Nova Historia 2 Partes
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T Ó R IA DO
C I N EM A
BR A SI L EIR O
SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO
Administração Regional no Estado de São Paulo
Conselho Editorial
Ivan Giannini
Joel Naimayer Padula
Luiz Deoclécio Massaro Galina
Sérgio José Battistelli
ESTABILIZAÇÃO
E REPOLITIZAÇÃO
O volume crescente de documentários lançados em cinemas, conjugado à baixa
afluência de público, chegou a suscitar críticas quanto à adequação desse tipo de
exibição para filmes que mais caberiam às telas de TV. As emissoras de televisão,
contudo, à exceção dos canais públicos e do Canal Brasil, não se interessavam
pelos documentários brasileiros mais do que algumas cadeias de cinema. Além
disso, é preciso considerar que o cinema brasileiro como um todo vivia, na segunda
metade da década de 2000, um período de muita produção e pouca visibilidade.
Filmes de ficção estreavam apenas para saírem de cartaz na semana seguinte ou
ficavam restritos a uma ou duas exibições diárias, em rodízio com outros lança-
mentos. Nesse contexto, os documentários estavam chegando às salas em igual-
dade de condições. De custo mais baixo, sem depender de grandes estratégias
promocionais, se não geravam lucro, tampouco oneravam significativamente o
distribuidor e o exibidor, além de conferirem certo prestígio ao circuito.
SAINDO DA CRISE
Superada a crise econômica de 2002 e beneficiando-se de uma conjuntura inter-
nacional favorável a partir de 2005, foi possível ao presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (2003 a 2011), segundo a análise de André Singer18, desenvolver um governo
de compromisso – compactuar com as elites, mas sobretudo inverter a lógica da
governança, feita agora no sentido de ampliar o mercado interno, antiga proposta
do economista Celso Furtado desde os anos 1960, através do aumento do poder
aquisitivo das camadas mais pobres com políticas de inclusão social e aumento
do mercado interno (Bolsa Família, crédito consignado, valorização do salário
mínimo). Conforme Singer, houve “uma preocupação com a manutenção da es-
tabilidade associada a uma ação distributiva do Estado, suficientemente forte
para diminuir a desigualdade, mas sem ameaçar a ordem estabelecida”19. Segundo
dados de pesquisa da Datafolha em 2015, “os 10% mais pobres passaram a ganhar
129% mais”. Já nas faixas seguintes o aumento foi da ordem de 112%20. Essas políti-
cas, prossegue Singer, levaram à diminuição das desigualdades, que não se limitou
à condição econômica – deu-se também pela ampliação e acesso à educação e à
cultura. Isso se deu não apenas no sentido de levar as contribuições a partir de um
centro emissor para lugares vistos apenas como carentes, como também reconhe-
cendo e incentivando as diversificadas manifestações espalhadas pelo território
nacional, inclusive como produtos econômicos sustentáveis, daí a valorização e o
fomento da produção brasileira de bens culturais, dentre elas o cinema brasileiro.
Isso dinamizou a economia em geral, em particular de regiões como o Norte
e Nordeste, trazendo para o consumo, entre 2003 e 2013 um contingente de
44 milhões de pessoas21. Programas de ampliação e acesso ao ensino superior
DA “OCUPAÇÃO” AO BLOCKBUSTER:
A ANCINE E O AUDIOVISUAL27
O papel da Ancine, segundo Orlando Senna, secretário do Audiovisual entre 2003
e 2007 é “harmonizar” a atividade audiovisual28. Sua ação vai no sentido da cria-
ção e do fortalecimento de estruturas capitalistas industriais profissionalizadas
e segmentadas, visando à autossustentação e reprodução da produção, objetivo
MERCADO É CULTURA?
Gustavo Dahl, diretor do Cinema Novo, escreveu em 1977 um artigo com o então
polêmico título acima, no qual defendia a produção para o mercado, o que não
era prática bem-vista entre seus pares naquele momento52. Ao examinar a produ-
ção brasileira entre 2000 a 2016 – em especial, os filmes de grandes bilheterias –,
é oportuno voltar a esse postulado na forma de uma interrogação, uma vez que a
manutenção de uma indústria cinematográfica estável depende da relação forte
com o público. Como isso está se dando? O que caracteriza esses filmes? Qual o
papel da televisão nesse cenário? Por fim, grandes bilheterias significam a consoli-
dação de uma indústria brasileira de cinema?
Como visto nos capítulos anteriores, o cinema brasileiro desenvolveu-se
apartado da televisão, da publicidade e das empresas de comunicação, ainda que
possam ser encontrados episódios de contato. As grandes empresas de comuni-
cação comportam jornais, rádios e/ou emissoras de televisão, e, no entanto, o ci-
nema sempre foi visto e exercido como uma atividade autônoma, orientada em
geral por critérios artísticos e poucas vezes, mesmo em períodos de produção
para mercado, como o da Embrafilme, por exemplo, conseguiu ultrapassar o for-
mato individualizado e/ou autoral, chegando a um modelo industrial. Isso definiu
suas estratégias de sobrevivência, os seus conteúdos e o público eventual que
Desde 1998, a Globo Filmes produziu cerca de 140 filmes e levou um público de
mais de 160 milhões de pessoas às salas de cinemas espalhadas pelo país, sendo
responsável pela produção dos maiores sucessos de bilheterias da história do
cinema brasileiro – consolidando assim um mercado cinematográfico contí-
nuo e competitivo57.
PRODUÇÕES BRASILEIRAS
DE GRANDE PÚBLICO
(2000 A 2016)60
Com a necessidade de ocupação cada vez maior das salas de exibição em resposta aos
investimentos e ao fomento público com vistas a consolidar a produção nacional,
é possível observar ao longo dos anos um tatear em busca do gosto do espectador
por meio de temas de atualidade, gêneros, atores, locações ou histórias agradá-
veis e significativas para o público em geral, já experimentadas em programas de
televisão, peças de teatro, livros de grande vendagem, franquias de filmes de su-
cesso e conteúdos produzidos e veiculados com grande repercussão pela internet.
O risco de desagradar o espectador e o capital investido é minimizado ao máximo.
Como a televisão é o principal meio de entretenimento popular e coprodutora de
grande parte dos filmes, o período foi marcado por adaptações de seus programas
CINEBIOGRAFIAS
O sucesso de 2 filhos de Francisco consolida um ciclo biográfico no cinema brasi-
leiro, que vinha se manifestando desde a Retomada, quando o carisma e a autori-
dade da história, com um tratamento sentimental e banalizado, foram utilizados
para dar chancela e relevo aos filmes, como se pôde ver também com Olga, em
2004, ou Zuzu Angel, em 2006.
Olga Benário, personagem de Olga, livro de sucesso de Fernando Morais no filme
de Jayme Monjardim (2004), passeia pela vida da companheira revolucionária de
Luís Carlos Prestes em 1935, quando organizam a tentativa de uma revolução comu-
nista no Brasil. Trajetória e período histórico de grandes paixões políticas e embates:
o comunismo, o nazismo, o Holocausto e, no Brasil, a ditadura Vargas. O filme, no
entanto, reduz os acontecimentos históricos e suas dimensões políticas unicamente
à esfera privada e emotiva. Utilizando esquemas dramáticos acadêmicos numa esté-
tica imitativa e quadrada, confunde o valor da reconstituição visual “exata” de um
campo de concentração com neve em Bangu, no Rio de Janeiro, com a chave para
levar ao espectador os sentidos e a significação dos trágicos fatos que aborda. A me-
mória antiditadura Vargas e o Holocausto foram banalizados pelo tratamento infan-
tilizado e sentimental de esquemas dramáticos simplificados. No entanto, o filme
respondia no Brasil a uma moda de filmes sobre o Holocausto no cinema mundial,
o que o habilitou a concorrer sem sucesso à indicação ao Oscar daquele ano.
Zuzu Angel, de Sérgio Rezende (2006), visita mais uma vez a ditadura militar
(1964-1985). Se Rezende é menos didático e maniqueísta do que em seu terrível
Lamarca (1994), entroniza os mesmos esquemas estéticos e ilustrativos para
abordar a luta da estilista mineira em busca do filho Stuart Angel, desaparecido e
morto pelos aparelhos de repressão do regime militar em 1971. O filme alcançou
774.318 espectadores.
Aos melodramas envolvendo pais e filhos, como em 2 filhos de Francisco ou
Gonzaga, de pai para filho (2012), junta-se a história do ex-presidente Luiz Inácio
FILMES RELIGIOSOS
Próximo às biografias, mas constituindo um gênero autônomo e prolífico
desde o início do cinema, inclusive no Brasil, os filmes religiosos – entre eles,
os filmes hagiográficos71 e os sobre a vida de Cristo – atraíram grande público no
período, assim como aqueles sobre figuras relevantes do espiritismo no país:
Bezerra de Menezes e Chico Xavier ou da Bíblia: Os Dez Mandamentos. A boa recep-
ção do público, bem como o patrocínio da Igreja católica e entidades espíritas,
como a Estação Luz, estimularam novas produções até 2011. Os evangélicos da
Igreja Universal do Reino de Deus entram em 2016. O que parecia se esboçar em
2010 como um rendoso filão temático a ser explorado no “campo do filme re-
ligioso”72, prospera no entanto de forma dispersa. Centrando em geral e tendo
como principal apelo o contato entre vivos e mortos, os filmes transitam tam-
bém pelo fantástico, pelo horror ou mesmo a ficção científica, como chama a
atenção Laura Loguercio Cánepa73.
AS COMÉDIAS E
A COMÉDIA ROMÂNTICA
As comédias foram e continuam sendo o gênero cinematográfico que atrai com
regularidade o público para o cinema brasileiro. Essa é uma constatação histórica,
certamente não apenas para o cinema nacional, e tem relação com o caráter popu-
lar do gênero, “que consiste originalmente em uma intriga entre personagens de
baixa condição, provida de um final feliz”79, em que a vida popular – o quiproquó,
a troca de identidades, as artimanhas do amor, mas também a sátira ao poder e aos
poderosos – estão em pauta. Vista muitas vezes com preconceito justamente por
seu caráter popular, a comédia trabalha com a “parte maldita” da existência, como
lembra Lyra80: a grosseria, o sexo, a escatologia, os preconceitos e estereótipos que
incidem sobre atores sociais considerados marginais na hierarquia social, como
criados, estrangeiros, homossexuais, representados, em geral, com exagero de ges-
tos, sotaques e interpretação capazes de torná-los grotescos e, por isso, engraçados.
A CONSAGRAÇÃO DO GÊNERO
Nos filmes de maior sucesso do ano 2000, o humor ainda se ancora em um Nor-
deste típico já experimentado com sucesso pela televisão, tendo como referência
a autoridade de escritores consagrados, como Ariano Suassuna, Osman Lins ou
João Ubaldo Ribeiro, casos de O Auto da Compadecida (2.157.166 espectadores), da
comédia romântica Lisbela e o prisioneiro (3.174.643 espectadores) ou de Deus é bra-
sileiro (1.635.212 espectadores). Estamos ainda próximos dos procedimentos reve-
renciais da Retomada e da TV Globo como a emissora detentora do “mandato”81
sobre conteúdo nacional que se expressava então através da literatura brasileira
e de um Nordeste que faz aqui suas últimas aparições82. Eu, tu, eles (Andrucha Wa-
ddington, 2000 – 695.682 espectadores) segue na mesma senda, embalado pela
trilha musical de Gilberto Gil.
Desde 2000, no entanto, a comédia romântica veio se impondo com seus en-
contros e desencontros, como em Bossa nova (520.614 espectadores), de Bruno
Barreto, no qual um Rio de Janeiro de cartão-postal volta à cena para não mais
sair, como em Sexo, amor e traição (2003 – 2.219.423 espectadores), de Jorge Fer-
nando, sendo substituído muito esporadicamente por outros cenários em filmes
de sucesso, como Porto Alegre em Meu tio matou um cara (2004) ou São Paulo em
O casamento de Romeu e Julieta (Bruno Barreto, 2005 – com 969.278 espectadores),
sobre as paixões que atrapalham um romance entre palmeirenses e corintianos
em um ambiente fotogênico da classe média paulistana. Em 2006, Daniel Filho
entroniza de vez a Barra da Tijuca como a Califórnia brasileira no cinema em Se eu
fosse você e com maior sucesso ainda em Se eu fosse você 2.
COMÉDIA
Nas comédias, o trambiqueiro, personagem clássico do cinema brasileiro (e
não só brasileiro), é reabilitado em Os penetras (Andrucha Waddington, 2012 –
2.548.441 espectadores). Explorando a euforia da escolha do Brasil como sede da
Copa do Mundo e o breve carisma ao país no exterior, o filme faz do Rio de Janeiro,
do turismo e daqueles que vivem das belezas e eventos da cidade o seu tema. Os
personagens representados por Marcelo Adnet e Stepan Nercessian exploram a
ingenuidade de um rico fazendeiro (interpretado por Eduardo Sterblitch) – de
novo, uma retomada do tema de Nhô Anastácio chegou de Viagem (1908) – que,
ao correr atrás de sua paixão, Laura (representada por Mariana Ximenes), acaba
envolvendo todos em grandes confusões pela cidade. O filme retoma a saga dos
bicões e de seus expedientes, como se viu nas chanchadas dos anos 1950 ou em
Beto Rockfeller (1968), telenovela de Bráulio Pedroso que tematizava em São Paulo
a ascensão econômica com a política de Delfim Neto. Ali, o protagonista era o ator
Luis Gustavo, não por acaso ator do filme, um agora velho e bem-sucedido empre-
sário que sustenta a jovem por quem Beto está apaixonado. Mal-entendidos como
os erros de identidade, caros à chanchada, e perseguições espetaculares no trân-
sito aproximam o filme de um padrão de qualidade e acabamento à americana. No
entanto, o que chama a atenção é sua quase solitária filiação à tradição do humor à
brasileira herdado da chanchada.
Exemplo do trânsito sem mediação entre produtos e formatos americanos,
a televisão e o cinema é Os caras de pau em O misterioso roubo do anel (Felipe Jofily,
2014 – 650.700 espectadores), com Leandro Hassum e Marcius Melhen, que desde
A PERDA DA CONCENTRAÇÃO
GEOGRÁFICA NO RIO E SÃO PAULO
O período posterior a 2005 também conheceu iniciativas interessantes de novas
gerações de realizadores de outras unidades federativas, especialmente no Ceará
(concentrados na produtora Alumbramento) e em Minas Gerais (concentrados em
torno das produtoras Teia e Filmes de Plástico). No entanto, esse fenômeno, com o
correr dos anos, alcançou outros estados, diretores surgidos em Vitória (Rodrigo de
Oliveira, As horas vulgares, 2011), Campina Grande (Taciano Valério, Ferrolho, 2012),
João Pessoa (Tavinho Teixeira, Batguano, 2013), Curitiba (Aly Muritiba, Para minha
amada morta, 2015), Contagem (Andre Novaes de Oliveira, Ela volta na quinta, 2014)
e São Luiz (Frederico Machado, O signo das tetas, 2015), entre outros realizadores
e filmes. O eixo Rio-São Paulo permaneceu com o maior volume de produção e di-
nheiro investido, mas não mais com a exclusividade dos principais filmes autorais.
O cinema de prestígio perdeu o centro no Sudeste em parte por conta de editais lo-
cais, em parte por efeito de uma política de regionalização da cultura pelo governo
federal, em parte por iniciativas próprias dos realizadores, cansados de aguardar o
dia da vitória em um concurso de roteiro para acessar o dinheiro da realização.
Na Bahia, um dos templos do Cinema Novo nos anos 1960, importante para o
Cinema de Invenção nos anos 1970 e quase ausente da fase da Retomada nos anos
1990, o movimento de renovação foi mais tímido, mas, em 2005, começou a se in-
sinuar – primeiro com o bom retorno crítico de Cidade baixa (2005), segunda longa
de Sérgio Machado, exibido na mostra Un Certain regard de Cannes, junto com Ci-
nema, aspirinas e urubus, e depois com a estreia tardia de Edgar Navarro com Eu
me lembro (2005). Outras iniciativas ocorreram no documentário e na ficção, mas