Anita Prades - Trajetoria de Um Fio de Rio
Anita Prades - Trajetoria de Um Fio de Rio
Anita Prades - Trajetoria de Um Fio de Rio
São Paulo
2019
Ficha catalográfica preparada pelo Serviço de Biblioteca e
Documentação do Instituto de Artes da Unesp
Área de concentração:
Arte Educação
Linha de Pesquisa:
Processos artísticos, experiências
educacionais e mediação cultural
Orientadora:
Profª. Drª. Rita Luciana Berti Bredariolli
São Paulo
2019
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
CERTIFICADO DE APROVAÇÃO
TÍTULO DA DISSERTAÇÃO: Trajetórias de um fio de rio: narrar por imagens no contexto do livro ilustrado
Aprovada como parte das exigências para obtenção do Título de Mestra em ARTES, área: Arte e
Educação pela Comissão Examinadora:
Financiamento 001.
À Profª. Drª. Rita Bredariolli, pela orientação sempre atenciosa, sensível e assertiva.
Muito do impulso, curiosidade e confiança para a realização deste trabalho surgiu
por conta do encontro com essa professora tão generosa e instigadora. Sempre
À Profª. Drª. Rejane Coutinho, não somente pela presença em minha Banca
Examinadora, como por todas as aulas que tive o prazer de participar como
À Profª. Mª. Maria Cecília Fittipaldi Vessani, pela presença em minha Banca
À Tereza Meirelles e Victória Junqueira, pela amizade da vida toda, e pelo apoio
generoso que ambas ofereceram para mim e para a Olívia nos últimos meses,
Aos meus pais Jaime Prades e Neta Novaes, pelo apoio amoroso e incondicional.
Também por serem artistas tão sensíveis, sempre garantindo espaços para que
À minha irmã Lina Prades, com muita ternura e admiração, pelo companheirismo
À minha tia Dolores Prades, pelo carinho, orientação e por me instigar a pesquisar
livro ilustrado. À minha avó Lúcia Fama Vianna, por sua força inspiradora e
Esta pesquisa tem como eixo central o tema da ilustração, com foco no
ofício do ilustrador no contexto da narrativa visual presente em livros ilustrados.
A discussão desenvolvida percorre a diversidade de dinâmicas possíveis a serem
estabelecidas no jogo semântico entre palavras e imagens, bem como na tessitura
de relações entre a arte narrativa e a faculdade da imaginação. Ponderando acerca
do lugar ocupado pela faculdade da imaginação na construção de conhecimento,
reflete-se acerca da possível função social e pedagógica do livro ilustrado, ou, de
modo mais amplo, da imaginação. Um dos aspectos fundamentais que norteiam
a pesquisa consiste no entendimento da própria dissertação como um processo
criativo em ilustração. Dessa forma, a visualidade e materialidade da dissertação
são compreendidos como elementos de equivalente importância em relação
ao texto, proporcionando também possibilidades poéticas de compreensão do
trabalho por meio da abordagem artística da ilustração.
Introdução 14
Referências 187
ilustrado. O decorrer da reflexão acaba por evocar temas adjacentes, tais como:
do, uma vez que atuo como ilustradora de livros infantis, designer e educadora, a
proposta é que tais temas não sejam abordados por apenas uma via de investiga-
ção, mas que, ao contrário, a pesquisa possa abarcar tanto aspectos teóricos quanto
ginativo que evidencia seus desvios poéticos e cujos aspectos visuais e artísticos
1. No decorrer do texto, o termo “ilustrador” será utilizado com freqüência para designar genericamente
pessoas que desenvolvem a atividade de ilustração. O mesmo ocorrerá com categorias como “leitor”,
“narrador” e “autor”, como uma opção que, considerando a grande recorrência desses termos, visa preservar
a legibilidade acessível desta dissertação, assumindo o padrão de linguagem que, por enquanto, é majoritário
em nossa gramática. Reconheço, entretanto, a validade do questionamento acerca do “masculino genérico”,
ou seja, “o uso do gênero gramatical masculino para denotar o gênero humano” (MÄDER, 2015, p. 17), algo
que operaria no sentido do que o pesquisador Guilherme Ribeiro Colaço Mäder denomina como “sexismo
gramatical” (MÄDER, 2015, p. 147). O autor considera que "o uso do masculino genérico, justificado pelo
conceito de gênero não marcado, pode, em nome de uma suposta neutralidade, escamotear as relações de
poder entre homens e mulheres e contribuir para a manutenção de relações sexistas e opressivas que, aliás,
não se mostram apenas na língua, mas em vários aspectos culturais” (MÄDER, 2015, p. 24).
16
um livro de reflexão escrita, mas também produzir um livro ilustrado que apresen-
Esses dois objetos da pesquisa são compreendidos não como itens indepen-
desta dissertação. Nessa perspectiva, a produção do livro ilustrado não surge ape-
nas na intencionalidade de exemplificar ou adornar aspectos trabalhados no texto
teórica, enquanto passagens do texto reflexivo podem ser nutridas pela experiência
ção entre texto e imagem que, de modo metalinguístico, é uma das questões-chave
(PEBA)2, que, de acordo com o professor Belidson Dias, caracterizam-se por “me-
17
na academia” (DIAS In DIAS; IRWIN, 2013, p. 23). Avaliando que “essas no-
as formas através das quais o que sabemos se torna público” (EISNER, 1998, p.
18
Realizar uma IBA significa mostrar a imaginação não só na
formação dos nossos conceitos, mas na maneira de realizar o
projeto. Não se trata de buscar uma inspiração do contato com a
imagem, mas que a maneira de realizar a pesquisa deva ser em
si mesma imaginativa. Isso supõe estar aberto não só a cognição
científica mas também à imaginação artística (HERNÁNDEZ In
DIAZ; IRWIN, 2013, p. 59).
do produto final, que, neste caso, será caracterizado pela combinação de dois
ções entre as diferentes ramificações da pesquisa e suas diversas etapas. Essa aten-
ção direcionada não apenas aos resultados finais de uma obra, mas também ao seu
percurso artístico criativo, dialoga com a pesquisa de Cecilia Almeida Salles a res-
peito do campo da Crítica Genética3, que, segundo a autora, “surgiu com o desejo
19
deixados pelo artista” (SALLES, 2008, p. 20). Nesse sentido, ainda que não exista
uma obra de arte” (SALLES, 2008, p. 26). A valorização dos vestígios da criação re-
mete, de tal modo, ao reconhecimento da memória e das narrativas que permeiam
pesquisas, planos, esboços” que precedem o resultado final, sendo que “os ras-
3. De acordo com Cecilia Almeida Salles, a nomenclatura “Crítica Genética” se refere à “pesquisas que se
dedicam ao acompanhamento teórico-crítico do processo de gênese das obras de arte” (SALLES, 2018, p. 26).
20
unidade desta dissertação. Desse modo, rascunhos desenvolvidos no decorrer
entre as artes e a educação, bem como entre a teoria e a prática (EÇA In DIAS;
IRWIN, 2013, p. 73). A autora comenta que “as fronteiras entre arte e arte-edu-
cação são muito tênues, o que pode dificultar a delimitação do campo” (EÇA
In DIAS; IRWIN, 2013, p. 74). Entretanto, considera que “as experiências didá-
ras, nas gretas entre arte e educação” tem contribuído significativamente para
Muitas das reflexões de cunho pedagógico que serão desenvolvidas adiante re-
21
mencionado, a narrativa será explorada nos termos de seus fundamentos teóricos
Mas a questão da narrativa se faz presente ainda em outra perspectiva, em que o re-
nha implicação pessoal nas questões sendo abordadas nos caminhos e bifurcações
51), comentário que aponta para o recurso autobiográfico não como a generaliza-
ção que encerraria outras possibilidades narrativas, mas como algo que contribui
22
uma realidade única sobre a qual se escreve […], mas sim de
promover o desencadear de novos relatos. […] Sendo assim, a
representatividade da investigação está não na generalização de
uma história, mas na capacidade que essa história tem de criar
outras histórias […] (EÇA In DIAS; IRWIN, 2013, p. 74).
Concordando com tal perspectiva da pesquisa como algo que não se en-
cerra nas ideias de quem a escreveu, mas que permanece reverberando na potên-
cia da trama de histórias de seus leitores, a tentativa que desenvolvo nas breves
passagens em que relato experiências pessoais é a de estabelecer “um ato de par-
os outros e nos reinventamos a nós próprios” (EÇA In DIAS; IRWIN, 2013, p. 75).
soa do singular para evocar experiências de minha vida, a começar pelo início do
23
A respeito do presente texto, a estrutura é divida em três capítulos, com
desde a sua definição inicial até a reflexão acerca de suas diferentes dimensões
24
atualidade, revisitando e confrontando reflexões de autores como Michèle Petit,
dedicaram a escrever sobre o tema de seu ofício, como Ciça Fittipaldi, Laura Teixeira,
partir de contribuição das autoras Sophie Van Der Linden, Maria Nikolajeva e
contribuição de autores como Ana Mae Barbosa, Jacques Rancière, John Dewey e
25
nessa etapa a elaborar reflexões acerca da trajetória criativa e a compartilhar os
um olhar mais investigativo do que conclusivo, na busca por lapidar aos poucos
26
27
28
Capítulo 1
29
Estante de ferro, livros de papel
pesada estante de ferro que se impunha no corredor estreito que dava para a es-
cada, ou livremente espalhados pelo chão junto aos brinquedos que eu e minha
páginas. Às vezes, nossos pais nos liam em voz alta a história que estava escrita;
leitura linear realizada pelos adultos. Da maneira que fosse, ainda consigo evocar
savam, absorvendo aquelas imagens de tal modo que elas permaneciam vivas
em minha mente, passeando para fora do livro, invadindo meus sonhos noite
do relógio comum, mas quando eu entrava contato com essas histórias ilustra-
das coisas não era mais aquela velha cadência de horas, minutos e segundos, e
30
e constante de um tempo conjugado por um relógio mecânico e único, é algo
dividual”, considerando que “em meios diferentes, ele [o tempo] não corre com
a mesma exatidão” (BOSI, 1979, p. 339). Nesse jogo do tempo plural, entrariam
as diversas experiências sensíveis de cada um, de acordo com a diversidade de
correnteza do tempo sensível, que pode caminhar na toada do ritmo dos afetos,
31
Ao questionar o paradigma da linearidade, Rita Bredariolli nos instiga a
segue em frente mas que também percorre organicamente diversos desvios, cur-
vas, afluentes. Esse encharcamento de caminhos possíveis que pode servir de
da vida. A esse respeito, Ecléa afirma que “a infância é larga, quase sem margens,
como um chão que cede a nossos pés e nos dá a sensação de que nossos passos
àquelas primeiras experiências com livros ilustrados que conheci quando crian-
ça, o quanto me movia por uma busca em extrapolar o tempo mecânico da ro-
tina para revisitar a sensação do tempo largo da infância e seus passos fundos.
conforme comenta Ecléa Bosi, a memória é algo que “pode percorrer um longo
32
caminho de volta, remando contra a corrente do tempo” (BOSI, 1979, p. 342). De
tal modo, para seguir o caminho adiante, meu movimento tem sido o de voltar
tora evidencia, desse modo, a associação que estabelece a fruição de uma história
e a capacidade de imaginação, tema que parece permear muitos dos aspectos que
33
Todos os relatos dos grandes cientistas, como por exemplo
Poincaré ou Einstein, falando de seu trabalho, mostram o
quanto a imaginação e a intuição estão na base de qualquer
investigação científica. Para chegar a uma verdade nova, que
contribua para o avanço da ciência, o investigador precisa
arriscar, perguntar, transgredir o que já está dado como certo,
como logicamente possível. […] Um adulto equilibrado, que
seja capaz de resolver satisfatoriamente os problemas que a
vida lhe apresenta, necessita não apenas do pensamento lógico,
mas também da intuição e da imaginação (Idem).
fixa, estando então “livres para imaginar”4. Nesse sentido, também podemos
tar” ou “criar” que pouca relação teria com o suposto padrão cultural da “vida
adulta”. Nos deparamos, portanto, com uma premissa inicial a ser investigada
4. Conforme relato de Ana Carolina Druwe em "Pensar por imagens: imaginação e literatura na educação".
TCC de Licenciatura em Artes Visuais. Instituto de Artes da UNESP. São Paulo, 2013.
34
e desconstruída - a oposição estabelecida entre o racional e o imaginário, predo-
mentais (mentes) e de que a mente racional, como substância mental não física,
Não é por acaso que Arthur Efland designa a imaginação como “um tópi-
nário que ele entende como limitado, pois concorda que “as categorias de nosso
35
relações metafóricas e inferências, portanto a racionalidade comum é imaginati-
va por sua natureza” (LAKOFF; JOHNSON, 1980, p. 193). Em sua visão, a racio-
levantamento sobre como imaginação foi abordada, em linhas gerais e por meio
ideia da imaginação como comunicação com a alma do mundo, ideia mais tarde
36
retomada pelo Romantismo e pelo Surrealismo” (CALVINO, 2001, p. 103). O termo
“alma do mundo” deriva do latim anima mundi, que, de acordo com as pesquisado-
ras Sarah Diva Ipiranga e Ana Paula Lima Moura, se trata de uma “noção oriunda
da filosofia platônica que aponta para o caráter inseparável das realidades física e
ram a partir da retomada e reinterpretação das ideias do filósofo grego, dentre elas
6. Muitos historiadores localizam o início do Neoplatonismo no séc. III. A informação consta no Lexicon -
Dicionário Teológico Enciclopédico. São Paulo: Loyola, 2003.
37
Para Alexander Roob, o Renascimento foi uma época marcada pelo grande
adquiriu uma espécie de “aura mágica” - a ideia de magia, nesse sentido, estaria
ram sob o mesmo teto nesse período histórico, também marcado por um retorno
tanto, é uma concepção que tem suas origens em um passado histórico em que
Trata-se de uma concepção que dialoga com a ideia, citada por Ítalo Calvino a
partir de um verso da “Divina comédia”, de que “[...] a fantasia, o sonho, a ima-
ginação é um lugar dentro do qual chove” (CALVINO, 2001, p. 97). Essa é uma
38
A imaginação, na visão dantesca, carrega portanto esse significado de con-
verdade que o ultrapassa, pois é extraterrena: é uma nuvem de chuva que se for-
imaginação:
ração [...], porque a obra de arte é uma dupla imitação, isto é, uma imitação da
sas pela qual a imaginação permaneceu, por séculos, vista como algo separado
39
Por muitos anos [...] o preconceito exclui as imagens mentais
do domínio cognitivo. Assim como o preconceito de Platão
contra as artes, a imaginação do artista (chamado por ele de
inspiração) foi considerada suspeita, uma vez que os artistas
estariam sobre o controle das musas, incapazes de controlar as
próprias ações. Sem esse controle, como esperar que os artistas
tivessem conhecimento da fonte de seus poderes? Eram me-
ros instrumentos do divino, mesmo que fossem reconhecidos
como autores de suas criações. A genialidade – extra-humana
em sua origem – era um dom atribuído pelos deuses (EFLAND
In BARBOSA, 2005, p. 319).
pode coexistir com esse último, e até coadjuvá-lo” (CALVINO, 2001, p. 103).
filosofia ocidental, avalia que a imaginação apenas alcançou “status mais eleva-
1964, p. 318 apud EFLAND In BARBOSA, 2008, p. 320), que nos permitiria “sentir
nossa liberdade através das leis de associação que organizam a experiência empí-
rica, de maneira que o material fornecido pela natureza possa ser transformado
40
estaria ainda relegada aos atributos da percepção, e não seria partícipe da forma-
ção de conceitos.
XIX e início do XX, à imaginação artística, “uma vez que esta opera sem regras ou
aparentemente sem uma intenção racional”, porém “não existe uma maneira de
In BARBOSA, 2008, p. 321). Já Marilena Chaui situa no século XIX o advento dos
autora, tudo quanto se referia ao humano era estudado apenas pelo campo da Fi-
losofia (CHAUI, 2005, p. 227). A ideia do homem como objeto científico pode ser
41
se dedica ao estudo da imaginação como forma de conhecimento cotidiana e
do pensamento ganha cada vez mais espaço, caracterizando uma busca por redu-
zir os abismos históricos que permanecem entre racionalidade e imaginação, que
conviveram sob mesmo teto” (ARNHEIM, 1989, p. 154). Na contramão desta con-
uma separação entre as artes e as ciências, bem como entre o uso das imagens e o
so criativo, Ítalo Calvino surpreende-nos trazendo ainda uma terceira visão (com
42
A imaginação como repertório do potencial, do hipotético, de
tudo quanto não é, nem foi e talvez não seja, mas que poderia
ter sido. [...] Pois bem, creio ser indispensável a toda forma de
conhecimento atingir esse golfo da multiplicidade potencial.
A mente do poeta, bem como o espírito do cientista em certos
momentos decisivos, funcionam segundo um processo de asso-
ciações de imagens que é o sistema mais rápido de coordenar e
escolher entre as formas infinitas do possível e do impossível.
(CALVINO, 2001, p. 106).
foi lembrança de livros ilustrados evocada no início deste capítulo, o que apon-
dos livros. Para abrir os diversos caminhos que podemos percorrer adiante, cabe
43
O fio narrativo, ou constelações
no período da infância está marcada pela memória das narrativas que os rechea-
res das histórias que habitavam o interior daqueles pequenos mundos portáteis
cognitiva Jerome Bruner identifica a ideia de sequência como uma de suas ca-
mento de elementos que geram significação a partir das relações que se estabe-
tuintes de uma narrativa adquirem novos sentidos na medida em que estão con-
rolar das páginas de um livro, nesse sentido, pode ser simbólico: diversas folhas
que, vistas isoladamente, podem ter significados distintos, mas que constituem
44
noção de sucessividade também está presente em contribuições do filósofo Paul
giu na reflexão que abriu este primeiro capítulo, voltada ao tema do tempo e sua
nos deparamos com a consideração crítica de que “ao pensarmos em história, ge-
ralmente nos vem a imagem de uma linha reta, estendida, por sobre a qual alguns
45
noção de um tempo histórico definido em linha reta, retificado,
assim como foram os rios e as avenidas pelos grandes projetos
modernos de urbanização, impulsionados pela crença do pro-
gresso. Duas possibilidades dentre outras, em circunvoluções,
volutas, torvelinhos (BREDARIOLLI, 2014, p. 3).
A narrativa, por essa perspectiva, pode ser responsável por incitar nossa
gens que podem tomar parte em nossas mentes quando fruímos de narrativas. A
algo presente no seguinte trecho, em que Rita Bredariolli elabora em sua reflexão
46
reinvenção que caracterizam a forma narrativa, estabelecendo vínculos entre a
imaginação e a memória:
e Jerome Bruner estabelecem pontes diretas entre temas que vem sendo visitados
entre tais assuntos - que surgem como desdobramentos do mote central dessa
dissertação, o livro ilustrado. Para que o universo do livro possa figurar mais di-
lista Bernard Golse a respeito do contato com o livro como um fator determinante
47
Também a antropóloga Michèle Petit desenvolve considerações que vão
psíquicas necessárias para que se construa uma história” (PETIT, 2010, p. 124). A
respeito de quais seriam tais capacidades a que Petit se refere, é possível depre-
detalhes para reduzir a cacofonia e dar-lhes sentido”, uma vez que a autora con-
vidas de maneira geral, Michèle Petit faz coro com Jerome Bruner quando o
autor pondera que “parece que temos, desde o início da vida, uma espécie de
diversos outros autores que se debruçaram sobre esse tema, pois, conforme
48
observaram que essa necessidade de história constituía talvez nossa especifi-
TIT, 2010, p. 123), pois a autora defende a importância de, “desde a mais tenra
idade, propor aos bebês alimentos culturais, contar histórias e ler para eles”,
avaliando que “para crescerem, para começarem um dia a formular sua pró-
pria história […] necessitam de literatura” (Idem). Tal ênfase na apropriação da
categoria que a autora reconhece como uma evidência do que somos, ainda que
7. Citado por Fefa Vila, “Vínculos con lecturas y estrategias de lectora”, In “Palabras por la lectura”.
8. “La déprogrammation de la littérature”, entrevista citada com Pascal Quignard.
49
Esta defesa da literatura empreendida por Michèle Petit diz respeito à
inventivas e poéticas que podem ser suscitadas pelo uso da linguagem narrativa.
Considerando o universo particular do livro ilustrado, inclusive, é interes-
sante refletir que a linguagem narrativa, nesse caso, não remete somente ao âm-
bito verbal, mas diz respeito fundamentalmente às imagens - uma vez que o que
são temporal que nos permite que nos apropriemos de uma imagem em seu teor
50
narrativo, mas também o quanto a narrativa é algo que se dá na relação dialética
vel movimento de fabulação por parte de seu ouvinte, leitor, ou, no caso de uma
imagem, espectador.
sição de uma narrativa visual, uma vez que a presença de ilustrações é a sua ca-
racterística fundamental. O livro ilustrado se apresenta, dessa forma, como uma
categoria marcada pela particularidade de narrar por imagens, seja somente pe-
las imagens9 ou pela relação dessas imagens com o texto. Utilizando as palavras
de Ciça Fittipaldi, podemos identificar o livro ilustrado como “um espaço lúdico,
9. Nesse caso, podemos também considerar livros cuja narrativa é somente visual e não há texto. No Brasil,
o livro ilustrado sem palavras é chamado de livro-imagem. (NIKOLAJEVA; SCOTT, 2011, p. 21).
51
Considerações sobre a narrativa em Walter Benjamin
Walter Benjamin10
to. Cenas bastante diferentes, mas que compartilham em sua essência o momento
de fruição narrativa. São imagens que instigam a reflexão a respeito do lugar
tos de Andersen11 que conheceu quando criança, afirma que as imagens nele pre-
ela (FITTIPALDI, 2008, p. 94). É uma lembrança marcada pelo viés de uma jorna-
Bruner afirma que “é através da narrativa que nós criamos e recriamos a indivi-
livro ou das imagens não estejam fisicamente presentes, não existiria a possibili-
52
O conceito de narrativa relacionado a uma dimensão coletiva é algo que está
rativa. Segundo Jeanne Marie Gagnebin, estudiosa da obra benjaminiana, duas di-
respeito à existência de uma experiência coletiva, como parte “de uma tradição e
derando que “a experiência transmitida pelo relato deve ser comum ao narrador e
“narrador retira da experiência o que ele conta: sua própria experiência ou a relata-
53
1994, p.214). A bela alusão benjaminiana estabelecida entre a narrativa e o arte-
como uma arte que jamais se enrijece em termos de forma e significação, mas
transforma-se continuamente.
54
narradores e ouvintes. Jeanne Marie Gagnebin discorre sobre essa abertura
tradicional:
delicada. Isso porque o autor se refere a narrativa especialmente nos termos de sua
narrar está em vias de extinção” (BENJAMIN, 1994, p. 197), sendo que primeiro
55
então desenvolve a oposição entre essas duas categorias, incluindo a questão do
rem das características que ele atribui à narrativa tradicional. Podemos depre-
ender da própria citação acima que uma obra literária pode proceder da tradi-
ção oral e a alimentar. Se assim não fosse, o texto de Benjamin não se referiria a
de narrar.
a ideia do suposto declínio da narrativa para compreender quais lugares ela po-
56
a “queda de cotação” da experiência e o enfraquecimento da arte de contar são
literária que, para o autor, estaria muito mais relacionada à experiência solitária,
marcantes no que diz respeito a essa “crise” da arte de narrar, uma vez em que a
Nesse sentido, essas novas formas de comunicação seriam muito mais ilustrati-
narrativa, por dialogarem com a dinâmica industrial e com o modo de vida capi-
57
O caráter artesanal e frequentemente miraculoso que Walter Benjamin
nas e translúcidas [...] como coroamento das várias camadas constituídas pelas
considerada cada vez menos possível na rápida dinâmica que caracteriza o estilo
na. O que o autor entende pela arte de contar histórias, portanto, estaria sofrendo
da arte de contar parece indicar uma visão fatalista. Entretanto, segundo Jeanne
58
no grande ensaio sobre ‘O Narrador’, mas não exclusiva” (GAGNEBIN in
timista vigente.
cimento lúcido da perda leva a que se lancem as bases de uma outra prática es-
do passado com um tom nostálgico), o filósofo alemão estaria aberto à busca por
59
Benjamin cita o Bauhaus, o Cubismo, a literatura de Döblin,
os filmes de Chaplin, enumeração – discutível, sem dúvida –
cujo ponto comum é a busca de uma nova objetividade [...], em
oposição ao sentimentalismo burguês que desejaria preservar
a aparência de uma intimidade intersubjetiva (GAGNEBIN In
BENJAMIN, 1994, p. 12).
ava a época em que viveu Walter Benjamin. Podemos interpretar que o autor es-
taria atento, portanto, às possibilidades de ressurgência dos principais aspectos
60
Georges Didi-Huberman se dedica detalhadamente a essa observação, e
decadência da experiência faz com que a mesma recubra-se de uma “nova bele-
61
transformação, e não engessada à sua própria configuração de outrora. Conforme
nos instiga a considerar Georges Didi-Huberman, podemos optar por voltar nos-
ilustrados, que muitas vezes se apoia na inexatidão das lacunas presentes entre
livros ilustrados, serve aqui como um dos exemplos que podem nos permitir
62
vislumbrar, em obras literárias modernas e contemporâneas, algumas das ca-
receber a bem vinda visita do que Walter Benjamin denomina como o “pássaro
cer-se de si mesmo.
63
Imaginar é resistir
Sacha Kavrous12
identifica, por exemplo, uma profusão de discursos na atualidade que “nos ensi-
não necessidades vitais” (REYES, 2013, online). Para a autora, é justamente nessa
forço de se “aportar para a transformação deste mundo cada vez mais mutável”
12. Citação presente no livro “A arte de ler: ou como resistir à adversidade”, de Michèle Petit, p. 218.
64
Nas considerações de Yolanda Reyes, vemos o exercício da imaginação
e, por isso mesmo, uma paisagem nova do possível” (RANCIÉRE, 2014, p. 100).
Em “A arte de ler: ou como resistir à adversidade”, Michèle Petit exempli-
65
Contávamos histórias de mitos e lendas diante de um
mapa da Colômbia, no qual estavam indicados os diferen-
tes grupos indígenas que habitam nosso país. Jamais ima-
ginaríamos que um mapa teria tanto significado... O fato
de ele estar lá, presente, visível, enquanto eles ouviam os
contos, as lendas, lhes permitiu elaborarem a sua própria
história, mas também a sua própria geografia. À medida
que líamos e sinalizávamos a proveniência do mito ou da
lenda, eles se lembravam dos lugares, dos rios, dos vila-
rejos por onde haviam passado. De repente, como por um
'abracadabra', enquanto falava-se da 'Llorona' da 'Madre-
monte', do 'Mohán', a palavra daqueles jovens, reprimida
pela guerra durante tantos anos, substituída pelo barulho
surdo dos fuzis, começou a brotar e eles se puseram a con-
tar (ROBLEDO In PETIT, 2009, p. 87).
crita e com a narrativa enquanto conceito, passaram então a contar suas próprias
Ler e escutar. Ler serve, de cara, para criar estes outros espaços es-
senciais à expansão de si mesmo – e ao esquecimento de si mesmo
– mais ainda, por aqueles que não dispõem de lugar, de nenhum
território pessoal. Nos contextos mais violentos, uma parte deles
escapa das leis do lugar, uma margem de manobra é aberta. Por-
que o que eles descrevem quando evocam este distanciamento da
realidade cotidiana, provocado por um texto, não significa tanto
uma fuga, mas um salto para outro lugar, para outro mundo, aon-
de o sonho, o pensar, a lembrança, a imaginação de um futuro se
tornam possíveis (PETIT In PRADES, 2015, p. 54).
66
desigualdade. Considerando, portanto, a narrativa em íntima vinculação com
experiência humana, Michèle Petit avalia que, nesse contexto, o livro poderia
entende a literatura como uma “uma reserva da qual se lança mão para criar ou
preservar intervalos onde respirar, dar sentido à vida, sonhá-la, pensá-la” (PETIT,
2009, p. 285), e, portanto, como algo que deveria estar à disposição de todos.
Que todos possam ter acesso ao que Petit denomina como “literatura, cul-
tura e arte” é algo que reverbera nas considerações de Antonio Candido a respei-
to da relação entre direitos humanos e literatura, pois o autor acredita que “uma
67
dramático em todos os níveis de uma sociedade, em todos os tipos de cultura”
cia e resistência, se é uma manifestação que diferencia a todos nós enquanto hu-
manos, observamos aqui o reconhecimento de que "a luta pelos direitos humanos
abrange a luta por um estado de coisas em que todos possam ter acesso aos dife-
68
Lampejos de imaginação
Aumont considera que a difusão de imagens visuais nunca foi tão acelerada e
interação social virtual como o Facebook ou o YouTube, é possível constatar que mui-
tas pessoas “hoje em dia conduzem uma parte da sua vida sob a forma de imagem”
69
memórias. Pelo contrário, o excesso pode contribuir para uma sobrecarga mental
que não permite que nossas imagens internas se organizem de uma maneira
ços de imagens”.
70
[…] constantemente em contato com uma grande quantidade de
imagens, na maioria das vezes estereotipadas […] o repertório
disponível, resultante de seu contato com os personagens/
estereótipos da cultura de massa, traz à tona como resposta
um rei gordo, barrigudo, um príncipe de capa e espada, uma
princesa meio Barbie, meio Xuxa, invariavelmente loira.
(MACHADO, 2004, p. 29).
que geralmente surge retratada como uma princesa frágil, submissa e magra, a ser
salva pelo príncipe guerreiro, corajoso e forte – o que hoje já caracteriza um “clichê”,
apenas uma imagem planificada e rasa que perdeu seu significado originário e
71
Como construir significações e imaginários em um contexto de tamanho
em nossa memória?
gar ocupado pelo livro ilustrado infantil na atualidade, além de suas possi-
bilidades no que diz respeito às interações entre suas ilustrações e seu leitor.
e o espectador.
Pier Paolo Pasolini, para representar sinais humanos de inocência, beleza e poesia
que persistem mesmo em situações adversas, “[...] esse momento de graça que
resiste ao mundo do terror, é o que existe de mais fugaz, de mais frágil” (DIDI-
HUBERMAN, 2011, p. 25). Trata-se de uma metáfora que parece se adaptar muito
72
bem à investigação aqui proposta acerca do lugar ocupado pela imaginação e
projetores dos mirantes, dos shows políticos, dos estádios de futebol, dos palcos
de televisão”, cuja intensidade dos clarões seria capaz de ofuscar a luz delicada
Pier Paolo Pasolini, que inicialmente fez uso da metáfora dos vaga-lumes
acabou utilizando essa mesma imagem com uma abordagem fortemente pessi-
mista em artigos posteriores, acusando um processo que ele designou como “ge-
ordem política, uma vez em que considera que esse suposto “genocídio cultural”
73
Mas os vaga-lumes desapareceram nessa época de ditadura
industrial e consumista em que cada um acaba se exibindo
como se fosse uma mercadoria em sua vitrine, uma forma
justamente de não aparecer. Uma forma de trocar a dignidade
civil por um espetáculo indefinidamente comercializável.
Os projetores tomaram todo o espaço social, ninguém mais
escapa a seus ‘ferozes olhos mecânicos’. E o pior é que todo
mundo parece contente, acreditando poder novamente
‘se embelezar’ aproveitando dessa triunfante indústria
da exposição política (DIDI-HUBERMAN, 2011, p. 37).
p. 100). Sobre esse contexto, Giorgio Agamben introduz também uma reflexão
quanto a ideia de “povos”, pois “[...] imagens e povos foram inicialmente reduzi-
74
subjugados” (DIDI-HUBERMAN, 2011, p. 102). Em Giorgio Agamben, a imagem
crença – ou seja, é apresentado apenas como instância negativa, tal qual despro-
a memória dos povos – estes que ocupariam uma posição de profunda submissão,
nós mesmos a nossa humanidade que nos faz vislumbrar as imagens e povos
apesar de tudo.
Não se pode [...] dizer que a experiência, seja qual for o mo-
mento da história, tenha sido “destruída”. Ao contrário, faz-se
necessário - e pouco importa a potência do reino e de sua glória,
pouco importa a eficácia universal da “sociedade do espetácu-
lo” -, afirmar que a experiência é indestrutível, mesmo que se
encontre reduzida às sobrevivências e às clandestinidades de
simples lampejos na noite (DIDI HUBERMAN, 2011, p.148).
75
A citação anterior traz uma contraposição de Georges Didi-Huberman à
experiência como uma maneira de se relacionar com o mundo a tal ponto que
olo Pasolini e Giorgio Agamben, acaba por rejeitar o pessimismo que ele identifica
râneo como “despossuído de sua experiência [...] sob a luz ofuscante de um espaço
76
enterrar um testemunho, ir para outro lugar, encontrar a tan-
gente... (DIDI-HUBERMAN, 2011, p. 149).
que nos permite transitar por outros horizontes de interação com o mundo que
não somente aquele que nos parece imediatamente imposto. Ora, as “infinitas
77
desconsiderando a complexidade das diversas possibilidades de relações que po-
ato e não uma coisa” (SARTRE, 2013, p. 137), desconstruindo o costume de enten-
como “um certo tipo de consciência” (SARTRE, 2013, p. 137), o que atribui com-
plexidade ao conceito de imagem, pois pressupõe a atividade mental do indiví-
significado fixo, mas significado(s) que se constroem por meio do ato mutável
sobre o sujeito. Nesse caso, nossa relação com o “dilúvio de imagens pré-
78
Livros vaga-lumes
também podemos nos permitir enxergar muitos livros ilustrados como vaga-
Ainda que grande parte do mercado de livros atue nos moldes dos estereótipos
Fernando Vilela:
status do livro ilustrado no âmbito das artes, consideram que “os melhores livros
nico exemplo brasileiro, podemos citar “Flicts”, uma obra que é considerada um
79
símbolo de renovação literária e de ascensão do livro ilustrado, de autoria de
Com seu desenho gráfico moderno e jogo visual dinâmico, “Flicts” é do-
Ana Garralón a respeito do livro elucida seu enredo, bem como destaca aspectos
de sua importância:
literais, de modo que sua significação depende de uma atitude interpretativa por
parte do leitor em relação ao texto e ao que a imagem pode representar nesse con-
80
texto – exemplificando o fato de que, quando a inteligência da criança é levada
estereotipadas. Segundo a artista plástica Chris Mazzotta, “pensar que uma criança
não vai entender ilustrações mais complexas, fora do padrão e de uma linguagem
vista narrativo, como algo que vai no sentido da desconsideração dos diversos
que "histórias tem sido usadas para expropriar e tornar maligno”14. Todavia, a
autora também aponta que "histórias também podem ser usadas para capacitar
quando percebemos que nunca há apenas uma história sobre nenhum lugar, nós
13. The danger of a single story. 2009. TED Talks. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=-
D9Ihs241zeg>. Acesso: Maio 2018.
14. Idem.
15. Idem.
16. Idem.
81
82
83
[1] “Flicts”, de Ziraldo. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2012. Foto: Thales Othón.
Felizmente, a produção de livros ilustrados que trazem desafios visuais
acessível tanto para crianças quanto para adultos, ao instigar nossa cognição
nos apropriemos de nossas imaginações, para que as imagens cada vez mais
nos atravessem com consistência e consciência. Nesse caso, nossa relação com o
é pura e simplesmente uma imagem que ainda não nos dedicamos a trabalhar”
direcionada a maior parte das obras literárias que contém ilustrações. O exercício
de nosso imaginário por meio do contato com livros ilustrados que trabalhem
84
ao promover aberturas de significado no estabelecimento de relações dialéticas
entre texto e imagem e ao abrir portas para o diálogo entre diferentes imaginários,
possivelmente, transformadora.
85
86
Capítulo 2
87
Uma palavra, ilustração
que outras, indo além de seu significado literal. Palavras que convocam outras
nesse interessante e seleto grupo das palavras de definição difusa, essas que
passeiam por nossos discursos percorrendo sentidos diversos, às vezes com a
88
as artes visuais e a literatura, remetendo a "conceitos-chave" já mencionados
tar. Por essa perspectiva, à princípio a ilustração se constituiria como uma lin-
o que leva à afirmação de que um de seus objetivos seria fazer ‘brilhar’ o texto”
(TEIXEIRA, 2011, p. 20). A ilustradora faz tal afirmação a partir do seguinte ver-
89
Considero importante […] que as imagens ampliem os signifi-
cados das palavras, proporcionando uma leitura diferenciada
do texto sem pretender explicá-lo. Desta forma, estabelecendo
narrativas visuais que dialoguem com ele, serão capazes de
conceder-lhe mais força. A trama de relações faz com que o
resultado seja superior à soma das partes (TEIXEIRA, 2010,
p. 21).
pode nos permitir rever criticamente alguns dos paradigmas que permeiam esse
Produção Literária”, de autoria de Yone Soares Lima, que nos apresenta outras
90
não interagem entre si pelo viés da unilateralidade, e sim compõem um jogo
uma força à outra, para dar lugar a uma rede de relações potenciais.
“oficial”, uma história que, segundo a pesquisadora Paula Viviane Ramos, tra-
‘enquadraria’ nesses valores” (RAMOS, 2007: 3). Efetivamente, essa lacuna é no-
91
No caso da abordagem literária, particularmente, existe também o enten-
escritor francês Gustave Flaubert foi um enfático opositor das ilustrações, confor-
Enquanto for vivo, jamais serei ilustrado, pois a mais bela des-
crição literária é devorada pelo mais medíocre dos desenhos.
No momento em que um tipo foi fixado a lápis, ele perde seu
caráter de generalidade, aquela coincidência com mil objetos
conhecidos que levam o leitor a dizer: “Eu vi isso” ou “Isso
deve existir”. Uma mulher desenhada parece com uma mulher
e ponto final. Então, a ideia está encerrada, completa, e as frases
são totalmente inúteis. Ao passo que uma mulher por escrito
permite sonhar com mil mulheres. Logo, como se trata de uma
questão estética, recuso terminantemente qualquer tipo de ilus-
tração (FLAUBERT In JURT, 2002, p. 34).
“velha ideia de arte, concebida como patrimônio, como tesouro a preservar num
diversas fontes e contextos. A herança imagética que vem dos impressos, em tal
artes “menores” em seu perfil de “artes aplicadas”, podem ser apropriados como
92
objetos de estudo em “Artes” na medida em que flexibilizamos e ampliamos as
Ribeiro entende a relação entre texto e imagem como “uma tradução, tendo em
(BENJAMIN, 2008, p. 55). Tendo essa perspectiva em vista, Ribeiro considera que
“na medida em que se transforma o signo traduzido não se pode dizer que o re-
sultado seja uma imitação do original” (RIBEIRO, 2008, p. 133). Assim como seria
te as informações textuais.
93
Da mesma forma como os cacos de um vaso, para serem re-
compostos, devem encaixar-se uns aos outros nos mínimos
detalhes, mas sem serem iguais, a tradução deve, ao invés de
procurar assemelhar-se ao sentido original, conformar-se amo-
rosamente, e nos mínimos detalhes, em sua própria língua, ao
modo de visar do original, fazendo com que ambos sejam reco-
nhecidos como fragmentos de uma língua maior, como cacos
são fragmentos de um vaso (BENJAMIN, 2011, p. 115).
De tal modo, com sua escrita imagética, Benjamin sugere o quanto, ainda
que o original e a tradução se relacionem intimamente na composição de um todo,
Campos, em associação com seu irmão Augusto de Campos e seu colega Décio Pig-
94
inverte a relação de servitude que, via de regra, afeta as con-
cepções ingênuas da tradução como tributo de fidelidade (a
chamada tradução literal ao sentido, ou simplesmente, tradu-
ção ‘servil’), concepções segundo as quais a tradução está an-
cilarmente encadeada à transmissão do conteúdo do original
(CAMPOS, 1980, p. 179).
17. De acordo com Suzana Kampff Lages, “o movimento da Poesia Concreta surge e se afirma como reação
a um tipo de poesia de caráter sentimental ou confessional como é praticada pelos poetas da geração de
1945 (exceção feita a João Cabral de Melo Neto), seus contemporâneos, propondo uma retomada de ele-
mentos radicais do modernismo da Semana de 1922, sobretudo, do conceito de “antropofagia” de Oswald
de Andrade e uma interpretação peculiar daquilo que, do ponto de vista das vanguardas, a poesia moder-
na internacional legou de mais avançado, como a radical escrita mallarmaica do “Lance de Dados”, o mé-
todo ideográfico desenvolvido por Ezra Pound […] É também o conceito jakobsoniano de ‘transposição
criativa’ – a tradução capaz de reproduzir na outra língua o elemento especificamente poético, por uma
atenção sobretudo a elementos da estrutura, da articulação entre significantes e, em especial, ao recurso
poético da paronomásia –, que irá determinar fundamentalmente o termo ‘transcriação’, utilizado pelos
poetas concretos para designarem sua peculiar teoria e prática da tradução” (LAGES, 2007, p. 89).
18. Albercht Fabri, em escritos para a revista Augenblock, nº 1, 1958, afirma que, na arte, “é impossível
distinguir entre representação e representado”, e, no caso da linguagem literária, o próprio desta é a “sen-
tença absoluta”, “que não é outra coisa senão seu próprio instrumento”. Conforme leitura de Haroldo de
Campos, “essa ‘sentença absoluta’ ou ‘perfeita’, por isso mesmo, continua Fabri, não pode ser traduzida,
pois ‘a tradução supõe a possibilidade de separar sentido e palavra’” (CAMPOS, 2010, p. 31-32).
95
o reduza somente à literalidade ou à “servidão” em relação ao texto, para o re-
função de “‘ornar’, que quase sempre é vista como uma mera atitude decorativa
96
Nas culturas primitivas e na Antiguidade Clássica podemos ver,
por exemplo, que a atitude decorativa pode tornar mais visível
uma condição de classe dos indivíduos, a hierarquia social
dentro de uma comunidade; pode tornar visível uma distinção
de gênero; tornar o corpo do guerreiro temível aos olhos dos
inimigos; tornar seres e objetos visíveis pelos deuses e espíritos
sobrenaturais; para obter sua proteção etc. E a decoração é
expressiva: não se restringe a agradar a percepção, mas sim a
impregná-la e transformá-la, promovendo também um processo
de educação da imaginação plástica (FITTIPALDI, 2008, p. 114).
teologia cristã em que sua pesquisa se insere, entretanto, “cada elemento com-
se pretende”, de modo que não seria possível estudar uma imagem medieval
19. Beatus de Facundus, executado em 1047 pelo copista Facundus para os reis de Leão e Castela, Fernando
I e Sancha. Conservado na Biblioteca Nacional da Espanha, o manuscrito encontra-se digitalmente dispo-
nível em: <http://bdh-rd.bne.es/viewer.vm?id=0000051522>. Acesso em Julho de 2018.
97
sua pesquisa reconhecendo “o ornamento como um dos elementos de acesso” a
dade a ser exercitada tanto por parte do ilustrador quanto dos leitores. Também
que “um livro ilustrado bem-sucedido deixa espaço para o leitor imaginar”, na
cias de leitura” (LEE, 2012, p. 146). São ponderações que vão na contramão do
98
A imagem visual presente nos livros ilustrados não impede nem
restringe a fabricação das imagens mentais, não tolhe o imaginá-
rio do leitor, como muitos ainda hoje argumentam. Bem ao con-
trário, as imagens visuais detêm uma enorme capacidade de abrir
espaços no imaginário, de criar experiências sensíveis, formais,
afetivas e intelectuais que alimentam o imaginário. De modo di-
ferente do verbal, a imagem possui sua própria sintaxe e semânti-
ca, desdobra-se em planos de forma, conteúdo e expressão. Leito-
res de imagens, criamos, expandimos e estamos constantemente
utilizando nossos repertórios de formas visuais, enriquecendo
nosso acervo de imagens expressivas e simbólicas e nossos reper-
tórios de experiências interpretativas (FITTIPALDI, 2008, p. 107).
ções que estamos tecendo, é possível refletir sobre como as imagens narrati-
99
100
101
[2] “O pequeno príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry. São Paulo: 24X7 Cultural, 2016. Foto: Thales Othón.
possibilidades relacionais proporcionadas por uma imagem em tensão com a
três vezes rejeitadas pelo pequeno príncipe. O piloto então decide rabiscar a re-
presentação de uma caixa e diz que o carneiro se encontra dentro dela, ao que o
102
Ao entrar em contato com essa diversidade de possibilidades de com-
arte e à literatura. Algo que observamos, por exemplo, na associação direta que
103
Vejam que […] nem estou me referindo à “literatura infanto-
-juvenil”, pois aqui, o que está em primeiro plano é o objeto li-
vro como o lugar, por excelência, onde as palavras e as imagem
desembarcam e aportam suas poéticas, tanto literárias quanto
visuais e como estas podem acontecer na concepção e produção
de livros infanto-juvenis, com o intuito de potencializar a sensi-
bilidade e inteligência das crianças e adolescentes na apreensão
do livro como um corpo poético e metalinguístico (DERDYK,
2011, online).
se revela conforme viramos suas páginas e dialogamos com sua narrativa. Uma
narrativa que se dá no lugar dos “entres”, nos espaços abertos pela dinâmica
que podemos guardar em uma estante. “Arte que pode ser posta em uma estante.
Arte do tamanho da estante. Bem, isso não é maravilhoso?” (LEE, 2012, p. 177).
104
Particularidades do livro ilustrado
do uma distinção entre “o livro com ilustração e o livro ilustrado, sendo o último
2011, p. 22). Se “o texto não depende de ilustrações para transmitir sua mensa-
“livro com ilustrações”, e não como “livro ilustrado”. Ou seja, na ocasião em que
uma ou mais imagens, torna-se “uma história ilustrada; em que as imagens são su-
105
Segundo as autoras, é frequente que um processo fragmentado de produção edi-
Em “Para ler o livro ilustrado”, a crítica literária Sophie Van der Linden
siderando que cada detalhe físico e compositivo contribui para diferentes cons-
truções de sentido.
106
[…] ler um livro ilustrado não se resume a ler texto e imagem. É
isso, e muito mais. Ler um livro ilustrado é também apreciar o
uso de um formato, de enquadramentos, da relação entre capa e
guardas com seu conteúdo; é também associar representações,
optar por uma ordem de leitura no espaço da página, afinar a
poesia do texto com a poesia da imagem, apreciar os silêncios
de uma em relação à outra… (LINDEN, 2011, p. 8).
e produzir imagens, mas como alguém que pode contribuir para a elaboração da
Esses elementos citados por Van der Linden – como títulos, capas ou guar-
das – são definidos por Maria Nikolajeva e Carole Scott como “paratextos”, sendo
107
livro podem comunicar informações essenciais e as imagens nos
frontispícios podem tanto complementar quanto contradizer
a narrativa. Como a quantidade de texto verbal nos livros
ilustrados é limitada, o título em si pode às vezes constituir
uma porcentagem considerável da mensagem verbal do livro
(NIKOLAJEVA; SCOTT, 2011, p. 307).
trado é a chamada “página dupla”, pois “o livro tal como o conhecemos hoje
união de uma página par e ímpar abertas e unidas pela encadernação é, portan-
to, denominado como "dupla". Sophie Van der Linden avalia que, particular-
mente, “o livro ilustrado mantém estreita relação com a página dupla” (Idem),
Em relação a esse tema da página dupla, Suzy Lee opina que “quando
duas páginas de um livro são abertas, elas se tornam um único e amplo espaço”
(LEE, 2012, p. 6). Com efeito, algumas das principais opções de composição de
108
objeto livro se torna um ponto central, pois opções relativas à diagramação e
e imagem não podem ser vistos independentemente de sua inserção num dado
apenas texto e imagem, é texto e imagem no espaço desse estranho objeto que
Sophie Van der Linden também enfatiza o quanto, mesmo dentro da deli-
das mensagens, com seu aspecto formal, com a separação entre elas, a ocupação
21. "Quando temos um documento onde há elementos que fazem contato com os limites da página, é ne-
cessário usar o que chamamos de ‘sangria’. A ideia é fazer com que os elementos de arte do arquivo não
ultrapassem os limites da página para que, quando cortado após a impressão, esse elementos não sejam
prejudicados. Esse processo de estender a imagem além da margem original do documento, é chamado
de ‘sangrar’ a imagem. Ou seja, o termo sangria significa algum elemento que ultrapassa as margens de
suas páginas.” Disponível em: <https://www.printi.com.br/blog/o-que-sao-sangria-e-marcas-de-cor-
te>. Acesso em Outubro de 2018.
109
Materialidade e formato são muito variados, atendendo, por
um lado, a empregos e leitores específicos e, por outro, a op-
ções particulares de expressão. O livro ilustrado apresenta uma
grande diversidade quanto a sua produção. Além disso, ao con-
trário das histórias em quadrinhos, não possui uma diagrama-
ção regular identificável (Idem).
“Un jardín”22, de autoria de Isidro Ferrer e María José Ferrada, que, quando fe-
pergaminho sanfonado, até constituir uma só tira de uma grande e contínua ilus-
Com efeito, um exemplo como “Un jardín”, dentre muitos outros livros
estanque. Tanto a dupla Maria Nikolajeva e Carole Scott quanto Sophie Van der
22. “Un jardín”, de Isidro Ferrer (ilustração) e Maria José Ferrada (texto). A buen paso: 2016.
23. Ver “Para ler o livro ilustrado”, de Sophie Van der Linden e “Livro ilustrado: palavras e imagens”, de
Maria Nikolajeva e Carole Scott.
110
[3] Capa de “Un jardín”, de Isidro Ferrer e Maria José Ferrada. A buen paso: 2016. Foto: Anita Prades.
(LINDEN, 2011, p. 87), apontando que “esse tipo de livro realmente escapa a qual-
111
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[4] “Un jardín”, de Isidro Ferrer e Maria José Ferrada. A buen paso: 2016. Foto: Thales Othón.
A autora sustenta que os procedimentos descritos em sua obra “Para ler o livro
ilustrado” “devem ser vistos como pólos entre os quais as produções se encontram
coerente em seu conjunto de aspectos. Nesse sentido, para além das características
invariáveis que diferenciam o livro ilustrado como tal, o ilustrador também pode se
Conforme pondera Suzy Lee, “os aspectos físicos do livro podem limitar
a imaginação do artista, mas, por outro lado, podem se tornar um novo ponto de
partida para a imaginação” (LEE, 2012, p. 6). A ilustradora comenta, por exemplo,
que “há uma regra editorial implícita de que o artista do livro ilustrado deve evitar
desenhar no centro das páginas para não perturbar a leitura” (Idem), discorrendo
114
brinca com a simetria gerada pela página dupla para a sugestão implícita de que
há um espelho que reflete as imagens da página esquerda pra a página direita, ten-
central como margem, que faz com que o movimento de uma onda possa ricoche-
tear na mesma. Por fim, em “Sombra”, a dobra se torna a "margem entre o mundo
tar. Devo contar essa história na horizontal ou vertical? Quero que as ilustrações
do papel e o peso do livro podem contribuir para a narrativa que estou cons-
possíveis entre diversos agentes do meio editorial, de modo a refinar cada vez
mais uma trajetória que direcione para um potente e efetivo encontro entre as
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[5] “Onda”, de Suzy Lee. Cosac Naify: 2008. Foto: Thales Othón.
O ofício do ilustrador
criar personagens em livros. É provável que tudo isso não esteja tão distante de
vai ao encontro dos porquês de ouvir e contar histórias; de jogar e brincar; de pin-
tar e desenhar – não apenas na infância, e sim no decorrer da vida inteira, e como
coisas a serem levadas bastante a sério. Talvez aí se encontrem os combustíveis
que movimentam a prática das ilustradoras e ilustradores que, ainda que possam
se divertir muito com seu ofício, não deixam de levá-lo a sério, tanto quanto uma
surgir com base no referencial de um texto anterior, quanto texto e imagem po-
portância para o ilustrador. Pois, nesse contexto, o ilustrador pode ser entendido
118
[…] se há um enredo literário que está sendo trabalhado em ter-
mos de imagem, o trabalho do ilustrador é, então, em primeirís-
sima instância, um trabalho dedicado de leitor, realizando uma
verdadeira imersão no texto verbal, garimpando seus sentidos
sensoriais e significativos (FITTIPALDI, 2008, p. 104).
Por tal perspectiva, é possível identificar uma estreita relação entre o tra-
sado. Talvez seja por esse motivo que Fittipaldi recorra à ideia de “empatia”,
ginar-se no lugar de outra pessoa” (HOUAISS, 2018, online), o que ressalta esse
laço íntimo de identificação que pode ser estabelecido entre o ilustrador e o leitor.
119
Uma das razões pelas quais me dediquei à imaginação como
um meio pelo qual podemos organizar um mundo coerente, é
precisamente o fato de que a imaginação, mais do que qual-
quer outra faculdade, é o que possibilita a empatia. É o que
nos permite cruzar os espaços vazios existentes entre nós mes-
mos e esses “outros” […]. Se esses “outros" estão dispostos a
nos proporcionar pistas, sempre podemos encontrar o modo de
olhar por meio dos olhos desses estranhos e de ouvir com seus
mesmos ouvidos. Isso é possível porque, de todas as nossas ca-
pacidades cognitivas, a imaginação é justamente a que nos per-
mite dar crédito às realidades alternativas. Nos capacita para
romper com o que damos por assumido, para deixar de lado
as distinções e definições com as quais estamos familiarizados
(GREENE, 2005, p. 14, tradução nossa).24
tima instância, como uma dinâmica de troca entre leitores, marcada pela intenção
24. “Uno de los motivos por los que me he centrado en la imaginación como medio a través del cual pode-
mos organizar un mundo coherente es que es precisamente la imaginación, por encima de todo lo demás,
la que hace posible la empatía. Es lo que nos permite cruzar los espacios vacíos existentes entre nosotros
mismos y esos ‘otros’ a los que los profesores nos hemos referido lo largo de los años. Si esos ‘otros’ están
dispuestos a proporcionarnos pistas, siempre podemos hallar el modo de mirar a través de los ojos de esos
extraños y de oír con sus mismos oídos. Eso es posible porque, de todas nuestras capacidades cognitivas,
la imaginación es precisamente la que nos permite dar crédito a las realidades alternativas. Nos capacita
para romper con lo que damos por asumido, para dejar a un lado las distinciones y las definiciones con
las que estamos familiarizados”.
120
imagens. E, para criar uma narrativa visual ou imagens narrativas
que compartilhem com o leitor o prazer do texto, o ilustrador
trabalha o diálogo texto-imagem com intenções de adequação,
complementaridade, conjunção (FITTIPALDI, 2008, p. 115).
De tal modo, seria nessa apropriação profunda do material primário que se pro-
cessaria a sucessão de escolhas que cabem ao responsável (ou responsáveis) pela
121
122
123
[6] “Conto de Natal de Auggie Wren”, de Paul Auster, ilustrações de Isol. Companhia das Letras, 2009. Foto: Thales Othón.
objetos que poderiam estar no escritório do autor, como quem
brinca de inventar imagens com as coisas que tem à vista. Não
é algo que eu planejei ao começar as ilustrações, mas que foi to-
mando forma conforme ia escolhendo o que fazia, como se o de-
senho estivesse ajudado pela conexão que eu senti com o texto,
por esse guia. Nesse caso, o texto já narrava as situações íntimas
do personagem, as reflexões, etc., motivo pelo qual me senti li-
vre para jogar com outras linhas narrativas. São decisões, todo
o tempo. Creio que para o ilustrador é muito importante ser um
bom leitor de textos, e poder questioná-los, andar ao redor deles
para ver o que guardam nos bolsos, para nos conectar com o que
escondem e usá-los como trampolim e causa para nos atirar na
piscina de nossa imaginação (ISOL In SOBRINO, 2013, online).
pictóricas distintas a cada projeto que se envolve, conforme sugerido por Isol,
Javier Zabala considera que “o que um ilustrador deve ser e o que um pintor
não necessariamente precisa ser – ou não tem o dever de ser – é um bom conta-
124
consigo repetir técnicas ou formas de representação se o tom das
histórias é tão diferente – e então tenho de descobrir uma expres-
são que ainda não existe, que nunca fiz antes, e que também é
minha (SOBRAL In CARAMICO, 2013, online).
das imagens. O que também não ocorre necessariamente, por exemplo, quando
ao processo criativo de Catarina Sobral, a autora conta que “o texto tem apare-
cido sempre antes das ilustrações, mas a ordem das páginas ou as imagens que
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127
[7] “Greve”, de Catarina Sobral.WMF Martins Fontes, 2014. Foto: Thales Othón.
128
129
[8] “Achimpa”, de Catarina Sobral.WMF Martins Fontes, 2014. Foto: Thales Othón.
Isidro Ferrer foram criadas primeiro e serviram de inspiração para o texto poético
que, em sequência, contam histórias sem que haja necessidade do texto escrito”
25. Comunicação pessoal. De acordo com relato de Isidro Ferrer para a autora na ocasião da oficina “Elogio
à desordem”, dentro da programação do Festival de Ilustração e Literatura Expandido, realizado de 4 a 7 de
Maio de 2017 em Salvador, Bahia. Mais informações em: <https://www.ilustrafestival.com.br/>.
130
Conforme podemos notar nos apontamentos de Graça Ramos, no caso dos
que a criação das imagens se apresenta como o eixo fundamental para a tessitura
de uma história - que posteriormente poderá ser ressignificada pelo diálogo com o
leitor. De acordo com Suzy Lee, “algumas histórias pedem para ser faladas na lín-
gua das imagens e tratadas com a lógica visual”, sendo que tais histórias “são na-
turalmente contadas pelo criador que tem mais familiaridade com o pensamento
em termos visuais” (LEE, 2012, p. 146). Identificamos no livro-imagem, portanto,
que “se o livro tem ou não palavras, não é o primeiro ponto considerado quando
faço um livro ilustrado” (LEE, 2012, p. 143). Para a ilustradora, o interesse princi-
131
“palavras invisíveis” contidas em uma ideia, ou em um processo de interpreta-
em seu trabalho. Conforme comenta Suzy Lee, “embora possa estar mais relacio-
ção pode partir tanto de uma imagem, quanto de uma ideia, história anterior
132
livro como um processo repleto de singularidades, variável de acordo com a
Outro aspecto interessante de ser notado, que também pode ser identifica-
Sophie Van der Linden, “as imagens dos livros ilustrados devem ser considera-
das reproduções de um trabalho original” (LINDEN, 2011, p. 33). Por esse motivo,
133
Essa possibilidade de inversão, em que a reprodução passa a ser compreen-
dida como a arte final almejada, é o que permite, por exemplo, que Claude Ponti
afirme que, a seu ver, "o original é o livro, não os desenhos” (PONTI, 1995, p. 4). De
pectos de importância para o ofício do ilustrador, uma vez que a qualidade da repro-
ilustrador, ao que Van der Linden cita o exemplo do livro “L’Homme qui ne remar-
quait rien” [O homem que não notava nada]26, de Robert Walser e Käthi Behend.
26. Título original: “Einer, der nichts merkte”. Zurique: Atlantis, 2003.
27. “O processo de impressão com quadricromia a quatro cores/tintas, reproduz todo um espectro de cores a
partir da descomposição de todas elas nas três cores primárias subtractivas mais o preto, ou seja, o cyan (C),
magenta (M), amarelo (Y) e preto (K), daí o termo CMYK ou policromia.” Disponível em: <http://knoow.
net/arteseletras/pinteescult/quadricromia/>. Acesso em Janeiro de 2019.
134
reconhecimento de que o amplo potencial experimental desse universo permite
135
O livro ilustrado como objeto mediador
livros que acabam por estabelecer conversas entre si – ainda que não necessaria-
136
Foi nos fins dos anos 1980 que começamos a usar [...] o termo ‘me-
diação cultural’ para redefinir a inadequada expressão ‘monitoria
de Museus’. O termo ‘mediação’ aprendemos com Paulo Freire,
que o usava para definir o papel do professor em estabelecer re-
lações dialógicas de ensino e aprendizagem, de modo que profes-
sor e estudantes aprendessem juntos (BARBOSA, 2016, p. 2).
cativas que assentem que os sujeitos aprendem uns com os outros em relações
dialógicas, do que com relações de ensino que pressupõem um viés unilateral
relação hierárquica.
137
Desenvolvendo tais temas em artigo posterior, Ranciére ainda demonstra
riza uma lacuna, e sim consiste apenas de uma condição normal dos processos
“detentor dos saberes”, e sim como alguém que pode ser o intermediário de uma
138
experiência compartilhada, caracterizada pelo encontro entre inteligências que
vez que o pedagogo avalia que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar
22), ou ainda que “quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao
que “um livro ilustrado é a primeira galeria de arte que uma criança visita”
139
contadores de histórias, livreiros, todos são agentes ativos no
processo de aproximação do livro e da leitura para formação de
leitores (FELTRE, 2015, p. 179).
2015, p. 180), como agentes essenciais para a formação leitora de uma criança que
dos mediadores” (FELTRE, 2015, p. 180), concordando que "os mediadores cultu-
rais devem estar em diversas instituições, além da escola, para enraizar a leitura
na sociedade como ato de todos” (MARQUES NETO, 2009, p. 66). De acordo com
percurso, que a leitura pode entrar na experiência de cada um (PETIT, 2009, p. 48).
estão associados com a figura dos diversos intermediários possíveis que podem
midade familiar do hábito de ler ao colocar os filhos para dormir. Outra camada
possível seria refletir sobre como os próprios agentes responsáveis pela criação
simplista” (MAYOR, 2018, p. 591), reconhece que o modo com que "um grupo he-
o seu processo criativo […] se reflete na mediação leitora implícita”, pois uma sé-
140
(Idem). Nesse sentido, poderíamos interpretar que a mediação já ocorre desde a
nas reflexões originárias de Paulo Freire, o célebre pedagogo pondera que “nin-
guém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os homens se educam entre
si, mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 1981, p. 79). Também Ana Mae Barbosa
avalia que "a arte tem enorme importância na mediação entre os seres humanos e
o mundo […]” (BARBOSA, 2009, p. 13). Vemos, portanto, pensamentos que suge-
mos tomar emprestadas algumas das contribuições presentes em seu texto para
filósofo francês Bruno Latour. A pesquisadora menciona que, para esse autor,
141
“olhar para objetos como mediadores implica considerar que eles são transfor-
ensão dos livros ilustrados como artefatos que apreendem potencial de mediar
relações entre leitores, autores e o mundo, atesta que esse objetos de leitura "não
uma perspectiva em que livros são passíveis de “visitação" tanto quanto uma ex-
142
do uso de objetos que mediam a relação do visitante com o museu/exposição,
143
agir e entendemos que a distribuição do próprio visível faz par-
te da configuração de dominação e sujeição. Ela começa quando
nos damos conta de que olhar também é uma ação que confir-
ma ou modifica tal distribuição, e que “interpretar o mundo” já
é uma forma de transformá-lo, de reconfigurá-lo. O espectador
é ativo, assim como o aluno ou o cientista. Ele observa, ele sele-
ciona, ele compara, ele interpreta. Ele conecta o que ele observa
com muitas outras coisas que ele observou em outros palcos,
em outros tipos de espaços. Ele faz o seu poema com o poema
que é feito diante dele (Idem).
e espectadores.
29. “Contos de Grimm” é uma coletânea de contos de fadas e outros contos, publicada inicialmente em
1812 por Jacob e Wilhelm Grimm. Disponível em: <http://www.ebc.com.br/cultura/2012/12/contos-de-
-grimm-completam-200-anos-de-lancamento>.
144
contos, são os seus lugares, seus desenhos, seus itinerários, seus
movimentos, o que o corpo infantil literalmente sentiu se ins-
talar nele, na altura do quadril, dos braços, do peito, como se
esses contos tivessem estabelecido a própria sinestesia do eu
(PEREC, 1974, p. 6 In PETIT, 2009, p. 95).
O autor descreve suas lembranças não apenas por meio de aspectos men-
ra, desde a infância e adiante. No caso do livro ilustrado, leituras cujas narrativas
145
146
Capítulo 3
Descobrindo o rio
147
Neste terceiro capítulo, construo um relato acerca de minha trajetória no
retomo como justificativa alguns dos conceitos que foram trabalhados na intro-
Identifico a reflexão acerca do meu processo criativo como um dos diversos ân-
gulos de acesso ao próprio material de estudo, uma vez que decidi investigar
orgânica com a reflexão teórica, este processo também foi permeado pela experi-
investigativas”31.
Para desenvolver esse estudo acerca de meu próprio trabalho como ilus-
"o propósito e utilidade da pesquisa” reside em “contar uma história que permita
aos outros contar a sua história”32. Opto aqui por compartilhar minha história
148
pelo viés da autobiografia, mas não no sentido de uma generalização de minha
149
Correntezas da criação
Caetano Veloso35
dias em que uma névoa branca recobre a cidade, valorizando as formas geomé-
tricas dos prédios que recortam o horizonte em ângulos retos e linhas precisas.
150
de nascer e viver nessa megalópole paradoxal, em sua complexidade deslumbran-
pressão dos sentimentos de viver em São Paulo com os quais me identifico. Como
no caso da epígrafe de Caetano Veloso que abre este capítulo, ou seguintes versos
de Tom Zé:
34. Trecho do poema “A flor e a náusea”, publicado em “Antologia Poética”.12ª edição. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1978, ps. 14,15 e 16.
35. Trecho da música “Sampa”, de Caetano Veloso. Álbum: Muito (Dentro da estrela azulada). CBD Phono-
gram: 1978.
36. Segundo o Ekonomista. Disponível em: <https://www.e-konomista.pt/artigo/maiores-cidades-do-
mundo/>. Acesso em Junho de 2018.
37. Trecho da música “São, São Paulo”, de Tom Zé. Álbum: “Tom Zé”. 1968. Disponível em: <https://
www.youtube.com/watch?v=T5GgLlHzIgw>. Acesso em Julho de 2018. O número de 8 milhões habit-
antes citado na música atualmente já se ampliou para 12 milhões. Fonte: < https://sao-paulo.estadao.com.
br/noticias/geral,cidade-de-sp-alcanca-12-1-milhoes-de-habitantes-mas-cresce-abaixo-da-media-nacion-
al,70001956373>. Acesso em Junho de 2018.
151
“Não, não/ São Paulo é outra coisa/ Não é exatamente amor/ É identificação
absoluta/ Sou eu/ Eu não me amo/ Mas me persigo/ Bonita palavra, perse-
Para contar uma história pela primeira vez, pela primeira vez sem ilustrar a his-
tória de outra pessoa e sim uma criada por mim, não consegui evitar contar uma
que integra essa pesquisa, “Fio de Rio”, a urbanidade de minha janela virou de-
senho estampado no papel, e voltei a ser criança para me tornar figura passeando
por entre as páginas. A linha que se impôs entre a realidade e a ficção, nesse con-
É difícil identificar onde começou a criação deste livro. Assim como uma
metrópole que não tem começo, meio e fim, mas é como uma constelação que se
expande para todos os lados. Onde começa uma constelação? Eu já não sei dizer
de onde se iniciou a narrativa que criei. Não foi a partir de uma ideia sozinha.
Foram muitas ideias, informações, imagens, pessoas que há anos vem se sedi-
tomar forma, porque o movimento desta pesquisa impulsionou que tudo final-
mente saísse do plano da imaginação para adquirir cor, textura e peso. Mas, tal-
vez, sem a experiência de viver em São Paulo, sem a vista dos prédios rasgando
38. Trecho da música “Persigo São Paulo”, de Itamar Assumpção. Albúm: “Pretobrás III – devia ser proibi-
do”. São Paulo: Sesc SP, 2010. 1 CD.
152
o horizonte na janela, nada disso tivesse se manifestado na narrativa que acabou
florescendo. Ou talvez se, em um dia qualquer, eu não tivesse notado a fonte que
Bem em frente ao meu prédio, há uma praça. Uma pequena área de verde
tem gente frequentando, porque o maior pedaço do terreno é muito íngreme, fa-
zendo da praça um canto solitário. Afinal, não dá para jogar bola, nem para pas-
sear com cachorros, não tem onde sentar e é difícil de andar sem escorregar pelos
galhos e folhas secas. Apenas na parte de cima tem algumas áreas de convivência
e bancos. Um dia notei algumas árvores diferentes na parte íngreme, e uma es-
pécie de construção com madeira. Quando fui observar, descobri uma fonte de
água pura que brotava do chão. E alguém havia represado o fio de água para
com certa frequência. Conforme o tempo passava via que o trabalho prosseguia,
eram plantados. Mas nunca consegui encontrar as pessoas responsáveis pela in-
tervenção, e aquela fonte ficou recoberta pela aura misteriosa daqueles cuidado-
com a água que brota insistentemente em São Paulo. Uma delas foi o problema
de infiltração que deu na casa de minha irmã. Ela mora em uma rua íngreme
motivo era a proximidade com a parede dos fundos do vizinho, mas quando
153
154
[9] e [10] Imagens da praça Amadeo Decome. São Paulo, 2018. Fotos: Thales Othón. Fonte: Arquivo pessoal.
155
certo grau de ironia e contradição, pois ocorreu em um período em que o Estado
de São Paulo passava por uma das piores crises hídricas de sua história39.
localizava em uma rua que dava para um antigo beco, que era chamado de Beco
canalização do córrego Rio Verde41, um rio enterrado pela urbanização, que corre
por debaixo da terra até desaguar no rio Pinheiros. Na maior parte do tempo, a
presença discreta do Rio Verde pode passar desapercebida. Mas em dias de chu-
va muito forte, esse rio pode ultrapassar os limites que lhe foram impostos e se
do à uma enchente que submergiu todo o andar inferior da casa que o abrigava,
Com efeito, naquela época a região da Vila Madalena alagava a ponto de fazer os
39. “A maior parte da estação chuvosa de 2014 transcorreu com valores de chuva inferiores à média históri-
ca sobre a porção sudeste do país, incluindo o Sistema Cantareira. […] A combinação dos baixos índices
pluviométricos, o grande crescimento da demanda de água e o ineficiente gerenciamento desse recurso
têm gerado uma “crise hídrica” durante os anos 2014 e 2015.” MARENGO, José A. “A seca e a crise hídrica
de 2014-2015 em São Paulo”. Disponível em: < http://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/110101>.
Acesso em Junho de 2018.
40. Trabalhei no Ponto de Cultura “Escola da Rua” no ano de 2014, o projeto foi descontinuado em 2015.
Iniciativa vinculada à ONG Associação Cidade Escola Aprendiz. Mais informações em: <http://www.ci-
dadeescolaaprendiz.org.br/>. Acesso em Junho de 2018.
41. Conforme consta em BARTALINI, Vladimir. “A trama capilar das águas na visão cotidiana da pais-
agem”. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.108/51>. Acesso em
Junho de 2018.
156
Foi nesse Ponto de Cultura que ouvi falar pela primeira vez da iniciativa
Rios e Ruas42, que levava as pessoas para conhecerem a história dos rios soterra-
pole, visando também uma reflexão acerca da utilização do espaço urbano. Uma
das intervenções dessa iniciativa fazia com que meu trajeto para o trabalho fosse
guiado por uma linha azul que tingia o chão, colorindo o caminho por onde um
dia correu, a céu aberto, o Córrego Rio Verde. Textos e poemas colados nos postes
42. “Rios e Ruas, criado pelo Instituto Harmonia, nasceu em 2010, fruto da parceria do arquiteto e urbanista
José Bueno com o educador Luiz de Campos Jr. O projeto oferece o reconhecimento das principais bacias
hidrográficas de São Paulo e a exploração in loco dos rios e riachos da cidade, soterrados ou não, por meio de
oficinas prático-teóricas e vivências em expedições da nascente à foz dos cursos d’água”. Mais informações
no site: <http://www.mostrarioseruas.com.br/index.php>. Acesso em Junho de 2018.
43. Sediada no SESC Pinheiros de 21 de Junho a 24 de Setembro de 2017. Parceria entre Rios e Ruas e Estúdio
Laborg. Mais informações em: < http://conexaoplaneta.com.br/blog/rios-des-cobertos-os-rios-ocultos-de-
sao-paulo-estao-de-volta-em-exposicao-no-sesc-pinheiros/>. Acesso em Junho de 2018.
157
Essas experiências transformaram a paisagem de minha janela. Havia os
prédios de sempre, mas o que não estava visível também preencheu o signifi-
córregos ocultos que ainda se manifestam na teimosia dos musgos que surgem,
persistentes, no vão da calçada. Junto com o rumor contínuo de carros circulan-
do, o ruído suave dos insetos e o canto de pássaros de diferentes cores, desses
que ainda estão presentes em grande quantidade nas regiões menos urbanizadas.
foi esse lugar que quis habitar para realizar o meu primeiro livro.
158
São Paulo e seus rios
abudância de rios que sempre desenhou a região. De acordo com Isabel Cristina
-se em importante via de conexão do litoral com o interior paulista”, sendo que
“as trilhas indígenas eram associadas aos seus caminhos fluviais e mais tarde, os
159
estabelecimento e desenvolvimento da vila de São Paulo de ‘Piratininga’” (GOU-
cair a partir da utilização, desde muito cedo, dos rios para lançamento de esgotos.
160
desenvolvimento urbano acelerado, a relação da ocupação humana com os rios
que soterrada. A não ser por alguns indícios furtivos aqui e acolá, a malha que
laciona com a opção por uma lógica de apropriação do espaço que atende aos
161
interesses do mercado imobiliário e da indústria automobilística, em desconsi-
cidade.
2016, online).
44. Na sessão de depoimentos que consta no site do projeto Rios e Ruas. Acesso em Fevereiro de 2019. Dis-
ponível em: <http://www.mostrarioseruas.com.br/plataforma.php>.
162
A Prefeitura do Município de São Paulo apresentou em 2005,
como alternativa à instalação de “piscinões”, um projeto
de renaturalização de rios e córregos.45 O projeto previa a
reabertura do Córrego do Itororó, num trecho de 3 Km, no
canteiro central da Avenida 23 de Maio, através de pequenos
reservatórios com seixos e quedas de água, e tratamento
paisagístico. Tais reservatórios, durante as chuvas, conteriam
a velocidade dos fluxos, minimizando as inundações no Vale
do Anhangabaú. Contemplava ainda intervenções na bacia do
Ribeirão Anhangabaú (Ribeirão Saracura, Ribeirão Saracura-
Mirim) e Rio Ipiranga. O projeto incluía ainda o saneamento
da bacia, com 100% de coleta de esgoto e controle do lixo.
Essas primeiras renaturalizações não seriam implantadas
em áreas densamente ocupadas e, portanto, não implicariam
em desapropriações. […] O projeto foi alvo de uma série de
questionamentos e críticas, e, até o momento, não há indícios
de que venha a ser implantado (GOUVEIA, 2016, online).
para os grupos atuando na linha de frente desse movimento, tem sido um desafio
que cada vez mais se encontram com esse tema. O alcance ainda pode ser tímido,
Ter entrando em contato com as ações artísticas do Rios e Ruas ao longo dos
últimos anos gerou, por exemplo, uma sensibilização de minha parte para essa
45. O projeto de autoria do engenheiro Sadalla Domingos, apresentado pela Secretaria Municipal do Verde
e Meio Ambiente.
46. Diversos roteiros para passeios e corridas do “Circuito Rios e Ruas”. Disponíveis em: <http://www.
circuitorioseruas.com.br/index.php>.
163
sinais que podem passar desapercebidos em nosso dia a dia. Especialmente,
imagem de uma cidade, uma grande metrópole, que encobre seu rio caudaloso.
Acabei decidindo por adentrar no imaginário desse rio de lembranças, sem saber
164
Imaginação, memória e esquecimento
rios do livro “Fio de Rio”. A opção pela cor vibrante contrasta com os tons de cin-
da garota, que se destaca em diferentes cantos das páginas, mesmo quando vista
de longe. Essa menina foi a maneira que encontrei de me projetar para dentro do
livro, de experimentar esse mergulho que ela dá em um rio, em um espelhamento
do que foi a imersão nesta pesquisa de Mestrado. Por meio dessa forma de au-
e vi rastros de flores teimosas brotando por entre os vãos dos caracteres que se
precisava, para que essas imagens colidissem com o meu desejo de construir um
tras imagens, de palavras, de ideias que amarrassem as figuras umas nas outras.
com a generosa obra de tantas autoras e autores que, em suas inquietas curiosi-
165
No primeiro capítulo desta dissertação, me dediquei principalmente ao
urbana. Uma paisagem dura, feita de pedra e concreto, uma selva urbana rasga-
da em ângulos e linhas retas, uma composição em cinza que figurativamente me
poderiam ser as ruas em que vivemos, ou nossas escolas”47 (GREENE, 2005, p. 17,
tradução nossa). A autora exemplifica o seu ponto de vista por meio do contexto
47. “[…] la capacidad de inventar visiones de cómo debería e podría ser nuestra deficiente sociedad, de
cómo deberían y podrían ser las calles en las que vivimos o nuestras escuelas”.
166
Podemos aproximar essa perspectiva social da imaginação com o cerne
lhado no subtítulo “Imaginar é resistir”), uma vez que, de acordo com Greene,
“nos damos conta da dureza de uma situação somente quando temos em mente
a memória de uma cidade de concreto que parece ter se esquecido que outrora
e simbólico – dessas águas, contenha a faísca, ainda que em sua sutileza e peque-
e Ruas, que contribuem para a criação de uma rede crescente de pessoas sensibi-
48. “Asimismo, puede que sólo cuando concibamos aulas humana y libertadoras, en las que se reconozca
y se sostenga el esfuerzo de todo alumno o alumna por aprender a aprender, seamos capaces de percibir lo
insuficientes que resultan las escuelas burocratizadas y descuidadas”.
49. “[…] nos damos cuenta de la dureza de una situación sólo cuando tenemos en mente otro estado de
cosas mejor”.
167
Refletir sobre os aspectos do passado de um determinado território me
tiva sobre os rios encobertos de São Paulo pode se apresentar da maneira bas-
“recordações são, por assim dizer, narrativas e que as narrativas são necessa-
168
perdidas, na subversão da seletividade dos esquecimentos. Um processo de re-
que ela nunca vivenciou, mas cujas pistas ativam seu imaginário, e portanto o
consegue passear pela narrativa do que ela imagina que seja a lembrança desse
MAN, 2011, p. 148), em que sutilezas tão frágeis como um inseto luminescente
matéria tão oposta como a água, a jornada da criança habita a leveza dos va-
o autor, ”nos tornar vaga-lumes e, dessa forma, formar novamente uma comu-
169
nidade do desejo, uma comunidade de lampejos emitidos, de danças apesar de
como a menina que, apesar de tudo, ousa dar vazão ao desejo de desviar o olhar
para outra direção, que lhe permite notar o que cotidianamente costuma passar
desapercebido.
vro ilustrado como objeto mediador: estes são, em seus diversos desdobramentos
de Rio” se apresenta, de tal modo, como uma busca pela apropriação ficcional,
170
171
Criar o livro ilustrado
se desenvolvido a partir do roteiro que costuma ser mais frequente para quem tra-
balha com ilustração: receber e ler um texto inalterável, para posteriormente criar
como um livro conduzido pelas imagens, invertendo a lógica para que o texto
172
passagens de texto – que, todavia, não se mostraram como indispensáveis para
pude compreender que não havia a necessidade de tantas frases, pois as imagens
já estavam dando conta das informações que eu buscava representar. Foi no de-
crita até então, fiquei surpresa em notar como o processo de redação foi marcado
das figuras e das possibilidades lacunares das relações entre texto e imagem, de-
rada” das passagens textuais chegou ao seu ápice quando optei por suprimi-las
Bajour pondera que a “arte se vale” do "delicado equilíbrio entre o dito e o não
e pela “reiteração, como forma de jogar uma rede de proteção sobre o leitor”
173
(BAJOUR, 2018, online). Em oposição, Cecília Bajour se propõe a pensar sobre
"como alguns livros constróem com o que não dizem, o que sugerem, ou o que
de “Fio de Rio” se encontrou com esse movimento do “não dito, ou o que é dito
pela metade, por meio do jogo sutil entre a abertura do texto escrito e da ambi-
“Fio de Rio” se alinha com a compreensão do livro ilustrado tal como essa cate-
goria é reconhecida no Capítulo 2: de acordo com Sophie Van der Linden, livros
em que “o sentido não é veiculado pela imagem e/ou pelo texto, e, sim, emerge a
partir da mútua relação entre ambos” (LINDEN, 2011, p. 86), ou, ainda, conforme
Ciça Fittipaldi, livros que compõem “um espaço lúdico, mas convincentemente
habitável, que propõe uma realidade própria, específica: a alternativa visual en-
cilia Almeida Salles, “os vestígios […] oferecem meios para captar fragmentos
174
os caminhos desviantes trilhados até o resultado. Cecilia Almeida Salles defende,
nesse sentido, que o estudo dos documentos de processos criativos pode colocar-
-se “sob o ponto de vista dinâmico” (TADIÉ, 1992, p. 290 In SALLES, 1998, p. 20),
seu caráter inconclusivo. A autora concorda, por exemplo, que um diário “não é
uma obra de arte, mas uma obra do tempo” (KLEE, 1990, p. 74 In SALLES, 1998,
p. 20), e considera que, portanto, pode-se “afirmar que esses documentos guar-
evidenciar essa noção distinta do tempo, optei por estampar alguns rascunhos
nas aberturas dos capítulos e subtítulos desta dissertação, na busca por amarra-
ser percorrido. A narrativa de “Fio de Rio”, carregada pelo peso de todas as refle-
pediu por uma lentidão na composição das imagens, solicitou certa vagarosidade
para o surgimento das paisagens, dos detalhes, das camadas de cor. Uma dinâ-
Cisneros a respeito de seu processo criativo para o livro “El sueño”50, quando
50. “El sueño”. De Antonio Ventura, ilustrações de Jesús Cisneros. Fondo de Cultura Económica, México,
2014.
175
ele comenta que “as ilustrações para esse livro apareceram lentamente". O ar-
tista afirma: "eu queria que a obra me guiasse, aceitando e incorporando o que
Foi através da pintura acrílica sobre papel, em associação com o lápis para
que precisava habitar para a realização de “Fio de Rio". Na maioria dos trabalhos
que desenvolvi antes desse livro, evitei os processos mais demorados e detalha-
o quanto cada projeto pode demandar diferentes técnicas de acordo com suas
51. “A monotipia é uma técnica de impressão muito simples. Com esta técnica consegue-se a reprodução de
um desenho ou mancha de cor numa prova única, daí o nome “monotipia”. A prova obtida, monotipia, não é
um duplicado fiel do desenho ou mancha original, na passagem para o papel (impressão), as tintas misturam-
se fazendo surgir efeitos imprevisíveis. A monotipia pode ser feita de diversas técnicas.” Disponível em:
<https://gravurafbaup.files.wordpress.com/2009/11/monotip.pdf>. Acesso em Março de 2019.
176
história – no caso do livro ilustrado, uma voz que combina visualidade e palavra
escrita. No paralelo com a narração oral, uma voz que pode ressoar, reverberan-
Cuidadores anônimos da natureza que deixaram seus rastros em uma praça com
riência conjunta.
177
178
Considerações finais
Essa imagem, que considero bastante bela, também retrata o decorrer de minha
pesquisa. Os temas amplos que me propus a pesquisar – ilustração, imaginação,
vida – é necessário "arriscar, perguntar, transgredir o que já está dado como cer-
179
Na costura do tema da imaginação com o universo das histórias que habi-
pude me aproximar desse tema através das metáforas e histórias que permeiam
de resistência.
180
Todas essas reflexões iniciais pavimentaram o caminho para a investiga-
para além da ideia de subordinação. Tal perspectiva abriu as portas para a com-
esse ofício. Relatos de diferentes ilustradores, como Ciça Fittipaldi, Catarina Sobral,
Isol, Fernando Vilela, Edith Derdik, Javier Zabala e Isidro Ferrer, forneceram um
181
os contextos da mediação em arte e da mediação de leitura, caminhando para a
trado como lugar, tal como uma galeria de arte que podemos visitar e sermos
182
podemos ponderar acerca dos livros ilustrados à luz de uma possível “pedagogia
Quando faz uso da palavra “icástico”, termo italiano que não existe em in-
glês ou português, Ítalo Calvino designa “a evocação de imagens visuais nítidas,
leituras como atividades permeadas pela constante e inquietante busca por sua
183
184
185
186
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