História Do Direito - Resumos
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Porto
História do Direito
1ºANO
Professor Tiago Ramalho e Luísa Eckenroth
2021/2022
[Considerações introdutórias]
I. O Direito e a História
III.1. Mesopotâmia
Situada entre o Rio Eufrates e o Rio Tigre (que estão entre o Iraque e o
Irão), surge a Mesopotâmia, que traz consigo a escrita e os primeiros
protoestados, bem como os primeiros textos jurídicos. Por volta de 3000
a.C. começa a surgir um conjunto de cidades de que é característica
uma certa especialização do trabalho (agricultura, artes manuais // início
da indústria). Uma parte da população dedica-se a estas tarefas (agricultura,
artes manuais, etc.), enquanto a outra parte se dedica à administração.
Estas cidades são independentes e tinham no seu vértice um príncipe,
líder político e representante da divindade (função de liderança política e
religiosa. Os vários príncipes disputavam entre si a proeminência, até que,
por volta de 2200 a.C., uma das cidades a adquire e acaba por concentrar o
poder, os SUMÉRIOS (império que vai dar lugar a uma desagregação de
poder).
A história deste espaço é algo cíclico na medida em que vive na tensão
entre o particularismo da centralização fundada na proeminência de um
centro de poder, ou no pluralismo de centros de poder.
12. Mesopotâmia: sumérios
Os Sumérios surgem por volta de 3 mil a.C.
No quadro mesopotâmico dá-se a tendência de a propriedade estar
concentrada nas mãos do templo que tinha funções político-religiosas. Ao
serviço do templo, que detém a grande propriedade fundiária (imóvel), está
grande parte da população.
O surgimento da escrita está relacionado com a necessidade de gerir os
recursos do templo. Havia um conjunto de funcionários que geriam os
recursos (funcionários burocráticos): escribas. Quanto à pequena
propriedade, esta podia ser particular (ex.: habitações, escravos, gados).
Na Mesopotâmia, o imanente e o transcendente misturam-se, não
havendo distinção entre os dois planos- é o mesmo cosmos que inclui a
ordem social e a ordem divina, é por isso que o príncipe pode ser visto
como uma representação da divindade. Quando o poder político
garante ordem pública, está igualmente a garantir ordem cósmica. Ele
próprio príncipe/rei, se legitima como alguém que foi escolhido de
forma divina.
Nesta altura de predominância suméria verificam-se já documentos que
registam operações jurídicas, nomeadamente contratos (em pedra entre
particulares- feitos pelos escribas-. Contratos de casamento, aquisição,
doação e empréstimo). Outrossim, a fonte legislativa mais antiga que
dispomos é o Codex Ur Namur (2100 a.C.), igualmente destas sociedades.
Não existe posse da versão original, mas existem versões posteriores que
refletem, ainda que de forma fragmentária, partes do que teria sido disposto
na versão original. A nossa memória jurídica legislativa recua a esta altura,
contundo, este código foi descoberto apenas no século XX.
A ideia subjacente ao modo como a sociedade é regulada neste código
foca-se na procura da justiça, como forma de impor a ordem divina,
representada pelo príncipe. Nestes primeiros textos legislativos, o rei é
visto como protetor dos mais pobres e dos mais fracos (dimensão
bastante particular do código, dimensão caritativa); rei apresenta-se como
protetor da ordem divina enquanto representante das divindades
próprias do povo.
Este império acabou por se desagregar.
III.2 Egipto
15. Egipto
O Egipto é outro eixo de extrema importância do Oriente Antigo. A sua
civilização desenvolveu-se em redor do rio Nilo e, neste contexto, a
ordem social humana era vista como uma expressão da ordem social
divina. Note-se que o Egipto contemporâneo não é herdeiro do Egipto
Antigo, mas da civilização árabe.
O rei para os egípcios era um filho da divindade- divinização do rei- e
um garante da ordem política e religiosa, sendo que entre estas duas
esferas não existia distinção (a própria organização social é vista como
expressão da ordem divina, não é algo autónomo). A noção de Maat (ideia
de ordem ao nível individual social profissional organização do poder, e
religioso: há identidade entre direito, religião, moral, etc.- são expressões
da realidade divina) é identificada como o termo central para a cultura
egípcia. Tudo integra o mesmo cosmos.
No que diz respeito ao Direito, não é possível encontrar nenhuma fonte
de tipo legislativo, o máximo que se encontra é algum registo relativo a
contratos celebrados entre particulares. No entanto, temos a informação
de que o faraó, dentro da sua missão de conservar a ordem, emitia
decretos- tomava decisões- e elaborava leis.
Do ponto de vista económico, a cultura egípcia conhece um enorme
nível de centralização. Ao contrário da Mesopotâmia, tem um carácter
mais agrícola que urbano e a propriedade fundiária encontrava-se
concentrada nas mãos dos reis. Surge a figura da fundação, que é
definida como afetação de certos bens a um determinado fim: a quem
institui uma fundação, destinava a uma parte dos seus bens e
autonomiza-os para cumprirem os seus fins. No Egipto, esta figura foi
amplamente utilizada por motivos religiosos para garantir o culto de
defuntos- havia a preocupação de que, após a morte, devia ser feito o culto
de memória da pessoa em questão. Temendo que os descendentes não
cuidassem da memória, eram feitas ofertas a determinadas instituições
que praticassem esses atos de culto.
A principal informação a reter é que, à semelhança da civilização
mesopotâmica, temos a ideia de que a sociedade e a religião, ordem social
e divina, constituem uma mesma unidade.
III.3. Israel
16. Israel
A cultura judaica foi a única cultura antiga que perdurou até ao
presente. Naquilo a que se chama hoje de cultura israelita, podem
identificar-se dois elementos: elementos propriamente relativos à sua
origem religiosa e elementos relativos ao seu surgimento histórico.
Como é que surgiu o Israel na História? Como se manifestou?
As fontes de que dispomos permitem-nos identificar Israel enquanto
comunidade política por volta do século X a.C. Por esta altura dá-se uma
unificação política de algumas tribos (12 tribos) que se veem
descendentes de Abraão, Isaac e Jacob, ou Israel.
Esta comunidade começa um processo de unificação num período histórico
em que as grandes civilizações do seu tempo atravessavam algumas
dificuldades, nesta época da Mesopotâmia nenhum poder demonstrava
uma predominância indubitável.
A quem se deve esta unificação? Uma primeira tentativa fracassada
deve-se a Saul, já David consegue a unificação, continuada pelo seu filho
Salomão.
A partir desta última figura, este reino que unificava as várias tribos dos
descendentes do Israel divide-se me duas partes: uma que se vem a
chamar Reino de Israel, e une 10 tribos, e outra que se vem chamar
Reino de Judá, que une 2 tribos. Por sua vez, o Reino de Israel, cuja
capital era na Samaria, este cai a 722 a.C., sendo destruído pelos
Assírios. Resta apenas o Reino de Judá, que veio, também, a cair em 587
a.C. às mãos dos Persas (da Babilónia). Nesta queda (desaparece Israel
enquanto poder político), a elite do povo judaico é deportada para a
Babilónia. Esta deportação (cultura judaica não desaparece aqui) motiva o
povo judaico a reler a sua história e ter uma interpretação teológica da
mesma, em que quando se portava devidamente era recompensado com um
espaço autónomo. Assim, daquilo que era comunidade política e religiosa,
nasceu uma religião que conseguiu desvincular-se do elemento político
ligado especificamente ao espaço do atual Estado de Israel.
Israel nunca mais existiu num estado autónomo até ao século XX. Hoje,
em Israel, em assuntos de natureza familiar, existem tribunais rabínicos,
nos quais, este Direito, formado no tal exílio continua a perdurar até ao
presente.
IV. Grécia
Rei vindicatio.
Nominatio Titius iudex esto.
iudicis Seja Titius o juiz.
Intentio Si paret rem, quae de agitur, ex iure quiritium
Auli Agerii esse, neque ea res arbitrio iudicis
Aulo Agerio restituetur,
Se resultar que a coisa sobre que se litiga
pertence, pelo Direito Civil, ao Autor,
Clausula neque ea res arbitrio iudicis Aulo Agerio
arbitraria restituetur,
Espaço de e não foi, em apreciação do juiz, restituída
decisão ao Autor,
Condemnatio Quanti ea res erit, tantam pecuniam iudex
Numerium Negidium Aulo Agerio
condemna, si non paret, absolve.
Condena, juiz, o Réu a pagar tanto dinheiro
quanto for o valor da coisa. Se não resultar,
absolve.
Nos séculos finais da cultura romana, Roma não é apenas uma cidade, mas
um poder de relvo. Nos últimos dois séculos da república romana, Roma
tinha por designação oficial “Senado e Povo Romano”. Contudo, surge um
novo agente político- o exército. O equilíbrio do poder em Roma deixa de
ser apenas entre o Senado e o povo romano, mas incluirá o exército, que é o
garante da ordem e que passará a ser o verdadeiro representante do povo
comum.
Ocorreu a fragmentação da aristocracia romana em duas partes, sendo que
uns procuravam continuar a afirmar o Senado como o centro político total
da República romana e outros procuravam reforçar o papel das assembleias
populares.
Os últimos dois séculos da república romana são, assim, de instabilidade
constante, sintomática da inaptidão das respetivas instituições políticas para
responder aos novos problemas. A passagem para a fase seguinte começa
com Júlio César.
43. Júlio César
Entre a República romana e o principado, há uma figura chamada Júlio
César, que provém da elite romana e que tinha desempenhado todas as
magistraturas, mas que também se destacava politicamente, além do
desejado. Constituiu uma aliança informal com 2 outros homens- Pompeo e
Crasso, o primeiro triunvirato.
César conseguiu que lhe fosse dado o imperium sobre algumas províncias
romanas, o que aumentou ainda mais o seu prestígio, ao contrário do que se
esperava. Durante o período em que esteve na Gália, assistiu-se a grandes
convulsões na cidade de Roma, onde agora reinava a desordem, e a tensão
entre César e Pompeo aumentou.
Inicia-se,assim, uma guerra civil em Roma. César, que está fora de Roma,
começa uma campanha para tomar o poder, conhecida como travessia do
Rubicão e os dados estão lançados, alea iacta est. César consegue eliminar
todos os adversários e foi designado como Dictator, por 10 anos, e Cônsul.
Em 45 a.C. é designado por tempo indeterminado. O Senado é aumentado
para 900 membros, pois quanto maior, menor é a sua força. Para além
disso, César adotou uma política de propaganda para legitimar a sua ação,
alguns exemplos são: o mês que estava no lugar número 5 do calendário
romano adotar uma referência ao seu primeiro nome; fez cunhar o seu rosto
na moeda e o próprio escreveu acerca da sua ação.
Podemos ver em César o fim da República romana, mas não devemos olhar
para a sua figura de forma anacrónica, como a figura de alguém que tinha
simplesmente um projeto de ambição pessoal do poder. Não, a sua lógica
de ação é a de que a República romana está ingovernável e, por isso, por
detrás de César haverá um projeto institucional, reconhecendo que para
salvar Roma é necessário colocar fim à República.
É de salientar uma expressão por si referida, entre a liberdade e o pão, é
melhor ter pão. Esta citação indica, principalmente, que a necessidade
essencial numa sociedade são a ordem pública e as necessidades públicas,
em detrimento das liberdades.
César não foi, porém, totalmente bem-sucedido, sendo que em 34 a.C. foi
assassinado no seguimento de uma conspiração que surgiu da atitude de
afrontamento excessivo às instituições políticas romanas ao aceitar o cargo
de Dictator, fazendo alguns grupos revoltarem-se e ressentirem-se
tremendamente. Este assassinato fez, consequentemente, ressurgir a guerra
civil durante um período de 14 anos, o que, naturalmente, revelou ser
extremamente destrutivo em diferentes esferas, tal como todas as guerras e
especialmente uma tão longa.
PASSAGEM PARA O PRINCIPADO, 2ª FASE
Foi visto que numa primeira parte, consideramos os acontecimentos
básicos que conduziram à passagem da República para o Principado.
Contudo, numa segunda fase, ver-se-á qual a organização que a
comunidade política romana assumiu no Principado.
Podemos identificar 2 formas de organização política: a República, depois
o Principado, mas pelo meio há um período de turbulência, de crise, de
indefinição, incerteza e insegurança, onde não se sabe qual será o desfecho.
Não foi o fim da comunidade romana, pois reconfigurou-se e conseguiu
superar os específicos fatores críticos que estavam a ameaçar a coesão e a
estabilidade política da República.
Já foi visto que o último século da República (150 e 50 a.C.) foi de enorme
turbulência, em que a aristocracia romana perdeu grande parte da sua
coesão, suscitaram-se questões sociais de difícil resolução, emergiu um
novo sujeito que não estava considerado na estrutura da República (o
exército). Na fase terminal da República emergiu uma figura que de facto
pareceu estar muito próximo de conseguir dar uma nova ordem à República
romana – Júlio César. Simplesmente, o caminho encetado por César foi um
caminho que contradisse de forma excessivamente clara as características
próprias da República.
César, de quem alguns esperavam poder restaurar a República romana, na
verdade, foi aquele que lhe colocou termo, nomeadamente a partir do
momento em que aceita ser nomeado Dictator durante 10 anos e depois por
tempo indeterminado. Não surpreende que, apesar dos seus enormes
méritos militares e grande capacidade política, tenha acabado assassinado.
Hannah Arendt refere com total acuidade que o homem mais solitário de
todos é o Ditador, uma vez que tem de negociar o poder a todo o momento
– quem quer chamar apenas a si o poder, está condenado a ter de o negociar
constantemente para que o seu poder não seja colocado em causa. Por isso
é que a democracia, em sentido contrário, pode dar lugar a grandes formas
de despotismo, pois quem tem uma legitimação democrática não sente
necessidade de negociar o poder, por se supor legitimado. Ora, esse foi o
erro de César, querer ser assumidamente um Dictator, mesmo que a sua
finalidade pudesse ser salvar a comunidade política romana, ainda que sob
uma forma diferente da República.
Cícero, uma figura de proa da literatura romana, apesar de viver no século
1 a.C. e destas debilidades da República, continuava a sonhar com a
restauração da República. Isto atesta a força dos imaginários políticos,
mesmo quando não aderem minimamente à realidade. Cícero é um lírico,
isto é, fruto da fortíssima tradição romana, tinha uma relação saudosista
com as suas próprias instituições, não estando ainda capacitado para aceitar
imediatamente a sua transformação. Este foi o erro de César, mas não vai
ser o erro de Augusto. A seguir a César, inicia-se um período de guerra
civil. César chega ao poder na sequência de uma guerra civil, em que
consegue vencer, mas com a sua morte inicia-se uma nova guerra civil de
14 anos.
Heinrich Mann refere que todos sabem porque é que as guerras começam,
mas já ninguém sabe porque continuam.
Esta afirmação é verdadeira na medida em que quando se inicia uma guerra
todos os agentes sabem qual é a sua finalidade – alcançar tal objetivo, mas
a dinâmica da guerra cria alterações tais que a dada altura ninguém sabe o
que está a fazer. Por isso é que o seu resultado é imprevisível (por exemplo,
o caso da invasão americana ao Afeganistão).
A aristocracia romana esperava que César, uma vez conquistado o poder,
restaurasse a República romana, porque não o fez é que acabou por ser
assassinado. Logo, supõe-se que aquilo que esperavam os conspirados, com
grande apoio, era que à morte de César se seguisse o normal funcionamento
da República, mas não se sucedeu. Esta circunstância atesta a que as
instituições republicanas romanas tinham falido.
44. Gaio Octávio – Gaio Júlio César Octaviano
VALOR DE FIDES
A fides romana é a ideia de respeito à palavra dada (de honrar a palavra que
se dá), uma ideia de que governa o direito privado e público romano,
preocupado com a verdade e com a transparência. “Roma não paga a
traidores”, quem não cumpria honra/respeitabilidade da palavra era
considerado infamis.
50. O Dominado.
X. Justiniano (482-565)
INSTITUTIONES
Destinavam-se à aprendizagem do Direito Romano, para iniciar ao
conhecimento deste Direito tão vasto, justifica-se um texto introdutório
inicial. As instituições foram elaboradas por Triboniano, Teófilo
(Constantinopla) e Doroteu (Beirute)- nomes gregos, muda o eixo da
cultura imperial. Estas instituições têm por inspiração uma obra de um
jurista romano anterior, secundário, chamado Gaio (século II). Esta
inspiração foi redescoberta no século XIX e permite ter uma imagem do
Direito romano complementar à do Digesto. Datam de 533.
CODEX
Consiste numa compilação de constituições imperiais de Adriano
(Imperador do século II) até Justiniano (Imperador no século VI). Datam
534, embora tenha havido uma versão anterior que foi substituída (em 529),
uma vez que impunha alterações na sequência de aprovação do Digesto e
das Institutiones.
Estes três elementos são os eixos fundamentais do projeto de Justiniano. A
este vão ser acrescentadas as chamadas Novellae, que foram recolhas
privadas de constituições imperiais posteriores em grego (não há delas
nenhuma versão oficial, mas havia uma coleção provada/de particulares
que recolhiam estas tais Constituições), não em latim, isto revela a intenção
de Justiniano de restaurar o latim (não se conseguiu impor).
Corpus Iuris Civilis (Corpo de Direito Civil- civil no sentido de direito
da cidade); tal designação surge quando foram publicadas por um autor
com este nome//Justiniano não daria esta designação.
Corpus Iuris Civilis difere de Corpus Iuris Canonici, este último é o
Direito Canónico, que surge na época medieval por meio da Igreja
Católica.
Justiniano proibiu que se fizessem comentários ao Digesto. Isto não é
totalmente respeito, uma vez que a lei da vida é que o Direito seja
modificado. Daí que, em âmbito bizantino, tenham surgido obras a traduzir
para grego (língua oficial do Oriente), o conteúdo do Digesto e a explicá-
lo. Estas obras de tradução e explicação foram relevantes no âmbito do
Oriente, nele tiveram importância, mas não vieram enfastiar o Direito
Europeu Ocidental no futuro.
IMPORTÂNCIA DESTA COMPILAÇÃO DE DIREITO ROMANO
A sua importância decorreria de outros eventos que não podiam ser
antecipados por Justiniano. Este apenas supôs que estava a restaurar o
Direito Romano no Oriente e, na verdade, a sua compilação veio a ser da
máxima utilidade para o Ocidente.
A partir do século XI/XII, sucessivas escolas do pensamento jurídico vão
servir-se desta coletânea de Direito romano para tentarem reconstruir o
Direito Romano para o seu tempo. No fundo, depois da queda do Império
romano no Ocidente, ele continuará a produzir efeitos de duas formas
diferentes:
1. continuará a funcionar como uma espécie de substrato integrado pelo
Direito Romano vulgar, ou seja, o Direito Romano aproveitado pelos
povos germânicos;
2. a partir do século XI, diferentes escolas do pensamento jurídico,
servir-se-ão das fontes disponíveis relativas ao Direito da
Antiguidade para edificarem aquilo que será o Direito Europeu. As
principais escolas que assumem como função utilizar o Direito
romano para o pensamento jurídico entre o século XI e XIX são:
a) os Glosadores;
b) os Comentadores;
c) Humanismo Jurídico (com muita importância em França e
também na Alemanha Ocidental);
d) Usus modernus pandectarum (corrente que pretende utilizar
o Digesto para encontrar aplicações no presente);
e) Escola História do Direito, sobretudo a Pandectística (na
Alemanha).
Isto explica, este processo histórico, que grande parte do Direito Privado
Contemporâneo corresponde a soluções do Direito Romano.
Notamos que, porventura, se o Digesto não tivesse existido como recolha
de textos fundamentais do Direito Romano (ou algo equivalente), não
disporíamos da fonte que nos serve de ponte para chegar ao Direito
Romano Clássico: sem esta ação de Justiniano, o Direito romano teria sido
igualmente grandioso, mas nada saberíamos acerca dela (aspeto próprio da
História, toda a forma de consciência acerca do modo como se vive e se
relaciona com o ser humano noutros períodos temporais, pressupõe a
conservação de fontes que permitam a sua recriação, pois, sem elas, a
ignorância prevaleceria- é o que acontece com os povos anteriores à
escrita).
Em suma, para explicar a influência do Direito Romano sobre o direito
europeu não basta recorrer a fatores explicativos de índole simplesmente
cronológica (processo histórico é muito mais complexo) e esta influência
do direito Romano advém do duplo caminho de ter subsistido como um
substrato e ter havido muitos impulsos posteriores de tentar modificar, de
modo cada vez mais fiel, o que seria o seu conteúdo real, é isto que explica
o paradoxo: o direito contemporâneo está muito mais próximo do direito
Romano clássico, de há 2000 anos atrás, do que medieval, de há 1000 anos
atrás, isto acontece, pois houve movimentos de recessão constantes no que
era mais distante (mesmo acontece com a filosofia).
Após a queda do Império romano, tem-se a alta Idade Média (fim do
Império romano – ano 1000) e a baixa Idade média (ano 1000 – fim da
Idade Média, em 1452).
XI. As grandes migrações dos povos germânicos
(século V e o ano 1000- Alta Idade Média)
55. O Império Franco. Clóvis.
Foi visto que, entre os séculos 3 e 8, se dá uma grande movimentação
demográfica de povos provindos da Ásia central para o seu extremo
ocidental, ou seja, Europa (do ponto de vista continental Europa e Ásia não
tinham nenhuma rutura, era a Euro-ásia). Foram muitos, mas é destacar um
povo especial de conjunto dos povos germânicos que, a nível europeu, virá
a ter uma importância muito grande- os Francos, as suas vicissitudes
refletiram sobretudo o direito português, logo não nos podem ser
indiferentes.
(França é descendente dos Francos)
Os Francos são um povo que chegaram à Europa ocidental e a partir da
figura de Clóvis, figura de finais do século V (481- início do seu reinado- a
511), afirma-se no momento histórico subsequente à queda do Império
Romano do Ocidente. Este afirma o seu poder no espaço correspondente à
Gália e, através de combate, consegue adquirir novas possessões no
território dam atual França e Alemanha, surge, assim, o Império
merovíngio franco.
É importante considerar o momento histórico em que surge, de facto, ao
surgir após a queda do Império Romano do Ocidente, tal permitia que
pudesse aproveitar as formas administrativas ou instituições romanas
subsistentes (administração, sistema tributário e sistema monetário)
A história nunca é feita de ruturas totais e, quando há uma modificação
de natureza política, a par da mudança, em alguns aspetos está a
continuidade em muitos outros (temos o exemplo da descolonização, em
que os povos, agora autónomos, aproveitam as instituições que lhes foram
deixadas). Basicamente, surge um novo sujeito/agente político que toma o
poder , este introduz algumas instituições e aproveita os elementos
deixados pela determinada cultura, no caso, a cultura romana.
Nestes primeiros séculos, não se assiste a um declínio imediato da cultura
romana. Tal acabará por acontecer, mas de modo paulatino. Numa primeira
fase, é possível reter a forma de vida citadina.
Outro aspeto da atuação de Clóvis que terá efeitos no Ocidente europeu é a
respetiva conversão ao cristianismo. É importante devido a 2 fatores:
a. político, pois tal permitirá beneficiar do contributo da Igreja
enquanto agente de transmissão cultural da cultura Antiga e
também enquanto apoio para a ação administrativa dos
governantes (conservou uma estrutura administrativa que
podia ser aproveitada pelos novos agentes políticos de
referência);
b. religioso, uma vez que se reconfigura o modo como a religião
cristã se apresenta na sociedade. Nos seus próprios termos, a
religião cristã pressupõe para que alguém se torne cristão, a fé
pessoal. Ora, um ato como o de Clóvis tem um significado
diferente, o que está em jogo é a religião enquanto fenómeno
social.
Na sequência da conversão do monarca, segue-se o batismo de toda a
população que integra a mesma comunidade étnica. São comportamentos
como estes que vão explicar que nos séculos subsequentes a religião no
espaço europeu seja vista não como um fenómeno especificamente
religioso, mas como um fenómeno social cuja relevância radica não em
convicções pessoais ou individuais de fé, mas sim de conformidade
comportamental com a religião social predominante, isto é, uma herança
destes atos dos primeiros monarcas germânicos.
56. Instituições políticas.
Quanto às instituições políticas, as consequências passam por, a partir de
agora, os pilares da organização social vão ser o rei, a nobreza e a Igreja.
Destes, o protagonista é o rei (as monarquias europeias têm por base as
tradições destes povos). A sociedade não se pensa como uma estrutura
institucional rígida, mas como uma rede de vinculações pessoais em cujo
vértice se encontra o rei e cujo a dispor está a uma corte, que se
compromete perante o rei a colocar-se ao seu serviço, com a contrapartida
de dele receber proteção. O único órgão institucional que encontramos
nesta forma de organização política será a Chancelaria real, destinada à
elaboração de documentos régios. Também é importante uma figura
designada Mordomo – era a segunda pessoa com mais poder, uma espécie
de Primeiro-Ministro.
Outro aspeto relevante é que em várias fases, o poder se exerce de modo
itinerante, com o rei a circular por todo o território. As funções do rei
contam com 2 fundamentais: o rei é pensado como um garante da paz e da
justiça; por outro, é pensado como um líder militar.
No quadro destas monarquias, o poder é fortemente participado pelos
súbditos ao rei (oposto das monarquias absolutas), justamente porque o rei
governa através de uma enorme rede de vinculações pessoais, impõem-se
que deixe participar no poder todos aqueles que lhes prometem obediência.
O rei deve governar cum consensu maiorum, isto é, com consenso dos
grandes, por exemplo: na aplicação do Direito, o rei se for chamado a
decidir, fá-lo em conjunto com os grandes, uma vez que o consenso é tido
como critério de verdade.
Uma outra característica é a forte associação entre a monarquia e as
estruturas eclesiásticas. O rei aproveita a seu favor estas estruturas,
nomeadamente a presença de autoridades como bispos (que têm poder
sobre as dioceses) ou abades (autoridade sobre mosteiros), associa a sua
atividade a estas personalidades. É isto que explica que, por exemplo, a
faculdade do rei convocar concílios (reuniões), o facto de participar neles e
se esforçar pela execução das respetivas decisões. Inversamente, as
autoridades eclesiásticas participam no conselho em redor do rei.
As vantagens que se impõem às autoridades eclesiásticas são:
são elas que se impõem como um fator de dinamização cultural e
económica;
(mais pragmática), atendendo ao celibato eclesiástico, ou seja, em
princípio um Bispo ou Abade não tem sucessor, o facto de o rei
associar a si estas autoridades permiti-lhe que, à sua morte, pudesse
tomar novas decisões a respeito da pessoa a quem confiava o
exercício da sua missão.
CONSEQUÊNCIAS SOBRE AS FONTES DO DIREITO
É natural que num período como este, em que decresce a cultura escrita e
ganha maior relevo a cultura oral, a fonte de Direito que acaba por emergir
seja o Direito Consuetudinário.
Encontra-se neste período alguma legislação, que se divide, do ponto de
vista do seu âmbito pessoal de aplicação em 3 grupos:
1. Legislação apenas destinada aos povos germânicos;
2. Legislação apenas destinada à população germânica e romana;
3. Legislação apenas destinada à população romana.
Uma fonte que surge neste período como relevante para o Direito é a
legislação proveniente de concílios eclesiásticos.
Outra fonte importante são os formulários – fórmulas típicas relativas à
celebração de contratos ou de atos jurídicos (por exemplo, queremos
celebrar um contrato, podemos fazê-lo recorrendo a um formulário),
garante que é celebrado de modo válido; eram conservados e reuniam as
formas adequadas para celebrar os contratos mais relevantes.
Conclui-se que é um período no qual as fontes de Direito provindas de
instâncias políticas centrais perdem grande relevância e em que uma
atividade jurídica interpretativa por parte de uma comunidade de juristas
não desempenha qualquer função, isto é, não há condições institucionais
neste período favoráveis a uma reflexão crítica e ponderada acerca do
Direito.
57. O Império Carolíngio.
Corresponde a um desenvolvimento particular que teve lugar no âmbito do
Império Franco. Ora, na passagem do séc. VII para o séc. VIII, este
Império passou por um conjunto de vicissitudes que conduziram a uma
reconfiguração. Desde metade do séc. VII, na realidade, o poder efetivo
estava nas mãos dos Mordomos, nomeadamente Carlos Martel (732), que
ficou conhecido para a história europeia como a figura que travou a invasão
árabe à Europa. Este teve 2 filhos, dos quais 1 deles conseguiu chegar à
condição de rei – Pepino, o Breve. Este último, em 751, torna-se rei, sendo
que a sua monarquia é legitimada do ponto de vista religioso pelo Papa. O
filho de Pepino, o Breve, será Carlos Magno, ou Carlos, o Grande. Esta
figura terá uma atividade de grande sucesso militar, mas também de grande
sucesso político.
Carlos Magno é de extrema importância para o futuro da Europa uma vez
que, no ano de 800, será coroado pelo Papa como Imperador romano. Dá-
se, assim, aquilo a que designava por renovatio (renovação) romani imperii
(Império romano), isto é, depois de terminado o tempo histórico do Império
romano, começou um outro com sucessivas tentativas de restauração, fruto
da força do imaginário político associado à grandeza de Roma. A
designação oficial que Carlos Magno dava a si próprio era Sereníssimo
augusto, grande e pacífico imperador coroado por Deus, governador do
Império Romano, e pela misericórdia de Deus rei dos Francos e dos
Lombardos.
Serenissimus augustus a Deo coronatus magnus et pacificus
imperator, Romanum gubernans imperium, qui et per
misericordiam Dei rex Francorum atque Langobardorum.
Sereníssimo augusto, grande e pacífico imperador
coroado por Deus, governador do Império Romano, e pela
misericórdia de Deus rei dos Francos e dos Lombardos.
(designação de Carlos Magno)
Esta figura teve um sucesso extraordinário, devendo-se a ele um conjunto
de iniciativas que em síntese são qualificadas como renascimento
carolíngio – conjunto de iniciativas empreendidas por Carlos Magno no
sentido da radicalização política e cultural dos seus territórios.
As principais iniciativas são:
Na sua corte, situada na cidade de Aachen (atual Alemanha), foi
criada a Academia Palatina, para formação do monarca, da sua
família e dos seus conselheiros, e uma Escola Palatina, para
formação da aristocracia;
Levou a cabo várias medidas para formação do clero (fator de
dinamização cultural), nomeadamente a exigência do domínio da
língua latina;
Era da sua vontade que em cada Igreja catedral e em cada mosteiro
se abrisse uma escola, uma Escola episcopal (nas catedrais) e uma
Escola monástica (nos mosteiros);
Empenhou-se na criação de bibliotecas e, sobretudo, de scriptoria –
espaços destinados à cópia de manuscritos. (Criação de um novo tipo
de letra, carolíngia, que foi desenvolvido de forma a permitir que a
mesma obra pudesse ser copiada por várias pessoas. Esta fonte de
letra veio ter uma grande divulgação na Idade Média);
Dividiu o seu território em circunscrições, nas quais havia 2 poderes
(para se limitarem reciprocamente): por um lado, o Conde (poder
secular), por outro, o Bispo (que tinha poder secular e eclesiástico);
Enviou inspetores às diferentes circunscrições, em número 2, um
secular e outro eclesiástico;
Todas estas medidas foram acompanhadas de uma reforma jurídica
correspondente, através das chamadas capitulares, muitas delas
elaboradas no âmbito eclesiástico.
Este Império foi responsável não só por estas iniciativas culturais de
primeira importância, mas também por reabilitar o imaginário romano em
espaço europeu. Em vida de Carlos Magno, foi um Império bem
conseguido. Contudo, não sobreviveu ao filho de Carlos Magno. A partir
deste momento, o que virá a ser a França e o que virá a ser a Alemanha,
terá destinos diferenciados: ambos vêm em Carlos Magno o seu percursor,
mas com a divisão do Império Carolíngio, não se voltaram a unir.
Ainda no âmbito correspondente à atual Alemanha, no ano de 952 (1 séc.
após o fim do Império Carolíngio), um rei chamado Otão I da Saxónia veio
novamente ser designado Imperador romano. Nasceu em 952, uma entidade
política chamada Sacro Império Romano Germânico da Nação Alemã,
recuperando a herança de Carlos Magno e ainda a herança do antigo
Império romano, que perdura até 1806. Fruto desta ação, o ideário político
próprio da cultura romana esteve presente na Europa durante grande parte
da sua história. É também neste período histórico, ligado à figura de
Pepino, que se constituem os Estados Pontifícios, ou seja, as possessões
territoriais pertencentes à Igreja de Roma. Estes perduram até ao séc. XIX.
Portanto, desde este período até ao séc. XIX, a Igreja de Roma desempenha
uma dupla função na Europa e intervém de 2 formas sobre o Direito,
por um lado, uma função espiritual;
por outro, uma função temporal, atendendo ao poder que
detém sobre uma parte do território correspondente à atual
Itália.
Note-se que o Estado do Vaticano é ainda uma sobrevivência do que eram
os antigos Estados Pontífices e que à Santa Sé atribui-se personalidade
jurídica internacional, pois houve um tempo em que era um Estado.
Distinguem-se 2 subfases:
a. fase de conquista romana, de 218 a.C. até 19 a.C.;
b. fase de romanização, de 19 a.C. até à chegada dos povos
germânicos em 409 d.C.
A fase de conquista da Península Ibérica corresponde à fase de afirmação
de Roma como grande poder militar, que diz respeito à fase tardia da
República e termina com a criação do Principado. A fase de conquista
termina em 19 a.C., quando já se está no Principado, com Augusto. Aliás,
Augusto, na sua autobiografia, faz referência expressa à Península Ibérica.
Segundo parece, a Península Ibérica foi um espaço de difícil conquista, em
que os povos locais oferecem forte resistência, mas acabou por
desaparecer.
A segunda fase respeita à romanização – veiculação e transmissão dos
valores romanos, tornando-os o quadro cultural de referência.
Como se deu esta romanização? Através de fatores culturais e políticos, por
um lado, mas também por medidas jurídicas, por outro. Os primeiros
incluem o simples funcionamento das instituições romanas (com a presença
na Península Ibéria das instituições romanas, naturalmente nelas são
veiculados os valores próprios da sua cultura), como o exército romano (em
conjunto com as legiões romanas) e a administração romana. Com o povo
romano, chega um conjunto de inovações técnicas aptas a reforçarem o
prestígio de Roma junto das populações locais – saber técnico romano,
como a abertura de estradas, a criação de uma rede de comunicação comum
a todo o espaço em redor do Mediterrâneo, o que se traduz no aumento dos
fluxos de transmissão de informação entre espaços geograficamente
distantes, para além da construção de pontes e aquedutos. O modo de vida
citadino e urbano também merece destaque – as cidades, enquanto lugares
de encontro e de cultura, contrastavam com o primitivismo dos povos
locais. A difusão da religião romana, que servia de ponto de contacto entre
os romanos e não romanos, e a própria língua latina, são também fatores de
natureza institucional relevantes. A estes fatores acrescem fatores de
natureza jurídica, isto é, uma parte da ação jurídica romana destinou-se a
promover a romanização. Neste sentido, identificam-se 2 momentos
fundamentais:
1. surge por volta do ano de 73/74 d.C. com o Imperador Vespasiano,
que conferiu aos habitantes da Península Ibérica a latinidade –
categoria intermédia entre ser cidadão e estrangeiro. Quem gozasse
deste direito, embora não fosse cidadão romano, já gozava de alguns
direitos próprios, como por exemplo beneficiar do ius civile, do
direito de sufrágio e de participação nas assembleias populares, bem
como a possibilidade de ascenderem à cidadania romana, quando
observada a condição de exercer uma magistratura local;
2. surge em 212 d.C. com o Imperador Caracala, que confere a
cidadania romana a todos os habitantes do Império – a romanização
está completa.