Libertação (Psicografia Chico Xavier - Espírito André Luiz)
Libertação (Psicografia Chico Xavier - Espírito André Luiz)
Libertação (Psicografia Chico Xavier - Espírito André Luiz)
LIBERTAÇÃO
FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER
DITADO PELO ESPÍRITO ANDRÉ LUIZ
(7) .
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1 - Nosso Lar
2 - Os Mensageiros
3 - Missionários da Luz
4 - Obreiros da Vida Eterna
5 - No Mundo Maior
6 - Agenda Cristã
7 - Libertação
8 - Entre a Terra e o Céu
9 - Nos Domínios da Mediunidade
10 - Ação e Reação
11 - Evolução em Dois Mundos
12 - Mecanismos da Mediunidade
13 - Conduta Espírita
14 - Sexo e Destino
15 - Desobsessão
16 - E a Vida Continua...
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ÍNDICE
devia e foi tragado com os elementos que lhe constituíam a primeira refeição
diária.
Em apuros, o peixinho aflito orou ao Deus dos Peixes, rogando proteção no
bojo do monstro e, não obstante as trevas em que pedia salvamento, sua prece
foi ouvida, porque o valente cetáceo começou a soluçar e vomitou, restituindo-o
às correntes marinhas.
O pequeno viajante, agradecido e feliz, procurou companhias sim páticas e
aprendeu a evitar os perigos e tentações.
Plenamente transformado em suas concepções do mundo, passou a
reparar as infinitas riquezas da vida. Encontrou plantas luminosas, animais es
tranhos, estrelas móveis e flores diferentes no seio das águas. Sobretudo,
descobriu a existência de muitos peixinhos, estudiosos e delgados tanto quanto
ele, junto dos quais se sentia maravilhosamente feliz.
Vivia, agora, sorridente e calmo, no Palácio de Coral que elegera, com
centenas de amigos, para residência ditosa, quando, ao se referir ao seu co
meço laborioso, veio a saber que sômente no mar as criaturas aquáticas
dispunham de mais sólida garantia, de vez que, quando o estio se fizesse mais
arrasador, as águas de outra altitude continuariam a correr para o oceano.
O peixinho pensou, pensou... e sentindo imensa compaixão daqueles com
quem convivera na infância, deliberou consagrar-se à obra do progresso e
salvação deles.
Não seria justo regressar e anunciar-lhes a verdade? não seria nobre
ampará-los, prestando-lhes a tempo valiosas informações? Não hesitou.
Fortalecido pela generosidade de irmãos benfeitores que com ele viviam no
Palácio de Coral, empreendeu comprida viagem de volta.
Tornou ao rio, do rio dirigiu-se aos regatos e dos regatos se encaminhou
para os canaizinhos que o conduziram ao primitivo lar.
Esbelto e satisfeito como sempre, pela vida de estudo e serviço a que se
devotava, varou a grade e procurou, ansiosamente, os velhos companheiros.
Estimulado pela proeza de amor que efetuava, supôs que o seu regresso
causasse surpresa e entusiasmo gerais. Certo, a coletividade inteira lhe cele
braria o feito, mas depressa verificou que ninguém se mexia. Todos os peixes
continuavam pesados e ociosos, repimpados nos mesmos ninhos lodacentos,
protegidos por flores de lótus, de onde saiam apenas para disputar larvas,
moscas ou minhocas desprezíveis.
Gritou que voltara a casa, mas não houve quem lhe prestasse atenção,
porqüanto ninguém, ali, havia dado pela ausência dele.
Ridicullzado, procurou, então, o rei de guelras enormes e comunicou-lhe a
reveladora aventura.
O soberano, algo entorpecido pela mania de grandeza, reuniu o povo e
permitiu que o mensageiro se explicasse.
O benfeitor desprezado, valendo-se do ensejo, esclareceu, com ênfase, que
havia outro mundo liquido, glorioso e sem fim. Aquele poço era uma
Insignificância que podia desaparecer, de momento para outro. Além do
escoadouro próximo desdobravam-se outra vida e outra experiência. Lá fora,
corriam regatos ornados de flores, rios caudalosos repletos de seres diferentes
e, por fim, o mar, onde a vida aparece cada vez mais rica e mais surpreen
dente.
Descreveu o serviço de tainhas e salmões, de trutas e esqüalos. Deu
notícias do peixe-lua, do peixe-coelho e do galo-do-mar. Contou que vira o céu
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EMMANUEL
1
Ouvindo elucidações
depois de lutas angustiosas, escreve aos Efésios que “não temos de lutar
contra a carne e o sangue, mas, sim, contra os principados, contra as
potestades, contra os príncipes das trevas e contra as hostes espirituais da
maldade, nas próprias regiões celestes.”
Além, pois, do reino humano, o império imenso das inteligências
desencarnadas participa de contínuo no julgamento da Humanidade. E
entendendo a nossa condição de trabalhadores incompletos, detentores de
velhas dificuldades e terríveis inibições, na ordem do aprimoramento
iluminativo, cabe-nos preparar recursos de auxilio, reconhecendo que a obra
redentora é trabalho educativo por excelência.
O sacrifício do Mestre representou o fermento divino, levedando toda a
massa. É por isto que Jesus, acima de tudo, é o Doador da Sublimação para a
vida imperecível. Absteve-se de manejar as paixões da turba, visto reconhecer
que a verdadeira obra salvacionista permanece radicada ao coração, e
distanciou-se dos decretos políticos, não obstante reverenciá-los com
inequívoco respeito à autoridade constituída, por não ignorar que o serviço do
Reino Celeste não depende de compromissos exteriores, mas do
individualismo afeiçoado à boa vontade e ao espírito de renúncia em benefício
dos semelhantes.
Sem nosso esforço pessoal no bem, a obra regenerativa será adiada
indefinidamente, compreendendo-se por precioso e indispensável nosso con
curso fraterno para que irmãos nossos, provisoriamente impermeáveis no mal,
se convertam aos Designios Divinos, aprendendo a utilizar os poderes da luz
potencial de que são detentores. Somente o amor sentido, crido e vivido por
nós provocará a eclosão dos raios de amor em nossos semelhantes. Sem
polarizar as energias da alma na direção divina, ajustando-lhes o magnetismo
ao Centro do Universo, todo programa de redenção é um conjunto de palavras,
pecando pela improbabilidade flagrante.
O Ministro sorriu para nós, expressivamente, e concluiu:
— Terei sido bastante claro?
Transbordava de todos os rostos o desejo de ouvi-lo por mais tempo; no
entanto, Flácus, aureolado de luz, desceu da tribuna e pôs-se a conversar
familiarmente conosco.
A preleção fora encerrada.
As considerações ouvidas despertavam em mim o máximo interesse. No
entanto, era preciso aguardar nova oportunidade para mais amplos escla
recimentos.
14
2
A palestra do Instrutor
Ao nos retirarmos do educandário, o Instrutor Gúbio, pousando sobre Elói,
o nosso companheiro, e sobre mim, os olhos lúcidos, acentuou: — Para muitas
criaturas, é difícil compreender a arregimentação inteligente dos espíritos
perversos. Entretanto, é lógica e natural. Se ainda nos situamos distantes da
santidade, não obstante os propósitos superiores que já nos orientam, que
dizer dos irmãos infelizes que se deixaram prender, sem resistência, às teias da
ignorância e da maldade? Não conhecem região mais elevada que a esfera
carnal, a que ainda se ajustam por laços vigorosos. Enleados em forças de
baixo padrão vibratório, não apreendem a beleza da vida superior e, enquanto
mentalidades frágeis e enfermiças se dobram humilhadas, os gênios da
impiedade lhes traçam diretrizes, enfileirando-as em comunidades extensas e
dirigindo-as em bases escuras de ódio aviltante e desespero silencioso.
Organizam, assim, verdadeiras cidades, em que se refugiam falanges
compactas de almas que fogem, envergonhadas de si mesmas, ante quaisquer
manifestações da divina luz. Filhos da revolta e da treva aí se aglomeram,
buscando preservar-se e escorando-se, aos milhares, uns nos outros...
Auscultando-nos a surpresa manifesta, o Instrutor prosseguiu,
respondendo-nos às argüições
íntimas:
— Tais colônias perturbadoras devem ter começado com as primeiras
inteligências terrestres entregues à insubmissão e à indisciplina, ante os
ditames da Paternidade Celestial. A alma caída em vibrações desarmônicas,
pelo abuso da liberdade que lhe foi confiada, precisa tecer os fios do reajus
tamento próprio e milhões de irmãos nossos se recusam a semelhante esforço,
ociosos e impenitentes, alongando o labirinto em que muitas vezes se perdem
por séculos. Inabilitados para a jornada imediata, rumo ao Céu, em virtude das
paixões devastadoras que os magnetizam, arrebanham-se de conformidade
com as tendências inferiores em que se afinam, ao redor da Crosta Terrestre,
de cujas emanações e vidas inferiores ainda se nutrem, qual ocorre aos
próprios homens encarnados. O objetivo essencial de tais exércitos sombrios é
a conservação do primitivismo mental da criatura humana, a fim de que o
Planeta permaneça, tanto quanto possível, sob seu jugo tirânico.
As observações de Gúbio escaldavam-me o cérebro.
Eu também havia passado pelos baixos círculos da vida, depois do transe
corporal; entretanto, não identificara a existência dessas condensações
organizadas de entidades malignas do campo espiritual, embora ouvisse, em
muitas ocasiões, impressionantes comentários em torno delas.
Efetivamente, não conseguia, por ruim mesmo, exumar todas as
recordações do angustiado período que a porta do túmulo me oferecera.
Vira-me perseguido, através de longos pântanos... Errara, aflitivamente, dias e
noites que me pareceram sem fim, atormentado e desditoso; todavia,
custava-me crer que as atividades maléficas gozassem de organismo diretor.
Por isto mesmo, de mente agora centralizada nos propósitos do bem, aventurei
uma indagação.
— Com que fim — perguntei — essas legiões retardadas se mancomunam,
além da morte, se despidas da vestimenta grosseira de carne devem saber,
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lentas, enfaixado num veículo constituído de trilhões de células que são outras
tantas vidas microscópicas inferiores. Cada vida, porém, por mais
insignificante, possui expressão magnética especial. A vontade, não obstante
condicionada por leis cósmicas e morais, inclinará a comunidade dos
corpúsculos vivos que permanecem a seu serviço por tempo limitado, àmaneira
do eletricista que liga as forças da usina para atividades num charco ou para
serviços numa torre. Sendo cada um de nós uma força inteligente, detendo
faculdades criadoras e atuando no Universo, estaremos sempre engendrando
agentes psicológicos, através da energia mental, exteriorizando o pensamento
e com ele improvisando causas possíveis, cujos efeitos podem ser próximos ou
remotos sobre o ponto de origem. Abstendo-nos de mobilizar a vontade,
seremos invariáveis joguetes das circunstâncias predominantes, no ambiente
que nos rodeia; contudo, tão logo deliberemos manobrá-la, é indispensável
resolvamos o problema de direção, porqüanto nossos estados pessoais nos
refletirão a escolha íntima. Existem princípios, forças e leis no universo
minúsculo, tanto quanto no universo macrocósmico. Dirija um homem a sua
vontade para a ideia de doença e a moléstia lhe responderá ao apelo, com
todas as características dos moldes estruturados pelo pensamento enfermiço,
porque a sugestão mental positiva determina a sintonia e receptividade da
região orgânica, em conexão com o impulso havido, e as entidades
microbianas, que vivem e se reproduzem no campo mental das milhões de
pessoas que as entretêm, acorrerão em massa, absorvidas pelas células que
as atraem, em obediência às ordens interiores, reiteradamente recebidas,
formando no corpo a enfermidade idealizada. Claro que nesse capítulo temos a
questão das provas necessárias, nos casos em que determinada personalidade
renasce, atendendo a impositivos das lições expiatórias, mas, mesmo aí, o
problema de ligação mental é infinitamente importante, porqüanto o doente que
se compras na aceitação e no elogio da própria decadência acaba na posição
de excelente incubador de bactérias e sintomas mórbidos, enquanto que o
espírito em reajustamento, quando reage, valoroso, contra o mal, ainda mesmo
que benéfico e merecido, encontra imensos recursos de concentrar-se no bem,
integrando-se na corrente de vida vitoriosa
Registrava as explicações, profundamente edificado, e, não obstante a
longa pausa que se fêz espontâneamente, não ousei interromper o curso da
argumentação a fim de não quebrar a linha do pensamento. Prestimoso e
digno, Gúbio continuou:
— Nossa mente é uma entidade colocada entre forças inferiores e
superiores, com objetivos de aperfeiçoamento. Nosso organismo perispiritual,
fruto sublime da evolução, quanto ocorre ao corpo físico na esfera da Crosta,
pode ser comparado aos pólos de um aparelho magneto-elétrico.
O espírito encarnado sofre a influenciação inferior, através das regiões em
que se situam o sexo e o estômago, e recebe os estímulos superiores, ainda
mesmo procedentes de almas não sublimadas, através do coração e do
cérebro. Quando a criatura busca manejar a própria vontade, escolhe a
companhia que prefere e lança-se ao caminho que deseja. Se não escasseiam
milhões de influxos primitivistas, constrangendo-nos, mesmo aquém das
formas terrestres a entreter emoções e desejos, em baixos círculos, e
armando-nos quedas momentâneas em abismos do sentimento destrutivo,
pelos quais já peregrinamos há muitos séculos, não nos faltam milhões de
apelos santificantes, convidando-nos à ascensão para a gloriosa imortalidade.
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que se não afastaram, ainda, da Crosta Terrestre, há mais de dez mil anos.
Morrem no corpo denso e renascem nele, qual acontece às árvores que brotam
sempre, profundamente arraigadas no solo. Recapitulam, individual e
coletivamente, lições multimilenárias, sem atinarem com os dons celestiais de
que são herdeiras, afastadas deliberadamente do santuário de si mesmas, no
terreno movediço da egolatria inconsequente, agitando-se, de quando em
quando, em guerras arrasadoras que atingem os dois planos, no impulso mal
dirigido de libertação, através de crises inomináveis de fúria e sofrimento.
Destroem, então, o que construíram laboriosamente e modificam processos de
vida exterior, transferindo-se de civilização.
O Instrutor, sentindo a profunda atenção com que lhe seguíamos a palavra,
acentuou, depois de leve pausa:
— Todavia, no fluir e refluir das eras numerosas, os filhos do Planeta que
se conservam atentos às determinações divinas, livres da antiga escravidão à
miséria moral, tornam ao ambiente escuro do cativeiro que já abandonaram, a
fim de ampararem os irmãos ignorantes e desvairados, em sublime trabalho de
compaixão. Formam as vanguardas do Cristo. nos mais diversos pontos do
Globo, e, aos milhões, sob o patrocínio d’Ele, operam no amor e na renúncia,
avançando, dificilmente embora, humanidade a dentro, enfrentando a ofensiva
incendiária e exterminadora, com as bênçãos da Luz Celeste...
A exposição não podia ser mais clara. Elói, contudo, observou,
assombrado:
— Quem diria, na Terra, nosso velho domicilio, que a vida infinita se
estenderia, assim, estranha e ameaçadora?
— Sim — concordou o orientador —, porém a ortodoxia no mundo costuma
ser o cadáver da revelação. Argumentos teológicos de milênios obstruem os
canais da inteligência humana, quanto às realidades divinas. Mas a criatura
prosseguirá na tarefa de autodescobrimento. A força mental, na luta comum,
permanece restrita ao círculo acanhado da personalidade egoística, copiando o
molusco algemado à concha, e sabemos que semelhante energia, patrimônio
eterno com que nos sublimamos ou viciamos, emite raios criadores sobre a
matéria passiva que nos cerca, dependendo de nós a direção que venha a
tomar. Se milhões de raios luminosos formam um astro brilhante, é natural que
milhões de pequeninos desesperos integrem um inferno perfeito. Herdeiros do
Poder Criador, geraremos forças afins conosco, onde estivermos. Não será
tudo isto perfeitamente inteligível? É por esta razão que o Senhor mandou
constar no Livro Divino o seu aviso celestial: — “eis que estou à porta e bato”.
Se alguém abre a porta viva da alma, haverá realmente o colóquio redentor,
entre o Mestre e o Discípulo, O coração é tabernáculo e a sublimação das
potências que o integram é a única via de acesso às esferas superiores.
O devotado orientador fixou o gesto de quem dava término oportuno às
explicações, sorriu, benévolo, e interrogou:
— Qual de nós cometeria o absurdo de exigir voo ao balão cativo? A mente
humana, enraizada nos interesses mais fortes da Terra, não detém outro
símbolo.
Calamo-nos, atendidos em nossa fome de elucidações. Colhêramos ali, na
conversação de alguns minutos, precioso material de observação para longo
tempo.
Prosseguíamos, agora, em silêncio, extáticos ante a beleza imponente da
noite, maravilhosamente constelada.
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3
Entendimento
O zimbório estrelado, aos raios liriais da Lua, espalhava em torno
vibrações de beleza inexprimível, semeando esperança, alegria e consolo.
Informado quanto aos objetivos que nos conduziriam à Crosta, com escalas por
uma colônia purgatorial de vasta expressão, vali-me da hora amena para
aproveitar a convivência com o Instrutor, tentando arrancar-lhe observações
que vinham sempre revestidas de preciosos ensinamentos.
— É admirável pensar — aventurei respeitosamente — que se formam
verdadeiras expedições em nossa esfera para atender a simples caso de
obsessão...
— Os homens encarnados — redarguiu o orientador com certa vacuidade
no olhar, qual se trouxesse a alma presa a imagens fugidias do pretérito — não
suspeitam a extensão dos cuidados que despertam em nossos círculos de
ação. Somos todos, eles e nós, corações imantados uns aos outros, na forja de
benditas experiências. No romance evolutivo e redentor da Humanidade, cada
espírito possui capitulo especial. Ternos e ríspidos laços de amor e ódio,
simpatia e repulsão, acorrentam-nos reciprocamente. As almas corporificadas
na Crosta guardam-se em passageiro sono, com esquecimento temporário
quanto às atividades pregressas. Banham-se no Estige dos antigos, cujas
águas lhes facultam, durante certo tempo, valiosa segurança para retorno a
oportunidades de elevação. Todavia, enquanto se mergulham em olvido
benéfico, demoramo-nos por nossa vez, em abençoada vigília. Os perigos que
nos ameaçam os entes amados de agora ou de épocas que o tempo consumiu,
desde muito, não nos deixam impassíveis. Os homens não se acham sozinhos
na estreita senda de provas salutares em que se confinam. A responsabilidade
pelo aperfeiçoamento do mundo compete-nos a todos.
— Esclarecido, com respeito à jovem senhora que nos cabia socorrer,
aduzi, reverente:
— A enferma, a cuja assistência fomos admitidos, está por exemplo em
vosso passado espiritual...
— Sim — confirmou Gúbio, humilde —, alias não fui designado para servir no
caso de Margarida, a doente que nos compele à breve expedição do momento,
apenas porque houvesse sido minha filha em eras recuadas. Em cada
problema de Socorro, é imprescindível Considerar as várias partes em jogo.
Em virtude do enigma de obsessão que nos propomos resolver, somos levados
a buscar todas as personalidades que compõem o quadro de serviço.
Perseguidores e perseguidos entrelaçam-se, em cada processo de auxílio, em
grande expressão numérica. Cada espírito é um elo importante em extensa
região da corrente humana. Quanto mais crescemos em conhecimentos e apti
dões, amor e autoridade, maior é o âmbito de nossas ligações na esfera geral.
Almas existem que se vêem sob o interesse de milhões de outras almas.
Enquanto os movimentos da vida se estendem, harmoniosos, sob os
ascendentes do bem, as dificuldades não chegam a surgir; contudo, quando a
Perturbação se estabelece, não é fácil desfazer obstáculos porque, em tais
circunstâncias é indispensável procedamos com absoluta imparcialidade dando
a cada um quanto lhe caiba. O homem terrestre, mormente nos dias
tormentosos, costuma ver somente o “seu lado”, mas, acima da justiça comum,
prôpriamente considerada, outros tribunais mais altos funcionam... Em razão
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4
Numa cidade estranha
No dia imediato, pusemo-nos em marcha.
Respondendo-nos às argüições afetuosas, o Instrutor informou-nos de que
teríamos apenas alguns dias de ausência.
Além dos serviços referentes ao encargo particular que nos mobilizava,
entraríamos em algumas atividades secundárias de auxílio. Técnico em
missões dessa natureza, afirmou que nos admitira, num trabalho que ele
poderia desenvolver sôzinho, não só pela confiança que em nós depositava,
mas também pela necessidade da formação de novos cooperadores,
especializados no ministério de socorro às trevas.
Após a travessia de várias regiões, “em descida”, com escalas por diversos
postos e instituições socorristas, penetramos vasto domínio de sombras. A
claridade solar jazia diferençada.
Fumo cinzento cobria o céu em toda a sua extensão.
A volitação fácil se fizera impossível.
A vegetação exibia aspecto sinistro e angustiado. As árvores não se
vestiam de folhagem farta e os galhos, quase secos, davam a ideia de braços
erguidos em súplicas dolorosas.
Aves agoureiras, de grande tamanho, de uma espécie que poderá ser
situada entre os corvideos. crocitavam em surdina, semelhando-Se a pequenos
monstros alados espiando presas ocultas.
O que mais contristava, porém, não era o quadro desolador, mais ou
menos semelhante a outros de meu conhecimento, e, sim, os apelos cortantes
que provinham dos charcos. Gemidos tipicamente humanos eram pronunciados
em todos os tons.
Acredito, teríamos examinado individualmente os sofredores que aí se
localizavam, se nos entregássemos a detida apreciação; todavia, Gúbio,
àmaneira de outros instrutores, não se detinha para atender a curiosidade
improfícua.
Lembrando a “selva escura” a que Alighieri se reporta no imortal poema, eu
trazia o coração premido de interrogativas inquietantes.
Aquelas árvores estranhas, de frondes ressecadas, mas vivas, seriam
almas convertidas em silenciosas sentinelas de dor, qual a mulher de Lot,
transformada simbôlicamente em estátua de sal?
E aquelas grandes corujas diferentes, cujos olhos brilhavam
desagradàvelmente nas sombras, seriam homens desencarnados sob tremendo
castigo da forma? Quem chorava nos vales extensos de lama? criaturas que
houvessem vivido na Terra que recordávamos, ou duendes desconhecidos para
nós?
De quando em quando, grupos hostis de entidades espirituais em
desequilíbrio nos defrontavam, seguindo adiante, indiferentes, incapazes de
registrar-nos a presença. Falavam em alta voz, em português degradado, mas
inteligível, evidenciando, pelas gargalhadas, deploráveis condições de igno
rância. Apresentavam-se em trajes bisonhos e conduziam apetrechos de lutar e
ferir.
Avançamos mais profundamente, mas o ambiente passou a sufocar-nos.
Repousamos, de algum modo, vencidos de fadiga singular, e Gúbio, depois de
alguns momentos, nos esclareceu:
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Operações seletivas
Transcorridas longas horas em compartimento escuro, aproveitadas em
meditações e preces, sem entendimentos verbais, fomos conduzidos, na noite
imediata, a um edifício de grandes e curiosas proporções.
O esquisito palácio guardava a forma de enorme hexágono, alongando-se
para cima em torres pardacentas, e reunia muitos salões consagrados a
estranhos serviços. fluminado externa e interior-mente pela claridade de
volumosos tocheiros, apresentava o aspecto desagradável de uma casa
incendiada.
Sob a custódia de quatro guardas da residência de Gregório, que nos
comunicaram a necessi• dade de exame antes de qualquer contacto direto com
o aludido sacerdote, penetramos o recinto de largas dimensões, no qual se
congregavam algumas dezenas de entidades em deploráveis condições.
Moços e velhos, homens e mulheres, aí se misturavam em relativo silêncio.
Alguns gemiam e choravam.
Reparei que a multidão se constituía, em sua quase totalidade, de almas
doentes. Muitos padeciam desequilíbrios mentais visíveis.
Observei-lhes, impressionado, o aspecto enfermiço.
O perispírito de todos os que aí se enclausuravam, pacientes e expectadores,
mostrava a mesma opacidade do corpo físico. Os estigmas da velhice, da
moléstia e do desencanto, que perseguem a experiência humana, ali
triunfavam, perfeitos...
O medo controlava os mais desesperados, porque o silêncio caía,
abafante, embora a inquietação que transparecia de todos os rostos. Alguns
servidores da casa, em trajes caracteristicos, separavam, por grupos vários, as
pessoas desencarnadas que entrariam, naquele momento, em seleção para
julgamento oportuno.
Discretamente, o Instrutor elucidou-nos:
— Presenciamos uma cerimônia semanal dos juizes implacáveis que vivem
sediados aqui. A operação seletiva realiza-se com base nas irradiações de
cada um. Os guardas que vemos em trabalho de escolha, compondo grupos
diversos, são técnicos especializados na identificação de males numerosos,
através das cores que caracterizam o halo dos Espíritos Ignorantes, perversos
e desequilibrados. A divisão para facilitar o serviço judiciário é, por isto mesmo,
das mais completas.
A essa altura, o pessoal de Gregório nos dera tréguas, afastando-se de
nós, de algum modo, não obstante vigiar-nos das galerias repletas de gente.
Respeitado o nosso trio pelos selecionadores que não nos alteraram a união,
situávamo-nos, agora, no campo das vítimas.
Atento à explicação ouvida, indaguei, curioso:
— Todas estas entidades vieram constrangidas, conforme sucedeu
conosco? Há espíritos satânicos, recordando as oleografias religiosas da Cros
ta, disputando as almas no leito de morte?
O orientador obtemperou, muito calmo:
— Sim. André, cada mente vive na companhia que elege. Semelhante
princípio prevalece para quem respira no corpo denso ou fora dele. É imperioso
reconhecer, porém, que a maioria das almas asiladas neste sítio vieram ter
aqui, obedecendo a forças de atração. Incapazes de perceber a presença dos
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6
Observações e novidades
(1) O perispírito, mais tarde, será objeto de mais amplos estudos das escolas
espiritistas cristãs. — Nota do Autor espiritual.
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Quadro doloroso
De manhã, um emissário do sacerdote Gregório, com semblante mal
humorado, veio notificar-nos, em nome dele, que dispúnhamos de liberdade até
as primeiras horas da tarde, quando nos receberia para entendimento
particular.
Ausentamo-nos do cubículo, sinceramente desafogados.
A noite fora simplesmente aflitiva, pelo menos para mim que não
conseguira qualquer quietação no repouso. Não sômente o ruido exterior se
fizera contínuo e desagradável, mas também a atmosfera pesava, asfixiante.
As alucinadoras conversações no ambiente me perturbavam e feriam.
Convidou-nos Gúbio a pequena excursão educativa, asseverando-me,
bondoso:
— Vejamos, André, se poderemos aproveitar alguns minutos, estudando os
“ovóides”.
Elói e eu acompanhamo-lo, satisfeitos.
Coalhava-se a rua de tipos característicos da anormalidade deprimente.
Aleijados de todos os matizes, idiotas de máscaras variadas, homens e
mulheres de fisionomia torturada, iam e vinham. Ofereciam a perfeita im
pressão de alienados mentais. Exceção de alguns que nos fixavam de olhar
suspeitoso e cruel, com manifesta expressão de maldade, a maior parte, a meu
ver, situava-se entre a ignorância e o primitivismo, entre a amnésia e o
desespero. Muitos demonstravam-se irritadiços ante a calma de que lhes
dávamos testemunho. Perante os desmantelos e detritos a transparecerem de
toda parte, conclui que o esforço coletivo se mantinha ausente de qualquer
serviço metódico, junto à matéria do plano. A conversação ociosa era, ali, o
traço dominante.
O Instrutor informou-nos, então, com muito acerto, de que as mentes
extraviadas, de modo geral, lutam com idéias fixas, implacáveis e obcecantes,
gastando longo tempo a fim de se reajustarem. Rebaixadas pelas próprias
ações, perdem a noção do bom-gosto, do conforto construtivo, da beleza
santificante e se entregam a lastimável relaxamento.
Com efeito, a paisagem, sob o ponto de vista de ordem, deixava muito a
desejar. As edificações, excetuados os palácios da praça governativa, onde se
notava a movimentação de grande massa de escravos, desapontavam pelo
aspecto e condições em que se mantinham. As paredes, revestidas de
substância semelhante ao lodo, mostravam-Se repelentes não só à visão, mas
também ao olfato, pelas exalações desagradáveis.
A vegetação, em todos os ângulos, era escassa e mirrada.
Gritos humanos, filhos da dor e da inconsciência, eram frequentes,
provocando-nos sincera piedade.
Fôssem poucos os transeuntes infelizes e poder-se-ia pensar num serviço
metódico de assistência individual; mas, que dizer de uma cidade constituída
por milhares de loucos declarados?
Dentro de colmeia dessa natureza, o homem sadio que tentasse impor
socorro ao espírito geral não seria efetivamente o alienado mental, aos olhos
alheios? Impraticável, por isso, qualquer organização beneficente visível, a não
ser através de serviço arriscado qual aquele de que o nosso Instrutor se
incumbira, tocado pela renúncia, na obra de santificação com o Cristo.
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Inesperada intercessão
A sala em que fomos recebidos pelo sacerdote Gregório semelhava-se a
estranho santuário, cuja luz interior se alimentava de tochas ardentes. Sentado
em pequeno trono que lhe singularizava a figura no desagradável ambiente, a
exótica personagem rodeava-se de mais de cem entidades em atitude
adorativa. Dois áulicos, extravagantemente vestidos, manejavam grandes
turíbulos, em cujo bojo se consumiam substâncias perfumadas, de violentas
emanações.
Trajava ele uma túnica escarlate e nimbava-Se de halo pardo-escuro, cujos
raios, inquietantes e contundentes, nos feriam a retina.
Fixou em nós o olhar percuciente e inquiridor e estendeu-nos a destra,
dando-nos a entender que podíamos aproximar.
Fortemente empolgado, acompanhei Gúbio.
Quem seria Gregório naquele recinto? Um chefe tirânico ou um ídolo vivo,
saturado de misterioso poder?
Doze criaturas, ladeando-lhe o dourado assento, ajoelhavam-se, humildes,
atentas às ordens que lhe emanassem da boca.
Com um simples gesto determinou regime sigiloso para a conversação que
entabolaria conosco, porque, em alguns segundos, o recinto se esvaziou de
quantos dentro dele se achavam, estranhos à nossa presença.
Compreendi que cogitaríamos de grave assunto e fitei nosso orientador
para copiar-lhe os movimentos.
Gúbio, seguido por Elói e por mim, a reduzida distância, acercou-se do
anfitrião que o contemplava de fisionomia rude, passando, de minha parte, a
espreitar o esforço de nosso Instrutor para contornar os obstáculos do
momento, de modo a não classificar-se por mentiroso, à face da própria cons
ciência.
Cumprimentou-o Gregório, exibindo fingida complacência, e falou: —
Lembra-te de que sou juiz, mandatário do governo forte aqui estabelecido. Não
deves, pois, faltar à verdade.
Decorrida pequena pausa, acrescentou:
— Em nosso primeiro encontro, enunciaste um nome...
— Sim — respondeu Gúbio, sereno —, o de uma benfeitora.
— Repete-o! — ordenou o sacerdote, imperativo.
— Matilde.
O semblante de Gregório fêz-se sombrio e angustiado. Dir-se-ia recebera
naquele instante tremenda punhalada invisível. Dissimulou, no entanto, dura
impassibilidade e, com a firmeza de um administrador orgulhoso e torturado,
inquiriu:
— Que tem de comum comigo semelhante criatura?
Nosso orientador redargüiu, sem afetação:
— Asseverou-nos querer-te com desvelado amor materno.
— Evidente engano! — aduziu Gregório, ferino — minha mãe separou-se
de mim, há alguns séculos. Ao demais, ainda que me interessasse tal
reencontro, estamos fundamentalmente divorciados um do outro. Ela serve ao
Cordeiro, eu sirvo aos Dragões (1).
Aquela particularidade da palestra bastava para que minha curiosidade
explodisse, indômita.
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(1) Espíritos caídos no mal, desde eras primevas da Criação Planetária, e que
operam em zonas inferiores da vida, personificando líderes de rebelião, ódio,
vaidade e egoísmo; não são, todavia, demônios eternos, porque
individualmente se transformam para o bem, no curso dos séculos, qual
acontece aos próprios homens. — Nota do autor espiritual.
como poderia operar o amor que salva, sem a justiça que corrige? Os Grandes
Juizes são temidos e condenados; entretanto, suportam os resíduos humanos,
convivem com as nojentas chagas do Planeta, lidam com os crimes do mundo,
convertem-se em carcereiros dos perversos e dos vis.
E à maneira da pessoa culpada, que estima longas justificações,
continuou, irritadiço:
— Os filhos do Cordeiro poderão ajudar e resgatar a muitos. No entanto,
milhões de criaturas (1), como sucede a mim mesmo, não pedem auxílio nem
liberação. Afirma-se que não passamos de transviados morais - Seja -
Seremos, então, criminosos, vigiando-nos uns aos outros.
A Terra pertence-nos, porque, dentro dela, a animalidade domina,
oferecendo-nos clima ideal
Não tenho, por minha vez, qualquer noção de Céu. Acredito seja uma
corte de eleitos, mas o mundo visível para nós constitui extenso reino de
condenados - No corpo físico, caímos na rede de circunstâncias fatais; con
tudo, a teia que os planos inferiores nos prepararam servirá a milhões - Se é
nosso destino joeirar o trigo do mundo, nossa peneira não se fará complacente.
Experimentados que somos na queda, provaremos todos os que nos surgirem
no caminho.
Ordenam os Grandes Juizes que guardemos as portas - Temos, por isso,
servidores, em todas as direções. Subordinam-se-nos todos os homens e mu
lheres afastados da evolução regular, e é forçoso reconhecer que semelhantes
individualidades se contam por milhões - Além disso, os tribunais terrestres são
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habitam formas humanas aos milhares de milhares? Que seria dos Céus se
não vigiássemos os infernos?
Gargalhada sarcástica e estrepitosa seguiu-lhe as palavras.
Gúbio, porém, não se perturbou.
Com simplicidade, tornou a considerar:
— Ouso lembrar, todavia, que, se nos lançássemos todos a socorrer os
miseráveis, a miséria se extinguiria; se educássemos os ignorantes, a treva
não teria razão de ser; se amparássemos os delinqüentes, oferecendo-lhes
estímulos à luta regenerativa, o crime seria varrido da face da Terra.
O sacerdote fêz vibrar uma campainha, que me pareceu destinada a
expandir-lhe as expressões de ira e gritou, rouquenho:
— Cala-te! insolente! sabes que te posso punir!...
— Sim — concordou o nosso orientador, imperturbável —, suponho conhecer
a extensão de tuas possibilidades. Eu e meus companheiros, àleve ordem de
tua boca, podemos receber prisão e tortura e, se esta representa a vontade de
teu coração, estamos prontos a recebê-las.
Conhecíamos, de antemão, as probabilidades contra nós, nesta aventura;
entretanto, o amor nos inspira e confiamos no mesmo Poder Soberano que te
permite aplicar a justiça.
Gregório fitou Gúbio, assombrado, à vista de tamanha coragem e, decerto,
aproveitando este a transformação psicológica do momento, enunciou com
firmeza serena:
— Declarou-nos Matilde, a nossa benfeitora, que a tua nobreza não se
esvaiu e que as tuas elevadas qualidades de caráter permanecem invioladas,
não obstante a direção diferente que imprimiste aos passos; por isto mesmo,
identificando-te o valor pessoal, chamo-te de “respeitável” nos apelos que te
dirijo.
A cólera do sacerdote pareceu amainar-se.
— Não acredito em tuas informações — acentuou, contrariado —, mas sê
claro nas rogativas. Não disponho de tempo para falas inúteis. — Venerável
Gregório — pediu nosso Instrutor, humilde —, serei breve. Ouve-me com
tolerãncia e bondade. Não ignoras que tua mãe espiritual jamais se esqueceria
de Margarida, ameaçada atualmente de loucura e morte, sem razão de ser...
Escutando o informe, o hierofante modificou-se visivelmente, expressando na
fisionomia inquietação indisfarçável. A estranha auréola que lhe revestia a
fronte revelou tonalidades mais escuras. Dureza singúlar transpareceu-lhe nos
olhos felinos e os lábios se lhe contraíram num neto de infinita amargura.
Tive a idéia de que ele nos fulminaria se pudesse, mas conteve-se, imóvel,
apesar da expressão agressiva e rude.
— Não desconheces que Matilde possui na tua companheira de outras eras
uma pupila muito amada ao coração. As preces dessa torturada filha
espiritual atingem-lhe a alma abnegada e luminosa. Gregório: Margarida
empenha-se em viver no corpo, faminta de redenção. Aspirações renovadoras
banharam-lhe a meninice e, agora, que o casamento, em plena juventude, lhe
revigoriza as esperanças, deseja demorar-se no campo de luta benéfica, de
modo a ressarcir o passado culposo. Certamente, fortes razões te obrigam a
constrangê-la ao retorno, porque lhe armaste caprichoso caminho de morte.
Não te reprovo, nem te acuso, pois nada sou. E ainda que o Senhor me confe
risse algum alto encargo representativo, não me competiria julgar-te, senão
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Perseguidores invisíveis
No dia imediato, pela manhã, em companhia de entidades ignorantes e
transviadas, dirigimo-nos para confortável residência, onde espetáculo
inesperado nos surpreenderia.
O edifício de enormes dimensões denunciava a condição aristocrática dos
moradores, não só pela grandeza das linhas, mas também pelos admiráveis
jardins que o rodeavam. Paramos junto à ala esquerda, notando-a ocupada por
muitas personalidades espirituais de aspecto deprimente.
Rostos patibulares, carantonhas sinistras.
Indiscutivelmente, aquela construção residencial permanecia vigiada por
carcereiros frios e impassíveis, a julgar pelas sombras que os cercavam.
Transpus o limiar, de alma opressa.
O ar jazia saturado de elementos intoxicantes. Dissimulei, a custo, o mal
estar, recolhendo impressões aflitivas e dolorosas.
Entidades inferiores, em grande cópia, afluiram à sala de entrada,
sondando-nos as intenções.
De posse, porém, das instruções do nosso orientador, tudo fazíamos para
nos assemelharmos a delinqüentes vulgares. Reparei que o próprio Gúbio se
fizera tão escuro, tão opaco na organização perispirítica, que de modo algum
se faria reconhecível, à exceção de nós que o seguíamos, atentos, desde a
primeira hora.
Instado por Sérgio, um gaiato rapaz que nos Introduziu com maneiras
menos dignas, Saldanha, o diretor da falange operante, veio receber-nos.
Pôs-se a fazer gestos hostis, mas, ante a senha com que Gregório nos
favorecera, admitiu-nos na condição de companheiros importantes. — O chefe
deliberou apertar o cerco? — perguntou ao nosso Instrutor, confidencialmente.
— Sim — informou Gúbio, de modo vago —, desejaríamos examinar as
condições gerais do assunto e auscultar a doente.
— A jovem senhora vai cedendo, devagarinho — esclareceu a singular
personagem, indicando-nos vasto corredor atulhado de substâncias fluídicas
detestáveis.
Acompanhou-nos, um tanto solícito, mas desconfiado, e, em seguida a
breve pausa, deixou-nos livre a entrada da grande câmara de casal. A manhã
resplandecia, lá fora, e o sol visitava o quarto, através da vidraça cristalina.
Mulher ainda moça, mostrando extrema palidez nas linhas nobres do
semblante digno, entregava-se a tormentosa meditação.
Compreendi que atingíramos a intimidade de Margarida, a obsidiada que o
nosso orientador se propunha socorrer.
Dois desencarnados, de horrível aspecto fisionômico, inclinavam-se, confiantes
e dominadores, sobre o busto da enferma, submetendo-a a compli cada
operação magnética. Essa particularidade do quadro ambiente dava para
espantar. No entanto, meu assombro foi muito mais longe, quando concentrei
todo o meu potencial de atenção na cabeça da jovem singularmente abatida.
Interpenetrando a matéria espessa da cabeceira em que descansava, surgiam
algumas dezenas de “corpos ovóides”, de vários tamanhos e de cor plúmbea,
assemelhando-se a grandes sementes vivas, atadas ao cérebro da paciente
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se fará esperar.
A meu ver, Gúbio conhecia todas as particularidades do assunto, mas, no
propósito evidente de captar simpatia, Interrogou:
— E o marido?
— Ora — esclareceu Saldanha com escarninho sorriso —, o infeliz não
tem a menor noção de vida moral. Não é mau homem; todavia, no casamento
foi apenas transferido de “gozador da vida” a “homem sério”. A paternidade
constituir-lhe-ia um trambolho e filhinhos, se os recebesse, não passariam para
ele de curiosos brinquedos. Hoje, conduzirá a esposa à igreja.
E, reforçando a inflexão sarcástiCa, acentuou:
— Vão à missa, na esperança de melhoras.
Mal acabara a informação, tristonho e simpático cavalheiro, em cuja
expressão carinhosa identifiquei, de pronto, o esposo da vitima, entrou no
aposento, com ela permutando palavras amorosas e confortantes. Amparou-a,
prestimoso, e ajudou-a a vestir-Se com esmero.
Decorridos algunS minutos, notei, apalermado, que os cônjuges,
acompanhados por extensa súcia de perseguidores, tomavam um táxi na
direção dum templo católico.
Seguimo-nos sem detença.
O veículo, a meu ver, transformara-se como que num carro de festa
carnavalesCa. Entidades diversas aboletavam-se dentro e em torno dele, des
de os pára-lamas até o teto luzente.
Minha curiosidade era enorme.
Descendo à porta de elegante santuário, observei estranho espetáculo. A
turba de desencarnados, em posição de desequilíbriO, era talvez cinco vezes
maior que a assembleia de crentes em carne e osso. Compreendi, logo, que
em maior parte ali se achavam com o propósito deliberado de perturbar e iludir.
Saldanha encontrava-se excessivamente preocupado com as vítimas, para
dispensar-nos maior atenção e, intencionalmente, Gúbio afastou-Se um tanto,
em nossa companhia, a fim de confiar-nos alguns esclarecimentos.
Penetramos o templo onde se comprimiam nada menos de sete a oito
centenas de pessoas.
A algazarra dos desencarnados ignorantes e perturbadores era de
ensurdecer. A atmosfera pesava.
A respiração fizera-se-me difícil pela condensação dos fluidos semicarnais ali
reinantes; todavia, ao fixar os altares, confortante surpresa aliviou-me o
coração. Dos adornos e objetos do culto emanava doce luz que se espraiava
pelos cimos da nave visitada de sol; fazia-se perceptível a nítida linha divisória
entre as energias da parte inferior do recinto e as do plano superior. Dividiam
se os fluidos, à maneira de água cristalina e azeite impuro, num grande
recipiente.
Contemplando a formosa claridade dos nichos, perguntei ao nosso
Instrutor:
— Que vemos? não reza o segundo mandamento, trazido por Moisés, que
o homem não deve fazer imagens de escultura para representar a Paternidade
Celeste?
— Sim — concordou o orientador —, e determina o Testamento que
ninguém se deve curvar diante delas. Efetivamente, pois, André, é um erro criar
ídolos de barro ou de pedra para simbolizar a grandeza do Senhor, quando
nossa obrigação primordial é a de render-lhe culto na própria consciência;
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10
Em aprendizado
De retorno a casa, com indisfarçável estranheza reparei que o nosso
Instrutor não empreendia qualquer ataque em defesa da doente querida. A
jovem senhora, novamente metida no leito, semi-aniquilada, punha os olhos no
ar vazio, absorvida de indefinível pavor.
Um dos insensíveis magnetizadores presentes, à Insinuação de Saldanha,
começou a aplicar energias perturbadoras, ao longo dos olhos, torturando as
fibras de sustentação. Não sômente o cristalino, em ambos os órgãos visuais,
denunciava fenômenos alucinatórios, mas também as artérias oculares re
velavam-se sob fortes modificações.
Percebi a facilidade com que os seres perversos das sombras hipnotizam
as suas vítimas, impondo-lhes os tormentos psíquicos que desejam. Grossas
lágrimas banhavam o rosto da enferma, traduzindo-lhe as agitações interiores.
Dilacerada, a mente aflita e sofredora tiranizava o coração que batia,
precipite, imprimindo graves alterações em todo o cosmos orgânico. Das
complicadas operações sobre os olhos, o magnetizador passou a interessar-se
pelas vias do equilíbrio e pelas células auditivas, carregando-as de substância
escura, qual se estivesse doando combustível a um motor. Margarida, ainda
que o desejasse, agora não conseguiria erguer-se. Compacta emissão de
fluidos tóxicos misturava-se à linfa dos canais semi circulares.
Terminada a esquisita intervenção, Saldanha dispensou os terríveis
colaboradores, à exceção da dupla que se incumbia do hipnotismo, alegando
que havia serviço em outra parte da cidade.
Outros casos aguardavam a legião de Gregório, e Margarida, no parecer
do chefe de tortura, já recebera suficiente material de prostração para trinta
horas consecutivas.
Pouco a pouco, esvaziou-se a casa, semelhante agora a desprezada
colmeia de maribondos vorazes. Contudo, aí permaneciam Saldanha, os dois
magnetizadores, nós três e a coleção de mentes, em “formas ovóides», ligadas
ao cérebro da senhora flagelada.
A sós com o temível obsessor, Gúbío procurou sondar-lhe o íntimo,
discretamente.
— Sem dúvida que a sua fidelidade aos compromissos assumidos —
declarou o nosso orientador, atencioso — é bastante significativa. E enquanto
Saldanha sorria, envaidecidamente, continuou, de olhar penetrante e doce:
— Que razões teriam conduzido Gregório a conferir-lhe tão delicada
missão?
— O ódio, meu amigo, o ódio! — explicou o interpelado decidido.
— À senhora? — aduziu Gúbio, indicando a doente.
— Não propriamente a ela, mas ao pai, juiz sem alma que me devastou o
lar. Faz onze anos, precisamente, que a sentença cruel de um magistrado caiu
sobre os meus descendentes, exterminando-os...
E, diante da expressão de real interesse que o nosso Instrutor deixava
perceber, o infeliz continuou:
— Tão logo abandonei o corpo físico, premido por uma tuberculose
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Valiosa experiência
Atento à sugestão do médico amigo, no dia imediato pela manhã dispôs-se
Gabriel a conduzir a esposa ao exame de afamado professor em ciências
psíquicas, no intuito de conseguir-lhe cooperação benfazeja.
Pude reparar, então, que a liberdade dos homens, no terreno da consulta,
é quase irrestrita, porqüanto, de nosso lado, Gúbio demonstrou profundo
desagrado, asseverando-me, discreto, que tudo faria por impedir a providência
que sômente seria profícua e aconselhável, a seu parecer, através de
autoridade diferente no assunto.
O professor indicado era, segundo a opinião do nosso desvelado
orientador, admirável expoente de fenômenos, portador de dons medianímicos
notáveis, mas não oferecia proveito substancial aos que se acercassem dele,
por guardar a mente muito presa aos interesses vulgares da experiência ter
restre.
— Fazer psiquismo — falou-me o Instrutor, em voz quase imperceptível —
é atividade comum, tão comum quanto qualquer outra, O essencial
édesenvolver trabalho santificante. Visitar medianeiros de reconhecida
competência no trato entre os dois mundos, senhores de faculdades
magníficas no setor informativo, é o mesmo que entrar em contacto com os
donos de soberba fortuna. Se o detentor de tão grandes bens não se acha
interessado em gastar os recursos de que dispõe, a favor da felicidade dos
semelhantes, o conhecimento e o dinheiro apenas lhe agravarão os
compromissos no egoísmo praticado, na distração inoperante ou na perda
lamentável de tempo.
Apesar da oportuna observação, notamos que o esposo da obsidiada não
oferecia receptividade mental que nos favorecesse a modificação desejável.
Todo o nosso esforço sutil para colocá-lo noutro caminho redundou em
fracasso. Gabriel não sabia cultivar a meditação.
Embora visivelmente preocupado, comentou o orientador:
— De qualquer modo, aqui nos achamos para ajudar e servir.
Acompanharemos o casal nessa nova aventura.
Em breve tempo, entraríamos em contacto com o psiquista lembrado. Com
muito interesse, como quem sabia, de antemão, os sucessos que se
desdobrariam, Saldanha acompanhou as mínimas providências, sem
desagarrar-se da jovem senhora.
Alguns minutos antes das onze do dia, encontrávamo-nos todos em vasto
salão de espera, aguardando a chamada.
Mais três grupos de pessoas ali se congregavam em ansiosa espera.
Demorava-se o professor em gabinete isolado, atendendo a enfermo mental
que se revelava, de longe, pelas frases desconexas que proferia em alta voz.
Reparei que os presentes se faziam seguidos de grande número de
desencarnados. Para definir corretamente, a casa inteira mais se assemelhava
a larga colmeia de trabalhadores sem corpo físico.
Entidades de reduzida expressão evolutiva iam e vinham, prestando pouca
atenção à nossa presença.
Em vista da férrea disposição de Saldanha, no sentido de manter
Margarida sob severa custódia pessoal, o nosso Instrutor, alegando interesse
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Sorrindo, acrescentou:
— Nesta casa, o enfermo não é amparado pelo socorrista de que se vem
valer e, sim, pela assistência espiritual edificante de que possa desfrutar. E
porque eu indagasse, com respeito ao doente, explicou, gentil: — Este
companheiro é austero administrador de serviços públicos. Na condição de
mordomo e disciplinador, incapaz de usar o algodão da ternura em feridas
alheias, adquiriu ódios gratuitos e silenciosas perseguições que lhe vergastam
a mente, sem cessar, desde muitos anos, com perigosos reflexos no sistema
circulatório, zona menos resistente do seu cosmos físico. Lutando,
desassombrado, por reajustar a concepção de funcionários relapsos, mas sem
armas de amor na própria defensiva, apresenta consideráveis prejuízos nas
veias coronárias. Semelhantes ataques de forças imponderáveis visaram-lhe
igualmente o fígado e o baço, que se revelam em lamentáveis condições.
Acontece, porém, que a grande corrente de perseguidores, despertados por
sua ação enérgica e educativa, conseguiu insinuar nos médicos, que o
assistem, a necessidade de uma intervenção na vesícula biliar, preparando-se
lhe, com isso, um choque operatório, que lhe imporá a morte inesperada do
corpo. O plano foi admiravelmente bem delineado. Entretanto, pelo bem que
existe no fundo da severidade com que o nosso companheiro tem agido,
buscaremos socorrê-lo através do médium que deliberou visitar. Recebi
instruções, no sentido de obstar a operação cirúrgica e confio na vitória de
minha tarefa.
Francamente, eu gostaria de levar a efeito um exame no paciente, para
verificar até que ponto havia sofrido os golpes mentais em serviço, mas o olhar
de Gúbio se fizera imperativo.
Cabia-nos a execução de deveres importantes e precisávamos retornar ao
Saldanha. O problema de Margarida era complexo e competia-nos enfrentar lhe
a solução, de ânimo firme.
O obsessor da infortunada senhora, sentindo-nos o concurso espontâneo,
acolheu-nos sem desconfiança.
Assumindo ares de pessoa superinteligente, comunicou ao nosso Instrutor
que resolvera solicitar a neutralidade dos servos espirituais do professor
operante. Com fina sagacidade asseverou que era necessário evitar a piedade
do médium e confundir-lhe as observações, através de todos os recursos
possíveis.
Em seguida à elucidação que me surpreendeu, rogou a presença de um
dos colaboradores mais influentes e apareceu diante de nós a esquisita figura
de um anão de semblante enigmático e expressivo.
Expedito, Saldanha pediu-lhe cooperação sem rebuços, esclarecendo que
o operador da casa não deveria penetrar o problema de Margarida, na inti
midade. Prometia-lhe, em troca do favor, não só a ele, mas também a outros
auxiliares no assunto excelente remuneraçãO em colônia não distante. E
descreveu-lhe, com largas promessaS1 quanto lhe poderia proporcionar em
regalo e prazeres no cortiço de entidades perturbadas e ignorantes, onde
conhecêramos Gregório.
O serviçal manifestou indisfarçado contentamento e assegurou que o
médium não perceberia patavinas.
Com justificada curiosidade, acompanhei o desenrolar dos
acontecimentos.
Logo à entrada do gabinete, percebi que a oficina não inspirava segura
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confiança.
O professor pôs-se imediatamente a combinar o preço do trabalho de que
se encarregaria, exigindo adiantadamente de Gabriel significativo pagamento.
O intercâmbio ali, entre as duas esferas, se resumia a negócio tão comum
quanto outro qualquer.
Sem detença, reconheci que o médium, se podia controlar, de algum
modo, os Espíritos que se alimentavam de seu esforço, era também facilmente
controlado por eles.
O recinto jazia repleto de entidades em fase primária de evolução.
Saldanha, excessivamente atarefado, anunciou-nos que presidiria, de perto,
aos trâmites da ação mediúnica, notificando-nos, prazeroso, que lhe fora
hipotecada plena ajuda das entidades ali dominantes.
Em razão disso, podíamos analisar os fatos, em companhia de Gúbio,
recolhendo preciosa lição.
Depois de visivelmente satisfeito no acordo financeiro estabelecido,
colocou-se o vidente em profunda concentração e notei o fluxo de energias a
emanarem dele, através de todos os poros, mas muito particularmente da
boca, das narinas, dos ouvidos e do peito. Aquela força, semelhante a vapor
fino e sutil, como que povoava o ambiente acanhado e reparei que as
individualidades de ordem primária ou retardadas, que coadjuvavam o médium
em suas incursões em nosso plano, sorviam-na a longos haustos, sustentando
se dela, quanto se nutre o homem comum de proteína, carboidratos e
vitaminas.
Examinando a paisagem, Gúbio esclareceu-nos em voz imperceptível aos
demais:
— Esta força não é patrimônio de privilegiados. É propriedade vulgar de
todas as criaturas, mas entendem-na e utilizam-na sômente aqueles que a
exercitam através de acuradas meditações.
É o “spiritus subtilissimus” de Newton, o “fluido magnético” de Mesmer e a
“emanação ódica” de Rei chenbach. No fundo, é a energia plástica da mente
que a acumula em si mesma, tomando-a ao fluido universal em que todas as
correntes da vida se banham e se refazem, nos mais diversos reinos da
natureza, dentro do Universo. Cada ser vivo éum transformador dessa força,
segundo o potencial receptivo e irradiante que lhe diz respeito. Nasce o homem
e renasce, centenas de vezes, para aprender a usá-la, desenvolvê-la,
enriquecê-la, sublimá-la, engrandecê-la e divinizá-la.
Entretanto, na maioria das vezes, a criatura foge à luta que interpreta por
sofrimento e aflição, quando é inestimável recurso de auto-aprimoramento,
adiando a própria santificação, caminho único de nossa aproximação do
Criador.
Vendo a cena que se desenrolava, ponderei:
— É forçoso convir, porém, que este vidente é vigoroso na
instrumentalidade. Permanece em
perfeito contacto com os Espíritos que o assistem e que encontram nele sólido
sustentáculo.
— Sim — confirmou o orientador, sereno —, mas não vemos aqui qualquer
sinal de sublimação na ordem moral, O professor de relações com a nossa
esfera, inabordável, por enquanto, ao homem comum, sintoniza-se com as
emissões vibratórias das entidades que o acompanham em posição primitivista,
pode ouvir-lhes os pareceres e registrar-lhes as considerações. Entretanto, isto