
crítica de que esse não foi um episódio único e exclusivo. Desde 1986, o rompi-
mento de seis barragens em Minas Gerais deixou um total de 16 mortos, milhares
de pessoas desalojadas e sérios problemas de abastecimento de água nos municí-
pios situados ao longo dos rios afetados (OLIVEIRA, 2015). Somam-se a esses,
as 19 mortes provocadas pelo o rompimento da barragem de Fundão e as 300
mortes provocadas pelo rompimento, em 2019, da barragem da mina Córrego
do Feijão, de propriedade da Vale, localizada no município de Brumadinho-MG.
Um estudo da consultoria norte-americana Bowker Associates inventa-
riou, mundialmente, 269 acidentes ambientais provocados pelos rompimentos
de barragens de estéreis entre 1915 e 2014, com 129 considerados sérios (66
muito graves, 63 graves). Em média, registrou-se um acidente grave por ano em
cada década (VALOR, 2016).
O referido estudo alertou sobre o estado dos rejeitos mundiais em 2020. Fri-
sou que o tamanho médio das instalações existentes de armazenamento de rejei-
tos é de 17 milhões de metros cúbicos, mas que apenas 11 (9%) das 118, que tive-
ram falhas graves e muito graves após 1950, têm uma capacidade registrada desse
tamanho ou maior. Diante desta realidade, ressaltou que a frequência e gravidade
de falhas tendem a aumentar, e se estas condições e as tendências perdurarem,
resultarão em 18 falhas catastróficas de rejeitos para a década de 2015 a 2024.
Diversas comunidades à jusante de barragens, principalmente as locali-
zadas em áreas ribeirinhas, sofrem com os desastres, que causam a disrupção
da sua normalidade social. Os impactos nesse tipo de evento transcendem o

239
território de um único município no trecho da bacia hidrográfica de ocorrência
do evento. Essa interrupção da normalidade chega a nível regional, provocando
estragos circunstanciais, chamados danificações, além de danos permanentes,
denominadas destruições, que incluem efeitos sobre a dinâmica socioambiental
e cultural até então baseada na ideologia da barragem identificada como um
progresso isento por completo de qualquer risco e capaz de trazer somente os
benefícios do desenvolvimento.

Figura 2. Distrito de Bento Rodrigues, no município de Mariana, MG, antes e depois do rompimento
da Barragem de Fundão, em novembro de 2015. Fonte: GlobalGeo/Reprodução (2019).

A catástrofe socioambiental na Bacia Hidrográfica do Rio Doce trouxe o


sentimento de tragédia humana, no seu sentido mais amplo, associada à grave
violação da dignidade da vida humana e do bem-estar social, abolindo direitos
humanos, como direitos sociais, ambientais, econômicos e culturais. Com essa
tragédia, foram violados direitos de diversas ordens e em diferentes escalas. Do
ponto de vista do direito ambiental, apresentam-se impactos em toda a calha do
rio Doce. Os rejeitos da mineração continham uma substância chamada etera-
mina, uma espécie de detergente utilizado para separar o minério a ser exportado

240
dos rejeitos de sílica. A lama de rejeitos atingiu as matas ciliares, alterando os
aspectos bióticos e abióticos presentes no solo; depositou-se no fundo do rio, al-
terou a passagem de luz e a atividade orgânica, tanto no leito do rio como no seu
entorno. Alterou as interações da flora e da fauna, e espécies da flora nativa já não
são capazes de se desenvolver nas áreas atingidas pela lama. Além desses males,
chegou a atingir o oceano Atlântico, causando impactos também na faixa lito-
rânea da foz do rio Doce. Portanto, foi violado o direito fundamental ao meio
ambiente equilibrado, previsto no art. 225 da Constituição Federal de 1988.
Os danos, que se iniciaram impactando o meio ambiente, trouxeram pre-
juízos às comunidades ribeirinhas, pequenos produtores rurais, agricultores fa-
miliares e assentados de reforma agrária, que passaram a ter uma faixa de seus
terrenos inutilizados para a agricultura de subsistência. Ademais, gerou-se a in-
certeza sobre a utilização ou não da água bruta do rio nas atividades de irriga-
ção e dessedentação do gado. A permanente noção do risco e o sentimento de
incerteza se dão em toda a bacia. Seja pela dúvida em relação à potabilidade da
água tratada, seja em relação às hortaliças da feira ou aos peixes destinados ao
consumo humano, direitos sociais e econômicos — como alimentação, renda,
saúde, lazer, entre outros, descritos nos artigos 6º e 7º da Constituição Federal
de 1988 — foram violados.
Quanto aos impactos culturais, modos de ser, viver e fazer, esses também
foram alterados. Práticas associadas ao patrimônio cultural imaterial e também
material foram destruídas. Houve, também, impactos em comunidades tradi-
cionais e sistemas simbólicos atribuídos às questões naturais. Práticas esportivas,
como a canoagem e outros esportes aquáticos praticados no rio Doce, desapare-
ceram. Os impactos foram tanto na perspectiva do indivíduo, em suas relações
privadas e profissionais, quanto na coletividade, titular dos direitos difusos tran-
sindividuais. Tais alterações no modo de viver atingem direitos fundamentais
resguardados pelo art. 5º da Constituição Federal de 1988.
Os impactos decorrentes do rompimento da barragem de rejeitos da Sa-
marco Mineração S.A. são persistentes e duradouros, gerando danos sociais, cul-
turais, econômicos e ambientais na Bacia Hidrográfica do Rio Doce. Múltiplas
questões socioambientais se destacam em situações de desastre dessa natureza:

241
de um lado questões técnicas, econômicas e de governança rela-
cionadas ao sistema territorial criado pelos grandes investimentos
de capital na mineração e, por outro, as questões ambientais, so-
ciais, culturais e psicológicas dos lugares e ecossistemas atingidos,
ocorrendo ainda as mediações políticas, éticas e jurídicas (ESPIN-
DOLA e GUERRA, 2017, p. 222).

Vale ressaltar, também, que, antes da catástrofe, o rio Doce passava por
um período de seca, o que vinha fazendo com que a população racionasse água.
Com a chegada da lama, o cenário foi de medo, incerteza, desconfiança e desor-
dem. Vários municípios sofreram diretamente com medidas emergenciais — em
função da interrupção do abastecimento público —, tais como: fornecimento
de água por meio de carros-pipa, caixas d’água comunitárias, poços artesianos,
entrega de água mineral, entre outros arranjos emergenciais. De acordo com o
Grupo Independente para Avaliação do Impacto Ambiental (GIAIA), a alte-
ração da qualidade da água também trouxe a elevação dos custos de captação e
de tratamento da água, exigindo aumento da demanda de produtos químicos,
como o emprego de floculantes especiais, maior frequência de limpeza dos filtros
e a ocorrência de paralisações não previstas (GIAIA, 2015).
De acordo com Zaffaroni (2011), o mundo atual vive uma crise ambiental
que se configurou com as relações de poder entre a sociedade e a natureza. A
forma como a natureza humana vem sendo produzida/exercida tem instigado o
exercício intelectual de pesquisadores, que buscam soluções para os problemas
advindos dessa dissimetria relacional. É pela incontornável via da reflexão acerca
dessa relação que será possível avaliar o desenvolvimento acirrado do capitalismo
e suas influências na natureza humana, que se consolidam em relações de poder.
Nesse sentido, a ideia de produção da natureza desafia a separação que foi legada
entre sociedade e natureza, colocando-se, para a humanidade, como um desafio
imposto pelo próprio capitalismo.

242
Referências
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Notas
*Doutora pelo Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas, da Universidade Federal
de Santa Catarina – UFSC, em parceria com a Universidade Vale do Rio Doce – Univale (DINTER), orien-
tada pela Profa. Eunice Sueli Nodari e co-orientada pelo Prof. Mauro Augusto dos Santos.

244
(Re) lembranças:
um olhar ambiental sobre a história do Rio Doce

Jacqueline Martins de Carvalho Vasconcelos*

É no alto das Serras da Mantiqueira e do Espinhaço, entre os municípios de Pon-


te Nova, Rio Doce e Santa Cruz do Escalvado, que nasce o Rio Doce, a partir
da confluência dos rios Piranga e do Carmo. Com 850 km de extensão, ele é o
principal rio da bacia do Rio Doce (Mapa 1) e possui uma área de drenagem de
86.715 km², dos quais 86% se encontram em Minas Gerais e 14% no Espírito
Santo (CBHDOCE, 2021; BRASIL, 2017B).
A bacia do Rio Doce, considerada a quinta maior bacia hidrográfica do
país, é delimitada ao sul pela bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul, a sudoeste
pela bacia do rio Grande, a oeste pela bacia do rio São Francisco, ao norte e no-
roeste pela bacia do rio Jequitinhonha, e bacias do litoral sul do Espírito Santo
e a nordeste com as bacias do litoral norte do Espírito Santo (PIRHDOCE,
2010; BRASIL 2017 B).
Seus principais afluentes pela margem esquerda são em Minas Gerais: os
rios do Carmo, Piracicaba, Santo Antônio, Corrente Grande e Suaçuí Grande, e
no Espírito Santo: os rios São José e Pancas. Pela margem direita em Minas Ge-
rais tem-se os rios Casca, Matipó, Caratinga/Cuieté e Manhuaçu; e no Espírito
Santo, os rios Guandu, Santa Joana e Santa Maria do Rio Doce.

245
Mapa 1. Mapa de localização da bacia do Rio Doce. Fonte: Relatórios Instituto Lactec/Apêndice B1.

Territorialmente a bacia é dividida em três unidade regionais: Alto, Médio


e Baixo Rio Doce. Sendo a unidade Alto Rio Doce a parte compreendida desde
as cabeceiras até a foz do rio Matipó, o Médio, onde está situado o município de
Governador Valadares, delimitado desde a confluência desse rio até a divisa de
MG/ES e o Baixo a porção da divisa dos Estados de MG e ES até a foz no oceano
Atlântico (PIRHDOCE, 2010, p. 98).
Em terras mineiras, a bacia é subdividida em seis Unidades de Planejamen-
to e Gestão dos Recursos Hídricos (UPGRHs), correspondentes às sub-bacias
e seus respectivos Comitês de Bacia Hidrográfica (CBH) dos rios Piranga, Pira-
cicaba, Santo Antônio, Suaçuí, Caratinga e Manhuaçu. Em território capixaba2
não há subdivisões administrativas, existindo CBHs dos Rios Santa Maria do
Doce, Guandu e Pontões e Lagoas do Rio Doce. (CBHDOCE, 2021).

1
 Disponível em: http://www.mpf.mp.br/grandes-casos/caso-samarco/documentos/relatorios-Lactec/
apendice_b_mapa-localizacao-da-bacia-do-rio-doce_a2-ok.pdf/view. Acesso em 04 abr. 2021.
2
  Capixaba é o gentílico do estado do Espírito Santo. Disponível em https://www.ibge.gov.br/cidades-e-es-
tados/es.html?. Acesso em 11 de maio de 2019.

246
No século XVII, os rios que compõem a bacia serviam com pontos de refe-
rência aos bandeirantes que desbravavam a região e em suas margens fundaram
as primeiras vilas. “As primeiras penetrações em território mineiro aproveita-
ram-se dos rios que possibilitavam o acesso” (BRASIL, 1958, p. 14).
Estas vilas que serviram como apoio a essas excursões deram origem ao pro-
cesso de ocupação da região (PIRHDOCE, 2010). Segundo Haruf Salmen Es-
pindola (2008, p. 70) “nas Minas Gerais setecentista, a organização espacial esta-
va condicionada pela economia do ouro, pelo receio de invasão estrangeira e pelas
medidas contra os extravios do metal precioso”. O autor historiciza como as au-
toridades conseguiram usar os elementos naturais para auxiliar em sua estratégia:
As afirmações do autor reforçam a importância da bacia do Rio Doce para
os interesses das elites governamentais em função de sua posição estratégica para
a produção mineral. Neste sentido, Enrique Leff (2015) argumenta que se a
História Ambiental objetivasse considerar a história documental das ações des-
trutivas da natureza a partir do capitalismo mercantil, certamente os primeiros
escritos se refeririam à destruição das Índias.
Refletindo sobre os argumentos de Leff, pode-se perceber que a forma como
se deu a ocupação do território do Rio Doce, similarmente à exploração e ocu-
pação de outros territórios tomados pelo colonialismo, exemplifica a tônica das
intervenções destrutivas que ao longo da história deixaram seu legado de trans-
formação e devastação da natureza sobre a égide do desenvolvimento econômico.
Por se caracterizar com um relevo acidentado e montanhoso, no passado
a extração de ouro foi uma das principais atividades econômicas da bacia do
Rio Doce. Segundo Carneiro (2016), no decurso das décadas iniciais do século
XVIII, o intenso movimento de urbanização e ocupação das terras do estado
de Minas Gerais foi impulsionado pela mineração de ouro, que gerou ainda o
desenvolvimento, em seu entorno, de uma agricultura de subsistência e de uma a
indústria artesanal, principalmente as forjas e as oficinas têxteis.
Foram, justamente, a agricultura e a indústria artesanal que sustentaram o
crescimento do estado, após o arrefecimento da produção de ouro, e se manti-
veram como as principais características da economia mineira até a década de
1940. Tais particularidades da economia mineira durante os séculos XVIII e

247
XIX, bem como sua formação territorial reservaram ao estado, o status de prove-
dor de matérias-primas e produtos agropecuários para outras regiões brasileiras
onde os processos de industrialização já haviam se iniciado. Diante da ausência
de recursos para o financiamento de sua industrialização, face ao declínio das
exportações de café, ocorreu uma mobilização das elites políticas nacionais e lo-
cais, para atrair investimentos estrangeiros (CARNEIRO, 2016).
O empenho para o aparelhamento do estado transformou sua capital em
um centro de comando que operacionalizava a exploração das ricas jazidas de
minérios já encontradas na região central do estado. Para incorporar seu papel
na “modernização recuperadora brasileira”, parte do chamado “nacional desen-
volvimentismo”, fez-se necessária a superação de algumas deficiências, tais como
condições de transporte e infraestrutura, fornecimento de energia elétrica e
apoio técnico operacional (CARNEIRO, 2016).
Para Espindola (2016, p. 206) “a floresta do Rio Doce era vista como meio
de produzir a riqueza siderúrgica”. A exploração mineral ligada ao complexo mi-
nero-siderúrgico promoveu o desenvolvimento de uma série de atividades deri-
vadas e, intrinsecamente, relacionadas, como a disposição de rejeitos, o beneficia-
mento dos minerais, a captação e distribuição de água, a carga e o transporte do
minério de suas áreas de produção até seus pontos de exportação, o manejo das
plantações de eucalipto para queima na produção das ligas metálicas, construção
de usinas hidrelétricas e redes de transmissão de energia, a construção das usinas
beneficiadoras de aço, entre outros. Fazendo com que ao final da década de 1930
o ferro e aço se estabelecessem como a segunda indústria mais importante de Mi-
nas Gerais e dando início à uma nova indústria siderúrgica (CARNEIRO, 2016).
Em 1º de junho de 1942 foi criada a Companhia Vale do Rio Doce3, no
Decreto-Lei nº 4.352, de propriedade do governo federal, sediada no município
de Itabira em Minas Gerais, com ela torna-se possível a exportação de grandes
volumes de minério de ferro, o que estimulou a abertura de empresas de mine-
ração na região central do estado, atraídas pelos bens naturais a baixíssimo custo
e pela ausência de do controle público sobre os danos ambientais provocados

3
  Sobre a Vale: Quem somos. Disponível em http://www.vale.com/brasil/PT/aboutvale/Paginas/default.
aspx. Acesso em 19 de junho de 2021.

248
pelas atividades industriais. No período de sua criação havia uma grande pressão
para que o Brasil entrasse na Segunda Guerra Mundial e a empresa criada pode-
ria impulsionar o abastecimento de minério de ferro para alimentar a indústria
bélica americana em seu enfrentamento aos nazistas.
Além disso, este processo de industrialização acelerado alinhava-se com o
modelo de desenvolvimento praticado a nível nacional, pela então ditatura ci-
vil-militar, que governou o país entre os anos de 1964 e 1985 e que privilegiava
a abertura de capital estrangeiro. No entanto, no final da década de 1960, os
modos de produção capitalistas iniciam seu declínio, mergulhados numa crise
de superacumulação e os países periféricos submergem envoltos a tecnologias
obsoletas, más condições de infraestrutura e ausência de financiamento estatal.
Nesse contexto, enquanto o Brasil deixa sua condição de aspirante à con-
dição de país industrializado e intensifica sua inserção subordinada na redivisão
internacional do trabalho, Minas Gerais, à semelhança dos demais estados brasi-
leiros, sofre o impacto da crise, e demonstra uma perceptível descontinuidade no
seu crescimento (CARNEIRO, 2016; GARCIA e ANDRADE, 2007).
O Plano Integrado de Recursos Hídricos (PIRHDOCE)4 apontou indí-
cios de um forte esvaziamento das áreas rurais na região, visto que o crescimen-
to populacional na área urbana foi de cerca de 1,39 milhão de pessoas entre os
anos de 1980 e 2007, no entanto o incremento populacional total neste mesmo
período foi de 692,1 mil habitantes. A análise dos últimos censos demográficos
permite a afirmação de que a população da bacia do Rio Doce, em Minas Gerais
e também no Espírito Santo, apresentou taxas de crescimento menores que as de
seus respectivos estados, o que indica uma perda na participação da população da
bacia quando comparada às respectivas parcelas das populações estaduais. Ainda
segundo o Relatório Executivo do PIRHDOCE:
Hoje, com uma população estimada em 3,6 milhões de habitantes, distri-
buídos em 2285 municípios, sendo 200 municípios em Minas Gerais e 28 no

4
  Os dados do PIRH foram utilizados para caracterizar a bacia antes do desastre com a barragem de Fundão.
  Esse número varia em diferentes publicações, assim para essa pesquisa adotamos as informações do CBHDO-
5

CE disponíveis em: http://www.cbhdoce.org.br/institucional/a-bacia#:~:text=A%20popula%C3%A7%-


C3%A3o%20da%20Bacia%20do,200%20mineiros%20e%2028%20capixabas. Acesso em 12 abril 2021.

249
Espírito Santo, a Bacia do Rio Doce concentra aproximadamente 73% de sua
população em área urbana. Mais de 85% destes municípios concentram uma po-
pulação inferior a 20.000 habitantes. Dos municípios com população total de
até 10.000 habitantes, 47,75% vivem em áreas rurais.
As bacias do Piranga e do Piracicaba apresentam o maior PIB industrial,
e condensam cerca de 48% da população total da bacia do Rio Doce. Não obs-
tante sua privilegiada posição em razão do grande volume de recursos hídricos
que possui, a distribuição é desigual entre as diversas regiões da bacia (CBH-
DOCE, 2021; BRASIL, 2017b).
Noventa e oito por cento da área da bacia hidrográfica do Rio Doce, sua
quase totalidade, está inserida no bioma de Mata Atlântica, um dos mais impor-
tantes e ameaçados do mundo e 2% em área de Cerrado. Estes biomas possuem
grande diversidade de espécies, sendo grande parte endêmica geograficamente
restrita à região, entre as quais diversas estão ameaçadas de extinção (CBHDO-
CE, 2021; BRASIL, 2017a).
Os recursos hídricos disponíveis na bacia do Rio Doce são fundamentais
na economia do leste mineiro e do noroeste do Espírito Santo, fornecendo a
água necessária aos usos doméstico, industrial, agropecuário e para a geração de
energia elétrica, dentre outros. Segundo Lopes e Nodari (2012, p.75): “Como
aponta a História Ambiental, as características do meio devem ser levadas em
consideração para se entender melhor o encadeamento de acontecimentos”.
Nos dias atuais, as atividades econômicas foram amplamente diversificadas
e abrangem entre outros: agropecuária, agricultura e agroindústria com produ-
ção de açúcar e álcool. Como nos apresenta Worster (1991, p. 207): “Grande
parte da História Ambiental se dedica justamente a examinar essas mudanças,
voluntárias ou forçadas, nos modelos de subsistência e as suas implicações para
as pessoas e para a terra”.
Dentre as atividades econômicas, ressalta-se o extrativismo, fundamen-
talmente em função da diversidade apresentada pelo solo mineiro, sendo a ex-
tração de minério de ferro a mais significativa. O maior complexo siderúrgico
da América Latina fica localizado na região, que conta ainda com empresas de

250
mineração e reflorestadoras. Estão presentes na Bacia do Rio Doce no setor de
aços, incluindo empresas com capitais estrangeiros e nacionais: a ArcelorMittal,
a Aperam South América e a Usiminas; no setor de celulose: a Cenibra - Ce-
lulose NipoBrasileira S.A e a Fibria, maior empresa produtora de celulose de
eucalipto. No setor de exploração de jazidas de ouro: a mineradora Anglogold
Ashanti Mineração e no setor de minério de ferro: Vale, BHP Billiton, Samarco
Mineração e Anglo American (ESPINDOLA e GUERRA, 2017).
Uma grande parte das exportações brasileiras de minério de ferro, aço e
celulose, se origina deste complexo industrial, o que o configura como sendo de
grande importância para a economia da região.
O estado de Minas Gerais abriga sete dos dez maiores produtores de minério
de ferro brasileiro, tendo ainda Itabira, situado no alto Rio Doce, como o maior
produtor do país. São 41 municípios produtores de minério de ferro, dos quais 21
estão localizados na bacia do Rio Doce. O chamado “território da mineração”, em
Minas Gerais e Espírito Santo, foi constituído no século XX, a partir de volumo-
sos aportes de capital na infraestrutura, siderurgia, mineração e implantação de
hidroelétricas. Tendo as barragens de rejeitos um significativo destaque junto aos
sistemas minerários (ESPINDOLA, FERREIRA e MIFARREG, 2017).
Os rompimentos das barragens de Fundão em Mariana e Mina do Córrego
do Feijão em Brumadinho trouxeram a público a questão da segurança destes
empreendimentos e a necessidade de implementação de políticas eficientes tan-
to para a fiscalização da construção, quanto para o monitoramento e acompa-
nhamento sistemático de sua atividade. Desde o início da operação de barragens
de mineração inúmeros rompimentos (Quadro 1), de menor e maior porte, fo-
ram registrados causando perdas humanas e incontáveis danos socioambientais.

251
Ano Empresa Município Breve descrição
Rompimento de barragem causando a
1986 Grupo Itaminas Itabirito
morte de sete pessoas
Rompimento de barragem causando asso-
Mineração Rio
2001 Nova Lima reamento do 6,4 km do Córrego Taquaras
Verde
e causando a morte de cinco pessoas.
Vazamento de 1,2 milhão de m3 de re-
Mineradora Rio jeitos, contaminando córregos, causando
2006 Miraí
Pomba Cataguases mortandade de peixes e interrompendo
fornecimento de água.
Rompimento de barragem com 2,28
Mineradora Rio milhões de m3 de material, inundando as
2007 Miraí
Pomba Cataguases cidades de Miraí e Muriaé e desalojando
mais de 4 mil pessoas.
Rompimento da estrutura que ligava o
Companhia
vertedouro à represa da Mina Casa de
2008 Siderúrgica Congonhas
Pedra, causando aumento do volume do
Nacional
Rio Maranhão e desalojando 40 famílias.
Dado não
Rompimento de barragem com vazamento
2008 disponibilizado Itabira
de rejeito químico de mineração de ouro.
pelo IBAMA
Herculano Rompimento de barragem causando a
2014 Itabirito
Mineração morte de três pessoas e ferindo uma.
Rompimento de barragem com 54 mi-
lhões de m3 causando 19 mortes, desalo-
Samarco jando mais de 600 famílias em Mariana e
2015 Mariana
Mineração Barra Longa, interrompendo o abasteci-
mento de água em várias cidades; alcançou
o mar no
O rompimento da barragem B1, da Vale,
na mina Córrego do Feijão, em Bruma-
dinho (MG) deixou, ao menos, 270 pes-
soas mortas e outras onze desaparecidas.
2019 Vale Brumadinho
Foram 12 milhões de metros cúbicos
de rejeitos despejados. No momento da
ruptura, 427 pessoas da mineradora tra-
balhavam no local.
Quadro 1. Principais desastres envolvendo barragens em Minas Gerais. Fonte: Adaptado de Milanez
e Losekann, 2016.

252
Estes rompimentos de barragens de rejeitos não podem ser analisados de
forma isolada, mas sim, dentro do contexto dos processos econômicos atrelados à
mineração no estado de Minas Gerais. Os recursos financeiros dos municípios que
abrigam os projetos de mineração têm seu aporte principal na arrecadação advinda
das atividades minerárias. Em Mariana, por exemplo, estes recursos correspondem
a aproximadamente 80% da arrecadação (MILANEZ e LOSEKANN, 2016).
Neste cenário, surge o chamado “dilema minerador”, onde apesar do co-
nhecimento dos riscos e impactos negativos provocados pela atividade minerá-
ria, sua contribuição econômica na renda dos municípios não pode ser descar-
tada. Quanto à incidência dos resultados econômicos deste complexo industrial
sobre a economia regional, temos no PIRHDOCE:
Há ainda que se considerar que embora toda a bacia seja impactada pelos
problemas ambientais causados pela atuação destas empresas ligadas ao comple-
xo siderúrgico. Somente parte dos municípios, mais especificamente aqueles que
sediam e aqueles que estão localizados no entorno dos complexos mineradores,
obtêm dividendos destas atividades.
Muito embora esses dividendos estejam direcionados a esses municípios, o
custo da degradação recai sobre todos os municípios da bacia, uma vez que, neste
contexto, o Rio Doce, incluindo seus afluentes, funcionam como vias recepto-
ras, transportadoras e autodepuradoras dos rejeitos e efluentes produzidos por
estas atividades econômicas, e ainda dos esgotos domésticos da grande maioria
dos municípios da bacia, impactando diretamente a qualidade da água.
Dados apresentados pelo CBHDOCE (2021) indicam que aproximada-
mente 80% do esgoto doméstico produzido pelos municípios da bacia são des-
pejados sem nenhum tipo de tratamento no Rio Doce e em seus afluentes.
O Relatório Temático nº 1 do Painel do Rio Doce, emitido pela União
Internacional de Conservação da Natureza (UICN) apresenta que a pressão
imposta por atividades antrópicas, principalmente o lançamento de esgoto não
tratado, causou severa degradação na Bacia do Rio Doce: “Estima-se que 70% da
população recebam água tratada e que apenas 58% tenham coleta de esgoto. No
entanto, apenas uma pequena parcela do volume de esgoto recebe algum tipo de
tratamento” (UICN, 2018, p. 10).

253
O relatório final do Plano Integrado de Recursos Hídricos da bacia hidro-
gráfica do Rio Doce, emitido em junho de 2010, apresentava que 191 sedes ur-
banas totalizando (90%) nos dois Estados (Minas Gerais e Espírito Santo) lan-
çavam seus dejetos in natura nos rios e córregos, o que acarretava num acúmulo
de cargas incompatível com a autodepuração na maior parte dos trechos.
Considera-se que a contaminação sanitária provocada pelo lançamento
de esgotos domésticos seja um dos principais problemas verificados na bacia.
Aliado a isso, tem-se ainda a deficiência no tratamento e disposição de resíduos
sólidos. Grande parte dos municípios faz uso de lixões. “Apenas a bacia do rio
Piranga, em Minas Gerais – com maior PIB na região –, e as sub-bacias do bai-
xo Rio Doce, no Espírito Santo, apresentam índices de tratamento de resíduos
sólidos acima da média dos respectivos estados” (PIRHDOCE, 2010, p. 28).
A qualidade das águas da bacia do Rio Doce é um dos mais significativos
pontos de dissipação dos recursos hídricos, que podem ser identificados tanto na
ocorrência de contaminações pontuais quanto nas difusas, onde se pode apontar:

• Lançamento de efluentes domésticos “in natura” de esgotos sani-


tários, sem o devido tratamento, causando a contaminação por
coliformes termotolerantes.
• Disposição inadequada de resíduos sólidos, pela geração de choru-
me e carreamento dos mesmos aos corpos hídricos.
• Efluentes industriais, pelo lançamento de carga orgânica e conta-
minantes tóxicos de natureza distintas.
• Uso inadequado do solo, propiciando a erosão e o carreamento de
sedimentos, tremendamente potencializado pelas condições cli-
máticas, onde predominam precipitações concentradas no verão,
associadas à geomorfologia do terreno e à presença de solos alta-
mente suscetíveis à erosão (PIRHDOCE, 2010, p. 36).

Em termos de contaminação, a presença de coliformes termotolerantes é a


que apresenta os índices mais elevados, fora dos limites estabelecidos. Também
devem ser considerados os resultados apresentados para a turbidez6 e suspensão
6
  A turbidez de uma amostra de água é o grau de atenuação de intensidade que um feixe de luz sofre ao atra-
vessá-la (esta redução dá-se por absorção e espalhamento, uma vez que as partículas que provocam turbidez
nas águas são maiores que o comprimento de onda da luz branca), devido à presença de sólidos em suspensão,
tais como partículas inorgânicas (areia, silte, argila) e detritos orgânicos, tais como algas e bactérias, plâncton
em geral etc. (CETESB, 2019, p. 6).

254
de partículas sólidas, e ainda a presença de compostos químicos oriundos da de-
gradação de insumos agrícolas (fósforo, cobre, manganês), em função da erosão
do solo. O Relatório Executivo do PIRHDOCE conclui que:

Uma das questões cruciais da bacia do Rio Doce, no seu atual está-
gio de desenvolvimento, diz respeito à qualidade da água. Em pra-
ticamente todos os pontos de amostragem analisados, ocorreram
problemas com coliformes e parâmetros relativos à cor e à turbi-
dez, além de outros compostos tóxicos associados ao uso agrícola
e à erosão do solo (PIRHDOCE, 2010, p. 108).

No Relatório Técnico, emitido pela ANA em novembro de 2012, que apre-


sentou uma visão geral de avaliação de parâmetros de qualidade das águas estão
indicadas situações isoladas de componentes tóxicos específicos por região, sen-
do as condições sanitárias as que se apresentaram prioritariamente inadequadas
sob o ponto de vista bacteriológico. O relatório destacou a presença de chum-
bo total7, disseminado em todas as unidades da bacia, em função de seu caráter
bioacumulativo (BRASIL, 2012).
Ainda sobre a qualidade das águas da bacia do Rio Doce, o Boletim Epide-
miológico do Ministério da Saúde, que apresentou os resultados do monitora-
mento de agrotóxicos na água para consumo humano no Brasil em 2013, mostra
que nos dados inseridos no Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade
da Água para Consumo Humano (Sisagua), 63 municípios do estado de Minas
Gerais apresentaram pelo menos um resultado analítico fora dos padrões de po-
tabilidade para os parâmetros de agrotóxicos na água para consumo humano. 8
Em 2011 alguns trechos da bacia do Rio Doce sofreram com a proliferação
de cianobactérias, entre eles os compreendidos pelos municípios de Alpercata,
Conselheiro Pena, Governador Valadares e Resplendor em Minas Gerais, além
de Colatina e Baixo Guandu no Espírito Santo (BRASIL, 2012).

7
  O chumbo é um metal cinza-azulado encontrado em pequenas quantidades na crosta terrestre, geralmente
associado a minérios. A contaminação da água ocorre principalmente por efluentes industriais, sobretudo de
siderúrgicas. Disponível em: https://cetesb.sp.gov.br/laboratorios/wp-content/uploads/sites/24/2013/11/
Chumbo.pdf. Acesso em 31 de outubro de 2021.
8
  Boletim Epidemiológico. Secretaria de Vigilância em Saúde − Ministério da Saúde. Volume 46 N° 4 –
2015. Disponível em: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2015/agosto/20/2014-028---Bole-
tim-Agrotoxico-.pdf Acesso em 19 de março de 2019.

255
A ampliação da ação antrópica e, consequentemente, seus impactos em am-
bientes aquáticos, na bacia do Rio Doce e no Brasil de uma forma geral, apontam
para a falta de planejamento, para o não cumprimento (deliberado ou não) das
normas vigentes e, ainda, carência de estudos aprofundados e monitoramento
desses ecossistemas. Segundo a ANA o “crescimento excessivo de algas em re-
servatórios brasileiros é uma realidade e tem prejudicado os usos múltiplos das
águas” (BRASIL, 2012, p. 39).
As cianobactérias produzem compostos capazes de alterar o odor e o sabor
da água, assim como, atribuir sabor desagradável à carne dos peixes. Além de
produzirem toxinas que favorecem o aparecimento de riscos à saúde, tais como
problemas dermatológicos, neurológicos, hepáticos, reações citotóxicas e rea-
ções ao contato (endotoxinas)9.
A análise dos dados do relatório da ANA reforça a condição de degrada-
ção dos rios da bacia do Rio Doce e a necessidade de se “considerar os impactos
cumulativos de outras ações humanas, passadas e presentes, que afetam o estado
do meio ambiente e o bem-estar das comunidades” (UICN, 2018, p. 9).
Ademais, estudos apontam que a qualidade da água do Rio Doce sofre
grande influência das estações secas e chuvosas. Foram identificados, durante as
cheias, aumentos de concentrações para os parâmetros: cor verdadeira, sólidos
totais, sólidos em suspensão totais, turbidez, fósforo total, nitrogênio orgânico,
alumínio total e dissolvido, chumbo total, cobre total, ferro dissolvido e manga-
nês total (BRASIL, 2020b).
Além das atividades econômicas já mencionadas, há também a geração de
energia hidrelétrica, com significativa importância para a Bacia, existem hoje em
operação 10 usinas hidrelétricas (UHEs), das quais 4 estão localizadas no Rio
Doce e 6 em seus afluentes. Ao longo da bacia estão ainda distribuídas outras
29 pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) já em operação e, ainda, mais 148
outros aproveitamentos hidrelétricos, em atividade ou em fase de implantação
(BRASIL, 2016b; BRASIL, 2020).

9
  Endotoxinas: componentes da parede celular bacteriana Gram negativa (lipopolissacarídio) que causam
uma reação imune extremamente potente, podendo levar ao choque. Disponível em: https://edisciplinas.
usp.br/pluginfile.php/4461551/mod_resource/content/1/Patog%C3%AAnese%20bacteriana%20III.pdf
Acesso em 31 out. 21.

256
Os barramentos, singularmente para construção de usinas hidrelétricas, são
responsáveis por grande parte dos impactos causados à biota aquática. A redução
dos habitats para os peixes causada pelo assoreamento da bacia do Rio Doce é
recorrente e estava presente antes do desastre com a Barragem de Fundão, sendo
considerada um dos mais significativos entraves para a conservação da ictiofauna
(VIEIRA, 2009; VASCONCELOS, 2017).
Um dos mais críticos problemas apresentados na bacia do Rio Doce é o
desmatamento, que provoca a falta de cobertura vegetal nas terras da região. As
áreas de pastagens configuram-se como as mais degradadas e, consequentemen-
te, expostas à erosão. É comum na região a utilização do termo “morros pelados”
em alusão a essas áreas de degradação (BRASIL, 2012).
O solo e o relevo da Bacia do Rio Doce caracterizam-se por sua fragilidade
e propensão à erosão, sendo que “58% da área da bacia se encontra na categoria
de susceptibilidade forte e 30% na categoria de susceptibilidade média” segundo
dados do Relatório Executivo do Plano Integrado de Recursos Hídricos (PIRH-
DOCE, 2010, p. 24). Além das características naturais, que condicionam estes
fatores, agrega-se a ação antrópica na exploração dos solos.

Gráfico 1. Mapeamento de uso e cobertura do solo na Bacia do Rio Doce. Fonte: VASCONCELOS,
2017.

257
É notável o quanto a bacia do Rio Doce vem sendo impactada num processo
histórico de degradação e substituição de ambientes naturais por áreas de pastagens,
cultivos agrícolas, reflorestamentos, ocupações desordenadas e outras (Gráfico 1).
O uso indevido pela agricultura e pela agropecuária e o desmatamento em
larga escala, associados à constituição do solo da região culminaram num proces-
so intenso de erosão. Um dos mais graves problemas que atinge a bacia é o asso-
reamento, principalmente no baixo curso do Rio Doce, para onde são carreadas
as cargas de sedimentos vindos das áreas a montante. “O problema da erosão é,
ainda, agravado nas áreas em que as rochas e o solo têm em sua composição quí-
mica grandes concentrações de alumínio” (PIRHDOCE, 2010, p. 32).
De uma maneira geral, e quando comparada às demais bacias hidrográficas
brasileiras, a bacia do Rio Doce pode ser considerada privilegiada em relação
ao volume disponível de recursos hídricos. “Sobre a distribuição das demandas,
tem-se que a retirada de água para irrigação representa mais de 75% do volume
atualmente explorado na bacia do Rio Doce” (PIRHDOCE, 2010, p. 34). O
gráfico 2 apresenta, de que forma se distribuem as vazões retiradas na bacia do
Rio Doce, de acordo com seus tipos de uso:

Gráfico 2. Estimativa de demanda, em função do tipo de uso, para a bacia do Rio Doce. Fonte:
Elaborado pela autora com dados de (PIRHDOCE, 2010).

258
O Rio Doce, único manancial que abastece o município de Governador
Valadares, tem sido vitimado por um processo histórico de degradação e descaso.
Para além dos impactos causados por anos de exploração antrópica, incluindo-se
aqueles provocados por atividades extrativistas de recursos minerais, em 05 de
novembro de 2015 ocorreu o rompimento da barragem de Fundão no municí-
pio de Mariana em Minas Gerais. Resultado do modelo de exploração mineral
brasileiro, que ultrapassa as cadeias de produção e provoca transformações so-
cioambientais irreversíveis.

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261
Notas
*Doutora pelo Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas, da Universidade Federal
de Santa Catarina – UFSC em parceria com a Universidade Vale do Rio Doce – Univale, (DINTER) orien-
tada pela Profa. Eunice Sueli Nodari e coorientada pela Prof. Renata Bernardes Faria Campos.

262
Construindo Políticas Públicas
para o meio ambiente:
a participação popular e os resíduos sólidos em Porto Alegre

Esther Mayara Zamboni Rossi*

Nos debates para o pleito de 2020 das eleições municipais de Porto Alegre, a
questão do lixo apareceu como uma das mais importantes. Mediada por outros
temas como alagamentos, a sujeira em bairros de baixa renda, a saúde dos mora-
dores, assim como do trabalho com reciclagem. Este tema perpassa as discussões
acerca da cidade, não somente nas últimas décadas, mas por quê? Além disso,
como ele é discutido na história. O lixo é de certa forma um indício visível e
malcheiroso da qualidade da administração pública, esta preocupação está nos
jornais, nos relatos sobre a cidade, nos relatórios e debates da prefeitura ao longo
de toda história urbana de diversas formas. Mapeando os lugares de despejo dos
resíduos na cidade visualizamos que estes são lugares persistentes e relacionados
à visão da administração municipal sobre a urbanidade.  É claro que os objetos e
dejetos que formam as “imundícies” se modificam ao longo do tempo. São obje-
tos com materialidades e funcionalidades diferentes, o que nos leva a questionar
o que consideramos como passível de ser dispensado e os motivos para tal con-
forme o contexto vigente. O objetivo deste capítulo é entender as transforma-
ções e permanências das políticas públicas em relação aos resíduos sólidos.

263
Porto Alegre, capital do estado do Rio Grande do Sul, é conhecida por seu
pôr do sol no Guaíba, na orla próxima a região central. Centenas se reúnem no
reformado parque, para admirar o espetáculo. Com família e amigos conversam,
andam de bicicleta, tomam chimarrão e produzem lixo. A produção de resíduos é
intrínseca ao ser humano, já o caminho (e é claro os materiais com que é produzi-
do) da embalagem/objeto/dejeto/rejeito entre a apreciação do anoitecer e o aterro
sanitário ou usina de reciclagem é parte de escolhas e relações do ambiente urbano.

Do século XIX ao XX:


urbanidade e higienismo
O pensamento médico teve e esperasse que tivesse cada vez mais impacto no
ordenamento urbano principalmente devido a pandemias/epidemias. Este pen-
samento médico, porém, não é neutro e tem implicações expressivas nas cidades
ao longo do século XX (COSTA, 2013, p. 65).

O pensamento social do século XVIII e XIX foi influenciado


pelo discurso médico. Foucault e Canguillem demonstraram
como uma nova racionalidade fundada em categorias bio-sociais
foi então instaurada. (LUZ, 1988). Nesta predominava o discur-
so médico que foi sendo elaborada par e passo com a reestrutura-
ção das formas de ordenamento do poder público. Uma das áreas
que sofreu grande influência do discurso e das práticas médicas
foi a das ciências humanas, pois o médico-higienista, enquanto
agente social em permanente e direto contato com a população
obrigou os pensadores a lançarem um novo olhar sobre as ques-
tões sociais. Ao diagnosticar os males, os higienistas determina-
vam não só a medicalização do homem isolado, como também
de seu grupo e até mesmo de toda a sociedade. O diagnóstico e
a prescrição do tratamento podiam determinar ações relativas à
natureza (água, ar e terra); aos modos de vida urbano e rural e aos
espaços construídos (habitações, hospitais, cemitérios, escolas,
cadeias, etc.) (COSTA, 2013, p. 67).

No início do século XX são crescentes as analogias entre o corpo humano


e os caminhos da cidade, as doenças e os medicamentos que seriam necessários
para a pretendida cura. Fazendo um contraponto com a atualidade, muitas vezes,

264
comparamos o planeta com o corpo humano (o planeta está doente, o planeta
pede socorro, o planeta está respirando melhor durante a pandemia). Porém é im-
portante lembrar que no século XIX e XX a preocupação com o avanço de doen-
ças pelas fronteiras influenciou na criação de códigos internacionais e na própria
criação da Organização Mundial de Saúde. Dessa forma, os discursos influenciam
sobremaneira as políticas públicas e os códigos de construção e postura:

Os miasmas ditavam a localização das moradias e equipamen-


tos urbanos, dos serviços e indústrias insalubres. Os Tratados de
Higiene Pública indicavam normas de construção que acabavam
sendo incorporadas pelos Códigos de Posturas e mesmo pela le-
gislação mais abrangente (COSTA, 2013, p. 67).

Na segunda metade do século XIX, o higienismo como pensamento medi-


calizante ganha força e os problemas/doenças dos espaços são conectados com
os indivíduos e suas ações, tipos e cultura (ÁVILA, 2010, p. 107).

No que diz respeito aos lugares, ocorre também um deslocamento


com relação à sua referenciação. Se na primeira metade do século
XIX o seu ápice acontece no período de inverno, na segunda me-
tade deste mesmo século ele passa a ser muito mais referenciado
no período de verão, como ocorre com o elemento água. Mesmo
assim, podemos observar que tais referências continuam também
sendo realizadas em grande quantidade na estação da primavera.
Dentre os problemas mais citados quanto aos lugares, temos os
que dizem respeito ao lixo, a limpeza, aos despejos, as estagnações,
a criação de animais dentro do circuito urbano da cidade (bem
como a matança de cães), a caiação de paredes, aterramentos,
construções de muros, calhas, vigilância, sepultamentos e fiscali-
zação. No universo destes problemas, os lugares mais citados são:
o rio, as ruas, as praças, as pontes (de despejo ou de coleta de água
potável), as praias do litoral, os hospitais (Militar e Santa Casa
de Misericórdia), os açougues, matadouros, armazéns, tabernas, as
fontes, chafarizes, os quartéis, as casas domiciliares, os terrenos,
pátios (quintais), prédios (e seus porões), os navios de transpor-
te e barcas de condução (principalmente de lixo), as chácaras, o
cemitério, a Doca e o Mercado. Entre estes assuntos, ao final do
século XIX encontramos também as questões que dizem respeito
à construção de um forno de incineração de lixo na cidade. Ganha

265
destaque sobre os lugares neste momento os cortiços, que se tor-
nam objeto de interferência das comissões domiciliares, que eram
destinadas a fiscalização dos locais de habitação suspeitos de pou-
co asseio (ÁVILA, 2010, p. 88).

O urbanismo influenciado pelo discurso médico do século XIX estabelece


comparações entre a cidade e o corpo humano, sendo que as duas profissões têm
a função de arrancar o que consideravam doenças reais e urbanas.

Ao diagnosticar os males, os higienistas determinavam não só a


medicalização do homem isolado, como também de seu grupo e
até mesmo de toda a sociedade. O diagnóstico e a prescrição do
tratamento podiam determinar ações relativas à natureza (água,
ar e terra); aos modos de vida urbano e rural e aos espaços cons-
truídos (habitações, hospitais, cemitérios, escolas, cadeias etc.)
(COSTA, 2013, p. 66).

De tal modo as doenças, estes discursos presentes nas políticas públicas lo-
calizavam nos corpos e em locais do urbano certas doenças e o consequente tra-
tamento. Assim, a “higiene surge como ciência da intervenção” (COSTA, 2013,
p. 67) baseada nos elementos hipocráticos (ares, águas e lugares), modifica não
somente avenidas, mas as concepções de urbanidade.
Fazendo uma referência direta aos resíduos sólidos, o elemento de “lugar”,
na primeira metade do século XIX, há uma concepção de limpeza e mudanças
diretas no espaço para a promoção da saúde (ÁVILA, 2010, p. 107).

Quanto aos lugares, estes igualmente são mais referenciados no


período que cobre o inverno e a primavera, com seu ápice centran-
do-se no mês de julho. Dentre os problemas mais referenciados
com relação aos lugares, encontramos aqui os seguintes termos:
limpeza, lixo e despejos. Dentre estes problemas, os locais mais
citados são: os terrenos baldios (normalmente os não cercados,
que acabavam por servir de depósito de lixo), as ruas, as praças,
as prisões (seu estado interno e externo), os quartéis (geralmente
criticados pelos despejos feitos em locais não recomendados pelo
poder público municipal) e o entorno dos prédios públicos (in-
clusive do prédio da própria Câmara) (ÁVILA, 2010, p. 77).

266
O que nos cabe salientar aqui é a mudança de concepção no decorrer do sécu-
lo, da limpeza para higiene, no que se refere à saúde pública e urbanismo. As trans-
formações no espaço urbano estão, é claro, em um contexto na primeira república.
A imigração intensa da área rural para a urbana, principalmente para as
capitais, impulsionou a desigualdade já existente. As políticas públicas não al-
cançaram e não quiseram alcançar estes espaços apesar do melhoramento de vá-
rias técnicas de saneamento. A municipalidade tomou responsabilidades que
pertenciam ao estado, como: “A cidade tornou-se um lugar de mudança. Não so-
mente como receptora das modernidades, mas como um produto das novas for-
mas de sociabilidade, permitindo, assim, que os agentes econômicos e políticos
pudessem reestruturá-las de acordo com seus interesses” (UEDA, 2006, p. 141).
Não é sem contexto que ao assumir, em 1897, José Montaury (o primeiro
presidente eleito do Partido RR) seguindo um dos princípios do positivismo
castilhista municipaliza os serviços essenciais e o saneamento (FILHO, 2006,
p. 38). Uma das principais preocupações era transformar o aspecto colonial da
cidade. O saneamento, a questão viária, ampliação dos esgotos na região central,
estão desta maneira conectados com a visão hegemônica sobre o urbano.

Embora seja relevante lembrar os esforços do Partido Republica-


no Rio-grandense em fornecer assistência aos mais pobres como
a coleta de lixo e serviços de funerais gratuitos, o anseio da mo-
dernização da metrópole, compreendida como o alinhamento
aos padrões urbanísticos e culturais europeus, passa a prevalecer
em detrimento à histórica formação socioespacial que se sucedia.
Assim, observa-se, a partir da primeira década do século XX, a
articulação dos agentes como Estado e burguesia local, no intento
de reajustar a organização espacial da cidade (POLIDORO; DE-
MICHEI, 2015, p. 2).

Não é à toa que a cidade de Porto Alegre recebeu de alguns estudiosos da


área da arquitetura e urbanismo o título de cidade dos planos. Desde a adminis-
tração Moutoury e ao longo do século XX temos reformulações e estudos de
acordo com as urbanidades pretendidas

Porto Alegre tem uma longa história de Planos e é usualmente


considerada uma referencia nacional em matéria de regulação

267
do desenvolvimento urbano. Esta história permite que se fale em
uma “Cultura de Planejamento” (Curiosamente, e não por acaso,
não de uma “cultura do Urbanismo”), aparentemente cumulativa,
que ilumina as instancias técnico-institucionais e alimenta uma
bibliografia em larga medida hagiográfica (FILHO, 2006, p. 10).

A urbanidade, termo muito discutido na arquitetura, pode ser entendida


como o conceito de ser urbano, ou o modo como a cidade acolhe as pessoas, ou
seja, a qualidade ou caráter do urbano, no sentido positivo ou negativo o acolhi-
mento ou a hostilidade. No sentido do figurado do dicionário urbanidade está
ligada à ideia de pessoa que vive na cidade e sua conduta.

espaço público como lócus de uma cultura urbana compartida,


fundada em valores coletivos, uma cultura que envolve o convívio
com os opostos, envolve diversidade, troca e, mais que tudo, o des-
frute de uma cidade que tenha o espaço urbano como fundo ativo. 
Tudo muito ao contrário da atual tendência à segregação em gue-
tos residenciais, profissionais, comerciais e viários. A urbanidade,
assim conceituada, emerge como um parâmetro maior, e abran-
gente, na avaliação da qualidade dos lugares. O reconhecimento
da arquitetura e da cidade a partir da urbanidade re-propõe os va-
lores essenciais da arquitetura como arte social (AGUIAR, 2012).

Assim a urbanidade construída coletivamente deve levar em consideração


humanos, não-humanos, edifícios e caminhos. O lixo é um componente urbano
que percorre todos os caminhos dessa urbanidade.

Profissionalização e redemocratização
As margens do Guaíba que o centro urbano cresce e os primeiros grandes depó-
sitos de resíduos se desenvolvem. De acordo com os registros, disponíveis no site
do Departamento de Limpeza Urbana, a partir da década de 1950, alguns dos
maiores depósitos de resíduos vão se afastando das margens do Lago Guaíba para
outras regiões. Em 1973, Porto Alegre tem seus limites definidos como região
metropolitana, período em que as cidades vizinhas recebem um fluxo migratório

268
intenso. Essa expansão se dá principalmente em sua planície na direção norte.
Nesta década, o uso dos sacos de polietileno é amplamente divulgado como solu-
ção para o acondicionamento do lixo. A relação do poder público com a coleta e
disposição dos resíduos se torna mais técnica e as empresas privadas transformam
estes restos em material extremamente lucrativo. A emergência da poluição, dos
desastres ambientais e os movimentos ambientalistas deste período influencia-
ram nas diferentes experiências com reciclagem e coleta seletiva. É neste período
também que o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) de Porto
Alegre é criado, em 1975, fase que os sistemas de esgoto, água, obras, saúde e lim-
peza pública são individualizados na administração pública.
Entre a década de 1970 e 1980 a partir de uma especialização do trabalho
em relação ao lixo, as fontes arquivadas pelo DMLU apresentam um número
crescente de relatórios, comissões, propostas de projetos relacionados à organi-
zação de políticas públicas para resíduos. Há um esforço das administrações de
retirar o lixo das ruas e corresponder aos anseios ambientalistas do período.
São inúmeras fotos que representam as denúncias de focos de lixo. Nos ál-
buns disponibilizados e organizados pelo DMLU, algumas possuem a localiza-
ção como nesta abaixo. 

Imagem 1. Registro de foco de lixo, Rua João Salamoni nº 440, Porto Alegre, 01/04/1970. Fonte:
Departamento Municipal de Limpeza Urbana de Porto Alegre.

269
Nesta foto de 1970, observa-se ao fundo uma mata, um cercado aparente-
mente feito com sobras de madeira, sendo um pedaço abaixo das árvores para
aproveitamento da sombra. Próximo a cerca amontoados de resíduos depositados
em dois montes, mais ao fundo e em primeiro plano um monte de madeiras, além
de um tecido pendurado na cerca. À procura de resíduos, provavelmente, um ca-
chorro. Este é possivelmente um lugar para criação de porcos, estes recebiam re-
gularmente e tradicionalmente resíduos como alimento. Nesse sentido, inicia-se
um projeto piloto com a participação de criadores de porcos, atividade comum
no entorno da capital, para que esse ciclo do lixo não seja clandestino e seja sani-
tariamente possível. A compra clandestina era comum como salienta este relato:

Ao lado da Cooperativa, em área não pertencente a mesma, foi


constatada a criação de porcos alimentados com o lixo. Segundo
informações de pessoas que trabalham na COOPAPEL, a coleta
do lixo para a alimentação destes animais é coletada clandestina-
mente na cidade e os sacos são jogados no cercado, sendo que os
porcos os rasgam na procura da matéria orgânica para seu alimen-
to. Após um determinado tempo, os sacos plásticos são recolhidos
e vendidos a Cooperativa (CÂMARA MUNICIPAL DE POR-
TO ALEGRE, 1989).

Este é um evento diagnosticado por uma comissão instaurada pela câmara


de deputados de Porto Alegre de 1989. A Comissão especial da câmara de ve-
readores se destinava à problemática da disposição final do lixo de Porto Alegre,
presidida por Gert Schinke (Partido dos Trabalhadores). Este foi considerado
um dos projetos mais promissores pois era estimado como de 100% de eficiên-
cia. Os pequenos suinocultores coletavam irregularmente sem nenhum tipo de
separação, o que também gerava foco de resíduos perto das criações. Foi incenti-
vada a criação de uma associação de suinocultores (REICHERT, 1999, p. 64). O
projeto é um dos exemplos da tentativa de estimular a segregação na origem dos
resíduos, está sem dúvida se mostra mais uma vez importante, pois assim pode
ocorrer o reaproveitamento e um controle sanitário maior.
Não à toa, há uma preocupação com esta cena dos porcos comendo o lixo
comprado de forma clandestina, pois esta reverberou mundo afora no curta-me-
tragem Ilha das Flores de 1989, roteiro original de Jorge Furtado e produção

270
da Casa de Cinema de Porto Alegre. Este causou grande impacto na opinião
pública nacional e internacional, ao relacionar a vida dos e das trabalhadoras que
vivem dos resíduos e a desigualdade social. Este complexo processo socioeconô-
mico é descrito ao acompanhar a “vida e morte” de um tomate, comprado por
uma dona de casa desde sua produção até chegar ao chiqueiro e alimentar porcos
e logo após crianças que esperam sua vez para se alimentar.
A publicização desta realidade está ligada à popularização das discussões
ambientais e à euforia nacional relacionada à abertura de espaços para a partici-
pação popular. Durante o processo de redemocratização brasileiro às instituições
de participação popular cresceram junto com os movimentos sociais. Com a en-
trada do Partido dos Trabalhadores na Prefeitura, muitos dos movimentos sociais
e ambientalistas integram a administração pública. O município de Porto Alegre
inovou principalmente ao implementar o Orçamento Participativo que discutia
diferentes aspectos da vida pública do município. Neste contexto tem início en-
tão uma das primeiras coletas seletivas do país (ZANETI, 2006). O Sistema de
Gerenciamento e Tratamento Integrado de Resíduos Sólidos Urbanos é inovador
na medida em que incluiu a participação de cooperativas de reciclagem1 e conta
com Unidades de Triagem com cooperação entre associações de catadores.
A partir desse momento há uma mudança na organização dos movimentos
sociais “com uma multiplicação dos espaços de articulação coletiva” e uma espe-
cialização de cada movimento conforme sua reivindicação até mesmo dentro de
um único bairro e associação de moradores.   Isto se deve a pulverização das pau-
tas que agora não estão mais associadas, unicamente, à luta contra o estado dita-
torial. Estes mecanismos de participação popular são resultado das lutas sociais
que conquistaram voz na formulação da constituição de 1988. Durante a década
de 1970, na luta pela democratização, os movimentos sociais se caracterizavam
por um associativismo autônomo que se contrapunha ao estado autoritário da
ditadura civil-militar. Neste período, os movimentos eram combativos e as asso-
ciações de moradores eram parte presente na política de Porto Alegre.

1
  Neste município, foi aprovado por meio do decreto nº 18.461, de 20 de novembro de 2013, o Plano Muni-
cipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos. Com o argumento de que é atribuição do Município prover,
manter e qualificar o sistema de limpeza urbana e a gestão integrada dos resíduos sólidos gerados dentro do
território municipal. O Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos de Porto Alegre, deve
sofrer revisão a cada quatro anos e ainda é assegurada a participação popular nos atos de revisão.

271
Uma das mais reconhecidas associações de Porto Alegre que participou
ativamente na construção da Política Pública de Gerenciamento Integrado de
Resíduos Sólidos, é a Associação de Mulheres Papeleiras e Trabalhadoras na Ilha
Grande dos Marinheiros. Estas associações geralmente estão em comunidades
afastadas do centro, sem nenhum tipo de assistência. Porém estão por todas as
partes da cidade recolhendo e encaminhando o que acreditamos dispensável e/
ou nojento. O perigoso transporte de barco da ilha até a região central de Por-
to Alegre e demais dificuldades fizeram muitas mulheres se reunirem por meio
de um panelaço para organizarem as reivindicações e a associação ( JUNCÁ,
2004). O que podemos perceber é o papel dos resíduos nas relações. Sendo assim
os resíduos são mediadores e/ou participantes da socialização nesses espaços.
De 1989 até 2004, Porto Alegre foi administrada por governos dos Par-
tidos dos Trabalhadores, o primeiro em 1989 foi Olívio Dutra que encontrou
os dois lixões de Porto Alegre com o nível esgotado. Este é um marco impor-
tante neste estudo de caso, pois define uma virada na administração pública
referente aos resíduos. 
As discussões em Fóruns da cidade foram importantes para estabelecer qual
o modelo de coleta seria empregado. A partir desta administração privilegiou-se
um modelo que pretendia tirar da marginalidade e melhorar as condições de
vida das comunidades que moravam e trabalhavam nos lixões da Zona Norte e
Zona Sul. Proibindo a moradia nos lixões e o trabalho infantil, por exemplo, a
administração pública propiciou lugares adequados para a triagem do material
reciclado, a melhoria do lugar de trabalho é evidente que agora estava longe do
despejo dos caminhões. Com a coleta seletiva iniciando na cidade esses recicla-
dores agora separavam o que já chegava classificado como lixo seco, e principal-
mente, como cooperativas não dependiam exclusivamente de um intermediário
para vender o material reciclado. O projeto veio acompanhado de uma cons-
cientização da população sobre a coleta, começando com o bairro Bom Fim, e
por meio da solicitação de associações de moradores expandindo para outros
bairros. Em 1996 já estava em todos os bairros. Estas mudanças também estão
relacionadas à perspectiva iminente de esgotamento dos aterros existentes e a
crescente preocupação com o que ia ser desperdiçado e poderia representar lucro
e claro, o aumento crescente da geração de resíduos (REICHERT, 1999, p. 56).

272
A demanda dos resíduos é de certa forma uma questão das cidades, mesmo
não estando focalizada no meio urbano, é neste espaço que se produz um dos
maiores volumes. É claro que as consequências de uma destinação inadequada,
assim como uma produção crescente afeta todo o planeta. Geralmente, o foco
na discussão deste dilema global está no meio urbano, mas cabe salientar os pro-
cessos problemáticos encontrados no meio rural, nos oceanos e até nas unidades
de conservação (RIAL, 2016, p. 15). Um exemplo são os chamados “continen-
tes de lixo” que estão em todos os oceanos, formados pelas correntes marítimas
e condensam toda espécie de resíduos. São inúmeras as campanhas para cons-
cientização referentes ao lixo, porém, muitas vezes, nos dão a falsa impressão
que podemos continuar consumindo no mesmo nível. Desta maneira, é preciso
igualmente repensar a atitude de consumir.
O consumo pode ser mais bem entendido quando colocado em perspec-
tiva, pois existem diferenças entre os resíduos produzidos (RIAL, 2016, p. 14),
as diferenças de consumo influenciam nos tipos e no volume dos resíduos ge-
rados.  Além das discrepâncias entre os países, podemos averiguar que a quan-
tidade per capita de geração de resíduos depende muito das diferenças entre os
espaços do meio urbano e suas desigualdades.
As Organizações da sociedade civil, os projetos e campanhas sobre reci-
clagem, os produtos e empresas “verdes”, aparentemente crescem em visibili-
dade e volume. Entende-se que ao passo que os danos ambientais aumentaram
a reflexão e a consciência sobre os efeitos globais também. Deve-se repensar
porque no Sul global e em países com economias emergentes como o Brasil as
iniciativas populares de reciclagem são inúmeras e com profunda inserção nas
comunidades, mas os níveis de reciclagem e o alcance das políticas públicas es-
tão estagnados. Um dado importantíssimo para entender como os resíduos são
parte significativa da administração dos municípios, é o tamanho do orçamento
gasto com a coleta e destinação dos resíduos. Em países de baixa renda as pre-
feituras utilizam de 20 a 50 % do seu orçamento com o manejo dos resíduos.
Quando se junta esta informação com o fato de que o serviço é oferecido para
menos da metade da população mundial a contradição e os questionamentos
aumentam (MARQUES, 2015).

273
Referências
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jetos urbanos para Porto Alegre. Porto Alegre: Tese de Doutorado em arquitetura,
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ZANETI, Izabel. As sobras da modernidade: o sistema de gestão de resíduos sólidos em
Porto Alegre. Porto Alegre: FAMURS, 2006.

Agradecimentos

Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior


(CAPES) pela concessão da bolsa de estudos de doutorado. O apoio a pesquisa
e intercâmbio com demais pesquisadores na divulgação científica da pesquisa.

Notas
*Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC); orientada por Eunice Sueli Nodari.

275
Crescimento populacional, desequilíbrio e
preocupações ambientais no Sudoeste do Paraná:
o (des)caso com os resíduos de madeira em São João na década de 1960

André Egidio Pin*

Ao longo do século XX, sobretudo após a década de 1940, a região sudoeste do


estado do Paraná passou a ser objeto de ocupação por migrantes dos estados do
Rio Grande do Sul e de Santa Catarina por intermédio de companhias de colo-
nização públicas e privadas que usurparam os territórios imemoriais das socie-
dades indígenas Guarani e Kaingang para lotear, ruralizar e urbanizar a região,
processo que gerou um grande crescimento populacional.
A atividade econômica que se demonstrou hegemônica na região até a dé-
cada de 1970 esteve ligada às serrarias que comercializavam madeira de espé-
cies nativas como a Araucaria angustifolia (Bertol.) Kuntze em todo o Brasil e
causavam, com isso, a devastação da Floresta Ombrófila Mista. Desse modo, a
paisagem da região foi completamente modificada, bem como a sociedade que
foi construída se distinguiu das sociedades indígenas e caboclas que antes habi-
tavam, e continuam habitando, o sudoeste do Paraná.

277
Crescimento populacional no século XX:
o contexto global

É possível identificar dois principais fatores ligados às atividades das serrarias


que causaram impactos ambientais expressivos na região sudoeste do Paraná ao
longo do processo de colonização iniciado na década de 1940. Esses fatores estão
ligados à construção de cidades, física e demograficamente. Por um lado, nota-se
um processo de migração de populações dos estados do Rio Grande do Sul e de
Santa Catarina bastante expressivo, por outro lado e ligado ao primeiro fator,
é latente o crescimento populacional sem precedentes da região. Esses fatores
podem ser verificados em censos oficiais e pela literatura existente sobre a região.
Esse modelo de colonização por migrantes causou sérios impactos ambientais,
deixando a Floresta Ombrófila Mista (FOM) que predominava na região, redu-
zida a uma área muito pequena.
De maneira geral, entre 1900 e 1950 houve um crescimento acelerado da
população mundial. Esse crescimento se deu em diferentes proporções em di-
versos países, podendo-se estabelecer taxas médias de crescimento populacional
continentais. Esse fenômeno, não passou despercebido pelo meio ambiente, que
sofreu impactos não apenas com o crescimento populacional, mas também, e
principalmente, com a formação e crescimento de cidades e com os movimentos
migratórios ao redor da Terra.
Cada continente do planeta parece ter experimentado em maior ou menor
grau esses movimentos das sociedades humanas. Esses dois fenômenos, cresci-
mento populacional e as migrações, constituíram um emaranhado de processos
históricos que podem ser comparados e identificados em todos os continentes
por meio dos impactos ambientais, como demonstra McNeill (2003)1.
O crescimento populacional teve importantes implicações ambientais,
sobretudo em termos de contaminação do ar advinda da emissão de gases por
combustão, especialmente até a década de 1970 (MCNEILL, 2003). Esse impac-
to, porém, foi produzido e percebido de forma distinta nas sociedades economi-

1
  McNeill (2003) estrutura sua análise também sobre a urbanização e contextos das megalópoles e me-
trópoles. O sudoeste do Paraná é estruturado por pequenas cidades e muitas propriedades rurais, que cau-
sam, sem dúvidas, impactos ambientais notáveis. Os impactos ambientais no contexto sudoestino ainda
carecem de mais análises.

278
camente mais ricas e nas economicamente mais pobres. Nesse sentido, McNeill
(2003) argumenta, por exemplo, que em países como Estados Unidos e Alema-
nha o crescimento populacional gerou claramente um aumento nos níveis de con-
taminação atmosférica entre anos de 1900 e 1970, em virtude da quantidade de
pessoas que utilizavam um automóvel próprio para deslocar-se cotidianamente.
Por outro lado, McNeill (2003) pondera que entre as sociedades economi-
camente pobres, com poucas indústrias e poucos automóveis, como o caso da
região sudoeste do Paraná na década de 1960, o crescimento populacional por
si só não pode ser compreendido como a maior causa dos impactos ambientais
conhecidos na região. Essa afirmação de McNeill deve-se ao fato de que as suas
análises, nesse caso, são acerca da emissão de gases e da poluição da atmosfera.
Isso, entretanto, não exclui a possibilidade ou o dever de se pensar também sobre
outras maneiras de contaminação do meio ambiente. Em virtude disso, o autor
demonstra alguns exemplos de que o crescimento populacional ao longo do sé-
culo XX ocasionou casos graves de desequilíbrio ambiental e, ao mesmo tempo,
evitou impactos ambientais maiores2. Assim,

O nexo entre população e contaminação no século XX é bas-


tante confuso. Mas as relações entre crescimento demográfico e
outras formas de mudanças do meio ambiente estão envolvidas
em manto de confusão ainda mais grosso. A pressão demográfica
provocou e impediu a erosão do solo [...]. O aumento e a den-
sidade da população foram apenas determinantes parciais dessa
equação; as condições naturais, políticas e econômicas tiveram
muitas vezes maior peso. A melhor conclusão [...] é que o cresci-
mento demográfico incrementou muito mais o índice de erosão,
mas as populações densas, se eram estáveis, puderam reduzi-las
(MCNEILL, 2003, p. 332).

Como afirma McNeill, os impactos ambientais resultantes do crescimento


populacional são variáveis, talvez até relativos, poderia se dizer. No caso da região

2
  Um dos exemplos elaborados por McNeill (2003, p. 332), nesse sentido, é o de que “[...] A pressão demográ-
fica provocou e impediu a erosão do solo. Em lugares onde incitou os agricultores a cultivar ladeiras íngremes,
como em Java no norte de Marrocos, acelerou a erosão. Em outras partes proporcionou mão de obra suficiente
para implantar e manter planos de conservação do solo, como nas colônias de Machakos, em Kenia [...]”.

279
sudoeste do Paraná ao longo do século XX que não houve aumento da emissão de
gases pelos mesmos motivos dos países ricos, é possível perceber que o principal
impacto ambiental ligado ao crescimento populacional foi a devastação da FOM.

Crescimento populacional no século XX:


o sudoeste do Paraná

A região sudoeste do Paraná possui um contingente populacional baixo até os


dias atuais se comparada a outras regiões e até mesmo a algumas cidades. A re-
gião tem uma população menor que a população da cidade de Curitiba até os
dias atuais, por exemplo. O crescimento populacional da região ao longo do sé-
culo XX, todavia, apresenta dados muito significativos. De acordo com fontes e
a literatura o Sudoeste teve uma taxa de crescimento de 201% no decênio 1950-
1960, enquanto o próprio estado do Paraná apresentou uma taxa de 103%, e o
Brasil de 36% para o mesmo período.
A Tabela 1 apresenta de forma mais detalhada os dados do crescimento
populacional do sudoeste do Paraná na década de 1950 e compara com o estado
do Paraná e com o Brasil em geral.

População na População na Crescimento Crescimento


Local 
década 1950  década 1960  em números  em % 
Sudoeste do Paraná  76.373  230.379  154.006  201% 
Estado do Paraná  2.115.547   4.277.763   2.162.216  103% 
Brasil  51.944.397  72.180.000  20.235.603  36% 

Tabela 1. populações do Sudoeste, do Paraná e do Brasil nas décadas 1950-1960. Fontes: Censos do
IBGE 1953 e 1962. Abramovay (1982); Lazier (1983); Santos, (2008); Briskievicz (2012); Scholz
(2015). Organização nossa.

Os dados da Tabela 1 desvelam que a população do sudoeste do Paraná


no decênio 1950-1960 cresceu de 76.373 habitantes para 230.379 habitantes.
Em termos de proporção, as estatísticas acerca do crescimento populacional da
região sudoeste do Paraná nesse período são comparáveis às regiões com as taxas
mais altas do mundo na primeira metade do século XX.

280
De acordo com os estudos do historiador ambiental John McNeill (2003,
p. 330), a América do Sul, conjuntamente com a América Central, teve um au-
mento populacional de 63 milhões para 162 milhões de pessoas na primeira me-
tade do século XX, uma taxa de 257%; a América do Norte entre 1900 e 1950
teve um crescimento populacional de 206%, saltando de 81 milhões para 167
milhões de habitantes; o continente África apresentou, no mesmo período, uma
taxa de crescimento de 171%, indo de 120 milhões para 206 milhões de habi-
tantes entre 1900 e 1950.
Essas estatísticas permitem a percepção de que este não foi um fenômeno
isolado e insere a região sudoeste do Paraná em um contexto maior, nacional
e global. Um fator fundamental para que o crescimento populacional alcan-
çasse taxas tão significativas na região em foco neste estudo, foi o processo de
migração de milhares de pessoas dos estados do Rio Grande do Sul e de Santa
Catarina. Esses migrantes conseguiram não apenas mudar os dados demográfi-
cos da região como também influenciar e alterar os panoramas político, social
e ambiental da região.

Sudoeste do Paraná em um contexto global:


migrações e desequilíbrio ambiental

Movimentos migratórios são tão antigos quanto a história das sociedades huma-
nas. Em diferentes períodos, todavia, notam-se diferentes causas para as migra-
ções. A história apresenta exemplos de migrações voluntárias ou forçadas, por
questões sociais, econômicas ou culturais, por exemplo. Independente das moti-
vações, os diversos movimentos migratórios possuem em comum, alterações no
meio ambiente. Nesse sentido, McNeill (2003, p. 335) argumenta que

Desde o ponto de vista de mudanças ambientais, a migração mais


importante afetou as zonas de fronteira colonizadora. As migra-
ções massivas de países úmidos para outros secos foi a causa da
desertificação em repetidas ocasiões. As migrações de países com
grandes planícies para outros montanhosos deram pé à uma ero-
são mais rápida do solo. As migrações a zonas de florestas trouxe-
ram consigo a deflorestação.

281
Como destaca o autor, as regiões de fronteira de colonização foram as que
mais foram afetadas pelas migrações. A região sudoeste do Paraná, a exemplo do
que sustenta McNeill, foi uma região de expansão de colonização durante gran-
de parte do século XX, recebendo milhares de migrantes catarinenses e gaúchos,
sobretudo entre as décadas de 1940 e 1970. Muitos desses migrantes, como vêm
se constatando por meio das fontes, desempenharam papel importante na de-
vastação da Floresta Ombrófila Mista (FOM), muitos como donos de serrarias e
milhares como trabalhadores dessas empresas.
Esse movimento ocorrido na região em análise, de certa forma, é também
resultado de um movimento migratório mais amplo. Desde a segunda metade
do século XIX até a década de 1920, milhões de pessoas deixaram seus países
de origem na Europa e migraram para as Américas. Colônias alemãs e italianas
foram formadas, por exemplo, nos estados da região Sul do Brasil (MAESTRI,
2000). Muitos desses migrantes e milhares de seus descendentes chegaram, pos-
teriormente, no sudoeste do Paraná do século XX3.
Esse agente histórico, o migrante, além de dar início a um crescimento po-
pulacional sem precedentes, iniciou um movimento de urbanização e ruralização
da região sudoeste do Paraná com sérias implicações ambientais. Um modelo de
urbanização que alterou completamente as paisagens naturais da região e for-
mou a grande maioria das cidades a partir da década 1940 em torno de serrarias.
Além da população local, muitos desses migrantes também se estabeleceram nas
áreas rurais, o que, da mesma forma que a urbanização, acarretou na devastação
das florestas para dar lugar, inicialmente, a cultivos do gênero alimentício e, pos-
teriormente, a monoculturas, sobretudo da oleaginosa soja.
De acordo com Scholz (2015, p. 44), “[...] a intensidade da imigração su-
lista que desembarcou no sudoeste paranaense, que era muito maior que a taxa
de crescimento populacional do próprio país, não pode ser relegada e deixada de

3
  Existe uma discussão relativamente ampla em relação à construção identitária e as origens culturais da
população do sudoeste do Paraná. Muitos autores buscam evidenciar uma ligação com os povos europeus,
sobretudo italianos. Sobre o tema das questões identitárias e disputas de memória coletiva no sudoeste do
Paraná existe uma produção bibliográfica relativamente extensa. Recomenda-se, entre outros títulos: Abra-
movay (1981), Boneti (1998), Corrêa (1970), Lazier (1998), Vannini (2007) e Scholz (2015).

282
lado [...]”. Isso porque as populações que migraram para o sudoeste do Paraná,
sobretudo as populações do estado do Rio Grande do Sul, mas também de Santa
Catarina, conseguiram interferir na dinâmica política da região, influenciando
inclusive na criação de novos municípios, segundo as análises do estudo supra-
citado. Obviamente, essa nova formatação da região acarretou em impactos
ambientais.Essa onda migratória, além de outros incentivos dados pelo Estado,
também contou com o trabalho de companhias de colonização, destacadamente
Colônia Agrícola Nacional General Osório – CANGO.
A exemplo do que ocorreu com os migrantes na região oeste de Santa Ca-
tarina e na província de Misiones na Argentina, conforme as análises de Nodari
(2018, p. 85), os migrantes procuravam recriar suas práticas culturais na região
sudoeste do Paraná, fosse identificando-se como gaúcho, italiano ou alemão.
Não obstante, muitos dos migrantes que chegavam para colonizar a região su-
doeste do Paraná conseguiram enriquecer ou aumentar seus capitais por meio
das atividades madeireiras que devastavam a FOM. Esse capital deu a origem
a propriedades rurais e subsidiou a formação das elites políticas regionais. Por
outro lado, muitos migrantes trabalhavam em serrarias sem nunca conseguir
mudar seus padrões socioeconômicos. Esses últimos têm em comum com os pri-
meiros a prática do desmatamento.
Além disso, há indícios da boa relação entre donos de serrarias e migran-
tes que chegavam ao sudoeste do Paraná para trabalhar no campo e com os pe-
quenos agricultores que já viviam na região. Sittilo Voltolini (2000, p. 74), por
exemplo, afirma que

[...] A simultânea ou posterior vinda dos madeireiros foi recebida


com júbilo pelo agricultor, em toda a área de domínio mais inten-
so da floresta da Araucária. Os donos das serrarias, por sua vez,
não deixaram de externar plena satisfação com a cordial deferên-
cia, sentindo no proprietário rural fator altamente positivo para
o sucesso de sua empreitada nos negócios de madeira. Mas, onde
estava o ponto de convergência de interesses entre agricultores e
madeireiros? Estava precisamente no pinheiro! O colono, ansioso
por ver sua terrinha liberada para o cultivo, já tinha chegado até

283
a pagar pela derrubada dos pinheiros que, mesmo no chão, eram
incômodo ainda por anos e anos. De repente... uma loteria! Ti-
ravam-lhe os pinheiros e ainda pagavam por isso! [...] Os madei-
reiros, por sua vez, passaram a adquirir a matéria-prima de suas
indústrias por preços irrisórios, altamente compensadores, que
eles mesmos fixavam e eram aceitos sem relutância pelos “felizes”
fornecedores (VOLTOLINI, 2000, P. 74).

Nesse sentido Flores (2009), argumenta que embora já existissem pequenas


tentativas de exploração de madeira no sudoeste do Paraná na primeira metade do
século XX, sobretudo da araucária, a atividade ganhou um novo caráter a partir
das décadas de 1940 e 1950 com a chegada de muitos migrantes. Entre outros
motivos, muitos desses migrantes já haviam atuado no ramo madeiro em seus lo-
cais de origem, na grande maioria no estado do Rio Grande do Sul. Com isso, na
década de 1950 já se registrava a existência de 214 serrarias no sudoeste do Paraná.
De outro lado, o que predominava na região eram propriedades pequenas
com produção de subsistência, assim como na região oeste de Santa Catarina e
na província de Misiones na Argentina. Em análise sobre essas regiões, Nodari
(2018, p. 94, 95, tradução nossa)4 esclarece que:

Em geral, os colonos nas duas primeiras décadas de colonização


trabalharam praticamente com agricultura familiar de subsistên-
cia, produzindo principalmente para consumo doméstico e co-
mercializando os poucos excedentes. As principais culturas foram
milho, mandioca e feijão comum [...].

Os migrantes dos estados Rio Grande do Sul e de Santa Catarina foram,


ademais, a “personagem” favorita para ocupar o sudoeste do Paraná dentro do
contexto da Marcha para o Oeste e nos desdobramentos futuros, ocupando não
apenas o território como também o campo político. Scholz (2015, p. 47), escla-
rece que diante de uma presença do Estado bastante ineficiente na região, os mi-

4
  No original: “In general, the settlers in the first two decades of colonization worked pratically with Family
subsistence farming, producing primarily for home consumption and marketing the few surpluses. The main
crops were maize, cassava, and common beans […].

284
grantes, sobretudo do estado do Rio Grande do Sul, depararam-se com um local
com inúmeras lacunas no campo político, além das oportunidades econômicas,
muito profícuas para o desenvolvimento de novas elites políticas locais.
Uma vez que o migrante passou a dominar o cenário político, autodenomi-
nando-se, inclusive, como pioneiro5 também incentivou a migração de seus con-
terrâneos. Na década de 1960, documentos oficiais da região demonstram ques-
tões como essas. Na Seção Ordinária da Câmara de Vereadores do município de
Chopinzinho realizada em 9 de abril de 1965, registrou-se em ata a discussão em
busca de resolução de um conflito fundiário que estava ocorrendo na zona rural.
O vereador Casemiro Ceni fez um apelo à autoridade policial que cuidava do
caso, em favor dos migrantes, como é possível constatar na transcrição abaixo.

[...] Com a permissão do Sr. Presidente usou da palavra o Ve-


reador Casemiro Ceni, que procurou informar o Sr. Major, que
nestas regiões em litígio há muitos agricultores de outros estados
como sejam Rio Grande do Sul e Sta. Catarina que adquiriram as
terras para futuramente seus filhos cultivá-las. Aparteado pelo Sr.
Major que disse que o Brasil se encontra num desenvolvimento
muito acelerado e que êstes colonos devem cultivar suas terras ou
pelo menos cuida-las, respondeu o orador que achava justo que
as autoridades tivessem cuidados justamente com estas áreas por
se tratar de futuros agricultores que o Brasil tanto necessita [sic]
(ATA DA SESSÃO, 09 abril 1965).

Fica latente no apelo do vereador, também o discurso de desenvolvimento


predominante na época, quando o Brasil já se aproxima do contexto da Revolução
Verde6. Esse discurso progressista é analisado por Roseli Alves dos Santos (2008)
em seu trabalho de tese de doutorado. Utilizando a noção de modernização, a
autora evidencia impactos ambientais provenientes do manejo do solo predomi-
nante no período, pois na década de 1960, diversas propriedades já apresentavam,

5
  A exemplo do que já foi dito anteriormente, na nota 4, é percebida, nesse sentido, uma disputa pela me-
mória para a afirmação identitária e para a concretização de uma elite no campo político. Entre outras re-
ferências, é possível encontrar em Scholz (2015, p. 47-51) uma discussão breve mas profícua sobre o tema.
  Sobre a Revolução Verde no Brasil, entre outros títulos: Silva (2013).
6

285
elucida a autora, sintomas de infertilidade, problema que se procurava resolver
com processos de calagem. Além disso, era incentivado o uso de tecnologia agrí-
cola. Nas palavras de Santos (2008), “Trata-se de uma construção a partir das
características locais que, apoiada, num projeto nacional, articula a implantação
de um modelo de produção cuja concepção de desenvolvimento tem por base a
modernização da agricultura e sua submissão à lógica urbano-industrial [...]”.
Um projeto desse gênero implicou ter o Estado como protagonista, para
manter o discurso progressista de modernização e também para financiar o pro-
cesso. Para a autora acima citada,

A modernização tecnológica da agricultura no Sudoeste do Paraná


provoca alterações na sua configuração territorial e no ritmo das
mudanças. Possibilita repensar o espaço em rede, verificando o
processo de exclusão e/ou inclusão dos diferentes atores sociais em
um sistema global. Todavia, a tecnificação das relações de trabalho
de campo, provoca a inserção instantânea em um sistema mundia-
lizado, ao mesmo tempo em que essas condições materiais (ou a
falta delas) provocam a exclusão de muitos agricultores desse sis-
tema. Pode-se afirmar, utilizando essa lógica, que tanto os lugares
como as pessoas são incluídas e excluídas da constituição das redes
de produção comercialização agrícola (SANTOS, 2008, p. 56).

Essa migração também proporcionou uma reviravolta na história do su-


doeste do Paraná. Antes dessas intensas ondas migratórias, a região, ainda com
um território não conformado, vivia de certa forma em condição de isolamento
econômico. Embora existissem alguns povoados, que dariam origem a cidades
existentes até os dias atuais, a região possuía infraestrutura muito precária. O
Mapa 1 demonstra como a região já estava estabelecida na década de 1960.

286
Mapa 1. Estado do Paraná e a região sudoeste do Paraná. Fonte: Ipardes.pr.gov.br. Legenda: A cor bege
representa todo o território do estado do Paraná; a cor cinza claro representa as federações brasileiras
vizinhas do Paraná; a cor cinza escura representa os países que fazem fronteira com o Paraná; a cor
verde clara representa os municípios do sudoeste do Paraná no final da década de 1960; a cor verde-
escura representa o município de São João.

Com o processo de colonização por migrantes na região houve um aumen-


to em ritmo vertiginoso das atividades madeireiras que, por seu turno, atraiu
cada vez um número maior de famílias dos estados do Rio Grande do Sul e de
Santa Catarina para a região, além das atividades agrícolas que foram implemen-
tadas na região, posteriormente7. Esse conjunto de fatores formados pela migra-
ção e pela devastação insere a região em um contexto global.

7
  Outro tema que merece atenção e análise histórica, diz respeito aos desdobramentos da introdução da Re-
volução Verde na região, sobretudo a partir da década de 1970. A estrutura fundiária que predominou foi
de propriedades de pequeno e médio porte que incorporaram monoculturas, sobretudo da soja, e intensa
utilização de agrotóxicos, a exemplo do que pode se verificar em Shiva (2003) em relação à monoculturas e em
CARVALHO, M. M. X.; NODARI, E. S.; NODARI (2017) em relação a utilização de agrotóxicos. Esse pro-
cesso na região sudoeste do Paraná, entretanto, como já destacado, ainda necessita de análises sistematizadas.

287
Preocupações ambientais em no sudoeste do Paraná

No caso da região sudoeste do Paraná, as migrações podem ser entendidas como


aquilo que John McNeill (2003) denomina de migrações espontâneas, ou seja, um
movimento que abarcou milhares de famílias que voluntariamente deixaram seus
lugares de origem para se estabelecerem em um novo local. Obviamente, nesse
movimento para o sudoeste do Paraná, diferentes incentivos do Estado brasileiro
foram colocados em prática, como propagandas encampadas e facilidades para o
estabelecimento de companhias de colonização. O desmatamento, nesse contex-
to, foi elemento primário das colonizações, como destaca Nodari (2018, p. 92).
Em tempos anteriores a década de 1960, as serrarias no sudoeste do Para-
ná, além da derrubada predatória de araucária (Araucaria angustifolia) e imbuia
(Ocotea porosa), também realizavam grandes desperdícios do ponto de vista eco-
nômico. Ainda não havia, segundo Voltolini (2000), um mercado interno bem
estabelecido para as madeiras de araucária e imbuia, e por esse motivo metade
dos troncos, aproximadamente, eram deixados em meio às florestas ou próximo,
as serrarias apodrecendo, pois apresentavam detalhes em suas formações físicas
naturais que lhes desqualificavam para o mercado internacional.

Mais do que isso, grandes áreas do solo eram completamente de-


vastadas também como consequência das quedas das araucárias e
imbuias centenárias quando serradas e quando eram transportadas.
No trecho a seguir, é possível conhecer um exemplo dessa prática.
Quando os homens do mato terminavam de retirar o pinhal
deixavam para trás uma área de aspecto lastimável. Um venda-
val não produziria tanta destruição. O mato branco reduzido a
nada. Arbustos e pinheiros menores desgalhados, quebrados ao
meio; outros cortados para construção de ‘vareros’ e outros para
dormentes nos carreadores para facilitar o deslizamento das to-
ras. Vegetação de cobertura arrasada, triturada pela queda dos pi-
nheiros, pelo rolamento das toras, pela abertura de carreadores e
pelo tráfego do caminhão toreiro, que transportava até seis toras
por viagem, abrindo sulcos de todo tamanho por onde circulava
(VOLTOLINI, 2000, p. 81).

As toras anteriormente deixadas no mato passaram a ter valor econômico


a partir da década de 1960, quando um mercado interno já havia sido estabeleci-

288
do. Aquelas partes das araucárias antes sem valor econômico ganham o mercado
interno, sendo comercializadas como matéria prima para madeiras chamadas de
segunda, terceira e quarta qualidades.
Com isso, o maior subproduto das serrarias passa a ser as serragens (e pos-
síveis resinas das árvores). Mesmo assim, não havia uma política de eliminação
de resíduos para o setor no período e nem mesmo um setor público responsá-
vel pela fiscalização da eliminação de resíduos. Dessa maneira, as serragens eram
acumuladas ao lado das serrarias e também jogadas em pequenos rios.
Diante desse contexto de exploração da natureza pelos migrantes que se
estabeleciam na região sudoeste do Paraná, há indícios de preocupações sobre
como eram eliminados os resíduos da madeira durante o período de extração de
madeira da FOM. Um desses vestígios pode ser vislumbrado em um caso ocorri-
do em São João, pequeno município sudoestino.
São João foi emancipado no ano de 19608 de Chopinzinho. Até essa data,
São João era distrito de Chopinzinho e, anteriormente, ambos os municípios
eram distritos de Mangueirinha. O que atraía esses migrantes, como já mencio-
nado era, primeiramente, a abundância de madeira das espécies típicas da FOM,
além das terras que seriam lavráveis posteriormente.
Ao que tudo indica, mesmo antes da emancipação do município de São
João ocorrer, as atividades de extração de madeira da FOM já haviam iniciado
e tinha certa regularidade, na década de 19509. Ao longo da década de 1960,
como toda a região sudoeste do Paraná, São João já contava com uma importan-
te atividade de extração de madeiras da FOM. Com isso, o município foi sendo
formatado em torno das serrarias.
Essas serrarias despejavam os seus resíduos, serragem e pequenos pedaços de
madeira, em dois pequenos rios da cidade. O despejo dos resíduos era realizado de
maneira despreocupada e sem consequências para as serrarias. No ano de 1967,

8
  Lei 4.245, de 25 de julho de 1960. Lei estadual publicada no Diário Oficial do Estado do Paraná n. 119
de 28 de julho de 1960.
9
  Em relação a esse tema, necessita-se de mais fontes para esclarecer com precisão o ano de início das atividades
neste município. Segundo informações da prefeitura da cidade, “[...] São João tem sua origem ligada à fertilidade
de suas terras e à madeira em abundância, pois estes foram os motivos que fizeram com que, por volta da década
de 1920, as famílias Marcondes, Félix e Vieira dos Santos, vindas do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, se
instalassem por aqui”. Disponível em http://www.saojoao.pr.gov.br/cidade. Acessado em: 15 jan. 2019.

289
porém, um representante do poder legislativo do município de São João, senhor
Ernesto Fontaniva, reivindicava um tratamento para a situação. O vereador, por
meio de um requerimento durante a Sessão Ordinária do dia 15 de dezembro
de 1967 da Câmara Municipal de Vereadores de São João, solicitava que fossem
tomadas medidas de contenção da prática de despejo de serragens nos rios:

[...] Requerimento n. 26/1967 do Vereador Ernesto Fontaniva,


que requer providências a quem de direito seja, no sentido que se
expressa de uma vêz por todas, o despejo de serragens e detritos
de madeira, em rios e riachos do nosso município, especialmen-
te nos riachos existentes na cidade [...] (ATA DA SESSÃO, 15
dezembro 1967).

Esse Requerimento foi apresentado na última Sessão da Câmara de Ve-


readores do ano de 1967. No ano seguinte, logo na primeira Sessão, realizada
no dia 03 de fevereiro de 1968, o vereador Ernesto Fontaniva fazendo uso da
palavra fez novo apelo sobre os resíduos das serrarias que invadiam terrenos
de terceiros no município. Na ocasião, o vereador realizou uma reclamação a
favor do senhor Edmundo Früjanft, que tinha um terreno invadido por mara-
valhas de uma serraria e cobrava solução do poder executivo para o caso (ATA
DA SESSÃO, 3 fevereiro 1968).
Nas sessões seguintes, dos meses de março e abril de 1968, o tema não apa-
rece na pauta do vereador Ernesto Fontaniva e tampouco de outros vereadores.
Já na Sessão Ordinária realizada no dia 15 de maio, o vereador fez novo apelo, e
nesta ocasião de maneira fervorosa ao que indica a ata da sessão, contra o despejo
inconsciente de serragens nos pequenos rios de São João:

[...] Explicações pessoais: Em explicações pessoais usou da pala-


vra o Vereador Ernesto Fontaniva, que uma vêz mais condenou
energicamente, os proprietários de serrarias que continuam a de-
positar serragem e fragmentos de madeira nos córregos criando
sérios problemas. Outrossim o Vereador Fontanive, destacou ou-
tra vez as questões da higiêne e saúde pública em nossa cidade, que
requerem ação dos homens encarregados dêste setor [...] (ATA
DA SESSÃO, 15 maio 1968).

290
Todavia, a situação continuou sem solução, conforme se constata na ata da
Sessão da Câmara dos Vereadores do mês seguinte, na qual está registrada um
novo requerimento aberto vereador Ernesto Fontaniva sobre o mesmo tema:

[...] Requerimento n. 15/68 do Vereador Ernesto Fontaniva soli-


citando fôsse oficiado ao Chefe da Unidade Sanitária desta Cida-
de, encarecendo providências a respeito do depósito de serragens
e fragmentos de madeira nos córregos e arroios de nosso municí-
pio [...] (ATA DA SESSÃO, 15 junho 1968).

Ainda no final dessa década, o vereador Ernesto Fontaniva teve sua vida
interrompida em um acidente automobilístico. Os seus protestos, entretanto,
evidenciam a ausência de uma política adequada para a eliminação dos resíduos
das serrarias. Outra questão importante que fica latente com os protestos do ve-
reador é de que não existia sequer, nesse período, uma autoridade responsável
por fiscalizar os problemas desse gênero. O representante do poder legislativo,
ora apelava para os seus próprios colegas, ora para o poder judiciário, ora para ao
Chefe da Unidade Sanitária.

Considerações finais

O processo de colonização do sudoeste do Paraná originou um crescimento po-


pulacional sem precedentes na região. Esse crescimento teve como pilar de sus-
tentação um movimento que levou milhares de famílias a migrarem para a região.
Uma vez instalados na região, alguns comprando terras e outros procurando exer-
cer profissões que já exerciam em seus lugares de origem, é iniciado o processo de
exploração da madeira das florestas da região, processo que teve como uma das
suas principais consequências à devastação da FOM por meio das atividades ma-
deireiras que constituíam parte fundamental do projeto colonizador.
Nesse contexto, é possível encontrar sujeitos históricos que manifestaram
preocupações ambientais e que tentavam agir para evitar o desequilíbrio am-
biental, à medida do alcance de suas posições sociais, como o senhor vereador
Ernesto Fontaniva. Nesse período, entretanto, não havia uma política ambien-

291
tal estruturada para eliminação de resíduos, corte de madeira ou fiscalização,
pouco ou nada podendo fazer aqueles indivíduos que tinham preocupações
com o meio ambiente.

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293
Notas
*Doutorando em História; Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Ca-
tarina – PPGH - UFSC. Integra o Laboratório de Migração, Imigração e História Ambiental (LABIMHA).
Orientado pela professora Doutora Eunice Sueli Nodari.

294
História Ambiental e Ecocrítica
no Antropoceno:
conexões para imaginar outros mundos possíveis

Leandro Gomes Moreira Cruz*


Morgana Elisha Jahnke**

O objetivo deste capítulo é explorar as possíveis relações entre os campos da His-


tória Ambiental e da Ecocrítica. Em muitos sentidos, o diálogo proposto está
vinculado à experiência humana de viver em um mundo em ruínas e a necessida-
de de avaliar os passados e presentes, sem perder de vista a possibilidade de ima-
ginar e criar outros futuros1. Dessa forma, estabelecer o diálogo entre História
Ambiental e Ecocrítica, tendo em vista as análises históricas de obras de arte,
é nossa proposição para encontrar, discursiva e materialmente, diferentes expe-
riências relacionais entre humanos e mundo natural e buscar, no interior dessas
análises, o potencial de criação de outras sensibilidades e pensamentos sobre o
mundo em comum que construímos.
Ao assumir que vivemos em uma nova conjuntura histórica que vem sendo
chamada de Antropoceno, nos convém refletir sobre novas possibilidades de aná-
lises. Desde que, no ano 2000, Paul Crutzen propôs o Antropoceno como chave

1
  Nossa posição, segue a análise de Anna Tsing (2019, p. 14), que propõe que o Antropoceno pode ser
compreendido como um marco distinto no qual “as infraestruturas industriais e imperiais se espalharam”
disparando uma série de “efeitos perigosos não projetados” produzindo assim, um mundo em ruínas.

295
interpretativa da época histórica em que vivemos, uma miríade de outros “cenos”
foram elaborados para dar conta das diversidades de contextos específicos nos
quais a era dos humanos se materializou2. Contudo, o marco que nos interessa
mais diretamente é a compreensão de que os seres humanos intensificaram de
tal maneira suas ações no globo terrestre que deveriam ser considerados como
agentes geológicos. A análise empírica que sustenta a realidade do Antropoceno
aponta para o grande aumento de população humana, consumo de energia e ou-
tras mudanças no “sistema terra”, como a perda da biodiversidade e o aumento da
concentração de CO² na atmosfera (PÁDUA, 2016, p. 19-20). Portanto, diante
da disrupção das condições ecológicas planetárias em nossa contemporaneida-
de, propomos nesse capítulo uma discussão teórico e metodológica conectando
os estudos históricos ambientais e os estudos literários e culturais na intenção de
fomentar formas de análises que possam trabalhar coletivamente na criação de
novas maneiras de pensar e agir, nos textos e nas realidades materiais, nas rela-
ções entre humanos e natureza não-humana (lê-se animais, vegetais e fungos).
Dessa forma, apresentamos essa discussão dividida em quatro momentos.
Primeiro, um panorama introdutório sobre o campo da História Ambiental.
Em seguida, uma discussão sobre os significados possíveis de compreender nos-
sa existência dentro de um novo marco histórico, o Antropoceno. Logo após,
apresentaremos a abordagem ecocrítica nos estudos culturais. E por fim, uma re-
flexão sobre a série 3%, como estudo de caso na tentativa de sintetizar as aproxi-
mações possíveis entre esses campos e suas potencialidades criadoras nas formas
de perceber o mundo em nossa contemporaneidade.

Notas sobre História Ambiental

A partir da década de 1960, com as proposições da Escola dos Annales


para incorporarmos novas abordagens e fontes para a historiografia, abrem-se

2
  Para fazer a devida diligência, o artigo de Paul Crutzen e Eugene F. Stoermer “The Anthropocene”, publica-
do na IGBP Newsletter 41, no ano 2000, é referenciado com frequência como o marco do início da populari-
zação do Antropoceno como conceito que redefine a era em que vivemos. Como demonstraremos ao longo
do texto, a polissemia em torno do conceito, bem como sua fragilidade em alguns aspectos proporcionou
diversas releituras, com a intenção de transformá-lo em uma ferramenta analítica mais adequada.

296
os leques de possibilidades para além dos usuais documentos oficiais escritos;
as imagens, por exemplo, passam a ser entendidas como registros de testemu-
nha ocular, logo como fontes (BURKE, 2016). Um conjunto de historiadores,
a partir da década de 1970, se apropriaram dessa proposta de renovação das nar-
rativas historiográficas para buscar algum entendimento entre as relações das so-
ciedades humanas com o meio natural onde habitam, como o biótopo é afetado
pelas ações humanas e como esses humanos o afetam. As primeiras discussões
que compreendem o ambiente como integrante dos processos históricos - de
forma dinâmica e fluída -, ocasionaram a institucionalização da disciplina His-
tória Ambiental, relacionando às demandas sociais com as especificidades de seu
biótopo (PÁDUA, 2010).
Alguns movimentos sociais em meados do século XX, como o movi-
mento ambientalista, portanto a cena política, além dos estudos de ecologia e
algumas mudanças epistemológicas estabelecidas ao longo do século XX nas
ciências, influenciaram e desafiaram historiadores ambientais acerca do enten-
dimento do mundo natural. Contudo, de acordo com o historiador ambiental
brasileiro José Augusto Pádua (2010, p. 83), três mudanças epistemológicas
carecem particular atenção:

1) a ideia de que a ação humana pode produzir um impacto re-


levante sobre o mundo natural, inclusive ao ponto de provocar
sua degradação; 2) a revolução nos marcos cronológicos de com-
preensão do mundo; e 3) a visão de natureza como uma história,
como um processo de construção e reconstrução ao longo do
tempo (PÁDUA, 2010, p. 83).

No entanto, a centralidade da discussão ambiental no tempo presente, não


se demora ao tema da natureza propriamente, dado que esta é uma categoria
central do pensamento humano no Ocidente desde a Antiguidade. À medida
que os seres humanos se territorializaram, conforme Pádua (2010, p. 83), a partir
de suas interações com os elementos biológicos e geológicos surgem “práticas
materiais e percepções culturais referidas ao mundo natural”. Sendo assim, a pro-
dução de um entendimento sobre a natureza pode ser pensada como uma base à
própria existência social (PÁDUA, 2010).

297
Pádua (2010) sublinha que a ausência da dimensão biofísica na maior
parte da historiografia contemporânea criou a demanda pelo estabelecimento
da História Ambiental, acrescenta que se faz necessário incorporar as dimen-
sões econômicas, sociais, culturais e políticas à investigação histórica do mundo
biofísico. Em outras palavras, para fazer História Ambiental é preciso superar a
dicotomia entre natureza e sociedade e lançar um olhar dinâmico, interativo e
interdisciplinar para analisar as relações socioambientais. Sendo assim, não po-
demos mais pensar a História

[...] como se os seres humanos não fossem animais mamíferos e


primatas, seres que respiram e que precisam cotidianamente se
alimentar de elementos minerais e biológicos existentes na Terra.
Como se não fossem, em verdade, seres que, mais do que estabe-
lecer “contatos” pontuais, vivem por meio do mundo natural, de-
pendendo dos fluxos de matéria e energia que garantem a repro-
dução da atmosfera, da hidrosfera, da biosfera, e assim por diante
(PÁDUA, 2010, p. 91).

Assim, a História Ambiental deve ser capaz de interligar as dimensões da


existência humana, do ambiente natural às organizações culturais, de modo que,
não podemos ignorar que o ser humano está tão “imerso na cultura e na lingua-
gem quanto na ecosfera terrestre” (PÁDUA, 2010, p. 91). O ofício da historio-
grafia ambiental precisa estar atento aos riscos dos determinismos biológicos e
geográficos, considerando que, a realidade biofísica é específica numa determi-
nada região e para cada população não-humana pode haver uma interpretação
polissêmica, com variabilidades de sentidos, de acordo com a diversidade cultu-
ral dos grupos humanos que habitam um território específico. Noutras palavras,
a historiografia ambiental deve reconhecer a pluralidade dos aspectos naturais
e culturais como complementares, ou seja, elencar seus encontros nas práticas
coletivas dos seres humanos.
Em consonância com as explanações de Pádua (2010), encontramos as pre-
missas para a realização de pesquisas no campo da História Ambiental com o
nome clássico da área, o historiador norte-americano Donald Worster (1991).
O autor, por sua vez, destaca a interdisciplinaridade na investigação historiográ-
fica ambiental para a efetivação de análises que inter-relacionem as sociabilida-

298
des humanas e não-humanas numa perspectiva horizontalizada entre as espécies
e o seu biótopo, isto é, repele a visão dualista entre natureza e sociedade; de outro
modo, percebe as sociedades humanas como parte integrante da natureza e não
dominadora dela. Em suas palavras,

a história ambiental rejeita a premissa convencional de que a ex-


periência humana se desenvolveu sem restrições naturais, de que
os humanos são uma espécie distinta e “super-natural”, de que as
conseqüências [sic.] ecológicas dos seus feitos passados podem ser
ignoradas (WORSTER, 1991, p. 191).

A História Ambiental propõe uma ampliação da análise histórica, de acor-


do com Worster (1991), com o objetivo de expandir as temáticas para além das
histórias políticas e econômicas nos perímetros das fronteiras nacionais. Trata-se
de uma teoria historiográfica que busca compreender os aspectos naturais de um
biótopo para investigar como os processos históricos foram influenciados pelo
seu ambiente, além de estudar as mudanças que as ações humanas causaram e
causam na biosfera, como a alteração de ecossistemas e paisagens, por exemplo.
Não obstante, afirma que as ações humanas são dependentes das variáveis am-
bientais, numa dinâmica no espaço e no tempo.
Para fazer História Ambiental, bem como o título do artigo reflete, Wors-
ter (1991, p. 202), propõe três níveis de análise: 1) entendimento da natureza:
conforme seus aspectos naturais, orgânicos e inorgânicos, incluindo o ser huma-
no e suas relações com diferentes ecossistemas, integra-se o conhecimento das
ciências naturais; 2) domínio socioeconômico: acerca dos modos de produção
e suas relações socioeconômicas a partir do uso de elementos naturais enquan-
to recursos em determinados espaços geográficos; 3) intelectual: as percepções
humanas, os valores éticos e estéticos e suas representações, as culturas e suas
dimensões cognitivas e simbólicas. Worster (1991), todavia, pontua a cautela
que historiadores ambientais precisam ter ao utilizar o esquema dos três níveis,
não podemos fragmentar a análise e destacar um fator sobre os demais, pelo con-
trário, devemos investigar os elementos de cada um desses níveis ao vasculhar
as fontes e trabalhá-los numa perspectiva inter-relacional. Em outras palavras,
importa para a História Ambiental, tanto o conhecimento humano produzido
sobre o mundo natural, seja pela ciência ou saberes tradicionais construídos em-

299
piricamente, quanto às formas de apropriação dos elementos biofísicos, seja na
produção de subsistência de uma comunidade específica ou na produção inseri-
da no mercado comercial e, igualmente relevante, as percepções individuais ou
coletivas que humanos atribuem a determinadas espécies não-humanas.
Dessa maneira, a História Ambiental aponta para a inclusão da cultura à
historiografia ambiental, como uma inter-relação com os demais níveis: “a histó-
ria ambiental deve incluir no seu programa o estudo de aspectos de estética e éti-
ca, mito e folclore, literatura e paisagismo, ciência e religião - deve ir a toda parte
onde a mente humana esteve às voltas com o significado da natureza” (WORS-
TER, 1991, p. 211-212). A partir dessas proposições, torna-se necessário esta-
belecer uma ligação com o conceito de Antropoceno, já que, em grande medida,
as discussões das questões ambientais na contemporaneidade estão perpassadas
pelas múltiplas leituras do conceito.

O Antropoceno como conceito histórico

O conceito de Antropoceno está no centro da discussão científica desde o


início dos anos 2000. Conforme o agrônomo e economista brasileiro José Eli da
Veiga (2019), existe a perspectiva do Antropoceno se tornar oficialmente uma
nova era geológica no Congresso Internacional de Geologia (adiado devido à
pandemia de Covid-19). Portanto, no debate geológico, o conceito ainda não
foi formalizado. Ainda assim, a proposta para oficializar o Antropoceno parte
da ideia de que as atividades humanas são, nessa nova era, o principal vetor da
mudança ecossistêmica global e, logo, não viveríamos mais no Holoceno (perío-
do concernente aos últimos 11.718 anos, época que pertence ao Período Quater-
nário da Era Cenozóica) (VEIGA, 2019).
Embora o Antropoceno ainda seja visto com ressalvas nas discussões geoló-
gicas, tal fato não impediu sua rápida proliferação nas Ciências Humanas. Como
Helmuth Trischler (2016, p. 312) sugeriu, nesse ponto devemos deixar clara a
distinção entre o Antropoceno, entendido como era geológica e um outro An-
tropoceno, compreendido como conceito cultural. É esse segundo Antropoceno
que nos interessa, sob a perspectiva de que sua mobilização pode ser entendida
como uma nova ferramenta análitica que reuniria os tempos humanos e geológi-

300
cos novamente, possibilitando sobrepor às divisões ontológicas, temporais, epis-
temológicas e institucionais que dividem natureza e cultura, ou meio ambiente
e sociedade (TRISCHLER, 2016, p. 329). É esse Antropoceno, como chave de
leitura “integrativa” (PÁDUA, 2016, p. 19) para a compreensão da civilização
industrial, que vem sendo utilizado como categoria histórica para compreender
e denominar o momento histórico na qual os humanos atingiram novas capa-
cidades de ação sobre o mundo natural, intensificando os impactos das ações
antrópicas em níveis sem precedentes.
Entre os grandes embates que o conceito de Antropoceno trouxe consigo
estão duas questões especialmente caras aos estudos históricos. Primeiro, a pe-
riodização da nova “era dos humanos” proposta. E, logo, a invisibilização das
nuances de poder entre as diferentes comunidades humanas que o discurso uni-
versalizante do Antropoceno ativa, fazendo emergir a questão de quem era o
“antropo” do Antropoceno.
Sobre as temporalidades do Antropoceno, há ainda uma série de divergên-
cias entre autores. Alguns requerem esse marco ao advento da agricultura, com
a Revolução Neolítica, há cerca de 12 mil anos, bem como há pensadores que
reclamam esta gênese à Revolução Industrial, no século XIX, com a intensifi-
cação da queima de combustíveis fósseis ou ainda, a partir da chamada “Grande
Aceleração”, a partir de meados do século XX, pós-segunda Guerra Mundial,
com o tensionamento sobre os ciclos biogeoquímicos (VEIGA, 2019). De outra
forma, a partir da crítica da narrativa universalizante do Antropoceno, diversos
pesquisadores elaboraram novos conceitos que objetivavam captar as relações
de poder que subjazem na narrativa antropocênica. No bojo dessas discussões
conceitos como Capitaloceno, Plantationceno, Chthuluceno, Wasteocene, Car-
boceno ou Sojaceno emergiram para sanar os déficits do Antropoceno. Nessa
perspectiva, propomos um breve diálogo com algumas das alternativas coloca-
das ao conceito de Antropoceno.
De acordo com a filósofa, socióloga, historiadora e bióloga norte-america-
na Donna Haraway (2019), o Antropoceno se configura como um evento-limi-
te. Os efeitos das ações humanas na biosfera em longo prazo imprime um tom
catastrófico a esse chamado evento-limite, como se conformados e descrentes
sobre as possibilidades de criarmos um devir menos injusto social e ecologica-
mente, encontrássemos o “game over”. Haraway (2019) utiliza o conceito de An-

301
tropoceno em suas análises, mas ressalva a sua insuficiência, porque uma história
humana, seria uma “história ruim”, uma história negativa e em alguma instância
até mesmo inverossímil, porque apesar da história da dominação humana, das
hierarquias sociais e entre espécies, as histórias são multiespecíficas, ou seja, de-
senvolvem-se inter-relações entre as espécies, entre os corpos bióticos e abióticos,
orgânicos e inorgânicos.
Como alternativa ao Antropoceno, Haraway (2019) propõe o Chthulu-
ceno como perspectiva para o que há de vir. Inspirada na Pimoa Cthulhu, uma
espécie de aranha que vive sob os troncos das milenares sequoias no norte da Ca-
lifórnia central, a autora busca elaborar o conceito dialogando distintas tempo-
ralidades e propondo alianças multiespécies. O Chthuluceno existe no passado,
no presente e no devir-histórico, contudo resiste a uma datação delimitada, por
isso incorpora o devir, não se trata de um pensamento teleológico. As temporali-
dades, espacialidades e sociabilidades previstas no Chthuluceno são metaforiza-
das por tentáculos e assim, assimila organizações por meio de arranjos multies-
pécies orgânicas e inclui elementos abióticos, inter-relacionados com dinâmicas
bioculturais das quais os humanos são apenas uma parte desse todo. De forma
geral, a maior diferenciação entre o Antropoceno e o Chthuluceno está no lo-
cal ocupado pelo ser humano. No Antropoceno, o humano ocupa uma posição
hierárquica sobre as demais espécies, protagonizando as discussões. Todavia,
no Chthuluceno o ser humano é uma parte que afeta e é afetada, em distintos
graus, dentre seus agenciamentos. No entanto, embora a solução de Haraway
com o Chthuluceno seja criativa, o conceito é enviesado para a construção do
devir, não se firmando entre as principais ferramentas analíticas alternativas ao
Antropoceno. Mesmo Haraway, já propôs um amplo debate conceitual sobre a
possibilidade de expandir a compreensão do Antropoceno, mobilizando uma
diversidade de outros conceitos3.
Também o historiador italiano Marco Armiero (2021) parte de uma crítica
ao Antropoceno. Segundo o autor, o conceito abarca uma narrativa universalis-
ta, compreende os seres humanos, sem qualquer ponderação sobre seus lugares

3
  Para aprofundar o debate sobre as noções alternativas ao Antropoceno, ver também: MOORE, Jason W.
Anthropocene or Capitalocene? Nature, history, and the crisis of capitalism. 2016; HARAWAY, Donna.
Antropoceno, capitaloceno, plantationoceno, chthuluceno: fazendo parentes. ClimaCom Cultura Científi-
ca, v. 3, n. 5, p. 139-146, 2016.

302
sociais, como responsáveis pela exploração do mundo natural. Armiero (2021)
sublinha sua crítica à medida que o conceito de Antropoceno desconsidera as
diferenças socioeconômicas, raciais e de gênero. São, portanto, as relações so-
cioecológicas injustas que fazem do “nós” universal da narrativa antropocênica,
um conceito abstrato. Conforme o autor, “A Era dos Humanos é marcada por
uma tecno-estratigrafia de matéria desperdiçada, como sedimentos de carbono,
radionuclídeos e microplásticos, que se acumulam sob a superfície da Terra.”
(ARMIERO, 2021, p. 13, tradução nossa). Os resíduos materiais, isto é, o lixo,
pode ser considerados a gênese do Antropoceno. Armiero (2021) propõe uma
mudança de narrativa, para tanto, define o Wasteocene como as relações socioe-
cológicas que (re)produzem histórias desperdiçadas, não se trata de entender os
resíduos meramente como matéria, mas perpassa suas inter-relações que tornam
alguém ou algo descartável. Outrossim, “O Wasteocene é feito de carne, sangue e
sujeira.” (ARMIERO, 2021, p. 12, tradução nossa). De forma geral, o Wasteocene
é efetivado socialmente a partir da criação de memórias domesticadas e narrativas
tóxicas por parte da organização socioeconômica no capitalismo, isto é, pela par-
cela da população que detém o poder político e econômico, em detrimento dos
corpos descartáveis, criando assim histórias desperdiçadas (ARMIERO, 2021).
Também atento a questão da produção de resíduos no Antropoceno, Ti-
mothy James LeCain (2015), já havia chamado atenção para a proeminência das
emissões de carbono na crise climática contemporânea propondo o Carboceno,
como conceito integrador para compreender a nova época histórica. A partir de
uma perspectiva neomaterialista, LeCain (2016, p. 23 ) argumenta que os com-
bustíveis baseados em carbono exercem uma função central na criação das con-
dições de vida na terra. Da mesma forma, outras alternativas ao Antropoceno
vem sendo produzidas e trabalhadas no sentido de dar visibilidade aos processos
históricos do Sul Global. Nessa perspectiva, podemos apontar as pesquisas re-
centes que apontam para a materialização do “Sojaceno” no Brasil e na América
Latina (SILVA; MAJO, 2021a; 2021b). Claiton Marcio da Silva e Claudio de
Majo argumentam como o setor de produção da soja tem se tornado crucial na
América Latina desde os anos 1970 (SILVA; MAJO, 2021b, p. 95). Com a soja
tornando-se commodity global, sua expansão para diversos países do Sul global
esteve diretamente ligada às demandas do mercado internacional e aos planos

303
de desenvolvimentos nacionais que transformaram vastas biorregiões em largas
áreas de monocultura, acarretando diversos conflitos e problemas socioecológi-
cos (SILVA; MAJO, 2021b, p. 95).
Todas essas leituras críticas do Antropoceno são tentativas analíticas de vis-
lumbrar formas de superá-lo ou, de outra forma, superar a crise socioambiental
global de nosso tempo. Não raro, mais de um desses conceitos são mobilizados
e utilizados em conjunto como formas complementares de análise, buscando
as dimensões tanto globais como locais da problemática inicialmente proposta
pelo Antropoceno. É também nesse intuito que faremos uma breve digressão
sobre os estudos culturais, visando conectar elementos da Ecocrítica à análise
histórica, e postular de que maneira esses estudos conectados podem contribuir
para pensar saídas do labirinto antropocênico.

Ecocrítica e as artes como potências criativas

A compreensão da existência de uma nova Era, onde os humanos tornaram suas


atividades intensas e destrutivas, contribuiu não somente para a transformação
da interpretação dos processos históricos. Nessa perspectiva, emergiram novas
perguntas sobre as relações entre os seres humanos e o seu ambiente, a posição
do sujeito humano no interior do discurso da espécie, na história, na política e
na cultura (MACKEY; LEMBO; CHEGUHEM; RIVERO, 2021, p. 01). Vi-
sando atender essa demanda dentro dos estudos culturais e literários, emergem
os estudos ecocríticos, focalizando o estudo da literatura em sua relação com o
ambiente físico (GLOTFELTY, 1996, p. XVIII). Dessa forma, uma das premis-
sas fundamentais é a existência da conexão entre cultura humana e mundo físico,
na qual ambos se afetam constantemente.
No mesmo sentido, podemos apontar que o objeto de estudo do ecocriti-
cismo é exatamente a interconexão entre o meio ambiente e os seres humanos.
Nessa perspectiva, essa relação é materializada especialmente nos artefatos cul-
turais da linguagem e literatura (GLOTFELTY, 1996, p. XIX). Outrossim, a
compreensão das produções culturais humanas é fundamental para o entendi-
mento das representações e conexões entre as culturas e os ambientes. Portanto,

304
a literatura, o cinema ou outras formas de manifestação cultural são demons-
trativos das relações que uma determinada cultura sustenta com seu mundo fí-
sico. Essa percepção, a estreita ligação entre o mundo material e os processos
de produção cultural, conduziu os estudiosos da ecocrítica a uma interpretação
que relacionava a crise ambiental diretamente com a questão cultural. Em outras
palavras, para os estudiosos da Ecocrítica, desde o início a crise ambiental era, em
alguma medida, cultural (CORREIA, 2019, p. 43).
No mesmo sentido, na perspectiva Ecocrítica, a crise ambiental era tam-
bém uma crise da imaginação. Como argumentava Lawrence Buell (1995, p. 02)
se os problemas ambientais estavam relacionados à cultura, a crise ambiental era
uma crise da imaginação cuja melhoria dependia de encontrar melhores formas
de imaginar a natureza e a relação da humanidade com ela. É diante dessa inter-
pretação que os estudos dos artefatos culturais que realizavam uma espécie de
mediação entre a cultura humana e a materialidade do mundo físico poderiam
servir de ferramenta para a imaginação de uma outra relação entre as sociedades
humanas e seus ambientes.
Portanto, um dos argumentos centrais dos estudos ecocríticos é a possibi-
lidade de, por meio dos estudos dos artefatos culturais humanos, imaginar ou-
tras relações entre humanidades e seus ambientes. Isso implica, necessariamente,
que os textos ou representações de vidas humanas e não-humanas e suas rela-
ções remetem a um estado de coisas no mundo físico e que, quando analisados,
representam um potencial para fomentar uma nova visão das relações as quais
descrevem. Nesse aspecto, quando Serenella Iovino e Serpil Opperman (2012b,
p.79; 2012a, p. 454) apontam que a abordagem ecocrítica deve ser uma forma de
percebermos como textos, narrativas e representações demonstram a capacidade
de agência das matérias (ou naturezas) não-humanas, reivindicam a condição de
agentes também aos não-humanos. Dessa forma, a ecocrítica enriquece a inter-
pretação do texto ou representação, já que a natureza não-humana não é o fundo
ou cenário no qual os agentes humanos realizam a vida e a história. Também os
não-humanos agem, participando da criação dos sentidos de ações humanas e da
própria configuração material do que chamamos de ambiente.
De outra forma, também é possível dimensionar como a ecocrítica mobili-
za os artefatos culturais para a conscientização cultural, social e histórica. Nesse
aspecto, de maneira semelhante à História Ambiental, é necessário estabelecer

305
uma abordagem interdisciplinar nos estudos ecocríticos. Nesse sentido, criar
laços entre os estudos literários, culturais e outros campos como a filosofia, a
história e as ciências sociais, pode ser bastante prolífico. Tal iniciativa nos es-
tudos ecocríticos foi chamada de “fertilização cruzada” (GLOTFELTY, 1996,
p. XIX), tendo como finalidade garantir um caráter ecocentrico (MACKEY;
LEMBO; CHEGUHEM; RIVERO, 2021, p. 01), ou um humanismo não-an-
tropocêntrico (IOVINO, 2010, p. 30). Outrossim, a potência da imaginação
narrativa, em uma conjuntura de crises socioecológicas, pode ser mobilizada
para o estímulo de uma compreensão ética dessas questões socioambientais do
nosso tempo, acessando através dos textos e representações não uma natureza
não-humana abstrata, mas sim sociedades humanas e realidades materiais locais.
É necessário aprofundar nosso diálogo no que tange à especificidade das
relações entre Ecocrítica e História Ambiental. Se a ecocrítica deve entender
não apenas como textos particulares representam as interações entre humanos
e seu ambiente ecológico, mas também como essas representações refletem e
moldam as práticas ambientais no mundo real, é fundamental que essas análises
englobam um contexto mais amplo da dinâmica histórica. Certamente, isso não
pode ser feito somente através da análise textual. Da mesma forma, o reconheci-
mento de que as crenças e desejos humanos desempenham um papel nas práticas
ambientais aponta para a interpretação textual como um valioso componente da
pesquisa histórica (BERGTHALLER, 2015, p. 06). Portanto, texto e contexto,
representação e mundo físico estão conectados de maneira intrínseca, o que pos-
sibilita que o diálogo entre História Ambiental e Ecocrítica se apresente como
um campo fértil para que as reflexões baseadas nas representações de coletivos
humanos e não-humanos locais fomentando outras percepções de mundo com
novos valores ética e ecologicamente orientadas.
Nesse sentido, seria interessante para uma pesquisa comprometida com as
questões socioecológicas encontrar valores éticos que possam oferecer alterna-
tivas à cultura antropocênica. Entendemos como partes dessa cultura do antro-
poceno, elementos como a ideologia do crescimento econômico sem limites e os
processos de industrialização e urbanização, bem como as instituições e conhe-
cimentos que sustentam e fomentam esses processos (PÁDUA, 2016, p. 23-31).
Portanto, sob nossa ótica, pensar saídas para as questões ambientais e sociais

306
implica necessariamente romper com esses elementos criando modos alternati-
vos de compreensão da experiência humana. Diante dessa conjuntura, concebe-
mos que estudos históricos e ecocríticos podem estimular a invenção de novas
percepções, formas de sentir e pensar nossa existência conjunta com a natureza
não-humana. Nessa perspectiva, Iovino (2010, p. 39) aponta que por intermé-
dio das produções culturais humanas emerge essa possibilidade de criar valores,
que podem igualmente refletir na transformação das interações entre humanos e
não-humanos na realidade material.
Nessa perspectiva, a ecocrítica cumpre uma dupla função: é ao mesmo tem-
po ferramenta de interpretação metodológica e uma forma de pedagogia social.
Por um lado, enquanto se debruça sobre os artefatos culturais - em especial a li-
teratura, mas também sobre outras formas culturais como o drama, o cinema, as
artes visuais ou a música - a Ecocrítica faz desses artefatos instrumentos para a in-
venção de novos valores éticos. Por outro lado, a análise ecocrítica pretende criar
um círculo de cooperação entre artistas e intérpretes ecocríticos na produção
desses novos valores éticos. Procedendo dessa forma, todas as formas narrativas
abrem possibilidades de afirmar os valores produzidos pela arte, mobilizados
pelos pesquisadores e que podem atuar como força criadora sociedade afora.
Da mesma forma, os artefatos culturais não são meramente representações do
mundo, mas funcionam como criadores de conexões culturais entre o texto, os
autores e o mundo com o qual eles falam (IOVINO, 2010, p. 40). Diante des-
sas possibilidades, a combinação entre História e Ecocrítica pode produzir uma
nova interação entre passados, presentes e futuros na qual os artefatos culturais
são os mediadores. Ao aproximar a pesquisa histórica da interpretação textual
ou imagética, emerge uma nova potencialidade para articular as representações
contidas nos textos e suas relações com um mundo material no tempo passado e
os futuros imaginários que se desenham no presente.
Em suma, argumentamos que coadunar História e Ecocrítica pode auxi-
liar pesquisadores de ambos os campos a participar ativamente do processo de
construção social de novos valores socioambientais. Se para a ecocrítica o apro-
fundamento do contexto histórico é fundamental para compreender os elemen-
tos extratextuais que atravessam as representações, poderíamos propor que para
historiadores o exercício imaginativo da invenção de valores, oriundo da Ecocrí-

307
tica, pode ser de grande valia para restituir a potência de cosmovisões e práticas
de comunidades humanas que ficaram invisibilizadas na construção das grandes
narrativas historiográficas.

História, Ecocrítica e futuros imaginados

Uma das premissas desse trabalho é que o processo de pensar, desejar e imaginar
um futuro é parte crucial da condição humana. Nesse sentido, as produções cul-
turais humanas são objetos de pesquisa privilegiados para concebermos como
determinados indivíduos, singular ou coletivamente, imaginam ou desejam fu-
turos de acordo com suas experiências no presente. Esse processo pode ser des-
crito em categorias analíticas como “espaço de experiência” e “horizonte de ex-
pectativa” (KOSELLECK, 2006). Ou seja, tendo como referência o momento
presente, o espaço de experiência representaria não só a experiência vivida pelo
indivíduo, mas todo acontecimento que permanece na memória social agrupan-
do “muitos estratos de tempos anteriores [que] estão simultaneamente presen-
tes, sem que haja referência a um antes e um depois” (KOSELLECK, 2006, p.
311), sendo marcadamente uma categoria espacial. Enquanto o horizonte de
expectativa é a linha que se abre para o vislumbre do que o futuro pode vir a
ser, não como uma certeza, mas como prognósticos e possibilidades. A imagi-
nação sobre os futuros possíveis pode ser compreendida nessa chave de leitura,
na qual apesar de mediada pela experiência passada, a expectativa é sempre uma
abertura para o novo no processo do fluxo temporal. Com isso, acreditamos que
uma Ecocrítica historicamente construída pode recuperar experiências diversas,
a partir das quais se possam imaginar outros futuros. Considerando que faz par-
te da condição humana a necessidade de se esperar algo do futuro, os artefatos
culturais podem nos apresentar indícios dos futuros possíveis que hoje habitam
nosso horizonte de expectativa.
Nesse sentido, procuramos exemplificar a abordagem proposta em uma
breve análise da série brasileira 3% (2016, 2018, 2019, 2020). A ideia inicial para
o roteiro de 3% foi criado em 2009 por Pedro Aguilera, à época estudante de Au-
diovisual na Universidade Federal de São Paulo (USP). Em 2011 um episódio

308
piloto foi lançado na plataforma de streaming YouTube4, produzido pela Maria
Bonita Filmes em parceria com os colegas Daina Giannecchini, Dani Libardi,
Jotagá Crema e César Charlone, que se tornaram diretores da produção, como
resultado dos recursos obtidos com a classificação na primeira etapa do Edital de
Seleção de Projetos de Desenvolvimento e Produção de Teledramaturgia Seriada
para TVs Públicas – FICTV/Mais Cultura5. Contudo, o projeto não foi aprova-
do nas demais etapas da seleção e, por isso, de acordo com Amendola (2020), 3%
se tornou a primeira série brasileira da distribuidora norte-americana Netflix6,
com as permanências dos mesmos nomes na direção e produzida pela Boutique
Filmes, lançada pelo streaming em 2016; soma quatro temporadas, uma por ano,
respectivamente, a última é datada do ano de 2020. Com um orçamento estima-
do em 10 milhões de reais, conforme o jornal Folha de São Paulo (NETFLIX,
2016), um valor baixo se comparado às produções mainstream norte-america-
nas, foram produzidos um total de 33 episódios de aproximadamente uma hora
cada7 e segundo Amendola (2020), se tornou, durante um período, a série de
língua não-inglesa mais vista nos Estados Unidos da América (EUA).
A série do gênero ficção científica parece a escolha ideal para esboçar uma
análise por ao menos dois motivos: é uma produção brasileira, possibilitando
conexões mais amplas para análise, e foi recentemente citada pelo historiador
italiano Marco Armiero como representação do Wasteocene. A interpretação de
Armiero (2021) para o Antropoceno, já que para o autor, a marca central desse
conceito seria a produção de relações de desperdício (waste), tanto de matéria
quanto de vidas humanas e não-humanas. Dessa forma, manteremos um diálo-
go com a análise de Armiero tencionando novas conexões a partir dos preceitos
da História Ambiental e da Ecocrítica.
A série televisiva denominada 3% é uma narrativa de uma sociedade brasi-
leira num futuro não muito distante. A narrativa da série representa a sociedade

4
  Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=WSxpRWoBr1I. Acesso em 21 nov. 2021.
5
  Para maiores informações, consultar os sites disponíveis em: http://fndc.org.br/clipping/fictv-mais-cul-
tura-522360/; http://thacker.diraol.eng.br/mirrors/www.cultura.gov.br/site/2008/12/08/fictv/. Acesso
em: 21 nov. 2021.
6
  Disponível em: https://www.netflix.com/br/title/80074220. Acesso em 21 nov. 2021.
  Contém oito episódios na primeira temporada, dez na segunda, oito na terceira e sete na última temporada.
7

309
brasileira dividida em duas comunidades distintas: o Continente, um lugar em-
pobrecido e com recursos escassos e o “utópico e quase paradisíaco” Maralto.
Armiero (2021, p. 15, tradução nossa) aponta que a tecnologia seria o grande
diferencial entre os dois mundos. Enquanto o Maralto possui acesso a todo tipo
de “engenhocas futuristas”, o Continente “se parece com uma gigantesca favela
onde as pessoas sobrevivem das sobras”. Enquanto a ciência é o princípio orga-
nizador do Maralto, no Continente a “bricolagem” é a ferramenta mais utili-
zada pelas pessoas, considerando que sempre necessitam “utilizar/reproduzir o
que foi desperdiçado” pelo Maralto. Todas as pessoas nascem no Continente e,
para conseguir chegar ao Maralto, devem passar por uma seleção aos 20 anos
de idade, chamado “O processo”. Armiero (2021, p. 15) ainda destaca como “O
processo” ilustra o credo neoliberal da meritocracia e como, na narrativa da série,
ele age como um mecanismo de interiorização das relações de desperdício repro-
duzindo o desperdício de pessoas, lugares e histórias.
Nesse primeiro momento podemos seguir a análise de 3% como a represen-
tação de um futuro antropocênico. Um aspecto dessa representação que merece
atenção é o fato da comunidade denominada Continente na representação do se-
riado 3 % estar situada num território amazônico na narrativa ficcional. No futu-
ro imaginado pelos criadores da série, se prospecta uma Amazônia desertificada e
favelizada, degradada ambiental e socialmente. Na narrativa apresentada, o Con-
tinente é o lugar da escassez não pela degradação do ambiente, mas pela falta de
“mérito” de seus habitantes. No mesmo sentido, em oposição à pobreza da Ama-
zônia desertificada, o Maralto, uma ilha no Oceano Atlântico, é o lugar da pros-
peridade onde somente os 3% que se mostraram merecedores podem desfrutar
da fartura, da ciência e da tecnologia construída sobre a opressão do Continente.
A superação dos problemas socioambientais realizada pelos criadores do
Maralto fazem lembrar os argumentos daqueles que vislumbraram a possibilida-
de de superar os problemas do Antropoceno real, propondo um “bom antropo-
ceno”, que consagraria a vitória final do ser humano sobre a natureza (COLTRO;
BORINELLI, 2020, p. 158). Na narrativa ficcional, a ciência e a tecnologia de
fato criaram uma solução para os habitantes do Maralto - um “bom antropoce-
no” - mas ao custo da vida de 97% da população, relegadas a viver nas ruínas do
Continente. A representação do Antropoceno em 3% é tão acurada exatamente

310
porque mantém íntimas conexões com o Antropoceno que vivenciamos em nos-
sas realidades, onde o horizonte de expectativas aparece quase sempre reduzido
à visão do apocalipse. É nesse sentido que Armiero (2021, p. 21, tradução nossa)
afirma que “o apocalipse se tornou a norma por meio da qual o futuro é imagina-
do [e] o desperdício é muitas vezes sua manifestação estética”.
O futuro representado no seriado 3% é um futuro apocalíptico, onde as
assimetrias que compõem o Antropoceno se desvelam. Contudo, a potência da
representação de 3% ganha ainda mais vitalidade quando ampliamos a análise
para o campo extratextual, conectando as representações com o mundo material
e a realidade brasileira. As quatro temporadas da série 3% foram produzidas en-
tre 2016 e 2020, período no qual a sociedade brasileira vivenciou um golpe, em
2016 com a destituição da presidenta Dilma Rousseff, e a eleição de um novo
mandatário de extrema direita em 2018.
Nesse período, a polarização política manteve um clima de instabilidade
social e um desmonte de políticas públicas voltadas à conservação da natureza e
ao combate às desigualdades sociais. Enquanto a série 3% representava a Amazô-
nia desertificada, na Amazônia real o desmatamento da floresta continuava au-
mentando. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial, em 2019,
o desmatamento cresceu 85%, chegando a 9.165,6 km², maior área desmatada
registrada entre 2014 a 2019 (DESMATAMENTO, 2020). No ano seguinte,
em 2020, a área devastada foi “70% maior do que a média registrada entre 2009 a
2018” (LACERDA, 2020). No que diz respeito à desigualdade social, a narrati-
va ficcional apresenta grandes semelhanças com a realidade brasileira. Em 2020,
o Brasil foi um dos recordistas da desigualdade social no mundo, figurando entre
os primeiros colocados (BATISTA, 2020). Ainda, segundo Relatório da Orga-
nização das Nações Unidas (ONU) divulgado no final de 2019, no Brasil “1%
da população mais rica detinha 28,3% da renda do país, quase um terço do total”
(SASSE, 2021). Essas informações mostram que a narrativa ficcional do seriado
3% está intrinsecamente conectada com a realidade socioambiental brasileira e
que as imagens apocalípticas da série, muitas vezes, poderiam ser imagens do
cotidiano do tempo presente de muitos brasileiros e brasileiras.
Entretanto, a narrativa do seriado 3% também abre os horizontes de outros
futuros alternativos. Mesmo diante da desigualdade social e de um ambiente aus-
tero para a vida humana, os moradores do Continente não se resignam a somen-

311
te participar d’O processo para chegar ao Maralto. Um grupo de dissidentes do
sistema funda a “Causa”, um movimento social que visa acabar com a divisão en-
tre Continente e Maralto. Nas duas primeiras temporadas da série, os membros
da Causa tentam se infiltrar nos Processos para chegar ao Maralto, com o objeti-
vo de sabotá-lo, mas falham em suas missões. Contudo, na terceira temporada da
série, Michele (Bianca Camparato), desertora da Causa e do Maralto, consegue
organizar uma nova comunidade no continente, a Concha. Diferentemente do
Maralto, a Concha recebe todas as pessoas sem realizar nenhuma seleção. Após
conseguir acesso à parte da tecnologia antes restrita ao Maralto, os moradores
da Concha conseguem organizar sua própria produção de energia, de água e de
alimentos trazendo a possibilidade de uma vida abundante novamente ao Conti-
nente. Nesse sentido, a Concha representa a alternativa ao Maralto, tanto quan-
to à produção de uma vida comum representa a alternativa da cultura antropo-
cênica. A criação da Concha e a organização social dos moradores para produzir
o bem comum da comunidade correspondem ao procedimento que apontamos
anteriormente como invenção de novos valores. Embora a transformação desses
valores aconteça na narrativa ficcional, a combinação entre História e Ecocrítica
pode reafirmar esses valores em suas pesquisas, mobilizando-os socialmente na
produção de um mundo outro, ou ao menos, na imaginação de outras formas de
relação entre humanos e meio ambiente.

Considerações Finais

Em suma, procuramos apresentar neste capítulo os benefícios que uma abor-


dagem interdisciplinar, aproximando História Ambiental e Ecocrítica, podem
oferecer às análises focalizadas em problematizar as relações socioambientais no
Antropoceno. A breve análise realizada sobre a série brasileira 3% teve como ob-
jetivo demonstrar que as proposições de historiadores e de estudos da Ecocrítica
sobre as relações entre o texto ou a imagem e o contexto histórico podem efeti-
vamente mostrar os paralelos entre realidade e ficção. Diante desses paralelos, se
as vidas pós-apocalípticas nas ruínas do Antropoceno são compartilhadas por
narrativas ficcionais e nossas experiências de vida no mundo material, não po-
deríamos também extrair das esperanças que a ficção inspira, modelos e valores

312
éticos para repensar as relações na realidade de nossas sociedades? Certamente,
essa é uma reflexão pontual que poderia se desdobrar em diversos sentidos com
análises mais profundas e específicas. De toda forma, nossa esperança é que a dis-
cussão proposta neste capítulo possa estimular a produção de pensamentos cria-
tivos que nos auxiliem como comunidade de pesquisadores a encontrar, ou ao
menos, imaginar soluções para os problemas complexos que nosso tempo inflige.

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Libardi e Jotagá Crema. Produção Executiva: César Charlone e Tiago Mello. Brasil:
Boutique Filmes, 2016, 2018, 2019, 2020. 4 temporadas. Disponível em: Netflix.

Agradecimentos

Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior


– CAPES/DS pelas bolsas de estudos concedidas e aos colegas do Fronteiras -
Laboratório de História Ambiental da UFFS (Universidade Federal da Fronteira
Sul) e LABIMHA - Laboratório de Imigração, Migração e História Ambiental
da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), em especial aos nossos orien-
tadores Profa. Dra. Samira Peruchi Moretto e Prof. Dr. Claiton Marcio da Silva
pelas conversas e debates que fomentaram o desenvolvimento deste capítulo.

315
Notas
*Doutorando em História pela Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). Mestrando no Programa de Pós-
-Graduação em História pela Universidade Federal da Fronteira Sul (PPGH/UFFS). Bolsista DS/CAPES
e integrante do Fronteiras: Laboratório de História Ambiental da UFFS. Contato: [email protected].
Orientador: Prof. Dr. Rômulo de Paula Andrade.
**Mestranda no Programa de Pós-Graduação em História pela Universidade Federal da Fronteira Sul
(PPGH/UFFS). Bolsista DS/CAPES e integrante do Fronteiras: Laboratório de História Ambiental da
UFFS. Contato: [email protected]. Orientadora: Prof. Dra. Samira Peruchi Moretto.

316
PARTE IV

As práticas agropecuárias
e temas adjacentes
Del conflicto fronterizo colombo-peruano
a las disputas internas en Tarapacá
(Amazonas, Colombia)

Ivón Natalia Cuervo*

Hasta la tercera década del siglo XX, la selva amazónica colombiana era conside-
rada un “infierno verde” sin posibilidades de progreso. Esa visión del territorio
se remonta al período colonial, cuando se difundió la idea de las “selvas amena-
zantes” que debían ser civilizadas y, consecuentemente, esos territorios fueron
subordinados como áreas periféricas del territorio nacional:

Los imaginarios sobre las selvas enfermizas y crueles contribuye-


ron al fortalecimiento de unas geografías nacionales jerarquizadas
que venían construyéndose desde el período colonial. Así como
las contradictorias imágenes de los trópicos asiáticos y africanos
-como bellos pero infernales- ayudaron a legitimar las empresas
coloniales europeas, las ideas que ganaban fuerza en el trópico
americano afianzaron el mandato de domesticar áreas considera-
das salvajes (LEAL, 2018, p. 137).

La idea de “dominar la naturaleza” se expresó en la determinación de


explotar sus recursos. Esta nueva dinámica económica aceleró el proceso de

319
delimitación de las fronteras políticas en la región del alto río Amazonas-So-
limões, proceso que fue fundamental para la construcción de los Estados na-
cionales de Brasil, Colombia y Perú. Esa misma región (Figura 1) corresponde
al territorio que los indígenas ticuna ocupan desde hace más de dos mil años
(LÓPEZ, 2006, p. 77) (Mapa 1).

Mapa 1. Mapa del territorio ancestral ticuna. Fuente: Amazon Conservation Team (CIMTAR, 2020).

El período extractivo de la goma elástica Hevea brasiliensis, popularmente


conocida como “caucho” o “borracha” (en Brasil) inició en la década de 1860 y
se extendió hasta la década de 1930. La empresa cauchera más reconocida en esa
región fue la Casa Arana que, entre 1903 y 1934, dominó el negocio de la extrac-
ción del caucho en la frontera colombo-peruana. Se estima que hasta 1912, la
Casa Arana fue responsable por el exterminio de más de 40 mil indígenas a tra-
vés del sistema esclavista para la producción del caucho (CIMTAR, 2020, p. 11).
Documentos escritos posteriormente, a partir de la memoria histórica de
la etnia uitoto del corregimiento de La Chorrera (sede principal de la empresa),

320
calculan que el etnocidio ascendió a aproximadamente 100.000 indígenas has-
ta 1932 (KUIRU, 2019, p. 10). Las torturas y los asesinatos cometidos en las
caucherías fueron los factores expulsores de los indígenas que huyeron a otros
territorios considerados más seguros para escapar de ese régimen explotador
(GARCÍA-JORDAN, 2001, p. 597).
La historia relatada por el pueblo ticuna cuenta que las primeras poblacio-
nes indígenas que se establecieron en el territorio aledaño a Tarapacá fueron los
ticuna y los omagua, y que a partir de la década de 1920 llegaron los indígenas
uitoto, bora y nonuya, huyendo de las caucherías por el río Iça-Putumayo hasta
la desembocadura del río Cotuhé (CIMTAR, 2020, p. 11).
Durante las dos primeras décadas del siglo XX se divulgó, a través de la
prensa internacional1 y de informes presentados al Vaticano, el genocidio de los
pueblos indígenas que la Casa Arana estaba protagonizando en la región del
Putumayo. Ese escándalo llevó al gobierno peruano a buscar una salida diplo-
mática. Dado que ya desde inicios del siglo XX existía un litigio entre Perú y Co-
lombia por la región del Putumayo, el presidente peruano Augusto Bernardino
Leguía y Salcedo suscribió, en secreto, el Tratado Lozano-Salomón2 firmado en
el año 1922, en el que le cedió a Colombia el trapecio amazónico que perteneció
al departamento peruano de Loreto3 (Mapa 2).

1
  Entre estos documentos, se conocen las denuncias escritas por el periodista peruano Benjamín Saldaña
Roca en los periódicos La Sanción y La Felpa publicados en Lima. Así como los artículos publicados por
el ingeniero estadounidense Walter Hardenburg en la revista inglesa Truth en el año 1909 y la posterior
publicación de su libro titulado The Putumayo, the Devil’s Paradise en 1912 (Véase GARCÍA-JORDÁN,
2001, p. 603).
2
  El Tratado Lozano-Salomón consistió en un documento de arreglo de límites y navegación fluvial entre
la República de Colombia y la República del Perú firmado por los plenipotenciarios Dr. Fabio Lozano (Co-
lombia) y Dr. Alberto Salomón (Perú) el 24 de marzo de 1922 en la ciudad de Lima.
3
  Actualmente, el departamento de Loreto ocupa una superficie de 368.852 km2, que representa casi un
tercio del territorio peruano.

321
Mapa 2. Mapa del límite norte del departamento de Loreto (Perú) con énfasis en el territorio entregado
a Colombia conforme el Tratado Lozano-Salomón (1922). Fuente: Archivo Histórico de Límites
(Lima), Mapoteca. L-88, PL-4-8.

Con una extensión territorial de 113.000 km2, ese territorio correspondía


al escenario del escándalo de la Casa Arana y posibilitó que Colombia tuviera
acceso al río Amazonas (GARCÍA-JORDAN, 2001, p. 615).

El plan de colonización militar


A pesar de que el Tratado Lozano-Salomón ya había sido firmado, el desafío para
el gobierno colombiano consistía en que la población de esa región amazónica,
que era mayoritariamente peruana, desarrollara un sentido de pertenencia en re-
lación con la nación que entraba a establecer una nueva soberanía (ZÁRATE-
-BOTÍA, 2012, p. 61; LÓPEZ, 2002, p. 83). Ese proceso de “colombianización”
estuvo en manos de los militares, del clérigo y de los funcionarios a quienes el
gobierno delegó las tareas de “colonizar y civilizar”. Fue así como en 1928 el presi-

322
dente colombiano Miguel Abadía Méndez comisionó al coronel Luis Felipe Ace-
vedo para dirigir el Grupo de Colonización del Amazonas, Caquetá y Putumayo.
De acuerdo con un censo realizado por ese Grupo en 1930, los datos demo-
gráficos del territorio recibido del Perú dan cuenta de la presencia de colonos e
indígenas peruanos, brasileiños y colombianos en esas tierras (Tabla 1).

Lugar Número de habitantes censados


Leticia 15 colombianos y 130 peruanos
Hacienda La Victoria (Putumayo) 477 indígenas ticunas
Entre la Hacienda La Victoria y el río Ha-
152 peruanos y brasileños
macayaco
Entre la bocana del río Hamacayaco y la
15 colombianos, 59 peruanos y brasileños
bocana del río Loretoyaco
Desde el río Loretoyaco hasta el Atacuarí 363 indígenas ticunas peruanos
Varadero del río Hamacayaco 217 indígenas ticunas peruanos
Alto Cotuhé colombiano 112 indígenas ticunas peruanos
Quebrada Loretoyaco 51 indígenas ticunas peruanos
Varadero de la quebrada Calderón 80 indígenas ticunas peruanos
Bajo Cotuhé y Putumayo colombianos 200
Total poblacional del Trapecio amazónico 1.871 personas provenientes de Perú, Brasil
en 1930 y Colombia.

Tabla 1. Datos demográficos del censo realizado por el grupo Grupo de Colonización del Amazonas,
Caquetá y Putumayo en 1930. Fuente: Fondo General Luis Felipe Acevedo, caja 6, carpeta 16, folio 3048.

Nótese que para la región denominada “Bajo Cotuhé y Putumayo colom-


bianos”, que corresponde a Tarapacá4, no se especifica la procedencia de las 200
personas censadas pero, de acuerdo con la historia oral, la mayoría de los habi-
tantes de esa región eran indígenas ticuna del Perú.
El grupo de colonización del Amazonas, Caquetá y Putumayo consideraba
como una misión “civilizar a los indígenas” a través del mestizaje. De manera que
el “blanqueamiento” de los pueblos indígenas hizo parte del plan nacionalista.
Así lo relata el coronel Luis Acevedo en una entrevista que concedió a la prensa
colombiana antes de emprender su misión colonizadora:

4
  El topónimo Tarapacá fue dado por Perú en memoria del territorio que perdió en la Guerra del Pacífico
(1879-1883) en la que Chile venció y se quedó con una ciudad peruana que llevaba el mismo nombre.

323
El valor positivo actual de los territorios que se desean civilizar lo
constituye la población indígena. Y es urgente procurar su pronta
civilización y su saneamiento espiritual y material. Las tribus, por
la forma en que han vivido y por el modo como han sido explota-
das, se han degenerado y exterminado algunas; pero si se mezclaran
buenos elementos indígenas con blancos civilizados se obtendría
un mejoramiento apreciable en la raza, la que resultaría apropiada
para habitar con ventajas aquellas regiones (ACEVEDO, 1928).

A partir del Concordato de 1887, suscrito entre la República de Colombia


y la Santa Sede, los misioneros capuchinos asumieron la tarea de “catequizar” y
“civilizar” a los indígenas del Amazonas. Estas actividades hacían parte de un
proyecto más amplio:

Las elites nacionalistas desde su posición etnocéntrica, propug-


naban por la formación de una población nacional unificada en
torno a los valores culturales provenientes del legado europeo:
los idiomas español y portugués, la religión católica y las políticas
de integración cultural y mestizaje racial, cuando no de extermi-
nio de gran parte de la población indígena (LÓPEZ, 2002, p. 97,
cursivas de la autora).

La urgencia por poblar la región amazónica llevó al Estado colombiano a


facilitar la nacionalización de los indígenas que huían de las caucherías. Así lo
hizo constar en su época el Ministro de Relaciones Exteriores, Eduardo Santos,
en un oficio dirigido a fray Gaspar de Pinell, quien fue Vicario Apostólico del
Caquetá entre 1930 y 1947:

Los intereses colombianos exigen que se facilite y favorezca por


todos los medios posibles el establecimiento de los indios que
quieran radicarse en nuestro suelo al amparo de las leyes y autori-
dades colombianas. Esta debe ser siempre la norma de conducta a
que deben atenerse tanto esas autoridades como las misiones que
en ellas cooperan en la protección de las tribus indígenas, en su
civilización y catequización efectivas (SANTOS, 1930).

324
Oficialmente, el Estado colombiano asumió un papel protector de los indí-
genas que habitaban esos territorios, pero mantuvo la mentalidad de la inferiori-
dad racial de los nativos, que justificaba el plan de “civilizarlos” y “controlarlos”.
Así que las relaciones continuaban siendo de subordinación de los indígenas en
relación con los militares y colonos. Esa mentalidad colonialista se percibe en las
cartas que el mayor Luís Luna, corregidor de Tarapacá entre 1930-1931, dirigió
al coronel Acevedo, en las que manifiesta su intención de poner a los indígenas
peruanos de Tarapacá a su servicio:

A la sirvienta que nos cedieron en un principio, le prohibió Ren-


gifo últimamente que nos siguiera sirviendo siendo este un acto
de marcada hostilidad y a sabiendas de que nos dejaba sin quién
nos hirviera una agua y que en todo este contorno no se consi-
gue una mujer que se comprometa a servir. Esta contrariedad no
la habríamos sufrido si usted nos hubiera permitido traerla de
Puerto Asís (LUNA, 1930).

En una carta posterior, también dirigida al coronel Acevedo, el corregidor


Luís Luna escribió: “Ocupando a los indios que viven en el territorio se benefician
y se les trae para los demás trabajos de conquista” (LUNA, 1931). Sin embargo, en
esa misma carta se queja de que no había progresado en su propósito de hacer que
los indígenas trabajaran en la construcción de casas de madera, en el desmonte y en
el establecimiento de cultivos, porque los peruanos decían que ese territorio no le
pertenecía a Colombia y que lo que se pretendía era esclavizarlos. Según ese relato
de Luna, él les pagaba a los indígenas en especie o con monedas peruanas (soles)
porque la moneda colombiana no era aceptada como moneda de intercambio.
Los intereses por la riqueza ambiental de esta región hicieron que Colom-
bia se empeñara en ejercer el control territorial. Esto dio origen a conflictos fron-
terizos. En 1932, el Tratado Lozano-Salomón fue deslegitimado por militares y
políticos del departamento peruano de Loreto, principalmente por el Senador
Julio César Arana del Águila, dueño de la compañía Casa Arana. De modo que
las raíces del conflicto fronterizo colombo-peruano se encuentran en los intere-
ses de los terratenientes que tenían el monopolio de las caucherías porque parte
de sus terrenos habían sido cedidos por Perú a Colombia.

325
Con el fin de recuperar el territorio perdido, un grupo de civiles y militares
peruanos se tomaron el puerto de Leticia el 1 septiembre de 1932. Al principio,
el gobierno central de Perú no apoyó esa toma sino que aprobó la expulsión de
los invasores calificados como “comunistas” (CAMACHO, 2016, p. 8), pero
pocos días después, el presidente peruano Luis Miguel Sánchez Cerro ratificó
el apoyo del gobierno a los ocupantes de Leticia y a la solicitud de revisión del
Tratado (CAMACHO, 2016, p. 12). Por su parte, el presidente colombiano
Enrique Olaya Herrera organizó la “Expedición Militar al Amazonas” coman-
dada por el general Alfredo Vásquez Cobo para militarizar la frontera y repeler
cualquier acción militar peruana.
Pero la confrontación con Perú no se dirimió en la lucha armada sino en el
plano diplomático, por medio de la intervención de la Sociedad de las Naciones,
que conllevó a la ratificación del Tratado Lozano-Salomón mediante la firma de
un Protocolo de Amistad y Cooperación en la ciudad de Rio de Janeiro en mayo de
1934 que contó con la participación del mariscal Cândido Rondon en la misión
de verificación nombrada por Brasil para el cumplimiento del Protocolo.
Ese fue el único conflicto internacional que Colombia enfrentó en el si-
glo XX a causa de la delimitación fronteriza, e hizo que el Estado colombia-
no adquiriera conciencia sobre la relevancia del trapecio amazónico (SEÑAL
MEMORIA, 2015). Este hecho histórico resulta significativo para analizar la
configuración de la triple frontera como un espacio geográfico y social (ZÁRA-
TE-BOTIA, 2012, p. 49).

El impacto del conflicto territorial en Tarapacá

El corregimiento colombiano de Tarapacá tiene un área aproximada de 14.000


km2. Está localizado entre los ríos Cotuhé y Içá-Putumayo al norte de la ciudad
de Leticia, capital del departamento de Amazonas (Mapa 3).

326
Mapa 3. Localización del corregimiento de Tarapacá en el departamento de Amazonas. Fuente:
AGUIRRE-NEIRA, 2020.

Este corregimiento fue uno de los lugares receptores de indígenas que


huían del sistema esclavista de las caucherías (RINCÓN, 2005, p. 135). Los po-
bladores indígenas que se establecieron en las riberas del Cotuhé y sus afluentes
se ocuparon en la extracción del caucho como medio de subsistencia, producto
que vendían a comerciantes brasileños y peruanos5.
Durante el conflicto colombo-peruano, se consolidó una guarnición militar
en Tarapacá que fue escenario de un enfrentamiento armado en febrero de 1933.
La ofensiva militar colombiana provocó la huida del ejército peruano y estableció
una base militar que permanece hasta la actualidad. Según lo relata uno de sus

5
  Este dato consta en los comunicados del Coronel Luis Acevedo a los caucheros Fermín Macedo y José
Malafaya (ACEVEDO, 1930), en los que promete que el Estado colombiano les dará garantías para que sus
negocios no se interrumpan dado que ese territorio pasó a ser de Colombia y para que les sigan comprando
el producido a los indígenas que habitan la región.

327
pobladores: “Esto era de los peruanos, aquí era la base militar de ellos, no había
civiles. Cuando los peruanos vieron la cosa seria con los colombianos huyeron por
el río Cotuhé. Después del conflicto, los colombianos ocuparon esto”6.
Como parte del plan de colonización, los militares colombianos promovie-
ron las migraciones de colonos nacionales y brasileños. Uno de los militares que
emprendió esta tarea fue Darío Polanía, quien llegó a Tarapacá en 1935 en calidad
de militar de la Armada Nacional. De acuerdo con el testimonio de su hijo Wil-
son Polanía, las facilidades ofrecidas dieron impulso al proceso de colonización:

Mi papá llegó soltero y él se casó con tres mujeres, las tres fue-
ron brasileñas. Cuando hicieron la base militar del Brasil para
marcar la frontera, mi papá era muy amigo de ellos, y vinieron a
poblar los brasileños, porque en ese entonces en el Brasil había
mucha pobreza, entonces el ejército trajo brasileños a trabajar,
a poblar. Para que ellos vinieran, les decían que el ejército co-
lombiano les daba la casa, les daba motores y les enseñaba a tra-
bajar la tierra… Entonces ellos se vinieron (POLANÍA, 2018).7

Además de la huida de los indígenas del esclavismo en las caucherías, el


poblamiento de ese territorio fue motivado por las noticias de la abundancia
de recursos naturales. Más allá de la cabecera del corregimiento, se localizan los
territorios indígenas que siguen el curso de los ríos Cotuhé y Putumayo, el más
cercano es Ventura, que despertó el interés de los indígenas que llegaron en busca
de un lugar donde vivir y trabajar:

“Al llegar mi finado papá a este lugar de Ventura, él encontró mu-


cha madera, mucha pesca, mucha cacería, él se regresa al Amazo-
nas, lleva la noticia de todos los recursos que había acá y ahí se
animan las demás familias, tíos, mamás y así hacen el mismo re-
corrido” (CIMTAR, 2021, p. 16)8.

6
  Entrevista a Justino Narváez, 82 años, militar retirado del ejército colombiano. Realizada por la autora.
Tarapacá, noviembre 2 de 2021 (NARVÁEZ, 2021).
  Entrevista a Wilson Polanía, 58 años, hijo de Darío Polanía (militar y colono). Realizada por Juan Carlos
7

Aguirre-Neira. Tarapacá, febrero 9 de 2018.


  Entrevista a un habitante de la comunidad indígena de Ventura.
8

328
El crecimiento demográfico de Tarapacá y la constante demanda de produc-
tos alimenticios para el consumo interno y para la venta local han llevado a una
notable disminución de la fauna y la flora nativas. Como consecuencia de ello,
la abundancia natural del pasado es recordada con añoranza por sus habitantes:

“[Había] pintadillo, barbudo, garopa, la lisa, todo lo que era menu-


do, más que todo las sardinas que eran como una plaga, los dormilo-
nes, uno mandaba la flecha y se venían encima. Ahora usted va hasta
la bocana de este caño y ya no agarra nada. Si acaso coge por ahí sólo
unos cinco pescados y peor en este tiempo” (CIMTAR, 2021, p. 5) 9.

Con la subsecuente migración de colonos e indígenas de diferentes etnias,


Tarapacá se tornó un territorio interétnico y multicultural. Actualmente, cuenta
con una población aproximada de 3.800 habitantes (GOBERNACIÓN DEL
AMAZONAS, 2020, p. 45). Este corregimiento es considerado en su totalidad
“área rural” y abarca dos resguardos indígenas que engloban al 82,5% de la po-
blación total (GOBERNACIÓN DEL AMAZONAS, 2020, p. 48).
Dado que los resguardos indígenas son reconocidos como entidades ter-
ritoriales tienen sus propias autoridades. Esto significa que no dependen del
nombramiento de autoridades políticas estatales y que reciben transferencias de
dinero directamente del Estado Nacional.
Con el tiempo, en Tarapacá se han nombrado autoridades territoriales
que actúan de forma separada. Por un lado está el corregidor (nombrado por la
Gobernación del Amazonas) y por otro lado están los gobernadores de los cabil-
dos indígenas (elegidos internamente). Es evidente un conflicto territorial en el
que los descendientes de los colonos que viven en la cabecera del corregimiento
propenden porque este pase a ser un municipio con presencia de todas las enti-
dades del Estado, como reclama Justino Narváez:

“Yo llegué aquí en 1958, como infante de marina militar. Aquí no


había nada, las casitas se podían contar, había por ahí unas diez
casitas. Ahora esto lo denominan “territorio indígena”, pero esto
no es territorio indígena, eso es lo que nos tiene fregados” (NAR-
VÁEZ, 2021).10

  Entrevista a un habitante de la comunidad indígena de Ventura (CIMTAR, 2021, p. 5)


9

10
  Entrevista a Justino Narváez, 82 años, militar retirado del ejército colombiano. Realizada por la autora.

329
Mientras que los miembros de cabildos y asociaciones indígenas defienden
sus derechos ancestrales sobre el territorio y prefieren que se mantenga como un
área no-municipalizada no municipalizada11.

Consideraciones finales
La visión colonial sobre la selva amazónica como un territorio que debía ser
dominado y explotado se concretó en los intereses de los Estados nacionales
que compartían la gran región amazónica por poseer su riqueza ambiental y
aprovechar su potencial económico. Este hecho motivó el conflicto fronterizo
colombo-peruano (1932-1933).
El colonialismo permeó, también, las relaciones entre los militares que hi-
cieron parte del Grupo de Colonización del Amazonas, Caquetá y Putumayo y
los nativos, pues estos últimos fueron considerados por el gobierno colombiano
como una “raza” que debía ser “civilizada” y “catequizada”. Esto se enmarca den-
tro del proyecto nacionalista en el que la identidad colombiana en las décadas
de 1920 y 1930 se fundamentó en el uso del idioma español, la práctica de la
religión católica y el mestizaje, y no en el reconocimiento de la diversidad étnica
y cultural de la nación.
Se destaca el caso de Tarapacá como un territorio que primero se consolidó
como base militar y puerto aduanero de Colombia en el río Putumayo para lue-
go incentivar las migraciones de indígenas y colonos. A partir del estudio de este
caso, es posible constatar que las relaciones entre el gobierno central colombiano
y la región amazónica continúan siendo de centro-periferia. Esto se refleja en la
precaria presencia del Estado en Tarapacá, donde sus mayores representantes son
el corregidor12, la policía y las fuerzas militares.
Como consecuencia de la forma en que se configuró Tarapacá como un es-

Tarapacá, noviembre 2 de 2021.


11
  De acuerdo con la organización territorial nacional, “las áreas no municipalizadas, presentes en los depar-
tamentos de Amazonas, Guainía y Vaupés en Colombia, son territorios que no coinciden con las entidades
territoriales de nivel local definidas en la Constitución de 1991, por lo que la gestión de las mismas está en
manos del departamento al que pertenecen” (DUQUE-CANTE, 2020, p. 307).
12
  El corregidor es nombrado como enlace de la Gobernación del Amazonas en ese territorio y su nombra-
miento es, frecuentemente, una cuota política del gobernador de turno.

330
pacio geográfico y social militarizado, los usos del territorio por parte de los dife-
rentes actores que lo habitan (principalmente indígenas, soldados, policías y co-
lonos) se contraponen en una lucha de poderes por la administración territorial.

Referencias
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Fuentes orales
Entrevista a Justino Narváez, 82 años, militar retirado del ejército colombiano. Rea-
lizada por la autora. Tarapacá, noviembre 2 de 2021.
Entrevista a Silvia Santana, 86 años, registrada como la primera persona hija de co-
lonos que nació en Tarapacá en el año 1935. Realizada por la autora. Tarapacá, no-
viembre 2 de 2021.
Entrevista a Wilson Polanía, 58 años, hijo de Darío Polanía (militar y colono). Rea-
lizada por Juan Carlos Aguirre-Neira. Tarapacá, febrero 9 de 2018.

Agradecimientos
A la Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) por la
beca de estudios CAPES-DS concedida para realizar la investigación de doctorado
en desarrollo.

Notas
*Doctoranda del Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas de la Universidade Fe-
deral de Santa Catarina (UFSC), orientada por la Dra. Eunice Sueli Nodari y coorientada por la Dra. Márcia
Grisotti. Becaria CAPES-DS de la Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

332
Protagonismo feminino das agricultoras
agroecológicas no Norte e Noroeste
do Rio Grande do Sul

Daiana Paula Varotto*

Desde 2008, o Brasil sustenta a indesejável condição de maior consumidor


mundial de agrotóxicos chegando em 2009 a atingir uma média de consumo de
5,2 kg de veneno por habitante/ano, ocasionando aumento dos níveis de con-
taminação no meio ambiente, exposição humana e impacto nos biomas, além
de ter dentre os cinquenta produtos mais usados nas lavouras brasileiras, vinte e
dois proibidos pela União Europeia (CARNEIRO et al., 2015; BOMBARDI,
2017; FIOCRUZ, 2018).
A sociedade rural brasileira, caracterizada por expor os sujeitos à conta-
minação por agrotóxicos, ainda apresenta em seu bojo as relações de gênero pa-
triarcais em que muitas mulheres e homens têm naturalizado em seu cotidiano
violências, desde a física, passando pela emocional até a financeira. Entretanto,
a partir de uma forma diferente de produzir alimentos, diferente da lógica de
grande escala de commodities para exportação, desenvolvem na Agroecologia seu
trabalho e tiram o sustento das famílias em alimentos livres de agrotóxicos e com
perspectivas de igualdade entre gêneros.

333
O espaço territorial de estudo desta pesquisa são os núcleos Planalto e Alto
Uruguai1 da Rede Ecovida de Agroecologia2. Tendo como municípios centrais
Erechim e Passo Fundo. Estas regiões são localizadas, geograficamente, na me-
tade norte do Estado do Rio Grande do Sul e são marcadas pela colonização
de forma organizada e dirigida pelo Estado ou por empresas privadas, as com-
panhias colonizadoras. Esse modelo de ocupação das terras, no sul brasileiro,
teve como intuito o estabelecimento de trabalhadores braçais, que fixados como
agricultores familiares para realizar a produção de alimentos, não chegassem a
concorrer com as grandes propriedades, além de servir de mão de obra para a in-
fraestrutura como estradas e redes telefônicas dos espaços urbanos nascentes. Na
metade norte do Rio Grande do Sul, essa massa foi, em grande parte, composta
por segunda e terceira geração de imigrantes europeus, oriundos do esgotamen-
to de lotes das Colônias Velhas, da Serra Gaúcha (TEDESCO, 2005).
Assinalamos que este território estava ocupado antes deste período por indí-
genas e caboclos, na perspectiva da sobrevivência autônoma, e que passa por dispu-
ta com os agricultores familiares, que o utilizam como espaço de reprodução destes
sob a ótica do controle do capital e fazendo que os nativos sofressem as consequên-
cias da privatização da terra, excluídos do processo, desanexados de seus territórios
e ficando socialmente marginalizados (CASSOL, 2003; PIRAN, 2001).
Zarth (1997) salienta que a ocupação da região por estes projetos de colo-
nização e desenvolvimento da agricultura tiveram como foco o atendimento do
mercado interno de alimentos, acelerados pela construção da Ferrovia São Paulo
– Rio Grande, construída na primeira década do século XX, que corta a região,
e é totalmente relacionada como um dos fatores que impulsionaram o sucesso
da agricultura, a sua produção expressiva, neste território, assim como outros
certames relacionados aos colonizadores e a fertilidade dos solos.

1
  O núcleo Planalto engloba agricultores das cidades de Anta Gorda, Água Santa, Arvorezinha, Casca, Cen-
tenário, Ciríaco, Dois Lajeados, Ibiraiaras, Ilópolis, Lagoa Vermelha, Marau, Muliterno, Não me Toque, Passo
Fundo, São Domingos do Sul, Sananduva, Santo Expedito do Sul, Santo Antônio do Palma, São João da Urtiga
e Vila Maria. Núcleo Alto Uruguai abrange os municípios de Aratiba, Barão de Cotegipe, Barra do Rio Azul,
Cruzaltense, Campinas do Sul, Erechim, Itatiba do Sul, Mariano Moro, Severiano de Almeida e Três Arroios.
2
  A Rede Ecovida de Agroecologia foi criada, em 1998, como fruto de um histórico de articulações das organi-
zações de agricultores no Sul do Brasil, com a premissa de fortalecer a agricultura familiar ecológica. A entidade
tem como principais diferenciais a atuação com os agricultores, entidades e cooperativas no em rede e criando
em seguida um formato diferenciado de certificação dos alimentos orgânicos: a certificação participativa.

334
A partir deste histórico estes territórios desenvolveram sua economia ba-
seada na agricultura, na propriedade policultora, até a chegada das transforma-
ções pelo pacote modernizador agrícola da década de 1960, conhecido como
Revolução Verde, que passa a refletir diretamente na configuração das relações
econômicas e sociais, reservando para as últimas décadas do século XX a alte-
ração no número de habitantes das zonas urbanas que supera drasticamente o
das rurais, atreladas à industrialização dos centros urbanos e aumento das áreas
periféricas, em especial das cidades polo.

As agricultoras

A agricultura no estado Rio Grande do Sul é um dos principais setores na eco-


nomia, tendo em 2017 participado com 9,2% na estrutura do Valor Adicionado
Bruto do Estado (FEIX; LEUSIN JÚNIOR, 2019) e de acordo com o Censo
Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2017
o estado possui 365.094 estabelecimentos agropecuários, abrangendo a área de
21.684.558 hectares e destes cerca de 60% possuem menos de 20 hectares e des-
tes 256.213 declaram utilizar agrotóxicos.
A agropecuária é responsável por gerar renda, trabalho e sobrevivências a
inúmeras famílias, sendo em 2016, a principal atividade econômica de 252 dos
497 municípios do estado (IBGE, 2018). De acordo com o mesmo levantamen-
to, os estabelecimentos classificados como agricultura familiar (atividade econô-
mica que é aquela realizada por empreendimentos familiares rurais que atendem
aos critérios definidos pela Lei n° 11.326, de 24 de julho de 2006), somavam um
contingente de pessoal ocupado de 716.695 pessoas. Nesse sentido, vemos ainda
o papel ainda renegado a muitas mulheres, o seu trabalho não reconhecimento
como produtivo. Esta mesma pesquisa nos traz que neste universo dos estabele-
cimentos rurais, cerca de 87% são compostos por homens.
Um dos fatores que influenciam neste sistema vem do ocultamento histó-
rico da mulher camponesa, expressada por intermédio, majoritariamente, pelo
histórico não reconhecido da sua profissão, um jovem direito brasileiro, expresso
somente Constituição Federal de 1988, que “após muitos anos de luta; na fal-

335
ta de documentos pessoais e profissionais, pois ainda hoje há camponesas sem
documentos, que se apresentam como esposa do “fulano”, ou seja, “sombra do
marido” (DARON, 2008, p. 226).
Boni (2004) afirma que, nos debates acerca do tema da divisão do traba-
lho nas propriedades rurais brasileiras, como algo historicamente estruturado
e arraigado, em que tudo que é público deve ser tratado pelo homem e o pri-
vado pelas mulheres.
Neste cenário, adentramos nas questões ligadas à produção e reprodução,
que também fortalece a hierarquia e a desigualdade entre homens e mulheres,
sendo o espaço privilegiado masculino o de valorização e produção de riqueza
e a reprodução social, atividades necessárias que garantam manutenção e repro-
dução da força de trabalho, classificada como feminina (CISNE, 2015). O tra-
balho produtivo e não produtivo é ainda mais perceptível quando tratamos das
questões financeiras:

No ATER uma das coisas assim, que eu mais percebi, de uma for-
ma muito forte, era assim que até que não tinha envolvimento
financeiro nenhum, que tinha frente da produção agroecológica,
quem se interessava pelo assunto, era só as mulheres, então vi-
nham na reunião só elas basicamente, quando a família migrava
para uma produção agroecológica e começava a comercializar
essa produção aí rapidamente, nas próximas reuniões, quem
passava a vir era o homem, isso era muito nítido, em diversas fa-
mílias, sem comercialização só as mulheres que vinham, com co-
mercialização os homens passavam a tomar a frente desse negócio
porque passava ser o negócio da família e antes disso enquanto, é
mais produção para alimentação da família, reprodução social da
família, fica basicamente só as mulheres. Isso assim é bem claro
(MARTINS, 2020, p. 5).

A visibilidade do trabalho feminino como produtivo ainda é um desafio


em muitas unidades produtoras familiares, onde o excedente da alimentação
para a família, geralmente cultivado nas hortas, mesmo quando é vendido não é
considerado trabalho rentável.
Neste território de estudo, grande parte das propriedades rurais se encaixa
nesta perspectiva, da horta, como o espaço em que começa a produção orgânica

336
para a comercialização, evidenciado pelas falas de Maristela Ferro, quando relata
do início da venda da produção na sua propriedade em São Domingos do Sul
“Começamos levando o que tinha na horta assim, o pouco que a gente tinha na
horta, porque na horta a gente nunca passou veneno, daí a gente só ampliou a
nossa horta assim, hoje, temos vinte e poucos anos e a nossa proposta de agroe-
cologia ela continua” (FERRO, 2020, p. 1).
As hortas, os “quintais agroecológicos” foram trazidos à luz a partir das
pesquisas sobre o Movimento de Mulheres Camponesas e o termo cunhou-se
nos debates da Agroecologia no esforço de ressignificação da tradicional horta
desde o formato dos canteiros e o rememorando como um local agradável nas
proximidades das residências e ao termo agroecologia, a integração sincrônica
entre a vegetação diversa e outros seres vivos (MEZADRI, 2019).
Estes quintais, mesmo com colaboração dos demais membros da família,
são habitualmente idealizados e dirigidos pelas mulheres, com o cultivo de um
conjunto volumoso de plantas designadas à alimentação, decoração do lar, pro-
dução de medicamentos e cosméticos. Engloba a criação de animais de pequeno
porte podendo englobar diferentes técnicas e formas de cultivo, como as de sub-
sistência ou sistemas agroflorestais (DOS SANTOS, CIMA e BONI, 2018).
Entretanto, em outras propriedades, para a produção e comercialização
agroecológica a família adquiriu um gleba terra, além da horta, visto que o espa-
ço que possuíam até aquele momento era de difícil acesso, mais distante da sede
da propriedade, o que dificultava também pela ausência de equipamentos como
um trator, em que arar a terra era feita com o uso de bois ou vacas “eu tinha a
junta de vacas, que servia para lavrar a terra, para puxar a carroça, e elas davam
bastante leite, e daí eu fazia bastante queijo, e aquilo que a gente vendia de pro-
duto” (LAMPUGNANI, 2020, p. 2).
A feira, onde é comercializado grande parte dos alimentos ecológicos, é
um espaço de visibilidade do trabalho feminino e tem importância fundamen-
tal na cadeia produtiva, bem como fortalecimento da agricultura familiar. As
feiras livres ecológicas vão muito além de locais de comercialização, são univer-
sos que desempenham funções significativas de consolidação econômica e social
das famílias agricultoras familiares e para os consumidores é um ambiente sócio,
econômico, cultural, dinâmico e diversificado, caracterizado também pela troca

337
de saberes, pelo resgate de uma tradição antiga existente em todas as regiões do
Brasil, valorizando alimentos regionais, originários da agrodiversidade local e
contribuindo para estimular a criação de pratos típicos e tradicionais de cada
região (GODOY & DOS ANJOS, 2007; CETAP, 2013).

As feiras ecológicas são coisas lindas, porque na verdade, a feira


ela não é só a troca, porque a troca seria o escambo eu troco
alguma coisa por outra, eu vou lá e troco o dinheiro que eu
tenho por um alimento ecológico, mas não é só isso, porque na
verdade quando a gente vai lá e compra do feirante, do agricul-
tor (a) que está produzindo, fala da sua vida, de onde vem esse
alimento, dá dicas de como utilizá-lo. Então, na verdade é um
espaço de compartilhar, de somar, a gente sai renovado. Eu gos-
to muito das feiras, porque elas são espaços de construção de
novos saberes e novas coisas, além da gente, não é só trazer ou
comprar um alimento como a gente vai no mercado ou em uma
outra feira normal, é uma interação de saberes e conhecimentos
que a gente não tem em outros lugares (PULGA, 2020, p. 4).

Apesar da relevância do local no sistema produtivo agroecológico, fica
claro a complexidade da Agroecologia muito além da comercialização na feira
“Que a feira ela não é, assim, a linha de frente digamos assim da Agroecologia,
a feira é o espaço que tu tens de sustentar a proposta agroecológica, não só a
feira, a feira é um dos espaços, então, assim, ela não é o todo, ela faz parte”
(FERRO, 2020, p. 3-4).
Dentre as feiras do território, a maior e mais antiga, é a “Feira de Produtos
Ecológicos de Passo Fundo”, realizada semanalmente, aos sábados, na Praça da
Irmã Catarina, no centro da cidade, tendo atualmente mais outros dois pontos,
localizados na Praça Antonino Xavier e na Praça Santa Terezinha neste mesmo
dia da semana, além de durante a semana realizar na Universidade Federal da
Fronteira Sul e na Universidade de Passo Fundo (CETAP, 2018).
De acordo com a Revista “Alimentação: organização popular, ecologia,
qualidade de vida” impressa em comemoração aos 10 anos da Feira, a iniciativa
nasceu em 1997 em um seminário organizado pelo Centro de Tecnologias Al-
ternativas Populares (CETAP), com apoio das Cáritas Arquidiocesana e a Coo-

338
perativa Mista e de Trabalho Alternativa Ltda (COONALTER), que teve como
encaminhamentos a criação de um grupo de trabalho denominado “Fórum de
Agroecologia” e a criação de uma feira com caráter diferenciado.

Definiu-se que não seria um simples local de comercialização, mas


também um espaço para integração campo cidade, para denúncias
referentes às temáticas ambiental e social e para a divulgação de
propostas alterativas, visando a construção de uma sociedade mais
justa. Quanto à organização, a decisão foi de priorizar iniciativas
em cooperação (Grupos, Associações e Cooperativas), de modo
que as bancas de comercialização, quando criadas, pertenciam a
estas organizações de agricultores, não permitindo, portanto, a
venda individualizada, mas em grupo (FEIRA ECOLÓGICA
DE PASSO FUNDO, 1999, p. 2).

Esta organização gestou-se pelo menos dez anos antes da concretização da


feira, quando, a partir da percepção de um grupo de agricultores, constatando a
insustentabilidade dos sistemas convencionais e produção e consumo deu início
um processo de repensar e reorganizar a maneira de se fazer agricultura e co-
mércio localmente. E assim, dessa forma, por meio de organizações associativas
a fim de encontrar assistência e formação técnica para a Agroecologia. CETAP
e Cáritas foram parceiros na busca de recursos para a agro industrialização, sen-
do a produção encaminhada para o mercado convencional até meados de 1888
quando associações de agricultores iniciam a Cooperação Fraterna Agricultores
e Operários o “objetivo de viabilizar o consumo solidário, e a formação e o inter-
câmbio entre agricultores e operários” (COSTELLA, 2008, p. 4), experiência
funcionou por três anos, e se transformou depois na Cooperativa COONAL-
TER, que em 1991 veio para legalizar o processo.
Essa metodologia de chegada do alimento até os consumidores objetiva que
o alimento seja reconhecido como direito e não simplesmente como mercadoria.

As feiras ecológicas são motivadoras de processos organizativos,


principalmente dos agricultores familiares, que unidos buscam
oferecer seus alimentos aos que deles necessitam. A maioria dos
agricultores familiares que participam das feiras ecológicas, não o
fazem somente pela intenção de vender seus produtos aos consu-

339
midores, mas sim, por fazerem parte de uma associação ou mesmo
a uma cooperativa e o processo comercialização tornas-se apenas
uma parte de um todo maior, que evolve a consciência produtiva
por métodos sustentáveis (Agroecologia), a organização e o pla-
nejamento para produção, consciência e exercício da cidadania,
bem como o exercício de uma economia diferenciada, baseada em
princípios solidários (CETAP, 2013, p. 4).

Além das feiras, a produção colhida nas regiões é comercializada, em es-


tabelecimentos comerciais via parcerias em lojas especializadas, restaurantes,
sistema delivery de entrega de cestas em casa e também por meio do “Circuito
Sul de Circulação e Comercialização de Alimentos Agroecológicos da Rede
Ecovida de Agroecologia”.
O Circuito Sul se organizou a partir de 2006 por meio da iniciativa de
agricultores agroecologistas de grupos e associações dos três estados do Sul, que
se articularam e construíram uma estrutura de comercialização com suporte nos
princípios da economia solidária (MAGNANTI, 2008). Ele é um sistema de
comercialização de alimentos agroecológicos formado por membros de grupos,
associações e cooperativas de agricultores familiares do Rio Grande do Sul, San-
ta Catarina, Paraná, Bahia, Minas Gerais e São Paulo que opera estruturado em
estações núcleos e subestações.
Outra forma de comercialização são os mercados institucionais, por meio
de programas de abastecimento como o Programa Nacional de Alimentação
Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos com Doação Instan-
tânea, também foi uma oportunidade importante para a agricultura ecológica,
mais do que alimentos saudáveis, incorporou interesse das comunidades escola-
res no tema, valorizando como, onde e por quem são produzidos.

Por que produzir sem agrotóxico?

Em 2011 a Organização das Nações Unidas reconheceu, através do documento


“Agroecology and the right to food” (Agroecologia e direito a alimentação, tradu-
ção nossa), o potencial da Agroecologia como alternativa para reduzir os impac-

340
tos ao meio ambiente provocado pela agricultura e com potencial de alimentar as
pessoas, especialmente nas áreas mais pobres do planeta. Já em 2014, ela declarou
este como o Ano Internacional da Agricultura Familiar e dentro da sua programa-
ção através da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura
(FAO) retomou o tema da Agroecologia no contexto internacional em que con-
vergem crises econômica, social, ambiental, energética e alimentar e que se fazem
necessários novos compromissos internacionais para mudanças (FAO, 2016).
Paulilo (2016) disserta sobre alguns aspectos que nos ajudam a compreen-
der, por exemplo, a escolha de movimentos como o Movimento de Mulheres
Camponesas, pela agroecologia como forma de garantir a soberania alimentar,
relacionando a expressão “segurança alimentar” deriva de dois vocábulos ingle-
ses: foodecurity (quantidade dos alimentos) e foodsafety (qualidade de alimentos).

A discussão torna-se complexa, porque a expressão não se refere


somente à problemática da fome, que, sem dúvida, é o aspecto
mais preocupante, mas também a outros problemas que são cau-
sados pela falta de comida, pelo excesso de comida, pela carência
de nutrientes, pela qualidade dos alimentos e por um momento
em que, além do consumo exagerado de produtos industrializa-
dos, refrigerantes, enlatados, entre outros, com muitos corantes
conservantes, temos ainda o alto índice de outros insumos utili-
zados, sem o devido acompanhamento, na produção alimentar
(PAULILO, 2016, p. 366).

Nas regiões ainda são incentivadas e existe um grande número de proprie-


dades monocultoras, que produzem soja para alimentar os complexos agroin-
dustriais de carnes, destinadas, em grande parte, para o mercado externo, seja o
grão in natura ou via produtos de origem animal processados. Zelinda Ostrowski
apud Varotto, 2017, retrata a escolha da família em trabalhar com Agroecologia
e não outra atividade comum na região, que são os sistemas integrados de cria
e engorda de animais, especialmente frangos e suínos, foram a liberdade maior
quanto à sua vida cotidiana.

A gente sempre deu valor para os produtos orgânicos porque tu


tá plantando, colhendo e vendendo saúde em primeiro lugar e

341
também questão de renda de tu produzir, vender em feiras, em
ser produtos orgânicos, teu custo bem menor, tu faz todo o ciclo,
completo, porque tu tem o teu adubo, faz compostagem, tem a tua
semente, porque primeiro tu cuida da tua semente para ter para o
ano que vem, daí tu colhe teus produtos que é para a subsistência
da família e o que tu sobra vai vender para ter a renda e daí com isso
tu vai motivando e também uma coisa que motiva muito é porque
a gente trabalha em grupo, então a gente não vive aquela solidão
dentro de um “chiqueirão”, tu não tá isolado, tu sabe que tem um
grupo de pessoas que pensam que nem você, que compartilham das
mesmas dificuldades, das mesmas alegrias, das mesmas conquistas,
tudo isso te ajuda a te motivar, tu tem os mesmos assuntos e assim
vai (OSTROVSKI, 2017, p. 3 apud VAROTTO, 2017, p. 15).

As exigências das agroindústrias com as propriedades integradas são pro-


gressivamente mais rígidas, desde os tratos, as condições das instalações, bem
como, também exigindo a expansão do volume de produção, sendo pela via de
elevação de produtividade, quanto na expansão física das instalações ou área cul-
tivada (PIRAN, 2001).
Peccini (2017) assinala que ao passo que a agricultura se industrializou, ela
perdeu paulatinamente sua faculdade de decisão e independência, pôr os cam-
poneses passarem a ter que produzir para uma cooperativa ou empresa por meio
de preços, prazos e condições firmadas em contrato preestabelecido, ou seja, ten-
do que se adaptar as determinações da produção tecnificada e integrada a essa
agroindústria ou estariam eliminados da atividade (PECCINI, 2017).
Neste sentido, a Agroecologia é um contraponto a essa metodologia, como
Lampugani testemunha que ocorreu na sua propriedade, a melhoria da qualida-
de de vida, principalmente pelo ganho econômico a partir de não ter necessida-
de e dependência de instituições financeiras:

Foi muito melhor com esse pedacinho de terra a gente vivia


muito melhor, com menos serviço, não menos porque a gente
tinha trabalhar sim, mas do que toda aquela roça que a gente
plantava milho, a gente financiava, e plantava, e quando tu co-
lhia o que sobrava era nada, até que tu pagava tudo (LAMPU-
GANI, 2020, p. 3).

342
Ferro afirma que o motivo para produzir alimentos sem uso de agrotóxicos
é intrínseco e que pensa em algo muito além do que as produções exigem trans-
formações diárias no modo de vida:

A Agroecologia é um objetivo na verdade, hoje eu compreendo,


depois de tanto tempo que a gente esta lidando que pra mim o
conceito de Agroecologia ele é amplo, ele engloba a vida das pes-
soas em uma amplitude muito grande, porém, a produção orgâni-
ca, ela faz parte da agroecologia, ela não é o fim, ela é um meio e a
produção orgânica ela está em lei e ela faz parte da Agroecologia,
ponto. E a Agroecologia vai muito além de simplesmente produ-
ção orgânica porque hoje tem a grande propriedade ela tem pro-
dução orgânica, ponto, ela não tem produção agroecológica é di-
ferente, então assim acho que aquilo que mantêm a nossa história,
nossa luta e conseguimos a continuidade da gente conseguir, os
filhos estão aqui, tem um neto, é assim, é um transformar-se todo
dia, se você se fechar não acontece, e a gente vê, uma coisa que a
gente está vivenciando como representante legal da COONAL-
TER, a dificuldade das pessoas se transformar, de acatar o novo, e
daí isso gera vários problemas, então, a Agroecologia requer trans-
formação direita assim, que tu tem que estar sempre com novo na
tua frente para ir se adaptando (FERRO, 2020, p. 1).

A sucessão familiar dentre da agricultura familiar é uma temática que há


anos vem sendo tratada de forma preocupante pelos agricultores, pelos governos
e entidades como os sindicatos, sendo o aumento da população urbana nas últi-
mas décadas como evidência real este fenômeno. Kozenieski (2016) em seu estu-
do sobre a microrregião de Erechim nos traz que “apenas entre os anos de 2000 e
2010, 22,09% população rural deixou o campo” (KOZENIESKI, 2016, p. 311).
É relevante salientar que nestas regiões a mão de obra usada nas proprie-
dades é da própria família, no caso da família Gayeski, as duas jovens foram re-
sidir na cidade para cursar o ensino superior e após a conclusão retornaram a
propriedade, aplicando o conhecimento adquirido na Universidade e trazendo
tecnologias voltadas para a área, demonstrando assim uma inversão na lógica
predominante da migração do rural para o urbano.

343
Foi o contrário, vimos uma oportunidade de trabalhar com a ter-
ra, que a gente já gostava e aliar isso a renda, algo que a gente gos-
te, de não ficar lá alienado a uma empresa, presa, digamos, com
horário fixo, e aqui a gente tem liberdade para fazer o que quer
(GAYESKI, 2020, p. 3).

A mudança de perspectiva a partir da oportunidade oriunda dos alimentos


orgânicos, de atingir o sustento, a atuação profissional do meio urbano, além do
trabalho ser mais braçal, complementa:

É carpi, não pode ter medo de arrancar peste eu acho que estas as
dificuldades, a gente vive em um momento de atualização, a gente
se obrigou a se atualizar, porque antes a gente tinha só a feira, en-
tão, era aquilo e de, plantava, colhia para a feira, se perdia alguma
coisa, deu. Agora a gente tá com ideia de colocar uma agroindús-
tria, já que eu me formei, uma agroindústria de microprocessados
para aproveitar toda a produção, porque às vezes a gente acaba
colocando fora (GAYESKI, 2020, p. 3).

A escolha pelo meio rural, ao urbano, foi caso também de Vanessa Zin Fer-
ro, que se mudou da cidade para campo e enfrentou o preconceito duplamente,
por ser mulher e urbana “a maior dificuldade que encontrei e encontro dentro
da agricultura em si, é o fato de eu ser mulher e ter vindo da cidade, isso faz com
que as pessoas não percebam a capacidade que posso ter em aprender a ser da
agricultura” (ZIN FERRO, 2020, p. 1).
As questões relacionadas à posse da terra são fatores que influenciam di-
retamente na permanência dos jovens, filhos e filhas de agricultores, nas pro-
priedades. Culturalmente, é ainda, historicamente e fortemente enraizada, o
acesso à terra pela herança dos pais, geralmente aos filhos homens, a partir do
momento do matrimônio.

Nas regiões de colonização italiana e alemã dos três estados do


Sul do país, há um mesmo padrão a respeito da herança da terra.
Embora esse padrão comporte variações, podemos dizer com se-
gurança que são principalmente os filhos homens que herdam a
terra. O aceso das mulheres a esse em se faz pelo casamento. Apa-

344
recem exceções, quando não há descendência masculina, quando
há uma filha casada que cuida dos pais na velhice, quando os pais
possuem muita terra ou, ao contrário, quando a exploração agrí-
cola não tem importância como meio de produção para os herdei-
ros (PAULILO, 2016, p. 191)

Uma política pública nesse sentido, que deu a possibilidade de aquisição


a sua própria propriedade, a muitos jovens agricultores, foi por meio do “Fun-
do de Terras e da Reforma Agrária – Banco da Terra”, um programa de crédito
fundiário gerido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário criado em 1998,
e que tem como premissa o financiamento para a compra de terras e realização
de infraestrutura básica para produtores rurais. Martins relata que após o casa-
mento e conclusão do curso de graduação o que possibilitou que ela e o esposo
pudessem ter sua gleba de terra foi através deste programa “Quando a gente ca-
sou a gente conseguiu comprar, pelo Banco da Terra, uma terra e se mudou para
propriedade vizinha dos pais dele, depois a gente fez a casa e mora lá desde então,
faz 10 anos” (MARTINS, 2020, p. 2).
No que concerne a este apontamento, Zin Ferro destaca que a dificulda-
de lidar com a sucessão é intrínseca, construção ligada à propriedade, bem com
como nas entidades, por ainda ser enraizada a lógica de que o jovem é o “futuro
da nação” e não o presente, estar participando e construindo é algo para daqui a
anos e não para o hoje: “A sucessão rural é o que pega no sentido da família, mas
também em relação às entidades que fazemos parte, é muito difícil eles confia-
rem nos jovens e ainda mais sendo mulher” (ZIN FERRO, 2020, p. 2).
A propriedade da Família Ferro, em São Domingos do Sul, que atua a mais
de 20 anos no ramo, as políticas públicas do governo federal são relatadas como
primordiais para estruturar da propriedade a agregar valor a sua produção, a ma-
nutenção, da família dos jovens na profissão de agricultores.

Embora todas as dificuldades, porque foi muito sofrido, assim,


para sobreviver, pagar as tuas contas, começar a investir, e tudo
isso fez parte do processo, os erros, os acertos, fomos contempla-
dos nesses anos com políticas públicas que acho que salvou várias
propriedades, não só a nossa, se não fossem as políticas públicas
do governo, nós não tínhamos conseguido sobreviver sem vender

345
um pedaço de terra, então, foi o que nos salvou assim e claro tu
tem que ter um objetivo lá na frente, tu não pode desanimar, e
sempre pensar que no amanhã tu consegue ajeitar o que não ajei-
tou hoje assim porque não é uma luta curta, ela é de etapas então,
e daí ela é, ela sempre tu tem um, algo para ser melhor dentro da
agroecologia (FERRO, 2020, p. 3)

Pulga complemente o quão fundamental foi o avanço da atuação do Estado


para que, a agricultura agroecológica mantivesse famílias no campo, apesar dis-
to, ainda são insuficientes para o contexto atual “com algumas políticas públicas
importantes que foram criadas no período do governo Lula e Dilma, como o
PAA, a Produção e Aquisição direta de Alimento, dos agricultores para as cida-
des, enfim, a própria merenda escolar” (PULGA, 2020, p. 3).
Neste caso citado, da merenda escolar, por exemplo, o município de Três
Arroios/RS, no ano de 2000, as oito associações de produtores alternativos que
existiam no local, forneciam 85% dos alimentos que eram destinados aos 230
alunos da rede municipal e aos 320 da rede estadual, sendo aproximadamente
500 refeições diárias oriundas da produção agroecológica (SALAME, 2011).
A renda oriunda das vendas é destacada pelo fato de toda semana, ter entra-
da financeira, ao contrário de quando a lavoura era realizada de forma conven-
cional, até mesmo não utilizando agrotóxicos, mas realizando financiamentos
bancários para garantir a aquisição de sementes e adubos e arcar com processos
que facilitavam o trabalho, como por exemplo, o aluguel de máquinas para algu-
ma etapa do ciclo da lavoura.
Outro fator citado como definidor da escolha por este sistema é a diversi-
dade alimentar e incluindo aqui importância da valorização e preservação por
meio das sementes, elemento que historicamente é ligado também às mulheres.

Porque tem, tem a nossa região é muito rica em diversidade, muito


rica, assim, cada dia que passa você descobre novas plantas que
podem alimentar as pessoas e as PANCS (Plantas Alimentícias
Não-Convencionais) são isso assim, é transformar o que você tem
aí que acha que é mato em alimento e tem muito mato que é ali-
mento e a gente não consome ainda porque na verdade não preci-
sa, embora o pessoal chorre muito, mas o pessoal ainda consegue

346
comer carne, comer outros produtos mais carros, mas assim, a nos-
sa natureza aqui é riquíssima em diversidade, eu valorizo muito
isso e eu amo demais, eu adoro (FERRO, 2020, p. 5)

Bancos de sementes, resgate de variedades, multiplicação e trocas entre


agricultoras é uma marca do movimento agroecológico, também fortemente ali-
mentado por movimentos sociais como o Movimento de Mulheres Campone-
sas, entidade que ao longo de sua história vem desenvolvendo diversos projetos
relativos a este assunto, destacando-se por ser realizado por meio de um processo
metodológico de construção coletiva do conhecimento a partir das escolhas das
próprias mulheres.

As alfaces, abóboras, batata-doce, mandioca e feijões, são varieda-


des muito presentes na mesa de camponeses e camponesas e fazem
parte do seu cardápio diário. São variedades que facilmente podem
ser processadas, transformadas em novos alimentos e comercializa-
das. Segundo relatos das próprias mulheres, a mandioca, as abóbo-
ras e as morangas, estão cada vez mais escassas no cardápio diário
e sua recuperação tem como premissa a garantia dessa diversidade
para as futuras gerações (LORENZONI & JANH, 2018, p. 141).

Esta questão das consequências da Revolução Verde na substituição das


sementes é debatida também pela estudiosa, ecofeminista indiana Vandana
Shiva. Suas pesquisas são ligadas aos aspectos religiosos e culturais, em que
discute que este processo além de causar a devastação ambiental é responsável
também pela opressão da mulher, e de comprometer safras inteiras nos países,
considerados, periféricos.
Adentrando também nas questões de organizações das mulheres, onde a
participação feminina nos espaços de decisão no Brasil ainda é pouco expressi-
va, quando comparado ao número total de habitantes, homens e mulheres, re-
fletido, principalmente, nos poderes executivos e legislativos. Percebe-se que as
agricultoras enfatizam que o ingresso no âmbito público esta ligada a diversos
fatores e um deles ainda se dá pelas responsabilidades da casa que seguem sendo,
quase que exclusivamente, imputadas a elas, influenciando diretamente “Temos

347
um espaço que se constrói um pouco a cada encontro da Rede Ecovida, mas é
muito difícil inserir as mulheres nas atividades já que todo o serviço da casa,
filhos e horta é de responsabilidade delas” (ZIN FERRO, 2020, p. 2).
Nesse universo, identificamos a liderança de uma delas, que exerce a função
de presidente da Cooperativa COONALTER e relata como o machismo está
nas relações como estes espaços, mesmo com projetos voltados e protagonismo
delas em todas as etapas, as tentativas de silenciamento e desqualificação são par-
te do cotidiano destes ambientes.

Considerações finais

Observamos que a dinâmica da participação feminina na agroecologia se dá por


diversas formas de resistência: produção de alimentos para consumo próprio,
guarda de sementes, reconhecimento desses saberes, participar de entidades ati-
vamente, atuar politicamente frente a tema e suas necessidades.
Na agroecologia existe um protagonismo forte feminino, mesmo que, em
muitos espaços ele é invisibilizado, mas elas mesmas se reconhecem como pro-
tagonistas dentro destes processos e se veem como sua presença indispensável.
Dentro do movimento agroecológico e comumente encontrado o slogan
“Sem Feminismo, não há Agroecologia”, em campanhas, em publicações técni-
cas, em pesquisas, especialmente entre os movimentos sociais femininos, e reflete
o sentimento das atrizes destes processos, a sua participação como fundamental
para a agroecologia acontecer de fato.
Assim, compreendemos que elas mesmas se veem como protagonistas des-
tes processos, que são fundamentais para que a Agroecologia seja praticada nas
propriedades, nos espaços de assistência, entidades e na pesquisa, nos espaços
acadêmicos ligados especialmente às áreas de Agronomia e Ciências da Saúde.

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Entrevistas
COSTELLA, Luis. Luis Costella: Entrevista. Entrevistadora: Daiana Paula Varotto.
Passo Fundo, 2020. Arquivo em MP3.
FERRO, Maristela. Maristela Ferro: Entrevista. Entrevistadora: Daiana Paula Varo-
tto. São Domingos do Sul, 2020. Arquivo em MP3.
GAIESKI, Luana. Luana Gaieski: Entrevista. Entrevistadora: Daiana Paula Varotto
Casca, 2020 a. Arquivo em MP3.
LAMPUGNANI, Rosa.Rosa Lampugnani: Entrevista. Entrevistadora: Daiana
Paula Varotto. Três Arroios, 2020. Arquivo em MP3.
MARTINS, Andressa. Andressa Martins: Entrevista. Entrevistadora: Daiana Paula
Varotto. Erechim, 2020. Arquivo em MP3.
PULGA, Vanderleia. Vanderleia Pulga: Entrevista. Entrevistadora: Daiana Paula
Varotto. Passo Fundo, 2020. Arquivo em MP3.
ZIN FERRO, Vanessa. Vanessa Zin Ferro: Entrevista. Entrevistadora: Daiana Paula
Varotto. São Domingos do Sul, 2020. Arquivo em MP3.

Agradecimentos
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES-DS
pela bolsa de estudos concedida para realização desta pesquisa. As entidades e agri-
cultoras que contaram suas histórias. Ao grupo ecológico Grupo Ecológico Mãos na
Terra e Família Ferro Agricultura Orgânica pela acolhida e disponibilidade durante
a realização da pesquisa.

Notas
*Daiana Paula Varotto; Mestre em História; Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS); orientada pelo
Prof. Dr. Miguel Mundstock Xavier de Carvalho.

351
La ganadería vacuna (Bos Taurus) en el piedemonte
andino amazónico del Caquetá, 1900-1935:
una perspectiva histórico ambiental

Fabio Alvaro Melo Rodríguez*

La ganadería vacuna en la Amazonia de Colombia fue ampliamente referenciada


durante la década de 1990 por los estudios históricos regionales desarrollados en
la Universidad de la Amazonia, con sede en Florencia, Caquetá1. Estas investi-
gaciones determinaron que, con la migración andina proveniente fundamental-
mente del Huila, Tolima, Nariño y Antionquia, en las tres primeras décadas del
siglo XX, comenzó la colonización agraria en el piedemonte andino amazóni-
co (BRUCHER, 1974; ARTUNDUAGA, 1999; TOVAR et al., 1995). Para
el territorio del hoy departamento del Caquetá, se mostró que en el final de la
bonanza cauchera se produjo la introducción de los primeros bovinos dándose
inicio a una incipiente economía pecuaria (SERRANO, 1994; TORRIJOS et
al., 2003; CIRO et al., 2008; CEBALLOS, 2018). En dicho proceso, la cría y
engorde de vacunos fue una actividad socio ambiental generalizada por lo que
tumbar y quemar la selva tropical se hizo una práctica común ante la necesidad
de crear pasturas para la fauna colonizadora.

1
  El presente trabajo fue realizado con apoyo del Programa de Estudiantes-Convenio de Pos-Graduación
PEC-PG, de CAPES-Brasil.

353
No obstante, pocos estudios han analizado el papel que esta economía ocu-
pó dentro del conjunto de transformaciones socio ambientales que el ecosistema
sufrió por entonces; en algunos casos, incluso, esta frontera no aparece dentro
de la geografía histórica ganadera como un territorio productor de vacunos en
la primera mitad del siglo XX por lo que se ignoran sus impactos durante este
periodo. Por tal razón el presente trabajo realiza una breve aproximación al ori-
gen de la ganadería vacuna en las selvas tropicales del suroriente de Colombia
entre 1900 y 1935 bajo la mirada de la historia ambiental. Como perspectiva
historiográfica institucionalizada, este abordaje surge en el inicio de la década de
1970 en el contexto de las conferencias sobre la crisis global y la emergencia de
movimientos preocupados por la situación ambiental del planeta (WORSTER,
1991; DRUMMOND, 1991). Esta metodología, según Donald Worster,

es parte de un esfuerzo revisionista para hacer la disciplina de la


historia mucho más inclusiva en sus narrativas de lo que tradi-
cionalmente ha sido. Por encima de todo, la historia ambiental
rechaza la premisa convencional de que la experiencia humana
se desarrolló sin restricciones naturales, de que los humanos son
una especie distinta y ‘supernatural’, de que las consecuencias
ecológicas de sus hechos pasados pueden ser ignoradas (WORS-
TER, 1991, p. 199, traducción nuestra).

A partir de esta conceptualización, se busca re-leer el inicio del proceso de


ocupación agraria del piedemonte andino amazónico del Caquetá2 para com-
prender el papel que los primeros colonizadores tuvieron en el modelado del
paisaje del ecosistema y, a su vez, determinar la manera en que el entorno natural
fue importante para el desarrollo de sus economías. Así, en contra del enfoque
fluctuante de la historia -en donde los seres humanos fluctúan sobre el espacio
físico (PÁDUA, 2010, p. 91)- este artículo analiza las consecuencias socio am-
bientales que el establecimiento de la economía ganadera originó en la Amazo-

2
  Este texto toma como referencia de piedemonte, el propuesto por el geógrafo Wolfgang Brucher quien lo
delimita como el espacio amazónico ubicado al pie de los Andes y que abarca una zona de 25 a 40 kilómetros
de ancho con los siguientes límites: al occidente, la Cordillera Oriental, al oriente una línea imaginaria desde
la desembocadura del río San Miguel en el río Putumayo-Tres Esquinas-Caguán Superior-Punta Meridional
de la Serranía de la Macarena (Brucher, 1974, p. 8). (Mapa 1).

354
nia andina colombiana, de manera particular, en el piedemonte del Caquetá.
Para ello, fueron releídos informes misionales, documentos administrativos de
la comisaría del Caquetá en las décadas de 1910 y 1920, se analizaron textos
regionales y, además, se consultaron periódicos nacionales.

Origen de la ganadería vacuna en la Amazonia colombiana

Los primeros registros sobre la presencia de ganados (Bos Taurus) en el territo-


rio amazónico colombiano datan de la segunda mitad del siglo XVIII cuando
en su crónica Maravillas de la Naturaleza el misionero mallorquín fray Juan de
Santa Gertrudis, describe como para la década de 1750, otro franciscano, José
Carvo, ya había ingresado desde Pasto algunos bovinos a través del camino Pas-
to-Sibundoy-Mocoa y cabras del Gran Pará de Portugal –hoy Brasil- posible-
mente a través del río Putumayo (SANTA GERTRUIDIS, 1956, T. 1, p. 183).
Con la idea de abastecerse de carne en su pueblo de misión, decide conseguir
sus propios vacunos por lo que emprende un largo recorrido desde la selva, has-
ta Tunja, en los Andes del Nuevo Reino de Granada –actual Colombia. Luego
de reunir el ganado en San Agustín, Huila, ingresó 830 ovinos y 357 vacunos
por un camino que mandó construir en la selva y lo repartió en los pueblos de
San Diego, Amoguaje y Agustinillos, a orillas del río Putumayo (SANTA GER-
TRUIDIS, 1956, T. 3, p. 13).
Estos primeros vacunos no generaron una economía ganadera en la zona
pues los pueblos de misión desaparecieron al final del siglo XVIII por lo que el
ecosistema no sufrió alteraciones por su introducción. Durante el siglo XIX se
encuentran evidencias de ganados en los sectores cercanos al piedemonte ama-
zónico y río Caquetá abajo; por esta época, algunos vacunos fueron llevados a
las zonas cercanas a Mocoa a través del antiguo camino hacia Pasto; otra ruta
usada era la que desde La Ceja iba hasta las orillas del río Pescado por lo que
la introducción de fauna domesticada fue una práctica común ya que el Alto
Magdalena durante el periodo colonial tuvo una importante tradición gana-
dera como abastecedora de carne para la capital del Nuevo Reino de Granada
(CASTAÑO, 2017, p. 105).

355
Mapa 1. Mapa piedemonte andino amazónico de Colombia. Fuente: Elaboración del autor a partir de
Wolfgang Brucher, 1974.

A partir de 1870 con la extracción de quina y caucho el ecosistema se co-


nectó con los mercados mundiales por lo que en la última década el siglo XIX y
las primeras del XX comenzó lentamente a ser ocupado con gentes llegadas del
interior del país que incorporaron los primeros bovinos como abastecimiento de
carne. Así, la transformación de la Amazonia colombiana por vacunos comenzó
en el contexto del final del boom cauchero cuando se presenta la transición del
extractivismo a las economías agrarias en el contexto de la naciente coloniza-
ción. Este proceso de ganaderización en el piedemonte caqueteño se desarrolló
en dos etapas; la primera, caracterizada por una ganadería paralela a las labores
del caucho que surtía la demanda de carne en los pequeños pueblos y campa-
mentos surgidos durante la bonanza; la segunda, se da a partir de 1912 cuando
se establecen en el Caquetá algunas ganaderías como la Sociedad Colonizadora
del Caguán que desde las sabanas del Yarí intentó, aunque sin éxito, exportar
vacunos al departamento del Huila (SERRANO, 1994, p. 76).

356
En la primera década del siglo XX se informa de la presencia de ganado
en los alrededores de Mocoa, en el territorio del Putumayo; en la zona del ac-
tual departamento del Caquetá en las agencias caucheras del Hacha, La Perdiz,
Tres Esquinas, Sachamate y el Cananguchal, además de cultivos para víveres, ya
existían potreros formados artificialmente en donde pastaban algunas cabezas
de ganado vacuno (ROCHA, 1905, p. 69). Así mismo, en 1906 la expedición
del entonces Intendente del Caquetá, General Benigno Velasco, que recorría el
río Caraparaná –en lo profundo de la selva, muy lejos del piedemonte- encontró
que en la agencia Argelia, empresa de Pérez, Arana & Compañía, había potreros,
cría de ganado vacuno, yeguarizo y bestias de silla; de igual manera, en El En-
canto, la agencia cauchera más importante de Calderón & Arana, se describe que
existían sementeras, potreros y ganados (PARDO, 1912, 11).
En dicho contexto, la infraestructura construida por los extractivistas
como caminos, campamentos y puertos; y la demanda de alimentos para el per-
sonal que aún trabajaba en dichas labores -entre ellos la carne vacuna- favorecie-
ron los impulsos colonizadores en el piedemonte; incluso se afirma que “algunas
compañías dedicadas al caucho, como la Compañía Colombia, emprendieron a
la vez actividades agrícolas y ganaderas” (TOVAR, 1995, p. 90). De esta manera,
cuando se produjo la desintegración de las empresas extractoras por la crisis de
los precios del caucho en 1912, algunos de sus ex socios se quedaron en el piede-
monte caqueteño convirtiéndose en “propietarios de las tierras que se transfor-
maron luego en fincas ganaderas que sería el modelo de explotación de la tierra
entre 1910 y 1940” (CEBALLOS, 2018, p. 95).
Investigaciones del sector ganadero regional sugieren que la economía ge-
nerada por la bonanza cauchera “fue la que financió el fomento ganadero en
el territorio”. Por tal razón, para autores como Rafael Torrijos et al., (2003), el
periodo que va desde 1880 hasta 1935 corresponde a la etapa de “fomento” de
la ganadería en el piedemonte del Caquetá. Esto significaría que el extractivismo
y la ganadería hicieron parte de procesos socio ambientales simultáneos que se
desarrollaron, principalmente, en el pequeño caserío de San Vicente del Caguán
fruto de un plan de expansión y de desarrollo de ganaderos huilenses desde me-
diados del siglo XIX; y en Florencia, al sur del piedemonte, como consecuencia
del fin del ciclo cauchero (TORRIJOS, 2003, p. 45). En este contexto, el traspa-

357
so de la bonanza cauchera a la economía ganadera, se puede comprender a partir
de la primera década del siglo XX cuando con la compra de los antiguos caminos
caucheros por parte del Estado colombiano, se activa la expansión estatal sobre
el territorio. Es en este momento “cuando las inversiones huilenses en la econo-
mía cauchera se empiezan a trasladar a la ganadería, actuando como antecedente
del poderío que sectores de la clase económica del Huila consolidarían más ade-
lante en la región (CIRO y CIRO, 2008, p. 118).
La perspectiva de la historia ambiental puede ayudarnos a comprender
mejor la complejidad de esta nueva etapa de en la Amazonia colombiana en
donde factores ambientales y sociales –simultáneamente- dieron paso a nuevas
relaciones entre los humanos y el ecosistema. Así, aunque en el inicio de los ci-
clos extractivos en la segunda mitad del siglo XIX no existió economía ganadera
como tal, con la introducción de los primeros vacunos como abasto de carne,
el ecosistema sí comenzó a ser alterado radicalmente al final de la bonanza. De
esta manera, la necesidad de pasturas para estos vacunos requirió la tala y quema
del bosque tropical húmedo; con ello, empezó el proceso de potrerización del
piedemonte andino amazónico pues en dicho ecosistema no existían sabanas
naturales, tampoco, en lo profundo de la selva3.

La colonización agraria y el inicio de la transformación


del paisaje amazónico por ganado vacuno
En 1912 al ser constituida la Comisaría Especial del Caquetá, además de Flo-
rencia -su capital- existían cuatro corregimientos en el territorio: San Vicente,
Puerto Rico, Yarí y Tres Esquinas; dos años después Florencia contaba con 150
casas y era habitado por cerca de 3.000 colonos dedicados a la agricultura, al
comercio local y a la ganadería (AGN, 1914, f. 296). El censo elaborado por
el comisario Bernardino Ramírez en 1914 muestra que entre 1830 y 1911 se
constituyeron 223 fincas, en su mayoría situadas sobre las márgenes de los ríos
de la zona y en las orillas del camino nacional que iba hacia el Huila. Entre 1830

3
  Las únicas sabanas naturales existentes en el territorio amazónico colombiano son las sabanas del Yarí
ubicadas en el norte del Caquetá, véase mapa 1.

358
y 1903 apenas existieron 21 fincas pues durante la primera mitad del siglo XIX
en el piedemonte del Caquetá hubo poca presencia de colonizadores; solo hasta
las últimas décadas de ese siglo -con las economías extractivas- empezó el primer
flujo migratorio importante a la zona. Sin embargo, a partir de 1904 el número
de nuevas fincas aumentó considerablemente: 19 en 1904; 21 en 1905; 14 en
1906; 28 en 1907; 15 en 1908; 22 en 1909; 13 en 1910 y 33 en 1911 (AGN,
1914, f. 314). De acuerdo con Bernardino Ramírez, el número de ganado exis-
tente en las 223 fincas del Caquetá, era el siguiente:

Secciones Vacunos Caballar Cerda


Florencia 2.160 155 324
San Vicente 57 37 79
Puerto Rico 80 15 89
Tres Esquinas 92 - 31
Totales 2.389 207 523

Tabla 1. Ganados en la Comisaría del Caquetá, 1914. Fuente: AGN, Fondo Ministerio de Gobierno,
Sección 1ª, Rollo 145, Tomo 730, Informe comisario Bernardino Ramírez, folio 315,1914.

Por su parte, el total de cultivos establecidos hasta diciembre de 1913 luego


de los desmontes eran:

Pasto
Secciones Pasto natural Cacao, árboles Caucho Sementeras
artificial
Florencia 1.755 348 5.339 4.282 335
San Vicente 109 3 - - 102
Puerto Rico 110 46 4.248 - 117
Tres Esquinas 76 8 1000 - 104
Totales 2050 405 10.587 4.282 658

Tabla 2. Pastos y cultivos en la Comisaría del Caquetá, 1914. Fuente: AGN, Fondo Ministerio de
Gobierno, Sección 1ª, Rollo 145, Tomo 730, Informe comisario Bernardino Ramírez, folio, 315,1914.

Como muestra la tabla, para 1914 en el territorio de la comisaría había al


menos 2.389 vacunos en 2050 hectáreas de pastos artificiales constituidos lue-
go del desmonte del bosque tropical amazónico; además, 207 caballares y 523

359
cerdos también hacían parte de la fauna colonizadora que hasta ese momento
había sido introducida al ecosistema. Donde existían más pastos artificiales con
más vacunos era en los alrededores de Florencia y en los corregimientos de San
Vicente y Puerto Rico, en el norte del territorio, que eran las tres zonas de ocupa-
ción que se constituyeron entre 1885 y 1910 (CEBALLOS, 2018, p. 94). Según
la literatura regional, entre 1903 y 1909 se sentaron las bases de la explotación
ganadera en los alrededores de Florencia; en ese contexto, llegaron las primeras
semillas de los pastos Micay (Axonopus Micay) y Saboya o Guinea (Megathyrsus
maximus), predominando éste último (TORRIJOS et al., 2003, p. 54). El cen-
so demuestra entonces que para la segunda década del siglo XX ya habían sido
introducidos al piedemonte amazónico de Colombia pastos de origen africano
para el engorde de vacunos.
No obstante, para el comisario Bernardino Ramírez el número de animales
era poco en relación con las buenas pasturas obtenidas con los desmontes. Según
sus cálculos, en cada hectárea podían pastar hasta tres vacunos durante el año; así
pues, las 2.050 ha de pasto darían cabida a 6.150 cabezas, faltando, 4.160 reses;
las 1.250 ha de pasto restante sin ganado, causaban una pérdida de consideración
al territorio (AGN, 1914, p. 315). Para Ramírez, el faltante de animales para el
número de hectáreas convertidas en pasturas era una cifra desequilibrada;

Este desequilibrio ha obligado a los colonos a buscar en el vecino


Departamento del Huila los ganados que aquí faltan, por lo que
se está estableciendo entre aquel departamento y este territorio
un nuevo renglón de comercio con gran ventaja para los huilen-
ses, porque en el Caquetá se desarrolla el ganado con precoci-
dad, se reproduce con grandes rendimientos y la mortalidad no
alcanza al 2% debido a que no hay epidemias para la raza bovina
(AGN, 1914, p. 315).

La “gran ventaja para los huilenses” a la que hace referencia el comisario


tenía que ver con la excelente alternativa que representaba el Caquetá para los
ganaderos huilenses que por entonces presentaban serios problemas de produc-
ción. En el siglo XIX su ganadería entró en crisis pues las razas criollas (antio-
queña y llanera) se habían degenerado como consecuencia de las enfermedades y
porque no se contaba con pasturas nutritivas para los ganados (TOVAR, 1995,

360
p. 90). En este contexto, las selvas al otro lado de la cordillera resultaban un
espacio propicio para reactivar dicha economía pues los nuevos pastos surgidos
luego de los desmontes ofrecían mejor rentabilidad para el levante de vacunos
con pocas enfermedades que afectaran su producción.
Respecto a las relaciones comerciales que comenzaban a establecerse entre
la Comisaría del Caquetá y el departamento del Huila, los datos de este censo
evidencian que por los caminos construidos durante las bonanzas extractivas
el flujo de bovinos en las primeras décadas del siglo XX comenzaba a ser im-
portante pues la producción de ganado mayor alcanzaba para el consumo del
territorio y para enviar al sur del Huila; por ejemplo, durante el año de 1913 se
expendieron 327 reses machos y 135 hembras (AGN, 1914, p. 315). Así, la cifra
de al menos 462 animales exportados desde el territorio del piedemonte hacia
los mercados del interior, sugiere que la cría y engorde en las fincas del sector
ya era considerable por lo que se deduce que para que existiera tal producción
para 1913, las fincas de donde provenían dichos vacunos debieron establecerse
al menos cinco años antes.
Ejemplo de ello es que en 1912 en el puerto sobre el río Orteguaza deno-
minado Canelos, había potreros con ganado vacuno (PARDO, 1912, p. 4) y
en el camino que de Florencia iba hacia el territorio Andaquí, existían “más de
veinte estancias con casas de habitación, pastos, ganado mayor, cerdos, aves de
corral y sementeras de tabaco, caña, plátano, yuca y más” (AGN, 1917, p. 490).
Esto demuestra que ya desde la segunda década del siglo XX, entre los Andes y
la Amazonia se empiezan a crear lazos económicos producto del comercio de
ganado vacuno (ARCILA et al., 2000, p. 44). De esta manera, entre el fin de las
bonanzas extractivas y el inicio de la colonización campesina, la ocupación del
ecosistema próximo a la cordillera Oriental dio inicio a un incipiente proceso de
urbanización; con ello, los caseríos que emergieron en los años del caucho empe-
zaron a recibir colonos que constituyeron pequeñas fincas ganaderas a pesar de
la crisis económica y poblacional que significó su caída.
Sin embargo, la fundación de estas primeras fincas en el piedemonte del
Caquetá no significa que los bosques amazónicos fueron talados de manera ge-
neral; de hecho, el paisaje dominante era mayoritariamente de selva nativa y lo
sería durante la primera parte del siglo XX. Así lo demuestra el informe del mi-
sionero capuchino Ignacio de Barcelona quien en 1918 hizo uno de los primeros

361
recorridos por la recién creada ruta del Orteguaza, un camino primario paralelo
a la Cordillera Oriental que iba desde la orilla del río Orteguaza hasta San Vicen-
te, pasando por Puerto Rico. Según su descripción,

[…] hechos los preparativos y organizado todo para un largo viaje


a pie y por selvas solitarias y salvajes, en donde no debíamos en-
contrar otros auxilios que los que no nos negaría la Divina Pro-
videncia, nos internamos en la trocha. Siete días consecutivos
estuvimos caminando por dentro de la selva virgen, sin ver
más sol ni divisar otro horizonte que el que alcanzábamos a
disfrutar en los pasos de los riachuelos y quebradas; el resto
del día lo pasábamos caminando en la semioscuridad produ-
cida por la sombra de un bosque secular [...] Por fin, después
de siete días llegamos a descubrir un extenso horizonte, y al poco
rato entramos en las sementeras de Puerto Rico, y luego al caserío
mismo que se halla disperso a la orilla del rio Guayas (CANET
DE MAR, 1919, p. 71. El subrayado es nuestro).

Como se deduce de este relato, la selva tropical del piedemonte estaba


mayoritariamente en pie por lo que estos desmontes iban creando apenas claros
en medio de la vegetación. Lo que se quiere resaltar en este trabajo es que con
la apertura de fincas a lo largo de los ríos y caminos, la selva empezaba a desapa-
recer para darle paso a cultivos como plátano, yuca, maíz, caña de azúcar, pero
principalmente a pastos para el ganado vacuno. De acuerdo con Peregrino Gar-
cía, comisario del Caquetá en 1922, para ese año la ganadería como economía
colonizadora no se detenía;

Efectivamente: se han hecho nuevos desmontes, se han traído


de las mejores razas de ganados del Huila hermosos ejemplares
de sangre europea para el cruce y en poco tiempo se ha notado
un gran aumento de cabezas. Calcúlase en 10.000 el número de
las que pastan dentro de los límites del municipio de Florencia y
en 15.000 aproximadamente el total de las que existen en todo el
territorio. La producción de ganado es muy superior al consumo
local y este exceso se lleva por el camino de Guadalupe-Florencia
a los mercados del Huila. Pero como este departamento es gran
productor de ellos, el desarrollo de esta industria hállase limitado
(AGN, 1922, p. 71).

362
San Vicente del Caguán, debido a sus características fitogeográficas y a su
estratégica ubicación que lo conectaba con el departamento del Huila a través
del camino Guacamayas-Campoalegre, desde esa década comenzó a constituirse
en un importante territorio para la cría de vacunos. Así, junto a Florencia cons-
tituían las dos subregiones en las que la ganadería empezaba a afianzarse como
economía colonizadora y en ello las bondades de la naturaleza amazónica fueron
muy importantes. Al respecto, en abril de 1923 el comisario de entonces, escribió:

Tanto por la bondad del clima como la abundancia de las aguas y


la excepcional fertilidad de las tierras y demás condiciones favora-
bles, la industria que más fácilmente se ha desarrollado, en un cor-
to espacio de tiempo, ha sido la de la ganadería, para la cual parece
dotado especialmente este Territorio y que constituirá en breve su
mayor riqueza, calculándose hoy en 16.000 el número de cabezas
de ganado vacuno, existente dentro de los límites de la Comisaría
(AGN, 1923, p. 105).

Desde la comisaría se proyectaba el territorio acá estudiado como una futu-


ra región ganadera debido a las bondades de sus características naturales: abun-
dante agua y la fertilidad de sus tierras. Según José Manuel Baena, a pesar de lo
dispendioso que resultaba derribar la selva para establecer potreros de pastos y
del costo que implicaba el sostenimiento de una finca en el Caquetá, el ganado
prosperaba de modo tan admirable que retribuía con creces el dinero invertido
en tales desmontes. Por tal razón afirmaba:

Todas las fincas de ganado, donde según se deja dicho, pastan


más de 16.000 reses, para lo cual se ha necesitado derribar cerca
de 18.000 hectáreas de montaña, ha sido labor de los colonos de
estas comarcas, llevadas a cabo en el corto espacio de diez años y
hoy el valor de esos desmontes y el ganado, constituyen un capital
apreciable. Puede asegurarse, sin temor alguno de errar, que en
ninguna parte de la República se ha obtenido un resultado coloni-
zador tan satisfactorio (AGN, 1923, p. 105).

Como se observa, en esta tercera década del siglo XX la colonización


ganadera en el piedemonte del Caquetá se había convertido en el proceso so-

363
cioambiental más determinante de este territorio. Y todo ello “en el corto es-
pacio de diez años”, lo que sugiere que la década de 1910 a 1920 es definitiva
para comprender los inicios de la ganadería en la Amazonia colombiana pues
en este decenio se presenta el declive definitivo del caucho, en 1912, y a su vez,
se da inicio lentamente a la apertura de praderas para el ganado vacuno. La
importancia de analizar en clave de historia ambiental estos documentos es que
nos permite entender que, desde el inicio de la colonización agraria, el bosque
tropical amazónico ya era imaginado en los discursos oficiales y -en el de los
colonos ganaderos- como apto para el establecimiento pecuario. En otras pala-
bras, en el imaginario político regional el futuro económico de este territorio
debía estar relacionado con la producción ganadera; pero para ello, se hacía
necesario el mejoramiento de los pésimos caminos que conectaban el Caquetá
con el departamento del Huila;

A esta industria -la de la ganadería- ya que constituye la mayor


riqueza de la Comisaría, debe prestársele toda la atención, pro-
curando por cuantos medios sean posibles, apoyarla e impulsarla.
De aquí la importancia de mantener en buen estado el camino
que une a Florencia con el Huila y el que pone en comunicación a
San Vicente con este mismo departamento, ya que por ellos es por
donde se sacan los ganados para su consumo en los mercados del
interior y los que le dan vida a estas regiones (AGN, 1923, p. 106).

En 1924 el mismo funcionario Baena insistía sobre el destino económico


del Caquetá pues,

“la extraordinaria fertilidad de las tierras, el clima, la abundancia


de las aguas, la ausencia de toda epidemia y la ilimitada extensión
de tierras que pueden dedicarse a la industria ganadera, hace pen-
sar que en lo porvenir tendrá un desarrollo verdaderamente hala-
gador” (BAENA, 1924, p. 200).

En este contexto, para la segunda mitad de la década de 1920 los colonos


huilenses ya habían introducido al Caquetá más de 15 mil cabezas de ganado
vacuno para lo cual se habían desmontado al menos 18 mil hectáreas de selva
amazónica; con ello el paisaje en los alrededores de Florencia y San Vicente del

364
Caguán lentamente se transformaban y los caminos construidos para comunicar
las regiones cercanas a la cordillera eran usados como ruta de ingreso al ecosiste-
ma para construir fincas con bovinos.
En 1925 una de las tantas fincas que comenzaba a abrirse a orillas del río
Orteguaza era El Tabor que por entonces tenía más de 100 reses con ganado de
ordeño para la producción de queso que era enviado a Florencia y a Guadalupe,
en el Huila, a través de la antigua trocha cauchera (TRUJILLO, 2008, p. 68).
Por entonces la más famosa era San Pedro con excelentes pastos que mantenían
más de 3.000 reses (AGN, 1926, p. 126). En una entrevista otorgada al periódico
El Tiempo de Bogotá en 1932, el colono huilense Cayetano Mora, su propieta-
rio, indicaba que tenía en el Caquetá tres mil hectáreas sembradas con caña de
azúcar, maíz, plátano; sin embargo, en el reportaje el colono exalta la fertilidad
de la tierra amazónica para la siembra de pastos para el ganado:

A los tres meses de arrojada la semilla en terreno preparado, el pas-


to se ha levantado de una manera tan exuberante y prodigiosa, que
sus tallos cubren una persona de buen tamaño, y está listo para
el engorde de reses. Yo tengo en “San Pedro” tres mil cabezas de
ganado vacuno, seleccionado entre las marcas “Zebú”, “Durhan” y
“Charloroix” (El Tiempo, febrero 7 de 1932, p. 2).

De acuerdo con este relato, para la década de 1930 ya se habían introduci-


do algunos bovinos de razas europeas Bos Taurus, (Durham y Charolais) y asiá-
ticas, Bos indicus (Zebú) al piedemonte del Caquetá. Sin embargo, el ganado
predominante era el criollo -ganado español adaptado a las planicies de los de-
partamentos del Huila y Tolima- llevado por los colonos huilenses y que tenía
sangre de criollo sanmartinero, Durham, Hereford, complementado con la raza
antioqueña, Blanco Orejinegro (BON) (TORRIJOS, 2003, p. 53).

Consideraciones finales

El periodo 1850-1930 ha sido caracterizado como de importantes transforma-


ciones ambientales en Colombia, la mayoría, localizadas en las regiones Andina

365
y Caribe. En contraste, en la Amazonia, “los casos consistieron en disrupción
social y estancamiento o disminución demográfica sin que haya ocurrido un
proceso de deforestación de consideración” (PALACIO, 2006, p. 13). No obs-
tante, al analizar con detalle la incorporación de vacunos en el Caquetá al inicio
del siglo XX, es posible comprender que -si bien es cierto cuantitativamente el
territorio amazónico colombiano era mayoritariamente selva- con el inicio de la
colonización campesina y el establecimiento de la ganadería vacuna los cambios
empiezan a ser radicales cuando el ecosistema pasa de los ciclos extractivos a las
economías campesinas (MELO, 2016, p. 23). Así, mientras con el extractivismo
la lógica económica era extraer los recursos vegetales sin crear una infraestructu-
ra permanente, la colonización agraria buscaba establecerse en la selva y para ello
empezó a tumbar y quemar el bosque de manera sistemática.
Por otra parte, el medio ambiente natural amazónico jugó un papel protagó-
nico dentro del proceso de instalación de vacunos en el piedemonte pues la abun-
dancia de agua proveniente de los cientos de ríos, quebradas y riachuelos que bajan
de la cordillera Oriental; y la riqueza de las pasturas obtenidas luego de la tumba
y quema del bosque, llevó a los colonos ganaderos a imaginar la selva como un
lugar “naturalmente” creado para la ganadería. En este sentido, desde esta época
se empezó a construir la idea del Caquetá como una despensa ganadera, y en ello,
los discursos institucionales de los comisarios ayudaron a legitimar dicho discurso.
Finalmente, estudiar la historia de la ganadería en el Caquetá en perspec-
tiva ambiental permite relativizar la idea generalizada de que la alteración de la
Amazonia por vacunos comenzó en la década de 1970 (PÁDUA, 2000). Como
vimos, en el territorio amazónico colombiano la transformación del paisaje se
inició desde los primeros años del siglo XX con la colonización campesina, y en
dicho proceso, el desmonte de la selva tropical estuvo directamente relacionado
con la instalación de bovinos. Aunque a una escala muy pequeña en relación con
la deforestación para el caso brasilero hacia la década de 1960 en adelante, lo acá
analizado nos obliga a dimensionar la compleja historicidad del bioma amazónico
mundial a partir de sus heterogeneidades. En este sentido, las amazonias de Perú,
Ecuador, Bolivia y Colombia -al estar conectadas directamente con los Andes-
demandan urgentemente una mayor atención por parte de la historia ambiental.

366
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Rollo, 248, Tomos 936-937, Informe Comisario Martín Abadía,1926.

368
Agradecimientos

El autor expresa los agradecimientos al Programa de Estudiantes-Convenio de


Pos-Graduación PEC-PG, de CAPES-Brasil por la bolsa otorgada en 2018.

Notas
*Doctorando del Programa Interdisciplinar en Ciencias Humanas de la Universidad Federal de Santa Cata-
rina (UFSC); orientado por la profesora Dra. Eunice Sueli Nodari y coorientado por el profesor Dr. Pedro
Urquijo Torres, Universidad Nacional Autónoma de México, (UNAM).

369
Sistemas de cogestão adaptativa e o estado de direito
ecológico no re-centramento público e na transmissão
transgeracional de commons no Antropoceno

Fabiana Jacomel*

As evidências mais recentes geradas por uma nova geração de modelos sistêmi-
cos indicam um processo de comprometimento cada vez mais intenso e acelera-
do das macrorregulações do Sistema-Terra. Tratando-se de sistemas de suporte
da vida na biosfera, os sinais de alerta que vêm sendo emitidos estão renovando
o debate ecopolítico dos anos 1970 e denunciando uma vez mais as fraturas dos
alicerces ideológicos da assim chamada civilização termo-industrial1 (MEA-
DOWS, 1972; MEADOWS et al., 2007; IPCC, 2014; UN GEO-6, 2019;
ECKERSLEY; BARRY, 2005).
Neste sentido, a aceleração das “tendências pesadas” do industrialismo
desde a época do pós-guerra tem levado muitos autores de peso na comunida-
de internacional a desenhar um novo cenário de pesquisas onde comparece a
noção de Antropoceno2 (CRUTZEN, 2006; BONNEUIL; FRESSOZ, 2016;

  Disponível em: Welcome to the Anthropocene. Disponível em: http://http://www.anthropocene.info/.


1

Acesso em: 23 jul. 2020.


2
  “O termo “Antropoceno” foi utilizado pela primeira vez pelo químico vencedor do Prêmio Nobel Paul
Crutzen para conceituar um momento, possivelmente iniciado no final do séc. XVIII, quando a análise do
ar preso ao gelo polar demonstrou o início das crescentes concentrações globais de dióxido de carbono e

371
TRICHLER, 2017; VIEIRA, 2019). Passamos a falar de uma nova época geo-
biológica, na qual chegamos a interferir de forma em muitos aspectos irreversí-
vel, na regulação do metabolismo planetário (VIEIRA, 2019; STENGENRS,
2009; DUPUY, 2011).

Cidades, florestas, lagos, oceanos, centenas de milhões de quilô-


metros quadrados estão devastados e são inabitáveis para seres hu-
manos e animais. Ecossistemas, outrora de vida abundante, torna-
ram-se cemitérios silenciosos ao serem consumidos pela poluição
industrial, pela acumulação de dejetos, por resíduos de medica-
mentos, pelo escoamento de fertilizantes e pesticidas. Onde ainda
reside um pouco de biodiversidade e fertilidade, o ser humano pa-
rece estar disposto a tirar vantagem disso até não sobrar nada. O
tráfico de animais silvestres, a caça furtiva, a pecuária, a agricultura
intensiva e o desmatamento esgotam a biosfera e aceleram a sexta
extinção em massa de espécies (GANCILLE, 2019, p. 97).

Na tentativa de se identificar e quantificar limites planetários consensuais,


além do que fora feito para a atmosfera3 (i), em outras 8 (oito) áreas já foram
quantificados, ou estão em vias de quantificação, situações limítrofes, em se tra-
tando: (ii) da “destruição da camada de ozônio estratosférico”, (iii) da “perda
de biodiversidade”, (iv) da “dispersão de químicos e novas substâncias”, (v) da
“acidificação dos oceanos”, (vi) das “perturbações no ciclo hidrológico global”,
(vii) das “mudanças no uso do solo”, (viii) das “alterações nos ciclos do nitro-
gênio e do fósforo”, e (ix) dos “aerossóis de origem antropogênica presentes na
atmosfera” (ARAGÃO, 2017, p. 24). Dessas nove áreas, as quatro sublinhadas já
ultrapassaram as fronteiras do que teria sido convencionado por diversos pesqui-
sadores como um ponto de retorno ainda em “seguro” (STEFFENN et al., 2015;
ROCKSTRÖM et al., 2009).

metano, no qual a humanidade passa a ter grande impacto no sistema terrestre, chegando ao ponto de causar
uma mudança na era geológica do planeta” (LEITE; SILVEIRA; BETTEGA, 2017, p. 61). Assim, o Antro-
poceno sucederia ao Holoceno, era que teve início há aproximadamente 10.000 anos com o fim do período
glacial (CRUTZEN, 2002).
3
  Na definição de “uma concentração de 300 partes por milhão de dióxido de carbono, ou gases com efeito
equivalente”, como o valor acima do qual estamos sujeitos as alterações climáticas súbitas e imprevisíveis
(ARAGÃO, 2017, p. 24).

372
Nesse sentido, para esses estudiosos o objetivo de preservar o sistema ter-
restre num determinado estado de “segurança” para seus habitantes depende
não só da ciência e da tecnologia, mas, sobretudo do protagonismo da socie-
dade civil. A razão disso deve-se ao fato de que atualmente considera-se que os
estilos de vida e os níveis de consumo condicionam tanto o impacto dos seres
humanos sobre o sistema terrestre como o crescimento demográfico em escala
global (ARAGÃO, 2017, p. 21).
Eis que, a partir de meados da década de 1990, na subárea de pesquisa sobre
gestão de recursos naturais de uso comum, o foco passou a ser concentrado numa
consideração mais rigorosa da complexidade envolvida na dinâmica dos sistemas
socioecológicos ( JOLLIVET; PAVÉ, 2000). Isto implicou o abandono progres-
sivo dos enfoques de planejamento e gestão ecossistêmica centrados na expecta-
tiva de retorno a supostos pontos de equilíbrio (BERKES et al., 2003; WEBER,
2000; VIEIRA, 2005). Dessa forma, “o tema da incerteza contingente e da resi-
liência4, que configuram as tensões e os paradoxos das dinâmicas evolutivas dos
sistemas socioecológicos, passaram a alimentar um novo tipo de reflexão sobre os
limites da previsão no campo da gestão ambiental” (VIEIRA 2005, p.27).
A revisão bibliográfica da teoria sistêmica do planejamento participativo
aponta o uso de indicadores sensíveis ao novo paradigma sistêmico, onde se
destacam modelos multifatoriais, dentre outras opções metodológicas. Nesses
modelos busca-se evidenciar com o máximo de clareza as relações de interde-
pendência e os mecanismos de autorregulação baseados em circuitos de feedback
– negativo e positivo (OAKERSON, 1992; VIEIRA, 2005; BUTZKE, 2014;
STERLING, 2003). Neste sentido, torna-se necessário dispor da colaboração de
diversos especialistas integrados sempre que possível a coletivos inter e transdis-
ciplinares5 (NICOLESCU, 2005; GARCIA, 1994; MAX-NEFF, 2004; VIEI-

4
  [Capacidade de um sistema se manter e se adaptar frente a distúrbios. Conceito reformulado pelo Ecolo-
gista C.S Holling (BERKES, 2003)].
5
  Ela vem ajudar na maturação de uma cosmovisão indo além da noção de interdisciplinaridade. Desafia o
código de valores dominante na globalização neoliberal em nome de “uma outra mundialização”, endóge-
na e solidária, dando vazão a uma nova imagem não dual de “seres humanos em ecossistemas” (BERKES;
FOLKE, 1998; BERKES, et al, 2003; VIEIRA, 2019). Para isso, prescinde de uma eco formação de corte
sistêmico-complexo, que consideramos realmente sintonizado com a magnitude dos desafios que cercam o
agravamento da crise global e a invenção de um novo projeto civilizador (MORIN; KERN, 2000).

373
RA, 2016). Na pauta de prioridades de investigação e reflexão teórica incluem-se
as intervenções que poderiam, em princípio, serem acionadas para mitigar os
impactos destrutivos; que tipos de ações seriam consideradas desejáveis e como
seriam viabilizadas; e quais as consequências possíveis – a curto, médio e longo
prazo – que poderiam ser detectadas e em que áreas (VIEIRA, 2005).
Numa estratégia consistente de gestão integrada e compartilhada deve-se
levar em conta não só a diversidade de representações cognitivas dos stakeholders6
como as oscilações, em termos de variabilidade – das diferentes escalas espaciais
(local ao global), temporais (do curto a longo prazo). Mais especificamente, com-
parecem no rol das variáveis-chave a serem levadas em conta: (i) a incompatibi-
lidade entre as características dos recursos naturais com os limites institucionais
(como a complexidade e dinâmica dos ecossistemas, a incerteza, a irreversibilida-
de e a perturbação); ii) a tendência de se definir questões em uma escala, ignoran-
do a existência de drivers externos e as mudanças causadas por interações de escala
cruzada que afetam os sistemas socioecológicos; iii) a incompatibilidade entre
os diferentes tipos de conhecimento e escalas de gestão; iv) a desconsideração
de certos questionamentos ou domínios vinculados; e v) a própria necessidade
de fazer uma gestão compartilhada para lidar com problemas de escala cruzada
(BERKES, 2004; CASH et al., 2004; KALIKOSKI; LAVKULICH, 2003).
No que se refere aos arranjos de tomada de decisão e à organização dos
bens comuns, pelo menos três subconjuntos são identificados, assim classifica-
dos: (i) “regras operacionais” que regulam o uso dos commons; (ii) regras que
estabelecem as “condições de escolha coletiva” dentro do grupo mais imediata-
mente envolvido com os commons; e (iii) “arranjos externos”, aquelas estruturas
de decisão fora do grupo imediato que interferem no modo como os commons
são organizados e utilizados. Tem-se que “as regras operacionais são amparadas
nas regras de escolha coletiva, as quais são amparadas em arranjos externos”. Em
geral, os arranjos “são definidos por relações autoritárias que especificam quem
decide o que em relação a quem” (OAKERSON, 1992, p.47, Tradução livre).

6
  “Indivíduos ou grupos (incluindo instituições governamentais e não-governamentais, comunidade tra-
dicionais, universidades, instituições de pesquisa, agências de desenvolvimento, bancos e financiadores) que
manifestam algum tipo de interesse ou alguma reivindicação no processo de apropriação e gestão de recursos
naturais” (VIEIRA et al., 2005, p. 414).

374
Dessa forma, a degradação do meio biofísico e construído está relacionada
fundamentalmente aos regimes específicos de apropriação e à gestão da base de
recursos naturais de uso comum, como têm sido mostrados pela pesquisa so-
cioecológica contemporânea (BERKES, 2005, 2009, 2021; GUNDERSON et
al., 1995; ACSELRAD, 1992; CARVALHO, SCOTTO, 1995; JACOMEL,
2012). Existem em princípio quatro regimes de apropriação: o livre acesso (que
representa a ausência de direitos de propriedade), a apropriação privada (que
diz respeito à condição na qual um indivíduo ou corporação tem o direito de
excluir os demais usuários e regulamentar o seu uso), a comunal (na qual um
grupo limitado de indivíduos têm direitos de uso, sendo a propriedade, em cer-
to sentido, limitada ao grupo que adquiriu o poder de regular os bens comuns,
excluindo outros usuários) e a estatal (onde o controle dos bens comuns é atri-
buído as agências governamentais e não as comunidades diretamente afetadas)
(BROMLEY; 1992, OSTROM, 2001; OAKERSON, 1992).
Um modo de apropriação define, portanto, o estado do sistema de relações
sociedade-natureza, assim como os processos de tomada de decisão em con-
textos específicos exprimem a dinâmica desse sistema (WEBER, 2000). Neste
sentido, “a categoria de apropriação de recursos comuns permeia, de forma ines-
capável, toda e qualquer interpretação da gênese, do agravamento tendencial e
das chances de enfrentamento consequente dos conflitos que têm a natureza
por suporte” (VIEIRA, 2005, p.28).
Cabe salientar que o conceito de apropriação é mais amplo que o conceito
de propriedade, este se limita à dimensão do acesso e transferência dos bens pos-
suídos, enquanto a noção de modo de apropriação comporta cinco níveis:

(i) as representações ou percepções, (ii) os usos alternativos dos


recursos, (iii) as modalidades de acesso e de controle do acesso
aos recursos, (iv) as modalidades de transferência dos recursos ou
dos frutos obtidos desses recursos – modalidades estas não neces-
sariamente mercantis –, e (v) as modalidades de repartição ou de
partilha dos recursos e/ou dos frutos obtidos mediante as mesmas
(WEBER, 2000, p. 129).

375
A evolução da linhagem anglo-saxã da teoria dos modos de apropriação e
dos sistemas de gestão de commons – em constante construção –, questiona a he-
gemonia do paradigma analítico-reducionista na ciência ocidental, delineando
os contornos do paradigma ecológico-político sistêmico-transdisciplinar e a criação
em rede de sistemas de cogestão adaptativa do patrimônio natural e cultural. Nes-
se novo paradigma, a dimensão ético-política passa pelo reconhecimento de que
natureza, mentalidades e cultura formam um “sistema”. Assim, o fundamento
normativo das ações de gestão favorece a quebra de dualismos, de forma que a
ecosfera passa a ser vista como um território comum da humanidade, consideran-
do, então, a “comunidade de seres” e a “teia da vida” (community of beings). Trata-
-se de um resgate por meio do qual se pode gerar insights para a criação e gestão
de sistemas de cogestão adaptativa7, sensível à busca de resiliência ecossistêmica
(VIEIRA, 2019; CABANES, 2016; COTTEREAU, 1995; LATOUR, 2020).
No cerne desse debate, a ênfase recai na dimensão “institucional”8 visando
justificar e instituir a nossa responsabilidade pela transmissão transgeracional de
commons. Como ponto de partida, a transmissão daquilo que não pertence a nin-
guém passa pela negociação de objetivos estratégicos (ou constitucionais), deven-
do ser reconhecida pelos atores envolvidos como uma condição de sobrevivência
do conjunto da espécie humana (VIEIRA, 2019; CAPRA; MATTEI, 2018).

Perdemos o “controle do nosso controle”


e nossa orientação comum

Diante da consideração de que as estratégias usuais de conservação adotadas no


modelo de desenvolvimento hegemônico característico das sociedades moder-
nas industriais, têm se mostrado pouco capazes de enfrentar os dilemas das po-
pulações que dependem dos recursos naturais essenciais para a sua sobrevivência,

7
  “Refere-se a sistemas caracterizados pela insuficiência de informações sobre sua dinâmica. Pressupõe
aprendizagem por feedback ou “aprender a fazer fazendo” (VIEIRA et al., 2005, p. 411).
8
  Instituições podem ser definidas como regras de uso ou códigos de conduta. Por meio das regras e normas
são definidas as práticas, atribuídas as funções e as orientações para as interações entre os atores envolvidos
(OSTROM 1990; BERKES 2021). Arranjos institucionais parecem ser achave para lidar com a gestão, como
as instituições fornecem o mecanismo para que a governança ocorra em um determinado nível jurisdicional.

376
como a água por exemplo. Por meio delas acabam-se legitimando o dualismo
meio ambiente e desenvolvimento, deixando a descoberto outras dimensões do
desenvolvimento, a saber: o combate sistêmico à pobreza, o processo de empo-
deramento9 das populações locais, a descentralização das tomadas de decisão, a
formação de redes de cooperação, a endogeneidade, a valorização das ecotecno-
logias, a prudência ecológica e o senso de pertencimento ao lugar e de solidariedade
com as gerações futuras (VIEIRA, 2005, 2016).
Fatores que levam ao questionamento da legitimidade das instituições
dominantes que por meio de políticas fragmentadas, desconexas das deman-
das sociais promovem a invisibilização, o direcionamento, ou mesmo a negação
dos dados científicos. Em vista da manutenção do statuo-quo as instituições de
gerência permanecem alicerçadas no “mito da técnica” como a retórica do “con-
trole da qualidade”, assim como a validade dos padrões de segurança que conferi-
ram estabilidade à sociedade industrial (FERREIRA, 2008, HOLLING, 1995;
GUNDERSON et al., 1995; BESSON-GIRARD, 2012; LÉNA, 2012).
Por outro lado, o limiar das novas evidências científicas nos leva a constatar
que não se tratam mais de ameaças características da “modernidade avançada”,
que já deixaram há muito de serem passíveis de previsão e controle. Mais pre-
cisamente, tendo em vista que os danos catastróficos e os desastres ecológicos e
climáticos que se avolumam (UN GEO-6, 2019), não são sensorialmente evi-
dentes, ou visíveis para o conjunto da população mundial, fala-se em “incon-
trolabilidade das consequências oriundas das decisões da civilização” (LEITE,
SILVEIRA, BETTEGA, 2017, p.117).
Nesse contexto, quando a história para alguns havia concluído seu curso,
aparentemente após a “vitória contra o comunismo” simbolizada pela queda do
muro de Berlim, no início dos anos 1990, outra história se iniciava sub-repticia-
mente. Caracterizada, inicialmente, por “’desregulamentação’, e que confere um
sentido cada vez mais pejorativo à palavra ‘globalização’” (LATOUR, 2020, p.9).

9
  “Um processo por meio do qual as pessoas, as organizações e as comunidades assumem o controle de seus
próprios assuntos, de sua própria vida e tomam consciência da sua habilidade e competência para produzir, criar
e gerir. Em outras palavras, trata-se do aumento do poder e da autonomia pessoal e coletiva de indivíduos e gru-
pos sociais nas relações interpessoais e institucionais, principalmente daqueles submetidos a relações de opres-
são, discriminação e dominação social. Evidentemente, autonomia é pensada aqui em termos simultaneamente
socioeconômicos, socioculturais, sociopolíticos e socioambientais (TONNEAU; VIEIRA, 2006, p. 318).

377
Ela marca também o início, de forma simultânea em todo o mundo, de uma vio-
lenta explosão das desigualdades. Coincidentemente é nessa época que se inicia
uma sistemática operação para a negação da existência da mutação climática. Para
Bruno Latour a questão climática está, portanto, no centro de todos os problemas
geopolíticos sendo diretamente ligada à questão das injustiças e desigualdades.
Em sua perspectiva o próprio fenômeno da negação do comprometimento das
condições de estabilidade climática na terra, é um dos fenômenos sintomáticos de
uma mesma situação histórica. Nela, “tudo ocorre como se uma parte importante
das classes dirigentes tivesse chegado à conclusão de que não há mais lugar sufi-
ciente na terra para elas e para o resto de seus habitantes”. Em consequência, aque-
les que hoje são chamados de modo um tanto vago de “elites”, “decidiram que era
inútil fingir que a história continuaria conduzindo a um horizonte comum, em
que ‘todos os homens’ poderiam prosperar igualmente” (LATOUR, 2020, p.8).
Para resistir a essa perda de orientação comum, será preciso novos alicerces
a fim de saber como nos orientar. O exemplo dos sistemas de gestão coadapta-
tiva e da valorização da integração inter e transdisciplinar do conhecimento na
dimensão das mudanças socioinstitucionais é uma filosofia de planejamento e
gestão que pode significar uma baliza no “mapa das posições ditadas por essa
nova paisagem na qual são redefinidos não apenas os afetos da vida pública, mas
também as suas bases” (LATOUR, 2020, p.10). O enfoque aqui é associado às
bases da égide sociojurídica que também aponta nessa mesma direção restituin-
do o Sistema-Terra e o próprio direito como um “Comum”, conforme descrito a
seguir (CAPRA, MATTEI, 2018).

A emergência de uma nova ordem ecojurídica

Na medida em que crise atual em suas múltiplas facetas têm revelado que as al-
terações antropogênicas podem desencadear sucessivas reações abruptas, impre-
visíveis e potencialmente catastróficas em escala global, o Sistema-Terra deveria
passar a ser considerado como objeto de proteção jurídica pelo Estado – na linha
da noção de patrimônio transgeracional em debate desde a época da Cúpula da
Terra em 1992. Nesse caso, a permanência da abordagem jurídica tradicional,

378
descolada de uma justiça distributiva, dos limites planetários e das novas desco-
bertas científicas, é questionada em seus fundamentos, por mais que represente
a base da sustentação legal do modelo de desenvolvimento globalizado (ARA-
GÃO, 2017; LEITE; DINNEBIER, 2017; MELO; LEITE, 2018; CAPRA;
MATTEI, 2018; CABANES, 2016).
No cenário do Antropoceno emerge assim a figura do Estado de Direito
Ecológico10 (LEITE; DINNEBIER, 2017; ARAGÃO, 2017; MELO; LEITE,
2018; CAPRA MATTEI, 2018). Mais precisamente, este termo designa um
conjunto de normas, princípios e estratégias jurídicas supostamente necessárias
para garantir a preservação de um conjunto de condições de funcionamento do
sistema terrestre, tornando-o assim um espaço menos inseguro para todas as for-
mas de vida (ARAGÃO, 2017). São necessárias e urgentes medidas essenciais
para a prosperidade humana, e imprescindíveis, para a manutenção da resiliência
socioecológica e para a realização dos aclamados “objetivos globais de desenvol-
vimento sustentável” (ARAGÃO, 2017; ECKERSLEY, 2005).
Haja vista que o mundo não está no caminho do cumprimento dos Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável (ODS) até 2030. As mudanças que permeiam
a nova ordem ecojurídica11 induzem não só a novos arcabouços constitucionais,
mas a novas formas de pensar, novas atitudes e comportamentos diferenciados
e urgentemente necessários. Em correspondência a uma hermenêutica ampliada
das noções de cidadania, identidade e comunidade (ECKERSLEY, 2005).

Considerações finais

Diante dessas constatações diretivas, como orientar as ações com base num
conjunto ainda muito restrito de regras ou de princípios consistentes? É o que
se perguntam os agentes interessados em uma gestão coadaptativa integrada e
compartilhada dos recursos de uso comum, e todos aqueles – não somente os

10
  “Tradição ocidental segundo a qual uma sociedade pode ser governada de acordo com normas formais que
também vinculam aqueles que têm poder para criá-las ou interpretá-las” (CAPRA; MATTEI, 2018, p. 278).
11
  Também chamada de “ecologia do direito”, trata-se do “ordenamento jurídico cujo objetivo é promover
as comunidades ecológicas e humanas e que vê o direito como algo que mantém uma relação de interdepen-
dência com a política, a economia, a justiça etc.” (CAPRA; MATTEI, 2018, p. 278).

379
operadores do direito – interessados na aplicação criteriosa do chamado princí-
pio de precaução. Conforme a consagrada Declaração das Nações Unidas Sobre
o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (1992), ele aborda que “quando houver
ameaça de danos graves irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não
será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis
para prevenir a degradação ambiental” (FERREIRA, 2008, p.156)12.
Se por um lado, sabemos mais ou menos o que pode ser uma gestão que pro-
picie aos recursos naturais manterem suas características essenciais na dinâmica da
regulação dos ecossistemas planetários, e dispomos de “marcos teóricos relativa-
mente estabilizados para compreender os fatores que condicionam as poluições,
por outro, somos ainda incapazes de definir, por exemplo, um limiar adequado em
termos de capacidade de carga dos meios naturais” (THEYS, 2006, p.189). Em
busca da superação desses impasses e da operacionalização desses processos inova-
dores,Theys (2006) propõe que eles sejam conduzidos mediante a articulação de
quatro modos de ação distintos e, ao mesmo tempo, complementares:

Inicialmente, trata-se de criar um quadro jurídico “constituinte”,


capaz de dotar o ordenamento territorial e o desenvolvimento
sustentável de fundamentos jurídicos legítimos, permitindo assim
inscrever as negociações entre os diversos atores sociais num con-
junto de regras do jogo claras e estabilizadas no longo prazo; em
seguida, trata-se de estimular iniciativas descentralizadas, valori-
zando, nas escalas locais pertinentes, as complementaridades entre
os objetivos econômicos, sociais e ecológicos do desenvolvimen-
to; em terceiro lugar, seria necessário promover uma política ativa
de inovações institucionais; finalmente, re-centrar as intervenções
do setor público face aos riscos embutidos nas dinâmicas conven-
cionais de desenvolvimento que não levam adequadamente em
conta a problemática socioambiental (THEYS, 2006, p. 191).

Assim, diante das evidências mais recentes de comprometimento irrever-


sível dos macroprocessos de autorregulação do Sistema-Terra, que projetam

12
  O que não significa “a mitigação ou a exclusão da Ciência, mas simplesmente que esta deve levar em conta as
incertezas e as suas consequências para o meio ambiente e a saúde humana (LEITE; CAETANO, 2012 p.361).
Ou seja, face à incerteza, o Estado deve considerar os perigos de tomar a decisão equivocada, e atuar “dando à
natureza o benefício da dúvida (ou inversão do ônus da prova)” (LEITE, SILVEIRA, BETTEGA, 2017, p.74).

380
num novo e desafiante patamar a tomada de consciência da virulência associada
à crise socioecológica global, caberia acrescentar a essa última ponderação do
autor – sobre o re-centramento das intervenções do setor público face aos riscos
embutidos nas dinâmicas convencionais de desenvolvimento – que a perspectiva
usual de riscos a serem conscientizados e atenuados sob a égide do imaginário
industrialista dominante cede o seu lugar à imagem de “megacatástrofes em série
anunciadas para as próximas décadas” (MEADOWS et al., 2007; BONNEUIL;
FRESSOZ, 2016; CRUTZEN, 2006, MORIN; KERN, 2000).
O novo contexto deverá oferecer soluções viáveis à altura do contexto de
uma crise planetária sem precedentes, nos exigindo mudanças drásticas em vis-
ta dos sinais de alerta que vêm sendo emitidos pelos pesquisadores do Sistema-
-Terra. Daí a necessidade de serem modificadas pela base a correlação de forças
políticas entre os atores envolvidos nos mais diversos contextos, por meio da
adoção de propostas que possam reverberar a partir do montante dos proble-
mas. No intuito de ser efetivado o enfrentamento contundente da problemática
socioecológica, faz-se necessário ir além dos mecanismos preventivos-proativos,
dotando de lucidez e coragem àqueles que assumem, por diversas razões, a busca
por mudanças no status quo (VIEIRA, 2019; GANCILLE; 2019).

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tal.2ed. São Paulo: Cortez, 2000, p.115-146.

386
Agradecimentos

À Coordenação de aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES/


DS pela bolsa de estudos concedida no período da pesquisa de doutorado. Ao
Núcleo de Pesquisa Transdisciplinar de Meio Ambiente e Desenvolvimento
(NMD) e ao Laboratório de Imigração, Migração e História Ambiental (LA-
BIMHA) pelo incentivo e apoio destes coletivos na pesquisa.

Notas
*Doutoranda; Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC); orientada pela Professora Doutora Eunice Sueli Nodari, coorientada pelo Professor
Doutor Paulo Freire Vieira.

387
Sobre os autores e autoras

Adriana de Oliveira Leite Coelho


Professora titular da Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE) e Doutora
pelo Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mestra em Engenharia de Es-
truturas pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG 2003) e graduada
em Engenharia Civil pela Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE 1998). É
integrante do Laboratório de Imigração, Migração e História Ambiental - LA-
BIMHA. E-mail: [email protected].

Adriana Elizabeta Seitenfus


Graduanda em História pela Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS).
Atualmente é bolsista de iniciação científica e integrante do Fronteiras: Labo-
ratório de História Ambiental da UFFS. E-mail: [email protected].

André Egidio Pin


Doutorando do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Fe-
deral de Santa Catarina (UFSC). Mestre em História pela Universidade Fede-
ral de Goiás (UFG 2014) e graduado em História pela Universidade do Cen-
tro-Oeste do Paraná (UNICENTRO 2010). É integrante do Laboratório de
Imigração, Migração e História Ambiental - LABIMHA. E-mail: andreegidio-
[email protected].

Carla Pires Vieira da Rocha


Pós-Doutoranda no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências
Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Realizou Pós-
-Doutorado na VU - Vrije Universiteit (Amsterdã, Holanda) (2019). É mestra
em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS 2009), especialista em Museologia/Patrimônio Cultural pela Uni-

389
versidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS 2005) e bacharel em Artes
Visuais com habilitação em Fotografia pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS 2002). É integrante do Laboratório de Imigração, Migração e
História Ambiental - LABIMHA. E-mail: [email protected].

Daiana Paula Varotto


Mestra em História pela Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Espe-
cialista em Gestão Escolar: Orientação e Supervisão (Faculdade de Educação São
Luís, 2021), especialista em Gestão de Pessoas pela Universidade Norte do Para-
ná (UNOPAR 2009), especialista em Agricultura Familiar e Desenvolvimento
Sustentável na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS 2017),
graduada em Licenciatura em História pela Universidade Federal da Fronteira
Sul (UFFS 2017) e Tecnóloga em Meio Ambiente pela Universidade Estadual
do Rio Grande do Sul (UERGS 2006). Integrante do Fronteiras: Laboratório de
História Ambiental da UFFS. E-mail: [email protected].

Débora Nunes de Sá
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Fe-
deral de Santa Catarina (UFSC) e bolsista CAPES/DS/PDSE. É mestre em
História pela Universidade de Passo Fundo (UPF 2017) e graduada em História
pela mesma instituição (2014). É integrante do Laboratório de Imigração, Mi-
gração e História Ambiental - LABIMHA e do Núcleo de Estudos Históricos
do Mundo Rural - NEHMuR/UPF. E-mail: [email protected].

Diego Estevam Cavalcante


Doutorando em História pela Universidade Federal do Ceará (UFC). É mes-
tre em História pela Universidade Federal do Ceará (UFC 2018) e graduado
em História pela Universidade Federal do Ceará (UFC 2013). É integrante do
Grupo de Pesquisa História, memória, natureza e cultura, vinculado ao Depar-
tamento de História da UFC e integrante do Laboratório de Imigração, Migra-
ção e História Ambiental - LABIMHA. E-mail: [email protected].

390
Esther Mayara Zamboni Rossi
Doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em História pela Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC). É mestre em História pela Universidade Fe-
deral de Santa Catarina (UFSC 2015) e possui bacharelado e licenciatura em
História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC 2011). Integran-
te do Laboratório de Imigração, Migração e História Ambiental - LABIMHA.
E-mail: [email protected].

Eunice Sueli Nodari


Professora Titular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). É dou-
tora em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS 1999) com Pós-Doutorado na Stanford University - EUA (2015-
2016) e na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG 2016). É mestra em
História pela University of California - Davis (1992) e graduada em História
pela Universidade de Passo Fundo (UPF 1976). Coordenadora do Laboratório
de Imigração, Migração e História Ambiental - LABIMHA. E-mail: eunice.no-
[email protected].

Fabiana Jacomel
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Hu-
manas pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mestra em So-
ciologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC 2012),
especialista em Prática Psicopedagógica Interdisciplinar e Gestão Escolar na
Educação Básica (UNIVEST 2009) e bacharel em Administração de Empresas
pela Fundação de Estudos Sociais do Paraná (FESP-PR 2000). É integrante do
Núcleo de Pesquisa Transdisciplinar de Meio Ambiente e Desenvolvimento Ru-
ral e Urbano NMD-UFSC e do Laboratório de Imigração, Migração e História
Ambiental - LABIMHA. E-mail: [email protected].

Fabio Alvaro Melo Rodrìguez


Doutorando no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Hu-
manas pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mestre em Histó-

391
ria pela Pontifícia Universidad Javeriana - Bogotá (2014) e graduado em Comu-
nicação Social e Jornalismo pela Universidad Externado de Colombia (1997).
Integrante do Laboratório de Imigração, Migração e História Ambiental - LA-
BIMHA. E-mail: [email protected].

Gabrieli Elisa da Costa


Graduanda em História na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) e bol-
sista de iniciação científica do CNPq. Integrante do Fronteiras: Laboratório de
História Ambiental da UFFS. E-mail: [email protected].

Gil Karlos Ferri


Doutorando pelo Programa de Pós-graduação em História pela Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC). Mestre em História pela Universidade Fede-
ral da Fronteira Sul (UFFS 2018) e graduado em História pela Universidade Fe-
deral de Santa Catarina (UFSC 2014). Integrante do Laboratório de Imigração,
Migração e História Ambiental - LABIMHA. E-mail: [email protected].

Ivón Natalia Cuervo


Doutoranda no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências
Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), bolsista CA-
PES. Mestre em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental
da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC 2017), especialista em
Pedagogia pela Universidad Pedagógica Nacional (UPN 2013) e graduada em
Sociologia pela Universidad Nacional de Colombia (UNAL 2008). Integran-
te do Laboratório de Imigração, Migração e História Ambiental - LABIMHA.
E-mail: [email protected].

Jacqueline Martins de Carvalho Vasconcelos


Doutora em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC 2021). Mestre em Gestão Integrada do Território pela Universidade
Vale do Rio Doce (UNIVALE 2017), especialista em Qualidade e Produtivida-
de na Construção pela Universidade Fumec (1996) e graduada em Engenharia

392
Civil pela Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE 1993). Integrante do La-
boratório de Imigração, Migração e História Ambiental - LABIMHA. E-mail:
[email protected].

João Davi Oliveira Minuzzi


Doutorando no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Fe-
deral de Santa Catarina (UFSC) e bolsista CAPES. É mestre em História pela
Universidade de Federal de Santa Maria (UFSM 2017) e graduado em Histó-
ria pela Universidade de Federal de Santa Maria (UFSM 2014). É integrante
do Laboratório de Imigração, Migração e História Ambiental - LABIMHA.
E-mail: [email protected].

Julia Mai Velasco


Graduanda do curso de História pela Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC) e bolsista de iniciação científica da Universidade Federal de Santa Ca-
tarina (UFSC). Integrante do Laboratório de Imigração, Migração e História
Ambiental - LABIMHA. E-mail: [email protected].

Laianny Cristine Gonçalves Terreri


Graduanda do curso de História pela Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC) e bolsista de iniciação científica da Universidade Federal de Santa Ca-
tarina (UFSC). Integrante do Laboratório de Imigração, Migração e História
Ambiental - LABIMHA. E-mail: [email protected].

Leandro Gomes Moreira Cruz


Doutorando em História pela Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). Mestre
em História pela Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS 2022) e gradua-
do em História pela Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS 2020). In-
tegrante do Fronteiras: Laboratório de História Ambiental da UFFS. E-mail:
[email protected].

393
Lissandra Lopes Coelho Rocha
Reitora da Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE). É Doutora em Ciên-
cias Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), mestra em
Direito pela Universidade Gama Filho (UGF 2007) e graduada em Direito
pela Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (FADIVALE 1997). Integran-
te do Laboratório de Imigração, Migração e História Ambiental - LABIMHA.
E-mail: [email protected].

Lucas Mores (In memoriam)


Doutorando em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Mestre em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC 2017)
e graduado em História pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNI-
CENTRO 2014). Integrante do Laboratório de Imigração, Migração e História
Ambiental - LABIMHA.

Márcio Comin
Mestrando no Programa de Pós-graduação em História pela Universidade de
Passo Fundo (UPF) e professor no Sistema de Ensino de Soledade-RS. Especia-
lista em Gestão Democrática Escolar pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS 2013) e graduado em História pela Universidade de Cruz Alta
(UNICRUZ 2002). E-mail: [email protected].

Marina Andrioli
Mestre em História pela Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS 2020) e
graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Paraná (UFPR
2012). Integrante do Fronteiras: Laboratório de História Ambiental da UFFS.
E-mail: [email protected].

Michely Cristina Ribeiro


Mestranda no Programa de Pós-Graduação em História pela Universidade Fe-
deral da Fronteira Sul (UFFS) e bolsista FAPESC. Graduada em História pela
Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS 2021). Integrante do Frontei-

394
ras: Laboratório de História Ambiental da UFFS. E-mail:michelycribeiro@
gmail.com.

Morgana Elisha Jahnke


Mestranda no Programa de Pós-Graduação em História pela Universidade Fe-
deral da Fronteira Sul (UFFS) e bolsista CAPES. Graduada em História pela
Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS 2018). Integrante do Frontei-
ras: Laboratório de História Ambiental da UFFS. E-mail: morganae.jahnke@
gmail.com.

Natan Roberto Kickow


Mestrando em História pela Universidade de Passo Fundo (UPF). Graduado em
Direito pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc 2014). E-mail:
[email protected].

Rubens Onofre Nodari


Professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Doutor em Ge-
nética pela University of California - Davis (1992) mestre em Agronomia pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS 1980) e graduado em
Agronomia pela Universidade de Passo Fundo (UPF 1977). E-mail: rubensno-
[email protected].

Samira Peruchi Moretto


Professora da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) e professora do
Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Santa Ca-
tarina (PPGH/UFSC). Doutora em em História pela Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC 2014), mestra em História pela Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC 2010) e graduada em História pela Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC 2007). Coordenadora do Fronteiras: Laboratório de
História Ambiental da UFFS e Integrante do Laboratório de Imigração, Migra-
ção e História Ambiental - LABIMHA. E-mail: [email protected].

395
Tailana Benelli
Graduanda em História na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) e bol-
sista de iniciação científica do CNPq. Integrante do Fronteiras: Laboratório de
História Ambiental da UFFS. E-mail: [email protected]

396
O presente livro representa um le-
gado social intangível, o que nos
desperta para os argumentos do eco-
nomista e sociólogo mexicano Enrique
Leff acerca da complexidade, amplitu-
de e diversidade do saber ambiental –
fundado na indissociável relação entre
sociedade e natureza. Isso porque, cada
vez mais a relação entre os humanos e o
mundo natural se expande em aborda-
gens que desafiam o exercício histórico.
E a dilatação dos conteúdos, abordagens
e engajamentos entre as esferas do saber
e o campo ambiental são cada vez mais
dinâmicos e entrelaçados.

Sandro Dutra e Silva


Universidade Estadual de Goiás/
Universidade Evangélica de Goiás

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