BASTOS, PPM-O Efeito de Lugar No Rio de Janeiro PDF
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All content following this page was uploaded by Pedro Paulo M. Bastos on 09 August 2018.
Rio de Janeiro
2017
PEDRO PAULO MACHADO BASTOS
Aprovado em:
BANCA EXAMINADORA:
_________________________________________________
Prof. Dr. Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro – orientador
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – UFRJ
_________________________________________________
Prof. Dr. Marcelo Gomes Ribeiro
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – UFRJ
_________________________________________________
Prof. Dr. Robert Moses Pechman
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – UFRJ
_________________________________________________
Prof. Dra. Julia Galli O’Donnell
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais – UFRJ
Este trabalho é dedicado a todos os tijucanos, de ontem ou de
hoje, de nascença ou de espírito, que quiseram entender a si
mesmos neste Rio de Janeiro e não conseguiram.
AGRADECIMENTOS
Ao professor Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro pela oportunidade dada em poder fazer
parte do time do Observatório das Metrópoles, por ter aceitado a orientação deste
trabalho em meio a uma mudança tão radical, e, também, pelas dicas tão certeiras.
Ao professor Marcelo Gomes Ribeiro, pela coorientação não oficial e por ter colabo-
rado na construção deste projeto desde o início, sempre com muita gentileza, paciên-
cia e amizade. Aos meus pais, pelo suporte material e especialmente moral em apoi-
arem as minhas escolhas profissionais e, sobretudo, por terem me “apresentado” à
Tijuca – e ela a mim –, experiência vivida que, sem dúvidas, me permitiu realizar este
trabalho com mais desenvoltura. Aos amigos do Observatório – Beth, Karol, Breno,
Juciano, entre outros –, pelo inestimável apoio durante minha trajetória no IPPUR; ao
Daniel Toscani, pelo companheirismo durante o árduo desenvolvimento deste traba-
lho; à Raquel Moratori, por ser a grande “fada-madrinha” disto tudo; aos entrevistados
que concederam depoimento em prol desta pesquisa: Luciana Hidalgo, e também por
estes anos de amizade e incentivo; Andrea Magalhães, pela simpatia em me falar dos
seus tempos de repórter; Gustavo Colombo, pelo espírito comunitário e ativista sem-
pre a postos; Julia Wiltgen, por “ressuscitar” a crônica Tijucanices; aos leitores fiéis e
participativos de “O PASSEADOR TIJUCANO”. Aos outros professores com quem tra-
vei contato neste curso de Mestrado e que muito ajudaram a construir o meu objeto:
professor Robert M. Pechman (IPPUR/UFRJ), pelos ricos diálogos desde “Cidade e
Sociabilidade”; professor Adauto Lucio Cardoso (IPPUR/UFRJ), por me estimular a
trabalhar com um objeto de pesquisa pelo qual fosse apaixonado; e professora Julia
O’Donnell, pelas valiosas contribuições na minha banca de qualificação. Um último –
mas não menos especial – obrigado a todos os funcionários do IPPUR pela atenção
e suporte dispensados, e à CAPES, pela concessão de bolsa fundamental para que
eu cursasse este Mestrado.
“Quando eu deixar a Tijuca
O objetivo deste trabalho foi compreender o lugar da Tijuca no espaço social e físico
carioca. A relevância de se estudar o espaço social e físico “tijucano” se deve à parti-
cipação controversa deste lugar no imaginário de uma cidade estruturada por um cen-
tro e por uma periferia e de suas representações associadas – no caso do Rio, a
dicotomia entre Zona Sul versus “Zona Norte”/Subúrbios. Com isso, a problemática
desta pesquisa aponta a Tijuca como uma localização cujo simbolismo apresenta uma
polifonia de significados observada nos discursos e representações que os cariocas
atribuem à hierarquia que estrutura e escalona o seu mapa social. Para uma maior
compreensão dessa problemática, investigou-se o processo de constituição simbólica
do mapa social carioca contemporâneo, buscando compreender o lugar ocupado pela
Tijuca nessa estrutura tanto no tempo como no espaço. Na primeira etapa, foi reali-
zada uma revisão de literatura sobre o objeto no período 1900-1959. Na segunda
etapa, foi realizada uma investigação bibliográfica em jornais a partir do exame das
representações sociais atribuídas ao objeto pelas reportagens veiculadas em dois
grandes jornais cariocas – O Globo e Jornal do Brasil – no período 1960-2009. Os
resultados mostraram que a análise da trajetória simbólica do bairro em questão de-
safia a sustentação da hipótese de que a condição de centralidade da Tijuca fora dos
limites físicos da Zona Sul e territorialmente vizinha aos Subúrbios justificaria por si só
a razão de este ser um lugar socialmente “controverso”. Verificou-se que a problemá-
tica é mais bem explicada pela percepção de um declínio do capital simbólico da Tijuca
bastante presente nos discursos e opiniões menos prestigiadores atribuídos ao bairro
pelos agentes sociais formadores de opinião.
The objective of this work was to understand the place of Tijuca in the social and phys-
ical space of Rio de Janeiro. The relevance of studying the “tijucano” social and phys-
ical spaces is due to the controversial participation of this place in the imaginary of a
city structured by a center and by a periphery and its associated representations – in
the case of Rio, the dichotomy between South Zone versus “North Zone” / Suburbs.
Thus, the problematic of this research points to Tijuca as a location whose symbolism
presents a polyphony of meanings observed in the discourses and representations that
the Cariocas attribute to the hierarchy that structures and scales their social map. For
a better understanding, we investigated the process of symbolic constitution of the so-
cial map of Rio de Janeiro, seeking to understand the place occupied by Tijuca in this
structure both in time and in space. In the first stage, we carried out a literature review
on the object in the period 1900’s – 1950’s. In the second stage, we carried out a
bibliographical investigation based on the analysis of the social representations at-
tributed to the object by the reports published in two major newspapers in Rio de
Janeiro – O Globo and Jornal do Brasil – during the period 1960’s – 2000’s. The results
showed that the analysis defies the support of the hypothesis that the centrality condi-
tion of Tijuca outside the physical limits of the South Zone and territorially close to the
Suburbs would justify itself the reason for this be considered a socially “controversial”
place. We verified that the problem is better explained by the perception of a decline
of the symbolic capital of Tijuca present in the less prestigious discourses and opinions
attributed to the neighborhood by the influencers.
Keywords: Urban Sociology – Tijuca (Rio de Janeiro, RJ); Social Classes; Tijuca (Rio
de Janeiro, RJ) – Social conditions; Spatial Perception – Tijuca (Rio de Janeiro, RJ);
Urban Segregation – Tijuca (Rio de Janeiro, RJ).
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. O espaço das posições sociais e o espaço dos estilos de vida. ............... 27
Figura 2. O mapa social do Rio de Janeiro: as tipologias socioespaciais do
Observatório das Metrópoles. ................................................................................... 39
Figura 3. Os espaços de representação da Tijuca nas redes sociais ....................... 52
Figura 4. Vetores de expansão das classes dominantes no século XIX (cartograma).
.................................................................................................................................. 69
Figura 5. O palacete onde residiu o Conde de Itamaraty, no Alto da Boa Vista (2014)
.................................................................................................................................. 74
Figura 6. Detalhe do mapa da cidade do Rio de Janeiro mostrando as poucas ruas
locais: Tijuca, Fábrica das Chitas (atual Praça Saenz Peña) e Andaraí Grande....... 78
Figura 7. Panorama da Igreja de São Francisco Xavier do Engenho Velho (2016) . 79
Figura 8. Os topônimos no espaço físico carioca: o referencial da “Zona Sul” na
constituição dos pontos ............................................................................................. 99
Figura 9. Partida de tênis no Tijuca Tênis Clube .................................................... 107
Figura 10. Vista aérea da Praça Saenz Peña (anos 1940). ................................... 117
Figura 11. As lojas elegantes da Praça Saenz Peña (anos 1940).......................... 124
Figura 12. Apanhado ilustrativo das reportagens analisadas para a pesquisa ....... 135
Figura 13. Vetor de expansão das classes dominantes a partir de 1930 ............... 137
Figura 14. Anos 1960: o Maciço da Tijuca com o Morro da Formiga ao fundo, a Rua
Uruguai e, à direita, o bairro do Andaraí. ................................................................ 140
Figura 15. Entre a verticalização e a manutenção das antigas casas: um panorama
da Rua Conde de Bonfim (2014) ............................................................................. 143
Figura 16. O metrô em pauta: a descaracterização da Tijuca ................................ 155
Figura 17. O caderno “Tijuca”, de O Globo: comunicação bairrista entre jornal e
público-alvo ............................................................................................................. 161
Figura 18. A tradição e a modernidade na Tijuca: fotógrafos lambe-lambe próximos
à estação Saens Peña do metrô (1986) .................................................................. 166
Figura 19. Vista aérea da Praça Saenz Peña (1990) ............................................. 172
Figura 20. A violência na Tijuca em manchete: capas de O Globo (2002) ............ 180
LISTA DE GRÁFICOS
LISTA DE QUADROS
Quadro 1. A estrutura social brasileira pelas categorias sócio-ocupacionais do
Observatório das Metrópoles. ................................................................................... 37
Quadro 2. As Áreas de Planejamento (APs) do Rio de Janeiro ............................... 57
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Participação das categorias sócio-ocupacionais nos distritos superiores da
cidade do Rio de Janeiro (2000-2010) – em % ......................................................... 40
Tabela 2. Participação das categorias sócio-ocupacionais (2000-2010) –
comparativo entre Zona Norte (Tijuca e Vila Isabel) e Subúrbios – em % ................ 43
Tabela 3. Domicílios segundo o tipo nos distritos superiores (2010) ........................ 44
Tabela 4. Domicílios segundo o tipo (2010) – Zona Norte (Tijuca e Vila Isabel) e
Subúrbios .................................................................................................................. 44
Tabela 5. Renda média dos chefes ocupados segundo condição de ocupação do
domicílio (em R$ - 2000-2010) – distritos superiores ................................................ 44
Tabela 6. Renda média dos chefes ocupados segundo condição de ocupação do
domicílio (em R$ - 2000-2010) – Zona Norte (Tijuca e Vila Isabel) e Subúrbios ....... 45
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 13
INTRODUÇÃO
Em março de 2016, havia sido publicada uma charge na página do Facebook “Subur-
bano da Depressão”1 que satirizava a imagem do morador do bairro da Tijuca, no Rio
de Janeiro. O teor da piada seguia o senso comum que os moradores dos Subúrbios
cariocas aparentemente atribuíam àquele na percepção de seus contrastes interati-
vos. Na ilustração, via-se a figura de um homem “batendo panela” na sacada de um
apartamento que, em linhas gerais, simulava o padrão de moradia de uma família de
classe social média, média alta. À primeira vista, a cena poderia aludir ao movimento
político dos “panelaços” se não fosse por sua legenda: “Tijucanos batem panela em
protesto à abertura de um [supermercado] Guanabara no bairro... alegando que isso
é coisa de suburbano”. Como nas histórias em quadrinhos, o personagem simulava a
seguinte fala: “Aqui é Zona Sul, p.…!!”.
Nesse mapa, “Zona Sul” e “Subúrbios” aparecem como categorias opostas que
refletem o perfil de segregação residencial centro versus periferia iniciado na cidade
no princípio do século XX. Paralelamente, também são categorias fluídas: significa
dizer que a expansão imobiliária das classes dominantes rumo à Barra da Tijuca, no
litoral da Zona Oeste, a partir dos anos 1980, incorporou este (hoje) endinheirado ar-
rabalde à paisagem utópica que se faz de uma “Zona Sul”. Na mesma corrente, os
antigos bairros rurais e periféricos do Rio, nos confins da Zona Oeste não litorânea,
assim como alguns municípios da Baixada Fluminense, também têm sido gradativa-
mente imaginados como “Subúrbios” pelas mesmas razões daquela.
15
Abrigando cerca de 160 mil moradores distribuídos numa área de 1.006,56 hec-
tares – quase o dobro do tamanho de Copacabana – margeada por belas montanhas,
a ocupação da Tijuca remonta ao período joanino (1808-1821), quando a cidade ainda
era uma simplória mancha urbana em torno do seu atual Centro histórico e financeiro.
Povoada e urbanizada por figurões da aristocracia imperial brasileira, foi o primeiro
bairro do Rio de Janeiro a ser atendido pelos bondes elétricos e a ter seu próprio
subcentro nos anos de 1930. Tal feito concedeu à Praça Saenz Peña, localizada no
bairro, a alcunha de “a segunda Cinelândia carioca”, pelo número de cinemas e, tam-
bém, por seu buliçoso e sofisticado comércio de rua. Ao longo do século XX, consoli-
dou-se como reduto típico de uma classe média bem posicionada vista como “tradici-
onal, conservadora e bairrista”, aposto que lhe foi historicamente atribuído pelos jor-
nais e formadores de opinião. Um bairro “família”, em resumo.
Porém, o passado nobre e aristocrático que, um dia, nos idos do século XIX e
princípios do XX, colocava a Tijuca no vértice da pirâmide social carioca – antes
mesmo de Copacabana, Ipanema ou Leblon serem “inventados” como tais – fez com
que o espaço social e físico contemporâneo daquele bairro se tornasse saudosista
com o que foi e lamentoso com o que aparentemente se tornou. Não são poucos os
jornalistas e literatos em seus artigos, romances, telenovelas e crônicas que se dis-
põem a falar de uma Tijuca romântica de tempos pretéritos e de uma Tijuca diferente
dos tempos atuais. Nas redes sociais, pululam páginas, blogs e fóruns dedicados a
discorrer com entusiasmo sobre essa Tijuca de antigamente e queixumes quanto à
Tijuca de hoje. Uma Tijuca que assiste, decerto, ao desmanche da sua fisionomia de
tempos sofisticados que, no passado, tanto encantou o pintor alemão Johann Moritz
Rugendas.
16
Deste modo, a presente pesquisa assumiu como hipótese que a noção de efeito
de lugar, de Pierre Bourdieu, teria influência relevante no modo com o espaço da Ti-
juca vem sendo ressignificado. Para investigar essa hipótese, é necessário levar em
conta a evolução da estrutura urbana do Rio de Janeiro e o modo como as relações
sociais têm se desencadeado no território. De acordo com a literatura abordada nesta
pesquisa, o modelo de segregação tem se acirrado cada vez mais nos últimos 50
anos, construindo paisagens e fisionomias urbanas específicas que endossam o que
é um “centro” e o que é uma “periferia” por esse imaginário. Além disso, a incorporação
de novas áreas ao tecido urbano – a exemplo da Barra da Tijuca – também vem pro-
movendo uma reestruturação socioespacial que enriquece determinados locais à
custa do empobrecimento de outros.
PARTE I
O “PROBLEMA” DA TIJUCA
21
Este capítulo tem o objetivo de situar o lugar da Tijuca no espaço social e físico carioca
na perspectiva teórica dos estudos sobre segregação residencial na área do Planeja-
mento Urbano e Regional. Para isto, o presente capítulo discute que, nas grandes
cidades contemporâneas do mundo ocidental, o melhor representante da vinculação
existente entre o espaço social e o espaço físico é o espaço urbano, porque nele se
organizam territorialmente as diferentes classes sociais que, quanto mais homogê-
neas entre si, mais tendem a concentrar-se em uma mesma localidade do espaço
físico. Assim sendo, a tônica do processo de segregação residencial das cidades em
geral denota a formação de localizações específicas – a exemplo dos bairros – ocu-
padas por classes geralmente afins em termos de renda, status sócio-ocupacional,
nível de instrução etc. Logo, este capítulo ilustra a categoria “bairro” no modo como a
hierarquia do espaço social é transposta no espaço físico, projetando sobre as suas
diferentes localizações um escalonamento de valores que engloba a importância re-
lativa de certos lugares em detrimento de outros em termos materiais – concentração
de bens e equipamentos – e simbólicos – status relativamente positivos ou negativos.
Para o sociólogo francês Pierre Bourdieu (2008), o espaço social é uma dimen-
são abstrata que não podemos mostrar nem tocar2. É constituído por posições sociais
definidas pela maneira como os indivíduos biológicos se relacionam uns com os ou-
tros, aspecto que os designa como agentes sociais. Trata-se de uma realidade invisí-
vel cuja estruturação é geradora das práticas de socialização dos seus agentes, cada
qual ocupante de uma única posição nesse espaço. Assim, pode-se dizer que o ce-
nário deste estudo – isto é, a cidade do Rio de Janeiro –, para além de um espaço
físico, também seja um espaço social formado por um conjunto de posições distintas
e coexistentes, exteriores umas às outras, ordenadas e escalonadas por relações de
2 Utilizou-se o postulado teórico de Pierre Bourdieu tendo como referência os textos "Efeitos de lugar"
(1997) e "Os três estados do capital cultural" (1998) e as obras A Distinção: crítica social do julgamento
(2007a), A economia das trocas simbólicas (2007b), O poder simbólico (1989) e Razões práticas: sobre
a teoria da ação (1996).
22
As posições sociais se distinguem umas das outras por três princípios básicos:
o da estrutura de capital, o do volume global de capitais e o da trajetória das posições
dos agentes sociais. A estrutura de capital equivale à proporção separada de capitais
que um agente social dispõe, enquanto o volume global de capitais sintetiza o mon-
tante e o peso relativo desses capitais possuído por ele conforme a estrutura social
em que esteja inserido. Já a trajetória diz respeito a um processo no qual as práticas
de socialização realizadas e/ou vividas por um agente podem fazê-lo acumular expe-
riências passíveis de aumentarem ou reduzirem a estrutura e o volume de capitais
que possui, indicando, portanto, como a sua posição pode ascender ou descender ao
longo do tempo.
Bourdieu (2007a; 2007b; 2008) mostra que os tipos de capitais mais relevantes
de diferenciação na estrutura social de sociedades de matriz ocidental são o capital
econômico e o capital cultural. O capital econômico se traduz na condição de um
agente social em deter uma determinada parcela dos fatores de produção e/ou de um
conjunto de bens econômicos, ambos passíveis de redução ou de ampliação no trans-
curso de sua trajetória. O capital cultural é aquele adquirido por intermédio dos pro-
cessos de socialização no decurso desse mesmo período. A formação escolar se evi-
dencia como um dos mais importantes mecanismos de transmissão de cultura e que
pode ser mais ou menos assimilada pelo agente dependendo de como sejam dadas
as suas relações sociais, especialmente as relações familiares. Famílias cujo nível de
escolaridade é alto tendem a contribuir de forma mais significativa no processo de
educação de seus filhos, favorecendo a absorção de maiores referências culturais e
de conhecimentos legitimados por um parâmetro de erudição. Isto é o que Bourdieu
(1998) considera por capital cultural incorporado, parte integrante do indivíduo e que
não pode ser desvinculado de sua singularidade social. Uma amostra do capital cul-
tural incorporado é observada nas preferências e no domínio maior ou menor da lín-
gua culta, por exemplo.
O capital social é entendido como aquele “de relações mundanas, que pode,
se for o caso, fornecer ‘apoios úteis’” (BOURDIEU, 2007, p. 112) à reprodução e ao
bem-estar social dos agentes detentores desse recurso. Ele sintetizaria, então, as re-
lações sociais capazes de serem revertidas em possibilidades de se desfrutar de van-
tagens sociais, a exemplo da troca de favores ou da asseguração de uma confiabili-
dade nas relações cotidianas que porventura tragam benefícios à manutenção ou à
24
ascensão social dos agentes em pauta. O capital político, por sua vez, é aquele que
permite a alguns agentes sociais, mais do que a outros, serem reconhecidos e aceitos
como atores políticos, qualificando-os por uma competência de ação política. Bourdieu
(2008, p. 31) sublinha que o capital político assegura a seus detentores o direito de
apropriação de bens e de serviços públicos (residências, veículos, hospitais, escolas
etc.) sob o reconhecimento de que são “personalidades públicas”.
Desta maneira, o espaço social é formado por uma hierarquia onde os agentes
e classes sociais que dispõem de maior volume global de capitais ocupam as posições
mais altas, enquanto aqueles agentes e classes sociais que dispõem de menor vo-
lume global de capitais ocupam as posições mais baixas. Aos primeiros, Bourdieu
(2007a; 2007b; 2008) outorga a condição de classe social dominante, enquanto de-
termina aos últimos a condição de classe social dominada.
tos, distanciando-se das classes dominadas, e que ora se aproxima das classes do-
minadas pelo compartilhamento de outros, distanciando-se, assim, das classes domi-
nantes. No entanto, faz-se necessário o apontamento de que a concepção de classe
média tratada por Bourdieu é relevantemente distinta à concepção ideológica que se
faz da mesma categoria no contexto brasileiro – e da qual trataremos mais ilustrada-
mente para o estudo do lugar da Tijuca no espaço carioca nos capítulos seguintes.
quemas classificatórios que o levam a ter um gosto particular e uma capacidade sin-
gular de assimilação das diferenças. Neste sentido, a tomada de posição representa
a objetivação dessas disposições, traduzidas na preferência por um tipo de vinho e
não por outro, na disposição em gostar mais de caminhadas ou de atividades pes-
queiras, no gosto pela guitarra e não pelo acordeão, etc. De maneira objetiva, Bour-
dieu (2008, p. 21) assinala que
Neste sentido, a qualificação dos habitus está orientada por uma hierarquia
onde as classes dominantes detêm o poder simbólico em atribuir qualidades positivas
a seus respectivos estilos de vida e qualidades gradativamente menos favoráveis aos
de outras classes sociais quanto mais estejam distantes delas no espaço social. Esse
poder simbólico é referido por Bourdieu (1989, pp. 7-8) como “um poder invisível que
27
somente pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que
lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem”. Nestes termos, a dominância de certo
habitus percebido como particular às classes dominantes se sobressai como referên-
cia, exercendo uma “violência simbólica” sobre os demais na qual os habitus domina-
dos tendem a ser percebidos quase sempre, mesmo por seus praticantes, do ponto
de vista destruidor e redutor da perspectiva daquelas.
Fonte: Reprodução do esquema apresentado em Bourdieu (2008, p. 20). Segundo o autor, a linha
pontilhada indica o limite entre a orientação política provável dos agentes sociais para a direita ou para
a esquerda para a sociedade francesa.
28
Com isso, Bourdieu (1989) aponta que a ideologia dominante difundida por
meio da cultura como “porta-voz” assegura uma comunicação imediata dos agentes
sociais dominantes com seus pares, integrando-os ficcionalmente com o restante da
sociedade no seu conjunto. Esse processo se transpõe como uma violência simbólica
na qual a ordem dominante é legitimada por meio da imposição de distinções que,
consequentemente, também são legitimadas a partir de como essas classes mais al-
tas veem a si mesmas e os outros.
O espaço social por si só não é territorializado; por isto ele se retraduz no es-
paço físico (BOURDIEU, 1997), correspondente a tudo aquilo que é próprio da natu-
reza. Da mesma forma que os sujeitos ocupam uma posição no espaço social, eles
também ocupam e se apropriam de uma respectiva posição física nessa outra dimen-
são. Assim, o espaço físico remete a uma localização no sentido único de exteriori-
dade com as demais, enquanto o espaço social indica uma gradação inserida em certa
ordem num sentido de exclusão e distinção em relação às outras posições sociais:
O poder sobre o espaço que a posse de capital proporciona, sob suas dife-
rentes espécies, se manifesta no espaço físico apropriado sob a forma de
uma certa relação entre a estrutura espacial da distribuição dos agentes e a
29
A ocupação no espaço físico faz com que as práticas de socialização dos agen-
tes se materializem de diferentes maneiras na localização em que estejam situados.
Segundo o geógrafo britânico David Harvey (2006), essa materialização sintetiza o
modo como os agentes sociais agem em prol da produção tangível do espaço através
da implantação de infraestruturas físicas essenciais à sua reprodução. Essas práticas
materiais produzem equipamentos e bens de consumo acessíveis neste espaço, que,
correlacionados à distribuição física dos agentes ali, configuram a projeção de um
espaço social reificado – isto é, o espaço físico apropriado por uma determinada
classe (BOURDIEU, 1997).
Nas grandes cidades, o espaço urbano é o lócus por excelência dessas dispu-
tas individuais ou coletivas. Conforme o concebemos hoje, o espaço urbano é produto
da apropriação do espaço físico pelas classes sociais no capitalismo. Diante do seu
caráter intrinsecamente excludente, as lutas pelos “ganhos de espaço” são notórias,
evidenciando as disparidades sociais deste sistema projetadas no espaço. Nestes ter-
30
mos, o geógrafo Roberto Lobato Corrêa (1993) atribui ao espaço urbano contemporâ-
neo a dimensão de “um conjunto de diferentes usos da terra justapostos entre si” (p.
7) simultaneamente fragmentado e articulado. As práticas materiais dão forma ao es-
paço urbano na medida em que investimentos de capital, mais-valia, salários, juros e
rendas se substancializam no espaço físico através de imóveis, bens de consumo,
equipamentos de uso coletivo, entre outros recursos materiais. São essas práticas as
responsáveis pela estruturação de uma organização espacial urbana cujas partes
mantêm relações com as demais em graus de intensidade que variam de caso a caso
e a depender de aspectos como os da concentração de renda e recursos, da densi-
dade do uso do solo, da extensão relativa da malha urbana etc.
ção territorial. Com isso, percebeu que essa tendência à concentração de “iguais” fun-
cionava como ponto de atração para outros agentes ou classes que compartilhassem
uma mesma característica identitária. Assim, enquanto essas aglomerações espaciais
tendiam a uma homogeneização social interna, dialeticamente se inclinavam para
uma heterogeneização social frente às demais.
Park (1987) nomeou esse caso de “região moral” por ser um tipo de aglomera-
ção viabilizada pelo compartilhamento de valores, visões de mundo ou de gosto simi-
lar por interesses comuns baseados em questões étnicas ou culturais – isto é, por
uma segregação fundada em indivíduos e grupos:
Nesta lógica, a maior concentração de classes mais altas num território contí-
guo e a maior concentração de classes mais baixas em outro indica a representação
32
3 Esta pesquisa aborda o conceito de “centralidade” a partir das definições de Flávio Villaça (1998), em
Espaço intra-urbano no Brasil, e Manuel Castells (2000), em A questão urbana. Isto é, a “centralidade”
como contraponto à periferia (VILLAÇA, 1998), mas também a “centralidade” como o território que,
transcendendo a paisagem e as funções do core histórico, aponta para um sentido de espaço carregado
de conteúdos sociais que o projeta como icônico dentro da cidade e, portanto, de uso comum pela
população.
4 Manuel Castells (2000) comenta que essas regiões, em geral, são constituídas pelo core histórico e,
portanto, apontam para um sentido de espaço carregado de conteúdos sociais que as projetam como
icônicas dentro da cidade e, ou seja, de uso comum pela população.
33
particularidades e na maneira como esse espaço foi e vem sendo produzido tanto
material como simbolicamente, permite-nos compreender de que forma tais fronteiras
sociais conseguem ser mais bem compreendidas e estipuladas.
Vale dizer que mesmo a Zona Sul carioca pode concentrar classes médias e/ou
dominadas. O caso das favelas cariocas é um exemplo clássico de distância social-
proximidade territorial quando inscritas nos bairros centrais, popularmente conhecidos
por “nobres”. Logo, o que distingue a Zona Sul como centralidade é a maior concen-
tração relativa das classes dominantes ali em relação às demais áreas da cidade. Em
seu estudo sobre a produção do espaço intraurbano brasileiro, Villaça (1998) aponta
a tendência de as classes dominantes ocuparem primordialmente a faixa de terra à
beira-mar nas metrópoles litorâneas brasileiras, como o Rio de Janeiro e Salvador,
relegando o interior do território à ocupação das classes menos abastadas. Por outro
35
5Este trabalho se vale especialmente dos estudos do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Ob-
servatório das Metrópoles (RIBEIRO, 2015; RIBEIRO; RIBEIRO, 2015; RIBEIRO; CHETRY, 2015;
LAGO; CARDOSO, 2015), a ser discutidos mais à frente.
36
Mais uma vez vemos uma localização mudar sem alterar sua posição no es-
paço euclidiano, mas através da teia de relações que a definem enquanto
“localização”. A “localização” Tijuca se transformou, ao mesmo tempo e como
parte de um processo mais global de um único todo, segundo os quais mu-
daram o grupo social a ela associado, a Tijuca enquanto espaço arquitetô-
nico, o centro do Rio, a zona Sul enquanto zona residencial, etc.; tudo isso
sem que, evidentemente, a Tijuca “saísse do lugar” (ibid.).
Os resultados por nós alcançados mostram que a classe média no Brasil diz
respeito não àquela camada estatisticamente intermediária – a “classe C” de
Neri (2008) –, mas sim aos indivíduos mais abastados (camada “AB”) da po-
pulação: pessoas com renda domiciliar elevada, nível superior de escolari-
dade, inseridas em categorias ocupacionais de prestígio médio-alto, com mai-
ores probabilidades de possuir plano de saúde, poupança, frequentar teatros,
viajar para o exterior, ter os filhos estudando em escolas privadas etc. São
essas pessoas que formam a classe média brasileira, embora estejam longe
de ser a imagem mais próxima do brasileiro mediano, ou a camada interme-
diária (p. 133).
37
O tipo superior possui esse nome porque é o tipo socioespacial que assume
a posição mais elevada na hierarquia socioespacial. Ele se caracteriza por
concentrar relativamente as pessoas que ocupam posição mais elevada na
estrutura social, posições referentes às categorias sócio-ocupacionais do
grupo de dirigentes e do grupo de profissionais de nível superior (RIBEIRO;
RIBEIRO, 2015, p. 182).
Leblon, Jardim Botânico, Gávea e São Conrado); Copacabana (Copacabana e Leme); Botafogo (Bota-
fogo, Flamengo, Humaitá, Urca, Laranjeiras, Cosme Velho, Glória e Catete).
39
8 Distritos médios do Subúrbio: Méier (Abolição, Água Santa, Engenho de Dentro, Engenho Novo, Ja-
caré, Lins de Vasconcelos, Méier, Pilares, Riachuelo, Rocha, Sampaio, São Francisco Xavier, Todos
os Santos, Piedade e Encantado); Irajá (Irajá, Colégio, Vicente de Carvalho, Vila Cosmos, Vila da Pe-
nha, Vista Alegre); Madureira (Madureira, Bento Ribeiro, Campinho, Cascadura, Honório Gurgel, Ma-
rechal Hermes, Oswaldo Cruz, Rocha Miranda, Vaz Lobo, Turiaçu); Inhaúma (Inhaúma, Engenho da
Rainha, Higienópolis e Tomás Coelho).
9 Distritos como os de Ramos, Penha, Ilha do Governador, Pavuna e Anchieta não foram levados em
conta na análise comparativa de Lago e Cardoso (2015). Já o distrito de São Cristóvão foi categorizado
pelos autores como parte da Zona Central.
40
Em síntese, vale dizer que os distritos da Tijuca e de Vila Isabel ocupam posi-
ções claramente inferiores em relação aos distritos da Zona Sul (especialmente Co-
pacabana e Lagoa) e da Barra da Tijuca no espaço social das centralidades. O pano-
rama muda de figura quando observada a participação das posições mais descenden-
tes. Nesta escala, a Tijuca, junto a Vila Isabel e Botafogo, eleva sua participação em
10 A concepção de “classe média” nos termos das CATs indica apenas a condição intermediária entre
a classe superior e a de trabalhadores manuais. Não corresponde ao conceito brasileiro de “classe
média” debatido por André Salata (2015).
11 É interessante observar como se dá a participação de trabalhadores manuais nos distritos mais ricos.
Os números da Lagoa e da Barra da Tijuca, mais altos que nos demais, leva-nos ao indicativo da
possível presença de empregados domésticos residentes nas casas dos “patrões e patroas” ou mesmo
da presença de favelas nestes territórios, onde tradicionalmente há a concentração de categorias sócio-
ocupacionais mais baixas.
41
1,7
1,5
1,4
1,3
1,3
1,2
1,2
1,2
1,2
1,2
1,2
1,1
1,1
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1,0
1,0
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0,9
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0,9
0,9
0,9
0,9
0,9
0,9
0,9
0,7
0,7
0,7
0,7
0,6
0,5
0,5
0,4
0,4
Observação: O valor 1,0 equivale à média representativa. Leia-se: O valor da concentração relativa de “Profissio-
nais Empregados de Nível Superior” na Tijuca (1,0) equivale à média percebida na região de tipo superior, en-
quanto Botafogo apresenta uma densidade 10% acima da média (1,1) para a mesma categoria.
Elaboração: Observatório das Metrópoles (2017).
42
1,4
1,4
1,3
1,3
1,3
1,2
1,2
1,2
1,1
1,1
1,1
1,1
1,1
1,1
1,1
1,1
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1,1
1,1
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1,0
0,9
0,9
0,9
0,9
0,9
0,9
0,9
0,8
0,8
0,8
0,8
0,7
0,7
0,7
0,6
0,6
0,6
Observação: O valor 1,0 equivale à média representativa. Leia-se: O valor da concentração relativa de “Pequenos
Empregadores” em Botafogo equivale à média percebida (1,0) na região de tipo superior, enquanto Copacabana
apresenta densidade 10% abaixo da média (0,9) para a mesma categoria.
Elaboração: Observatório das Metrópoles (2017).
sobe para 57% em Madureira, 55% em Inhaúma, 49% no Irajá e 43% no Méier. Sem
dúvidas, o ponto em comum entre a “Zona Norte” e os Subúrbios é alusivo à partici-
pação da classe “Média”, todos na faixa dos 30% (Tabela 2).
12Distritos médios do Subúrbio: Méier (Méier, Abolição, Água Santa, Engenho de Dentro, Engenho
Novo, Jacaré, Lins de Vasconcelos, Pilares, Riachuelo, Rocha, Sampaio, São Francisco Xavier, Todos
os Santos, Piedade e Encantado); Irajá (Irajá, Colégio, Vicente de Carvalho, Vila Cosmos, Vila da Pe-
nha, Vista Alegre); Madureira (Madureira, Bento Ribeiro, Campinho, Cascadura, Honório Gurgel, Ma-
rechal Hermes, Oswaldo Cruz, Rocha Miranda, Vaz Lobo, Turiaçu); Inhaúma (Inhaúma, Engenho da
Rainha, Higienópolis e Tomás Coelho).
44
Tijuca cai para 50, 40, 21 e 43%, respectivamente. A mesma discrepância ocorre
quando observados os percentuais do tipo “casa” e “vila condomínio”. Por outro lado,
a participação de pessoas residentes em favela é maior na Tijuca e em Vila Isabel do
que na Zona Sul e parecida entre a Tijuca, Vila Isabel e os distritos suburbanos.
Botafogo 8% 2% 90% 0% 6%
Copacabana 7% 1% 93% 0% 9%
Lagoa 13% 2% 85% 0% 10%
Tijuca 16% 4% 79% 1% 14%
Vila Isabel 21% 8% 70% 0% 16%
Barra da Tijuca 23% 7% 68% 1% 20%
Fonte: Lago e Cardoso (2015, p. 375), com base no censo demográfico do IBGE (2010).
* Dados censitários do universo; 2010.
Tabela 4. Domicílios segundo o tipo (2010) – Zona Norte (Tijuca e Vila Isabel) e Subúrbios
Subúrbios Ou-
Casa Vila Condomínio Apartamento % pessoas em favelas*
(Distritos médios) tros
Tabela 5. Renda média dos chefes ocupados segundo condição de ocupação do domicílio
(em R$ - 2000-2010) – distritos superiores
Próprio quitado Próprio prestação Alugado
Distritos superiores
2000 2010 2000 2010 2000 2010
Botafogo 8.321 9.542 9.409 11.468 6.267 7.593
Copacabana 8.476 8.827 7.914 11.563 6.368 6.601
Lagoa 12.639 14.672 14.346 15.265 10.905 13.413
Tijuca 7.260 8.080 10.300 10.639 6.011 7.687
Vila Isabel 6.174 6.420 7.716 8.280 5.120 5.610
Barra da Tijuca 11.509 11.686 13.170 14.918 9.095 7.669
Fonte: Lago e Cardoso (2015, p. 376), com base nos censos demográficos do IBGE (2000; 2010).
45
Tabela 6. Renda média dos chefes ocupados segundo condição de ocupação do domicílio
(em R$ - 2000-2010) – Zona Norte (Tijuca e Vila Isabel) e Subúrbios
Não obstante a proximidade social relativa entre Tijuca e Zona Sul atestada no
item anterior, quando analisada a proximidade territorial entre esses dois locais tem-
se outro panorama. O “mapa das centralidades” sustentado pelo Observatório das
Metrópoles a partir das regiões de tipo superior configura uma mancha urbana que
transcende a Zona Sul, incluindo “Zona Norte” e uma parcela da Zona Oeste. Essa
configuração territorial é peculiar ao esquema clássico de segregação residencial for-
mulado pelo economista estadunidense Homer Hoyt no final da década de 1930 e que
serve de referência para muitos estudos, especialmente, no campo da Geografia. O
modelo de Hoyt indica a segregação residencial por regiões ou setores territoriais con-
tíguos, de forma territorialmente adjacente aos espaços pioneiros de aglomeração de-
senvolvida para gerar a aproximação de pessoas e serviços em dada localidade – a
exemplo do que Villaça (1998) chama de “centro principal” (Center Business District),
o equivalente ao nosso core histórico.
Tendo esta posição do espaço urbano como ponto difusor da expansão das
classes dominantes pelo território, o modelo de Hoyt enfatiza a tendência de que os
bairros ocupados pelas classes dominantes “andam” ou “deslocam-se” sempre na
mesma direção, conformando uma única região geral. Villaça (1998) e Corrêa (1993)
apontam que essa tendência é mais bem observada em espaços urbanos de países
subdesenvolvidos do que nos países centrais, em que nestes últimos ocorre uma ten-
dência de expansão territorial concêntrica. Daí a constatação de que o vetor de ex-
pansão urbana carioca empreendido no início do século XX “desloca-se” em sentido
contrário à Tijuca. Assim, na medida em que a ideia de contiguidade territorial se subs-
creve como indicador de “coesão simbólica-regional” atribuída ao grupo dos bairros
elitizados é que se percebe uma primeira distância territorial entre Tijuca e Zona Sul.
montanha entre essas duas áreas. Dessa forma, é razoável argumentar que a distân-
cia territorial também passe a atingir o prisma simbólico, projetando a percepção sub-
jetiva de certa “lonjura” entre esses dois locais tendo em vista o desmembramento
territorial.
Isto nos leva à hipótese de pesquisa de que a ideia de efeito de lugar seria
preponderante para entender e qualificar a posição social ocupada pelo bairro da Ti-
juca no espaço carioca. Suspeita-se que o efeito de lugar teria influência relevante no
modo como a percepção de espaço da Tijuca vem sendo ressignificada através das
“teias de relações sociais (que necessariamente têm de se materializar em desloca-
mentos de pessoas) que definem uma estrutura espacial urbana” (VILLAÇA, 1998, p.
174) ao longo do século XX e princípios do século XXI.
Todo mundo tem que carregar pela vida o fardo da sua origem. O meu é a
Tijuca. Logo eu, que sempre mantive uma distância saudável de pseudointe-
lectuais – que é como eu chamava, há alguns anos, os descoladinhos de
gosto supostamente refinado que fingem ter conhecimento sobre tudo, mas
não passam de reles mortais como nós – tive a má sorte de nascer no bairro
mais “pseudo” do Rio de Janeiro.
A Tijuca é uma adolescente em crise, que não sabe muito bem em que pa-
nelinha se encaixar. Sentindo-se deslocada na Linha 1 do Metrô, é metida
demais pra ser suburbana, mas falta um pouco de cosmopolitismo pra ser
Zona Sul.
[...]
Mas a Tijuca não é tão má assim. O que dizer de Grajaú, Vila Isabel, Mara-
canã, Rio Comprido, Alto da Boa Vista, Andaraí...? “Pseudo Tijucas”! (WIL-
TGEN, 2016).
Na crônica que introduz este capítulo, a jornalista Julia Wiltgen (2016) sintetiza
a Tijuca como uma “adolescente em crise, que não sabe em que panelinha se encai-
xar”. Para uns, seria um bairro “pseudo-rico”; para outros, “pseudopobre” – argumenta
ela. Ao ironizar sua posição no espaço social do Rio de Janeiro, Wiltgen (2016) mani-
festa uma representação espacial que carrega linguisticamente em seu discurso va-
lores e ideologias de uma tijucana em constante interação com outros bairros tratados
como “mundos sociais” à parte do da Tijuca. Ao mesmo tempo, esses outros mundos
– em tese, “distantes” – são referenciais daquilo que a Tijuca, no seu ponto de vista,
se constitui: um pouquinho de Zona Sul, um pouquinho de “Subúrbio”, mas sem ser
nenhum deles, na sua verdade.
Contudo, para o nosso objeto de estudo essa previsibilidade parece não ocor-
rer. Isto configura a própria problemática da Tijuca hoje em dia: a constatação de que
as qualidades simbólicas atribuídas ao seu espaço constituem um “ponto fora da
curva” pela pluralidade discordante que as caracteriza em relação às qualidades ge-
ralmente mais previsíveis e regulares atribuídas a outros bairros do Rio.
51
–, a repercussão dessa charge nas redes sociais se valeu de outros discursos. A sátira
feita à Tijuca foi endossada pelo tom ácido através do qual os tijucanos são aparen-
temente julgados pelos moradores dos bairros suburbanos. “Tadinho do meu pai tiju-
cano, vai morrer de desgosto com mais uma prova da suburbanisse do bairro dele!”,
comentou uma usuária da rede. “Tijucano anda de bermuda tactel como se fosse atra-
vessar a rua e dar um tchibum no mar”, alegou um rapaz. “Não contaram para esses
metidos que Tijuca faz parte da zona norte, suburbanos!!”, esbravejou uma moça. “Ti-
jucano é um povo babaca mesmo. Paga tudo mais caro, até o pão francês é 1 real,
para viver cercado de favelas e a 10 quilômetros da praia”, finalizou outro.
De outro ponto de vista, a ideia de que a Tijuca seria um bairro com ares de
Zona Sul também tende a ser costumeiramente reafirmada pelas redes sociais sob o
epíteto deste lugar ser “A Zona Sul da Zona Norte”. Entretanto, a distinção entre ser
“Zona Sul” e ser “A Zona Sul da Zona Norte” estaria diretamente associada ao estilo
de vida percebido da Tijuca, considerado em alguns casos como “cafona” e “extrava-
gante”. Adjetivos, portanto, peculiares a um bairro considerado periférico, mas com
pretensões fidalgas pela condição econômica e cultural relativamente mais elevada
que a de sua vizinhança – tal como foi mostrado no Capítulo 1. Só que, ainda assim,
malsucedido em se espelhar de forma “adequada” nos padrões de elegância percebi-
dos na parte consideravelmente nobre do Rio.
assunção dos tijucanos de se sentirem parte desse seleto grupo de privilegiados que,
por naturalmente, não habitaria a Zona Norte carioca. Nestas ocorrências, bastante
representativas da polifonia de significados que caracteriza a Tijuca e do próprio ima-
ginário que se atribui aos determinismos espaciais da cidade, observa-se um outro
paradoxo.
Os esforços em qualificar a Tijuca ora como “Subúrbio”, ora como “A Zona Sul
da Zona Norte” adviriam de um reconhecimento mútuo de que o bairro seria sui gene-
ris justamente por essa suposta falta de identidade apontada no início por Wiltgen
(2016). Uma falta de identidade que, por não se encaixar nas categorias pré-definidas
que representam simbolicamente os espaços físicos e sociais da cidade, na prática,
projetaria uma personalidade notável sobre o que é “ser tijucano” – muitas das vezes,
sinônimo de tradicional e bairrista. O advogado e cronista Eduardo Goldenberg, fa-
moso por suas publicações no blog “Buteco do Edu” – tendo já contribuído, inclusive,
como colunista do Jornal do Brasil – é exemplar desse espírito bairrista associado
ao estereótipo que se faz comumente da Tijuca. Tijucano entusiasta, Goldenberg
(2009) percebe e representa o seu torrão por meio de discursos apaixonados e, tam-
bém, defensivos contra as pechas atribuídas àquele lugar:
A Tijuca – é meu mote constante – que eu defendo com unhas e dentes ser
o mais aprazível dos bairros da cidade do Rio de Janeiro (o que consequen-
temente me faz afirmar, sem medo do erro, ser o melhor bairro do mundo),
não tem a Lagoa e a árvore-monstrengo como propaganda flutuante de um
grande banco, não tem a praia de Copacabana e os milhões de homens, mu-
lheres e crianças olhando pro céu à meia-noite do dia 31, não tem a superlo-
tação de shoppings que a Barra (cada vez menos da Tijuca) tem, mas somos
aqui – os que negam não têm olhos de ver e nem ouvidos de ouvir – cidadãos
felizes por vivermos no aprazível bairro que empresa seu nome a seus nati-
vos.
[...]
Eu, que tenho raízes profundas fincadas no bairro da Tijuca, ainda que saiba
haver, entre nós, gente que detesta o bairro (ainda que morando aqui), gen-
te preconceituosa que considera favela a “tragédia da sociedade”, gente que
torce o nariz para nossas mais caras tradições (as lojas de rua, as escolas de
samba, os bares, os botequins…), desejo a todos – mesmo – um final de ano
com efetiva possibilidade de ampla reflexão a fim que estejamos, no ano que
chega, mais afinados e mais dispostos ao bem comum, coletivo, sem qual-
quer barreira criada pelo preconceito e pelo medo, que mata aos pou-cos
(“Natal na Tijuca”, 22 dez. 2009).
55
classe sobre a outra supera a ordem econômica. Neste enredo, inclui-se especial-
mente o estilo de vida e as trajetórias do agente social no espaço. Isto é, os lugares
ocupados tanto física como social e simbolicamente no mapa social reiterado por Gil-
berto Velho (1989):
Para este caso, o espaço da Tijuca é percebido pela Prefeitura do Rio de Ja-
neiro como equivalente ao da Zona Sul por portarem indicadores sociais parecidos
58
Nota-se, portanto, que enquanto a Zona Sul e parte do Centro do Rio de Janeiro
se inserem na Macrozona de Ocupação Controlada, a “Zona Norte” (Tijuca/Vila Isabel)
é incorporada à Macrozona de Ocupação Incentivada, conformada majoritariamente
pelos bairros suburbanos e por outros distritos centrais, como os do Rio Comprido e
da Zona Portuária. É, também, interessante observar a definição atribuída pela Pre-
feitura do Rio de Janeiro à Macrozona Incentivada como um lugar cuja ocupação de-
veria ser “estimulada, principalmente nas áreas já dotadas de infraestrutura, mas que
nos últimos anos sofreram esvaziamento e deterioração”14.
14A ideia de “áreas já dotadas de infraestrutura, mas que nos últimos anos sofreram esvaziamento e
deterioração” parece resguardar bastante proximidade com o processo de urbanização e ocupação da
Barra da Tijuca como nova centralidade no vetor de expansão à beira-mar a partir dos anos 1970/80.
Entre 1991 e 2000, o crescimento populacional da Barra da Tijuca atingiu índices de 20% ou mais,
enquanto a maioria dos bairros da Zona Norte, do Centro e de alguns bairros suburbanos próximos ao
núcleo passou por um processo de decréscimo populacional. Segundo dados da Prefeitura, a Zona Sul
também sofreu com um decréscimo populacional, embora em menor grau. Ver maiores informações
no Armazém de Dados da Prefeitura do Rio de Janeiro, disponível em: <http://www.armazemdeda-
dos.rio.rj.gov.br/arquivos/1325_crescimento%20da%20popula%C3%A7%C3%A3o,%20por%20bair-
ros%20-%201991%20-%202000.JPG>. Acesso em 18 out. 2016.
60
Ao dizer que o bairro da Tijuca seria “uma amostra magnífica do nosso querido
Brasil”, associa-o a um lugar socialmente multifacetado, afeito a uma pluralidade de
nuances existentes graças à sua posição interseccional entre duas realidades díspa-
res. Por conseguinte, uma multifacetação capaz de criar uma unidade socioespacial
própria, identificada e reconhecida pelos demais como nos termos propostos por
Graça Índias Cordeiro e António Firmino da Costa (1999) a respeito da categoria
“bairro”.
honoris causa dos bons modos, mas que eventualmente comete gafes ao trazer à
tona um perfil galanteador a moda antiga, considerado démodé pela classe domi-
nante:
A Tijuca me ensinou o olhar cínico, a lírica bandalha. João Bosco diz que sou
bom contador de histórias – no papo, bem entendido. Vamos imaginar uma:
por obra e graça do Espírito Santo, um tijucano consegue entrar numa festa
finíssima, de alta classe, dinheiro velho. Nada a ver com o aniversário do
Mamaluf. Traja um smoking impecável e comporta-se como um gentleman
de berço. Num dado instante, surge a bela anfitriã, num vestido com o corte
discreto e mortal de Yves Saint Laurent, uma joia verde-esmeralda, esban-
jando graça e elegância, e passa pertinho do nosso herói. Apesar de todas
as juras de se conter, tão certo como vão superfaturar a Copa e as Olimpía-
das, ele se inclina e sopra no ouvidinho dela, brisa em oiti:
– Se verde é assim, que dirá madura…
Por mais que o sujeito disfarce, a gente sempre nota o que há sob as roupas
Richards de um ex-tijucano. De repente um gesto inseguro, uma indecisão
no olhar, uma preocupação desnecessária com o cabelo, o trepidar da perna
na ponta dos pés, aquela agonia de não saber o que fazer com as mãos e,
pronto, o cara se entrega. O medo de errar, de ousar, de arriscar, de mudar,
de falhar, dessas coisas que atormentaram minha juventude ninguém se livra
63
assim, de uma hora para outra (REVISTA VEJA RIO, 1º jun. 2005, última
página).
Vocês não imaginam quantas namoradas perdi ao revelar que eu era um ci-
dadão da Rua Guajaratuba! Entre elas, uma lourinha linda que morava na
Rua Gorceix, em Ipanema! Como pode alguém que mora na Gorceix achar
ridículo que alguém more na Guajaratuba? Foi a pergunta que mais atormen-
tou a minha adolescência! Depois, vieram outras questões: por que diabos
quem nasce em Ipanema é de esquerda e quem vem ao mundo na Tijuca é
de direita? Por que o menino ipanemense faz análise e a gente fica de castigo
quando faz bobagem? Por que eu passo as férias em São Lourenço e a gata
da Gorceix em Londres? (JORNAL DO BRASIL, CADERNO PROGRAMA, 28
mar. 1997, p. 37).
dos moradores da Zona Sul. Não obstante a proximidade social entre os dois atestada
pelas Ciências Sociais, esses cronistas indicam o modo como os tijucanos reconhe-
cem subjetivamente a hierarquização do espaço social carioca a favor da dominância
da Zona Sul. Assim, os tijucanos buscariam reproduzir o suposto comportamento que
se imagina do lado “praiano e civilizado” da cidade como um “ganho de espaço”. Isso
se dá não apenas por um reconhecimento de classe, mas também pela necessidade
de aceitação social do tijucano em precisar legitimar publicamente o pertencimento à
classe à qual julga pertencer – a classe dominante.
Em suma, as diferenças entre esses dois estilos de vida indicam uma Zona Sul
moderna, sofisticada e cosmopolita, e uma “Zona Norte” tradicional e conservadora.
A própria representação da figura feminina tijucana – da qual não se comentou até
O contraste entre uma “Zona Norte” tradicional e uma Zona Sul moderna, mais
refinada, também foi representado pelo autor nestes contos. Em alguns casos, vê-se
que a perspectiva do dramaturgo sobre a classe média do bairro se apresenta a partir
de uma ótica mais subalterna à Zona Sul e, portanto, mais próxima à realidade de um
imaginário de “Zona Norte” afim com um cotidiano “prosaico” dos Subúrbios. Em pas-
sagem de seu livro de memórias A menina sem estrela, publicado pela Companhia
das Letras em 1993 (p. 35), Nelson Rodrigues afiança esse ponto de vista através da
qualificação social que atribui ao nome de sua vizinha, já como morador de Ipanema:
16 Pequena localidade situada no bairro de Vila Isabel junto à divisa com a Tijuca.
66
um espaço que, em termos sociais, se mostra distinto à Zona Sul, mas que também
pode se mostrar socialmente distinto dentro do próprio contexto em que se insere – a
“Zona Norte” ou Grande Tijuca.
Logo, infere-se sobre até que ponto o estigma em ser tijucano do qual Vasques
(1997) comenta anteriormente também possa ter a ver com a percepção de um es-
paço cujo ambiente construído e solo urbano parecem ter sido desvalorizados pela
suposta degradação de sua arquitetura, favelização, especulação imobiliária, entre
outros motivos. Neste sentido, o efeito de lugar, antes restrito a um estilo de vida “an-
tiquado” e “tradicional” frente à Zona Sul, parece sobressair em tempos mais recentes
a partir de uma perspectiva ampliada que engloba, sobretudo, um estranhamento ao
espaço vivido que põe em xeque o simbolismo do bairro como “nobre”.
Com os anos, a Tijuca, que tanto colo me dera, tornou-se uma lembrança
longínqua, sem significado para mim. Mas agora, admirando a vista daquela
varanda, as casas baixas que ainda guardavam a elegância passada, raras
sobreviventes da hecatombe do bairro, suspeitei da minha frieza. Aquele
fundo esquecido do Rio me trazia uma nostalgia sem fim. A rua sem saída, a
infância, os primos, os cuidados da avó e meu pai ainda vivo. A saudade de
mim. De ser filho e de ter mãe (p. 37).
Este capítulo apresenta o modo pelo qual se constituiu simbolicamente o mapa social
carioca conforme o desenvolvimento do processo de segregação residencial ocorrido
na cidade durante o século XX. Para entender o lugar que a Tijuca passou a ocupar
nesse contexto dicotômico entre Zona Sul versus “Zona Norte”/Subúrbios, recorreu-
se ao referencial teórico que explicasse os primórdios da urbanização do Rio no sé-
culo XIX, no qual esse bairro detinha relevância simbólica na estrutura social dos tem-
pos imperiais. Destrinchando os estilos de vida que se impuseram como dominantes
e dominados no Rio “moderno”, analisou-se o panorama urbano e social que reestru-
turou a teia de relações que configurava a estrutura urbana e as suas representações
nesse mapa social, situando a Tijuca sempre que oportuno.
Por sua vez, a Tijuca atraiu as elites graças ao perfil do seu espaço físico. Num
contexto onde os sítios elevados eram percebidos como mais seguros contra os ata-
ques de inimigos e, também, por seus bons ares, livres dos miasmas e das doenças
recorrentes no centro principal, o perfil acidentado da Tijuca foi fator decisivo de atra-
ção dos nobres e aristocratas que ali se instalaram, especialmente franceses. Já o
vetor de expansão que corria em sentido sul junto à Baía de Guanabara fez desenvol-
ver a faixa de terra entre os bairros da Glória e de Botafogo, onde se instalaram aris-
tocratas, em geral, e uma notória classe de ingleses, dando origem posteriormente ao
que se conheceria por Zona Sul nos dias de hoje.
69
Aqui, é oportuna esta digressão: embora esses topônimos tenham tido suas
nomenclaturas consolidadas mais para meados do século XIX, justo no momento
quando a urbanização dessas áreas para além do Centro já havia tomado maiores
proporções – alçando-os à categoria de freguesias –, existia uma diferenciação bas-
tante resoluta entre os topônimos “Tijuca” daquela época e a Tijuca de hoje. No pas-
sado, “Tijuca” referia-se à parte alta de matas da região, o que se conhece atualmente
pelo bairro do Alto da Boa Vista. Enquanto isso, Engenho Velho foi o nome dado à
grande freguesia cujas terras se espraiavam junto às encostas da “Tijuca”, a exemplo
do que se conhece nos dias contemporâneos pelo próprio bairro da Tijuca e parte de
suas adjacências – tal como mostram Elizabeth Dezouzart Cardoso, Robert Pechman,
Lilian Fessler Vaz e outros (1984), em História dos Bairros – Tijuca; Brasil Gerson
70
(2000), em História das Ruas do Rio; e Lili Rose Oliveira e Nelson Aguiar (2004), em
Tijuca, de Rua em Rua. Por esta razão, a referência de “Tijuca” entre aspas, neste
capítulo, será alusiva ao bairro do Alto da Boa Vista, ao passo que Engenho Velho
será mencionado como correspondente à Tijuca dos dias correntes.
Apesar dos eixos que levavam a São Cristóvão, “Tijuca” – Engenho Velho e
Botafogo se tratassem de localizações externas à urbe, Villaça (1998) questiona sobre
até que ponto as chácaras aí estabelecidas seriam residências permanentes ou de
veraneio das famílias proprietárias, colocando em xeque seu caráter rural. Como ar-
gumento, diz que, embora muitas das chácaras presentes nesses locais explorassem
a agricultura para fins comerciais, os chefes de família não estavam engajados neces-
sariamente em atividades agrícolas, levando um estilo de vida urbano:
No Rio, não eram raras as famílias que moravam na cidade, mas faziam uso
tão intenso e tão frequente das chácaras (passando longas temporadas, re-
cebendo hóspedes e promovendo recepções) que era difícil estabelecer qual
era a residência permanente, se o palacete ou o sobrado da cidade, ou a
chácara; entretanto, em termos de estilo de vida, essas famílias eram, sem
dúvida, urbanas. [...] O que pretendemos mostrar é que no Rio de Janeiro, na
primeira metade do século XIX – e só no Rio de Janeiro e em parte do Recife
–, pelo estilo de vida que apresentava a corte, pelas dimensões de sua elite,
seu cosmopolitismo e sua influência europeia, era comum que as famílias
urbanas morassem permanentemente fora da cidade ou em longínquos Su-
búrbios. Só no Rio havia uma corte, uma aristocracia europeia em contato
com a qual o patriarca rural-suburbano urbanizou-se sem mudar o local de
sua casa (p. 161).
Muitas das famílias que fizeram da “Tijuca” o seu habitat, nos termos colocados
por Villaça (1998), pertenciam a uma posição elevada da hierarquia social e, em larga
medida, eram recém-chegadas ao Brasil junto da Corte Portuguesa, em 180817. Fu-
gida da Europa pela invasão das tropas de Napoleão Bonaparte na Península Ibérica,
essas famílias encontraram na “Tijuca” oitocentista um refúgio para chamar de seu.
Em O Rio de todos os Brasis, Carlos Lessa (2005) salienta que a transferência da
17 Apesar disso, a territorialização da atual Tijuca já datava de dois séculos antes com a expulsão dos
franceses do Rio de Janeiro por Estácio de Sá, no final do século XVI. A Tijuca destacou-se por muito
tempo como terra jesuítica loteada de plantações de cana que favoreceram a instalação de diversos
engenhos açucareiros em seus domínios. Com o declínio da cana de açúcar no fim do século XVIII, as
chácaras da região foram diversificando suas atividades agrícolas através do cultivo de outros tipos de
produtos, como o cacau, anil, mandioca, legumes, hortaliças e frutas em geral. Se por um lado isto
reforçou o caráter rural daquela freguesia ainda mal integrada com a cidade, por outro também seria o
preâmbulo de uma transição urbana a partir do século seguinte.
71
sair das freguesias urbanas rumo à “Tijuca” passando pelo Engenho Velho, onde sur-
giram os primeiros hotéis da cidade e diversas outras casas de campo. Henry Cham-
berlain, tenente inglês que viveu no Rio de Janeiro de 1811 a 1827, chamava a Tijuca
de “Sintra Brasileira”, ponto obrigatório de visitantes estrangeiros para piqueniques e
excursões. Já o pintor alemão Johann Moritz Rugendas, desembarcado na cidade em
1821, retratou a Cascatinha (Cascata Taunay, situada no atual Parque Nacional da
Tijuca) em uma de suas gravuras com o seguinte depoimento a respeito do local:
18 De mais a mais, é importante destacar nesta passagem que a condição suburbana de bairros como
Tijuca, São Cristóvão e Botafogo na primeira metade do século XIX equivalia ao perfil de lugar situado
entre a urbe e o rural, e não ao significado de “subúrbio” construído socialmente no início do século XX
(FERNANDES, 2011), como veremos um pouco mais adiante.
73
19 Nesse período, Abreu (2008) destaca que São Cristóvão recebeu os primeiros ônibus de tração
animal e as primeiras diligências que se tiveram notícia na cidade, motivo pelo qual a região passava
a concentrar variados investimentos que, brevemente, a incorporaria à malha urbana do Rio de Janeiro.
Por outro lado, Lessa (2005, p. 82) diz que, em 1816, surgiu a primeira carruagem a cavalos ligando o
Centro a Botafogo. Embora não haja um consenso entre esses dois autores sobre essa informação,
vale concluir que as regiões a oeste e a sul do Centro eram decerto os vetores de expansão urbana da
cidade.
74
qualidades de seu espaço físico, como o solo fértil, o clima de montanha e a proximi-
dade a rios, como o Maracanã, o Joana e o Trapicheiros.
Figura 5. O palacete onde residiu o Conde de Itamaraty, no Alto da Boa Vista (2014)
Nicolas Antoine Taunay, por exemplo, era membro da Missão Artística Fran-
cesa e chegou ao Rio de Janeiro em 1816. Seu conjunto de terras foi chamado de
“Sítio Boa Vista”, área equivalente aos atuais limites da Floresta da Tijuca. Taunay
75
residia junto à Cascatinha, por isto o nome da queda d’água levar o seu sobrenome.
Assim, não é de se estranhar que a notoriedade deste sítio tenha influenciado a ma-
neira como as pessoas se referiam àquele local ao longo dos tempos: “Tijuca”, “Alto
da Tijuca”, “Sítio Boa Vista”, “Alto” ... “Alto da Boa Vista”.
Por causa deste produto agrícola, Cardoso, Pechman, Vaz et al. (1984) justifi-
cam ter surgido uma colônia de nobres franceses na Tijuca que, pouco a pouco, tam-
bém adotaram o local como de moradia permanente. A proximidade com o bairro-
imperial de São Cristóvão também facilitava a visita de membros da Família Real ao
local amiúde, segundo relatos de Gilberto Ferrez mostrados por Oliveira e Aguiar
(2004):
Ernst Ebel era também apaixonado pela Tijuca; em seu diário, no dia 25 de
maio de 1824, ele escreveu: “...realizei meu maior desejo: ver a Tijuca e, ao
mesmo tempo, a melhor plantação de café das vizinhanças do Rio. (...) O
caminho seguia pela Boa Vista, de onde mais de uma vez nos encantamos
com o panorama” (p. 23).
urbanos” (CARDOSO; PECHMAN; VAZ et al., 1984), com aglomerações isoladas pos-
teriormente integradas umas às outras na medida em que o sistema viário e os inves-
timentos na cidade se expandiam, beneficiando especialmente a Tijuca.
20Os mesmos autores pontuam, entretanto, que a Fábrica das Chitas era de pequeno porte, pois,
naquele momento do Brasil, a maioria dos produtos era importada. “Na realidade, nela não se produzia
nada, só se estampavam tecidos de algodão vindos da Índia. A fábrica manteve-se em atividade cerca
de vinte anos, mas o nome permaneceu na região por mais um século” (p. 84).
78
Figura 6. Detalhe do mapa da cidade do Rio de Janeiro mostrando as poucas ruas locais:
Tijuca, Fábrica das Chitas (atual Praça Saenz Peña) e Andaraí Grande
Fonte: Planta da Cidade do Rio de Janeiro e Subúrbios (1902 apud OLIVEIRA; AGUIAR, 2004, p. 32).
A produção desse novo espaço tijucano foi liderada por aristocratas, militares
e estadistas: muitos deles se tornaram importantes personagens da história do Brasil,
enquanto outros viraram apenas nomes de logradouros uma vez que portavam títulos
nobiliárquicos, a exemplo de José Francisco de Mesquita, o Conde de Bonfim.
Não seria injusto apontar que um dos mais ilustres moradores da Tijuca da
segunda fase do século XIX tenha sido Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias.
Proprietário e residente do imóvel no número 186 da atual Rua Conde de Bonfim, ao
que tudo indica, Caxias mantinha relações bastante afetivas com o lugar em que mo-
rava vide sua atuação em prol de questões comunitárias, especialmente na recons-
trução parcial da Igreja de São Francisco Xavier após um incêndio. Em lápide mantida
até os dias de hoje na portaria desse templo católico, Caxias deixou a seguinte men-
sagem: “Quando a casa de Deus está em ruínas / O soldado não recebe festas / Ide
reconstruir a igreja / Da minha freguesia do Engenho Velho”.
79
21 Informações apresentadas por Marta de Senna na palestra “O Paço, a praça e o morro na obra de
Machado de Assis”, realizada pelo Instituto Moreira Salles em 21 de julho de 2016, no Paço Imperial
do Rio de Janeiro.
22 Contos disponíveis em: <http://www.machadodeassis.net/index.htm>. Acesso em 25 jul. 2016.
81
É presumível que muitas das novas famílias que porventura tenham escolhido
o Engenho Velho como local de moradia na segunda fase do século XIX tenham sido
atraídas pela simbologia do topônimo “Tijuca” como lugar de distinção. Então, na me-
dida em que os novos moradores se sentiam identificados com tal simbologia – e, para
tal, reuniam-se territorialmente em torno dessa “Tijuca” –, paralelamente o próprio
nome “Tijuca” ia “deslizando” pelo Engenho Velho como reflexo da ocupação social
de uma classe que comungava com os pioneiros tijucanos uma mesma identidade,
gostos e modos de vida – isto é, um mesmo habitus. Cardoso, Pechman, Vaz et al.
(1984), assim como Gerson (2000) e Oliveira e Aguiar (2004), mostram que a Tijuca
acabou por fagocitar o Engenho Velho uma vez que, no início do século XX, já se
respondia por Tijuca toda a área que atualmente vai da Usina ao Largo da Segunda-
Feira, nas imediações da Igreja de São Francisco Xavier. Assim, mais do que uma
freguesia urbanizada, consolidava-se, neste período, a produção simbólica de um es-
paço social marcado por fronteiras físicas em processo intermitente de dilatação e
cujos valores, significados e emblemas decerto influenciariam os rumos de sua traje-
tória urbana ao longo do século XX.
23 Daí surgia o nome dado ao sub-bairro da Usina, junto à subida do Alto da Boa Vista, porque ali se
localizava a usina térmica geradora de eletricidade para as locomotivas. O sub-bairro da Muda, por sua
vez, antecedente à Usina, recebeu este nome por ser o local onde se fazia a troca dos burros que
rumavam ao Alto da Boa Vista.
82
Segundo Jane Santucci (2015), autora de Babélica urbe: o Rio nas crônicas
dos anos 20, a gênese da Modernidade no Rio de Janeiro foi prenunciada ainda na
década de 1870 e capitaneada por uma classe de boêmios, escritores, artistas, jorna-
listas e cronistas que, “atuantes no combate ao passadismo” (p. 20), conseguiram
influenciar os rumos da cidade a partir da difusão de reformas nos costumes, nos
ideais estéticos e culturais e no próprio shift simbólico do mapa social do Rio de Ja-
neiro, surtindo efeito decisivamente nos anos 1920.
Assim, a Reforma Passos fez do Rio de Janeiro, nos primeiros anos da Repú-
blica, o laboratório de um projeto representado por princípios de uma causa caracte-
rizada por adjetivos como “civilizatório”, “moderno” e “parisiense”. Mote dessa reforma
foi o combate às “coabitações numerosas” presentes no Centro – em especial as das
83
Embora a proliferação das favelas no Rio de Janeiro tenha atingido o seu ápice
somente a partir dos anos 1950, algumas delas já existiam no Centro do Rio desde o
final do século XIX, a exemplo do emblemático Morro da Favella – do qual se originou
o nome –, ocupado por combatentes da Guerra de Canudos e por antigos escravos.
As favelas daquela época já eram vistas como congêneres aos cortiços, considerados
lócus da pobreza e, neste prisma, “germes” de favela. Logo, a resistência contra o
Morro da Favella incidia fortemente nas ideias de que a localização de uma coletivi-
dade social como aquela, em pleno Centro da cidade, se contrapunha à ordem urbana
estabelecida naquele território e, sobretudo, aos critérios estéticos que permeavam a
construção simbólica de um “novo” Brasil24. Portanto, foi como se a vida miserável e
quase “sertaneja” dos favelados por si só justificasse a intervenção do Estado na fa-
vela com medidas higienistas que, pouco tempo depois, serviriam de argumento para
expulsá-los parcialmente do alto dos morros e, consequentemente, do Centro e dos
demais bairros centrais25.
24 Entre os grandes agentes públicos que procuraram intervir nas favelas, segundo Licia do Prado Val-
ladares (2005), foram o senhor Augusto de Mattos Pimenta, membro do Rotary Club (e, aparentemente,
construtor imobiliário e corretor de imóveis, a quem certamente lhe interessava a erradicação das mes-
mas) e o urbanista francês Alfred Agache, contratado pela prefeitura do Distrito Federal para idealizar
o plano diretor da cidade, nos anos 1920, no ideal deste urbanismo Haussmaniano. Ambos se referiam
às favelas como a “lepra da estética”, merecedora, portanto, de combate através da “construção” de
uma “barreira prophilactica contra a infestação avassaladora das lindas montanhas do Rio de Janeiro”,
segundo opinião de Mattos Pimenta durante um discurso proferido no Rotary Club em 1926 (p. 42).
25 Cf. Licia do Prado Valladares (2005).
84
tricos), foi oportunidade para justificar a abertura de ruas, avenidas e túneis que, as-
sim, levariam o carioca a Copacabana, até então um grande areal isolado entre o mar
e a montanha.
Nos contrastes interativos que perfilam as relações num espaço social, esses
agentes passaram a distinguir-se dos seus pares por uma percepção de que se trata-
vam de uma “aristocracia moderna e vanguardista” uma vez que se opunham à aris-
tocracia antiga, mais alinhada aos preceitos da estrutura social patriarcal-escravocrata
em declínio, muito característica da Tijuca e de São Cristóvão. Observa-se, no en-
tanto, que ao tratar-se de uma “aristocracia moderna e vanguardista”, esse estrato
representava com efeito a nascente classe burguesa associada à conjuntura político-
econômica em progressão. Assim, os signos de distinção e de exercício de poder
simbólico ecoavam entre as próprias classes dominantes, num reescalonamento dos
valores e da hierarquia social vigente que conferia um prestígio afluente a essa aris-
tocracia moderna em detrimento de outra antiga, timbrada de “tradicional”.
Este foi o contexto que, entre os anos de 1920 e 40, daria sentido ainda maior
ao “estilo Copacabana”, representante do que havia de mais vanguardista em termos
de comportamentos, sociabilidades, moda, padrão de beleza e moradia: o uso dos
maiôs, a pele morena bronzeada (detalhe considerado “vulgar” pelas classes domi-
nantes do século XIX por sua associação à pele escura dos escravos negros), o corpo
torneado pela prática de esportes (como o volleyball) e o footing à beira-mar (outro
mecanismo importante de sociabilidade moderno, típico da relação dos agentes soci-
ais com a “rua” e que posteriormente passou a ser chamado de “caminhar no calça-
dão”). É, também, imprescindível citar o edifício de apartamentos como padrão de
moradia que passava a conferir distinção. Sobre a verticalização de Copacabana,
Mauricio de Almeida Abreu (2008) comenta:
Esses autores, assim como Abreu (2008), também destacam que a densidade
populacional provocada pelo diversos arranha-céus que dominaram o espaço físico
de Copacabana contribuiu para que surgisse ali um aglomerado de serviços (subcen-
tro) no pós-Segunda Guerra Mundial, como bancos, filiais de grandes lojas, restau-
rantes, lanchonetes, etc. Isto levou à sedimentação do lugar ocupado por Copacabana
como ditador de moda nos anos 1940, com a proliferação de discotecas, boates e
pianos-bares frequentados pela alta cúpula de políticos do Distrito Federal e, especi-
almente, por uma classe de grã-finos “atentos e discretos”, como descreve Ruy Castro
(2015) em A Noite Do Meu Bem – A História e As Histórias Do Samba-Canção. A
proibição dos jogos de azar no Brasil pelo então presidente Eurico Gaspar Dutra fez
florescer, na representação desses luxuosos estabelecimentos, espaços de sociabili-
dade (muitos dos quais clandestinos) que conferiram a Copacabana qualidades boê-
mias e “desregradas” no imaginário coletivo da época.
Julia O’Donnell (2013) conclui que esse ideário encontrou em tal bairro o cená-
rio-modelo para que um estilo “Copacabana” de se viver, mais arrojado, tomasse
forma e fosse reproduzido mimeticamente pelos bairros vizinhos. No ponto de vista
de Bourdieu (1997; 2008), observou-se a influência de Copacabana em difundir um
tipo de habitus a ser incorporado por aquelas outras classes próximas no espaço so-
cial e, consequentemente, próximas igualmente no espaço físico como parâmetros de
distinção de classe. Com isso, o “estilo Copacabana” passou a representar um “estilo
Zona Sul”, também denominado por Gilberto Velho (1989) como uma utopia urbana,
acentuando o poder simbólico desse espaço em ditar as convenções e os parâmetros
sociais no Rio de Janeiro.
Da mesma forma que a correlação entre um perfil de classe com o lugar ocu-
pado na Zona Sul conferiu uma identidade simbólica àquele espaço, para o caso dis-
cutido neste item, esse processo favoreceu a constituição de um “rapto ideológico” do
termo subúrbio, explicado pelo geógrafo Nélson da Nóbrega Fernandes (2011) como
uma mudança abrupta e coercitiva do significado. É dizer que, na contramão da Zona
Sul, refletia-se um espaço que respondia não mais em seu sentido denotativo como
zona intermediária entre a urbe e o rural. Mas, sim, o subúrbio como lugar imaginado
pejorativamente do populacho e do desprestígio. Um lugar associado a uma paisagem
urbana específica – distante do mar e termicamente abafado em oposição ao frescor
91
da praia – e que, margeado pela linha do trem, projetava um estilo de vida particular
galgado no mau gosto, na “falta de classe”. Daí o nascimento do conceito carioca de
subúrbio.
Com isso, o autor faz objeções à premissa tão difundida no imaginário coletivo
de que “o bonde fez a cidade, assim como o trem fez o subúrbio proletário”. Para ele,
92
é arriscado assumir que o transporte ferroviário tenha sido idealizado como uma mo-
dalidade destinada a solucionar o problema de deslocamento dos mais pobres na ci-
dade. Sobretudo em um contexto onde os custos de locomoção eram altos e, portanto,
privilégio para poucos. Porém, desvalorizado pelas classes dominantes à medida que
se impunham novos hábitos e estilos de vida referenciais à beira-mar, o trem passou
a ser utilizado como estratégia de ocupação em massa das classes populares naque-
las regiões interioranas, argumenta ele:
Desta maneira, a Reforma Passos foi fundamental para que a categoria “subúr-
bio” sofresse esse rapto ideológico de que nos conta Fernandes (2011) à medida que
essa região se mostrava como uma espécie de receptora daquilo que o Estado pre-
tendia “varrer para debaixo do tapete” na área central. Neste prisma, a doutrina higie-
nista também se valeu como princípio de “higienização social”. Transplantadas na mo-
derna figura da classe proletária, as classes mais baixas passavam a ser vistas, mais
do que nunca, como “classes perigosas” e, que, deste modo, precisavam ser expulsas
para longe dali sob o pretexto de uma ideologia do habitat. Contudo, enquanto a ide-
ologia do habitat na política parisiense de Haussmann pretendia conferir casa própria
aos menos favorecidos e um estilo de vida moralizado na periferia como forma de
integrá-los à formalidade do sistema capitalista, só que de maneira segregada, no Rio,
viu-se algo diferente. Fernandes (2011) assinala não ter existido políticas que conce-
dessem uma maior moralização da vida das massas nos Subúrbios, distantes do Cen-
tro “civilizado”. Essa desmoralização da vida suburbana foi bem retratada por Lima
Barreto (2012) em seu clássico ficcional Clara dos Anjos, no qual definiu o Subúrbio
do eixo Central-Deodoro como “o refúgio dos infelizes”:
Em Clara dos Anjos, Lima Barreto explora o drama de uma jovem moradora de
Todos os Santos26, mulata, filha de um carteiro apreciador de modinhas (gênero mu-
sical que se popularizou entre as classes mais baixas a partir do século XIX), e que é
seduzida por um malandro das vizinhanças de “pele branca” que a abandona após
“desonrá-la”. O romance foi concluído em 1922, ano da morte de Lima, e explora os
dissabores da jovem Clara a partir dos preconceitos que enfrenta devido à cor de sua
pele. Além disso, seu lugar no mapa social carioca também é motivo de preconceitos
dada a sua condição periférica-suburbana, refletindo os enunciados do efeito de lugar
no Rio de Janeiro já no início do século XX.
26
Pequeno bairro do subúrbio carioca situado entre as estações ferroviárias do Méier e do Engenho de
Dentro, ramal Central-Deodoro.
94
O subúrbio propriamente dito é uma longa faixa de terra que se alonga, desde
o Rocha ou São Francisco Xavier, até Sapopemba, tendo para eixo a linha
férrea da Central. [...]. Há casas, casinhas, casebres, barracões, choças, por
toda a parte onde se possa fincar quatro estacas de pau e uni-las por paredes
duvidosas. Todo o material para essas construções serve: são latas de fós-
foros distendidas, telhas velhas, folhas de zinco, e, para as nervuras das pa-
redes de taipa, o bambu, que não é barato. Há verdadeiros aldeamentos des-
sas barracas, nas coroas dos morros, que as árvores e os bambuais escon-
dem aos olhos dos transeuntes. Nelas, há quase sempre uma bica para todos
os habitantes e nenhuma espécie de esgoto. Toda essa população, pobrís-
sima, vive sob a ameaça constante da varíola e, quando ela dá para aquelas
bandas, é um verdadeiro flagelo. [...]. As ruas distantes da linha da Central
vivem cheias de tabuleiros de grama e de capim, que são aproveitados pelas
famílias para coradouro. De manhã até à noite, ficam povoadas de toda a
espécie de pequenos animais domésticos: galinhas, patos, marrecos, cabri-
tos, carneiros e porcos, sem esquecer os cães, que, com todos aqueles, fra-
ternizam (pp. 182-184).
Deste modo, à medida que o espaço do Centro e da futura Zona Sul ia sendo
produzido material e simbolicamente a favor da ocupação maciça das classes domi-
nantes, do outro lado, os Subúrbios do eixo ferroviário iam sendo relegados como
“válvula de escape” das classes mais subalternas. No meio-termo entre essas duas
frentes antagônicas de espaço, permaneciam mais ou menos incólumes os antigos
bairros aristocráticos a oeste do Centro, como Tijuca e São Cristóvão. Apesar desse
contexto ter impactado a “localização” simbólica desses lugares no mapa social cari-
oca, Flávio Villaça (1998) aponta que, de início, a Tijuca não se desvalorizou tão acen-
tuadamente como São Cristóvão.
a zona urbana, nos termos daquela legislação, “correspondia aos assentamentos re-
sidenciais mais populosos na época, ou a parte efetivamente ‘conhecida e habitada’
da cidade”. Cardoso (2009) ironiza essa conceituação sublinhando o tratamento dis-
pensado aos bairros praianos, que, embora pouco ocupados e nada desenvolvidos,
já eram representados no discurso do Estado como zonas efetivamente “conhecidas”
– mas, “conhecidas por quem?”, criticou a geógrafa. Por fim, ela ainda faz menção ao
projeto de zoneamento proposto pelo urbanista Alfred Agache no fim da década de
1920, onde a segregação residencial em curso no Rio de Janeiro era caracterizada
pela nomenclatura de “bairros burgueses”, incluindo os da atual Zona Sul e a “Zona
Norte”, como a Tijuca e sua região adjacente: Alto da Boa Vista, Grajaú, Vila Isabel,
Maracanã, Andaraí, entre outros.
No dia a dia da população, Cardoso (2009) comenta que até os anos 1930 era
costumeira a diferenciação dos diferentes bairros do Rio de Janeiro através do próprio
topônimo individual, sem que houvesse uma diferenciação por setores ou regiões ge-
rais – com exceção dos Subúrbios, cujos bairros tendiam a ser generalizados por um
único topônimo geral. Quando não fossem referidos nominalmente, os bairros eram
referidos por “arrabaldes” (Tijuca, São Cristóvão, Glória, Botafogo, Laranjeiras etc.) e
colocados sempre em oposição aos “subúrbios” (Meyer, Madureira, Cascadura, Pe-
nha, etc.), numa demarcação evidente não apenas das categorias, mas também dos
significados e conteúdos sociais atribuídos a cada um desses termos.
Logo, vale concluir que a condição da orla atlântica em se impor como centra-
lidade simbólica na hierarquia urbana carioca parece ter sido determinante para que
os zoneamentos geográficos se ordenassem no imaginário coletivo tendo esta região
27 Segundo os periódicos, Cardoso (2009) analisa que entre 1930 e 1950 não havia consenso sobre o
que seria a Zona Sul – se apenas os “novos bairros praianos” ou se inclusive aqueles situados no eixo
Glória-Botafogo. Contudo, afirma que as referências sobre este topônimo aumentaram vertiginosa-
mente a partir da década de 1950 diante da consolidação de Copacabana como uma “quase nova
cidade dentro do Rio de Janeiro” (O’DONNELL, 2013, p. 223).
98
não apenas como difusora do posicionamento dos “pontos cardeais”, mas também de
uma ideologia que marcaria por completo as representações atribuídas a cada um
desses espaços.
É dizer que, embora a posição “sul” mencionada tenha como referência o sul
do centro principal no qual se desenvolveram os bairros idealizadamente “civilizados”
no Rio de Janeiro, por outro lado, a posição da “Zona ‘Norte’” não se orienta necessa-
riamente por estes termos. Se atentarmos para o mapa do Rio de Janeiro, é possível
perceber que se a localização do centro principal fosse a real difusora de como essas
zonas geográficas se organizam por pontos cardeais, certamente a atribuição seten-
trional a bairros como Tijuca, Grajaú, Alto da Boa Vista, São Cristóvão, entre outros,
estaria equivocada devido à sua localização a oeste do centro principal. Neste caso,
conclui-se que a posição “norte” tenha sido dada em referência à Zona Sul, lógica
atribuída igualmente à posição ocupada pela Zona Oeste atual, efetivamente a “oeste”
da Zona Sul.
Evidentemente, esta lógica também serviu para definir a localização dos Su-
búrbios em relação à Zona Sul. Cardoso (2009) e Fernandes (2011) destacam que o
subúrbio “raptado” ideologicamente de seu conceito original tornou-se topônimo para
designar “o refúgio dos infelizes”, na acepção de Lima Barreto sobre a qual discutimos
(2012). Por outro lado, a separação dos Subúrbios em relação aos arrabaldes – como
mostramos – fez com que apenas estes últimos fossem enquadrados em zonas geo-
gráficas, mantendo os Subúrbios apartados de qualquer definição mais específica por
ponto cardeal.
Como já foi abordado, a própria morfologia do espaço físico carioca atua como
elemento modelador, separando naturalmente Zona Sul da “Zona Norte”/Subúrbios
através da cadeia de montanhas que atravessa o Rio de Janeiro de leste a oeste.
Porém, será mostrado nos capítulos seguintes que esse quid pro quo entre “Zona
Norte” e “Subúrbios”, tendente a transferir para aquele topônimo muitas das represen-
tações sociais desabonadoras atribuídas ao imaginário de um lugar proletário e “sem
classe”, não ocorreu de maneira passiva e sem resistências.
Além disso, vale dizer que a disputa entre “suburbanos” e tijucanos pelo con-
trole simbólico das fronteiras desse mapa social ocorre, igualmente, em outras partes
da cidade sob outros contextos, a exemplo da Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio.
Projeto de lei municipal criado pelo vereador Marcelino D’Almeida (PP) em outubro de
2016 propôs apartar a região da Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes e Jacare-
paguá da Zona Oeste, criando-se, assim, a Zona “Oeste-Sul”. Segundo reportagem
100
do G128 na qual o projeto foi divulgado, a justificativa dada pelo político seria “para
que não mais se faça confusão de dizer que os bairros da Barra da Tijuca e Jacare-
paguá também pertencem à região da Zona Oeste”, preenchida por bairros majorita-
riamente populares e periféricos.
PARTE II
A TRAJETÓRIA DA TIJUCA
102
Assim, por ainda haver uma equivalência de classe, as novas práticas materiais
e de socialização não deixaram de ecoar na paisagem e no cotidiano do espaço social
e físico da Tijuca, mas ganhando contornos particulares. Particularidades estas que,
103
29 A expressão “invenção das tradições” é utilizada pelo historiador Eric Hobsbawm em sentido amplo,
“mas bem definido, incluindo tanto as tradições propriamente inventadas e institucionalizadas, quanto
àquelas que surgem repentinamente e da mesma forma se estabelecem, permanecendo tal como as
outras, como se sua origem fosse remota, ainda que durem relativamente pouco. Esse conjunto de
práticas de natureza ritual ou simbólica teriam por objetivo incorporar determinados valores e compor-
tamentos definidos por meio da repetição em um processo de “continuidade em relação ao passado”,
via de regra, um passado histórico apropriado”. Cf. Adilson Luís Franco Nassaro, disponível em:
<http://historia-resenhas.blogspot.com.br/2010/09/resenha-de-introducao-de-invencao-das.html>.
Acesso em 02 jan. 2017.
104
Para Lima, o Rio Maracanã seria um elemento do espaço físico carioca simbó-
lico o suficiente para condicionar, de forma mais nativa, o vetor de expansão urbana
para as suas margens sem desrespeitar os princípios de civilidade europeia que cos-
tumavam dar vida às suas metrópoles ao longo e/ou sobre rios. Neste sentido, Lima
sugeria que a Tijuca – através da figura do Rio Maracanã – ainda mantinha um papel
de centralidade na estrutura urbana em detrimento de outras áreas da cidade que
começavam a ascender na chamada Zona Sul, já responsáveis naquele momento por
liderarem um novo e forte vetor de expansão contrário ao bairro em estudo:
Nota-se também que as grandes metrópoles ficam sobre rios mais ou menos
consideráveis (Paris, Berlim, Londres, New York, Viena, etc.) – logo se o Rio
quer ser grande metrópole, deve ficar à margem de um rio respeitável. Poder-
se-ia transformar o Maracanã em rio respeitável (LIMA BARRETO, 1998 apud
HIDALGO, 2008, p. 166).
105
Inaugurada em 1911, a Praça Saenz Peña – antigo largo da Fábrica das Chitas
– se projetou no espaço social da Tijuca como o palco por excelência de desenlace
das sociabilidades modernas no bairro, como o footing e o flirting. A ocorrência dessas
práticas no espaço denominado por “praça”, na Tijuca, mostra como as diferenças no
estilo de vida se interpunham entre o footing na “praia”, a exemplo do calçadão de
Copacabana, e o footing na “rua”, na Avenida Central criada pelo prefeito Pereira Pas-
sos:
Lafayette (que contava com uma ala feminina e outra masculina em endereços distin-
tos); o Instituto de Educação (inaugurado em 1930, mais conhecido como a escola de
normalistas da Rua Mariz e Barros); o Colégio Marista São José (centro educativo
católico que até 1997 contava com duas filiais localizadas no bairro, uma sendo inter-
nato – 1928 – e a outra funcionando como externato – 1932); entre outros.
É interessante notar que muitas das escolas surgidas neste contexto eram pri-
vadas, justo numa época em que parecia comum aos estratos dominantes matricula-
rem seus filhos no ensino público. Neste sentido, mesmo com o indicador de qualidade
do ensino público, somente a concentração e a necessidade de famílias com recursos
materiais e culturais disponíveis para o investimento escolar de seus filhos justifica o
expressivo surgimento de educandários privados na Tijuca. Em suma, é plausível afir-
mar que, mais do que escolas, essas instituições também se projetavam como sím-
bolos de distinção pela excelência disciplinar e, também, pelo prestígio do diploma
conferido na forma de capital cultural institucionalizado.
Por sua vez, o Tijuca Tênis Clube (TTC) teve sua origem voltada para a vida
social e para os grandes bailes, muito embora as atividades desportivas também fos-
sem importantes por lá. O clube foi idealizado por três rapazes moradores do bairro
que, praticantes de tal refinado esporte, decidiram mobilizar-se para criar uma agre-
31Segundo o material levantado nesta pesquisa, é plausível – porém opinativo – apontar uma correla-
ção emblemática das glórias atribuídas ao America na primeira fase do século XX com o próprio período
de glórias e prestígio vivido pela Tijuca no mesmo ínterim.
107
miação tenista na região (Figura 9). No website do Tijuca Tênis Clube, consta depoi-
mento de Álvaro Vieira Lima, o sócio n. 1, a respeito do surgimento do TTC e do estilo
de vida de sua família:
elite praiana” (p. 141). Ela cita, ainda, que nas páginas do jornal local Beira-Mar, por
exemplo, os cilenses tinham acesso aos acontecimentos de lugares como Icaraí, na
cidade de Niterói, e Tijuca, no Rio, por compartilharem os signos de distinção social
que caracterizavam esses grupos:
O fato de o Tijuca Tennis Club possuir uma coluna fixa no periódico praiano
de Copacabana se explicava pela presença, naquele bairro, de muitas das
tradicionais famílias cariocas com as quais os cilenses comungavam signos
de distinção social. Mas as estratégias de legitimação de seu discurso aristo-
crático não se restringiam ao universo relacional estabelecido pelos cilenses
com seus pares. Era também na interação com os ‘outros’ que o discurso se
construía, fazendo do antagonismo com determinados grupos e práticas um
importante recurso afirmativo” (ibid.).
Apesar desses intentos, Jane Santucci (2015) revela que, “em contraponto com
a moderna Copacabana, a Tijuca parecia suspensa no tempo” (p. 249). Ao analisar o
Rio dos anos 1920 com base na opinião de cronistas e jornalistas da época, como
Benjamim Constallat33, a autora salienta que a Tijuca se mostrava alheia às transfor-
mações aceleradas da paisagem e dos costumes nos bairros propriamente contem-
plados pela Modernidade:
33 Benjamim Delgado de Carvalho Costallat nasceu no Rio, em 1897, oriundo de uma família de classe
alta. Formou-se em Direito pela Faculdade do Rio de Janeiro, embora tenha feito carreira de roman-
cista, escritor e cronista da vida carioca entre os anos de 1920 e 1930. Ainda jovem, vivenciou as
intensas transformações ocorridas tanto no Rio de Janeiro como no mundo naquele momento. Dentre
as obras publicadas, destacam-se “Mademoiselle Cinema” (1923), “Mistérios do Rio” (1924), “Arranha-
ceo – Chronicas” (1929) etc. Conferir Santucci (2015) ou a série “Cronistas do Rio” (vídeo) da MultiRio,
110
Ao passo que expressiva parcela das classes dominantes já ocupava e/ou de-
monstrava interesse em ocupar a Zona Sul nos idos da primeira fase do século XX, é
plausível afirmar que essa emergente classe social média, por sua vez, tenha vislum-
brado na Tijuca a oportunidade de residir – ou continuar residindo – em um lugar de
renome a custos mais acessíveis do que os da Zona Sul. Segundo o Censo de 1940,
apontado por Cardoso, Pechman, Vaz et al. (1984), os valores dos aluguéis em bairros
como Copacabana e Flamengo já se mostravam bastante superiores aos da Tijuca
em meados dos anos 1930. Em segundo lugar, os valores de mundo que se imprimiam
como representativos à sociedade tijucana também pode ter sido um fator de atração
da classe média que, comungando desse mesmo perfil, quis fixar-se nesse local.
dada a forte proximidade econômica e cultural destes com àqueles. Daí a impressão
corrente no imaginário coletivo até os dias de hoje de que, mesmo a Tijuca sendo um
bairro “abandonado” pelas classes dominantes, ainda assim se trataria de um lugar
que induziria a concentração espacial de uma classe social profissionalmente qualifi-
cada e, portanto, com “bom poder aquisitivo”.
Segundo o pesquisador Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto (2010), quem de-
senvolveu estudo sobre a chegada dos árabes no Brasil, a Tijuca e Copacabana foram
os grandes receptáculos da população síria e libanesa nos anos 1930, apesar de que,
na década anterior, já tivessem estabelecido uma pequena colônia na região da Rua
da Alfândega, no Centro. A vocação comercial dos sírios e libaneses é salientada por
ele dado que “possuíam estratégias eficazes, como a venda a crédito em grande es-
cala”, o que decerto os alavancaram à posição de “classe média” nos termos de Salata
(2015) e Nélson do Valle Silva (2004)35. Na Tijuca, a influência libanesa-maronita deu
34 Ver reportagem “Famílias judaicas no Rio”, escrita por Raphael Kapa para o Jornal O Globo de 18
abril de 2015. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/sociedade/historia/familias-judaicas-no-rio-
15910371>. Acesso em 17 abr. 2017.
35 “También en la cúspide de la jerarquía social urbana figuraba un pequeño grupo de grandes emplea-
dores, tanto en el comercio como en la incipiente industria, que combinaban la propiedad del medio de
producción con su efectiva administración. Muchos de estos empresarios eran inmigrantes exitosos,
que llegaron a dominar algunos sectores económicos importantes, entre ellos el comercio (fuertemente
113
forma, em 1932, à Igreja Nossa Senhora do Líbano, situada à Rua Conde de Bonfim
638 – em terreno ao lado onde havia nascido, alguns anos antes, o compositor, ma-
estro, pianista, cantor arranjador e violonista Antônio Carlos [Tom] Jobim, no número
634. A colônia israelita, por sua vez, deu origem ao Colégio Hebreu Brasileiro (Rua
Desembargador Isidro 68) no início dos anos 1950, e ao clube Monte Sinai, na Rua
São Francisco Xavier, em 1959. Nota da coluna social “A Vida Está nos Clubes”, do
Diário Carioca, em 13 de dezembro de 1959, informava:
O Monte Sinai, novo clube tijucano, acaba de adquirir o prédio da rua São
Francisco Xavier 74. Nada menos de 10 milhões de cruzeiros gastou a dire-
toria do clube que congrega a diretoria do clube da Z. N. O churrasco de
inauguração está programado para o próximo dia 27. Planos do Sinai: cons-
trução (imediata) de duas piscinas (p. 5).
controlado por empresarios portugueses, sobre todo en Rio de Janeiro) y la industria paulista (con
marcada presencia del inmigrante italiano)” (SILVA, 2004, pp. 8-9).
114
36 Muitas das fábricas localizadas na Zona Sul acabaram tendo suas atividades encerradas ainda nesta
época, especialmente em bairros como Laranjeiras, Gávea e Jardim Botânico, cujos espaços remanes-
centes deram origem a empreendimentos imobiliários voltados às classes dominantes (ABREU, 2008).
Na Tijuca, entretanto, esse processo parece ter sido mais lento, já que no início dos anos de 1990 o
bairro ainda contava com algumas fábricas em seu território. Contudo, o que se pode apreender dessa
legislação é que, a partir daquele ano, as novas fábricas não poderiam estar mais localizadas nesses
espaços, embora não se tenha proibido a continuidade das atividades das mesmas que já existiam por
lá. Se muitas delas encerraram suas atividades primeiramente na Zona Sul e menos na Zona Norte, é
razoável pensar que, muito provavelmente, tenha sido por pressão da maior especulação imobiliária
naquela do que nesta.
115
Cabe constatar que a formação dos subcentros também esteve muito associ-
ada ao desenvolvimento e à consolidação da expansão urbana da cidade em deter-
minados pontos da Zona Sul e da Zona Norte. Como abordou-se no início deste capí-
tulo, até meados do século XX o Centro era o único local de serviços – lugar, por
excelência, para onde se deslocava o grosso da população quando precisava resolver
pendências ou realizar determinadas compras. Inclusive, a expressão carioca “ir à
cidade” como sinônimo de ir ao Centro reflete consideravelmente essa posição do
local como antiga zona de convergência, mostrando, retoricamente, a condição resi-
dencial que predominava nos bairros fora dali.
37Embora “Saenz Peña” refira-se ao sobrenome do referido presidente argentino, não há consenso
sobre a grafia mais correta a ser utilizada no que se refere a este logradouro da Tijuca. Apesar disso,
o uso da grafia correspondente a “Saenz” (sem o acento agudo na primeira vogal) é recorrentemente
mais tradicional, estando presente, inclusive, nos postes de sinalização de logradouro da Prefeitura do
Rio de Janeiro e em documentos históricos. Já a grafia “Saens”, por sua vez, se popularizou, especial-
mente, ao ser batizada como nome da estação de metrô inaugurada nesta praça em maio de 1982.
116
era um local majoritariamente ocupado pelas classes dominantes para fins de resi-
dência, trabalho e lazer. Como justificativa a essa informação, basta recordarmos a
Reforma Pereira Passos, que não se tratou de uma intervenção urbanística voltada
para abrigar as atividades e lazeres das classes populares no Centro. Muito pelo con-
trário; as camadas mais baixas da população, em seus cortiços, foram conduzidas
para fora desses locais majoritariamente para os Subúrbios ou para as favelas, justa-
mente porque as elites reivindicaram aquele espaço como de exclusividade delas.
Logo, o autor sublinha que o centro principal das cidades brasileiras sempre foi,
por vocação, um lugar construído pelas elites para as elites, abrindo brechas para a
circulação da população mais desfavorecida a partir do inevitável oferecimento de
postos de trabalho subalternos para as classes (des)qualificadas como tais. Devido a
essa razão, o surgimento dos subcentros veio para atender à demanda de consumo
das classes populares reprimidas econômica e simbolicamente pelo mercado de con-
sumirem no centro principal. Mas, no Rio, a lógica de formação dos seus primeiros
subcentros serviu inicialmente para atender outro público e, consequentemente, a ou-
tros interesses.
Com base nisso, a segunda questão importante apontada pelo autor é de que
a população de maior poder aquisitivo exige e reivindica estar próxima ao “centro”, no
sentido de estar próxima, na verdade, aos bens e equipamentos necessários à sua
reprodução social. Tratando-se de uma metrópole do porte do Rio – então Distrito
Federal –, a expansão urbana das elites atingiu raios de distância em relação ao Cen-
tro bem maiores do que em outras metrópoles. Logo, concomitantemente à expansão
espacial das classes dominantes pelo território, ocorreu, do mesmo modo, a expansão
do tipo de comércio e de serviços típicos que só existiam no Centro para esses bairros
em que elas se instalaram. Tudo isto graças à força política e ao poder econômico
dessa classe em reclamar sua proximidade ao “centro” enquanto conjunto de comér-
cio e serviços38.
Neste sentido é que Villaça (1998) diz ter surgido no Rio de Janeiro o primeiro
subcentro das elites nos anos de 1930: o subcentro da Tijuca, nos arredores da Praça
38 Um exemplo contemporâneo deste tipo de processo é o da Barra da Tijuca, que, desde os anos
1980, passou de posição de zona-quase-rural para a de importante centralidade na estrutura socioes-
pacial carioca. A chegada de uma estação de metrô [Jardim Oceânico] ao bairro, no ano de 2016, é
indicativo deste panorama (RODRIGUES; BASTOS, 2015).
117
Saenz Peña. Com o crescimento espacial e econômico da cidade nas primeiras dé-
cadas do século XX, a percepção da Tijuca como bairro nobre relativamente distante
do Centro para os padrões da época foi crucial para que se viabilizasse a formação
do que seria o primeiro aglomerado de serviços voltados à elite naquele local. Dife-
rentemente da Tijuca, Villaça (1998) diz que os subcentros de Copacabana, Méier e
Madureira se consolidaram apenas nos anos 1940, mas voltados para atender públi-
cos-alvo diferentes. No caso de Copacabana, contribuiu sobremaneira o turismo
(O’DONNELL, 2013). Já os subcentros do Méier e de Madureira se encaixariam na
teoria dos subcentros periféricos voltados para atender à demanda de consumo das
classes menos privilegiadas nos locais em que residiam e/ou circulavam.
Fonte: “O Rio visto pelo alto”, de Patrícia Pamplona. Disponível em: <http://www.albertodesam-
paio.com.br/o-rio-visto-pelo-alto/>. Acesso em 13 fev. 2017.
118
Neste entendimento, Villaça afirma que “a Praça Saens Peña foi o primeiro
subcentro voltado para as camadas sociais médias e acima da média jamais desen-
volvido numa metrópole brasileira” (1998, p. 278), precedente ao de Copacabana. Não
obstante atendiam às suas respectivas elites, o subcentro da Praça Saenz Peña pro-
curava atender a um público local, da “Zona Norte” (Grajaú, Vila Isabel, Maracanã, Rio
Comprido, Andaraí etc.), enquanto que o subcentro de Copacabana abrangia a cres-
cente demanda do turismo na cidade. Copacabana só se tornou um subcentro mais
completo, menos especializado como turístico, pouco tempo depois dos anos 1940,
quando o próprio bairro – e a Zona Sul oceânica – consolidaram seu processo de
desenvolvimento urbano e, sobretudo, sua hegemonia como o espaço dominante no
Rio (VELHO, 1989; VILLAÇA, 1998; ABREU, 2008; O’DONNELL, 2013; etc.).
Agora a Tijuca tem a sua capital: é a praça Saenz Peña. Ali está o resumo da
cidade chamada Tijuca. Suas retretas muito mineiras e domésticas, seus ci-
nemas muito bonitos, porque a Tijuca quer avisar a todos que é um lugar que
não precisa da cidade para suas necessidades. Para a capital chega o que
há de melhor: os melhores vestidos, os melhores sorrisos, os melhores ter-
nos, as melhores alegrias e os melhores penteados. [...] Tem razão a mocinha
de nome Edith quando me diz:
— Não precisamos ir à cidade. Fazer lá o quê? O que fazemos lá, podemos
fazer aqui.
A Saenz Peña dessa época contou com emblemáticas lojas de variados fins e
utilidades. Pioneira, foi na Tijuca onde inaugurou-se a primeira filial de uma loja exis-
tente, até então, apenas no Centro: a Casa Granado, perfumaria instalada na Rua
Primeiro de Março (antiga Rua Direita), desde 1870. Na Tijuca, a Granado foi aberta
em 1928 em prédio tombado situado na esquina de Conde de Bonfim com Almirante
Cochrane40. Nas palavras de Villaça (1998), naquela época, “as perfumarias eram lo-
jas importantes e essa filial era um indício significativo da importância do centro da
Tijuca” (p. 296). Villaça (1998) aponta a chegada de outras grifes à Saenz Peña dos
anos 194041: Formosinho, de artigos de vestuário (e que contava com duas filiais no
Centro); a loja Drago, de móveis; o Jarro de Cristal, que vendia louças e cristais; a
Ferreira, que vendia ferragens; a Importadora Tijuca, de automóveis, situada no nú-
mero 426 da Rua Conde de Bonfim; e a requintada Confeitaria Tijuca, também na
Conde de Bonfim em frente à Saenz Peña:
Os Srs. Batista Godinho & Cia, apresentando aos cariocas e à elite tijucana
em particular, as luxuosas e moderníssimas instalações da nova CONFEITA-
RIA TIJUCA - Sorveteria e Casa de Chá - vêm corresponder a uma antiga
aspiração dos moradores da Tijuca. Em suntuoso edifício, especialmente
construído para esse fim, a Confeitaria Tijuca, dotada de ar condicionado e
mobiliário confortabilíssimo, será o ponto predileto para as tradicionais reuni-
ões da elegância da fina sociedade tijucana. Equiparada à sofisticada Con-
feitaria Colombo por oferecer “serviço completo para banquetes” ao som de
uma “orquestra permanente”, a Confeitaria Tijuca fora batizada como “o novo
arranha-céu da Praça Saenz Peña” segundo o anúncio. Nele, é notória a atri-
buição do prestígio conferido às firmas que participaram na construção do
imóvel, onde triunfaram a “a inteligência, a operosidade e a técnica”. Segundo
este informe publicitário, os senhores L. Mello & Irmão também foram respon-
sáveis pela instalação da maquinaria de refrigeração elétrica no local, aspecto
que fez da Confeitaria Tijuca um dos locais pioneiros no Rio de Janeiro, fora
do Centro, em receber tal tecnologia (O GLOBO, 21 jan. 1943).
40 Após quase duas décadas fechada, a Granado reiniciou suas atividades em 2013 no referido ende-
reço, à Rua Conde de Bonfim 300.
41 Entre outras lojas, destacam-se a Casas Sian (fechada em 2008), Perfumaria Carneiro, Lojas Gui-
marães, Lojas Saenz Peña, Casa Habib, Rei da Voz, Ducal Roupas, Casas Olga, Sapataria Tijuca, A
Tijucana Calçados etc.
121
Talitha Ferraz (2012) traçou um panorama do bairro nesses “anos dourados” ao mos-
trar a força do papel dos cinemas como indutores das sociabilidades no espaço pú-
blico da Tijuca. Segundo Ferraz (2012), os primeiros cinemas da Tijuca surgiram entre
os anos de 1910 e 1920 como “programa exclusivo das elites”, estando concentrados
majoritariamente nos arredores da Rua Haddock Lobo, enquanto apenas alguns ou-
tros localizavam-se nas imediações da Praça Saenz Peña. No início, muitos deles
surgiam e desapareciam rapidamente com nomenclaturas repetidas, pois imitavam os
nomes de salas de exibição do Centro.
Ao todo, a Praça Saenz Peña contou com cinco grandes cinemas: o Olinda
(inaugurado em 1940, com capacidade para 3.500 pessoas); o Tijuquinha (inaugurado
em 1909); o Metro (inaugurado em 1941 pela Metro-Goldwyn-Mayer, famoso pelo “ar
condicionado perfeito” e também por ser local de avant-premières); o Cinema Carioca
(inaugurado igualmente em 1941, pelo Grupo Severiano Ribeiro, chamando atenção
pela arquitetura art déco e pela entrada principal com largos pilotis de mármore); e o
Cinema América (inaugurado em 1918, e o único que não era tão luxuoso e “dourado”
como os outros):
Poderão dizer que o Salgueiro é uma exceção. Mas é uma exceção porque
se trata de um morro. Morro é coisa que não se identifica com coisa alguma.
Fica sempre boiando dentro da paisagem, assim como uma gota de mercúrio
dentro de uma peça d'água. Os morros são uma paisagem espalhada. Eles
estão aqui e ali, na praia e no subúrbio, nos bairros e na própria cidade. Mas
vivem sozinhos, com sua vida própria, e o Salgueiro está para a Tijuca como
Copacabana está para Madureira.
Abreu (2008) diz que, no período de 1930 a 1964, o Rio cresceu “de maneira
espetacular”, mas de forma mais ou menos “mascarada” no espaço até o final dos
anos 1940. Então, foi em meio a estes “anos dourados” em discussão quando as con-
tradições sociais começariam a ficar mais evidentes. A relevância da indústria impul-
sionou o desenvolvimento urbano da cidade do Rio, resultando num período de infle-
xão caracterizado pelo momento em que o país deixava de lado seu perfil rural para
tornar-se efetivamente urbano. Logo, as contradições evidenciadas neste período e
recordadas por Abreu (2008) em seu estudo se traduziram nas transformações urba-
nísticas que remodelavam a paisagem da cidade por pressão da febre viária coman-
dada (a) pelo aumento do transporte individual; (b) pelo aumento da densidade popu-
lacional nas áreas mais nobres, estimulando ainda mais a verticalização de bairros
como os da Zona Sul; e (c) pelo crescimento concentrado e extensivo dos Subúrbios
em áreas periféricas paralelamente ao crescimento concentrado das favelas tanto nas
áreas centrais como periféricas.
123
A Tijuca é assim como uma velha família mineira: tudo no seu passado é
limpo, tudo no presente é claro e sem discussões. Os homens ganham tran-
quila e honestamente a vida. Há os mesmos retratos de anos atrás na sala
de visitas, a mesma cadeira de balanço de jacarandá, onde avós de ontem
repousaram e onde os netos de hoje brincam de cavalo.
Nos dois mundos antagônicos do Rio se forjaram dois estilos de vida total-
mente diversos. Aqui não falamos, é claro, de meio termo, mas do que são,
caracteristicamente, a ‘zona sul’ e a ‘zona norte’. A zona sul, que começa
propriamente no Flamengo, é a civilização do apartamento, e das praias ma-
liciosas, do traje e dos hábitos esportivos, da ‘boite’ e do pecado à meia-luz,
dos enredos grã-finos, do ‘pif-paf’ de família, dos bonitões de músculos à
mostra e dos suculentos brotinhos queimados de sol, dos conquistadores de
alto coturno e de certas damas habitualmente conquistáveis, do ‘short’, do
blusão e do ‘slack’, dos hotéis de luxo (e de outros de má reputação) e dos
turistas ensolarados. O Rio cosmopolita está na zona sul, onde uma centena
de nacionalidades se tropicalizam à beira das praias.
A zona norte é Brasil 100%. A gente mora largamente em casa (muitas vezes
com quintal) e a casa impõe um sistema diferente de vida, patriarcal, conser-
vador. Vizinhança tagarela e prestativa. Garotos brincando na calçada. Reu-
niões cordiais na sala de visitas. Solteironas ociosas e mocinhas sentimentais
analizando a vida que passa debaixo das janelas. Namoro no portão, amor
sob controle- para casar. Festinhas familiares, de fraca dosagem alcoólica. A
permanente compostura no traje, ajustada com o do procedimento. Paletó e
gravata. Mais ‘toilette’ que vestidos, mais área coberta nos corpos femininos.
Vida mais barata. Empregada de 300 réis. Menos, água, mais calor. Diversão
pouca, nada de ‘boite’ e ‘night-clubs’. Noite vazia de pecados e de passos
boêmios e sortilégios. Vida menos agradável aos homens, mais abençoada
pelos santos. Zona sul- zona norte, paraíso e purgatório do Rio. Sair do pur-
gatório e ganhar o paraíso é aspiração de quase todos, mas há quem prefira,
sinceramente, a vida simples e provinciana dos bairros e subúrbios do norte.
Para muitos a zona sul não é o paraíso, mas o inferno da perdição, onde
Copacabana dita a imoralidade, o aviltamento dos costumes, a frivolidade e
a boemia (Revista O Cruzeiro, 1953 apud CARDOSO, 2010, p. 81).
Foi neste enredo como o gentílico “tijucano” tornou-se mais popularizado pelo
imaginário coletivo enquanto reflexo de uma identidade social que buscava distinguir-
se dos seus congêneres da Zona Sul ao cultivar os valores aristocráticos de perfil de
classe antepassada. Essa suposta identidade tijucana se atrelava sobremaneira a um
apreço pela moralidade e pela vida cristã, à valorização da família, à participação co-
munitária através de redes de solidariedade entre vizinhos, a uma afeição ao estudo
e à disciplina. Em outras palavras, a reiteração de um capital simbólico “ultrapassado”
como recurso de afirmação social, alinhado ao que Bourdieu (2008) chama de valores
126
Eu quero enaltecer / Um bem que adoro / O meu bairro, onde moro / Meus
amigos fiéis / Dizer que do meu coração não sai / Saenz Peña, rua Uruguai /
A Muda, o Ponto Cem-Réis / Citar a velha Fábrica das Chitas / Tantas garotas
bonitas / Que o Salgueiro tem aos pés / E também eu quase que me esqueço
/ Não é só nesse endereço / Meu samba vai mais além / Eu quero relembrar
por muitos anos / Salve Unidos Tijucanos / Minha gente, o que é que tem /
Quando a cidade toca os seus clarins / Convocando os tamborins / Meu bairro
canta também.
Note-se, mais uma vez, que essa identidade social do “tijucano” se construiu
de modo preponderante a partir dos contrastes percebidos e legitimados pela classe
dominante não apenas entre os tijucanos e os moradores da Zona Sul, mas especial-
mente entre os tijucanos e os “suburbanos”. Na perspectiva dos tijucanos, estes pro-
curariam se distinguir dos moradores dos Subúrbios a partir da reafirmação de seu
capital simbólico, e, especialmente, do poder do capital econômico que efetivamente
detinham sobre os “suburbanos”. A trajetória de ambos também é reiterada nesta dis-
puta, na qual a Tijuca clamava a sua marca de “bairro nobre e aristocrático”, enquanto
o outro carregava as máculas da imagem de “zona proletária”. As próprias denomina-
ções “tijucano” e “suburbano” são uma amostra da tônica que marca as distinções
simbólicas do mapa social da Zona Norte até os dias de hoje.
e 30 de maio de 1986 pela TV Globo. Autoria de Gilberto Braga e direção-geral de Roberto Talma.
Maiores informações disponíveis em: <http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/mi-
nisseries/anos-dourados/curiosidades.htm>. Acesso em 30 out. 2016.
127
Uma das personagens, vivida pela atriz Betty Faria, era motivo de falatório na
vizinhança da Praça Afonso Pena por seu polêmico estado civil (desquitada) e, tam-
bém, por trabalhar no caixa de um piano-bar de Copacabana, dois elementos consi-
derados indecorosos para os parâmetros de conduta social feminina idealizada pelos
moradores da Tijuca da época. Segundo Gilberto Braga a’O Globo, Copacabana era
um lugar do qual os tijucanos tinham verdadeiro pavor, visto como “sinônimo de trans-
viados, curras e moças na praia com maiô de duas peças”. E complementou: “Quando
minha mãe se mudou para Copacabana, meu avô disse: Você vai levar seus filhos
para a boca do lobo?”.
44 Isto é, partidária de Carlos Lacerda, político porta-voz das ideologias conservadora e direitista no
Brasil nos anos de 1950 e 1960.
45 O julgamento de uma possível superioridade do habitus da Zona Sul em relação ao habitus da Tijuca
não é retratado nem explorado por este folhetim, embora sugira a percepção de superioridade dos
próprios tijucanos em qualificar seu modo de vida como “melhor” em relação ao da Zona Sul.
128
viram acometidos por uma forçosa mudança de bairro. No prefácio da primeira edição
de sua obra A Utopia Urbana publicada em 1973, o antropólogo Gilberto Velho (1989)
sublinha a dimensão de dois grandes mundos com base na sua própria experiência
no espaço vivido, isto é, de alguém cuja família havia se mudado da “Zona Norte” para
Zona Sul nestas motivações:
expansão industrial iniciada nos anos 1930 e que deu forma e perfil ao que o econo-
mista denomina por classe “modernizante” da sociedade brasileira. Nélson do Valle
Silva (2004) explica que as variações no quadro social do Brasil frente a essas mu-
danças contribuíram para que os estratos da classe média “antiga” ou “tradicional”
(professores, comerciantes, funcionários públicos, militares etc.) – muito presente na
Tijuca – reduzissem sua participação no vértice da hierarquia a favor destes novos
atores e grupos sociais mais voltados a uma atuação “empresarial”, ligada a certo
business.
Este parece ser um dos cenários que, sobretudo a partir de 1960, passaria a
diferenciar ainda mais Copacabana da Tijuca por seus respectivos perfis sociais.
Mesmo assim, Velho (1989) diz que o efeito de lugar da Zona Sul já se mostrava
imperativo antes mesmo deste período ao constatar que haveria uma participação
expressiva da Tijuca como local de origem dos moradores tanto do edifício em estudo
como da amostra populacional externa examinada por ele. Significa que, em escala
temporal, os anos 1940 e 1950 haviam sido primordialmente a época em que parte
destes entrevistados saiu da Tijuca para residir em Copacabana quando investigadas
suas respectivas trajetórias no espaço social carioca:
Tijuca, por outro são rebatidos indiretamente por um dos entrevistados do antropó-
logo, sintetizando a percepção que os moradores de Copacabana egressos da Tijuca
tinham quanto ao seu local de origem:
Vim para cá há quinze anos. Morava antes na Tijuca. Nasci em Minas. Vim
com dezoito anos para o Rio. Trabalhei duro a minha vida toda e continuo
trabalhando. Não posso reclamar muito. Tenho melhorado. Morei em São
Cristóvão, quando me casei fui para a Tijuca, ali na Haddock Lobo. Não era
tão mal, era uma casa de vila. Cheguei a pensar em comprar, mas achamos
melhor vir para Copacabana. Para que quero ser dono de uma casa num
lugar triste como a Tijuca? (p. 72).
Assim, a luta pela apropriação dos ganhos de espaço entre tijucanos e mora-
dores da Zona Sul se problematizaria a partir dos anos 1960 numa relação dialética
que, pressupõe-se, tenderia a amalgamar de forma lenta e simbólica as categorias
“Zona Norte” e Subúrbio. Não obstante as distinções expressivas entre essas duas
categorias socioespaciais, o que se fortalecia neste contexto era o assentamento do
poder simbólico da Zona Sul em generalizar o restante da cidade do ponto de vista
redutor das classes dominantes que aí já estavam majoritariamente segregadas. As-
sim, parte-se da premissa de que o efeito de lugar se firmaria, então, como sinônimo
do estigma e da “ocultação” do status, afetando simbolicamente a Tijuca por sua lo-
calização física nessa estrutura urbana somada aos avanços das transformações so-
ciais, culturais e urbanas no decorrer das décadas seguintes tanto na Tijuca como na
cidade como um todo. Recordando Villaça (1998, p. 174),
131
vemos uma localização mudar sem alterar sua posição no espaço euclidiano,
mas através da teia de relações que a definem enquanto “localização”. A “lo-
calização” Tijuca se transformou, ao mesmo tempo e como parte de um pro-
cesso mais global de um único todo, segundo os quais mudaram o grupo
social a ela associado, a Tijuca enquanto espaço arquitetônico, o centro do
Rio, a zona Sul enquanto zona residencial, etc.; tudo isso sem que, evidente-
mente, a Tijuca ‘saísse do lugar’”.
Nos idos do ano de 1965, oficializava-se a canção de título “Sempre Tijuca”, categori-
zada como o hino oficial do bairro. Autoria das professoras Lourdes Figueiredo (le-
trista) e Maria Alice Pinto Saraiva (musicista) do Instituto de Educação, o Hino da Ti-
juca foi gravado pela Odeon Records na voz de João Dias e acompanhado da presti-
giada Orquestra Tabajara. Para além das motivações que possivelmente tenham es-
tado por trás da composição de um hino dedicado especificamente a este bairro, é
curioso observar o tom nostálgico presente em cada verso: elementos como o saudo-
sismo e o orgulho são temperados por uma fala passional que sintetiza essa ode à
Tijuca, cujo passado aparentemente glorioso é objeto de representação. Um passado
que, na perspectiva da compositora, se esvaiu, muito embora, no coração, não tenha
sido alterado, pois a Tijuca não mudou / mantém a tradição, a tradição.
Para ela, enquanto O Globo se valia de uma orientação política mais conservadora,
que tendia à “extrema-direita”, o JB, na contramão, adotava orientação política mais
progressista, muito embora suas reportagens estivessem direcionadas preponderan-
temente ao dia a dia e à realidade social de um público-alvo inscrito na Zona Sul do
Rio. Além disso, Hidalgo (2016) também sugere que o JB costumava ser lido por um
público com maior capital cultural do que os leitores de O Globo.
Ao todo, foram lidas e catalogadas 285 reportagens (vide Anexo I no final deste
trabalho), sendo 84 delas publicadas no JB e as outras 201 no jornal O Globo. As
disparidades entre o número de ocorrências para cada periódico muito provavelmente
se explicam pela presença n’O Globo do chamado “Caderno de Bairros”, de circula-
ção semanal-regional. Criado em 1982, este formato é dedicado a abordar o cotidiano
de determinas regiões do Rio de Janeiro por meio de reportagens de interesse forte-
mente local. À “Zona Norte” foi destinado um caderno específico de circulação regional
– Tijuca, Alto da Boa Vista, Maracanã, Grajaú, Praça da Bandeira, Vila Isabel, Andaraí,
Rio Comprido etc. – naquele mesmo ano, razão, portanto, de o porquê da maior ocor-
rência de matérias sobre “tijucanos” em O Globo do que no JB.
O efeito de lugar (BOURDIEU, 1997) parece ter sido determinante para que a
Tijuca da segunda metade do século XX “respirasse” ares diferentes que os de antes.
Segundo Villaça (1998), a nova rodada de homogeneização interna do perfil social de
classe média da Tijuca, iniciado nos anos 1930, se consolidou determinantemente a
partir dos anos 1960. O crescimento da Zona Sul em direção a Ipanema e ao Leblon
e, depois, à Barra da Tijuca (ver Figura 13), foi fundamental para que esse processo
se acelerasse, fazendo com que a localização da Tijuca ficasse simbolicamente em
“desvantagem” no mapa social carioca a partir dos anos 1980, como veremos no pró-
ximo capítulo.
137
Nesse período, o Rio de Janeiro foi marcado por uma série de mudanças soci-
ais, políticas e econômicas que impactaram a sua estrutura urbana. Nesse lapso, a
transformação do Distrito Federal em Cidade-Estado da Guanabara – e, a partir de
1974, em capital do Estado do Rio de Janeiro – também incitou mudanças institucio-
nais significativas. Se durante a Reforma Passos o Rio de Janeiro viveu momentos de
transformação pelas vias da estética, a partir da segunda fase do século XX a paisa-
gem de diversos bairros seria remodelada graças à reestruturação viária. Obras urba-
nísticas de grande vulto foram implantadas em áreas estratégicas da cidade, remode-
lando ainda mais a paisagem de diversos bairros com a criação de túneis – Rebouças
e Santa Bárbara – e suas vias expressas. Com as distâncias encurtadas no espaço
físico, viu-se novos impactos nas interações no espaço social.
Toda essa conjuntura incidiu no então pacato bairro da Tijuca de modo bastante
decisivo em sua fisionomia urbana, fazendo com que tanto o JB como O Globo es-
tampassem manchetes emblemáticas a respeito de como o progresso “batia à porta”
do bairro. Segundo a geógrafa Maria Therezinha Segadas Soares (1965), um pro-
cesso mais acelerado da substituição das casas por arranha-céus acometeu a Tijuca
nessa época, cuja “tradição de bairro elegante e a existência do subcentro da praça
Saens Peña valorizaram extremamente essa área da cidade” (p. 338). A matéria “Ti-
juca, tradição e progresso”, publicada por O Globo em agosto de 1967, chama aten-
ção para as transformações e a substituição das antigas casas por edifícios “A Praça
Saenz Peña é o centro nervoso da Tijuca, que a cada dia aumenta de importância.
Edifícios surgem mudando a aparência do bairro que, mesmo assim, ainda se mantém
como o mais tradicional do Rio”. A contraposição entre um bairro visto como bucólico
pela literatura de Machado de Assis e outro “moderno”, que se via transformar por
obras públicas e privadas das mais variadas, contribuiu para que O Globo elaborasse
uma série de menções à descrição da geografia e do perfil social do bairro como forma
de sustentar o argumento de que, “apesar dos pesares”, a Tijuca seguia mantendo
firme a sua tradição.
48O Caderno B do Jornal do Brasil tinha como enfoque o panorama cultural da cidade, abordando,
também, assuntos cotidianos e personagens.
139
Enquanto o morador da Zona Sul gasta tudo o que ganha só para dizer-se
habitante da orla marítima e desfrutar desse título sem usar, por falta de re-
cursos, do que a Zona Sul pode proporcionar, o morador da Zona Norte mora
mais barato, dentro de suas posses, e tem poupança suficiente para desfru-
tar, na Zona Sul, de tudo aquilo que o cosmopolitismo de uma Copacabana,
por exemplo, pode oferecer aos que estão longe do mar.
49Por uma questão de estilo, optou-se por atualizar o texto das citações apresentadas neste capítulo
para a reforma ortográfica da língua portuguesa de 2009.
140
não haver cedido aos encantos da “astúcia da especulação imobiliária”, que “não con-
seguiu ainda convencer o tijucano a aceitar o quarto-e-sala ou o conjugado”.
Figura 14. Anos 1960: o Maciço da Tijuca com o Morro da Formiga ao fundo, a Rua Uruguai
e, à direita, o bairro do Andaraí.
unifamiliares, imóveis do século XIX e início do século XX, além da presença de algu-
mas indústrias – o que já não ocorria na Zona Sul. Nas palavras de Segadas Soares
(1965), a Tijuca dos anos 1960 passa a ser representada objetivamente como uma
zona de qualidades intermediárias entre a Zona Sul e os Subúrbios:
É interessante observar para estes dois últimos casos a maneira como o lugar
de fala interfere na construção das ideias e no sentido do discurso. Enquanto o exem-
plo mostrado anteriormente expôs a percepção sobre um bairro que “teimosamente”
não se entregava às benesses que o “estilo carioca de viver” poderia proporcionar a
seus moradores, neste outro, o JB se exime da posição de opinante para mostrar-se
apenas como porta-voz das reivindicações dos tijucanos. A posição antagônica nas
percepções de espaço do JB e dos tijucanos se confirma, portanto, quando estes
últimos se mostram escandalizados com a verticalização do bairro, enquanto aquele
afirma, em outra circunstância, que o tijucano seria “atrasado” por não aceitar tal novo
estilo de vida que se mostrava como dominante. Observa-se, ao mesmo tempo, certa
“solidariedade de classe” na medida em que o JB oferece um espaço de reclame aos
moradores da Tijuca. Neste ponto de vista, apenas o envolvimento de uma proximi-
dade social entre esses dois grupos poderia justificar tamanho destaque dado pelo JB
142
à “visão de mundo” do tijucano, abertamente díspar daquela que seria entoada pelo
jornal pouco tempo depois.
Na manhã de domingo, com sol, dava gosto ver o Tijuca Tênis Clube. Crian-
ças brincando na sua piscina rasa, brotos de biquíni na piscina maior, ma-
mães batendo papo na sombra, as quadras de tênis ocupadas por campões
e candidatos a campeões, o campo de “pelada” com uma partida “quente” e
os bares e salas de jogos carteados bem concorridos. [...] Ali estava uma bela
manhã, um dos encantos desta cidade: a sua excelente vida de clube. Essa
vida de clubes que O GLOBO deseja mostrar durante o concurso “Senhorita
Rio”, que está começando. Ali, naquelas piscinas, naqueles salões e naque-
las quadras estava a família carioca (“Um mundo chamado Tijuca Tênis
Clube”, O GLOBO, 6 set. 1967).
Nos anos 1960, O Globo também deu bastante destaque ao evento “Semana
da Tijuca”, capitaneado pelo próprio jornal em parceria com a Administração Regio-
nal da Tijuca e diversas outras entidades:
Figura 15. Entre a verticalização e a manutenção das antigas casas: um panorama da Rua
Conde de Bonfim (2014)
50 A Socila ficou conhecida durante os anos 1950 e 1970 como uma escola que ensinava boas maneiras
e lições de etiqueta para senhoritas. A filial da Praça Saenz Peña existe até os dias de hoje. Para mais
informações, ver: <http://oglobo.globo.com/rio/ex-funcionarias-da-socila-mantem-encontros-
13685066>. Acesso em 9 fev. 2017.
51 Em anúncio publicado em O Globo (30 jun. 1964) pela Associação Comercial da Tijuca no momento
de festejo da “Semana”, dizia um certo Eldyr Souza como porta-voz dos comerciantes: “Julho é o mês
da TIJUCA! Todos a postos para as comemorações do nosso querido bairro das belas residências,
agradável, limpo, alegre, familiar, homogêneo, progressista. TIJUCA é grande, mas cabe em nossos
corações e os enche de ufania. Pagando impostos em dia vamos mostrar a importância de nosso bairro,
sua pujança e sua capacidade. Todos pela TIJUCA: impostos pagos fiel e pontualmente”.
144
Como justificativa, O Globo procurou ouvir a opinião dos tijucanos como forma
de dar maior representatividade a tal iniciativa. Em uníssono, alguns tijucanos disse-
ram:
A falta de “bares na moda onde decidir dos destinos do País” indica a percep-
ção da importância do âmbito escolar da Tijuca como local de formação intelectual e,
sobretudo, de fortalecimento da unidade de uma classe social que não apenas aspi-
rava, mas também se sentia e era vista como predestinada a ocupar cargos de lide-
rança e direção. Da mesma maneira, os clubes são representados como locais impor-
tantes de sociabilidade para os tijucanos, mostrando-se como alternativa às boates
que, em Copacabana, eram justamente estes lugares da moda onde os políticos e
toda a classe de grã-finos “atentos e discretos” se encontravam para falar de trabalho
146
Além disto, vale destacar a ideia atribuída à Barra como parte da Tijuca ou
como uma extensão desta. Em outras palavras, o fato de a Tijuca supostamente “pos-
suir” a Barra significaria ratificar a dominância de sua posição social como a de uma
classe que, muito embora habitasse um bairro longe do mar, por outro lado deteria
posse simbólica sobre terras marítimas, vistas como o tipo de espaço físico, por ex-
celência, metonímico das elites já nos anos 1960. O modo como os tijucanos, en-
quanto visitantes, se apropriavam do espaço da Barra, até então uma região subde-
senvolvida, parecia denotar aos olhos de terceiros uma relação de domínio e controle
legitimada principalmente pelo nome: Barra da Tijuca.
transporte abundante, numerosas escolas (em 70, era o bairro com maior
número de educandários em todo o Estado), excelente localização, uma com-
pleta estrutura de serviços médico e odontológico, além da quietude que dá
à Tijuca o tão anunciado clima de tranquilidade.
Na primeira metade dos anos 1970, a Tijuca também teria muito da sua carto-
grafia e da sua fisionomia remodelada com a abertura de novas ruas e o prolonga-
mento de outras. A tensão entre preservar a história do bairro e modernizá-lo foi mais
uma vez retratada pelo Jornal O Globo em outras duas ocasiões. Na matéria “Chincha
tem 162 anos; Tijuca quer que ela viva mais” (24 set. 1971), o referido periódico abor-
dava a problemática da derrubada de uma Chincha da índia, árvore centenária plan-
tada na esquina das ruas Padre Elias Gorayeb com Conde de Bonfim, por estar no
caminho das obras de alargamento da rua. Segundo a matéria, a chincha tijucana,
apelidada como “a maior árvore do Rio”, teria sido uma das duas mudas de Sterculia
foetida trazida para o Brasil em 1809: a primeira delas havia sido plantada por D. João
VI no Jardim Botânico e a outra, “não se sabe mais quem plantou nos terrenos da
Chácara de Plantas do Portão Vermelho, na Tijuca”. Líder da mobilização em prol da
árvore, a professora Idalina de Castro Prohman aproveitou o espaço conferido pelo O
Globo para sensibilizar o Departamento de Parques e Jardins, posto que a chincha
tinha “um perfil lindo e aos seus valores históricos devemos acrescentar a estima que
já lhe têm todos os tijucanos”.
da Tijuca contra o metrô foi retratada tanto nesta matéria como em várias outras que
seriam publicadas ao longo da década tanto no JB como n’O Globo. Nesta reporta-
gem em si, o JB se posiciona discursivamente contra o metrô (prestando solidarie-
dade às comunidades de bairros afetados, como Catete, Botafogo e Tijuca), mas des-
tacando, por outro lado, o planejamento estratégico da Companhia do Metropolitano
em conquistar o voto de confiança dos tijucanos ao prometer “passagens gratuitas e
silêncio noturno”, e especialmente, ao difundir uma campanha de glorificação ao sta-
tus do bairro:
Mesmo com “mimos” e com um discurso que procurava envaidecer o ego dos
já orgulhosos tijucanos, a Companhia do Metropolitano não conseguiu a simpatia dos
moradores do bairro, sobretudo por causa dos recorrentes atrasos no cronograma das
obras. Previstas para 1979, as estações Afonso Pena, São Francisco Xavier e Saens
Peña foram entregues somente em 1982. Com isso, a Praça Saenz Peña, principal
espaço de sociabilidade e de consumo da Tijuca, ficou pelo menos seis anos interdi-
tada. A demolição dos remanescentes palacetes e solares e a abertura de novas ruas
– como a Avenida Heitor Beltrão e o prolongamento da Rua Almirante Cochrane com
as ruas Santo Afonso e Antônio Basílio – também fizeram parte do pacote de obras
do metrô, incidindo diretamente no cotidiano e nos “afetos” de quem morava ou fre-
quentava a Tijuca. Vale destacar ainda o megaprojeto rodoviário da Linha Verde, que
pretendia conectar, em seu trecho mais emblemático, o bairro da Tijuca ao da Gávea,
na Zona Sul, sob a montanha. A obra, idealizada para facilitar os deslocamentos, na
verdade, entre a Rodovia Presidente Dutra e a Zona Sul, foi executada parcialmente;
a Avenida Automóvel Clube e o Túnel Noel Rosa são alguns dos trechos que saíram
152
Segundo O Globo, foi o crescimento urbano que teria afetado a vida da Tijuca
e o bairrismo de seus moradores:
Norte” como dos Subúrbios. Formava-se, assim, a escalada de ascensão social inter-
bairros cujas transformações se evidenciariam tanto na paisagem como nas relações
sociais entre os tijucanos “originais” e os tijucanos “novatos”:
— Sempre morei na Tijuca, até 1972, quando casei. E nunca pensei em con-
tinuar morando lá. A Tijuca se transformou muito. Hoje verifico que quando
era menina o poder aquisitivo dos moradores era alto, sem nenhuma dife-
rença para a zona sul. Hoje existe uma invasão do pessoal do subúrbio, que
ascendeu um pouco economicamente e que tem como objetivo na vida morar
na Tijuca. Não moro mais lá mas meus pais continuam morando. A Tijuca de
hoje não tem nada a ver com a Tijuca em que morei. Ela era arborizada, hoje
não existem mais árvores, está tudo árido. Era um bairro tranquilo, hoje é uma
violência só. Adquiriu todos os defeitos de um bairro de grande cidade sem
ter mudado de mentalidade, que ficou atrasada. Basta dizer que no edifício
de minha mãe ainda existe a preocupação do “o que é que os vizinhos vão
dizer...” (Ana Lúcia Boiteux, 23 anos, moradora do Jardim Botânico).
— Acho a Tijuca um bairro maravilhoso. Moro na Barão de Mesquita, perto
do quartel, e por isto não posso me queixar de segurança. As obras do metrô
não afetam a minha área mas não resto do bairro os problemas são constan-
tes. A Tijuca tem sofrido muitas transformações e piorou em certos aspectos
— aumento do barulho, obras, trânsito engarrafado. Uma coisa que tem me-
lhorado é o comércio. Está aumentando, novas lojas estão sendo inaugura-
das. Não é mais preciso ir à zona sul para fazer compras. O comércio local
satisfaz plenamente. O que acho muito deficiente é o setor de diversões e
lazer (Ila, 28 anos, moradora da Tijuca há cinco, antiga moradora do Engenho
de Dentro) (O GLOBO, 20 nov. 1977).
repórter Cilea Gropillo destacou um grande mapa do entorno da Praça Saenz Peña,
apontando loja por loja e o que cada uma vendia, preço, perfil de atendimento e van-
tagens, seguido de conselho: “A Rua Conde de Bonfim está irreconhecível, mas, como
os tijucanos se habituaram a fazer compras perto de casa, prevê-se muito movimento.
Não se esqueça de se armar de uma boa dose de paciência”.
54Nos anos 1980, o termo “comunidade” ainda era utilizado como autorreferência da própria classe
média em se designar parte de um grupo social específico de bairro. O “rapto ideológico” deste termo
aconteceria na década seguinte ao virar sinônimo de favela ou de área carente.
158
Bons tempos, aqueles. Não havia tijucano que não ostentasse o adjetivo com
um misto de insolência, orgulho e esnobismo.
[...]
Como talvez nenhum outro bairro do Rio de Janeiro, a Tijuca viu suas feições
e hábitos retorcidos pelo tempo, pelo crescimento imposto por fatores exter-
nos e pela constante reforma da infraestrutura da cidade. Sua qualidade de
vida – de longe uma das melhores do Rio, pelo clima, pela localização, pela
vegetação certa vez rica – caiu vertiginosamente. E o bairro expulsou para
bem longe até mesmo alguns de seus mais fervorosos devotos. Sua geogra-
fia atual desnortearia qualquer antigo morador que se afastasse da Tijuca por
um período mais longo. Os limites tornaram-se turvos demais para se saber
onde começa e onde acaba a Tijuca. Aos poucos, o bairro está deixando de
merecer a denominação para se tornar mais um corredor de passagem.
Sem dúvida um dos maiores vilões da decadência da Tijuca é o metrô. Desde
que foi cravada a primeira estaca em plena Rua Doutor Satamini, em agosto
de 1976. Três atrasos no cronograma de construção mais tarde, dezenas de
desapropriações depois, o que resta agora da ex-residência da Família Real
é a sombra do bairro que, há sete anos, era a maior fonte de arrecadação do
município.
Inaugurado em maio de 1982, o metrô da Tijuca foi recebido com festas e mui-
tas celebrações nas quais participou o então presidente João Figueiredo, quem dis-
cursou em palanque montado na Praça Saenz Peña junto à primeira-dama Dulce.
Antigo morador do bairro e ex-aluno do Colégio Militar, Figueiredo entoou discursos
afetivos sobre o seu tempo de menino na Tijuca e aproveitou a oportunidade para
agradecer a “compreensão por estes anos de sofrimento e de rebuliços que o metrô
foi obrigado a causar a vocês”. É intrigante notar a contradição entre o sentimento de
desprestígio e de “decadência do bairro” com a visita do Presidente da República –
isto é, o cargo executivo mais alto do país – durante um evento de apelo bastante
localista, quando o próprio Rio de Janeiro já não era mais capital havia pelo menos
duas décadas. Este seria um indício do forte poder político e de reivindicação dos
159
tijucanos naquele início dos anos 1980 não obstante a impressão de “decadência”
anunciada pelo JB.
meio de transporte de modo que não parecesse estar andando nos trens que saíam
da Central do Brasil rumo aos Subúrbios, visto como deselegante:
— Você viu só? – Queixou-se uma senhora bem vestida ao saltar na estação
Saens-Peña ontem às 18h05m, voltando do Centro. ‘Tive de empurrar aquele
homem que estava parado na porta, segurando em cima, como se estivesse
no trem da Central’.
Ao longo dos anos sequentes, a Tijuca vivenciaria uma etapa que presumivel-
mente colaboraria ainda mais para que o bairro passasse a ser reconhecido como
“decadente” no imaginário coletivo da cidade, tal qual havia anunciado o JB em 1981
(“Reação a um cerco fatal”, 13 set. 1981). A crise social e urbano-metropolitana dessa
época acentuou os focos de violência urbana na cidade, nos quais as favelas passa-
ram a ser ainda mais metaforizadas como lócus da miséria, da insegurança e da ca-
lamidade pública. Ribeiro (2015) enfatiza que os anos 1980 “inauguraram” na cidade
do Rio toda uma conjuntura de informalidade, desemprego, pobreza e inchaço urbano
que implicou na queda da qualidade de vida cotidiana dos bairros em geral. Segundo
o material analisado, essa conjuntura afetou preponderantemente as qualidades ur-
banísticas e “sensoriais” da Praça Saenz Peña, cujos lojistas padeciam de um novo
“mal”: a precariedade na preservação do espaço público junto à concorrência com o
comércio informal, representado pela caricatura dos camelôs. Além do metrô, que
contribuiu para que o fluxo de pedestres aumentasse, um sem-fim de outros proble-
mas fez com que, pouco a pouco, mesmo devolvida à população após seis anos in-
terditada, a Praça Saenz Peña se tornasse motivo de desafetos e novas lamentações.
Em reportagens publicadas entre 1983 e 1986, nota-se que o “excessivo” número de
linhas de ônibus que transitava pela Rua Conde de Bonfim era uma das razões apon-
tadas pelos comerciantes locais para que os camelôs se fortalecessem e a desordem
se instaurasse. Além disso, o crescimento da mendicância e dos assaltos realizados
por “pivetes” se somariam à projeção de representações negativas por parte dos jor-
nalistas, onde um deles sugeriu, por exemplo, que a Saenz Peña havia se transfor-
mado num grande “mercado persa” (O Globo, Tijuca, 3 jun. 1986).
Figura 17. O caderno “Tijuca”, de O Globo: comunicação bairrista entre jornal e público-alvo
Fonte: “Tijuca”, O Globo (06 dez. 1983); “Tijuca”, O Globo (18 fev. 1986).
da Zona Sul, mas numa relação de disputa onde o habitus já havia perdido espaço.
Os ganhos de espaço, naquele momento, se dariam a partir da afirmação da posse
de capital econômico e de um abatido capital simbólico, sempre defendido conforme
um determinado contexto. Em 23 de abril de 1985, reportagem assinada por Lucia
Tâmega para o mesmo caderno intitulada “Tijucano tem motivo de sobra para ser
bairrista” dissertava sobre as mil e uma virtudes sociais do morador da Tijuca, sendo
a principal delas o seu “perfil socioeconômico”:
a chegada de um perfil de danceterias, matinês, bares e pubs que, até então, só exis-
tiam “do outro lado do Rebouças”. O assassinato da adolescente Mônica Granuzzo,
estuprada por dois rapazes em boate na Zona Sul pouco tempo antes, é apontado
pelos adolescentes tijucanos como um dos motivos pelos quais seria “muito melhor
ficar na Tijuca, onde ainda não ‘pintaram’ essas confusões”. Nesta matéria, a repre-
sentação de um bairro que celebrava sua vida boêmia entre “iguais” é colocada em
destaque pela repórter como um atributo de sucesso a tantos empreendimentos co-
merciais deste gênero na Tijuca, muito embora houvesse aqueles que, ao se verem
mais identificados com o estilo boêmio da orla, abriam mão do convívio com seus
pares no bairro para atravessarem o túnel. Na fala de uma das entrevistadas, esse
tijucano “tipo Zona Sul”, entretanto, seria malsucedido em suas tentativas de se en-
turmar com a moçada de lá por não ter “a malícia característica” daquela região:
A Tijuca tem dois tipos de jovens: um mais conservador, que tem orgulho do
bairro e vai a todos os lugares que abrem por aqui e outro mais “tipo Zona
Sul”. Esse só dorme na Tijuca. Trabalha, estuda e frequenta a Zona Sul. De
noite vai com seu Scort preto para os bares de lá, abre a porta do carro, põe
o som no último volume e faz pose para as gatinhas. Mas todo mundo sabe
que ele é tijucano. Ele não tem a malícia característica da Zona Sul.
De mais a mais, vale apontar estes dois últimos casos como exemplares de um
paradoxo em se afirmar e reafirmar a posição de “centralidade” da Tijuca através de
164
discursos que procurariam apresentar toda uma série de qualidades que, numa aná-
lise crítica, pareciam ser ignoradas pelos leitores pelo modo como eram colocadas. O
tom persuasivo dessas reportagens é notório, indicando a batalha da Tijuca em rei-
vindicar sua posição de bairro “autossuficiente” justo num momento onde essa quali-
dade parecia ver-se cada vez mais “enturvada” pela perspectiva das classes domi-
nantes.
Mas, para além dessas qualidades e virtudes, também havia os defeitos. En-
quanto a Praça Saenz Peña era tomada por camelôs e por um clima de desordem, o
lado ruim de morar na Tijuca teria a ver com o fato de grande parte de suas encostas
já estar monopolizada por favelas. É o que aponta a repórter Lucia Tâmega, na repor-
tagem mencionada anteriormente (“Tijucano tem motivo de sobra para ser bairrista”)
do caderno “Tijuca”, de O Globo (23 abr. 1985):
Mas, nem tudo é de bom tom na vida dos tijucanos. Curiosamente, também,
o bairro é o único do Rio com 11 favelas. Dos 260 mil habitantes que povoam
a Tijuca, 55 por cento residem em favelas enfrentando os graves problemas
da marginalização social; subnutridos, carentes de serviços médicos, de as-
sistência social e de saneamento básico.
Da mesma forma como a relação com a Tijuca, bairro de classe média, “que
sem dúvida carrega preconceitos (raciais, sociais), como observam Elza Cléa
e Elite, em relação aos moradores do Salgueiro. Estes, se não mostraram
animosidade, confessam alguma estranheza: houve quem dissesse que não
se sentia bem na Praça Saenz Peña. Mas há momentos de integração. “Todo
tijucano é um pouco salgueirense e orgulha-se das vitórias da escola”, diz
Elza Cléa.
Para o caso acima, é curioso notar o aposto “bairro de classe média” para ex-
plicar o que seria a Tijuca. Este reforço de linguagem permaneceria presente a partir
da segunda metade dos anos 1980, apesar de os sintomas da percepção de um de-
clínio simbólico da Tijuca ganhar mais notoriedade até mesmo nas manchetes: “As-
saltos a prédios tiram a tranquilidade dos tijucanos” (O Globo, Tijuca, 02 set. 1986);
“Na Tijuca de hoje, poucos sinais dos ‘anos dourados’” (O Globo, Tijuca, 10 jun. 1986);
“No Montanha, do bom tempo só resta saudade” (O Globo, Tijuca, 19 ago. 1986);
“Tiros na janela. Nem em casa se vive mais seguro” (O Globo, Tijuca, 14 out. 1986);
“Saens Peña: o coração da Tijuca bate mais devagar” (O Globo, Tijuca, 09 ago. 1988);
“Dos ‘bons tempos’, Tijuca de hoje só tem a saudade” (O Globo, Tijuca, 28 abr. 1987).
Curiosamente, todas estas matérias foram publicadas no caderno “Tijuca”, de O
Globo, demonstrando uma outra faceta deste suplemento que seria a de destacar os
problemas pela perspectiva poética de um bairro que era “de um jeito” e estava ficando
“de outro”. Portanto, a notícia nua e crua publicada no caderno “Tijuca” tendia a ser
condescendente com o capital simbólico daquele espaço – isto acontecia quando se
falava dos clubes, por exemplo, que já passavam a ter seus símbolos de distinção e
de prestígio percebidos como “recordações”, apesar de seu status ainda ser colocado
como digno de respeito55.
55 Em entrevista à reportagem “Tijuca Tênis Clube: 70 anos, muita história para contar”, publicada no
caderno “Tijuca” (9 jul. 1985), de O Globo, o então presidente do Tijuca Tênis Clube afirmava: “A pre-
ocupação de um sócio hoje não é tanto o status, embora o Tijuca ainda represente isso. É o único clube
do Rio capaz de manter um baile de gala no aniversário com repercussão extramuros e presença de
altas autoridades de expressão social, empresarial e política”.
166
Das reportagens publicadas entre 1988 e 1989, muitas delas apontavam ques-
tões interessantes a respeito de como o perfil social do tijucano já se mostrava repre-
sentado de modo um pouco diferente ao anterior. A problemática de o tijucano ser
“confundido” como suburbano foi motivo de pauta, aparentemente pela primeira vez,
em 06 de dezembro de 1988, na qual o caderno “Tijuca”, de O Globo, alegava que
“muito tijucano fica enfezado quando o pessoal da Zona Sul classifica seu bairro como
subúrbio”. A matéria contemporizava essa “terrível” associação recorrendo à definição
de “subúrbio” no dicionário como “áreas livres do sufoco do centro urbano, da poluição
e de todos os transtornos normalmente embutidos na palavra ‘progresso’, sendo regi-
ões, inclusive, consideradas nobres em outros países”. Por fim, concluía que se ser
“suburbano” era tal como apontava o dicionário, a Tijuca poderia ser subúrbio, sim,
“mas até certo ponto”. Outra passagem interessante dizia respeito à percepção rela-
tiva da queda do capital cultural do bairro em matéria intitulada “A difícil arte de achar
bons filmes na Tijuca” (15 nov. 1988), publicada no mesmo caderno. Na ocasião, o
editorial comentava sobre o fato de a Tijuca “estar entregue ao filme americano”, en-
quanto proprietários de redes de cinema diziam que cinema de arte, na Tijuca, seria
sinônimo de “butique em ponto fraco”.
Neste momento, a Tijuca parecia estar qualificada entre os atributos que ainda
a faziam ser reconhecidamente um bairro de elite entre os diversos problemas crôni-
cos – tanto urbanos como sociais – que inquietavam a força do seu capital simbólico.
Um desses problemas urbanos eram as enchentes, que tradicionalmente castigam
toda esta região da “Zona Norte” nos meses mais cálidos. O drama de um “bairro
elitizado” atingido por intempéries do gênero foi destacada pelo JB em 22 de agosto
de 1988; segundo o editorial, as enchentes na Tijuca, na noite anterior, teriam sujei-
tado até mesmo um cirurgião a “pegar na enxada” para limpar a rua onde morava.
Esta cena teria se repetindo por outros logradouros, “de residências de classe média
abastada, onde seus moradores, profissionais liberais na maioria, não pensavam ser
afetados pelo temporal como seus vizinhos menos favorecidos do morro do Borel e
da Formiga”.
uma jovem moradora da Rua São Francisco Xavier, que havia se atirado da janela do
apartamento onde morava pelo peso da culpa em entregar-se às “drogas e ao sexo”
com estranhos após noitada (JB, 27 fev. 1989). Para justificar que aquele tipo de acon-
tecimento era incomum à rotina do bairro, o JB publicaria em 14 de março do mesmo
ano matéria intitulada “Tijuca, um calmo cenário”, demonstrando que a noite da Tijuca
era “curta”, onde “dificilmente se encontra um bar aberto depois das 2h”, mas que a
proximidade com os morros tornava fácil “o acesso aos tóxicos”. Se por um lado a
pouca badalação é apontada pelo JB como atributo de qualidade à vida moral do
bairro, por outro, a insatisfação do público jovem se revela na fala dos entrevistados:
“— Ninguém fica mais na Tijuca!” / “— O tijucano é aquele que não conseguiu chegar
até a praia, mas se afastou de Noel Rosa. É uma província que o próprio morador não
gosta de frequentar. Não está nem na Zona Norte nem na Zona Sul, não sabe onde
está”.
Foi desta forma como a Tijuca encerrava os anos 1980: sentindo-se – e sendo
vista – como deslocada, mas amplamente reforçada como um bairro que ainda tinha
lá sua distinção perante os demais.
enquanto, por outro lado, os sintomas de um grupo social bairrista também continua-
vam sendo entoados pelas matérias, especialmente por O Globo e seu caderno de
bairros. A contradição em perceber um espaço tomado pela desordem – aspecto que
parecia desonrar o passado nobre do bairro – e outro onde seus moradores aparen-
temente não queriam sair dali, mesmo insatisfeitos, permaneceu retratada como tal,
mas com algumas ressalvas: sair da Tijuca já começava a se mostrar como opção.
Essa antinomia se mostra bastante presente entre duas matérias publicadas no pri-
meiro semestre de 1990. Em 07 de maio daquele ano, a jornalista Cristiane Costa
estamparia no caderno Cidade do JB reportagem de título “Saudades da Saenz Peña:
especulação imobiliária, metrô e violência destruíram os anos dourados da praça”. A
composição da matéria dispunha de um modelo clássico utilizado por aqueles que
costumavam retratar a Tijuca através de uma memória afetiva. Logo, a recordação do
charme do passado servia de insumo para condenar o “caos” do presente:
Belém afirmava, categórica, que o tijucano seria um bairrista assumido, que driblava
as piadas maldosas (da Zona Sul) e se orgulhava de morar na “Zona Norte chique”. É
interessante observar as discrepâncias nessas percepções de espaço, pois enquanto
a senhora Rosalina Mendes da Paiva, moradora antiga entrevistada pelo JB, detinha
uma percepção do bairro reforçada pelo editorial, nesta matéria de O Globo, a atriz
da TV Globo Flávia Monteiro informava, entusiasmada, que “o grande programa nas
tardes vazias é passear na Praça Saens Peña”, e que só sairia da Tijuca para morar
em um “superapartamento na Lagoa com vista ampla e em andar alto”. A troca do
bairro pela Zona Sul é colocada por esta reportagem como uma decisão tomada de
modo cauteloso pelos tijucanos, cuja vacilação aconteceria preponderantemente na
vida adulta:
Nem uma das igrejas mais tradicionais da Tijuca, a São Francisco Xavier,
escapou da ação dos pivetes que assaltam no bairro, certos da impunidade
e confiantes nos direitos do Estatuto da Criança e do Adolescente. No dia 4
passado, a igreja foi invadida por nove menores. O “arrastão” com os fiéis só
não se concretizou porque um dos vigias da São Francisco Xavier conseguiu
convencê-los a deixar o local. Segundo padre Juca, nos últimos três anos oito
fiéis foram vítimas de assaltos dentro do próprio templo, enquanto rezavam.
Entre 1991 e 1995, diversas reportagens publicadas pelo caderno “Tijuca” per-
maneceram na tendência de se reafirmar socialmente o tijucano como uma grande
potência econômica ignorada pela população do Rio de Janeiro. Em “O jeito chique
de se viver no bairro” (26 nov. 1991), a repórter Andrea Magalhães afirmava que a
valorização dos imóveis na Tijuca comprovava o status da região, “refúgio de comer-
ciantes bem-sucedidos, novos ricos e de uma classe média alta, tradicional e conser-
vadora, que investe no conforto e na diversão”. Na ocasião, Magalhães sublinhava
que as ruas mais nobres “passavam bem longe dos morros e dos locais mais movi-
mentados comercialmente”, destacando ainda, curiosamente, “que havia moradores
da Zona Sul querendo se mudar para o bairro” para fugir da violência:
173
Destaca-se que a repórter Andréa Magalhães foi responsável por publicar uma
série de reportagens deste gênero no período mencionado, apesar de que, em para-
lelo, os cadernos de circulação geral destacavam o cenário oposto àquele, isto é, de
uma Tijuca afetada pela violência e pela consequente migração destes tijucanos
“classe A” para a Barra da Tijuca. Em entrevista concedida a esta pesquisa, Andrea
Magalhães (2017) comentou que muitas destas pautas assinadas por ela haviam sur-
gido como reflexo da própria experiência de espaço vivido da jornalista – quem reside
até hoje no bairro –, apesar de que a linha editorial do caderno de bairros prezasse a
publicação de matérias mais descontraídas e simpáticas ao dia a dia da Tijuca porque
também se constituía como um grande veículo de anúncio e publicidade para lojistas
174
tijucanos. Neste sentido, Magalhães (2017) destaca que dificilmente notícias “pesa-
das” sobre o bairro saíam no caderno “Tijuca” porque correriam o risco de prejudicar
a visibilidade que os anunciantes vislumbravam naquele suplemento. De todo modo,
é válido salientar o lugar de fala de Magalhães que, mesmo atribuída de uma posição
cujo discurso passava por um refinamento intelectual, também se valia da sua expe-
riência individual para defender os hábitos, costumes e perfil de uma classe social à
qual ela própria pertencia57.
A família do estudante Luís Felipe Garcia passou 14 anos indo todos os fins
de semana da Tijuca para o condomínio Barramares, onde tinha um aparta-
mento. A possibilidade de se mudar definitivamente dividiu a família. En-
quanto Luís Felipe, a mãe e a irmã não viam a hora de arrumar as malas, o
pai, Emerson, relutava, em virtude da distância do trabalho, no Centro. Depois
de muito insistir, os três conseguiram convencê-lo. Deixaram o apartamento
do Barramares com parentes e compraram outro no condomínio Bosque de
Marapendi, para onde se mudaram há oito meses. “Hoje, quem mais curte a
Barra é meu pai. Nós sempre encarnamos nele por isso”, diz Luís Felipe.
57 Andrea Magalhães (2017) acrescentou, também, outro detalhe interessante que explicita a ideia de
proximidade social da Tijuca com a Zona Sul e a Barra através de O Globo. Segundo a jornalista,
existiam os seguintes cadernos de bairros em meados dos anos 1990: Tijuca, Zona Sul, Barra, Zona
Norte, Zona Oeste, Ilha e Baixada. No processo de produção das matérias, havia aquelas que o editorial
categorizava como de “circulação geral”, dedicadas a falar sobre assuntos de saúde, empreendedo-
rismo, arte etc. Apesar da produção de matérias específicas para cada caderno, existiriam estas outras
reportagens mais genéricas que cobriam possíveis “buracos” em determinadas edições. Segundo An-
drea, essas reportagens de circulação geral eram limitadas por conjuntos de cadernos, dos quais o da
Tijuca se unia aos da Barra e da Zona Sul. “Se fôssemos falar sobre um empreendedor da Baixada
Fluminense, O Globo jamais colocaria essa matéria no caderno ‘Tijuca’, muito menos no caderno ‘Zona
Sul’. Mas, se a pauta fosse sobre uma clínica dentária de ponta, por exemplo, na Barra, este tipo de
matéria poderia circular facilmente no caderno Tijuca, por uma questão de público-alvo”, explicou.
175
Não obstante fosse vista até meados dos anos 1990 como uma “extensão” da
Tijuca, na medida em que os novos moradores se assentavam na Barra e se apropri-
avam daquele espaço, as rivalidades e o preconceito com os tijucanos que ainda mo-
ravam na Tijuca passariam a ascender tanto no espaço social como no espaço físico.
Em 22 de fevereiro de 1996, o caderno “Barra” de O Globo diria que a rivalidade entre
os moradores da Barra e tijucanos seria “antiga e assumida”. Na ocasião, mostrava-
se que a praia da Barra contaria com faixas de areia específicas para “suburbanos”,
tijucanos, moradores da Barra e da Zona Sul, mas que tais fronteiras seriam facilmente
burláveis dependendo da semana, gerando tensões: “— Eu odeio passar pelos tre-
chos de farofeiros, não consigo nem olhar. Também acho que os tijucanos não deviam
nem ter direito de vir à Praia da Barra. Eles estragam o lugar – fala Camilla Torrini,
frequentadora assídua do Pepê”. Na contrapartida, a voz da Tijuca: “— Eu nunca fre-
quentei o Pepê porque acho que lá só tem garota metidinha e homem fresco – revela
a tijucana Marcela Mesquita”.
58“Os tijucanos defendem com unhas e dentes a Rua Conde de Bonfim de todas as reclamações. Não
abrem mão de classificá-la como centro do mais tradicional bairro da Zona Norte e ignoram que o perigo
está descendo o morro. “A Tijuca é um bairro tranquilo. Não vejo problemas em morar aqui”, diz a
advogada Maria Adelina Bernardes da Silveira”.
177
perior a R$ 1.800 do que “Ipanema e Leblon juntos”, com renda média de 10,4 salá-
rios-mínimos, onde 13% da população teria mais de 15 anos de estudo. “A Tijuca
nunca esteve tão distante da lama que dá significado a seu nome nos dicionários de
língua indígena”, afirmava a repórter Flávia Oliveira sobre a Tijuca do fim do segundo
milênio.
Nessa nova década, a Tijuca se firmava com um perfil de bairro cujos espaços
públicos estavam sendo cada vez mais preteridos por centros comerciais, enquanto
os gloriosos clubes do passado enfrentavam a concorrência progressiva dos novos
condomínios fechados, que construíam um novo conceito intramuros de moradia bas-
tante afim ao que já se praticava na Barra. Em outra frente, a imagem de bairro con-
servador também começou a sofrer interferência no momento em que o JB (“A revo-
lução das Luluzinhas”, Domingo, 27 fev. 2000) anunciava que o número de alunas já
representaria 47% do total de estudantes do Colégio Militar, fato que exigia mudanças
na rotina e uma inevitável abertura nos seus “rígidos critérios pedagógicos”. Aulas de
educação sexual passaram a fazer parte do “novo” Colégio, onde coincidentemente
uma das alunas, de 16 anos, havia ficado grávida naquele fevereiro de 2000. Não
obstante a solicitação de algumas mães para que a moça fosse expulsa por conside-
rarem-na sinônimo de “mau exemplo”, a escola pensou duas vezes e manteve-a ma-
triculada. O JB destacava, ainda, que, apesar das normas mais flexíveis, algumas
proibições permaneciam tais como as de os alunos uniformizados se beijarem ou fu-
marem na rua ou se envolverem em confusão, posição que continuaria conferindo ao
colégio a “excelência disciplinar” que sempre o caracterizou.
Entretanto, o que de fato perfilou a Tijuca nos anos 2000 foi a associação cada
vez maior de seu espaço como metonímia da violência e das ações criminosas. Esta
percepção seria ainda mais emblemática no ano de 2002, quando O Globo destinaria
pelo menos sete reportagens de capa apontando o estado de sítio vivido pelo bairro.
As manchetes eram curtas e diretas: “Tijuca sob fogo cruzado” (2 abr. 2002); “Favelas
avançam nos morros da região” (25 abr. 2002); “Ladrões fazem reféns na Tijuca” (2
abr. 2002); “Morte em passeio na Tijuca” (22 mar. 2002); “Tijuca refém do medo” (10
ago. 2002); “Uma cidade com medo: pesquisa revela que violência é o principal motivo
179
O medo tomou conta mais uma vez da Tijuca. Por ordem de traficantes do
Morro do Salgueiro, cerca de 20 pessoas, a maioria mulheres e menores,
armadas de pedaços de pau e batendo sapatos com salto plataforma, invadi-
ram no início da tarde de ontem a Praça Saens Peña e obrigaram comerci-
antes do lugar e de ruas próximas a fecharem as portas em sinal de luto por
um bandido.
[...]
Os mais de 180 mil moradores da Tijuca, considerada uma região de classe
média, vivem acuados pelo tráfico que domina as favelas que cercam o
bairro.
180
Fonte: Em sentido horário, Rio (13 abr. 2002); Rio (22 mar. 2002); Rio (20 ago. 2002); Rio (02 abr.
2002).
Em sua coluna no Segundo Caderno do mesmo jornal (1º set. 2002), o jornalista
Artur Xexéo comentava, assombrado, que ninguém mais tinha “certeza de o comércio
da Praça Saens Peña estar aberto”, porque “uma vez por semana, é decretado feriado
como protesto pela morte de traficante de um dos morros que cercam a Tijuca”. Xexéo
não ficou imune às críticas dos tijucanos, que, seguindo a constatação do JB (17 mai.
181
1998) de que o “bairrismo seria mais forte que a violência”, trataram de defender seu
torrão. Os depoimentos foram gentilmente publicados na coluna da semana seguinte:
[...] Acho que exagerei. Outro dia escrevi aqui que “ninguém nunca tem cer-
teza de o comércio da Praça Saens Peña estar aberto. Uma vez por semana,
é decretado feriado como protesto pela morte de traficantes de um dos mor-
ros que cercam a Tijuca”. As queixas não tardaram. “Desta vez você falou
besteira. A despeito da barbárie que isso significa, aconteceu apenas uma
vez”, assinala Paulo Roberto Granja.
“Nós, moradores deste bairro, não temos conhecimento de que uma vez por
semana o comércio da Praça Saens Peña fecha. Só se é aos domingos! Fi-
que sabendo que esta foi a primeira vez que isto aconteceu. De outra vez foi
na Rua Conde de Bonfim, perto do Borel, e não em toda a Conde de Bonfim
como pensa quem lê os jornais. Seria interessante que você viesse ao nosso
bairro que é tão violento quanto qualquer outro do Rio ou de outras cidades
do Brasil, mesmo acompanhado de seguranças para sua maior tranquilidade,
para comprovar que as pessoas aqui levam uma vida normal, andam de ôni-
bus, vão às lojas, aos shoppings e, logicamente, saem menos à noite como
em todos os demais bairros. Parece que só aqui existe violência, mas leio
diariamente notícias sobre assaltos e outros crimes em vários bairros como
Botafogo, Barra, Recreio, Copacabana, embora a imprensa não dá o mesmo
destaque”, reclama Eugenia Szoor.
“Como o senhor pode dizer uma coisa dessas? Só porque ouviu nas duas
últimas semanas essa notícia, já condenou a Tijuca para o ano inteiro? O
senhor sabe muito bem quais são os cariocas mais bairristas do Rio: os mo-
radores da Ilha do Governador, os tijucanos e, apesar de tecnicamente não
serem do Rio, os icaraienses. Então, como tijucano, solicito que esclareça em
sua coluna que não foi bem isso o que queria dizer”, exige Roberto Oliveira.
Moral da história: com tijucano não se brinca. Portanto, não foi bem isso o
que eu queria dizer.
tijucanos que não acham nada disso, muito pelo contrário. Fala que eu te
escuto, Reynaldo Tavares:
Mais uma vez, é intrigante analisar o discurso pelo qual se vale o leitor Rey-
naldo Tavares para legitimar sua posição social de tijucano como praticante de um
estilo de vida afim com o que se esperava de um “tijucano típico respeitável”. A auto-
legitimação do seu lugar nessa estrutura social é utilizada, em contrapartida, para
conferir a ele mesmo não apenas o poder da anunciação da “verdade”, de que a Tijuca
seria de fato “um calvário” amplamente negado por seus vizinhos, mas especialmente
o poder da oportunidade de expressar como ele, naquela posição social, enfrentava
os dissabores de um bairro que poderia ser tachado como “infernal”. Neste aspecto,
o não reconhecimento entre lugar e posição social se mostra imperativo para compre-
ender os pormenores de uma possível não congruência de status do tijucano a partir
dessa década.
de 2004, mesmo “cercada por 17 favelas, a Tijuca ainda é o que pode se chamar de
uma ilha na Zona Norte”. Como justificativa, o JB afirmava que o Índice de Desenvol-
vimento Humano (IDH) de 0,9 colocava a população do bairro “em pé de igualdade”
com áreas da Zona Sul, como Copacabana, Botafogo, Lagoa e a Barra.
todo plantado. Ela é classificada por seus moradores como um recanto se-
guro no bairro e tem cerca de 15 prédios de, no máximo, cinco andares (Morar
Bem, O Globo, 23 mai. 2004).
À parte do drama vivido pela Tijuca, nos últimos anos da década de 2000 o JB
também enfrentaria seu próprio drama com o lento, mas notório processo de decai-
mento do jornal, que culminaria em 2010 no fim da sua veiculação impressa. Diversas
reformulações fizeram com que o JB mudasse não apenas o seu formato (adotando
um modelo europeu parecido ao de tabloide), mas também sua linha editorial. No âm-
bito destas reformulações, entre 2008 e 2009 muitas matérias se mostravam mais
simpáticas e/ou abertas a darem espaço à Tijuca, conferindo-lhe mais destaque do
que em O Globo. Dois exemplos importantes que ilustram esta percepção foram a
coluna social assinada pela jornalista Hildegard Angel, ex-moradora do bairro, que
diversas vezes destinou seu espaço para falar das “reivindicações da Tijuca” – espe-
cialmente em ocasião de medida da Secretaria Municipal de Habitação em criar uma
espécie de habitação popular em prédio inutilizado na Rua Conde de Bonfim: “O povo
tijucano está preocupado com a notícia publicada de que o prefeito prometeu transferir
uma comunidade inteirinha para o antigo prédio desativado do Carrefour”, introduziu
Angel (11 set. 2009), em tom de “solidariedade”. O segundo exemplo seria a criação
da coluna fixa de crônicas “Cenas Tijucanas”, assinada pelo advogado e cronista Edu-
ardo Goldenberg, no Caderno B. A bela e indiscutível qualidade literária de Golden-
berg em falar de “sua aldeia”, a Tijuca, deixava antever, por outro lado, uma suposta
pretensão que estes últimos anos do JB vislumbravam em angariar um novo público-
alvo, como o da classe média da Zona Norte. Tudo isto num momento em que O
Globo aparentemente já havia abocanhado grande fatia de mercado dos leitores per-
tencentes às classes média e alta carioca, especialmente a da Zona Sul e da Barra.
São quase 126 mil eleitores de tradição. As eleições, para os tijucanos, re-
presentam a esperança de que o próximo prefeito faça algo pela segurança
da região - para os moradores, principal fator de decadência de um bairro que
começou ocupado pelos jesuítas no século XVI. [...] Se a Tijuca perdeu boa
parte de seu glamour pela insegurança, o vizinho Maracanã, com mais 17 mil
eleitores, sofre também com o trânsito caótico em torno de um estádio que é
peça central da candidatura da cidade para sediar a Copa de 2014.
[...]
Mas a favelização avança na Usina. Ali se concentram os morros do Borel,
da Formiga e da Casa Branca. Na Praça Pinheiro Guimarães, por exemplo,
boas casas se desvalorizaram devido aos tiroteios constantes na Casa
Branca, bem atrás.
— Aqui era, e ainda é, uma das áreas nobres da Tijuca. Há casas com 12
suítes – completa o filho de Ana Maria, Alessandro Zali, de 34 anos. – A Tijuca
era um bairro de vivência, agora é bairro de sobrevivência. Os moradores
conviviam e tinham seu lazer aqui. Eu, quando novo, só saía da Tijuca para
ir à praia.
Embora o aposto “bairro de classe média” utilizado pelos jornalistas para dar
reforço explicativo à ideia de a Tijuca ter perdido espaço nas páginas dos jornais neste
período, a condição simbólica de lugar “tradicional” e “importante” no Rio de Janeiro
continuaria a trazer vantagens ou, pelo menos, a viabilização da oportunidade de se
reconstruir a produção daquele antigo espaço tijucano. Segundo o JB, na matéria in-
titulada “Tijuca vive transformação” (1º fev. 2009), uma conjunção entre mercado imo-
biliário e políticas públicas viabilizaria um “renascimento” da Tijuca para os anos de
2010. Na ocasião, o prefeito Eduardo Paes havia escolhido a Tijuca como bairro-piloto
para a implantação de um programa de choque de ordem que ficaria conhecido como
“Tijucabacana”. A ideia seria transformar a Tijuca em modelo para a cidade, instituindo
inspeção permanente da Secretaria de Ordem Pública (Seop) e a Guarda Municipal a
favor da “ordem urbana”. A expectativa por melhorias foi apontada pelo jornal como
motivo de entusiasmo do setor da construção civil:
De acordo com o que foi lido e analisado, essa decadência urbanística seria,
portanto, a própria percepção de um declínio simbólico explicada: a) pelas mudanças
na fisionomia urbana da Tijuca, cujo “progresso” havia feito desaparecer as marcas
estéticas de um bairro visto como “tranquilo” e “aristocrático”, a exemplo da verticali-
zação e da favelização como problemas; b) pela percepção de uma má experiência
no espaço vivido da Tijuca, em primeiro momento, influenciada por alguns elementos
sociais desabonadores, como a presença do comércio informal e da mendicância na
Praça Saenz Peña, e, em segundo, pelo crescimento da violência urbana. Nas últimas
duas décadas analisadas, o problema da violência marcaria por completo, nos textos,
a representação de “um bairro de classe média” afrontado por toda sorte de absurde-
zas que ilusoriamente não deveria acometer o espaço físico de espaços sociais su-
postamente prestigiados e respeitosos como o da Tijuca. O tom de indignação com a
favelização e a violência esteve presente em todas essas ocorrências, demonstrando,
por outro lado, a força do capital simbólico da Tijuca em se manter representada tanto
pelo aposto “bairro de classe média”, como pela perspectiva atribuída a um bairro cuja
memória afetiva deveria ser recorrentemente abordada como insumo de distinção so-
cial, mesmo no presente.
Por outro lado, essa predisposição também tende a ser vista pelo olhar jocoso
atribuído a esses agentes sociais em parecerem “insolentes” e “esnobes” por morarem
onde moram, na Zona Norte “ideológica”, num bairro “cercado por favelas”. Assim, o
espaço percebido da Tijuca como um lugar cuja paisagem não é afim ao que se ima-
gina da paisagem de um bairro elitizado é o que aparentemente motiva determinados
grupos a apontarem-na como um bairro “periférico”, “suburbano”, mesmo que seus
moradores pensem o contrário – ou seja, mesmo que não (se) reconheçam como tal.
Isto tende a acontecer especialmente porque as diferenciações socioespaciais entre
o que seria “Zona Norte” e “Subúrbios” parecem estar mais restritas hoje em dia ao
campo das Ciências Sociais Aplicadas e dos instrumentos normativo-administrativos
da Prefeitura do Rio de Janeiro, e, portanto, não se voltam tanto ao cotidiano da po-
pulação.
Por fim, vale destacar que as conclusões aqui apresentadas não encerram a
possibilidade de novas investigações e, muito menos, a possibilidade de se levantar
outras respostas a esse “problema”. Na medida em que este trabalho constatou certa
legitimidade da proximidade social dos tijucanos com as classes dominantes no dis-
curso dos formadores de opinião, é válido sugerir, para trabalhos futuros, a investiga-
ção sobre como se dão as particularidades internas do espaço social tijucano, além
da relação deste espaço com o espaço social suburbano. Em outras palavras, como
os tijucanos veem a si próprios e/ou como se veem em relação aos suburbanos, e
vice-versa? Que outras novas perspectivas podem ser derivadas daí?
Outra hipótese plausível diz respeito ao lugar ocupado pela Barra da Tijuca na
hierarquia urbana carioca nos dias de hoje. Com a transferência de classe da Tijuca
para a Zona Sul e para a Barra da Tijuca, é razoável pensar que a clássica disputa de
espaço entre Tijuca e Zona Sul, no século XX, tenha redirecionado seus “holofotes”
atualmente para a disputa entre a Barra e Zona Sul. À medida que a Tijuca se “peri-
feriza”, mesmo que mais relevantemente em termos simbólicos do que em termos de
classe, mais esse lugar se aproxima das disputas simbólicas contra a própria periferia,
perdendo espaço nos discursos e nos espaços dominantes de representatividade,
191
hoje melhor disputados pela Barra da Tijuca por sua posição de classe. A imagem de
bairro “cafona” e “emergente” outorgada à Barra pela Zona Sul (CERZIMBRA; OR-
SINI, 1996) é um indício análogo de como a Tijuca, no século XX, havia sido tachada
de “tradicional” e “conservadora” pelos mesmos grupos. Assim, o poder de distinção
nessas disputas se notabiliza na medida em que a Barra procura mostrar suas quali-
dades diante de uma paridade social com a dominante a Zona Sul, enquanto a Tijuca
luta a favor da sua distinção em relação aos Subúrbios, dos quais se aproximou sim-
bolicamente nas últimas décadas não necessariamente por paridades econômicas e
culturais, mas por certo desprestígio.
Após essa leitura conclusiva, é interessante comentar que alguns dos casos
ilustrados no Capítulo 2 demonstram a razoabilidade da existência de um possível
sentimento de “injustiça” dos suburbanos para com os tijucanos na medida em que
estes teriam maior reconhecimento social do que aqueles, mesmo sendo todos per-
tencentes a um mesmo bloco regional, a Zona Norte. Além disso, destaca-se a própria
percepção dissonante de espaço dos tijucanos em relação ao seu habitat, a Tijuca:
enquanto uns se orgulham fervorosamente do lugar em que vivem, outros não veriam
a hora de sair daquele “Tijuquistão”, nas palavras de Wiltgen (2016). Quais seriam,
então, as motivações e questões envolvidas neste enredo? São pontos meritórios de
reflexão em oportunidades futuras, mesmo conscientes de que respostas prontas não
abrandariam a complexidade da Tijuca ser, nestes termos, um bairro meio-não-sei-
como, “uma amostra magnífica do nosso querido Brasil”, nas conclusões de Aldir
Blanc (1979, p. 179).
192
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Tijuca fala hoje ao “Plantão Globo”. Jornal O Globo, seção Rio de Bairro em Bairro,
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Metrô pede aos tijucanos 700 dias de paciência até o subsolo ser desbravado. Jor-
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Moradores pedem que metrô ‘devolva’ o bairro. Jornal O Globo, Grande Rio, p. 22, 3
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Praça Saenz Peña volta à luta por terreno do Metrô. Jornal do Brasil, Cidade, p. 13,
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A difícil arte de achar bons filmes na Tijuca. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de
Bairros), p. 37, 15 nov. 1988.
A luta para morar na Tijuca. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), p. 11, 8
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A realidade de poder morar em um lugar calmo, apesar de tudo. Jornal O Globo, Ti-
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A Tijuca na era do pós-metrô. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), pp. 8-9,
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As mil maneiras de se chegar à Barra. Da Tijuca, claro. Jornal O Globo, Tijuca (Ca-
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Assaltos a prédios tiram a tranquilidade dos tijucanos. Jornal O Globo, Tijuca (Ca-
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Barra é da Tijuca e dos tijucanos. E é uma barra. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno
de Bairros), pp. 10-11, 6 dez. 1983.
Cariocas festejam o belo dia de sol. Jornal do Brasil, Cidade, p. 4, 3 nov. 1987.
Ciclo Tijuca pós-metrô discute de hoje a sexta como reurbanizar o bairro. Jornal do
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Na Tijuca de hoje, poucos sinais dos ‘anos dourados’. Jornal O Globo, Tijuca (Ca-
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Na Visconde de Figueiredo, a mais típica feira tijucana. Jornal O Globo, Tijuca (Ca-
derno de Bairros), Capa, 18 fev. 1986.
Os tijucanos querem a Praça Saenz Peña de volta. E reclamam num passeio de bici-
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Praça Saenz Peña, o ‘habitat’ ideal de médicos e dentistas. Jornal O Globo, Tijuca
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Quem vê, não diz. Estas praças só têm 3 meses. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno
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Saens Peña virou mercado persa. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), pp.
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Tijuca depois do metrô procura entrar na linha. Jornal do Brasil, Cidade, p. 26, 16
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SUBÚRBIO DA
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BARRA DA TIJUCA
CENTRO
ZONA SUL