África e Religiões Afro-Brasileiras: Dinâmicas e Perspectivas
África e Religiões Afro-Brasileiras: Dinâmicas e Perspectivas
África e Religiões Afro-Brasileiras: Dinâmicas e Perspectivas
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A258
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DOI 10.31560/pimentacultural/2022.94852
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SUMÁRIO
Apresentação.................................................................................... 9
Capítulo 1
Capítulo 2
Ndûmbe:
a iniciação de uma sacerdotisa
angolana (Ambaca, c.1740)............................................................. 48
Daniel Precioso
Capítulo 3
Capítulo 4
Laureados, contemplados,
notificados ou intimados?
Poderes públicos e centros
de umbanda a partir do diário oficial
do município de Goiânia, Goiás (1960-1990).................................. 138
Clarissa Adjuto Ulhoa
Capítulo 6
Relações de gênero
nas religiões brasileiras:
estudo comparativo dos campos
afro-brasileiro e pentecostal........................................................... 174
Fernanda Gabriela Gonçalves da Silva
Léo Carrer Nogueira
Capítulo 7
S U M Á R IO 9
que demonstram, senão a reconstrução, ao menos a ressignificação
cultural das Áfricas nas Américas. É consenso hoje que as religiosida-
des africanas formavam um “idioma comum” entre os escravizados,
não obstante as profundas diferenças étnico-linguísticas existentes
entre eles (SWEET, 2007).
S U M Á R IO 10
o equilíbrio entre os seres humanos e espirituais. Estes conceitos tam-
bém sinalizam um código legal (ou ferramenta social) para guiar a ação
individual e para profissões religiosas específicas – desempenhadas
por pessoas especiais, predestinadas para tais funções por nascimen-
to e/ou origem social. Esta última acepção é fundamental para a com-
preensão da emergência e do protagonismo da sacerdotisa Kimpa
Vita, julgada “feiticeira” e queimada viva por padres católicos em 1706.
A sacerdotisa teve um papel fundamental no kimpasi ocorrido em sua
época. Como elucida Batsîkama, kimpasi era uma reunião secreta das
elites religiosas (mas também políticas, econômicas e sociais) congo-
lesas para reposição da ordem social. Como salienta o autor, os kôngo
escravizados trouxeram consigo para o Brasil escravista fragmentos de
kimpasi, os quais podem ser observados em candomblés e umbandas
brasileiros e, até mesmo, no catolicismo afro-brasileiro por intermédio
do culto aos santos africanos.
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Em “Uma história pública de Nhá Chica: a santa mestiça e as
africanidades subterrâneas nas representações do catolicismo afro-
-atlântico no Sul de Minas Oitocentista”, Leonara Lacerda Delfino, Ma-
ria Cristina de Azevedo e Claudia de Jesus Maia analisam o processo
de embranquecimento de Nhá Chica, filha de escrava, beata, rezadeira
e benzedeira que viveu em Baependi (sul de Minas) no século XIX e
foi beatificada em 2013 pelo papa Bento XVI. Silenciando traços cla-
ramente centro-africanos presentes nas práticas religiosas da “santa
mestiça”, os hagiógrafos de Nhá Chica procuraram escamotear sua
africanidade, atribuindo seus milagres a intercessões de Nossa Senho-
ra. O processo de apagamento do passado africano da santa de Bae-
pendi se valeu, ainda, da defesa da sua suposta orfandade e disciplina
monástica, argumentos que se prestam à construção de uma imagem
de distanciamento da ancestralidade africana. Construída a posteriori,
como apontam as autoras, esta visão não vigorava na Baependi do
século XIX, sendo provável que a aceitação de uma beata negra no
sul de Minas Oitocentista tenha sido possível – haja vista os flagrantes
traços africanos de suas práticas religiosas – em virtude de um bem
sucedido processo de mobilidade social. Não obstante esse discurso
hagiográfico, há um processo (em andamento) de re-africanização de
Nhá Chica em terreiros de umbanda brasileiros, o que, segundo as au-
toras, abre possibilidades para uma história pública da santa, construí-
da a contrapelo e capaz de fazer emergir africanidades subterrâneas.
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no Brasil. Lastreadas em depoimentos de líderes de terreiros, coleta-
dos durante entrevistas realizadas em 2020, as autoras concluem que
os animais imolados nos terreiros de candomblé servem não apenas
como oferendas às divindades, mas também como repasto para a
comunidade de santo, não havendo, assim, motivos – para além do
racismo religioso – para criminalizar o abate religioso de animais, que,
aliás, tudo indica, submete o animal a menor violência no confinamento
e morte em relação aos estabelecimentos frigoríficos.
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mais abertas em relação aos papeis de gênero, enquanto naquelas
as mulheres continuam exercendo seus papeis no seio religioso ape-
nas a partir de suas relações com o marido.
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REFERÊNCIAS
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português (1441-1770). Lisboa: Edições 70, 2007.
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A religião no Kôngo
1
Patrício Batsîkama
na época de Ñsîmba
Vita (Kimpa Vita)
DOI: 10.31560/pimentacultural/2022.94852.1
INTRODUÇÃO
1. Kiñtûmba: (a) tûmba, introduzir no; iniciar nos mistérios; (b) fazer
ordenação, coroar, abençoar; (c) elevar-se no ar (fumo, térmitas
com asas) (LAMAN, 1936, p. 993-994), levitar. O especialista era
chamado de Ñtûmba Mvêmba.
4. Buñkîsi: (a) sikîsa: santificar, fortificar, tornar sólido; (b) sîka (de
sa): decidir, decretar, fazer voto, secar, evaporizar-se; (c) sasa:
ser abundante ou rico, ultrapassar, aquitar-se de Ñgânga ñkîsi é
o especialista.
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conhecer os mistérios (LAMAN, 1936, p. 404-405). O especia-
lista foi ñgâng’a ñgômbo2. Em kikôngo, o termo ki-lômbo é o
nome de uma criança que tem o espírito de ñsîmbi e simboliza a
abundância (LAMAN, 1936, p. 405).
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Dibûndu designa a igreja no sentido de coração, mbûndu3. Na
medicina kôngo o coração é ñkûmba dya mênga em duas perspecti-
vas: bombeia o sangue de todo corpo e purifica o sangue recebido.
A ideia de purificar o sangue é religiosamente aproveitada pelo facto
de acreditar-se que o Espírito primitivo reside no sangue e, sobretudo,
olhar o coração como símbolo da piedade. Desta feita, dibûndu pas-
sou a designar a Igreja enquanto infra-estrutura (templo) com cultos e
funções sacerdotais.
S U M Á R IO 19
A conversão dos kôngo, em 1491, seguiu uma vertente imagina-
ção/símbolo cultural na construção da realidade. Eles acreditam em três
canais para perceber o “fazer preces” (lômbo lwa sîmbi) e o «indivíduo
virtuoso» (buñkîsi): (a) sonho/revelação; (b) alucinação/psicose (esqui-
zofrenia, paranoia); (c) metalinguagem do possuído. Os católicos que
pregavam na época de Ñsîmba Vita Dona Beatriz eram culturalmente
afiliados à cosmogonia grega, onde Zeus simboliza o céu, Poseidon o
mar e Hades o «mundo baixo»7. Em relação a lômbo lwa sîmbi, a reli-
gião enquanto culto/oração na práxis da submissão ao Espírito primitivo
(Ñzâmbi’a Mpûngu) e Espírito criador (Mbûmba Kalûnga) reestabelece
– religare, Cícero – a ligação de ascendência do indivíduo. Continua a ser
uma questão cultural, e não universalmente uniforme.
7 O livro de Van Gheel (1928) foi traduzido por Van Wing e Penders. O original é da autoria de
Bonaventura da Sardegna escrito em 1652 (alguns autores mencionam o Junho de 1651)
e intitula-se Vocabularium Latinum, Hispanicum et Congense.
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2003, p. 39-55). Nginamawu Petelo observou que o padre Bernardo da
Gallo tinha um vocabulário imparcial:
O seu vocabulário favorito retoma da maneira preferencial os
seguintes termos negativos: rozzi (grosseiros), ignorante (igno-
rantes), sciocchezza (estupidez); falsità (falsidade), ceità (ce-
gueira), tenebre (tenebro), menzogne (mentira), superstizione
(supersitição), fattuchiere (bruxo), diabólico (diabólico), idolatri
(idólatra), demónio (demónio), eretico (herético), pazziei (loucu-
ra), sogni (sonho), chimere (químera). Esse vocabulário opõe
superstição à fé, demónio à Deus, tenebros pagãos à luz cristã
(PETELO, 1993, p. 616-617).
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que deriva de ku-sâmba: orar, consagrar, abrir caminho, etc.8 Trata-se
de conectar o Espírito de Ñzâmbi e o homem através de mbûndu (co-
ração, piedade). Assim sendo, “morrer e ressuscitar” como se fazia
no kimpasi explica libação, preces e oração. Apesar dos padres capu-
chinhos terem noção básica nessa ordem, preferiram desqualificar a
partida toda manifestação religiosa não-católica.
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Finalizamos este ponto com superstição e religião relacionando
com a morte e ressurreição de D. Beatriz. Como já fizemos notar, os
capuchinhos sabiam que os Kôngo não confundiam Ñzâmbi com ñka-
di’a Mpêmba10, nem religião com superstição. Ainda assim, optaram
por categorias de não-religião ao que era sagrado aos kôngo, num
discurso discriminatório. Se, por um lado, Bernardo da Gallo precisou
se vingar contra Ñsîmba Vita na base desse pretexto, os capuchinhos
em geral olhavam a religiosidade kôngo com desdém numa época em
que reinava um espírito nacionalista em vários campos, ou seja, havia
duas forças visivelmente opostas e concorrentes.
10 O termo nkâdi’a mpêmba sofreu duas mutações semânticas: (i) falta da santidade, pureza.
Quer dizer, falta de boa intenção e de altruísmo; (ii) objetos sagrados dos padres – crucifi-
xo, por exemplo. Durante o Antonismo, nkâdi’a mpêmba designou sagrado e diabólico ao
mesmo tempo. Esse sentido foi transportado para Cuba (Palo monte), Brasil (candomblé)
e Estados Unidos de América (kariapemba).
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mostrando-lhe dominar a doutrina cristã. Várias razões levaram o povo
a considerar Dona Beatriz como uma Santidade. Enumeramos: (i) mi-
lagres operados, curas aos enfermos (magia não autorizada catolica-
mente); (ii) ofertas e caridades foram levadas à nova Santo António; (iii)
capela de Bernardo da Gallo deixou de receber fiéis; (iv) ela mandou
destruir os ídolos até o crucifixo; (v) ela instaurou uma nova ordem de
preces, abandonando Salve Regina; (vi) africanização da fé descons-
truiu a teologia católica da época; (vii) restauração do tabernáculo as-
sociado aos ñkita; (viii) messianismo africano; (ix) identidade religiosa
do culto que dialoga com o catolicismo e a ideia de pertença local; (x)
nova geografia religiosa, que periga a expansão do Catolicismo, etc.11
11 Muitos destes aspectos foram introduzidos nas recomendações do Concílio de Vaticano II,
já em 1962.
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NOÇOES BÁSICAS SOBRE KIMPASI
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malûndu; (i) mavûzi mbîla [Nsôngi mazûmbu]; (j) ñgânga mafuta. Eles
constituem o Conselho de Kimpasi12.
2. Animais das águas e minerais (VAN WING, 1938, p. 188): (i) ngo
zûlu [mwênge] que é ou peixe com dentes visivelmente expres-
sivos chamado Hydrocyon vittatus ou Hydrocyon Goliath; (ii)
ngêmbi, o peixe chamado Genymyrus Donnyi; (iii) nkôdya, cara-
col do rio [Limicolaria pseudotrochus alabaster] que simboliza a
observação das leis dos biñsîmbi; (iv) nsâdi, um tipo de pedri-
nhas que servem para curar as feridas (LAMAN, 1936, p. 752);
(v) lusûnzi, pedra tocada pelo Espírito de Nzâmbi.
12 O local onde se realiza o kimpasi deve obedecer a dois pressupostos. O primeiro é identi-
ficação dos integrantes da comissão que irá escolher o espaço para efeito. O segundo é
as exigências que conduzem a essa escolha que deve merecer uma aprovação unânime.
Aconselha-se os volumes de K. Laman sobre The Kongo que contêm muitas informações
complementares.
13 Agradecemos a compreensão do leitor em não esperar de nós a lista completa. Os inicia-
dos não aceitam citar na íntegra.
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excrementos, pele e ossos dele permitem controlar as trovoadas
e evitar desgraças na aldeia.
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trovoadas, lua, arco-íris, lua, sol (PIGAFETTA; LOPES, 1989, p. 65); (c)
vento, sopro, brisas, etc.
15 Ao Nsûndi que significa “cume” colocamos a cabeça; ao Mbâmba que é o vale, colocamos
os pés, isto é, as nascentes (pés) representam o início. E onde desagua o rio é o “cume”.
Foi na base deste princípio que os Kôngo delimitavam as suas regiões.
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Depois de identificar os índices dos animais sagrados e cons-
truídas as doze primeiras casas mwêlo, em forma circular, os primei-
ros rituais são fixados e convidam-se os doze representantes dos
especialistas acima mencionados, para celebrar a paz com os ñkita.
No fim desses rituais, cabe ao ngânga Kavêla kya ñkîsi acender o
fogo que será apagado apenas no último dia do kimpasi16. A duração
mínima do kimpasi é de um ano e meio17. Depois, serão abertas as
inscrições de novos sacerdotes. Mas antes, constrói-se uma grande
“casa” que chamam de mbôngi’a kimpasi situdada num dos mazûm-
bu (cemitérios) desde que seja localizado numa zona superior no
conjunto do espaço de kimpasi18. À volta deles constroem-se “casas
de visitantes” que têm a forma retangular. De realçar, também, o nzo’a
lufûmba que é um hangar dividido em quatro compartimentos (VAN
WING, 1938, p. 178). Deve existir doze ruas que conduzem todas elas
até a casa/cemitério chamada de mbôngi’a kimpasi. Na parte traseira
dessa casa-cemitério, está o campo de iniciação, embora estejamos
tratando apenas de feitiços.
16 Kavela (Ver LAMAN, 1936: 1059). Vêla kya ñkîsi é o local sagrado no campo de kimpasi.
17 Joseph Van Wing (1938, p. 177) fala-nos que a duração é entre um a quatro anos.
18 John Janzen (1986, p. 132) apresenta um modelo de Lêmba, que não difere muito.
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de Vwêla ou “vata dia kimpasi”.19 É uma ideia generalizada que toda
kimpasi é dirigida por uma mulher com nome de Ndûndu (VAN WING,
1938, p. 180), e deve ser gêmeos ou ter nascido de forma especial. Po-
rém, a morte e ressurreição têm lugar no mbôngi – também chamado de
voka – onde há cemitério dos ancestrais, com paisagem de palmeiras
e preparado para efeito. O diretor do kimpasi Mfwa wansi’a Ñzâmbi20 –
uma pessoa já de idade21 – coordena todas as atividades, consoante as
orientações de Ndûndu (Ñsîmba) e o Conselho de Kimpasi.
Para marcar o início dos ritos de Kimpasi, o chefe máximo envia
os seus homens a todas direções (seguindo as outras ruas),
logo que se faz tiro. A esse sinal, os profanos correm procu-
rar um refúgio na mata e os espíritos hostis fogem apavorados
(VAN WING, 1938, p. 194).
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dos padres – proclamassem que a Santo António Dona Beatriz tinha
ressuscitado dos mortos.
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do rio (ngo zûlu ou ngêmbi). A Tradição considera mwâna ñkênto de
kivumbuya kya Vululu. Em tese, vumbuya é o clima entre julho e agosto
(LAMAN, 1936, p. 1080). Faz sentido que ela tenha sido queimada viva
em Julho e, segundo Lorenzo da Luca, os antonianos multiplicaram-
-se. Contudo, a Tradição considera ki-vumbuya por associar a morte-
-ressurreição. O termo ki-vumbuya é a flor-violeta de lemba-lemba que
brota entre julho-setembro, sinônimo de mvuma (LAMAN, 1936, p. 638,
1080). Isto é, do verbo vûma (ou vûmba): florescer, prosperar depois de
honrar os pais/avôs (os ancestrais), etc.
23 Geralmente, retira-se a flor (ñsângwa). Laman menciona o termo nsangwa com sentido de flor.
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parou e passa nos olhos do cadáver. Este último, excitado com
essa mistura…, logo esquece seu papel e é desembaraçado…
Os mais velhos o levantam e o morto terá que correr com toda
velocidade de suas pernas em direção ao recinto (VAN WING,
1938, p. 206-207).
24 Joseph Van Wing traduz: «no dia que irei celebrar o matrimónio». Esse sentido está correto,
pois a ressurreição é sinal de um matrimônio com um ñkita, de forma geral.
25 Referimos aqui a Fukyawu kya Bunsenki e Raphaël Batsîkama. Ambos eram lêmba.
26 Essa personagem simboliza o Espírito de Ñzâmbi enquanto médico que cura a lepra.
27 A expressão fwa mbîla significa «morreu numa convocação invocando». Mbila, aliás, signi-
fica convocação, tribunal. Laman registou o primeiro significado (LAMAN, 1936, p. 530).
28 Lwângu: do prefixo lu, acção; e do verbo de vânga, fazer, fabricar, instituir. O termo significa
instituições, leis e, de forma geral, o Conselho Judiciário que tem a missão de observar
(fiscalizar) a execução das leis.
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A ressurreição termina com uma boa refeição extravagante,
comparativamente às refeições anteriores. Joseph Van Wing faz ob-
servar que as cerimônias de Kimpasi têm um significado real entre os
Kôngo e que o candidato morre e, realmente, volta a vida, isto é, os
próprios kôngo acreditam nessa morte e ressurreição, pelo menos até
a época que ele recolheu essas informações.
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Em setembro de 1994, em Mbata Kuluzu, recolhemos um hino
(que, na verdade, era uma invocação) cantado pelos iniciados cujo
teor é o seguinte:
Ku Mfu’a Kalûnga ngyêle Vou-me introduzir no mistério de
Deus
Nkutama ngwa Mayînda Vou ser elucidado pela Mãe
Mayînda
Ngemba, Mbênza gwizanene Paz e Justiça juntar-se-ão a mim
Nkita, Mfu ndômba bamangana Espíritos da terra juntar-se-ão a
mim
Ngwa Mayînda sema matoko
Mãe Mayînda abençoa os res-
suscitados
Nsemi mwêla, Mfu Nsemi Sou (agora) o Espírito de Nsemi
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SALVE ANTONIANA
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perceber a revisão desta oração. Podemos citar aqui três expressões
correntes das fórmulas mágicas do Lêmba que pensamos ter a ver
com Salve Regina corrigido: (i) Ngêmba, Ngûti Mfumu31; (ii) Luvûvamu,
ngwa Ndûndu32; (iii) Yênge, Ñkênge ñkîsi nsi33. Essas expressões tra-
duzem melhor a frase Salve Regina. O termo ngêmba significa: paz,
diálogo e graça, ao passo que luvûvamu significa: esperança que
nasce do choque das diferenças. Yênge é uma fórmula de harmonia
social. As expressões ngûti mfûmu, ngwa ndûndu e ñkênge traduzem
perfeitamente a ideia local de regina. Estas fórmulas são pronunciadas
pelo sacerdote para invocar a tranquilidade quando joga o vinho de
paleira no chão a favor de ñkîsi nsi, ou ainda quando pede a graça do
Ñzâmbi Lêmba para fertilidade e outras bênçãos.
Tradução:
31 Ngûti é outra forma de ngûdi, mãe. Mfûmu é Chefe, Rainha (MAKISOSELA, 2018, p. 31).
32 Luvûvamu significa Paz. Ngwa Ndûndu personifica Deus-mãe durante o kimpasi.
33 Yênge pressupõe uma saudação ligada com a felicidade e a graça. O termo Ñkênge é ha-
giônimo, sinônimo de Ñzâmbi Lêmba que se atribuiu a iniciadora mais idosa da sociedade
Lêmba. Na linguagem política, Ñkênge é a linhagem que providencia reis e autoridades
executivas.
34 Nos cadernos, escrevemos “fórmulas mágicas”. Na verdade, em cada frase, quem pronun-
cia as palavras mastiga uma fruta ou raiz, ou bebe ñsâmba (vinho de palmeira), ou ainda
se pinta de cinzas, etc.
35 Léo Bittrémieux traduz “zinga ki buphati” de “vida profana” (BITTREMIEUX, 1936, p. 39).
36 Recolhido nos dias 13-22 de setembro de 1994 em Mbanza Ngûngu.
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Yênge, Ñkênge ñkîsi nsi
Mbûmba Kalûnga kânga malûndu ñtebo, kânga ñleke
Sadi, Sadi kânga nkadi’a mpêmba
Bakulu ku mpêmba, zita dya lufwa; ñkisi ñsi, lukôngolo lwa moyo37
Tradução:
Salve, Mãe-Santidade
Deus captura os brancos demónios e liberta o oprimido
Salvador, salva-nos do diabo Satanás
Santíssimos ancestrais, nó da morte; ñkîsi ñsi, nó da vida.
Tradução:
37 Recolhido nos dias 23-27 de Maio de1994 em Mbanza Manteke. Raphaël Batsîkama acha
que deveria ser segundo trecho. Para ele, trata-se de um dos hinos emprestado no Kim-
pasi. Ernest Wâmba dya Wâmba associa isso aos fragmentos do kimpasi que J. Van Wing
apresenta no seu Études Bakongo.
38 Mbêle’a tulêndo significa Justiça.
39 Lukobi lwa bakulu. Por norma, tratava-se de uma caixa dos ancestrais que traz bênção na
sociedade. Mas foi-nos apresentada uma pequena estatueta com morfologia de mwêne
Kôngo em pedra.
40 Essa oração aparenta ser do kimpasi, tal como indicam algumas frases. Foi recolhido nos
dias 19-23 de Agosto de 1994 em Kinsantu.
41 Mbûngu’a lukôngolo era um jarro sagrado que simbolizava a morte e a ressurreição. Em
1994, era chamado de “nkîsi ñsi’a nkulu”: algo sagrado e muito antigo. Esse fogo fica
apagado, depois de encerrar as atividades.
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variante de outras regiões onde Léo Bittrémieux fez as suas
pesquisas (BITTRÉMIEUX, 1936, p. 39, 56, 59-61, 137, 140-
143, 149). Há curtas frases que foram reproduzidas em linha-
gens (mvîla) na obra publicada por Jean-François Cuvelier
(1934, p. 45, 68, 75, 82, 84). Interessa aqui acrescentar as re-
colhas de John Janzen que, embora sejam nas outras regiões,
coincidem com muitas informações;
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1969, p. 127; MAHANIAH, 1982, p. 52; NGOMA, 1963, p. 39). O Poder é
do Povo (de Deus), referindo-se aos nove valores que todo ser humano
herdou de Ñzâmbi Lêmba43. Sobre Ñzâmbi Lêmba existe um ritual que
todo pai faz a seu filho quando este estiver pronto para sair de casa e
ir constituir a sua família. O progenitor começa por cuspir nas mãos do
filho e pronuncia as seguintes palavras: “yala bwa yala nsanda! Sama,
sama!”44. Depois destas palavras o abençoador cuspe no chão três
vezes [na última vez ele mastiga a noz de cola, com vinho de palmeira]
e volta a cuspir nas suas próprias mãos e esfrega a cabeça do filho,
finalizando com esses termos: “Nzambi Lemba sama mwana. Samba
nzila yandi ye vene ngolo ye malawu”45.
S U M Á R IO 40
1963, p. 18), isto é, o muntu é emintemente espiritual. O ñkîsi nsi é o
que há de mais sagrado e suporta a terra. Habita nas águas, plantas,
no espaço, no fogo, etc. Ora, a terra é um simbolo feminino na cosmo-
gonia kôngo (FUKYAWU, 1969, p. 33).
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é a viva corporização dos ñkîsi nsi. Ngûdi, também, deriva de bula: (i)
ter as suas primeiras menstruações, ter os primeiros frutos; (ii) abrir [as
pernas] para deixar escorregar águas (líquido amniótico) para salvar
vida; (iii) tornar-se adulta/mãe (LAMAN, 1936, p. 67).
S U M Á R IO 42
repensou este mesmo aspecto que, dois séculos antes, Dona Bea-
triz Ñsîmba Vita já tinha estruturado.
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Figura 1 - Modelo do campo de kimpasi
S U M Á R IO 44
Importa salientar aqui mwêla e mfumu ñkutu. O termo mwêla
significa alma, mas especificamente visto separadamente do corpo.
Quando alguém morre sem, portanto, passar pelo processo de se-
cagem, o «corpo com alma» é chamado de lûnza. Quando alguém
morre, mas a sua alma permanece vivente é chamado de muhêbula
(mwêbula). Isto é, a sua alma respira ainda (bula ou fula). Mas, quando
o cadáver é enterrado e que a alma encontra residência nas águas.
CONCLUSÃO
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S U M Á R IO 47
2 Daniel Precioso
Ndûmbe:
a iniciação
de uma sacerdotisa
angolana (Ambaca, c.1740)
DOI: 10.31560/pimentacultural/2022.94852.2
Ndûmbe, sub. Mulher em noviciado | Noviça || adj. Que se prepa-
ra para professar em xinguilamentos | Novata (sub. pl. Jindumbe).
INTRODUÇÃO:
A DOENÇA-CHAMAMENTO
S U M Á R IO 49
Por se manifestarem em forma de doenças e outras desventu-
ras, os rituais feitos para aplacar estes malefícios espirituais – verdadei-
ros chamamentos se provocados por antepassados mortos negligen-
ciados – ficaram conhecidos na teoria histórico-antropológica como
“cultos de aflição” (JANZEN, 1992). Ao restabelecer o equilíbrio social
(pois, segundo a cosmologia bantu, os mortos também integravam a
sociedade), estes cultos permitiam a retomada da fruição dos seus
promotores (VAN DIJKF; REIS; SPIERENBURG, 2000). Por isso, Ro-
bert Slenes (2021, p. 13-14) recentemente chamou-os de “cultos de
aflição-fruição”: “cultos almejando a cura de males sofridos por um
indivíduo ou uma coletividade, presumivelmente pela ação de espíritos
zangados ou por pessoas malignas que mobilizavam espíritos para
suas próprias finalidades,” mas que, “se nasciam da ‘aflição’, tinham
como objetivo recuperar a ‘fruição’ em vida.”
49 Para uma análise completa dos rituais praticados por Catarina Juliana e sua sociedade
religiosa no interior de Angola durante a década de 1740, Cf. PRECIOSO, 2021.
S U M Á R IO 50
A PERSONAGEM
S U M Á R IO 51
2002, p. 46). Uma vez liberta, atuando como xinguila – sacerdotisa que
incorporava espíritos para realizar curas e adivinhações –, Catarina
Juliana pôde acumular bens devido à celebridade alcançada pelas
práticas de cura e adivinhação.53 Para tanto, possuía licença do
capitão-mor, seu amásio, para “possuir e usar o que lucrava [...] em
seus próprios contratos.”54
S U M Á R IO 52
Por ter nascido escrava na Cidade de São Paulo de Luanda,
sede política do Reino de Angola (colônia portuguesa), Catarina Julia-
na foi introduzida no catolicismo desde o seu nascimento, mas herdou
também as práticas religiosas tradicionais ambundas. Ela teria levado
uma vida dupla em termos religiosos: se não se relacionava com a re-
ligião local desde tenra idade, ao menos depois de ser acometida por
uma enfermidade, foi iniciada como xinguila e nganga-nkisi. Catarina
Juliana foi batizada na Igreja da Conceição da Sé de Angola. Perante
os inquisidores, ao informar a sua genealogia, se declarou “verdadeira
católica” – pois ouvia missa e pregação, confessava, comungava e
fazia as demais obras – e, para provar o que disse, pôs-se de joelhos,
persignou-se e benzeu-se, recitando o Padre Nosso, a Ave Maria, o
Credo e os Mandamentos da Lei de Deus, comprovando, assim, o
conhecimento dos preceitos fundamentais da fé dos colonizadores.
S U M Á R IO 53
Catarina Juliana era ré primária no Santo Ofício quando caiu em
1750 nas malhas da inquisição portuguesa, juntamente com o seu ex-
-senhor e amante, ambos acusados de “idolatrias” e “adorações de-
moníacas”. Durante os treze anos em que esteve presa nas sombrias
dependências da casa dos Estaus, onde ficavam os cárceres secretos
da Inquisição de Lisboa, Catarina Juliana mudou a sua estratégia de
defesa. Durante os primeiros interrogatórios de que temos conheci-
mento, realizados em 1756, rechaçou veementemente todas as acusa-
ções contra si, mas após quase oito anos de cárcere, confessou que
procurou uma sacerdotisa no interior de Angola para se curar de uma
enfermidade. Sua confissão manteve um grau de passividade na con-
dução das práticas religiosas em que se encontrava enredada que não
condiz com a realidade. Os inquisidores não se deram por satisfeitos e,
no decorrer do processo, fizeram ouvir novamente as testemunhas em
Angola, incluindo ainda outros depoimentos no processo.
S U M Á R IO 54
pelo derramamento de sangue no interior de um órgão (apoplexia).
No longo tempo em que ficou “entrevada” na cama, e a título de “pie-
dade” dos seus algozes, Catarina Juliana foi medicada sem êxito. An-
tes de falecer, recebeu diversas vezes os sacramentos da Comunhão
(sagrado viático) e o da Extrema Unção, sendo antes confessada por
um padre capelão.60
SUA INICIAÇÃO
S U M Á R IO 55
fez64 –, saiu às escondidas, em uma noite, para a casa de uma preta
livre chamada Esperança Cazolla, “gentia não batizada, solteira [...]
e natural do sertão, moradora no sítio de Anatunga, a légua e meia
distante do dito presídio [de Ambaca].”65 Acompanhou-a até a casa
da curandeira sua escrava Antônia. Catarina Juliana confessou que foi
[...] levada em uma rede por dois escravos da casa, chama-
dos Mateus e João, os quais vendeu o mesmo capitão[-mor
João Pereira da Cunha] na Cidade da Bahia, e chegando à
dita casa, ainda de noite se recolheu em particular com a dita
Esperança e, comunicando-lhe as suas queixas, lhe disse a
mesma que ela confitente tinha no corpo Quibuco e Mottâ [na
verdade, Gangazumba66], que são os nomes de dois ídolos
da gentilidade, segurando-lhe que havia de curar e, para isso,
entrou a tocar atabales e a bailar com outros pretos e pretas,
que logo se ajuntaram, batendo todos as palmas das mãos,
como também ela confitente, que estava sentada no chão,
chamando todos pelos sobreditos ídolos67 e fazendo a dança
chamada de calundus, na qual gastaram perto de uma hora
e, depois de acabada, matou a dita Esperança um galo, que
na dita dança tinha trazido na mão e, tomando-lhe o sangue
em uma tigela, o misturou com uns pós de ervas, cujos nomes
ignora, e com ele untou o corpo dela confitente, que logo se
recolheu para casa sem experimentar melhoras.68
64 Agindo assim, Catarina Juliana pretendia proteger o seu ex-senhor e amásio, já então fa-
lecido nos cárceres inquisitoriais. Concordamos, neste ponto, com Kale Kananoja (2010,
p. 464), primeiro historiador a analisar o processo de Catarina Juliana, que afirmou: “Pro-
vavelmente havia alguma verdade nas acusações, e creio que Catarina Juliana não agiu
em segredo de João Pereira da Cunha. Catarina confessou ter procurado a ajuda de
curandeiros africanos para sua doença, mas é altamente provável que curandeiros tam-
bém estivessem administrando remédios a Cunha. Isso não é surpreendente.”
65 “Correspondência de Catarina Juliana”. ANTT, Tribunal do Santo Ofício da Inquisição de
Lisboa, Documentos Avulsos, Cx. 1580, Cód. 13839, fls. 43 v.
66 A maioria das testemunhas ouvidas no processo apontaram Gangazumba como entidade
possuída por Catarina Juliana. Pode ser, então, que, na sua confissão, a ré citou dois dife-
rentes minkisi para despistar os inquisidores.
67 Na definição etnocêntrica dos portugueses, “ídolo” era uma estátua de alguma falsa deida-
de, utilizada para fazer “feitiços diabólicos.” Os “ídolos” referidos no processo de Catarina
Juliana eram, na realidade, o que os bacongo e povos vizinhos chamavam de minkisi (no
singular, nkisi), isto é, objetos rituais fabricados e que, quando invocados, produziam os
efeitos desejados.
68 “Correspondência de Catarina Juliana”. ANTT, Tribunal do Santo Ofício da Inquisição de
Lisboa, Documentos Avulsos, Cx. 1580, Cód. 13839, fls. 44.
S U M Á R IO 56
Catarina Juliana e Esperança Cazolla ajustaram que a cura de-
veria ser acabada na casa do capitão-mor João Pereira da Cunha.
A curandeira recebeu de pagamento “seis varas de pano de linho.”69
Esperança Cazolla visitou Catarina Juliana por quatro vezes,
[...] aonde lhe trazia os pós das ditas ervas, que misturava com
azeite de carrapato, e com ele lhe repetia as ditas venturas com
as quais foi melhorando pouco a pouco; depois do que, en-
contrando-se ela confitente com a dita Esperança por algumas
vezes, a mesma lhe pedia que lhe mandasse alguma coisa para
os seus ídolos, o que, com efeito, fez, mandando-lhe em diver-
sas ocasiões frascos de água ardente e pedaços de carne de
porco, sabendo ela confitente que tudo era para oferecer no
modo gentílico aos ditos ídolos, aos quais é certo que ajudou
a idolatrar, batendo as palmas como acima tem declarado e
se adoravam na cabeça da dita Esperança, aonde os gentios
creem que eles entram.70
69 Ibidem.
70 Ibidem.
71 Ibidem, fls. 44 v.
72 Ibidem.
S U M Á R IO 57
INTERPRETANDO SUA INICIAÇÃO
S U M Á R IO 58
por meio de uma moléstia. Esperança Cazolla, sacerdotisa que reali-
zou o sacrifício, encontrava-se então no limiar do mundo visível e do
mundo invisível, representando-os simultaneamente e os unindo. Sob
o seu conjuro, a divindade não foi apenas “convidada a participar do
sacrifício, mas a descer sobre a oferenda” (MAUSS; HUBERT, 2017, p.
37-38). O animal sacrificado foi o intermediário pelo qual a corrente se
estabeleceu. Graças a ele, todos os seres que participaram do sacri-
fício se uniram e todas as forças que nele intervieram se confundiram.
74 Como salientou Wyatt MacGaffey (1977, p. 179), “os objetos rituais centrais dos cultos dos
ancestrais, dos espíritos locais e dos encantos (charms) não diferem nitidamente em forma,
conteúdo ou função.” A única diferença entre a cura por nkisi e a cura por apaziguamento
do antepassado, como observa o autor, é sociológica: a pessoa chamada a se iniciar no
culto pela doença provocada pelo antepassado é um parente do espírito que se manifes-
ta, enquanto aquela que não adoece por ação de um antepassado não tem relação com
o nkisi “até que um ato divino decida que o encanto (charm) pode lidar com sua aflição.
Muito frequentemente o encanto é representado como o iniciador da relação, como tendo
imposto a aflição como um sinal que a pessoa em questão deve ser iniciada no culto deste
encanto.” Neste caso, “o iniciado incorpora os atributos do espírito cujos poderes ele me-
dia” (MACGAFFEY, 1979, p. 177).
75 Como observou Wyatt MacGaffey (1977, p. 180), os espíritos de ancestrais eram transfor-
mados, depois de muito tempo, em espíritos locais (bisimbi, basimbi, singular simbi). Os
ancestrais habitavam o kakulu, palavra quimbunda que designa o “mundo primordial, dos
começos, mundo do criador de tudo quanto possuímos hoje ou de que herdamos e que é
necessário reverenciar sempre que possível (e necessário)” (COELHO, 2010, p. 149).
S U M Á R IO 59
público a estas entidades ficou proibido dentro dos domínios portu-
gueses de Angola, elas se manifestaram em africanos que habitavam
estes mesmos domínios a fim de que eles mantivessem os seus cultos
– ainda que de maneira periférica ou marginal.76
S U M Á R IO 60
sacerdotisa de nkisi (nganga-nkisi). Sua antiga personalidade morreu
para uma nova nascer. Catarina Juliana também passou a integrar uma
sociedade de culto circunscrita em meio à sociedade de Ambaca, in-
corporando-se pela experiência da communitas78 a outras pessoas,
suas sócias. Não atuava, portanto, sozinha, mas em sociedade.
CURA-INICIAÇÃO:
UM MODELO CENTRO-AFRICANO
S U M Á R IO 61
religiosa de Catarina Juliana buscava fora do presídio de Ambaca. De
acordo com as testemunhas ouvidas no processo, o núcleo central da
sociedade religiosa era formado pelo dono da casa onde o grupo se
reunia, o capitão-mor do presídio de Ambaca João Pereira da Cunha,
por sua concubina Catarina Juliana, pelos seus escravos Teodósio
“molecão”81 e Josefa parda82 e por uma negra chamada Luzia.
Juntavam-se a eles o ajudante Felipe Dias Chaves e seu ex-escravo,
o preto forro Antônio Cambundo, que foi apontado como o nganga
mais poderoso da sociedade. O vigário de Ambaca, João Velho de
Barros, afirmou que foi este preto forro que levou o capitão-mor João
Pereira da Cunha em uma serpentina para fora do presídio, em “um
sítio ou lugar chamado Canasangi,”83 para invocar as entidades e tocar
atabaques a fim de curá-lo de uma grave enfermidade.
81 Teodósio poderia ser tanto um menino escravo de alta estatura quanto um escravo adulto com
idade inferior a trinta anos. Como observou Mary Karasch (2000, p. 37), estes eram pejorati-
vamente chamados pelos portugueses de “molecões” ou “molecotes”, em contraposição à
forma diminutiva, “molequinho”, que designava “um menino negro muito jovem ou pequeno.”
82 Josefa parda também é apontada como concubina do capitão-mor, o que é compreensível
dentro da tradição poligâmica centro-africana.
83 “Correspondência de Catarina Juliana”. ANTT, Tribunal do Santo Ofício da Inquisição de
Lisboa, Documentos Avulsos, Cx. 1580, Cód. 13839, fls. 96 e 97.
84 Kalle Kananoja (2010, p. 446) transcreveu como “Domingos Mucori”, o que – conjeturamos
– pode ser uma grafia apresentada no processo de João Pereira da Cunha, ao qual não
tivemos acesso. Mantivemos a grafia do códice “Correspondência de Catarina Juliana”,
no qual, à folha 98, o escrivão anotou “Dom Salvador Mucuri”. Cf. “Correspondência de
Catarina Juliana”. ANTT, Tribunal do Santo Ofício da Inquisição de Lisboa, Documentos
Avulsos, Cx. 1580, Cód. 13839, fls. 98. Dom Salvador Mucuri pode ter sido um soba. Como
observou Crislayne Alfagali (2021, p. 378), a partir do século XVIII, alguns sobas avassala-
dos traziam – além dos títulos ancestrais dos sobados que chefiavam – nomes católicos,
às vezes, precedidos pelo tratamento honorífico português de “Dom”.
S U M Á R IO 62
proximidades do mesmo presídio.85 A esta lista de sacerdotes, outra
testemunha acrescentou um preto chamado Dalla a’ Quipaquina, mo-
rador “fora do dito presídio.”86
S U M Á R IO 63
de conhecimentos nos moldes de um seminário, possuindo, ao invés
disso, um caráter mais imediato. As iniciações ocorriam durante cerimô-
nias de cura, de acordo com um modelo que podemos chamar, a partir
dos apontamentos de Alexandre Marcussi, de modelo da cura-iniciação.
S U M Á R IO 64
Como definiu Robert Slenes (2006, p. 288-289), os kimpasi eram
movimentos secretos comunitários com o objetivo de apaziguar os es-
píritos e solucionar crises coletivas. Estes rituais secretos envolviam a
devoção de objetos sagrados, além do desenvolvimento de “língua
secreta, reuniões nas clareiras das matas, iniciação através da morte
ritual e do renascimento, o transe espiritual, isto é, a incorporação do
espírito-guia, cujo nome e identidade carregava o [praticante] durante
o resto da vida.” Rituais feitos por Catarina Juliana e seus sócios no
campo entre baobás sagrados e entidades bantu (minkisi) não conhe-
cidas pelos inquisidores/habitantes locais (e mencionadas no proces-
so) parecem corroborar a hipótese de que a sociedade religiosa aqui
analisada desenvolveu ritos secretos.
S U M Á R IO 65
CONCLUSÃO
S U M Á R IO 66
brasileiras e defensores de purismos, que afirmaram que os nomes
das entidades dos candomblés bantu foram inventados e as suas
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S U M Á R IO 69
3
Leonara Lacerda Delfino
Maria Cristina de Azevedo
Claudia de Jesus Maia
Uma história
pública de Nhá Chica:
a santa mestiça e as
africanidades subterrâneas
nas representações
do catolicismo afro-atlântico
no Sul de Minas Oitocentista
DOI: 10.31560/pimentacultural/2022.94852.3
Vai Francisca guerreira
Iluminada pela luz do criador
Na África
Ressoa o tambor
A nobreza de uma raça
“Minha Sinhá”
89 Sobre o termo “pardo”, o Vocabulário português e latino de Raphael Bluteau (1728) traz a
seguinte definição: “Pardo. Cor entre branco e preto, própria do pardal, donde parece lhe
veio o nome. Homem pardo. Vid. Mulato”1. Por sua vez, a definição do termo mulato faz
referência a mestiço, que é aquele nascido de diferentes espécies. Essas classificações
estão presentes na documentação consultada, entre o final do século XVIII e ao longo
do século XIX. No entanto, devemos sublinhar que estamos tratando de uma sociedade
altamente hierarquizada, atravessada pelas relações escravistas e por divisões de cor,
raça e gênero. Deste modo, a referência documental dessas classificações reporta-se à
ideia de pureza e impureza de sangue, apesar da revogação pela Constituição de 1824 do
dispositivo colonial de mancha de sangue, já efetivada por Pombal. Segundo Hebe Mattos
(1998, p, 34), o termo “pardo” também “se referia a filhos de forros e, portanto, a primeira
geração de descendentes de escravos nascida livre”. Neste sentido, a expressão remete
ao afastamento do cativeiro e aproximação do mundo da liberdade.
S U M Á R IO 71
força dos tambores e poder da caridade, como “mãe dos pobres”.90
Entre os mitos e os estudos históricos (AZEVEDO, 2012; ARANTES,
2021), as memórias de Nhá Chica permanecem muito vivas nos tem-
pos de hoje e são ressignificadas permanentemente numa intensa
luta de representações (CHARTIER, 2002) entre o discurso canônico
e as leituras populares subterrâneas à retórica oficial, fazendo deste
movimento plural de reivindicação pela hegemonia no debate público
acerca da memória da beata uma experiência significativa de his-
tória pública, em que há saberes circulantes em disputa e passa-
dos-vivos são ressignificados à luz das intencionalidades políticas do
tempo presente. Neste capítulo, vamos trabalhar a história pública91
da religiosidade afro-atlântica personificada nos saberes e fazeres
sagrados da beata, bem como o processo de embranquecimento
presente nas práticas discursivas hagiográficas, considerando a in-
surgência de narrativas insubmissas imersas em vivências marginais
da religiosidade dos terreiros e do catolicismo não ortodoxo, manti-
das vivas pelas rezadeiras, benzedeiras e dançadores do Congo que
buscam na devoção à santa afro-brasileira o enlace para reafirmação
de suas africanidades atlânticas recriadas no universo da experiên-
cia do mundo pós-abolição. Em um exercício de diacronia histórica,
procuramos tratar das heranças subterrâneas de uma religiosidade
afro-atlântica e das disputas de memórias e representações presen-
tes no debate público acerca da monumentalização da imagem de
Nhá Chica – figura religiosa remanescente do período escravista que
90 PIRES, Wanessa. História de Nhá Chica vira samba-enredo de escola de samba do Rio.
Disponível em: https://g1.globo.com/mg/zona-da-mata/noticia/2014/11/historia-de-nha-
-chica-vira-samba-enredo-de-escola-de-samba-do-rio.html. Acesso em 23 mai. 2022.
91 Entendemos por história pública a reflexão dos usos do passado e sua inserção no debate
público. Do mesmo modo, trabalhamos com a possibilidade da escrita colaborativa (FRIS-
CH, 2016) e plural em diálogo com a multiplicidade de saberes que ultrapassa as fronteiras
acadêmicas, sem escamotear o papel da mediação analítica do(a) historiador(a), muito
menos o comprometimento ético deste(a) profissional na publicização sem simplificação.
Neste sentido, a história pública visa debater os usos da memória, a percepção pública
da história, a divulgação científica em diferentes veículos, as apropriações midiáticas, lite-
rárias e artísticas da história e outras narrativas de diferentes linguagens sobre o passado
(MAUAD; ALMEIDA; SANTHIAGO, 2016; ROVAI, 2018).
S U M Á R IO 72
se tornou referência crucial na demarcação do discurso de memória e
de patrimônio imaterial da religiosidade católica sul-mineira contem-
porânea, mas que apresenta ambivalências e leituras a contrapelo
nas práticas populares.
S U M Á R IO 73
e pela ação post-mortem composta pela efetivação dos milagres,
ou seja, suas ações continuam repercutindo na vida dos seus devo-
tos, mesmo depois da sua morte, por meio das graças alcançadas.
A ruptura com o mundo terreno não é percebida ou lida como um
fenômeno natural, mas, como um feito extraordinário, atravessado
por indícios de santidade e do efeito miraculoso, como o perfume
de rosas exalado do túmulo, narrado pelos hagiógrafos durante o
trabalho de exumação do corpo. Nessa perspectiva, as reconstitui-
ções hagiográficas obedecem a uma concepção finalista e única do
indivíduo milagreiro, isto é, pensa-se em um ser desvinculado das
contingências e imprevisibilidades históricas, fazendo deste um ente
destinado a uma missão terrena de causas sobrenaturais, conforme
pontua a narrativa hagiográfica.
S U M Á R IO 74
conta os arranjos entre os poderes locais, em adequação ao modelo
hagiográfico esperado, para incentivar políticas públicas de incentivo
ao turismo e divulgação das santidades locais, de acordo com os
parâmetros morais e normativos propostos pela catequese oficial.
S U M Á R IO 75
de Baependi, por meio das adivinhações, milagres de cura e transes
espirituais, conversações com o mundo dos mortos e relação mística
direta com Nossa Senhora da Conceição, nos leva a perceber um li-
miar muito tênue entre a expectativa normatizante da doutrina católica
e o universo vasto e complexo das práticas híbridas afro-atlânticas.
S U M Á R IO 76
A religiosidade de âmbito privado, profundamente híbrida, era
predominante, ainda que houvesse a presença da Igreja e da cateque-
se tridentina pela ação dos padres e edificação das irmandades leigas,
desde o período colonial. Além da religiosidade leiga, atravessada pela
atuação ativa de devotos e devotas de irmandades e ordens terceiras
– associações que ditavam rumos das práticas e crenças da espiritua-
lidade barroca das Minas – não podemos nos esquecer da força dos
calundus, dos batuques negros, dos reinados e reisados cuja presença
subversiva transformou definitivamente a espiritualidade afro-atlântica,
enegrecendo o catolicismo no Ultramar. A devoção aos santos pretos,
estudada por Anderson Oliveira (2008), nos apresenta indícios significa-
tivos para compreender o processo de hibridização94, trocas culturais e
lutas de representação no processo de catequização no outro lado da
Kalunga (Atlântico). Estudar o fenômeno das beatas negras e mestiças,
como a Nhá Chica, consiste em dar um passo além na compreensão
das apropriações e ressignificações dos símbolos católicos e releituras
africanizadas protagonizadas por mulheres não brancas remanescentes
do cativeiro ou portadoras do estigma da escravidão. Por outro lado, o
desafio de se fazer uma análise interseccional se coloca como exigência
para os futuros estudos engajados em compreender os processos da
escravidão à luz dos demarcadores de gênero e raça, enquanto elemen-
tos estruturais da sociedade escravista, juntamente com as segmen-
tações de cor, condição social e outras hierarquizações geradas pelo
domínio senhorial (REIS & FARIA, 2021, p. 28).
S U M Á R IO 77
Império brasileiro?95 Nossa hipótese é que Francisca de Paula de Je-
sus, conhecida e referenciada em documentos como “Dona”, Senho-
ra, e popularmente Nhá, corruptela de Sinhá, utilizou-se da estratégia
de embranquecimento em vida, ao tecer alianças com mandatários
locais, sem perder de vista, seus saberes e fazeres matrilineares com
marcas afro-atlânticas e suas redes sociais/políticas traçadas ao lon-
go de sua vida com seus iguais ou aqueles mantidos em cativeiro.
Nhá Chica soube transitar muito bem entre o mundo dos brancos e o
mundo dos escravizados e dos libertos. O fato é que o processo de
embranquecimento estendeu-se, com outras intenções e finalidades
políticas, para o período posterior à sua morte e se tornou marca hege-
mônica nas construções iconográficas e hagiográficas da santa beata.
E hoje podemos entender que as representações embranquecidas de
Nhá Chica se inserem num processo histórico mais amplo relacionado
à herança deixada pelas teorias raciais (SCHWARCZ, 2013) do final do
século XIX, conjugada ao ultramontanismo e campanha higienista,96
três pilares do movimento de segregação racial daquela sociedade,
S U M Á R IO 78
quando já se discutia o fim da escravidão e criavam-se novas formas
de marginalização de segmentos escravizados e livres de cor.
97 Há uma série de documentários disponíveis pelo canal do YouTube, cf.: Nhá Chica, a Santa
de Baependi, produzido pela emissora católica Canção Nova (2018); Nhá Chica, um docu-
mentário (2011), produção e direção de Thomaz Gregori; Nhá Chica, uma flor de Baependi,
produzido pela Congregação das Irmãs Franciscanas do Senhor (2004).
S U M Á R IO 79
popular. Para tanto, serão utilizados os livros de memória como discur-
so hagiográfico, os registros paroquiais de São João del-Rei, além de
dispormos do método indiciário98 como recurso de investigação para
alcançarmos os indícios e sinais necessários para recompormos os
vestígios silenciados pelo discurso oficial de reconstrução da memória
da personagem beatificada pelas autoridades romanas.
S U M Á R IO 80
do rosto da beata após a exposição do corpo velado por longo tempo
são indícios de sua santidade.
101 De acordo com CARDONI, PINHO, NICOLIELLO (2004, p, 41), os documentos assinados
pelo vigário Monsenhor Marcos Nogueira, sempre referenciaram Francisca de Paula de
Jesus como “dona” e “senhora”, títulos de tratamento dirigidos às mulheres brancas de
mando naquela sociedade escravista.
S U M Á R IO 81
Ao escravo Félix, deixou um terreno alocado “abaixo do portão” que
entrava para a capela, além de louças e trastes da casa, exceto as
cadeiras e tachos de cobre que seriam distribuídos como esmolas aos
pobres. À Nossa Senhora da Conceição, para o seu patrimônio, legou
“casas, terrenos, água” e todo remanescente dos seus bens. Pediu
para que um vestido de nobreza fosse entregue a uma órfã virgem.
Do remanescente dos seus bens, que seria entregue ao patrimônio
de sua Sinhá Conceição, estavam: um rosário de contas de ouro, um
cordão de ouro, quinhentos gramas de prata, além de caixas, bacias,
panelas de pedra, pratos de louça, facas e garfos, tamboretes, ban-
cos, catres, cadeiras, mesa de piano, foice e tachos de cobre. Como
signo da distinção social alcançada, seu inventário deixou registrada
a composição de sua mortalha, produzida por tecidos nobres, como
“grinalda francesa, rendas de prata, fitas largas lavradas, cetim Macau,
luvas brancas e galão branco.”102
S U M Á R IO 82
Baependi”, onde morava, para distribuir pães, alimentos, roupas, re-
médios caseiros e outros donativos necessários à sobrevivência da
população negra e mestiça. Também era visitada por setores da elite,
como o conselheiro do imperador, João Pedreira do Couto Ferraz e
Jerônimo José Teixeira Júnior, Visconde do Cruzeiro, a quem sempre
lembrava, em agradecimento, pela doação de recursos para a orna-
mentação do templo com “imagens, vasos, alfaias, órgão, lâmpadas”,
tudo como gesto de agradecimento pelas dádivas alcançadas (MO-
NAT, 1894, p. 93). Prova cabal que Francisca de Paula soube tecer
alianças com a elite local é a escolha de seus testamenteiros, sendo o
primeiro nomeado, o próprio Vigário Geral, Marcos Pereira Gomes No-
gueira, e o segundo, o capitão Francisco Antônio Pereira, e em terceiro,
o advogado Antônio Dias dos Santos.104
S U M Á R IO 83
de mobilidade social alcançada com sua projeção de comerciante,
filiou-se à irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, onde se tornou
mesário atuante, e nos instantes finais de sua vida, invocou a presença
das irmandades de São Miguel e Almas, das Mercês, da Boa Morte e
do Rosário para acompanhá-lo no sepultamento, tendo o seu corpo
enterrado no Cemitério Geral da cidade de Baependi. O pecúlio dei-
xado pelo irmão à Francisca de Paula de Jesus pode ser interpretado
como ponto de inflexão para a movimentação político-religiosa de Nhá
Chica, ao dourar o altar da Matriz de Nossa Senhora de Monserrat e
iniciar sua empreitada divina de construir uma capela no quintal de sua
casa a pedido de sua “santa Sinhá”, Nossa Senhora da Conceição, a
quem tinha profunda e íntima devoção.106 Conta o imaginário popular
que a beata tinha visões místicas, conversava pessoalmente com a
Virgem e tinha o dom de ter sonhos premonitórios. Em uma dessas
conversações foi incumbida da missão de construir um templo para
atender à vontade de Nossa Senhora da Conceição.
106 Ao consultar os livros de tombo da Matriz de Nossa Senhora de Monserrat em Baependi,
José Alberto Pelúcio (1942, p. 13) menciona que: “Só em 1862, sendo vigário o cônego
Joaquim Gomes Carmo, foi dourado o altar-mor, com apreciável dádiva de Francisca de
Paula de Jesus, conhecida como Nhá Chica.” No Instituto Nhá Chica (INC), sob custódia
das irmãs franciscanas, encontra-se alocado o Livro de Tombo, nº1 (fl. 16v), onde se
registra a passagem pelo Monsenhor Marcos Pereira Gomes Nogueira.
107 Expressão extraída de PENA, 1951, p. 14.
S U M Á R IO 84
Cavalhadas, nesta cidade, enferma e de cama, mas em meu perfeito
juízo, no estado de solteira, não tendo filho algum nem herdeiros for-
çados, faço este meu testamento para ser cumprido depois de minha
morte (...). Baependi, 18 de julho de 1888.108
Filha da liberta Isabel Maria e neta de Rosa Benguela109 ou de
Maria Joaquina Felizarda,110 a beata invocou, em seu testamen-
to, o pertencimento à linhagem materna vinculada à Egipcíaca,
ao nomear sua mãe, como Isabel Maria Egipcíaca. Seria a in-
tenção da santa – já “uma celebridade em todo sul de Minas”,
como bem mencionou o médico hidrologista Henrique Monat
(1894), o primeiro a entrevistá-la – enquadrar-se à linhagem mí-
tica da santa africana, Rosa Egipcíaca, pega pelas malhas da
Inquisição no período colonial?
S U M Á R IO 85
Paula nasceu. Egipcíaca foi a primeira escravizada africana a deixar
um manuscrito111 de próprio punho no Brasil. A courana fundou o Re-
colhimento de Nossa Senhora do Parto, recinto religioso que abriga-
va negras e pardas donzelas no Largo da Carioca do Rio de Janeiro.
Quando criança sofreu abuso sexual do seu primeiro senhor, José de
Souza Azevedo, e durante a juventude foi transferida para a Fregue-
sia do Inficcionado (próximo à Mariana), na propriedade de Dona Ana
Garcês de Morais, onde viveu da prostituição durante quinze anos até
ser atacada por uma estranha enfermidade. Esta doença, de cunho
espiritual, provocava na escrava, desmaios, fortes inchaços no ros-
to e intensas dores no estômago. A mesma enfermidade, vista como
provação enviada por Deus, lhe serviu de argumento para o início de
uma vida de penitência e dedicação à espiritualidade. A partir deste
momento, Rosa deixou o meretrício e passou a viver como beata, se-
guindo os ofícios divinos e liturgias católicas. Em São João Del-Rei, na
igreja de Nossa Senhora do Pilar, chegou a interromper a pregação de
um capuchinho, “gritando que ele era o próprio satanás ali presente”
(MOTT, 1993, p. 8). Após o episódio de afronta às autoridades religio-
sas do local, Rosa foi encaminhada à sede do bispado de Mariana e
castigada em praça pública sob a acusação de feitiçaria. Escapando
com vida dos rigorosos suplícios – que deixaram o lado direito do seu
corpo semiparalisado – a religiosa seguiu para o Rio de Janeiro, com
seu novo proprietário, o Padre “Xota-Diabos”. Naquela cidade teceu
alianças com setores importantes do meio eclesiástico, adquiriu apoio
dos frades franciscanos e o beneplácito do próprio bispo para fundar
o seu Recolhimento de religiosas leigas sem votos perpétuos. Este se
instituiu como o ponto alto da trajetória de Rosa Courana, por se tornar
a africana afamada na cidade por suas visões santas, aconselhamen-
tos espirituais e pela vida mendicante, regrada por exercícios espiri-
tuais rigorosos como autoflagelação, jejuns prolongados, meditações,
silício e comunhão frequente.
111 O manuscrito de 250 folhas intitula-se “Sagrada Teologia do Amor de Deus Luz Brilhante
das Almas Peregrinas” (MOTT, 1993, p. 10).
S U M Á R IO 86
Em seu recolhimento pregava ideias heterodoxas e dizia ter vi-
sões e conversas com Deus. Em um desses êxtases espirituais, re-
velou que o “Menino Jesus vinha todo dia mamar em seu peito” e
que “Nosso Senhor trocara o seu coração com o dela”. Dizia também
ser “esposa da Santíssima Trindade e a nova redentora do mundo”,
enquanto Maria cumpriria o papel de “Mãe da Misericórdia”. Para a
africana, venerada como santa, sua missão consistia em decidir sobre
o destino de todas as almas do Purgatório, “se iam para o céu ou
para o inferno” (MOTT, 1993, p. 10). Em seus êxtases espirituais, Rosa
Egipcíaca conciliou práticas católicas de ascese espiritual com o uso
de danças em frente ao altar,112 além de trazer um histórico de rituais
de possessão, interpretadas como exorcismo pelo padre português
Francisco Gonçalves Lopes. Ao longo de sua liderança espiritual, Egip-
cíaca receitou aconselhamentos de cura, sofreu visões intermitentes
e permitiu que suas auxiliares pitassem cachimbo, numa clara alusão
aos costumes de origem africana. Ao ser sentenciada como herege e
feiticeira, disse ter acreditado “em tudo que viu e ouviu”, pois entendia
que todas as suas ações foram feitas em nome de Deus porque se
via escolhida pela misericórdia divina a fim de “revelar ao mundo seus
fantásticos desígnios” (MOTT, 1993, p. 17).
112 Segundo Mott (1993, p. 11), a descrição de uma cerimônia conduzida por Rosa Egipcíaca
lembra as seções de gira nos terreiros de umbanda e de candomblé. Consoante o processo
consultado pelo autor: “Na capela do Parto, Rosa tirava às vezes algumas imagens do altar,
dizendo que [ela] era Deus, e metia as imagens na mão de algumas irmãs e ia dançando
até ao pé delas, e lá as deixava e ia buscar outra, e entrava a apertar a dança, arrondean-
do-as, e caía no colo de alguma irmã e ficava como [estivesse] fora de si, e depois de muito
tempo, se tornava a si e começava a perguntar aquilo o que era, quem a tinha trazido por ali,
e isto era quase sempre, e se não críamos, levantando-se da sua passividade, roncando,
se agarrava pela goela e entrava a bater pelo chão, dando murros (...).”
113 Nomeamos como santa negra, a partir da tipologia “negro/a de pele clara” trabalhada por
Sueli Carneiro (2016).
S U M Á R IO 87
Chica não se indispôs diretamente com as autoridades eclesiásticas,
como Rosa Egipcíaca. Os primeiros hagiógrafos, como o Monsenhor
José do Patrocínio Lefort (1992, p. 66), associam a nomenclatura “Egip-
cíaca” indicada em testamento à asceta que viveu no Egito no século
V. A santa, também de origens africanas, é representada com a icono-
grafia de uma mulher anciã com a pele enegrecida. Reverenciada pela
igreja copta no norte da África, a santa africana ficou conhecida por
expurgar-se da vida pecaminosa da prostituição, conforme sua hagio-
grafia clássica, para ascender-se como beata ao se dedicar à direção
de um recolhimento de mulheres devotas. No entanto, Sirleia Arantes
(2021) chama a atenção para o fato de a Rosa Courana Egipcíaca ter
estado mais próxima ao universo de crenças e experiências de vida da
Nhá Chica e sua mãe, Isabel. Teria sua mãe liberta afinidades devocio-
nais com a santa preta courana tão reverenciada em São João Del-Rei
naquele período? Para esta pergunta não temos indícios diretos que a
respondam, no entanto, conseguimos vislumbrar, pelo método indiciá-
rio, aproximações por sistemas de crenças e práticas religiosas híbri-
das que trouxeram marcas enegrecidas da religiosidade católica afro
diaspórica que se desenvolveu em sociedades interétnicas atlânticas.
S U M Á R IO 88
não consegui ver. Nha Chica é uma santa, dizem uns; uma mo-
desta buenadicha asseveram outros; ella não conhece nem de
nome Papus, Allan Kardec, nem Mesmer; não cultiva a magia, a
feitiçaria, a chiromancia, o esoterismo, as sciencias occultas, o
magnetismo, nem o hypnotismo. (...) Não corre, pois, riscos de
ser queimada viva, nem de ter de explicar á polícia como se
lê no pó de café a ingenuidade humana (Grifos nossos).
S U M Á R IO 89
-“Qual! eu tambem vi na bacia; foi uma nuvensinha preta, ruim,
que seprégou no sol; quem foi lá tiral-a? Só Deos, porque elle
não quer o sol encoberto, nem parado.” [Grifos Nossos].
S U M Á R IO 90
No entanto, a água poderia ser um elemento sagrado, um ins-
trumento mágico para a prática dos ritos de profecias e adivinhações
da beata. Em outras narrativas, há indicação de muitos milagres que
remetem à religiosidade afro atlântica, como a indicação de remédios
caseiros (SEDA 2013, p. 87), através da manipulação de ervas que culti-
vava em seu quintal, o transe espiritual, a conversação com os mortos, a
levitação e o poder sobrenatural de encontrar objetos perdidos, crianças
e animais desaparecidos, além das previsões de cura e de morte, e das
visões de Nossa Senhora da Conceição. Sua vida espiritual, cercada de
mistério, reporta-se a uma prática de ascese, mas, nunca de isolamen-
to, pois a beata teve uma vida social intensa na localidade de Baepen-
di, em razão das redes políticas que traçou e da liderança comunitária
exercida no alto do Cavaco, reduto de negros e pobres mestiços de
Baependi. Nos subúrbios daquela localidade, a santa mestiça promovia
a assistência caritativa corporal e espiritual, mantendo uma relação de
troca baseada na economia do dom e contra-dom (MAUSS, 2003), uma
vez que os beneficiados pelos milagres sempre retornavam para agra-
decer a dádiva alcançada. Em quase todas as narrativas hagiográficas
(PALAZZOLO, 1958, p. 50; PENA, 1951, p. 23; LEFORT, 1992, p. 34) e
memórias consultadas, desde Pelúcio (1942, p. 146), foi mencionada a
prática do recolhimento às sextas feiras, às 15 horas da agonia, quando
Nhá Chica trancava-se em sua casa, tida como recinto sagrado, e ves-
tia-se de estopa branca para suas orações e ritos secretos. São muitos
os relatos de intercessão e milagres, mas, dentre os mais destacados
pela retórica hagiográfica, podemos citar o episódio de aconselhamento
buscado por um cirurgião do sul de Minas, cujo médico mandava os
seus netos para a casa de Nhá Chica a fim de terem respostas sobre as
visões sagradas da beata:
Nhá Chica, que rezava ajoelhada ante a Imagem da Virgem Imacu-
lada Conceição, então dizia à criança: - Quando a chama da vela
balançar três vezes é o sinal de que tudo caminhará bem. En-
quanto ela rezava, a criança ficava na janela, à espera de que Nhá
Chica acenasse (CARDONI, PINHO, NICOLIELLO, 2004, p.74).
S U M Á R IO 91
A comunicação com o mundo invisível, através dos sinais mági-
cos do fogo aceso, é um indício preciosíssimo. Por seu turno, o caráter
sacralizado do fogo, como elemento de comunicação com o mundo
espiritual, não se restringe às heranças coloniais ibéricas. De acor-
do com Cavazzi (1687), missionário capuchinho que visitou os reinos
do Congo, Matamba e Angola no século XVII, o fogo era um veículo
de comunicação com os mortos. O espaço domiciliar centro-africa-
no constituía moradia também para a ancestralidade espiritual. Nesse
sentido, o fogo das choupanas deveria ficar permanentemente aceso
para não romper o elo de ligação com a kalunga ou o reino dos mortos,
tido como dimensão estrutural da vivência terrena e da organização
do complexo ventura-desventura, conforme postulava o regime ético
da cosmologia banto. No interior da região de Benguela, segundo o
antropólogo Luiz Figueira (1938, p. 135), o hábito milenar em cultivar
o fogo sagrado estava diretamente associado à preservação da boa
ventura e, dependendo da intensidade de sua labareda, o elemento
ígneo poderia indicar a proximidade dos espíritos ancestrais no interior
do lar. Nesta perspectiva, o espaço de moradia para os grupos proce-
dentes das nações bantu significava também morada para a ancestra-
lidade ou edificação do templo doméstico, enquanto instrumento de
consagração do mundo e divisão de fronteiras entre o espaço externo
(profano) e o espaço doméstico (sagrado).
S U M Á R IO 92
Deste modo, o fenômeno da beatitude de Francisca de Paula
de Jesus deve ser associado ao culto de âmbito domiciliar presente
no universo das práticas mágicas da religiosidade colonial e escravista
(AZEVEDO, 2012; MOTT, 1997). Por seu turno, a beata milagreira prati-
cava seus ritos e consultas dentro de sua própria casa, onde cultivava
os instrumentos sacros, como a bacia d’água, com finalidade de rea-
lizar previsões, e o oratório de Nossa Senhora Imaculada Conceição,
além do terço que sempre trazia em mãos para a feitura dos benzi-
mentos e orações. Tais habilidades taumatúrgicas atribuídas à figura
da esmoleira – como a capacidade de prever o futuro, multiplicar pães,
operar práticas de cura e conversar diretamente com sua devoção – re-
portam-se ao reconhecimento coletivo da eficácia em torno dos ritos e
serviços prestados daqueles que possuíam como ofício de vida a arte
de trabalhar com a cura e benzimentos.
PRÁTICAS DISCURSIVAS
DO EMBRANQUECIMENTO
E PREDESTINAÇÃO
S U M Á R IO 93
Figura 1 - Imagem Figura 2 - Imagem de Figura 3 - Nhá Chica,
Oficial de Nhá Chica Nhá Chica, segundo segundo João Bernardo
(2013), alocada no Montat (1891) da Costa (1958)
Santuário de N. Sra.
Da Conceição
S U M Á R IO 94
o gesto de votos de pobreza posto ao corpo e na vida sob a
forma de simplicidade. Existe em Nhá Chica uma identificação
com São Francisco.
S U M Á R IO 95
um irmão constituía sua única família, e que sua mãe, ao morrer,
lhe recomendara a vida solitária para que melhor se dedicasse
à prática de caridade e preservação da fé cristã. Seguindo o
conselho materno, recusou o convite do irmão que a chamara
para a sua companhia (PALAZZOLO, 1958, p. 19).
114 Cf.: Matriz Senhora de Monserrat de Baependi, (hoje sob custódia do INC), Livro de Óbi-
tos, 1841, Out-1869, Maio, Testamento de Isabel Maria da Silva (04/11/1843).
S U M Á R IO 96
A narrativa mítica se rompe quando situamos Nhá Chica dentro
do seu contexto histórico, refinando a nossa análise por atentarmos
para as barreiras enfrentadas, modos de exclusão e estratégias lança-
das para uma mulher de origens negras se fazer uma beata reconheci-
da e respeitada em uma sociedade escravista. Rondinelli Abreu (2018,
p. 21), ao estudar as representações dos periódicos Informativo Nhá
Chica e Jornal da Associação Beneficente (2012-2013), pondera que
os jornais “não trazem a possibilidade de Nhá Chica ter sido analfabeta
por causa das condições impostas pela sociedade de seu tempo, nem
trazem relatos do sofrimento em que as populações negras sofreram
nos longos anos de escravidão.”
S U M Á R IO 97
espiritual, às visões místicas e as obras em companhia do seu escravo
“Félix, tocador de fole do órgão da Igreja de Nossa Senhora da Con-
ceição” (PENA, 1951, p. 6). Não obstante, a presença do personagem
Félix é naturalizada, como se as relações escravistas fossem harmo-
niosas, sem envolvimento de exploração do escravizado e busca de
mobilidade social da proprietária. Ora ele é apresentado como “amigo
preto”, ora como “liberto que viveu em sua companhia”.
PASSADOS-PRESENTES:
“OLHA LÁ A NHÁ CHICA, MINHA
AMIGA, MINHA CONTERRÂNEA,
EU CONHEÇO O PESSOAL DELA TUDO”
115 O mito da democracia racial nega a violência dos conflitos raciais e percebe nos proces-
sos de miscigenação a possibilidade para o embranquecimento da sociedade brasileira
(Cf. GOMES, 2005; MUNANGA, 2010).
S U M Á R IO 98
vivas116, nos atos de benzeções e saberes populares de cura e apa-
ziguamento espiritual, através dos ritos de livramento de quebranto,
cobreiro, aguamento, engasgo de animal, adivinhações e outros fins
sagrados. Dona Laura, benzedeira e rezadeira de São João Del-Rei, 87
anos, praticante do ofício das benzeções desde quando tinha mais ou
menos treze anos de idade, ao se dirigir ao seu altar doméstico, men-
cionou em entrevista, realizada em junho de 2016: “Olha lá a Nhá Chi-
ca, minha amiga, minha conterrânea, Nhá Chica é minha conterrânea,
ela foi nascida quase no meu terreno, Nhá Chica, eu conheço o pes-
soal dela tudo”117. Tereza Maria do Nascimento, mulher preta, 73 anos,
nascida no distrito de Cangalho de Ritópolis/MG, tocadora do Congo
de São Benedito e São Sebastião de Matosinhos (São João Del-Rei),
irmã do Santíssimo e de São Miguel e Almas, inspirada pela avó pater-
na, mantém em seu altar, a devoção aos santos pretos, em especial,
à Nhá Chica, de tez enegrecida, a quem dedicou grande parte de sua
vida, viagens de romaria em direção ao Santuário de Nossa Senhora
da Conceição em Baependi para rezar ao pé do túmulo de sua santa
milagreira.118 Já Maria das Dores Paulino de Assis, 67 anos, moradora
de Cambuquira/MG, nos relata, em suas memórias de família, que a
santa mestiça curou as doze crianças de sua mãe, as livrando da co-
queluche, após uma promessa de sua mãe à beata negra. Assim como
Dona Laura, ser devoto(a) de Nhá Chica para congadeiros, rezadeiras
e benzedeiras significam reafirmar a ancestralidade, o parentesco ri-
tual, a força vital, um elo que ainda permanece em muitas memórias
116 Para este capítulo não desenvolvemos uma pesquisa de história oral efetiva, mas re-
colhemos alguns relatos de memória e utilizamos de entrevistas orais de outras pes-
quisadoras, como Simone Assis (2021) e Tayane Oliveira (2022) para falarmos das tra-
dições-vivas e memórias subterrâneas da devoção à beata. No entanto, partimos do
pressuposto de que a memória oral é uma fonte viva e seus sujeitos produtores são
coautores do processo de elaboração da das narrativas produzidas e das memórias
analisadas neste ensaio (ROVAI, BONI, 2010).
117 Entrevista de Dona Laura Moreira Ávila, feita por Tayane Oliveira, em São João Del-Rei,
04/06/2016.
118 Entrevista de Teresa Maria do Nascimento, feita por Simone de Assis, em Matosinhos, São
João del-Rei/MG, 14/06/2019.
S U M Á R IO 99
ressignificadas e subterrâneas, embranquecidas pelo discurso ortodo-
xo oficial da Igreja. Destas representações insurgentes surgem outras
possibilidades de se pensar a história pública da santa por meio das
narrativas orais, dos cânticos de congada e dos pontos de terreiro.
S U M Á R IO 100
A Umbanda é uma religião afro-brasileira, com diferentes frentes
(umbanda das almas e Angola, umbanda popular, umbanda Omolokô),
cuja ritualística e fundamentos agregam elementos de diferentes matri-
zes religiosas (kardecismo, catolicismo, candomblé, xamanismo indí-
gena)121. A palavra, de origem bantu, significa “arte de curar”. Para os/
as umbandistas, o terreiro é um espaço sagrado e de partilha de sabe-
res ancestralizados. Os orixás são forças naturais que estão presentes
em todos os lugares; no entanto, cada orixá vibra, sincronicamente,
com um santo católico correspondente. A releitura da representação
de santa Nhá Chica como Vovó Chica, alinhada aos pretos velhos nos
traz indícios interessantes para trabalharmos a re-africanização da san-
ta recriada fora do culto católico. Ao perguntarmos sobre como Mãe
Ana de Iemanjá enxerga Nhá Chica, ela responde: “Vejo ela negra,
porque os pretos velhos normalmente são escravos, né? Os pretos e
as pretas velhas foram escravos, né? Ela é uma negra de pele mais
clara, mas a vejo dessa forma, com aquele... tipo um mantinho, um
veuzinho na cabeça”122 .
121 Para uma parcela do movimento umbandista, a fundação da umbanda estaria relaciona-
da diretamente com a manifestação do Caboclo das Sete Encruzilhadas por intermédio
de Zélio de Moraes, em 1908, na cidade de Niterói, e com a posterior fundação da Tenda
Espírita Nossa Senhora da Piedade, no mesmo ano, por sugestão do Caboclo das Sete
Encruzilhadas, em São Gonçalo. No entanto, muitos estudiosos, dentre eles podemos
destacar Giumbelli (2002) e Rohde (2009), apresentam o marco “Zélio de Moraes” como
um mito de fundação.
122 Relato oral de Dona Ana Maria Fernandes, coletado por Leonara Lacerda Delfino. Vitória
da Conquista, 28/05/2022.
S U M Á R IO 101
Figura 4 - Nhá Chica na Umbanda Figura 5 - Gongá do Terreiro
de Caridade de Nhá Chica
CONCLUSÃO
A história pública pode ser escrita por várias mãos. Neste sen-
tido, analisar as múltiplas possibilidades de narrativa da trajetória da
santa negra nos oportuniza caminhos profícuos para pensarmos a his-
tórias de silenciamento, embranquecimento, e também as memórias
insubmissas, ressignificadas e afro centradas. O culto doméstico do
catolicismo afro-atlântico, junto às práticas de adivinhos, calunduzei-
ros, curandeiros, videntes, esmoleiros, beatos de toda sorte e outras
figuras místicas, praticantes da religiosidade híbrida da herança colo-
nial, se tornou marca expressiva da religiosidade popular do sul de Mi-
nas em uma compreensão de temporalidade na longa duração. Sendo
S U M Á R IO 102
assim, podemos compreender como Nhá Chica fez de sua própria
casa, um recinto sagrado.
S U M Á R IO 103
Por seu turno, a santa negra representa elementos remanes-
centes da religiosidade colonial que seus memorialistas procuravam
silenciar, ao terem preocupação constante de dissociá-la das práticas
de curandeirismo, premonição, benzeções ou ritos mágicos pelos
quais destoavam da imagem com que a ortodoxia, interessada em sua
beatificação, procurou construir para posteridade. Sendo assim, suas
origens afro-atlânticas e suas práticas religiosas populares foram pau-
latinamente omitidas em razão do processo de reconhecimento e de
beatificação desenvolvido pela Igreja católica, pari passu a monumen-
talização da imagem embranquecida da santa mendicante, cada vez
mais distante das africanidades subterrâneas, ancoradas nas vivências
atlânticas, personificadas nos aprendizados transmitidos por sua avó e
sua mãe. Vista por esse prisma, a linguagem ritualística desenvolvida
pela beata negra pouco se enquadrava na retidão imaginada pela orto-
doxia, uma vez que a religiosa mendicante realizava profecias, curava
doentes, encontrava animais perdidos e possuía visões místicas por
intermédio de um rito de prever o futuro com o uso de bacias d’água.
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DOI: 10.31560/pimentacultural/2022.94852.4
INTRODUÇÃO
S U M Á R IO 110
O ABATE RITUAL
S U M Á R IO 111
O sacrifício-doação consagra aquilo que os humanos oferecem
aos seres não humanos. Na maior parte dos sacrifícios-doação,
a vítima é consumida em parte ou totalmente pelos sacrifican-
tes, que sustentam ter feito a doação daquela a espíritos ou
deuses, afirmando que estes lhe saboreiam o odor ou lhes le-
vam a vida ou a alma.
S U M Á R IO 112
O sacrifício nas religiões de matriz afro-brasileira desempenha
diversas funções, para além daquelas que envolvem a imolação e ofe-
renda, é também uma maneira de demonstrar gratidão, ultrapassan-
do a função da troca. Sousa Jr. (2011) aponta mais duas finalidades
para a realização do sacrifício, quando do desejo de restabelecimento
de uma pessoa enferma e quando o indivíduo identifica que o seu
o relacionamento com a ancestralidade se encontra estremecido.
O sacrifício tem, portanto, a intenção de santificar algo e ofertar a seres
sobre-humanos em troca de alguma coisa.
S U M Á R IO 113
Desse modo, se a preocupação produzida por esses grupos
fosse de fato com a integridade dos animais, por qual razão não ques-
tionam o consumo e exportação exacerbada praticada pelo país? Do
contrário, toda a problemática desenvolvida por parte desses grupos
quanto à prática do abate nas religiões de matriz africana e afro-bra-
sileiras apenas manifesta o racismo religioso enraizado na sociedade
brasileira, tema que será debatido no tópico a seguir.
RACISMO RELIGIOSO
S U M Á R IO 114
Ao longo da história do país é possível observar que muitos fo-
ram os ataques realizados contra as religiões de matriz africana. Para
Carlos Alberto Ivanir dos Santos e Mariana Gino (2016), é notório o
alinhamento e cooperação formais entre a Igreja Católica Apostólica
Romana e o Estado português no período o colonial, por meio do regi-
me do Padroado, e durante o império, quando o catolicismo era con-
siderado religião oficial; sendo assim, o Estado controlava todas as
outras manifestações religiosas.
S U M Á R IO 115
Segundo Emília Guimarães Mota (2018), as diversas agressões
e crueldades sofridas pelos povos de terreiro têm sido denominadas
de intolerância religiosa. Pesquisadores, legisladores, entre outros,
mas sobretudo os próprios adeptos, contribuem para que esse termo
seja designado como forma de categorizar tais agressões.
S U M Á R IO 116
dimensão considerada recreativa da nossa cultura, como o carnaval, a
feijoada e a capoeira. Em contraposição a determinados aspectos acei-
tos, desde que em datas e formatos específicos, temos a rejeição à reli-
gião afro-brasileira, tida como eivada de superstições e frequentemente
associada, sem grande rigor, ao culto ao diabo cristão. Consequente-
mente, o que vem da cultura negra é considerado menor ou ruim/mau.
S U M Á R IO 117
Sul, quando o deputado e pastor da Igreja do Evangelho Quadrangular
Manoel Maria dos Santos (Partido Trabalhista Brasileiro - PTB) apre-
sentou sem sucesso o projeto de lei de criação do Código Estadual de
Proteção dos Animais, o qual impedia o sacrifício de animais em rituais
religiosos, proposta que interferia diretamente nas práticas rituais das
religiões afro-brasileiras.
Doze anos depois essa questão voltou a ser debatida pela de-
putada estadual Regina Becker Fortunati (Partido Democrático Traba-
lhista - PDT), também evangélica (da Igreja Batista Filadélfia), restabe-
lecendo o esforço de proibir que tal prática fosse realizada, todavia o
seu projeto de lei não foi aprovado. Esses movimentos de tentativa de
impedir a realização dos abates religiosos pelas religiões afro-brasilei-
ras não significam somente um preconceito quanto aos seus cultos,
mas, mais do que isso, à origem dessas religiões, isto é, à proveniência
africana dos seus ritos.
LEGISLAÇÃO
S U M Á R IO 118
A Constituição de 1891 marcou o fim do regime do Padroado123,
estabelecendo a separação entre Igreja e Estado. Entretanto, a religião
católica permaneceu hegemônica frente às outras denominações re-
ligiosas, que se mantiveram a margem, refletindo o futuro que se pro-
jetava para a jovem nação, então republicana. Embora a Constituição
determinasse a cisão entre Estado e Igreja, a Igreja católica manteve
algumas prerrogativas das quais gozava desde o período colonial,
além de ser a instituição responsável por definir a base moral e as nor-
mas sociais pelas quais os cidadãos deveriam reger-se (MOTA, 2018).
S U M Á R IO 119
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo
assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida,
na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
(BRASIL, 1988).
S U M Á R IO 120
gerados com este artigo 2º nas esferas afro religiosas e afro políticas
fizeram com que o deputado elaborasse uma outra versão do artigo,
aceito da seguinte forma:
Artigo 2º: É vedado: I - ofender ou agredir fisicamente os ani-
mais, sujeitando-os a qualquer tipo de experiência capaz de
causar sofrimento ou dano, bem como as que criem condições
inaceitáveis de existência;
S U M Á R IO 121
Animais. “Agora, segundo o projeto da deputada, ficaria restabelecida
a redação original de 2003 do Código Estadual de Proteção aos Ani-
mais” (ORO; CARVALHO; SCURO, 2017, p. 235)
S U M Á R IO 122
garantido na Constituição. Além disso, é relevante ressaltar o notável
trabalho executado pelo advogado Hédio Silva Junior, que é doutor em
direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e atua preci-
puamente nas temáticas relacionadas a liberdade de crença, ações afir-
mativas, racismo, entre outras (SILVA JUNIOR, 2018), o qual realizou um
importante trabalho como advogado das religiões afro-brasileiras nesse
julgamento em defesa dos direitos dos povos de terreiro (BARBA, 2020).
S U M Á R IO 123
religiosas afro-brasileiras persistem e a necessidade da luta diária para
fazer valer os direitos estabelecidos por lei.
S U M Á R IO 124
Então, ao examinarmos os projetos de leis mencionados nesta
pesquisa que foram apresentados, principalmente, por pessoas bran-
cas, heterossexuais e nomeadamente cristãos, estamos nos deparan-
do com o racismo institucional, pois esses sujeitos almejavam impor
os seus interesses acima dos outros sujeitos que compõem a socie-
dade, essencialmente porque consideram apenas a sua crença como
padrão. Dessa maneira, o propósito deste tópico é o de gerar uma
reflexão acerca das maneiras com as quais o racismo se transmuta na
nossa sociedade, que não deixa de possuir a sua principal essência
que é a de estigmatizar a população negra, seus hábitos e costumes.
O ABATE RELIGIOSO
NAS CASAS DE CANDOMBLÉ:
BOA VISTA/RR E PELOTAS/RS
S U M Á R IO 125
Pai Bokulê, cuja Nação da sua casa é Angola e chama-se Ábassá D’An-
gola Táta Bokulê; Vera Aparecida, conhecida como Mãe Vera Ifaseyí, sua
casa possui o nome de Ilê Ase D’Osossi. A Mãe de Santo de Pelotas/RS
chama-se Jaqueline Michele Larré Guterres, cujo nome religioso é Mãe
Michele de Oxum, e sua casa se chama Nossa Senhora da Conceição
e Divino Espirito Santo.
S U M Á R IO 126
desses espaços, uma vez que é algo que vai ser compartilhado em
formato de refeição por todos que fazem parte do terreiro. Nas pala-
vras dos sacerdotes entrevistas:
Pai Bokulê:
Mãe Vera:
S U M Á R IO 127
Mãe Michele:
S U M Á R IO 128
A realização do abate é algo que varia entre os terreiros. Cada
um possui autonomia para decidir a maneira com que deseja operar,
mas em sua maioria o abate é feito pelos Ogãs, acompanhados do Pai
ou Mãe de Santo. Também existem aqueles que são praticados apenas
pelo Pai ou Mãe de Santo. Em se tratando da figura do Ogã, segundo
Alexandre Pereira dos Santos (2018), ele não está apenas encarregado
dos toques dos atabaques, podendo desempenhar outras funções,
sendo uma delas os abates religiosos. Nos relatos de Pai Bokulê, no
que concerne às pessoas responsáveis pela efetuação do abate:
Pai Bokulê:
Pai Bokulê:
S U M Á R IO 129
outros animais selvagens que a gente poderia usar, até búfalos.
Como nós aqui no Brasil não temos tanta diversidade, comu-
mente nós usamos cabritos, a cabra, os carneiros, as galinhas,
os galos, pato, a galinha da Angola que é a picote. Então, são
esses bichos e animais que são consagrados, e parece brinca-
deira que são comumente a alimentação da população brasilei-
ra (Entrevista Pai Bokulê concedida em 22/07/2021).
Mãe Vera:
Mãe Michele:
S U M Á R IO 130
Como demonstram os depoimentos, os animais que fazem par-
te dessa ritualística, em sua maioria estão presentes na alimentação
de muitos brasileiros: o bode, a galinha, o caneiro etc. Além disso, a
comercialização desses animais é legalizada, uma vez que eles serão
abatidos e consumidos, o que é comum inclusive para pessoas que
não são adeptas do Candomblé.
É o respeito que você tem pela vida, quando você usa o sangue
do animal para os nossos sacrifícios, né? Você está fazendo a
renovação da vida, é uma representatividade da vida, o Orixá
é vida, a natureza é vida. Então ao invés de você estar fazen-
do uma maldade com o animal, uma perversidade, não, você
está dedicando aquela imolação para o Orixá transformando
em energia, volto a dizer, em energia positiva e trazendo ele em
forma de alimento sacro porque ele foi dedicado ao Orixá, ele
foi benzido, ele foi agradecido. E aí esse retorno para a gente é
a fartura da comunidade, essa é a grande importância, a grande
importância é a vida, a troca da energia da natureza com a pró-
pria natureza (Entrevista Pai Bokulê concedida em 22/07/2021).
Mãe Vera:
S U M Á R IO 131
distribui-las na vizinhança e entre os filhos da casa (Entrevista
Mãe Vera concedida em 03/08/2021).
Mãe Michele:
S U M Á R IO 132
Este acontece, basicamente, em razão da falta de conhecimento acerca
da história da cultura afro-brasileira e africana, o que acaba corroboran-
do para que os conceitos criados no senso comum sejam difundidos
como se fossem verdadeiros, gerando assim entendimentos falsos a
respeito dessa cultura, e especialmente sobre as suas práticas.
CONCLUSÃO
S U M Á R IO 133
judiciário brasileiro o STF, o que movimentou bastante os povos de
terreiro e por fim resultou em uma decisão positiva: o reconhecimento
legal e judicial do direito ao abate religioso para as religiões de matriz
africana e afro-brasileiras.
S U M Á R IO 134
os animais imolados. Nessa perspectiva, esperamos que a pesquisa
levante questões e debates para investigações em curso e futuras.
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S U M Á R IO 137
Laureados,
5
Clarissa Adjuto Ulhoa
contemplados,
notificados
ou intimados?
Poderes públicos
e centros de umbanda a partir
do diário oficial do município
de Goiânia, Goiás (1960-1990)
DOI: 10.31560/pimentacultural/2022.94852.5
INTRODUÇÃO
126 O Diário Oficial do Município de Goiânia começou a ser publicado no ano de 1960.
S U M Á R IO 139
Goiânia? Buscando respostas possíveis, construo um percurso inves-
tigativo inicial, ao longo do qual conto um pouco a respeito do que sei
e um tanto sobre o que não sei ainda.
S U M Á R IO 140
CENTROS DE UMBANDA COMO
ENTIDADES DE UTILIDADE PÚBLICA:
INTERESSANTE POR QUÊ E PARA QUEM?
S U M Á R IO 141
Quadro 1 – Nome e endereço dos centros de umbanda
declarados como entidades de utilidade pública em goiânia
S U M Á R IO 142
de utilidade pública precisava ter personalidade jurídica e estar em pleno
funcionamento, além de servir à coletividade de forma desinteressada.
Depois de 1961 outros requisitos foram acrescidos à lista:
a) que se constitui no país; b) que tem personalidade jurídica; c)
que esteve em efetivo e contínuo funcionamento, nos três anos
imediatamente anteriores, com a exata observância dos estatu-
tos; d) que não são remunerados, por qualquer forma, os cargos
de diretoria e que não distribui lucros, bonificações ou vantagens
a dirigentes, mantenedores ou associados, sob nenhuma forma
ou pretextos; e) que, comprovadamente, mediante a apresenta-
ção de relatórios circunstanciados dos três anos de exercícios an-
teriores à formulação do pedido, promove a educação ou exerce
atividades de pesquisas científicas, de cultura, inclusive artísticas,
ou filantrópicas, estas de caráter geral ou indiscriminado, predo-
minantemente; f) que seus diretores possuem folha corrida e mo-
ralidade comprovada; g) que se obriga a publicar, anualmente, a
demonstração da receita e despesa realizadas no período ante-
rior, desde que contemplada com subvenção por parte da União,
neste mesmo período (BRASIL, 1961, s/p).
S U M Á R IO 143
São exemplos de favores: imunidade tributária das instituições
de educação ou de assistência social; isenções fiscais; isenção
da taxa de contribuição da cota patronal à previdência social;
dedutibilidade do imposto de renda das contribuições de pes-
soas físicas e jurídicas às entidades de utilidade pública; con-
cessão de subvenções; permissão para realização de sorteios;
possibilidades de receber doações da União e de suas autar-
quias; recebimentos de receitas provenientes da arrecadação
das loterias federais, etc. (MARIN, 1995, p. 45).
S U M Á R IO 144
itens do art. 3º da lei 7.957/2000; ou pelo Conselho Municipal
de Esporte e Lazer de Goiânia, no caso de entidades espor-
tivas, sem fins lucrativos, sediadas no Município de Goiânia,
com mais de 02 (dois) anos de comprovação de atividades de
incentivo ao esporte e lazer, e que atendam a pelo menos um
dos itens do art. 43 da Lei Complementar 203/2010. (Redação
conferida pelo art. 1º da Lei nº 10.034, de 19 de maio de 2017.)
c) que os cargos de sua diretoria não são remunerados, exceto
no caso de associações assistenciais ou fundações, sem fins
lucrativos, cujos dirigentes poderão ser remunerados, desde
que atuem efetivamente na gestão executiva, respeitados como
limites máximos os valores praticados pelo mercado na região
correspondente à sua área de atuação, os quais deverão ser
fixados pelo órgão de deliberação superior da entidade, regis-
trados em ata, com comunicação ao Ministério Público, no caso
das fundações. (Redação dada pela Lei nº 10.617, de 2021.)
Art. 2º A declaração de utilidade pública será feita por Lei ema-
nada do Poder Legislativo Municipal, ao qual compete a verifi-
cação do cumprimento dos requisitos estabelecidos no artigo
anterior. Art. 3º Será cassada a declaração de utilidade pública
da sociedade, associação ou fundação quando esta deixar de
cumprir os requisitos estabelecidos no art. 1º desta Lei, ou se
envolver em movimentos ou atividades contrários à ordem, ao
regime e às leis vigentes no País. Art. 4º Esta Lei entrará em
vigor na data de sua publicação, revogando as disposições em
contrário (GOIÂNIA, 2002, s/p).
S U M Á R IO 145
2015, bem como com o citado decreto de 1961. Há quem questione se
o fato de se legar a declaração de utilidade pública ao legislativo daria
abertura para projetos eleitoreiros, dada a possibilidade de a entidade
ter alguma contrapartida:
Questiona-se, pois, a concessão de título declaratório quando
decorrente de proposição do legislativo – geralmente, sem a ava-
liação rigorosa dos requisitos e utilizado para fins de agraciar plei-
tos políticos, isto é, a concessão para simpatizantes políticos. Por
essas razões, não há como negar que o executivo tem mais ins-
trumentos, principalmente quando organizado como um órgão
competente incumbido de tal função para melhor avaliar (pesar e
medir) o mérito do desinteresse e demais requisitos que devem
ser aferidos na apreciação da natureza do ato declaratório, bem
como no seu cumprimento regular (MARIN, 1995, p. 43).
S U M Á R IO 146
em ata da entidade que os participantes se preocupavam com o fato
de que determinados umbandistas estariam cobrando pagamento em
troca dos atendimentos espirituais, realidade que na leitura de alguns
demandaria providências por parte da FUEGO. Desse modo, à enti-
dade aos poucos se atribui a incumbência de acompanhamento dos
centros, atitude que também acabaria por se estender a aspectos de
ordem ritual, tendo como consequência natural o surgimento de desa-
cordos entre os umbandistas. Inclusive, tais antagonismos em contex-
to local nada têm de originais ou exclusivos:
Tais preocupações condiziam com uma tendência do movimen-
to federativo em todo o país. Por ser uma religião que não apre-
senta um código doutrinário e ritualístico rígido e fixo, os presi-
dentes de centros e chefes de terreiros acabam tendo bastante
liberdade para ‘criar’ seu ritual da maneira que achar melhor.
Claro que na maioria das vezes os rituais são realizados tendo
como modelo outros rituais já existentes. Mas não é raro, por
exemplo, vermos a incorporação de outros elementos a este
ritual, como é o caso das religiões da Nova Era (...). E é exata-
mente com um sentimento de unificação desta religião, entre
outras coisas, que surgem as federações em todo o país (...).
Tais tentativas de padronização da ritualística umbandista, no
entanto, nunca vingaram dentro dos terreiros, que continuavam
realizando seus rituais dentro do que os líderes de terreiros e
pais de santo consideravam como sendo o correto. Por vezes
estas tentativas de padronização atendiam a necessidade de
moralizar os rituais umbandistas realizados, nos quais eram co-
muns, por exemplo, a cobrança dos serviços espiritais presta-
dos (...) (NOGUEIRA, 2009, p. 81-83).
S U M Á R IO 147
declaração de utilidade pública entre os anos de 1960 e 1990, sete
constam na lista de filiados na década de 1970, enquanto outros dois
aparecem na lista de filiados na década de 1990 (quadro 2), sendo
importante ressaltar que não pude ter acesso aos registros dos anos
1980. Restam, assim, cinco centros que ou nunca se filiaram à entida-
de ou não constam nos registros que consegui consultar.
S U M Á R IO 148
e política. Sendo assim, considero relevante que a maior parte dos cen-
tros tenham se tornado de utilidade pública nos anos 1970 (quadro 3).
S U M Á R IO 149
Claudete Ribeiro de Araújo (2020), ao construir um panorama
das principais características da gestão dos primeiros presidentes da
FUEGO, explica que um dos ocupantes do cargo tomou como priori-
dade justamente a ampliação da inserção social e política dos centros
de Goiânia. Inclusive, procurava apresentar a umbanda para um públi-
co mais amplo sempre que possível, recorrendo sobretudo a eventos
de grande monta e evidência, por meio dos quais pretendia ganhar a
simpatia da classe política goianiense, sobretudo. Para tanto, instituiu
três departamentos distintos no âmbito da FUEGO, sendo um deles
inteiramente dedicado à parte social da entidade. Seu nome era Edson
Rodrigues Nunes e, de acordo com a autora, permaneceu no posto
entre os anos de 1972 e 1976. Embora reconhecido por alguns, nem
todos os membros da FUEGO coadunariam com suas táticas, o que
resultou em dissidências:
A diretoria de Edson Nunes também foi marcada por conflitos
internos. Ele sonhava e lutava por uma Umbanda no espaço pú-
blico, recebendo divisas governamentais e verbas para grandes
realizações públicas. Para isso, ele postulava a imagem de uma
Umbanda que tinha que ter presença no cenário político. Por
isso, fazer grandes eventos e conseguir novos membros para a
Umbanda que fossem das ‘altas classes e grandes autoridades’
era para ele prioridade (...). Tudo isso fez com que o presidente
anterior, Luís Salles, entregasse sua carta de exoneração para a
diretoria. Não queria mais continuar na Federação e alegou ‘mo-
tivos espirituais’. Sua perspectiva de finalidade da Federação
e sua orientação entre política e religião eram bem diferentes
(ARAÚJO, 2020, p. 107-108).
S U M Á R IO 150
oportunidade de discursar e enaltecer a umbanda goianiense (ARAÚ-
JO, 2020). Diante disso, considero relevante salientar que dentre os
quinze centros de umbanda que se tornaram de utilidade pública entre
os anos de 1960 e 1990, seis no total seriam contemplados justa-
mente no período em que o citado prefeito se encontrava no poder.
É também o caso da própria FUEGO, que recebeu a declaração de
utilidade pública em fevereiro de 1974.
S U M Á R IO 151
Quadro 4 – Bairros onde se situam parte dos centros de umbanda
considerados de utilidade pública entre os anos de 1960 e 1990
S U M Á R IO 152
Em se tratando da possibilidade de se tornar isento de impostos
municipais, apenas um único centro de umbanda aparece contem-
plado: o Centro Espírita Tenda Santo Antônio. Por meio da lei nº 1783,
de 04 de janeiro de 1961, o proprietário do terreno de funcionamento
daquele centro, Severiano Pereira Alves, adquire o direito de não mais
pagar os impostos do imóvel sito no bairro Vila Nova. Diante do nome
da entidade, me pergunto se o Centro Espírita Tenda Santo Antônio,
tornado isento em fevereiro de 1961, e a Tenda de Umbanda Santo
Antônio, considerada de utilidade pública em setembro de 1961, são
na realidade coincidentes, embora os bairros informados não o sejam.
Caso consista no mesmo centro, parece curioso que o estatuto de
utilidade pública não tenha sido concedido antes da dispensa fiscal.
E, caso não se trate do mesmo, parece revelador o fato de que não
há registros de centros declarados de utilidade pública que tenham
também conseguido a dispensa fiscal.
S U M Á R IO 153
Já na segunda metade da década de 1960 e na primeira parte
dos anos 1970, os registros passam a apresentar não apenas o nome
dos centros de umbanda de Goiânia a serem contemplados com os
auxílios, como também o nome dos políticos que se propuseram a dis-
por de uma dada quantia. Naquele momento prevalecem duas entida-
des: Tenda Espírita São Sebastião e Centro Espírita Ismael. No caso da
primeira, além do supracitado montante de 1960, foram prometidas as
somas de Cr$ 130.00,00 para 1967, de NCr$ 245,00 (duzentos e qua-
renta e cinco cruzeiros novos) para 1968 e de Cr$ 50,00 para 1971. No
caso do segundo, que especulamos ser o mesmo centro que se tornou
de utilidade pública em 1978127, foram destinadas as quantias de NCr$
50,00 para 1968 e Cr$ 1050,00 para 1971. Dentre os políticos listados,
quatro deles destinaram auxílio para centros de umbanda em pelo me-
nos dois anos consecutivos, a saber: Pedro Xavier Teixeira, Altamiro An-
tão do Nascimento, Evaristo Martins Ferreira e Moisés Gonçalves Lima.
127 Estou supondo que o Centro Espírita Ismael e o Grupo Espírita Ismael correspondam ao
centro de umbanda de nome Centro Espírita Anjo Ismael, mas não pude me certificar
disso.
S U M Á R IO 154
Quadro 5 – Doações previstas em leis orçamentárias e destinadas a
centros de umbanda de goiânia entre os anos de 1960 e 1990
128 É o caso da doação de terreno feita por Iris Rezende Machado, destinada ao Centro Es-
pírita Pai Joaquim de Angola, liderado por Leda Xavier Sacramento, a qual aparece nos
relatos orais (ARAUJO, 2020), mas não consta no DOM.
S U M Á R IO 156
Todo centro de umbanda era uma espécie de posto de assistên-
cia social numa determinada rua ou bairro. Para lá se dirigiam
todos que quisessem e necessitassem de orientações, informa-
ções, trabalho, comida, roupa, hospedagem. Para isso, essas
casas eram organizadas com dois trabalhos distintos e comple-
mentares: o trabalho litúrgico religioso e o trabalho social. Na
prática litúrgica religiosa os Centros ofereciam as sessões de gi-
ras com incorporações das entidades espirituais, o trabalho de
transporte, práticas sacramentais e atendimentos individuais.
Além disso, os centros observavam os seus tempos litúrgicos
que se compunha de festas religiosas ao longo do ano. Na prá-
tica sócio caritativa, tinha-se os atendimentos fora do horário
litúrgico, compondo-se de atendimento individual, muitas vezes
com auxílio de cartas de baralho, benzimentos, encomenda de
remédios caseiros, orientações, encaminhamentos, e em casos
graves a busca de um ritual religioso na mata ou na cachoei-
ra que fosse capaz de dar conta da necessidade do cliente.
Também podia haver hospedagens e distribuição de alimentos,
roupas e brinquedos (ARAÚJO, 2020, p. 361).
S U M Á R IO 157
os poderes públicos, muito embora tenham concedido o estatuto de
utilidade pública a determinados centros, somente a um pequeno nú-
mero também programou alguma contrapartida, pelo menos dentro
dos termos da formalidade e da transparência que tornam necessária
a existência do DOM. Para além disso, me ocorre que não posso deixar
de considerar a possibilidade de aqueles subsídios financeiros publi-
cados nos orçamentos anuais cumprirem um papel de autopromoção,
posto que os nomes dos políticos doadores aparecem nas páginas
do DOM de 1967 e 1970, assim como seria incorreto desconsiderar a
chance de aqueles recursos prometidos para o próximo ano nunca te-
rem realmente chegado ao seu destino. Inclusive, o caso ocorrido nos
anos 1970 com a liderança do citado Centro Espiritualista Pai Joaquim
de Angola demonstra a postura das autoridades:
Tia Leda, como as demais mulheres lideranças na religião um-
bandista, batalhou muito para concretizar sua missão de realizar
seu sonho de uma casa religiosa na capital de Goiás (...). Assim
começou sua obra como um Centro de Umbanda doméstico,
nas casas de amigas interessadas em vivenciar a religião. Após
esse período obteve permissão do marido para fazer um culto
religioso num cômodo situado ao fundo de sua casa. Deu certo
por um tempo, mas depois mudou para um cômodo na rua 91,
e depois alugou uma sala no Setor Campinas. Depois de um
tempo, alugou outra sala no bairro Popular, próximo da estação
ferroviária. Com tantas voltas e idas, tomou coragem e foi até
o gabinete do prefeito falar com Íris Rezende, que por sinal era
afilhado do marido de uma grande amiga da família. Conse-
guiu sensibilizar e persuadir o executivo e ganhou um terreno
de 17.000m² no Setor Urias Magalhães. Na época, o Setor era
um grande matagal. Um ano depois, tia Leda e seus médiuns
se viram num grande conflito com o prefeito Manoel dos Reis e
Silva, pois agora a prefeitura reivindicava o lote doado. Ela e seu
grupo foram defender o terreno confiscado pela prefeitura (...) e
perdeu uma boa parte do terreno que ganhou da gestão anterior
(ARAÚJO, 2020, p. 389-390).
S U M Á R IO 158
presidência da FUEGO entre os anos de 1972 e 1976, tenham optado
por se manterem às margens do relacionamento com representantes
do poder público municipal. É o caso de uma das lideranças do Tem-
plo de Oração de Maria, que em entrevista recente disse nunca ter
gostado de “rabo preso” com políticos, assim como é o caso de uma
das lideranças do Centro Espírita São Sebastião, que explica seu re-
ceio diante da lógica das trocas de favores que predominam nesses
tipos de acordo (ARAUJO, 2020, p. 396-397). Portanto, relatos assim
me permitem supor que existia no mínimo um clima de suspeita e
desânimo por parte de alguns umbandistas, realidade que pode ter
servido para desestimular determinados centros, tanto no sentido de
requererem a declaração de utilidade pública quanto no sentido de
buscarem contrapartidas como a isenção de impostos.
S U M Á R IO 159
Quadro 6 – Centros de Umbanda intimados pela assessoria do contencioso
fiscal do Núcleo de Controle de Processos Fiscais entre 1960 e 1990
S U M Á R IO 161
Figura 1 – Extrato do processo do Centro Espírita Rei Ganga
S U M Á R IO 162
Contudo, mesmo que a descoberta não tenha permitido res-
ponder às minhas expectativas iniciais, a soma dos dois indícios pos-
sibilita um caminho interpretativo no que concerne aos motivos que
levaram os centros de umbanda a serem intimados. Na mencionada
ficha, o Centro Espírita Rei Ganga aparece classificado como casa de
carteado, o que soa como uma perspectiva distorcida quanto a como
costuma funcionar um centro de umbanda. Logo abaixo existem doze
campos, um para cada mês do ano, todos preenchidos com o que
provavelmente corresponde às datas em que os fiscais estiveram no
local. No mestrado, apontei que documentos como aquele consistiam
em parte dos mecanismos de controle exercidos pela chamada De-
legacia Estadual de Crimes Contra os Costumes, Jogos e Diversões
Públicas (ULHOA, 2011, p. 108), instituída pelo decreto nº 266, de 11
de novembro de 1970, sendo suas atribuições:
Conhecer no território do Estado, sem prejuízo das atribuições
cometidas às Delegacias de Polícia do Interior, dos crimes con-
tra os costumes, previstos no Título VI da Parte Especial do
Código Penal, bem como das contravenções relativas à Polícia
de Costumes, de que trata o capítulo VII da Parte Especial do
Decreto-Lei nº 3.688, de 03.10.41, instaurando os respectivos
procedimentos; proceder ao licenciamento, cadastramento,
fiscalização e expedição de alvarás e outros documentos às
empresas, organizações, estabelecimentos, ou firmas sujeitas
ao licenciamento por parte da Secretaria de Segurança Pública;
efetuar diligência no sentido de prevenir e reprimir infrações cuja
apuração seja de sua competência; manter cadastros atualiza-
dos das empresas e firmas que explorem quaisquer serviços
sujeitos à fiscalização da Delegacia; expedir e fornecer após
autenticados pelo Cartório, os atestados de sua competência;
e apresentar mensal, trimestral e anualmente relatório de suas
atividades (GOIÁS, 1970, s/p).
S U M Á R IO 163
aplicadas a estabelecimentos ou a indivíduos que promovam jogos de
azar em locais de acesso público, mediante ou não pagamento de en-
trada. Nesse mesmo artigo, mais precisamente no parágrafo terceiro,
está demonstrado que a normativa classifica como jogos de azar todos
aqueles nos quais, de uma maneira ou de outra, se dependa da sorte
para ser considerado ganhador ou perdedor. Já no parágrafo quarto
consta que são considerados espaços para essa finalidade casas par-
ticulares muito frequentadas por pessoas que não moram ali. Portanto,
sabendo que em alguns tipos de umbanda existe o trabalho de leitura
das cartas, me parece que está colocado o caminho para distorcerem,
manobrarem e enquadrarem os centros na lei.
S U M Á R IO 164
na cidade estabelecimentos inteiramente dedicados ao que chama de
jogos ilícitos, mas que, desinteressados da prática religiosa, se intitu-
lavam como centros de umbanda para se esconderem das autorida-
des; por outro lado, considera que teriam existido na capital casas que
aliavam o universo religioso ao mundo da jogatina. Mas, mesmo que
não se possa atestar nenhuma das hipóteses, termina com o que me
parece o essencial: centros de umbanda e casas de carteado tinham
que se registrar na polícia e acredito que a ausência desse mesmo
registro também podia culminar em multas.
S U M Á R IO 165
perturbação ao sossego público; conceder licença para a uti-
lização de áreas livres nos logradouros públicos, exceto feiras
livres (...); do horário de abertura e fechamento dos estabeleci-
mentos comerciais, industriais e similares (...); fiscalizar o fun-
cionamento de casas e locais de diversões públicas; aplicar
penalidades aos infratores das posturas municipais sob sua
fiscalização; fazer lavrar os autos de infração e de apreensão
(...) (GOIÂNIA, 1970, p. 06 ).
S U M Á R IO 166
Não sei ao certo como cada centro acabou resolvendo seu caso, mas
sei que nenhuma outra intimação igual ou parecida com aquelas foi
publicada nos dois anos seguintes.
S U M Á R IO 167
Entre 1980 e 1989 foi encontrada neste arquivo da Polícia Civil
relativo à atuação da Delegacia de Costumes de Goiás, um total
de 19 terreiros registrados em Goiânia e 17 terreiros em todo
o Estado de Goiás, perfazendo um total de 36 terreiros regis-
trados, todos na mesma situação de exercerem atividades de
‘jogos ilícitos de carteado’ (NOGUEIRA, 2009, p. 98).
CONCLUSÃO
S U M Á R IO 168
da capital, soube que um dos delegados da época se pôs a estabe-
lecer o que podia e o que não podia acontecer no âmbito dos centros
de umbanda (ULHOA, 2011, p. 107). Não só eu, como também outros
pesquisadores têm apontado aspectos nesse sentido (NOGUEIRA,
2009; ARAUJO, 2020), mas ainda carecemos de estudos que realmen-
te mergulhem nessa relação entre as religiões afro-brasileiras da capi-
tal, os poderes públicos locais e a polícia do estado.
S U M Á R IO 169
Por ora, estou entendendo que é mais ou menos nesse sentido
que apontam os dados retirados das páginas do DOM, especialmente
daquelas publicadas em datas correspondentes ao período ditatorial,
o qual se estendeu até 1986. Demonstrei que ao todo dezessete cen-
tros de umbanda da capital foram reconhecidos como entidades de
utilidade pública de 1960 a 1990, dos quais um total de treze teve suas
declarações publicadas entre 1964 e 1986. Entretanto, mesmo que
o estatuto de utilidade pública se constitua como um primeiro passo
importante para se adquirir incentivos tais como as isenções fiscais,
apenas um centro de umbanda esteve contemplado, só que antes de
iniciada a ditadura civil-militar, mais precisamente em 1961. Diante dis-
so, me parece que o estatuto de utilidade pública era concedido muito
mais como mera honraria do que como forma de apoiar os centros,
quem sabe um recurso por meio do qual se queria ganhar a simpatia
da comunidade sem se comprometer realmente, ou mesmo uma for-
ma de mapeamento dos centros de umbanda para fins de controle.
S U M Á R IO 170
Em paralelo, destaco o modo como o ex-prefeito Manoel dos
Reis e Silva, que exerceu o cargo de 1970 a 1974 pelo partido ARENA,
aparece no DOM e nas narrativas de umbandistas de Goiânia. Foi o
prefeito que mais assinou declarações de utilidade pública para cen-
tros de umbanda no período que se estende de 1960 a 1990, assim
como foi o prefeito que discursou no evento que inaugurou a sede da
FUEGO em 1972. Mas, ao mesmo tempo, foi esse mesmo prefeito o
responsável por tomar parte de um terreno outrora doado para o Cen-
tro Espiritualista Pai Joaquim de Angola, o que naturalmente causou
uma série de empecilhos para a continuidade dos trabalhos desen-
volvidos naquele centro de umbanda. O que me parece é que durante
a ditadura se estabelecia na capital, assim como em outras partes do
país, uma dinâmica entre poderes públicos e centros de umbanda que
se baseava no “dá com uma mão e tira com a outra” ou mesmo no
“morde e assopra”, como exprime bem o saber popular.
S U M Á R IO 171
No entanto, também não descarto a possibilidade de somente
alguns centros de umbanda da cidade terem sido escolhidos como
merecedores de um tratamento mais brando e cordial, ao contrário de
outros que conheceriam uma abordagem mais rígida e cabal. Nesse
sentido, me parece no mínimo curioso que o DOM demonstre que só
um dentre os quinze centros de umbanda intimados a pagarem multas
durante a década de 1980 também possua o estatuto de entidade de
utilidade pública: o Centro Espírita Pai Joaquim. Do mesmo modo que
considero revelador que apenas alguns poucos centros de umbanda
tenham sido apontados como possíveis destinos de doações previstas
nas citadas leis orçamentárias. Diante disso, me pergunto se não seria
justamente o grupo de centros intimados a pagarem multas nos anos
1980 um dos que pouco interessava aos representantes do poder pú-
blico municipal. Resta investigar quais eram os critérios que precediam
a escolha desse ou daquele centro, bem como o papel desempenha-
do pela agência dos próprios umbandistas da cidade.
S U M Á R IO 172
REFERÊNCIAS
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e empoderamento feminino na umbanda goianiense. 2020. 464 p. Tese
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S U M Á R IO 173
6
Fernanda Gabriela Gonçalves da Silva
Léo Carrer Nogueira
Relações de gênero
nas religiões
brasileiras:
estudo comparativo
dos campos afro-brasileiro
e pentecostal
DOI: 10.31560/pimentacultural/2022.94852.6
INTRODUÇÃO
S U M Á R IO 175
Para efeito de análise, constituímos duas grandes matrizes re-
ligiosas, no seio da qual se inserem diversas práticas religiosas com
características específicas, mas que mantem entre si determinadas
relações de continuidade e semelhança. A primeira delas é a matriz
pentecostal, conjunto de Igrejas que surgem a partir de um movimento
de reavivamento ocorrido em finais do século XIX e trazem novas ca-
racterísticas ao movimento protestante. Como afirma Ricardo Mariano
(2008, p. 69-70):
Há centenas de diferentes denominações pentecostais no
país. Dada a diversidade institucional e a pluralidade interna
desse movimento religioso, não é despropositado falar em
pentecostalismos, no plural. Pois, além da presença de ele-
vado número de igrejas existentes e concorrentes, há grande
variação doutrinária, ritual, litúrgica, organizacional (governo
eclesiástico), comportamental e estética nesse meio religioso.
Variam igualmente suas estratégias proselitistas, seus públi-
cos-alvo, sua relação com os poderes públicos, com a po-
lítica partidária e com os meios de comunicação de massa.
Em suma, trata-se de um fenômeno religioso dinâmico e inter-
namente muito diversificado.
S U M Á R IO 176
da população brasileira no censo de 2010 (NOGUEIRA, 2018). Os res-
ponsáveis por este crescimento são cinco das maiores igrejas pente-
costais brasileiras, que tiveram um crescimento exponencial nos últimos
anos: “Assembleia de Deus (8.418.154 adeptos), Congregação Cristã
no Brasil (2.489.079), Igreja Universal do Reino de Deus (2.101.884),
Igreja do Evangelho Quadrangular (1.318.812) e Igreja Pentecostal Deus
é Amor (774.827)” (MARIANO, 2008, p. 70). Assim, nos concentraremos
nestas cinco principais igrejas e suas características, especialmente no
que toca às relações de gênero ali estabelecidas.
S U M Á R IO 177
DEFINIÇÃO DO CONCEITO DE GÊNERO
As relações de gênero são algo que vem sendo cada vez abor-
dadas nos estudos históricos. Discutir gênero, hoje, significa dar ên-
fase às relações desiguais e naturalizadas que se fizeram estabelecer,
ao longo da história, e em diferentes contextos e realidades, a respeito
das diferenças entre homens e mulheres e nas formas como eles eram
tratados. Assim, podemos afirmar que
a construção dos gêneros e das sexualidades dá-se através de
inúmeras aprendizagens e práticas, insinua-se nas mais distin-
tas situações, é empreendida de modo explícito ou dissimulado
por um conjunto inesgotável de instâncias sociais e culturais.
É um processo minucioso, sutil, sempre inacabado. Família,
escola, igreja, instituições legais e médicas mantêm-se, por
certo, como instâncias importantes nesse processo constitutivo
(LOURO, 2008, p. 18).
S U M Á R IO 178
A partir deste ponto, somos levados a indagações que se voltam
para como são historicamente estruturadas as relações de poderes
entre gêneros. Por meio de percepções individuais, como também do
próximo, nós, enquanto sujeitos, construímos as ideias que demarcam
uma divisão social que se baliza através de diferenças e semelhanças
padronizadas entre os sujeitos. Estas certamente influenciam, propa-
gam e moldam as perspectivas que permeiam a sociedade.
S U M Á R IO 179
feminino associar-se com a casa, a família, ao marido, e moldada como
uma figura passiva e submissa, ao passo que cabe ao homem assumir
um posto reverso ao se mostrar vigoroso e forte. Encontramos assim
uma legitimação das desigualdades sociais baseadas no gênero.
S U M Á R IO 180
RELAÇÕES DE GÊNERO NAS
RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS
S U M Á R IO 181
Para a Umbanda, por exemplo, as práticas e tradições não gi-
ram em volta de um pensamento patriarcal, misógino e principalmente,
excludente. A mulher não é desautorizada frente ao intento de realizar
um papel de liderança. O papel da mulher vai além da submissão,
afinal, historicamente talhadas por lutas em busca de garantir seus
direitos dentro de uma sociedade machista e patriarcal.
S U M Á R IO 182
há a abertura para que homens possam receber entidades femininas,
assim como mulheres receberem entidades masculinas. “A oposição
homem – mulher não se dá como na vida social mais ampla: ela passa
a ser diluída e a possessão salienta o caráter andrógino dos possuí-
dos” (BRASIL, 2012, pg. 12). Essa inversão de status da então “orga-
nização hierárquica” da sociedade brasileira está, então, intrínseca à
todas as partes da Umbanda, assim como do campo afro-brasileiro
como um todo.
S U M Á R IO 183
para 50 sacerdotisas. Muita gente acha que os homens não
devem tornar-se sacerdotes e, em consequência, um homem
alcança esta posição apenas sob circunstâncias excepcionais.
De qualquer modo, jamais pode funcionar tão completamente
como uma mulher.
S U M Á R IO 184
jamais quando ela fechar os olhos, homem nenhum senta na-
quela cadeira, senta-se mulher (...) a casa da minha mãe com-
pleta 100 anos em 2010, ela é a 5ª mulher que está no poder
(Entrevista realizada dia 04/04/2008) (BASTOS, 2009, p. 160).
S U M Á R IO 185
É por isso que, segundo Landes, mesmo quando algum homem
caía no transe durante o ritual, ou seja, era possuído pelo orixá, a des-
confiança se estabelecia, e eles tinham que ser submetidos a provas
para demonstrar que estavam mesmo em transe. O transe era visto
como mais natural quando ligado ao sexo feminino:
Os meninos “filhos” podem ser chamados iniciados passivos,
ou inadvertidos, em contraste com os homens que persistente-
mente solicitam iniciação. Certa mãe nagô hesita antes de “fa-
zer” homens, mesmo após terem caído no transe ritual durante
o qual dançam possuídos por um deus que neles penetrou e
transmitem, na sua voz, a mensagem divina. Ela os submete às
provas tradicionais do fogo e do óleo fervente, como o faz com
as mulheres sob suspeita de fingimento. Vi, certa vez, uma mãe
expulsar um jovem que habitualmente caía em transe e man-
dar pregar este aviso no poste central da sala de cerimônias:
“Pede-se aos cavalheiros o favor de não perturbar os ritos nem
dançar no espaço reservado às mulheres”. E “mulheres” eram
as sacerdotisas (LANDES, 2002, p. 323).
S U M Á R IO 186
Encontramos em nossas visitas de campo uma quantidade conside-
rável de mães de santo e presidentes de centros (dependendo da de-
nominação do centro/terreiro/roça). Embora haja uma mesma quanti-
dade de líderes do sexo masculino, demonstrando que as interdições
que existiam inicialmente à possessão masculina foram superadas ao
longo dos últimos anos, só a possibilidade da existência do sacerdócio
feminino nestas religiões já é o suficiente para diferenciá-las da maior
parte das outras religiões presentes no território brasileiro, especial-
mente as cristãs, que ainda em sua maioria colocam a mulher apenas
em cargos subalternos dentro dos templos.
O PATRIARCALISMO NAS
IGREJAS PENTECOSTAIS
O campo cristão é, por sua vez, uma área patriarcal e, dessa for-
ma, inegavelmente machista. O atrelar do Cristianismo à dominância
dos homens garante-nos a sustentação dos mesmos em uma posição
de privilégios, seja no espaço religioso ou fora dele, onde as práticas
S U M Á R IO 187
de fé e dogmas são igualmente empregados e percorrem a constitui-
ção dos sujeitos.
Na crítica feminista laica e religiosa havia, então, embate explíci-
to contra a hierarquia católica masculina, que ditava regras para
a vida das mulheres, perpetuando a desigualdade de gênero.
Na crítica feminista católica se contestava os lugares que as mu-
lheres ocupavam na Igreja – tal qual a impossibilidade da orde-
nação feminina – que apontavam para as questões de poder e
de gênero em luta no campo religioso (SCAVONE, 2008, pg. 02)
S U M Á R IO 188
Assim, cria-se um vínculo entre a igreja e a mulher, e dentro
deste vínculo a mulher se vê, conscientemente ou não, em uma hie-
rarquia em que é forçada às vontades e normas produzidas, organi-
zadas e posicionadas pelos homens e sua ordem estrutural, os quais
aproveitam-se da carência feminina diante de temas como desaven-
ças familiares e/ou necessidades materiais e espirituais do universo
doméstico. A procura pela religiosidade não se dá pelas mesmas
razões ao olhar-se as motivações de homens e mulheres:
[A]s qualidades alocadas ao gênero masculino no sistema he-
gemônico de representações parecem distanciar os homens
das prescrições religiosas de uma forma geral e, em especial,
do ethos pentecostal, enquanto os atributos femininos favore-
cem as experiências das mulheres com o sagrado e os vínculos
com as comunidades religiosas (MACHADO, 2005, pg. 389).
S U M Á R IO 189
Sinteticamente, o engajamento nesses grupos possibilita às
mulheres também uma maior participação na esfera pública,
com algumas pentecostais evangelizando em praças públicas,
realizando trabalhos voluntários em presídios, hospitais e enti-
dades filantrópicas, participando de programas religiosos tele-
visivos e radiofônicos (MACHADO, 2005, pg. 389).
S U M Á R IO 190
demérito da mulher. A percepção deste paradigma em que se tem
a acentuação da presença da mulher dentro da igreja acaba por ser
demandado frente a ótica masculina, encontrar meios de manter essa
desenvoltura e atuação feminina sob controle. Assim se enlaça o pa-
pel da mulher à figura submissa em que cabe caminhar junto ao seu
parceiro, nunca adiante, nunca desacompanhada. A assistência mas-
culina deve participar de sua realidade, percurso familiar, profissional e
principalmente: espiritual.
S U M Á R IO 191
O que se observou no espaço da Igreja Sara Nossa Terra (ISNT)
foi que os cargos são passados ao casal tomando-se como
referência o homem para a escolha. Elas participam do cargo
por serem esposas “do” homem que foi eleito pela instituição.
Na prática, as mulheres que assumem algum tipo de cargo não
são escolhidas, por sua reflexão e contribuição, mas por serem
casadas. Isso significa que para que elas possam ter maior vi-
sibilidade no espaço religioso se faz necessário dar um novo
conteúdo aos cargos que elas ocupam em virtude de serem
esposas de homens escolhidos (ARAGÃO FILHO, 2011, pg. 65).
S U M Á R IO 192
Ao observar e analisar o pentecostalismo e sua ligação com as re-
lações de poderes produzidos pelos gêneros também se faz necessário
impulsionar as análises em com olhar direcionado às questões de classe.
Esse carecer ocorre em virtude da forte presença das igrejas pentecos-
tais nas comunidades periféricas, a índole religiosa do pentecostalismo
se associa ao oferecer de soluções rápidas e imediatas aos fiéis que
buscam pela resolução de seus problemas materiais. (MARIANO, 2008).
Essa ética, por sua vez, ao oferecer a troca do dízimo, tais práticas reli-
giosas, que em teoria buscam sanar suas urgências sociais, alimentam
também a prosperidade do capital e da sociedade capitalista.
A pertença a uma igreja que reforça a autoestima, enfatiza o
presente e estimula a busca da prosperidade certamente aju-
da na superação dos constrangimentos da cultura tradicional,
favorecendo a participação da mulher na esfera econômica
(MACHADO, 2001, pg. 390).
S U M Á R IO 193
Se por um lado o aparecimento da igreja pentecostal nas peri-
ferias se aproveita das carências de mulheres em situação de vulnera-
bilidade e marginalização social, que procuram conforto e refúgio na
religiosidade como meio de encontrar melhorias para sua vida material
através da fé e ações divinas; do outro encontramos mulheres que
desempenham o papel de propagar esse imaginário como também de
vender construções sociais simbólicas da religiosidade e pentecosta-
lismo. Cabe a essas mulheres produzirem um discurso que dê lugar a
uma espera de valores mercantis.
S U M Á R IO 194
uma eleição, logo a candidatura de mulheres permeia e atravessa uma
lógica em que sua atuação é apta para engajar votos.
S U M Á R IO 195
Compreende-se e afirma-se que por meio desses debates é
possível perceber que a tomada da mulher pelo seu direito de ocupar
um espaço seja ele religioso, profissional ou mesmo no núcleo familiar,
trata-se de uma conquista resultante de uma luta contínua e distante de
um fim, bem como em determinados pontos sua adesão como líderes
religiosas ou mesmo políticas, mostra-se um meio de se trabalhar não
só a fé de suas fiéis, é também um exercício para se traçar o trajeto de
autonomia e libertação dessas outras mulheres.
CONCLUSÃO
S U M Á R IO 196
a mulher em posição de liderança, as religiões afro-brasileiras rompem
com o caráter misógino e machista de uma sociedade patriarcal em que
cabe ao homem a posição de poder e controle dentro da religião. A mu-
lher como uma figura pertencente a um grupo de minoria na sociedade
brasileira encontra-se em um novo cenário dentro destas religiões.
S U M Á R IO 197
uma religião que se afirma a única verdadeira e hábil a “salvar” a alma
dos humanos, age como opressora.
Diante desse quadro geral, que envolve evangélicos [...], os
afro-brasileiros parecem ocupar um lugar marginal, em dois
sentidos alternativos: primeiro, porque parece que dele não
participam, por conta de sua condição francamente minoritária
nas estatísticas de adesão religiosa e pela pouca expressão nos
espaços privilegiados pela atuação de evangélicos e católicos;
segundo, porque se participam, é como vítimas, ou seja, como
alvo dos ataques evangélicos e de sua “intolerância religiosa”
(GIUMBELLI, 2007, pg. 151).
S U M Á R IO 198
Frente a liderança dos homens dentro da igreja pentecostal, há
também o constante reforçar e manutenção de uma religião feita para
homens brancos da elite brasileira. Ainda que haja, recentemente, uma
abertura para a mulher em papéis que não se encontram em comple-
ta submissão, esses ainda são colocados diante de uma avaliação e
constante tutela de líderes masculinos aos quais fazem valer a ideia de
serem detentores da uma verdade irrefutável.
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S U M Á R IO 200
7
Mediunidade e magia
André Luiz Caes
na Umbanda:
a perspectiva
de autores
umbandistas
DOI: 10.31560/pimentacultural/2022.94852.7
INTRODUÇÃO
S U M Á R IO 202
da experiência religiosa da humanidade, tendo surgido já nos primórdios
das sociedades humanas como forma de buscar soluções práticas –
dentro do grau de conhecimento de cada cultura e em cada período
histórico – para os problemas cotidianos que afligiam e ameaçavam a
sobrevivência ou a segurança dos indivíduos, grupos ou povos.
131 Woodrow Wilson da Matta e Silva (1916-1988) foi um dos escritores umbandistas que
procurou sistematizar uma doutrina para a Umbanda. Denominou sua perspectiva como
“Umbanda Esotérica” e publicou diversas obras com o intuito de explicar e fundamentar
as diversas características das manifestações da Umbanda.
S U M Á R IO 203
intensidade, ou melhor, em estado passivo, ela está em todos nós e em
estado ativo em número muito reduzido de pessoas”.
S U M Á R IO 204
portanto, de menor poder de ação, são atraídos para trabalhar com
seres humanos com menor equilíbrio mental e emocional. Essa divisão
em planos de vibração é assim explicada pelo autor:
No Primeiro Plano, faz-se sentir sobre um mental elevado, de
ótima inteligência, intelecto desenvolvido por mente espiritual já
influenciada por sólidas concepções. Estes, são aparelhos de
um Karma Missionário, escolhidos pelos Orixás (espíritos que
têm função de chefia nas Legiões, Falanges e Subfalanges da
Umbanda, altamente evoluídos e que praticamente dirigem os
demais expoentes da Lei), para externarem os reais fundamen-
tos que somente eles estão capacitados a tal. [...] esses apare-
lhos estão, no momento, em proporção de 5%.
132 Aqui utilizamos outra obra de W.W. da Matta e Silva – que ele considera complementar e
conclusiva – para mostrar como o mesmo constrói sua visão sobre a mediunidade. Ver:
S U M Á R IO 205
va, o médium precisa ter um grau ótimo ou bom de moralidade no
comportamento, ética nos posicionamentos pessoais e capacidade de
conhecimento intelectual para poder receber em seu aparelho físico ou
seu corpo, as manifestações dos espíritos superiores.
S U M Á R IO 206
sobre como acontece a interação entre os espíritos e os médiuns du-
rante o transe mediúnico, mostrando como se daria a incorporação:
Vejamos então, para melhor compreender nossa dissertação,
por onde atua um Orixá, Guia ou Protetor, num aparelho de
incorporação:
133 Francisco Rivas Neto (1950-2018), médium e escritor umbandista, fundou na década de
1970 a Ordem Iniciática do Cruzeiro Divino, da qual foi dirigente até falecer. Escreveu mui-
tos livros procurando tratar dos principais temas referentes à espiritualidade da Umbanda
e procurou estimular o conhecimento por meio da Faculdade de Teologia de Umbanda,
que funcionou diversos anos e foi reconhecida pelo MEC.
134 Nestas nossas reflexões, utilizamos a “Edição Revista e Atualizada” publicada em 2002.
Ver: RIVAS NETO, Francisco. Umbanda: a proto-síntese cósmica. São Paulo: Editora Pen-
samento, 2002.
S U M Á R IO 207
da evolução espiritual da humanidade e da aquisição do verdadeiro
conhecimento sobre vida humana e sobre a Criação Divina.
135 A Teosofia tornou-se uma corrente de pensamento filosófico, místico e ocultista bastante
conhecida a partir da Fundação da Sociedade Teosófica, em 1875. Os conceitos relacio-
nados às antigas raças que viveram na Terra estão citados na chamada “Doutrina Secre-
ta”, mais especificamente nos textos que tratam da “Antropogênese” (o surgimento das
Raças-Raiz que existiram no planeta). Esta obra foi escrita por Helena Petrovna Blavatsky,
uma das fundadoras da Sociedade Teosófica.
S U M Á R IO 208
soma dos Seres Espirituais daquela época. Expliquemos mais
minuciosamente: entre o corpo físico e o corpo astral não havia
nenhum delimitador vibratório ou dimensional, ou seja, os meios
de comunicação com o plano astral eram naturais. [...] No caso
desses Seres Espirituais terem “maior poder de penetração”
isso se explica por serem os mesmos Condutores Morais da
pura Raça Vermelha, tendo pois um contato mais direto com
seus comandos ancestrais. Naqueles áureos tempos, tinha-se
plena convicção dos porquês da reencarnação e do desencar-
ne. Tinha-se enfim uma Grande Família Cósmica, composta de
Seres Espirituais encarnados e desencarnados, em outras di-
mensões da matéria. (RIVAS NETO, 2002, p. 124)
S U M Á R IO 209
Ancestrais, supervisionados diretamente pelo Cristo Planetário” (2002,
p. 128), decidiram retomar a evolução da humanidade pela implanta-
ção do que ele chama “mediunismo”. Vejamos como o autor estabele-
ce esse acontecimento:
Mas o que seria a mediunidade, o mediunismo? Como surgiria?
Quais suas finalidades e propósitos?
S U M Á R IO 210
capacidade de estar em contato com os “Seres Espirituais” que trans-
mitem à humanidade as “Verdades Universais”.
Então podemos dizer que Rivas Neto, assim como Matta e Sil-
va, estão sintonizados com a cultura de seu tempo, e propõem inter-
pretações sobre a mediunidade e sobre o papel desta na espiritua-
lidade, relacionando-a aos conhecimentos que estão em destaque
nos períodos históricos em que escrevem. Para completarmos nossa
abordagem sobre o pensamento de Rivas Neto sobre a mediunidade
na Umbanda, citamos então a conclusão de seus argumentos sobre
o papel atual dessa religião:
Assim, os GRANDES MISSIONÁRIOS, através de suas mediu-
nidades, trouxeram a todos mensagens de novos rumos, que
se bem entendidas nos farão retornar à Proto-Sintese Cósmica,
continuando nossa evolução.
S U M Á R IO 211
Assim, mediunismo, mediunidade, não é privilégio de qualquer
sistema filorreligioso, é benção a toda a humanidade. Todas as
filosofias religiosas que pregam o mediunismo estão pregando
a VIDA IMORTAL, e revelando que cada um é o que quer ser,
que cada um tem o que construir. Assim, o AUMBANDAN, hoje
representado pelo Movimento Umbandista, vem reafirmar que
a morte não existe, e que não existe o privilégio, pois no astral
caminham em evolução paralela, ou melhor, UNA, todas as Ra-
ças, pois todas são da mesma essência, isto é, todos são Se-
res Espirituais. Entendamos que Vermelhos, Negros, Amarelos
e Brancos, como 4 rios volumosos, antes de chegarem ao MAR
DA ETERNIDADE, se misturam num grande rio. Esse é o rio do
Ser Espiritual imortal, herdeiro da Coroa Divina. (RIVAS NETO,
2002, p. 139 – destaques do autor)
136 Rubens Saraceni (1951-2015) foi outro médium e escritor umbandista que realizou um
esforço para construir um conhecimento doutrinal sistemático para explicar todas as ca-
racterísticas da Umbanda. Sua perspectiva foi desenvolvida especialmente por meio do
Colégio de Umbanda Sagrada Pai Benedito de Aruanda, no qual foram iniciados na dou-
trina milhares de médiuns. Produziu algumas dezenas de livros sobre os mais variados
temas da Umbanda, constituindo o corpo de conhecimentos mais elaborado entre os
autores umbandistas.
S U M Á R IO 212
Vamos utilizar as reflexões de Saraceni no livro Doutrina e Teolo-
gia de Umbanda Sagrada: a religião dos mistérios, um hino de amor à
vida, publicado em 2003137, focando o capítulo 4, que trata especifica-
mente da mediunidade. Para esse autor, a atividade do médium “é o
ponto chave do Ritual de Umbanda no plano material” (p. 31).
137 SARACENI, Rubens. Doutrina e Teologia de Umbanda Sagrada: a religião dos misté-
rios, um hino de amor à vida. São Paulo: Madras, 2003.
S U M Á R IO 213
como a essência da religiosidade e da espiritualidade umbandista,
sendo que o próprio nome da religião é o exercício desse sacerdócio.
S U M Á R IO 214
a se chocar com um poder absoluto, que é a Lei de Ação e
Reação. Assim, sua suposta superioridade logo o lança em um
sensível abismo consciencial. (SARACENI, 2003, p. 39)
S U M Á R IO 215
atuam no plano material, pois de nada adianta alguém ser mé-
dium e não assumir conscientemente sua mediunidade e suas
responsabilidades. (SARACENI, 2003, p. 39)
S U M Á R IO 216
A MAGIA NA UMBANDA COMO
MEIO DE CONEXÃO COM O PLANO
ESPIRITUAL E MEIO DE RESOLUÇÃO
DOS PROBLEMAS COTIDIANOS
Sendo assim, todo mago precisa da teoria, que pode ser encon-
trada nos tratados sobre a magia, mas precisa principalmente de um
aprendizado prático, geralmente transmitido por um mago experiente,
que já realiza seus rituais e conhece as fórmulas e seus efeitos. A par-
tir desse aprendizado prático que a teoria se torna passível de com-
preensão e possibilita a utilização correta das forças mágicas. Ainda
utilizando o pensamento de Papus, Matta e Silva afirma que o primeiro
e fundamental fator para a aplicação da magia é a vontade:
E logo {Papus} interroga: “Mas em que vai ser aplicada essa
vontade? Sobre a matéria, nunca”. E deixa bem claro que essa
vontade deve ser dirigida sobre o plano astral através de um
intermediário... “o qual por sua vez vai reagir sobre a matéria”.
E continua adiantando mais o seguinte: “antigamente podia-se
definir a Magia como a aplicação da vontade às forças da na-
tureza”... Hoje, porém, essa definição é muito vaga e não cor-
responde à ideia que um ocultista deve fazer da Magia Prática.
S U M Á R IO 217
[...] E para não nos estendermos mais com o pensamento de
Papus, citemos como final a sua definição de magia: “A Magia é
a aplicação da vontade humana, dinamizada, à evolução rápida
das forças vivas da Natureza”. (MATTA E SILVA, 1969, p. 213)
S U M Á R IO 218
denomina gastrinterite (sic) aguda e geralmente não cura, pois
esses males tem um prazo de 9 dias de ataque agudo, findos os
quais é fatal, se não rezar), assim como as doenças chamadas
de ‘sete-couros, fogo-selvagem, etc.’, bem como as que partem
do corpo astral: quebranto, mau-olhado, encosto, etc.. Enfim:
tudo veio da Magia e é magia. (MATTA E SILVA, 1969, p. 216)
S U M Á R IO 219
processada, que, ou será difusa, confusa, desordenada e assim
sendo retornará ao seu ponto de partida e recairá no dito ope-
rador, ou terá uma ação direta, mesmo nesse plano e as forças
coordenadas seguirão ou se projetarão para o objetivo visado.
Isso assim, conforme está dito, chama-se magia negra. (MATTA
E SILVA, 1969, p. 217)
S U M Á R IO 220
produzir qualquer efeito desejado simplesmente imitando-o; do
segundo, que todos os atos praticados sobre um objeto mate-
rial afetarão igualmente a pessoa com a qual o objeto estava em
contato, quer ele constitua parte de seu corpo ou não. Os sor-
tilégios baseados na lei da similaridade podem ser chamados
de magia homeopática ou imitativa; os que têm fundamento na
lei do contato ou contágio podem ser chamados de magia por
contágio. (FRAZER, 1982, p. 83)
Frazer nos mostra, com sua análise teórica sobre a magia pri-
mitiva, que permanece na Umbanda a utilização dos objetos e demais
itens citados por Matta e Silva como meios para realizar a magia por
similaridade e por contágio, que também podem ser incluídos dentro
do conceito do magnetismo ou fluído magnético que é manipulável pe-
los magos. Todos os rituais de magia na Umbanda acabam por incluir
essas formas de, podemos dizer, mecanismo mágico.
S U M Á R IO 221
fato que faria apressar o processo. Nesse caso, temos a magia por
similaridade, na qual o objeto utilizado produz um efeito similar ao real
e auxilia na realização do objetivo.
S U M Á R IO 222
energias, e o esforço do mago umbandista deve ser para se afastar dos
rituais que se aproximam das tradições africanas e se fixar numa condu-
ta religiosa socialmente aceita e benéfica para a sociedade.
138 Hipotético fluído imaterial que permeia todo o universo e é necessário à propagação das
ondas eletromagnéticas.
139 É o plano da existência espiritual, ou seja, uma dimensão do espaço-tempo que é paralela
ao plano físico, dimensão em que a consciência e a força do pensamento é fundamental
para o movimento e para a ação. Segundo o esoterismo o mundo espiritual é dividido
ainda em sete subplanos, entre os quais estão o plano astral e o plano físico, que estão
inter-relacionados.
S U M Á R IO 223
do-se, o mago ou magista poderá dominar os elementos vibra-
tórios ou mesmo atuar através da vontade em várias Entidades
astralizadas ou mesmo sobre certas forças sutis da Natureza. C)
Material – nenhum ritual mágico alcançará seus objetivos se não
for projetado sobre determinados elementos físicos densos e
etéricos, os quais servirão de canais da magia ou de elementos
espelhos, os quais projetarão o ato petitório segundo a corrente
de pensamentos e desejos, que alcançará ou não, segundo a
destreza do mago ou magista, o objetivo visado. Essa parte fí-
sica seria a ação ou execução propriamente dita. Os elementos
ou materiais servirão como elementos radicais, os quais serão
movimentados do físico ao etérico e desse ao astral. Assim, há
uma forte reação do astral, dependendo de certos elementos
colocados no ato mágico ou oferenda ritualística, a qual visa
projetar ou ativar certas energias de ordem etéreo-física ou
mesmo astroetérica para depois desencadearem a atuação na
matéria (RIVAS NETO, 2002, p. 293-294).
S U M Á R IO 224
Para exemplificar, voltando ao ato mágico – que citamos em pá-
gina anterior – do uso de um pequeno punhal no ritual para alcançar
uma assinatura em um documento, podemos pensar que o ato mágico
iniciado com a vontade do consulente (que nesse caso vai realizar a
magia sob a orientação e força de uma entidade) de receber um be-
nefício, será alcançado pela concentração deste no desejo de que o
punhal (objeto) incomode a pessoa que precisa assinar o documento
(espetar o punhal na terra sobre o papel com o nome dessa pessoa),
a tal ponto que esta será impelida a realizar a assinatura e encaminhar
o documento para o requerente, que assim alcança o seu objetivo.
S U M Á R IO 225
que sem dúvida é manancial de poder, que na dependência da
petição poderá ou não alcançar os objetivos ou as Entidades
evocadas. Assim, toda evocatória é uma ação que provocará
uma reação, na dependência da natureza do pedido e da força
mentoastral que foi emitida (RIVAS NETO, 2002, p. 295).
S U M Á R IO 226
Todo o mistério da magia, portanto, está manipulação da ener-
gia universal existente nos diversos planos da vida (físico, etérico, as-
tral, etc.) por meio da capacidade mental e da força da vontade do
médium ou mago, além do conhecimento da ritualística necessária.
S U M Á R IO 227
oriente, procurou adequar seus escritos a esses debates espirituais,
inserindo a Umbanda numa tradição multimilenar de conhecimentos
ocultos e ajustando sua forma de atuação a essa perspectiva mais
ampla do que o simples debate sobre as influências africanas, indí-
genas e europeias dos seus rituais e práticas.
Saraceni, por seu lado, escreve nas últimas três décadas, inclu-
sive já durante o século XXI, num contexto de pluralismo religioso exa-
cerbado pela intensa disputa de mercado entre as diversas correntes de
pensamento religioso. Seu objetivo é mais prático: formar os médiuns
num conhecimento e numa prática que integram as diversas origens da
Umbanda, focando nos Orixás, nas entidades espirituais, na magia, na
Lei Maior (Lei do Karma) e nas forças divinas da Criação. Sua perspec-
tiva é mais universalista, mas também é direcionada a fortalecer a iden-
tidade da Umbanda, constituindo um conjunto de explicações coerente
com toda a tradição umbandista deste o seu princípio no Brasil.
S U M Á R IO 228
conhecimento já adquirido em outras encarnações: “todo grande ini-
ciado já encarna preparado, em espírito, e tudo para ele é tão natural
que, dispensando os procedimentos religiosos, magísticos, ocultistas
ou iniciáticos existentes, dá início aos seus próprios procedimentos
[...]” (SARACENI, 2003, p. 226).
S U M Á R IO 229
Normalmente, uma oferenda contém vários elementos mate-
riais que à primeira vista, parecem não ter fundamento. Mas, na
verdade, todos têm e são facilmente explicáveis. Frutas, velas,
bebidas, flores, perfumes, fitas, comidas, etc., tudo obedece
a uma ordem de procedimentos, todos afins com o objetivo a
que se destinam. Os frutos são fonte de energias que têm vá-
rias aplicações no campo etérico. Cada fruta é uma condensa-
ção de energias que forma um composto energético sintético,
o qual, se corretamente manipulado pelos espíritos, torna-se
plasmas astrais usados por eles até como reservas energéticas
durante suas missões socorristas. [...] Para efeito de compara-
ção, podemos recorrer aos trabalhadores que manipulam cer-
tos produtos químicos e precisam ingerir grandes quantidades
de leite para desintoxica-los ou aos que trabalham em fornalhas
e precisam ingerir grandes quantidades de líquidos para se rei-
dratarem. [...] E esse mesmo desgaste sofrem os espíritos que
atuam como curadores, quando doam suas próprias energias
aos enfermos, tanto os desencarnados quanto os encarnados.
(SARACENI, 2003, p. 227)
S U M Á R IO 230
Esses conhecimentos são essenciais para que os iniciados do-
minem os rituais de magia e para que possam transmitir aos iniciantes
que estão em busca desse aprendizado. Entretanto, para que o mago
alcance esse grau de força mental para a realização completa da ma-
gia, há desafios e há a necessidade de consciência de que o poder por
trás de toda magia é divinamente permitido.
S U M Á R IO 231
Portanto, sem fazer referência às origens étnicas ou culturais da
Umbanda, Rubens Saraceni procura explicar a integração de todos
esses elementos religiosos na sua doutrina. A lei do Karma, os Orixás,
os espíritos, as oferendas, a força da natureza, a evolução espiritual, o
comportamento ético e moral, a capacidade mental e de conhecimen-
to, ou seja, os mais variados elementos das culturas formadoras do
Brasil estão presentes e integrados na Umbanda, reunidos nos conhe-
cimentos ocultos que os rituais e a magia na Umbanda guardam para
os que querem conhece-los.
CONCLUSÃO
S U M Á R IO 232
esses pensamentos no contexto histórico de sua produção e valori-
zamos a perspectiva desses autores nos aspectos específicos que
poderiam mostrar a mediunidade e a magia como fenômenos com-
preensíveis para os leitores comuns e não familiarizados com as for-
mas tradicionais de manifestação religiosa da Umbanda.
REFERÊNCIAS
S U M Á R IO 233
SOBRE OS ORGANIZADORES
André Luiz Caes
Doutor em História pela Universidade de Campinas (UNICAMP). Pós-doutor
em Religiões Visões de Mundo pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” (UNESP). Professor dos Programas de Pós-Graduação em
História (PPGHIS) e Ambiente e Sociedade (PPGAS) da Universidade Estadual
de Goiás (UEG).
Daniel Precioso
Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professor do
Curso de História (campus sudoeste, sede Quirinópolis) e do Programa de
Pós-Graduação em História (campus sul, sede Morrinhos) da Universidade
Estadual de Goiás (UEG).
S U M Á R IO 234
SOBRE OS AUTORES
E AS AUTORAS
Clarissa Adjuto Ulhôa
Doutora em História pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Professora
Adjunto A da Universidade Federal de Jataí (UFJ).
S U M Á R IO 235
Patrício Batsîkama
Doutor em Antropologia pela Universidade Fernando Pessoa (UFP) e pós-
doutor em História e Ciências Políticas. Professor de Sociologia das Religiões
no Instituto Superior Politécnico Tocoísta de Luanda (ISPT).
S U M Á R IO 236
ÍNDICE REMISSIVO
A cultos 18, 19, 23, 50, 58, 59, 60, 64, 68,
África 9, 10, 11, 15, 51, 65, 67, 68, 71, 82, 111, 118, 120, 122, 123, 133, 165, 166,
88, 105, 108, 129, 200 169, 176, 184, 185, 186, 194, 200
africana 12, 22, 23, 42, 43, 49, 51, 62, 68, cultura 19, 20, 42, 104, 110, 111, 117, 133,
85, 86, 87, 88, 90, 110, 111, 114, 115, 116, 142, 143, 185, 193, 202, 203, 211, 220
118, 120, 121, 122, 126, 127, 132, 133, D
134, 135, 136
Diário Oficial do Município de Goiânia 139,
afro-brasileira 10, 72, 101, 106, 110, 113,
141, 142, 149, 152, 155, 159, 160, 162,
116, 117, 126, 130, 133, 136
173
afro-brasileiras 9, 10, 11, 12, 13, 14, 50,
Dibûndu 17, 19
66, 110, 113, 114, 115, 117, 118, 123, 124,
DOM 139, 140, 141, 152, 153, 155, 156,
132, 133, 134, 135, 136, 139, 141, 169,
158, 159, 160, 161, 162, 165, 166, 167,
172, 175, 177, 181, 183, 187, 196, 197,
168, 170, 171, 172
198, 199, 200, 202
afro-brasileiros 49, 66, 117, 123, 169, 198, F
200 feminina 75, 175, 179, 184, 185, 186, 188,
afrodescendentes 93, 110 189, 190, 191, 192, 194, 195
B feminismo 13, 178, 187, 200
Brasil 9, 11, 13, 14, 15, 23, 45, 49, 63, 64, G
68, 69, 71, 76, 79, 86, 94, 100, 104, 106, gênero 13, 14, 71, 75, 77, 174, 175, 177,
107, 111, 113, 114, 116, 117, 119, 130, 178, 179, 180, 181, 183, 185, 188, 189,
135, 136, 137, 167, 176, 177, 200, 206, 195, 196, 197, 199, 200
208, 212, 213, 228, 232, 233, 235
Buñkîsi 17, 19 H
história 10, 12, 13, 14, 15, 34, 49, 67, 68,
C
70, 71, 72, 99, 100, 101, 102, 104, 106,
Catarina Juliana 11, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 114, 115, 116, 133, 136, 175, 177, 178,
56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 180, 182, 198, 200, 210
68 homens 19, 22, 25, 27, 29, 30, 32, 46, 131,
centro-africanas 49, 68, 107 175, 177, 178, 179, 181, 182, 183, 184,
Centros 148, 157, 160 185, 186, 187, 188, 189, 190, 191, 192,
cerimônias 34, 49, 63, 64, 183, 186 195, 198, 199
cristianismo 43, 175, 191, 192, 195, 196,
197, 222 I
igrejas 133, 168, 176, 177, 187, 189, 190,
193, 196, 197, 198, 199
S U M Á R IO 237
K 175, 177, 181, 183, 184, 187, 196, 197,
Kiñtûmba 17 198, 199, 200, 202, 210, 211, 225, 232
Kitômi 17 religiosa 10, 15, 17, 21, 22, 24, 39, 43, 50,
57, 58, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 72, 75,
L 84, 86, 89, 90, 95, 103, 104, 106, 110, 114,
Lômbo lwa sîmbi 17 115, 116, 120, 123, 127, 132, 133, 135,
136, 137, 157, 158, 165, 188, 192, 193,
M
194, 195, 198, 200, 202, 203, 223, 233
magia 14, 17, 24, 61, 89, 201, 202, 203, ritos 30, 61, 65, 66, 78, 79, 91, 93, 99,
215, 217, 218, 219, 220, 221, 222, 223, 101, 104, 111, 118, 121, 122, 133, 186
224, 225, 226, 227, 228, 229, 231, 232, rituais 11, 14, 19, 29, 49, 50, 51, 56, 57,
233 58, 59, 60, 61, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 87,
mitos 72, 214 90, 92, 110, 118, 121, 122, 131, 132, 136,
N 137, 147, 183, 184, 198, 202, 207, 212,
217, 219, 220, 221, 222, 223, 224, 226,
negros 64, 77, 91, 105, 115
227, 228, 231, 232, 233
ñgânga 17, 18, 25, 26
Nhá Chica 12, 70, 71, 72, 73, 77, 78, 79, S
80, 81, 82, 84, 85, 88, 91, 93, 94, 95, 96, saberes 63, 65, 72, 75, 76, 78, 99, 101,
97, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 105, 106, 126
107 sobre-humanos 112, 113
R sociedade 14, 21, 22, 27, 36, 37, 38, 39,
41, 50, 57, 58, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66,
racismo 12, 13, 106, 109, 110, 114, 115,
68, 71, 75, 77, 78, 81, 82, 87, 97, 98, 110,
116, 117, 118, 120, 123, 124, 125, 132,
113, 114, 115, 118, 119, 124, 125, 126,
134, 135, 136
142, 145, 157, 175, 177, 179, 180, 181,
racismo religioso 12, 13, 109, 114, 115,
182, 183, 188, 193, 195, 197, 206, 223
116, 117, 118, 120, 132, 134, 135, 136
reflexões 14, 135, 200, 202, 207, 213, 219, T
223 termo 18, 22, 23, 32, 33, 37, 39, 40, 41,
religião 9, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 45, 71, 78, 111, 114, 116, 185
19, 20, 21, 23, 24, 42, 43, 53, 101, 108,
110, 113, 114, 115, 116, 117, 119, 125, U
126, 127, 128, 132, 133, 147, 150, 158, Umbanda 13, 14, 49, 100, 101, 102, 107,
182, 183, 188, 197, 198, 199, 202, 203, 111, 130, 140, 141, 142, 148, 149, 150,
206, 211, 212, 213, 214, 215, 216, 222, 152, 153, 155, 158, 160, 166, 168, 173,
232, 233 177, 181, 182, 183, 196, 199, 200, 201,
religiões 9, 10, 11, 12, 13, 14, 49, 50, 61, 202, 203, 204, 205, 206, 207, 208, 211,
66, 105, 110, 111, 113, 114, 115, 116, 117, 212, 213, 215, 216, 220, 221, 222, 223,
118, 120, 122, 123, 124, 125, 129, 132, 226, 227, 228, 230, 232, 233
133, 134, 135, 136, 141, 147, 169, 174,
S U M Á R IO 238
S U M Á R IO 239