CERQUEIRA E SILVA - Ignacio Accioli de - Memórias Históricas e Políticas Da Província Da Bahia - Tomo VI

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 226

Ie ne fay r i e n

sans
Gayeté
(Montaigne, Des livres)

Ex Libris
José M i n d l i n

3 d

HISTÓRICAS, £ POLÍTICAS.

TOMO VI.
HISTÓRICAS, E POLÍTICAS
DA

PROVÍNCIA 1)4
DEDICADAS

A' S. M. O SENHOR D. PEDRO 15,


IMPKRADOR CONSTITVCIOÍOL E DEFENSOR 1'F.Rl'ETUO DO BRASIL,,

POK

COM M E S D AOO R DA ORDEM DA ROSA, CAV,-.l,l.EIRO DA I M P E R I A L DO C R U Z E I R O


E DA D E C H R I S T O , E N C A R R E G A D O DAS I I N O Ç Õ E S D E H I S T O R I A D O R DO I M P É R I O ,
SÓCIO C O R R E S P O N D E N T E DO I N S T I T U T O HISTÓRICO E G E O G R Á F I C O B R A S I L B I R O ,
MEMBRO E F F B C T 1 V O E H O N O R Á R I O D E D I V E R S A S SOCIEDADES
S C I E N T I F I C A S NACIONAES E E S T R A N G E I R A S ,
T E N E N T E CORONEL H O N O R Á R I O R E I.» L I N H A DO E X E R C I T O ,
K CORONEL DA GUARDA NACIONAL.

trono v i .

TYPOGRAPHIA DE CARLOS POGGETTÍ,


Rua do «Iiiliâo n«
AD7ERTEHCIA. 1

O presente volume continuaria ainda por bastante tempo


a jazer manuscripto, se não fosse o grave impulso que para a
sua impressão recebeu do erudito senhor conego vigário da
freguezia de S. Pedro velho, José Joaquim da Fonseca Lima,
fazendo que a assembléa legislativa provincial, de que era pre-
sidente, concorresse para a sua publicação com certo quantita-
tivo. Pouco deliberado, como ora me acho, a continuar em se-
melhantes trabalhos, não quiz porém faltar a um acto de rigo-
rosa obrigação em que me collocou aquella assembléa, e eis o
volume que infelizmente pouco comprehenderà de util e agra-
dável , em conseqüência de limitar-se quasi todo a tratar de
actos tumultuosos, que revoltão ainda hoje os bem intencio-
nados , e cuja reproducção affaste Deos de nosso continente.
Eis pois o motivo porque para» de alguma sorte deixar de im-
portunar o leitor com tantas narrativas de scenas, que por certo
o fadigarão, addicionei-lhe no fim algumas noticias diversas,
que espero merecerão o publico acolhimento pela sua impor-
ia tancia.

v
Depois dos acontecimentos políticos que ficarão referidos
no 3.° volume das presentes Memórias, a tranquillidade da
provincia continuou a soffrer differentes embates, como era
de esperar em um tempo em que os elementos disseminados
da discórdia, e o exaltamento de idéas constituião o caracte-
rístico de muitos que então dirigião a opinião publica, mas
que hoje, por um contraste singularissimo, pretendem incul-
car-se coripheos da estabilidade do governo e da ordem. A
execução da acta de 17 de dezembro de 1823, que deixei
transcrita naqueíle volume, era altamente reclamada pelos
exaltados, e com quanto o governo provisório quizesse por al-
guma fôrma contemporisar em seu cumprimento, especial-
mente na parte que era mais exigida, a deportação de muitos
Portuguezes alli individualisados, esta deportação ainda veio
a tornar-se maior, por isso que uma grande parte dos mesmos
Portuguezes empregados no commercio, pressurosamente tra-
tarão de retirar-se da provincia, conduzindo comsigo seus
bens e fortuna, susceptíveis dessa condução, de sorte que nos
TOMO V I - |
2 MEMÓRIAS HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

primeiros mezes de 1824 o estado commercial desta capital


offerecia o aspecto mais triste e miserável que se pode ima-
ginar.
A dissolução da assembléa constituinte e legislativa era
apresentada incessantemente ás massas da multidão como
para despertar-lhe resentimentos odiosos, fazendo-se-lheacre-
ditar que existia da parte do imperador tendência a anniqui- ,
lar o systema constitucional adoptado, reunindo outra vez i r
Brasil ao governo de Portugal: sustentava-se este paradoxo,
inventando-se innumeros embustes, acobertados com a missão
do conde do Rio-maior, e uma proclamação da junta provisó-
ria, recommendando a moderação e a confiança no governo,
teve o effeito que é ordinário em semelhantes peças, durante
as grandes commoções políticas; isto é, foi recebida como ob-
jecto de trivial formulário, chegando até a ser censurada por
certas expressões vagas que continha, em uma folha perió-
dica bem escrita que então se publicava nesta capital (1).

(I) Echo da Pátria n. 59. Esta proclamação era assim concebíü^—


« Habitantes daBahia! Passou o assombro do raiu, que vos f e r i o ; convém
agora examinar seus estragos, ou conseqüências. A dissolução da assem-
bléa geral constituinte e legislativa parecia á primeira vista arrastrar
após si a perda da justa liberdade, que tanto desejamos; mas n ã o acon-
teceu assim. O decreto de 12 de novembro próximo passado, pelo qual
, S. M . I . dissolveu a representação nacional, é o mesmo que convoca uma
nova assembléa: m u d á r ã o - s e os obreiros; porém o plano do edifício co-
meçado continua. O governo imperial ainda se conduz pelos princípios
constitucionaes, que todos havemos j u r a d o . Em verdade não era possí-
vel, que cm despreso da santidade de juramentos tantas vezes prestados
á face de Deos todo poderoso, se lançasse sobre o nosso terreno a semen-
te do despotismo, que n ã o pôde vegetar ein nossos climas. P r u d ê n c i a , e
constância, Bahianos! » Esperemos pelo projeclo de constituição d u p l i -
cadamente mais liberal, que o da extineta assembléa, como nos promette
S. M . o imperador.
« O governo provisório, desejando p ô r termo á desordem publica, aca-
ba de convocar, a requerimento do povo, c pelo órgão da câmara desta
cidade, um conselho composto de todas as autoridades constituídas, e
cidadãos illustrados, e zelosos, para que de commum accordo tomasse
as medidas e x t r a o r d i n á r i a s , que se julgassem necessárias na crise actual,
as quaes o mesmo governo não podia por si só tornar, sem ultrapassar
os limites de sua jurisdicção. Estas medidas estão tomadas. Elias vão ser
publicadas eom a impressão da acta de 17 deste mez, que ha sido ap-
provada.
DA PROVÍNCIA DA BAHIA. 3

Havia a assembléa constituinte regulado os governos das


províncias, que depois da revolução de 1821 cstavão depen-
dentes de juntas provisórias, escolhidas commummente no
meio dos partidos, e a 25 de novembro foi nomeado para o
importante lugar de presidente desta provincia Francisco Vi-
cente Vianna, natural da mesma provincia, onde encetara sua
carreira política na magistratura, que renunciou depois, para
dedicar-se aos cuidados da opulenta casa que possuía: esta
nomeação, feita por virtude da lei de 20 de outubro daquelle
anno, quando lambem teve lugar a primeira escolha dos mais
presidentes de outras províncias do império, foi geralmente
apreciada, a ponto que os mesmos discolos da ordem publica
esquecerão-se por algum tempo de haver elle exercido a pre-
sidência da administração provincial durante uma parte da
occupação da cidade pelo general Madeira (2).
O dia 19 de janeiro de 1824 foi o de sua posse, e praticou-
se esse acto com toda a solemnidade, qual outr'ora se usava
em iguaes posses dos capitães generaes: às 9 horas da manhã
desfilarão para a praça de palácio quatro batalhões de caça-
dores de l . linha em grande uniforme, formando alas da-
a

quella praça até a do Terreiro; achavão-se decoradas de col-


chas de sêda de diversas côres as janellas das casas desta ul-
tima praça, e de todas as ruas por onde tinha de passar o pres-
tito, e ás 10 horas saio de palácio o novo presidente, com a
junta provisória debaixo de um palito, sustentado pelas pes-

« Tranquillisai-vos por tanto, Bahinnos. Confiai na magnanimidade de


S. M. nosso augusto imperador, e defensor perpetuo, e nas autoridades,
que se achão encarregadas de vigiar sobre o nosso bem eslar. Haja
união, e tranquillidade! Seja a nossa divisa independência constitucio-
nal, ou morte.—Viva a religião catbolica, apostólica Romana.—Viva o
imperador constitucional, e sua augusta dynastia.—Viva a independên-
cia, e império do Brasil. Palácio do governo da Bahia 20 de dezembro
de 1825.—Francisco Elesbào Pires de Carvalho e AIbttquerque^rcsi-
dente.—Joaquim José Pinheiro de Vasconcellps secretario.—Joaquim
Ignacio de Siqueira Bulcão.—José Joaquim Muniz Barreto de Ara-
gão.—Antônio Augusto da Silva.—H/nnocl Gonçalves Êáia Bitteit-
court.—Felisberto Gomes Caldeira.
(2). 2T° vol. pag. 40.
4 MEMÓRIAS HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

soas mais gradas da cidade, precedendo-lhe em alas os ofíi-


ciaes militares, que não entrarão na parada, muitos emprega-
dos públicos, e o corpo da relação, seguindo a traz do palio a
câmara municipal com o seu estandarte: parecia que o espi-
rito publico se axtasiava de prazer com semelhante dia, que
lhe associava a lembrança de outros passados em éras atraza-
das, quando a tranquillidade da provincia, a prosperidade do
commercio, e as mais fontes da riqueza publica offerecião se-
não inteira felicidade aos povos, ao menos a apparente: innu-
meras flores lançadas das janellas sobre aquelle palio auten-
ticavão o publico prazer da capital com o novo delegado da
suprema autoridade, em quem todos os espiritos fatigados de
tantas dissensões depositavão suas esperanças; e com effeito
esse presidente entregou-se votariamente a preencher a con-
fiança do monarca que o escolhera, e á felicidade de seus con-
terrâneos, único desejo que o impellio a sobrecarregar-se, a
despeito de sua avançada idade, de semelhante encargo, e em
uma época tão espinhosa á marcha governativa.
Forão seus primeiros cuidados destruir o progresso do scis-
ma introduzido pelos principaes facciosos, acerca da tendên-
cia que dizião inherente do governo imperial para a extincção
do systema adoptado pelo Brasil, e felizmente cooperou bas-
tante para o fazer acreditar o ordenar logo se procedesse ás
novas eleições primarias, designando para isso o dia 22 de fe-
vereiro, e a maneira franca por que se exprimio o ministro de
estado da repartição dos negócios do império, respondendo
em 5 de janeiro aos officios que havia recebido com datas de
15 e 20 de dezembro do anno antecedente.
Quanto á magoa da provincia pela dissolução da assembléa,
dizia o ministro em nome do imperador, que não fòra menor
a de seu paternal coração, quando se vio na dura e indispen-
savefcnecessidade de dar ao leal e generoso povo Brasileiro esse
motivo de descontentamento, bem fácil de prever, mas que
sendo a salvação do estado a lei suprema, a primeira lei a
que todas as outras considerações de qualquer natureza e im-
portância que sejão devião ser subordinadas, S. M. I . como
DA PROVÍNCIA DA B A H I A . 5
chefe da nação, e muito principalmente como defensor per-
petuo do Brasil, trairia sua consciência, e o mais sagrado de
seus altos deveres, se no fatal momento em que vio este nas-
cente, ebem augurado império, á borda do abismo da guerra
civil, e da anarquia de que nenhum cidadão imparcial e pru-
dente podia ja duvidar, cruzasse os braços como tranquillo
expectador, e não descarregasse com mão firme e resoluta o
poderoso golpe, e único que podia salval-o como com effeito
salvou.
Quanto á restituição dos deputados presos e deportados às
suas casas, que S. M. I . sentia vivamente não poder deferir
ás supplicas do conselho, porque sendo esses individuos pu-
blica e geralmente reconhecidos por autores dessa horrenda
revolução, que esteve tão eminente afogueando o espirito dos
povos incautos c inexpertos com oceultas manobras, com dis-
cursos e escritos incendiarios e anárquicos, empregando a
mais descarada impostura com o manto de liberalismo, ora
fingindo factos que nunca existirão, ora desfigurando ou in-
terpretando sinistramente os mais puros e innocentes; che-
gando a temeridade e atrocidade até o ponto de attentarem
contra a sua sagrada pessoa, e de pretenderem derramar o
sangue Brasileiro no seio mesmo da augusta assembléa á que
pertencião, introduzindo nella gente armada, por onde devia
principiar o horrendo sacrifício devictimas humanas, para sa-
tisfação de vinganças e interesses pessoaes, se não fosse tão
promptamente dissolvida: que individuos taes, era da mais
evidente e imperiosa necessidade, afastar sem demora não só
do recinto da capital do império, senão também do mesmo
império, até que se restabelecesse efirmassesolidamente a se-
gurança e tranquillidade publica, se apurasse a verdade, e se
cortassem pela raiz causas que podião renovar scenas tão hor-
rorosas, e até mesmo para salval-os da indignação publica con-
tra elles manifestada na corte e províncias circumvisinhas em
representações dirigidas á imperial presença. Ao que aceres-
cia que mandando S. M. I . , eoherente com os princípios consti-
tucionaes, que esses individuos fossem processados na forma
6 MEMÓRIAS HISTÓRICAS , E POLÍTICAS

das leis, no que se trabalhava com toda a madureza e cir-


cumspecção, pertencião elles então ao poder judiciário, e que,
finalmente, sendo publico o modo suave pelo qual tinhão el-
les sido tratados, lisongeava-se o imperador de ter levantado
com tal procedimento um novo padrão á sua justiça, clemên-
cia e humanidade.
Que pelo que dizia respeito ao projecto de constituição pro-
mettido, sentia S. M. o imperador ineffavel prazer em com-
municar ao governo provisório, que tendo nelle trabalhado
de coração e vontade com o seu conselho de estado, fôra fá-
cil concluil-o e publical-o em poucos dias, como entendeu
cumprir á critica situação do império, para tranquillisar os
tímidos, desenganar os duvidosos, envergonhar os imposto-
res que tinhão ousado assoalhar argumentos contra o libera-
lismo de suas idéas c princípios políticos, e também porque
entendera S. M. I . que um dos maiores bens que podião vir
s

ao império na situação em que se achava, era o ter quanto


antes o seu código político por onde se governasse, verdadei-
ra arca de alliança, com a qual se devia abraçar para salvar-
se do naufrágio em que se tem perdido todas as nações que
modernamente havião tratado de constituir-se: que o dito
projecto tinha sido communicado à todas as províncias* cir-
cumvisinhas, e não podia tardar a chegar às mãos do governo
provincial e das câmaras respectivas, sobre o qual esperava
S. M. que cilas darião sua opinião com a franqueza e liber-
dade características de um povo digno de ser livre.
Pelo que locava às medidas de que fazia menção o governo
da provincia em seu dito segundo ofíicio, mandava S. M. res-
ponder quanto à primeira e segunda que tendo sido magoado
profundamente seu coração quando se vio na dura necessi-
dade de exterminar uma dúzia de individuos, apezar do hor-
ror e gravidade de seus crimes, que a nada menos tendião do
que à subversão total do império, podia-se facilmente inferir
a que ponto seria pungido, vendo que necessariamente devia
ser numerosa a lista dos expatriados desta provincia, cuja fal-
ta com a gente que havia sabido, e ainda sabida, não podia dei-
DA PROVÍNCIA DA RAMA. 7
xar de fazer nella utn vazio immenso de terríveis conseqüên-
cias, que apparecerião com horror, quando cessasse o estado
de inquietação publica: mas que pedindo assim a salvação da
provincia, como dizia o conselho, só restava a quem tinha a
árdua tarefa de governar homens, derramar lagrimas sobre a
sorte dessas victimas, e procurar preservar o resto de novos
horrores de revoluções, e todavia sentia S. M. I . grande con-
solação, lembrando-se que o conselho na execução dessa me-
dida se conduziria sem duvida com toda a justiça e modera-
ção, de que erão testemunhas infalliveis e certos penhores
com que elle se tinha conduzido em crise tão importante e
arriscada.—
Terminava essa longa portaria mandando observar o de-
creto de 23 de novembro do anno antecedente sobre a liber-
dade da imprensa, certificando ao governo que S. M. I. estava
bem persuadido que o conselho em todas estas medidas não
attentàra senão na salvação da proVIhcia, que se achava quasi
no estado de anarquia; que vira com particular satisfação a
proclamação que se dirigio ao povo bahiano, e da qual se lhe
remettôra copia, por achar nella como copiadas suas pater-
naes intenções, e justamente afíiançado a$ mesmo povo o seu
liberalismo, assegurando que passava a tomar as mais pode-
rosas e efficazes medidas para manter e firmar a segurança e
tranquillidade publica desta provincia, e que se achavão no-
meados os presidentes e secretários das províncias, na forma
decretada pela assembléa, e expedidas as ordens para que
quanto antes se recolhessem para tomar posse de seu? respe-
ctivos empregos.
Ja porém a este tempo circulava impresso o projecto de
constituição política, alguns exemplares do qual forão remet-
tidos á câmara municipal desta cidade pela secretaria d i s t a -
do dos negócios do império em portaria de 17 de dezembro
de 1823, e o senado da câmara do Rio de Janeiro, officiando
àquella câmara em 2 0 do mesmo mez, participou-lhe ao mes-
mo tempo a resolução que havia tomado de pedir a S. M. j u -
rasse, e fizesse j u r a r a observância desse projecto, ao que an-
8 MEMÓRIAS HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

nuira, conforme também o mesmo senado lhe communicàra


em outro officio de 9 de janeiro de 1824. Parece inquestio-
nável que se empregarão suggestoes para que com effeito o
referido projecto fosse pelas câmaras municipaes approvado
tal e qual se achava redigido pelo. conselho de estado, e ou
fosse por effeito dellas, ou pelo receio de que qualquer demora
em sua adopção fizesse periclitar a causa constitucional; é
certo que a referida câmara municipal convidando por u m
edital à casa de suas sessões as pessoas amigas do bem publi-
co para em o dia 10 de fevereiro tratar-se desse objecto, de-
clarava ja naquelle edital nada encontrar no mencionado pro-
jecto que não fosse tendente a felicitar o império. No dia apra-
sado u m numeroso concurso congregou-se com rapidez nas
casas da corporação municipal, e a despeito de alguns discur-
sos oppostos venceu-se que se pedisse ao governo imperial
fosse tal projecto jurado como constituição, exarando-se de
tudo a seguinte acta, qu? importa ser aqui consignada, se-
gundo o propósito adoptado nas presentes Memórias, e mes-
mo pela relevância de sua matéria.
«Aos dez dias do mez de fevereiro de 1824annos nesta c i -
dade da Bahia e casífs do conselho em meza de vereação, onde
forão vindos o doutor juiz de fóra do crime e interino presi-
dente da câmara Luiz Paulo de Araújo Bastos, vereadores e
procurador, e onde comparecerão o excellentissimo presidente
desta provincia, o doutor Francisco Vicente Vianna, e bem
assim todas as autoridades ecclesiasticas, civis, e militares, e
mais cidadãos abaixo assignados, precedendo a esta reunião o
edital da câmara de 4 do corrente, pelo qual convidava todas
as pessoas amantes da causa publica para ofimde se conhe-
cer a opinião geral daquella parte dos habitantes desta pro-
vincia, por quem a câmara representa, sobre o projecto de
constituição, apresentado por S. M. o imperador, e coordenado
pelo concelho de estado em data de 11 de dezembro de 1823;
ahi formando todas as referidas pessoas um concelho com esta
câmara, cujo presidente fez uma falia análoga ao objecto, foi
unanimemente decidido, que o resultado deste concelho era
DA PROVÍNCIA DA BAHIA. 9

sem duvida o que se devia ter por opinião geral pela maneira
a m p l a , c o m q u e foi c o n v o c a d o , e p o r s e t e r e m r e u n i d o t a n t o s
cidadãos, e passando-se a tratar d o referido projecto* d e consti-
tuição u n a n i m e m e n t e s e c o n c o r d o u , e a s s e n t o u pelo c o n c e l h o ,
q u e logo e logo s e p e d i s s e m u i r e s p e i t o s a m e n t e a S. M. L ,
q u e s e digne de f a z e r p u b l i c a r , j u r a r , e m a n d a r j u r a r , e obser-
v a r c o m o constituição do império, o m e s m o p r o j e c t o , p o i s
são b e m o b v i a s as v a n t a g e n s , q u e resultão á esta p r o v i n c i a , e
á todo o império, d e t e r m o s d e s d e j a u m a constiuição, c o m o
b e m ponderou a câmara desta cidade no seu edital de 4 do
corrente, e igualmente o s e u presidente n a falia acabada de
fazer, c o m a s q u a e s razões s e c o n f o r m a todo e s t e c o n c e l h o ;
m a s c o m o S. M. I . c o m a m a i o r f r a n q u e z a t r a n s m i t t i o á esta
c â m a r a o d i t o p r o j e c t o , p a r a sobre e l l e fazer s u a s reflexões, e
c o m o a m e s m a câmara, p a r a c u m p r i r este d e v e r tão i m p o r -
tante, c o m o m e l i n d r o s o , q u i z e s s e c o n h e c e r a opinião p u b l i c a
dos h a b i t a n t e s d o s e u t e r m o , p a r a d e a c c o r d o c o m e l l a p o d e r
c o m segurança m a r c h a r e m negocio d e t a n t a g r a v i d a d e e i n -
teresse, por isso d e c l a r o u c exigio o p r e s i d e n t e d a c â m a r a q u e ,
com a mais plena liberdade, e c o m verdadeiro patriotismo o
c o n c e l h o d i s s e s s e s e u s s e n t i m e n t o s s o b r e todo o projecto, e
então o m e s m o c o n c e l h o oftereceu sobre e l l e d u a s reflexões,
d e c l a r a n d o p o r é m q u e e l l a s n ã o devião p o r m a n e i r a a l g u m a
e m p e c e r , o u embaraçar o j u r a m e n t o , e observância do pro-
j e c t o c o m o constituição, m a s s i m q u e m u i t o r e s p e i t o s a m e n t e
s e l e v a s s e m á presença e consideração d e S. M. I . p a r a o mes-
m o augusto s e n h o r d a r - l h e s a attenção, q u e j u l g a r conve-
n i e n t e e compatível c o m o b e m do império, pelo q u a l S. M. I .
s e t e m m o s t r a d o tão zeloso e i n t e r e s s a d o .
« A p r i m e i r a reflexão é sobre o c a p i t u l o 7.° tit. 5.° a r t . 137,
q u e dá aos c o n s e l h e i r o s de estado a q u a l i d a d e d e vitalícios,
q u a l i d a d e s e m d u v i d a c o n t r a r i a á n a t u r e z a dos seus cargos, a
confiança e d i g n i d a d e d e S. M. I . , e m e s m o ao b e m g e r a l ,
p o r q u e este m u i t a s vezes exigirá, q u e s e m u d e m os m e s m o s
c o n s e l h e i r o s , e não é decoroso q u e u m a constituição n e g u e ao
c h e f e s u p r e m o d a nação u m a p r e r o g a l i v a , q u e p e l a n a t u r e z a
TOMO vi. 2
•10 MEMÓRIAS HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

cabe e compete a todo o homem do amplo direito de escolher,


e mudar de conselheiros, sendo por isso conveniente, que os
conselheiros de estado sejão eleitos, c demittidos ad nutum
pelo chefe da nação, como seu moderador, com poder de am-
pliar o seu numero tanto, quanto o exija o bem do estado.
« A segunda é sobre o cap. 8 do mesmo citado tit. 5, o que
não dà á força militar da 2. linha aquella garantia, que pede
a

o bem p u b l i c o , e que è mesmo conforme á esta classe subsi-


diaria da força; por quanto o mesmo capitulo deixa e m geral
á disposição do poder respectivo o emprego da mesma força
armada, sem diíferença, como parece ser preciso, pelo que
toca à 2. linha, que composta de proprietários, agricultores,
a

commerciantes, e artistas, todos c o m estabelecimentos em


sua provincia, parece não ter aquelle grão necessário de se-
gurança, e de certeza de seus estabelecimentos, quando pen-
sa, que é amovivel, sem saber os casos c circumstancias, em
que isso possa ter lugar, sondo por conseguinte mais seguro,
que haja a este respeito uma declaração, isto é, que os corpos
da 2. linha não sejão obrigados a sahir fóra do seu districto,
a

senão quando perigar a independência e integridade do i m -


pério, devendo porém haver a este respeito u m a expressa de-
claração para sciencia e descanço dos interessados.
« Accordou-se, e deliberou mais o concelho o s e g u i n t e — l .
e

que se rogasse a S. M. o imperador, que faça convocar, quan-


to antes, e em qualquer tempo, o corpo legislativo na fôrma
determinada no projecto, que fica como constituição, dignan-
do-se de desistir do propósito de reunir uma nova assembléa
constituinte para o império.
«2.° Que se agradeça muito respeitosamente a S. M. I. a
consideração, em que se dignou tomar a acta do concelho, re-
unido nesta cidade aos 17 de dezembro do anno passado, fa-
zendo completa justiça ao nosso patriotismo e adhesão que
temos á sua imperial e sagrada pessoa, cujos interesses achão-
se de tal maneira ligados à prosperidade do império do Brasil,
que esta e aquelles formão u m idêntico objecto: p o r quanto
nada ha tão jus"to, n e m mais lisongeiro para os habitantes
DA PROVÍNCIA DA B A H I A . ti
desta cidade, do que darem por si, e em nome de Iodos os ba-
hianos um solemne testemunho de eterna gratidão ao grande
príncipe Brasileiro, que todo se tem votado e dedicado á feli-
cidade dos Brasileiros.
«3.° Que se rogue com as maiores instâncias a S. M. I . a v&
riíicação da sua promessa feita á esta provincia de vir vdl-a, e
visital-a, como mandou communicar pelos emissários desta
câmara, pois estando os bahianos tão satisfeitos com os bene-
fícios de S. M. I . , sentem todavia a mais viva pena de não ve-
rem o seu augusto imperador entre si, para conhecel-os de
perto, para fazer-lhes justiça, para remediar-lhes seus males,
e emíim prestar-lhes tudo quanto pôde um príncipe benéfico
e justo.
«4.° Que visto pedir-se a S. M. I . , que o projecto seja appro-
vado, publicado e jurado desde ja como constituição do im-
pério, não convém que progrida a eleição de deputados para o
nova assembléa constituinte, não só porque esta eleição não
pôde ter lugar, e é infructifera, uma vez jurado o projecto,
senão porque com a repetição de eleições sentem os povos gra-
víssimos incommodos pelas grandes distancias da provincia:
e sendo por isso de absoluta necessidade não perder-se tempo
em negocio tão importante, que o excellentissimo presidente
da provincia faça expedir com a maior brevidade as necessá-
rias ordens á todas as câmaras para que fação sobr'estar nas
ditas eleições, até que S. M. I . , a quem compete a approvação
desta medida, haja de resolver o que lhe parecer mais justo.
« 5.° Que não só pela precedente rasão, mas também por-
que releva a obediência de subdilos leaes submetter á consi-
deração e approvação do seu augusto imperador tudo quanto
entendem ser vantajoso á causa do império constitucional,
que a câmara desta cidade faça subir, quanto antes, á augus-
ta presença de S. M. I . a presente acta, para que se digne
de approval-a, no caso que assim o julgue conveniente.
« 6.° Que sendo mútuos e idênticos os interesses de todos
os habitantes da provincia se transmitta á todas as câmaras
delia a presente acta para seu conhecimento, e para intelli-
12 MEMÓRIAS HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

gencia da maneira de pensar e sentir de seus concidadãos so-


bre o mais importante objecto, como é o de uma constituição
ou lei fundamental, da qual tem de pender nossa presente e
futura felicidade, a fim de que espalhando-se os sentimentos
de uma parte dos habitantes da provincia nós formemos, pa-
ra assim dizer, uma opinião geral de ãccordo e mutua intel-
ligencia, ficando certos e seguros uns a respeito dos outros,
e quanto antes possão chegar á presença de S. M. L os votos
de toda a provincia, evitando-se assim a mais pequena delon-
ga em negocio de tanta urgência. De que para constar se
mandou escrever e lavrar a presente acta, que foi lida e ap-
provada unanimemente pelos do concelho por a acharem con-
forme. E eu Joaquim Antônio de Ataíde Seixas, escrivão do
senado da câmara, o escrevi.»—(Seguião-se as assignaturas).
Por espaço de oito dias esteve patente o livro de vereações
para assinar-se a acta que fica transcripta, cuja discussão foi
calorosa, distinguindo-se entre os oradores o doutor Miguel
Calmon du Pin e Almeida, declarando-se e votando contra o
conselho de estado, que dizia ser inútil nos governos repre-
sentativos, caté ocioso, se não perigoso, á existência de um cor-
po assás qualificado, quando para a confecção das leis existia o
senado e a câmara dos deputados, acerescentando que a vita-
lieiedãde dos respectivos conselheiros, parecia tirar ao impe-
rador a faculdade de mudar de conselhos quando julgasse con-
veniente, e apenas dava uma independência, ephemera e preju-
dicial em algumas hypotheses, a uma corporação escusada
no estado onde devião ser independentes, e muito indepen-
dentes, os quatro grandes poderes que o compõe (3).

(5) Rcmcttida pela câmara municipal, ao governo imperial acompa-


nhando o transumpto da acta que acima se transcreveu, respondeu o
ministro de estado competente desta maneira:
Foi presente a S. M. o imperador o oílicio da câmara da ci Jade da B a -
hia, acompanhando o termo de vereaçào extraordinária, celebrada na
mesma cidade no dia 10 de fevereiro próximo passado, a fim de se reco-
lherem os votos dos habitantes sobre o projecto de constituição offereci-
do pelo mesmo augusto senhor. Exultou S. M. I . de prazer, vendo a
unanimidade e cnthusiasmo com que essa parte tão interessante do i m -
DA P R O V Í N C I A D A R A M A . 13

Successivamente forão chegando as actas de outras câmaras


adherindo á tal projecto, notando-se entre todas a da villa de
S. Jorge dos Ilhéos, que logo jurou observal-o como lei, mas

pcrio, approvando o dito projecto, pede que elle seja quanto antes jura-
do. Não falharão as esperanças de S. M. I . , tendo previsto com a sua
natural sagacidade, que um povo, que acabava de dar ao mundo as mais
decisivas provas de valor e constância na defeza de sua independência
contra o inimigo, não podi^ deixar de possuir cm alto gráo um puro e
bem entendido amor de liberdade, e que no meio mesmo dessa fluetua-
ção e divergência de opiniões, que tem agitado a provincia, inevitáveis
nas grandes reformas políticas, e que parecião annunciar uma perigosa
dissidência entre os povos delia, tudo desapparcceria, logo que do alto
do trono soasse no meio delles a voz do imperador, do seu defensor per-
petuo, do primeiro e o maior dos Brasileiros, chamando-os á concórdia,
e oííerecendo-lhes em penhor um código liberal de leis fundamentaes,
que enchesse suas esperanças, ligando para bem commum o monarca e
os subditos. Annuindo pois S. M. I . aos desejos c instâncias do povo des-
sa provincia, e nos de outras muitas, que tem subido á sua augusta pre-
sença, e formão ja a maioridade da nação Brasileira, tem resolvido jurar
e mandar jurar o mesmo projecto como constituição do império; para o
que vão expedir-se immediatamcnte as ordens necessárias.
Não foi também pequeno o prazer de S. M. I . vendo a respeitosa l i -
berdade com que o povo, que compunha a sobredita vercação extraor-
dinária, sem se oppòr a que seja immediatamente jurado o projecto tal
qual se acha redigido, offercee todavia suas reflexões sobre o artigo 157
do titulo 5.°, capitulo 7.°, que faz vitalícios os conselheiros de estado;
e sobre o capitulo 8.° do mesmo titulo 5.°, onde queria que se declaras-
se positivamente, que as tropas da 2." linha não serião nunca tiradas
de seus respectivos districtos, senão no caso de perigar a independência
e integridade do império; liberdade que faz honra ao generoso povo,
que a tomou, como prova não equivoca de sua franquesa e lealdade, e
da justiça, que faz á immortal liberalidade e sinceridade de S. M . I . ,
quando offercceu o projecto de constituição á approvação de seus leacs
subditos,
E com quanto desejasse muito S. M. I . poder responder ja a esta re-
presentação, manda pela secretaria de estado dos negócios do império,
participar á sobredita câmara, que requerendo todas as outras que se
jure o projecto sem restricção, não é possível por ora fazer nelle mu-
dança alguma, não havendo inconveniente, em que se remettão essas
observações para quando se fizer a revisão marcada no mesmo projecto.
Com tudo querendo S. M . o imperador deixar em perfeita tranquilli-
dade a tropa da 2.° linha, não só dessa provincia, mas de todo o impé-
rio, sobre seu futuro destino, empenha sua palavra imperial, que no
entretanto nunca a mandará sair de suas respectivas províncias, salvo
no caso marcado de perigar a independência ou integridade do império,
como foi sempre sua imperial intenção, e é conforme á natureza das d i -
14 MEMÓRIAS HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

quando tudo parecia prometter alguma serenidade na ordem


publica, começou na capital da provincia de Pernambuco a
desenvolver-se o germen revolucionário, que desabrocbou
com a proclamação do systema democrático. Um brigue mer-
cante que para essa provincia estava a sahir carregado de fa-
rinha de mandioca, foi apresado neste porto em a noite de 30
de março de ordem do commandante do brigue de guerra Ba-
hia, e logo conduzido pela escuna de guerra Atlante para fora
da barra para onde no dia immediato seguio o brigue Bahia,
apoderando-sedelle com o desígnio de conduzir essa preza para
o Rio de Janeiro: semelhante facto em outro tempo produzi-
ria diminuta sensação, mas era assás melindrosa a quadra para
que se tachasse com indifferença, e amanheceu o dia l . de 9

abril em continua agitação. Os coriphêos da época reunirão-se


logo em grande numero na sala da câmara municipal, cujo
sino íizerão consecutivamente tocar, e de balde tentou o pre-
sidente obstar ao ajuntamento tumultuario officiando neste

tas tropas, e até se acha em parte acautelado na lei orgânica dos gover-
nos provinciaes.
E respondendo ao mais conteúdo no dito termo de vereaçào, manda
S. M. I . participar á mesma câmara, que ha por bem approvar, que se
não proceda á nomeação de deputados para assembléa constituinte, e
cessem desde ja as eleições para os eleitores, visto que jurado o proje-
cto, cessa também a necessidade de sua installação; e as novas eleições
devem ser ja feitas em conformidade da constituição, e segundo as ins-
trucções, que serão remettidas a todas as províncias immediatamente
depois de jurado o mesmo projecto, pelo grande interesse publico, que
ha, de se fazerem proraptamente as leis auxiliares, indispensáveis para o
andamento da constituição.
Manda emfim S. M . í. agradecer ao bom povo dessa provincia o vivo
desejo que manifesta de ver entre si o seu imperador, e perpetuo defen-
sor, e pai universal, e participar-lhe que bem lhe corresponde com a
sincera disposição, em que está de ir vêl-o, e ouvil-o, logo que o gover-
no do império se ponha em andamento regular, e o mesmo augusto se-
nhor possa levantar mão dos trabalhos, em que está empenhado: que
S.M. I . está bem convencido da necessidade, que tem os bons monar-
cas, de visitarem miudamente seus estados, para verem por seus pró-
prios olhos, e apalparem por suas próprias mãos as necessidades de cada
uma das províncias, e ouvirem da boca ingênua de seus subditos a ver-
dade, que mil accidentes afíastão dos pés do trono. Palácio do Rio de
Janeiro cm 11 de março de 1821.—João Severiano Maciel da Costa.
DA PROVÍNCIA DA BAHIA. 15

sentido ao commandante das armas, pelo que tocava aos mili-


tares, que erão os que pela maior parte constituião essa reunião;
mas foi somente o juiz do crime Luiz Paul© de Araújo Bastos,
que teve a coragem de recusar-se ao chamado do respectivo
procurador, declarando ofíicialmente que só compareceria
quando para isso legalmente fosse chamado, o que fez apenas
recebeu ordem do presidente da provincia, declarando-lhe que
immediatamente reunisse a câmara a íim de receber esta uma
representação que alguns cidadãos querião apresentar-lhe.
Reunirão-se logo os vereadores, e aberta a sessão, requere-
rão muitos dos que nesse dia íiguravão de procuradores do
povo, que para o bem da provincia, socego e tranquillidade
publica, delia se pedisse ao presidente a prompta, breve e
fiel execução da acta de 17 de dezembro de 1823, visto haver
sido approvada pelo imperador, a quem ficava a responsabili-
dade pela execução e males que se houvessem de seguir da
falta de tal execução: que em attenção ás extraordinárias cir-
cumstancias da provincia, em que se fazia necessário que ella
tivesse um corpo de confiança e eleição publica, se elegesse
ja e em tres dias um conselho interino de provincia, que com
o presidente respectivo regulasse os negócios delia até que
houvesse o conselho decretado em lei.
A soldadesca desenfreada augmentava a trepidação publica
com vários attentados que praticava, derramada em grupos,
e o presidente, proclamando em o dia 2, recommendando a
manutenção da ordem publica, determinou em deferimento á
sobredita representação, que em o dia 5 do mesmo mez de
abril se reunisse o collegio eleitoral para a nomeação do con-
selho do governo reclamado: esta determinação porém era
mais dictada pelo desejo de contemporisar que por vontade
conscienciosa, e assim o patenteou a maneira por que respon-
deu ao collegio, cujo officio fez parte da acta seguinte:
« Aos cinco dias do mez de abril de 1824 annos, terceiro
da independência e do império, nesta cidade de S. Salvador
Bahia de Todos os Santos, e paços do concelho delia, onde se
achavão reunidos os eleitores do districto desta dita cidade,
16 M E M Ó R I A S HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

para effeito de procederem á eleição de um conselho interi-


no de governo, na conformidade declarada na acta antece-
dente; ahi foi ponderado pelo collegio eleitoral á unanimida-
de de votos, que não se achando esta provincia representada
inteiramente por elle para proceder á m e s m a nomeação, se
r

fazia conveniente dirigir ao excellentissimo presidente desta


provincia, por ordem de quem fôra convocado o mesmo col-
legio, u m officio pedindo a explicação sobre certos quesitos
que se julgavão indispensáveis precedessem á mesma eleição,
o que assim se executou, sendo o conteúdo do referido officio
o seguinte:—« 111. e E x . S r . — O collegio eleitoral do ter-
mo mo

mo desta cidade, convocado pela câmara delia por ordem de


V. Ex., para ofimde proceder á eleição de u m conselho inte-
rino da maneira e forma, que a lei determina, vendo que a
provincia não se acha inteiramente representada por elle, en-
tra em duvida proseguir na mesma eleição, sem que sejão re-
solvidos por V. Ex. os quesitos seguintes: 1.° Se a eleição
deste conselho interino é precisa para segurança e t r a n q u i l l i -
dade da provincia? 2.° Se o requerimento do povo, enviado
pelo órgão da câmara a V. Ex., foi deferido com plena liber-
dade? 3.° Que, no caso do collegio eleitoral resolver a eleição
do conselho interino, conforme a affirmativa dos dous primei-
ros quesitos, se V. Ex. affiança, que immediatamente ha de fa-
zer convocar os eleitores das outras partes da provincia para
formar o conselho na forma da lei? Deos guarde a V. Ex. Ba-
hia em meza do collegio eleitoral 5 de abril de 1824.—Antô-
nio Augusto daSiiva, p r e s i d e n t e . — J o a q u i m Ignacio da Silva
Pereira, secretario.—José Porfirio Gomes de Souza, escruti-
n a d o r . — F r a n c i s c o Antônio de Souza Uzel escrutinador. »
}

A' este officio deu o excellentissimo presidente a resposta


seguinte:—« I l l . Srs.—Recebendo neste instante a parti-
mos

cipação do collegio eleitoral composto dos eleitores desta c i -


dade, cumpre-me satisfazer sem demora aos quesitos, que me
são dirigidos.
» Quanto ao primeiro, não me parece de absoluta necessi-
dade ao bem estar da provincia a eleição do conselho, porque
DA P R O V Í N C I A DA BAHIA. 17

não ha successo a l g u m extraordinário, q u e exija tão accelera-


da nomeação, a q u a l pôde ser arguida de n u l l a e i r r i t a , p o r
não serem convocados, n e m se acharem reunidos todos os c o l -
legios eleitoraes da provincia, a c u j o b e m estar pôde p r o v i -
denciar-se, convocando-se u m conselho p r o v i n c i a l , se circums-
tancias urgentes d e m a n d a r e m essa convocação. Não fiz logo
convocar o conselho e m respeito à resolução da acta de 10 de
fevereiro, q u e levei á presença de S. M. I., ficando por tanto
aífecto este negocio á deliberação do mesmo augusto senhor.
« Q u a n t o ao segundo, é do m e u dever responder, q u e a
m i n h a resolução foi providencia de m o m e n t o , para socegar
alguns espiritos e m effervescencia, e para dar u m incontras-
tavel testemunho, q u e t u d o sacrificaria para assegurar a t r a n -
q u i l l i d a d e p u b l i c a , e promover a felicidade dos meus compa-
triotas.
« Quanto ao terceiro, me parece responder satisfactoria-
mente, enviando ao mesmo collegio eleitoral a copia do de-
creto de S. M. I., q u e declarando estar p r o m p t o a j u r a r , e fa-
zer j u r a r a constituição do império em 2 5 de março, me faz
acreditar, q u e e m breves dias será t a m b é m j u r a d a a sobredi-
ta, constituição nesta cidade, e logo depois se procederá á elei-
ção dos novos eleitores, e m conformidade da mesma lei f u n -
d a m e n t a l do império, sendo por tanto legal, e effectiva a elei-
ção dos conselheiros deste governo, e não i n t e r i n a , de m u i t o
pouca duração, e p o r conseqüência de n e n h u m a utilidade á
provincia.
« Porém, se não obstante as razões ponderadas, o collegio
eleitoral assentar, q u e convém convocar os o u t r o s collegios
eleitoraes, para que se possa c o m legalidade eleger os conse-
lheiros do governo, afianço ao collegio eleitoral, q u e instan-
taneamente farei expedir as ordens para reunião de todos os
collegios eleitoraes e m seus respectivos districtos, marcando-
lhes prazo para enviarem á câmara desta capital as listas dos
conselheiros votados. Deos guarde a Vv. Ss. Palácio do gover-
no da Bahia 5 de a b r i l de 1 8 2 4 . — F r a n c i s c o Vicente Vianna,
p r e s i d e n t e . — 1 1 1 . Srs. presidente e mais membros do colle-
mos

TOMO v i . 3
18 MEMÓRIAS H I S T Ó R I C A S , E POLÍTICAS

gio cleitoralreu nido nesta cidade. » Accordou o mesmo collegio,


que « visto que 8 resposta do excellentissimo presidente não
era concebida em termos decisivos, e cathegoricos, mostrando
não querer o mesmo presidente tomar sobre si a responsabili-
dade deste objecto de tanta importância, igualmente este col-
legio não devia encarregar-se de responder por uma eleição,
que se considerava nulla e irrita; accordando mais não ser da
competência deste collegio o pedir a S. Ex. a convocação de
a

todos os eleitores existentes da provincia, para elegerem o


conselho do governo na conformidade da lei de 20 de outubro
do anno passado, por isso que é da competência de S. Ex."
fazel-o, ou deixal-o de fazer, ou do povo requerel-a, se lhe pa-
recer, que elle se afasta da lei. Do que para constar lavrou-se
este termo assinado pelo presidente, secretario, e escrutina-
dores, e os eleitores, e eu Joaquim Ignacio da Silva Pereira,
secretario o escrevi. » (Seguião-se as assignaturas.)
No dia seguinte porém dirigio o presidente circulares aos
ouvidores das comarcas, para reunirem os collegios eleitoraes
respectivos dentro de um mez daquelle dia para a nomeação
dos seis conselheiros, mas o juramento da constituição aguar-
dado para o dia 3 de maio veio também nullificar semelhante
ordem, e esse acto teve lugar nesta cidade com o apparato e
luzimento compativel com o tempo. Por edital a 24 de abril
convidou a câmara municipal aos habitantes da mesma cida-
de para assistirem no indicado dia a tal acto, na igreja cate-
dral, depois do qual se conservaria por oito dias em sessão
permanente, desde as 10 horas da manhã até as 2 da tarde,
para deferir o juramento aos que para isso se apresentassem,
permittindo-lhes todas as demonstrações do publico regosijo
em semelhantes dias, e a aurora de 3 de maio foi festejada
com salvas de cento e um tiros dos navios de guerra e fortale-
zas, reunindo-se ás 7 horas da manhã na praça da Piedade to-
da a força da l . e 2. linha sob o commando do governador
a a

das armas, seguindo d'alli para a praça de Palácio, d'onde


formou alas até o largo do Terreiro, e ás 10 horas sábio o pre-
sidente de palácio, acompanhado pela câmara e muitas outras
1>A PROVÍNCIA DA B A H I A . 19

pessoas gradas, em direitura à catedral levando o secretario


do governo a constituição, que alli por este foi lida apenas se
concluio a missa solemnc, celebrada pelo vigário capitular que
deferio ao presidente o juramento, seguindo-sc-lhe o cabido,
a câmara, o governador das armas e outras autoridades, ter-
minado o qual entooú-se o hymno Te Deum laudamus em
bellissima musica, composta pelo professor Damião Barbosa
de Araújo.
Parecia ao menos apparentemente divisar-se o prazer por
semelhante acto, que terminou perto das 4 horas da tarde,
retirando-se a força militar á quartéis, e oíTerecendo-se ao pu-
blico em a noite desse dia e nas dos dois seguintes uma bri-
lhante illuminação em frente da casa da câmara, que a man-
dou preparar, divisando-se alli dentro de um rico camarim a
effigie augusta do monarca, cujo apparecimento foi saudado
com as mais prasenteiras demonstrações de entusiasmo.
O presidente da provincia que em ofíicios circulares de 28
do mez antecedente se havia dirigido à câmara municipal, e
aos chefes das differentes repartições publicas para assistirem
a semelhante acto, em conformidade do decreto de 11 de mar-
ço do mesmo anno, fez espalhar a proclamação que se trans-
creve pela belleza de sua dicção e princípios de illustração
que apresenta.
« Habitantes da provincia da Bahia! Este é o dia solemnc
e venturoso de sellar com religioso e irrevogável juramento o
pacto da nossa liberdade civil e independência política, a pro-
messa de manter pura e intacta a religião de nossos pais, e de
sustentar íirme e inabalável o trono constitucional do nosso
augusto imperador o senhor D. Pedro 1.° e sua imperial dy-
nastia. A grande carta constitucional, que juramos, carta, que
outorga ao Brasil a dignidade de uma nação livre, foi concer-
tada no sanctuario da mais illuminada politica: nossos mes-
mos compatriotas mais distinctos pelas suas luzes, e amor da
prosperidade nacional tem levantado este indestructivel monu-
mento de liberalidade, e de gloria: os principios nelle desen-
volvidos são emanações de uma razão profunda, estão escri-
20 MEMÓRIAS HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

tos cotn indeléveis caracteres em vossos mesmos corações.


« Neste código constitucional da nação Brasileira estão bem
demarcados os limites dos poderes, que devem reger as pro-
víncias do grande império. Ao imperante cumpre ser o p r i -
meiro representante da nação, sanecionar as leis discutidas
nas duas câmaras, fazer executar todas as disposições legisla-
tivas, moderar, e manter o equilíbrio moral de todos os po-
deres. É bem expressamente designada a maneira de ser elei-
ta, e convocada a representação nacional: estão bem declara-
dos os direitos individuaes dos cidadãos Brasileiros. Nosso
mesmo imperador guiado pela sã razão, e animado do amor
do bem geral, tem marcado os alicerces de tão nobre e mages-
toso edifício, tem indicado aos sábios ministros do seu conse-
lho as sólidas bases, sobre que devião constituir o novo código
da legislação Brasileira, a lei fundamental do império do tró-
pico meridional, o nobre titulo da liberdade política dos habi-
tantes do afortunado território, que banha o Amazonas, e
Prata.
<( Nesta fôrma de governo monárquico representativo todos
os raios de luzes espalhados se concentrão e m u m só foco: c i -
dadãos enriquecidos de idéas, amadurecidos com a experiên-
cia dos homens e dos negócios humanos, se reúnem para deli-
berar e resolver o que seja mais conveniente á nação represen-
tada : pessoas de todos os estados concorrem para a formação
das leis. O povo propõe suas necessidades, e interesses pelo
órgão fiel de seus procuradores s sustenta seus inalienáveis e
imprescreptiveis direitos pela virtude de seus representantes.
Estes protçgem seus constituintes contra as violências das au-
toridades constituídas, defendem, que não sejão esbulhados
de suas fortunas por imposições expressivas, e ruinosas. Estas
as grandes vantagens da câmara electiva.
« Mas sendo variável esse poder legislativo, composto de ele-
mentos sempre mudaveis, e sendo perigosa a mobilidade das
leis, para haver mais estabilidade nas instituições, mais ma-
dureza nas deliberações, mais acerto na decisão dos objectos
presentados á discussão, se faz necessário u m corpo interme-
4•
B A PROVÍNCIA DA B A H I A . 21

dio, e estável, que sustentando a realeza, juntamente preserve


a nação dos movimentos precipitados de uma só câmara de
deputados. Na composição deste conselho de anciões, conse-
lho formado de membros permanentes, vitalícios, e respeitá-
veis pela idade, mostra o nosso augusto imperador os desejos
mais ardentes de fixar sobre a terra da Santa Cruz a paz, a l i -
berdade, e geral felicidade. Elle mesmo se limita a escolher
os senadores em o numero triplicado de propostos pelos colle-
gios eleitoraes. Assim procura conhecer os cidadãos mais dis-
tinetos do vastíssimo império, recompensar as lettras, servi-
ços úteis, e importantes dos beneméritos da pátria.
« Estabelecido o governo monárquico constitucional e repre-
sentativo, governo elogiado pelos mais famosos gênios da an-
tiga Roma, governo, em o qual tem adquirido o imperador da
nobre Albião incalculável prosperidade, está acabada a obra
da nossa emancipação, organisado completamente o systema
da nossa gloriosa independência, fixados os princípios de d i -
reito publico, que devem reger a nação Brasileira. O nosso
imperador constitucional tem cumprido sua imperial palavra,
oíferecendo-nos a mais liberal constituição: merece pois o
verdadeiro titulo de bemfeitor dos homens para celebridade.
Seu nome esclarecido deve ser escrito d'entre os mais famo-
sos fundadores dos impérios, deve ser com gloria conservado
nas memórias históricas do império do equador.
« No dia 25 de março á face dos altares santos, tomando por
testemunhas a Deos e homens, jurou o nosso imperador so-
lemnemente guardar os fóros, e direitos dos cidadãos Brasilei-
ros. A religião de tão santo juramento nos afiança a sua in
violabilidade, juremos igualmente manter illesos os direitos
do trono constitucional, em cuja reciprocidade, e identidade
de interesses é que consiste o justo equilibrio, que faz a du-
ração dos impérios, e a felicidade dos povos. A fé publica é o
primeiro sustentaculo da maquina politica, e a historia nos
apresenta exemplos de bem constituidos, que pela não guar-
darem, cahirão, e desapparecerão.
« Em nome pois da pátria, que sempre nos deve ser cara,
22 MEMÓRIAS HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

penetrados de todo o amor, e enthusiasmo pela sua felicidade,


profiramos o puro e firme juramento de cumprir, e guardar
fielmente a constituição politica do império Brasileiro, e diri-
jarnos devotas preces ao Supremo Arbitro do universo, para
que o engrandeça, e faça prosperar, e que a nossa posteridade
viva feliz, debaixo das sabias leis deste código augusto até a
derradeira idade do mundo. Palácio do governo da Bahia 3 de
maio de 1824.— Francisco Vicente Vianna, presidente. »
Germinava porém solapadamente o espirito de intriga,
augmentada pela indisciplina militar de alguns corpos, entre
os quaes mais timivel se tornava o 3.° batalhão de l . linha,
a

creado durante a luta no recôncavo, e composto pela maior


parte de libertos e outras pessoas de classes heterogêneas, sem
ofíiciaes educados no rigorismo dessa disciplina, tão necessá-
ria, especialmente em corpos que entrão victoriosos em qual-
quer parte: o terror de novas commoções politicas augmen-
tava-se em proporção do aspecto carregado que tomava a re-
volta de Pernambuco,-a quàl se dizia contar nesta provincia
bastantes sectários; o commercio progressivamente augmen-
tava de anniquilação, a deportação dos Portuguezes crescia
todos os dias, e foi no centro de tantos males que principiou
a apparecer quantidade de moeda falsa de cobre, em conse-
qüência do que expedio o presidente em 14 de agosto as or-
dens que estavão ao seu alcance ás autoridades judiciarias,
a fim de obviarem á semelhante mal, do qual ainda hoje con-
sideravelmente se resente esta provincia, pois que de nada ser-
virão aquellas ordens, em uma quadra em que a trepidação
publica facultava a pratica do crime, e sua impunidade aos
que o quizessem praticar.
Passava com effeito por certo que a facção do Recife, à cu-
ja testa se achava Manoel de Carvalho Paes de Andrade, con-
tava com o apoio de alguns individuos de não pequeno vulto,
e dois de seus emissários forão capturados com grande nume-
ro de proclamações no sentido revolucionário, os quaes bem
como os commandantes da escuna Maria da Gloria e do bri-
gue Constituição ou Morte, e o segundo commandantc deste
DA PROVÍNCIA DA B A H I A . *23

João Guilherme Ratcliff (4) tendo sido apresados pela curve-


ta Maria da Gloria, forão recolhidos a este porto e, delle en-
viados para o Rio de Janeiro: dizia-se mais que o governador

(4) Dos individuos compromettidos na insurreição apenas tres forão


depois executados, Ratcliff, Metrowich e Loureiro; havião sido presos á
bordo de uma embarcação, em que se achou uma quantidade de procla-
mações incendiarias. O primeiro era Portuguez, o segundo Maltez, e am-
bos officiaes do brigue de guerra Constituição ou Morte, empregado no
bloqueio da Barra-grande; e o terceiro Brasdehro, e commandante da
escuna Maria da Gloria, também empregada no mesmo serviço. Apesar
de não terem sido convencidos de haverem tomado parte mui activa nes-
se bloqueio, de ser o processo informe, das testemunhas terem deposto
unicamente de ouvir dizer, e de se haver provado que Loureiro fòra
compellido a embarcar, forão todos condemnados na pena máxima da
lei, ao mesmo tempo que a outros, apresionados em rcbcllião aberta, se
concedeu amnistia.
Esta severidade pode talvez ser explicada com referencia aos negócios
dc Portugal. Ratcliff havia sido oflicial de uma das secretarias d'estado
em Lisboa, e se offerccèra para redigir o decreto do banimento da rai-
nha, na oceasião em que se negara a jurar a constituição: foi por tanto
a sua morte considerada mais como oblação á cólera da realeza offendi-
dá, do que como castigo devido ao seu crime; e como os companheiros
deste homem desgraçado estivessem com elle involvidos nos mesmos
termos do processo, julgou-se indispensável que soffressem a mesma
pena.
No curto espaço de tempo que medeou entre a sentença e sua execu-
ção, Ratcliff traçou sobre a parede do oratório as seguintes linhas:
Quid mihi mors nocuit? virtus post fata virescit,
Nec ssevi gladio perit illa lyranni.
A morte em que me offende? Além da campa
Reverdece a virtude, e não se extingue
Sob o cutelo do feroz tyranno,
O mérito destes versos é talvez insignificante; a segunda linha é até dc
metriíicação defeituosa; mas parecem demonstrar a convicção do escri-
tor. Conduzido ao cadafalso exclamou: « Morro innocente! Praza a
Deos que meu sangue seja o ultimo que se derrame pela liberdade do
Brasil! » Pretendia fazer um discurso ao povo, mas não lhe foi isso per-
mittido. Loureiro mostrou alguns symptomas de pavor, mas Metrowich
e Ratcliff morrerão com coragem.
Lord Cochrane regressou á Pernambuco, c unido ao general Lima,
tomou medidas para terminar a guerra no interior da provincia: o que
completamente conseguio. Parahyba, Rio-grande do norte, e Ceará suc-
cessivamente se sujeitarão ás forças imperiaes, e assim acabou em pou-
cos mezes a celebre confederação do equador. (Armitag. Histor. do
Brasil.)
24 MEMÓRIAS H I S T Ó R I C A S , E POLÍTICAS

das armas Felisberto Gomes Caldeira havia promettido o mes-


mo apoio á diversos officiaes de Pernambuco, que depois as-
sás figurarão nessa revolta, quando com elles estivera no re-
côncavo, mas que elevado ao commando das armas variara de
princípios, perseguindo a quantos conhecia que compartião
dos mesmos princípios: estas increpações subirão de ponto
entre os exaltados ao verem-o não tolerar actos de violência
contra os Portuguezes, mas a disciplina militar apenas se di-
visava nos batalhões 1.° e 2.° de linha pela actividade de seus
respectivos commandantes os, então, majores José Leite Pa-
checo e Alexandre Gomes de Argolo Ferrão, hoje elevados a
maiores postos e dignidades, bem como no batalhão expedi-
cionário de Minas-geraes, geralmente composto de milicia-
nos dominados do espirito de moralisação, que, especialmente
então, dislinguia os homens do campo daquella provincia.
O batalhão 3.° commandado pelo major José Antônio da
Silva Castro, destituído dos necessários elementos de obediên-
cia passiva, devia ter sido dissolvido, mas não aconteceu as-
sim, e seus attentados repetidos assás comprometterão a di-
gnidade do major José Antônio da Silva Castro, que o com-
mandava; em o dia 20 de outubro recebeu este official ordem
do governador das armas de passar o respectivo commando
ao major, hoje coronel, Manoel Joaquim Pinto Pacca, e de se-
guir para a côrte em virtude de determinação imperial: esta
ordem foi por elle cumprida em o dia 22, dirigindo então aos
seus soldados uma breve allocução, pela qual lhes recommen-
dava a observância de seus deveres; mas semelhante determi-
nação foi encarada como filha da vingança do coronel Felis-
berto Gomes Caldeira, que commandava as armas da provin-
cia, e o apparecimento consecutivo de insultantes libellos fa-
mosos, ameaçando sua existência, a freqüência dos clubs, e
a arrogância e descomedimento da soldadesca do mesmo 3.*
batalhão, da do 4.° a quem, e ao corpo de artilheria estava
entregue a policia da cidade, annunciavão um próximo rom-
pimento, e este sobreveio mais cêdo do que se esperava.
Na madrugada de 25 do referido mez, achando-se o major
DA PROVÍNCIA DA D A M A . 25

Argôlo com o 2.° batalhão cm exercício no campo de S. Pe-


dro, e o major Leite Pacheco ensinando recruta aos milicia-
nos; uma força do mencionado 3.° batalhão, municiada de
pólvora e bala, valendo-se do silencio que então reinava, e da
confiança e desprevenção em que se achava toda a mais tro-
pa, cérca a casa de habitação do referido governador das ar-
mas , o coronel Felisberto Gomes Caldeira, na ladeira do
Borcó, ao tempo em que este ainda tranquillo dormia, se-
rião 5 horas da manhã. O grande arruido, o toque de cometa,
e um tiro casualmente disparado accordão uma senhora que
habitava na mesma casa, a qual chegando a uma das janellas,
e vendo-a toda cercada pela rua e quintal, despertou logo o
governador, que sem tratar de esconder-se, vestindo-se á
pressa c mandando abrir a porta da rua, que ja os soldados
rebcllados tratavão de arrombar, apresentou-se ã turba dos
assassinos na janella do centro, perguntando-lhes o que pre-
tendião, ao que responderão em altas vozes, que não querião
por seu commandante o major Pacca, e sim José Antônio da
Silva Castro, que elle mandava para o Rio de Janeiro.
Uma voz porém depois disto surgio do meio dos assassinos
morra Felisberto, e á esta voz seguio-se uma descarga de oito a
dez tiros que passarão por entre o governador, empregando-se
nas janellas.
A presença eattitude impávida do coronel Felisberto pouco
inlluirão sobre os amotinados, d'entre os quaes surgio outra
voz de morra Felisberto, e a esta voz seguio-se nova descarga de
cerca de doze tiros, que elle evitou retirando-se para o interior
da casa, tornando a apparecer-lhes na mesma janella com es-
pada e chapéo, em cuja oceasião fallou á soldadesca, declaran-
do-lhes que o major Castro era chamado á côrte de ordem impe-
rial, mas que o fossem buscar que tudo se arrumaria: conti-
nuou a exprobar-lhes o crime, recapitulando-lhes osdeveres
de subordinação; comtudo quando continuava a fallar foi in-
terrompido por outra voz dos soldados, que até alli estavão dei-
tados sobre o capim do quintal, afim de vedar a fuga por esse
lado, clamando — quem estiver amareilo vá para o quartel-—
TOMO. V I . 4
2(j M E M Ó R I A S HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

morra Felisberto!—e a este brado de morte a maior parte


dispararão as espingardas sobre o seu general, que então re-
c e b e u uma baila na cabeça, não mortal, c sobre aja mencio-
nada senhora, que com duas meninas nos braços, e outra pela
mão implorava a piedade dos scelerados, piedade que ellas
só encontrarão na Providencia, por serem todas preservadas
do furor dos sicarios.
O coronel Felisberto ainda pôde fechar as portas da janel-
la em que se achava, mas o sacrifício ainda não estava ul-
timado: um,grupo de taes scelerados, commandados pelos
alteres Jacinto Soares de Mello, e José Pio de Aguiar Grugel,
havião ja subido e conseguido arrombar duas portas, que da-
vão para a sala, mas antes que fizessem o mesmo á terceira
porta, aquellc Felisberto abrio-a, c se apresentou perante el-
lcs. Sua presença austera, sua face banhada em sangue de
alguma fôrma imposerão respeito aos assassinos, que ficarão
como pasmados: dirigio-sc logo ao alferes Jacinto, estranhan-
do-lhe o excesso a que o tinha levado sua loucura, e este ofíi-
cial quasi attonito lhe dá a voz de preso, sem que todavia lhe
dissesse a que ordem, como elle lhe perguntara. Felisberto orde-
nou-lhe que chamasse o major Castro, promettendo esquecer-
se de tão criminoso procedimento, mas quando elle seguia em
demanda daquelle major Castro, encontrou-se com o alferes
Grugel, que o animou a tornar ao governador, a quem inso-
lentemente disse que o seguisse preso para o quartel do 3.°
batalhão. Felisberto sem se alterar respondeu-lhe que não du-
vidava ir preso, com tanto que lhe désse palavra de honra de
o livrar de todo e qualquer insulto, que os soldados lhe po-
dessem fazer: o alferes Jacinto isso prometteu, porém a pala-
vra de honra militar, este penhor de tamanho peso e conside-
ração entre os que sabem presal-o, foi viimente traída, e o
coronel Felisberto ao passo que o acompanhava, chegando ao
patamal da escada recebeu outra bala sobre a verilha esquer.
da, por tiro que lhe disparou um dos soldados que estavão na
mesma escada com o alferes Grugel, pelo qual foi lambem
insultado de palavras, quando reprovava ao primeiro a falta
DA IMIOVINCIA DA DAIIIA. 27

de sua promessa: Felisberto ferido mortalmente, não pôde


soffrer os convicios, e segurando o mesmo alferes Grugel deu-
lhe alguns tombos, mas foi iinmediatamente atravessado por
outra bala sobre.o peito, e por outras da descarga que sobre
ellefizerãoos soldados ao signal dos referidos officiaes, cain-
do morto no patamal onde tal scena se passava, e onde ficou
seu cadáver deitado em humilde esteira, cm que a piedade de
u m escravo o acommodára, até ser de noite e ás escuras
conduzido em uma sege para o jazigo da igreja de S. Pedro
Velho.
É doloroso por certo o fazer reviver hoje narrarão tão mi-
nuciosa ; com tudo cumpre á historia futura o ser orienta-
da de todos os pormenores de u m facto tão atroz, em que ti-
verão parte muitos, que actualmente/suppoe ser acredita-
dos , inculcando-se como primeiros propugnadores a favor
da ordem publica. Para maior vergonha os sicarios c assas-
sinos não se esquecêrão de conduzir furtivamente do quar-
tel do coronel Felisberto quanto poderão-e estava mais á
m ã o ; soltarão no quartel do batalhão 3.° foguetes do a r ,
ao passar pelo seu portão no convento de S. Bento o isolado
cadáver, vomitárão imprecações contra sua memória na mes-
ma igreja, onde reinava a solidão, e onde u m só amigo do Fe-
lisberto não ousou apparecer, repetirão os insultos, não pou-
pando porém o chapéo armado, que furtivamente tirarão do
caixão.
Logo que espirou o governador das armas, reunirão-se os
soldados do piquete assassino ao restante do batalhão, que se
achava estendido pela ladeira e rua de S. Bento, commanda-
do pelo capitão Francisco Macario Leopoldo, e augmentado
de força com a de quasi todo o batalhão 4.°, de que era com-
mandante o coronel, então major, Francisco da Costa Branco,
batalhão esse q u j estando naquclle dia dc serviço em guardas
e destacamentos, abandonou seus postos para reforçar os fac-
ciosos, praticando de igual maneira as praças que existião no
quartel, que insubordinando-se contra o seu commandantc,
por suggestões de quem lhes devia dar o exemplo de obedien-
28 MEMORMS HISTÓRICAS, E P G » I G A S

cia, marchou a encorporar-sc aos outros que já então se acha-


rão reunidos no forte de S. Pedro ao corpo de artilharia,
que seu major Joaquim José Rodrigues conseguira revolu-
cionar.
O 2.° batalhão de linha, que segundo ficou dito, achava-se
em exercício no campo de S. Pedro, logo que soube pelo sar-
gento Joaquim Pedro Bcrlink, que estando ás ordens do ge-
neral pôde evadir-se pelo quintal á favor da escuridão da ma-
drugada, que o governador das armas se achava cercado, mar-
chou acceleradamente para o seu quartel a municiar-se de
pólvora e bala, para evitar as conseqüências desgraçadas que
se seguirão; mas como ja estas tivessem occorrido conservou-
se no mesmo, quartel, não querendo dar principio á guerra
civil, praticando de igual maneira os batalhões 1.° de linha,
o 1.° dc milícias, antigamente de Henrique Dias, que ao cha-
mado de seu commandante, o tenente coronel Manoel Gon-
çalves, encorporon-se ao precedente batalhão com tresentas
praças, e o batalhão de Minas, a respeito do q u a l algumas cen-
suras sefizerão,por isso que oecupando uma parte do edifício
que servia dc quartel ao 3.° batalhão, mais conhecido por Pi-
riquitos, conservou-se estacionado durante a catastrophe do
coronel Felisberto.
Apenas ultimou-se o assassinato do governador das armas,
alguns officiaes e soldados do 3.° batalhão dirigirão-se á casa
dc habitação do major José Antônio da Silva Castro partici-
pando-lhe o que acabava de acontecer, e pedindo-lhe que
marchasse a reassumir o respectivo commando; mas elle re-
cusou-se a principio a esse convite, dirigindo-se no entanto
ao presidente desta maneira:—« 111. e Ex. S r . — A p r e s -
m0 1110

sadamente faço este a V. Ex., dando-lhe parte que agora


mesmo vierão á minha casa alguns officiaes do batalhão n.°
3 , e de mais outros, pedirem a minha presença naquelle
quartel para representarem a V. Ex. coisas que fazem a
bem da pátria e do nosso imperador: eu nada delibero sem
ordem ou parecer d e V . Ex., porque quero e m tudo obe-
decer á6 ordens de V. Ex. Quartel da minha residência 25 de
lh\ PROVÍNCIA DA BAHIA. 29
o u t u b r o d e 1 8 2 4 . — Jôsé Antônio da Silva Castro, major.»
A's 6 horas da m a n h ã dirigio outra lacônica participação
ao mesmo presidente, declarando achar-se e m triste situação,
sem nada deliberar e m quanto o governo não désse suas or-
dens ; c o m t u d o apertado pelas exigências, seguio para o acam-
pamento do forte de S. Pedro, onde foi recebido entre vivas,
dirigindo-se suecessivamente á elle os dous officiaes comman-
dantes do piquete assassino, u m dos quaes, o alferes Jacinto
Soares de Mello, possuído d e alegria b r u t a l l h e disse: meu
commandante, venceu a liberdade, morreu o tyranno, nos-
sa honra está vingada; dando depois alguns vivas ao i m -
perador, g r i t a n d o também alguns—morrüo os corcundas e os
perús.
C u m p r e todavia dizer-se, que supposto a opinião p u b l i c a
assacasse ao major José Antônio o haver tido p a r t e e m seme-
l h a n t e attentado, n e n h u m de seus actos públicos i n c l i n a o
j u i z o para t a l assertiva: é certo que devia proceder á p r i -
são dos sicarios logo q u e assumio o c o m m a n d o d o bata-
lhão, mas t a m b é m é inquestionável q u e as circumstancias po-
líticas não podião ser mais melindrosas, e que a prudência e
a reflexão dictavão se contemporisasse. Dizia-se que elle havia
ofterecido o apoio do mesmo batalhão ao b r i g a d e i r o José Ma-
noel de Moraes, quando negou-se-lhe a posse do c o m m a n d o
das armas p o r suggestões do coronel Felisberto, e não entra
em duvida que este procedimento, aliás ajustado á execução
de u m a o r d e m i m p e r i a l , l h e havia produzido a indisposição
daquelle coronel, cuja altivez se tornava pouco c o n f o r m e e m
u m a época, na q u a l elle mesmo havia plantado o espirito de
insubordinação m i l i t a r c o n t r a o general L a b a t u t , declarando
aos que o prenderão no exercito, que os generaes não se pren-
dião, mas sim matavão-se, segundo j a ficou referido. Seja co-
mo for, o major José Antônio obrigado a apresentar-se á f r e n t e
do seu corpo, que ainda existia no q u a r t e l de S. Bento, d i r i -
gio-lhe u m a forte allocução, pela q u a l l h e reprovava o proce-
d i m e n t o vergonhoso que acabava de praticar, proclamando-
lhe no sentido dc o r d e m apenas acabou de postar-sc no campo
30 MEMÓRIAS H I S T Ó R I C A S , E POLÍTICAS

dc S. Pedro (5),instando ao presidente para nomear qualquer


ofíicial que comrnandasse o dito batalhão.
O toque de rebate em todos os quartéis, e o movimento
inesperado das tropas, despertarão a população da cidade, que
horrorisou-se ao saber os motivos que produzião semelhante
r

alarme: um terror geral se apoderou dos ânimos dc quantos


tinhão mais a perder: ninguém se julgava seguro; as embarca-
ções servem de abrigo a innumeras pessoas, á quem os escon-
drijos do interior das habitações promettião uma existência
precária, as lojas e tavernas fecharão-se rapidamente; as ruas
da cidade apenas apresentavão officiaes e soldados: desappa-

(o) Camaradas! cedendo aos rogos c repetidas instâncias dos senho-


res officiaes deste corpo, que tenho a honra de commandar, resolvi-me
n apresentar-me á sua frente, depois que me foi annunciado, que por
um suecesso e x t r a o r d i n á r i o , c imprevisto, havia perecido o general go-
vernador das armas, e que o batalhão havia pegado cm armas para pedir
a minha restituição ao mesmo commando, de cujo commando sahi para
obedecer, como devia, á ordem que me foi intimada, de que S. M . I . e
C. me mandava i r á sua augusta presença. Em tão criticas c urgentes cir-
curostancias, não me era possível ser espectador indifferente dos males,
que ameaçavão esta cidade, ficando entregue aos horrores da guerra c i -
v i l . Salvar os meus concidadãos, ou morrer na gloriosa empresa, era o
que cumpria ao caracter e dever dc um soldado, verdadeiramente amigo
da sua pátria. Guiado por estes sentimentos, e de nenhuma maneira pelo
desejo de reassumir o commando, mostrei-me á testa dos meus compa-
nheiros de armas, para que a sua sorte fosse também a minha. Mas, l o -
go que consegui ver algum tanto restabelecido o socego, officici uma e
outra vez ao excellentissimo presidente, requerendo-lhe, que nomeasse
um ofíicial, que me substituísse no commando do b a t a l h ã o , e ficasse res-
ponsável pela manutenção da sua boa ordem, c disciplina. Apesar, po-
r é m , da minha supplica e dos motivos, em que a f u n d e i , não houve S.
Ex." por bem annuir aos meus ardentes desejos, antes me ordenou, que
continuasse a commandar interinamente o b a t a l h ã o . A" vista de uma o r -
dem tão positiva, não me restava outra alternativa, senão a de lhe pres-
tar inteira obediência,
Meus dignos e bravos camaradas, sc não quereis perder o conceito,
que aléqui tendes merecido aos vossos chefes, e a todos os habitantes
deste i m p é r i o , continuai a observar a mais exacta e rigorosa disciplina;
respeitai as autoridades constituídas, e consagrai a mais perfeita, e ina-
balável fidelidade ao nosso augusto imperador constitucional. Viva S.
M , I . e C. Viva a independência do Brasil. Viva o presidente da p r o v i n -
cia. Campo do forte de S. Pedro 25 de outubro de 1824.—José Antônio
da Silva Castro, major commandante do o. b a t a l h ã o .
0
DA PROVÍNCIA DA BAHIA. 31
receu inteiramente o commercio ordinário; os gêneros de p r i -
meira necessidade subirão logo a um preço excessivo, e a
consternação se via retratada em todos os semblantes. O com-
mandante do batalhão de Minas, e o do mencionado 1.° bata-
lhão de milicias enviarão immediatamente uma reforçada
guarda para a porta da casada habitação do presidente, ao lado
direito da igreja matriz de S. Pedro-velho, a fim de garantirem
sua pessoa e dignidade; e esse presidente, verdadeiramente
aterrado, considerando a capital da provincia entregue á uma
stalocracia, ou antes anarquia, assentou cm reunir logo c m
sua casa u m conselho provincial, para o consultar sobre os ob-
jectos do dia, ofílciando nesse sentido ao chanccller da rela-
ção, ao intendente da marinha, aos desembargadores Fran-
cisco José de Freitas, e Luiz Paulo de Araújo Bastos, ao Juiz
de órfãos e presidente interino da câmara municipal Antônio
Calmon d u P i n c Almeida, Antônio Vaz de Carvalho, ;'i câmara
municipal, ao coronel Francisco José Lisboa, a José Alvares do
Amaral, aos deputados eleitos José Lino Coitinho, desembar-
gador Antônio da Silva Telles, e conego José Cardoso Pereira
de Mello, e a todos os commandantes dos corpos de 1 . e 2. li-
a a

nha, determinando a estes que conservassem á frente dos mes-


mos corpos u m ofíicial de confiança, afim de serem mantidos
em disciplina, dirigindo-se igualmente a algumas autoridades
militares das principaes villas da provincia, prevenindo-as de
haver assumido o commando das armas, cm quanto o impe-
rador, ou o conselho provincial que ía ser convocado não de-
cidissem o contrario, recommendando-lhes igualmente man-
tivessem a tranquillidade publica em seus respectivos distri-
ctos, visto que cumpria não chegassem alli alterados os boatos
sobre o t u m u l t o militar de parte da tropa da guarnição que
havia oceorrido na cidade, do qual tinha resultado ficar morto
o governador das armas.
Reunio-se com eíTeito o conselho, e sendo nellc proposto
se o governo das armas devia recair em u m conselho compos-
to de militares, ou no ofíicial de maior patente que existisse,
venceu-se quanto a este, em conseqüência do que coube t a l
32 M E M Ó R I A S HISTÓRICAS, E POtrTICAS

commando ao brigadeiro Luiz Antônio da Fonseca Machado,


até a resolução do imperador e com obediência ao presidente
da provincia, obrigando-se os chefes dos batalhões a obede-
cer-lhe em tudo, e fazei-o obedecer por seus subordinados:
todavia tal era o estado da obediência .militar nessa quadra,
que para tornar-se exeqüível a decisão do conselho que fica
transcripta, foi necessário que assim o quizesse outro conse-
lho reunido no forte de S. Pedro (6), e composto de officiaes
d'artilharia.

(6) Aos 2o dias do corrente mez de outubro do anno do nascimento


dc Nosso Senhor Jesus Christo de 1824, achando-se reunidos na casa
que serve de secretaria da brigada da artilharia os officiaes abaixo assi-
nados, para deliberarem sobre o parecer do conselho, convocado pelo
excellentissimo presidente desta provincia, relativamente ao modo por-
que havia de organisar-se o goveno militar interino desta provincia, na
falta do fallecido Felisberto Gomes Caldeira, até que S. M. I . e C. haja
por bem nomear um governador das armas, sendo o parecer do referido
conselho, que visto não ser admissível um governo composto de uma
junta de vários membros tirados dos differcnte corpos, pelas delongas,
e morosidades próprias de semelhante forma de governo, e que são i n -
compatíveis com a rapidez, com que devem ser tomadas as resoluções
militares, devia cm tal caso seguir-se o regulamento militar, que man-
da conferir o governo das armas ao ofíicial mais antigo, c graduado da
provincia: os mesmos olTiciaes, depois de ponderadas e discutidas as ra-
sões propostas pelo conselho, convicrão unicamente nas resoluções se-
guintes :
1.° Que se acceite para governador interino das armas o brigadeiro
Luiz Antônio da Fonseca Machado, visto reunir as circumstancias, que
a lei exige.
2." Que os ajudantes d'ordens do dito governador não devem ser os
mesmos, que até agora tem servido como taes.
3.° Que ao referido governador interino seja addido um secretario, o
qual os mesmos officiaes abaixo assinados desejão que seja o Bacharel
Innoccncio da Rocha Galvâo,por depositarem nelle sua confiança.—Joa-
quim José Rodrigues, major da brigada de artilharia: Joaquim Sátiro
da Cunha, major commandante interino de artilharia: Pedro Luiz de
Menezes, capitão commandante de artilharia ligeira: José Ignacio de
Mello, capitão de artilharia: José Moreira da Silva, capitão graduado e
secretario: Sérgio José Velloso, \ .° tenente: Gregorio dos Santos No-
gueira, \.° tenente: Manoel José de Azeredo Coutinho, 1.° tenente:
Manoel Coelho d'Almeida Sande, 1.° tenente: Manoel Joaquim Xavier,
1.° tenente: Francisco Lopes Jequiriçá, tenente: José Francisco Soa-
res, \.° tenente: João Victor da Silva Lobo, 2.° tenente: Herculano
Antônio Pereira da Cunha, 2.° tenente: José Macurio Velloso, 2.° te-
DA PROVÍNCIA DA BAHIA. 33
Não era o brigadeiro Machado revestido do caracter, e qua-
lidades necessárias para exercer semelhante commissão, em
crise tão terrível: frouxo por condição, sem perícia militar, e
sem outro algum prestigio, sua autoridade, felizmente de pouco
tempo, limitou-se a reproduzir um mero fantasma, e a solda-
desca desenfreada, entre a qual especialmente primou a de
artilharia, engrossada por grupos de paizanos da classe mais
ordinária, impunemente, e com o maior despejo, praticou at-
tentados e violências de grande escala, derramada pelas ruas, e
açulando os ânimos dos soldados dos outros corpos, que, para
evitarem rompimentos, estabelecerão piquetes em pontos avan-
çados de seus quartéis, medida que obviou a maiores males,
e que foi igualmente imitada pelo corpo de artilharia. Tinha
o presidente conseguido que se recolhessem à seus quartéis
os batalhões 3.' e 4.°, e proclamado aos habitantes apenas lhe
foi possível satisfazer a essa formalidade, mas as suggestões
daquelle corpo, e as noticias espalhadas de propósito de que
serião aggredidos nesses quartéis, fizerão com que ás 11 horas
da noite do mesmo dia 25 elles tornassem a reunir-se no forte
de S. Pedro, e o dia seguinte amanheceu mais ameaçador que
o antecedente, por isso que a cada momento se esperava rea-
lisado o boato de que os corpos dissidentes viessem ás mãos
com os outros.
O presidente pois reunio novamente o conselho que antece-
dentemente havia convocado, pelo qual foi decidido, sobre
indicação do major José Antônio da Silva Castro; que todos
os corpos militares que existião na capital marchassem desar-

nente: Galdino Justiniano da Silva Pimentel, 2.° tenente: Antônio


Pedro Gurgalha, i.° tenente graduado: Clemente Antônio Caetitè, 2."
tenente: Manoel da Rocha Lima, 2,° tenente: José Vicente de Amorim
Bezerra, 2.° tenente: Daniel Gomes de Freitas, 2.° tenente: Jeronimo
José Velloso, 2.° tenente: Firmino Mendes Limoeiro, 2.° tenente:
Francisco Vicente Vianna, 2.° tenente: Ignacio José de Macedo, aju-
dante: Antônio Lopes Benevides, 2.° tenente: Bernardino de Senna
Gaasina, alferes: Francisco Pereira da Cruz, 2.° tenente: Antônio
Marcellino Dorea, tenente d'artilharia: Francisco José Camará, 2.*

I
tenente: Januário Agostinho Sucupira, 2," tenente.
TOMO V I . 5
34 MEMÓRIAS HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

mados para a praça da Piedade, onde devião abraçar-se frater-


n a l m e n t e : q u e u m a pessoa de consideração fosse ao R i o d e
Janeiro i n f o r m a r ao imperador, que nada devia receiar acerca
da mudança do systema político, para c u j a commissão foi logo
escolhido o medico José L i n o C o u t i n h o , c o m q u a n t o o presi-
dente para isso propozesse o desembargador L u i z P a u l o d e
Araújo Bastos, e não deixa de ser notável que esta u l t i m a i n -
dicação, e outras mais de pouca importância adoptadas nesse
conselho, que d u r o u desde as 9 horas da m a n h ã até as 3 da
t a r d e , deixassem de ser consignadas n a respectiva a c t a , q u e
foi assim concebida.
<( Aos 2 6 de o u t u b r o de 1 8 2 4 nesta cidade do Salvador
Bahia de todos os Santos, e residência do i l l u s t r i s s i m o e excel-
lentissimo senhor presidente da p r o v i n c i a , residência c m q u e
se achava r e u n i d o segunda vez o conselho p r o v i n c i a l , convo-
cado por cartas assinadas pelo mesmo excellentissimo senhor
p r e s i d e n t e , e composto das pessoas abaixo assinadas, para
o f i m de resolver sobre os artigos 2.° e 3.° da acta da officia-
lidade m i l i t a r , r e u n i d a n o forte de S. Pedro, acta q u e é co-
piada no f i m deste t e r m o , e unicamente foi assentado q u e a
escolha dos ajudantes d'ordens d o governador das armas, as-
sim como o secretario, para c u j o l u g a r era i n d i c a d o o b a c h a r e l
Innocencio da Rocha Galvão, era da respectiva competência
do mesmo governador das armas, sendo p o r tanto próprio d o
mesmo governador, e não do conselho p r o v i n c i a l .
« E sendo mais proposto pelo excellentissimo senhor presi-
dente q u a l seria a medida mais conveniente para socegar os
corpos m i l i t a r e s inquiétos, foi u n i c a m e n t e resolvido, q u e os
cornmandantes terião m u i t a vigilância e m m a n t e r a d i s c i p l i n a
de seus respectivos corpos, e fazer guardar os cartuxames e m
depósitos seguros; oecupar os soldados e m c o n t i n u o s exercí-
cios m i l i t a r e s , e promover a conciliação e n t r e os differentes
corpos, q u e se achavão e m desconfiança: e para constar f i z
este t e r m o e escrevi, o secretario Marcos Antônio de Souza.
—Francisco Vicente Vianna, p r e s i d e n t e — L u i z Joaquim Du-
que Estrada Furtado de Mendonça—Imm Antônio da Fonseca
DA PROVÍNCIA DA B A H I A . 35

Machado, governador interino das armas—Antônio Calmou


du Pin e Almeida, presidente do senado— Tristão Pio dos
Santos—Luiz Antônio Barbeza de Oliveira—Francisco José
Lisboa—Chrislovão Pessoa da Silva Filho—José Pires de
Carvalho e Albuquerque—José Ribeiro Soares da Rocha
José Bruno Antunes Guabiraba—Antônio Vaz de Carvalho—
José Antônio da Silva Castro, major commandante Joa-
quim Satyro da Cunlui, major commandante interino d'arti-
lharia—Luiz Paulo de Araújo Bastos—José Lino Coutinho—
Paulo Maria SSabuco de Araújo, major commandante inte-
rino do 3.° batalhão de 2. linha—Manoel Francisco de Sou-
a

za, capitão commandante interino de cavallaria— Francisco


da Costa Branco, major commandante do batalhão n.° 4—
Antônio Ferreira França—Antônio da Silva Telles (7). »
Ja não era a primeira vez que se havia posto em pratica essa
medida burlesca de abraços, entre soldados de opiniões dissi-
dentes (8), e a experiência que então convenceu a inutilidade
de semelhante idéa, agora a tornava mais precária, ou antes
mais perigosa: os majores Leite Pacheco e Argôlo reconhe-
cerão tal perigo, temerão que os batalhões de seu respectivo
commando compromettessem a condueta militar, que até en-
tão os distinguia, entre outros de sentimentos diametralmente
oppostos, e como sua conservação dentro da capital acarreta-
ria de necessidade os males que elles desejavão evitar, delibe-
rarão sair da mesma capital, e tomar posições na villa de
Abrantes, sete léguas ao nordeste d'ella, para onde seguirão
á uma hora da manhã do dia 27, com os mencionados bata-
lhões 1.° e 2.°, acompanhando-os o major Francisco da Costa
Branco, que tomou o commando em cliefe dessa força, como
mais graduado por sua antigüidade no posto.

(7) Os majores Leite Pacheco, e Argôlo deixarão de assinar esta acta,


por não se acharem presentes á conclusão do conselho, tendo-se retirado
á pressa para conterem a disciplina de seus respectivos soldados nos
quartéis, que ja estavão em movimento, em conseqüência da aggrcssão
que algumas praças do 5.° batalhão havião feito aos que constítuião as
escoltas de que aquelles officiaes, por segurança pessoal, se havião feito
acompanhar, quando vicrão para tal conselho.
(8) 3.° vol. pag. 114.
MEMÓRIAS H I S T Ó R I C A S , E POLÍTICAS
36
O presidente da provincia que particularmente e com ante-
cedência soube dessa medida, e não a reprovou, posto que
fingisse por tempos ignoral-a, reunio pela terceira vez o su-
pradito conselho, que deliberou proclamasse o mesmo presi-
dente ao povo da provincia, e aos batalhões que se havião re-
tirado, sendo a proclamação quanto á estes concebida e enun-
ciada era termos conciliatórios: que anão aproveitar seme-
lhante conciliação, elle consentisse no estacionamento de taes
corpos em lugares distantes que designasse; que essa força se
conservaria na mais restricta subordinação á seus superiores,
sendo soccorrida com os vencimentos que lhe pertencessem
até deliberação imperial; que fosse logo enviado ao barão da
Torre, c aos mencionados commandantes um emissário de re-
conhecida estima e probidade, para melhor reduzil-os á con-
córdia; que o presidente officiasse ás autoridades civis e mili-
tares do recôncavo, acerca do que o conselho havia resolvido
para o socego e tranquillidade da provincia, e, finalmente,
que se désse ao imperador parte circumstanciada de quanto
havia occorrido (9). Requereu na mesma occasião o major José
Antônio da Silva astro se escrevesse na acta, que elle havia

(9) As pessoas que interferirão neste conselho forão, além do presi-


dente c secretario o vigário da Victoria, depois bispo do M a r a n h ã o ,
Marcos Antônio de Souza; o desembargador Luiz Joaquim Duque Es-
trada Furtado de M e n d o n ç a ; conego José Cardozo Pereira de M e l l o ;
chefe dc divisão Trislão Pio dos Santos; Antônio Vaz de Carvalho;
Theodoro de Beaurepaire; José Antônio da Silva Castro, major com-
mandante; Paulo Maria Nabuco de A r a ú j o , major commandante; M a -
noel Gonçalves da Silva, tenente coronel commandante do l . ° b a t a l h ã o
da 2." linha; José Bruno Antunes Gnabiraba, tenente coronel comman-
dante do batalhão de artilharia de milícias ; Antônio Lopes T a b i r á Ba-
hiense, major commandante do batalhão n . ° 2 de 2." l i n h a ; Francisco
dc Paula e A r a ú j o , major commandante de P i r a j á ; Luiz Antônio da Fon-
seca Machado, governador das armas i n t e r i n o ; Joaquim Satyro da C u -
nha, major commandante interino de artilharia; Manoel Francisco de
Souza, capitão commandante interino de cavallaria ; Christovâo Pessoa
da Silva Filho, oíficial maior da junta da fazenda; Antônio da Silva Tel-
les; Manoel Ignacio da Cunha Menezes; Antônio Ferreira F r a n ç a ; José
Ribeiro Soares da Rocha; Joaquim José Rodrigues, major d ' a r t i l h a r i a ;
' J o s é L i n o Coutinho; Antônio Augusto da Silva; Francisco José Lisboa ;
Luiz Paulo de Araújo Bastos, o Antônio Calmon du Pin e Almeida.
DA PROVÍNCIA DA BAHIA. 37
aceitado no dia25 o commando do 3.° batalhão por assim lh'o
ter ordenado o presidente em officio de igual data, devendo
cessar logo que na capital se restabelecesse o socego publi-
co (10); que no mais curto espaço de tempo se procedesse á
uma devassa para ser punido o aggressor, ou aggressores da
morte do governador das armas, sem o que appareceria a l i -
cença na tropa, e se declarava irresponsável pela disciplina
daquelle batalhão, e por ultimo que á vista da maneira por que
havião procedido o 1.° e 2.° batalhões obrando contra o que se
decidira no conselho se tomassem medidas enérgicas, para a
reconciliação dos ânimos inquietos dos militares (11).
Em cumprimento de semelhante deliberação, nomeou o
presidente o coronel João Ladisláo de Figueiredo e Mello, bem
como o, então, tenente coronel Manoel Ignacio da Cunha Me-
nezes, depois coronel e visconde do Rio Vermelho, para en-
carregados da commissão conciliatória, os quaes forão con-
duetores dos seus ofíicios ao mencionado barão (12) e aos

(10) Sendo presente a este governo o officio, que V. S. dirige, reque-


rendo que, para salvar a sua honra militar, em perigo de ser infamada
de ambição, fosse nomeado ura commandante para o 5.° batalhão, cum-
pre-me ordenar a V. S., que continue em commandal-o, para manter a
disciplina militar do mencionado corpo, e socego publico desta cidade.
Para este ser restabelecido cumpre, que se execute a ordem anterior,
pela qual tinha significado a V. S., que fizesse marchar para seus quar-
téis não só as do seu commando, como também todas as outras compa-
nhias, que se tivessem reunido, indicando a maneira, por que se podião
recolher sem perturbar a tranquillidade publica: o que participo para
sua intelligencia, c devida execução. Deos guarde a V. S. Bahia 25 de
outubro de 1824.—Francisco Vicente Viannu.—Senhor sargento-mór
José Antônio da Silva Castro.
(11) Resolveu o conselho ser excêntrico dc sua competência a matéria
dos dous primeiros artigos, c que acerca do ultimo estavão tomadas as
providencias.
(12) Illustrissimo senhor.—Quando me desvelava juntamente como
conselho de provincia, composto dos mais distinetos cidadãos desta ca-
pital, a restabelecer a paz e tranquillidade publica, que tinha sido alte-
rada pelo desastroso acontecimento do dia 25 do corrente; quando con-
siderava terem sido dadas as mais acertadas providencias em beneficio
dos habitantes desta capital, acontece que o 1.° c 2.° batalhões de 1 .* l i -
nha se ausentassem desta cidade, ao amanhecer do dia 27 do corrente,
com mal fundadas desconfianças: c como pôde acontecer, que os mes-
38 M E M Ó R I A S HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

coramandantes da força acampada na villa de Abrantes (13),


e dirigio-se ás autoridades civis e militares do recôncavo, pu-
blicando no mesmo dia estas proclamações:
« Pacificos habitantes da Bahia! Por dous dias o socego da
capital da provincia tem sido perturbado. Bravos combaten-
tes, ornados de verdes louros, ufanos pelas victorias adquiri-

mos batalhões tentem ajuntar maior partido, incorporando alguns sol-


dados dos batalhões do commando de V. S., cumpre-me ordenar a V . S.
que empregue os meios mais eíficazes em conservar os soldados do seu
commando em obediência ás ordens de V. S., evitando qualquer reunião
com os sobrcditos corpos, a cujos commandantes lambem faço participa-
ção da resolução do conselho, e disposições pacificas em seu favor, por
que foi accordado, que fossem convidados a regressar á seus quartéis,
como constará a V . S. da acta do conselho e proclamações, que eom es-
ta transmitto pelos Srs. coronel c tenente coronel João Ladisláo de F i -
gucredo e Mello e Manoel Ignacio da Cunha Menezes; c quando não a-
proveite inteiramente esta medida, permanecendo alguma parte da tro-
pa preocupada, tem resolvido o mesmo conselho, que fique estacionada
em lugares, que por mim serão marcados, sendo-lhes pagos os seus prets
e mais vencimentos, em quanto se conservarem subordinados aos seus
chefes, e na abediencia das legitimas autoridades, firmes no systema,
que temos jurado, obedientes ás leis do império, e determinações de S.
31. I , ücos guarde a V. S. Bahia 28 de outubro de 1824.— Francisco
Vicente Vianna, presidente.— Illustrissimo senhor barão da Torre de
Garcia d'Avila.
(15) Resolvendo o conselho convocado em 27 do corrente, que se pro-
clamasse aos habitantes da provincia, e corpos que se tinhão retirado
desta cidade, assegurando-lhes, que poderião regressar aos seus quar-
téis, e quando o nãofizessem,lhes serião pagos seus prets e vencimen-
tos, conservando-se na mais perfeita subordinação aos seus chefes, nos
lugares marcados por este governo, c sem reunir mais pessoas de outros
corpos milicianos; cumpre-me communicar a V . S., que os senhores co-
ronel e tenente coronel João Ladisláo de Figueiredo e Mello e Manoel
Ignacio da Cunha Menezes, vão encarregados pelo mesmo governo para
assegurara V . S., e aos moldados do seu commando a resolução do con-
selho, constante da acta junta por copia, que só teve em suas vistas man-
ter a harmonia entre cidadãos preocupados de desconfianças, e que os
habitantes desta capital se conservão firmes no juramento da constitui-
ção do império e obediência a S. M. o imperador, fazendo os mesmos
protestos os commandantes dos corpos, que se achão estacionados nesta
cidade. Deos guarde a V. S. Bahia 28 de outubro de 1824.— Francisco
Vicente Vianna, presidente.—Senhor sargento-mór commandante do
1.° batalhão de 1." linha desta cidade.
Do mesmo teor c data sc expedio ao outro commandante do 2.° ba-
talhão.
DA PROVÍNCIA DA RAH1A. 39
das, tem empunhado as armas contra seus próprios irmãos,
companheiros de suas marciaes fadigas, de seus triunfos, e da
sua gloria: armas que só devem ser empregadas contra os ini-
migos da nação. Porém, apesar deste estado de agitação, é
respeitada a primeira autoridade da provincia, é obedecido o
delegado do poder supremo. A prudência e sabedoria dos ci-
dadãos, distinctos por seus talentos, luzes e virtudes sociaes,
e reunidos em conselho provincial, regula a marcha do gover-
no, dirige com a mais acertada combinação ao bem commum
as paixões exaltadas. A voz da razão é attendida: a ordem
nasce da desordem, a regra succede á confusão, a justiça
triunfa da força, a segurança publica e repouso dos particula-
res, que é o fim das humanas associações, segue-se á sustos
continuados: tudo se torna tranquillo debaixo da protecção
das leis e nome augusto do nosso amado imperador.
« O presidente da provincia identificado á sorte da pátria, e
aos nossos verdadeiros interesses, concidadãos, vos annuncia
que as leis do império serão vossas guardas, e durante o dia
e noite, escoltas fieis vigiarão sobre vossa segurança. Em toda
a parte achareis o sceptro imperial que assegurará vossa tran-
quillidade, que conservará tudo em respeito, e obediência ás
autoridades legalmente constituídas.
(c Continuai pois, cidadãos, no exercício pacifico de vossas
diárias oecupações: as paixões serão acalmadas, o socego ge-
ral inteiramente restabelecido: vivei tranquillos. Bahia 26de
outubro de 1824.—Francisco Vicente Vianna, presidente. »
A noticia dos movimentos sediciosos da capital, alterada pelo
terror de muitas pessoas que emigra vão para diversos pontos,
foi altamente reprovada pelas villas do Recôncavo, cujas câ-
maras municipaes, de accordo com as pessoas de maior im-
portância de seus districtos, tomarão todas as medidas pre-
ventivas á segurança publica, e a evitar-se qualquer aggressão
da soldadesca sediciosa, distinguindo-se n'essas medidas a da
Cachoeira e a de Santo Amaro, bem como o governador de
Itaparica Antônio de Souza Lima, que logo no dia 25 de outu-
bro dirigio-se ao presidente, participando as providencias de
40 MEMÓRIAS H I S T Ó R I C A S , E POLÍTICAS

que havia lançado mão á favor da ordem: todavia essa reti-


rada de dous corpos, que ainda conservavão disciplina, pela
actividade de seus respectivos commandantes, ao passo que
oppunha forte barreira ao desenvolvimento de qualquer trama
contra a fôrma de governo que por ventura se tentasse reali-
sar, augmentou o desanimo entre a população da capital: a
idéa de que esses corpos terião de operar contra os que havião
tido parte no assassinato do governador das armas, os rumo-
res espalhados de breve desenvolvimonto de novo systema, e
o medonho quadro da guerra civil, que a todos se apresenta-
va, fez com que a mesma capital em breve offerecesse no seu
interior a maior solidão, que era contrastada com a vitalidade
assombrosa do seu littoral produzida pelas innumeras familias,
que se embarcavão, ja buscando asilo á bordo das embarca-
ções surtas no porto, ja seguindo para diíferentes pontos do
recôncavo, á despeito da segurança individual e de proprie-
dade, que lhes erão promettidas em proclamações do governo
provincial, gênero de escritos, que ja então não tinhão apre-
ço, sendo justamente consideradas entre os actos de sediço
formulário.
Esta emigração porém fez melhor conhecer aos discolos da
ordem a reprovação de seu attentado: alguns tratarão logo de
evadir-se para evitarem o castigo que reputavão infallivel, e
outros para de alguma sorte attenuarem o attentado, que ha-
via tido lugar, tratarão de publicar um manifesto, cujo pri-
meiro sinatario foi o capitão graduado do 3.° batalhão Fran-
cisco Macario Leopoldo, e onde apenas se via assignado um
só ofíicial superior, o major Joaquim Satyro da Cunha, com-
mandante interino da artilharia, não sendo poucos os que de-
pois rectratarão suas assignaturas, á pretexto de as terem pres-
tado por coacção. A historia futura interessará em ter presente
este manifesto, no qual em verdade alguns factos verídicos se
apontão acerca do coronel Felisberto Gomes, e por isso aqui
lh'o consigno.
« Os officiaes, officiaes inferiores, e soldados desta guarni-
ção, animados dos mais sinceros e ardentes desejos de manter
DA PUOV1NCIA DA RAMA. 41
a paz e socego publico d'esta bella provincia, e de vêr intacta
a unidade do império Brasilico, c illeza em todo elle a autori-
dade de S. M. I. e G. o senhor D. Pedro 1.°, julgão necessá-
rio oíYerecer ao publico, e particularmente aos seus bravos ca-
maradas das outras províncias do império, uma suecinta e
franca exposição das causas, que prepararão o desastroso suc-
cesso do dia 2 5 do corrente, e do mais que se lhe seguio.
« Felisberto Gomes Caldeira, homem destituído de luzes e
falto da mais commum educação, porém hábil por instineto e
astuto em manejar a intriga, depois de concorrer no exercito
pacificador para a prisão do general Labatut, urdio nesta c i -
dade uma conspiração, para que se não aceitasse o governa-
dor Moraes, enviado por S. M. I., pintando aquellc militar com
as negras côres dos mais graves defeitos: tramou a demissão
do coronel Lima, e conseguio empolgar o governo das armas,
á cujo alvo havia constantemente atirado a sua desmedida
•ambição. Este novo Mario, a quem j a no exercito o general
Labatut qualificava de homem perigosissimo, apenas empu-
nhou a espada do poder, soltou a rédea ás negras paixões, que
o dominavão, sendo primeiras viclimas do seu despotismo,
orgulho e brutalidade, aquelles mesmos que enganados com
o seu verdadeiro caracter, servirão de degráos á sua immerita
elevação. Elle foi o principal motor da ultima revolução de
Pernambuco, pelas amplas e seguríssimas promessas de coope-
ração, feitas aos chefes, que a empreenderão. Ameaçou lan-
çar das janellas á baixo os membros da j u n t a provisória, e al-
lucinado com o posto, á que se via elevado, considerava a to-
dos os outros cidadãos como vis escravos, aos quaes podia con-
culcar. Soberbo, e arrogante, a lei para elle era a sua impe-
riosa vontade, disposta, em cada u m dos dias, segundo a maior
ou a menor quantidade das bebidas espirituosas, com que fre-
qüentemente se embriagava, dando-se em vergonhoso especta-
culo, até nos dias mais celebres e solemnes: e para exercer o
seu despotismo, e saciar o seu gênio orgulhoso e vingativo,
mandava chamar perante si o cidadão militar ou paizano, que
era objecto do seu odio, e depois dc vomitar eonlra elle quan-
TOMO. VI. t>
\£ M E M Ó R I A S HISTÓRICAS, E I'OUTIOAS

tas injurias e infâmias lhe vinhão á boca, agarrava-o muitas


vezes pelas vestes, e a tombos o lançava pela escada á baixo.
Escolheu, para ter á seu lado, aquelles homens, que, pelos
seus vicios e mãos costumes, erão o alvo da sátira e odio do
povo, afimde que, em taes satellites, podesse achar dignos
executores de seus despotismos e perversidades. A d m i t t i a de-
nuncias secretas e sem mais informação alguma, sem até ser
ouvido o denunciado, o mandava prender, e conservava re-
cluso por dilatado tempo, não lhe dando a saber nem no tempo
da prisão, nem depois da soltura, o motivo de tal castigo: ou-
tras vezes fazia embarcar repentinamente, para o Rio de Ja-
neiro, o indivíduo, que tinha a desgraça de lhe ser represen-
tado, como pessoa suspeita, sem que se dignasse de fazer sa-
ber ao publico, nem ainda ao mesmo indivíduo, as razões de
tão violento procedimento, o qual exercia de preferencia contra
os officiaes mais beneméritos, e que mais se distinguirão ha
guerra da nossa independência. Infamava nas ordens do dia
qualquer ofíicial por uma mera suggestão dos seus satellites.
Infligia aos soldados penas arbitrarias pela mais leve queixa,
que lhe chegava, até em occasiões, em que, para se compro-
var o crime, deveria preceder u m conselho de investigação:
outras vezes porém, cedendo a empenhos, se fazia declarado
protector dos réos, influindo nos conselhos de guerra, cujos
vogaes se vião na alternativa de lhe desagradar, ou de faltar á
justiça. Apoiava todos os actos arbitrários de seus validos,
consentindo que empregassem soldados e m serviços particu-
lares, e até em trabalhos ruraes, e apadrinhando as suas mais
escandalosas malversações e despotismos. Possuía uma gran-
de lista de proscripção, onde se achavão inscritos innumera-
veis cidadãos, os quaes vivião mais aterrados, que se tivessem
pendente sobre a cabeça a espada de Damocles. Distribuía
com a maior desigualdade os prêmios e os castigos, segundo
os caprichos do seu odio, ou da sua affeição; e permittia que
os officiaes, seus apaniguados, tivessem presos nas fortalezas
os soldados, que d'elles se queixavão, para evitar outras quei-
xas, e representações; coarctando por este modo o sagrado d i -
DA PROVÍNCIA DA B A H I A . 43
reito de petição; d'onde procederão muitas deserções nos cor-
pos. Tinha em tanto esquecimento o bem das tropas, que go-
vernava, que tendo-se passado um grande lapso de tempo,
desde a campanha, cm que ellas arrojarão d'estas praias as
falanges Lusitanas, c firmarão em alicerces de bronze a gloria
da nossa pátria, ainda agora existião sem prêmio as fadigas e
patriotismo dos militares mais beneméritos, por nunca se ha-
ver feito a devida proposta; de maneira que nenhum ofíicial
ainda sabe da sua effectividade, existindo muitos aggregados
e addidos; com manifesto detrimento da boa organisação e
disciplina dos corpos.
« Finalmente, uma serie de attentados, injustiças e despo-
tismos, que seria mui prolixo enumerar, perpetrados contra o
decoro, dignidade e segurança dos cidadãos, excitarão contra
aquelle governador a aversão e vingança da maior parte do
povo e tropa; aversão e vingança, que subirão de ponto pela
decidida protecção, com que apoiava os crimes, e atrocidades
commettidas pelo commandante do destacamento na villa da
Cachoeira, a cujos mais respeitáveis habitantes elle dirigia
affrontosos nomes, ameaçando-os com prisões e açoutes.
« Foi nesta fatal conjunctura,e exacerbada disposição dos
ânimos, que o desaccordado governador intimou ao major Jo-
sé Antônio da Silva Castro, commandante do 3.° batalhão de
linha, a ordem de apresentar-se no Rio de Janeiro á S. M. I .
para onde ja havia remettido presos alguns officiaes benemé-
ritos, que conseguio diffamar na imperial presença. Extrema-
mente sensivel o dito batalhão à separação do seu comman-
dante, e à desgraça, que via eminente sobre a cabeça daquelle
bravo ofíicial, que havia organisado, disciplinado e conduzido
ao campo da honra, onde tantas vezes alcançara os loiros da
victoria, resolveu supplicar a S. M. o imperador constitucio-
nal, a conservação do major José Antônio, pelo intermédio do
mesmo governador, o qual, sabendo d'esta resolução, decla-
rou que se tal fizessem, os iria attacar e destruir com força
maior: decidido porém o batalhão a fazer todos os esforços
para obter a reintegração do seu major, que ja então havia ce-
MEMÓRIAS HISTORfGAS, E POLÍTICAS

dido à outro o commando, enviou no dia 25 de outubro pelas


6 horas da manhã uma deputarão composta de officiaes, e
soldados para pedirem ao governador, que sobr' estivesse na
execução da ordem até ulterior decisão de S. M. I . e C.; po-
rém elle, colérico e soberbo, bem longe de prestar ouvidos à
supplica, que sem duvida seria benignamente recebida por S.
M. 1., tratou com o maior despreso a deputarão, insultando-a
com os mais injuriosos impropérios, de maneira que irritados
os ânimos dos officiaes e soldados, intimarão-lhe aquelles que
se rendesse preso á ordem de S. M. I . : então elle empunhan-
do duas pistolas carregadas assestou-as contra os peitos dos
officiaes; uma lhe negou fogo, a outra o tiro pela cólera que o
cegava. Foi n'este mesmo tempo que os soldados lhe dispara-
rão as armas, c o fizerão cair por terra, sendo origem da sua
morte a sua protervia e demasiada temeridade.
« Este inesperado suecesso fez pegar em armas a todos os
corpos da guarnição, diviclindo-os em dous oppostos e desiguaes
partidos: um menor em forças que mostrava querer vingar a
morte do governador, e outro mui superior, que sem preten-
der atacar, dispunha-se unicamente a repellir aaggressão. Em
tão mimosa crise, anhclando o excellentissimo presidente da
provincia atalhar os males incalculáveis, que ameaçavão os
pacificos habitantes d'esla capital, na contingência de uma
guerra civil, convocou um conselho extraordinário, a que fo-
rão também chamados todos os commandantes dos corpos,
a fim de deliberarem sobre os meios mais adequados ao resta-
belecimento da paz, e socego publico: abi se resolveu que se
entregasse o governo interino das armas ao excellentissimo
brigadeiro Luiz Antônio da Fonseca Machado, por ser a pa-
tente mais graduada da provincia; e que, depostas as armas,
se reunissem na manhã do dia seguinte no campo da Piedade,
os batalhões de um e outro partido para se congratularem,
apertando-se mutuamente com estreitos abraços de cordial
fraternidade. Mas quando amanheceu o seguinte dia, em que
todos os bons cidadãos se lisongeavão de vêr serenada a pro-
cellosa tempestade, e restituida aos seus corações a antiga
DA P K O V I N C I A DA DAIIIA.

alegria, pela remoção do perigo publico, soube-se com espanto


que os dous commandantes do ij e 2.° batalhão de linha,
faltando áquillo mesmo que se tinha tratado no conselho, ha-
vião fugido precipitadamente da cidade, com o favor das som-
bras da noite, em dirccção ao recôncavo, por onde forão es-
palhados o susto e terror.
« Em face das circumstancias fielmente cxpendidas, quemo-
livo pôde justificar tão estranha resolução da parte daquelles
officiaes? Por ventura nos virão elles empunhar contra a pátria
sacrilegas armas? Pretendemos acaso alienar esta provincia
da unidade do império? Ou temos dado o menor indicio de
nos querermos subtrair á obediência devida ao nosso augusto
imperador? Se adoramos e defendemos a nossa pátria, se res-
peitamos as mesmas leis, e obedecemos ao mesmo imperante,
porque fogem de nós aquellas tropas, conservando-se ainda
em attitude guerreira, como se fossemos seus inimigos?
«Povos do recôncavo! prosegui tranquillos nas vossas tare-
fas diárias e trabalhos usuaes. Subsista entre vós o mesmo so-
cego e confiança, que felizmente reina n'esta cidade; e estai
certos que os officiaes e soldados, que agora a guarnecem,
trazendo profundamente gravada em seus corações a fidelida-
de, que jurarão á constituição, e á S. M. o imperador consti-
tucional, não desejão levar aos vossos lares o estrondo da guer-
ra, nem voltarão jamais contra a pátria as terríveis armas,
com que a defenderão e protestão defender dos seus inimigos.
« E vós, bravos camaradas, que em u m momento de alluci-
nação abandonastes os vossos quartéis, tornai para elles sem
receio algum, e voltai ao seio de vossas famílias, que vos es-
perão saudosas. Se sois Brasileiros, este nome honroso, e suave
aos nossos ouvidos, deve apagar nos vossos corações todo o
criminoso desejo de ver correr o sangue de Brasileiros vossos
irmãos e companheiros de armas. Esqueção-se de parte á parte
os erros, que voluntária ou involuntariamente se tenhão com-
mettido; cesse o choque das paixões exaltadas, que ameação
dissolver os vinculos do corpo social, e podem abrir fácil ca-
minho á invasão Lusitana, e não presteis ouvidos ás envene-
46 MEMÓRIAS H I S T Ó R I C A S , E POLÍTICAS

nadas suggestões dos vossos inimigos internos, idolatras vis do


despotismo, que, imputando-nos intenções sinistras, preten-
dem lançar entre nós o pomo fatal da discórdia; a fim de que,
entre as vagas das dissenções civis, naufrague a arca santa da
constituição, e assome em seu lugar o monstro horrendo do
poder absoluto. Bahia 30 de outubro de 1824.» (Seguião-se as
assignaturas.)
No dia seguinte publicou-se outro manifesto da força esta-
cionada em Abrantes aos habitantes da provincia, assim con-
cebida :
« Bahianos! Vós conheceis qual nossa conducta civil e mi-
litar, desde o glorioso dia 2 de-julho de 1823, dia em que al-
cançamos completo triunfo dos Lusos oppressores da liber-
dade BrasileiTa, e ja antes em todo o tempo da nossa porfiosa
luta.
« Nunca fomos chefes de revolução, e nem assistimos ao
conselho dos impios, que hydropicos de honras e dignidades,
procuravão a deposição das autoridades constituídas pelo nosso
amabilissimo imperador constitucional, o senhor D. Pedro 1.°:
desta verdade offerece não equivoco testemunho o ferrenho
dia 1.° de abril, dia em que data a desordem e confusão, que
hoje na capital da provincia reina entre cidadãos pacíficos,
que á pouco recolhidos ao seio de suas famílias inda não bem
limparão o suor, que corria de seus risonhos semblantes, de-
pois das marciaes fadigas.
« Sempre fomos os primeiros em observar as ordens de
S. M. I . e C , dimanadasdo excellentissimo presidente, e go-
vernador das armas. Os clubs,é verdade, se freqüentarão; as
revoluções querião apparecer; desejavão espíritos vertiginosos
unir a provincia da Bahia ao systema de Carvalho em o Recife
de Pernambuco, aceitando seus emissários, munidos de in-
cendiadas proclamações e manifestos; o que tudo não ignora a
córte do Rio de Janeiro; mas, por destino da Providencia, sem-
pre ficarão abortados taes projectos, o que então se devia at-
tribuir ás fadigas das primeiras autoridades da provincia; e se
o infausto dia 25 de outubro obscureceu nossa gloria, os exal-
DA PROVÍNCIA DA BAHIA. 47
tados dêm parabéns, não á sua esperteza, mas á philantropia
do fallecido governador das armas, que desejando descarregar
a espada da justiça, deixava-a escapulir, quando se lembrava
dos deveres de pai: eis o motivo, que obrigara no excesso da
maior afflicção romper n'estas expressões:—Não quero fazer
victimas Brasileiras, desejo antes acabar ás mãos d'estes exal-
tados.—O mesmo general das armas muitas vezes recitava
aquelle dito de S. M. I.— Que antes queria padecer cem annos
de remorsos, do que derramar sangue de um Brasileiro: mas
ah! elle enganou-se!!!
« Homens mais cruéis, que a mesma crueldade, armados de
ferro e fogo, em o dia 25 de outubro, cercão o quartel gene-
ral, prendem o governador das armas, e quando dous officiaes
o trazião escoltado, affiançando suas palavras de honra de lhe
conservarem a vida, com toda a aleivosia fazem sinal á tropa,
a qual lhe dá uma descarga cerrada, roubando com indisivel
prazer uma vida tão preciosa á provincia da Bahia, quanto ne-
cessária ao Brasil inteiro; eis, meus caros compatriotas, é
amantes da boa ordem, eis o prêmio, que recebeu o governador
das armas da provincia da Bahia, nomeado por S. M. I. e C.!
Eis a recompensa, que teve aquelle, que por libertar a pro-
vincia, e com ella o Brasil inteiro, ja dos Lusitanos, ja de in-
gratos Brasileiros, por tantas vezes não duvidou encarar a pró-
pria morte, batendo-se com denodado valor no campo da glo-
ria. Nósoquizemos salvar: foi tarde, porque o mesmo foi cer-
carem o quartel general, que elle ser preso, e logo assassinado.
« Os soldados do l. e 2. batalhão, além de muitos m i l i -
9 9

cianos, tendo à frente seus commandantes, e mais officiaes


possuirão-se da mais justa indignação; quizerão marchar con-
tra os traidores, mas (oh! sagrada subordinação, quanto não
imperas em peitos verdadeiramente militares!!!) o excellen-
tissimo presidente ordena que se não movão dos seus quar-
téis ; os soldados obedecem; não sabem arredar pé; e, para
mais realçar sua constância, soffrem que, a sua frente, pas-
sêem impunes os assassinos, que bem cavalgados dão parabéns
mutuamente por terem perpetrado o maior dos attenlados; ò
48 MEMÓRIAS HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

que tudo indicavão seus semblantes prasenteiros, esquecidos


do crime à pouco commettido á despeito da subordinação mi-
litar, da constituição e até da mesma natureza. E precisare-
mos ainda mais provas da nossa generosidade? Aqui não para
o crime. O corpo do governador das armas, ja entregue aos
horrores da morte, é insultado por um punhado de furiosos
soldados, que clamavão sem cessar—Acabou-se o infame, o
traidor, o tyranno!
« Convoca-se um conselho em casa do excellentissimo presi-
dente, que, apesar de seu innato valor (cousa maravilhosa á
sua idade!) da sabedoria, e prudência, de que é ornado, nada
pôde manifestar, vendo á testa daquelle conselho alguns dos
chefes da revolução: estes fallão, e quando se trata do assas-
sino, mostrão-se indifferentes, attribuindo-o ao acaso, acaso,
que n'aquelle funesto dia tantos males acarretou a toda a
provincia: acaso, que permittio o saque do quartel general
depois de morto o governador das armas; acaso, que pro^uzio
a paralisação do commercio, a fuga de muitas famílias, que
escapavão do horror e confusão-, acaso, que, emíim, deu mo-
tivo a serem delapidados alguns particulares na cidade baixa
por aquella tropa insubordinada de Periquitos, 4.° batalhão e
artilharia, origem de todos os males e horrores da provincia.
« Em toda a noite do dia 25 levamos debaixo de armas,
apesar de sermos ameaçados por interpostas pessoas; raiou o
dia 26, nos malvados não ha mudança; continua o conselho,
que, depois de vários debates, assenta, que a tropa complice
em crimes tão desastrosos se abraçasse com aquella, só dis-
posta a sustentar o juramento prestado. Aqui, ó Bahianos,
julgai bem, e fazei justiça à nossa causa! Deviamos por ven-
tura dar demonstrações de amisade para com quem pretendia
atraiçoar-nos? Pôde acaso unir-se a luz ás trevas, o crime à
innocencia? Talvez decidaes, que para poupar sangue Brasilei-
ro a tudo nos deviamos expôr: nós, possuídos de tão justo sen-
timento, assim o fizemos, quando deixamos os nossos quart<
com todas as coinmodidades, nossos poucos bens, e sobre
do nossas famílias, para nos livrarmos de ter a mesma soa
DA PROVÍNCIA DA BAHIA. 49
do governador das armas, especialmente o commandante do
2.° batalhão, que na tarde d'este dia foi procurado para ser
assassinado; e occupamos o ponto onde nos achamos hoje reu-
nidos. Quem assim procede, Brasileiros, não é rebelde, é leal;
não é cruel, é humano, escolhendo antes expôr-se aos maiores
sacrifícios, do que entregar-vos aos horrores da anarquia.
« Nós appellamos, não para a ingratidão e crueldade, mas
para a opinião publica, que nunca se engana em decidir pró,
ou contra este ou aquelle partido.
« Passamos em silencio outras muitas circumstancias, que
occorrerão; não publicamos, que os batalhões insubordinados,
aproveitando se da hora, em que o 2.° batalhão se achava em
exercício-no campo de S. Pedro, e o commandante do l . nas9

recrutas das milícias, conseguirão seus fins sinistros.


« Por modéstia não publicamos o modo insubordinado,
com que se portou em o dia 26 o 4.° batalhão, lançando fóra
seu benemérito commandante, o major Francisco da Costa
Branco, destinando-se igual sorte aos majores do 1.° e 2.°ba-
talhão.
« Se defender autoridades constituídas, sustentar os direi-
tos do trono, e da religião, manter a segurança individual, é
crime, somos mui criminosos; aliás se é virtude, somos dignos
do vosso respeito e consideração.
« Aqui nos achamos hoje reunidos em nome de S. M. I . e C.
para não augmentarmos partidos, para sustentarmos a digni-
dade da provincia, e com ella a de todo o império. Quartel da
yilla de Abrantes 31 de outubro de 1824.— Francisco da Costa
Branco, major commandante da força.—José Leite Pacheco,
major commandante do 1.° batalhão,—Alexandre Gomes de
Argolo Ferrão, major commandante do 2.° batalhão. »
Forão em parte satisfeitas as exigências dos desordeiros,
officiando o presidente aos capitães móres, commandantes
dos corpos de 2. linha, e juizes de fóra das villas da Ca-
a

choeira , S. Amaro, S. Francisco, e Maragogipe para que


não consentissem sollicitar-se nos districtos de sua jurisdic-
ção soccorros de alguma qualidade, ou se formassem cai-
TOMO v i . 7
50 MEMÓRIAS H I S T Ó R I C A S , E POLÍTICAS

\as militares, á titulo de subsídios dos batalhões emigra-


dos , procurando cada urn delles remover quanto podesse
induzir desconfianças entre os corpos divorciados : comtu-
do nada disto obstou á que a força de Abrantes fosse en-
grossada pelo batalhão dc Minas, que á cila se reunio, sain- •
do da capital na manhã do dia 1 3 , não obstante seu com-
mandante , José de Sá Bittencourt e Câmara, receber em
caminho uma portaria do presidente, mandando-lhe que re-
gressasse para a cidade, por deferencia ao major Joaquim
José Rodrigues que isso exigira. Neste mesmo dia reiterou o
major José Antônio o offereeimento de seguir com o batalhão
do seu commando para Pernambuco, ou qualquer outro ponto
do império, e o presidente, aceitando esse oíferecimento, man-
dou logo promptificar os transportes para isso necessários. No
meio porém do taes preparativos, a força estacionada em
Abrantes havia formado um conselho, em o qual, entre outras
medidas congruentes á causa publica, igualmente tratou de
approximar-se mais á capital, e esta medida, que os dissiden-
tes encararão pela peior parte, exacerbou á tal ponto os cori-
pheos da desordem, que o presidente, receiando compromet»
ter a tranquillidade publica, ordenou immediatamente aos
que commandavão a mesma força, que não se movessem do
ponto em que estavão sem ordem delle, proclamando dé novo
aos habitantes, para que depozessem o terror de que estavão
predominados. Comtudo imperando sobre todas as classes,
não contaminadas do prisma sedicioso, a idéa de que o mesmo
presidente se achava coagido entre o poder dos revoltosos, por
conseguinte suas ordens, ainda as mais espontâneas, erão re-
cebidas debaixo daquelle aspecto, e ficavão inexequiveis: o
presidente reconheceu isto, e em o dia 28 passou-se occulta-
mente para bordo da curveta nacional Maria da Gloria, que
estava surta no porto, sendo apenas acompanhado por um dos
officiaes do partido exaltado, o major Joaquim José Rodrigues,
o qual, victima de sua credulidade, deixou de ausentar-se da
provincia, como pretendia, confiado na promessa de protecção,
que o mesmo presidente protestava prestar-lhe. Uma typo-
DA PU0V1NCIA DA BAHIA. 51

graphia tinha sido d'antemâo conduzida para essa curveta


e logo q u e á ella chegou o presidente fez i m p r i m i r , e depois
r e m e t t e u para terra esta proclamarão:
« Bahianos! É o vosso presidente, o vosso maior amigo, que
vos falia. Concentrado na capital da provincia nas actuaes c i r -
cumstancias, não podia d i r i g i r os negócios públicos à b e m da
vossa segurança. E r a por tanto necessário collocar-me e m u m
ponto, d'onde podesse f a l l a r , especialmente à força armada,
c o m aquelle grào de energia própria de u m delegado de S. M.
I., sustentando a causa da nação e do imperador. Estou à bor-
do d a curveta Maria da Gloria. Nada tendes à temer. Todo
me consagro ao t r a b a l h o de firmar a vossa t r a n q u i l l i d a d e . Te-
n h o expedido ordens à tropa residente na cidade, e á estacio-
nada fóra d'ella: aquella para eíieituar o seu e m b a r q u e para
P e r n a m b u c o , e a esta para conservar-se obediente ás m i n h a s
determinações. E n t r e t a n t o a o r d e m p u b l i c a se manterá. Cada
cidadão t e m , pela constituição, u m asylo inviolável e m sua
casa, e por tanto, direito para a guardar e defender. Observai
as leis, e obedecei às autoridades.
« Manter a causa da independência e integridade do impé-
r i o , conservar sua fôrma d e governo monárquico e c o n s t i t u -
cional, debaixo dos felizes auspícios d o nosso augusto impe-
rador, o senhor D. Pedro 1.°, e sustentar o decoro e dignida-
de da provincia, da nossa fiel p r o v i n c i a da Bahia, seja o obje-
cto de todos os nossos cuidados. Bahianos! o vosso presidente
nada mais exige de vós do que o c u m p r i m e n t o de vossos mes-
mos deveres. O vosso caracter é assás conhecido, a vossa fide-
lidade é o t i m b r e da vossa gloria. Bordo da curveta Maria da
Gloria 2 8 de n o v e m b r o de 1 8 2 4 . — F r a n c i s c o Vicente Vianna,
presidente. »
Havia então chegado de Pernambuco, enviado pelo brigadei-
ro Francisco de L i m a e S i l v a , o c o r o n e l , hoje tenente ge-
neral , A n t e r o José Ferreira de B r i t o , que a l l i servia de quar-
tel-mestre general, d u r a n t e a oecupação da capital daquella
provincia, pelas forças imperiaes enviadas do R i o de Janeiro
a subjugar a celebre confederarão d o equador: esse coronel
52 MEMÓRIAS H I S T Ó R I C A S , E POLÍTICAS
#

tinha sido expressamente enviado pelo mencionado brigadei-


ro, logo que soube dos acontecimentos do dia 25 de outubro,
e o presidente, á cujas ordens devia estar, encarregou-o em o
dia 28 de novembro do commando da força acampada em
Abrantes, autorisando-o (14):

(14) Também havia chegado do Rio de Janeiro o tenente coronel Jo-


sé Eloy Pessoa, encarregado do commando da brigada de artilharia, que
devia acompanhar para a campanha do sul, mas immediatamente seguio
para a Itapoan, d'onde proclamou aos soldados d'essa brigada , c na mes-
ma oceasião dirigio o seguinte officio ao major Joaquim Sátiro, que se
achava no commando dessa arma.
a 111.™° Snr.—Como encarregado por S. M . I . do commando d'arti-
lharia, conformemente a portaria expedida pela secretaria da guerra,
que apresentei ao excellentissimo interino governador das armas nesta
provincia no dia 11 do corrente, e ao officio, que ao mesmo excellentis-
simo senhor dirigi com data dc 19 também do corrente, em que partici-
po as justas razões, que á bem do serviço de S. M. I . me obrigavão a não
tomar conta do dito commando na cidade, e á retirar-me, esperando as
ordens dc S. M. I . , para este ponto, onde livre dc traições, cm posições
vantajosas para impedir a guerra civil, e para executar com segurança
qualquer determinação do mesmo augusto senhor; existe a leal tropa
que desapprovando altamente o atroz e vil assassinio de seu general, e a
coaecão em que se achão as primeiras autoridades, que se vêm n'essa c i -
dade ameaçadas pela força, traição, c punhaes dos malvados matadores;
vai estear a provincia impedindo, que apparcça nella o mesmo vertigino-
so espirito republicano, que tem feito a desgraça de Pernambuco, e pa-
rece ser o mesmo de Sergipe, cujos suecessos últimos inculcão plano
concertado com a Bahia: como commandante d'artilharia, disse: e por
todas as razões expendidas acima mui de propósito para que V . S. em
tempo algum se possa chamar á ignorância, e desculpa de sua insubor-
dinação e desobediência, ordeno a V. S. que immediatamente se retire
para este ponto de Itapoan, com todos os soldados promptos, e officiaes,
que ainda existem no corpo, trazendo comsigo o parque da brigada, e
quanta munição for possível transportar, fazendo fogo cm caso de ataque
contra a pouca c pérfida tropa estacionada ainda n'cssa cidade, se pre-
tender impedir-lhe o passo: c quando V. S. se não possa retirar com o
parque e munições, ordeno que gradual e oceultamente o faça transpor-
tar para bordo da fragata Maria da Gloria, onde será recebido por o
seu honrado commandante, c depois dessa entrega V . S. com o restante
do batalhão, ou se recolherá á dita fragata, a fim de ser conduzido para
aqui, ou marchará por terra para este ponto, onde infallivelmcnte o es-
pero até o dia 28 do corrente. Executando V . S. esta ordem eu me res-
ponsabiliso inteiramente por esse apparente acto de insubordinação de
V . S., c do batalhão para com o coacto general das armas: aliás se V. S.
a não cumprir exactamente, c no tempo determinado, punido como re-
DA PROVÍNCIA DA B A H I A . &3

1.° A' assumir o commando da força, estacionada nas ap-


proximações desta cidade: 2.° à tomar as posições, que jul-
gasse mais convenientes, para impedir a deserção dos soldados
destinados á expedição de Pernambuco, ordenada por S. M.
I . , e outros quaesquer que pretendessem abandonar seus pos-
tos: 3.° a conservar-se em observação dos movimentos contrá-
rios à ordem publica, que tivessem lugar n'esta cidade, à qual
'soccorreria com a possível brevidade, empregando os meios
que estivessem ao seu alcance para o estabelecimento da mes-
ma ordem publica: 4.° á requisitar ás autoridades civis, e mi-
litares desta provincia, todos os soccorros que fossem neces-
sários á tropa do seu commando: 5.° á requisitar aos com-
mandantes militares todas as forças, que julgasse convenien-
tes, para cumprir os artigos acima mencionados: 6.° á execu-
tar todas as ordens, que fossem expedidas pelo governo á tal
respeito. '
Os principaes fautores da publica trepidação, conhecendo
que nada mais lhes restava á fazer, tratarão de evadir-se, e o
presidente, considerando segura a cidade por taes providen-
cias, prefixou o dia 4 de dezembro para o embarque do bata-
lhão 3.°, ordenando a approximação da força estacionada em
Abrantes, que occupou a capital immediatamente que se ef-
fectuou aquelle embarque, e preenchido por esta fôrma o fim
para que se passara para bordo da referida curveta, tornou
logo para terra, sendo seu desembarque um acto de pompa
triunfal, a que se seguio esta proclamação—

belde responderá a S. M. I. por os males que possa produzir sua desobe-


diência; e desde logo considerando-se como preso á ordem de S. M. I , ,
se entregará como tal á bordo da dita fragata. Lembro a V . S . , que ja
a maior parte dos soldados c officiaes do corpo se achão aqui; e que por
o menos demorando-se ainda alguns dias n'essa cidade, não se pouparáõ
os camaradas ao labeo de sócios, cooperadores, c corréos da má gente do
3.° batalhão. Outro sim asseguro a V . S . em nome de toda a divisão aqui
estacionada, e a todos os nossos camaradas sua imm'unidade e segurança
individual, até decisão de S. M. I . V . S. fará ler em parada do corpo a
proclamação inclusa para sciencia de seus de ver es. Deos guarde a V . S .
Quartel em Itapoan 24 de novembro de 1824.—111. Sr. Sargento mór
m0

Joaquim Sátiro da Cunha—José Eloy Pessoa da Silva.»


54 MEMÓRIAS H I S T Ó R I C A S , E POLÍTICAS

« Generosos Bahianos! É em nome da pátria, e cm nome


do nosso imperador, o senhor D. Pedro 1.°, que vos falia o
vosso presidente.—Em cumprimento de minhas promessas
ordenei as mais efíicazes providencias em vosso favor: a pu-
blica tranquillidade foi restabelecida: não foi baldada vossa
confiança, a ordem social foi reslituida. Espero que não seja
alterado o socego, que gozamos. Todos concorrerão para a
conservação da paz da provincia, porque a felicidade de cada
particular depende necessariamente da geral felicidade. Vivei
tranquillos.
« Não só tenho a louvar os cidadãos amantes da boa ordem,
que permanecendo quietos em seus lares, com o seu exemplo
de obediência ao governo legal desarmarão esses poucos mal
intencionados, que espalhavão sementes de discórdia. As mes-
mas autoridades, que muito restrictamente cumprirão as or-
dens emanadas da primeira autoridade provincial, são dignas
de todo o louvor. Um bravo ofíicial tem dado as mais certas
provas da sua coragem, do seu patriotismo: a Bahia respeitará
em todo o tempo suas virtudes militares: o juizo da posteri-
dade escreverá seu nome illustre na lista dos que salvarão a
• pátria em dias aziagos.
« Chefes, officiaes e soldados do brioso heróico exercito
Bahiano, que fostes em outro tempo o terror dos inimigos, o
assombro dos oppressores da nossa liberdade, o firme esteio
da independência da nossa pátria, depois de haverdes salvado
pelo vosso valor na poríiosa luta da guerra lusitana, a salvais
pela vossa lealdade inabalável dos horrores da guerra civil, e
da anarquia. * ontinuai a ser, pela vossa fidelidade, o exem-
plo, a inveja de vossos concidadãos, cumprindo o dever sa-
grado de manter illesa a integridade do império, a segurança
da provincia, que vos está commettida, maior gloria, e maior
ventura vos espera : a nação Brasileira, o imperador, vos de-
veráõ sua defeza.' nossos vindouros abençoarão vossos nomes.
Essa será a mais gloriosa recompensa dos vossos trabalhos,
das vossas fadigas.
« É deplorável a cegueira dos que se deixarão allucinar por
DA PROVÍNCIA DA B A H I A . 55
criminosas paixões. Elles tem sido instrumentos dos seus in-
fortúnios. A voz publica os condemna. A segurança da provín-
cia, e do Brasil exige, que eu execute as medidas policiaes,
para que estou positivamente autorisado por ordens imperiaes.
A justiça reclama, que mão fique impunido tão horrendo at-
tentado. As leis vingarão tão grande atrocidade. Assim seráõ
desarmadas as paixões rebeldes, os cidadãos viviráõ tranquil-
los. Mas eu confio, que a clemência de S. M. o imperador pou-
pará, quanto seja possível, que a espada d'Astréa derrame o
sangue Brasileiro.
« Confiai em o vosso augusto imperador: sua politica é libe-
ral: todo o seu interesse é a felicidade do seu povo :, nenhum
tem expirado victima de suas opiniões desvairadas. Imitador
de Ti to considera perdido o dia, em que não faz alguém feliz.
Tudoannuncia que seu reinado será tranquillo, que, conso-
lidado o império constitucional, viviremos contentes, e felices.
Bahia 4 de dezembro de 1824.—Francisco Vicente Vianna,
presidente. »
O brigadeiro Machado conscio de sua incapacidade, deu
demissão do commando das armas, em que não passara de
um autômato, sendo substituído em tal commando, c no mes-
mo dia 4, pelo coronel Antero, mas o imperador, á cujo co-
nhecimento havião chegado as primeiras noticias, que ficão
referidas, as quaes na capital do império ainda forão mais as-
sustadoras, depois de haver dissolvido o batalhão 3.° (15) por
decreto de 16 de novembro, nomeou no mesmo dia o briga-

(15) Sendo conveniente riscar da linha do exercito um corpo, que pe-


los crimes de muitos de seus individuos se tem tornado odioso, faltando
á pratica da cega obediência militar, segundo o expresso no artigo 147
do cap. 8.° da constituição do império, pizando a honra, timbre do
exercito Brasileiro: hei por bem dissolver o 3.° batalhão de caçadores
da cidade da Bahia, dando posterior destino aos individuos convencidos
reos, pela fôrma que tenho ordenado por decreto datado dc hoje; e aos
ínnocentes, aquelle que tem direito a esperar da minha imperial magni-
ficência e justiça. O conselho supremo militar o tenha assim entendido,
e o faça executar. Paço em 16 de novembro de 1824, 3.° da indepen-
dência e do império.—-Com a rubrica de S. M. l.—João Vieira de Car-
valho. N
> *K V - '.nl rw
5G MEMÓRIAS' H I S T Ó R I C A S , E POLÍTICAS

deiro José Egidio Gordilho de Barbuda, para commandar as


armas nesta provincia, suspendendo nella as garantias consti-
tucionaes, para serem os envolvidos na revolta punidos mili-
tarmente, por uma commissão militar nomeada e presidida
por aquelle brigadeiro (16): tomou este posse do seu emprego
em o dia 16 de dezembro, passando logo a nomear para tal
commissão os coronéis Nicoláo Carneiro da Rocha, Antônio
Manoel de Mello e Castro, D. Braz Balthazar da Silveira, e
Silvestre José da Silva, em lugar do coronel Ignacio Antunes

(16) Porquanto está em perigo a segurança da provincia da Bahia, pe-


la revolta de parte das tropas da guarnição de sua capital, do que pode-
rá seguir-se risco á segurança do estado, e sendo necessário occorrer
com medidas, que entre outras é a essencial a prompta punição de um
crime tanto mais atroz, quanto c escandalosa a condueta dos assassinos
do seu próprio governador das armas o coronel Felisberto Gomes Cal-
deira, na qual derão um perigoso exemplo e declarada rebeldia ás leis e
as autoridades constituídas, incutindo o susto, e a dessolação dos pacífi-
cos e honrados habitantes daquella capital, que tanto direito tem a pro-
tecção do governo: hei por bem, depois de ouvir o meu conselho de es-
tado, na forma do § 35 do art. 179 do tit. 8.° da constituição do império;
ordenar, que se suspendão n'este caso as formalidades ordinárias nos
processos crimes, c pelo tempo necessário á punição de tão horrível at-
tentado; mandando criar na provincia da Bahia, uma commissão militar,
composta do governador das armas, o brigadeiro José Egidio Gordilho
de Barbuda, como presidente, de quatro vogaes, que serão es coronéis
mais antigos, que se acharem mais próximos ao quartel general, e de
um juiz letrado relator, nomeado pelo mesmo governador, o qual fará
julgar breve e summariamcnte os réos convencidos de assassinos do go-
vernador das armas Felisberto Gomes Caldeira, e de serem cabeças da
revolta do dia 25 de outubro próximo passado, tudo na forma dos arti-
gos 1.°, 8.°, 15 e 16 dos de guerra do regulamento do exercito; assim
como julgará os individuos do 4.° batalhão de caçadores de 1." linha e #

do corpo de artilharia, e mesmo do 3." batalhão de caçadores (quando


não estejão implicados immediatamente no assassinio, que por este deli-
cto serão punidos) que recusarem obedecer as minhas imperiaes ordens
de se unirem ao governador das armas por mim nomeado, para o resta-
belecimento da disciplina militar; sendo para tal effeito quintados os
mesmos corpos depois de reunidos, e reduzidos á obediência, e os offi-
ciaes d'elles assim convencidos e punidos- na conformidade do artigo 15
do regulamento do exercito. As competentes autoridades, a quem o co-
nhecimento d'este pertencer o tenha assim entendido e o fação execu-
tar. Paço 16 de novembro de 1824, 3.° da independência c do império.
—Com a rubrica deS. M. I.—João Vieira de Carvalho.
DA PROVINHA DA RAIMA. 57
Guimarães, que se escusou, pretextando moléstia; para rela-
tor foi nomeado o desembargador Luiz Paulo de Araújo Bas-
tos, commissão essa que trabalharia todos os dias não santi-
ficados no palácio do governo, e em ordem do dia 19 de-
terminou , que a 22 d'esse mez se fizessem as honras fú-
nebres militares ao coronel Felisberto Caldeira, em virtude
do que fôra ordenado pelo imperador, tendo lugar a cerimo-
nia religiosa com extraordinária pompa na igreja de S. Pe-
dro-velho, onde havia sido inhumado, e orando o reverendo
doutor Joaquim de Almeida sobre as palavras do livro da Sa-
bedoria— Consummatus in brevi explevit têmpora multa (17).
Uma commissão militar, tribunal odioso por sua essência,
e trabalhando no calor das paixões, devia necessariamente
corresponder ao conceito que d'ella se formara: com effeito
encetou os seus trabalhos em o dia 3 de janeiro de 1825, e
a 15 do mesmo mez o infeliz major Joaquim Satyro da Cunha
soffreu a pena capital, que lhe fòra imposta, não no patibulo,
como o estabelecêra a sentença, porém arcabusado, substitui-
ção esta devida ao singular repudio do algoz José do Egypto,
que preferio cumprir a pena de morte, que anteriormente lhe

(17) Por subscripção promovida entre os officiaes da guarnição forão


trasladados com pomposo acompanhamento os ossos d esse coronel para
a igreja catedral em a noite de 24 dc outubro do anno seguinte, sendo
presidente da provincia o conselheiro João Severiano Maciel da Costa,
depois visconde, e ultimamente marqucz de Queluz. Um soberbo mauso-
leo achava-se preparado para reccbel-os naquellc vasto templo, no qual
em o dia imroediato, anniversario do assassinato, celebrou-se um so-
lemne officio pelas dignidades e corporação capitular, assistindo a seme-
lhante acto o presidente e innumeras pessoas da classe mais elevada da
sociedade; satisfez as honras militares d'esse acto fúnebre, em que servia
de orador o supradito Dr. Joaquim^le Almeida, uma brigada composta
de dous batalhões, e findo o mesmoacto, forão esses restos mortaes re-
colhidos a uma sepultura acima do arco do cruzeiro, em cuja campa se
lê este e\útaüo —Aqui jazem, os ossos do coronel Felisberto Go7nes Cal-
deira governador das armas desta provincia, distineto servidor da pá-
tria, e amigo leal do imperador, desgraçadamente morto no dia 25 de
outubro de 1824.—A chave do caixão que os encerrava, foi então con-
fiada á guarda daquelle presidente pelos mesmos officiaes, e por elle en-
viada em 7 de junho de 1826 ao vice-presidente Manoel Ignacio da Cu-
nha Menezes, por oceasião de retirar-se para a corte.
TOMO. v i . 8
58 MEMÓRIAS HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

havia sido imposta por crimes civis, a executar aquella sen-


tença, e ao passo que essa commissão tratava de preencher os
fins de sua creação, o ouvidor do crime procedia á rigorosa de-
vassa contra os outros complicados no assassinato do coronel
Felisberto Gomes, em conformidade do decreto de 24 de de-
zembro de 1824, que supprio o lapso de tempo decorrido, se-
gundo a legislação d'essa época.
Comtudo apenas passou o asombro e o terror, começou a
desenvolver-se o espirito publico contra tal commissão, e um
impresso que então apparcceu mostrando sua illegalidade,
motivou ser arbitrariamente preso o administrador da typo-
graphia nacional Francisco José Corte Imperial, pelo briga-
deiro Gordilho, sem outro principio mais do que o de não que-
rer declarar o autor dessa publicação, que a final foi julgada
sem criminalidade, soffrendo todavia aquelle administrador
longa prisão na fortaleza do mar, até ser solto por ordem' i m -
perial, sendo o presidente da provincia sobremaneira frouxo
n'este particular, por isso que suas requisições concernentes
á tal soltura forão inteiramente menoscabadas por aquelle
commandante militar. Parece porém que esta reluctanciajnsti-
gou-o á idéas de commiseração, implorando por officio de 26 de
janeiro a clemência imperial á favor dos que havião tomado
parte nos acontecimentos de 25 de outubro, victima de cujo
délicto expiou também com a vida o tenente do 3.° batalhão
Gaspar Lopes Villas-Boas, fuzilado em 22 de março por sen-
tença da commissão militar, a qual encerrou os seus trabalhos
a 30 de maio, passando a relação da provincia a julgar os ou-
tros envolvidos em tal crime: exige porém a imparcialidade
histórica se diga que muitos sam duvida serião os justiçados
por essa commissão, a não ser genialmente benéfico e pro-
penso á filantropia o brigadeiro Gordilho, que a presidia (18).

(18) Por edital de 27 de abril do mesmo brigadeiro forão intimados o


major Joaquim José Rodrigues, capitão Francisco Macario Leopoldo, os
alferes Jacintho Soares de Mello, e João Pio do Amaral Grugel, o cirur-
gião-mór José Polibio Paraassú, o soldado particular Francisco Peixoto
e Veras, e o cabo Bento José da Costa, todos do extineto 5." batalhão..
DA PROVINCIA DA BA1Í1A. 59
Pelo que íica referido, conhece-se que a administração do
presidente Francisco Vicente Vianna nada apresenta de im-
portante ao augmento da provincia, por ser quasi exclusiva-
mente empregada em manter a tranquillidade publica, alte-
rada por continuados movimentos revolucionários: comtudo
f o i durante o seu governo, que se soube haver a Inglaterra re-
conhecido a independência d'este império, cuja noticia che-
gada á Pernambuco por um vaso inglez, alli entrado de Liver-
pool a 17 de fevereiro, foi logo transmittida a esta provincia
pelo general Francisco de Lima e Silva, que alli servia de pre-
sidente, e posto que se achasse ainda assombrada esta capital
pelos acontecimentos de que se ha dado abreviada relação, a
importância de semelhante participação, feita pelo presidente
à todas as estações publicas, no dia 24 daquelle mez, em que
recebeu os oííicios do referido general, fez renascer os âni-
mos, e todos á poríia se esmerarão em patentear o seu enthu-
siasmo, conscios de que esse reconhecimento seria com pres-
teza imitado por todas as mais potências, firmando-se assim
a tranquillidade do império. É também digno de memória o
seguinte acontecimento.
Havia ja muitos annos que se sabia ser fácil a communi-
cação de diversas villas das comarcas austraes desta pro-
víncia com a de Minas Geraes, com quanto inúteis tives-
sem sido as ordens, e mesmo despezas não pequenas, empre-
gadas com a abertura de différentcs estradas, para tornar-se
patente tal communicação, em conseqüência do que alguns
habitantes da villa de Santa Cruz de Porto Seguro havião
aberto uma picada, no espaço de oito léguas de mata, não
obstruída de rochedos ou rios; e sem que todavia rompessem-
na até os campos, suppondo ser ainda muito extensa a mesma

assim como os alferes do 4.° batalhão Francisco Paraassú ou Junqueira,


o cadete José Rocha Galvão, e o bacharel Innocencio Rocha Galvão, to-
dos ausentes por se haverem evadido ás pe^quizas feitas para a sua pri-
são, que por decisão da commissão militar erão mandados dizer dc faclo
e de direito, por seu curador nomeado o padre Antônio da Trindade An-
tunes Meira, advogado que então se achava n'esta cidade, c dotado de
bastante illústròeão jurídica.
(10 MEMÓRIAS HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

mata, entrarão n'aquella villa, em o dia 30 de abril, Quín-


tiliano José Gomes, seu pai Joaquim José Gomes, e dous peões
José da Silva e Luiz da Costa, saídos do centro de Minas-novas
com uma porção de gado vaccum e cavallar, deparando ca«
sualmente a referida picada, depois de alguns dias de cami-
nho, sem outra certeza de direcção que a constante por tra-
dição. A relação desses sertanistas, assegurando ser facilimo
o trajecto que havião effectuado, abundante de pastagens,
agua, e de moradores da saída da mata em diante, e sua che-
gada tres dias antes d'aquelie, em que por louvável costume
alli se commemora a invenção da Santa Cruz, e o anniversa-
rio do facto histórico, nunca contestado, de haver o descobridor
do Brasil em igual dia inaugurado no próprio lugar, em que
existe a freguezia, a cruz (19) que por annos deu nome ao

(19) A villa rlc Santa Cruz, da qual tratar-sc-á mais amplamente na


topografia, gosa da vista mais pittorcsca, sobre a bahia que entre os pe-
quenos promontorios de Santo Antônio e Coroa-vermelha formou a na-
tureza para surgidouro dc muitos e grandes navios, abrigada de lesnor-
desle ao sul pelo mar, c do sul ao norte pela terra. Sua latitude, segundo
R o u s s i n , é d e 16- 1 8 ' 5 0 " ao sul, e 2 9 ° 5 5 ' e 5 9 " de longitude ao oeste
de Lisboa, sendo a variação magnética ao nordeste: na parte central
dessa bahia deságua o rio de João T y b a , que banha a freguezia situada
á sua margem, cuja foz, posto que n ã o seja muito larga admitte comtudo
vasos, que demandarem até l i palmos, sendo immutavel por ser de pe-
dra, e summamente mansa, por isso que as vagas do alto mar a n n i q u i l -
lão-se nos recifes oppostos á enseada. Em outro tempo, e em outro paiz
um eterno padrão autenticaria ao século presente e aos vindouros psse
facto histórico de tamanha importância; mas hoje . . . ! ! O coronel J o ã o
Ladisláo de Figueiredo e Mello, quando deputado á assembléa p r o v i n -
cial, propoz em sessão de 18 de abril de 1857 que alli se levantasse uma
cruz de m á r m o r e preto, assentada sobre seu calvário do mesmo m á r -
more, em quadrado dc cantaria de tres d e g r á o s , guarnecido de balaus-
trada de bronze, em lugar da antiga cruz de madeira que o nobre autor
do projecto suppunha ainda existir, mas de que nem mais noticias ha;
comtudo parece que as economias, os o r ç a m e n t o s e a illustração do tem-
po tacharão com menos preço essa indicação, que assás honra ao que a
fez.—O sábio visconde de C a y r ú , Jíistor. dos princip. sueces. do Brasil
tom, 1 pag. 100, diz a respeito dà indifferença de que a principio f a l l e i :
« E ainda mais de admirar, que sendo a Bahia Cabralia do Porto-se-
guro, a que deu ancoragem á armada Portugueza, que primeira avistou
este continente, e onde (segundo a tradição) as náos da í n d i a a r r i b a v ã o
DA P R O V Í N C I A DA B A H I A . fil

continente deste império, servirão de incentivo maior a tal so-


lemnidade.
Fatigado porém o presidente Vianna por tantos revezes que
se havião distinguido no tempo da sua administração, sollici-

para refrescarem, ora apenas contenha limitada villa. Resta por tanto
fazer votos de ahi se levantar uma cidade de memória. •
R não menos admirável é o epilogo que sc transcreve do opusculo
Descobrimento do Brasil, obra do erudito Francisco Adolpho Varnha-
gem, infatigavel investigador de antigüidades da pátria.
* E o Brasil se descobrio. Onde são porém os padrões de tão glorioso
e transcendente acontecimento, que influio na sorte de tantos homens?
A Bahia Cabralia, vai para quatro séculos que espera por este nome, e
com mais razão espera um monumento, que a e n n o b r e ç a , e a terra c i r -
cumvisinha altamente o reclama.
O ilhéo ainda n ã o teve a fortuna de servir de base a uma torre l u m i -
nosa, que em quanto utilise aos navegantes, qual outro farol de Alexan-
dria, aceuse ao viajante, em testemunho de g r a t i d ã o , que alli foi planta-
da a primeira arvore do christianismo, e se celebrou primeiro a religião
de nosso paiz!
Pois ja que faltão monumentos físicos, procuremos n ó s , ajudados pe-
los Souzas, Vasconcellos, e com o auxilio dos modernos, apregoar estes
e outros factos do t e r r i t ó r i o , em que os destinos da Providencia nos r e -
servavão o berço,
Paiz de gentes, de prodígios cheio, f

Da America feliz, porção mais rica,


cuja historia n ã o teve nem Barros, nem Coutos, nem Farias, nem Herre-
ras, apezar dc ser uma das que mais tendem a sublimar, e encarecer os
factos lusitanos. »
Cumpre porém dizer-se que a despeito de tal indifferença os habitan-
tes de Porto-seguro considerarão a chegada de Quintiliano José Gomes
corno digna de attenção; varias canções populares em seu louvor, com-
postas por este motivo, servirão de patentear o reconhecimento que os
dominava, parecendo digno dc perpetuar-se aqui o seguinte soneto, f e i -
to então por" um d'aquelles habitantes, n ã o por belleza poética, que o
distinga, mas por ser apenas dictado pelo patriotismo, que infelizmente
parece haver espavorido abandonado o Brasil.
« Cançado de lutar com meus pezares,
Productos da saudade e da ternura,
Senti-me arrebatado a immensa altura,
D'onde nada era a terra, nada os mares.
Sobre um monte me achei, que fende os ares
N'um templo de soberba architectura,
Obra prima em desenho e na pintura, *
Das quatro que ladeão seus altares.
6á MEMÓRIAS H I S T Ó R I C A S , E POLÍTICAS

Stou e obteve demissão do governo provincial, sendo agraciado


pelo monarca com a gram-cruz da ordem imperial do Cruzei-
ro, o titulo de barão do Rio-das-contas, e outras mercês, no-
tando-se-lhe apenas que houvesse sido menos sincero para
com o infeliz major Joaquim Satyro, o qual preza da sua boa
fé, e acreditando nas promessas de valedora protecção, que
aquelle lhe havia feito, durante os dias calamitosos que se se-
guirão ao assassinio do coronel Felisberto Gomes Caldeira,
deixou de ausentar-se, como fizerão outros, talvez mais culpa-
dos nesse crime, que expiou com a vida, conforme ficou re-
ferido.
Para sueceder-lhe foi nomeado, por carta imperial de 8 de
abril de 1825, o conselheiro d'estado João Sev eriano Maciel
da Costa, que tomou posse do governo em o dia 4 de junho,
com todas as etiquêtas ainda então usadas em semelhantes
actos, e o justo renome de que elle gosava por sua illustração,
patriotismo, e serviços ao paiz, açulou o desenvolvimento de
grandes provas de reconhecimento, que desde logo começou
a patentear-lhe a parte sã da provincia. Deu principio ao seu
governo promovendo a abastança de cereaes no celleiro pu-
blico da capital, e providenciando por todos os meios ao seu
alcance a evitar o criminoso fabrico de moeda falsa de cobre,
augmentado com as contestações civis, porque havia passado
a provincia.
Votado inteiramente a promover a felicidade publica, e a
observância das leis, desenvolveu o conhecimento que d'estas
tinha, obstando ao progresso das violências que soffria o guar-
dião do convento de S. Francisco desta cidade, Fr. José de
Santa Maria dos Anjos, do provincial respectivo Fr. Francis-
co de Assis, empregando o poder temporal contra a prepoten-

N'um d'clles dc brilhantes radiado


Alli vi dous heroes em summa gloria
Com legenda destfartc ao dextro lado.
V é , mortal, ja do templo da Memória,
Do gram Quintiliano o busto honrado,
A' par do busto dc Cabral na Historia. »
I)À PROVÍNCIA, tík BAHIA. 63

cia escandalosa d'esse prelado, sem que todavia n'isso prati-


casse o menor excesso: fez serenar a tranquillade, alterada na
villa de Caitité, para onde o governo de Minas-geraes havia
enviado a força militar que por sua ordem fòra estacionar na
villa da Barra, de observação aos movimentos revolucinarios
da capital de Pernambuco em 1824, fazendo retiral-a com o
seu commandante o coronel Jacinto Pinto Teixeira, evitando
assim a irritação dos ânimos, oceasionada por alguns excessos
dessa força; extinguio os bandos de salteadores que infesta-
vão por mar os viajantes das villas da Cachoeira e Maragogi-
pe, e mediante doces maneiras de moderação e prudência,
conseguio congraçar as opiniões exaltadas pela divergência de
princípios políticos, desde a luta da independência, cuja lem-
brança ainda tão recente se achava.
Taes forão os auspícios do começo da administração de
João Severiano Maciel da Costa, e parece que a Providen-
cia compadecida dos males, por que passara anteriormente
a provincia lhe preparara sob este governo scenas contras-
tantes: com eífeito a 16 de setembro entrou o brigue na-
cional Tiberio, que saíra do Rio de Janeiro a 11 do mesmo
mez, e a circumstancia de trazer a bandeira Portugueza no
mastro grande, produzio na população encontradas sensações
que se tornarão de inteiro júbilo ao constar logo que era con-
duetor da noticia de haver Portugal reconhecido a indepen-
dência do Brasil, eífectuando o respectivo tratado (20). Es-
pontaneamente illuminou-se a^idade em a noite d'esse dia e
nas dos dias seguintes, tendo lugar as demonstrações publicas
do governo á esse acto em o dia 18 com as costumadas salvas
das fortalezas, e navios de guerra. A' noite do mesmo dia com-
pareceu o presidente em o teatro publico, que apresentou ex-
traordinária concurrencia, e esse presidente que onze dias antes
alli havia quasi profeticamente annunciado a breve chegada
da noticia de tal reconhecimento, nas allocucões que tinha por

(20) Começou a ter execução esse tratado n'esta província cm o dia


3 de setembro de 1820.
64 MEMÓRIAS HISTÓRICAS, E P O L l T l C A S

costume dirigir aos espectadores, antes de entoar os vivas sedi-


ços e usuaes em semelhantes occasiões, foi com o maior en-
tusiasmo acolhido nos outros, que apresentou annunciando o
referido tratado, que razoavelmente devia pôr termo a odiosas
suspeitas e dissensões oriundas de nascimentos.
O dia 12 de outubro foi igualmente votado ao prazer, como
aquelle em que se memorava o anniversario natalicio do au-
gusto principe que constituio a autonomia do Brasil,*e um ob-
jecto digno das attenções dos homens de probidade foi reser-
vado para elle. Ja noticiou-se em outro volume das presentes
Memórias o estabelecimento e fundação do seminário de S.
Joaquim, começado pelos impulsos benéficos de Joaquim
Francisco do Livramento, e concluído pela coadjuvação de
muitos bemfeitores da humanidade, entre os quaes merecerá
sempre distincto lugar o negociante portuguez José Antônio
Rodrigues Vianna-, foi pois nesse dia que teve lugar a trasla-
dação (21) dos infelizes órfãos, do seu humilde aposento em
S. José para aquelle famoso edifício, um dos mais nobres que
decorão esta capital, saindo dalli ás 9 horas e meia da manhã
acompanhados por todas as pessoas de mais alta jerarchia até
o seminário, onde os esperava o presidente que assistio ao so-
lemne Te-Deum laudamus entoado pelo vigário capitular, an-
tes do que orou sublimemente o padre João Quirino Gomes, e
á successiva entrada dos órfãos que ficarão entregues aos des-
velos e sollicitude do seu novo reitor, o desembargador da re-
lação ecclesiastica Antônio dos Santos Correia, achando-se a
respectiva igreja sobremaneira* ornada, e sobresaindo os fa-
mosos painéis que nella se divisão, obra do insigne pintor Ba-

(21) Este acto solemne foi perpetuado com uma inscripção que se lê
em bello mármore acima da porta da igreja, contendo em caracteres e
fôrma própria o seguinte:
« Debaixo dos auspícios do muito poderoso senhor D. Pedro 1.°, im-
perador constitucional, e defensor perpetuo do Brasil, forão recolhidos
nesta casa pia e seminário, os meninos órfãos no dia 42 de outubro de
1825, dia venturoso da liberdade Brasileira, natalicio do augusto funda-
dor do quinto império, anuiversario de sua gloriosa acclamação. E r a se-
gundo presidente da provincia João Severiano Maciel da Costa. »
DA PROVÍNCIA DA BAIIÍÀ.

hiano José Teofilo de Jesus. Segundo os estatutos da casa esse


estabelecimento esta sob a inspecção do governo p r o v i n c i a l ,
em qualidade d e delegado d o imperante, e João Severiano,
d u r a n t e o t e m p o de sua administração, desenvolveu a favor
delle o mais vivo interesse, q u e o distinguia e m tudo quanto
respeitava á p u b l i c a u t i l i d a d e .
Quando porém o reconhecimento da independência pelo go-
verno Portuguez p r o m e t t i a a estabilidade da paz, e desneces-
sidade de u m exercito superior ás forças da população do i m -
pério, os negócios da Banda o r i e n t a l , e a defecção de B i v e r a vie-
rão b u r l a r todas essas esperanças, e e m conseqüência de taes
movimentos seguirão para o R i o de Janeiro e m o dia 2 1 d e
dezembro os esquadrões de l . l i n h a , b e m como a brigada de
a

a r t i l h a r i a de Santa Gatharina que a q u i se achavão, vindos por


occasião dos acontecimentos de 2 5 de o u t u b r o do anno ante-
r i o r , sendo nesse mesmo dia lançada no estaleiro de Itapagi-
pe a q u i l h a da fragata Bahiana, cuja construcção, promovi-
da por uma subscripção dos habitantes da provincia, offereceu
ao imperador o coronel J o a q u i m Pires de Carvalho e A l b u -
querque, depois visconde de Pirajá , c o presidente votado a
dar importância a semelhantes actos dc patriotismo, augmen-
tou o festivo c o n c u r s o , que então h o u v e , fazendo salvar as
fragatas Tlietis e Nicteroy, que tinhão v i n d o fundear de-
f r o n t e desse a r s e n a l , ao sinal previamente ajustado de ha-
ver elle dado as tres pancadas do costume na cavilha da ca-
verna mestra, íindando-se sem mais cousa notável o anno de
1825.
O seguinte facto será sempre memorável nesta provincia: p o r
muitas peças officiaes q u e se hão transcripto nestas Memórias,
ficou j a conhecida a promessa que o imperador havia feito, du-
rante a l u t a da independência, de visitar esta provincia, logo
que l h e fosse possivel, promessa cujo complemento por vezes
l h e fôra lembrado, e a 3 1 de janeiro chegou da capital do impé-
rio o paquete nacional Lcopoldina, trazendo a noticia da par-
tida do monarca, e m direcção a este porto, nos princípios de
fevereiro. E x u l t o u o povo Bahiano c o m essa noticia, que ape-
T6M0 v i . 9
MEMÓRIAS HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

zar de não vir com caracter official (22) foi logo transmittida
pelo presidente a todas as corporações e estações da capital,
recommendando ao cabido e prelados dos conventos o exerci-
do das preces ao Todo-poderoso, pela feliz viagem das pessoas
imperiaes, e ao publico as demonstrações do regosijo á chega-
da dos augustos hospedes. Esta recommendação parece era só
dictada pelo dever, pois que todos á porfia se preparavão des-
de logo a testemunhar ao augusto príncipe o seu reconheci-
mento. O palácio do governo que devia servir de residência
ao imperador, e mais pessoas imperiaes que o acompanhavão,
foi primorosamente decorado, e abastecido de quanto era ne-
cessário para taes hospedes; a câmara municipal, segundo lhe
ordenara o presidente, promoveu a abastança de viveres na

(22) Essa participação feita pelo ministro da marinha visconde, de-


pois marquez de Paranaguá, em 12 de janeiro, atrazou-se na viagem; com
tudo é notável que um escritor coevo, tratando de semelhante viagem
a dissesse inesperada, e filha de receios do imperador sobre a tranquilli-
dade da Bahia: na redacção d'estas Memórias tenho seguido o principio
de referir e não comentar, e por isso aos homens imparciaes, e especial-
mente aos que estarão presentes aos negócios e estado da Bahia, n'es-
sa época, offereço o seguinte trecho da Historia do Brasil, pelo Inglez
John Armitage, a fim de que se ajuize do gráo de critério que devem
merecer obras taes, escritas por estrangeiros, que algumas vezes servem
apenas de órgão a agentes de partidos e facções.
« Chegarão, a este tempo, á Bahia noticias exaggeradas a respeito da
carta de lei ultimamente publicada em Portugal, cfüe produzirão sérios
receios dc recolonisação. Os Europcos erão alli menos numerosos, do
que no Rio de Janeiro, sua preponderância social era menor, e a recor-
dação dos soffrimentos que havião experimentado durante o ultimo cer-
co estava gravado no seu peito. Muita animosidade se excitou, e o grito
de morrão os Portuguezes espalhou-se por toda a cidade, apezar dos es-
forços do presidente para o abafar. Conhecendo este estado de inquieta-
ção, D. Pedro decidio-se a ir visitar aquella cidade, para onde foi acom-
panhado pela imperatriz. Nas suas preparações para a viagem, procedeu
com a celeridade que o caracterizava em semelhantes oceasiões, e chegou
alli sem ser esperado no mez dc fevereiro de 1826. A agitação estava fe-
lizmente em seu começo,e as seguranças pessoaes de S. M.,'ajudadas pe-
las providencias do marquez de Queluz, a esse tempo presidente, basta-
rão para restabelecer a paz em toda a provincia. »
Com tudo apezar de ser totalmente falso este trecho histórico, um es-
critor nacional não duvidou de seguil-o. Veja-se o Compêndio da His-
toria do Brasil nnr J. f . de Abreu e Lima tom. 2 pag. 50.
DA PROVÍNCIA DA B A H I A . 67

capital, e uma riquissima tenda foi levantada no largo do tea-


tro, para n'ella descançarem as augustas pessoas em sua subi-
da à cidade alta, antes de proseguirem para a cathedral, cons-
truindo-se igualmente nas portas de S. Bento, e no fim da rua
do Collegio dous elegantes arcos triunfaes, que rivalisavão em
gosto e riqueza.
Assomou o dia 27 de fevereiro, e surgio n'este porto a es-
quadra, commandada pelo vice-almirante barão de Sousel, e
composta da nau Pedro 1.°, cujo commandante era o chefe de
esquadra Francisco Maria Telles, da fragata Piranga, comman-
dada pelo capitão de mar e guerra Scharfir, e da Paraguassú,
da qual era commandante o capitão de mar e guerra Wehh,
acompanhando-a a fragata Franceza i'Aniège ao commando
de M. Gautier, e o presidente que ligado a deveres do gover-
no, não podia sair ao seu encontro, a apresentar ao imperador
suas felicitações em nome da provincia, commetteu semelhan-
te encargo ao commandante da fragata Thetis, o visconde de
Maceió (23). Acompanha vão ao imperador á bordo da nau

(23) Exprimio-se então o presidente desta maneira:


Senhor—Interprete e órgão dos sentimentos do povo desta provin-
cia, confiado ao meu cuidado, apresso-me a depositar aos pés de V. M. I .
uma reiterada homenagem de sua obediência, amor e fidelidade, c bem
assim a expressão sincera de seu reconhecimento, eterna gratidão, e i n -
disivel júbilo pela honra, que recebe de ver em seu seio o grande, o i m -
mortal fundador e libertador do império, acompanhado dos dous mais
caros penhores de seu coração, S. M. a imperatriz, e a augustissiraa
princeza imperial, delicias nossas.
Senhor, depois de tantas angustias, trabalhos, e sacrifícios, por salvar
a nação da anarquia, e para obter, e sustentar a independência do impé-
rio; que lembrança mais digna de um grande monarca, que a de querer
ver uma provincia, que foi o principal teatro da guerra, e na qual, por
assim dizer, se decidio, e assellou a causa da independência? E que j ú -
bilo e consolação para o generoso povo d'ella ao ver com seus olhos, e
contemplar com attenção o grande heróe, que sé conhecia pelo glorioso
resultado de suas em prezas, pelas suas reconhecidas virtudes, e pela l i -
beralidade dc sua política? Sim, senhor, este povo fiel, e agradecido sus-
pira pelo momento de ver saltar em terra a V. M. I . , e sua augustissima
família.
Não podendo ultrapassar as raias, que me são marcadas, como presi-
dente da provincia, sem ordem positiva de V. M. I . , encarrego ao vis-
MEMÓRIAS H I S T Ó R I C A S , K POLÍTICAS

capitania a imperatriz, e a princeza imperial D. Maria da Glo-


ria, ora rainha de Portugal, constituindo apenas sua comiti-
va dous gentis-homens, dous viadores, dous guarda-roupas, o
esmoller-mór, o capellão do exercito, os mestres da princeza
imperial, seis moços da câmara, oito damas, açafatas e retre-
tes, e uma companhia da guarda de archeiros, e pouco depois
de fundear a esquadra desembarcarão as pessoas imperiaes
no arsenal da marinha, entre os cordiaes applausos da multi-
dão que apinhou as ruas, bordadas de alas da força da guar-
nição desde aquelle arsenal até a cathedral. Foi em verdade
triunfal e magestoso este desembarque: SS. MM. e princeza,
debaixo de um rico pallio, erão precedidas por todas as pes-
soas de maior jerarchia, e cabido de cruz alçada, entre inces-
santes vivas; seguirão pela ladeira da Preguiça, e depois de
descançarem no pavilhão do largo do teatro, continuarão até a
cathedral, á renderem graças ao Supremo Regedor dos impé-
rios, recolhendo-se á palácio onde receberão as congratulações
de infinitas pessoas, sendo publicada pouco depois esta pro-
clamação do imperador (24).

conde de Maceió, com mandante da fragata Thetis, da grata e honrosa


commissão de ir primeiro, que ninguém, beijar a mão a V . M . I . , e ser
portador d'esta.
A grandeza de V . M. I . e sua natural bondade me afiancão o benigno
acolhimento da homenagem, que leva este povo fiel á augusta presença
de V. M. I . , a cuja voz ajunto também a minha, jurando, se preciso é
novamente, em suas augustas mãos, inhabalavel fidelidade, e obediência
a V. M . I . , e a sua gloriosa dinastia. Deos guarde por muitos annos a
V. M. I . Bahia 15 de fevereiro de 1826. A V. M. I . beija a mão o seu
humilde e fiel vassallo—Visconde de Queluz.
(24) Antes de sair do Rio dc Janeiro despediu-se dos Fluminenses
d'esta sorte:
Fluminenses.—O desejo, que tenho de conhecer (se possível for) to-
dos os meus subditos, e que elles pessoalmente me conheção; a intima
convicção, em que estou, que as dissenções havidas em algumas provín-
cias (como a experiência me mostrou em as duas á que ja fui) tem nasci-
do de eu não estar ao facto de suas necessidades para de prompto lhes
dar o remédio; c finalmente a minha palavra dada aos habitantes da pro-
vincia da Bahia, que logo que fosse a independência do império reconhe-
cida, eu honraria aquella provincia com a minha presença, instão a que
eu cumpra a minha imperial palavra, partindo para a referida provincia
DA PROVÍNCIA DA B A H I A . 69
« Habitantes da provincia da Bahia! Em desempenho da
minha imperial palavra, eis-me entre vós, a agradecer-vos o
quanto trabalhastes na expulsão dos Lusitanos, que forão nos-
sos oppressores. Estou certo, que se eu tivesse vindo á esta
provincia (logo que ella adherio á santa causa da independên-
cia) jamais seus habitantes terião soffrido os insultos feitos pe-
los anarquistas, que enganando-os os querião capacitar, de
que eu não era fiel á causa, que primeiro que elles, e que to-
dos, havia proclamado; mas a Providencia, que vela sobre
tudo, não consentio que a vossa illusão durasse por muito
tempo, e depois que entrastes no caminho da ordem, tendes
visto quanto esta provincia tem augmentado, e d'aqui em
diante vereis quanto ha de augmentar. Agora que entre vós
me acho, dizei-me com toda a franqueza o que necessitaes
para eu de proríípto dar o remédio, e poder depois, com pleno
conhecimento de causa, mandar da côrte do Rio de Janeiro
minhas imperiaes ordens. Sou vosso defensor, ninguém tem
mais interesse do que eu na felicidade de todo o povo Brasi-
leiro, e d'isto deveis estar capacitados.—Imperador. »
Por espaço de oito noites successivas esteve brilhantemente
illuminada toda a cidade, e entre muitos actos com que o im-

em o dia 3 do próximo mez dc fevereiro, a agradecer-lhes quanto se em-


penharão em expulsarem os Lusitanos.
Deixo entre vós meu filho, e minhas tres filhas menores; meus minis-
tros d'Cstado, autorisados para seguirem com o expediente ordinário, e
para proverem sobre algum incidente, (que Deos não permitta que haja).
No dia 21 de março sairei da provincia da Bahia, a fim de chegar á es-
ta em tempo de poder abrir a nossa assembléa legislativa, como ordena
a constituição do império, que nos rege e regerá.
Se um pai tem obrigação dc prover ás necessidades de seus filhos,
quanto maior não será o dever de um soberano para com os seus subdi-
tos? Sc eu tenho estado entre vós pelo tempo de dezoito annos, não te-
rão os Bahianos o direito de me possuir entre si, pelo diminuto espaço de
um mez? São verdades incontestáveis, c elles são merecedores de uma
tal honra.
Vós mui bem o conheceis, e ninguém poderá duvidar da necessidade
desta minha deliberação, que além de política é de justiça. Saudoso de
vós me aparto, c vos recommendo socego. Rio de Janeiro 51 de janeiro
de 1826.—Imperador.
70 MEMÓRIAS HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

peradorquiz perpetuar a sua visita á esta provincia, são dignos


de memória os decretos de perdão aos presos sentenciados até
quatro annos de prisão, ou que este prazo lhes faltasse para
expiarem maiores penas, e aos desertores que em tempo de-
terminado se apresentassem á seus respectivos corpos, conce-
dendo igualmente a graduação do posto de accesso, ou a effe-
ctividade do encargo, quando ja o tivessem, até coronel inclusi-
ve, aos officiaes superiores dos corpos de l . e 2. linha, aos
a a

do estado maior empregados n'aquelles corpos, e bem assim e


pela mesma fôrma aos mais antigos de cada corpo, desde al-
feres até capitão inclusive.
Votado o imperador a conhecer as necessidades publicas, e
a occorrer com remédio áquellas que estivessem na orbita de
suas attribuições, marcadas na lei fundamental do império,
elle foi assiduo e infatigavel em visitar todas*as estações pu-
blicas, casas de educação, religiosas e de caridade, estenden-
do á estas ultimas sua beneficência com donativos pecuniá-
rios; visitou alguns pontos próximos da cidade, onde mais
empenhada fôra a luta da independência; assistio á parada
feita em o dia 1.° de março no Campo grande de S. Pedro
pelas tropas da guarnição, cuja pericia, aceio e uniformidade
mandou louvar em ordem do dia, assignada por seu ajudante
de campo o brigadeiro barão do Rio Pardo, e dalli em diante
abrio o cofre das graças, apreciáveis nos governos monár-
quicos, servindo de ministro de seu expediente o presi-
dente da provincia, e de seu privado João Gomes da Silva:
á esta capital, em memória dos successos por que passara,
concedeu o titulo de leal e valoroza, por aviso de 20 de
março, confirmado depois por decreto de 25 de agosto;
premiou munificentemente aos que lhe constou haverem se
tornado notáveis por serviços prestados á prol da causa pu-
blica do Brasil, e que ainda não tinhão compartido daquellas
graças; concedeu ao batalhão de Minas o uso da medalha de
campanha da independência, não obstante nunca haver en-
trado em acção: deu aos conegosda cathedral o tratamento de
senhoria; foi á ilha de Itaparica, e desejoso de visitar a villa
DA PROVÍNCIA DA BAHIA. 71

de Cachoeira, cujo heroísmo tanto apreciava, para alli partio


em um vapor no dia 8 de março, acompanhado da imperatriz.
Rivalisarão os habitantes desta villa, hoje cidade, em tes-
temunhar ao monarca o prazer que os dominava, e tudo quanto
podia servir de ornamento a semelhante visita foi com pro-
fusão e gosto despendido: desde o caes até a igreja matriz
achavão-se as ruas tapetadas de panno verde, um bello pavi-
lhão de damasco e téla estava junto á esse caes, onde as pes-
soas imperiaes entrarão para oscularem o Santo-Lenho; uma
fingida fortaleza com doze peças no alto da Conceição do mon-
te, na villa, e outra com nove na povoação fronteira de S. Felix
servirão de salvar á chegada de SS. MM., que apenas assistirão ao
Te-Deum celebrado n'aquella igreja, retirando-se pouco depois
para a capital, sem querer o imperador utilisar-se damagestosa
hospedagem, que a generosidade dos habitantes lhe havia
preparado, fazendo communicaveis tres bellas casas contíguas,
a do vigário Manoel Jacinto, major Bacellar, e Espinola, nas
quaes a decoração interna, e a profusão de quanto era neces-
sário transcendião certamente de toda a expressão. Tres noites
successivas brilharão as illuminações na villa, e na povoação
fronteira ao longo do rio Paraguassú, não annuindo porém aos
pedidos da respectiva câmara, que reclamára a elevação dessa
villa á categoria de cidade, com a denominação de Petropolis,
ou Cidade da restauração, em quanto não se ultimasse a ponte
delia para S. Felix, obra que nunca se levou a effeito, com
quanto por edital de 23 de agosto aquella corporação muni-
cipal tentasse promovel-a.
Permaneceu o imperador nesta capital até 19 de março em
que tornou para o Rio de Janeiro, por não lhe permittirem os
negócios do estado conservar-se por mais tempo fóra da corte,
e antes de retirar-se ordenou á junta da fazenda fizesse con-
certar a igreja cathedral; mandou concluiria casa começada
junto ao hospital militar, para servir de teatro anatômico, au-
torisando a compra em Inglaterra dos instrumentos precisos;
e conhecedor das vantagens do canal de Itapagipe, começado
pelo illustrado conde dos Arcos, determinou que fosse ultima-
72 MEMÓRIAS HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

do, ficando semelhante obra incumbida ao commandante das


armas, a quem o ouvidor do crime prestaria trinta presos de
justiça; aceitou o offerecimento que lhe fizerão os religiosos
Franciscanos da parte do seu edifício onde existe a aula de dese-
nho, e reconhecendo a sinceridade e dedicação dos Bahianos
á sua pessoa durante o tempo que entre elles se conservou,
deu disto testemunho irrefragavel, despedindo-se delles por
meio desta proclamação.
« Habitantes da provincia da Bahia! É chegado o prazo por
mim dado para retirar-me á côrte. Os interesses geraes do im-
pério assim o exigem. Parto no dia 21, como ja havia dito, e
sinto não poder demorar-me mais entre vós. As demonstra-
ções de alegria, gratidão efidelidadecom que me mimoseastes,
faráõ com que eu sempre me lembre dos habitantes desta pro-
vincia, assim como espero, que sempre vos lembreis de mim,
em quem tendes um soberano, que arrosta, e arrostará todos
os perigos pela salvação de seus subditos, que busca fazer-se
conhecer delles de todos os modos, para que jamais possão
ser iliudidos e levados ao precipicio, por aquelles, que se in-
titulão amadores da pátria e da liberdade, e que só querem
despotisar agrilhoando-a, e tratando unicamente de seus inte-
resses á despeito da causa publica. O amor da pátria e do povo
tem sido sempre o alvo a que tenho dirigido meus tiros; e as-
sim, Bahianos, executai litteralmente a constituição; cumpri
minhas imperiaes ordens, e o resultado do que vos ordeno,
será a vossa felicidade. Bahia 19 de março de 1826.— Im-
perador. »
Com effeito embarcarão as pessoas imperiaes no dia 20 sem
acompanhamento, e no seguinte se fez a esquadra devéla para
o Rio de Janeiro, onde chegou em o 1.° de abril. Restituido o
presidente, com a saída do imperador, ao livre exercício da
administração provincial, elle de nada se esquecia, que por
qualquer maneira interessasse ao publico. Conhecido ja por
luminosos escriptos (25) relativos á civilisação dos indigenas,
(25) Veja-se a Memória sobre a necessidade de abolir a hitroducção
dos escravos Africanos no Brasil—Coimbra 1821,
DA P R O V Í N C I A D A B A H I A . 73

que ora infelizmente são tão esquecidos, estabeleceu acerta-


das providencias para a civilisação das famílias Botecudas, que
se havião apresentado ao destacamento do Rio da Salsa, des-
pertando com illustradas insinuações o zelo religioso do vigá-
rio Joaquim Pereira Botelho a quem os recommendou, e acti-
vando o gênio prestante do commandante d'aquelle destaca-
mento, o capitão Pedro Yictorino da Veiga Ferraz. « Continue,
dizia-lhe elle, em um de seus ofíicios, a tratal-os com brandura,
buscando attrail-os com promessas de bom tratamento, e de.
donativos d'esses insignificantes gêneros, que elles desejão:
note porém V. m. que as promessas que fizer devem ser obser-
vadas, porque o selvagem, ainda que o seja, tem tino bastante
para se escarmentar da primeira falta de fé com elle pratica-
da, e d'esta condueta iniqua dos nossos encarregados da civi-
lisação d'elles, tem o estado solTrido a enorme perda da falta
de tantos braços, como a historia mostra. Convide-os V. m. a
fazerem suas culturas, montando assinar-lhes das terras de-
volutas a que for necessária para cada casal, e puna severa-
mente pelos meios legaes as pessoas, quenellas os perturba-
rem. Que prazer não sentio a minha alma á ouvir que elles
mesmos, que ja tem alguma idéa de religião, pedem o baptis-
mo! Não perca V. m. oceasião nenhuma destas, entendendo-
se com os sacerdotes para imbuírem nos princípios necessá-
rios os adultos com toda a brandura e precisão. »
Outros factos de bastante transcendência ú historia do Bra-
sil oceorrerão no período desta administração, que a tornarão
sempre lembrada, e taes são a declaração da guerra ás provín-
cias unidas do Rio da Prata pelo governo imperial, cujo ma-
nifesto de 11 de dezembro de 1825, elle publicou por meio
de um bando em o dia 18 de janeiro do anno de que se trata; a
noticia do nascimento do augusto senhor príncipe imperial, que
hoje felizmente rege os destinos do império, noticia esta que
foi lusidamente festejada, e a da certeza de haver fallecido a
10 de março o rei D. João 6.% recebida a 16 de abril pelo bri-
gue sueco Princeza Josephina, entrado de Lisboa com trinta
e cinco dias de viagem. Foi porém assás notável que nenhum
acto se praticasse em demonstração de sentimento na capital,
TOMO. vi. 10
74 MEMÓRIAS H I S T Ó R I C A S , E POLÍTICAS

que, antes que outra alguma do império, acolhêra esse monarca,


a quem o Brasil deve muitos benefícios (26). Bem queria o
visconde de Queluz que boje se evitasse semelhante censura,
mas parece que judiciosas considerações, e mesmo o dever, lhe
dictarão o contrario, e por certo que a obrar diversamente
talvez motivasse maior desconfiança aos que considera vão essa
morte como um prelúdio de males á causa da independência
ja então consolidada. Houve porém um Bahiano de reconhe-
cido saber, o brigadeiro Manoel Ferreira de Araújo, que não
compartindo dos preconceitos vulgares, desenvolveu o gênio
talentoso que o ennobrecia em uma composição poética de bas-
tante mérito á memória d'esse rei, que fez circular impressa,
compensando todavia a capital do império o indifferentismo
das províncias, pelas solemnes exéquias que alli tiverão lugar.
Ja ficou declarado haver o visconde de Queluz adoptado as
medidas mais enérgicas para extinguir o fabrico da moeda falsa
de cobre, e antes de abandonar a administração provincial
duplicou a actividade nesse interessante objecto: todavia bur-
ladas forão todas as suas diligencias e esforços; o mal estava
radicado, passava por certo que tinhão parte n'esse fabrico
pessoas da classe elevada, e além d'isso importava uma ver-
dadeira antinomia a adopção d'essas providencias, circulando
autorisada semelhante moeda.
Foi durante a luta da independência que o governo provisó-
rio installado na Cachoeira, fez reduzir á moeda de 80 réis
uma porção de cobre, para oceorrer ás despezas da causa pu-
blica, e a imperfeição de tal moeda e sua diminuição de peso,
açulando, como era de esperar, os especuladores particulares
á fabrical-a, fez com que em poucos tempos não se conhecesse
esta d'aquella, por ser toda imperfeita. Cumpria pois ao mes-
mo governo, logo que se restaurou a capital, vedar a circula-
ção de tal moeda, especialmente quando então por vezes mui-

(26) Nenhum homem sensato e imparcial poderá revocar isto em du-


vida, e como existe publicada uma excellcnte obra do visconde de Cairú,
intitulada — Memória dos benefícios políticos do senhor rei D. João V I —
à cila rcmetto o leitor.
DA PROVÍNCIA DA BAHIA. 75
tos recusavão recebel-a, mas não aconteceu assim, e o que,
segundo exactos cálculos, podia remediar-se, quando muito
com a perda de 40:000^000 rs., valor da que nesse tempo gi-
rava, custou milhões de cruzados á fazenda publica, occasio-
nando males extraordinários de que ainda hoje se resente, e
por muitos annos resentir-se-á a provincia.
Chamado então o visconde de Queluz á representação na-
cional, como senador do império pela provincia da Paraíba, em
a qual havia exercido lugares de magistratura, e em cujos ha-
bitantes o volver dos annos não tinha apagado a lembrança de
sua honradez, rectidão e prudência, entregou o governo pro-
vincial ao conselheiro respectivo Manoel Ignacio da Cunha Me-
nezes, em o dia 7 de julho, embarcando immediatamente para
o Rio de Janeiro em u m brigue Americano, como mero parti-
cular, e não sem alguns dissabores promovidos pelos que não
soíírião de boamente a maneira franca e imparcial de sua ad-
ministração.
Começou este vice-presidente o seu governo ordenando
a execução da portaria imperial de 11 de novembro do an-
no anterior, relativa á abertura de uma estrada nova desde a
villa de Porto-seguro até o Salto-grande de Belmonte, para cu-
ja obra foi consignada a quantia de 1:600$000 pelas rendas
da respectiva comarca, despresadas as duvidas que a câma-
ra (27) d'aquella villa havia apresentado ao visconde de Que-
luz, e nomeando para administrador d'essa obra o capitão
João Antônio da Conceição e Figueiredo; continuou á fazer
executar as ordens existentes relativas ao fabrico da moeda
falsa, e como então o desapparecimento de muitos escravos
da capital fizesse recear existência de algum plano de insur-
reição, ou quadrilha de ladrões que os enviavão para o recon-
(27) Impugnava a câmara a abertura da nova estrada a pretexto de
s e r desnecessária, e x i s t i n d o u m a a n t i g a , p a r a c u j a conservação l e m -
b r a v a s e r m e l h o r a p p l i c a r - s e a m e n c i o n a d a q u a n t i a d e réis 1:6008000.
C o n s t a d e s u a informação, r e s o l v i d a e m vereação d e 2 6 d e j u n h o d e 1 8 2 6 ,
q u e n e s t e a n n o e até a q u e l l e d i a tinhão d e s c i d o d e M i n a s - g e r a e s m u i t a s
b o i a d a s , d u a s t r o p a s d e bêstas m u a r e s , e u m a cavallaria, t e r m o e m p r e -
gado no interior para designar a manada d c cavallos,que vai vender-sc.
76 MEMÓRIAS H I S T Ó R I C A S , E POLÍTICAS

cavo, tomou sobre aquillo cautelosas medidas, estabelecendo


para o segundo caso destacamentos militares na passagem do
Rio de Joannes, na estrada de baixo do rio Jacuípe, na pas-
sagem denominada do Salvador, no rio Jacuimerim, pouco
acima da Feira de Capuame, em cujos lugares ja em tempos
antigos tinhão existido iguaes presidios, distribuindo lambem
o corpo de policia da capital em differentes pontos, onde mais
facilmente podesse preencher os fins de sua instituição.
O anno de 1827 entrou assás luctuoso para a provincia,
pela infausta noticia, recebida a 6 de janeiro, de haver passa-
do á melhor vida a augusta imperatriz do Brasil, a senhora D.
Maria Leopoldina Josefa Carolina,ás 10 horas e um quarto da
manhã do dia 11 do mez antecedente, e os Bahianos que lhe
consagravão a mais cordial affeição, bem como muitos estran-
geiros existentes nesta capital, anteciparão a demonstração
do intenso pezar que delles se apoderou, trajando logo rigo-
roso lucto, ao pomposo edital que para esse fim publicou a
câmara municipal em o dia 10 desse precitado mez, e trans-
formou em geral sentimento as scenas de prazer a que a mais
annos se entrega vão os habitantes da mesma capital. Comtu-
do limitárão-se as demonstrações de sentimento do governo a
ordenar a suspensão dos trabalhos dos tribunaes por espaço
de oito dias, a dobres de sinos nas igrejas, e a tiros compas-
sados das fortalezas, pelo mesquinho principio de que não es-
tavão os cofres públicos habilitados para outra alguma des-
pesa, e a excelsa princeza, exemplar modelo das heroinas que
honrão os annaes Germânicos (28), a augusta filha de Fran-

(28) Efficatius obligantur animi civitatum quibus inter obsides puel-


lae (Germana?) quoque nobiles imperantur. Inesse quin etiam sanctum
aliquid et providum putant; nec aut eonsilia earum adspernantur, aut
responsa negligunt. Aurinia, et complures alias veneratas sunt, nou a-
dulatione. Severa illic matrimonia; nec ullam partem magis laudave-
r i s . . . Nec se mulier extra virtutum cogitationes, extraque bellorum
casus putet, . . sic vivendum, sic pereundum: accipere se, quaa liberis
in violata ac digna reddat,quee accipiunl rursusque ad nepotes referunt.
Scptâ pudicitiâ agunt: sic unum accipiunt maritum, quo modo unum
corpus unamque vitam, nec ulla cogitatio ultrà, nec longior cupiditas,
DA PltOVINCIA DA B A H I A . 77

cisco 1 . ° , imperador d'Áustria e rei de Bohemia e Ungria,


com a princeza Maria Tereza Carolina (29) filha de Fernando
4.° rei das duas Sicilias, não teria na capital desta provincia,
sempre distincta por sua piedade religiosa, na capital que
sempre excedeu a todas em demonstrações publicas de ma-
goa pelo fallecimento dos antigos monarcas (30), e onde
abunda o clero secular, as communidades religiosas e os tem-
plos, um único suííragio publico por sua alma se o visconde
de Pirajá à sua custa, e auxiliado por alguns de sua familia,
não suprisse essa indiíTerença fazendo celebrar no magestoso
templo do convento dos Franciscanos as pomposas exéquias
que alli tiverão lugar a 15 de março.
Os que sabem calcular a differença de preços das épocas
remotas, confrontados com os actuaes, ajuizarão da sumptuo-

ne tanquam maritum , sed tanquam matrimonium ament. Tacit. Mor.


Gemi. cap. 8, 18, 19.
(29) Ajustada a escriptura do casamento da imperatriz, então archi-
duqueza d'Austria,na capital desse império cm 29 de novembro de 1816,
e ratificada aos 5 de abril do anno immediato, partio para o Rio de Ja-
neiro a bordo da nau D. João VI. capitania da esquadra que a escoltou,
e recebeu as bênçãos nupciacs na capella imperial daquella côrtc em o
dia 6 de uovembro immediato ao da sua chegada. A importância deste
consorcionnão podia escapar ás vistas perspicasesdo illustrado DePradt,
que em sua obra sobre o congresso de Vienna diz: — « Ja as filhas do
soberano da corte do Brasil vierão assentar-se nos tronos da Europa: a
filha dos cesares vai associar-se ao sceptro do Brasil; outras a seguiráÕ,
e os dous mundos, confundindo o seu sangue em lugar de o derrama-
rem, matuamente substituirão os laços de familia ás cadèas de que erão
carrcgdos,e assim approximaráõ a humanidade para odestinoque océo
lhe tinha assinado quando a criou, e era compor uma só familia, anima-
da dos mesmos sentimentos, pois que a tinha dotado das mesmas facul-
dades.
(30) Sirva de exemplo a despesa feita pelos cofres da fazenda desta
provincia com o funeral do rei D. José em o dia 24 de fevereiro de 1774.
Armação do mausoléo na catedral, exclusive a madeira, que
foi fornecida pelo arsenal de marinha 1:400$714
Cera 2:1008560
Propinas aos que as recebião 1:460g300
Musica 2078640
Oração fúnebre 528000
5:201 $214

i
MEMÓRIAS H I S T Ó R I C A S , E POLÍTICAS

sidade desse acto religioso, á par do qual porém se torna mui


superior o que teve lugar na capella imperial da côrte, á 25 de
fevereiro do anno de que se trata (1827), cuja descripção, en-
tão publicada em uma folha periódica, talvez não oífenda o
fim destas Memórias, sendo aqui também perpetuada.
« Sobre um plinto de figura rectangular de 25 palmos e
meio de comprimento, e 21 palmos de largura, cortados os
ângulos aos 7 palmos de face, se levantarão quatro arcos, que
da extremidade da volta superior á linha do pavimento tinhão
35 palmos, e cuja abertura lateral era de 15 palmos, e a dos
topos de 11. Cada um destes ângulos cortados, ou membros
dos entre-arcos, tinha salientes duas columnas da ordem com-
posta com seus correspondentes pedestaes, e entablamento.;
tornejando este os alizares dos arcos, e os ângulos internos,
em cujo massiço descançava a architectura, que tinha de gros-
sura um palmo, e quatro de sofito. Por cima do entablamento
das columnas, nas quatro faces angulares, se via um atico,
tendo por seu remate uma ellipse, com o eixo maior horizon-
tal, coroada de uma jarra, de cujo remate pyramidal ao chão
se contavão 48 palmos. Os quatro membros, a que se encos-
tavão as oito columnas, os frisos das cimalhas, o centro dos
sofitos dos arcos e as grossuras interiores dos membros, erão
revestidos de velilho de prata; os capiteis das columnas de*
velilho de ouro; e as columnas, divididas no terço da altura á
base, em fôrma torcica de galão e renda larga de ouro, e nos
dous terços ao capitei em caneluvas de galão. As columnas,
bases, pedestaes, architraves, cornijas, e fachas dos sofitos
dos arcos, e ditas das grossuras dos membros estava tudo co-
berto de velludo preto, com finos galões de ouro largos e es-
treitos, conforme os differentes locaes o exigião; e com tal pro-
fusão, que bem se patenteava a grandeza e magnificência, que
se recommendou transluzisse neste fúnebre apparato. Os ati-
cos erão apainelados, tendo no centro uma ampulheta de prata
em caixa de ouro, e aos lados duas azas de prata, tudo em re-
levo, alludindo á rapidez do tempo, em que nos foi roubada a
nossa augusta soberana. As ellipses havião por moldura uma
DA PROVÍNCIA DA BAHIA.

ramagem d e l o u r o , c o m realces de o u r o , apresentando e m


claro escuro sobre f u n d o preto os seguintes emblemas, cujas
lendas erão de letras douradas. O do lado d i r e i t o da parte da
entrada t i n h a o sol, escondendo-se no horizonte, c o m esta le-
g e n d a : — Major in occasu; significando q u e S. M. a i m p e r a t r i z
na p r o x i m i d a d e de sua m o r t e déra maiores e mais exuberan-
tes provas de seu egrégio e religioso animo. E do esquerdo
mostrava u m a rosa caindo-lhe as folhas, c o m este letreiro : —
Vitam non p-orogat osírum; i n d i c a n d o q u e a p u r p u r a da ma-
gestade não teve poder para d i l a t a r p o r mais annos sua pre-
ciosa vida. O do lado direito da capella-mór patenteava u m a
fonte, de cuja concha se entornava agua por toda a parte, c o m
esta inscripção:—Omnibus affluenter; expressando a profusa
liberalidade não só com os seus subditos, mas para c o m os es-
trangeiros. O do esquerdo t i n h a u m t h u r i b u l o exhalando f u -
mo, c o m a s e g u i n t e : — S a c r o s in usns; a l l u d i n d o ao ardente
c u l t o , que rendeu aos altares. No meio dos e n t r e c o l u m n i o s se
Hão t a m b é m q u a t r o dísticos, mostrando q u a t r o da principaes
virtudes, q u e eminentemente possuio e m vida, escriptos e m
caracteres maiúsculos de ouro, com analogia aos emblemas,
que l h e ficavão superiores; e erão os seguintes :
*
Fidelissima conjux.
D i i l c i s s i m a matei*.
Charitatis cultrix.
V e r « devotionis s e r v a t r i x ^

Os feixos de cada um dos quatro arcos estavão ornados de


lindas tarjas, realçadas de ouro, e e m f u n d o roxo e m letras do
mesmo m e t a l M. I J . «I. C cifra do n o m e da i m p e r i a l de-
funta.
Do p l i n t o deste artefacto para o centro subião tres degráos.
O p r i m e i r o da largura de dous palmos e meio, e os outros de
dous palmos, seguindo«i configuração e x t e r n a , forrados de
velludo p r e t o c o m dous galões de ouro fino nas arestas. E m
u m estrado, de p a l m o e meio de altura, guarnecido com mais
«O M E M Ó R I A S HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

profusão de galões, estavão os despojos imperiaes: o manto


imperial de velludo verde orlado de larguissimo galão de ouro,
forrado de setim amarello, c o m as fitas das ordens (a do C r u -
zeiro, da Conceição, d a Torre-espada, Cruz-estrelada de Ale-
manha, S. Fernando d e Hespanha, e Santa Isabel de Portu-
gal) de u m lado e de outro o vestuário de seu uso nos dias d e
grande galla, e no meio d'elle s e via u m a pyra entalhada e
dourada c o m tres festões de fumo pendentes, extincto o lume,
lendo-se n a parte principal da pyra, e m u m a tabeliã este pun-
gente, quão verdadeiro distico.

Amor, Desideriuni,
Lacriuise,
Nobis fttfhil a m p l i u s
Superes!.

U m transparente véo de fumo c o m espiguilha de ouro co •


bria estes saudosos despojos. Oito esqueletos pegavão nas a-
restas d a u r n a q u e n a altura d e nove palmos e meio do u l t i -
mo degrào se v i a suspendida. R o u p a s d e escQmilha preta,
orladas de espiguilha de ouro, semeadas de lagrimas de pra-
ta, nos diversos arregaçados, segundo as attitudes dos esque-
letos l h e s desciâo das cabeças e hombros, e pendião dos l a -
dos. A s dim^isões d a u r n a erão de nove palmos n a s u a maior
largura, e treze no comprimento; toda coberta de velludo pre-
to, guarnecida a cimalha, apainelados e fundo de largos ga-
lões de ouro, c o m u m grande ílorão, entalhado e dourado no
centro do mesmo fundo. N a face e m frente d a porta p r i n c i -
pal cuberto de u m .finissimo véo preto se v i a o retrato de S.
M. a imperatriz, entre u m a larga m o l d u r a de finos galões
de ouro sobre velludo preto. N a face fronteira á capella-mór
avultavão as armas imperiaes do B r a s i l e d a Áustria e m u m
só escudo, tendo por c i m a a corôa do império do Brasil, tudo
coberto de u m igual véo c o m espiguilha de ouro. No centro do
almofadado d a parte da capella do Sacramento esta legenda :
DA PROVÍNCIA. DA BAHIA. 81
.41» iria lápis tegit
Qua? d i r a m o r s discer penda
curavit
D u l c i s Leopoldinae corpus
cor
Magni Petri.

E no da parte da capella do Senhor dos Passos:

Dum pulvis pulvere jacef


S p i r i t u s vivit Deo
resurgei
IIa?e iotse Ejeopoldinse eara;
sors i n setcrnum
erit.

Estas duas inscripções erão de letras de ouro sobre o fun-


do preto. Nos quatro ângulos da urna, logo abaixo da cirna-
lha, estavão quatro caveiras com azas prateadas, com corôas
douradas na cabeça, designando a cathegoria da imperial fal-
lecida. Sobre esta urna avultava o ca tale to, coberto de u m ri-
quíssimo panno de velludo preto, com largos galões, franjas e
borlas na orla, e cantos, uma grande cruz de damasco de ou-
ro e branco no centro. Rematava tudo a coròa imperial collo-
cada em cima de uma almofada de velludo preto semeada de
estrellas de ouro, com borlas e galões do mesmo metal.
No tecto da igreja estavão os timbres das casas de Bragança
e Áustria—o dragão e a águia de duas cabeças, de cujas gar-
ras saião quatro grandes cortinas de velludo pieto, forradas
de setim branco, que vinhão prender à cimalha da igreja no
espaço, que compreende o cruzeiro, e dahi pendião a meia
altura da parede, em pontas farpadas, formando o pavilhão,'
ou sobrecéo deste monumento. Quarenta e oito tocheiros de
prata forão collocados nos dous lados sobre o pavimento e o
primeiro degráo. Ornavão os lados da urna, em tres linhas de
differentes alturas, cento e vinte castiçaes também de prata,
TOMO v i . 11
MEMÓRIAS H I S T Ó R I C A S , E POLÍTICAS

e tanto em uns como em outros estiverão perennemonte ciríos


accesos.
A armação da igreja era correspondente à grandeza, ma-
gnificência e riqueza do mausoleo. A capelia-mór, assim co-
mo o coro, e as paredes debaixo deste, se achavão vestidas
de pannos pretos quarteados de galões de ouro entrefinos, c
variados de branco. O espaldar e o docel do altar-mór, o so-
lio do excellentissimo bispo capellão-mór, e o cortinado da
tribuna de S. M. erão de damasco roxo. O frontal do altar, e
guarnições da imperial tribuna de velludo preto. Os festões,
que ornavão a arquivolta do painel do altar, e a sanefa da t r i -
buna imperial, de velludo roxo, tudo guarnecido de largos ga-
lões de ouro fino» Os lados do espaldar do altár-mór, e as p i -
lastras com almofadas de velilho de prata. Estas tribunas (e
todas as mais do corpo da igreja) tinhão sanefas, cortinas, e
cobertores de velludo preto, e nestes um grande ílorão com
realces de ouro no centro de um romboide, feito de galão de
ouro, e de prata, além dos galões da ourela; e nas bacias das
tribunas dous ramos de cypreste com os mesmos realces de
ouro em aspa com os ramos cahidos. Ornavão a parte superior
das mesmas tribunas, formadas de galões, as correspondentes
cimalhas e empenas, cujos limpanos erão de velilho de prata.
A cimalha real foi toda guarnecida de festões pendentes de
panno preto, engrossados de velilho de prata. O arco da ca-
pella-mór, eos dous do cruzeiro, além das sanefas e cortinas,
erão embelecidos com iguaes festões, mas de velludo preto,
igualmente engrossados de velilho de prata, com galões e fran-
jas de ouro. As pilastras, que dividem os altares lateraes do
corpo da igreja, seguião o mesmo gosto de almofadados de ve-
lilho de prata formando facha, e moldurado dous galões ama-
rellos, e dous brancos. Como a percinta, que guarnece a igreja
entre as tribunas, e a arquivolta dos altares, foi ornada, fica-
rão as pilastras divididas em duas. Na parte superior a meia
altura do capitei dourado se collocarão em tarjas de bello de-
senho, tocadas de ouro os realces, os seguintes emblemas,
seguindo a ordem da esquerda entrando a porta principal, to-
D A PROVÍNCIA DA D A I I I A . 83

dos pintados de claro escuro sobre fundos prelos, e as legen-


das em letras de ouro sobre fundo roxo, que lhe formava a
orla. No 1.° se via a cobra em circulo com a cauda na boca,
e a legenda: Finisqne ab origine pendei. No 2.° uma mão co-
lhendo um formoso fruclo de uma arvore: Vidit, quod essel
pulchrum. No 3.° uma não agitada pelas ondas: Por tu melio-
re quiescam. No 4.° a lua entre nuvens: Glarior in tenebris.
Proseguia pelo lado direito, descendo do cruzeiro para a por-
ta, apresenUndo o 5.° emblema um loureiro ferido pelo raio:
Nec lauro parcit. O 6.° a fcnix entre as chamas: iVe moriar,
morior. O 7.° um tacho apagando-se: Etiam moriendo corus-
cal. O ultimo uma corôa dc louro: Immortalitale. Na parte
inferior das mesmas pilastras, á meio da altura entre os alta-
res, se lião as seis épocas principaes da vida da imperatriz.
No centro de bem armadas tarjas realçadas de ouro, tendo
no remate os symbolos designativos das mesmas épocas, e
postas pela mesma ordem começando pela esquerda se lião
essas saudosas e nunca esquecidas datas, que por serem actos
da vida forão inscriptas em letras de differenles cores, e di-
versos caracteres, sobre fundo branco, e os symbolos erão em
claro escuro sobre fundo preto. O 1.°: 22 de janeiro de 1827.
A letra era Allemã e dourada. O symbolo o sol nascendo, de-
signando o seu augusto nascimento. 0 2 . ° : 13 de maio de
1817. A letra era côr de rosa, e o caracter Romano. O
symbolo duas mãos unidas em união conjugai, e aquelle nu-
mero 20 a idade que tinha no tempo do consórcio. O 3.° :
5 de novembro de 1827. Letra azul celeste , e o caracter
grifo. O symbolo uma estrelía sobre o Pão-de-assucar, recor-
dando o apparecimento deste astro brilhante neste venturoso
império. Como a quarta pilastra é oecupada pelo púlpito, bem
como o que lhe fica em frente, proseguia pelo outro lado o
4.° symbolo. : 4 de abril de 1819. A letra era côr de lírio,
e o caracter Itálico. O symbolo uma rosa, e no seu calix as le-
tras M. II., significando o nascimento da senhora D. Maria
I I . , rainha de Portugal, e o numero 22 a idade de S. M. a im-
peratriz ao tempo deste feliz acontecimento. O 5. \- 2 de de-
84 MEMÓRIAS H I S T Ó R I C A S , E POLÍTICAS

zembro de 1825- A letra côr de purpura, e o caracter na-


cional. O symbolo um amor perfeito, tendo nas duas folhas
superiores PR. IM., designando o nascimento do sereníssimo
príncipe imperial, e a idade de sua augusta mâi nessa época.
O ultimo: 11 de dezembro de 1826. A letra era preta e o ca-
racter nacional. O symbolo'a ampulheta quebrada. Eis a época
desgraçada de tão sensível perda.
A varanda do coro, as portas e columnas que lhe íicão in-
feriores, estavão todas guarnecidas de sanefas, cortinas e co-
bertores de velludo preto com galões, e franjas de ouro e pra-
ta. A bancada da quadratura era coberta de panno roxo, e
todo o pavimento da igreja de baeta preta. As tres portas da
igreja na parte externa forão revestidas de ricas e fúnebres
armações; as duas lateraes com pórticos menores de empenas
triangulares, e a do centro com mais elevado pórtico de em-
pena semicircular, tendo no tympano um ovado ao baixo com
moldurado de folhas de louros realçadas de ouro, com a se-
guinte inscripção em loiras douradas sobre fundo branco:

De©
Vivo et vero
Pr©
Cônjuge erepta
Petrus ppimns
Fundit humilhei» preces*
Foi debaixo da inspecção do excellentissimo monsenhor,
sumilher da cortina, inspector da imperial capella, que se fez
este sumptuoso mausoléo. As inscripções latinas, e escolha
dos emblemas, symbolos, e épocas, são de um respeitável sá-
bio da nação. O risco e invenção foi do arquitecto das obras
nacionaes e imperiaes Pedro Alexandre Cavroé. O retrato de
S. M. a imperatriz era do eximio pincel do pintor da câmara
imperial, director da academia das bellas-artes, Henrique José
da Silva, único retrato, que existe bem parecido por ser feito
em duas sessões, que a mesma augusta Senhora concedeu á
DA PROVÍNCIA DA DAfUA. 85
este abalisaclo artista. A mais pintura dos emblemas, ornatos?
timbres, e letreiros, de Francisco Pedro do Amaral, pensio"
nista da referida academia. A armação do mausoléo, e igreja?
de Pedro José de Mello, armador da capella imperial, e a obra
de carpinteiro, de José Joaquim Custodio, mestre então das
obras do Paço imperial.
A's 3 horas da tarde, o som da artilharia das fortalezas e
embarcações de guerra, combinado com os lugubres dobres
dos sinos, exacerbarão a nossa saudade, e reclamarão as ora-
ções que a igreja oiíerece pelas almas dos que morrem no Se-
nhor. Concorreu logoimmenso povo á imperial capella, á qual
chegou S. M. I . às 5 horas, achando-se ja a corte, o corpo di-
plomático, c representantes da nação, que oecuparão as tribu-
nas, á saber, na capella-mór, do lado do evangelho, o corpo
diplomático, e do da epístola os gentis-homens e viadores, e
no corpo da igreja nas primeiras os grandes não empregados
no paço, senadores e deputados, e nas segundas as damas de
S. M. e altezas. O excellentissimo marquez de Canta-gallo,
capitão da imperial guarda, e o tenente da mesma o illustre
Francisco Xavier Raposo, tornarão lugar na frente do túmulo
estando em alas, por todo o corpo da igreja e cruzeiro os sol-
dados da mesma guarda com as armas em funeral, assim co-
mo estava a guarda militar. O excellentissimo e reverendissi-
mo bispo capellão-mór, acompanhado do seu cabido tomou
assento na capella-mór sem mitra, nem baculo, e oecupando
sua cadeira, se começarão as matinas, cujos responsorios, da
composição do insigne Marcos Portugal, forão primorosamente
cantados pelos músicos da imperial câmara e capella, regidos
pelo mesmo celebre compositor. No espaço de 4 horas que
durou este officio religioso, se conservou a melhor ordem, oc-
cupando-se todos em tristes recordações das virtudes da fal-
lecida imperatriz, segundo o exemplo do seu augusto sobera-
no, que acompanhava o clero nos psalmos, lições e orações,
lendo-as com attenta devoção, em um livro que banhava com
as suas lagrimas saudosas, ja tantas vezes presenciadas, e
principalmente quando dous dias antes junto go túmulo, que

4>
86 M E M Ó R I A S HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

encerrava seus preciosos restos, deu pleno desafogo á sensi-


b i l i d a d e d e seu p e n a l i s a d o coração.
No d i a 2 6 pelas 9 h o r a s da m a n h ã se f o r m o u a t r o p a d a
guarnição d'esta c o r t e , c o m m a n d a d a p e l o b r i g a d e i r o , o r a ma-
r e c h a l de c a m p o , Lázaro José Gonçalves, n o l a r g o d o Paço
c o m as a r m a s e m f u n e r a l , e u m p a r q u e d e a r t i l h a r i a q u e da-
va tiros e m q u a n t o durarão os ofílcios religiosos c o m i n t e r -
v a l l o s d e dez m i n u t o s . A's 1 1 h o r a s chegou S. M. o i m p e r a -
d o r c o m sua a u g u s t a filha, a senhora D. M a r i a d a G l o r i a , r a i -
n h a d e P o r t u g a l , e senhoras i n f a n t a s . O c o r p o diplomático, e
m a i s pessoas j a m e n c i o n a d a s estiverão p r e s e n t e s à missa^
que celebrou o excellentissimo e reverendissimo bispo c a -
pellão-mór assistido do seu c a b i d o , r e v e s t i d o d c r i c o s p a r a -
m e n t o s p r e t o s . Os professores ostentavão s u a c o s t u m a d a pe-
rícia, d e s e m p e n h a n d o a e x c e l l e n t e m u s i c a do j a c i t a d o c o m -
positor, que igualmente a dirigio.
A c a b a d o o i n c r u e n t o sacrifício de propiciação, r e c i t o u o i l -
l u s t r i s s i m o Januário d a C u n h a B a r b o s a , conego e p r e g a d o r d a
m e s m a i m p e r i a l c a p e l l a , u m a eloqüente oração, e m q u e t o -
m o u p o r t e m a as p a l a v r a s d o l i v r a d e J u d i t h — E t erat hwc in
omnibus famosissima, quoniam limebat Dominum valde, nec
erat qui loqueretur de illa verbum malum:—que, s e g u n d o a
traducção de P e r e i r a , q u e r d i z e r — E era ella eslimadissima
de todos, porque tinha muito temor de Deos, e não havia nin-
guém que dissesse delia uma palavra de desdouro: e p r o p o z - s e a
m o s t r a r na a u g u s t a i m p e r a t r i z u m a p i e d a d e s e m fingimento,
c s e m prejuízos; u m a doçura só própria d e u m a a l m a e n r i -
q u e c i d a da s a b e d o r i a d o céo; u m a c a r i d a d e s e m p r e a c t i v a , e
b e m r e g u l a d a pelas leis d o e v a n g e l h o . Sobejas p r o v a s a esta
b e m e s c o l h i d a proposição offerecerão as i l k i s l r e s acçÕes p r a -
t i c a d a s pela s a u d o s i s s i m a soberana, d i g n o o b j e c t o d a nossa
t e r n i s s i m a saudade. R e s i s t i m o s ao desejo d e a p o n t a r as b e l l e -
zas d a eloqüência, p o r q u e e s t a n d o i m p r e s s a esta oração, são
escusados os acanhados ensaios de u m a não i l l u s t r a d a a n a l y s e .
A c a b a d a a oração o i l l u s t r i s s i m o e e x c e l l e n t i s s i m o b i s p o ca-
pellão-mór c o m o seu i l l u s t r i s s i m o c a b i d o , desceu á q u a d r a -
Í)A PROVÍNCIA DA R A I I I A . 87
tura para as absolvições-, que fizerão os illustrissimos monse-
nhores Cunha, Perdigão, Roque, excellentissimo fidalgo, e ul-
timamente S. Ex. reverendissima, que terminou este acto re-
ligioso, á que se seguirão as tres descargas de mosquetaria
da tropa mencionada, e uma salva do parque de artilharia,
de 29 tiros (numero igual ao de annos em que S. M. I . hon-
rara, e edificará o mundo) á que responderão as fortalezas e
embarcações de guerra. »
Por carta imperial de 26 de setembro do anno antecedente
havia sido nomeado o senador D. Nuno Eugênio de Lossio é
Silbz para successor do visconde deQucluz, comtudo seuquasi
efêmero governo, que durou desde 17 do referido mez de março
até 20 do scguiute em que partio para a côrte, nada apresen-
tou de notável, além de ser em seus últimos dias, 14 e 15 de
abril que entrarão neste porto a sumaca S. Jo.s&e Maria, vinda
de Pernambueo, e o brigue Trindade que arribou de sua via-
gem para o Rio Grande do Sul, por ser, bem como aquella su-
maca, roubada á pequena distancia da barra por um dos mui-
tos corsários de Boenos-Ayres, que então começavão a infestar
as costas desta provincia, e d'outras do império, e da insur-
reição dos escravos do engenho Victoria no termo da Cachoei-
ra, em 22 de março, o que dictou a providencia do estabeleci-
mento d'um destacamento de 40 praças naquella villa.
Progressivamente continuarão esses corsários aaugmentar
os males do ja definhado commercio, sendo raro o dia em que
não praticassem apresamentos e roubos, apesar dos cruzeiros
de algumas embarcações de guerra, enviadas para proteger os
vasos mercantes, sendo apenas tomado um bergantim escuna
pelo brigue de guerra Imperial Pedro, cujo commandante o
1.° tenente Joaquim Leal Ferreira descreveu desta sorte o com-
bate que por tal òccasião sustentou.
« I I I . * e Ex. Snr.—Partecipo a V. Ex. que no dia 23
0 mo a

do corrente, pelas 6 horas da manhã, a 45 milhas ao sul des-


te porto, avistei em muita distancia pela prôa duas embarca-
ções a SS. . 0 . , sendo esta armada em bergantim escuna, e
outra á palaxo, este com a nossa bandeira içada, e aquelle
88 MEMÓRIAS H I S T Ó R I C A S , E POLÍTICAS

com a da republica de Buenos-Àyres. Dei-lhe caça, e obser-


vei que tendo rompido o fogo de um para o outro ás 8 horas,
este cessou ás 9 horas, e o pataxo arreou a sua bandeira. Pro-
segui na caça, mas como a distancia que estava delles ainda
era muita, houve tempo do bergantim inimigo poder guarne-
cer o pataxo com gente sua, de sorte que, quando á uma hora
da tarde os meus tiros lhe chegavão, rompi o fogo sobre o ber-
gantim inimigo, que ja muito antes me havia atirado bastan-
tes tiros, aos quaes não quiz responder, por não estar perto.
A's 2 horas e 45 minutos, isto é, depois de uma hora e tres
quartos de combate, no qual muito soíTri o fogo do pataxo, a
quem não respondi por ser o meu maior empenho tomar o
bergantim inimigo, com quem me oecupei somente; consegui
obrigal-o a arrear a bandeira, isto depois de duas abordagens
que elle tentou dar-me. O pataxo apenas isto vio fugio á todo
o panno, e não pude ir a seu alcance, pelo receio de perder
esta preza, ja tomada, e por me ser preciso levar muito tempo
para com um pequeno bote (porque as demais embarcações
minhas, e do bergantim inimigo estavão varadas de bailas)
fazer passar as guarniçÕes de uma para outra embarcação.
Este bergantim, segundo affirmão os presioneiros, se denomi-
na Patagônia, é de guerra, e anda á corso: sua guarnição no
principio da acção constava de quarenta e oito homens, não
incluindo os presioneiros, dos quaes alguns estavão ao seu
serviço; sua força é de uma peça de bronze de rodizio calibre
24, e cinco caronadas de G. 12. Da minha parte houve um
marinheiro morto e quatro feridos, e do inimigo quinze mor-
tos incluindo o commandante, e alguns feridos.
Tenho á meu bordo presioneiro um tenente, dous guardas
marinhas, um capitão de presa, cinco soldados, e o restante da
marinhagem. Também se acha à meu bordo o piloto José Lou-
renço, que commandava o Pujuca, e vinte tres individuos,
que forão da.sua guarnição. Tenho alguma ruina peles altos
deste bergantim, em conseqüência do encontro com o ini-
migo nas duas vezes que tentou abordar-me. Resta-me signi-
ficar a V. Ex.' que toda a minha guarnição se portou com va-
DA PROVÍNCIA DA BAHIA. 89
l o r e entusiasmo. Deos guarde a V. Ex. p o r muitos annos.
a

Bordo do b r i g u e Imperial Pedro surto na Bahia 2 4 de setem-


bro d e 1 8 2 7 . — I l l . e E x . Snr. vice-presidente Manoel
m o mo

Ignacio da C u n h a Menezes.—Joaquim Leal Ferreira, 1.° te-


n e n t e commandante. »
Circularão então boatos relativos à existência d e tramas
c o n t r a abordem p u b l i c a , dizendo-se ora que se tentava procla-
m a r o i m p e r a d o r como absoluto, ora que se maquinava desen-
volver o sistema democrático: o encontro de semelhantes sis-
temas", e a qualidade dos que dizião dirigil-os erão motivos
bastantes para t o r n a r incríveis semelhantes boatos, todavia
elles chegarão ofíicialmente ao imperador, alguns individuos
de pequeno vulto forão presos e processados, e e m conseqüên-
cia dos receios da côrte a respeito das províncias f o i logo es-
colhido para presidente o brigadeiro José E g i d i o G o r d i l h o de
Barbuda, o q u a l e m v i r t u d e da carta i m p e r i a l a 2 9 de agosto
t o m o u posse da administração da provincia e m o.dia 11 de
o u t u b r o , cinco dias depois de sua chegada a e»te porto á bor-
do d a nau Pedro 1.°
Algumas predisposições havia contra este brigadeiro, des-
de o'seu c o m m a n d o das armas nesta provincia, e o p r o c e d i -
m e n t o arbitrário que teve com o administrador da typographia
nacional, de que j a atraz se d e u noticia, estava ainda m u i re-
cente, tendo subido de valor c o m as censuras, qne solTreu do
j o r n a l Padre Amara, que se p u b l i c a v a em L o n d r e s : além dis-
so achava-se a provincia reduzida ao abismo da moeda falsa,
cujas fabricas até com o maior despejo trabalhavão, e existião
nas proximidades, e d e n t r o da capital, e o receio ordinário da
perda desta moeda, que sempre acompanhava os ânimos à
chegada dos novos presidentes, f o i para com este excessivo,
espalhando-se talvez acintosamente, que elle v i n h a m u n i d o
de ordens restrictas à semelhante respeito: debaixo d'este
p r i n c i p i o , começarão a apparecer * i m p t o m a s de reluctancia
contra semelhante moeda, que muitos recusavão receber, ou-
tros esquivavão-se a tal recebimento, elevando a preço exces-
sivo os gêneros e m que traíicavão, e o dia 2 1 de novembro f o i
TOMO. VI. *2
90 MEMÓRIAS HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

com effeito aterrador, apparecendo fechadas todas as casas


onde o povo se provê dos objectos de primeira necessidade á
vida, e apresentando-se em campo o principio da anarquia,
o-presidente apressadamente fez publicar um bando, pelo qual
ordenava que todas essas casas immediatamente se abrissem,
expondo á venda aquelles gêneros, em quanto o governo ou-
vindo o conselho que passava a convocar, não tomava as me-
didas mais consentaneas ás criticas circumstancias: reunio-se
com effeito o conselho em o dia 24, que approvou a delibera-
ção adoptada pelo presidente, começando desde logo a^ratar
dos meios de extirpar essa moeda da circulação, para o que
também forão ouvidos alguns commerciantes Britannicos, e o
corpo do commercio desta cidade.
Sabe-se que esta matéria bem tardiamente foi discutida em
sessão secreta das câmaras legislativas, e eis o primeiro pare-
cer da commissão de fazenda.
« A commissão de fazenda vio o officio do vice-presidente
da provincia o> Bahia, enviado á câmara pelo ministro e se-
cretario destado dos negócios da fazenda, e a representação
feita por Antônio Vaz de Carvalho, Francisco Belens, Francisco
Ignacio de Cerqueira Nobre, e José de Lima Nobre, negocian-
tes da mesma provincia, que se ofTerecem á contribuir para a
extmcção da moeda falsa de cobre, que por fatalidade alli cir-
cula em manifesto damno do commercio e do estado.
Os referidos negociantes compromettem-se a mandar vir da
Europa, por sua conta e risco 800 mil arrobas de cobre, cor-
tado segundo os modelos que lhes forem dados, com tanto :
1.° que não paguem direitos de entradas: 2.° que lhes seia
comprado pelo preço de 640 réis o arratel: e 3.° que o paga-
mento deste preço se faça, entregando-se-lhes no fim de cada
semana, metade da moeda que for cunhada. E assim presu-
mem, que, sem gravame do estado, poder-se-á verificar a ex-
tmcção da moeda falsa, ti;ocando-a por nova e legal, dentro de
um prazo determinado na cidade, e nas villas e povoações da
província.
A commissão não podendo por falta dos necessários escla-
DA P110VIÍ1CIA DA BAHIA. t)(

recimentos, interpor juizo algum sobre a bondade econômica


do plano oíTerecido pelos representantes, e deixando á dexte-
ridade do governo o exame de semelhante objecto, quando seja
mister para a operação que se deseja, recorrer ao arbítrio de
alguns capitalistas o fornecimento de cobre, que deva ser cu-
nhado : passa a tratar da necessidade de se adoptar, quanto
antes, uma medida legislativa, que embarace pelo menos o
progresso do mal, que j a a dous annos soffre a Bahia, pelo
curso, e prodigioso augmento da moeda falsa.
Tanto, quanto pôde julgar a commissão à vista dos papeis,
que lhe forão presentes, aquelle m a l é gravíssimo, e parece
ter sido o resultado de duas causas igualmente poderosas:
l. a notória fraqueza da moeda de cobre, que se emiltia na
a

provincia com o cunho de legal: 2. a indiscreta medida, que


a

tolerou ou autorisou o recebimento da moeda falsa nas repar-


tições de fazenda, e o pagamento dos empregados, e mais des-
pezas publicas, na mesma moeda. Aquella pelo excessivo l u -
cro que offerecia, excitou a falsificação, assim no estrangeiro
como dentro do paiz. Esta pela indirecta legitimação que dé«
ra, animou aquelles, que d'antes se empregavão, e que depois
mais cuidarão no fabrico da moeda falsa. Estas duas causas
reunidas á publica e escandalosa impunidade, que de u m tal
crime tem havido como por ostentação, na cidade da Bahia,
derão emfima natureza de moeda corrente a u m vilissimb cu-
nho, que ninguém julgaria digno de circular entre u m povo,
que se achasse no berço da civilisação, e sem contacto algum
com as nações cultas do mundo. A' câmara forão trazidas a l -
gumas amostras d'esse cunho, e bem que haja difficuldade
em crêr que elle gire n u m a provincia do império, o facto é
que não só corre, mas até abunda no mercado da Bahia; tendo
ja produzido alli u m agio forte, encarecido os gêneros, entor-
pecido a marcha do commercio interior, e excitado por fim
a inquietação, que acompanha sempre a falta de confiança.
Semelhante estado de cousas é calamitoso e reclama do cor-
po legislativo uma providencia immediata. A commissão reco-
nhece que a mais efficaz de todas as providencias ao alcance
92 M E M Ó R I A S HISTÓRICAS, K POLÍTICAS

do poder, seria a reforma total do nosso cunho de cobre, dan-


do-se-lhe mais algum valor intrinseco, restituindo-o à nature-
za de simples troco, e despojando do caracter de moeda, que
lhe tem sido emprestado pelas circumstancias difficeis, em
que nos temos achado. Esta reforma que serveria de começo
ao melhoramento, alias urgente do sistema monetário do i m -
pério, acabaria de uma vez com a falsificação do nosso cobre
amoedado. Mas reflectindo por uma parte na lentidão, com
que se realisaria aquella reforma, que além de assentar em
u m plano mais vasto, exigiria neste momento o sacrifício de
avultadas sommas,epor outra parte na imperiosa necessidade
de acudir-se de prompto á provincia da Bahia, onde o m a l e m
questão se aggrava de dia em dia, a commissão entendeu que
devia recorrer a outro arbitrio, que, posto não fosse tão effi-
caz, todavia podesse minorar a gravidade d'aquelle mal. O ar-
bitrio consiste e m fazer cessar ou desautorizar a circulação
da moeda falsa, prohibindo a sua entrada, e sahida, nas esta-
ções publicas, e sujeitando ás penas da lei, aquelles que ac-
•eitarem como moeda.
E sendo certo como a commissão presume, que a justiça
nacional não solTreria hoje, que se votasse ao rigor das leis,
ou á uma perda irreparável a propriedade de numerosos c i -
dadãos da Bahia, que possue moeda falsa, recebida na casa
da fazenda, e outras repartições publicas em pagamento de
seus ordenados e mercadorias, parece também certo que o
estado deve á custa dos seus cofres resgatar agora todo o cu-
nho falso corrente, muito embora se faça effectiva depois a
responsabilidade da autoridade ou autoridades, que dispen-
sando nas leis, e talvez menospresando o interesse publico,
tolerarão ou ordenarão a inaudita circulação tão prejudicial
da sobredita moeda. Nem se diga que este meio sem o da r e -
forma geral do nosso cunho é u m meio paliativo. Graças a
impericia ou imprudência dos falsos fabricadores da Bahia,
a moeda que sae dos seus tornilhos é conhecida pelo tacto so-
mente, e não haja medo que algum ouse recebel-a desde que
o seu giro for declarado criminoso, e que a fazenda, e o ban-
DA PROVÍNCIA DA BAHIA. 93

co e o corpo de commercio sejão obrigados a rejeital-a


Igualmente pensa a commissão que o resgate proposto de-
ve ser extensivo ao cobre verdadeiro legal, que tem sido cu-
nhado, e emittido pela casa da moeda da Bahia, porque sendo
como e fraquissimo, continuaria a dar, como tem dado, u m
grande motivo á falsificação. E pelo que respeita aos sacrifí-
cios de fundos, que demanda toda a operação do resgate
constando à commissão por pessoas entendidas que a somma
total da moeda de cobre, assim falsa, como verdadeira actual-
mente em giro, superabundante no mercado da Bahia não
poderá montar à mais de 3 á 4 milhões, a mesma commis-
são se persuade que com os capitães indicados no projecto
que tem a honra de submetter ao exame da câmara, conse-
guir-se-ha a mencionada operação, sem que falte ao commer-
cio e mais usos da vida o necessário troco. Eis o projecto:
« A assembléa resolve :
Art. l.° O governo fará trocar por moeda de cobre do cu-
nho desta corte, e por cédulas emittidas pelo tesouro, toda a
moeda de cobre, que actualmente gira na Bahia, devendo rea-
hsar o dito troco dentro de u m termo breve, assim na cidade
como nas villas e povoações daquella provincia.
Art. 2.» Para esse fim o governo poderá: 1.» dispor das
sommas, que ora existirem no cofre da meza da inspecção da
Bahia; 2.° applicar até 200 contos em cobre do cunho desta
côrte, que serão fornecidos pelo tesouro publico, e debitados à
casa da fazenda daquella provincia; e 3.° contrair u m emprés-
timo de 100 até 300 contos também em cobre do cunho desta
côrte, ou em notas do banco com as condições, que julgar mais
favoráveis, e com hypotéca para o pagamento do capital e j u -
ros nas rendas da alfândega da mesma provincia.
Art. 3.° As cédulas, que emittidas'forem, deverão ser im-
pressas, numeradas, encadernadas e assinadas competente-
mente, e correrão como moeda de cobre, dentro da provincia
somente, devendo ser amortisadas annualmente pela respectiva
casa da fazenda na razão de '/ do seu valor total pelo menos.
20

Paço da câmara dos deputados em 26 de outubro de 1827.


94 MEMÓRIAS HISTÓRICAS, E POMTICAS

—Miguel Calmou du Pin e Almeida—Manoel José Souza


França—Joaquim Gonçalves Ledo—N. P. de C. Vergueiro—
J. B. B. Pereira. »
Continuava a provincia no estado de quietação, e felizmente
parece que contribuia para garantir-lhe esse estado o credito
que depositava nos agentes do poder, especialmente nos que
formavão o conselho do governo, que em verdade se dedicavão
á felicidade da mesma provincia.
Os começos dos trabalhos d'esse conselho forão em verdade
de utilidade publica: pretendeu-se comprar cinco casas per-
tencentes á ordem 3. de S. Francisco contíguas á alfândega
a

para amplial-a, nos termos da portaria da secretaria d'estado


dos negócios da fazenda de 21 de maio de 1825, contra o que
porém informou o respectivo provedor, que achou ser mais
vantajosa ao fim projectado a acquisição dos armazéns e parte
da casa do coronel José deBarros Pimentel, com as que ficão
por baixo da igreja do Corpo Santo, tomando-se por arrenda-
mento; providenciou sobre o concerto das fontes da capital,
tratou da remoção da cadêa publica para o forte doBarbalho;
exigio dos ouvidores das comarcas indicassem os lugares que
devião ser elevados á categoria de villas, conforme a attribui-
ção que lhe conferio a lei; providenciou sobre o melhoramento
da administração do Lazareto; representou ao governo central
sobre a necessidade que havia de illuminar-se a cidade, pe-
di ndo-se para isso ao imperador a applicação do imposto que
se arrecadava para a illuminação da côrte (31), não se esque-
cendo igualmente de oceorrer com providencias interessantes
aos abusos que se notavão nas differentes aulas publicas com
longas ferias.
Occupava então todas as attenções dos poderes do estado a
moeda falsa de cobre, e em virtude do decreto de 27 de novem-
bro (32) foi para sua execução nomeada por decreto de 4 d

(31) A resolução de 8 de novembro deste anno fez extensiva a todaç


as capitães de províncias a medida aqui lembrada.
(32) Tendo a assembléa geral legislativa resolvido : I q u e o gover-
no faça trocar por moeda de cobre do peso, valor e typo da que é cunha
DA PROVÍNCIA DA BAHIA. 95

dezembro uma commissão composta do presidente Gordilho,


e dos negociantes Antônio Vaz de Carvalho, Pedro Ferreira
Bandeira, e Joaquim José de Oliveira, a qual dando principio
aos seus trabalhos, começou em o dia 2 de janeiro de 1828
convocando por um edital os que quizessem concorrer para o
empréstimo de 300:000# réis. Era de justiça que os membros
de tal commissão fossem os que para esse fim concorressem
com maior quantia, e também devia esperar-se que aquelles
que antes do decreto de 27 de novembro não duvidavão perder
o valor da moeda falsa, que tivessem, se prestassem agora ao
empréstimo, mas infelizmente não aconteceu assim, com a
maior lentidão marchava esse negocio, e entre vinte e cinco
casas de commercio das principaes, apenas se obteve 52:000$

da nesta côrte, e por sedulas emittidas pelo tesouro, toda a moeda de


cobre que actiralmente gira na provincia da Bahia; devendo realizar o
dito troco no termo mais breve possível, assim na cidade como nas villas
e povoaçoes da província. 2.° Que para este fim o governo possa: 1 dis-
por das sommas existentes no cofre da meza da inspeccão da Bahia, pro-
veniente dos impostos, que se cobravão por ella ; 2.» applícar até 200
contos de réis na moeda de cobre declarada no artigo primeiro, que se-
rão fornecidos pelo tesouro, e debitados á casa da fazenda daquella pro-
víncia ; 5.° contrair um empréstimo de 100 até 500 contos de réis, com
as condições, que julgar mais favoráveis, e com hipoteca para pagamen-
to do capital, e juros nas rendas da alfândega da provincia, e no produ-
cto dos impostos, que se cobravão pela meza da inspeccão, ficando appli-
cados d'ora em diante ao referido e m p r é s t i m o , cujo capital e juros será
amortisado e pago pela junta da fazenda, em quanto não for estabelecida
a caixa filial determinada na lei da f u n d a ç ã o , á qual pertence esta opera-
ção. 5.° Que o governo determine a formula das sedulas, que houver de
emittir para circularem como moeda dentro da provincia somente, e se-
rem amortisadas pelas repartições declaradas no art. 2 . ° , recebendo a
junta da fazenda as sedulas estragadas, e substituindo por novas as que
inutilisar. 4.° Que findo o praso, que se marcar para o troco, a moeda
de cobre da provincia fique sem valor. 5.° Que a moeda de cobre, tro-
cada na forma acima determinada, seja fundida e aproveitada pelo mo-
do que melhor parecer ao governo: hei por bem sanecionando a refe-
rida resolução, que ella se observe, e tenha o seu devido cumprimento.
Miguel Calmon du Pin e Almeida, do meu conselho, ministro e secreta-
rio d'estado dos negócios da fazenda, o tenha assim entendido, e faca
executar com os despachos necessários.
Palácio do Rio de Janeiro em 27 de novembro de 1827, sexto da i n -
dependência e do império. Com a rubrica dc S. M . I . — Miguel Calnwn
du Pin e Almeida.
96 MEMÓRIAS HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

inclusive os membros da commissão que unicamente entrarão


com 12:000$ ao juro de 4 por cento, e cinco de amortisação
annual, havendo outros tão indifferentes, ou tão resentidos da
perda dos lucros dessa especulação criminosa, que nada qui-
zerão prestar.
Habilitada a commissão para começar na opéração do res-
gate da moeda falsa, tendo recebido 200:000$000 em cédulas
e igual quantia em moeda legal de cobre vindo do Rio de Ja-
neiro, foi designado por edital de 17 de março o dia 21 do mez
seguinte para essa substituição, que terminaria no dia 20 do
mez immediato,ficandoprohibida a circulação de qualquer
moeda, que não fosse resgatada n'essc período, e comprada a
peso pelo governo, regulando a 400 rs. por libra: para sob
commissarios dessa operação nas villas cabeças das comarcas
de Jacobina, llhéos, e Porto Seguro forão nomeados os res-
pectivos juizes ordinários, vigários e capitães-móres, devendo
nestas começar o resgate em o 1.° de maio e terminar na pri-
meira villa designada em o dia 20 desse mez, e nas outras a 15.
Erão excluidas de tal operação as moedas de 10 e 5 réis, e
prohibida como contrabando a exportação de qualquer moeda de
cobre por virtude do decreto de 29 de fevereiro, mas não im-
pedio esta medida a subir rapidamente essa espécie a um agio
excessivo sobre o papel moeda. Começou a commissão da ca-
pital em seus trabalhos, para o que foi preparado o armazém
que fica inferior ao salão das sessões da câmara municipal,
uma guarda de 40 praças commandada por um capitão servio
de manter alli a ordem, durante os trinta dias aprazados par,).
tal operação, que por essa e outras medidas cautelosas se ul-
timou sem a perturbação, que algumas denuncias anônimas
ao governo asseguravão estar preparada para esses dias, e por
cujo motivo chegarão a ser presos alguns que posteriormente
se justificarão.
A enorme quantidade de moeda falsa apresentada fez logo
antever difficuldades no respectivo resgate por falta de cédu-
las, e a commissão da capital fez então emittir 440:000$ em
cautelas impressas, e assinadas por dous de seus membros, dos
DA PROVÍNCIA OA B A H I A . 97

valores de 1$, 25$, 50$ e 100$ réis, que serião admittidasem


circulação como moeda legal, e consideradas como créditos da
divida publica, mas esta medida dictada pelas circunstancias,
occasionou pelo tempo adiante novos males pela facillima fal-
sificação com que forão alterados os valores que representa-
vão. Abrio-se então novamente a casa da moeda desta cidade,
para cunhar em moedas de 80 réis 9,329 arrobas de cobre ja
cortado em chapinhas, e 2,333 arrobas da mesma chapinha
em moedas de 40 reis, vindas do Rio de Janeiro, bem como
vinte pares de cunhos pela fragata ingleza Britou, ficando o
pagamento dessa chapinha e da mais que viesse, á cargo da
junta de fazenda, e só applicavel á amortisação da divida.
Comtudo havia chegado a tal gráo o despejo dos fabricado-
res de moeda falsa, que pouco tardou a apparecer na circula-
ção uma nova do valor de oitenta, quarenta e vinte réis sum-
mamente perfeita, maravilhando que no receio de uma tal
inundação de quasi seis milhões de cruzados, e em tempo em
que a legislação criminal fulminava a pena de morte em se-
melhante crime, um único infeliz teve de soffrer essa pena, e
foi Manoel Joaquim de Santa Anna, que de Cachoeira havia
sido enviado, o qual em 27 de outubro expirou no patibulo,
em conseqüência de ser encontrado recunhando moedas de
40 réis para 80, como jornaleiro do proprietário dessa fabrica
que foi absolvido. Esse miserável era tão indigente que foi a
casa da Santa Misericórdia que se encarregou de sua defeza, e
com justiça, foi qualificada essa sentença de importar um as-
sassinio, revestido de fôrmas jurídicas.
Antes porém que se désse principio ao resgate da moeda de
cobre, verificarão-se nesta capital os receios de insurreição de
escravos, que havião motivado algumas providencias anterio-
res do governo: na madrugada de 11 de março grandes* grupos
de escravos Africanos sahirão da cidade buscando os sítios
das Armações e Cabula, onde reunirão outros, com os quaes
seguirão ás immediações de Pirajá, mas com as medidas enér-
gicas do presidente, fazendo logo marchar contra elles o cor-
po de policia, e o batalhão de 2.» linha ao commando do co-
TOMÓVI. 13
98 MEMÓRIAS H I S T Ó R I C A S , E POLÍTICAS

ronel Manoel Gonçalves da Silva, conseguio-se abafar esta re-


volta, dando-se todavia bastantes mortes e excessos, que os
insurgidos praticarão, incendiando c destruindo os lugares por
onde passavão. Havia ja muito tempo que estas scenas horro-
rosas não se rcproduziào, mas a que acabava de acontecer pa-
rece que importava somente um ensaio de outras maiores de
que adiante se fará menção. A 25 de março abrio-se a nova
aula publica de desenho, no convento de S. Francisco: foi
brilhante esse acto, a que assistio o presidente e innumeras
pessoas, recitando nessa occasião o lente respectivo Antônio
Joaquim Franco Vellasco uma bella allocução, expondo-se en-
tão o retrato de S. M. o imperador, tirado por esse professor
alli mesmo por consenso do monarca.
Ja ficou declarado que o presidente Gordilho havia soffrido
graves censuras, por actos illegaes que praticara quando com-
mandante das armas, e seus adversários, aproveitando-se des-
sa circumstancia,oihculcavão como dotado de tendências pa-
ra o governo absoluto, de cujas idéas tachavão dominados al-
guns membros do ministério que o nomeou presidente; mas
esta increpação, que facilmente cahiria com o menos preço que
lhe désse o mesmo presidente, não se ajustava ao gênio do ge-
neral Gordilho, que açulava os seus desaffectos com correspon-
dências, e artigos que elle mesmo redigia e fazia publicar nas
folhas, que lhe votavão dedicação: essa opposição cresceu com
suspender e recolher á prisão do forte do mar o coronel An-
tônio de Souza Lima, governador da ilha de Itaparica, á favor
de quem as publicas simpatias conspiravão, e com a publica-
ção de certo jornal intitulado Soldado-de-tarimba, folha ape-
nas notável pelas diatribes com que insultava a quantos por
qualquer fôrma discordavão do presidente.
Foi então conveniente apparecer em 4 de março um novo
jornal intitulado Bahiano, folha bem escrita e inteiramente
infensa ao presidente: a guerra de periódicos subia cada vez
a mais, o jury, então limitado a conhecer dos abusos da liber-
dade de imprensa, trabalhava assiduamente sem se aterrar
de alguns boatos que circulavão, de premeditar-se contra elle
DA PROVÍNCIA DA B A H I A . 99
alguma cousa: comtudo o attentado praticado em a tarde de
23 de junho contra o desembargador Miguel Joaquim de Cer-
queira e Silva, juiz de direito daquelle tribunal, confirmou
por alguma fôrma taes boatos.
Havia sido nesse dia condemnado o capitão de policia José
Nunes da Silva em tres mezes de prisão e 200$ réis de multa,
sobre accusação de Antônio Pereira Rebouças, e buscando em
sua casa o referido magistrado, a pretexto de pedir-lhe certo
lugar que indicou para sua detenção na cadêa publica, ao mo-
mento que urbanamente era por esse magistrado acompanhado
até o topo da escada, e deferido ainda muito além do que pre-
tendia, com a maior traição e cobardia apunhalou-o em diver-
sas partes do corpo, praticando de igual maneira com o es-
critor destas Memórias, e uma sua irmã, que acodirão aos
clamores de seu pai: a noticia deste acontecimento, grassando
com rapidez, fez com que innumeras pessoas saíssem em busca
do assassino que, perseguido por todos os lados, e sem mais
poder aproveitar-se de outras armas de que estava munido,
foi nessa mesma tarde preso, sofírendo pelo tempo adiante se-
vero castigo na sentença que lhe impoz a relação do dirtricto.
A genial benignidade que caracterisa os Bahianos, associada
á convicção da innocencia dos tres mencionados victimas,
desenvolveu-se nesta occasião de uma fôrma admirável; o pre-
sidente Gordilho em todas as suas peças de expediente ofíi-
cial (33) mostrou-se assás imparcial, e os jurados, não po-
(33) O ministro dc estado dos negócios da justiça José Clemente Pe-
reira respondendo ao presidente acerca da sua partecipaeão á tal res-
peito, estabeleceu a providencia que consta do aviso seguinte:
« 111. ° e E x .
m r a o
Sr.—Accuso a recepção do officio de V , E x . de 24
u

do mez passado, no qual V , Ex." refere o horrível attentado commetti-


do nessa cidade pelo capitão graduado do corpo da policia, José Nunes
da Silva contra o desembarhador ouvidor geral do crime, Miguel Joa-
quim de Cerqueira e Silva, seu filho Ignacio Accioli de Cerqueira e
Silva e sua filha D. Fclisberta Joaquina de Cerqueira c Silva, que forão
perfidamente apunhalados em sua casa por aquelle assassino no dia 25
do mesmo mez, e das copias das ordens que V . Ex." expedira em conse-
qüência, para se proceder na fôrma da lei, e supposto aos juizes com-
pita o julgamento do réo, com tudo não é alheio do lugar que V . Ex."
oecupa o mandar proceder nas deligencias convenientes para se acha-
100 MEMÓRIAS HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

dendo ser indifferentes em semelhante negocio, dirigirão ao


imperador esta representação:
« Senhor.—Os Juizes de facto, eleitos na conformidade da
lei para tomarem conheeimento dos abusos da liberdade da
imprensa na provincia da Bahia, ainda horrorisados da atro-
cidade eomque em sua própria casa fora assassinado o desem-
bargador ouvidor geral do crime e juiz de direito, Miguel Joa-
quim de Cerqueira e Silva, pelas 5 horas e meia da tarde do
dia 23 do corrente, vem respeitosamente implorar á V. M. I .
as mais promptas e salutares providencias, de que necessilão,
para que possão com segurança continuar no desempenho das
obrigações de um tal emprego.
A' mezes, senhor, que os representantes se vião compro-
mettidos e ameaçados pela firmeza dc caracter, com que tem
no seu respectivo tribunal sustentado a dignidade da lei con-
tra altivos infractores, que se julgavão incólumes sob a prepo-
tência provinciana até que, finalmente, em o indicado dia 23,
José Nunes da Silva, capitão do corpo da policia, compareceu
perante o conselho dos jurados como autor de uma carta, pu-
blicada pela imprensa, contra o cidadão Antônio Pereira Re-
bouças; e sendo alli convencido de calumniador, foi condem-
nado na fôrma da lei em tres mezes de prisão, e 200$ réis de
pena pecuniária; declarando-se desde logo o instrumento os-
tensivo de façanhoso partido, que nesta cidade déra origem e
sustentava o periódico intitulado Soldado-de-tarimba (partido
que tão visivelmente tem roubado o socego aos cidadãos consti-
tucionaes, fieis subditos de V. M. I . , pelas personagens, que
nelle íiguravão); e não podendo o assassino saciar seu brutal
furor nos representantes, collectivamente ou separados, diri-
gio-se á casa do magistrado juiz de direito, e sob o pretexto
de pedir-lhe explicação á sentença, que o acabava de condem-
rera as provas, que existirem de tão atroz crime; convindo que para o
futuro se tomem as medidas necessárias para que os réos condemnados
á prisão pelo jury sejão immediatamente capturados, para que se não
repitão actos tão criminosos.
Dcos guarde a V . Ex." Palácio do Rio de Janeiro em 17 de julho de
1828.—^José Clemente Pereira.—Sr. José Egidio GordilhodeBarbuda. >»
DA PROVÍNCIA DA RAMIA. 101
nar, quando o dito juiz com a urbanidade e circumspecção
que o caracterisão, depois de responder-lhe, despedia o réo
condemnado; foi quando este, empunhando de uma faca, que
comsigo levava, ferio gravemente, não só ao mesmo ministro,
como também ao filho deste, e cá uma filha, que acodião aos
gritos de seu pai, inerme e desapercebido.
Semelhante attentado, Senhor, por qualquer face, que se
encare, é sempre tanto mais considerável, quanto attaca a
causa publica e a segurança individual, pelo que se tem en-
chido de consternação c luto toda esta cidade, que parecia ter
razões bastantes para não ver mais germinar em seu seio tão
inhumanos e ousados monstros. Com o terror elles nada me-
nos pretendem que tornar odiosa a constituição, que tanto os
ancéa; e um tal estado de cousas não deixará de produzir f u -
nestissimas conseqüências se V. M. L , com a mesma poderosa
e providente mão, com que d'entre as trevas do colonismo,
fez surgir o império da lei, não occorrer em sua defeza contra
a fatal vingança de traiçoeiros déspotas. As provincias, por
isso que distantes da vista de V. M. I . e dos poderes nacio-
naes, ainda mais que a côrte, necessitão de optimos adminis-
tradores, que de accordo com a opinião publica, se disvelem
unicamente na guarda e defeza do código sacrosanto das l i -
berdades publicas.
Eis-ahi, Senhor, sobre o que chamao os representantes a
augusta attenção de V. M. I . , a fim de que, quanto antes, se
desassombre esta provincia, e triunfe, como tanto urge a or-
dem legal, um pouco espavorida agora.—E R. M.—(Seguião-
se as assignaturas de 40 juizes de facto.) »
Não cessavão porém as folhas que se publicavão, de susten-
tar a mesma, senão mais acrimoniosa polemica, e foi quasi
sem se esperar que a 11 de setembro partio o presidente Gor-
dilho para o Rio de Janeiro, em virtude do aviso de 11 do
mez anterior, que o chamava a ir alli receber ordens do im-
perador. Acreditou-se a principio que semelhante ordem im-
portava uma demissão honrosa, mas aconteceu o contrario, e
em o dia !.• dc novembro elle tornou a aportar nesta cidade,
102 MEMÓRIAS niSTORICAS, E POLÍTICAS

ja revestido do titulo de visconde de Camamú com grandeza,


em conseqüência de haver determinado o aviso de 15 de ou-
tubro tornasse a encarregar-se da administração provincial.
Seu desembarque foi apparatoso, mas atravez do vivo enthu-
siasmo, e applausos que lhe prodigalisava a multidão que o
acompanhava, desde o arsenal até o palácio do governo, co-
nhecia-se que o despeito e o acinte erão o movei principal
desses regosijos.
Reassumio pois a presidência, que durante sua ausência
exercitara o vice-presidente Manoel Ignacio da Cunha e Me-
nezes, e foi seu primeiro acto governativo pôr em execução o
aviso de 15 de outubro, expedido pela secretaria d'estado dos
negócios da guerra, pelo qual mandou-se abolir o lugar de go-
vernador da ilha de Itaparica, por não se conformar essa au-
toridade com a categoria de villa, a que essa ilha havia sido
elevada; comtudo no meio de tantos elementos disseminados,
a presença prestigiosa desse presidente assás concorreu a que o
commercio e lavoura surgissem do abatimento em que se acha-
vão, especialmente depois de desassombrados dos males que
lhes causavão os corsários das provincias vindos do Rio da Prata,
com os quaes celebrou o governo imperial a convenção ajus-
tada em 27 de agosto (1828) e ratificada a 30 do mesmo mez.
O dia 1.° de dezembro foi pelo presidente destinado para a
abertura dos trabalhos do conselho de provincia; era a pri-
meira vez que se punha em pratica essa disposição consigna-
da na constituição do império, e o visconde de Camamú quiz
assim destruir as increpaçÕes odiosas que lhe fazião seus des-
affectos. Tiverão lugar as sessões desse conselho em um dos
salões do convento do Carmo, o nobre arcebispo metropoli-
tano disse na véspera sua primeira missa pontificai ao Espiri-
to-Santo, e perto das 10 horas do indicado dia compareceu
com grande estado o presidente, que recitou então o relatório
que aqui se perpetua, até por ser a primeira peça dessa natu-
reza, que teve lugar nesta provincia (34).

(34) Compunha-se o conselho dos seguintes: Francisco Antônio de


I)À PROVÍNCIA B A B A H I A . 103

« Em cumprimento do artigo 80 da constituição do impé-


rio, e das ordens de S. M. I . , eu venho fazer a exposição do
estado desta provincia, congratulando-me em primeiro lugar
com este conselho, não só pelo acto de sua installação, como
pelo progresso do sistema constitucional, de que temos nesta
reunião, o mais certo e irrefragavel testemunho. Graças sejão
dadas ao grande fundador do nosso edifício político, e louvo-
res á assembléa geral da nação, que com tanto fervor, e cons-
tante sabedoria, tem concorrido para firmar» a segurança e
prosperidade do Brasil. Não poderei de certo desenvolver com
clareza todos os detalhes dos diversos ramos da administração
da provincia, confiada á meus cuidados; porém, como per-
mittem minhas forças, eu passo a fazer uma resenha abrevia-
da de quanto me lembra dizer.
Escuso fazer aqui menção das leis ja promulgadas, e que
tem tido execução nesta provincia, cujas vantagens são reco-
nhecidamente sabidas; o conselho porém olhando para os
tropeços, que algumas particularmente tem encontrado, e
possão encontrar, é de crer, que reconhecendo a necessidade
de suprir pequenas lacunas, â que estão sujeitas as cousas

Souza Usél com 267 votos—Antônio Vaz de Carvalho com 259—O vi-
gário Vicente Ferreira de Oliveira com 207 — Coronel João Ladisláo
de Figueiredo Mello com 196 — Coronel Manoel Ignacio da Cunha e
Menezes com 191—Coronel Francisco José Lisboa com 181—Desem-
bargador Joaquim José Pinheiro de Vasconcellos com 180—José A l -
vares do Amaral com 166—Capitão-mór Francisco Elesbão Pires com
162 — O barão da Torre com 162—Desembargador João Ricardo
da Costa Dormund com 155 — Conego José Ribeiro Soares da Rocha
com 151—Conego José Cardoso Pereira de Mello com 150—Desem-
bargador Antônio Calmon du Pin c Almeida com 150—Pedro Ferreira
Bandeira com 146 — João Carneiro da Silva Rego com 142 — Dezem-
bargador Luiz Paulo de Araújo Bastos com 125—Pedro Rodrigues Ban-
deira com 123—O vigário Lourenço da Silva Magalhães Cardoso com
122—O barão de S. Francisco com 121—Lázaro Manoel Muniz de Me-
deiros com 119—Manoel Gonçalves Maia Bitencourt com 119—Pedro
Pires Gomes com 118—O barão de Itaparica com 116—O barão de
Maragogipe com 108 — Ignacio José Simões de Carvalho Velho com
Antônio
com
•107—José
102 de Antônio
Castro Lima
do Valle
com com
103 —104
Doutor
— JoséAntônio
João Muniz
Poliearpo
com 105
Cobrai

104 MEMÓRIAS H I S T Ó R I C A S , E POLÍTICAS

humanas, faça suas observações a fim de subirem ao alto co-


nhecimento de S. M. L , como manda a constituição.
A arrematação dos meios direitos d'alfandega, em cumpri-
mento da lei respectiva, tem sido de grande interesse, e nin-
guém deixará de confessar, que o deleixo no regimen daquel-
la repartição foi considerável: o rendimento do mez atrazado
chegou a 152:000$, e o do próximo passado orça a 137:000$.
Com a abolição da mesa da inspeccão, creou-se uma nova
repartição para a cobrança dos direitos de exportação, a qual,
sendo collocada em um lugar próprio, facilitou as transacções
commerciaes: o plano desta administração, organisado por
pessoas entendidas e zelosas, foi posto em execução pela jun-
ta da fazenda, e se acha submettido à approvação imperial.
A operação do resgate da moeda falsa de cobre, que salvou
esta provincia dos horrores da miséria, e da desgraça, foi fei-
to em conformidade da lei, e felizmente concluído mediante
as medidas extraordinárias de que a commissão se vio com-
pellida a lançar mão. Forão resgatados para cima de cinco mi-
lhões de cruzados da dita espécie, e emittio-se por troco du-
zentos contos em moeda legal de cobre, 200:000$000 em cé-
dulas vindas da côrte, e 440:000$ em créditos da commissão,
ficando o resgate em divida que ainda se não tem pago. Nas-
cendo d'aqui o agio que tem hoje a moeda, é de esperar que
sabias medidas do poder legislativo levem o credito do papel
emittido à um justo equilibrio. Não tom cooperado pouco pa-
ra o excesso desse mesmo agio a abundante emissão das notas
da caixa dos descontos desta cidade, sem que se tenha podi-
do pagar: ao corpo legislativo compete dar providencias à res-
peito deste estabelecimento de summa utilidade publica.
A lei de 15 de outubro de 1827, que manda crear escolas
elementares, tem occupado a attenção do conselho do gover-
no, e por falta das informações das câmaras, apenas se tratou
e resolveu acerca da organisação das escolas da cidade; mas
grandes são as difficuldades, que se encontrão em se acharem
os edifícios, que são necessários para se pôr em pratica o mé-
todo Lencastriano. A' este conselho agora compete em obser-
DA P R O V Í N C I A D A B A H I A . 105
vancia da lei fixar o numero das que devem mais haver.
A biblioteca publica desta cidade está precisando de uma
reforma; ella tem seis mil e quinhentos volumes, e precisa-se
comprar mais livros, a fim de facilitar o estudo da nossa mo-
cidade, que corre com anciã ás aulas.
As instituições dos hospitaes da caridade, e dos lázaros,
são dignas de bem merecerem a consideração deste conselho:
melhores estatutos devem lazer o objecto de sua reforma.
O novo collegio dos órfãos é por si recommendavel; seus
estatutos approvados por S. M. I . , segundo os quaes se dirige
a instrucção e economia do estabelecimento, cuja marcha
instructiva parece vagarosa. Possão os homens ricos e bemfa-
zejos, imitando aos seus fundadores, prestar-se em beneficio
de tão filantrópico estabelecimento. A Bahia ja gosa da pree-
minencia da educação da classe pobre sobre as outras provín-
cias. O collegio tem cincoenta e nove órfãos, e quarenta por-
cionistas.
O estado da cadêa da cidade é o peior possível, e sua posi-
ção sobremaneira má: os infelizes, que nella se achão, aos
olhos da humanidade desafião a compaixão. Ao governo do
S. M. I . ja foi presente a necessidade de uma nova cadéa, lem-
brando-se para isso a fortaleza do Barbalho, cuja despeza foi
orçada em pouco mais de 43:000$ réis. Convém estabelece-
rem-se casas de correcção e trabalho, que, á imitação de to-
dos os paizes policiados, separão o criminoso do correccional.
A agricultura faz a industria e riqueza da nossa provincia,
e ella não pôde progredir sem se fazerem estradas, ediíicarem-
se pontes, e abrirem-se canaes: a lei que acaba de ser publi-
cada, de 29 de agosto deste anno, tem ja providenciado a ma-
neira de eíTectuarem-se essas obras por meio de emprezas.
São também mui necessárias algumas obras publicas, como
cemitérios, que não temos, boas fontes, & c , objectos de que
depende a saúde do povo, e servem para sua commodidade, e
mesmo aformoseamento da cidade.
O estabelecimento de um jardim botânico e muzêo, num
paiz como o nosso, que abunda em tantas maravilhas, faci-
T O M O . vi. 14
106 MEMÓRIAS H I S T Ó R I C A S , E POLÍTICAS

litará não só o estudo das sciencias naturaes, como melhor


habilitará o lavrador laborioso.
Uma colônia Irlandeza, enviada pelo governo de S. M. h
para esta provincia, cm numero de duzentas e vinte duas pes-
soas, e formando cento e uma famílias, se acha no lugar de
Taperoá, comarca dos Ilhéos, fazendo um estabelecimento,
sendo dirigida por uma commissão de pessoas de confiança,
que tem forinalisado um regulamento, que foi mandado obser-
var: parece-me que este objecto deve occupar muito a atten-
ção do conselho.
O decreto de 8 de novembro de 1 8 2 7 mandou applicar os
rendimentos, que erão destinados á illuminação da eôrte, pa-
ra a desta cidade, e providencias se tem dado para que ella
seja em breve gradualmente illuminada, como requer uma
boa policia.
Eis aqui, senhores, tudo quanto me occorreu dizer, e Ana-
liso por inteirar ao conselho, que a paz interna da provincia
se tem conservado, e que tudo marcha em harmonia para ma-
nutenção da ordem publica. Bahia 1.° de dezembro de 1 8 2 8 .
—Visconde de Camamú. »
A novidade de semelhante acto attraío extraordinária con-
currencia de expectadores : comtudo o conselho teve de lu-
tar com embaraços não pequenos, e pouco fez, sendo no-
tável que logo no anno seguinte deixasse de reunir-se no dia
aprazado, por falta de membros, e que fosse mister inter-
vir o governo imperial neste negocio. Foi também neste an-
no que teve lugar a nomeação dos primeiros juizes de paz, e
como ainda então o povo escolhia, as eleições forão assás me-
ritorías (35).

(35) Pela novidade serão também perpetuados aqui os nomes dos jui-
zes de paz das freguezias desta cidade, e seu termo apurados em o 1.° de
abril.
FREGUEZIA DA SÉ—Juiz, coronel João Ladisláo de Figueiredo.—Sup-
plente, João Gonçalves Cezimbra.
SANTA ANNA—Juiz, José Bernardo da Silva Couto.—Supplente, Fran-
cisco Lopes de Carvalho.
DA PH0V1NCIA DA BAHIA. 107

Devia o presidente obstar ao progresso das folhas que o me-


noscabavão, não consentindo nas virulências e sarcasmos das
do lado opposto, que passava por certo serem por elle revistas

RUA DO PASSO—Juiz, Domingos José Antônio Rabello.—Supplente,


L u i z dos Santos Lima.
S.PEDRO-VELHO—Juiz, Francisco Ribeiro Pessoa.—Suplente, Ma-
noel José de Mello.
VICTORIA—Juiz, José Francisco Cardoso.—Supplente, Francisco de
Paula de Araújo e Almeida.
SANTO ANTÔNIO ALÉM DO CARMO—Juiz, Pedro Rodrigues B a n d e i r a . —
Supplente, Justino Nunes de Sento-Sé.
BROTAS—Juiz, Joaquim de Castro L ô b o . — Supplente, Francisco L o u -
rcnço da Costa Lima.
CONCEIÇÃO DA PRAIA—Juiz, Manoel José Guedes Chagas,—Supplen-
te, Antônio R i b e i r o da Silva.
PILAR—Juiz, Luiz Pereira L i m a . — S u p p l e n t e , Bernardo Antônio dc
Araújo.
PENHA—Juiz, Antônio da Costa Coelho.—Supplente, João José dc
Freitas.
SANTO AMARO DA IPITANGA—Juiz, Bernardino Marques Mussurunga.
— S u p p l e n t e , João Antônio Guimarães.
COTIGIPE—Juiz, coronel José Maria de Pina e M e l l o . — S u p p l e n t e , Ma-
noel Marques da Silva Guimarães.
MATTA DE S. JOAÕ—Juiz, tenente coronel João José de Sepulveda e
Vasconcellos.—Supplente, Antônio Teixeira Franco.
MONTE-GORDO—Juiz, Manoel de Souza Rodrigues M a c h a d o . — S u p -
plente Fclippe N e r i da Silva.
SANTA ANNA DO CATU'—Juiz, José Alvares da S i l v a . — S u p p l e n t e , Ma-
noel José de Araújo Borges.
PARIPE—Juiz, Manoel Tavares França.—Supplente, José de Mello
de Carvalho.
MATOIM—Juiz, José Cezar de B i t t e n c o u r t . — S u p p l e n t e , Paulo José de
Mello.
PIRAJA'—Juiz, João Ferreira de B i t t e n c o u r t . — S u p p l e n t e João Ro-
drigues Antunes.
TORRE—Juiz, O visconde da T o r r e . — S u p p l e n t e , Antônio dc Ávila
Pereira.
PASSÉ—Juiz, José Ferreira B a n d e i r a . — S u p p l e n t e , Antônio da Ro-
cha Pitta,
ITAPARICA—Juiz, Antônio Francisco de B a r r o s . — S u p p l e n t e , José Sil-
vano.
VERA-CRUZ—Juiz, Joaquim dos Santos Menezes.—Supplente, Pedro•
Celestino dos Santos.
SANTO AMARO DO CATU'—Juiz, Ignacio Pinto Machado.—Supplente,
Manoel José Teixeira Machado.
108 M E M Ó R I A S HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

antes de entrarem nos prelos, mas parece que isto não eslava
nas suas forças: em conseqüência desse apoio crescião as i n -
crepações, e j a com franqueza se afíirmava tramar-se contra
a fôrma do governo constitucional, de cujo partido o fazião
corifèo, não duvidando outros accrescentar ser essa a missão,
que fòra buscar ao Rio de Janeiro,"onde u m membro do mi-
nistério era publicamente accusado desse crime. As eleições
vierão incendiar mais os ânimos, e assim o anno dc 1829 en-
t r o u carregado. U m acto de imprudência do juiz de direito o
desembargador Caetano Ferraz Pinto ía-se tornando sério á
tranquillidade da capital: no dia 14 de maio, tratando-se do
julgamento do redactor do periódico denominado Bahiano f

aquelle magistrado portou-se descomedido para com o advo-


gado do accusado; suscitarão-se altercações, e á estas a che-
gada do ajudante d'ordens Francisco Joaquim Alves Branco, á
frente de uma porção de soldados da guarda principal, que
tomarão as portas da casa das sessões com baionetascalladas,
sendo logo alli presos alguns que o mesmo desembargador di-
zia terem-no insultado. Este acontecimento, que e m outros
tempos, e com outras pessoas não mereceria importância, ser-
vio porém de incremento ás odiosidades.
Por determinação imperial regressou á sua provincia o ba-
talhão de milicias de Sabará, conhecido geralmente por bata-
lhão de Minas, que havia vindo soccorrer a causa da indepen-
dência , embarcando para a Cachoeira e m 30 de j u l h o , para
d a l l i seguir por terra. Posto que não chegasse a tempo de en-
trar em acção, não se pôde escurecer que era composto da
gente mais moralisada, e que durante sua estada de uns pou-
cos de annos bastantes affeições grangeou.
E m officio de 6 de j u l h o participou o presidente áriovacâ-
mara municipal que tomara posse a 2, achar-se prompta uma
grande porção de lampiões, e j a armados os da freguezia da
Praia, afimde que ella tratasse de prom'over a respectiva il-
luminação que seria paga pela fazenda publica. Foi de Lisboa
que o presidente Gordilho mandou buscar dous lampiões para
servirem de modelo aos mais.

»
DA PROVÍNCIA DA B A H I A . 109
Por officio de 17 de outubro mandou suspender o adminis-
trador do correio, pelos entraves com que obstava á remoção
desse estabelecimento (36).
Trepidavão porém os ânimos com as noticias qile circulavão
de commoções populares, e em o dia 3 de agosto deste anno
(1829) o toque de rebate em todas as guardas fez tal assom-
bro na cidade baixa, que esta immediatamente fechou-se, bus-
cando muitos abrigo nas embarcações surtas no porto: não se
soube a origem de semelhante alarme; disse-se que este pro-
viera de incêndio, mas não existio incêndio em ponto algum
da cidade, nem disso derão sinal os sinos das igrejas.
O extraordinário interesse que resultaria do estabeleci-
mento regular da pescaria de garoupas nos Abrolhos, dictou
a formação de uma companhia: Domingos José Antônio Ra-
bello chegou a dar-lhe começo, obtendo por decreto de 17 de
setembro de 1829 a sesmaria das cinco ilhotas de Santa Bar-
bara nos Abrolhos e a Barra-vermelha, mas até hoje não tem
progredido.
A noticia da chegada da segunda imperatriz do Brasil ao
Rio de Janeiro foi aqui solemnisada com sumptuosidade: uma
famosa e brilhante illuminação, que durou desde 19 até 21
de novembro no Passeio-publico,attraío a concurrencia de to-
da a população da cidade, e um esplendido baile em palácio
no ultimo dia forão os actos de regosijo, desenvolvidos pela
commissão, composta do presidente visconde de Camamú,
barão de Itapororocas, barão de Maragogipe, Pedro Rodrigues
Bandeira, Antônio Vaz de Carvalho, Antônio Moniz Barretto
e Aragão, Salvador Moniz Barretto, coronel José Maria de Pina
e Mello, Pedro Ferreira Bandeira, Manoel João dos Reis, Joa-
quim José de Oliveira, Antônio Luiz Ferreira, Wencesláo Mi-
guel de Almeida, e Antônio Pedrozo de Albuquerque, cada
um dos quaes esmerou-se em tornar o acto mais brilhante,

(56) Desde 50 de setembro de 1820 achava-se este estabelecimento


na rua de S. Pedro em uma casa dc Justiniano da Costa Ferreira, allu-
gada por 288$ por anno: começou cm suas operações no lugar para on-
de foi transferido a 25 de outubro dc 1829.
110 MEMÓRIAS H I S T Ó R I C A S , E POLÍTICAS

sendo com effeito summamente esplendido o baile que apre-


sentarão em palácio do governo, onde reinou o brilhantismo,
a profuzão e o aceio.
Com tudo os festejos da câmara municipal em o dia 29 do
indicado mez forão mais orlhodoxos, consistindo em um bri-
lhante Te-Deum na cathedral, em que foi orador o Dr. Joa-
quim de Almeida, e para cuja despeza concorrerão os mem-
bros da mesma câmara, desenvolvendo um testemunho do
mais exaltado patriotismo com promover, em memória desse
consórcio, um collegio (37) ou casa de educação para meninas

(57) A câmara municipal desta leal e valorosa Cidade propondo-se a


eternísar a época dos felizes desposorios de S. M . o Imperador com i n -
delével monumento, que marche á par da d u r a ç ã o da independência e
constituição, dádivas immortaes com que este monarcha tem penhorado
os corações Brasileiros, c exigindo a sabedoria e gênio philantropico do
século, que padrões de tanta transcendência sc ostentem com o timbre
da beneficência, tem adoptado o seguinte projecto.
1.° A b r i r uma subscripção por todas as classes de seu districto, n o -
meando para cada uma os encarregados necessários de a promover, a f i m
dc se estabelecer uma casa de educação para meninas desvalidas, que te-
r á o titulo de Collegio de Pedro e Amélia.
2.° Convidar as outras câmaras da provincia para cooperarem com a
da capital por igual maneira.
3.° Que, logo que se tenha conseguido pela dita subscripção um ca-
pital de 50:000$000, a câmara nomeará uma commissão que se desi-
g n a r á commissão philantropica para tratar da organisação dos estatutos,
acquisiçâo do edifício, a r r e c a d a ç ã o , c applicação dos fundos.
4.° Designar uma caixa para guarda das quantias que se receberem á
cargo do procurador da c â m a r a , com escripturação competente para se
fazer a devida entrega á commissão philantropica quando se estabelecer.
5.° Publicar-se-ha pela imprensa individualmente os subscriptores de
cada classe com o produeto total correspondente, ficando desde ja en-
tendido que os nomes desses veneraveis bemfeitores da humanidade,
serão gravados em uma lamina de mármore,' que sc conservará no lôpo
da sala, que servir de refeitório do Collegio.
Convida pois a câmara á todos os cidadãos do seu districto para que
desenvolvendo uma nobre e m u l a ç ã o , a ajudem em t ã o grata empreza,
que tem por fim, gloria ao monarca, amparo á humanidade desvalida,
e renome eterno ao caracter dos bahianos. Bahia em câmara 21 dc no-
vembro de 1820.—Francisco José Lisboa, P . ; José de Barros Reis,
Lázaro José Jambeiro, Innocencio José de Castro, José Bernardo da
Silva Couto, José Antônio de Freitas, Francisco Antônio de Souza Uzel,
Justino Nunes de Sento Sé.
DA PROVINOIA DA B A H I A . 111
desvalidas, debaixo do titulo de Pedro e Amélia, agitando pa-
ra isso uma subscripção, que infelizmente não chegou a cor-
responder ás vistas do publico, com quanto para agentes de
tal subscripção a câmara escolhesse pessoas assás idôneas,
quaes o marechal João Chrisostomo Callado, então comman-
dante das armas, pela corporação militar, officiando-lhe nes-
te sentido:
« Illustrissimo e excellentissimo senhor. — Propondo-se
esta câmara a eternisar a época dos felizes desposorios de
S. M. o Imperador, com um estabelecimento philantropico,
qual seja uma casa de educação de meninas desvalidas, que
será denominada — Collegio de Pedro e Amélia—por con-
siderar ser este o padrão que a provincia da Bahia possa eri-
gir mais conforme com a sabedoria e gênio do século, assim
como mais capaz de emparelhar no progresso das gerações f u -
turas com a duração dos immortaes monumentos, indepen-
dência e constituição, com que o monarca soube eternisar a
sua gloria, e penhorar a gratidão dos Brasileiros, tem esta câ-
mara encetado a gloriosa empresa de abrir uma subscripção
por todas as classes de seu districto para a inauguração da-
quelle estabelecimento, e contando com o patriotismo de V.
Ex.% o tem nomeado para promover a dita subscripção pela
classe militar, esperando que V. Ex. no desempenho de t?o
a

grata commissão, dô mais uma prova de seu reconhecido zelo


pela gloria do monarca, e de philantropica solheitude pela
interessante causa da humanidade desvalida. Deos guarde a
V. Ex. Bahia paços da ca mara 12 de dezembro de 1829.—
a

I l l . e E x . Snr. governador das armas desta provincia.—


m o mo

Francisco José Lisboa, José Antônio de Freitas, Francisco


Antônio de Souza Uzel, Justino Nunes de Sento Sé, Innocenz
cio José de Castro, José de Barros Reis, Lázaro José Jambei-
ro, José Bernardo da Silva Couto. »
Do mesmo lheor e data se expedirão ás classes abaixo de-
signadas. Magistratura—Chanceller, Antônio da Silva Telles;
Desembargadores Antônio Calmon du Pin e Almeida, Manoel
dos Santos Martins Vallasques.
112 MEMÓRIAS HISTÓRICAS, E POLÍTICAS
COMMERCIO—Cominendador Antônio Vaz de Carvalho, Jo-
sé Antônio Ribeiro de Oliveira, Manoel José de Magalhães,
Antônio Joaquim Rodrigues da Costa, Manoel Francisco Lo-
pes, Francisco José da Rocha.
LAVOURA—Visconde de Pirajà, Paulo José de Mello de Aze-
vedo e Brito ; Coronéis José Maria de Pina e Mello, João La-
disláo de Figueredo e Mello.
EMPREGADOS CIVIS—Joaquim Carneiro de Campos; The-
soureiro geral, Innocencio José Galvão, Intendente da ma-
rinha.
PROFESSORES—Conego Antônio de Almeida Pacheco Ces-
lào, Vicente Ferreira de Magalhães, Antônio Agostinho de
Castro Barreto.
EMPREGADOS DA JUSTIÇA—José Olympio Gomes*de Souza,
Antônio Ferraz da Motta Pedreira, Joaquim da Costa Amado.
ADVOGADOS—José Mendes da Costa Coelho, Lúcio Pereira
de Azevedo, Luiz Tavares de Macedo.
CLERO SECULAR—Conego José Ribeiro Soares da Rocha;
Vigários Lourenço da Silva Magalhães Cardoso, Vicente Fer-
reira de Oliveira.
CLASSE MEDICO-CIRURGICA—Doutores José Lino Coutinho,
Antônio Policarpo Cabral, João Ricardo da Costa Dormund.
BOTICÁRIOS—Manoel Diniz Ribeiro, João Lourenço Seixas,
Victorino dos Santos Silva.
Músicos—André Diogo Vaz Muttum, José dos Santos Bar-
reto, Felix Procopio.
OURIVES—Antônio Aleixo Bizerra, Pedro Nolasco Torres,
Antônio Jacinto Galvão.
PEDREIROS—Gonçalo Lopes Perdigão, Manoel do Nascimen-
to de Jesus; Capitão José Fernandes do O'.
CARAPINAS—José Esteves, José Borges Leal, Bonifácio Fur-
tado.
MARCINEIROS—Ignacio dos Martyres, Dionizio Pereira de
SAPATEIROS—Manoel
Santa
quim José
Anna,Antônio.
Antônio José
doRibeiro.
Carmo, Júlio José de Souza, Joa-
1)A PROVÍNCIA. I>A BAHIA. 113

ALFAIATES—Manoel Pinto de Assumpção, Alberto Magno


Loureiro, Luiz José Pereira.
TANOEIROS — João Nunes Monteiro, Manoel Antônio Mon-
teiro, Domingos do Carmo Henriques.
CALDEIREIROS—Antônio Alvares Pereira, João Gonçalves de
Souza Lima, Francisco da Silva Yiégas.
CARPINTEIROS—João da Costa Carvalho, Manoel deGoes Mo-
niz Telles, Domingos Pereira Lisboa.
FERREIROS—José Venancio da Ressurreição, Ricardo Joa-
quim da Conceição, capitão Jeronimo Moniz Gomes.
Dirigio-se igualmente a câmara ao presidente da provincia,
á todas as mais câmaras delia, bem como á S. M. o imperador,
que prasenteiramenle acolheu a idéa proposta do collegio, (38)
e continuou o mesmo visconde de Camamú a administrar a
provincia, fazendo quanto estava de sua parle para atalhar os
males resultantes da episootia que então grassava, e empe-
nhando todas as suas forças na extirpação da moeda falsa de
cobre, mas parece que a provincia devia ainda passar por sce-
(58) Foi presente a S. M, o imperador, o officio da câmara munici-
pal da cidade da Bahia, na data dc 11 de dezembro próximo passado,
em que, dirigindo ao mesmo augusto senhor as devidas felicitações pe-
lo seu venturoso cunsorcio, partecipa que, em applauso dc tão memorá-
vel acontecimento, c depois de render graças a Deos pela prosperidade
e augmento da dynastia imperial do Brasil, projectára promover, por
meio de uma subscripção em toda a provincia da Bahia, o estabeleci-
mento de uma casa de educação de meninas desvalidas, com o titulo de
Pedro e Amélia, na forma do edital impresso, que acompanhou o r e -
ferido oííieio; pedindo para tão digna em preza a imperial protecção. E
sendo muito agradável a S. M . I . que a mencionada câmara, possuida de
u m nobre enthusiasmo, e por motivo daquelle faustissimo suecesso,
que assignala uma das épocas mais gloriosas a este império, se tenha
distinguido por uma acção tão patriótica, e benéfica, em auxilio da mo-
cidade desamparada do sexo feminino, que não menos reclama os disve-
los da caridosa humanidade: manda pela secretaria de estudo dos n e g ó -
cios do império partecipar á sobredita câmara que não só ha por bem ap-
provar sua louvável resolução, cora que por certo sc torna digna dos
maiores elogios, mas que se dignará proteger u m estabelecimento tão
philantropico, que em todos os tempos servirá de padrão ao zelo, sen-
sibilidade, c pureza de^suas intenções, e ao acerto de suas providencias.
Palácio do Rio de Janeiro cm 19 de janeiro de 1850. —Marquez de Ca-
ravellas.
TOMO VI. 15
114 MEMÓRIAS HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

nas mais horrorosas, e pelas oito horas e um 'quarto da noite


dc 28 de fevereiro de 1830, recolhendo-se o mesmo presidente
á palácio do seu ordinário passeio todas as tardes, ao desem-
bocar a rua de Baixo para o largo do Theatro, um indivíduo
montado á cavallo descarregou-lhe um reforçado tiro de pis-
tolla, quasi á queima-roupa, seguindo logo impunemente a
todo o galope pela rua das cabanas de S. Bento até a ladeira
do Borco, continuando d'ahi até a rua dos Capitães, sem que
pessoa alguma fizesse o menor esforço por perseguil-o, em
conseqüência de ninguém suppôr tanta ousadia no assassino,
a quem a claridade da lua não incutio o menor receio. O in-
feliz visconde ainda apanhou o chapéo que lhe havia cabido
quando recebeu o tiro, e dirigio-se á casa próxima do barão dc
Maragogipe, hoje pertencente ao barão de Passé, onde entrou
ja coadjuvado por alguns escravos da mesma casa, mas den-
tro em poucos instantes expirou, sem que ao menos tivessem
sua viuva e filha a triste consolação de receberem seus últimos
suspiros, com quanto fossem a correr de palácio até aquella
casa.
Foi sepultado com a maior pompa, e todas as honras que
lhe erão devidas na igreja do hospício da Piedade, ignorando-
se ainda com exactidão quem fosse o scelerado autor de se-
melhante crime, e a noticia desta morte penalisou vivamente
a S. M. o imperador, que em verdade tinha nelle um subdito
assás prestante e fiel. Era o visconde de Camamú filho do
desembargador José Júlio Henriques Gordilho de Cabral, e de
D. Maria Barbara Cabral Velloso de Barbuda; nasceu no 1.°
de agosto de 1773 na villa da Chamusca, onde seu pai exer-
cia o primeiro lugar da magistratura, e educado como eonvi-
nha á nobreza de seu nascimento, fez progressos nos estudos
preparatórios: acompanhou a seu pai para a ilha da Madeira,
onde assentou praça no corpo de artilharia, subindo logo
pouco depois a ofíicial por seus estudos; seguio dalli para o
Rio de Janeiro em 1809, e continuou no serviço militar no
1.' regimento decavallaria, até que acompanhou ao conde dos
Arcos para esta cidade, ja elevado ao posto de major, e conde-
DA PR0VINGIÂ DA DAHIA. \\ 5

corado com o foro de fidalgo cavalleiro: offereeeu-sc para


m a r c h a r c o n t r a os facciosos de P e r n a m b u c o e m 1817, do que
l h e r e s u l t o u o ser elevado a tenente coronel e dignificado com
a c o m m e n d a da o r d e m de Christo. F o i nomeado coronel pelo
p r i m e i r o i m p e r a d o r do B r a s i l , e c o m m a n d a n t e geral das t r o -
pas de segunda l i n h a desta provincia; c o m t u d o recusou a j u n t a
provisória do governo p r o v i n c i a l que então existia, c u m p r i r
semelhante despacho, remettendo preso para Lisboa o agra-
ciado, por se haver p r o n u n c i a d o a favor da causa do Brasil, e
t o r n a n d o d a l l i para o R i o de Janeiro foi enviado a reunir-se
nesta p r o v i n c i a ao general L a b a t u t ; mas acoçado pelas t o r -
mentas que soífreu na viagem, teve de a r r i b a r , sendo por bas-
tante t e m p o privado, por moléstias graves que padeceu, de pres-
tar o m e n o r serviço. F o i depois de brigadeiro nomeado para
c o m m a n d a r o deposito na côrte, tendo também desenvolvido
as bellas qualidades de o p t i m o servidor do estado na presi-
dência da p r o v i n c i a de S. Pedro do Rio Grande do S u l , c u j o
l u g a r exerceu antes de ser elevado a c o m m a n d a n t e das armas
desta p r o v i n c i a .
P o r f a l l e c i m e n t o do visconde de C a m a m ú e n t r o u na admi-
nistração da provincia João Gonçalves Cezimbra, m e m b r o do
conselho do governo delia, por haver-se disso escusado ocem-
m e n d a d o r Pedro Rodrigues Bandeira, pretextando moléstias, e
d u r a n t e todo o tempo que servio prestou-se ao c u m p r i m e n t o de
seu ministério c o m a maior actividade e honradez: no dia 9
de a b r i l do mesmo anno de 1830 e n t r o u do Rio de Janeiro
a curveta Maria Isabel, conduzindo p o r novo presidente o
desembargador L u i z Paulo de Araújo Bastos, hoje barão dos
Fiaes, e o marechal JoãoChrisostomoCalíado, como comman-
dante das armas, ambos os quaes começarão a servir e m o dia
13 do referido mez de a b r i l , e foi no tempo desta administra-
ção que o j u i z de paz da v i l l a de Caetité, Joaquim Venancio
de Azevedo r e m e t t e u u m a porção de pedras, descobertas no
districto d a q u e l l a v i l l a , as quaes sendo submettidas ao exame
do interessante conselheiro, e senador Manoel Ferreira da Câ-
mara, deu este o parecer seguinte:
A
116 MEMÓRIAS H I S T Ó R I C A S , E POLÍTICAS

« Illustrissimo e excellentissimo senhor.—Vou do modo


que me é possível satisfazer á requisição que V. Ex. me fez
no seu officio de 12 do mez que acabou, e começarei por d i -
zer a V. Ex., que as pedras de que me enviou as amostras,
são ametistas, e cristaes de rocha; aquellas contadas pelos
orictognostas, e pelos que com ellas traficão entre as precio-
sas, ainda que pertenção ao gênero das segundas, que por muito
vulgares, posto que iguaes em dureza, e brilho faltando-lhes
somente a côr, são tidas em menor conta. Ha comtudo entre
as amostras, tres que tem algum merecimento para a mine-
ralogia: a primeira é um cristal de rocha côr de berillo, a se
gunda côr de topazio, a terceira a que se assemelha ao opalo.
As segundas achão-se em grande quantidade na provincia dc
Goyaz; e de tão longe são transportadas para a Europa, onde
se vendem por topazios, á quem não tem maior conhecimento
de pedras, que depois de lapidadas enganão ainda aos olhos
mais exercitados. A mina agora descoberta no recinto de Cae-
tité fará concurrencia á de Goyaz, por serem as pedras de igual
natureza, e ficarem mais perto do mercado da Europa. Todas
são pedras de pouco valor, se todavia convidem a ser transpor-
tadas de preferencia ao algodão, café, assucar, e outros gêne-
ros que o interior produz. A moda dá-lhes maior valor, e
quando quem as extrahe, e alimpa obtém 6$ réis por libra,
dá-se por muito contente, e julga ter feito bom negocio: caindo
porém semelhantes pedras nas mãos industriosas dos Euro-
peos, com uma só libra de boas ametistas fazem mais de 600$
réis; a só lapidação lhes faz triplicar o valor, e dia virá que
essa mão d'obra fique no Brasil que as produz.
Apesar do que acabo de dizer, acho que o juiz de paz de
Caetité merece ser elogiado, por ter cumprido com aquella
parte do seu regimento, que lhe impõe o dever de fazer conhe-
cer os produetos, e raridades do seu districto-, sobrecarga
que a lei lhe impoz, e que não é das mais fáceis de cumprir
pela falta de luzes, e conhecimentos em que quasi todos la-
borão-, e se a tão pouco custo chegássemos a conhecer as pro-
ducções dos tres reinos da natureza, baratos e muito baratos,
DA PROVÍNCIA DA B A H I A . 117
nos ficarião preciosos conhecimentos de que as gerações vin-
douras poderáõ tirar grande partido.
A provincia da Bahia não é tão rica em mineraes como as
províncias mineiras; não se pôde todavia chamar pobre, por-
que abunda em mineraes de ferro, de que o Brasil possuo uma
nunca vista riqueza, de que á seu tempo tirará maior utilida-
d e , do que tem tirado, e pôde tirar do ouro e diamantes; e
razões tenho para suppôr esta provincia mais rica do que aquel-
las em cobre e prata.
Não me fundo para assim o julgar na grande massa de co-
bre, que se achou entre este engenho e a villa da Cachoeira,
no sitio do Mamocabo, pesando 80 arrobas, tida pelos mine-
ralogistas Portuguezes por cobre nativo; por tal também eu a
tive antes de poder encarar melhor semelhantes objectos; fun-
do-me em cobre que me foi mandado, quando estudante em
Coimbra, achado na serra da Borracha, termo de Jacobina,
que não era, como aquelle, fundido, mas virgem.
E pelo que respeita á prata tive ultimamente motivos para
julgar verdadeira a historia que nos contão da descoberta, que
delia fizera no mesmo termo um paulista chamado Moribeca,
o qual dizem que morrera nas prisões d'essa cidade, por não
querer descobrir o sitio em que a achara, o que fizera por se
f

não dar a recompensa que pedia. Sempre tive por fabulosa, e


exaggerada semelhante descoberta, mas ultimamente se me
apresentou no Rio de Janeiro mineraes de chumbo, de que
provavelmente se servia para fundir a prata, extrahidos de
uma veia que está perto de outra, que se acha entupida, e que
não sem grande fundamento se suppÕe ser a que produzia a
prata; porque além de se achar entupida de propósito, achão-se
perto dellas ruinas, e deterioramentos de uma velha fundição.
Se bem me lembro acha-se esta mina na freguezia do Urubu.
Ora como V. Ex. mostra ter por semelhantes cousas um zelo
e interesse, por desgraça pouco vulgar nos que estão á testa
da publica administração, eis dous objectos que muito conve-
ria fazer examinar pelos competentes juizes de paz.
Terminarei este meu officio dizendo a V. Ex., que muito
í 18 M E M Ó R I A S HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

folguei de ver no do juiz de paz appenso ao de V. Ex. á que


respondo, que ja se estendeu á esta provincia o trabalho do
ferro em pequeno, que com o grande deixei bem estabelecido
em Minas Geraes: por meio daquelle qualquer obtém hoje
com pouco custo, e em poucas horas o ferro de que precisa;
trabalho de que tem vindo à provincia poderes, que tanto lhe
faltavão para animar a mineração e a cultura, que depois de
tão preciosa acquisição muito se tem augmentado.
Falto de copista sufficiente, e peior que isso impossibilitado
de estar por muito tempo sentado, pelos meus males neufri-
ticos, ainda darão as minhas poucas forças para satisfazer a
V. Ex. em semelhantes matérias (se é que tanto tenho conse-
guido) quando julgue necessário a causa publica. Deos guarde
a V. Ex. Engenho-da Ponta 12 de agosto de 1830.—Illustris-
simo e excellentissimo senhor presidente Luiz Paulo de Araújo
Bastos.—Manoel Ferreira da Câmara de Bittencourt e Sá. »
Permanecia a provincia no remanso da paz e tranquillida-
de quando algumas embarcações, chegadas do Rio de Janeiro,
trouxerão as sementes de sua conflagração, com a noticia do
partido que se havia creado e desenvolvido contra o primeiro
e augusto Imperador: entre essas sementes foi de grande ca-
libre a proclamação que S. Magestad$ havia dirigido aos ha-
bitantes da provincia de Minas Geraes (39) e dando-se a ella

(39) Mineiros—É esta a segunda vez que tenho o prazer de me achar


entre v ó s . É esta a segunda vez que o amor que eu consagro ao Brasil
aqui me conduz.
Mineiros—não me dirigirei somente a vós; o interesse é g e r a l : eu fallo
pois com todos os Brasileiros. Existe um partido desorganisador, que a-
proveitando-se das circumstancias puramente peculiares da França pre-
tende illudir-vos com invectivas contra a minha inviolável c sagrada
pessoa, e contra o governo, a fim de representar no Brasil scenas de hor-
ror, cobrindo-o dc lueto, com o intènto de empolgarem empregos, e sa-
ciarem suas vinganças, e suas paixões particulares, a despeito do bem
da pátria (a que não altendem) aquelles que tem traçado o plano revolu-
cionário.
Escrevem sem rebuço, e concitão os povos á federação; e cuidão sal-
var-se deste crime com o art. 174 da lei fundamental que nos rege. E s -
te artigo não permitte alteração alguma no essencial da mesma lei.
Haverá um attentado maior contra a constituição, que juramos defen-
DA PROVÍNCIA DA B A H I A .
119
um exaltado apreço, precedeu a Bahia em sua conflagração a
todas as mais partes do império.
Uma multidão de pessoas de todas as classes apoderou-se
em o dia 4 de abril, logo cêdo, da fortaleza do Barbalho, to-
mando a direcção dessa força o coronel de 2. linha Antônio
a

Lopes Tabirà Bahiense, e em poucos momentos apresentava


aquella fortaleza, e o campo á ella fronteiro, uma força ex-
traordinária de pessoas de todas as classes: tinha sabido an-
tecedentemente para o Rio de Janeiro a charrua Animo Gran-
de, ^transportando os deputados desta provincia, que não qui-
zerão annuir ás requisições que lhes fizerão para demorarem
sua partida (40), e logo que sahirão forão presos dous officiaes
do 2.° batalhão da l . linha, e recolhidos à bordo da fragata
a

der e sustentar, do que pretender alteral-a na sua essência? Não será


isto um attaque manifesto ao sagrado juramento que perante Deos todos
nos mui voluntariamente prestamos? Ah! caros Brasileiros, eu não vos
fallo agora como vosso imperador, é sim como vosso cordial amigo. Não
vos deixeis üludir por doutrineis, que tanto tem de seductòras, qiianto
de perniciosas. Elias só podem concorrer para vossa perdição e do Bra-
sil, e nunca para vossa felicidade e da pátria. Ajudai-me a sustentar
a constituição tal qual existe, e nós juramos. Conto comvosco, contai
comigo. Imperial cidade do Ouro-preto 22 de fevereiro de 1831— Im-
perador Constitucional e Defensor Perpetuo do Brasil.
(40) Em igual sentido havião dirigido ao governo esta representação:
« Excellentissimo senhor presidente em conselho.—Os cidadãos Bra-
sileiros abaixo assignados, avista das ultimas noticias, que hão chega-
das do Rio de Janeiro, pelas quaes se conhece, e pela representação dos
vinte e quatro representantes da nação alli residentes dirigida a s! M . I . ,
que um partido lusitano, tentando sempre destruir a obra da nossa libex-
dade, c independência, teve a audácia dc levantar o collo, espancando,
ferindo, e matando os Brasileiros natos, correndo assim o precioso san-
gue de nossos compatriotas; e ignorando quaes os resultados de tão f u -
nestos acontecimentos, receiando por isso da segurança, e immunidade
dos seus deputados, que d'aqui estão próximos a partir para a côrte do
Rio de Janeiro, usando do direito de petição garantido pela lei funda-
mental, vem requerer a V. Ex." em conselho, haja de fazer substar a sa-
bida da charrua Animo Grande, ou outra qualquer embarcação que es-
teja prompta, ou tenha de levar os nossos representantes pára aquella
côrte, até que noticias ulteriores venhão pôr em tranquillidade seus âni-
mos receiosos, c vacilantes sobre a seguridade de sua independência, e
liberdade constitucional. E R. M.
(Seguem-se 102 assignaturas.)
120 M E M Ó R I A S HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

Isabel, \iOT suspeitas de tentarem c o n t r a a o r d e m p u b l i c a ; mas


arribando e m o dia 3 aquelles deputados, por fazer agua o
navio que os transportava, forão i m m e d i a t a m e n t e buscados
por grande porção dos inculcados patriotas, pedindo-lhes obs-
tassem aos inales q u e p r o m o v i a o governo p r o v i n c i a l , e como
essa exigência e o estado de conflagração da capital incutião
sérios receios, dirigirão logo ao governo o seguinte o f f i c i o . —
c ( I l l . e E x . S r . — O s deputados esenadores abaixo assigna-
m o m o

dos, cuidadosos pelas criticas circumstancias, e m que se acha


a provincia, prestes a ser mergulhada n o sangue da guerra ci-
v i l , e zelosos do b e m da pátria, se reunirão, e tendo conferen-
ciado entre si, levão a presença de V. Ex. as seguintes refle-
a

xões. 1.° Que o povo Bahiense sobremaneira sollicito por sua


liberdade, f i c o u agitado c o m as próximas funestas noticias,
que vierão do R i o de Janeiro; mas q u e este m o v i m e n t o não te-
r i a chegado ao seu auge, senão fosse a indiscreta e illegal p r i -
são de dous officiaes do batalhão n.° 2. 2.° A prisão destes
mesmos officiaes à b o r d o das fragatas surtas neste p o r t o , o
que na verdade é c o n t r a r i o á constituição do império. 3.° F i -
n a l m e n t e a desconfiança quasi geral dos m i l i t a r e s , e paisanos
de q u e taes prisões arbitrarias se estendão sobre elles, t a n t o
mais p o r não se haver convocado o conselho do governo, n o
critico estado e m que se acha a provincia, q u a n d o se espalha
que t e m havido conselhos secretos, compostos de pessoas q u e
não gosão da confiança publica. Nestas circumstancias os abai-
xo assignados entendem, e nesta c o n f o r m i d a d e representão a
V. Ex. , como p r i m e i r o responsável pelos damnos e desor-
a

dens da p r o v i n c i a , para que, p r o c u r a n d o r e m e d i a r a crise emi-


nente, faça soltar os dous officiaes, p r o c l a m e sem perda de
tempo ao povo, assegurando-lhe as garantias i n d i v i d u a e s do
cidadão, e affiançando-lhe a illesa manutenção de sua l i b e r -
dade ; convocando t a m b é m logo o conselho do governo, a fim
de se t o m a r e m quaesquer outras medidas necessárias á segu-
rança e tranqüilidade da provincia. Bahia 4 de a b r i l de 1 8 3 1 .
Manoel Alves Branco, Manoel Maria do Amaral, José Lino
Coutinho, Francisco de Paula d'Araújo e Almeida, Antônio
DA PROVÍNCIA DA BAHIA. 121
Pereira Rebouças, Cassiano Speridião de Mello Mattos, José
Ribeiro Soares da Rocíia, Francisco José Coelho Netto, Vis-
conde do Rio Vermelho.
No entanto agglomerava-se a multidão na praça de Palácio,
e o presidente depois de no mesmo palácio reunir um conselho,
composto dos representantes da nação acima designados, e
dos membros da câmara municipal, enviou ás dez horas da
noite à fortaleza do Barbalho uma deputação composta do
deão da cathedral, Manoel José Gonçalves Pereira, membro do
conselho do governo, do presidente do corpo municipal Inno-
cencio José de Castro, e do deputado doutor Francisco de
Paula de Araújo e Almeida, a saber da força alli reunida o que
pretendia, voltando essa commissão com o seguinte escripto.
« Os commandantes de corpos, tropa e povo que se achão
reunidos neste campo, e fortaleza do Barbalho, considerando
que violentas transgressões da constituição se tem praticado
nesta provincia, sendo a mais saliente a ultimada prisão de
dous officiaes Brasileiros, só pelo facto de serem constitucio-
naes, e defensores da independência ameaçada violentamente
pelos últimos factos praticados no Rio de Janeiro, por uma
facção lusitana recolonisadora; e querendo segurar sua tran-
quillidade, e direitos garantidos pela constituição, tem resol-
vido com as armas na mão :

1.° Que o commandante das armas o marechal Callado,
seja immediatamente, e hoje mesmo, deposto de tal emprego,
e embarcado para partir para a côrte do Rio de Janeiro, a dar
conta perante o governo imperial e constitucional de seus
procedimentos. 2.° Que seja nomeado interinamente um mi-
litar brasileiro nato, de confiança e conceito publico, e de pa-
rente superior, que substitua aquelle emprego. 3.° Que o com-
mandante do 2.° batalhão de caçadores, seu major e todos os
mais commandantes e officiaes portuguezes, que se não reu-
nirão a este campo, sejão postos em custodia e segurança, e
também expedidos da provincia. 4.° Que o commandante da
policia, Manoel Joaquim Pinto Pacca, seja também immediata-
mente mudado, e substituído no commando do mesmo corpo por
TOMO. vi. 16
Í22 M E M Ó R I A S HISTÓRICAS*, E POLÍTICAS

outro ofíicial igualmente tio conceito p u b l i c o . 5.° Que o a r t i -


go 10 da lei da fixação das forças de terra, e o respectivo da do
mar sejão quanto antes postos e m execução, para o que o excel-
lentissimo senhor presidente dará quanto antes as necessárias
providencias. 6.° Que qualquer signal de hostilidade c o n t r a a
tropa e povo a q u i reunidos, ou desembarque de q u a l q u e r for-
ça do mar, ou o u t r a alguma reunião de força, ou Portuguezes
paisanos armados, será considerada como aggressão, e nesse
caso o mesmo povoe t r o p a tomarão aoftensiva c o m todo o de-
nôdo, e f u r o r das armas. 7.° Que o sobredito povo e tropa ar-
mada dá v i n t e e q u a t r o horas para que os artigos acima sepo-
nhão e m sua rigorosa execução, especialmente o da deposição
e e m b a r q u e do c o m m a n d a n t e das armas, e declarão m u i t o ex-
p l i c i t a m e n t e , que só largaráõ as armas quando se c u m p r i r e m
taes medidas requisitadas nos artigos acima, devendo prece-
dentemente ser recolhido ao seu q u a r t e l o 2.° batalhão, e os
soldados mandados pôr e m plena liberdade. Q u a r t e l e acam-
p a m e n t o d o Barbalho 4 de a b r i l de 1 8 3 1 às onze horas da
noite.—Antônio Lopes TabiráBahiense, c o r o n e l c o m m a n d a n -
t e da força. Francisco Xavier Bigode, tenente c o r o n e l do ba-
talhão n.° 92. Pedro Ribeiro Sane lies, sargento m ó r comman-
dante do batalhão 2 0 de l . l i n h a . José Francisco de Pinho,
a

capitão de cavallaria. Antônio João Fernandes Pizarro Gabi-


zo, capitão do batalhão 5 cie l. l i n h a . Joaquim Ignacio Ri-
a

beiro, capitão c o m m a n d a n t e do corpo de policia. Thomaz Al-


ves Ottan e Silva, major c o m m a n d a n t e i n t e r i n o do 93. José
Gabriel da Silva Daltro, major. João de Souza Netto, tenente
coronel. Antônio de Souza Lima, coronel. Francisco de Pau-
la de Miranda Chaves, tenente c o r o n e l graduado d e a r t i l h a -
r i a , c o m m a n d a n t e da fortaleza. José Joaquim Leite, major.
Manoel Francisco Serapião, alferes ajudante do batalhão n.° *
1 2 1 . Bamabé de Uzeda e Lima, capitão. João Francisco Ca-
bussú, tenente. Manoel Vieira Machado, capitão commandan-
t e da fortaleza do Monserrale. Pedro Paulo de Moraes Rego,
capitão. Bernardino Ferreira Nobrega, capitão cirurgião mór.
Caetano Alberto de Moraes, capitão mandante. André Gorsi-
DA PROVÍNCIA DA B A H I A . j.>3

no Bananeira, 2.° tenente de artilharia de 2. linha. João Go-


a

mes do Espirito Santo, major graduado. Francisco Felix Soei-


ro Daltro, major graduado do batalhão 9 i . »
Em conseqüência da resposta da commissão rcunio-sc logo
o conselho do governo, e assentou no seguinte:
« Aos quatro dias do mez de abril do anno de 1831, nesta
leal e valorosa cidade da Bahia, e palácio do governo da pro-
vincia, onde se achava o excellentissimo senhor presidente Luiz
Paulo de Araújo Bastos, ahi comparecerão os abaixo assigna-
dos, membros do corpo legislativo, do conselho do governo, e
da câmara municipal, que forão todos convocados pelo mes-
mo senhor presidente, o qual passou a expôr, que esta capi-
tal se achava cm uma al titude perigosa, em razão de ajuntamen-
tos populares, e de tropas que havião em vários lugares da
cidade, c que ignorando a causa de um tal movimento lhe
cumpria dizer, que mediante o seu governo tinha sempre obrado
da melhor boa fé, e segundo a constituição jurada, que a todo
o custo protestava manter, e que finalmente nesta conjunetura
pedia a cooperação de todo o conselho, a fim de se tomar uma
medida salutar á bem da tranquillidade publica, o que imme-
diatamente se poria em execução, e que entretanto havia ja
dado ordens positivas para que as tropas nãofizessemo menor
movimento contra os cidadãos, e sim se conservassem obe-
dientes ás ordens do governo, debaixo da maior responsabili-
dade; em conseqüência o conselho, tomando em consideração
o expendido resolveu, que se mandasse uma deputação de tres
membros, a saber, um do corpo legislativo, outro do conselho
do governo, e outro da câmara municipal, a fim de por meio
delia se saber quaes erão as pretençÕes do povo reunido, para
sc darem as providencias, que o caso pedisse, sendo logo no-
meados o senhor deputado Dr. Francisco de Paula de Araújo
e Almeida, o senhor conselheiro do governo, deão Manoel José
Gonçalves Pereira, c o senhor presidente da câmara munici-
pal Innocencio José de Castro, os quaes saindo a cumprir esta
commissão, delia voltarão dando conta, que tendo ido ao campo
e fortaleza do Barbalho, alli acharão grande numero de paisa-
124 MEMÓRIAS HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

nos armados, e a maior parte da força militar da cidade, qne


poderia montar tudo de tres a quatro mil homens, além da
mais gente armada que constava existir em alguns outros pon-
tos e communicando á sobredita força, que da parte do con-
selho reunido íão saber delia quaes os motivos e as necessi-
dades que a tanto a obriga vão, responderão por escripto, o
que consta da declaração abaixo transcripta, a qual sendo lida,
e posta em discussão, foi o mesmo conselho acerca de cada um
dos artigos da dita declaração do parecer seguinte:
1.° Que em quanto ao 1.° artigo, supposto reconhecesse o
conselho a necessidade de se suspender o commandante das
armas nas criticas circumstancias em que se achava a pro-
vincia, comtudo como a lei de 20 de outubro de 1823 no ar-
tigo 24 § 14 providenciava a respeito, fazendo este negocio
dependente do conselho do governo, nada deliberou; mas es-
tando presentes os seis membros do mesmo conselho do go-
verno, este resolveu por unanimidade de votos a suspensão do
dito commandante das armas, por assim instar a causa publi-
ca, o qual deveria ser logo enviado para a côrte do Rio de Ja-
neiro.
Em quanto ao 2.° que recahisse interinamente o commando
das armas na patente mais graduada da provincia na confor-
midade da lei, vindo por isso a pertencer ao visconde de Pi-
rajá, coronel mais antigo da provincia, attento o impedimento
por moléstia do brigadeiro Luiz Antônio da Fonseca Machado.
Em quanto ao 3.°, que fossem unicamente demittidos do
commando do batalhão n.° 2 de l . linha o tenente coronel
a

commandante e seu major, e bem assim todos os mais com-


mandantes, e majores dos corpos de l . linha nascidos em
a

Portugal, por assim o pedir a segurança da provincia, dissi-


pando os receios incutidos nos ânimos de seus habitantes, de-
vendo igualmente estes commandantes e majores suspensos se
retirarem quanto antes para a côrte, logo que se proporcione
oceasião opportuna.
Em quanto ao 4.°, que como o senhor presidente ja se achava
munido de ordens do ministério para dar o commando do corpo
DA PROVÍNCIA DA BAHIA. 125
da policia a quem julgasse capaz para bem o desempenhar; e
outro sim tendo ja o actual commandante pedido a sua demis-
são, nada de novo deliberou o mesmo conselho, senão que o
mesmo senhor presidente da provincia, cumprisse com a re-
ferida ordem do ministério, sendo-lhe lembrado como ofíicial
digno de preencher o referido commando o tenente coronel
Rodrigo de Argollo Vargas, em o que concordou.
Em quanto ao 5.°, que ja estando resolvido pelo ministério,
e encarregado ao commandante das armas a execução do ar-
tigo 10 da lei da fixação das forças de terra, deverá o com-
mandante das armas interino cumprir o referido artigo.
Em quanto ao 6.°, que tendo o senhor presidente ja passado
por mais de uma vez as mais terminantes ordens ao comman-
dante das armas, para que as tropas debaixo de seu commando
se mantivessem em perfeito estado c obediência, abstendo-se
de todo e qualquer movimento, e da menor hostilidade contra
ainda mesmo os cidadãos que armados apparecessem, (41) jul-

(41) Illustrissimo e excellentissimo senhor,—'Convém prevenir a


V , Ex. que não é da mente deste governo, que hajam movimentos da
parte da tropa contra quaesquer cidadãos que appareção ainda armados,
sejão os motivos quaes forem". Deos guarde a V. Ex, Palácio do Governo
da Bahia 4 de abril dc 1831.—Luiz Paulo de Araújo Bastos. — Sr. ma-
rechal commandante das armas.
O presidente da provincia, ordena ao senhor commandante das armas
e á toda a tropa debaixo das ordens deste governo, que não lação o me-
nor movimento e ainda menos hostilidades, c conservando-se a tropa
unicamente em estado de observação, e obediente inteiramente ás or-
dens, que lhe forem enviadas por este mesmo governo, debaixo da mais
rigorosa responsabilidade. Palácio do governo da Bahia 4 de abril de
1831,—Bastos.
Illustrissimo e excellentissimo senhor.—O principal objecto deste go-
verno é evitar a menor desordem, e derramamento dc sangue: tenho
mandado uma deputação aos Brasileiros reunidos no Barbalho, c desejo
saber o que se pretende do governo; diz-se que para o lado do Forte de
S. Pedro, tem-se ouvido tiros, o que duvido á vista das minhas ordens
e da segurança da obediência á ellas, como V. Ex. a pouco me declarou,
e eu confio. Novamente dirijo e reitero a V . Ex. as mesmas ordene so-
bre o seu estado passivo, e desejo ser informado se com effeito houverão
esses tiros, c dos motivos delles. Deos guarde a V . Ex. Palácio do go-
verno da Bahia 4 de abril á meia noite de 1831 .—Luiz Paulo de Araújo
126" MEMÓRIAS H I S T Ó R I C A S , E POLÍTICAS

gou que a este respeito, vistas as respostas do sobredito com-


mandante das armas, nada de novo tinha a accrescentar.
Em quanto ao 7.°, as resoluções acima tomadas serião i m -
mediatamente postas em execução, mas que a respeito da
prompta sabida do commandante das armas suspenso para a
côrte do Rio de Janeiro, era impossivel ao governo da provin-
cia o poder assim realisal-a no brevíssimo espaço de vinte e
quatro horas como se exigia ; porém que se faria no menor
tempo possível, proporcionando-se-lhe logo uma das fragatas
surtas neste porto, para onde se poderá passar até seguir
viagem.
E que finalmente o 2.° batalhão será mandado recolher aos
seus respectivos quartéis, e postos os soldados em plena l i -
berdade debaixo da disciplina e ordem de seus respectivos
commandantes. Tendo assim deliberado o conselho a respeito
dos quesitos que lhe forão propostos, elle exige que logo que
for suspenso o actual commandante das armas, recolhão-se
tranquillos ás suas casas, e a tropa á seus quartéis onde sc
conservarão obedientes à lei, e aos seus chefes, a fim de que
se restabeleça o socego publico, e se mantenha a constituição.
E para constar se lavrou a presente acta, que eu Antônio
Joaquim Alvares do Amaral secretario do governo, escrevi e
assignei como conselheiro supplente do mesmo governo.—Luiz
Paulo de Araújo Bastos, Manoel Gonçalves Pereira, Luiz dos
Santos Lima, Justino Nunes de Sento Sé, Antônio Joaquim
Alvares do Amaral, Antônio Pereira Rebouças, Innocencio
José de Castro, Manoel Alves Branco, Antônio Ferreira
França, Manoel Maria do Amaral, José Lino Coutinho, Fran-
cisco de Paula de Araújo e Almeida, Francisco José Coelho
Netlo, Luiz José de Oliveira, Cassiano Speridião de Mello
Mattos, Visconde do Rio Vermelho, José Mendes da Costa
Coelho, Joaquim Antônio Moutinho, Antônio Polycarpo Ca-
bral, João Pereira de Araújo França. »
»'

Bastos.— Sr. marechal commandante das armas, João Chrisostorno


Callado.
DA PROVÍNCIA DA B A H I A . 1^7

Com excesso reforçava-se o campo e fortaleza do Barbalho,


o no dia seguinte constava de mais de oito mil homens d
numero dos reunidos alli, todos armados: o presidente of-
ficiou. no mesmo dia ao marechal commandante das armas,
intimando-lhe achar-se suspenso do exercício de suas func-
ções, ao que elle nenhuma duvida objectou, exigindo ape-
nas que fossem mandados em sua companhia para o Rio de
Janeiro os commandantes e alguns officiaes dos corpos da
primeira linha, que havião deixado de reunir-se ao Barba-
lho, ficando com seus respectivos corpos na fortaleza de S.
Pedro, ao que o governo não annuio. respondendo-lhe que
somente teria lugar essa sahida quanto aos commandantes e
majores dos mesmos corpos, que houvessem nascido em
Portugal.
No dia 5 reunio-se outra vez o conselho do governo com os
membros que havião funccionado a primeira vez, e então to-
mou-se a deliberação seguinte:
« Aos cinco dias do mez de abril do anno de mil oilocentos
e trinta e um, nesta leal e valorosa cidade da Bahia, e palácio
do governo da provincia, aonde se achava o excellentissimo
senhor presidente, foi de novo reunido o conselho convocado
hontem, composto dos membros abaixo assignados, para se de-
liberar a respeito do andamento dado ás medidas constantes
da acta antecedente, sobre a qual uma vez apresentada pela
respectiva deputação ao povo e tropa, que se acha no campo,
e fortaleza do Barbalho, íizerão estas a representação por es-
cripta, que vai abaixo mencionada. E passando o conselho a
tratar deste objecto, se recebeu um officio da data de hoje em
que o marechal João Chrisostomo Callado aceusando a parti-
cipação què lhe foi feita de estar suspenso do commando das
armas da provincia, declarou obedecer a ella, e estar prompto
a embarcar amanhã para bordo da fragata Isabel, offerecendo
igualmente um termo lavrado e assinado pelos officiaes que
se achavão reunidos na fortaleza de S. Pedro, o qual vai adiante
lambem transcripto á respeito do que foi o conselho de pare-
cer, que não era possivel acceder á requisição que se fazia do
128 MEMÓRIAS HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

embarque dos corpos de primeira linha, e estando ja resol-


vido na acta de hontem pelo que loca aos commandantes, e
majores nascidos em Portugal, devendo o governo da provin-
cia dar a todos os mais officiaes daquelles corpos passaportes,
para sahirem da mesma provincia, querendo. Quanto porém
á representação acima dita do povo, e tropa estacionada na
fortaleza, e campo do Barbalho, foi o conselho do seguinte
parecer:
Que a respeito do 1.° artigo, não podia dar o seu assenti-
mento por ser impraticável um tão accelerado embarque do
ex-commandante das armas, carregado de familia, senão no
dia de amanhã como elle mesmo representou, e isto até para
não parecer uma espécie de oppressão, e vexame a um ofíicial
general de quem ja não havia a receiar.
Quanto ao 2.°, continuava o conselho ainda a reflexionar
da mesma sorte, e maneira por que o tinha feito na sua pri-
meira decisão; que não sendo essencialmente preciso para se-
gurança da provincia, e desvanecimento dos receios incutidos
nos ânimos do denodado, e bravo povo Bahiano, a expulsão
de officiaes subalternos dos seus respectivos corpos, como era
a dos officiaes superiores majores, e commandantes não pare.
cia justo, e nem legal que se augmentasse a lista dos que dei-
xão de continuar no exercicio actual das suas funcções mili-
tares, tanto mais, quanto á vista do peditorio que fizerão os
commandantes, e officiaes do 2.° batalhão de caçadores, e 5.°
corpo de artilharia, para acompanharem ao ex-commandante
das armas com seus respectivos corpos, e a cuja primeira parte
tinha annuido o conselho, era naturalmente de esperar, que
estes corpos em breve ficassem apurados de semelhantes offi-
ciaes de nascimento Portuguez.
Pelo que pertence ao 3.°, que não havendo o conselho re-
solvido determinadamente acerca da nomeação do tenente co-
ronel Rodrigo de Argollo Vargas para commandante da poli-
cia, e só sim lembrado ao senhor presidente, nada custava ao
mesmo conselho em annüir, queficassepor ora interinamente
commandando aquelle, o capitão mais antigo, até que de ac-
DA PROVÍNCIA DA BAHIA. J 2Ç)

cordo o mesmo senhor presidente com o commandante inte-


rino das armas, pozesse no effectivo commando da policia a
u m indivíduo idôneo, e de reconhecida confiança (42).
Quanto ao 4.° artigo finalmente, crue nada mais tem o con-
selho a accrescentar ao que em suas decisões respondeu ao

(42) Eis a q u i o t e r m o lavrado pela força que sc aehava na fortaleza


de S. Pedro :
« Aos 4 de a b r i l do anno de 1 8 3 1 , nesta fortaleza de S. Pedro, c m
que se achavão reunidos o commandante das armas, e commandan-
tes dos corpos de p r i m e i r a l i n h a , o? quaes são o d o batalhão n." 2, o t e -
nente coronel Guilherme José Lisboa, o d o batalhão 5 o major João Fe-
liciano da Costa F e r r e i r a , o do batalhão 2 0 o tenente coronel Luiz Maria
Cabral de Teive, e o do 5." corpo de a r t i l h a r i a o coronel Vicente Antô-
n i o Buis, e alli sendo chamados pelo commandante das armas lhes apre-
sentou estes dous officios dirigidos com data de hoje, do excellentissimo
presidente da p r o v i n c i a , u m e m que l h e communicava a sua suspensão
do commando das armas, por assim instar a causa publica, segundo a
disposição d o artigo 2 4 § 14 da lei de 2 0 de o u t u b r o de 1823, e o u t r o
e m que l h e participou t e r recaindo o d i t o commando na pessoa do coro-
n e l d o estado maior visconde de Pirajá, que deve tomar conta delle; e
o u t r o sim, que os batalhões que se achão reunidos nesta fortaleza imme-
diatamente sc recolhão á quartéis, aonde se devem conservar sem ser
debaixo de armas; e tendo o mesmo commandante das armas d e m i t t i d o
declarado nesta occasiâo obedecer aos ditos officios, e a tudo quanto n c l -
íes se contém, ouvio, e consultou aos ditos commandantes dos corpos,
que forão do parecer seguinte:
Que não podendo nas aetuaes circumstancias rcsponsabilisarem-se
mais pela disciplina dos seus respectivos corpos, continuando a servir
nesta p r o v i n c i a , assentarão e m p e d i r ao governo o e m b a r q u e dos men-
cionados corpos para a côrte d o Rio de Janeiro, conjunctamente com o
excellentissimo marechal Callado, visto ser esta a opinião de todos os o f f i -
ciaes dos mesmos corpos, á excepção do commandante e officiaes do 5.°
batalhão, e do commandante do batalhão 20, os mais commandantes j u l -
gão assim poderem-se evitar os funestos acontecimentos que podem t e r
l u g a r depois de uma crise que desde hontem t e m decorrido. E por esta-
r e m todos conformes com o que fica r e f e r i d o , assignarão esperando a
deliberação d o governo. Quartel n o Forte de S. Pedro 5 de a b r i l de
1 8 5 1 . — Vicente Antônio Buis, c o r o n e l — G u i l h e r m e José Lisboa, te-
nente c o r o n e l — J o ã o Caetano Rosado, m a j o r — E p i f a n i o Ignacio da Luz,
m a j o r — L u i z Manoel Gonçalves, capitão p o r todos os capitães—Pedro
José Alvares, 1.° tenente do 5.° corpo de artilharia por todos os p r i m e i -
r o s t e n e n t e s — F r a n c i s c o Fernandes Duarte, 2.° tenente do 5.° corpo de
a r t i l h a r i a p o r todos os segundos tenentes—José Xavier, capitão por t o -
dos os capitães—Antônio Tello Barretto, p o r todos os tenentes — Antô-
nio José Fernandes Braga, p o r todos os alferes. »
TOMO V I . 17
130 MEMÓRIAS HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

pedido da tropa, e povo acerca da execução do artigo í.° da


lei da fixação das forças de terra, por ficar pertencendo ao
commandante interino das armas; e pelo que toca aos empre-
gados civis Portuguezes, o senhor presidente afíiançou, que
em quanto em si coubesse daria as devidas providencias para
os desempregar, uma vez que provado lhe fosse que elles erão
estrangeiros, por se acharem fóra do artigo 6.° § 4." da consti-
tuição do império. O conselho ficou sobremaneira satisfeito,
vendo que o conceito que fazia da honra, e prudência do po-
vo, e tropa Bahiana se havia realisado, dando desta maneira
aos povos que se gabão de serem civilisados uma plena e não
equivoca demonstração, de que elle muito tem avançado na
carreira dessa procurada civilisação. E para constar se lavrou
a presente acta, que eu Antônio Joaquim Alvares do Amaral,
secretario do governo, escrevi.—Luiz Paulo de Araújo Bas-
tos—João Gonçalves Cezimbra—Luiz dos Santos Lima—João
Ladisláo de Figueiredo e Mello—Manoel José Gonçalves Pe-
reira—Justino Nunes de Sento Sé—Vicente Ferreira de Oli-
veira—Cassiano Speridião de Mello e Mattos—José Li.no Cou-
tinho— Francisco José Coelho Neto — Manoel Alves Bran-
co—Francisco de Paula Araújo e Almeida—Antônio Ferreira
França—Manoel Maria do Amaral—Visconde do Rio Verme-
lho—Antônio Pereira Rebouças—Luiz José de Oliveira—In-
nocencio José de Castro—José Mendes da Costa Coelho—José
Francisco Cardoso de Moraes—Antônio Polycarpo Cabral—
João Pereira de Araújo França—Joaquim Antônio Mouti-
nho. »
« Art. 1.° Os commandantes da força armada, e povo reu-
nidos na fortaleza e campo do Barbalho, scientes da resolução
do excellentissimo senhor presidente, tomada em conselho,
á vista da acta, que lhes foi lida, estão concordes; e esperão
que sejão os artigos o mais breve possivel executados, princi-
palmente quanto ao embarque do commandante das armas,
e do commandante e major do 2.° batalhão, sem o que aqui
novamente protestão não largarem as armas, sendo hoje mes-
mo embarcados para tranquillidade publica, embora sáião
DA PROVÍNCIA BA BAHIA. 131
q u a n d o possível for, tendo sempre e m cuidado á maior bre-
vidade.
A r t . 2.° Tem-se mais a ponderar que não parece político,
e próprio á subordinação e disciplina m i l i t a r , que c o n t i n u e m
a servir nos mesmos corpos os subalternos Portuguezes, que
não se reunirão com seus soldados á este campo, por isso que
devem ser considerados traidores, quando os Brasileiros em
geral, e a mais decidida opinião p u b l i c a manifeslavão o espi-
r i t o e m defender a liberdade, a independência, e a constitui-
ção-, e p o r isso pedem a reflexão do excellentissimo conselho
a t a l respeito.
Art. 3.° T a m b é m foi geralmente admirado, que se nomeasse
para c o m m a n d a n t e da policia u m brasileiro m a l visto pelo seu
i n d i g n o procedimento, tão sabido nas crises desta provincia;
chegando a ser indifferente, e largando o commando do seu
corpo, quando elle marchava a reunir-se aos mais Brasileiros,
que se defendião da aggressão lusitana, e quando foi positiva-
m e n t e pedido que fosse nomeado u m official do conceito, e
confiança p u b l i c a .
Art. 4.° F i n a l m e n t e o povo e tropa desta provincia, espera
que o excellentissimo senhor presidente não l h e dê jamais o
m e n o r m o t i v o de desconfiança, esperando que tenha e m par-
t i c u l a r attenção estes i n n u m e r o s Portuguezes que, sendo es-
trangeiros pela l e i , occupão cargos e empregos com geral des-
gosto, e desconfiança dos Brasileiros Bahianos, e cuja c o n t i -
nuação e m taes empregos não pode deixar de alimentar b e m
fundados descontentamentos.
A r t . 5.° O povo e tropa reunidos neste acampamento pôde
asseverar ao excellentissimo conselho, que elles seguirão f i e l -
m e n t e a senda da ordem, e da subordinação, desejando con-
c l u i r seu rasgo de patriotismo com aquella t r a n q u i l l i d a d e , e
moderação, que faz o splendor dos povos civilisados. Forta-
leza do Barbalho ás dez horas e u m quarto da m a n h ã do dia 5
de a b r i l de 1831.—Antônio Lopes Tabirá Bahiense, coronel
c o m m a n d a n t e da força a r m a d a — F r a n c i s c o Xavier Bigode,
tenente coronel c o m m a n d a n t e do batalhão n.° 9 2 — T h o m a z
132 MEMÓRIAS H I S T Ó R I C A S , E POLÍTICAS

Alvares d'Ottan e Silva, major commandante do 93— Paulo


Maria Nabuco de Araújo, tenente coronel commandante —
Antônio João Fernandes Pizarro, capitão—João Francisco de
Pinho, capitão commandante de cavallaria—Francisco Car-
doso Pereira de Mello, tenente coronel—Pedro Paulo de Mo-
raes Rego, capitão commandante do batalhão 20—Francisco
da Costa Branco, coronel—João de Souza Neto, tenente co-
ronel—Pedro Ribeiro Sanches, sargento-mór graduado—F? an-
cisco Felix Sueiro Daltro, major graduado do batalhão 94—
Joaquim Ignacio Ribeiro, capitão commandante do corpo mi-
litar da policia— Francisco de Paula de Miranda. Chaves, te-
nente coronel graduado de artilharia, e commandante da forta-
leza— Manoel José Bahia, cirurgião-mór do batalhão n." 13
de l . linha—José Fernandes de Oliveira Lima, 1.° tenente
a

do 3.° corpo de artilharia da 2. linha—André Corsino Bana-


a

neira, 2.° tenente do dito—João da Silva e Oliveira, coro-


nel—José Joaquim Leite, major—João Ribeiro Pereira de
Lacerda, 1.° tenente do 5.° corpo, commandante do destaca-
mento de artilharia. (43) »

(43) Cumpre notar-se que era de grande voga nesse tempo uma re-
presentação que alguns deputados levarão no Rio de Janeiro á decisão
de S. M. I . era 17 de março de 1831, e apesar de que actualmente pouco
ella interesse á historia, achamos sempre conveniente publical-a neste
volume.
« SENHOR—Os representantes da nação, abaixo assignados, doidos
profundamente dos acontecimentos que tiverão lugar nesta capital, espe-
cialmente no dia 15 do corrente mez, por occasião dos festejos que se
disposerão, não tanto para solemnisar o feliz regresso de V . M. I . e C ,
como principalmente para ludibriar e maltratar os Brasileiros amigos da
liberdade e da pátria, que forão de facto cobertos de opprobrios pelo par-
tido lusitano, que se insurgio de novo no meio de nós, entre gritos dc
vivão os Portuguezes, entre morrão os sediciosos e anárquicos, e violên-
cias de todo o gênero, de que tem sido victjmas alguns patriotas, cujo
sangue foi derramado cm uma aggressão pérfida e ja d'antemão preme-
ditada por homens que no delírio de seus crimes erão claramente pro-
tegidos pelo governo e pelas autoridades subalternas, como elles mes-
mos blasonavão, compromettendo até cpm incrível audácia o nome au-
gusto e respeitável de V. M , I . e C , julgão do seu dever como cidadãos,
em que recahirão os votos de seus compatriotas, como bons Brasileiros,
muito de perto interessados na conservação da honra e dignidade da na-
DA PROVÍNCIA DA BAHIA. 133
O presidente ordenou no mesmo dia 5 ao marechal Callado
que fizesse seguir para seus quartéis a força, que se achasse na
fortaleza de S. Pedro, permanecendo alli sem estar debaixo

cão e na estabilidade do trono constitucional, elevar a sua voz até a au-


gusta presença e alta concepção de V . M. I . e C , a triste situação, em
que se achão os negócios da pátria, e pedindo instantemente as provi-
dencias necessárias, ja para o restabelecimento da ordem e do socego pu-
blico, ja para desafronta do Brasil vilipendiado e pungido no mais deli-
cado e sensível do brio e pondunor nacional, providencias estas, que
não devem todavia exorbitar do circulo ordinário da fiel execução das
leis, punindo-se na conformidade dellas os autores e coraplices dos atten-
tados coramettidos, e responsabilisando-se as autoridades que por notó-
ria conivência,ou apathica indifferença deixarão o campo livre aos assas-
sinos c perturbadores da paz e tranquillidade commum.
Senhor, os sediciosos á sombra do augusto nome de V. M. I . e C ,
continuão á execução de seus planos tenebrosos; os ultrajes crescem, a
nacionalidade soffre, e nenhum povo tolera sem resistir, que o estran-
geiro venha impor-lhe no seu próprio paiz um jugo ignominioso. De
estrangeiros que se honrão de ser vassallos de D. Miguel, e de outros
subditos da Senhora D» Maria 2," se compunhão cm grande parte esses
grupos que nas noites de 13 e 14, nós vimos e ouvimos encher de im-
propérios e baldões o nome Brasileiro, espancar e ferir a muitos de nos-
sos compatriotas á pretexto de federalistas, de uma questão política,
cuja decisão pende do juízo e deliberação do poder legislativo, nunca
do furor insensato e sanguinário de homens grosseiros, cujo entendi-
mento é de mais alienado por suggestões traidoras.
Os Brasileiros tão cruelmente offendidos, os Brasileiros que se ameaça
ainda com prisões parciaes e injustas, nutrem no seu peito a indignação
mais bem fundada e mais profunda,não sendo possível calcular até onde
chegarão os seus resultados, se acaso o governo não cohibir desde ja se-
melhantes desordens, senão tomar medidas para que a affronta feita á
nação seja quanto antes reparada. Os representantes abaixo assignados
assim o esperão confiados na sabedoria e patriotismo de V. M. I . e C , á
despeito dos traidores que possão rodear o throno de V. M. I . e C , os
quaes não terão força bastante para suffocar estes clamores que saem
de corações ulcerados, mais amigos do seu paiz e da justiça. As circums-
tancias são as mais urgentes e a menor demora pôde em taes casos ser
funestissima. A confiança que convinha ter no governo está quasi de to-
da perdida, e se por ventura ficarem impunes os attentados contra que
os abaixos assignados representão, importará isto uma declaração ao po-
vo Brasileiro de que lhe cumpre vingar elle mesmo por todos os meios a
sua honra e brio tão indignamente maculados.
Esta linguagem, senhor, é franca, e leal; ouçq-a V . M. I . c C , persua-
dido de que não são os aduladores que salvão os impérios, sim aquelles,
quetem bastante força d'alma para dizerem aos príncipes a verdade, ainda
que esta os não lisonjêc. A ordem publica, o repouso do estado, o tro-
13í M E M Ó R I A S HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

d'armas e logo cm o dia 7 communicou ao cidadão João Gon-


çalves Cezimbra não poder continuar na administração da pro-
víncia em conseqüência de seus padecimentos phisicos, pelo
que o convidava a tomar a presidência, aceitou o vice-pre-
sidente o encargo e os movimentos da villa, hoje cidade,
de Santo Amaro, occorridos em os dias 6 e 7 obrigarão-no
logo a reunir o conselho do governo, reforçado com os mem-
bros da representação nacional pela provincia, conselho esse
que approvou aquelles movimentos, tomando mais as delibe-
rações constantes da acta que se segue:
« Aos nove dias do mez de abril do anno de 1831 nesta
leal e valorosa cidade da Bahia, e palácio do governo da pro-
vincia, aonde se achava reunido o conselho do mesmo governo
para sua sessão ordinária, ahi comparecerão os membros do
corpo legislativo, a saber, os senhores Antônio Ferreira França,
José L i n o Coitinho, Manoel Alves Branco, Francisco de Paula
de Araújo e Almeida, Manoel Maria do Amaral, José Ribeiro
Soares da Rocha, Antônio Pereira Rebouças, Cassiano Speri-
dião de Mello e Mattos, Luiz José d'01iveira, Francisco José
Coelho Neto, Manoel dos Santos Martins Vellasques, e Antô-
nio Fernandes da Silveira, os quaes 'forão convidados pelo ex-
celléntissimo senhor vice-presidente, afimde prestarem seu
parecer no conselho acerca de alguns objectos tendentes á se-

no mesmo, tudo está ameaçado, se a representação que os abaixo assi-


g n a d o s r e s p e i t o s a m e n t e d i r i g e m a V . M. I . e C. n ã o for a t t e n d i d a , e os
seus votos completamente satisfeitos.
R i o d e J a n e i r o 1 7 d e m a r ç o d e 1 8 3 1 .—HonoratoJosè de Barros Paim
— Venancio Henriquesde Rezende—Manoel Odorico Mendes—Antônio
João de Lessa—José Martiniano de Alencar—Augusto Xavier de Car-
valho—José Maria Pinto Peixoto—Honorio Hermeto Carneiro Leão—
Joaquim Manoel Carneiro da Cunha—Francisco de Paula Barros—
Baptista Caetano de Almeida—Manoel Pacheco Pimentel—Nicolau
Pereira de Campos Vergueiro—Evaristo Ferreira da Veiga—João Fer-
nandes de Vasconcellos—José Joaquim Vieira Souto—Antônio Pauli-
no Limpo d''Abreo—Antônio de Castro Alvares-José Custodio Dias—
Joaquim Francisco Alvares Branco Moniz Barreto—Cândido Baptista
de Oliveira— Vicente Ferreira de Castro Silva—Manoel do Nascimento
Castro e Silva—Antônio José da Veiga.
DA PROVÍNCIA DA B A H I A . 135
gurança e tranquillidade publica desta cidade e provincia; em
conseqüência do que, depois de tratadas as matérias abaixo
declaradas, e conformando-se o conselho do mesmo governo
com a opinião d'aquelles nossos representantes, resolveu o
seguinte:
« 1 . ° Que approvava o procedimento do conselho, que se
reunio na villa de S. Amaro no dia seis do corrente, constante
da competente acta, que foi lida em virtude de cuja delibera-
ção foi deposto do commando do batalhão da mesma villa o
tenente coronel Manoel Antônio da Silva, contra o qual se deve
proceder como for de lei, em razão de constar ter disposto da
força armada, e atacado a respectiva casa da câmara.
2.° Que não devendo sahir deste porto a fragata Isabel,
nem alguma outra embarcação de guerra nacional, visto esta-
rem á çerviço da provincia, podião ser transportados para o
Rio de Janeiro tanto o ex-commandante das armas, como os
mais officiaes depostos, na charrua Animo Grande.
3.° Que se deve proceder na conformidade das leis sobre o
facto, que se referio, de haver um escaler da dita fragata emba-
raçado uma tomadia de contrabando pelos competentes guar-
das, empregando-se fogo de mosquete, e de que até resultará
uma morte, segundo constava.
4.° Que tomando em consideração um requerimento feito
ao conselho, assignado por seiscentos enove cidadãos, os quaes
instavão por varias providencias á bem da provincia, constante
de dez artigos, se deferisse a cada um delles da maneira que
segue.
Que, em quanto ao 1.° artigo, se vão organisar na fôrma
requerida as guardas nacionaes.
Que em quanto ao 2.° devão as nossas forças militares de
todo o gênero ser confiadas á cidadãos Brasileiros natos e de
confiança publica.
Que relativamente ao 3.°, se hão de cumprir as ordens da-
das, para que se não retirem para o Rio de Janeiro as forças
navaes estacionadas neste porto.
Que a respeito do 5." só poderão ser removidos os actuaes
136 M E M Ó R I A S HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

empregados civis por sentença em conseqüência de queixa, ou


accusação; e em quanto aos que houverem de ser nomeados
se poderá obstar ao exercício por meio de embargos na fôrma
das leis.
Que acerca do 6.° não t e m lugar o cumprimento da acta de
17 de dezembro de 1823, porque ella limitando-se ao reco-
nhecimento da independência viria a ser contraria ao pedido
dos representantes, e que reflectindo-se sobre o requerido no
artigo 10, o conselho passará a nomear u m a commissão do
do seu seio para indicar quaes os Portuguezes que reconheci-
dos perturbadores da paz da provincia devem ser mandados
sair delia para seu socego e tranquillidade.
Que em quanto ao 7.° se passa a recommendar aos juizes
de paz, que fação as competentes buscas naquellas casas de
Portuguezes, aonde constar haverem depósitos de armas, pro-
cedendo-se na fôrma dos artigos 2 0 9 a 2 1 4 do código c r i -
minal.
Que relativamente ao 8.° se tem de pôr provisoriamente em
execução o decreto de 11 de dezembro de 1830, conforme o
pedido no artigo 9.°, ficando assim tudo providenciado. Final-
mente resolveu o conselho, que a commissão indicada para
cumprimento do deliberado sobre o artigo 10 envolvido no 8.°,
fosse composta dos senhores conselheiros Santos Lima, Deão,
e Sento Sé, e que bem assim se cumprisse quanto antes to-
das as resoluções tomadas. O senhor vice-presidente deu por
concluída esta sessão.
E para constar se lavrou a presente acta, que eu Antônio
Joaquim Alvares do Amaral, secretario do governo, escrevi e
assignei como conselheiro supplente.—João Gonçalves Cezim-
bra—Luiz dos Santos Lima—João Ladisláo de Figueiredo e
Mello—Manoel José Gonçalves Pereira—Justino Nunes de
Sento Sé—Vicente Ferreira de Oliveira—Antônio Joaquim
Alvares do'Amaral. »
No dia 6 embarcou o general Çallado no porto da Gam-
bôa para bordo da fragata Maria Isabel, com todas as honras e
consideração devidas à sua pessoa, e nesse mesmo dia passou
DA PROVÍNCIA DA BAHIA. 137

a administração da provincia ao membro do conselho João


Gonçalves Cezimbra.
Não podia ser insensível o nobre e sábio arcebispo metro-
politano às scenas de horror que parecião eminentes, e publi-
cou logo esta bellissima pastoral.
« D. Romualdo Antônio deSeixas,por mercê de Deos e da
santa Sé apostólica, arcebispo da Bahia, metropolitano do
Brasil, do conselho de S. M. o imperador, e grande dignitario
da ordem da Rosa.
A' todos os fieis da nossa diocese saúde, paz, e benção em
Jesus Christo, nosso divino Salvador.
Depois de havermos implorado entre o vestibulo e o altar o
inapreciavel beneficio da paz, tranquillidade desta bella pro-
víncia, ode todo o império, pedindo com especialidade ao Pai
das misericórdias, e Deos de toda a consolação, à exemplo do
grande arcebispo de Millão Santo Ambrozio, em igual crise,
que poupasse a effusão de sangue, e os horrores da guerra ci-
vil; não permitte a ternura e zelo, que anima o nosso coração
pela vossa felicidade, que guardemos o silencio em uma tão im-
portante occasião, em que os nossos dictames e advertências
paternaes podem, se não auxiliar, e dirigir o vosso patriotismo,
ao menos patentear-vos o verdadeiro interesse, que tornamos
pela gloria, e prosperidade desta mimosa porção do nosso im-
pério.
Mas sem involver-nos em theorias e questões políticas,
alheias do nosso ministério, e nas quaes, segundo o pensa-
mento de uma celebre escriptora dos nossos dias (44) a reli-
gião partecipa ordinariamente do o/lio, que o calor dos parti-
dos pôde attrahir sobre os ecclesiasticos menos circumspectos,
só vos diremos, que esta religião divina e amavel,que se acom-
moda maravilhosamente a toda a sortedesystemas,ou fôrmas
de governo, porque ella baixou do céo para illuminar, e aper-
feiçoar todos os homens, e todos os povos do universo; esta re-
ligião celestial só é inflexível, e incapaz de transigir sobre a

(44) Madame Stael.


TOMO VI. IS
138 M E M Ó R I A S HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

necessidade da obediência, e respeito às leis, e autoridades


constituídas, porque não ha systema nem fôrma de governo,
nem espécie alguma de associação, que possa subsistir sem o
laço da obediência, primeira condição de todo o pacto social.
É este dever sagrado, que o mesmo íilho de Deos persuadio
com o seu exemplo e doutrina, e que os seus discípulos procla-
marão altamente, ensinando que toda a alma, isto é, todo o
cidadão de qualquer classe ou gerarchia que seja, deve estar
sujeito aos poderes estabelecidos, obedecendo-lhes non ad ocu-
lum, ou por um temor servil, mas por convicção, e por um
principio de consciência—non solum propter iram, sed etiam
propter conscientiam.
Oh! e quantos nos consolamos, amados íilhos, e se mode-
rarão os nossos receios, ao vermos que no seio mesmo dos
elementos, que costumão produzir a confusão e a revolta, vós
desteis o magnífico exemplo da subordinação à voz das auto-
ridades, mostrando a par da mais intrépida coragem uma sub-
missa docilidade ao império da lei! Se é próprio das discórdias
civis, e reacções populares desenfrear todas as paixões, e
transformar quasi em feras ainda os homens mais cultos e
polidos, como infelizmente attestão as historias de todas as
nações, um povo com as armas na mão, e electrisado pelo fo-
go da liberdade, que escuta mais a voz da razão e da lei, que
a do odio e da vingança, é certamente um povo heróico, e
de quem não pôde deixar de esperar-se toda a grandeza dos
mais generosos sentimentos.
Nós confiamos, amados filhos, que não desmentireis jamais
a idéa, que havemos formado do vosso caracter religioso e po-
lítico. Nada mais natural, mais legitimo e louvável, do que o
zelo, e os sacrifícios pela defeza da independência, e da liber-
dade; nunca pôde ser demasiada a vigilância e attenção, para
sustentar uma tão preciosa conquista; mas é preciso não per-
der da lembrança, que quanto este bem é mais inestimável,
tanto o seu abuso pôde ser nocivo, e fatal a sua própria con-
servação. Sim os extremos tocão-se quasi sempre, e não é ra-
ro ver-se passar da anarquia, e da licença ao jugo do mais fe-
DA PROVÍNCIA DA B A H I A .

roz despotismo. Roma esquecida da sua antiga virtude, e á for-


ça de depurar essa liberdade que levantara o colossal edifício
da sua grandeza, vio-se emfim reduzida à vergonhosa neces-
sidade de fazer-se escrava da mais implacável tyrannia, como
observa um dos seus mais profundos e liberaes historiadores:
(45) e não vimos nós em nossos próprios dias a mais illustra-
da nação do universo, cançada de violentas agitações, e deplo-
ráveis excessos produzidos pela licença, lançar-se nos braços
de um soldado, que a escravisou por tantos annos, pretenden-
do até sufíocar os monumentos daquella santa liberdade, com
que a religião ousara ensinar aos reis os seus deveres à face
de uma côrte corrompida, e na presença do mais absoluto mo-
narca da Europa (46).
Ah! não permitta o céo que cheguemos a tal estado de hu-
milhação e abatimento; mas o único meio de o prevenirmos
e conjurarmos, é sem duvida um sincero amor, e inalterável
adhesão à esse código tutelar, que aceitamos debaixo dos
mais sagrados auspicios, e que só nos pôde guiar com segu-
rança entre os escolhos, e abismos que nos rodeião: seja elle
o centro inexpugnável, em torno do qual se reunão todos os
Brasileiros, animados do espirito de paz, de união, e de con-
córdia, que na fraze de S. Cypriano não pôde jamais ser ven-
cida, ao mesmo passo o reino dividido contra si mesmo será
assolado, e cahirà casa sobre casa, conforme o oráculo do
Evangelho. Longe, longe de nós esse mal entendido patrio-
tismo, e orgulhosa política dos antigos povos, que olhavão co-
mo synonimos os nomes de estrangeiro, e de inimigo: os mais
illuminados filósofos do paganismo reprovarão esta máxima
anti-politica, inculcando a humanidade como a primeira das

(45) JVon aliud discordantis patrice remedium fuisse quam ab uno


regeretur. Tácito Ann. L . 2. O mesmo diz Florus fjillando de Augusto.
(46) É um facto attcstado por Mr. Masuyer nas suas Considerações
sobre o estado actual das Sociedades na Europa, que Bonaparte não per-
inittio, que se reimprimissem os sermões do celebre Massillon senão com
a condição de supprimirem-se todas aquellas passagens, onde o prega-
dor falia dos direitos dos povos, e dos deveres dos príncipes.
140 MEMÓRIAS HISTÓRICAS , E POLÍTICAS

virtudes sociaes, e um dos mais eloqüentes defensores das pu-


blicas liberdades, o orador Romano, deplorava vivamente que
as violências praticadas contra os estranhos tivessem gradual-
mente habituado o povo de Roma a ser injusto e cruel para
com os seus próprios concidadãos e patrícios. Assim a moral
de Jesus Christo no intuito de regenerar o mundo, e unir to-
dos os homens como membros de uma só familia, e filhos do
mesmo pai celestial, não podia deixar de desenvolver e sanc-
eionar estes puros dictames de uma razão esclarecida, não só
persuadindo o esquecimento das injurias, e a caridade para
com os próprios inimigos, mas também condemnando toda a
sorte de violências, e de attentadoscontra ávida humana, cu-
jo sangue o Senhor protesta reclamar da mão das mesmas fe-
ras, como para encher de horror, diz Bossuet, e fazer tremer
os homens sanguinários que não respeitão a imagem de Deos
gravada em todas as creaturas racionaes. Lembremo-nos em
lim da santidade dos solemnes juramentos, que prestamos á
face dos altares, invocando q nome de um Deos tres vezes san-
to e terrível, que sendo por nós nada teremos a receiar—si
Deuspro nobis, quis contra nos? Paciíicos, tolerantes, huma-
nos, e até generosos uns para com os outros, continuai tran-
quillos no exercício de vossas profissões à sombra das leis e
dos poderes, a quem foi confiada a espada da justiça para vin-
gar as vossas, e as publicas aíTrontas, e punir os temerários
aggressores da nossa existência política. As fontes da grande-
za e felicidade de um povo, a industria, o commercio, as ar-
tes, as sciencias e as mais luminosas instituições da sabedo-
ria, não podem prosperar senão no seio da paz e da confian-
ça. E mediante este comportamento digno de Brasileiros hon-
rados, e fieis observadores das leis de Jesus Christo, que o
Deos dos exércitos abençoará o nosso patriotismo, e o tornará
invencível contra todas as tramas e maquinações dos inimigos
da nossa liberdade.
E como só deste Supremo Regulador do universo, e Arbitro
dos impérios depende a belleza e estabilidade da ordem, e
harmonia social, e se o Senhor não guardar a cidade, debalde
DA PROVÍNCIA DA BAHIA. 141
se canção e velão, diz o real profeta, aquelles que a defendem
exhortamos a todos os sacerdotes seculares e regulares, que
nas missas privadas e solemnes accrescentem a oração.—
Deus aquo Sancta desideria, recta concilia—dirigindo ao Céo
fervorosas supplicas, como as arvores mais efíicazes, e dignas
dos m i n i s t r o s da religião.
Para constar mandamos, que esta se p u b l i q u e á estação
da missa conventual c m todas as freguezias desta diocese, re-
gistrando-se no competente l i v r o . Dada nesta cidade da Ba-
hia sob nosso signal e sello das nossas armas, aos 10 de a b r i l
de 1 8 3 1 — R o m u a l d o , arcebispo d a B a h i a — L u g a r do sello.
— O conego Bernardino de Sena e Souza, secretario d e S.
Ex. R e v .
a ma

C o n t i n u o u a reunir-se e m palácio o conselho do dia 4 e no


dia 15 resolveu que sahissem da provincia bastantes P o r t u -
guezes como conhecidamente contrários á causa d o Brasil,
mas o presidente João Gonçalves Cezimbra soube i l l u d i r es-
ta disposição, de sorte que foi quasi inútil a reclamação que
l h e fez o cônsul Portuguez João Pereira Leite, assim conce-
bida :
«111. e E x . S n r . — R e m e t t i d o ao silencio, nas alternati-
mo mo

vas p o r q u e n o decurso destes últimos v i n t e dias t e m passado


esta provincia, parecerá talvez que tenho desamparado o cargo
que exerço d e cônsul da nação Portugueza, cujos subditos
tem sido victimas dessas mesmas alternativas, mas restricto
ás m i n h a s instrucções, t e m sido só o meu cuidado não sahir
fóra do seu c i r c u i t o , não por ser indifferente aos males de meus
concidadãos, mas para que não pesassem sobre m i m , ou não
me fossem imputadas conseqüências que, os podessem aggra-
var, obrando fóra de m i n h a s attribuições. Se pois não tenho si-
do indifferente aos males por que no dito período passarão os
subditos Portuguezes, roubos que se lhes fizerão, e assassina-
tos que bradão aos céos u m a justa e p r o m p t a reparação; tam-
b é m o não posso ser á illegal deportação que se lhes f u l m i n a
na acta de 15 do corrente mez, com manifesta infracção dos
artigos 4.° e 5.° do tractado d e 2 0 dc agosto dc 1825, c até
142 MEMÓRIAS HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

da constituição do império, pela qual ao mesmo tempo, sc


pugna, e se promette sustentar.
Os Portuguezes que ao abrigo daquelle solemne tratado se
transportarão para esta provincia, e nella como estrangeiros
residião, trafica vão, e exercião suas profissões, estavão con-
fiados na segurança individual e de propriedade estipulada no
mesmo tratado, e que é conforme ao direito natural e das gen-
tes, fielmente observadas por todas as nações do mundo. Por-
tugal não está em guerra, nem este império a tem declarado
aquelle, não ha lei alguma que prohiba os Portuguezes de re-
sidirem e traficarem no Brasil; o precitado tratado lh'o permit-
te no artigo 5.°; como pois sem reconhecida infracção deste ar-
tigo, e d'aquelle direito, se poderá jamais dizer legal uma acta,
filha do momento, e fundada n'uma representação tumultuosa
que se diz ter seiscentas e tantas assignaturas, de cujas pes-
soas se ignora, e talvez senão ache entre ellas uma só de pro-
prietários, capitalistas ou de pessoas de representação? Seiscen-
tas e tantas assignaturas não podem formar a opinião publica
n'uma cidade, que dentro e m si contém mais de cem m i l al-
mas, quanto mais que é axioma bem sabido, e dos melhores
publicistas, que do numero não se deriva a opinião publica,
mas sim da qualidade, profissões e estado dos individuos que
a enuncião.
Debaixo destes princípios, como cônsul da nação Portugue-
za, e em nome delia, restringindo-me á este ponto por me pa-
recer dentro das minhas attribuições, ede meu rigoroso dever,
exhorto a V. Ex. como primeira autoridade da provincia, para
que ou por si, ou fazendo convocar o conselho que dictou a re-
ferida acta, haja por bem declaral-a irrita e de nenhum effeito,
como contraria ao tratado de 27 de agosto de 1825, á l e i fun-
damental do império, e ao direito nacional das gentes; decla-
rando outro sim, que os subditos Portuguezes podem com se-
gurança e no goso das immunidades que lhes são concedidas
como estrangeiros, continuar a residir, traficar, e a exercer
suas profissões nesta provincia, em quanto não i n f r i n g i i e m as
leis do império, em cujo caso serão processados pelas autori-
DA IM10YINCIA DA BAHIA. 143

dades constituídas, e punidos conforme as mesmas leis. Deos


guarde a V. Ex. m u i t o s annos. Consulado de Portugal na Ba-
hia 2 4 de a b r i l de 1 8 3 1 . — I l l u s t r i s s i m o e excellentissimo se-
n h o r vice-presidente.—Joào Pereira Leite, cônsul de Por-
tugal. »
Continuava a capital estacionaria quando por fóra delia ger-
minava o espirito dos partidos, distinguindo-se a v i l l a , ora c i -
dade, de Santo A m a r o , onde o tenente coronel Manoel Antônio
da Silva bastante i n c o m m o d o u a seus desaíTectos, e a da Ca-
choeira, da q u a l forão mandados sair quarenta e dous P o r t u -
guezes, por contrários á causa p u b l i c a do Brasil, acto que não
foi approvado pelo governo e m conselho, que ordenou logo
fossem soltos nesta cidade: mas pouco t a r d o u a exaltar-se
desabridamente a mesma cidade, e a apparecerem scenas q u e
horrorisão ainda hoje, depois q u e na m a n h ã do dia 13 f o i
m o r t o na cidade baixa o Brasileiro V i c t o r P i n t o de Castro, e
c i r c u l o u c o m rapidez ser autor desse assassinato o Portuguez
Francisco Antônio de Souza Paranhos. Commetterão-se p o r
esta occasião crimes espantosos, desappareceu a t r a n q u i l l i -
dade publica, acommodando-se apenas a populaça exaltada
depois que o Dr. Cypriano José Barata de Almeida desceu á ci-
dade baixa, e d a l l i desviou as classes tumultuosas que a occu-
pavão, a r r o m b a n d o portas e c o m m e t t e n d o todos os mais exces-
sos q u e pratica o h o m e m allucinado, e o vice-presidente Ce-
z i m b r a tendo de sua p a r t e empregado tudo quanto podia para
evitar o progresso de semelhantes desatinos, proclamou logo
ao povo, parecendo ainda d o m i n a d o da idéa de ser aquelle as-
sassinato devido ã u m Portuguez.
« Bahianos! É c o m bastante magoa no m e u coração, q u e
vejo de novo levantada a desordem e n t r e nós, p o r u m assas-
sino Portuguez: o sangue Bahiano pede vingança, e n t r e t a n t o
Bahianos! q u e vos c u m p r e ? Confiai nas autoridades legal-
m e n t e estabelecidas, que poráõ em execução a l e i contra es-
ses monstros sedentos do nosso sangue: os Portuguezes i n i -
migos da nossa independência, e liberdade brevemente serão
mandados sair desta cidade, como o t e m resolvido o conselho

I
144 MEMÓRIAS HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

para esse fim reunido; confiai em mim que serei sollicito em


dar cumprimento ao que foi então deliberado, e que pelo ve-
hiculo da imprensa deve chegar ao vosso conhecimento: mas
convém que desde ja vos retireis às vossas casas, e occupações
honestas, a fim de que eu possa obrar com a energia conve-
niente. Palácio do governo da Bahia 13 de abril de 1831.—
João Gonçalves Cezimbra. »
No dia 22 do mez de que ora tratamos (abril) entrou do Rio
de Janeiro com doze dias o paquete Imperial Pedro, condu-
zindo o general Antero José Ferreira de Brito como comman-
dante das armas, e a noticia dos movimentos occorridos na-
quella côrte em o dia 7 em que abdicou a coroa o Sr. D. Pe-
dro 1.°, e esta noticia servio de grande escalla a acalmar as
indisposições que começavão a desenvolver-se. Por ordem su-
perior houve theatro publico nos dias 23, 24, e 25 em atten-
ção a taes noticias, e o vice-presidente proclamou logo da se-
guinte maneira:
« Honrados, e valorosos habitantes da Bahia, escutai-me.
Um príncipe Brasileiro de nascimento occupa hoje o trono im-
perial do Brasil: nosso compatriota, doutrinado por nós mes-
mos, segundo os princípios liberaesque professamos, elle fará
a nossa fortuna, a fortuna do Brasil inteiro. A Providencia
Divina, que não cessa de velar sobre os destinos do brioso povo
Brasileiro tem completado todos os nossos desejos, e esperan-
ças, acabando por um acontecimento politico as desconfian-
ças que suffocavão os peitos de todos os amigos da patrià; nada
mais nos resta agora a desejar. Bahianos, união para com toda
a grande familia Brasileira; paz, e amisade para com os es-
trangeiros em geral, e particularmente para com os Portugue-
zes que entre nós vivem, ligados até por ternos vínculos. Eia,
caros patrícios meus, entoemos todos o hymno—Viva a consti-
tuição política do império. Viva S. M . o Sr. D. Pedro 2.° im-
perador do Brasil. Viva a representação nacional. Viva a re-
gência em nome do imperador. Vivam os Brasileiros. Viva a
Bahia. Palácio do governo da Bahia 23 de abril de 1831.—
João Gonçalves Cezimbra.
DA 1'hOVÍ M l l A BA B A H I A . | f,

Referimos ja que grande parte dos Portuguezes havia procu-


rado azilo á perseguição que soffria ú bordo das embarcações
surtas no porto, e o vice-presidente João Gonçalves Cezimbra-,
que não concordava com actos illegaes, depois de ter ordena-
do ao ouvidor geral do crime (47) suspendesse o cumprimen-
to das ordens que a respeito da expulsão dos mesmos Portu-
guezes recebera, fez tornarem ás suas primeiras habitações em
terra, os que delia estavão retirados, aeompanhando-o nessa
oceasião bastantes pessoas alheias á semelhantes actos ille-
gaes, que havião oceorrido, e em conseqüência de um convite
da câmara municipal houve um esplendido Tc-Dcum lauda-
mus no dia 1.° de maio na igreja do hospício da Piedade, e m
applauso aos movimentos de 7 de abril, servindo de orador
o padre mestre, pregador imperial Vicente de Santa Maria.
Era com effeito terrível a época para os Portuguezes, ainda
para os que estavão em Portugal (48); comtudo supposto não

(47) O vice-presidente da provincia ordena ao senhor desembarga-


dor ouvidor geral do crime, sobr'esteja na execução da acta do conselho
do governo de 15 do corrente, que lhe foi transmittida em portaria dc
20 do mesmo, para a pôr em execução, fazendo sahir da provincia
quanto antes os individuos nella declarados, guardada a constituição e
as leis, visto terem cessado inteiramente os motivos pelos quaes o con-
selho se vio forçado a tomar tal deliberação, cm deferimento de uma re-
presentação com mais de seiscentas assignaturas; devendo comtudo ficar
na intelligencia de que deve proceder com toda a energia c na forma
das leis contra todos aquellcs, que se possa provar serem perturbadores
do socego publico sem nenhuma excepção, de naturalidade, ou condi-
ção; por se fazer mister segregar os perturbadores d'entre os pacíficos
c honrados habitantes, que aliás resentidos e escandalizados de novos
procedimentos anárquicos, rcclamão esta providencia. O que cumpra.
Palácio do governo da Bahia 25 de abril de 1851.— Cezimbra.
(18) De um jornal francez, extrahimos o seguinte estado político de
Portugal cm 4 dc outubro de 1829:
23190 presos
40790 emigrados e escondidos
1122 assassinados
168 casas incendiadas
17516 propriedades seqüestradas.
Afóra os justiçados, e não contando com os perseguidos, e com os
presos na ilha da Madeira, c nos Açores.
[Jormil do lfurve de 22 de Outubro.)
roMO. v i . 19
146 M E M Ó R I A S HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

deixassem sempre de apparecer alguns actos illegaes, que a


actividade e energia do governo provincial não podia evitar,
começou a divisar-se u m aspecto mais animador depois que
se fez publica a seguinte representação dos habitantes do re-
côncavo :
« Illustrissimo e excellentissimo senhor. — Os cidadãos
Brasileiros abaixo assignados habitantes do recôncavo da Ba-
hia, proprietários, e fazendeiros todos unidos, horrorisados, e
ameaçados da guerra civil proveniente da anarquia, em que
tem os hypocritas da liberdade precipitado por vezes essa
infeliz cidade, hoje victima de execranda revolução, dester-
rada em partidos, e tyrannisada pela ambição; desejosos de
que se restabeleça a paz, segurança, e tranquillidade publica,
conciliando-se os ânimos, e guardando-se religiosamente a
constituição Brasileira, e por conseqüência respeitando-se os
nossos sagrados direitos; julgão do seu rigoroso dever deixa-
rem o estado de observação em que estavão até agora, e con-
correrem para tão justos fins com todas as suas faculdades,
força e energia. Por quanto; representão a V. Ex., que os i n -
teresses da provincia padecem perda incalculável, assim na
parte da nossa agricultura, principal base da riqueza nacional,
como na parte do commercio, e industria, que concorrem
igualmente para aquella riqueza, que faz a prosperidade dos
impérios. A agricultura soífre, e desfallece quando não tem
capitães para sustentar, e refazer a sua fabrica; estes são i n -
dispensáveis em toda parte, e muito mais no Brasil, cuja ri-
queza é sempre dependente dos produetos de sua lavoura, e
esta também dependente de avanços dos capitalistas, que para
pobreza, e vergonha da nação vão ser agora deportados contra
o voto geral da provincia, e somente por u m furor inconside-
rado, ou por u m plano odioso, e á todos os respeitos i m p o l i t i -
co e tyranno. O commercio perseguido, c atacado sem segu-
rança alguma, fugitivo, levando comsigo muitos m i l contos de
réis em valores reaes, para fazerem a fortuna do paiz civilisa-
do e hospitaleiro, que o receber, deixa esta provincia vazia
de capitães, e de concurrenles no mercado, onde os nossos
DA PROVÍNCIA DA BAHIA. 147
gêneros decairão d o nivel de seu custo, mesmo nessa m i n -
guada producçãoque possa depois obter-se: e não havendo pro-
ductos do paiz, j a pela falta de capitães, j a pela baixa de pre-
ços, que desanimão aos seus productores, como poderá pros-
perar a pátria, e a nação? A i n d u s t r i a nascente, e precisada
de soccorros dos indispensáveis capitães succumbirá no ber-
ço; e o nosso irremediável arrependimento augmentará o m a l
geral, para o q u a l a inconsideração, e ignorância d e uns, a
hypocrisia, e apostazia de outros concorrem de mãos dadas
c o m a t e r r i v e l anarquia. Esta provincia, excellentissimo se-
n h o r , b e m que tenha m u i t o s m i l habitantes, t e m t a m b é m mui-
tas m i l léguas para se povoar, e c u l t i v a r : os Brasileiros natos
são mais propensos á nobreza da a g r i c u l t u r a ; e a experiência
f a t a l m e n t e t e m mostrado, que m u i t o poucos aproveitão n o
commercio. Como,pois se poderão tornar rapidamente com-
merciantes, e encher o vácuo e m que fica a praça da Bahia,
sem que esta metamorfose seja presentida nos interesses par-
ticulares do povo, e nas rendas publicas do estado?
Que de conseqüências tristes, c funestas não viráõ desse m a l
insanável, q u e agora fazemos a nós mesmos!
Quantas, e quantas de nossas patrícias pobres deixarão de
ser amparadas p o r maridos, e pais desvelados, que se arrei-
gavão, e se naturalisavão, que edificavão propriedades, e tes-
tavão aos jovens Brasileiros o que no próprio paiz ganhavão
c o m sua i n d u s t r i a e trabalho, e ajuntavão com a maior eco-
nomia !
Serão por v e n t u r a estes os males, que dos Portuguezes hoje
receiamos? A intolerância outr'ora da França para c o m os Pro-
testantes, e de P o r t u g a l para com os Judcos justificão a deca-
dência e m que vamos ficar. N e m nos pôde convencer o sofis-
tico argumento de q u e virão capitalistas estrangeiros s u p p r i r
a falta d'aquelles, que nem pelos laços de fraternidade, nem
pelas razões de interesse deixamos de perseguir desapiedada-
mente. E como se resolverá mais a v i r para o Brasil o estran-
geiro, q u e pelos recentes factos de t y r a n n i a , olhará para nós
como para u m povo bárbaro, sem m o r a l , n e m civilisação; e
MEMÓRIAS HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

por conseqüência sem caracter nacional, e nem ao menos hos-


pitalidade? !! Os Estados-Unidos da America, pelo contrario,
conhecendo melhor seus interesses tem feito, e augmentado
sua força e riqueza, não só pelas suas leise costumes, como
lambem recebendo em seus braços todos os estrangeiros do
universo; e por isso é hoje uma nação respeitável, c rival da
soberana dos mares. Não são também os colonos Allemães, e
Irlandezes, tirados das prisões da Europa, que hão de vir po-
voar o extenso, e inculto litoral do Brasil; elles só servem de
sobrecarregar a nação com despezas, ou aos particulares cari-
dosos com a contribuição das esmolas. E é quando felizmente
expirou o funesto trafico da espécie humana, e que deviamos
aproveitar a todo o panno a aragem do norte, que impellio pa-
ra nossas praias (outr'ora hospitaleiras) esses vasos carregados
de gente, que falia a mesma linguagem, e segue a mesma re-
ligião, que robusta e ambiciosa trabalha, e accumula fundos
sobre fundos para os Brasileiros herdarem, e gosarem no re-
manço dos campos, no fausto das cidades; é quando por u m
plano refractario se pretende cortar pela raiz as antigas sepas,
e velhos troncos da nossa geração; e até exterminar nossos pa-
trícios, nossos parentes, e uma grande parte da população i n -
dustriosa, e u t i l que ja tínhamos !!! Os abaixo assignados dei-
xando de proseguir em outros muitos argumentos de igual con-
vicção, continuão a mostrarem-se sensibilisados. Porquanto;
não é constitucional, n e m justo, que uns poucos de morado-
res da cidade, ou de qualquer villa, sendo uma pequena, e
quasi imperceptível fracção do todo da população desta grande
parte do império, não tendo consultado a vontade geral delia,
nem recebido poderes alguns para representarem pela sua i n -
finita maioria infrinjão a mesma constituição, e ataquem os
direitos positivos dos habitantes da provincia, que aliás tem
seus verdadeiros representantes na assembléa geral, onde hoje
trabalhão com a costumada sabedoria no bem commum do
Brasil. Os abaixo assignados reconhecem nas leis todo vigor
necessário para conter, castigar, providenciar, acautelar, de-
fender, e finalmente lazer justiça.
DA PROVÍNCIA DA BAHIA. 149

Mas, excellentissimo senhor, falta talvez a foi ça precisa nas


autoridades para fazerem realisar a sua immediata execução;
e desta falta tern resurgido grandes males ao Brasil. A crise
a c t u a l e m q u e se acha essa capital pelas continuadas r e v o l u -
ções prova essa necessidade, e exige imperiosamente todos os
nossos esforços, e até m e s m o sacrifícios de nossas vidas, e d c
nossos filhos. P o r t a n t o V. Ex. e todas as mais autoridades le-
gaes desta provincia podem, e devem desde j a contar c o m nos-
sas pessoas, e bens e m soccorro da capital, em apoio da l e i , e
da m o n a r q u i a constitucional Brasileira. Recôncavo da Bahia
18 de maio de 1 8 3 1 . »
(Estavão duas m i l e c e m assignaturas.)
O secretario, Antônio Joaquim Alvares do Amaral.
Fermentava sempre porém o espirito de indisposição con-
t r a os Portuguezes, e erão indigitados alguns que devião evacuar
a provincia: no dia 15 do mez de que tratamos, a b r i l , reunindo-
se o conselho d o governo c o m alguns dos deputados que j a
havemos mencionado, determinou-se que quanto antes se man-
dassem sahir da mesma provincia certos individuos daquella
nação, determinando-se igualmente que fossem expulsos todos
os frades Portuguezes que anda vão dispersos; todos os P o r t u -
guezes q u e derão baixa dos corpos de l . e 2. l i n h a , p o r se
a a

declararem não Brasileiros; e todos os Portuguezes, especial-


m e n t e caixeiros, q u e e m qualidade de perturbadores do soce-
go p u b l i c o fossem remettidos como taes ao intendente geral
da policia.
Determinou-se mais que não se consentisse desembarcar
mais nesta cidade Portugüez algum solteiro, que não fosse
negociante, artista, o u lavradores engajados na fôrma da lei
de 13 de o u t u b r o de 1 8 3 0 , ficando todos os mais Portugue-
zes q u e não estivessem nestas circumstancias obrigados, para
p o d e r e m desembarcar, a darem caução idônea, assignada por
cidadão Brasileiro, amigo da causa da constituição e indepen-
dência.
Todavia deixou o presidente de dar c u m p r i m e n t o a esta
determinação, inas os novos acontecimentos que sobrev ierão.
1Õ0 MEMÓRIAS HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

criando-se um partido na fortaleza de S. Pedro, e outro nos


quartéis da Palma e Santo Antônio da Mouraria, obrigarão o
governo a expedir a seguinte ordem para tal cumprimento.
« O conselho do governo encarregado da presidência da
provincia da Bahia.
Faz saber aos habitantes da mesma provincia, que por este
governo foi expedida ao desembargador ouvidor geral do c r i -
me, intendente da policia, a portaria do theor s e g u i n t e : — O
vice-presidente da provincia ordena ao senhor desembarga-
dor ouvidor geral do crime, intendente da policia, que mande
immediatamente executar a acta do conselho do governo de
15 de abril deste anno, sobre a deportação dos Portuguezes
constantes da dita acta, que para o mesmofimj a lhe foi por
copia remettida por este governo, em portaria de 2 0 do refe
rido mez. Palácio do governo da Bahia 14 de maio de 1 8 3 1 . —
Cezimbra.
E para que chegue á noticia de todos, este se publicará ao
som de caixas pelas ruas desta cidade. Dado sob o sello das
armas do império, por m i m assignado.—Manoel da Silva Ba-
rauna, ofíicial maior graduado da secretaria do governo o fez
aos 17 de maio de 1 8 3 1 . — O secretario, Antônio Joaquim
Alvares do Amaral. »
No dia 17 de abril a villa de Santo Amaro foi victima de
alguns attentados, mas o presidente Cezimbra conseguio re-
duzir tudo ao seu antigo estado de pacificação, e oceorrendo
nesta capital os distúrbios começado a 12 de maio, o mesmo
presidente reunio em palácio u m conselho, no qual assentou-
se no que declara a acta seguinte: *
« Aos treze dias do mez de maio de m i l oitocentos e trinta
e um, nesta leal e valorosa cidade da Bahia, e palácio do go-
verno da provincia, onde se achava o excellentissimo senhor
vice-presidente João Gonçalves Cezimbra, ahi comparecerão
o excellentissimo e reverendissimo senhor arcebispo, o excel-
lentissimo senhor visconde de Pira já, commandante interino
das armas, os membros do conselho do governo, da câmara
municipal, do conselho geral da provincia, os senhores desem-
DA PROVÍNCIA DA B A H I A . 151
bargadores, empregados públicos, ecclesiasticos, civis, mili-
tares, negociantes, e outros cidadãos illustrados, e zelosos do
bem publico, todos abaixo assignados, e que forão convocados
pelo mesmo excellentissimo senhor vice-presidente, para em
conselho geral, e de commum accordo com elle assentarem
nas providencias, que se devião-adoptar para ser restabelecida
a ordem, e tranquillidade publica, que se achavão alteradas
por causa do ajuntamento no forte de S. Pedro, de parte da
tropa, e paisanos armados, que alli se tinhão reunido em atti-
tude hostil no dia antecedente, e dirigido ao governo as pro-
posições transcriptas em primeiro lugar abaixo desta acta. E
sendo pelo senhor vice-presidente dito, que era preciso tomar
medidas salutares, á fim de não sobrevir o menor incommodo
aos habitantes da provincia, nem de fôrma alguma se derra-
mar o sangue Brasileiro pela divergência de opiniões, que se
tinha manifestado entre os acampados no dito forte, e a maio-
ria dos cidadãos, e tropa da mesma provincia, que para alli
não tinha concorrido, entrou logo em discussão se o conselho
reunido era legal, se consultivo, ou deliberativo, e finda esta
se venceu que estava legal, visto ter sido convocado para a
salvação, da .pátria, socego, e paz de seus habitantes, e bem
assim que se devia considerar consultivo. Em conseqüência
do que, depois de algumas questões, foi unanimemente accor-
dado, que se nomeasse uma deputação composta do excellen-
tissimo e reverendissimo senhor arcebispo, e dos senhores
desembargador Antônio Augusto da Silva, e brigadeiro Antero
José Ferreira de Brito, a fim de que dirigindo-se, como se di-
rigio, ao referido forte de S, Pedro, reduzisse a gente armada
alli reunida á que como irmãos, largasse as armas, e se reco-
lhesse às suas casas, e quartéis, affiançando-lhe o esqueci-
mento de todos os factos, ou bem ou mal até- então por ella
praticados, e sem que para o futuro se podessem reputar cri-
minosos. Regressando a deputação de sua incumbência, expoz
que forão baldados todos os esforços que fizera para conciliar
aquella gente armada, visto que esta affirmara, que só larga-
ria as armas quando o senhor vice-presidente entregasse o go-
152 M E M Ó R I A S HISTÓRICAS, E POfelTICAS

verno ao conselheiro immediato, tomasse posse do commando


das armas o senhor brigadeiro Antero, legalmente nomeado,
se observasse a acta de 15 de abril deste anno sobre a depor-
tação dos Portuguezes, fossem soltos os presos apontados no
terceiro artigo de suas proposições, e ficasse em perpetuo si-
lencio o que tinhão praticado;* o que ouvido pelo conselho, e
sendo ja muito tarde se assentou que se suspendesse a sessão,
a qual com effeito foi suspensa pelo senhor vice-presidente,
que de accordo com o mesmo conselho declarou esta sessão
permanente, em quanto durasse a necessidade.
No dia seguinte reunindo-se o conselho pelas dez horas da
manhã, e continuando a sessão permanente, para tratar-se
sobre a resposta que havia trazido a deputação, venceu-se que
em solução á ella fossem enviados pelo governo os artigos
abaixo transcriptos em segundo lugar ó que só para bem da
provincia se podia annuir. E porque a respeito do primeiro so-
bre a deportação dos Portuguezes declarasse o senhor vice-
presidente que não queria tomar sobre si a responsabilidade
de sua execução, pela fôrma concebida na mencionada acta
de 15 de abril, por ser contraria á lei, ao código criminal,
e ao direito das gentes, conforme os tratados, sobre o que pro-
testava; o conselho julgou por muito convincente (para salva-
ção da pátria, e tranquillidade de seus habitantes) acceder á
execução do artigo da deportação, e concordou em se declarar
deliberativo, como se declarou para este caso somente, e to-
mou sobre si a responsabilidade do mesmo artigo, aceitando
o referido protesto. Continuou então a sessão com o conselho
consultivo, e passou-se a discutir-se se devia nomear uma ou-
tra deputação para ir áquelle forte apresentar os artigos pela
fôrma accordada no conselho, e vencendo-se pela afíirmativa,
forão nomeados os senhores deão Manoel José Gonçalves Pe-
reira, desembargador Miguel Joaquim de Castro Mascarenhas,
conego Bernardino de Sena e Souza, e conselheiro do governo
Justino Nunes de Sento-Sé, os quaes lendo-se para alli enca-
minhado, regressarão expondo, que aquella gente armada,
concordando com o primeiro e quarto artigos; lodavia não an-
DA PROVÍNCIA DA BAHIA. 153

nuião aos segundo, e terceiro, exigindo que o mesmo- senhor


vice-presidente entregasse logo o governo da província, e fosse
o senhor brigadeiro A n t e r o empossado no c o m m a n d o das ar-
mas, sendo l a m b e m logo soltos o alferes secretario do bata-
lhão n." 5, e os sargentos q u e se achavão presos; o que tudo
ouvido pelo conselho, e o mesmo senhor vice-presidente, re-
solveu este, depois de o u v i r o parecer do conselho, officiar,
c o m o logo ofíiciou, á câmara m u n i c i p a l desla cidade para em-
possar ao senhor brigadeiro A n t e r o do c o m m a n d o das armas,
assim como ao senhor c o m m a n d a n t e i n t e r i n o das a r m a s , o
excellentissimo visconde de Pirajá, para ficar nesta intelligen-
cia, e por se terem c o n c l u i d o os objectos, para q u e se con\< -
cou o conselho, levantou o senhor vice-presidente a sessão.
E para constar se l a v r o u a presente acta, que eu Bernardino
L u i z da Costa Carneiro, ofíicial maior da secretaria do governo,
no i m p e d i m e n t o do secretario, escrevi. (Seguião-se as mais
assignaturas.) »
C u m p r e notar-se q u e n o dia 12 sublevou-se o batalhão de
l . l i n h a n. 2 0 , da p r o v i n c i a de Piauhy a q u i estacionado, e
a

forçou o seu c o m m a n d a n t e a sahir pelas 6 horas da m a n h ã


de seus quartéis e m direcção á fortaleza de S. Pedro, onde
e n t r o u , a p r e t e x t o de recolher-se da chuva que então cabia:
no dia seguinte m u i t o cedo reunio o presidente João Gonçal-
ves Cezimbra o conselho, cuja acta íica transcripta, apresen-
tando ao mesmo conselho u m papel q u e havia recebido da-
q u e l l a fortaleza, e c u j a fraze indicava mais u m rescripto, não
c o n t i n u a n d o a sua leitura á exigência de varias pessoas, q u e
indicarão ser u m papel i n t e i r a m e n t e burlesco: mas a resposta
dos facciosos de S. Pedro à p r i m e i r a commissão d o governo,
d e r r a m o u a consternação e m toda a sala d o conselho, q u e fi-
cou q u a s i estupefacto, e alguns membros como assombrados
começarão a orar n o sentido das exigências do p a r t i d o insur-
gido. Outros se considerarão como coactos, pois q u e o salão
se achava cheio de povo, cujo partido se ignorava-, f i n a l m e n -
te a discussão se prolongou até q u e pelas G horas da tarde, f o i
r e m e t t i d o ao governo u m officio dc iodos os cómmandantes dos
10MO vi. *2Ü
154 MEMÓRIAS HISTÓRICAS) E POLÍTICAS

corpos, que protesta vão por sua palavra de honra, eadhesão


ao governo existente, a sustentação da ordem, c da lei: de en-
tão em diante as cousas tomarão nova face-, uma reunião e
concórdia dos batalhões não dissidentes começou a formar-se
logo em favor da lei e da tranquillidade. Ao batalhão 5.°aquar-
telado na Palma, e ao 2.° em Santo Antônio da Mouraria con-
correrão os mais conspicuos cidadãos de toda ordem, e empre-
gados públicos, armando-se contra o partido declarado na for-
taleza dc S. Pedro, e nos dias 14, 15, 16, e 17 um forte acam-
pamento achava-se estabelecido naquelles aquartelamentos :
mas todos, em quanto sc inílammavão no mais fogoso enthu-
siasmo, erão ao mesmo tempo geralmente possuídos dos senti-
mentos deconfraternidade e horror de ver derramada uma só
gôta de sangue Brasileiro. Isto fez que se conservassem intei-
ramente fieis ás ordens, e deliberações do governo os acampa-
mentos da Palma e Santo Antônio da Mouraria, e que os cida-
dãos sensatos tivessem a cada momento o insano trabalho de
andar contendo a tropa de l . e 2." linha, que se enfurecião
a

quando se julgavão insultadas pelas do outro partido, e isto


principalmente depois que uma deputação da fortaleza de S.
Pedro teve a indiscrição de vir ler no aquartelamento da Pal-
ma, uma proclamação, na qual o povo e tropa reunidos naquel-
la fortaleza se acclamavão triumphantes.
Foi então que a guerra civil esteve eminente, e ainda depois
de acalmada a eííervescencia publica, bastante custou a conter
novamente os ânimos, irritados pela irreflexão do vigário da
freguezia de S. Pedro, Lourenço da Silva Magalhães Cardoso,
que apresentou e pedio a leitura daquella proclamação dos dis-
sidentes na fortaleza de S. Pedro, exigência essa que ô mesmo
vigário fazia na melhor fé, por isso que não capitulava com o
partido da desordem. O governo em conselho continuou em
suas deliberações, até que no dia 16 pela uma hora da tarde
appareceu em palácio uma deputação da referida fortaleza de
S. Pedro, vindo tratar dos artigos de confpaternidade, para o
que foi nomeada por acclamacão, outra commissão do partido
não dissidente.
DA PROVÍNCIA DA DAIIÍÀ1 155
No dia 15 de maio entregou o vice-presidente Cezimbra a
administração da provincia por achar-se doente, ao membro do
conselho do governo Luiz dos Santos Lima, e no entanto que
por espaço de cinco dias trepidava a capital entre os partidos
desenvolvidos nos quartéis da Palma e fortaleza de S. Pedro
terminou apenas esse estado de terror depois de assignados
os seguintes artigos:
i.° Cumprir-se a acta de l ã de abril como nella se con-
tém, enviando-se ao desembargador ouvidor geral do crime
para ser executada sob os designados, mandando-se-lhes copia
da acta e assignaturas com a inlimação de sahir 15 dias de-
pois da intimação, e sobre os que não vão especificados pelos
nomes, segundo a relação vinda da lhesouraria.
2." Serem postos em liberdade todos os individuos, que
tendo sido illegalmcnte presos se não acharem pronunciados
ou com formação da culpa, e aquelles que tendo sido legal-
mente presos não a tiverem ao presente, havendo decorrido o
termo da lei.
3.° Lançar-se um véo de eterno esquecimento sobre os fa-
ctos políticos que tiverão lugar de 12 do corrente até aqui.
4-.° Ser um preliminar de paz e de harmonia a cessação de
insultos de qualquer natureza de uma e outra parte, pena dos
procedimentos que as leis estabelecem.
5.° Ser vedado o uso de qualquer indicio de triumpho ou
victoria, que uma e outra parte possa ou pretenda dar sob pe-
na correccional dos respectivos juizes de paz. Bahia 16 de
maio de 1831.—Luiz dos Santos Lima, vice-presidente—
Antero José Ferreira de Brito — Bomualdo, arcebispo da
Bahia.
Da commissão da Palma—Francisco Bamiro de Assis Coe-
lho—Antônio Voltearpo Cabral—Francisco Gonçalves Mar-
tins—Visconde de Virajá.
Da commissão do forte de S. Pedro—Domingos Mondhn
Pestana—Francisco José da Silva Castro—Felix José de Mel-
lo e Silva—Bernardino Ferreira Nob ega.
Foi depois disto que entrou no exercício da administração
156 MEMÓRIAS H I S T Ó R I C A S , E POLÍTICAS

da provincia o membro do conselho Luiz dos Santos Lima,


bem como do commando das armas o general Antero José Fer-
reira de Brito, e o novo presidente proclamou logo ao povo da
seguinte maneira:
« Habitantes da Bahia ! A tranquillidade publica acaba dc
ser alterada, e uma crise é certo que ameaçou esta famosa ca-
pital; mas muito pode o patriotismo Brasileiro, porque tudo se
acommodou sem que o solo Bahiano fosse salpicado do nosso
sangue. Chamado a oecupar interinamente a presidência da
provincia pela força da lei, ando ancioso de restabelecer de
todo a paz de que muito precisamos, e para a qual todos de-
vemos cooperar, pondo para isso de parte mal entendidos ca-
prichos. Esqueçamo-nos para sempre do que entre nós se pas-
sou, e haja uma reconciliação geral própria de Brasileiros, que
se amão, e amão a liberdade da pátria. O estado violento em
(jue nos vimos sirva de exemplo, para que jamais se empreen-
dão rompimentos, que sem duvida podem trazer após de si a
anarquia, a guerra civil, e o mais que devemos temer. Com
a constituição diante dos olhos, e possuído d'aquclle amor
que consagro ao meu paiz, eu vos protesto, Bahianos, assim
conduzir-me nos poucos dias de minha administração, mas
entretanto peço me ajudeis com os vossos conselhos, com
vossa amisade. Socegai, pois, e contai comigo. Viva a consti-
tuição; viva a Bahia. Palácio do governo da Bahia 16 de maio
de 1831.—Luiz dos Santos Lima. »
O primeiro acto administrativo do novo presidente foi man-
dar desembarcar para o arsenal da marinha, todos os milita-
res que estavão presos nas embarcações de guerra, íicando alli
á disposição do commandante das armas; e continuou a acal-
mar o resentimento desenvolvido cm diversas villas, e povoa-
çÕes da provincia contra vários individuos nascidos em Portu-
gal : mandou substituir por um destacamento de trinta praças
o pequeno que existia em Villa-nova da Rainha, econcorrendo
bastante para a tranquillidade da provincia, teve de entregar
a administração da mesma provincia ao desembargador Hono-
raio José de Barros Paim,quc assumio-aem o dia 21 de junho.
DA PROVÍNCIA DA BAHIA. 157
Foi este o primeiro presidente nomeado pela regência que
succedeu ao Snr. D. Pedro I , e não se pode negar que á sum-
ma probidade e honradez que o distinguia, reunia também os
melhores desejos de ver prosperar a provincia: depois de em-
pregar todos os meios ao seu alcance para restabelecer a antiga
tranquillidade da mesma provincia, entregue a seus cuidados,
deu grande apreço á criação dos corpos de guardas munici-
paes; criou também o corpo de guardas municipaes perma-
nentes, e os de guardas nacionaes, c em a noite de 31 de agos-
to não pouco trepidou a capital, com o alarme que produzio
o corpo *de artilharia, que existia aquartelado na fortaleza de
S. Pedro, e que commetteu alguns excessos em diversas ca-
sas que arrombou.
O presidente proclamou logo recommendando a ordem,
é em poucas horas estava aplacado o motim do referido cor-
po, concorrendo bastante para isto a franca cooperação dos
guardas municipaes, que assás trabalharão, distinguindo-se
nisto o corpo da freguezia da Conceição da praia, sob o com-
mando do tenente coronel José de Lima Nobre.
Pretendião os leigos do hospício de Jerusalém illudir a lei
de 9 de dezembro de 1830, alienando todos os bens que po-
clessem do mesmo hospicio; mas o presidente transtornou-lhes
esse intento, passando aquelle hospicio á administração do
collegio dos órfãos de S. Joaquim, então regido pelo digno ar-
cebispo actual, e foi desta fôrma que evitou a perda infallivel
de semelhante estabelecimento.
Em a noite de quinta feira 27 de outubro varias denuncias
apparecerão ao presidente da provincia, e commandante das
armas; os guardas municipaes estiverão com toda a vigilância,
e cautela nas rondas nocturnas. Pelas sete horas e meia, pouco
mais ou menos da manhã seguinte, apresentarão-se no quartel
do batalhão n. 10 um Custodio Bento, e um fulano Rocha,
que fôra aqui militar, e dirigindo-se ao capitão Moraes pedi-
rão o cumprimento de sua promessa: então esse capitão, man-
dando tocar a pegar^ fallou ao batalhão, proclamando—que
o governo nos atraiçoava, que os Portuguezes se tinhão ar-
Í5S MEMÓRIAS HISTÓRICAS , E POLÍTICAS

mudo, ê que aquellcs soldados devião ja ir ganhar a palma da


victoria, sustentando a liberdade em perigo.—Nessa occasião
muitos honrados ofíiciaes lhe fizerão varias reflexões, apresen-
tando a sua loucura, e o risco cm que sehia metter; taes forão
o tenente Francisco Lopes Jequiriçà, hoje major, e mais al-
guns: outros metterão a sua espada na bainha, declarando que
o não acompanhavão.
Em um momento se reunirão, ao toque de innumeros api-
tos, immensos guardas municipaes, postados em vários pontos
do município, de sorte que em duas horas estavão tomadas as
embocaduras das ruas, afóra os corpos disponíveis, e prom-
ptos a marcharem a qualquer lugar de aggressão, à espera das
ordens do presidente, e os commandantes geraes rivalisavão
em valor, enthusiasmo, e desejos de vingar uma affronta tal.
O sempre honrado batalhão 9 sob o commando do então te-
nente coronel Antônio Corrêa Seara, tornou-se credor dos
maiores elogios: elle manteve-se na melhor ordem, e o bata-
lhão faccioso, conservando-se na praça, e não sentindo outro
auxilio, que os males que lhe aguardavão os valentes munici-
paes, e est'outro batalhão, começou a desanimar; e tendo or-
dem de se retirar a seus quartéis, ainda uma vez tentou reu-
nir-se no forte de S. Pedro; mas vendo a grande força que
se oppunha á sua entrada a l l i , recolheu-se ao seu quartel:
então apertarão-se-lhes as linhas. O batalhão 9, um grande
reforço de guardas municipaes da freguezia da Sé a pé e a ca-
vallo, a cavallaria de linha, guardas municipaes de S. Pedro,
sitiarão-no, e desarmando-o, fizerão-no embarcar para bordo
da curveta Defensora.
Constou antecedentemente que pata o campo do Barbalho
se reunia um grupo de facciosos, que procurava fazer sua
juneção com o batalhão insurgido. De facto, pela ladeira do
Carmo desceu um troço de paisanos, que chegaria a quaren-
ta homens, e postando-se na baixa dos Sapateiros, foi-lhes im-
pedida a passagem, pelos guardas municipaes do cura to da
Sé, e rua do Passo; então tomando outra vez o campo do Bar-
balho, descerão pelo Rio das tripas, e poderão pelas Brotas e
m PROVÍNCIA D.V DAMA. 159

Rio Vermelho, postar-se no campo grande do ferie de S. IV


dro. Chegou essa noticia ao commandante das armas, e w&r
chou logo para alli a cavallaria municipal da Sé, Sailt' Anna,
e S. Pedro, a quem os facciosos receberão com uma descar-
ga de fuzilaria; então o commandante das armas fez marchar
para aquelle ponto o batalhão 9, e u m grande reforço de i n -
fanteria municipal, que acommetlendo aquella força, disper-
sarão-na, sendo presos então um tenente e mais alguns.
Outras prisões houverão, pelos vigilantes guardas munici-
paes nos diversos pontos, como fosse a de um Lima,- natural
de Pernambuco, e outros, cu jos crimes os fazião notáveis na
opinião-publica.
Destruído assim o celebre tumulto tão preconisado, pelas
seis horas da tarde, o commandante das armas reunio toda a
columna, composta dos guardas municipaes a pé e a cavallo,
do batalhão 9, cavallaria de linha, artilharia, e postando-
se na praça de palácio, em uma de cujas janellas estava o
presidente da provincia, entoou diversos vivas, que forão al-
tamente correspondidos, retirando-se ao depois em continên-
cia ao mesmo presidente, que fez esta proclamação —
« Bahianos! Alguns individuos da mais iníima plebe, coadju-
vados por um resto de soldados insubordinados do batalhão
n. 10, tendo á sua frente trez, òu quatro officiaes indignos de
cingirem a banda, arrojarão-se hontem a afírontar o espirito
publico, e a perturbar a nossa tranquillidade, apresentando-
se em fôrma hostil, e sediciosamente para talvez ao depois re-
produzirem nesta bella cidade as mesmas horríveis seenas,
que ultimamente tiverão lugar em Pernambuco; mas o seu
monstruoso projecto infelizmente abortou mediante o valor,
e intrepidez dos nossos patrícios, uns como militares, e outros
como guardas municipaes em corpos respeitáveis. Os rebeldes
virã«-se obrigados, em pouco tempo, a largarem ignorniniosa-
mente as armas, e a nossa mosquetaria fez perseguir aos que
romperão o fogo, sendo presos logo alguns, e desapparecendo
os mais. Parece que este foi o ultimo esforço que a cabilda
de malvados tinha a fazer, e cujo resultado d e v e persuadir
160 MEMÓRIAS HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

aos que escaparem ao rigor da lei, que não é possível sup-


plantar nosso amor pela constituição, e pela paz.
A ordem está de todo restabelecida, e nada ameaça a segu-
rança publica. Resta que nos felicitemos mutuamente, e que
continuemos a ser vigilantes na guarda da constituição. Palá-
cio do governo da Bahia 29 de outubro de 1831.—Honorato
José de Barros Paim. »
Em conseqüência do rompimento do batalhão dc caçadores
de 1 . linha n. 10 foi dissolvido por acto do governo imperial
a

de 26 de novembro, e em o novo anno de 1832 começou a ter


lugar a nomeação dos officiaes que devião servir em um novo
corpo de guardas municipaes pagas: no dia 13 de fevereiro
começou este corpo a prestar-se ao serviço, e é inquestionável
que desde sua criação até hoje tem cabalmente desempenha-
do as obrigações que lhe são inherentes, correspondendo os
soldados á actividade e honradez de seus dignos commandan-
te e officiaes. Eis o primeiro regulamento que lhe deu o pre-
sidente :
Artigo 1.° Haveráõ rondas de infantaria, e cavallaria por
toda a cidade e seus arredores, tanto de dia, como de noite.
Art. 2.° As de dia bastarão que se componhão de um a dous
guardas; salvo nos arredores da cidade, ou ruas menos povoa-
das. Usaráõ de apitos, e apitarão quando precisarem de refor-
ço, que lhes será immediatamente dado pelas rondas que es-
tiverem próximas, e guardas nacionaes, e municipaes da vi-
sinhança.
Art. 3.' É da obrigação das rondas:
1.° Observar que em,qualquer licita reunião causada por
algum espectaculo, ou outro motivo justo, se conserve a or-
dem e tranquillidade, e no caso de haver indicios de pertur-
bação, avisar a qualquer juiz de paz mais visinho, para que
vá mandar dissolver a mesma reunião, executando então o
que por elle em pessoa lhes for determinado.
2." Prender toda e qualquer pessoa que estiver espancan-
do, ameaçando, injuriando, furtando, damnificando, ou per-
petrando qualquer outro crime, e bem assim as pessoas que,
DA PROVÍNCIA DA BAÍIÍA, * 161

ja o houverem a pouco commettido, as quaes serão immedia-


ta, e direcíamente levadas ao juiz de paz mais próximo, com
as testemunhas presenciaes do facto para se proceder contra
cilas na fôrma da lei.
oV Prender os que em numero de tres, ou mais estiverem
reunidos, dando indícios de assim estarem para perpetrar al-
gum crime, è os que da mesma forma estiverem de noite em
numero de cinco, ou mais sem um fim reconhecido e justo,
serão logo presos.
4.° Prender os que acharem fazendo tumulto, motim e as-
suada, e praticando alguma acção evidentemente offensiva da
moral publica, e bons costumes.
5.° Prender os que trouxerem armas de qualquer espécie,
excepto os militares estando em serviço, o trazendo as do seu
uniforme.
6.° Os que forem achados com instrumentos próprios para
furto, ou outro qualquer crime, assim como os que usarem
de distinetivos que lhes não competem.
7.° Examinar, apalpando, os que se tornarem suspeitos pa-
ra conhecer se trazem armas, ou instrumentos prohibidos, e
prendendo-os quando estes sejão encontrados.
8.° Prender os que estiverem doudos, furiosos, ou em-
briagados.
9.° Conduzir à presença de qualquer juiz de paz os que se
fizerem suspeitos pelo lugar e tempo, uma vez que não dêem
satisfactoria razão de sua actual condueta.
10. Não consentir gritos, nem voserias pelas ruas, condu-
zindo os comprehendidos em taes excessos á presença do juiz
de paz do districto para punil-os conforme as posturas do mu-
nicípio, quando depois de avisados se não abstenhão.
Art. 4.° As rondas poderão entrar de dia em casa alheia
para prender o réo que nella se refugiar, tendo sido encon-
trado em flagrante delicto.
Fóra deste caso, quer de dia, quer de noite, não poderão
entrar, ainda sabendo que nella se acha refugiado algum cri-
minoso, pois que enlão só lhes cumpre requerer ao d o n o da
TOMO V I . 21
\ f,2 ' MEMÓRIAS HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

casa que lh'o entregue, o que sendo-lhes negado farão guar-


dar as entradas e sahidas, e dando parte ao juiz de paz mais
visinho, executarão o que por elle lhes for determinado.
Art. 5.° Também poderão entrar em casa alheia, quer de
dia, quer de noite quando de dentro for pedido soccorro, ou
nella houver incêndio, e se estiver praticando violência con-
tra alguém. Nas tabernas porém, lojas, açougues, estalagens,
e outras casas publicas poderáõ as rondas entrar sempre que
for preciso para prender criminosos, e dispersar reuniões de
escravos, ou qualquer outra que esteja nos termos do artigo
3.°§ 1 °
Art. 6.° Quando houver resistência, oppondo-se quaesquer
individuos a que sejão presos, apalpados, observados, ou em-
baraçando por qualquer fôrma o cumprimento dos deveres
declarados nestas instrucções, poderáõ as rondas applicar a
força necessária para se effectuar a diligencia sem que corrão
risco os da ronda, ou os que a ajudarem.
Art. 7." As rondas cumprindo com os seus deveres sem
excepção de pessoa, guardarão todavia para com todos a ne-
cessária prudência, civilidade, circumspecção, e o respeito de-
vido aos direitos dos cidadãos.
Art. 8.° Farão conduzir á sua morada qualquer morto, gra-
vemente ferido, ou espancado que encontrarem; e os que fo-
rem miseráveis, á casa de Misericórdia, prestando-lhes no mo-
mento todo o soccorro, que exige a humanidade.
Art. 9.° Os criminosos serão presos á ordem dos juizes de
paz dos districtos, em que forem achados os mesmos crimi-
nosos.
Art. 10. Aos commandantes das respectivas companhias
daráõ as rondas parte circumstanciada de tudo quanto prati-
carem e observarão, com declaração do lugar, hora, e teste- •
munhas, as quaes não se achando presentes, chamarão dous,
ou tres visinhos para testemunharem, sendo seus nomes, e
moradas especificados na parte para serem procuradas pelo
juiz de paz competente.
Art. 11. As partes assim dadas serão logo levadas em seus
DA P R O V Í N C I A DA B A H I A . 163

originaes aos juizes de paz, á cuja ordem forem presos os cri-


minosos, e de todas far-se-ha um extracto contendo somente
os factos, e observações com todas as circumstancias do tem-
po, lugar, &c.,para ser remettido]ao presidente da provincia,
e no mesmo dia.
Art. 12. O commandante geral do referido corpo de guar-
das municipaes permanente fará registrar as presentes instruc-
ções, e distribuir copias pelos commandantes das respectivas
companhias. Palácio do governo da Bahia 11 de fevereiro
de 1832.— Honorato José de Barros Paira, »
Em officio de 17 de fevereiro dirigio-se ao juiz de fóra de
Maragogipe, e juiz de paz de Itaparica recommendando-lhes a
pratica de varias providencias, que evitassem o engrossar-se a
força sediciosa que se achava reunida no arraial de S. Felix
defronte da Cachoeira: remetteu quantidade de armamento
para todas as villas visinhas daquelle arraial, e tendo escolhido
o coronel visconde de Pirajá para commandar a força que se
reunisse, designando igualmente nessa occazião o tenente co-
ronel, hoje brigadeiro, Luiz da França Pinto Garcez, e o te-
nente coronel, actualmente coronel, Joaquim José Velloso, con-
seguio em poucos dias restabelecer a tranquillidade publica na-
quelle arraial, para o que também concorreu a incapacidade
dos que figuravão de chefes dos sediciosos, distinguindo-se
nesta luta por seus serviços o juiz de paz da Cachoeira, Fran-
cisco Antônio Fernandes Pereira, c o de S. Gonçalo, João Pe-
dreira do Couto.
O visconde de Pirajá publicou então a seguinte ordem do
dia em 27 do referido mez de fevereiro:
« Honrados hahitantes! A demagogia no maior apuro im-
pestou vosso solo, alterando o socego que gosaveis nas frescas
margens do Paraguassú, e Caquende. O aspecto bellico diri-
gido por sceleratos vos fez abandonar vossas casas, e procurar
azilo em lugar seguro. Hoje que desappareceu o assedio, que
os insurgentes, quaes podendos procurarão illudir a lei, esca-
- pando impunes do attentado mais atroz que se ha visto, me
faz ordenar-vos em nome do excellentissimo presidente, que
164 MEMÓRIAS HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

vades occupar vossas casas, tornando cada classe ás suas ofii-


cinas. Vossos irmãos d'armas, sollicitos em seus deveres, es-
tão com as armas na mão para sustentarem as garantias cm
o nosso código tão recommendadas.
Honrados compatriotas, mormente os immortaes Galvões,
Pedreiras, e o valente Brandão e outros, em nome da pátria
vos requeiro agradeçaes a esta valorosa gente, que em torno
de vós sustentarão a dignidade da provincia, que aceitem mi-
nha gratidão pelo iestabelecimento da ordem publica, e que
pelo céo serão abençoados, pois com seus esforços privarão
essa villa do ílagello, que lhe preparavão monstros sedentos
do humano sangue. Não deis quartel á malvadeza, deixai que
opere a justiça, pois da impunidade do crime tem nascido
nossos males.
Procurai a extincção dos moedeiros falsos, desses inimigos
da prosperidade provincial, que tem reduzido nossa praça
commercial à fazer banca rota. Não sejamos mais sollicitos em
destruir anarchistas, que fabricadores de moeda falsa: um al-
tera a tranquillidade publica, e outro consome as rendas do
estado. Amados Cachoeirano&y confiai no governo, e em bre-
ve tereis o socego que desejaes.
Quartel do commando da força em Santo Amaro 27 de fe-
vereiro de 1832.—Visconde de Pirajá, coronel commandan-
te da força contra os rebeldes e anarquistas.
Por decreto de 23 de fevereiro foi reintegrado no serviço o
coronel José Eloy Pessoa, que sem duvida com illusão do go-
verno imperial do senhor D. Pedro 1.°, havia sido reformado,
sendo encarregado, depois de sua restituição ao serviço, de en-
sinar as obras de fortificação, e foi neste mesmo anno que se
publicou o decreto da regência de 25 de setembro do anno an-
terior que elevou á classe de villas a aldeia de Nazareth das
farinhas, e a ilha de Itaparica. Continuou o presidente a dar
todo o impulso á creação dos corpos da guarda nacional, e de
grande auxilio nisso lhe foi a nomeação do visconde do Rio
Vermelho para commandante superior da mesma guarda na-
cional da capital, por decreto de 11 de abril do anno de que
DA PROVÍNCIA DA BAHIA. 105
tratamos (1832). À cólera morbus começou a desenvolver seus
terríveis estragos em Inglaterra e França, mas o presidente
avisado disso pelos ministros Brasileiros alli residentes, em-
pregou todas as providencias, com as quaes evitou o contami-
nar-se aqui semelhante mal. Com effeito tudo promettia a
prosperidade da provincia, mas era chegada a época de de-
por a presidência o desembargador Honorato José de Barros
Paim, e por carta imperial de 13 de abril foi nomeado o de-
sembargador Joaquim José Pinheiro de Vasconcellos para o
succeder nesse lugar, do qual tomou posse a 4 de junho, em
conseqüência de assim o instar aquelle presidente.
ADDITAMENTO.

Desde que principiamos a tratar dos negócios políticos da inde-


pendência do império nesta provincia, tentamos a publicação dos
pimeiros passos para isso occorridos na Cachoeira e Santo Amaro,
noticiando os respectivos papeis. Demorou-se porém sua acquisi-
ção, e por isso é somente no presente volume que podemos cum-
p r i r nosso intento, addicionando a publicação de outras peças i m -
portantes á forlificação da provincia.

Aos vinte e um dias do mez de agosto de 1822 nesta villa de


nossa Senhora do Rozario do porto da Cachoeira em os paços do
conselho delia, casas da câmara e meza de vereação onde se acharão
presentes o doutor j u i z de fóra presidente Antônio Cerqueira Lima,
vereadores actuaes o tenente coronel Jeronimo José Albernaz, e ca-
pitão Antônio de Castro Lima, e por ausência do outro vereador
Francisco José da Silva e Almeida, veio o do anno transado Joa-
q u i m Pedreira do Couto, e o procurador actual o capitão Manoel
Teixeira de Freitas, e sendo ahi todos juntos despacharão papeis
em beneficio c o m m u m do povo, e por que em conseqüência de um
officio que o doutor j u i z de fóra presidente havia recebido do coro-
nel da cavallaria José Garcia Pacheco, commandante da força ar-
mada estacionada nesta villa, para fazer convidar, e chamar todos
os cidadãos e lavradores, proprietários conspicuos, para no dia de
hoje se acharem nos paços do conselho a hora certa, para ahi se
tratar do interesse, e bem da villa, e ainda da provincia, e com ef-
feito sendo juntas e reunidas as pessoas da nobreza e mais cida-
dãos conspicuos, e lavradores, todos proprietários desta villa e seu
termo, que poderão comparecer neste acto, por que alguns deixarão
de vir por causa de moléstias, comofizerãosaber por suas cartas, e
logo nesta vereação relatou o doutor j u i z de fóra presidente que el-
le havia recebido u m officio que leu, o qual é do teor seguinte:
168 M E M Ó R I A S H I S T Ó R I C A S , E POLÍTICAS

« Em conseqüência da carta que recebemos dos patriotas de Santo


A m a r o e S. F r a n c i s c o , e representação q u e a acompanhava, o q u e
t u d o r e m e t t o p o r copia a V. S., r e q u e i r o , se sirva de m a n d a r con-
vocar q u a n t o antes os vereadores, e p r o c u r a d o r do senado, assim
c o m o t a m b é m todos os cidadãos, proprietários e mais pessoas boas
do districto, para se proceder nos t e r m o s da dita carta e r e p r e s e n -
tação. Deos g u a r d e a V. S. Q u a r t e l da villa 17 d e agosto d e 1 8 2 2 .
—José Garcia Pacheco de Moura Pimentel e Aragão, c o r o n e l com-
m a n d a n t e da força a r m a d a . » E m o q u a l officio v i n h a incluída p o r
copia a s e g u i n t e carta :
« I l l u s t r i s s i m o s S e n h o r e s — E chegada a occasião, e m q u e j u l g a -
m o s indispensável á defeza da nossa causa o estabelecimento d e
u m g o v e r n o g e r a l , não só para o recôncavo, e c o m a r c a da Bahia,
mas t a m b é m para toda a p r o v i n c i a , pois q u e a acclamação de J a -
cobina e Valença e m differentes comarcas exige, q u e se faça e x l e n -
civo o d i t o governo. A chegada da tropa Européa, o f i n a l desengano
da j u n t a provisória, q u e recusando aceitar u m nosso officio, d e u -
nos a u l t i m a p r o v a d e sua n a t u r a l f r a q u e z a , e a presença até h o j e
i n f r u c t u o s a do b l o q u e i o d o R i o chegado a seis dias e q u e se acha
e m f r e n t e da esquadra d o M a d e i r a ; t u d o isto nos o b r i g a a t o m a r
desde j a esta medida, q u e n u n c a deixamos d e r e c o n h e c e r necessá-
r i a , e q u e só apenas desejávamos espassar. I n c l u s o olTerecemos o
p l a n o e m q u e accordamos; q u e sendo o m e s m o adoptado p o r vos-
sas senhorias não d u v i d a m o s q u e seja i m m e d i a t a m e n t e posto e m
pratica. Para haver a m a i o r c e l e r i d a d e possível na reunião dos de-
putados da v i l l a , nós nos encarregamos d e c o n v i d a r , e t r a n s m i t t i r
este p l a n o á A b r a n t e s , Itapicurú, I n h a m b u p e , e A g u a f r i a : e vossas
senhorias queirão encarregar-se d e fazer o m e s m o á Maragogipe,
J a g u a r i p e , Pedra b r a n c a , e Valença, T e n c i o n a m o s fazer a sessão
extraordinária para sancionar-se o d i t o p l a n o n o dia 2 1 d o c o r r e n -
te, e n o seguinte faremos a eleição dos deputados destas duas v i l -
las, os quaes logo q u e f o r e m eleitos, partirão para essa, afimd e se
r e u n i r e m c o m o q u e e l e g e r e m a h i , e c o m os d e Maragogipe~e J a -
g u a r i p e se possível for, e d e começarem logo a exercer suas f u n c -
ções. P o r isso esperamos, q u e vossas senhorias facão a predicta ses-
são, e a sua eleição nos m e s m o s dias, q u e i n d i c a m o s ; assim c o m o
que p r e p a r e m decentemente a casa d o hospital para as sessões, e se-
de do conselho. Deos g u a r d e a vossas senhorias. V i l l a d e S. F r a n -
DA PROVÍNCIA DA KAIIIA.

cisco 1 5 d c agosto d o 1 8 2 2 . D e vossàs s e n h o r i a s a m i g o s fieis, e


c r i a d o s . — Bento de Araújo Lopes Villas-boas, Joaquim Ignacio dr
Cerqueira Butcão, Felisberto Gomes Caldeira, Manoel de Vasconccl/os
Souza Bahiana, Antônio Maria da Silva Torres, Luiz Lopes Vil-
las-boas, José de Araújo de Aragõo Balcão, Ignacio José Aprigio
da Fonseca Galvão, Luiz Manoel de Oliveira Mendes, Francisco
Maria Sudré Pereira, Joaquim José Pinheiro de Vasconcellos, Mi-
guel Calmou du Pin c Almeida, Antônio José Duarte de Araújo
Gondim, Antônio Joaquim Pires de Carvalho e Albuquerque. »
E m conseqüência d o q u e , e l l e d o u t o r j u i z d e fóra p r e s i d e n t e
m a n d a r a f a z e r as c o m p e t e n t e s partecipações para a p r e s e n t e v e r e a -
ção, e s e n d o a h i r e u n i d o s todos os a b a i x o assinados, f o i d i t o p e l o m e n -
c i o n a d o c o r o n e l José G a r c i a P a c h e c o d e M o u r a P i m e n t e l @ A r a g ã o ,
q u e a c h a n d o - s e r e c o n h e c i d o p e l o p o v o e t r o p a desta v i l l a , c o r o n e l
c o m m a n d a n t e d a força a r m a d a desta m e s m a v i l l a , r e q u e r i a antes
d e t u d o p r e s t a r n a c â m a r a , e nas m ã o s d o seu p r e s i d e n t e o j u r a m e n -
to d o estilo, o q u e sendo o u v i d o pelo m i n i s t r o presidente, verea-
d o r e s , e p r o c u r a d o r d a câmara, e não c o n s t a n d o d a acta l a v r a d a n o
d i a 2 5 d e j u n h o , e m q u e se c e l e b r o u nesta v i l l a a acclamação d a
regência d e sua alteza r e a l , a n o m e a ç ã o e r e c o n h e c i m e n t o d o c h e f e
da força a r m a d a , visto q u e p e l o m e n c i o n a d o t e r m o d e vereação t o -
dns as a u t o r i d a d e s c i v i s e m i l i t a r e s d o d i s t r i c t o forão r e c o n h e c i d a s ,
e x e r c e n d o as suas íimeções e atlribuições, c o m o até a q u e l l e r e f e r i -
d o d i a , e s e n d o p r o p o s t o p e l o d i t o c o r o n e l q u e os cidadãos p r e s e n -
tes d e c l a r a s s e m se o reconhecião o u não c o m o c h e f e d a força a r m a -
da desta v i l l a , f o i d e c i d i d o pela m a i o r i a dos cidadãos q u e presentes
estavão, q u e reconhecião o s o b r e d i t o c o r o n e l José G a r c i a P a c h e c o
p o r c h e f e d a força a r m a d a , e m conseqüência d o q u e passando e l l e
d i t o c o r o n e l ao l a d o d i r e i t o d o d o u t o r j u i z d e fóra p r e s i d e n t e , l h e
f o i p o r este diíferido o j u r a m e n t o d e obediência á sua alteza r e a l
r e g e n t e c o n s t i t u c i o n a l d o B r a s i l o S r . D. P e d r o d e Alcântara, e fi-
d e l i d a d e á causa d o B r a s i l , e d e o b s e r v a r e x a c t a m e n t e a d i s c i p l i n a
d o s e u c o r p o c o n f o r m e os r e g u l a m e n t o s m i l i t a r e s , o q u e f e i t o pas-
sou o m e s m o c o r o n e l a l e r a h i a representação s e g u i n t e :
« S e n h o r e s . — A s p r i n c i p a e s v i l l a s d o recôncavo, e h o j e d e q u a -
si t o d a a p r o v i n c i a t e m a c e l a m a d o , c o m o é notório, r e g e n t e cons-
t i t u c i o n a l e d e f e n s o r p e r p e t u o d o B r a s i l , ao h e r d e i r o d o t r o n o P o r -
t u g u e z , o sereníssimo s e n h o r príncipe D. P e d r o d e Alcântara,
TOMO V I .
no MEMÓRIAS HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

a n n u i n d o desle m o d o á vontade g e r a l dos habitantes deste r e i n o ,


que se desejão u n i r a u m centro g o v e r n a t i v o e m seu território, a-
fim de c o n s e r v a r e m sua d i g n i d a d e e categoria.
T o d o s sabem, senhores, q u e esta acclamaçâo f o i p o r nós feita c
pelos nossos concidadãos sem alteração d o r e g i m e n e administração
da p r o v i n c i a : p o r isso q u e descançavamos na b e m fundada espe-
rança, de q u e não seriamos contestados n e m pelo g o v e r n o c i v i l ,
n e m pelo m i l i t a r : a q u e l l e , p o r q u e havia j a aííirmado e m seus offi-
cios á e l - r e i , e á S. A. R., q u e era o voto g e r a l dos Bahianos; es-
te, p o r q u e não podia m o r a l m e n t e oppòr-se e m n o m e da c o n s t i t u i -
ção á opinião p u b l i c a deste r e i n o assás p r o n u n c i a d a pelos dous ter-
ços das suas províncias. P o r é m , senhores, j a nos não é estranho,
quanto nossa esperança ha sido i l l u d i d a ! E m verdade apenas soou
e m nossa capital o g r i l o da salvação do B r a s i l , ou a acclamaçâo, q u e
fizemos, da regência do nosso augusto príncipe; logo p o r u m lado
o prclenço c o n q u i s t a d o r M a d e i r a , rodeado de i n s u b o r d i n a d a tropa
de P o r t u g a l , maculou-nos e m suas proclamações e ordens, Gom o
epitheto de sediciosos e rebeldes. E passando i m m e d i a t a m e n t e a
o b r a r , esquipou canhoneiras, q u e t e m hostilisado as ilhas de Santo
Antônio e de Maré, a costa da Saubara, e barra dePará-assú; man-
dou m e t r a l h a r Jtaparica, encravar a a r t i l h a r i a da sua fortaleza; i n -
terceptou a nossa communicaçãp c o m a cidade, a p r i s i o n a n d o e r o u -
b a n d o as embarcações q u e fazião nosso c o m m e r c i o i n t e r i o r , e p r o -
h i b i n d o a importação de mercadorias e viveres para o recôncavo;
fez m a n d a r tropa l u s i t a n a e barcas de g u e r r a , para atacar e oceu-
par a rica povoação de Nazareth; e f i n a l m e n t e prepara-se c o m es-
trepito e t e r r o r , para a c o m m e t t e r - n o s , e obstar a entrada da es-
quadra, que v e m da côrte d o B r a s i l e m nosso soccorro; e p o r ou-
tro lado a j u n t a provisória do governo, aliás composta d e sábios e
h o n r a d o s B r a s i l e i r o s , de q u e m a pátria esperava tudo; o u p o r
coacção, ou p o r n a t u r a l fraqueza, não respondeu á participação d o
acto da acclamaçâo de S. A. R. feita pelas'câmaras e autoridades;
tem-se abslido de toda a correspondência comnosco; e finalmente,
pelas suas proclamações de 12 e 23 de j u l h o próximo passado, se
d e c l a r o u contra nós, arguindo-nos de rebeldes, e facciosos, e f o r -
çando c o m tão i n a u d i t o s procedimentos a nossa involuntária subtrac-
eão á sua autoridade. D e i x e m o s , senhores, d e observar m i u d a -
menlfej quanto seja irrisório, q u e o oppressor da Bahia n p p e l l i d c
DA PROVÍNCIA DA IJAIIÍA. 17!
fiel á LI ma assás pequena fracção <la provincia, e rebelde a ioda ella;
constitucional á m i n g o a d a caterva de soldados e i l l u d i d o s E u r o p c o s
da B a h i a , e facciosa a n u m e r o s a povoação da província i n t e r i o r .
E b e m assim não analisemos a escandalosa inconsequencia da j u n t a
do governo, q u e havendo reconhecido á pouco c o m o facção só n u -
merosa na classe m e r c a n t i l aquella porção de homens, q u e se op-
p u n h a , e ainda se oppõe no r e c o n h e c i m e n t o da regência de S. A.R.,
reconhece agora c o m o facciosa toda a p r o v i n c i a , p o r q u e esta t e m
leito aquelle m e s m o reconhecimento. A' esta não pensada opposi-
ção, q u e os governos da Bahia fazem á nossa vontade declarada, e
a vontade de lodo o B r a s i l , aceresee agora.a nunca esperada oppo-
sição d o ministério e cortes de Lisboa, q u e respeita os officios da
câmara e j u n t a provisória desta provincia, relativos ã catástrofe de
f e v e r e i r o deste anno. E p o r despacho ás supplicas, q u e pelo órgão
dessas autoridades lhe fazia o envilleciclo e desgraçado povo da Ba-
h i a , acabão de r e m e l l e r para esta cidade u n i batalhão de soldados
p r e c u r s o r de outros batalhões, c o m que nos pretendem reeolonisar
e m n o m e da constituição. A' face do exposto, senhores, é tão e v i -
dente, q u e se desvanece de todo a esperança, q u e tínhamos, de q u e
o governo desta província cooperasse comnosco, c de que nos viesse
de Lisboa o remédio de nossos males; q u a n t o é urgente a necessi-
dade de r e c o r r e r m o s e m nosso actual estado aos meios que nos deu
a natureza, para g a r a n t i r m o s a nossa segurança pessoal, c real, ora
ameaçada, e pafa sustentarmos a justa causa, e m que briosamente
nos e m p e n h a m o s . E sendo de eterna verdade, q u e a acefalia r e -
p u g n a á boa existência de u m povo civilisado; e q u e d e u m centro
c o m m n m de autoridade depende ;i forca m o r a l efísicade uma so-
ciedade q u a l q u e r ; parece, q u e o meio unico á q u e podemos recor-
r e r e m nosso actual estado, é o estabelecimento de u m governo ge-
r a l , q u e a d m i n i s t r e esta p r o v i n c i a e m n o m e de S. A. R. o serenís-
s i m o príncipe senhor D. P e d r o de Alcântara, regente e defensor
do B r a s i l , segundo as regras d o governo representativo, j a p r o c l a -
m a d o no R i o de J a n e i r o ; e q u e nos defenda das aggressões, (pie
intenta c o n t r a nós o pretenço conquistador desta p r o v i n c i a ; que o
recôncavo t e m esperado pela cooperação da sua capital; que elle não
t e m q u e r i d o alterar o r e g i m e n da provincia, é j a bastante prova o
não haver installado á ciucoenta dias uma autoridade superior, c
geral, cuja falta c o m b i n a d a com a boa o r d e m , que se ha g u a r d a d o
172 M E M Ó R I A S HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

no recôncavo, é outra prova mais bastante ainda da unidade, e ge-


neralidade dos votos d e seus habitantes, á favor da causa da r e -
gência d o nosso augusto príncipe. C u m p r e p o r t a n t o , senhores, q u e
cuidemos desde j a na eleição dos m i n i s t r o s q u e d e v e m f o r m a r o
governo proposto. Esta eleição convém a b s o l u t a m e n t e q u e seja
feita pelo m o d o não só o mais legal, c o m o mais fácil de e x e c u t a r -
se c o m promptidão, attento o apurado estado e m q u e nos a c h a m o s .
Por u m de dous modos podemos fazel-o; a saber, o u pela assem-
bléa dos eleitores de parochia. o u pelas câmaras das villas c o l i g a -
das. E c o m o o p r i m e i r o nos pareça impraticável, o u p o r q u e actual-
m e n t e se não possa r e u n j r aquella assembléa, ou p o r q u e a sua r e u -
nião necessariamente morosa não caiba no tempo, q u e u r g e a cada
m o m e n t o : e ao c o n t r a r i o o segundo, além de ser o mais análogo
aos princípios populares e constitucionaes; seja ao nosso ver o mais
fácil e p r o m p t o : por esta razão e m verdade g r a v e e i m p e r i o s a , r e -
q u e r e m o s e m n o m e da tropa e cidadãos desta villa o s e g u i n t e :
1 ° Q u e se installe u m conselho i n t e r i n o de g o v e r n o desta p r o -
vincia, composto d e deputados eleitos á p l u r a l i d a d e absoluta d e
votos pelas câmaras e h o m e n s bons das villas colligadas o u q u e
a c t u a l m e n t e t e m acclamado n regência c o n s t i t u c i o n a l de sua alteza
real, na razão de u m d e p u t a d o p o r cada u m a das ditas villas.
2.° E p o r q u a n t o é assás notório a u r g e n t e necessidade de esta-
belecer-se desde j a o dito conselho, e não caiba na estreiteza d o
t e m p o r e u n i r - s e para isso todos os deputados, q u e ^ sobredito con-
selho i n t e r i n o do g o v e r n o se r e p u t e installado, e e n t r e n o exercício
de suas fnncções logo q u e se r e u n i r e m c i n c o deputados. O local
para esta reunião e residência do conselho será a villa da Cachoeira,
lieando todavia ao m e s m o conselho a f a c u l d a d e de m u d a r e m caso
de necessidade. O presidente, e secretario do conselho serão no-
meados d'entre si pelos mesmos deputados.
5.° O conselho i n t e r i n o t e m p o r f i m g o v e r n a r esta p r o v i n c i a e m
n o m e de sua alteza r e a l o senhor D. Pedro de Alcântara, príncipe
regente-constitucional e defensor p e r p e t u o d o B r a s i l , observando a
legislação existente, q u e sua alteza real ha m a n d a d o observar; e
sustentar a regência do m e s m o augusto príncipe, segundo os p r i n -
cípios do governo representativo j a p r o c l a m a d o na côrte do B r a s i l ,
o b e d e c e n d o e executando, e fazendo executar as suas ordens reacs e
direitos j a p u b l i c a d o s , ou q u e sc p u b l i c a r e m . T o d a s as a u t o r i d a d e s
DA PROVÍNCIA DA DAMA. 173

c i v i s c m i l i t a r e s s e m excepção a l g u m a ficarão s u b o r d i n a d a s á este


conselho.
4." Q u e ás câmaras clara*) aos seus r e s p e c t i v o s d e p u t a d o s u m a
procuração c o n c e b i d a n o e s p i r i t o d o a r t i g o p r e c e d e n t e , e q u e cada
u m d e p u t a d o p r e s t e n a s m ã o s d o p r e s i d e n t e da sua r e s p e c t i v a câ-
m a r a o j u r a m e n t o d e obediência ao sereníssimo príncipe r e g e n t e
c o n s t i t u c i o n a l e d e f e n s o r p e r p e t u o d o B r a s i l , o s e n h o r D. P e d r o d e
Alcântara, e b e m a s s i m d e c u m p r i r f i e l m e n t e o q u e l h e i n c u m -
b i r a sua d i t a procuração. U m a c o p i a da p r e s e n t e acta será t a m -
b é m d a d a a cada u m d e p u t a d o p a r a sua i n t e l l i g e n c i a e execução.
5.° Que o c o n s e l h o i n t e r i n o l o g o q u e seja i n s t a l l a d o , faça t o m a r
a todas as a u t o r i d a d e s e c c l e s i a s t i c a s , c i v i s , e m i l i t a r e s e a t o d o s os
cidadãos das v i l l a s e c i d a d e s q u e j a t e m a c c l a m a d o , e p a r a o f u t u r o
a c c l a m a r e m a S. A. R., o j u r a m e n t o de f i d e l i d a d e e obediência á
regência c o n s t i t u c i o n a l n o s e r e n i s s i m o príncipe o s e n h o r D. P e d r o
d e Alcântara, e ao c o n s e l h o i n t e r i n o d o g o v e r n o e m s e u r e a l no-
m e . E o u t r o s i m estabeleça u m a c o m m i s s ã o d a j u n t a d a f a z e n d a
p a r a d i r i g i r as íinanças : c n o m è e u m c o m m a n d a n t e e m c h e f e i n t e r i -
no'da força a r m a d a d a p r o v i n c i a até (pie c h e g u e o i m m e d i a t a m e n t e
n o m e a d o p o r sua alteza r e a l , o q u a l c o m m a n d a n t e e m c h e f e p r o p o -
rá ao c o n s e l h o os c o m m a n d a n t e s s u p e r i o r e s d o s d i f f e r e n t e s p o n t o s
d e d e f e z a q u e hão d e f i c a r i n t e r i n a m e n t e s u b o r d i n a d o s ao d i t o c o m -
m a n d a n t e e m chefe.
6." Q u e este c o n s e l h o i n t e r i n o se d i s s o l v a e c e s s e m todas as suas
liincçÃies, l o g o q u e a c a p i t a l desta p r o v i n c i a t i v e r a c c l a m a d o e r e c o -
n h e c i d o a regência d e sua alteza r e a l , e l o g o q u e d a m e s m a c a p i t a l
se t e n h a e v a d i d o a t r o p a de P o r t u g a l , d e v e n d o c o m t u d o antes da
sua dissolução, p r o m o v e r a installação d e u m g o v e r n o p r o v i s i o n a l
i g u a l aos q u e se a c h a r e m i n s t a l l a d o s nas províncias q u e t e m a d h e -
r i d o a causa da i n t e g r i d a d e e regência d o B r a s i l ; m a s isto e m caso
do s e r e n i s s i m o príncipe r e g e n t e não h o u v e r até então p r o v i d o a es-
se r e s p e i t o s e g u n d o os princípios c o n s t i t u c i o n a e s O c o r o n e l c o m -
m a n d a n t e da força a r m a d a José Garcia Pacheco de Moura Pimen-
tel e Aragão; D. Braz Balthazar da Silveira, c o r o n e l d e i n f a n t a r i a ;
t e n e n t e c o r o n e l da c a v a l l a r i a , Jeronimo José Albernaz; José Joa-
quim de Almeida Arnizáo, s a r g e n t o m ó r da c a v a l l a r i a ; Joaquim
José Bacellar e Castro; s a r g e n t o m ó r d e i n f a n t a r i a m i l i c i a n a , José
dc Araújo Bacellar e Castro; s a r g e n t o m ó r , Manoel José de Freitas.
174 M E M Ó R I A S HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

E p r o c e d e n d o - s e n e s t e m e s m o a c t o , á v o t a ç ã o p a r a eleição d o
d e p u t a d o q u e c o m os d a s o u t r a s villas devião f o r m a r o c o n s e l h o i n -
terino do governo da provincia, a conformidade dos artigos appro-
v a d o s a c i m a , .«rahio e l e i t o p e l a m a i o r i a d e v o t o s , o b a c h a r e l f o r m a -
d o F r a n c i s c o G o m e s B r a n d ã o M o n t e z u m a , ao q u a l p o r se a c h a r a u -
s e n t e f o i a c c o r d a d o e s c r e v e r - s e u m a c a r t a d e partecipação d a s u a
nomeação, para v i r prestar o j u r a m e n t o na conformidade do artigo
4.° d o p i a n o e r e p r e s e n t a ç ã o a c i m a t r a n s c r i p t a , e d e t u d o m a n d a -
r ã o f a z e r e s t e t e r m o e m q u e a s s i g n o u o d o u t o r j u i z d e fóra p r e s i -
dente e mais m e m b r o s da câmara, com as pessoas presentes e e u
Jacinto Lopes da Silva, escrivão d a c â m a r a o e s c r e v i . — L i m a , Al-
bernaz, Castro, Pedreira, Teixeira, José Garcia Pacheco de Mou
Pimcnlel e Aragão, c o r o n e l c o m m a n d a n t e d a f o r c a a r m a d a , D.
Braz Balthazar da Silveira, c o r o n e l c o m m a n d a n t e d e i n f a n t a r i a ,
José de Araújo Bacellar e Castro, s a r g e n t o m ó r , Joaquim José Ba-
cellar e Castro m a j o r d e i n f a n t a r i a , o vigário Francisco Gomes dos
Santos e Almeida, o p a d r e vigário Alexandre Ferreira Coelho, F r .
José de S. Jacinto Mavignier, p r e g a d o r r e g i o e f f e c t i v o , e x a m i n a d o r
d a s t r e s o r d e n s m i l i t a r e s , capitão Antônio Cerqueira Pinto, t e n e n t e
Clemente Jorge Martins Milagres, capitão jl/emoe/c/a Paixão Bacellar
e Castro, a l f e r e s José Garcia Cavalcanti Albuquerque, capitão José
Fernandes de Almeida, c o n e g o Anselmo Dias Rocha, Domingos da
Silva Guimarães, capitão d e m e l i c i a s , Francisco da Cunha Nabüco
dc Araújo, n o m e a d o s e c r e t a r i o d a p r o v i n c i a d o E s p i r i t o S a n t o , p a -
d r e Antônio José Lopes de Carvalho Portugal, p a d r e José Martins
Malhêva de Mello, Francisco Caetano da Silveira e Souza, Francis-
co Gomes Moncorvo, a l f e r e s d e milícias João Borges Ferraz, José
Moreira Guimarães Júnior, João Machado da Silva, Antônio Lo-
pes Ferreira e Souza, José Ferreira Sarmento, José Paes Cardozo
da Silva, capitão c o m m a n d a n t e , Antônio Pereira Reboliças, João
Pedreira do Couto, Luiz Ferreii a da Rocha, Germano José da Sil-
va Pinto, capitão a j u d a n t e , Bento José de Almeida, p a d r e Vicente
Ferreira Gomes, p a d r e Joaquim Marinho Falcão, Manoel Eleuterio
Alves de Araújo, João Antônio Moitinho Chaves, Manoel Pinto de
Azevedo, Joaquim José de Araújo Lima, José Antônio Mourão,
Francisco Machado da Silva, Florentino Rodrigues da Silva, capitão
Francisco Rodrigue da Costa Veiga, Carlos Joaquim de Magalhães,
Manoal Joaquim de Santa Anna, Manoel Teixeira dc Santa Anna,
f)A PROVINCIA DA RADIA. 175

Antônio de Souza Galvão, Manoel José da Silva Lemos, Miguel Bar-


boza Cabral, Agostinho José dos Santos, Francisco José da Costa de Fa-
ria, José Joaquim de Santa Anna Cerqueira, Antônio Martins da Silva
Reis, Domingos José Fernandes, José Francisco do Nascimento Vian-
na, a l f e r e s Antônio José de Oliveira, José Alves dos Santos Souza,
Antônio Maria dc .Moura, Francisco de Assis do Rozario, Anaclcto
Pinheiro Barreto, José Zacarias de Oliveira, Joaquim Antônio Moiti-
nho, Manoel Luiz de Azevedo, Antônio Felix de Souza Estrela capilào,
F r . Antônio de S. José Gomes, p e l o I í v . S r . vigário José da Costa
mo

Moreira, José Antônio de Souza Lopes, p a d r e Manoel Alves Morei-


ra da Fonseca, a l f e r e s Manoel dos Santos Mauris, Joaquim de San-
ta Anna Borges, José Ricardo Rodrigues da Silva, Domingos Fran-
cisco de Souza, Manoel Ignacio da Silva, Antônio José Alves Bas-
tos, Manoel Joaquim Ricalde Pereira de Souza e Castro, Manoel
José Ferreira de Oliveira, a l f e r e s Miguel Branco da Silva Chaves,
José Vieira Tosta, José Silvcrio de Almeida, Manoel Pereira de
Sampaio, a l f e r e s Antônio Manoel de Azevedo, José Pereira Castro,
Antônio Pereira de Sampaio, Manoel Borges Falcão, José de Oli-
veira Lopes, a l f e r e s Bernardo Miguel da Cunha Soares, a l f e r e s
Francisco da Silva Pinto, José Joaquim de Almeida e Arnizáo, s a r -
g e n t o m ó r d e c a v a l l a r i a , Francisco Macariò Leopoldo, Theotonio
José Machado de Barros e Oliveira, Francisco Paes Cardozo da Sil-
va, José Leonardo Muniz Barreto, José Peringrino da Gama, Joa-
quim José Ribeiro Guimarães, Manoel Ferraz da Motta Pedreira,
Manoel José Rodrigues da Silva, Manoel Francisco do Nascimento
Vianna. Manoel Mauricio Pereira Rebouças, Manoel José Pereira,
Manoel Gonçalves da Silva, Manoel José de Freitas, Luiz Antônio
dos Santos, Felicianno Pereira da Silva Castilho.

Certidão passada pelo escrivão da junta da fazenda


r e a l F r a n c i s c o Guimarães «Ia S i l v a .

Certifico que revendo o livro do tombo de todas as rendas reaes,


subsídios, p r o p r i e d a d e s , f o r o s , e m a i s b e n s p e r t e n c e n t e s a S . A . R.,
n e l l e a f o l h a s 8:2 s e a c h a a m e d i ç ã o e t o m b a m e n t o d a s t e r r a s d a f o r -
t a l e z a d e S . P a u l o d o p r e s i d i o d o M o r r o , o q u a l o s e u t e o r é n a fôr-
m a seguinte:
Fortaleza d e S. Paulo do presidio do Morro.—Inscripção sobre a
176 MEMÓRIAS HISTÓRICAS, 1
POLÍTICAS

porta e armas reaes.—O excellentissimo .senhor Vasco Fernandes


Cezar de Menezes, conde de Snhugoza, do conselho de S M. que
Deos guarde, alferes mór do reino, alcaide mór da villa de A l e n -
quer, commendador da ordem de Christo, das commendas dc S.
Pedro de Louraes, capitão general de mar e terra do estado do
Brasil, mandou fazer esta fortaleza no anno de 1750.
Aos 14 dias do mez de outubro de 1702 annos, na ilha do Mor-
ro e fortaleza de S. Paulo do mesmo presidio, na comarca dosllheos
desta capitania, doze legoas distantes da capital delia, onde eu es-
crivão do tombo dos próprios de S. M. fui vindo, em companhia do
desembargador Miguel Serrão Diniz, conselheiro chanceller da re-
lação da Bahia, desembargador procurador da fazenda real, e me-
didores do conselho abaixo assinados para o effeito de tombar, me-
d i r , confrontar, e descrever esta fortaleza, e praticados todos os
exames e averiguações necessárias, se achou que na referida distan-
cia de doze para treze legoas de mar ao sul da cidade da Bahia está
a ilha do presido do Morro. A sua figura lhe dá este nome; p r i n c i -
pia a sua grande eminência quasi a perpendiculo, sem baze pyra-
midal em que seguramente se sustente no lugar, e ponta que olha
ao norte, e pelos lados corre ao mar; o subir pelo leste a costa que
vai correndo por fóra da ilha para as villas do sul pelo oeste o mar
navegável entre o mesmo Morro, e a terra firme de Jequiriçá, com
largura de meia legoa, que vai continuando por dentro do mesmo
presidio em mar mais favorável para as mesmas ilhas do sul ou ter-
ra firme, ao dilatado continente desta America. A guarnição deste
presidio ou moradores delle, oecupão perto de meia legoa, sem f o -
ro algum, por ser a terra da coròa, e m que tem feito casas de v i -
vência pnra seus quartelamentos, pela parte da costa do mar largo,
corre caminho para o sul, e divide e m u m rio chamado Zirabo, e
terras de João de Liques, e pela parte da Gamboa, fazendo cami-
nho de susuéste parte com outro caminho e terras de Manoel Fer-
5l

nandes, e desta divisão por diante continuão os moradores desta


ilha, que estão e m terras suas, ou de seus senhorios. Fortifieou-se
o M o r r o com uma grande bateria na raiz da montanha e pancada
do mar, tem a maior resistência no angulo da ponta o principio do
Morro, em que está o forte de S. Paulo, que flanquea o mar da en-
trada, por dentro da dita ilha. A sua figura é d'um retangulo com
350 palmos de comprido, e de largo 120, faz a bateria frente para
DA PROVÍNCIA DA BAHIA. 177
a entrada do mar, e no meio delia está a bandeira, c 18 peças de
ferro montadas: a entrada da fortaleza é pela parte da montanha
no pavimento do terreno froníeiro, em que está o corpo da guarda,
casa e quartéis, com a face para o interior do terrapleno; une-se a
este forte a cortina exterior da grande muralha, que para a parte
do sul e interior do presidio vai seguindo á raiz da monlanha e o
caminho com ângulos salientes obtusos, e outros reintrantes; no
meio desta grande cortina, avança para o mar o angulo saliente
maior com seus flancos chamado forte velho, com 3 peças de fer-
ro montadas, e e m toda a mais cortina 18; faz a muralha 6 0 0
passos de comprido pouco mais ou menos, correndo a figura dos
ângulos e flancos desde o forte da barra, té a rampa da "servidão
principal do mar para o corpo do presidio, em que está o corpo da
guarda, a qual tem de comprido 9 0 palmos, nos quaes sc inclue
também o armazém do armamento, tulha da farinha e mais com-
modos dos officiaes, e da parle esquerda pega a ladeira que sobe
para a praça, ou parada da guarnição do presidio, em cujo lugar
está o oratório para os officios divinos, e m uma casa grande de tai-
pa, subindo da praça para a montanha do M o r r o c m meia ladeira
está uma muralha, que atravessa o caminho com servidão por uma
rotura feita na mesma muralha, que serve de fechar a e n f a d a para
cima, cujo m u r o tem 100 palmos, e fazendo angulo continua com
6 0 palmos, e tornando a voltar continua com 100 palmos, e no
centro da guarda está a casa da pólvora com o âmbito fechado de
m u r o por fóra de mais de 60 palmos cada lado, mais superior á d i -
ta casa da pólvora está o terreno alto com pouco espaço do que flan-
quea a entrada do presidio sobre a bateria grande da pancada do
mar, não tem o dito terreno obra alguma arteficial, e pela vantagem
do sitio, estão nelle 3 pecas de ferro montadas com a bandeira; tem
o corpo da guarda na casa da palamenta com 36 palmos, em que es-
tá a guarnição actual, para as sentinellas explorarem as novidades
do mar da parte da entrada do presidio. Continua a montanha
maior, subida para o alto cume, e a cabeça do Morro, na qual está "
a capella abatida sem cobertura, e toda arruinada, com pouca dis-
tancia a casa terrena, em que mora o padre capellão, de 30 palmos
de frente e 60 de fundo, e continuando para o sul por u m lugar ou
/

paço estreito e entre dous despenhadeiros dos lados, na extremida-


de da cabeça do Morro, que eircumexplora o mar largo, está o re-
TOMO VI. •23
17S MEMOMAS HISTÓRICAS , E POLÍTICAS

d u e t o r a z o d e GO p a l m o s , c h a m a d o Z i m b e i r o c o m 3 peças d e f e r r o
m o n t a d a s , q u e flanqueão a P r a i n h a p o r e s t a r esta c o m i g u a l d i r e c -
eão s o b r e o f o r t e d e S. L u i z , c o m o t a m b é m f l a n q u e a a costa d o m a r
l a r g o p o r s e d o m i n a r t u d o d o a l t o d e s t e l u g a r ; esta f o r t a l e z a s e r v e
d e d e f e n s a ás v i l l a s d e Cairú, C a m a m ú , B o i p e b a , e povoação d o R i o
das c o n t a s , q u e são os c e l l e i r o s d a B a h i a , c o m o o E g y p t o o f o i d o
povo R o m a n o ; e nesta c o n f o r m i d a d e h o u v e o dito c o n s e l h e i r o c h a n -
c e l l e r , e j u i z d o t o m b o esta medição, e confrontação p o r b e m f e i t a ,
d e q u e l i z este t e r m o , e m q u e t o d o s assigharão. E e u José G u l a r t e
da S i l v e i r a , escrivão d o t o m b o q u e o escrevi.—Serrão, Souza, Ma-
noel de Oliveira Mendes, Alexandre Marques da Silva. E l o g o n o
m e s m o d i a , m e z , e a n n o a c i m a d e c l a r a d o , passarão o d i t o m i n i s t r o ,
j u i z d o t o m b o , desembargador p r o c u r a d o r da fazenda, e m e d i d o r e s
a b a i x o a s s i g n a d o s , ao f o r t e d e S. L u i z , n o l u g a r d a P r a i n h a a d j a c e n -
te á m e s m a f o r t a l e z a d e S. P a u l o a c i m a l o m b a d a , e f e i t o s os e x a -
m e s e medições necessárias, acharão q u e d a p a r l e d o m a r l a r g o
c h a m a d o d a P r a i n h a , e m q u e faz enseada, p o r ser c a p a z d e d e s e m -
b a r q u e , f a z f r e n t e a s u a e n t r a d a ao c a m i n h o q u e v e m d a povoação
d o p r e s i d i o d o M o r r o , e m q u e está o c o r p o d a g u a r d a , d e p a r e d e s
d e t a i p a , c o b e r t o d e t e l h a , q u e f a z f r e n t e p a r a o . p o e n t e , a sua figu-
ra é de rectangulo irregular, q u e o maior lado d o redueto é de 5 0
p a l m o s , c o m 5 peças d e f e r r o m o n t a d a s , q u e flanqueão p o r d o u s
l a d o s a p r a n c h a , e os m a i s estão d e e n c o n t r o á m o n t a n h a , q u e p a r a
a p a r t e d a e n t r a d a c o r r e , e p a s s a n d o o s s o b r e d i t o s ao s i t i o o n d e se
acha a fonte p r i n c i p a l i n t e r i o r d o M o r r o , antes d e chegar ao r e d u -
e t o d e S. L u i z , está a f o n t e d o p r e s i d i o f e i t a d e .pedra e c a l á c u s t a
d a corôa, c o m boas a b o b a d a s n o s canaes, e passagens d o c a m i n h o ,
c o r r e p e r e n n e m e n t e p e l a abundância d a s a g o a s d o m e s m o p r e s i d i o ,
inda na m a i o r esterilidade, e nesta c o n f o r m i d a d e h o u v e elle conse-
l h e i r o j u i z d o l o m b o p o r b e m d e s c r i p t a , t o m b a d a e m e d i d a esta f o r -
t a l e z a , e t o d o s o s seus p e r t e n c e s d e q u e m a n d o u f a z e r este t e r m o ,
q u e t o d o s assinarão. E e u José G u l a r t e d a S i l v e i r a , escrivão d o t o m -
b o d o s próprios d e S. M . q u e o escrevi.—Serrão, Souza, Manoel
de Oliveira Mendes, Alexandre Marques da Silva.
DA P R O V Í N C I A DA BAHIA. 179

FORTIFICARÃO DA CAPITAL.
A defeza da provincia da Bahia consiste ria boa opposieào que
se deve fazer ao i n i m i g o quando entrar pela barra, e depois de es-
tar fundeado. Quando o i n i m i g o entrar pela barra, todos os fortes
devem fazer diligencia por lhe empregar o maior numero de tiros,
logo que o v i r e m dentro do alcance da sua respectiva artilharia. Os
tiros de baila rasa são de maior utilidade. Quando o inimigo esti-
ver fundeado devem os fortes continuar a fazer-lhe o fogo, se esti-
ver debaixo do alcance da sua artilharia, e estando fóra delia, então
se poderá inquietar com algumas embarcações cheias de matérias
combustíveis, as quaes se conduzem dc noite á uma direcção, que
vá ter ás inimigas, e quando ja estiverem próximas á ellas se lhe põe
fogo, retirando-se os conduetores em canoas: isto se consegue dan-
do algum prêmio aos conduetores. O mesmo se pratica com aquel-
les que querem i r cortar as amarras das embarcações inimigas.
Quando o i n i m i g o fizer o seu desembarque deve-se-lhe disputar
com tiros de peça carregados com baila, os quaes devem principiar
logo que o i n i m i g o estiver dentro do alcance da artilharia, porém
se acontecer chegar á praia, então se deve fazer o uso de melra-
Iha. Quando o i n i m i g o tiver feito o seu desembarque, procurará
formar-se e apoderar-se da fortificacão que achar naquella posição.
Os defensores lhe não devem dar tempo a isso, fazendo-lhe um fo-
go muito vivo, não só com as armas, mas também com a artilha-
ria posta na frente e pelos flancos, e sendo necessário a atacal-o
mesmo com a baioneta, e chiieo.
E necessário fortificar com peças de artilharia todos os pontos
que podem offerecer u m desembarque: esta praça tem para a sua
defeza, pela marinha, principiando do flanco do sul, o redueto do
Rio V e r m e l h o com 9 peças, e pela frente o forte da Barra com 16,
o de Santa Maria com 12, o de S. Diogo com 7, a bateria de S.
Paulo com 18, o da Ribeira com 30, o de S. Fernando com 11, o
forte de S. Alberto com 7, e do Monserrate com 9, o da Passagem
no flanco do norte com 8, o forte do rnar com 46, e. pela parte de
terra o forte de S. Pedro com 22, o do Barbalho com 22, o de San-
to Antônio alem do Carmo com 15, que fazem aò todo 2 5 0 peças
de diffcrcntes calibres, das quaes 91 são, umas imiteis. « outras

3
180 MEMÓRIAS HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

defeituosas, vindo a ficar capazes do serviço somente 159, cujo nu-


mero é muito d i m i n u t o para guarnecer tantos fortes e posições que
devem ser guarnecidas, por isso deve-se tomar todas aquellas peças
que houver nos navios, as quaes devem ir nessa occasião para Ita-
pagipe, ou para o Boqueirão. Quando o i n i m i g o intenta fazer u m
desembarque sempre o protege c o m o fogo de nãos, fragatas ou bar-
cas canhoneiras, se aquellas não t e m fundo para o poderem prote-
ger : l a m b e m procura persuadir que o faz e m differentes parles pa-
ra enganar aos defensores, afimde os obrigar a dividir suas forças.
Neste caso é necessário que a guarnição onde se fizer o desembar-
que faça tal signal, afimde se reunir a guarnição das posições pró-
ximas, e que havendo barcas canhoneiras se empreguem contra as
do inimigo. Talvez que os barcos da Cachoeira possão fazer o mes-
mo effeito com alguma pequena obra que se lhes faça.
Pela situação desla cidade devemos julgar que o i n i m i g o quando
queira apoderar-se delia, não fará o seu desembarque pela frente,
para se não metter entre dous fogos, mas procurará desembarcar
no R i o V e r m e l h o , ou por cima da Itapoã; comtudo é preciso que
nessa occasião ja eslejão todas as ladeiras, que dão subida para a
cidade alta, fortificadas com boas palliçadas, tendo duas peças de
artilharia por detraz da palliçada que estiver na parle superior, as-
sim como iodos os caminhos que pela parte de terra dão entrada
ha cidade, devem estar fortificados c o m flixos, ou outro qualquer
gênero de fortificação passageira, que anime aos defensores nas re-
tiradas de umas para outras posições. Para a defeza do desembar-
que no Piio V e r m e l h o tem o reducto da fachina que ainda está e m
bom estado, porém como o tempo dá lugar a acabar-se a fortifica-
ção permanente que está principiada e adiantada, deve-se findar.
T a m b é m se devem montar algumas peças na situação de S. Braz,
por cima do canal que dá entrada para Itapagipe, fazendo na mes-
ma situação uma fortificação de terra, em quanto se não pôde r e -
vestir para offender o i n i m i g o pela frente quando queira passar para
cima ou entrar pelo canal de Itapagipe. Da mesma fôrma é neces-
sário montar 3 ou 4 peças de 2 4 no forte de Santo Alberto, e não
as havendo deste calibre, sendo de menor serão montadas j u n t o ao
Noviciado, para de u m a e outra fôrma defenderem aquella praia
cruzando com o forte de Monserrate. Como se achão montadas só
paru respeito M peças imiteis e defeituosas, é necessário que na
DA I M l O Y l I N C I A DA BAHIA. 181
occasião estejão removidas, para livrar aos defensores da m i n a que
ellas lhe podem causar; do mesmo modo se deve evitar a confusão
que fazem muitos calibres em u m só forte pequeno, o qual nunca
deve ter mais de u m até dous calibres, e neste ultimo caso devem
estar' separados. E muito natural que o inimigo faça toda a d i l i -
gencia para sc apoderar do forte do mar, porque o pôde inquietar
muito; assim para a guarnição se defender com mais valor, é ne-
cessário segurar-lhe a retirada por meio de u m caminho de com-
municacão, que se faz com jangadas presas umas ás outras, e de
de dez e m dez uma bóia ou barco que as segure: se acontecer re-
tirar-se a guarnição deve, trazer toda a pólvora, e não o podendo
fazer, se deve lançar no mar. Quando esta cidade occupava somente
a extensão de portos á portos, tinha para a sua defeza nos flancos
os fortes de S. Pedro, Barbalho, e Santo Antônio além do Carmo,
e pela frente da parte de terra uma trincheira com u m fôsso aquá-
tico que era o dique; porém hoje que a cidade occupa maior exten-
são, de fôrma que os referidos fortes estão quasi inúteis, a t r i n -
cheira desfeita, o dique entulhado em muitos pontos, é necessário
fortificar com toda atlenção a estrada que vem á cidade pelo R i o
Vermelho, Brotas e fonte das Pedras, por ser a que offerece ao
inimigo entrada na cidade sem se expòr ao fogo dos referidos fortes.
Havendo neste porto uma bahia tão extensa, que pôde fundear
nella livre de fogo das fortalezas uma grande esquadra inimiga, é
muito natural fazer o seu desembarque na ilha de Itaparica, para
apoderar-se delia afimde refrescar e tratar a sua tropa, e com des-
canço meditar o lugar em que o ha de fazer lambem para tomar es-
ta cidade, logo que o nosso descuido lhe der lugar a isso, e tam-
b é m esperar a união de alguns desertores, e traidores ao seu legi-
timo soberano, e a pátria, para haver delles noticias da guarnição,
e habitantes no estado presente, e verem se differem daquellas que
lhe tem dado as espias que trazem comsigo: o meio de obstar o
desembarque na referida ilha é postar em massa os seus habitan-
tes municiados c o m algumas peças de campanha, espingardas e
chuços e espadas, divididos por aquellas posições, que poder offe-
recer desembarque com ordem de se reunirem áquelle que fizer
o sinal determinado, para ahi disputarem o desembarque na hora
de fazer e depois de feito.
Em quanto ao meio de evitar os traidores o reino de Portugal
182 MEMÓRIA* H I S T O R M A S , K POLÍTICAS

nos faz ver que nesta cidade se deve fazer antes da vinda do inimi-
go o que o mesmo rei tem feito e continua a fazer depois da sahida
do mesmo inimigo. Também por necessidade se devem collocar 5
ou 4 peças de calibre de 4 ou 6 na entrada de cada rio, e muito
principalmente na villa de S. Francisco por ser muito necessário es-
tar aquella posição livre do inimigo, sendo todos os seus habitantes
obrigados a disputarem o desembarque com todo o gênero de
armas.
Não havendo nesta praça mais do que 631 soldados de artilha-
ria, comprehendendo neste numero doentes do hospital, e recrutas,
segundo o estado effectivo do regimento, e havendo 28 peças de
campanha no parque, é evidente que os artilheiros divididos pelo
parque, peças dos fortes, e por aquellas que se devem tomar dos
navios, e montarem-se pelas posições, não podem chegar para pôr
dous em cada uma peça, por isso é inteiramente necessário instruir
aquelles que devem trabalhar na occasião da necessidade, não só no
exercício de bateria volante, mas também de praça. Havendo tam-
bém somente no estado effectivo dos dous regimentos de linha 1275
soldados comprehendendo o numero de doentes no hospital, invá-
lidos e recrutas, os quaes com as milícias da cidadã ainda fazem
um numero muito diminuto para a defeza de toda a marinha, e da
parle de terra desta cidade, assim é necessário por ser a guerra de-
fensiva, na qual todos tem obrigação de trabalhar, chamar todos os
habitantes, formar uma columna, dividida esta em tres brigadas, a
primeira encarregada da defeza do forte de Santo Alberto até o íim
da praia de São Thomé, a qual pôde ser formada de 200 solda-
dos de linha, do regimento de linha, do regimento de milícias de
Pirajá, e de todos os habitantes de Agua de meninos até a dita po-
sição de São T h o m é , fazendo as suas paradas, uma no Senhor do
Bomfim, e outra na praia de N. S. da Escada, á qual se deve en-
tregar 6 peças de campanha, e devem ter promptas no canal de Ita-
pagipe 2 ou 3 barcas para a prompta passagem de uma para a ou-
tra parte.
A segunda brigada pôde ser encarregada da defeza do forte de
S. Diogo até a Torre, e ella pôde ser formada de 200 soldados de
linha, do regimento de milícias da mesma Torre, e todos os habitan-
tes que morão do forte de S. Pedro para diante até a referida Tor-
re, e fazer as suas paradas, uma na barra e a outra na Itapoã, a
DA PROVÍNCIA DA BAHIA. 183
qual se deve entregar 6 pecas de campanha. A terceira brigada se-
rá encarregada da defeza de toda a marinha do forte de S. Diogo
até o de Santo Alberto, será formada do resto da tropa de linha, das
milícias e mais habitantes da cidade, fará as suas paradas, uma no
largo de S. Bento, e outra no T e r r e i r o de Jesus, a qual se devem
entregar 12 peças de campanha, e 4 ditas que restão serão empre-
gadas em qualquer das posições. Todas as peças de campanha
que se dividirem pelas brigadas devem ser puxadas por bestas, para
o que, as que houver na cidade devem estar numeradas. Cada uma
destas brigadas além da defeza encarregada deve ter uma guarda
para não deixar passar pessoa alguma sem passaporte, ellas se de-
vem reunir, quando para esse f i m tiverem ordem, a do centro r e -
forçará a daquelle lado onde se fizer o desembarque verdadeiro, o
qual se deve conhecer pelos signaes.
Supposto que o local desta praça por ser cortado de montes e
valles profundos, e por isso só admitte a guerra de opposição, e
não operação de cavallaria, com tudo é necessário que estejão nel-
la duas companhias de cavallaria miliciana, se não houver paga,
para a boa expedição das ordens, as quaes podem destacar todos os
mezes do regimento de milícias da villa da Cachoeira. Nesta praça
não haverá armamento para todos os habitantes, assim será neces-
sário fazer astes de páo forte para introduzir em muitas baionetas
que se achão no trem dadas por inúteis, fazer também muitos
chuços de ferro, e quando não haja tanto ferro, ou se queira evitar
a despeza delle, se podem fazer de páo d'arco, de páo ferro, ou
de outra qualquer madeira forte, a qual produz o mesmo effeito
que o ferro, e m semelhantes occasiões. Como o inimigo entrando
neste porto fica senhor do mar, e ha de impedir a entrada de man-
timentos na cidade, é necessário estabelecer armazéns para onde se
transportem por terra os mantimentos necessários para o povo, pa-
ra este fim se devem mandar pessoas de autoridade para obrigar a
fazer os ditos transportes para o armazém grande, que deve esta-
belecer-se em o sitio da Feira, e desta para o immediato que se de-
ve estabelecer no Cabulla para fornecer a cidade.
É de esperar, que havendo constância nos defensores fiquem
sem effeito os intentos do inimigo, á excepcão de alguma ruina que
nos podem causar com as bombas que lançarem na cidade, por
quanto para os evitar me não lembro de remédio algum, senão o
184 M E M Ó R I A S HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

das embarcações cheias de matérias combustíveis c o m o ja a p o n t e i .


Este é o m e u p a r e c e r . — B a h i a 1 5 de setembro de 1 8 0 9 . — J o s é
Gonçalves Galeão, b r i g a d e i r o .

111.™ e Ex. Snr.—O plano que tivemos a honra de apresen-


rao

tar a V. Ex., c o n t i n h a as regras mais adaptadas para a defeza desta


c i d a d e ; c o m t u d o as reflexões feitas na g e n e r a l i d a d e dos seus capí-
tulos exigem, q u e e m correspondência aos q u e são mais esseíiciaes
se exponhão as observações seguintes, passando r a p i d a m e n t e pelas
que não são mais q u e necessárias.
•<m

TEXTO.

Recebi o officio de V. Ex., e a copia d o q u e recebeu d o i l l u s t r i s -


s i m o e excellentissimo senhor c o n d e de L i n h a r e s , e m q u e o r d e n a -
va q u e eu désse o m e u parecer sobre as contas dadas pelo g o v e r n o
i n t e r i n o da B a h i a , sobre as fortifiòações q u e se d e v e m fazer n a q u e l -
la capitania. L e n d o a conta d o g o v e r n o da capitania da B a h i a data-
da d e 1 7 de n o v e m b r o de 1 8 0 9 , relativa ás obras mandadas cons-
t r u i r para a defeza d o p o r t o , e cidade de S Salvador, acho t e r d e -
t e r m i n a d o e m p r i m e i r o l u g a r cousas, q u e d e v e m ser as u l t i m a s a
fazer para a s o b r e d i t a defezà, corno são: a faclura de palissadas,
b a r r i s f u l m i n a n t e s , lanças fumosas, e o u t r o s arlificios de fogo, c a -
noas i n c e n d i a r i a s , nadadores, m e r g u l h a d o r e s e telheiros para g u a r -
d a r as canoas. Nas reflexões aos capítulos, q u e v e m j u n t o s a esta
partecipação, d i g o a força q u e m e r e c e cada u m destes m e i o s d e -
fensivos, s e g u n d o o m e u parecer, pois todos elles não retardão a
t o m a d a da c i d a d e , e m u m só dia senão se construírem as f o r t i f i c a -
ções necessárias; na m e s m a conta t e n h o a m a q u i n a i n f e r n a l , e os
estrepes de q u e se falia na dita partecipação; p o r tanto j u l g o , quó os
d i n h e i r o s se d e v e m e m p r e g a r e m construcções úteis e sólidas, co-
m o são: na factura das baterias q u e bordão a m a r i n h a , n o r e p a r o
da fortaleza d o m a r , pelo q u a l este se eleve a tres andares de b a t e -
rias cobertas, e q u e tenha e m si armazéns e cazernas necessárias,
è m fazer o d i q u e i n v a d e a v e l , bordando-o do lado da cidade 6 o m
bons i n t r i n c h e i r a m e n l o s bem franqueados, e de u m p e r f i l capaz d e
m o n t a r a r t i l h a r i a , e d e resistir aos tiros delia, e m fazer as f o r t i f i c a -
ções q u e d e v e m c o b r i r a cidade d ^ l a d o d o forte do B a r b a l h o , e do
DA PROVÍNCIA DA BAHIA.
185
de S. P e d r o , apoiando estas na escarpa do m o n t e e no d i q u e , e co-
b r i n d o as suas frentes se possível f o r c o m as agoas deste. D e v e se
lançar m ã o tanto d o escarpamento do t e r r e n o , c o m o d o dique, para
que as fortificações destas frentes, q u e são as d o n o r t e c sul da c i -
dade, não sejão enfiadas, isto é, não possão ser ricochetadas; o q u e
será fácil de conseguir. A o m e s m o t e m p o se deve tratar de pôr
p r o m p t a s as baterias fluctuantes de q u e fallo nas reflexões, e as bar-
cas canhoneiras para a defeza cio recôncavo, onde ellas poderáõ ser
e m p r e g a d a s c o m m u i t o m a i o r vantagem, d o q u e na defeza da cida-
de, p o r q u e nesta p o d e m chegar até j u n t o da terra as náos de l i n h a ,
e m c u j o caso de pouco servem as barcas, e m e l h o r será ter a a r t i -
l h a r i a destas postas e m baterias na terra, de q u e receberão os navios
i n i m i g o s mais d a m n o ; depois destas obras feitas, se tratará de fazer
as palissadas e baliz necessários para m a i o r defeza das obras cons-
truídas. Q u a n d o e s t i v e r e m concluídas as>obras precizas para a de-
feza da cidade, se tratará das necessárias para a defeza da penínsu-
la, depois das da defeza do recôncavo, e finalmente de toda a capi-
tania: sigo este parecer, p o r q u e os i n i m i g o s não farão uma expedi-
ção c o n t r a a capitania da Bahia, q u e se não d i r i j a contra a cidade
de S. Salvador, p o r só nesta a c h a r e m riquezas que os indçmnisèm
das despezas da expedição, e recursos necessários para a conquista
da capitania, e n o caso de se estabelecerem e m outra parte, que não
seja na sobredita cidade, c o m facilidade serão expulsos p o r falia de
meios conservadores, e soffreráõ todo o m a l da g u e r r a , q u e é faze-
r e m grandes e enormes despezas sem u t i l i d a d e alguma. F i n a l m e n -
te j u l g o , q u e se não deve tratar da construcção de saveiros, canoas,
ou jangadas, porque a serem precizas, na occasião se tomão as q u e
ha, n e m de maquinas infernaes, burlotes, estrepes, telheiros, mas
s i m de t e r boas baterias guarnecidas de grossos canhões, è m o r t e i -
ros armados de r e v e r b e r o s , e as b o m b a s cheias de mixtos, deste
m o d o conseguiremos a p a r t a r da terra os navios i n i m i g o s ,fima q u e
aspiramos. L i i g u a l m e n t e a partecipação de 2 7 de n o v e m b r o , e m
que dá parte o governo da capitania da Bahia, de q u e se creou a
j u n t a encarregada de p r o p o r os meios da defeza da capitania, e c i -
dade de S. Salvador, e q u a l será a o r d e m de seus trabalhos, e r e -
mata d i z e n d o , q u e se vão c o n s t r u i n d o fogos artificiaes e canoas, o
que j u l g o inútil, á excepção das velas de composição e de m i x t o ,
para c a r r e g a r e e n c h e r as bombas.
TOMO v i . 24
186 MEMÓRIAS HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

OBSERVAÇÃO.

É regra incontestável que quando se trata da defeza de uma pra-


ça, o p r i m e i r o objecto é cuidar nas necessárias preparações para
sustentar qualquer ataque: 2.° saber escolher que gênero de guerra
é mais próprio para a defeza d o paiz, que espera ser atacado:
3.° compreende, entre outras muitas cousas, a analise de todas as
obras de fortificação com que a praça é guarnecida; suas proprie-
dades para fazer u m bom uso dellas; seus defeitos para serem cor-
rigidos por meio de reparações úteis, e bem entendidas; igualmente
em fazer p r e m u n i r a praça com grande numero de pallissadas, cor-
das, cestões, fachinas, barris fulminantes, e outros muitos artifícios
que são relativos, e favoráveis para defeza de uma praça, e que in-
flue muito para a duração*dos sitios. Logo se todos estes elementos
são os que contribuem para encher o primeiro objecto, parece que
de todos se deve cuidar ao mesmo tempo; ainda quando o artista
que reedifica a fortaleza, não é o mesmo que fabrica pallissadas,
barris fulminantes, & e .

Rio Vermelho.

TEXTO.

A bondade deste parecer, que em summa contém ser protegida


por uma obra passageira, depende do conhecimento topográfico do
local e da planta, e perfiz da fortaleza somente, digo, que a obra
que deve sustentar o entrincheiramento, deve ser fechada pela gola
afimde que não possa ser tomada de revez; portanto julgo que a
flexa é a peior das fortificações que se l h e pôde fazer: 1.° porque
é a que mais favorece o ataque de frente por falta de fogo flan-
queante: 2.° porque não costumão a ser fechadas pela gola, o que
faz com que sejão facilmente tomadas, e que não podem prestar os
soccorros precisos ás tropas batidas nos entrineheiramentos para se
formarem de novo, e tornarem ao ataque; único fim para que se
eonumão construir semelhantes obras.
DA P R O V Í N C I A DA 1JAIIIA. 187

OBSERVAÇÃO.

A fortaleza do Rio Vermelho é obra cortina, feita para defender


dous desembarques que lhe são collateraes; está elevada na altura
de 50 palmos para poder ricochetar sobre os vasos inimigos, e guar-
neeida com parapeitos dc fachina, montados com os novos reparos
de costa.
A flexa, ou lemetão, que se projecta fazer de obra passageira nu
oiteiro da Mariquita, que commanda de flanco este redueto, tem a
seu favor pela frente um escarpamento dc rocha inacessível, que
impede de estabelecer parallela no saliente da flexa, e só por uma
acção de vigor poderá ser atacada; mas para se defender deste modo
de ataque se faz laborar os ricochet.es, bombas, e granadas de si-
tio, suceedendo a tudo isto uma vigorosa surtida, que fará inutilisar
a acção. Paia evitar a sorpreza, sobre o fôsso da gola deve haver
uma ponte dc communicação para a grande barreira que lhe pren-
de, onde estará a guarda avançada protegida com artilharia, e guar-
nição segundo sua hichnografica; além destes expedientes, ha ou-
tros muitos com que os sitiados podem defender-se; como sejão,
fogos de artificio, fornos de minar, e outros.

Forte <ie {§»auto Anáonio da Barra.

TEXTO.

Este projecto é só bom para se desejar, e não se realisar, pois a


barra tendo segundo as plantas que ha no archivo, mais de duas lé-
guas, com fundo dc uma até 2 4 braças, é quasi impossível á* for-
ças humànas o augmental-o, á ponto que se podesse construir a
desejada bateria para prohibir a entrada.

OBSERVAÇÃO.

Tornamos a repetir o mesmo que se disse no plano de defeza so-


bre es'a fortificação. A fortaleza da Barra, é um pequeno decagono
irregular, que defende a barra; está elevada sobre um oiteirt» que
tem dc altura 54 palmos, e pela frente um recife que se avança
188 M E M Ó R I A S HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

para o mar com mais de cinco braças, para onde se pode augngen-
tar, e não para o fundo como por engano disse o copiador: é de-
feituosa porque se deixa dominar pelo oiteiro que lhe fica na reta-
guarda, por cujo motivo, parece que se deve fortificar este oiteiro,
pois e m regra todas as eminências das quaes o inimigo possa des-
cobrir as obras que estão no alcance do canhão, devem ser forti-
ficadas.

Redueto de Santa Maria.

TEXTO.

Julgo não ser precisa a cortina, que se intenta entre Santa Ma-
ria, e Santo Antônio, por não haver canal, pois os navios podem
passar na distancia que quizerem; e que seguindo o sobredito pa-
recer cahiremos no defeito de querendo fortificar tudo, deixaremos
tudo fraco; portanto sou de parecer, que as baterias de Santo A n -
tônio, Santa Maria, e S. Diogo se ponhão e m estado de não serem
levadas de viva força, e que se construa nas alturas ao sul da cidade
que commandão as ditas baterias, u m entrincheiramento, e m que
estejão postadas as tropas encarregadas de evitar o desembarque,
ou de fazerem reembarcar os que estivessem desembarcados: o en-
trincheiramento deve ter as condições de u m campo forte, e ser
apoiado pelas fortificações da cidade.

OBSERVAÇÃO.

Este reducto tem a figura eptagonica, e lambem defende a ma-


r i n h a , situado sobre o recife delia, meia legoa distante da cidade,
e afastado do forte de Santo Antônio da Barra pouco mais do tiro
forte de canhão com u m desembarque intermédio, que para o evitar
se propoz a cortina coberta, e com altura sufficiente para poder de-
fender o canal de leste, que é o mais.próximo á cidade. Para o lado
do norte fica o reducto de S. Diogo, que domina o de Santa Maria
á tiro de mosquete; e ambos defendem u m a pequena enseada, e
porto, no qual se costuma desembarcar. E l a m b e m dominado pelo
mesmo oiteiro que domina o de Santo Antônio, e deve ter a mesma
protecção que fica dito para o de Santo Antônio, pois o campo forte
DA M10V1NCIA DA BAHIA. 189
conslruido nas alturas ao sul da cidade, não pôde commandar as
baterias da Barra, nem se r e u n i r á ellas com facilidade para obstar
qualquer ataque imprevisto.

Bateria da Gamboa.

TEXTO.

Nas plantas que ha do porto da Bahia, não vem marcada esta


bateria, nem lenho planta alguma do forte; portanto nada posso
dizer a respeito da sua bondade, somente penso que se o terreno
permittir por causa da economia, o augmento se lhe deve fazer do
lado da terra, e não para o mar, porque o avanço para este lado,
não trará utilidade alguma, attendendo á largura da bahia.

OBSERVAÇÃO.

Esta baleria, é uma das que defendem o desembarque na mari


nha desta cidade: é u m quadrilongo, que está situado na margem
da enseada que fôrma esta Bahia conjuncto á falda do monte de S.
Pedro : pela sua espalda, e a cavalleiro lhe fica o ramal do forte do
mesmo nome, que o domina inteiramente, motivo porque não pôde
ser augmentado para o lado de terra o seu terrapleno, sendo inútil
o que se acha para poder laborar com artilharia por não ter 6, ou
pelo menos í> toezas de largura, como a arte prescreve.

Bateria da Ribeira.

TEXTO.

Estando os fortes da Ribeira, e S. Fernando collocados para pro-


teger o forte do mar, penso que se devem pôr em estado de não
poderem ser tomados de viva força, e que se devem augmentar as
suas baterias a ponto de não poderem ehegar ao seu alcance os na-
vios de guerra: para conseguir o que deveráõ haver nestas bate-
rias grossos canhões e reverberos.
100 M E M Ó R I A S HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

OBSERVAÇÃO.

Esta bateria, também a figura de um quadrilongo que cobre a


ribeira e arsenal real, tem dentro uma grande caldeira onde se a-
brigão os escaleres: está situada defronte da fortaleza do mar, e os
seus tiros defendem de flanco a porção da dita fortaleza que olha
para a barra, e pôde arrazal-a no caso de ser atacada: está distante
da dita fortaleza dous tiros fortes de mosquete; é uma das defezas
de conseqüência da bahia pela boa situação e m que se acha, pôde
ainda ser mais vantajosa sendo elevada á altura de poder rieoche-
tar sobre os vazos do inimigo, lendo seu parapeito de 7 pés de al-
tura, guarnecido com novos reparos de costa, e artilharia de grosso
calibre.

Fortaleza do Mar.

TEXTO.

Aos defeitos reaes e accidenlaes, que se apontão no plano da de-


feza, ja S. A. mandou remediar, mandando elevar o forte a uma
fortaleza de 3 baterias, com armazéns e cazernas necessárias para a
guarnição,e gêneros de boca e guerra; logo j u l g o attendendo á sua
força, e a ser protegido e defendido pelas baterias da ribeira e S. Fer-
nando, ser desnecessária a ponte de barcas de que se falia no dito
artigo, como também a construcção de u m caes em toda a cidade, se-
ria bom que o houvesse, mas na occasião presente só se construirão
bons intrincheiramentos nas partes salientes, para nelles collocar
artilharia, com cujas se flanquèe toda a praia intermedia, e as bo-
cas das ruas se barricarão; e nas casas se farão atirar para toma-
rem de frente, flanco, e de revez, aos que desembarcarem.

OBSERVAÇÃO.

Esta fortaleza é circular, e está colloda na frente da Ribeira na


distancia de dous tiros fortes de mosquete, e consta de uma praça
alta, e outra baixa fazendo duas baterias concentricas.
Nós pensamos que é do nosso dever expôr aqui ludo quanto i n -
DA PROVÍNCIA DA DAIIIA. 191

teressa ao serviço tle S. A. R., e declarar o prejuízo directo da sua


real fazenda, de que somos encarregados, tudo deduzido do siste-
ma que se tem proposto para a defeza desta fortaleza, e das muitas
conseqüências que delle resultão.
A fortaleza circular é a mais faeil de traçar, e mais difficil de se
defender: é formada por linhas rectas insensíveis, que formão en-
tre si os ângulos infinitamente obtuzos, não defende as suas faces,
porque não flanquea, nem é flanqtieada; seu fogo é todo divergen-
te, que se augmenta constante na razão do seu apartamento; e os
seus aproxes são sem reparação: pelo contrario é o fogo do inimigo,
que é todo convergente ou reunido, e por conseqüência mais vivo,
e mais mortífero.
E sobre a figura e posição desta fortaleza que nos oíferece o meio
de reflectir, que ainda sendo reduzida a uma torre de tres andares,
não pôde evitar de ser a cidade bombeada, nem prohibfr que o i n i -
migo possa desembarcar no porto, o que é demonstrativamente ma-
nifesto, porque a distancia da bateria da ribeira ao forte do mar é
de dous tiros fortes de mosquete, ou de 300 toezas; o alcance reco-
nhecido para a peça de 2 4 fazer o seu maior effeito é de 2 5 0 até
300 toezas, que em somma fazem 6 0 0 toezas: sabe-se que os mor-
teiros de 12 polegadas alcanção 1 6 0 0 toezas e muito mais, logo se
de 1 6 0 0 se d i m i n u i r 600, o restante será 1000 toezas, distancia em
que se pôde postar o inimigo fóra do alcance dos tiros da fortaleza
para bombear a cidade.
Igualmente se demonstra, que pôde o inimigo com segurança des-
embarcar no porto, nos sitios Curiaxito, Porto-das-vaccas e Unhão,
que ficão ao sul da fortaleza, sem que o fogo desta o incommode,
por distar delia mais de 1600 toezas, o que também suecede que-
rendo fazer desembarque ao norte da fortaleza nos sitios Rosário,
Agoa-de-meninos e Noviciado, do que se conclue que a torre ele-
vada sobre o forte do mar, vem a ser inteiramente inútil, antes por
esta fôrma tentando o inimigo attacal-a, virá ein poucas horas a ca-
hir nas suas mãos pelos motivos que se vão a ponderar.
A torre de muitos andares de alvenaria oíferece ao inimigo o alvo
mais considerável para ser batisada uma grande canhonada, donde
as degradações dos materiaes produziráõ os mais enormes estragos;
a abertura das canhoneiras por 60 gráos faz com que fiquem muito
expostas aos ricocheles, e a distancia do centro de uma a outra me-
192 M E M Ó R I A S HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

nor de 27 palmos, deixa os merlões e m estado de que logo nos p r i -


meiros tombos que soffrerem, fiquem despedaçados até a sua mais
intima textura; os cofres de madeira para servirem de revestimento
ao interior das canhoneiras, a destruição destes será prompta, e os
seus estilaços produzirão os mais funestos effeitos, e o mesmo suc-
cesso terão as posteiras ou véos, que se destina para cobrir as ca-
nhoneiras, além de que a abertura inteira que exigem estas postu-
ras d i m i n u e muito a resistência dos merlões, os artilheiros encer-
rados nas casamatas, serão infallivelmente suffocados pelo fumo,
ou gaz pernicioso, que se demora estagnado dentro das casamatas,
e impedem não só a respiração, como também de não poder fazer
os tiros com certeza, os mesmos artilheiros se aeharáõ na cruel a l -
ternativa de se firmarem sobre uma plata-fórma tendente a faltar á
seus pés a cada instante, e debaixo de uma abobada ou bateria s u -
perior, que pela procuração das bombas ameaça continuamente o
mais formidável estrago, os ventiladores praticados sobre as aboba-
das, tanto mais se multiplicão, quando é maior a desordem, as ca-
samatas abertas pelo lado da praça serão expostas aos ricocheles dos
oouzes e das bombas, que empregando-se nos pilares, não só se se-
guirá a ruina destes, como do madeiramento e abobadas, que sobre
elles descanção, a pluralidade de bocas de fogo que esta torre per-
tende apresentar, e na qual tem toda a sua confiança, não lhe pôde
procurar mais que nma felicidade momentânea por ser o seu fogo
todo indirecto, e uma toèza de fogo directo é preferível a 10 toèzas
de fogo oblíquo. Não se duvida que uma numerosa artilharia é van-
tajosa para defender as praças, mas os seus grandes effeitos depen-
dem absolutamente das suas boas poçiões, e do uzo que se faz
a propósito delia.
O «marechal de Vouban fallando das casamatas, ou baterias sub-
terrâneas, das quaes se servio no anno de 1700, nos sitios de N e n f
Brizack, Landau, e Befort aííirma que os sitios que soffrerão estas
praças tem dado a conhecer a pouca vantagem, que o sitiado pôde
tirar dellas, e os seus discípulos immediatos certiíicão, que antes
da sua morte, esle grande h o m e m restituio a despeza que tinha
feito fazer ao seu soberano para as inúteis casamatas, e se vè com
effeito em sua memória sobre as defezas das praças, pag. 2 5 9 , que
elle reeommenda pequenos baluartes, e não torres cazamatadas.
O cavalleiro Antônio de V i l l e na sua Fortificação pag. 78 diz que
i)A IMtOVINCIA DA D A D [A. (93

antigamente se íazião nos (lanços abonadas, òlíde se punha áftrlha-


r i a c o b e r t a , e p o r c i m a destas se lázião o u t r a s a d o b a d a s para o mes-
m o fim; m a s q u e i s t o j a não estava e m a z o , p o r causa das g r a n d e s
i n c o m m o d i d a d e s q u e se t i n h a v i s t o s u c c e d e r nestas praças; l o g o q u e
n e l l a s se atiravão, a f u m a ç a e n c h i a d e tal fôrma estas abonadas, q u e
e r a impossível d e se d e m o r a r n o s e u i n t e r i o r , n e m v e r dístíncta-
i n e n t e p a r a p o d e r c a r r e g a r o canhão, a p e z a r d e a l g u n s r e s p i r a d o r o
q u e se tinhão f e i t o ; d e m a i s , q u e o t e r r o r d o canhão lV/ia atertiOrisar
tudo.
T r i n c a n o , n o seu T r a t a d o d o a t a q u e das praças, faz o s e g u i n t e
d i s c u r s o s o b r e os fogos c a s a m a t a d o s d c M o n t a l e m b e r t : « E u nã<.
t e n h o m a i s q u e d u a s cousas a oppôr a o m e t h o d o d e f o r t i f i c a r d e
M o n t a l e m b e r t . O 1." u m a despeza i m m e n s a , e p o u c o p r o p o r c i o -
n a d a ás v a n t a g e n s q u e e l l e p r o c u r a . 2.° os i n c o n v e n i e n t e s q u e n e -
c e s s a r i a m e n t e p r o v é m d a fumaça. P r i m e i r a m e n t e , o u os seus r e -
v e s t i m e n t o s , e c a s a m a t a s são s o l i d a m e n t e construídos, e e m estado
d e r e s i s t i r ao t i r o d o canhão, o u elles não são.
N o p r i m e i r o caso, e l l e s exigirão u m a despeza m u i t o c o n s i d e -
rável, e serão d e u m g r a n d e t r a b a l h o ; e m o 2." caso elles nada
valerão n ã o p o d e n d o s u s t e n t a r u m s i t i o .
2.° A fumaça e m todas as c i r c u m s t a n c i a s porá os subterrâneos
impraticáveis, e m t e m p o d e s i t i o porquê e l l e s serão, o u f e c h a d o s
da p a r t e d a praça, o u a b e r t o s ; se e l l e s são f e c h a d o s , a fumaça os
corromperá a p e z a r d a s c h a m i n é s , e v e n t i l a d o r e s p o r m a i s m u l t i p l i -
c a d o s q u e elles sejão. A f u m a ç a d a pólvora n o canhão c a r r e g a d a
d e v a p o r e s g r o s s e i r o s , é m a i s p e s a d a q u e o a r a m b i e n t e , e não se
e l e v a ; é u m f a c t o d e experiência: q u a n d o u m caçador a t i r a c o m
u m a c l a v i n a , a fumaça se d e m o r a l o n g o t e m p o n a q u e l l e l u g a r , d e
s o r t e q u e se r e c o n h e c e o l u g a r o n d e o caçador a t i r o u .
M o n t a l e m b e r t , p a r a a p o i a r o s e u f o g o c a s a m a t a d o , avança q u e
u m vaso d e l i n h a e m d i a d e c o m b a t e f a z u m a g r a n d e d e s c a r g a ,
s e m q u e seja i n c o m m o d a d o d a fumaça. E u r e s p o n d o q u e o facto
e x i s t e , e n a d a p r o v a e m f a v o r d o f o g o c a s a m a t a d o . U m vaso t e m
seus b o r d o s a b e r t o s , v o l t a d e u m p a r a o u t r o b o r d o , e m u d a d e l u -
g a r a c a d a i n s t a n t e , d e i x a a fumaça e m u m l u g a r , e a t i r a e m u m
l u g a r visinho. D e m a i s , o vento q u e sopra quasi sempre sobre o
m a r é c o m violência; d i s s i p a a fumaça, e r e f r e s c a os p u l m õ e s d a
t r o p a , e da e q u i p a g e m ; e m l u g a r q u e as casamatas s e m l o e s t i v e i s ,
TOMO V I . 25

o I
194 M E M Ó R I A S HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

a fumaça as envenena, corrompe, e as torna insupportaveis para


aquellcs que as habitão. Se os subterrâneos de Montalembert são
abertos do lado da praça, elles terão u m outro inconveniente, por-
que elles serão expostos aos ricoxetes dos obuzes, e das bombas,
que tomando os sitiados de revez, e de escarpa, os desolarão, e os
deixarão mais temerosos e m seus muros subterrâneos, do que se
elles estivessem espalhados, como suecede nas obras atacadas. Logo
se vè que este systema, que tira a sua principal força dos fogos ca-
snmafados, não pôde ser util se não quando se fiaer uso das armas
de fogo"menos olíensivas.
Veja-se sobre tudo o art. 5.° dos fogos casamatados nas Me-
mórias sobre a fortificação perpendicular. »

Reducto de S. Alberto.

TEXTO.

Nada posso dizer á respeito deste reducto por falta do plano, e


carta topográfica do terreno: este reducto que medeia entre o de S.
Fernando, e o Noviciado, deve ser protegido por u m entrincheira-
mento segundo o parecer dos officiaes em j u n t a : este, e outros en-
irincheiramentos, que votão deverem haver do lado do norte da c i -
dade, penso sc compensarão todos por u m campo forte, construído
no sitio mais vantajoso para acudir ao desembarque feito daquelle
lado: temo muito os multiplicados entrincheiramentos, porque i n -
fallivelmente sendo muitos são fracos, ou relativos aos seus relevos,
ou á sua guarnição, e portanto são levados logo apenas são atacados.

* OBSERVAÇÃO.

Este reducto é um dos da marinha, que está situado quasi no fim


delia com a figura de u m exagono irregular, m u i t o antigo, defei-
tuoso, e de curtas defezas, montado com u m fraco parapeito de 7
peças de calibre 9, o qne deu argumento ao excellentissimo conde
da Ponte a proceder a uma vestoria sobre a sua utilidade, na qual se
assentou, que não podia cooperar em nada para a defeza deste por-
to; que devia ser demolido, e passar a tomar debaixo de novo traço
outra fôrma mais defensável, que podesse flanquear pelo lado do
DA PROVÍNCIA DA BAHIA. 195

sul com o reducto de S. Fernando, e pelo do norte com a praia da


Giquitaia, ou do Noviciado. T a m b é m se assentou, que do Noviciado
até o reducto do Monserrate, que dista dous tiros fortes de canhão,
devia ser coberta a praia com um entrincheiramento de obra pas-
sageira, que se flanqueasse mutuamente para defender vários des-
embarques, que neste espaço se enconlrão, e que sendo assim de-
fendido, parece ter maior vantagem, que com o campo forte, que
se t e m proposto, pois segundo Vigecio, a defeza é tanto mais u t i l ,
quando está mais próxima ao lugar, que se quer defender. Esta
obra mandou a junta suspender para se cuidar tão somente na for-
taleza do mar, ficando em defeza a grande extensão de terreno onde
se pôde facilmente desembarcar, em attenção a ter vindo da côrte
determinada a sobredita obra, e não haver meios para continuar
outra.

I&cducto do Monserrate.

TEXTO.

Para continuar sobre oesearpamenlo, em que está o reducto do


Monserrate, uma bateria transitória só tem lugar no caso de haver
u m grande exercito para fazer tantas, e tão extensas obras; mas co-
mo as forças disponíveis não podem ser muitas, j u l g o que as forti-
íicações a fazer-se sobre Itapagipe se devem reduzir a um forte na
ponta de S. Braz, capaz de soffrcr um assedio, o qual será construí-
do de terra, e madeira segundo um dosmethodos de Montalembert,
e do lado do sul se construirá uma bateria, no sitio da Senhora da
Penha, fronteira ao morro de S. Braz; e se formará um entrinchei-
ramento desde o sitio da Boa Viagem, até o forte de S. Bartholo-
meu, e deste até os engenhos da Conceição, e Cabrito; e daqui ti-
rar uma linha parallela á margem direita do rioCamorogi, ou Ver-
melho, até encontrar o forte, ou entrincheiramento do dito nome:
desta maneira nós reduziremos a defeza da península áque s o m e n u
nos devemos restringir, attendendo a que as forças disponíveis não
dão para mais; e para evitarmos o perder tudo, querendo tudo con-
servar. O quanto é pernicioso este systema, o tem experimentado
a Áustria nas suas guerras contra os Turcos, e Francezes, que
guarnecendo todas as suas fronteiras de um cordão de tropa, o qual
tOfi MEMÓRIAS HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

não podia deixar d e ser fraco, (oi destruído e m Ioda parle e m que
foi a laçado.
E m i i m , excellentissimo senhor, relativo ás fortiíicações da Bahia,
attendendo á (pie os esforços do inimigo não se podem dirigir senão
contra a cidade, pois só nesta é que podem achar os meios de sub-
sistência, e o rcembolço das grandes despezas de expedição; outra
vez o digo, é preciso: primeiro pôr a cidade fóra de lodo o ataque
immediato, e livre de um bombeamento tanto do mar, como de ter-
ra, pois este pôde causar lanto, ou mais prejuízo do que o ser to-
mada : quaes devem ser as fortificações da cidade ja disse, que só
com uma planta exacta, e m que houvessem marcados os d i f l e r e n -
les niveis, é que eu poderia projectar com acerto; mas o que posso
affirmar é que lançando m ã o do local e do dique, com pouca des-
peza se poderá fazer a cidade de S. Salvador de uma resistência i n -
finita, muito principalmente se evitarmos o desembarque na penín-
sula, onde ha tantos pontos de apoio para os defensores, quantos
são os fortes, no centro dos quaes fica a grande fortaleza da cidade.
O bombeamento do lado do mar se evitará elevando o forte do mar,
e as baterias da marinha á força projectada, isto é, a ponto de se
não apresentar diante da cidade navio algum, que não seja batido
com maior n u m e r o de canhões, do que o com que elle pode bater,
e que sejão, se possível for, de maior calibre, razão porque reprovo
nas fortalezas mariiimas, onde podem chegar náos, peças de calibre
menor de 2 4 ; nas em que podem chegar fragatas menor de 18; e
nas e m que podem chegar brigues, lanchas artilheiras, &c., me-
n o r de 12.

OBSERVAÇÃO»

Este reduclo eslá situado na ponta da enseada da praia da Giqui-


taia, ou do Noviciado sobre o monte da dita ponta, que tem quatro
braças de altura quasi uma legoa ao norte da cidade. E u m exago-
no i r r e g u l a r , fortificado com torreões e m todos os seus ângulos. E
Idrtilicaeão antiga, e defeituosa, motivo porque não pode resistir
longo tempo sem se lhe dar novo traço, ou fazer sobre o escarpa-
mento alguma obra exterior que o proteja.
É justíssimo que se construa na ponta da arèa de Itapagipe, c no
lugar fronteiro de S. Braz os dons reduclos, q u e o texto aponta, c po-
1>A PROVÍNCIA Í)A BAHIA. 197

dem ser de terra pillada com camisa, e grossuras competentes para


resistir ao maior c a l i b r e , vindo por este modo, não só a ficar defen-
dida a embocadura do rio Pirajá, como também a distancia que
vai da ponta da aréa, ou foz do rio, até a fortaleza da Passagem,
a qual por ser de figura estrellada é pouco defensável, porque os
seis ângulos reintrantes de que sè compõe, são seis ângulos mortos,
e os salientes flanqueião aparentemente.
O intrincheiramento que o texto aponta desde o sitio da Boa Via-
gem até o forte de S. Bartholomeu da Passagem, e deste até o en-
genhos da Conceição e do Cabrito, c d'alli tirar uma parallela até os
rio Camorugi, ou Vermelho; a corda deste grande arco é de 7167
toèzas, e pouco mais, e segundo a sua hichnografia de 5 pés para
cada soldado, ou 2 soldados para cada toeza são pecisos 14,334
homens, fóra a reserva para cobrir este intrincheiramento: quere-
mos ainda suppor, que metade desta corda seja protegida por â n g u -
los reintrantes, e outros obstáculos por onde o inimigo não se pos-
sa approximar, ou continuar a linha do fogo,e que em summa fica
a exlenção reduzida a tanto cheio, como vasio, com tudo sempre
vem a ser necessário 7,167 homens para defeza desta exlenção. Lo-
go se as forças disponíveis que temos não são bastantes para g u a r -
necer grandes extenções; como se aconselha neste artigo, o mesmo
que nelle se reprova? Sendo regra invariável que na defeza de um
paiz extenso toda a arte consiste de se estender sem perigo, e de
encurtar esta extenção pelos pontos habilmente escolhidos, que dis-
pensão oecupar os intermediários.
Em conseqüência das observações antecedentes relativas as for-
tilicaeões da marinha desta cidade, temos a expor: que para estas
se pòrem em estado de defender vigorosamente este porto, ou de
prohibir que nelle sc faça qualquer desembarque, se devem elevar
a altura Gompetente de poder ricoxelar sobre os vasos inimigos,
tendo seus parapeitos com 7 pés de allura, e montados com novos
reparos de costa; é por este meio que se consegue ficar verdadei-
ramente coberto do fogo do inimigo, e livre do fumo que produzem
as cazamatas: as peças montadas nos novos reparos tem a felicida-
de de mudar de direcção, de poder fazer sobre o espaldão um au-
gmento de 45 gráos, e mais aberto, e abraçar com seu fogo o quar-
to da circumferencia, sendo este fogo tanto mais violento, quanto
a bateria for mais elevada acima do nivel do mar, e em distancia
198 M E M Ó R I A S HISTÓRICAS, E POLÍTICAS

proporcionada ao lugar donde o vaso se poder aproximar: estes


mesmos reparos suprimem as canhoeiras, que tem com effeito o i n -
conveniente de enfraquecer o parapeito; e as suas grandes abertu-
ras, desde o rasgo até a crota do parapeito descobrem muito, não
só as carretas, como aquelles que servem ás peças. No caso que os
vasos inimigos se possão pôr assás próximos as baterias para as i n -
commodar, pelo fogo disposto no cèsto das agoas, 2 ou 3 peças de
12 elevadas no lugar mais eminente j u n t o a bateria, e carregada
com grossos cartuxos destruirão promptamente as velas e marinhei-
ros, que alli estiverem occultos; e de mais vários artifícios de ba-
las incendiarias, e balas roxas, os obrigarão a deixar o lugar por
não passarem pelo perigo de serem alli despedaçados.
Esta observação tem por fundamento a decizão dos hábeis enge-
nheiros directores das fortificações da França, os quaes t e m deseu-
tido sabia, e profundamente o contrario do que Montalambert tem
asseverado nas suas fortificações perpendiculares com fogos cazama-
tados, e m concórdia inteiramente com o parecer do illustrissimo e
excellentissimo senhor tenente general Carlos Antônio Napion, so-
bre a defeza desta cidade, mostrando nelle que nada será capaz de
evitar ser bombeada; e que as fortificações da marinha devem ser
postas e m estado de poder ricoxetar sobre os vasos, com parapeitos
montados com reparos de costa, com o qual estamos de accordo.
Resta para t e r m i n a r esta observação expormos também o meio
com que a fortaleza do mar se poria e m estado de cooperar para a
defeza deste porto; para o que nos parece muito conveniente que a
bateria baixa desta fortaleza se eleve á altura de poder ricochetar
sobre os vasos inimigos, tendo seu parapeito com 7 pés de altura
montado com reparos de costa, e no centro uma torre angular com
parapeito e reparo como fica dito, afimde poder reunir mais fogo
de u m lado determinado, ou apresentar uma resta ao lado que i n -
tentar defender de preferencia; vantagem que se não pôde conse-
guir na fortificação circular, pois por falta de flancos pôde ser ata-
cada vantajosamente por todos os lados.
A defeza desta fortaleza, torna-se a repetir, se augmentaria mais
tendo u m molhe, que lhe servisse de communicação segura para a
terra, a qual podia ser feita com adjutorio de 2 0 0 0 , ou mais em-
barcações, que girão por differentes partes do Recôncavo, como
suecedeu na sua factura. C o m este molhe tão necessário, e com a
DA PROVÍNCIA DA BAHIA. 199

mesma guarnição que se tem proposto para a fortaleza do Mar se


conseguirá, que a parte mais importante desta fortaleza, que olha
para a barra tivesse seu fogo todo cruzado, e podesse lambem ar-
rasar de flanco as partes da marinha, que lhe ficão collateraes.

TEXTO.

E preciso advertir que as fortificaçõea para assegurar as barras


do recôncavo sejão taes que possão soffrer u m sitio, e que se flan-
.queem todas as suas partes, e podem ser construídas de madeira,
c terra ajudados de barcas canhoneiras.

OBSERVAÇÃO.

As fortificações construídas de madeira e terra, tem mostrado


a experiência, que não durão mais que seis annos, pois das que se
fizerão nesta cidade no tempo em que nella governava o illustrissi-
mo e excellentissimo senhor conde de A g u i a r , j a não apparecem
nem vestígios: são muito boas para vencer a brevidade,mas não a
duração, principalmente na marinha.

TEXTO.

E fóra de tempo, e impossível termos um numero de navios suf-


ficientes para resistirmos aos com que podemos ser atacados; pois
a nação atacante, não pôde deixar de ser uma das mais poderosas
no mar. No caso de ter lugar a reclamação, então de poucas defe-
zas se precisão na terra; mas sendo impossível termos ao presente
tal numero de navios, e sendo necessário fazer a defeza coríi os
meios que ha, outra vez o digo, julgo que o que se deve fazer, é
pôr as baterias, e fortes marítimos, em estado de não poderem a
elles chegar as embarcações inimigas, sem manifesto damno; o que
se consegue, fazendo que as baterias não possão ser mergulhadas,
n e m enfiadas, que os defensores estejão cobertos; que haja artilha-
ria de grosso calibre, e bem servida; e que as baterias sejão arma-
das de reverberos, e que não possão ser levadas de viva força: estas
se poderáõ ajudar com barcas canhoneiras, e baterias flucttianles,
que se podem fazer de cascos velhos redobrados, e cobertos por ei-
200 MEMÓRIAS H I S T Ó R I C A S , E POLÍTICAS

ma, como as baterias fluctuantes que Darcon fez para o ataque de


Gibraltar. No relativo ao uso dos burlotes, e pequenas embarca-
ções incendiarias, as julgo somente servirem para despeza, e não
pai» defender dos inimigos; pois a condução dos burlotes é difficil,
e de fácil destroço, logo que se vêm conduzir, e as pequenas em-
barcações somente poderáõ ter lugar se o porto da Bahia fosse
apertado, e houvesse nelle grandes correntes, porque então enca-
deando umas poucas, ellas cahirião sobre as embarcações, e incen-
diando-se então, ou estando ja incendiadas causarião desordem;
mas não havendo estas circumstancias, meia dúzia de escaleres ar-
mados os põe a seguro de taes ataques; como também dos prejui-
sosque lhe podem causar os mergulhadores, cortando-lhe as amar-
ras : este evitão os mariantes nas Molucas onde os nacionaes são
dextros neste exercício, com uma sentinella na prôa; o mesmo digo
a respeito da maquina infernal: como se conduzirá esta ao meio de
uma esquadra, não havendo correntes que a levem, e não havendo
a certeza de ella fazer a explosão no tempo determinado: e levarem-
na ao meio da esquadra, estando esta apartada da terra, julgo ser
impossível, só se os inimigos estiverem dormindo; depois de que
prejuízo não pôde ser para a cidade, se a explosão se fizer por a l -
gum accidenle junto delia: basta vêr o que uma fez em S. Maló,
apezar de não chegar ao ponto determinado; portanto julgo que não
se deve construir tal maquina para atacar os inimigos, que estão
moveis, e podem mudar de situação quando quizerem : mas que se
deve observar que os inimigos não usem delia contra as fortalezas,
que são fixas, fazendo todo o possível para as meter no fundo antes
da explosão.

OBSERVAÇÃO.

Concedemos que o primeiro meio é difficil de conseguir, e o se-


gundo tern a mesma impotência pondo as baterias da marinha co-
bertas de abobadas, ou fogos casamatados. O uso dos burlotes, ma-
quinas incendiarias & c , se tem applicado em defeza de praças ma-
rítimas. Varos queimou uma armada no porto de Adramete, e a
de Cezar em Leptes: os Gregos deitarão 17 para queimarem a ar-
mada Franceza, e Veneziana quando sitiavão Constantinopla. Os
burlotes, ou navios dc fogo do capitão Drac, Inglez, tiverão nome
DA PROVÍNCIA DA BAHIA. 201
applicados contra as armadas de Hespanha sobre as costas de I n -
glaterra no anno de 1588. As lanchas fumosas, canoas incendia-
rias, nadadores, barcas & c , cavallinhos de friza, e outros muitos
artifícios de guerra são reclamados por muitos autores, que trata-
rão da defensiva a fundamento.

Fortaleza do Morro.

TEXTO.

Eu julgo que deve ser a fortaleza do Morro posta em estado de


perfeita defeza: as obras a fazer serão de terra e madeira: deve-
se evitar haver parapeitos, e plata-formas de cantaria, ou de alve-
naria, defeito quasi geralmente commettido pelos fortiíicadores do
Brasil. A guarnição será u m corpo de artilheiros fixos e as milí-
cias do districto, tudo debaixo das ordens de u m bom ofíicial, en-
carregado do commando da fortaleza: de uma tal guarnição se a l -
cançará tudo o que se pôde esperar, e o serviço de S. A. R. ga-
nhará, porque não terá corpos indisciplinados e mãos para a de-
feza geral, pois taes são todos aquelles, que fazem muitos, e gran-
des destacamentos.
OBSERVAÇÃO.

Concordamos inteiramente com este parecer, e só temos a dizer.


que as fortificações da marinha devem ser construídas de boa en-
chelaria até o fim do revestimento, e que os seus parapeitos sejão
de tijolos e massa por evitar os estilaços", isto é, as fortificações da
marinha, que são banhadas pelo oceano.

TEXTO.
-

Eu penso, que no caso dos inimigos atacarem a cidade do lado


do mar, somente de assalto é que poderá ser levada, pois o seu lo-
cal faz com que ella não seja atacada regularmente por este lado,
porque é querermos que o inimigo seja tão ignorante na arte m i l i -
tar, que venha tomar o touro pelos cornos, podendo atacal-a pelo
norte, sul, e leste, onde o terreno é igual, e lhe facilita os desen-
volvimentos atacantes.
TOMO VI. 20
*202 MEMOIíIAS H I S T Ó R I C A S , E POLÍTICAS

OBSERVAÇÃO.

As praças que eslão era altura de 60 até 90 pés não podem ser
levadas de assalto: é regra invariável; por que querendo apontar
o canhão a tanta altura não se sustenta no reparo, ou é preciso met-
ter tão pequena carga, que os tiros não fazem effeito considerável,
do que se segue, que só por aproxes podem ser tomadas, os quaes
são bem repellidos quando se collocão duas ordens de palissadas no
principio dos escarpamenlos, fazendo rolar sobre ellas barris fulmi-
nantes, bombas incendiarias, e outros muitos artifícios de guerra,
tudo sustentado por 3 ou 4 peças de campanha collocadas nos vérti-
ces das ladeiras, ou escarpamentos e m posições que possão tomar
o i n i m i g o de flanco, de escarpa, ou de rcvez.

TEXTO.

Não sei a razão porque dizem que se não podem formar baterias
de ricoxele, n e m para que vem taes baterias onde não se trata de
atacar praça alguma, e só se trata dc marchas; demais o estabele-
cimento de taes baterias não depende senão da differença de níveis,
que ha entre o ponto da bateria, e a parle que. se quer" ricoxetar, e
não da largura do terreno. N o que diz respeito á segunda parle
j u l g o que se devem atravessar as estradas nos pontos onde ha os
despenhadeiros laleraes, isto é, quando taes posições não podem ser
rodeadas com bons intrincheiramentos de tal figura, que não pos-
são ser enfiados; que presenlem ao inimigo maior frente do que e l -
le pôde ler; coberto de u m b o m fosso bem franqueado, e bem pa-
lissaclo, com seu caminho coberto sendo possível, e com poços, no
fundo dos quaes hajão estacas metlidas : estes poços devem ser pos-
tos na ordem quinconce em toda a esplanada, e na raiz desta se po-
rá u m bom abatiz: as estacas no fundo dos poços, são de menos tra-
balho do (pie os estrepes, e de muito superior defeza.

OBSERVAÇÃO

Como os accessos possíveis para a cidade são pelas avenidas das


siia«: estradas, (pie são quasi i o d a s estreitas, bordadas de despenha-
DA PROVÍNCIA DA BAHIA. 203
deiros, pouco capazes para nellas levantar linhas, c cavalleiros de
contra approxe, neste caso querem os que melhor tem propugnado,
que se cortem estas estradas com bons travezes com a figura q u e
pedir sua posição, e guamecida com fosso bordado dc estrepes pa-
ra i m p e d i r a união da tropa expugnadora, dispostos e m figura dc
Dedalo: porque só nos grandes reduetos, e na contra escarpa é
que se pôde formar o quinconce, que são dispostos de maneira que
formão os espaços, quadrados perfeitos, e iguaes, lendo cada u m
seis pés de diâmetro na altura, afimde se não poder vencer de um
salto, e sendo assim dispostos sc colloca no fundo de cada pôco uma
meia palissada cravada, que não se eleva mais que pé e meio aci-
ma do terreno.
Finalmente fazer o dique invadeavel como era no tempo de Bar-
leu, que servia de fosso aquático á defeza desta cidade pelo lado de
leste; levantar dous intrincheiramentos do norte e sul, para recin-
tar a cidade, e fazer outras muitas obras de defeza, são recursos
m u i t o próprios para a defeza desta cidade, e muito bem lembrados
pela sciencia, e grande comprehenção do illustrissimo senhor b r i -
gadeiro inspector do archivo João Manoel da Silva; mas as difficul-
dades que se encontrão na execução destes projectos são muito dif-
íceis de aplanar; procedendo tudo da falta da carta topográfica da
península, que se está acabando de levantar para ser remettida á
côrte, sobre a qual com segurança poderá delinear postos, i n t r i n -
cheiramentos, e outras obras que julgar condignas ao sitio, e de me-
l h o r defeza a cidade.
TEXTO.

Confesso não entender este capitulo; penso que querem dizer que
se deve escolher um sitio onde se construa de novo uma praça/para
á ella se retirarem logo que o inimigo oecupe a cidade da Bahia,
mas isto não é o que se pede, mas sim o modo de fazer com que os
inimigos se não apoderem da mesma cidade da Bahia, onde se pode-
ráõ indemnizar das despezas feitas na expedição, e onde acharão re-
cursos immensos para a sua boa existência, e para continuar os seus
ataques, sem a posse da qual, a guerra, ainda sendo felizes, lhes ser-
virá de mais ruina, do que aos atacados, e m razão das immensas
despezas que são obrigados a fazer, e que não podem haver sem
a tomada da sobredita cidade.
204 MEMÓRIAS HISTÓRICAS, li POLÍTICAS

OBSERVAÇÃO.

Quizcmos finalmente dizer, que a defeza desta cidade não deve


ser restrictamente central; e a experiência o confirma, porque quan-
do os ílollande/.es a atacarão sempre foi pelos flancos, e seu recôn-
cavo, onde ainda se conserva a memória dos lugares "onde houVe-
rão grandes choques: portanto é m u i t o necessário defender de i m -
portância os dous pontos extremos, do isthmo da no?sa península,
que fazem os dous flancos de norte, e sul, porque tomado o isthmo,
a cidade segue necessariamente: e m lugar de que atacando p r i -
meiro a cidade, se tem dous sitios a fazer por um: do que se con-
cluo, que o isthmo é a parte mais importante da defeza da cidade.
Não sendo possível reparar os effeitos do ataque da cidade, e pe-
nínsula, se deve aproveitar a posição posterior á villa de S. F r a n -
cisco, que se liga com a península pela estrada real que passa da
cidade para o interior do continente, afimde termos com este a
communicação fácil, e mais própria para fazermos a nossa retirada
segura. E nesta posição, que a natureza tem disposto no seu inte-
rior u m polígono susceptível das maiores vantagens, para nossa de-
fensiva, por eslar aberto por u m lado com o oceano, pela frente
com os dous rios Joannes, e Jacuipe, e pela retaguarda, com o
grande Pojuca, todos com as margens cobertas de matas espessas,
que se desfechão no inverno por u m quarto de legoa, com os f u n -
dos baixos, eaparcelados, que impedem (ainda pequenas embarca-
ções) levar artilharia por elles acima: o quarto e u l t i m o lado, é o
que se limita com a terra firme; que se dilata até ofimdos nossos
sertões, e minas, de onde nos podem vir todos os soecorros conti-
nentais. E sobre esta recommendavel posição donde parece se deve
estabelecer uma frente capaz de procurar todos os obstáculos natu-
racs, e factícios pararepellir os projectos do inimigo; donde se pôde
restabelecer o exercito, reunir as forças, formar no seu seio o de-
posito geral da subsistência, fazer avançar numerosas emboscadas,
e inopinadas sortidas, e finalmente de onde passo a passo se pôde
disputar o terreno até a ultima extremidade.
Se é essencial defender a península em que está elevada a cida-
de, é ainda mais importante, que se defendão as barras de Para-
guassú, de S. Francisco, e embocadura do rio Colegipe com bons
DA PROVÍNCIA DA BAHIA. 205
r e d u c l o s , q u e se flanqueem m u t u a m e n t e , p r o t e g i d o s c o m a l g u n s
n a v i o s a r m a d o s , q u e n e s s a occasião se a c h a r e m n e s t e porto, a fim
de q u e o i n i m i g o j a m a i s p o s s a p e n e t r a r o i n t e r i o r do recôncavo, p o r
q u e n a d a é m a i s faeil do que, v e n c i d a s estas posições, g a n h a r c o m
1 6 l e g o a s d e m a r c h a a m a i o r d i s t a n c i a q u e v a i d o l g u a p e ao polígono
a s s i g n a l a d o , e s e r m o s então n e l l e i n t e r c e p t a d o s , e c o r t a d o s p e l a r e -
t a g u a r d a , ou f a z e r m o s p a r a o i n t e r i o r u m a r e t i r a d a difficil e d e s -
graçada. P e l o que, fica e v i d e n t e , q u e a p r o m p t a d e f e z a d a s r e f e r i -
d a s b a r r a s é d e u m a n e c e s s i d a d e a b s o l u t a , por q u e não se d e v e
d e i x a r s o b r e a r e t a g u a r d a , o u s o b r e os f l a n c o s a l g u m p o n t o v a n -
tajoso para o inimigo.
P a r a a s s e g u r a r a c o m m u n i c a ç ã o i n t e r i o r até o p o l i g o n o a s s i g n a l a d o ,
s e m s e r p o r m e i o d a s r e f e r i d a s b a r r a s f o r t i f i c a d a s , s e r i a necessário
u m a cadêa d e 1 0 m i l h o m e n s d i s p o s t o s e m o r d e m , e a l g u n s c o r p o s
a v e n t u r e i r o s , o q u e é impossível p e l a g r a n d e falta d e t r o p a q u e
sentimos.
O s pequenos rios que d e c o r r e m desde a b a r r a de Paraguassú,
até a e m b o c a d u r a d o r i o C o t e g i p e , só dão e n t r a d a a p e q u e n a s e m -
barcações, e t e m c o m o p a r t e d a s u a d e f e z a , as m a r g e m c o b e r t a s d e
i n t r i n c a d o s m a n g u e s , de o n d e se p ô d e f a z e r s o b r e o i n i m i g o fogos
occultos e cruzados, u m a das maiores vantagens que se procura
p a r a a boa t l e f e z a .
A inspeccão d a p l a n t a h i d o g r a f i c a a e s t a j u n t a faz v e r a justiça
d e s t a observação. B a h i a 2 8 d e j u n h o d e 1 8 1 0 . N ó s s o m o s c o m o
mais profundo respeito, illustrissimo e excellentissimo senhor, de
V . E x . , s u b d i t o s os m a i s o b e d i e n t e s — J o s é Gonçalves Galeão, b r i -
g a d e i r o e c o m m a n d a n t e d e a r t i l h a r i a ; Manoel Rodrigues Teixeira,
c o r o n e l e n g e n h e i r o ; José Francisco de Souza e Almeida, t e n e n t e
c o r o n e l d e a r t i l h a r i a ; Joaquim Vieira da Silva Pires, capitão e n g e -
n h e i r o ; João da Silva Leal, 1.° t e n e n t e engenheiro.

836^
Fim fio 6. v o l u m e f
3

3
DAS MATÉRIAS MAIS INTERESSANTES

Abdicação d a corôa I m p e r i a l n o Sr. D. P e - M a n i f e s t o c o n t r a o c o r o n e l F e l i s b e r t o . 4i


dro II 144 — d a t r o p a estacionada e m A b r a n t e s . 46
A c t a d a t r o p a e p o v o e x i s t e n t e noBarb.° 121 M o r t e d o g o v e r n a d o r das a r m a s o c o r o n e l
— d o g o v e r n o e m palácio . 125, 127,154 F e l i s b e r t o 26
Administração d o c o r o n e l M a n o e l I g n a c i o — d a p r i m e i r a i m p e r a t r i z 76
da C u n h a 75 — d o p r e s i d e n t e G o r d i l h o 114
Assassinato d o d e s e m b a r g a d o r o u v i d o r g e - N o m e a ç ã o d o b r i g a d e i r o G o r d i l h o p a r a c o m -
ral do crime 0 9 m a n d a r as a r m a s d a p r o v i n c i a . . 3 6
Chegada d o i m p e r a d o r o Sr. D. P e d r o I . à Posse d o Dr. F r a n c i s c o V i c e n t e V i a n n a 3
capital «7 — d o c o n s e l h e i r o João Severiano M a c i e l d a
C o m m a n d o m i l i t a r e n t r e g u e ao c o r o n e l A n - Costa 62
52 — do b r i g a d . Gordilho como presidente 89
r o
tero
Commissão m i l i t a r 57 Prisão d e João G u i l h e r m e R a l c l i f . . 25
Conselho d o g o v e r n o e m casa d o presid.» 51 P r i m e i r o s j u i z e s d c p a z 106
102 P a s t o r a l d o E x . arcebispo . . . . 137
,nu
— de p r o v i n c i a
Demissão d o g e n e r a l C a l l a d o d o c o m m a n d o Proclamação d o i m p e r a d o r aos M i n e i r o s 118
militar 127 P e d r a s preciosas enviadas d c Caetilé . 115
D e s o r d e n s 5.° batalhão d e 1.» l i n h a . 24 Precede a B a h i a e m sua conflagração. 119
— n a c a p i t a l e m o d i a 15 d e a b r i l . . 143 Resposta d o m i n i s t r o dos negócios d o i m -
Dissolução d a assembléa c o n s t i t u i n t e . 2 pério 4
— d o s.« batalhão 55 R e t i r a d a d e p a r t e d a t r o p a d a c i d a d e p a r a
E m b a r q u e do presidente á bordo da corve- a villa de Abrantes 55
t a Maria da Gloria v>0 — d o p r e s i d e n t e João Severiano p a r a o R i o
E n t r a n a administração d a p r o v i n c i a o c o n - d e J a n e i r o 75
s e l h e i r o L u i z P a u l o d e Araújo Basto, l i s — d o i m p e r a d o r p a r a o R i o d e J a n e i r o 72
E s t r a d a d e P o r t o s e g u r o à M i n a s geraes. 6 0 R e v o l t a n a c a p i t a l d e P e r n a m b u c o . . 14
Exéquias n o R i o d e J a n e i r o p e l a m o r t e d a Representação dos d e p u t a d o s ao g o v e r n o
V i l l a de Santa C r u z do P o r t o seguro 60
primeira imperatriz 78 p r o v i n c i a l 120
F a l l e c i m e n t o d o r e i D. João V I . . 7 5 — d e 24 d e p u t a d o s ao i m p e r a d o r . . 132
Fortaleza do Morro 175 Seminário d o s órfãos d e S . J o a q u i m . 6 4
F e s t i v i d a d e s p e l a c h e g a d a d a s e g u n d a i m - Succede n o g o v e r n o d a p r o v i n c i a João G o n -
peratriz 1 0 9 çalves C e / i m b r a u s
Fortificação d a c a p i t a l 1 7 9 Trasladação dos o r f a o s p a r a o n o v o c o l l e g i o
J u r a m e n t o d a constituição . . . . 8 de S. J o a q u i m 64
M o e d a falsa d e eobve «9

ERRO EMENDA
Pag. 4 linha 21 — tendeneia tendência
» 176 » 9 — distantes distante
» » » 17 — presido presidio
187 » 1 — coruna comuta
190 » 27 — colloda collocada.
CONTINUAÇÃO DA LISTA
~~0

Capitão de mar e guerra Antônio Leocadio do Couto.


Dr. Antônio Caetano de Almeida Bahia.
Antônio Pereira Franco.
Antônio José de Lima c Câmara.
Dr. Balthazar de Araújo Aragão Bulcão.
Dr. Cczar Augusto Marques.
Dr. Daniel Accioli Azevedo.
Rev. conego Domingos José da Silva, vigário geral de Alagoas.
Capitão Elias José Rodrigues da Silva.
Rev. vigário Gratuliano José da Silva Porto.
Brigadeiro Ignacio de Araújo Aragão Bulcão.
Dez. José Ferreira Souto.
José Joaquim de Souza.
Joaquim Pereira Franco. .
L. Lamaignere.
Dr. Manoel do Rego Macedo.
Manoel Ferreira Lagos.
Manoel Joaquim de Sá.
Manoel Pinto Deslon.
Manoel José Canifieri.
Manoel Joaquim dc Brito,
Manoel José dc Figueiredo Leite.
Nicoláo Antunes Paiclofio.
Pedro José da Costa Adolfo.
Pedro Antônio Bemvindo.
Pedro da Costa Arfandi.
Severino Augusto de Oliveira.
Scvcrino Antônio Cayena.
E x . Visconde da Pedra branca.
mo

TYP. T)E CARLOS POGGETTI.

Você também pode gostar