40 Historia de Israel APOSTILA 01

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HISTÓRIA DE ISRAEL

AULA 1

Prof. Roberto Rohregger


CONVERSA INICIAL

A disciplina de História de Israel não tem somente a intenção de identificar


os conceitos da pesquisa histórica e arqueológica desse povo; ela objetiva
também compreender as ligações com os relatos apresentados na Bíblia,
apresentando o direcionar de Deus para o povo judeu, mas sem entrarmos em
questões e aprofundamentos teológicos.
Nesta aula abordaremos os seguintes assuntos: obstáculos a superar
para termos uma boa compreensão da história de Israel; as fontes de
conhecimento da história; a civilização do antigo Oriente; e a formação primitiva
do povo hebraico.

TEMA 1 – OBSTÁCULOS DA PESQUISA HISTÓRICA

Atualmente, há uma grande fonte de material de pesquisa sobre a história


Israel (tanto fonte literária quanto histórica e religiosa). Precisamos considerar o
fato de que tal história tem como característica básica a oralidade, isto é, foi
contada e passada por gerações antes de compor um material escrito. Além
disso, pouco material dos escritos sobreviveu no decorrer da história e
principalmente em decorrência das guerras judaicas contra os romanos. Por
isso, a comprovação de descobertas arqueológicas é de grande importância
tanto para conhecer melhor a história primitiva de Israel e da região da Palestina
quanto para comprovar a correção da história constante na Bíblia com as
evidências arqueológicas.
Mesmo na designação que se dá ao povo judeu, observamos variações.
Olhando a Bíblia, podemos perceber que há três denominações diferentes para
a descendência de Abraão: hebreus, provavelmente pelo fato de Abraão ser
descendente de Éber (Gênesis 11.14-17); israelitas, relativo a Israel, nome
recebido pelo patriarca Jacó após seu encontro com Deus no Vale de
Jaboque (Gênesis 32.27-28); e, por último, judeus, relativo a Judá, um dos doze
filhos de Jacó ao qual foi prometido o cetro do reino (Gênesis 49.10).
Sendo assim, não há qualquer diferença na designação desse povo.
Paulo usou para si as três denominações (Romanos 11.1; 1 Coríntios 9.20;
Filipenses 3.5). Mesmo quando consideramos a história a partir do relato da
Bíblia, encontramos número de fontes em diversos formatos de textos, como as
leis, os poemas e efetivamente as narrativas. Praticamente nenhum outro povo

3
produziu material tão grande e significativo quanto o hebreu. Dessa forma,
analisar um conteúdo tão amplo que passou também pela conservação desses
escritos por séculos e que se originou de uma tradição oral é um desafio para o
historiador, apesar de que, segundo Champlin (2001, p. 123), “reconhece-se que
a história registrada pelos hebreus, a começar pelo ano 1000 a.C., é bastante
exata, e que os hebreus foram os primeiros e melhores historiadores”.
Agregamos ainda o fato de que boa parte das construções judaicas foi
destruída no século I pelas guerras judaicas contra os romanos, e antes disso
houve muitos eventos que também praticamente acabaram com evidências
arqueológicas, como a invasão babilônica e o posterior cativeiro do povo judeu.
Não apenas o efeito do tempo foi provocando o desgaste natural das evidências
arqueológicas; também a destruição provocada pela guerra contribui para a
dificuldade de se encontrarem documentos e evidências materiais dos relatos
bíblicos.
Como processo metodológico deste trabalho, tomaremos a Bíblia como
uma fonte que relata os principais acontecimentos históricos do povo de Israel,
visando compreender a relação entre eles e a ação de Deus na história hebraica.
Buscaremos o diálogo com as ciências arqueológicas e históricas no sentido de
contribuir para o aprofundamento do conhecimento sobre a história de Israel.
Devemos ter sempre em mente que a história de Israel não é construída pelas
linhas de estudos convencionais, uma vez que sua fonte primária são
documentos de cunho religioso e que não são somente relatos dos
acontecimentos históricos, mas outros que envolvem ação divina e humana a
partir do conceito religioso. Porém, consideramos que suas afirmações históricas
são fidedignas e que é preciso examinar o contexto do texto para encontrarmos
seu sentido histórico.

TEMA 2 – O PAPEL DA BÍBLIA PARA O ENTENDIMENTO DA HISTÓRIA DE


ISRAEL

A história é uma ciência cujo objetivo é investigar a ação do indivíduo


através do tempo, seu desenvolvimento, ações, ideias e consequências desse
mover humano na própria construção da história. Quando estudamos a história
de Israel sob a perspectiva teológica, também observamos a forma do
relacionamento do homem com Deus e com a religião, podendo obter um

3
conhecimento sobre as consequências das ações humanas dentro desse
quadro.
A história investiga o que os homens fizeram, pensaram e sentiram como
seres sociais. Nesse sentido, o conhecimento histórico ajuda na compreensão
do homem na condição de quem constrói seu tempo.

Pensar em história não é pensar no passado. Na verdade, pensar em


história é pensar no futuro. Isso porque a disciplina História não serve
para nada se os ensinamentos dela permanecerem no passado opaco,
no vazio que nos separa das eras que nos precederam. Quando
olhamos para trás, desejamos ardorosamente resposta para nosso
hoje. (Santos, 2016, p. 19)

Além da importância histórica, Israel e o povo judeu têm também uma


relevância fundamental para o estudo teológico, uma vez que os textos da Bíblia
não estão apenas interessados no relato histórico, mas no que diz respeito à
ação de Deus, por meio do povo hebreu, que se deu no decorrer da história,
sendo, então, também parte da construção histórica; isto é, nos relatos das
Escrituras encontramos a história contada pela perspectiva teológica. Procura-
se demonstrar no relato escriturário que as profecias se comprovam dentro da
história e que mesmo dentro dos escritos do Novo Testamento há referências
históricas à antiguidade judaica e a profecias futuras que envolvem o povo judeu.
Estudar a história de Israel é compreender melhor a teologia do Antigo e do Novo
Testamentos.

Quando a história é a narrativa de um povo completamente envolto em


literatura sagrada, a natureza da tarefa torna-se ainda mais complexa,
e as afirmativas muito mais proféticas. A visão que o pesquisador tiver
da integridade e autoridade daquela literatura influenciará a forma
como ele irá trabalhar com tais materiais, sem falar dos procedimentos
metodológicos e de suas conclusões. [...] Isto não significa, entretanto,
que uma história de Israel antigo escrita à luz da pesquisa moderna se
restrinja tão somente a uma capitulação do registro bíblico. O próprio
fato de que o Antigo Testamento relata acontecimentos antigos como
história sagrada, como fenômeno primariamente teológico ao invés de
social ou político, é suficiente para justificar as repetidas tentativas de
reconstruir a história segundo as linhas normais da historiografia.
(Merrill, 2001, p. 1-2)

Isso equivale dizer que há fundamentos históricos de muitas afirmações


teológicas e proféticas e que para compreendê-las com maior profundidade é
preciso entender o pano de fundo histórico. A Bíblia contém narrativas
históricas/religiosas, porém também é um livro histórico, pois foi escrita no
decorrer de séculos, a partir de diversos contextos sociais, históricos e políticos;

3
seu principal objetivo não é o compromisso com a descrição dos eventos
históricos, mas sim a interpretação religiosa deles.

É nesse sentido que os estudos sobre a memória cultural e sobre o


trauma coletivo enquanto fenômeno histórico e literário foram
fundamentais para se entender melhor boa parte das narrativas
bíblicas. Muitas delas só são compreensíveis historicamente como
resultado do trauma representado pelo cativeiro babilônico. A
conquista do Reino de Judá pelos babilônios, em 587 a.C., solapou
pilares fundamentais da sociedade judaíta: a perda da terra e a
migração forçada de parte da população; o fim da dinastia davídica; a
destruição do templo de Jerusalém. O aparecimento de uma literatura
de crise é parte das respostas culturais a esse trauma coletivo. Seja
sob o domínio babilônico, seja depois, sob o domínio persa (Ciro, o
Grande, conquistou a Babilônia em 539 a.C.), os judaítas exilados
reformularam a memória de seu passado, fundindo antigas tradições e
elementos inéditos. [...] Sob esta ótica sulista, o reino do norte, Israel,
foi pintado em cores francamente negativas. Ao mesmo tempo, “Israel”
ganhou um novo sentido: não mais uma entidade política, um reino
governado por um soberano, mas um referencial identitário do qual os
judaítas do exílio se reivindicaram como herdeiros legítimos. (Rede,
2021, p. 1)

É importante essa compreensão das Escrituras para captarmos a


importância delas como documento histórico, mas também suas limitações; vale
lembrar que a intenção dos seus escritores não era propriamente a descrição
dos eventos históricos, mas a interpretação religiosa/teológica deles. A moderna
historiografia não desconsidera a Bíblia como relevante fonte de informações
históricas, e de fato muitas descobertas históricas e arqueológicas são frutos de
pesquisas que partiram de textos encontrados ali. Porém, como disciplina que
possui sua metodologia, ela precisa levar em conta a possibilidade de haver
dados equivocados, eventos reinterpretados, mesmo em decorrência do lapso
temporal entre o ocorrido e o registro escrito do fato.
Porém, conforme já afirmamos, as Escrituras são uma importante fonte
de pesquisa para historiadores e arqueólogos, assim como as descobertas
realizadas pela pesquisa histórica e pela arqueologia também o são para o
desenvolvimento do conhecimento bíblico e teológico. Estas contribuem para
que se possa compreender os fatores sociais, econômicos, culturais e políticos
que montam o pano de fundo dos relatos bíblicos, possibilitando um
aprofundamento da interpretação religiosa e teológica dos textos do Antigo
Testamento.

3
TEMA 3 – AS ORIGENS

As origens mais antigas do povo hebreu fora do relato bíblico não são,
ainda, de todo conhecidas. Muitos outros povos habitavam a região de Canaã
antes da formação do povo judeu.
Canaã é habitada desde o período pré-histórico. A mais antiga cultura da
Idade da Pedra, descoberta no Monte Carmelo e que sobreviveu à cultura tardia
da Idade da Pedra conhecida como os natufianos, foi descoberta em Jericó
(Bíblia de Estudo Arqueológico NVI, 2013). O aldeamento mais antigo é
justamente o de Jericó, que deve ter iniciado em torno do ano 8000 a. C. e que
foi várias vezes reconstruído durante os séculos. Esse povoamento era bastante
rude, e seus habitantes ainda viviam de forma majoritária da caça e pesca,
porém há evidências de que já estavam colhendo grãos no campo, ainda que de
maneira rudimentar e limitada (Bright, 1978, p. 18).
Na época em que se identificou o nascimento de Abrão (em torno de 2166
a.C.), a situação era outra. Já havia muitos povos de diferentes origens, e toda
a região tinha passado por vários conflitos com muitas cidades-estados bastante
poderosas. Foi nesse período que cidade de Ur havia caído na mão de um povo
bárbaro conhecido como por Guti, que vivia nas montanhas. Ur era uma das
cidades-estados mais importantes da Suméria, altamente cosmopolita e que
tinha como principal deidade adorada a deusa lua Nannar, conhecida em
acadiano como Sin. É bem provável que tanto Abrão quanto sua família fossem
devotos dessa deusa e das divindades a ela associadas (Merrill, 2001, p. 12-13).
Conforme o relato bíblico contido em Gênesis 12 1, podemos compreender
que a história de Israel começa quando Abrão recebeu o chamado divino para
sair da terra onde habitava em direção a um destino que Deus haveria de lhe
indicar. Continuando o relato descrito nas Escrituras, é dito que Abrão, com sua
família, reúne seus bens e servos e junto com Ló parte, indo para a direção de
Harã para encontrar a terra que Deus havia indicado como o local que deveria
ser aquele onde ele e sua descendência deveriam habitar. Ele se estabeleceu
na terra de Canaã, costa oriental do Mediterrâneo (atual Israel). Segundo Merrill
(2001, p. 16),

1
As referências bíblicas do texto foram todas tiradas da Bíblia de Estudo Arqueológica NVI
(2013). As exceções estarão indicadas no texto.
3
Não há como definirmos com precisão quando foi que Abrão partiu de
Ur para Arã. [...] Nos anos de sua estada em Arã – que na época era
um centro comercial e de negócios habitado principalmente por uma
raça conhecida pelos sumerianos por MAE.TU e pelos acadianos por
Amurru (os amoritas bíblicos) – Abrão sem dúvida tornou-se fluente no
dialeto semítico amorita [...] e adquiriu um estilo de vida nômade, com
o qual ele viria mais tarde a se familiarizar em Canaã.

O mapa da Figura 1 demonstra a trajetória das viagens de Abraão.

Figura 1 – Viagens de Abraão

Fonte: História e Geografia Bíblica, 2020.

Em Canaã, Abrão se estabeleceu na região montanhosa e ali


permaneceu, limitando-se até o sul na fronteira do Deserto de Neguebe. Em
Gênesis 12, é relatado que Abrão já levantava altares em dedicação a Deus, o
que indica um começo de culto a Javé. Os versículos 10 e seguintes desse
capítulo informam que a região onde Abrão havia montado acampamento estava
passando por um período de fome – já que a produtividade da região de Canaã
dependia das chuvas –, e ele então decidiu descer para o Egito, que era menos
vulnerável à seca em razão do alagamento anual do Rio Nilo. Essa era uma rota
normal para muitas tribos nômades, e a região do Egito tinha uma estrutura maior
que poderia acolher alguns nômades; essa entrada nas terras egípcias era
bastante controlada pelo exército do faraó. É interessante observar o que Josefo
(1990, p. 56) relata sobre a ida de Abrão para o Egito:

O país de Canaã foi então assolado por grande carestia e Abraão tendo
sabido neste mesmo tempo que o Egito gozava de grande abundância,

3
resolveu tanto mais facilmente ir para lá quanto lhe era interessante
conhecer os sentimentos dos sacerdotes daquele país com relação à
divindade, a fim de, se eles fossem mais bem instruídos do que ele,
conformar-se com sua crença, mas se, ao contrário, ele fosse mais
instruído que eles, lhes comunicaria sua fé.

Esse relato provavelmente faz parte de uma tradição oral de interpretação


rabínica, uma vez que os textos apenas narram que o motivo que levou Abrão
ao Egito foi a seca. Segundo Merrill (2001, p. 23), “visto que Abrão por volta de
2091 a. C., e que provavelmente entrou no Egito não muito depois dessa data,
concluímos que o rei para quem ele mentiu com respeito a Sara sua esposa foi,
ao que tudo indica, Wahkare Achthoes III (aproximadamente 2120-2070) da 10ª
Dinastia”.
O fato é que a estada de Abrão não foi muito longa, uma vez que relato
bíblico informa que o faraó demonstrou interesse pela esposa de Abrão e Deus
então o teria punido e à sua corte em decorrência disto. Assim Abrão sai do Egito
e vai a Neguebe, aparentemente já é um nômade com muitos bens e com uma
significativa comitiva, porém não se fixa ali; segue para Betel, e é nesse local
que ele e Ló se separam, indo Ló para a região do Vale do Jordão.
Após esse evento, ocorre, segundo o relato bíblico, a promessa de Deus
a Abrão relacionada à terra e à descendência que haveria de dominar, e ele
muda seu acampamento para próximo dos carvalhos de Manre, em Hebrom,
construindo ali um altar ao Senhor. É no capítulo 15 de Gênesis que de fato se
realiza a aliança de Deus com Abrão e sua descendência. Porém, o relato bíblico
salienta que Abrão, não crendo que sua esposa poderia lhe dar herdeiros, toma
a sua serva, Hagar, e a engravida. Salienta-se que esse não era um método
estranho para chefes tribais, muito menos para reis que necessitavam de
herdeiros para continuar sua descendência.
Desse relacionamento, nasce Ismael. Após seis anos, Deus reafirma a
sua promessa, e é nesse momento que Abrão tem o nome mudado para Abraão,
“pai de nações”, e então institui a circuncisão, tomando Ismael e todos os
nascidos em sua tribo e os circuncidando. As Escrituras relatam então, no
capítulo 21, o nascimento de Isaque, o “filho da promessa”, dando o início ao
que viria a ser a nação de Israel.
Cabe compreender que o relato bíblico apresenta uma forma resumida e,
em algumas vezes, idealizada da formação de Israel, que tem no chamado de
Abraão a aliança com Deus e em Isaque o que seria o início dessa nação. Porém,
devemos lembrar que nesse momento todos os servos de Abraão
3
representariam esse início, pois foram circuncidados, e é bem provável que
também seguiriam a Javé, o que levava a um compromisso tanto com a liderança
de Abraão quanto com Deus, dando então à formação para um ajuntamento de
pessoas um sentido comum e unidade em uma única fé. De acordo com o relato
das Escrituras, Abraão morreu em torno do ano 1991 a.C.

TEMA 4 – AS PRINCIPAIS CIVILIZAÇÕES NO ANTIGO ORIENTE

Para compreendermos melhor a história de Israel, é importante


conhecermos o pano de fundo histórico da região da Palestina. Quando nos
referimos a Palestina, estamos falando da região da Cisjordânia e partes da
Transjordânia. Segundo Donner (1997, p. 50),

Sob “Palestina” entende-se em geral o palco da história bíblica,


portanto preferencialmente a Cisjordânia, mas também as partes da
Transjordânia: os territórios dos atuais estados de Israel e da Jordânia,
e os territórios palestinos. O nome “Palestina” é a forma grega do termo
aramaico Pelishta’in (em hebraico PeIishtim) e designava
originalmente o território povoado pelos filisteus na planície litorânea.
Após a segunda revolta judaica (132-135 d.C.), os romanos mudaram
o nome da província de Iudaea, instituída por eles, para Palaestina,
designando com este termo não só a planície litorânea, mas também
as regiões montanhosas da Cisjordânia.

Podemos afirmar que a Mesopotâmia foi berço de civilizações bastante


antigas e importantes, como os sumérios, os acádios, os assírios e os babilônios.
O povo de Israel teve contato com vários povos que habitavam a região, até
mesmo quando da conquista de Canaã. Em vista disso, vamos conhecer, ainda
que de forma superficial, um pouco mais os mais importantes, que habitavam ou
tinham influência na região.

4.1 Sumérios

Foram os sumérios o primeiro povo a se estabelecer na região da


Mesopotâmia (por volta do ano 5000 a.C.). Embora os registros iniciais escritos
da região não remontem a mais do que cerca de 3500 a.C., os historiadores
modernos sugerem que a Suméria teria sido colonizada permanentemente entre
por volta de 5500 e 4000 a.C. No final do quarto milênio a.C., ela foi dividida por
cidades-estados independentes que foram delimitadas por canais e/ou muros de
pedra. Cada uma era centrada em um templo dedicado a um deus ou deusa
patrono particular e governada por um sacerdote ou por um rei local que estava
intimamente ligado aos rituais religiosos da cidade. Segundo Silva ([s.d.]),
3
Essas cidades estiveram em constante estado de guerra umas com as
outras pela disputa de terras. Cada uma delas possuía um deus ou
deusa distinto e, para a adoração desse deus, eram construídos
templos conhecidos como zigurates. As cidades sumérias
desenvolveram uma característica típica dos agrupamentos humanos:
as diferenças entre classes sociais. Na Suméria, existia uma pequena
classe bem estabelecida e privilegiada que vivia à custa do trabalho
das classes baixas.

Foram os sumérios que criaram a primeira forma escrita conhecida na


região, a cuneiforme. Como tinham uma tradição comercial, essa escrita foi
desenvolvida inicialmente para manter os registros e o controle da contabilidade,
tanto do comércio quanto das finanças palacianas e da agricultura.

4.2 Fenícios

Os fenícios foram outra importante civilização que influenciou a região.


Eram povos de origem semita que em torno de 3000 a.C. se estabeleceram
numa estreita faixa de terra entre as montanhas do Líbano e o Mar Mediterrâneo.
Com 200 km de extensão, corresponde à maior parte do litoral do atual Líbano
e uma pequena parte da Síria.
O apogeu da civilização fenícia ocorreu entre os anos 1200 e 800 a.C.,
transformando-se em uma "economia-mundial" cercada por impérios. Conforme
podemos observar na Figura 2, os fenícios dominavam uma ampla rota
comercial, que demostra seu pode marítimo.

3
Figura 2 – Rota comercial dos fenícios

Fonte: Wikimedia, [S.d.].

4.3 Acádios

Os acádios representam um dos povos da antiguidade que habitaram a


região da Mesopotâmia. Diversas civilizações se desenvolveram na região do
Crescente Fértil, entre os rios Tigre e Eufrates. Assim, além dos acádios,
habitaram o local os sumérios, os assírios, os caldeus, os hititas e os amonitas.
Foi um dos primeiros impérios da Mesopotâmia. Essa civilização era conhecida
como Akkad, e o seu principal governante conhecido foi Sargão de Akkad, que
teria sido também o fundador da dinastia arcadiana. Segundo Monte (2018, p.
90),

Poucos monumentos produzidos no tempo de Sargão sobreviveram


até aos nossos dias. Uma única estela, fragmentada, contém a sua
representação, com o nome inscrito diante da sua figura barbada.
Quanto a fontes escritas primárias, pouco mais que algumas inscrições
em objetos votivos dedicados por Enḫeduanna, sua filha, podem ser
enumeradas. Porém, existem várias cópias de inscrições reais,
efetuadas em períodos posteriores, que se consideram ter sido
produzidas no seu tempo. É o caso de alguns documentos babilónicos
do II milénio a.C. (período paleo-babilónico) depositados no templo de
Enlil em Nippur, o Ekur. O facto de a capital por ele fundada, a cidade
de Akkad (ou Agade), não ter sido ainda encontrada pela Arqueologia,
impede-nos também de aceder a arquivos e monumentos que
poderiam aí existir.

Os acádios dominaram algumas cidades sumérias, criando até mesmo


um comércio forte com a Índia.

3
4.4 Egito

O Egito e seus habitantes são mencionados mais de 700 vezes na Bíblia.


Nas Escrituras hebraicas, o Egito costuma ser designado pelo nome Mizraim
(Mits·rá·yim) (veja Gênesis 50.11), evidentemente indicando o destaque ou a
predominância dos descendentes desse filho de Cã naquela região (Gênesis
10.6) O nome Misr é aplicado ao Egito mesmo hoje pelos árabes. Em certos
salmos, é chamado de “terra de Cã” (Salmos 105.23, 27; 106.21, 22).
Há evidências de população na região do Egito já na Idade da Pedra, com
seu florescimento nos séculos anteriores a 3500 a.C.

Os Egípcios pré-dinásticos foram presumivelmente os antepassados


dos egípcios dos tempos históricos, uma mistura assim das linhagens
hámiticma, semítica e (especialmente do sul) negroide. Deram passos
de gigantes no aperfeiçoamento da agricultura cultivando todas as
espécies de cereais, frutas, legumes e linho. [...] Empreendeu-se na
época o trabalho de drenagem e irrigação, trabalho esse que se foi
aperfeiçoando progressivamente. [...] À medida que os barcos levavam
e traziam o comércio para cima e para baixo, pelo Nilo, diminuía o
isolamento local provavelmente pelos fins do quarto milênio as várias
províncias locais se uniam em dois reinos relativamente grande um no
Alto Egito e ouro no Baixo. (Bright, 1978, p. 30)

Na época relatada em que Abrão vai para o Egito, este já era uma grande
nação, possivelmente no reinado do faraó Wahkare Achthoes III
(aproximadamente 2120-2070) da 10ª Dinastia. Apesar da sua grandiosidade, o
Egito já havia entrado em um período de declínio de poder, muito em decorrência
da ascensão ao poder dos monarcas ou governantes dos distritos locais.

TEMA 5 – FORMAÇÃO DA NAÇÃO

Como vimos, o relato bíblico nos permite identificar o período da formação


primitiva da nação de Israel a partir da chamada de Abraão em 2002 a.C. até
seu estabelecimento na terra de Canaã, por volta de 1500 a.C. Porém,
efetivamente o que se tinha era Abraão comandando uma tribo nômade, que
percorreu grande parte da Palestina. Assim, não podemos considerar esse
ajuntamento de pessoas ainda uma nação, já que para haja uma nação fazem-
se necessários, minimamente, três elementos básicos: a) um povo com uma
cultura única; b) leis que regulamentem as relações entre as pessoas e a nação;
e c) um território próprio.
Nesse aspecto, não podemos dizer que Abraão, Isaque e Jacó formavam
uma nação. Nesse início, não havia a quantidade de pessoas em um mesmo
3
local para formá-la, obedecendo à estrutura dos três elementos básicos. Mesmo
que os 12 filhos de Jacó tenham se multiplicado, não passavam de um
ajuntamento a mais naquele emaranhado de tribos nômades e cidades-estados
que era a Palestina durante aquela época. Mas foi a partir de Abraão que a
história do povo de Israel começou. Porém, somente a partir da busca pela terra
prometida por Deus, que ocorreu quando da saída do povo do Egito, que
efetivamente se iniciou o processo da formação de uma nação.

A formação de um povo não é um acontecimento da natureza, mas um


processo histórico que se baseia no nível da consciência das pessoas
e dos grupos de pessoas que dele participam. Pessoas de origem e
característica diversas conscientizam-se dos elementos que têm em
comum, seja lá em que consistam: em destinos comuns, língua e
cultura comuns, religião comum. Querem agregar-se, e rejeitam a
outros que não fazem parte ou que não devem fazer parte. Esses
processos de assimilação e dissimilação deixam rastros na
consciência do povo que se formou. É de se esperar que tais rastros
encontrem expressão na tradição do povo. (Donner, 1997, p. 60)

Pode-se dizer que o período patriarcal, na narrativa bíblica, vai do


surgimento de Abraão, no capítulo 11 de Gênesis, até o primeiro capítulo de
Êxodo, o qual apresenta uma lista dos filhos de Jacó, antes de começar a narrar
um novo período da história. Na opinião de muitos, os patriarcas entraram no
Egito à época em que este era dominado pelos hicsos. Isso explicaria, em parte,
a benevolência demonstrada para com Jacó e seus filhos, pois existe a
possibilidade de que esses conquistadores, semelhantemente aos
antepassados do povo de Israel, eram de origem semítica.

A dominação dos hicsos no Egito ocorreu entre a morte de José e o


nascimento de Moisés, um período em que o Antigo Testamento se
mostra completamente silencioso. É bem razoável admitir que o
relacionamento existente entre os hicsos e os hebreus tenha sido o
mais amigável possível [...]. (Merrill, 2001, p. 47)

O povo só foi se multiplicar e surgir de forma mais numerosa no Egito. Ali


sua cultura e costumes foram se definindo, e ao final de 400 anos era um povo
numeroso, mas não uma nação. O segundo passo só seria dado após sua
libertação por Moisés. Os hebreus viveram pacificamente no Egito por gerações,
mas um faraó, possivelmente Amósis, que expulsou os hicsos, ou seu
sucessor, Amenotepe I (1546-1526 a.C.) se inquietou devido ao aumento
populacional e poder e decidiu torná-los escravos e mandou matar todos os
meninos recém-nascidos. Ora, nessa época nasceu numa família israelita o

3
pequeno Moisés. Para salvá-lo, sua mãe o acomodou numa pequena cesta de
papiro e o escondeu entre os caniços do Rio Nilo.
O bebê foi recolhido pela filha do faraó e educado na corte. Ao se tornar
adulto, Moisés ficou revoltado com a miséria do seu povo e se isolou no Deserto
do Sinai. Ali, Deus se revelou a ele e lhe fez uma dupla promessa: libertar os
israelitas da escravidão e lhe dar o país de Canaã. A partir de então, Moisés teve
uma missão grandiosa: guiar o povo de Israel até a Terra Prometida e transmitir
aos homens a mensagens de Deus nos dez mandamentos.
Moisés voltou, então, ao Egito, para junto de faraó, e lhe pediu que
deixasse os escravos israelitas partirem para sua terra, porque era ordem de
Deus. Diante da recusa do faraó, Deus castigou o Egito com dez terríveis pragas,
narradas na Bíblia. Finalmente o faraó cedeu, e o povo de Israel partiu livre: foi
o êxodo, isto é, a saída do Egito.
Moisés conduziu os hebreus através do Deserto do Sinai. É aqui que se
inicia uma nova fase para esse povo. Eles receberam a Lei: não apenas o
decálogo, que se tornou padrão mundial, mas também toda uma legislação que
detalhava os dez mandamentos, bem como outras instruções que
regulamentavam a vida religiosa e civil. Mesmo que o período no deserto pareça
uma perda de tempo, foi ele que possibilitou a existência de um código que
garantiria para sempre a existência de Israel como nação; de certa forma, essa
lei tornou-se sua pátria.
Josué, sucessor de Moisés, ajudou a consolidar Israel. Liderou a tomada
da terra, guerreando e conquistando boa parte dela. Agora, era um povo com
cultura própria, leis próprias e na própria terra. Depois que saíram do Egito, os
hebreus atravessaram o Mar Vermelho e passaram 40 anos errando pelo deserto
da Líbia e pelo deserto da Arábia até que finalmente chegaram às fronteiras da
terra prometida (atualmente Estado de Israel).
Moisés havia falecido, e Deus convocou Josué como seu sucessor. Este
lançou uma guerra contra os cananeus e venceu seus adversários próximos. O
país dos cananeus tornou-se então país de Israel.

NA PRÁTICA

Acompanhamos no decorrer desta aula o início da história do povo judeu


como relatada na Bíblia. Podemos comprovar de forma bastante consistente, por
meio da pesquisa histórica e arqueológica, muitos dos fatos narrados nas
3
Escrituras. Apesar de muitas evidências, não podemos deixar de compreender
que a Bíblia é uma narrativa que tem como principal objetivo a perspectiva
religiosa, isto é, quer demonstrar as implicações teológicas e não
necessariamente históricas. Mesmo assim, é uma das maiores fontes para
compreender a história de Israel.

FINALIZANDO

A história de Israel teve início com a obediência de um homem, Abraão.


Porém, foi devido à crise com o Egito que levou à partida para a terra prometida,
e o povo judeu começou a ter identidade própria, apesar de que o elemento
religioso sempre foi fundamental para a sua constituição. A região da terra
prometida já estava habitada e cercada por várias nações, e as mais poderosas
eram os sumérios, os fenícios, os acádios e a forte nação do Egito, da qual o
povo havia fugido.
Ao longo de sua peregrinação, um povo começava a formar uma nação,
a desenvolver uma estrutura de governo e a estabelecer uma lei para sua
organização, mas faltava-lhe a terra. A tomada de um território, que era fruto da
promessa divina, agora poderia dar-lhe a possibilidade de estabelecer-se em um
local. Porém, ainda havia muito a ser construído. A saída do Egito e a conquista
da terra prometida pareciam uma missão impossível, mas Deus estava
conduzindo o povo na direção que Ele desejava.

3
REFERÊNCIAS

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<https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/7/78/Rutas_comercial
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