Sala de Espera
Sala de Espera
RESUMO: Este artigo relata uma experiência desenvolvida em grupos de sala de espera
na Rede Feminina de Combate ao Câncer (RFCC) em um município do Sul do Brasil.
Como aporte teórico recorreu-se à Psicologia da Saúde, por considerar a saúde sob um prisma
dinâmico que é influenciado por aspectos biológicos, psicológicos e sociais. Desse modo, o
trabalho do psicólogo nas instituições de saúde, e mais precisamente nas salas de espera
desses locais, torna efetivas as estratégias de promoção e educação em saúde. O objetivo
deste trabalho foi apresentar um relato dessa experiência, com vistas à relevância de
trabalhos em instituições que priorizam a compreensão integral de saúde e a reflexão
de intervenções nesses contextos. Como método de intervenção, utilizou-se de técnicas
de dinâmicas de grupo. Posteriormente, foram registradas, em um diário de campo,
as narrativas e observações relevantes ao estudo. É possível constatar que a intervenção
realizada possibilitou um espaço de acolhimento e de troca de vivências sobre práticas de saúde
entre usuárias da rede e profissionais. Também refletiu-se acerca dos significados e modos de
cuidado consoante as representações culturais das participantes. A intervenção com grupos em
sala de espera contribuiu para o exercício profissional psicológico e para a melhor qualidade
dos serviços prestados dentro das iniciativas em políticas públicas de saúde municipais.
Palavras-chave: Psicologia da saúde; sala de espera; promoção à saúde; educação em
saúde; grupos.
1
Doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Mestre em Psicologia
pela UFSC; Psicóloga e Terapeuta familiar sistêmica.
Endereço para correspondência: Campus Reitor João David Ferreira Lima, s/n – Trindade, Florianópolis, SC.
CEP: 88040-900. E-mail: [email protected]
2
Mestranda em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Psicóloga graduada pela UFSC.
Endereço para correspondência: Campus Reitor João David Ferreira Lima, s/n – Trindade, Florianópolis, SC.
CEP: 88040-900. E-mail: [email protected]
Artigo recebido em: 11/08/2016. Aprovado para publicação em: 20/11/2016.
1 INTRODUÇÃO
Dados do Ministério da Saúde estimam que aproximadamente 40% das
mulheres brasileiras nunca realizaram exames preventivos (BRASIL, 2003).
Apesar de estes contarem com um método seguro e disponível nas unidades
básicas de saúde (UBSs), as mulheres possuem dificuldades para aderir a esse
modo de rastreamento e prevenção de diversos tipos de câncer. O desconheci-
mento feminino sobre o próprio corpo, a vergonha e o medo de fazer o exame
são apontados como as principais barreiras para a sua realização (PERETTO;
DREHMER; BELLO, 2012).
Por conseguinte, torna-se essencial pensar em locais que recebam o público
feminino e proporcionem um espaço de escuta, informação e acolhimento. A sala de
espera entra nesse contexto como uma estratégia possível, já que não é vista pelos
usuários como o lugar no qual determinado profissional é protagonista. Dessa manei-
ra, abre-se espaço para que os sujeitos se expressem e se comuniquem por meio das
mais variadas formas de ser e estar no mundo (TEIXEIRA; VELOSO, 2006).
A importância desse território, em instituições de saúde, já foi contempla-
da em alguns estudos. Rodrigues et al. (2009) apontam que a sala de espera pode
ser capaz de amenizar o desgaste físico e emocional associado à expectativa pelo
atendimento, o que possibilita a diminuição da ansiedade, da angústia e da tensão
diante dos procedimentos de saúde inerentes. Ademais, os autores supracitados
abordam a sala de espera como um meio para garantir um cuidado humanizado por
intermédio de práticas de educação, prevenção de doenças e promoção de saúde.
Teixeira e Veloso (2006) defendem as ações na sala de espera como uma forma
de desterritorializar os técnicos da área, de modo que estes passem a interagir
de outras formas com o usuário. Já Verissimo e Valle (2006) discorrem sobre a
importância da troca de experiências entre usuários e técnicos, fazendo com que
o conhecimento popular se incorpore aos saberes científicos.
Sendo a sala de espera um espaço que acolhe um grande número de pessoas e
uma diversidade de atividades, esta pode ser concebida como uma aliada para inter-
venções que possuem como foco a saúde coletiva, por intermédio da modalidade
grupal. Não obstante, ações nesse local proporcionam aos usuários e profissionais
o avanço de um nível individual e centralizador para outro, grupal, o qual repercu-
tirá no âmbito social. As ações de grupos interdisciplinares no contexto da saúde
pública são estratégias que podem oportunizar o intercâmbio de saberes, metodolo-
gias e esquemas conceituais entre as áreas de atuação (PAIXÃO; CASTRO, 2006;
TEIXEIRA; VELOSO, 2006).
recomendado, assim como à dificuldade que muitas passam nos momentos que
antecedem esses exames, as experiências em grupos de espera se tornam eficazes
na medida em que proporcionam um espaço de acolhimento e descontração para
as pacientes. De mesmo modo, é possível tornar esse campo de atuação um local
estratégico para disseminar informações, promover ações de cuidado em saúde e
bem-estar e prevenir adoecimentos.
Sendo assim, o presente trabalho objetivou apresentar um relato de experi-
ência com base em práticas em grupos de sala de espera na RFCC, com vistas à
relevância de trabalhos em instituições que priorizam a compreensão integral de
saúde. Pretende-se ainda que este relato contribua para a reflexão de intervenções
nesse contexto e impulsione mais estudos e práticas em salas de espera, a fim de
promover, ainda mais, a consolidação da disciplina Psicologia da Saúde.
2 MÉTODO
2.1 Contextualização
A RFCC, de abrangência nacional, é uma entidade filantrópica, sem fins
lucrativos, regida por estatuto social e regimento interno que tem como objeti-
vo primordial a prevenção do câncer de mama e de útero; além disso, visa
a apoiar ações governamentais que incentivam a promoção de saúde (RFCC,
2008). As atividades realizadas pela RFCC no município do litoral catarinense
onde a intervenção foi realizada contavam com: uma enfermeira contratada,
que realizava os exames de colposcopia e biópsias; uma equipe de mulheres
voluntárias, que auxiliavam no agendamento das consultas e recepcionavam as
usuárias da rede; e uma estagiária voluntária de Psicologia no período final do
curso de graduação. Salienta-se que os exames realizados eram encaminhados
para uma clínica especializada, parceira da rede, a qual repassava o resultado e
o diagnóstico à instituição.
A proposta de realizar grupos de sala de espera surgiu a partir do Projeto
de Extensão Universitário de Psicologia na Rede Feminina. Tendo em vista que
o fluxo das atividades contemplava o agendamento e a realização de exames e
a transmissão dos resultados de diagnóstico, a graduanda de Psicologia propôs à
coordenadoria da instituição o trabalho com grupos de mulheres na sala de espera,
já que frequentemente formavam-se grandes filas na recepção e, por vezes, predo-
minava um clima de preocupação na entrega de resultados dos exames ou para
serem submetidas aos testes.
2.2 Procedimentos
Os encontros aconteciam semanalmente, com duração média de 20
minutos a 1 hora aproximadamente. Como o projeto ocorria no turno vesper-
tino, era possível a realização de dois a três grupos na sala de espera, depen-
dendo da demanda.
Na primeira etapa, “Apresentação do Projeto”, as usuárias da rede eram
esclarecidas quanto aos objetivos do encontro e ao modo de participação. Após
o aceite, realizava-se o contrato grupal psicológico no intuito de assegurar o
cuidado ético e apontar o compromisso individual entre profissionais e usuárias.
Na segunda etapa, “Desenvolvimento”, eram sugeridas determinadas temáticas
que propiciavam a educação e a promoção de saúde. Os temas mais votados
eram abordados e tinham a finalidade de compartilhar informações e estimular
a discussão e a vivência dos conteúdos abordados. Para melhor visualização,
as estratégias adotadas são ilustradas na Tabela 1. Por fim, na terceira etapa,
“Término”, resgatavam-se os objetivos do encontro com o apontamento dos
principais conteúdos discutidos e, ao final, era proposta, a partir de relatos orais
e dinâmicas de grupo, uma avaliação do Projeto.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Por se tratar de um grupo aberto, nem sempre composto pelas mesmas
participantes, optou-se por trabalhar as temáticas de interesse das pacientes.
Desse modo, as usuárias votavam no assunto que mais lhes interessavam com base
na Tabela 1. A seguir, são descritas as técnicas utilizadas no decorrer dos encontros,
bem como as principais discussões suscitadas a partir delas.
A temática Autoestima e autoconhecimento pautou-se em promo-
ver um momento para que as mulheres primeiramente refletissem acerca de
si e, posteriormente, compartilhassem suas considerações com as outras,
de modo que as participantes fossem se conhecendo e refletindo acerca dos
hábitos de cada uma. Para tanto, a estratégia de aquecimento proposta foi
a do “Espelho”, a qual funcionava como um desencadeador das questões
temáticas. Nessa técnica, o mediador pode trazer uma caixa ou um chapéu
contendo um espelho. Desse modo, comunica ao grupo que, no interior
da caixa, tem algo de muito valor e fundamental para o alcance da qualida-
de de vida e da saúde da mulher. Em seguida, é solicitado às participantes
que se acomodem em círculo e passem a caixa para a pessoa que está senta-
da à sua direita; esta deverá analisar o conteúdo sem pressa e, posterior-
mente, passar à colega da direita, até que a caixa tenha estado com todas.
O mediador deve esclarecer que, no momento em que a caixa está sendo entre-
gue, as demais integrantes não devem emitir opiniões nem mostrar o conteúdo
às companheiras. Ao término da atividade, o grupo é convidado a tecer refle-
xões a fim de relatar quais sensações e sentimentos as participantes tiveram ao
se contemplar, discutindo as crenças e opiniões que têm sobre si mesmas, ou
como percebem suas características identitárias e se almejam transformações
ou mudanças no que viram. Salienta-se que essa dinâmica de grupo funcionou
como um aquecimento para reflexões trazidas pelas profissionais da rede.
Nessa dinâmica, pode-se ressaltar que as participantes se referiram à impor-
tância de que “gostar de si mesma” está relacionado ao cuidado e ao bem-estar.
Expressões como “se eu não me importar em cuidar da minha aparência, da minha
saúde, quem vai cuidar? Quem vai me valorizar, se nem eu pensar que sou uma
coisa boa?”. Como exemplo, também emergiam crenças construídas sob explica-
ções transgeracionais, do tipo “eu acho que sou mais elétrica e ligada no 220 v,
porque minha mãe sempre foi assim e eu puxei igualzinho a ela (...) mas, dar conta
de quase tudo e sair nessa maratona, acho que me faz uma mulher competente,
acho isso positivo!”.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O projeto de promover grupos de sala de espera na RFCC oportunizou
encontrar caminhos salutares e estratégias funcionais para o alcance das ações em
promoção de saúde e cuidado. Isso porque a realização dessas atividades viabiliza
o desenvolvimento da autonomia, da cidadania, da troca de saberes, dos afetos e
da vinculação entre os usuários. Além disso, os profissionais da saúde, em parceria
com a comunidade, podem interagir de modo dialógico e, juntos, produzir novos
sentidos, atentando ao reconhecimento da alteridade de cada cultura e das repre-
sentações próprias dos sujeitos ante a saúde, a doença e os modos de cuidado.
REFERÊNCIAS