Christopher Walker - A Dança Da Trindade
Christopher Walker - A Dança Da Trindade
Christopher Walker - A Dança Da Trindade
Somos monoteístas?
O primeiro ponto que queremos ressaltar é que algumas correntes
do Cristianismo, mesmo professando a doutrina trinitária, passaram
a relacionar-se com Deus (especialmente em tempos recentes)
como se fossem unitárias. Para entender esse fenômeno num
contexto mais amplo, seria útil comparar o conceito que as três
grandes religiões monoteístas, Judaísmo, Cristianismo e Islamismo,
têm de Deus e as implicações em sua prática.
Das três, o Judaísmo não apenas é a mais antiga, mas
também forneceu a base para as outras duas (de modo bem direto
para o Cristianismo e de modo indireto para o Islamismo). De
acordo com a Bíblia, o culto a um só Deus era o único conhecido no
início da história humana. Porém, como consequência do pecado e
da degeneração progressiva da humanidade, antes e depois do
dilúvio, o politeísmo tomou conta do mundo e é considerado por
historiadores e antropólogos hoje como a prática religiosa mais
antiga e natural para o homem primitivo.
Por isso, foi um passo tremendamente inovador e
revolucionário Abraão deixar sua parentela e a cultura politeísta
para seguir um único Deus. Séculos depois, Deus se revelou como
o EU SOU para Moisés, que transmitiu ao seu povo a famosa
exortação de Deuteronômio 6.4 conhecida como o Shemá: “Ouve,
Israel, o Senhor, teu Deus, é o único Senhor”, ou, como os judeus
normalmente o traduzem: “Ouve, Israel, Adonai é nosso Deus,
Adonai é Um”. Recitado pelos judeus mais devotos duas vezes por
dia, o Shemá é considerado sua mais importante confissão de fé.
Assim como os muçulmanos são conhecidos pela afirmação “Não
há outra divindade senão Alá”, o Shemá é a base da fé judaica.
A princípio, é possível concluir que essas três religiões
monoteístas têm muita coisa em comum, especialmente o fato de
crerem em um só Deus. O Cristianismo e o Judaísmo têm muitos
outros elementos em comum por aceitarem as mesmas Escrituras
do Velho Testamento; até o Islamismo aceita alguns dos patriarcas e
profetas hebreus que são citados no seu texto sagrado, o Alcorão.
Há poucos anos, alguns islamitas tentaram encontrar outros
elementos em comum com o Cristianismo para facilitar o diálogo,
como a aceitação dos dois grandes mandamentos citados por Jesus
(Mt 22.37-40). Existem atualmente várias iniciativas para ampliar
esse diálogo, facilitar contato e compreensão entre cristãos e
muçulmanos e diminuir atitudes de ódio e perseguição de ambos os
lados.
É claro que existem grandes divergências quanto à base de fé
de cada religião, mas não quero discuti-las aqui, especialmente
porque ressaltar diferenças só contribui para aumentar a distância e
a inimizade entre uma e outra. Quero ressaltar somente a questão
do conceito de Deus para analisar como isso influencia todos os
demais aspectos da fé. Apesar do ponto em comum de todas as três
acreditarem num único Deus, o Cristianismo (em sua versão
autêntica e original) apresenta, por meio da visão trinitária de Deus,
um conceito radicalmente distinto em relação às outras duas, com
implicações revolucionárias. Com isso, o Judaísmo e o Islamismo
concordariam, pois ambas acusam o Cristianismo de ter-se
desviado do monoteísmo por defender a existência de três deuses
(a Trindade), não apenas um.
Com base nisso, quero até fazer um questionamento radical: o
Cristianismo pode realmente ser considerado monoteísta no mesmo
sentido das outras duas religiões?