Marcella Godoy Evangelistada Rocha Dissertacao 2016
Marcella Godoy Evangelistada Rocha Dissertacao 2016
Marcella Godoy Evangelistada Rocha Dissertacao 2016
Brasília
2016
R672j Rocha, Marcella Godoy Evangelista da.
O jornal Correio Braziliense no processo de construção da cultura de
Brasília: das origens ao dia 21 de abril de 1961. / Marcella Godoy
Evangelista da Rocha – 2016.
158 p.; il.: 30 cm
CDU 070
Nestor Guimarães
Poema publicado na edição
comemorativa pelo primeiro ano de
Brasília, no Correio Braziliense, em
21/4/1961.
Faroeste Caboclo
Renato Russo, 1987
This study aims to identify the forms which the newspaper Correio Braziliense
contributed to the formation of Brasilia’s cultural identity during the first year after its
opening (April 21, 1960 to April 21, 1961). The newspaper’s first edition was
published on the same day the city was inaugurated. This research was carried out
at Brasilia’s Documentation Center of Associated Journals – CEDOC, and aims to
analyze and identify issues related to events that happened in the city during it’s first
year as the new capital of Brazil. Initially, the newspaper’s story was considered,
since its founding by Hipólito José da Costa in London, in the nineteenth century,
until its revival in Brasilia. The newspaper's structure (the only printed media in
Brasilia during this period), its contribution to the formation of the cultural identity of
the city, the customs and routines acquired by the pioneers of the city, were also
analyzed in this research. To this end, interviews were conducted with pioneers
considering their relationship with the newspaper at the time. Finally, the categories
used for the establishment and corpus analysis were: Cultural, religious, leisure and
entertainment activities; Trade and services in general - including radio and TV
programming; Education and Sport. As a result of the research, we identified that
culture can hardly be categorized and that a complex design of the cultural process is
best suited to the objectives of the work. We therefore appealed to Edgar Morin’s
(2005) perception on culture in order to understand the process of feedback between
the newspaper and the life in the city in the cultural formation of Brasilia.
Ilustração 5 O Globo........................................................................ 80
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 13
3.2 A RELAÇÃO DOS PIONEIROS COM O JORNAL ENTRE 1960 E 1961 ...... 134
INTRODUÇÃO
Dr. João, como era conhecido, foi um homem à frente de seu tempo e grande
entusiasta dos planos futuristas de JK para Brasília e, sobretudo, para o Brasil.
Acreditava tanto que Brasília seria o que se tornou que não hesitou em registrar as
primeiras horas de vida da cidade, logo após sua inauguração, na crônica que
escreveu a partir da cobertura realizada por ele e a pequena equipe que o
acompanhava, formada por um fotógrafo e outro jornalista. Daquele dia, inclusive,
16
Antes de sua ocupação pelo homem branco, o território era habitado por
índios da tribo dos Cataguá e por negros fugitivos das minas de Paracatu e
de Goiás. Os primeiros registros de ocupação de origem europeia da região,
onde hoje se localiza a região administrativa de Ceilândia, datam do século
XVIII, e mostram que, como tradicionalmente ocorreu em outras regiões
brasileiras, os primeiros povoamentos de origem europeia foram
1
Registro do encontro de culturas – pessoas que vieram de diferentes localidades do país para
prestigiar a inauguração de Brasília e conhecer a cidade, tiveram contato com outras culturas que
aqui existiam.
17
Naquele mesmo dia 21 de abril de 1960, duas histórias paralelas tinham início
e se lançariam pelas próximas décadas, fundindo-se em um mesmo caminho: a de
Brasília, a nova Capital da República e a do Jornal Correio Braziliense que, a partir
daquela data histórica, se tornaria um dos maiores e mais importantes veículos de
comunicação impressos da cidade que nascia.
desde a formação das chamadas “cidades modelo”, nas quais havia a preocupação
de que seus habitantes (trabalhadores) se sentissem bem entre os demais.
E, como parte desse projeto de vida escolhido por eles em Brasília, aqui
tiveram filhos que cresceram, se formaram e se estabeleceram como cidadãos
brasilienses.
2
O perfil do analfabetismo no Brasil começou a sofrer alteração significativa entre 1950 e 1960: o
percentual de 50,5% em 1950 caiu para 39,6 % em 1960, segundo dados do IBGE (apud
INSTITUTO ETHOS, 2005, p. 21). A importância desse dado se deve ao fato de que, do ano de
1900 ao ano de 1950, se, em termos percentuais, verificou-se um avanço no alfabetismo da
população. (Cronologia do Analfabetismo no Brasil. In: Retrato do Analfabetismo no Brasil, 2010).
3
Entende-se por letramento o processo em que o individuo é visto em atividade desenvolvendo suas
habilidades de escrita e leitura com perfeição ou ao menos com bastante facilidade. Um indivíduo
letrado é capaz de associar diversos assuntos distintos, por exemplo, sobre cultura, sociedade,
política, economia, tecnologia e outros inúmeros assuntos que estão em contato diário. (Diferença
22
Dentre elas estão alguns dos primeiros médicos que a cidade recebeu, e suas
esposas, um advogado que é também escritor, jornalista, administrador e historiador
e um dos homens de confiança do presidente Juscelino Kubitschek. Nomes esses
que serão conhecidos no decorrer da dissertação, assim como suas biografias.
Recorreu-se também a Laraia (1986) que afirma que, tomado em seu amplo
sentido etnográfico, a cultura é todo o complexo que inclui conhecimentos, crenças,
arte, moral, leis, costumes, ou qualquer outra capacidade e hábitos adquiridos pelo
homem como membro de uma sociedade.
29
Também de acordo com Laraia (1986), as culturas são sistemas que servem
para adaptar as comunidades humanas, cujo modo de vida inclui tecnologias e
linhas de organização econômica, padrões de estabelecimento, de agrupamento
social e organização política, crenças, práticas religiosas e assim por diante.
Kuper (2002) igualmente define que a cultura inclui belas artes, literatura e
conhecimentos das ciências humanas, mas abrange também as chamadas “artes
negras da mídia” e a esfera vagamente demarcada da cultura popular - um misto
que costumava ser chamado de folclore e arte proletária, mais os esportes.
Bem menos notória é a ideia de que essa ambiguidade provém nem tanto
da maneira como as pessoas definem a cultura quando da
incompatibilidade das numerosas linhas de pensamento que se reuniram
historicamente sob o mesmo termo. De modo geral, os intelectuais são
sofisticados o suficiente para perceber que a similaridade de termos é um
guia frágil quando se trata de estabelecer a identidade ou diversidade de
conceitos. Ainda assim, a autoconsciência metodológica é uma coisa, a
magia das palavras, outra. [...] Esse debate é um exemplo evidente da
situação em que o aceite do termo por alguns e sua rejeição por outros,
pode levar ambos os lados a enxergar as peculiaridades conceituais que
por ventura os separem, sejam elas quais forem. De forma inversa, fissuras
conceituais muito mais profundas tendem a ser negligenciadas ou
subestimadas quando ocultas por trás de termos correlatos. Sintomático
dessa tendência é o fato de que a maioria dos intelectuais que tentam
colocar alguma ordem no vasto espectro de contextos em que o termo
“cultura” aparece costuma abordar sua tarefa como, em primeira instância, a
necessidade de “classificar as definições aceitas”. Na maioria dos casos,
presume-se de maneira tácita, quando não explícita, a superposição (se não
a identidade) de campos semânticos. O que supostamente se deixa para
conciliar são as preocupações divergentes de escolas ou autores com um
ou outro aspecto do campo. (BAUMAN, 2012, p. 83 e 85)
Além dessa política revolucionária e futurista apregoada por JK, outro antigo
projeto de grande ousadia que vinha permeando relevantemente a história do Brasil,
desde antes da proclamação de sua independência da coroa portuguesa, tornou-se
também o maior e mais ousado projeto de Juscelino, caso fosse eleito presidente do
Brasil – a transferência da capital para o interior do País.
Essa não deve se efetivar às pressas (vários anos, talvez mais de dois
lustros sejam necessários); o Distrito Federal compreenderá a cidade capital
propriamente dita e cidades-satélites, encarregadas do comércio, da
agricultura e do abastecimento da cidade, acolherão em torno de 50 mil
habitantes; um novo estado de espírito, despojado dos métodos tradicionais
de “colonização” e de espoliação dos recursos naturais, será necessário
para “insuflar entre a população oficial, desde a mudança da capital, o amor
à cidade e às regiões." (VIDAL, 2009. p. 166).
Sete anos mais tarde, após o relatório de Eunápio Queiros, ao proferir seu
discurso na cidade de Jataí, no sudoeste do estado de Goiás, no dia 4 de abril de
1955, Juscelino, então, prometeu aos eleitores a transferência da capital do País
para o Planalto Central como o maior e mais importante projeto de sua candidatura à
presidência do Brasil, deflagrando, definitivamente, o processo que daria origem à
construção de uma nova cidade em meio ao vasto cerrado, outrora demarcado pela
Comissão Cruls e corroborado pela Comissão Polli.
De acordo com Bicca in Paviani (2010), são muitos os mitos que envolvem a
construção de Brasília, na tentativa de protegê-la de todo e qualquer tipo de crítica
da população, dos políticos e das forças empresariais que ainda desaprovavam a
construção da cidade e, mais ainda, a ideia da transferência da capital do Brasil, da
maravilhosa, litorânea e tropical cidade do Rio de Janeiro, para o inóspito, deserto e
nada atraente cerrado do Planalto Central, no meio do inexpressivo e pouco
valorizado, até então, estado Goiás.
41
4
Marilda Porto, natural de Rio Verde, Goiás, veio para Brasília em julho de 1958. É esposa do
“primeiro” médico pediatra da cidade, Edson Porto. Dr. Edson é da cidade de Araguari, no Triângulo
Mineiro, e veio para se tornar diretor do primeiro hospital de Brasília, ainda na Cidade Livre.
42
Dessa forma, para abordar a relação dos pioneiros de Brasília com o jornal
Correio Braziliense, durante o primeiro ano da cidade como capital do Brasil, fez-se
necessário, inicialmente, identificá-los, compreendê-los e, sobretudo, conhecer seu
modo de vida, seu comportamento, costumes, anseios, dúvidas e expectativas em
relação à nova cidade que, aos poucos, se desenhava no que já fora chamado,
remotamente, de Retângulo Cruls.
5
Idealizada por Bernardo Sayão, em 1957, para ser um centro comercial e recreativo para os
trabalhadores que construíam a capital. Os produtos alimentares que abasteciam a cidade
chegavam de diferentes estados do País, e isto tornava os preços elevados. Então, para facilitar o
abastecimento, o comércio se tornou isento de impostos, ou seja, livre. Assim sendo, o primeiro
núcleo comercial de Brasília foi chamado de Cidade Livre.
44
6
José Alonso Souto, mineiro de Paracatu, veio de São Paulo para Brasília, em 1957, por
“curiosidade” e depois de trabalhar nas obras da cidade como candango passou a atuar como
escriturário em uma das empresas que conduziram as obras da cidade. Era responsável pelo
pagamento aos funcionários. Maratonista, representou Brasília na corrida de São Silvestre, em
1965.
7
Segundo SARDINHA (2014), 1.216 estrangeiros residiam em Brasília durante sua construção,
representando 2,1% do total, aparecendo os espanhóis em maior número, seguido dos italianos,
portugueses, japoneses e gregos.
46
Cada pessoa constrói e reconstrói sua cidade criativamente pelo seu modo
de ver o mundo, de interesses específicos, pelos valores de sua cultura.
Desse modo, temos cidades imaginadas do ponto de vista do trabalho, do
lazer, da religião, das praias, etc., ou seja, múltiplas cidades imbricadas
numa mesma cidade formando um palimpsesto.
8
A Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap) foi criada através de lei, em 19 de
setembro de 1956, pelo então presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek de Oliveira. A finalidade
única era gerenciar e coordenar a construção da nova Capital do Brasil.
47
E, nela, segundo a pioneira entrevistada para este trabalho, Elza Nardelli 10:
Por outro lado, muitos são os relatos de pioneiros que se transferiram para a
cidade, ainda durante a sua construção, ou logo após a sua inauguração, que a
descrevem como acolhedora e, sobretudo, como a grande possibilitadora de seus
sonhos e anseios por uma vida melhor e com boas oportunidades de crescimento
profissional e melhoria financeira. Portanto, Brasília, como toda e qualquer cidade,
suscitou sentimentos negativos e positivos a seu respeito, mas, faz-se muito
importante ressaltar que muitos foram os pioneiros que para cá vieram sozinhos ou
10
Esposa do médico ginecologista e pioneiro, Ítalo Nardelli, que se transferiu do Rio de Janeiro para
Brasília, com o marido e seis filhos, em dezembro 1960. Na nova capital teve seu o sétimo filho,
onde também nasceram e cresceram seus netos e, agora, bisnetos.
49
11
Odilo Arlino Philippi, natural da cidade de Palhoça, Santa Catarina. Advogado formado em
Florianópolis, vive em Brasília com sua esposa, Walda Philippi, desde 1960. Aqui nasceram seus
três filhos e os netos.
50
Quero deixar aqui registrado o afeto especial que sinto pela SQS 208 e as
saudades daqueles anos iniciais nessa quadra pioneira na história da nova
capital. Com minha mulher e meu filho, fomos os primeiros moradores da
quadra, antes mesmo que a fundação de seu primeiro bloco de
apartamentos tivesse sido feita. Assisti à construção da minha casa de
madeira, dentro do galpão do almoxarifado, em 1957, até a sua derrubada,
em 1965,quando me transferi, com a família, para o bloco I, na mesma
quadra e quase ao lado do antigo galpão [...] Viver dentro de um canteiro de
obras com uma criança de 11 meses não era uma tarefa fácil, com riscos de
caminhões manobrando por todos os lados, carga e descarga de toneladas
de material, barulho de serras, betoneiras e motores acelerados e, em volta,
lama ou poeira. [...] Éramos, então, a única família a residir na SQS 208. Os
demais funcionários ocupavam casas no acampamento erguido na área
verde da SQS 207 e o alojamento dos operários ficava na SQS 206.
12
Artigo de autoria de Manuela Souza Ribeiro e Frederico de Holanda.
13
Artigo publicado na revista MDC Arquitetura e urbanismo. Autoria de Carlos Henrique Magalhães.
14
Texto publicado no blog “Planeta Sustentável”, em 29/02/2012. Autora: Natália Garcia.
51
“Se essa quadra, se essa quadra fosse minha, meu desejo era o tempo não
passar. Só para ver meus amigos lá na quadra, nunca mais, nunca mais se afastar.”
(CARVALHO apud COSTA in BARROSO e COSTA, 2015).
15
Secretaria de Estado de Planejamento do Distrito Federal – GDF, 1978, v. 1, pp.10-11.
52
16
Ernesto Silva, médico pediatra, era chamado de o "Pioneiro do Antes", pois foi um dos primeiros
homens a vir para o Planalto Central, antes mesmo de Juscelino Kubitschek. Ao lado do Marechal
José Pessoa, participou da Comissão de Localização da Nova Capital Federal, entre 1954 e 1956,
e presidiu a Comissão de Planejamento da Construção e da Mudança da Capital Federal. Naquela
época, carregava na bagagem o desejo de ver surgir a tão sonhada Brasília. Desde então, dedicou-
se inteiramente à cidade e viveu até o fim de sua vida no solo que ajudou a desbravar.
55
Pollak (1992, p. 5), enfatiza que existe uma ligação estreita entre a memória e
o sentimento de identidade: “A memória é um elemento constituinte do sentimento
17
Wílon Wander Lopes, advogado, jornalista e escritor, mudou-se para Brasília no final de 1959, com
seus pais e irmãos. Morou até 1960 na Cidade Livre, onde lançou o primeiro jornal estudantil de
Brasília. No final de 1960, mudou-se para Taguatinga, onde fundou o jornal “Satélite”.
56
18
Maçonaria é uma sociedade discreta e universal, onde suas ações são reservadas e interessa
apenas àqueles que dela participam. Seus membros cultivam o aclassismo, humanidade, os
princípios da liberdade, democracia, igualdade, fraternidade e aperfeiçoamento intelectual. A
maçonaria é, portanto, uma sociedade fraternal que admite todo homem livre e de bons costumes,
sem distinção de raça ou religião, ideário político ou posição social. Suas principais exigências são
que o candidato acredite em um princípio criador, tenha boa índole, respeite a família, possua um
espírito filantrópico e o firme propósito de ir sempre em busca da perfeição, aniquilando seus vícios
e trabalhando para a constante evolução de suas virtudes. Os maçons estruturam-se e reúnem-se
em células autônomas, designadas por oficinas, ateliers ou, como são mais conhecidas e
designadas, as lojas.
19
A chegada da Família Real Portuguesa, em 1808, estabeleceu uma série de transformações por
meio das quais os comerciantes portugueses foram beneficiados com regalias que ampliavam os
lucros da chamada “nobreza da terra”. Tais medidas chegaram à região de Pernambuco no
momento em que os produtores sofriam com a flutuação do açúcar e do algodão no mercado
internacional. Mediante essa questão econômica, grande parte da população tinha muita dificuldade
para pagar os impostos estabelecidos pela Coroa Portuguesa. Isso tudo ocorria em um tempo no
qual os ideais de liberdade e igualdade do iluminismo rondavam alguns quadros da elite intelectual
da época. Nesse contexto, os proprietários de terra e outros brancos livres pobres organizaram o
movimento que eclodiu em março de 1817. Após derrotarem as tropas de Portugal, os revoltosos
formaram um governo provisório e difundiriam o movimento em outras capitanias do Brasil e
algumas nações europeias.
60
20
A Franco-Maçonaria é a sociedade maçônica estabelecida na França. Em um primeiro momento, a invenção
foi transplantada pelos ingleses que haviam se exilado, os Jacobitas e, sendo uma corte completa, exigiu outra
formatação da invenção, que acomodasse os diferentes níveis de “aristocracia” e que satisfizessem os egos
dos nobres escoceses. Modificaram a formatação para o que conhecemos como Rito Escocês. O Craft, como
se chama a franco-maçonaria no mundo saxão, passou a ser um instrumento da expansão imperial da
Inglaterra, onde os aventureiros ingleses encontravam suporte fora da Inglaterra e também cooptavam as
lideranças locais no interesse da Coroa. Com a eclosão da Revolução Francesa, que alguns franco-maçons
atribuem à franco-maçonaria quando, pelo contrário, as lojas francesas eram extremamente conservadoras,
como são normalmente as lojas até hoje. Ainda que alguns revolucionários fossem franco-maçons, a franco
maçonaria francesa absorveu os ideais revolucionários, recuperou a formatação original de 1717 e se
transformou em um forte elemento constituinte da vida social e política francesas. Este momento foi um divisor
de águas. De um lado ficou a franco-maçonaria francesa, viva, influente, relevante, progressista, envolvida
com as lutas sociais, os anseios libertários que herdou do ideário da Revolução Francesa. Do outro lado, ficou
o Craft e seus sucedâneos, como uma instituição engessada e dedicada ao controle social, abrigo de
conservadores, retrógrada e considerada alienada pelos integrantes da Franco-Maçonaria.
61
que tinha como objetivos políticos a disseminação dos ideais libertadores nas
colônias latino-americanas dominadas pelos países europeus, atuando também
como grande articuladora no movimento em prol da independência do Brasil, por
meio dos patriotas José Bonifácio de Andrada e Silva (1763 – 1838) e Joaquim
Gonçalves Ledo (1781 – 1847) (CARNEIRO, 1999).
Mas, apesar de toda sua produção intelectual e literária, sua maior obra viria a
seguir, com o lançamento de um jornal que iria representar o marco inicial da
imprensa brasileira. Hipólito desejava editá-lo no Brasil, mas, sendo isto impossível
tendo em vista suas questões conflituosas junto ao governo de Portugal, decidiu
imprimi-lo em Londres “para poder, à sombra de sua sábia lei, dizer verdades, que é
necessário que se publiquem, para a confusão dos adversários e esclarecimento
dos vindouros...” (HIPÓLITO JOSÉ DA COSTA, 1808 apud CARNEIRO, 1999, p.33).
62
Assim sendo, apenas três meses após a chegada da Família Real Portuguesa
e da Corte Lusitana ao Brasil, fugitivas da invasão das tropas napoleônicas que
haviam tomado Lisboa, Hipólito José da Costa editava, na capital do Reino Unido,
no dia 1º de junho de 1808, publicou o primeiro número do jornal Correio Braziliense
ou “Armazém Literário”, como foi também denominado à época. Nessa primeira fase,
o jornal era publicado no formato de fascículos mensais, com cerca de 80 páginas.
Até 1822, quando foi extinta sua edição, o jornal havia produzido 175 fascículos. A
publicação foi proibida de circular no Brasil e em Portugal, devido aos artigos que
pregavam a liberdade de expressão e defendiam a independência do Brasil, além de
condenar a aristocracia parasitária do Reino e a exploração econômica de Portugal
em relação ao Brasil. E, em função dos artigos que criticavam a política do governo
português, a veiculação tornou-se ilegal, circulando de forma clandestina, mesmo no
Brasil, assim como em Portugal (MUSEU DA COMUNICAÇÃO / HIPÓLITO JOSÉ
DA COSTA, 2015).
A “Gazeta do Rio de Janeiro”, por sua vez, era inicialmente publicada apenas
aos sábados e, posteriormente, também às terças e quintas. Foi dirigida até 1812
pelo frei Tibúrcio José da Rocha, que foi então substituído pelo coronel Manuel
Ferreira de Araújo Guimarães e por Francisco Ferreira Goulart. A Gazeta tinha como
característica tratar muito pouco ou quase nada do Brasil, se atendo ao relato
insípido de fatos ocorridos na Europa, não possuindo variação de pauta, pois fora
criado para informar sobre fatos administrativos do reino e sobre a movimentação
social da Corte (OLIVEIRA in BRASILIANA/FIOCRUZ, 1997) – razão pela qual, a
proposta de Hipólito José da Costa por meio do “Correio Braziliense” tornara-se mais
reconhecida como sendo a verdadeira representação dos interesses do povo
brasileiro, tanto na colônia, como na Europa (CARNEIRO, 1999).
64
A história de Hipólito José da Costa ainda seria marcada por inúmeros fatos
inéditos citados pela historiadora, geógrafa, escritora e pesquisadora brasileira,
Therezinha de Castro (1930 – 2000), tais como uma nova perseguição a ele movida
pelo antigo protetor e depois feroz amigo, o onipresente Conde de Linhares, então
residente no Rio de Janeiro que, em aviso datado de 27 de março de 1809, proibiu a
circulação do Correio Braziliense no Brasil. Segundo Therezinha, constava do aviso,
“que a referida publicação, vinda de Londres, continha atrozes falsidades contra
várias pessoas e as maiores absurdidades sobre a economia política, constituindo,
assim, uma obra cheia de veneno e falsidade, e que podia iludir gente superficial e
ignorante, além de ser um verdadeiro libelo. “ (CARNEIRO, 1999, apud CASTRO,
1985. p. 35).
leitores para o “Investigador Português”, “sem dar a perceber que recebiam ordens
para fazê-lo”. (CARNEIRO, 1999, p. 36)
Aos poucos, a corte brasileira reconhecia que Hipólito da Costa tinha ideias
semelhantes às de José Bonifácio sobre a época apropriada para a independência
brasileira. Hipólito temia que ela se desse prematuramente, pois “poderia vir a
esfacelar o Brazil” (CARNEIRO, 1999, p. 36). Defendia, assim, a unidade brasileira
e, de certo modo, preconizava a futura união dos povos da América Latina para uma
defesa comum contra a ingerência das potências europeias. Em um segundo
momento, já ligado à Maçonaria Azul, 21 o jornalista tornou-se contrário à ideia
republicana, apesar de ter intermediado a aquisição de armas para os líderes
separatistas da América Espanhola, como Francisco de Miranda (1750–1816) e
Simón Bolívar (1783–1830), que não aceitavam a permanência da monarquia nas
colônias espanholas (CARNEIRO, 1999).
21
A maçonaria divide-se em dois ramos básicos: o rito azul ou escocês, e o rito vermelho ou francês.
Embora compartilhem conhecimentos esotéricos, divergem na fórmula de aplicá-los na prática. O
ramo azul prega a monarquia constitucional, segundo a fórmula de governo da Inglaterra, enquanto
o vermelho é republicano. Na sua origem, essa foi a cor escolhida pelos maçons que, no século
XVIII, criaram, na Inglaterra, a Grande Loja de Londres. Nesse tempo, havia apenas um rito
praticado e a cor que o identificava, a cor principalmente usada nos artefatos dos maçons, era o
azul.
67
ponto pouco mais ou menos de 15 graus, em sítio sadio, ameno, fértil e regado por
algum rio navegável, talvez nas cabeceiras do Rio São Francisco”. E, a partir de
1960, a capital brasileira, Brasília viria a ser localizada a 16 graus (CARNEIRO,
1999).
No período entre 1924 e 1968, ano de sua morte, Assis Chateaubriand atuou
no jornalismo de forma destacada, influindo, ao longo de quase meio século, na vida
nacional, por meio de seus artigos publicados em diferentes jornais.
Durante os anos 50, sua influência se fez presente nas páginas coloridas da
revista “O Cruzeiro”, que possuía grande projeção nacional e internacional. E, de
forma indireta, por meio também das emissoras de rádio e pelas estações de TV que
implantou por todo o Brasil que, juntamente aos jornais, passaram a formar a cadeia
de veículos de comunicação denominada como “Diários Associados”, Chateaubriand
se tornou uma importante referência para a comunicação do País, sendo também
proprietário da Agência Meridional de Notícias (DE LUCA E MARTINS, 2015).
Autor de mais de doze mil artigos publicados durante uma fase tão
significativa da história do Brasil, examinou de forma aprofundada e cuidadosa, as
grandes questões brasileiras relacionadas à política e ao desenvolvimento social,
econômico e cultural, relatando-as e discutindo-as diante de seus leitores,
contribuindo para a formação de uma massa crítica de brasileiros que, por meio do
conhecimento de suas ideias, tornavam-se mais aptos a questionar os caminhos
tomados pela política e economia brasileiras. Nesses artigos, Chateaubriand sempre
procurava apresentar propostas práticas e soluções concretas para os problemas
enfrentados pela Nação, assim como análises realísticas dotadas de grande visão
de futuro. (VASCONCELOS, 2011)
marchand romano, Pietro Maria Bardi (1900 – 1999). Chateaubriand era também
conhecido como o “Imperador do Papelão” – alcunha dada pelo também jornalista e
secretário de redação do jornal “Última Hora”, de São Paulo, Josimar Moreira de
Melo (1905 – 1965), o “Mandarim” (DE LUCA E MARTINS, 2015).
Ari Cunha (1927) afirma que Chateaubriand não era “apaixonado” por
Brasília, mas desenvolveu uma postura diferente em relação à ideia da transferência
da capital. Segundo ele, “vendo o que era o Planalto Central e observando o
progresso que Brasília oferecia, Chateaubriand soube antever que daqui sairia
verdadeiramente a conquista de todo o vasto território do interior do Brasil.” Cunha
declarou:
Aos poucos foi aceitando a ideia até compreender que o Planalto central
reunia vertentes para todos os quadrantes, e a implantação de Brasília
mostrava que o País se modificava na sua concepção. Não se tornou um
adesista, mas certa vez chegou a recomendar ao Correio Braziliense que
comprasse uma boa gleba de terra para a criação de gado e a plantação de
soja. (...) Chateaubriand concluiu que, a partir de Brasília, seria possível,
inclusive, concretizar um dos seus velhos sonhos, que ele divulgara muito
antes de ser iniciada a construção da nova capital: a utilização de nossos
rios como hidrovias, chegando a prever até um porto perto de Brasília, para
ligar a Bacia Amazônica ao Centro-Oeste, com transporte barato e útil. Era
um homem de grandes visões e, quando pensava no Rio são Francisco
chegando perto de Brasília, era porque queria ver o pulsar da cidade como
ponto de convergência de todo o Brasil. Ele não chegou a nos visitar, mas
ficou entusiasmado quando soube que, daqui, da Lagoa das Águas
Emendadas, saía a contribuição para as bacias do Prata, Amazonas e São
Francisco (CARNEIRO, 1999, p. 422).
74
Provando que nada se perde na vida dos povos, como na natureza, reata-
se hoje a existência do jornal, fundado e impresso em Londres, mas para
advogar a causa da independência brasileira, as ideias liberais e o
constitucionalismo, que eram as grandes aspirações do tempo. Podemos
dizer que, ao reabrir o novo ciclo de existência do Correio Braziliense,
fazemo-lo com o mesmo impulso que moveu Hipólito José da Costa:
advogar a causa do Brasil, na hora revolucionária da mudança de sua
capital, dentro dos mesmos princípios democráticos e constitucionais que o
conduziram. Como a Hipólito, preocupa-nos fundamentalmente a
consolidação da unidade nacional e se, entre os sonhos do grande
jornalista, já em 1813, figurava a transferência do governo para o interior, é
75
que estava convencido de que seria essa uma forma de garantir melhor a
integridade política do país... Brasília não será apenas a sede do governo
federal, mas um poderoso centro de atração das forças que se
desenvolvem no litoral para as grandes regiões que se acham ainda
desertas e das quais é imprescindível que a nação tome posse, se deseja
integrar-se a sim mesma e oferecer a seu povo, que rapidamente se
multiplica, uma pátria materialmente digna de seu alto destino... Os Diários
Associados têm a mesma origem de idealismo e de crença de Brasília. Na
verdade, os nossos objetivos foram sempre os mesmos do Correio
Braziliense: sustentar a independência, consolidar a união das províncias;
soldar as regiões, alcançar, dentro da democracia e da liberdade, o
aperfeiçoamento social e cultural que nos possam assegurar, dentre os
povos civilizados, uma posição compatível com a nossa grandeza territorial
(CARNEIRO, 1999, p. 424).
a
Ilustração 3 Destaque da 1 edição
Ilustração 5 O Globo
o
Fonte: Folha de São Paulo, edição de 1 de junho de 1960.
Aos poucos foram surgindo anúncios publicitários dos serviços que já podiam
ser encontrados em Brasília, prestados por diversos profissionais autônomos que já
atuavam na cidade, tais como: médicos, advogados, dentistas, contadores,
mecânicos entre outros. Tais anúncios eram encontrados na curiosa coluna
denominada “Indicador Profissional”. Nela, foram publicadas algumas “pérolas” da
redação publicitária dos anos 50 e 60, como a chamada do anúncio “Para moléstias
de senhoras – partos, cirurgias e clínica médica, procure o Dr. Eurico Leal”.
Desde o início das obras que deram origem à cidade, foi registrada a chegada
de trabalhadores vindos dos quatro cantos do País. Muitos já com suas famílias em
busca de melhores condições de vida e novas oportunidades. Com eles, vieram
suas culturas, suas crenças e, sobretudo, um pouco da história de suas regiões de
origem. Brasília se tornou, logo em seu primeiro ano de vida, a confluência de todas
99
E, para que todo esse contingente, toda essa população que se deslocara
para Brasília pudesse, enfim, construir efetivamente sua vida aqui, na cidade que
surgira em meio à aridez quase desértica do Planalto Central, a cidade foi tomando
sua própria forma, muito além das casas, prédios residenciais e públicos já
construídos pelos urbanistas e engenheiros responsáveis pela concepção do projeto
da cidade planejada e sonhada por JK.
100
Aos poucos, e logo durante seu primeiro ano de existência, Brasília foi
ganhando vida na medida em que a população precisou extrapolar a convivência
nas superquadras residenciais em busca de outros espaços de alteridade e vivência
coletiva. A humanização da cidade erguida a partir do concreto das obras de
Niemeyer se fazia premente. Os pioneiros e suas famílias precisavam, acima de
tudo, estabelecer o quanto antes uma relação de pertencimento com a cidade.
Fazia-se urgente a transformação de Brasília em uma comunidade (ANDERSON,
2008 e BAUMAN, 2003) de fato, tornando-se acolhedora e realmente receptiva à
população que crescia, a cada dia, com a constante chegada de novos servidores
públicos, profissionais liberais, comerciantes e outros tantos migrantes que deixaram
seus Estados de origem em busca de melhores oportunidades de vida após a
inauguração da cidade.
Brasília era promissora. Haja vista ter sido logo denominada, ainda durante
sua construção, como a “Capital da Esperança”, dadas as inúmeras novas
oportunidades oferecidas pela cidade em formação, pois muito pouco existia aqui e
a transferência para a nova Capital do Brasil significava, necessariamente, começar
do nada, auxiliando na transformação da cidade em um lugar habitável em todos os
sentidos.
oriunda dos quatro cantos do País. Enfim, o Brasil já se encontrava na Cidade Livre
antes mesmo de Brasília ser inaugurada.
Para auxiliar na pesquisa sobre como a cidade foi tomando sua forma,
também retratada por meio do jornal, foi realizada uma tentativa de categorização
dos assuntos abordados nos anúncios e matérias jornalísticas publicadas ao longo
do período do qual trata este trabalho, que é de 21 de abril de 1960 a 21 de abril de
1961.
Ainda por meio do jornal, a população era informada sobre os endereços dos
órgãos públicos e autarquias já estabelecidas na cidade, assim como seus telefones,
todos publicados em quadros específicos e destacados em meio à diagramação
para facilitar a visualização e consulta dos leitores. Como um exemplo dessa prática,
logo à primeira edição do Correio Braziliense publicada no dia 21 de abril de 1960, o
jornal já disponibilizava o que chamou de “localização provisória dos ministérios”.
Nesta listagem, constavam os ministérios da Fazenda, Educação e Cultura,
Aeronáutica, Agricultura, Guerra, Marinha, Trabalho, Indústria e Comércio, Viação e
Obras Públicas, Justiça e Negócios Interiores, Saúde, Relações Exteriores, o
Tribunal Superior Eleitoral, o Tribunal Federal de Recursos e a Justiça Local.
(Corpus, Anexo B, p. 2)
E Brasília seguia adquirindo, cada vez mais, ares de uma grande cidade, uma
verdadeira capital. Aos poucos, o Plano Piloto estava crescendo e se tornando
autônomo, com a instalação de lojas já famosas no País, que ofereciam produtos e
serviços à população pioneira de Brasília, como as Lojas Riachuelo, cuja instalação
foi noticiada pelo Correio Braziliense na edição do dia 10 de dezembro de 1960. A
chamada da notícia que, na verdade, era um informe publicitário, afirmava “centenas
de lojas inauguram-se na área definitiva do Plano Piloto, que tem a preferência das
donas de casa, a exemplo das Lojas Riachuelo.” Na edição de 4 de julho de 1960, o
jornal noticiou a inauguração das Casas Pernambucanas, no Setor Comercial Local
da Super Quadra 108, na Asa Sul, com a presença de Israel Pinheiro e do ministro
Armando Falcão, que cortou a fita simbólica. (CORREIO BRAZILIENSE, 1960)
Maurício Fernandes e sua esposa, Dona Chiquinha, seu braço direito e uma
das pessoas mais procuradas em Brasília – vivem felizes na Capital da
República. Até fins de 1957, possivelmente jamais pensaram em residir em
Brasília. Tudo aconteceu no aniversário natalício do Sr. Israel Pinheiro, em
04 de janeiro de 1958, quando o Sr. Maurício veio à futura Capital da
República cumprimentar Israel Pinheiro e se impressionou com as obras da
cidade que ainda estavam em começo. Confiou, desde logo, no Presidente
da República, e para aqui se transferiu com sua família, abandonando seus
interesses em São Paulo, para tomar parte no belo sonho de Juscelino
Kubitschek de Oliveira, que ele, Maurício, tinha certeza de que se tornaria
realidade. Pré-inaugurou o hotel e até hoje continua em sua direção,
esforçando- se para dar o máximo aos que são seus hóspedes. (CORREIO
BRAZILIENSE, 1960)
Logo nos primeiros dias após sua inauguração, Brasília já oferecia atividades
e infraestrutura voltadas às crianças, conforme matéria publicada na capa da edição
de 23 de abril de 1960, terceira edição do Correio Braziliense, ou seja, apenas dois
dias após a entrega oficial da cidade à população. Segundo a notícia, as crianças já
teriam “tomado de assalto” os parques infantis da cidade ainda no dia anterior, 22 de
abril, antes mesmo da inauguração oficial desses espaços. Dentre eles, havia o
parque localizado na Avenida W3 Sul, junto ao Núcleo Residencial da Caixa
Econômica Federal, que tinha capacidade para o acolhimento de 150 crianças, de
cinco a dez anos de idade que, para frequentá-lo, deveriam inscrever-se na Divisão
de Educação do Núcleo de Educação da NOVACAP (Companhia Urbanizadora da
Nova Capital). O parque possuía uma piscina de 20 metros de comprimento por 11
metros de largura, com profundidade entre 80 cm a 1,20m, tendo sido projetada
exclusivamente para a utilização infantil. A matéria é finalizada com a informação
minuciosa de que o parque também contava com gangorras, balanços,
escorregadores, “giradores” e barras para Educação Física. (CORREIO
BRAZILIENSE, 1960)
habitantes da nova capital, assim como aos que trabalharam em sua edificação.
(CORREIO BRAZILIENSE, 1960) (Corpus, Anexo B, p. 2).
Miss Brasília. Na edição de 15 de maio de 1960, o jornal anuncia, por exemplo, que
o Guará e o Grêmio Esporte Clubes, o Jockey Clube de Brasília e o Clube do
Departamento de Força e Luz da cidade, estariam organizando concursos internos
para a escolha de suas belas representantes, na esperança de que uma delas
pudesse conquistar o cetro, o manto e a coroa da primeira mais bela mulher da nova
capital que, eleita, disputaria, então, o título de Miss Brasil, a grande coqueluche
estética da época.
coluna no estilo Jônico, e estátua de uma loba amamentando duas crianças que,
segundo a lenda, seriam Rômulo e Remo, os fundadores da cidade. Conforme
informa ainda a matéria, a Embaixada da Itália encarregou-se de trazer uma réplica
do monumento à Capital, fazendo questão de erguê-lo na então chamada “Praça
Principal”, localizada próxima à sede do Correio Braziliense. Na ocasião, como as
obras da Praça ainda não se encontravam concluídas, a estátua só foi
definitivamente afixada no local, na ocasião de sua inauguração. (CORREIO
BRAZILIENSE, 1960)
c) Esportes:
com o clima seco da região, o Lago se tornou uma das principais fontes de lazer do
Brasiliense desde os primeiros dias após a inauguração da cidade. Tanto que, na
capa da edição do dia 24 de abril de 1960, foi publicada a foto da primeira regata de
barcos à vela promovida pelo Iate Clube de Brasília, na tarde do dia 23 de abril, da
qual participaram competidores das classes “Snipes” e “L’equipe”. (CORREIO
BRAZILIENSE, 1960)
d) Educação:
A rede pública de ensino do Distrito Federal tem sua origem com a criação
de suas primeiras escolas. Foram erguidas e organizadas visando ao
atendimento das demandas por educação dos brasileiros (operários,
servidores públicos, comerciantes...) que para o Planalto Central vieram
participar da fundação de Brasília. As escolas pioneiras, construídas “no
coração” da Capital federal, o Plano Piloto, destacadamente a partir de
1960, estabeleceram um roteiro ou percurso de significado histórico que
abrangia um espaço geográfico e que contribuiu para a efetivação da utopia
da “escola brasiliense” em vigor no período. Este roteiro localiza-se no meio
da Asa Sul do Plano Piloto de Brasília e compreende, fundamentalmente,
quatro escolas: o CASEB, o Elefante Branco, a Escola-Parque 307/308 Sul
e a Escola Normal de Brasília, hoje Escola de Aperfeiçoamento de
Profissionais da Educação (EAPE, 2016).
O jornal noticia que os Irmãos Júlio Bilibio e Lino Moresco informaram que o
colégio teria capacidade inicial para acolher 300 alunos e, futuramente, atenderia até
1000 alunos, oferecendo os cursos primário e ginasial. (Corpus, Anexo B, p. 101)
Ainda de acordo com a matéria, o “Elefante Branco” seria uma escola modelo
e abrigaria, em seus 4.500 metros quadrados de área construída na Avenida W5
Sul, 70 salas de aula, com capacidade para acolher 1.100 alunos, oferecendo os
cursos Científico, Clássico, Normal, os cursos técnicos de Eletrônica, Edificações,
Administração, Comércio e Secretariado, além de quadras de esportes e recreação,
incluindo uma piscina. Essas informações foram fornecidas pelos professores
Aparício Branco, Roberto Leobons e Reginaldo Carvalho, responsáveis pela escola
à época. Segundo os professores, além das salas de aula, a Escola Média do
Distrito Federal, também ofereceria aos alunos cinco laboratórios para as disciplinas
Física, Química e História Natural, além de sala para canto-coral e outra sala para a
“apreciação musical com som estereofônico”, sala para instrumentos de corda e um
salão para bandas de música, ritmo e orquestra sinfônica. Em 22 de abril de 1961,
‘sem qualquer pompa’, foi então inaugurado o Centro de Ensino Médio Elefante
Branco (CEMEB), como acabou sendo batizado oficialmente. (CORREIO
BRAZILIENSE, 1961 e 2011) (Corpus, Anexo B, p. 194)
134
24
Oscar Mendes Moren, nascido na cidade do Rio de Janeiro, é médico neuropediatra. Veio para
Brasília em setembro de 1960, a convite de médicos que já viviam aqui, para atuar como pediatra
no então Hospital Distrital de Brasília. Sua esposa, a enfermeira americana, Elinor Watson Moren,
veio de Nova Iorque, sua cidade natal, para Brasília, em 1961. Aqui tiveram suas duas filhas e
136
O jornal era o nosso grande aliado nas descobertas sobre a cidade. Era o
nosso guia, assim como de nossos amigos, tanto em relação aos novos
serviços que a cidade passava a oferecer, como às opções de lazer e
cultura disponíveis naquela época. Sempre fomos cinéfilos e, por isto,
acompanhávamos a programação oferecida pelo Cine Brasília e pelos
demais cinemas, publicada no jornal. Íamos muito ao Cine Teatro Cultura
também, que ficava na W3. Por meio do Correio Braziliense,
acompanhávamos o crescimento da cidade e nos sentíamos mais
ambientados. Quando tivemos “as meninas”, era no jornal que
encontrávamos dicas de onde levá-las para passear, para fazer programas
diferentes com elas. O jornal trazia notícias sobre a vida social na cidade,
por meio da coluna da Katucha. E eu, como estrangeira que sou, sempre
gostei muito de ler as notícias sobre outros países e sobre o corpo
diplomático na cidade, pois sempre tivemos muitos amigos diplomatas.
Como sempre apreciamos muito a culinária, também utilizávamos o jornal
para descobrir novos restaurantes que eram inaugurados na cidade. E,
especialmente para mim e para outros estrangeiros que para cá viemos
sem saber falar uma única palavra de Português, o Correio Braziliense
contribuiu muito para o nosso aprendizado do idioma, pois precisávamos
saber o que acontecia na cidade, no restante do país e do mundo e, para
tal, durante a leitura, tínhamos de recorrer ao dicionário para sabermos o
significado de certas palavras utilizadas pelo jornal, e isso enriquecia muito
o nosso vocabulário. Aprendi muito o Português com a ajuda do Correio
Braziliense. A leitura do jornal era parte do nosso dia a dia. O Correio foi um
grande aliado nosso que havíamos acabado de chegar à cidade.
nunca pensaram e deixar a cidade, nem para regressar ao Rio de Janeiro, tampouco para Nova
York.
137
Em seus relatos, Odilo Arlindo Philippi e José Alonso, entrevistados nos dias
07/1/2016 e 20/1/2016, respectivamente, ressaltaram, em comum, a importância do
Correio Braziliense para o desenvolvimento de Brasília como um todo e, sobretudo,
para a representatividade da nova capital perante o restante do Brasil, ao mesmo
tempo em que noticiava o que acontecia no Brasil para o povo de Brasília.
Era por meio do Correio Braziliense que ficávamos sabendo sobre tudo o
que acontecia em Brasília e no restante do país. O Correio ajudava muita
gente a conseguir trabalho e a encontrar novas oportunidades em Brasília.
Era o jornal “amigo do povo”. O jornal veio para ficar. Para tudo o que
precisávamos, a gente recorria ao Correio, pois era a forma mais fácil e
rápida de saber o que a cidade já oferecia para a população, em termos de
serviços, de escolas, de lazer, de comércio, de esportes, de tudo. Eu
gostava muito de ler o Correio Braziliense, como faço, todos os dias, até
hoje. Eu ia sempre ao Cine Brasília e ao Motonáutica, que eram também
“mostrados” no jornal. Quando fui morar em Taguatinga com a família,
íamos muito ao Cine Paranoá também. Todos os cinemas eram citados pelo
Correio Braziliense. Eu gostava de morar em Taguatinga e não me senti
segregado de ter sido encaminhado para morar lá. Em Taguatinga eu tinha
minha própria casa, no meu próprio terreno. Todos nós, candangos,
sabíamos que não moraríamos no Plano Piloto após a inauguração da
cidade, pois sabíamos que os prédios que construímos eram para os
funcionários públicos e outros profissionais que vieram para trabalhar em
outros serviços. Em Taguatinga, nós tínhamos acesso ao Correio
Braziliense também. O jornal tomava conta da cidade.
Quem lia o jornal era o Juscelino. Todos os dias, logo pela manhã, eu o
acordava e já entregava o jornal na mão dele. Ele lia sempre, mas eu não.
Não tinha tempo para ler nem o jornal, pois nossa rotina no início de Brasília
era muito corrida e nós trabalhávamos demais! Mas eu sabia, até pelo que
ele (Juscelino) me contava, que o jornal noticiava tudo sobre a cidade e
sobre o Brasil. Juscelino lia o Correio Braziliense todos os dias. Sinto muita
saudade daquele tempo e do meu grande amigo...
25
Afonso Heliodoro, nascido em Diamantina – MG, em 17 de abril de 1916, é considerado a história
viva de Brasília e do Brasil. O coronel da Reserva da Polícia Militar de Minas Gerais, bacharel em
Direito pela antiga Faculdade Nacional de Direito, do Rio de Janeiro, membro de várias academias
de Letras e tantos outros trabalhos. Quando Juscelino assumiu o governo de Minas Gerais, foi
chefe do Gabinete Militar (1951-1956), aprofundando, então, uma amizade que duraria até a morte
de Juscelino, em 1976. O coronel da Polícia Militar exerceu na Presidência da República o cargo de
subchefe do Gabinete Civil (1957-1961), dirigiu o Serviço de Verificação das Metas Econômicas do
Governo (1957-1961) e o Serviço de Interesses Estaduais (1956-1961). Heliodoro esteve ao lado
de Juscelino na construção do Palácio das Mangabeiras – residência oficial do governo de Minas
Gerais após o fechamento da área residencial do Palácio da Liberdade, na idealização do Museu
da República, no Rio de Janeiro, nas diferenças enfrentadas pelo presidente na época da revolução
e do golpe militar e no exílio, em Paris, mais de duas vezes. Participou das campanhas eleitorais de
Juscelino para a Presidência da República, em 1955, e para o Senado, em 1961, pelo Estado de
Goiás. Fundou o Movimento JK – 65. Atuou, principalmente, como um legítimo pioneiro na vinda ao
planalto, onde seria erguida a nova capital, participando, então, de todas as etapas da construção.
De Juscelino sabe todas as histórias, das mais engraçadas às mais íntimas, os fatos oficiais e as
lembranças de momentos de grande tristeza do ex-presidente, como a época do exílio em Paris.
140
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para refletir sobre o que é cultura, para além da preocupação com sua
categorização, recorreu-se à visão de complexidade sistêmica apresentada por
Edgar Morin em seu livro “O Método 4 – as ideias”, no qual são abordadas as
questões relativas ao habitat, à vida, aos costumes e à organização das sociedades.
A parte não está somente no todo; o próprio todo, está, de certa maneira,
presente na parte que se encontra nele. Assim sendo, a sociedade e a
cultura estão presentes enquanto “todo” no conhecimento e nos espíritos
cognoscíveis, assim como é presente no mito comunitário que lhe é
consubstancial.
142
sido perpetuada por meio dos registros encontrados no Correio Braziliense, desde o
período analisado neste trabalho, ou seja, de 1960 a 1961.
Outro exemplo a ser citado como um evento de cunho religioso, mas com um
forte componente cultural em sua prática, é a chamada “malhação de Judas” que, ao
ser realizada pela população durante a primeira Semana Santa ocorrida em Brasília,
tornou-se também uma representação dos rituais de malhação do boneco que
representa a figura do apóstolo Judas, normalmente realizada nas cidades do
interior dos estados de Minas Gerais e do Nordeste, principalmente.
26
Fonte: IBGE. Diretoria de Pesquisas - DPE - Coordenação de População e Indicadores Sociais -
COPIS.
147
Além disso, é sabido que a realidade vivida pelo jornal dos anos 1960, logo
após o seu ressurgimento em Brasília, constituiu um contexto muito específico e
completamente diferente da conjuntura atual, em Brasília e no Brasil. Àquela época,
o momento histórico vivido na nova capital, e no País, era norteado pelo sentimento
de esperança, entusiasmo e ufanismo em função das perspectivas de crescimento
vislumbradas pelo plano de governo de Juscelino Kubitschek. Acreditava-se,
piamente, tal qual o sonho de Hipólito José da Costa, em 1808, que o Brasil, liberto
das amarras do colonialismo e do subdesenvolvimento, continuaria crescendo e
finalmente atingiria, irreversivelmente, patamares altíssimos nas estatísticas
relacionadas ao crescimento socioeconômico e cultural de seu povo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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de J. Villeneuve e Comp., 1836.
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olhares sobre a cidade. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2015.
CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
CASTRO, Rita Severina Silva Alves; CAVALCANTI, Julio Cesar do Rego Junior e
FERREIRA, Hildinete Bronziado Batista. Revolução Pernambucana: o papel da
ideologia de Domingos José Martins e sua contribuição política. Disponível em: <
http://humanidades19.blogspot.com.br/p/domingos-jose-martins.html> Acesso em 15
mar. 2016.
151
COELHO, Teixeira. A cultura pela cidade / Teixeira Coelho (org.). São Paulo:
Iluminuras: Itaú Cultural, 2008.
COSTA, Cleria Botelho da, BARROSO, Eloísa Pereira. _ Brasília: diferentes olhares
sobre a cidade / [organização de]. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2015.
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. 34. ed, cap. IV,.Rio de Janeiro: Editora
Record, 1998.
MARTINS Wilson. História da Inteligência Brasileira, 1.vol. VII. 1. ed. Cultrix, 1979.
154
PEDROSA, Mário. Dos murais de Portinari aos espaços de Brasília. São Paulo:
Perspectiva,1981.
PESAVENTO, Sandra. História & história cultural. 2.ed. Belo Horizonte: Autêntica,
2004.
VIDAL, Laurent. De Nova Lisboa a Brasília: a invenção de uma capital (séculos XIX
– XX) / Laurent Vidal; tradução, Florence Marie Dravet – Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 2009.
ANEXO A
25. Além dos eventos culturais, o senhor (a) costumava lançar mão do jornal para
se informar sobre as opções de comércio e serviços que a cidade já oferecia
naquele ano de 1960?
26. O jornal contribuiu de alguma forma para a sua melhor ambientação e
acolhimento, assim como o de sua família, em Brasília?
27. Como o senhor (a) classificaria a importância do jornal para a população de
Brasília em 1960?
28. O senhor (a) acredita que o jornal foi, de fato, um aliado para o crescimento
das atividades culturais oferecidas na cidade em 1960?
29. O senhor (a) se recorda de algum evento cultural do qual tenha participado a
partir de sua divulgação no Correio Braziliense?
30. O senhor (a) costumava acompanhar a repercussão dos eventos culturais
ocorridos, por meio do jornal?
31. Como o senhor classificaria a importância do jornal para a formação da
identidade cultural da cidade ao longo do ano de 1960?
32. O senhor (a) concederia ao jornal, em 1960, o título de “aliado” da cultura e do
desenvolvimento de Brasília nos primeiros doze meses após a sua
inauguração?