Nota Técnica Ciências Policiais No Brasil
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Nota Técnica Ciências Policiais No Brasil
Natal: PMRN, volume 1, número 1, p. 159- 166 jul./dez. 2021. Edson Benedito Rondon Filho
Resumo: Esta Nota Técnica versa acerca da inclusão das Ciências Policiais no rol das ciências estudadas no Brasil, consignado
no Parecer n.º 945/2019 87, do Conselho Nacional de Educação (CNE), da Câmara de Educação Superior (CES), de lavra do
Conselheiro Luiz Robert Liza Curi, homologado pelo Despacho do Ministro da Educação e publicado no Diário Oficial da
União de 9/6/2020, Seção 1, Pág. 22. O Parecer citado foi emitido em resposta à proposição da Polícia Militar do Estado de
São Paulo (PMESP), feita por meio do Processo n.º 23123.007756/2017-45, para inclusão das Ciências Policiais no rol das
ciências estudadas e devidamente reconhecidas pelos órgãos competentes do Ministério da Educação (MEC). Os autores
propõem uma nova classificação para as Ciências Policiais, pois sendo distintas das Ciências Militares e das Ciências da Defesa,
ensejam, obrigatoriamente, a criação de duas subáreas essenciais para sua sedimentação: a “segurança pública e defesa civil”,
constituindo-se, conhecimentos científicos específicos, de caráter Multidisciplinar.
Palavras-chave: Parecer. Nota técnica. Ciências Policiais. Conselho Nacional de Educação. Brasil.
Keywords: Technical advice. Technical note. Police Sciences. National Council of Education. Brazil.
85 Doutor em Educação, Mestre em Ciências Sociais, Especialista em Polícia Comunitária, Bacharel e Licenciado em
Ciências Sociais (UFRN). Membro fundador do Instituto Brasileiro de Segurança Pública (IBSP) e do Conselho Editorial
da Revista deste Instituto (RIBSP). Atualmente é Major da PMRN, Chefe da Seção de Formação da Diretoria de Ensino
da PMRN. É autor do livro Formação policial-militar no século XXI: diagnósticos e perspectiva. Natal: Minimbu,
2017.
https://orcid.org/0000-0002-3829-1822
E-mail: [email protected]
http://lattes.cnpq.br/8617007915492517
86 Pós-Doutorado junto ao Departamento de Letras Modernas do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da
Universidade Estadual Júlio Mesquita Filho (IBILCE/UNESP), na modalidade III (PD-III) (2020). Doutor em Sociologia
pelo PPGS/UFRGS, na linha de Violência, Criminalização, Cidadania e Direito com estágio doutoral (sanduíche) junto ao
Centre de Recherche Sociologique sur le Droit et les Institutions Pénales (CESDIP)/França (2013). Atualmente é
Presidente do Conselho Executivo do Instituto Brasileiro de Segurança Pública (IBSP). É autor do livro Socialização
policial: vivências e conflitualidades de policiais militares. Curitiba: Juruá, 201
http://lattes.cnpq.br/8121682994001478
http://orcid.org/0000-0003-4267-2393.
E-mail: [email protected]
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88 SILVA, João Batista da. (2018). A produção do conhecimento em segurança pública. Revista do Instituto Brasileiro
de Segurança Pública (RIBSP), 1(1), 55-61. https://doi.org/https://doi.org/10.36776/ribsp.v1i1.5. Disponível em:
http://ibsp.org.br/ibsp/revista/index.php/RIBSP/article/view/5. Acesso em 20 jul 2020.
89 De acordo com as suas respectivas especificidades, conforme Tabela da CAPES. Disponível em:
https://www.gov.br/capes/pt-br/centrais-de-conteudo/TabelaAreasConhecimento_072012_atualizada_2017_v2.pdf.
Acesso em: 26 out 2021.
90 EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 104 Altera o inciso XIV do caput do art. 21, o § 4º do art. 32 e o art. 144 da
Constituição Federal, para criar as polícias penais federal, estaduais e distrital. "Art. 144. [...] VI - polícias penais federal,
estaduais e distrital. § 5º-A. Às polícias penais, vinculadas ao órgão administrador do sistema penal da unidade federativa a
que pertencem, cabe a segurança dos estabelecimentos penais. § 6º As polícias militares e os corpos de bombeiros
militares, forças auxiliares e reserva do Exército subordinam-se, juntamente com as polícias civis e as polícias penais
estaduais e distrital, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. Disponível em:
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https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=05/12/2019&jornal=515&pagina=2&totalArquivos=92.
Acesso em: 27 out 2021.
91 BRASIL. Plano Nacional de Pós-Graduação (2011-2020). Brasília: CAPES, 2010a. Volume I. Disponível em:
e método de investigação científica. (Org.) Azor Lopes da Silva Júnior. 2021 (No prelo).
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fossem ciências autônomas. Assim, dado que as do Direito, a Sociologia e a Antropologia Jurídica
novas ciências reconhecidas não tinham e os vários ramos do Direitos, totalizando 23
vinculação com as já sedimentadas, pela própria (vinte e três); nas Ciências Humanas, há a
essência das Ciências Policiais, em especial, senão Filosofia, a Sociologia, a Teologia, a História, a
todas, mas elas estariam vinculadas à Grande Arqueologia, as Artes, entre outras, totalizando
Área, "Multidisciplinar". 13(treze) Ciências, cada uma com suas respectivas
subáreas; contemporaneamente foram
Consigna-se, ademais, que o ensino
militar está previsto no Art. 83 da Lei de reconhecidas as Ciências Multidisciplinares,
Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (Lei como Grande Área do Conhecimento, na qual
9.694/1996), sendo “[...] regulado em lei estão contidas as Ciências Interdisciplinares, do
específica, admitida a equivalência de estudos, de Ensino, de Materiais, Biotecnológicas, Ciências
acordo com as normas fixadas pelos sistemas de Ambientais e, por seu turno e, com efeito, desde
ensino” e, portanto, com a aprovação do Parecer de 2001, as Ciências Militares, desde 2017, as
Ciências da Defesa e, a partir de 2019, as Ciências
CNE/CES 1.295/2001, fora dado o devido
enquadramento a esse campo científico de Policiais. Esta última, uma Ciência ainda sem
conhecimento das Ciências Militares. Contudo, subdivisão, sem explicitação formal, na qual
compreende-se que mesmo havendo “segurança pública”, é a primeira e principal
similaridades entre as Ciências Militares e as subárea do conhecimento, sendo complementada
pela subárea “defesa civil”.
Policiais, conforme acima explicitado, a anexação
desta última à Área de Conhecimento “Defesa” A partir dessa definição, na primeira
não atende à especificidade e à complexidade 99 subárea estão circunscritos os estudos relativos à
das Ciências Policiais, em especial, a formação de Teoria e Prática policial, Sociologia da violência e
profissionais de segurança pública 100 para o da Criminalidade, Gestão Pública, entre outras,
exercício de suas atividades no território nacional dado que a Ciência Policial é Multidisciplinar e
e não contra outro Estado-Nação, conforme Interdisciplinar.
classificação estabelecida, muito embora, dada à Por seu turno, na segunda subárea,
complexidade do crime no contexto atual, os Defesa Civil, estão circunscritas todas às
aspectos que o compõem, em alguns contextos
especialidades pertencentes à Teoria de
contemporâneos, transcendem as fronteiras
Prevenção e Controle a Desastres, Gestão de
nacionais.
Conflitos e Emergências e todas as outras
Nesses termos, por analogia, com está correlatas à Defesa Civil.
definido pela CAPES (vide Tabela citada), que
Importa evidenciar, finalmente, que o
dentro de cada Ciência (Grande Área) há as suas
campo específico de conhecimento científico das
Áreas de Conhecimento e, assim considerando
Ciências Policiais deve compreender as
que se nas Ciências Sociais Aplicadas há a Ciência problemáticas da violência e da criminalidade no
da Administração, do Direito, entre outras, e
nesta última, estão contidas as subáreas da Teoria
99 MORIN, Edgan. Ciência com consciência. (Trad.) Maria D, Alexandre e Maria de Alice Sampaio Dória. Rio de Janeiro:
Bertran Brasil, 9ª edição, 2005.
100 Código de Conduta para os funcionários responsáveis pela aplicação da lei, definido pela ONU (1979). Disponível em:
http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/cao_criminal/CAOCri_ControleExtAtivPol/C%C3%B3digo%20de%20Con
duta%20para%20os%20Funcion%C3%A1rios%20Respons%C3%A1veis%20pela%20Aplica%C3%A7%C3%A3o%20da%
20Lei_2.pdf. Acesso em: 28 out 2021.
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país 101 , bem como as correlatas a desastres e Ciências Militares e Defesa possam também ser
defesa civil, conforme previsto na Política utilizadas pelas Ciências Policiais, mas a essência
Nacional de Proteção e Defesa Civil 102 seja nos desta última é específica.
seus aspectos de prevenção e enfretamento em
Nesse contexto, as Ciências Policiais são
níveis operacional, gerencial ou estratégico, em distintas das Ciências Militares e de Defesa. O
especial, a formação inicial e continuada desses conhecimento científico produzido na
profissionais para o exercício de sua atividade
“segurança pública e defesa civil” é distinto do
laboral cada vez mais profissionalizada, dado que produzido na “Defesa” nacional, constituindo-se
este é um processo e não uma meta que deva ser conhecimentos científicos específicos, de caráter
alcançada e se estagna 103 , sendo uma das Multidisciplinar, dado aos seus múltiplos fatores,
premissas fundantes desse desenvolvimento e devendo, portanto, ser solicitado um novo
sedimentação a realização de eventos científicos, parecer ao Conselho Nacional de Educação, a
pioneiros, como foram a 1ª Conferência Nacional partir do qual se requisite as devidas adequações
de Segurança Pública 104 e a 1ª Conferência
de forma a atender às especificidades ora
Nacional de Defesa Civil e Assistência evidenciadas. Ou em outra perspectiva, caso não
Humanitária 105. seja viável ou adequado politicamente para o
Assim, é incontestável a importância do contexto atual, uma alternativa seria buscar
Parecer 945/2019 do CNE/CES, contudo, faz- consolidar suas subáreas de conhecimento
se necessário e fundamental para a sedimentação “segurança pública” e “defesa civil”, por meio de
e o avanço das Ciências Polícias, a separação pesquisa e produção científicas nas Ciências
dessas três áreas do conhecimento – Ciências Policiais, para posterior readequação.
Militares, Defesa e Ciências Policiais -, muito Para além da consolidação e devido
embora, em alguns contextos, os métodos, os
enquadramento do campo de saber das Ciências
parâmetros e as fundamentações utilizadas nas
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Policiais, é também condição basilar que as próprio; e 2. criação de periódicos científicos para
instituições de ensino superior públicas (civis disseminação do conhecimento produzido.
e/ou policiais militares) e as privadas que se
Assim, em que pese o Art. 83 da LDB
dedicarem a criar e desenvolver programas de
definir que o Sistema de Ensino Militar é regido
pós-graduação lato e stricto sensu devem estabelecer por lei específica, no Brasil, adotou-se dois
áreas próprias de pesquisa e produção cientificas modelos para sedimentação desse campo do
que atendam às demandas nacionais, regionais e
saber. O primeiro, a partir do reconhecimento
locais da segurança pública e defesa civil, que pelo sistema civil de ensino, por meio dos
estão contidas no campo de interesse das Conselhos Estaduais de Educação, inicialmente
Ciências Policiais, em consonância com os artigos com o reconhecimento dos cursos profissionais,
44, 48 e 53 da Lei de Diretrizes e Bases (Lei equivalentes ao sistema de ensino civil e,
9394/1996), que regem a pós-graduação no posteriormente, credenciamento das academias
Brasil. de polícia militar, como instituição de ensino
Assim, à guisa de considerações finais, superior, faculdades, Escola de Governo 107 e,
mas sem a pretensão de esgotar o debate mais recentemente, centro de ensino e pesquisa.
acadêmico-científico e teórico-conceitual, mas A Polícia Militar do Estado de Minas Gerais foi a
motivá-lo, é forçoso consignar que o grande precursora desse formato de reconhecimento, a
esforço empreendido para o reconhecimento, a partir dos anos 1970 108, doravante, seguida pela
sedimentação desse campo do saber e maioria das Polícias Militares. E o segundo
reconhecimento das Ciências Policiais, no Brasil, modelo, a partir do próprio Art. 83 da LDB,
é oriundo das Polícias Militares, que por meio de percurso este, até agora, adotado pela Polícia
suas academias, desde os anos 1970, vêm Militar do Estado de São Paulo, por meio da
construindo paulatinamente a produção e institucionalização de seu Sistema de Ensino, pela
divulgação desse conhecimento científico, muito Lei Complementar nº 1.036/2008 109 ,
embora ainda incipiente 106. Nesse contexto, duas regulamentada pelo Decreto Estadual nº
ações político-institucionais tributaram para o 54.911/2009 110 . Este, com efeito, encontra
atual estágio de amadurecimento técnico- resistências acadêmico-administrativas, tanto nas
profissional e acadêmico-científico: 1. os cursos corporações policiais, como nos órgãos de
de formação profissional inicial e continuada fiscalização e controle do sistema educacional do
(citados), com consequente credenciamento das país.
academias de polícia militar junto aos órgãos de
educação ou criação de sistema de ensino
106 SILVA, João Batista da. Ciências policiais no Brasil: panorama histórico e político-institucional. In: Ciências policiais:
objeto e método de investigação científica. (Org.) Azor Lopes da Silva Júnior. 2021 (No prelo).
107 Este é o caso da Academia de Polícia Militar de Goiás (PMGO) que foi credenciada como Escola de Governo, pela
Câmara de Educação Superior do Conselho Estadual de Educação do Estado de Goiás, no ano de 2017.
108 Na 1ª edição da Revista Alferes da PMMG (1983), Seção Legislação, p. 95, fora publicado o Parecer nº 237/1983 do
Conselho Federal de Educação, que reconheceu o Curso de Formação de Oficiais daquela PM, como curso superior nos
seguintes termos: “[...] favorável ao reconhecimento da equivalência aos cursos superiores de graduação, para efeito no
sistema civil, a partir de 1970, do Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais”.
Disponível em: https://revista.policiamilitar.mg.gov.br/index.php/alferes/issue/view/80. Acesso em 25 ago. 2021
109https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei.complementar/2008/lei.complementar-1036-11.01.2008.html. Acesso
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Natal: PMRN, volume 1, número 1, p. 159- 166 jul./dez. 2021. Edson Benedito Rondon Filho
Por seu turno, os periódicos científicos, produzir resultados práticos para atender às
em sua maioria, vinculados às academias de demandas da segurança pública e defesa civil da
polícia militar e às secretarias de segurança sociedade brasileira.
estaduais, têm evoluído significativamente na
profissionalização dessas ferramentas de
divulgação acadêmico-científica das corporações
policiais e de pesquisas oriundas de pesquisadores
do mundo acadêmico civil que submetem suas
produções a esses periódicos. Entre os periódicos
qualificados no sistema de avaliação
111
Qualis/CAPES, cita-se a RBCP , da Polícia
Federal, a REBESP112, vinculada à Secretaria de
Segurança de Goiás, a Alferes 113 , da Polícia
Militar de Minas Gerais, a Homens do Mato 114,
da Polícia Militar do Mato Grosso, bem como
outras em processo inicial de desenvolvimento,
como a Revista SUSP 115, do Ministério da Justiça
e Segurança Pública e a Vigilantis Semper 116 , da
Polícia Militar do Rio Grande do Norte.
Destaca-se, também, a importância dos
periódicos científicos, externos às instituições
policiais, constituídas, em sua maioria, por
pesquisadores(as) civis, como a RBSP 117 , do
Fórum Brasileiro de Segurança Pública e a
RIBSP 118 do Instituto Brasileiro de Segurança
Pública, esta última composta por mestres e
doutores, todos pesquisadores profissionais de
segurança, policiais militares.
Por fim, superadas as questões
conceituais postas que delimitam os princípios
fundantes entre as Ciências Militares e as Ciências
Policiais, deve-se avançar na ampliação e
mobilização intelectuais dos atores sociais dessa
área de conhecimento, no sentido de que a
pesquisa e a produção dela advindos possam
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