Joaquim Dolz Roxane Gagnon Fabrício Decândio: M Afficfldo® Àfij A

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Joaquim Dolz

Roxane Gagnon
Fabrício Decândio

Mi AffiCflDO®
àfij a LfTPflS
Orientado explicitamente para a
análise de produções escritas, este
livro propõe uma metodologia que
permite depreender as capacidades e
as dificuldades dos alunos, autores
dos textos; mostra como partir de suas
capacidades e de seus erros para
organizar o ensino, salientando os
principais obstáculos a serem
ultrapassados em função dos
diferentes componentes dos textos
trabalhados. Desse modo, procura, da
melhor forma possível, adaptar o
ensino aos aprendizes da escrita. O
livro é particularmente adequado para
acompanhar as atividades sobre as
sequências didáticas do Programa
Olimpíada de Língua Portuguesa
Escrevendo o Futuro, conforme vem
sendo realizada no Brasil.
Produção escrita e
dificuldades de
aprendizagem
JOAQUIM DOLZ

ROXANE CAGNON
FABRfCIO DECÂNDIO

Adaptação

Joaquim Dolz e Fabrício Decândio

Tradução

Fabrício Decândio e Anna Rachel Machado

Produção escrita e
dificuldades de
aprendizagem

AfPCflDO
» LtTPflS
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

(CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO, SP, BRASIL)

Dolz, Joaquim
Produção escrita e dificuldades de aprendizagem / Joaquim Dolz, Roxane
Gagnon, Fabrfcio Decándio ; adaptação Joaquim Dolz e Fabrfcio Decândio ;

tradução Fabrfcio Decándio e Anna Rachel Machado. - Campinas, SP :


Mercado de Letras, 2010.

Bibliografia.

ISBN 978-85-7591-132-7

1. Crianças - Dificuldade de aprendizagem 2. Crianças - Escrita 3. Jogos


educativos 4. Psicopedagogia I. Gagnon, Roxane. II. Decândio, Fabrfcio. III.

Título.

10-04809________________________________________________ CDD-370,1523
índice para catálogo sistemático:

1. Crianças : Dificuldades na aprendizagem da escrita :

Psicopedagógia: Educação 370.1523

Capa e gerência editoriat. Vande Rotta Gomide

DIREITOS RESERVADOS PARA A LÍNGUA PORTUGUESA:


© MERCADO DE LETRAS? EDIÇÕES E UVRARIA LTDA.

Rua João da Cruz e Souza, 53

Telefax: (19) 3241-7514


CEP 13070-116

Campinas SP Brasil
www.mercado-de-letras.com.br
[email protected]

11 reimpressão

AGOSTO/2011

Esta obra está protegida pela Lei 9610/98.


É proibida sua reprodução parcial ou total

sem a autorização prévia do Editor. O Infrator


estará sujeito às penalidades previstas na Lei.
A Malu Matencio e
Anna Rachel Machado,
dois pilares do movimento do
interacionismo sociodiscursivo,
marco de inspiração deste livro e esperança
para o desenvolvimento do letramento no Brasil

A todos os professores participantes


do Programa Olimpíada de Língua
Portuguesa - Escrevendo o Futuro.
SUMÁRIO

PREFÁCIO.................................................................................... 9

CAPÍTULO I

ENSINAR A PRODUÇÃO ESCRITA............................................ 13


1. Comunicação, expressão e conhecimento
2. Transversalidade da escrita
3. Uma aprendizagem precoce para sempre inacabada
4. Os componentes da escrita e do texto a escrever
5. As operações referentes à produção textual

capítulo n
OBSTÁCULOS, DIFICULDADES E ERROS DE ESCRITA .... 31
1. A importância do erro
2. As fontes das dificuldades
3.0 valor didático dos erros de escrita
4. Erros a serem identificados e hierarquizados
*
CAPÍTULO III

OS GÊNEROS TEXTUAIS COMO UNIDADE DE TRABALHO . ... 39


1. Os gêneros como manifestação das práticas linguageiras
2. Os gêneros como "megainstrumento" didático
3. O gênero como "facilitador" do ensino da produção textual
4. O modelo didático do gênero textual
CAPÍTULO IV

O PROCEDIMENTO DE ANÁLISE............................................... 51
1. Levar em conta os objetivos prioritários
2. Reconstrução da consigna
3. Identificar os erros com a ajuda de grades de avaliação

capítulo v

OS DISPOSITIVOS DE ENSINO..................................................... 61
1. A revisão do texto e sua reescrita
2. As atividades escolares, dispositivos e sequências didáticas

CAPÍTULO vi

OS TEXTOS NARRATIVOS........................................................... 67
1. Análise de dois textos
2. A situação de produção e a consigna escrita
3. A reconstrução do gênero a partir dos índices textuais
4. O texto de Felipe
5.0 texto de Vera
6. As pistas de trabalho prioritárias

CAPÍTULO VII

OS TEXTOS ARGUMENTATIVOS.................................................. 83
1. Análise da produção textual de Lucas: o gênero carta oficial
e seu contexto de produção
2. A reconstrução do gênero a partir dos índices textuais e da
situação de comunicação
3. As principais dificuldades de Lucas
4. As pistas de trabalho prioritárias

À GUISA DE CONCLUSÃO........................................................ 99

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................101
PREFÁCIO

Em uma primeira visão, o imaginário é simples: é o discurso do ou­


tro na medida em que o vejo (o que coloco entre aspas). Em segui­
da, volto o olhar sobre mim: vejo minha linguagem na medida em
que ela é vista: eu a vejo nua e crua (sem aspas): é o tempo vergo­
nhoso, doloroso, do imaginário. Uma terceira via se desenha então:
a das linguagens infinitamente distribuídas, dos parêntesis jamais
fechados: visão utópica, no sentido de que supõe um leitor móvel,
plural, que coloca e retira as aspas de um modo ágil: que se põe a es­
crever comigo (Roland Barthes, 1975).

Não penso que possamos como professor, explorar e utiliza


eficazmente a didática sem entrar em seu jogo e
sem compreendê-lo (Michèle Artigue 1991).

Esta obra é uma introdução à Didática da Escrita,


destinada à formação inicial e contínua dos professores de
línguas. Ela é uma adaptação do livro Production ecrite et
difficultés cTapprentissage (J. Dolz, R. Gagnon e S. Toulou,
2008) para o ensino de Língua Portuguesa e, mais particular-
mente, para o ensino no Brasil. Nosso objetivo é chegar a um
público amplo de professores de Português do Ensino Funda­
mental e de estudantes universitários que iniciam seus estu­
dos em Didática dás Línguas. Entretanto, este livro não pode
ser considerado como uma simples tradução de seu corres­
pondente em francês, porque, na medida do possível, leva-

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 9


mos em conta as particularidades da Língua Portuguesa, os
fenômenos próprios de sua textualização e as questões refe­
rentes ao sistema ortográfico português. Além disso, esforça-
mo-nos para integrar, às análises realizadas, textos produzidos
por alunos brasileiros procedentes de escolas de Londrina. A
respeito deles disponibilizados por Elvira Lopes Nascimento, a
quem agradecemos de modo especial.
Orientado explicitamente para a análise de produções
escritas, o livro propõe uma metodologia que permite de-
preender as capacidades e as dificuldades dos alunos, auto-
res dos textos. Mostramos como partir de suas capacidades e
de seus erros para organizar o ensino, salientando osjoringi-
pais obstáculos a serem ultrapassados em função dos dife-
rentes componentes dos textos trabalhados. Desse modo,
procuramos, da melhor forma possíveL_adaDtar-o-ensino-aos-
aprendizes da escrita.
O desafio de uma obra como esta consiste em apresentar,
de modo simples, um procedimento, que é por definição com­
plexo e que se aplica aos diferentes níveis da escolaridade
obrigatória. Com esse objetivo e para melhor orientar o leitor,
limitamos as referências teóricas e bibliográficas àquelas que
nos parecem indispensáveis e mais representativas do campo
da pesquisa. Considerar a diversidade textual e a escolha do
gênero textual como unidade de trabalho para ensinar a produ­
ção escrita é o fio condutor deste livro. Para isso, como ilustração,
alguns gêneros narrativos e argumentativos foram objeto de
análises mais detalhadas, nos dois últimos capítulos focalizando
procedimentos de análise das capacidades e das dificuldades
dos alunos e o desenvolvimento de pistas didáticas para as
atividades concretas de ensino. Vale ressaltar que tanto o tra­
balho de definição e de caracterização de outros gêneros tex­
tuais quanto de atividades escolares para ensiná-los exigiría um
livro mais completo do que este.
O conjunto do livro deve muito às reflexões, comentá­
rios e críticas de estudantes que fizeram os nossos cursos.
Também agradecemos aos primeiros leitores da versão fran­
cesa: Marianne Weber e Sandrine Aeby Daghé, da Universi­

10 editora mercado de letras


dade de Genebra, e Claude Simard e Suzanne-G. Chartrand,
professores da Universidade de Lavai, no Québec. Expressa­
mos também nossa gratidão à Anna Rachel Machado, Carla
Messias Ribeiro da Silva, Elvira Lopes Nascimento e Fábio
Delano, cujos comentários críticos contribuíram para melho­
rar esta edição da versão em português.
Resta-nos apenas desejar que nossos leitores tenham
a mesma curiosidade e que possam compartilhar conosco
suas reflexões e suas propostas. Esperamos que sejam bem
numerosas, porque é importante dispormos de uma ampla
gama de dispositivos originais e inovadores para motivai os
alunos e para transformai os conhecimentos e as habilidades
da escrita. Acreditamos que a pesquisa dl formas de inter­
venção eficazes contra o iletrísmo, baixo letramento ou anal­
fabetismo funcional é uma prioridade paia um país como o
Brasil.
O livro é particularmente adequado para acompanhar
as atividades sobre as sequências didáticas do Programa
Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro, con­
forme vem sendo realizada no Brasil. Uma das razões princi­
pais de sua adaptação para o português é justamente o desejo
de modestamente poder contribuir para o desenvolvimento
desse projeto,, buscando, sobretudo, adequar o trabalho com
a escrita aos alunos com dificuldades de aprendizagem.

11
produção escrita e dificuldades de aprendizagem
CAPÍTULO I
ENSINAR A PRODUÇÃO ESCRITA

A aprendizagem da produção escrita é uma das


finalidades fundamentais do ensino das línguas. A desco­
berta da escrita e das possibilidades de entrar em comuni­
cação com os outros por escrito faz parte dos objetivos
prioritários do Ensino Fundamental. O sabei-escievei, em
todas as suas dimensões, se desenvolve progressivamente
em todos os níveis da escola obrigatória e é um constituinte
do êxito escolar de todos os alunos, sem falar no importante
papel que desempenha na sua socialização. Aprender a
produzir uma diversidade de textos, respeitando as con­
venções da língua e da comunicação, é uma condição para
a integração na vida social e profissional.
Neste livro, o termo produção textual nos serve para
situar, de modo amplo, as situações de interação e as opera­
ções que intervém na atividade da escrita. A didática da
escrita, em uma abordagem que visa ao desenvolvimento
progressivo dessa atividade em todo o transcorrer da escola­
ridade, exige que consideremos as práticas comunicativas e
culturais de uso dos textos. Ela também exige que levemos
em conta os aspectos afetivos, cognitivos e sociais que estão

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 13


em jogo. Portanto, a escrita é considerada como uma forma
de comunicação, de expressão e de conhecimento.
Logo de início, queremos destacar a influênciã^fl
diversidade textual como variável-chave da escrita.

/. Comunicação, expressão e conhecimento

Forma de comunicação que permite diversas modali-■


dades de ação social, a escrita possibilita diferentes trocas
entre os indivíduos. Em função das situações de comunica­
ção, do objetivo e dos papéis que os participantes assumem,
a escrita pode tomar diferentes orientações (Bronckart 1996). J
Portanto, convém falar de práticas de escrita no plural (Barré
de Miniac 1996). De fato, os alunos têm de se apropriar e
produzir diversos textos: uma carta, um conto, uma história
de vida, uma explicação, um poema, uma instrução para
fabricar um objeto etc. Essas diversas práticas textuais (leitu­
ra, escrita, comunicação oral e suas interações) estão no
centro de todos os novos planos de estudo para o ensino de
línguas. Produzir e compreender uma diversidade de textos
orais e escritos é considerado como o objetivo central do
ensino de línguas. Nesse quadro, as práticas de produção
escrita atuam como alavancas para as múltiplas atividades
escolares, sendo referências de base para a integração dos
diversos componentes da escrita e para o estabelecimento
dos objetivos essenciais e do currículo.
Cada família de textos envolve questões de ordem
social e de aprendizagem particulares que devem ser consi­
deradas no contexto escolar. Em relação às questões de
ordem social encontra-se principalmente a utilidade do texto
que os alunos produzem. Por exemplo, redigir um convite
servirá, para anunciar uma festa e para solicitar a presença
dos convidados. As questões de aprendizagem são mais difí­
ceis de detectar, pois, necessariamente, entram em várias
lógicas: na da progressão a ser estabelecida em função dos
planos de estudos, e, sobretudo, na lógica da análise das

14
editora mercado de letras
capacidades iniciais dos aprendizes (Bronckart e Dolz 2002;
Dolz, Noveraz e Schneuwly 2001) e à avaliação formativa
(Groupe Eva 1991; Mas, Garcia-Debanc, Romian, Seguy, Tau-
veron e Turco 1991). Em relação aos alunos, quais são os
conhecimentos que eles têm sobre o texto a ser produzido e
quais são as capacidades que dominam? Em relação às
atividades de escrita, quais são as lacunas, dificuldades e
obstáculos potenciais? A resposta a essas questões permite
que nos centremos sobre as aprendizagens que merecem ser
abordadas e nos problemas de escrita a serem solucionados.
Graças a essa avaliação? podemos determinar quais as ativi­
dades escolares e as sequências de ensino que deverão ser
realizadas^
Portanto, a análise das capacidades linguageiras dos
aprendizes e a identificação de seus problemas de escrita são gr
condições para se adaptar o ensino a suas necessidades. A
elas se acrescenta a análise dás dimensões da escrita è dos
componentes do texto a serem produzidos. A partir disso
construímos dois indicadores para detectar às possíveis difi­
culdades dos aprendizes.
Instrumento de importância central na construção do
pensamento (Fayol 1991), a escrita mobiliza múltiplos com­
ponentes cognitivos., É pôr isso quê ela pode ser considerada”
como uma atividade mental. Para escrever, o aprendiz precisa
de conhecimentos sobre os conteúdos temáticos a abordar,
mas também de conhecimentos sobre a língua e sobre as -
convenções sociais que caracterizam o uso dos textos a serem X?
redigidos. Essa atividade implica um distanciamento reflexi­
vo para se regular os próprios processos de escrita. Portanto,
a prática da escrita exige atividades de reflexão e de objetivação
da linguagem e do sistema linguístico. Essas atividades meta-1
linguageiras (Jaffré 1998; David 2007) regulam os processos
próprios da escrita e visam a seu controle consciente e à apren­
dizagem da revisão. É por meio delas que a articulação entre
estruturação e expressão pode ser feita. /

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 15


Forma de expressão de si e de criatividade, a escrita
autoriza, traduz e serve à expressão pessoal, ao jogo de
linguagem, à liberação da palavra. Por ela, o aluno desen­
volve seu próprio estilo, iniciando-se nos jogos com a lín­
gua. Produzir textos é expor uma imagem de si. Nada é tão
complexo quanto conseguir suscitar o gosto e a motivação
para a escrita. Entretanto, as formas de trabalho escolar*
podem contribuir para isso (Chartrand 2005). Além disso,
na produção de um texto, os componentes gramaticais,'
lexicais-e ortográficos também devem ser salientados. As­
sim, os aprendizes tomam consciência das características
dos comportamentos linguageiros. Essas atividades contri­
buirão para desenvolver a reflexão e a cultura, pois os
alunos constroem referenciais culturais comuns, compar­
tilhados, sobre a escrita e a textualidade, sobre a estrutura
e o funcionamento da língua e, sobretudo, sobre a relação
que a língua mantém com a cultura.

2. Transversalidade da escrita

A língua, oral ou escrita, atua como um instrumento


de mediação dos comportamentos humanos. O português,
enquanto língua de instrução ou de escolarização é funda­
mental para todas as atividades escolares. Devido a seu
caráter transversal, a escrita desempenha um papel central
na aprendizagem das disciplinas escolares, em que ela atua
como filtro. Todas elas precisam da produção escrita; inte­
grando-a, todas podem contribuir de um modo ou de outro,
para seu desenvolvimento. Cada uma delas implica uma
relação específica com a escrita - descobrir como entrar nos
textos de cada disciplina e como interagir com eles. Além
disso, a escrita presta-se a um trabalho escolar transversal
que envolve a coordenação do conjunto das disciplinas, tra­
balho esse que merece ser explicitamente integrado.
No contexto escolar, a língua serve, ao mesmo tempo,
para o acolhimento dos alunos e para a socialização das apren­

16 editora mercado de letras


dizagens. Nesse contexto sociolinguístico, marcado pelos
contatos frequentes com outras línguas (as indígenas e as da
migração), a aprendizagem da escrita pode ser posta a serviço
do estabelecimento de correlações entre elas. Pelas aprendi­
zagens plurilíngües, coordenando-se adequadamente a apro­
priação das diferentes línguas, podemos tirar proveito das
contribuições dos alunos.

3. Uma aprendizagem precoce para sempre inacabada

A entrada na cultura da escrita é, geralmente, muito


precoce. Mesmo que o desenvolvimento da expressão oral
tome um grande impulso na escola infantil, as primeiras fases
da aquisição da fala não se constituem como objeto de um
ensino explícito. Em contrapartida, a aquisição da escrita
exige uma análise linguística e um trabalho sistemático. E
também na escola que os jovens são confrontados a uma
grande variação de situações de produção orais e escritas, de
atividades de leitura para escrever, e de escrita para consoli­
dar a leitura. As crianças jamais esperam o ensino sistemáti­
co da escrita para falar da língua. De fato, elas fazem
comentários, justificam algumas das opções gráficas escolhi­
das durante suas primeiras tentativas de escrita e interpre­
tam os textos encontrados, propondo hipóteses para eles. Na
escuta de comentários metalinguageiros dos aprendizes, po­
demos bem compreender a amplitude dos problemas que
enfrentam. Assim, durante toda a escolaridade, o esforço será
longo e difícil.
Para analisar, cuidadosamente, as dificuldades de
aprendizagem ligadas à produção escrita, é indispensável
identificar seus diversos componentes (Garcia-Debanc 1990;
Simard 1992; Jolibert 1988; Plane 1994; Reuter 1996): os
componentes pragmáticos e textuais (Bronckart, 1996), e os
componentes alfabéticos, particularmente a segmentação
fonológica e a correspondência fonográfica, que permite_o

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 17


domínio progressivo do sistema ortográfico (Catach 1995;i
Jaffré 1992,1995; David 2006; Fayol 2006).
A escolha do texto como unidade de base para o ensino
da escrita merece ser aqui comentado. A construção de urM
texto não é um simples jogo de composição feito nn rpiafirftjj
de um processo cumulativo ou aditivo. O aluno não aprendei
a partir de um programa predeterminado que vai do simples
ao complexo, mas no contexto de um processo de construção
em situações complexas de comunicação. A produção textual]
supõe uma coordenação constante de diferentes componen­
tes implicados na escrita, que, como veremos, não se encon­
tram do mesmo modo em todos os textos.
Portanto, compreende-se que o ensino da produção
textual não é uma simples adaptação de teorias aplicadas
diretamente à escola. O objeto a ensinar e a aprender, a1
escrita, é uma atividade complexa, que vai do gesto gráfico à
planificação, que envolve a textualização e a revisão. Os
produtos dessa atividade, os textos, apresentam característi­
cas diversas, que podem ser analisadas do ponto de vista
pragmático, textual, semântico e morfossintático. Esses pon­
tos de vista serão explicitados e exemplificados mais adiante.
Insistimos ainda no seguinte ponto: não se aprende a escrita
em geral, mas em função dos textos a serem produzidos e das
situações de comunicação em que são postos em funciona­
mento.
Quatro hipóteses guiam nosso trabalho:

• A primeira situa a aprendizagem da escrita no quadro


da produção de textos diferentes. Isso implica que,
desde o início do ensino da escrita, consideremos o texto,
e não a palavra ou a frase, como unidade de trabalho e
que também levemos em conta a diversidade de situa­
ções de comunicação.
• A seçRinda-organizaessaaprendizaaem em função
de textos particulares. Isso exige do professor um
bom conhecimento sobre os textos a serem produzi­

18 editora mercado de letras


dos e sobre os diferentes componentes que os carac­
terizam.
• A terceira, consequentemente, considera os proble­
mas de escrita no quadro dos textos particulares a
serem produzidos. O desafio aqui é o de antecipar,
em função da análise a príori dos componentes dos
diferentes textos, os principais obstáculos e dificul­
dades a serem ultrapassados pelos alunos nos dife­
rentes níveis da escolaridade
• A quarta hipótese considera o texto e suas especi-
ficidades como o lugar para auxiliarmos os alunos
em dificuldade a ultrapassar seus problemas de
escrita. Isso implica que o professor desenvolva
uma análise didática dos erros que aparecem em
seus textos, a fim de encontrar meios e atividades
adaptadas para superá-los.

Começaremos então pela abordagem do objeto de


aprendizagem e de seus componentes, sem esquecer os
aspectos processuais da produção textual. Em seguida,
abordaremos o estatuto do erro, dos problemas e das difi­
culdades de aprendizagem característicos da escrita em
geral e da produção textual em particular.

4. Os componentes da escrita e do texto a escrever

Simard (1992) fez uma síntese dos componentes fun­


damentais que entram em jogo no saber-escrever, que reto­
mamos na figura a seguir.
De acordo com Simard (id. ibid), a atenção dada aos
componentes linguageiros é prioritária; entretanto, em
uma visão global de ensino, as dimensões psicológicas e
sociais não podem ser negligenciadas.

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 19


FIGURA 1: AS DIMENSÕES DA ESCRITA

Do ponto de vista psicológico, o sujeito escritor mobi­


liza o pensamento, os afetos e implica seu corpo no gesto
gráfico. A escrita de um texto envolve as representações e os
conhecimentos dos conteúdos temáticos a serem desenvolyi-
dos. Os conhecimentos enciclopédicos sobre o mundo, sobre
as situações de comunicação, sobre o escrito e até mesmo

20 editora
sobre a atividade de escrita desempenham um papel na
busca de informações e na compreensão dessas informa­
ções. Selecionar as informações, hierarquizá-las, indicaras
relações a serem estabelecidas entre elas e inferir elemen­
tos não explícitos são capacidades cognitivas que a ativi­
dade de escrita exige. Nesses processos, pode acontecer de
as representações e os conhecimentos do aluno entrarem em
conflito com os saberes relacionados ao tema a ser desenvol­
vido, aos saberes exigidos e instituídos pela escola. A resti­
tuição das informações no momento da escrita implica
memorizar e integrar novos elementos, construir sentido e
generalizar. A imaginação e a invenção juntam-se às capa­
cidades cognitivas necessárias à produção textual. Além do
sistema cognitivo, o processo dê escrita mobiliza o sistema
afetivo. Um aluno pode ter atitudes variáveis em relação à
escrita e sua motivação pode determinar seu engajamento
com ela. Um certo número de bloqueios dos aprendizes
relaciona-se à imagem de si que é transmitida pela escrita.
Se ela pode tomar-se um modo de expressão de si e de
liberação do eu, os aspectos motivacionais são, às vezes,
uma fonte de embaraço para os escritores iniciantes e pouco
experientes.
É o gesto gráfico que solicita o sistema sensório-motor
em diversos níveis: a coordenação óculo-manual, a grafomo-
tricidade, o alinhamento de palavras e a organização da
página. Embora esses aspectos sejam automatismos para o
escritor expert, eles têm muita importância nas primeiras
etapas de descoberta do sistema gráfico. Os variados supor­
tes, as ferramentas de escrita, a força da mão, a precisão do
gesto, a valorização do traço escrito, a educação do olho, o
trabalho Sobre a representação dos itinerários gráficos são
aspectos a serem considerados nas primeiras aprendizagens
gráficas. O domínio da técnica de escrita é facilitado pela
observação e pela realização de gestos elementares que
contribuem para fixar, pouco a pouco, as regularidades da
escrita.

.MaHac dn sinrAnriizaaem 21
Enquanto fenômeno social, o estatuto do escrito va­
ria conforme as esferas da vida pública. Do ponto de vista
interacional, os tipos de discurso (publicitário, jornalístico,
político, científico, religioso, escolar etc.) são marcados
pelas instituições em que se realizam. Assim, o lugar socíalj
em que se produz um texto é um fator importante a serl
considerado para se compreender a natureza das interaçõ-
es a que ele dá suporte. Além disso, o lugar social permite
compreender as normas e os valores associados ao texto è
constitutivos das diversas comunidades discursivas
(Bronckart, Bain, Schneuwly, Davaud e Pasquier 1985,J
Bronckart 1996). Enfim, a noção de lugar social nos leva a
considerar os parâmetros das situações de interação que
servem para analisar a produção textual. Entre esses parâ­
metros, vale destacar os seguintes:

•o enunciador (Qual é o papel social a adotar para


escrever?)
■ • o objetivo comunicativo a atingir (O que se pretende
com o texto a ser produzido? Para que serve o texto
que produzo? Quais são as expectativas?);
| • o destinatário (A quem se dirige o texto? Quais são
as características particulares do meu leitor? Qual e
seu estatuto? Como adaptar-se a ele?);
I • o lugar social (Quais são as características da insti­
tuição em que o texto vai circular?).

As práticas, as convenções e as normas de escrita


evoluem com o tempo e mudam de uma instituição para
outra. Mas, apesar desse caráter dinâmico e evolutivo, a
produção escrita exige conhecimentos e habilidades de adap­
tação às situações de comunicação.
Do ponto de vista cultural, a escrita garante a relação
com a cultura para os indivíduos que a praticam e também
lhes dá a possibilidade de intervir na construção dessa cultura
(Reuter, 1996). De fato, a escrita leva à descoberta de obras
do patrimônio literário e artístico e a experiências culturais

22 editora mercado de letras


em geral (Falardeau e Simard 2007). As formas de relação com
a escrita dos aprendizes são estruturadas pelas repre­
sentações e pelas referências culturais que eles têm (Barré-
deMiniac 2000).
Enquanto fenômeno linguageiro, a escrita pode ser
considerada do ponto de vista pragmático, enunciativo, tex­
tual, sintático, lexical e ortográfico.
Analisada como um fenômeno pragmático e enuncia­
tivo, ela implica uma adaptação às restrições e às questões
envolvidas nas situações de produção, tanto no nível de suas
condições materiais, quanto no nível dos parâmetros das
situações sociais de interação apresentadas acima. O contex­
to engloba tudo o que pode condicionar a escrita, mas os
parâmetros que acabamos de mencionar influenciam a es­
colha dos grandes tipos de discurso. Tais como analisados
por Bronckart et al. (1985), Brõnçkart (1997) esses grandes
tipos são a narração, o discurso teórico, o discurso em
situação / discurso interativo e o relato conversacional/relato
interativo. Essas quatro modalidades de funcionamento dis­
cursivo caracterizam-se por apresentarem uma ancoragem
enunciativa diferenciada por regularidades linguísticas par­
ticulares ao nível da textualídade. Por exemplo, em portu­
guês, encontramos:

a) o par imperfeito-pretérito perfeito e a 3a pessoa do


singular na narração ("Era uma vez, umà criança...
Um dia ele decidiu que...");
b) o presente do indicativo, o pronome impessoal "se”, orga­
nizadores argumentativos no discurso teórico. ("Explica-
se, geralmente, o fenômeno dessa maneira... No entanto,
pode-se também ver isso como...'');
c) o presente do indicativo, os dêiticos temporais e de
lugar, os pronomes dêiticos de primeira e segunda
pessoa no discurso em situação/discurso interativo
("Agora, eu sou um estudante novato." "Realizare­
mos uma grande conferência na próxima semana."
"Nós ficaremos aqui." "Você podería me passar às
anotações do curso?")

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 23


d) 0 par imperfeito-perfeito e os dêiticos temporais no
relato conversacional/ relato interativo ("Eu estava em
Paris na semana passada, mas, devido a um problema
com meu carro, não pude te visitar.’’).

A noção de tipo de discurso distingue-se da noção de


gênero de textos. Os gêneros de textos, que abordamos mais
detalhadamente no capítulo III, remetem às condições çie
produção do discurso e às tipificações que caracterizam um
conjunto potencialmente ilimitado de atividades de lingua­
gem que ocorrem em uma coletividade, em uma determinada
época. Os tipos de discurso "designam um número finito,
estável, recorrente e claramente identificável de modalidades
de textualização que contribuem para a organização das ín-'
fra-estruturas" (Felicitas 2001, p.l).
Para o escritor, a possibilidade que tem antes mesmo déj
-! escrever, de representar para si mesmo um modelo do produto
A final que ele busca produzir, constitui-se como uma ajuda. Essa
' t representação preliminar ajuda-o a rnnstnriruma postura enun­
ciativa, dado que ela o leva a adotar um papel mais definido (o_
u que quero representar escrevendo o texto?). Por exemplo, para
redigir um discurso de defesa, adota-se o papel de advogado. A
C • l postura enunciativa manifesta-se no texto por marcas linguísti-
I cas de responsabilização enunciativa (por dêiticos ou pronomes
pessoais - eu, tu, de meu ponto de vista etc. -, por modaüzações
I - indubitavelmente, certamente, é possível que etc. - e por
I outras marcas apreciativas ou deônticas etc.) que indicam a
atitude adotada pelo sujeito falante.

5. As operações referentes à produção textual

Nesta seção apresentamos as grandes operações que


são centrais na produção textual, concentrando-nos nas cin­
co mais importantes. Cada uma delas se refere a uma situa­
ção de comunicação que guia a escolha de uma base de
orientação para a produção de um gênero textual de referên­
cia (um conto, uma fábula, uma receita de cozinha etc.). No

24 editora mercado de letras


contexto escolar, a situação de comunicação pode correspon-
der à consigna.
A primeira operação, contextualização\consiste
em interpretar a situação de comunicação de modo a pro­
duzir um texto coerente. O texto é uma unidade coerente,
isto é, um todo aue_faz-sentido na situação. A coerência
resulta de um julgamento geral para o conjunto do texto
em relação à tarefa pedida ou à pertinência da situação.
Ele é considerado coerente em função de sua adaptação à
situação de comunicação, do efeito que suscita, de sua
orientação argumentativa e da presença de um fio condu­
tor que lhe dá coesão e unidade.
A segunda operação compreende o desenvolvimento
dos conteúdos temáticogjem função do gênero. Essa opera­
ção refere-se à adaptação aos diferentes_elementos da situa-
ção de comunicação previamente presentes. A escolha das
informações exige uma pertinência interna, e o equilíbrio
entre as informações do leitor e o aporte de novas informa­
ções é fruto da progressão temática.

FIGURA 2: AS OPERAÇÕES DA PRODUÇÃO TEXTUAL

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 25


Em relação às duas operações expostas nos dois ’
parágrafos anteriores, assim como Charolles, citado por
Chartrand (2001), consideramos que, no mínimo, quatro
regras devem ser respeitadas para assegurar a coerência e
a progressão do texto:

• a presença ou ausência de informações em contra­


dição com os conhecimentos do mundo do destina- *
tário (o leitor-modelo inscrito no texto);
• a presença de elementos que se repetem para assegu­
rar o fio condutor e a continuidade do texto;
• a presença de novas informações de modo a assegu­
rar a progressão da informação;
• a ausência de contradições internas.

A terceira operação de produção textual é[a planihcaçao[


em partes, pois um texto é uma sequência que apresenta uma
organização (Schneuwly e Dolz 1987). Os conteúdos temáticos
seguem uma ordem e uma hierarquia particular. As partes são,
ao mesmo tempo, separadas e articuladas. Há diferentes formas
de planificação de acordo com os textos. Um conto, por exemplo,
apresenta uma organização interna diferente da organização de
uma carta de pedido ou de um editorial de jornal a respeito de
um assunto polêmico.
Marcas linguísticas são utilizadas na textualização, que
é a quarta operação, o processo de aplicação e de linearização
do conjunto de marcas linguísticas que constituirão o texto
(Fayol e Schneuwly 1987). Os sinais de pontuação, osparágrafos
e os organizadores textuais são as marcas linguísticas caracte­
rísticas dessa operação, servindo para marcar a segmentação e
a conexão entre as partes. Além da conexão e da segmentação, j
é importante ressaltar a importância da coesão nominal e verbal I
do texto. A coesão implica o conjunto de meios linguísticos que i
asseguram as relações entre as frases; o que, no nível da forma, j
assegura, ao mesmo tempo, a progressão do texto e a visão desse
texto como um todo. Ela se dá por meio de um conjunto de j
marcadores coesivos, dentre os quais são fundamentais os
pronomes e os tempos verbais.

26 editora mercado de letras


No nível nominal, a coesão é assegurada pelos meca­
nismos de retomada anafórica. Uma anáfora é uma unidade
linguística que precisa referir-se a uma outra unidade do texto
(antecedente ou interpretante) para ter sentido. ("Encontrei
Nicolas e Carla no Cairo"). Eles me contaram sua história de
amor. Os dois estavam muito felizes com seu projeto de
casamento. Um... o outro... ». Há aí um fenômeno de co-refe-
rência total ou parcial entre Nicolas e Carla e os anafóricos
(eles, os dois, um e o outro). No nível da coesão verbal, o
emprego dos tempos verbais fornece uma base temporal que
permite ver a textualidade como um todo. Um exemplo disso
é a sucessão e a alternância do imperfeito e do pretérito perfeito
em um conto, a qual faz avançar o texto simultaneamente: o
imperfeito alimenta o fondo da história contada, o pretérito
perfeito faz progredir os eventos. O processo de linearização do
texto é assegurado pelo emprego do conjunto das unidades
linguísticas e das fórmulas expressivas características do texto.
Enfim, quer se trate da releitura, da revisão, da reescri-
ta de textos durante a produção ou após um esboço (Fabre-
Cols 2002), a quinta operação implica o retomo do produtor a
seu texto e/ou a formas pontuais de intervenção para melho-
rá-lo. A fórmula que diz que escrever é re-escrever não se
aplica unicamente aos alunos em curso de aprendizagem da
escrita, mas a todos os que escrevem. No ensino, ê necessário
desenvolver nos alunos o distanciamento necessário em re­
lação às suas próprias produções, permitindo-lhes voltar a
seus próprios textos, de modo a intervir no próprio ato de
produção e nos processos redacionais.

ó. Dimensões transversais à produção escrita

As operações que acabamos de apresentar, é preciso


ainda acrescentai as operações de lexicalização ede sintagma-
tização, assim como os componentes ortográficos e gráficos.
A operação de sintagmatização refere-se à sintaxe, ou
seja, à construção e às relações entre os componentes da

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 27


frase. Às vezes, as dificuldades limitam-se à ordem das pala­
vras e às relações entre as palavras, particularmente, na cons­
trução de frases complexas. Mas, muitas vezes, as dificuldades
são morfossintáticas, cruzando-se então elementos morfológi-
cos irregulares (a escolha de uma preposição inadequada, um
problema de conjugação verbal etc.) e relações sintáticas (Clerc,
Kavanagh, Lépine e Roy 2001). A consciência da sintaxe facilita
a produção do texto, permitindo um cálculo da eficácia da frase
produzida. Se a detecção de uma construção agramatical é, em
princípio, relativamente fácil para o locutor, é mais difícil paia
ele fazer um julgamento em função da norma e do bom uso,
quando as zonas de incerteza são numerosas. Uma frase como:
"Os vulcões eu olhei é perigoso" é uma frase agramatical,
sobretudo na escrita, quando descontextualizada. Entretanto,
uma frase como "Sai daqui!” não pode ser considerada como
agramatical, mas pode ter uma formulação mais aceitável: "Por
favor, saia daqui!”.
A lexicalização refere-se ao vocabulário e à criação de
novas palavras a partir de palavras de base, também fontes de
erro. Frequentemente, os aprendizes intervém ou criam novas
palavras, baseando-se nas regularidades da língua. As palavras
escolhidas são muitas vezes inadequadas, imprecisas, até mes­
mo incompatíveis com o sentido que eles querem transmitir,
com a situação de comunicação, com o contexto linguístico em
que se coloca a palavra ou com o gênero textual.
O sistema de escrita do português é um sistema alfa­
bético que utiliza 26 letras, quatro tipos de sinais de acento
(agudo, grave, til e circunflexo) e sinais auxiliares como a
cedilha e o hífen. Essa base parece simples, mas o sistema j
ortográfico é complexo. Podemos falar de um plurissistema
para assinalar a coexistência de três subsistemas: um subsis-
tema fonográrico (os fonogramas ou as letras que sinalizam
os sons distintivos do português); um subsistema morfogrâ-
mico (que reúne as informações gramaticais como, por exem- i
pio, a escrita do plural, que nem sempre tem sua
contrapartida oral); um subsistema logográfico (esse terceiro i
subsistema permite distinguir visualmente os termos homó-

28 editora mercado de letras


fonos [ascender e acender]), mas ele compreende também as
marcas etimológicas (por exemplo, a manutenção do h ini­
cial). As correspondências fonográficas têm a particularidade
de traduzir um mesmo fonema (por exemplo, /s/) por vários
grafemas ou fonogramas: ç, s, ss, xc. Chamamos de dígrafo
um fonema transcrito por dois grafemas. O inverso é possível:
a um determinado grafema podem corresponder vários fone-
mas. Pronunciamos o grafema de diversas maneiras, de acor­
do com os contextos (o c que é /k/ na palavra "casa" ou /s/ na
palavra "acima"). Desde as primeiras tentativas de escrita
emergente, o aluno se vê confrontado ao sistema ortográfico
(Brigaudiot 2004). Nesse momento, as hipóteses sobre o có­
digo e os comentários metagráficos nos ajudam a situar as
representações dos jovens aprendizes (Ferreiro, 2000; Jaffré,
1998) e nos esclarecem um pouco mais sobre a questão do
desenvolvimento de suas capacidades (Saada-Robert e
Mazurczak 2002).
Para muitos alunos, a aprendizagem da ortografia é
sinônimo de dificuldade. Simard (1992) assinala o fato de que,
na população, geralmente se confunde norma ortográfica e
aprendizagem do saber-escrever, constituindo uma das dimen­
sões da escrita que se encontra hipertrofiada. O autor acrescenta
ainda que essa supervalorização da ortografia leva a "uma grave
desqualificação social" (Simard, 1992: p.281) dos indivíduos que
cometem erros na escrita. As questões aí envolvidas são muito
importantes. Aliás, inúmeros trabalhos de pesquisa enfocam o
ensino e a aprendizagem da ortografia (ver particularmente,
Aliai, Bétrix-Kõhler, Rieben, Rouiller-Barbet, Saada-Robert e
Wegmuller 2001; Brissaud, 2007).
Por fim, em relação aos aspectos estritamente gráficos, a
configuração geral do texto escrito, a disposição espacial, a
paginação e a repartição dos blocos no texto também desempe­
nham um papel facilitador para o receptor do texto.
Depois de termos definido esses componentes, vamos
retomá-los ao longo do livro, para apreendermos as dificulda­
des dos aprendizes e para expormos o procedimento que
propomos para analisar seus erros.

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 29


CAPÍTULO II
OBSTÁCULOS, DIFICULDADES
E ERROS DE ESCRITA

I. A importância do erro

A complexidade da atividade de escrita justifica o


caráter longo e árduo de sua aprendizagem. Desenvolver o
saber-escrever implica uma transformação dos conhecimen­
tos e das capacidades de linguagem do aprendiz. A análise
dos componentes da escrita ajuda-nos a descrever e anteci­
par os obstáculos possíveis. Esses obstáculos e as tensões que
geram participam da dinâmica da aprendizagem: ao ultra­
passá-los, pouco a pouco, o aprendiz constrói o sistema da
escrita e se apropria das práticas textuais. Neste capítulo,
queremos mostrar o valor didático dos erros na aprendizagem
da produção escrita.
Inicialmente, justificamos nossa preferência em em­
pregar o termo erro em vez do termo falta ortográfica. A
falta é considerada como sendo da responsabilidade do
aluno, assinalando suas deficiências, as falhas de sua
aprendizagem. O erro é um indicador de processo, que dá
informações ao professor sobre as capacidades do aprendiz
e de seu grau de maestria (Astolfi 2006) e aponta os riscos

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 31


que o aluno enfrenta. Assim, o termo erro nos parece beml
mais apropriado.
Por exemplo, um obstáculo característico na escrita do 1
aprendiz é a separação das palavras, especialmente a sepa­
ração entre o determinante e o nome. A separação das pala­
vras requer o domínio das correspondências fonográficas, o
conhecimento da ortografia prescrita das palavras mais fami­
liares, a compreensão das noções de pronome ou de determi­
nante. A ultrapassagem desse obstáculo frequente na<
aprendizagem da escrita implica uma reorganização dos co­
nhecimentos e do funcionamento da escrita. Simard (1992)
define dificuldade "como todo obstáculo que pode perturbar]
a aprendizagem e que todo aprendiz de produção escrita devei
superar" (p. 281). Inteiramente de acordo com o autor quebe-
quense, vemos os obstáculos e as dificuldades como intrínse-,
cos à aprendizagem. Quando os obstáculos persistem de
maneira recorrente e o aluno mostra perturbações sistemátij
cas ou incapacidade para superar os obstáculos característi­
cos da aprendizagem, a dificuldade de escrita se toma
problema de aprendizagem. Se a dificuldade se instala, o erro]
pode tornar-se patológico e essa patologia da linguagem]
escrita exige um tratamento logopédico. Entretanto, as pa­
tologias são uma ínfima minoria das dificuldades. As con-j
dutas sintomáticas que as caracterizam são o resultado da;
interação e da imbricação de três tipos de fatores: biológi j
cos, psíquicos e relacionais. A forma de detectar uma
patologia da linguagem escrita exige que se preste atenção]
às disfunções sistemáticas que o aprendiz não consegue1
ultrapassar.

2. As fontes das dificuldades

É importante conhecer as fontes das dificuldades de:


escrita para bem organizar as atividades de ensino. De modo]
geral, as mais correntes são as seguintes:

32 editora mercado de letras]


• Motivacionais'. trata-se de fontes associadas à cana­
lização das necessidades do aprendiz, à qualidade e
à intensidade do investimento na escrita e a relação
entre o esforço feito e os resultados obtidos. Desse
ponto de vista, a insegurança linguística no momento
da escrita desempenha um papel importante como
fonte das dificuldades (Dabène 1990).
• Enunciativas: aqui a fonte da dificuldade é a entrada
do sujeito no texto, o modo como leva em conta e
implica o outro no texto, a indexação adequada das
diferentes instâncias responsáveis pela enunciação e,
de modo mais geral, a gestão dialógica (a quem res­
ponde o texto?) e polifônica do texto (quais são as vozes
que são citadas e como?). Em suma, trata-se de res­
ponder a seguinte questão: o aluno é capaz de produzir
enunciados conespondentes ao cânone discursivo de
referência?
• Procedimentais: envolvem os procedimentos, as es­
tratégias convocadas durante a escrita, bem como
as operações aplicadas para ultrapassar os obstácu­
los. Fala-se frequentemente de sobrecarga cognitiva
para ilustrar o desafio de tratar, simultaneamente, os
quatro diferentes componentes da escrita. Mas os
processos envolvem também a gestão on line dos
processos de planificação, de textualização e, sobre­
tudo, o ajuste necessário na releitura-revisão-re-es-
crita (Garcia-Debanc ,1990; David, Plane e Fayol
1996).
• Textuais: aqui a fonte das dificuldades envolve, prin­
cipalmente, os conhecimentos insuficientes em rela­
ção ao gênero textual a ser produzido e a
não-conformidade com as convenções e as regularida-
des que os caracterizam. Considerar os modos de rea­
lização textual leva-nos a distinguir diferentes fontes
de problemas, conforme se trate de gêneros narrativos,
argumentativos, conversacionais, descritivos, explica­
tivos etc. Analisando os mecanismos constitutivos do
texto, podemos determinar melhor a origem dos pro-

produçào escrita e dificuldades de aprendizagem 33


blemas. Entre os mecanismos que nos esclarecem e
nos dão indicações mais refinadas sobre elas, nota­
mos:
• a coerência do conjunto, a progressão temática, a
organização;
• a segmentação e a conexão entre as partes,do;
texto;
• a gestão do paratexto (títulos, subtítulos, esque­
mas, figuras etc.);
• a coesão verbal, os usos dos tempos verbais;
• a coesão nominal, o uso dos mecanismos de reto­
mada anafórica;
• utilização dessas unidades linguísticas.

• Linguísticas: essas operações envolvem o uso das;


unidades linguísticas, lexicais e a construção das
frases. Pode-se tratar, por exemplo, de um dos tem­
pos verbais que rompe a coesão ("quando eu che-
guei, eles falarão"). Também pode ser um problema:
de supergeneralização de uma regra dominante de
conjugação (confusão entre o futuro do presente e o
pretérito perfeito (“eles falarão” em lugar de « eles]
falaram"), problema morfológico e ortográfico, ou de
uma regra sintática (o uso do relativo que em vez dei
cujo: (“A mulher que eu tinha te falado...”). Os pro-.
blemas de coesão nominal que afetam as retomadas)
anafóricas são também muito frequentes (“Na árvore.
próxima à casa, estavam pousadas duas rolinhas,
estas não podiam voar até ela.").
• Ortográficas: O número de pesquisas sobre a didáti­
ca da ortografia multiplicou-se nesses últimos anos
(para uma síntese, ver Brissaud 2007). Diferentes
aspectos são tratados pelos autores. Por exemplo,
Fayol e Largy (1992) voltam sua atenção às condiçõ­
es de produção e às estruturas morfossintáticas. O
gerenciamento da harmonia entre as diferentes di­
mensões integradas na escrita não é fácil, pois o
escritor tem de gerir várias tarefas ao mesmo tempo.

34 editora mercado de letras


O reconhecimento pelos alunos dos contextos que
induzem a erros é recomendado por esses autores
para melhorar o desempenho da ortografia. As con­
versas metagráficas (Jaffré e David, 1999) contri­
buem para trazer à luz as principais dificuldades e
as representações dos alunos. A didatização desse
procedimento de pesquisa, que se apóia no diálogo
dos aprendizes sobre comentários metagráficos, é
explorada em didática das línguas por muitos espe­
cialistas e professores.
• Sensório-motoras: a mão ou o olho nem sempre se­
guem, de modo adequado, o pensamento e a ativi­
dade de escrita. Nas primeiras etapas da conquista
da escrita, o cansaço pode ser importante e, conse­
quentemente, ser uma das fontes dos problemas
observados. As dificuldades sensório-motoras im­
portantes (precisão e rapidez do gesto gráfico, coor­
denação manovisual etc.) podem causar graves
deficiências.

3.0 valor didático dos erros de escrita

Os erros dos alunos não devem ser repreendidos, pois


fazem parte dos processos de aprendizagem e nós informam
sobre o estado de seus conhecimentos. Guignard (1988), por
exemplo, fez do diagnóstico dos erros uma atividade de relato
e/ou de descrição. Sua obra sobre o erro em didática, intitulada
Si 1'erreur m'était contée,' opôs a contagem das faltas à "conta­
gem" dos erros. No quadro da observação dos processos de
aprendizagem, o eno toma-se signo, permitindo identificar as
capacidades mobilizadas e os obstáculos encontrados. Do ponto
de vista didático,

o erro é construtivo, se for encarado como um fenômeno


normal e necessário que não se abandona ao acaso. Se

1. “Se o erro me fosse contado.'*

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 35


queremos evitai que o eno não conduza ao sentimento
de insucesso, ele deve ser tratado racionalmente, anali­
sado, compreendido, significativo. Esse tratamento não
é fácil e deveria ser um elemento importante na forma­
ção dos professores. (Guignard 1998, p. 186)

Em relação às produções escritas, uma parte dos erros


se constitui como uma passagem obrigatória que permite a ■
apropriação das convenções da escrita. Freinet por exemplo,
enfatizou a importância da prática da escrita para aprender
a escrever. Quer sejam as escritas emergentes dos alunos
mais novos, quer sejam as escritas inventadas, quando ainda
não conhecem o sistema, quer sejam as “aproximadas",
quando escrevem inspirando-se nos escritos que observam,
ou ainda, as produções escritas ao longo da escolandade, a
aprendizagem da escrita implica a colocação dos alunos na
prática de situações novas, pois nelas estão novos desafios a
serem enfrentados, novos obstáculos a serem superados.

4. Erros a serem identificados e hierarquizados

Apesar do progresso da pesquisa na categorizaçãol


dos erros dos aprendizes, ainda não há consenso entre os.
diferentes autores quanto à sua identificação. A interpre-J
tação e a hierarquização de sua importância em função do
nível escolar dos alunos continuam sendo difíceis. O valor
didático do disfuncionamento foi discutido principalmente j
por Reuter (2007), que sugere tratá-lo em função de três
elementos: o produto do disfuncionamento (em nosso caso, ]
o erro é compreendido no texto); os sujeitos didáticos,|
levando-se em conta as intervenções do professor, o inves-l
timento do aluno em sua aprendizagem. O autor também 1
ressalta a importância de considerarmos o quadro de refe­
rência didático, isto é, as restrições e possibilidades desse 1
espaço sócio-institucional.

36 editora mercado de letras


Levar em conta o percurso seguido pelos alunos,
apreendido no questionamento dos alunos e de seus pro­
fessores, é uma fonte de informações importante para si­
tuarmos, interpretarmos e hierarquizarmos os erros, tendo
em vista uma nova intervenção didática. Um dos objetivos
da avaliação formativa é justamente o de detectar os erros
e os disfuncionamentos em relação às tarefas de aprendi­
zagem. Evidentemente, esse tipo de avaliação influencia
as atividades de ensino e de aprendizagem: a avaliação
formativa evita que resistências e obstáculos da escrita
sejam evitados e permite que os levemos em conta na
elaboração de novos dispositivos didáticos. Desse modo,
agem como fermento do progresso dos alunos. As modali­
dades de intervenção nesse nível não podem ser únicas e
esperadas, mas, ao contrário, devem ser diversificadas,
progressivas e modulares. Assim, a intervenção permite
ajustarmos as atividades.^ ,o... processo, _em Junção das
produções intermediárias do aprendiz.

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 37


CAPÍTULO III
OS GÊNEROS TEXTUAIS COMO
UNIDADE DE TRABALHO

Este capítulo tem por objetivo apresentar a noção de


gênero textual e explicitar o papel da produção textual no
ensino ejiaaprendizagem-
entrar pelos gêneros textuais para analisar a
produção escrita?
Em primeiro lugar, porque nossa proposta didática
consiste em trabalhar a escrita no quadro da comunicação.
De fato, uma língua natural só é aprendida por meio de
produções verbais efetivas, que tomam formas muito diversas
em função das situações de comunicação em que se inscre­
vem. Essas realizações empíricas diversas, « produções ver­
bais situadas » orais ou èscritas são chamadas de textos
(Bronckart 1996, p. 173). Comunicamo-nos por meio deles e
não por meio de frases isoladas. Portanto, o texto é conside­
rado como a unidade básica do ensino da produção, assim
como da leitura. Nessa perspectiva, eles se tomam os instru­
mentos de mediação necessários para se trabalhar com a
produção escrita.
Em segundo lugar, porque as práticas linguageiras
significantes e socialmente reconhecidas são uma referêngi^

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 39


que o aluno enfrenta. Assim, o termo erro nos parece bem
mais apropriado.
Por exemplo, um obstáculo característico na escrita do
aprendiz é a separação das palavras, especialmente a sepa-1
ração entre o determinante e o nome. A separação das pala-a
vras requer o domínio das correspondências fonográficas, o \
conhecimento da ortografia prescrita das palavras mais fami­
liares, a compreensão das noções de pronome ou de determi-1
nante. A ultrapassagem desse obstáculo frequente na
aprendizagem da escrita implica uma reorganização dos co-J
nhecimentos e do funcionamento da escrita. Simard (1992)
define dificuldade "como todo obstáculo que pode perturbai!
a aprendizagem e que todo aprendiz de produção escrita deve
superar" (p. 281). Inteiramente de acordo com o autor quebe-j
quense, vemos os obstáculos e as dificuldades como intrínse­
cos à aprendizagem. Quando os obstáculos persistem dei
maneira recorrente e o aluno mostra perturbações sistemáti-’
cas ou incapacidade para superar os obstáculos característi-,
cos da aprendizagem, a dificuldade de escrita se toma
problema de aprendizagem. Se a dificuldade se instala, o erra
pode tomar-se patológico e essa patologia da linguagem
escrita exige um tratamento logopédico. Entretanto, as pa-j
tologias são uma ínfima minoria das dificuldades. As con-
dutas sintomáticas que as caracterizam são o resultado da
interação e da imbricação de três tipos de fatores: biológij
cos, psíquicos e relacionais. A forma de detectar uma!
patologia da linguagem escrita exige que se preste atenção]
às disfunções sistemáticas que o aprendiz não consegue
ultrapassar.

2. As fontes das dificuldades

É importante conhecer as fontes das dificuldades dei


escrita para bem organizar as atividades de ensino. De modo?
geral, as mais correntes são as seguintes:

32 editora mercado de letras]


• Motivacionais: trata-se de fontes associadas à cana­
lização das necessidades do aprendiz, à qualidade e
à intensidade do investimento na escrita e a relação
entre o esforço feito e os resultados obtidos. Desse
ponto de vista, a insegurança linguística no momento
da escrita desempenha um papel importante como
fonte das dificuldades (Dabène 1990).
• Enundativas: aqui a fonte da dificuldade é a entrada
do sujeito no texto, o modo como leva em conta e
implica o outro no texto, a indexação adequada das
diferentes instâncias responsáveis pela enunciação e,
de modo mais geral, a gestão dialógica (a quem res­
ponde o texto?) e polifônica do texto (quais são as vozes
que são citadas e como?). Em suma, trata-se de res­
ponder a seguinte questão: o aluno é capaz de produzir
enunciados conespondentes ao cânone discursivo de
referência?
• Procedimentais: envolvem os procedimentos, as es­
tratégias convocadas durante a escrita, bem como
as operações aplicadas para ultrapassar os obstácu­
los. Fala-se frequentemente de sobrecarga cognitiva
para ilustrar o desafio de tratar, simultaneamente, os
quatro diferentes componentes da escrita. Mas os
processos envolvem também a gestão on line dos
processos de planificação, de textualização e, sobre­
tudo, o ajuste necessário na releitura-revisão-re-es-
crita (Garcia-Debanc 1990; David, Plane e Fayol
1996).
• Textuais: aqui a fonte das dificuldades envolve, prin­
cipalmente, os conhecimentos insuficientes em rela­
ção ao gênero textual a ser produzido e a
não-conformidade com as convenções e as regularida-
des que os caracterizam. Considerar os modos de rea­
lização textual leva-nos a distinguir diferentes fontes
de problemas, conforme se trate de gêneros nanativos,
argumentativos, conversacionais, descritivos, explica­
tivos etc. Analisando os mecanismos constitutivos do
texto, podemos determinar melhor a origem dos pro-

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 33


blemas. Entre os mecanismos que nos esclarecénle
nos dão indicações mais refinadas sobre elas, notai

mos:
• a coerência do conjunto, a progressão temática,-a-
organização;
• a segmentação e a conexão entre as partes do
texto;
• a gestão do paratexto (títulos, subtítulos, esque­
mas, figuras etc.);
• a coesão verbal, os usos dos tempos verbais;
• a coesão nominal, o uso dos mecanismos de reto­
mada anafórica;
• utilização dessas unidades linguísticas.

• Linguísticas: essas operações envolvem o uso das


unidades linguísticas, lexicais e a construção das
frases. Pode-se tratar, por exemplo, de um dos tem­
pos verbais que rompe a coesão ("quando eu che-
guei, eles falarão"). Também pode ser um problema!
de supergeneralização de uma regra dominante de
conjugação (confusão entre o futuro do presente e o
pretérito perfeito ("eles falarão" em lugar de « eles]
falaram"), problema morfológico e ortográfico, ou dei
uma regra sintática (o uso do relativo que em vez de
cujo: ("A mulher que eu tinha te falado../'). Os pro-j
blemas de coesão nominal que afetam as retomadas!
anafóricas são também muito frequentes ("Na árvore 1
próxima à casa, estavam pousadas duas rolinhas,
estas não podiam voar até ela.”).
• Ortográficas: O número de pesquisas sobre a didáti-1
ca da ortografia multiplicou-se nesses últimos anos 1
(para uma síntese, ver Brissaud 2007). Diferentes 1
aspectos são tratados pelos autores. Por exemplo, I
Fayol e Largy (1992) voltam sua atenção às condiçõ-1
es de produção e às estruturas morfossintáticas. O |
gerenciamento da harmonia entre as diferentes di- I
mensões integradas na escrita não é fácil, pois o I
escritor tem de gerir várias tarefas ao mesmo tempo. I

34 editora mercado de letras


O reconhecimento pelos alunos dos contextos que
induzem a erros é recomendado por esses autores
para melhorar o desempenho da ortografia. As con­
versas metagráficas (Jaffré e David, 1999) contri­
buem para trazer à luz as principais dificuldades e
as representações dos alunos. A didatização desse
procedimento de pesquisa, que se apóia no diálogo
dos aprendizes sobre comentários metagráficos, é
explorada em didática das línguas por muitos espe­
cialistas e professores.
• Sensórío-motoras: a mão ou o olho nem sempre se­
guem, de modo adequado, o pensamento e a ativi­
dade de escrita. Nas primeiras etapas da conquista
da escrita, o cansaço pode ser importante e, conse­
quentemente, ser uma das fontes dos problemas
observados. As dificuldades sensório-motoras im­
portantes (precisão e rapidez do gesto gráfico, coor­
denação manovisual etc.) podem causar graves
deficiências.

3.0 valor didático dos erros de escrita

Os enos dos alunos não devem ^ser-repreendidos, pois


fazem parte dos processos de aprendizagem e nós informam
sobre o estado de seus conhecimentos. Guignard (1988), por
exemplo, fez do diagnóstico dos enos uma atividade de relato
e/ou de descrição. Sua obra sobre o eno em didática, intitulada
Si 1'eireurm’était contée, opôs a contagem das faltas à "conta­
gem" dos enos. No quadro da observação dos processos de
aprendizagem, o eno toma-se signo, permitindo identificar as
capacidades mobilizadas e os obstáculos encontrados. Do ponto
de vista didático,

o eno é construtivo, se for encarado como um fenômeno


normal e necessário que não se abandona ao acaso. Se

1. “Se o erro me fosse contado.”

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 35


queremos evitar que o erro não conduza ao sentimento
de insucesso, ele deve ser tratado racionalmente, anali­
sado, compreendido, significativo. Esse tratamento não
é fácil e deveria ser um elemento importante na forma­
ção dos professores. (Guignard 1998, p. 186)

Em relação às produções escritas, uma parte dos erros]


se constitui como uma passagem obrigatória que permite a
apropriação das convenções da escrita. Freinet por exemplo,
enfatizou a importância da prática da escrita para aprender?
a escrever. Quer sejam as escritas emergentes dos alunos
mais novos, quer sejam as escritas inventadas, quando ainda
não conhecem o sistema, quer sejam as "aproximadas",;
quando escrevem inspirando-se nos escritos que observam,;
ou ainda, as produções escritas ao longo da escolaridade, a
aprendizagem da escrita implica a colocação dos alunos na
prática de situações novas, pois nelas estão novos desafios a
serem enfrentados, novos obstáculos a serem superados.

4. Erros a serem identificados e hierarquizados

Apesar do progresso da pesquisa na categorização


dos erros dos aprendizes, ainda não há consenso entre os
diferentes autores quanto à sua identificação. A interpre­
tação e a hierarquização de sua importância em função do.
nível escolar dos alunos continuam sendo difíceis. O valor
didático do disfuncionamento foi discutido principalmente
por Reuter (2007), que sugere tratá-lo em função de três
elementos: o produto do disfuncionamento (em nosso caso, 1
o erro é compreendido no texto); os sujeitos didáticos, I
levando-se em conta as intervenções do professor, o invés-1
timento do aluno em sua aprendizagem. O autor também I
ressalta a importância de considerarmos o quadro de refe­
rência didático, isto e, as restrições e possibilidades desse I
espaço sócio-institucional.

36 editora mercado de letras


Levar em conta o percurso seguido pelos alunos,
apreendido no questionamento dos alunos e de seus pro­
fessores, é uma fonte de informações importante para si­
tuarmos, interpretarmos e hierarquizarmos os erros, tendo
em vista uma nova intervenção didática. Um dos objetivos
da avaliação formativa é justamente o de detectar os erros
e os disfuncionamentos em relação às tarefas de aprendi­
zagem. Evidentemente, esse tipo de avaliação influencia
as atividades de ensino e de aprendizagem: a avaliação
formativa evita que resistências e obstáculos da escrita
sejam evitados e permite que os levemos em conta na
elaboração de novos dispositivos didáticos. Desse modo,
agem como fermento do progresso dos alunos. As modali­
dades de intervenção nesse nível não podem ser únicas e
esperadas, mas, ao contrário, devem ser diversificadas,
progressivas e modulares. Assim, a intervenção permite
ajustarmosasatividades_eo^procêsso,j2m função das
produções intermediárias do aprendiz.

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 37


CAPÍTULO III
OS GÊNEROS TEXTUAIS COMO
UNIDADE DE TRABALHO

Este capítulo tem por objetivo apresentar a noção de


gênero textual e explicitar o papel da produção textual no
ensino e na aprendizagem.
entrar pelos gêneros textuais para analisar a
produção escrita?
Em primeiro lugar, porque nossa proposta didática
consiste em trabalhar a escrita no quadro da comunicação.
De fato, uma língua natural só é aprendida por meio de
produções verbais efetivas, que tomam formas muito diversas
em função das situações de comunicação em que se inscre­
vem. Essas realizações empíricas diversas, « produções ver­
bais situadas » orais ou éscritas são chamadas de textos
(Bronckart 1996, p. 173). Comunicamo-nos por meio deles e
não por meio de frases isoladas. Portanto, o texto é conside­
rado como a unidade básica do ensino da produção, assim
como da leitura. Nessa perspectiva, eles se tomam os instru­
mentos de mediação necessários para se trabalhar com a
produção escrita.
Em segundo lugar, porque as práticas linguageiras
siqnificantes e socialmente reconhecidas são uma referência

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 39


indispensável para orientai o ensino. Nesse sentido, os gêne-;
iosse configuram como entidades intermediárias que permi­
tem estabilizar os elementos formais e os rituais das práticas.
Eles são reconhecidos e nomeados socialmente, constitnM
do-se como espécies de entidades coletivas com traços co­
muns múltiplos e que se inscrevem em um horizonte dl
expectativas genérico, que eles deslocam e reorganiza^
(Schaeffer 2001).
Enfim, porque o gênero, objeto de ensino, também |
um instrumento cultural e didático. E, sobretudo, porque eles
permitem o reagrupamento de uma imensa variedade de
textos disponíveis em função de aspectos genéricos, tais
como os conteúdos, a estrutura comunicativa e as configurai
■, ções de unidades linguísticas.
Assim, um gênero é um pré-construto histórico^ rea
sultante de. uma prática_e de uma formação social. A"
aprendizagem da língua oral e escrita se faz pela confrorffl
taçãp_c_om_um universo de textos que iá nos são«dados dj
antemão ». É uma_apigpriação de experiências acumulai
das pela sociedade. Desse ponto de vista, o ensino escolar
se organiza em uma perspectiva histórica e cultural. Em
trando pelos gêneros textuais, contribuímos para construi!
referências culturais, não apenas em relação aos textos do
patrimônio cultural, mas também ao conjunto da herança
social inscrito nas redes de intertextualidade. Damos acesj
so a « maneiras de dizer », a configurações de unidades
linguísticas que nos foram transmitidas no decorrer do
tempo. Vemos então que o gênero se constitui como o
núcleo de uma aprendizagem integrada de recursos linj
guageiros; aprender a escre.v.ei^e .a.falar implica a mobili-l
zação desses recursos.
Para mostrar a necessidade de passar pelos gêneros
textuais para ensinar a produção textual, articulamos nos­
sa exposição em quatro temas. Primeiramente, alguns con­
ceitos teóricos em torno da noção de gênero serão
apresentados. A seguir, explicaremos porque é possível con­
siderar os gêneros como "mega-instmmentos” didáticos e, |

40 editora mercado de letras


desse modo, daremos as razões que justificam sua utilidade
no ensino da produção textual (Schneuwly 1994). Por fim,
mostraremos como eles permitem produzir modelos didáticos.

I. Os gêneros como manifestação das práticas linguageiras

Fazemos dos gêneros um quadro organizador para o


ensino da produção escrita. Manifestação das práticas lin­
guageiras, eles se caracterizam, ao mesmo tempo, por serem
tipos estáveis de enunciados, produtos de sua história, e por
seu caráter variável, dinâmico. Com o intuito de situar a
noção teórica de gênero do discurso, discutamos alguns con­
ceitos bakhtinianos.
Na Estética da criação verbal, o teórico russo Mikhail Bakh-
tin, retomando alguns temas desenvolvidos anteriormente por
Voloshinov, vê os enunciados como a materialização da utilização
da linguagem, emanando das representações de um domínio da
atividade humana. Para o autor, cada esfera de utilização da
língua elabora seus tipos relativamente^estáveis de enunciados,
tipos esses que constituem os gêneros do discurso. O gênero
funciona como uma norma que intervém na estruturação dos
enunciados, como o fazem as normas da linguagem:

se não existissem os gêneros do discurso e se não os


dominássemos, se tivéssemos de criá-los pela primeira
vez no processo da fala, se tivéssemos de construir
cada um de nossos enunciados, a comunicação verbal
seria quase impossível (Bakhtin 1997, p. 169).

Os enunciados são apreendidos em sua tensão, sua


orientação para outrem, e é assim que se concebe o dialogis-
mo das trocas linguageiras. O teórico russo define o gênero
como a combinação de três dimensões essenciais: os conteú­
dos que podem ser ditos por ele, uma estrutura comunicativa
particular, de configurações específicas de unidades lingua-
geiras, traços da posição enunciativa e dos conjuntos de
sequências textuais e de tipos discursivos que estabelecemji

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 41


estrutura-do. gênero. Trata-se de um conjunto de unidadl
linguísticas, postas em relação de cotextualidade particular quç
permite identificar um texto como pertencente a um gênero ç
que caracteriza as formas linguísticas de sua textualidade. 1
Bakhtin ainda distingue os gêneros primários e os
gêneros secundários. Ancorado na situação em que se dá
senvolve, articulando-se estreitamente com ela, o gênerc
primário é geralmente oral. O gênero secundário, por sua vez
envolve uma antecipação de conteúdos, da organização* e
das unidades linguísticas. Ele é objeto de uma mediação 1
sua forma é geralmente escrita. Os primários provêm das
trocas verbais ordinárias, enquanto os secundários são resul­
tantes do discurso literário, científico ou ideológico, nascendo
de trocas culturais mais formais. Gêneros primários e secun­
dários estão em constante interação: os secundários absor
vem e transmutam os primários e, em consequência, perdem
a relação imediata com o contexto real existente e com os
enunciados do outro (Bakhtin 1984).
A inter-relação entre gêneros secundários e gêneros pri­
mários pode ser ilustrada facilmente pelo exemplo da receita de
cozinha. A receita ensinada por uma mãe a sua filha, na
da família, não é igual à de uma animadora de um progi
culinária na televisão. Mesmo que nos dois casos haja
relação imediata com o contexto real existente, o nível dé
espontaneidade e o da cotidianidade das trocas entre a mãe e
a filha é característico de um gênero primário. O "programa de
culinária" é, por razões particularmente comerciais e artísticas,
em grande parte, previsto e pensado, portanto mediado. Em-
bora esse tipo de programa se inspire nas práticas cotidianas]
seu destinatário é um público anônimo. A receita do livro de;
cozinha também é um gênero secundário. Escrita, ela não tem]
relação imediata com o real e, no plano da forma e da estrutu­
ração do conteúdo, apresenta as informações de modo mais
condensado, respeitando uma determinada sucessão. Os gê- j
neros, uma vez mediados, constituem-se como entidades in-I
termediárias que estabilizam os elementos formais e os rituaisI
das práticas (de Pietro e Dolz 1997).

42 editora mercado de letras


No ensino, é necessário aproveitar a dinâmica entre
gênero primário e gênero secundário. Pistas de atividades
reflexivas, em que se passa de um gênero a outro, são
significativas para os alunos. Trabalhar a receita de cozi­
nha, um gênero injuntivo, facilita a produção de um ma­
nual ou de uma regra de jogo posteriormente. Antes de
fazer os alunos escreverem uma receita de cozinha, pode­
mos pedir para formularem uma receita oral. Além disso,
pouco a pouco, os alunos podem apreender as caracterís­
ticas do gênero; planejar a produção da receita, a organi­
zação de seus conteúdos, à apresentação das etapas de seu
desenvolvimento, o trabalho com o campo lexical (por
exemplo, com os verbos que descrevem as ações a fazer).
Além de ajudá-los a projetar o texto que vão escrever, esse
exercício pode também estimular a imaginação e, assim,
dar-lhes a inspiração necessária para a escrita. Enfim, o
aluno também aprende a passar de uma fala informal, es­
pontânea, a uma fala pública formal.
As razões que sustentam o estabelecimento dessa
relação distanciada, a compreensão dos mecanismos de pas­
sagem de uma fala informal a uma fala formal, são importan­
tes em didática. Além disso, a emergência dos gêneros
secundários nas crianças não é o ponto de chegada, mas o ponto
de partida de um longo processo de reestruturação que, com o
tempo, vai produzir uma revolução em suas capacidades lingua-
geiras (Schneuwly, 1994).

2. O gênero como “megainstrumento" didático

Seguindo o paradigma vigotskiano, consideramos o


gênero como um megainstrumento didático (Schneuwly
1994; Dolz, Moro e Pollo 2001). Por instrumento, nos referimos
ao meio cultural que o homem constrói para si a fim de
transformar a natureza. Da mesma forma, a transformação e
o domínio dos processos psíquicos necessitam dos instru­
mentos mentais. Assim, compreendemos o desenvolvimento
humano como uma adaptação artificial, mediada por instru-

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 43


mentos psíquicos que transformam fundamentalmente as
capacidades psíquicas. Essas capacidades existem primeiro
sob forma externa, nos produtos da sociedade humana, mas a
apropriação destes exige que sejam investidos de significações.
A articulação entre os instrumentos e o desenvolvimento
se faz por meio de mediações educativas (2001). Pot instrumento
didático, compreendemos, do mesmo modo que Plane e
Schneuwly (2001), todo artefato introduzido na aula servindo
para o ensino-aprendizagem de noções e capacidades postas a
serviço de um ensino ou de uma aprendizagem particular.
Nessa perspectiva, o gênero é um instrumento para
agir em situações linguageiras; suas potencialidades de de­
senvolvimento atualizam-se e são apropriadas na prática. É
um instrumento cultural, visto que serve de mediador nas
interações indivíduos-objetos e é um instrumento didático,
pois age como meio de articulação entre as práticas sociais
e os objetos escolares. Instrumento de ensino, fixa signifi­
cações sociais complexas referentes às atividades lingua­
geiras. Orienta a realização da ação linguageira, tanto do
ponto de vista dos conteúdos, que lhe são próprios e dizíveis
por ele, quanto do ponto de vista da estrutura comunicacional
e das configurações de unidades linguísticas a que ele dá
lugar (sua textualização). Ele traz uma nova luz sobre o objeto
ensinado e conduz o professor a modificar o modo de repre­
sentar a produção textual e seu ensino (Wirthner 2006). Por
fim, enquanto instrumento de aprendizagem, o gênero per­
mite ao aprendiz ter acesso a determinadas significações que,
se interiorizadas, contribuem para o desenvolvimento de suas
capacidades linguageiras.

3. O gênero como " facilitador" do ensino da produção textual

No quadro do ensino da produção textual, três argu­


mentos podem ser dados para se justificar uma entrada pelos
gêneros textuais. Primeiro, diante da diversidade e da hete-
rogeneidade dos textos, o trabalho de agrupamento facilita
o desenvolvimento de conteúdos de ensino. Os gêneros po­

44 editora mercado de letras


dem ser reagrupados em função de determinadas regularida-
des linguísticas e das transferências que permitem, em fun­
ção de três critérios: a) as finalidades sociais a que
correspondem as tipologias que retomam dos planos de estu­
do e dos manuais, e as capacidades linguageiras implicadas.
TABELA 1 : AGRUPAMENTO DOS GÊNEROS1

Domínios sociais Aspectos tipológicos Exemplos de gêneros


de comunicação Capacidades de orais e escntos
linguagem dominantes

Cultura literária Mimesis da ação por conto maravilhoso

ficcional meio da criação da intriga conto de fadas

no domínio do verossímil fábula


lenda
narrativa de aventura
narrativa de ficção científica
narrativa de enigma
narrativa mítica
esquete ou história engraçada
biografia romanceada
romance
romance histórico
novela fantástica
conto
crônica literária
adivinha
piada

Documentação e Representação pelo relato de experiência vivida

memorização das discurso de experiências relato de viagem


diário íntimo
ações humanas vividas, situadas
testemunho
no tempo.
anedota ou caso
autobiografia
cumculum vitae

noticia
reportagem
crônica social
crônica esportiva

Histórico
relato histórico
ensaio ou perfil biográfico
biografia

1. Retomamos aqui o quadro elaborado por Dolz, Schneuwly e Noverraz (2001),


que fomece uma orientação para a elaboração de sequências didáticas para o
ensino da expressão oral e escrita.

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 45


Discussão de Argumentar textos de opinião
problemas sociais Sustentação, refutação diálogo argumentativo
controversos e negociação de carta de leitor
tomadas de posição. carta de reclamação
carta de solicitação
deliberação informal
debate regrado
assembléia
discurso de defesa
(advocacia)
discurso de acusação
(advocacia)
resenha crítica
artigos de opinião ou assinados
editorial
ensaio

Transmissão e Expor texto expositivo


construção de Apresentação textual de (em livro didático)
saberes diferentes formas dos exposição oral
saberes seminário
conferência
comunicação oral
palestra
entrevista de especialista
verbete
artigo enciclopédico
texto explicativo
tomada de notas
resumo de textos expositivos e
explicativos
resenha
relatório cientifico
relatório oral de experiência
Instruções e Regulação mútua de instruções de montagem
prescrições comportamentos receita
regulamento
regras de jogo
instruções de uso
comandos diversos
textos prescritivos

Como esses agrupamentos se centram nas caracterís­


ticas comuns de vários gêneros, eles permitem economizar
trabalho com alguns componentes no decorrer do ensino. Por
exemplo, o trabalho com as características comuns dos tex-

46 editora mercado de letras


tos narrativos pode mostrar as particularidades de um gênero
como o ensaio biográfico. Quando abordarmos esse gênero,
é de se esperar que se efetuem algumas transferências, rela­
cionadas aos gêneros narrativos de ficção abordados. O tra­
balho com a diversidade dos gêneros implica a adoção de uma
perspectiva diferencial e comparativa, que tem seu eixo nas
aprendizagens específicas e contrastadas de cada gênero.
A segunda vantagem dessa proposta são as possibili­
dades de trabalharmos com práticas sociais. A análise do uso
dos gêneros se constitui como uma referência para avaliar­
mos a pertinência, a adaptação e a eficácia comunicativa dos
textos.
A terceira diz respeito aos aspectos associados às
representações "genéricas" coletivas veiculadas pelo uso
do gênero. Se alguém nos fala sobre um determinado con­
to, somos capazes de construirmos, quase que imediata­
mente, representações sobre a situação em que o texto foi
produzido e sobre suas características materiais e linguís­
ticas. Os gêneros são nomeados, identificados e categori­
zados pelos seus usos. Trabalhar a partir das
representações sociais facilita construir o "sentido" das
aprendizagens. A representação do gênero fixa o horizonte
de expectativa para o produtor e permite que o receptor
interiorize determinados critérios para ter êxito em seu
projeto comunicativo. Ele orienta não só as atividades e as
estratégias de leitura e de escrita do aprendiz, mas também
permite o desenvolvimento de estratégias de intervenção
organizadas, em função dos conhecimentos existentes so­
bre as estratégias utilizadas pelos leitores e pelos escri­
tores iniciantes. Além disso, ele determina as dimensões a
serem ensinadas: as coerções da situação, os planos dos
textos, as unidades linguísticas características, as unida­
des de sentido etc. A construção de um modelo didático do
gênero (Dolz e Schneuwly, 1998) envolve a identificação das
dimensões ensináveis que podem gerar atividades e sequên­
cias de ensino. A definição rigorosa dessas dimensões facilita

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 47


as possibilidades de seu ensino. A partir do momento em que
os objetos de ensino são descritos e explicitados, fica mais
fácil iniciar o ensino. Esse modelo didático também é conce­
bido como uma matriz que integra os novos textos aos pré-
construtos existentes. Concebemos o trabalho escolar a partir
do gênero de um modo dinâmico, integrando as restrições e
as liberdades que aí se relacionam relacionado na produção
de novos textos. Assim, os contornos instáveis e maleáveis do
gênero podem incidir de um modo mais eficaz sobre a criati­
vidade e a autonomia dos aprendizes.

4.0 modelo didático do gênero textual

Elaboramos e conceitualizamos uma ferramenta


fundamental para organizar o ensino da produção textual
por meio dos gêneros: o modelo didático dos gêneros (de
Pietro e Dolz 1997; Dolz e Schneuwly 1998; de Pietro e
Schneuwly 2003). Trata-se de uma formalização dos com­
ponentes ensináveis dos gêneros orais e escritos, visando
a seu ensino. Um modelo didático é a descrição provisória
das principais características de um gênero textual com o
objetivo de ensiná-las. E uma construção em engenharia
didática que explicita as seguintes dimensões:

• os saberes de referência a serem mobilizados para se


trabalhar os gêneros;
• a descrição dos diferentes componentes textuais es­
pecíficos;
• as capacidades de linguagem do aluno.

Os modelos didáticos do buscam orientar as práticas


de ensino. Além disso, a descrição de suas características
deve ter sempre um caráter operacional. Construímos um
modelo didático de modo interativo em função de experimen­
tações sucessivas nas aulas, mas sempre em função dos
seguintes critérios de validade didática:

48 editora mercado de letras


• de um critério de legitimidade, que implica recur­
sos e saberes válidos, seja por seu estatuto acadê­
mico, seja por serem considerados como legítimos
pelos especialistas no gênero abordado;
• de um critério de pertinência, que mede a adequação
dos recursos e dos saberes escolhidos em função das
finalidades e dos objetivos escolares;
• de um critério de solidarização, que assegura a coe­
rência do conjunto dos recursos convocados.

Desse ponto de vista, os saberes do modelo didático


apresentam-se como um todo ganham um novo sentido no
quadro do ensino-aprendizagem.
O esquema a seguir sintetiza, sem especificar as di­
mensões linguísticas, as principais categorias dos compo­
nentes do modelo didático do gênero textual.

FIGURA 3: O MODELO DIDÁTICO DO GÊNERO

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 49


Idealmente, o modelo didático deve apresentar o
conjunto dos recursos que poderão ser transformados em
conteúdos potenciais de ensino a serem mobilizados nas
atividades escolares. Ele possibilita várias realizações, o
que permite considerá-lo como uma base de dados de um
procedimento gerativo para a construção de todo um con­
junto de sequências didáticas, conceito este que será defi­
nido no capítulo V.

editora mercado de letras


CAPÍTULO IV
O PROCEDIMENTO DE ANÁLISE

Escrever um texto, como vimos nos capítulos prece­


dentes, é tentar se comunicar produzindo sentido. Trata-se
de uma atividade complexa, que coloca em ação uma série
de operações linguageiras, indo da contextualização à tex-
tualização (Fayol e Schneuwly 1987) e que também recorre
a dimensões psicológicas e sociais (Reuter 1996) que ultra­
passam a dimensão linguística. Essa complexidade multipli­
ca os obstáculos no caminho dos aprendizes. Efetivamente,,
vários estudos (Lahire 1993; Perrenoud 1997) mostram que I
as produções escritas dos alunos são geralmente muito pou-1
co estruturadas e trazem inúmeros problemas em diversos I
níveis. Uma vez identificados esses problemas, impõe-se a
tarefa de selecionar os que merecem um tratamento didáti-
co, o que é relativamente complexo. A idade e o percurso dos
aprendizes, as expectativas escolares nos diferentes níveis
de escolarização, o trabalho realizado e o momento da apren­
dizagem desempenham um papel importante. Como fazei
para analisar as produções escritas dos alunos a
aiunos e para, aj»
seguir, selecionar as dimensões a serem privilegiadas
i no a
trabalho escolar?

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 51


Decidimos focalizar a análise de alguns textos de alu­
nos dos primeiros ciclos do Ensino Fundamental, propondo
um procedimento de análise de textos com as seguintes
características:

• em função dos objetivos de aprendizagem, ela passa


pela análise das principais dimensões textuais, a fim
de efetuarmos uma melhor avaliação desses textos;
• explora os indícios contidos nas produções dos
aprendizes, permitindo uma melhor interpretação
das fontes de erros;
• propõe uma trama para a elaboração de grades de
avaliação dos textos de alunos, adaptadas aos gêne­
ros textuais a serem produzidos e que permitem a
identificação dos principais problemas de escrita.
• sugere pistas de trabalho, visando a ajudar os alunos
a elaborarem constatações sobre suas próprias pro­
duções e, portanto, a tomá-los capazes de fazer de
seus próprios textos, um objeto de trabalho cuja
finalidade é a sua reescrita.

1. Levar em conta os objetivos prioritários

Nesta secção, apresentamos os diversos elementos em


que se fundamenta nosso procedimento de análise dos textos
dos aprendizes no decorrer da atividade escolar: a progressão
curricular, a reconstrução da consigna e a tabela de avaliação.
A aprendizagem da escrita se situa ao longo da
temporalidade escolar. Para abordá-la, é preciso prever
linhas de força coerentes do início ao fim da educação
básica. Essas linhas de força servem de referência para
assegurar a continuidade do trabalho dos professores. Nos­
sa visão da progressão é uma visão em espiral, que apre­
senta continuidades e rupturas. Cada trabalho com o
gênero textual não é jamais feito de maneira definitiva. A
cada série, os mesmos gêneros podem ser retomados, com

52 editora mercado de letras


os conteúdos da etapa anterior sendo tratados em um grau
de exigência maior na etapa posterior. Por exemplo, as capa­
cidades de linguagem jssperadas na produção de um texto
expositivo sobre os animais não são as mesmas no início e no
fim da es£pla_Drimária. As mesmas dimensões podem ser
retomadas e progressivamente complexificadas, a fim de
serem consolidadas. As tarefas para cada gênero vão sendo
cada vez mais ambiciosas.
Insistir sobre a continuidade não significa que os ob­
jetivos sejam os mesmos: no início do novo ciclo, eles podem
ser reformulados para fazer avançar as aprendizagens, de
modo a aumentar, reorganizar e transformar os conhecimen­
tos precedentes. A introdução de novas exigências em ruptu­
ra com as aprendizagens precedentes exige do^professor um,
bom conhecimento das expectativas e das disposições pre­
vistas pela escola. Além disso, é preciso também que ele
desenvolva uma fina análise das capacidades e das dificul­
dadesdos aprendizes. Detectar os pontos de tensão e os
obstáculos é condição para o estabelecimento de prioridades,
sendo que essas rupturas estimulam as novas aprendizagens.
Levar em consideração os objetivos de aprendizagem
é uma necessidade absoluta, a fim de podermos determinar
o limite .desejável do êxito dos alunos. O currículo nos dá uma
visão de conjunto da escola obrigatória, antecipando os obs­
táculos mais característicos de cada ciclo e as etapas a
percorrer. No entanto, detalhar o conjunto dos planos de
estudo de português do Ensino Fundamental e do Ensino
Médio não é uma tarefa fácil. De fato, um tal empreendimento
exigiría a produção de um extenso dossier, um estudo conse­
quente sobre os conteúdos de ensino e os objetivos específi­
cos de cada nível. Uma tentativa de se fazer uma
apresentação exaustiva e detalhada desse conjunto de planos
de estudo, ultrapassaria os limites deste livro. Assim, limitar-
nos-emos a uma apresentação sintética das grandes linhas
da progressão inspiradas nos planos de estudos em vigor.
Na Educação Infantil, o aluno se inicia na prática da
escrita, descobre seu código e suas dimensões culturais. Esse

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 53


trabalho deve considerar o desenvolvimento da expressão
oral, a distinção entre oral e escrito, a passagem do idioleto
familiar à língua comum da escola e a descoberta progressiva
da ordem escriturai do português. A criança começa a imitar
a escrita. Descobre o gesto gráfico, o espaço da página, as
funções da escrita e atribui determinadas significações aos
sinais gráficos. A escrita emergente ou aproximada à do
adulto, assim coipo a técnica do ditado ao adulto, servem
como primeiras aproximações à produção de textos. Como
dissemos, nessa fase, levar em conta as hipóteses dos alunos
sobre os textos e sobre as dimensões pragmáticas, semânti­
cas e alfabéticas é fundamental para se organizar o ensino.
Nos dois primeiros anos do Ensino Fundamental J,
produzindo textos diversos, o aluno apropria-se do sistema da
escrita. Com a ajuda do adulto, a produção precoce de textos
escritos é uma prática que o leva a experimentar as restrições
a que a língua nos submete, assim como as convenções dos
gêneros textuais. Apoiando-se BHvsupertes-visuais e^fem mo­
delos de gêneros, ele aprende a modular e a organizar breves
textos em função do destinatário e, nesse contexto, estrutura.
as principais conespondências fonogrâmicas ou fonográfi-
cas, a segmentação das palavras e os primeiros procedimen­
tos ortográficos. Do ponto de vista gráfico, esse ciclo é
destinado a consolidar a escrita cursiva. >
Mais ou menos do meio ao final do Ensino Fundamen­
tal I (3°. 4° e 5o anos), a produção escrita evolui para a
:uais. A exigência de autono-
mip na prátír-a do acr-rita ó mainr Espera-se uma adaptação
às convenções do gênero textual e às condições da situação
de comunicação. O aluno começa a ficar atento à coerência,
à coesão e à conexão de seu texto, com a utilização de
organizadores textuais adequados, de retomadas anafóricas,
de marcas temporais e de sinais de pontuação. As aprendi­
zagens da etapa anterior sobre o código (conespondências
fonogrâmicas e segmentação de palavras) devem estar dis­
poníveis e estabilizadas. No que se refere à produção escrita,
ele se inicia nos procedimentos de releitura, de revisão e

54 editora mercado de letras


autocorreção e as regras da língua são levadas em conta para
a construção de frases gramaticais. ’

Já no Ensino Fundamental II (do 6o ao 9o ano), a prática


da expressão escrita deve levar o aluno a rediair. de modo
nleno, autônomo e çompjeto, textos pertencentes a vários
gêneros, especialmente textos que servem para a vida social
e para as aprendizagens escolares. Nessa etapa, espera-se,
sobretudo, uma língua escrita correta, com uma ortografia
lexical e morfossintática assegurada, nos limites dessa idade
e em função do trabalho realizado com a gramática. As
produções esperadas são próximas às dos modelos e dos
suportes trabalhados em aula, buscando-se encorajar os alu­
nos a irem mais longe.
No Ensino Médio, a progressão é pensada de acordo
com as expectativas em relação às diferentes dimensões de
cada gênero textual (narrativas de aventuras, relatos sobre
a origem das coisas, romance histórico, enigma policial,
' novelas fantásticas, documentários, relatório de ciências,
carta de pedido administrativa, editorial etc.), tornando-se
as exigências mais precisas para cada nível, multiplicando-
se as estratégias de escrita e levando-se em conta os aspec-
tos estilísticos na revisão e na reescrita dos textos.

2. Reconstrução da consigna

O ponto de partida da análise das produções escritas


e, por efeito indireto, da análise didática que se segue,
consiste em reconstruir a consigna de produção, para iden­
tificar os principais elementos da tarefa proposta aos alu­
nos. Compreender a situação escolar em que se encontra
o aluno é fundamental para analisar sua produção. Qual é
a tarefa proposta pelo professor? Trata-se de uma produção
completa ou parcial? De uma primeira tentativa? De um
rascunho ou de uma produção revisada e corrigida? Em que
projeto de escrita ou de aprendizagem escolar o aluno foi
posto? Quais são as atividades preliminares realizadas?

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 55


Qual é a forma de trabalho proposta (individual, coletiva, em
pequenosgruposetc.)?‘Quaissãoossuportesparaotrabalho?
Quais são os suportes dados pelo professor?

QUADRO 2. PROCEDIMENTO PARA RECONSTRUIR


A SITUAÇÃO DE PRODUÇÃO A PARTIR DA LEITURA
DO TEXTO DO ALUNO
1. Formular hipóteses sobre a consigna de produção.

2. Examinar a tarefa de escrita: ela é:


- uma produção completa ou parcial,
- uma primeira tentativa, um rascunho ou uma
escrita revisada,
- uma escrita individual ou coletiva, sob forma
de ditado ao adulto?
- Qual é a forma social de trabalho
(sala inteira, pequeno grupo, dupla, individual)?

3. Formular hipóteses sobre a preparação preliminar


(documentação, atividades de aprendizagem etc.).

4. Identificar os suportes fornecidos (notas, lista de


palavras no quadro negro, trocas, modelos de
textos, trechos de textos etc.).

5. Formular hipóteses sobre o gênero textual e a


situação de comunicação explicitamente
delimitada na consigna.

Para o quinto passo desse procedimento, a recons­


trução da consigna de produção apoia-se nos seguintes
elementos:

• nos índices textuais que permitem identificar o


gênero;
• no conteúdo (nos índices semânticos), que permite
identificar o objetivo visado;
• nos índices de adaptação a uma determinada si­ j
tuação de comunicação (lugar de produção, desti­
natário etc.);
• na idade do aluno (ou em seu nível de estudos),
que permite adaptar a consigna aos objetivos pe­
dagógicos.

56 editora mercado de letras


3. Identificar os erros com a ajuda de grades de avaliação

Uma vez reconstruída a consigna, é importante encon­


trar os meios para realizar a avaliação didática dos erros dos
aprendizes. A elaboração de uma grade de análise é um recurso
adequado. De fato, postulamos, de acordo com Dolz, Mabillard
e Tobola Couchepin (2008) que, para uma melhor análise das
produções textuais, precisamos elaborar, primeiramente, uma
grade de critérios com as principais características dos gêneros
textuais (de acordo com os objetivos didáticos), que também leve
em conta a situação de produção. Nessa ótica, as categorias que
tomamos desses autores são as seguintes:

• a interpretação da consigna, representação do mo­


delo do gênero textual mobilizado;
• a adaptação à situação de comunicação;
• o respeito à estrutura convencional do gênero;
• a planificação e a organização em partes;
• o emprego das unidades linguísticas pertinentes e a
textualização.

Essas categorias devem ser completadas por elemen­


tos transversais referentes à gramática, à ortografia e ao
léxico (vocabulário). A análise das produções escritas com
base nas categorias mencionadas acima deve conduzir a uma
última operação, à revisão do texto, como podemos ver no
esquema a seguir.

QUADRO 3. TRAMA PARA A CONSTRUÇÃO DE GRADES DE


ANÁLISE EM FUNÇÃO DOS COMPONENTES TEXTUAIS

Itens para construir a grade de avaliação Observação Professor:


dos alunos análises e
comentários

1. Representação geral do texto


- Pertinência em relação à consigna para
o exercício
- Coerência do conjunto do texto
-Adaptação a um gênero textual de
referência

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 57


-----------------------------------
2. Conteúdos temáticos
- Objeto preciso do texto j
- Pertinência das informações
- Progressão entre as informações
conhecidas e as novas

3. Adaptação à situação de comunicação


- Enunciador
- Destinatário
- Objetivo
- 0 que está em jogo na situação

4. Planificação
- Partes do texto
- Articulação entre as partes
*- Pertinência em relação ao plano
convencional do gênero

5. Textuallzação
- Conexão/segmentação: Organizadores
textuais e sinais de pontuação
- Posicionamentos enunciativos
(dêiticos pessoais, modalizações)
- Coesão nominal (retomadas anafóricas)
- Coesão verbal (em prego dos tempos verba is)
- Fórmulas expressivas de acordo com 0 gênero

■XÍfCccLÇCve' de* . -porvoJ CV


£, 7-Ulx^Xóvr^ O^> Awv^>

A análise dos erros morfossintáticos, lexicais e ortográ­


ficos exige ferramentas e indicadores mais precisos, que é
impossível desenvolver em sua totalidade neste livro, embora
também sejam importantes. O procedimento proposto consis­
te em agrupar os diferentes erros encontrados em um mesmo
texto, de acordo com as dimensões mencionadas acima. E a
partir desse agrupamento que determinamos os principais
eixos de trabalho para a revisão das produções escritas, em
função do tipo de progressão prevista pelos planos de estudo.
No que refere à escrita emergente (Ferreiro, 2000)
dos alunos mais novos do Ensino Fundamental (ver, por
exemplo, o texto de Jianni, acima), a grade deve permitir a
análise dos aspectos referentes ao domínio progressivo do
código (ver quadro 4). É importante também que essa
análise seja acompanhada por uma série de questões diri­
gidas aos alunos para podermos identificar suas hipóteses
sobre o sistema da escrita.

58 editora mercado de letras


FIGURA 4: O TEXTO DE JIANNI (5: 2)

&3

QUADRO 4. GRADE DE OBSERVAÇÃO DA


ESCRITA E DE SUA APRENDIZAGEM
0 Desenho

1. Escrita indiferenciada

1.1. 0 aluno utiliza sinais diferentes do desenho, inteligíveis,


direção, segmentação

1.2 0 aluno utiliza pseudo-letras

1.3. 0 aluno utiliza letras

1.4. 0 aluno diferencia as letras e os números

2. Escrita diferenciada
2.1 0 aluno utiliza letras em relação ao objeto representado

3. Escrita silábica

3.1. 0 aluno utiliza uma letra para cada sílaba, sem relação com
seu valor sonoro real

3.2. 0 aluno utiliza uma letra para cada sílaba, em relação com seu
valor sonoro

4. Escrita fonética

4.1 0 aluno procura as correspondências entre os sons e as letras.


Ele escreve pela correspondência dominante

5. Escrita alfabética

5.1 O aluno conhece o alfabeto. Cada letra reproduz um som da


língua falada, mas ele sabe que há arbitrariedade nos
conhecimentos fonogrâmicos e se distancia progressivamente
do código oral.

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 59


Uma vez realizada a análise a partir dos critérios
definidos, a etapa seguinte consiste em hierarquizar os
erros em função da idade e da progressão do ensino-apren-
dizagem. A seguir, pistas de intervenção adaptadas ao
aluno e à sua classe podem ser apresentadas. Assim o
próximo capítulo tratará da concepção e da elaboração dos
dispositivos de ensino.

60 editora mercado de letras


CAPÍTULO V
OS DISPOSITIVOS DE ENSINO

1. A revisão do texto e sua reescrita

Como dissemos anteriormente, a grade com os crité­


rios é elaborada na perspectiva de realizar a avaliação didá­
tica dos erros encontrados nas produções dos aprendizes.
Trata-se então de ver se o erro é sistemático, ou se existe
contradição entre duas produções do aluno, o que mostra as
possibilidades para delimitarmos os eixos de trabalho com­
plementares, levando-se em conta os objetivos de aprendiza­
gem. Essa operação constitui o que chamamos de fase de
preparação, que visa à volta do aluno ao texto (Fabre-Cols
2002). Ela pode ser considerada como uma avaliação forma-
tiva situada antes do ensino. O professor encontra os meios
para conhecer mais profundamente as capacidades e as
deficiências do aprendiz para guiar seu ensino de uma forma
melhor. O aluno também se encontra aí implicado. Por exem­
plo, na escrita de um gênero ainda desconhecido, como a
redação dê uma carta argumentativa destinada à seção "car­
ta do leitor"'* de um jornal local, os alunos podem ser incenti­
vados a apreciar seu próprio texto ou o de um colega. Os
diferentes pontos de vista podem ser objeto de um debate
coletivo e as questões do professor devem se orientar para os

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 61


componentes do texto que apresentam problemas. Essa volta
ao texto, que visa a delimitar os conhecimentos adquiridos,
assim como as dificuldades dos aprendizes em uma primeira
produção, pode ser feita com diferentes tipos de dispositivos:

• com a leitura coletiva da produção escrita e a discus­


são em grupo sobre os conhecimentos adquiridos e
as dificuldades;
• com a releitura e a revisão em subgrupos a partir das
questões do professor;
• com a revisão e a releitura com a ajuda de um texto
do mesmo gênero como modelo de referência; um
auxiliar da memória, que traga a lembrança das
principais dimensões que devem ser levadas em
conta durante a revisão e a releitura;
• com procedimentos de autocorreção;
• com a revisão cruzada entre pares ou em um trabalho
de colaboração (como em grupos de escrita).

Esse tipo de trabalho, que não exige instrumentos


sofisticados, é fundamental para o professor tomar decisões
referentes à diferenciação. De um lado, ele verifica as possi­
bilidades de os aprendizes tratarem os componentes que lhes
trazem problema, a fim de estabelecer as necessidades do
grupo. Por outro, ele pode identificar as necessidades parti­
culares dos alunos em dificuldade.
A volta ao texto pode também ser realizada durante as
fases da escrita. Os procedimentos de observação e de acom­
panhamento do professor, nesse nível, são múltiplos. O aluno
pode então tomar notas ou redigir constatações. O trabalho
com os rascunhos sucessivos nos parece de grande importân­
cia e de imenso interesse. "Escrever é reescrever", dizia Ro-
land Barthes; assim, o ensino da escrita exige que se leve em
conta as produções escritas intermediárias, sendo que a iden­
tificação dos erros para melhorar o texto e a reescrita de
trechos particulares são os dois principais procedimentos de
auto-avaliação.

62 editora mercado de letras


2. As atividades escolares, dispositivos e sequências didáticas

Trabalhar a produção textual exige que, sistematicamen­


te, se leve em conta as situações de comunicação; daí a neces­
sidade de apreendermos o texto como unidade. No entanto, nem
todas as atividades escolares para melhorar a escrita implicam
o texto em sua totalidade. Para ajudar o aluno a ultrapassar um
bloqueio, é sempre necessário trabalhar de modo integrado,
embora às vezes, uma atividade escolar pontual separada possa
ajudá-lo tomar consciência da dificuldade e a encontrar os
mecanismos para ultrapassar os obstáculos. Distinguimos tam­
bém três tipos de atividades escolares referentes à escrita e à
produção textual:

a) as tarefas de produção de um texto implicam uma


situação de comunicação claramente definida. Essas
atividades, a partir de situações de comunicação autên­
ticas ou simuladas, exigem que consideremos o conjunto
dos componentes do texto;
b) as tarefas de escrita ou de revisão de um texto com o
objetivo de resolver um problema (transformar um tex­
to em função de um objetivo, corrigir um texto em
função de um problema observado etc.) podem focali­
zar um ou vários componentes do texto;
c) as tarefas que isolam um problema de escrita e
propõem exercícios de descoberta, de sistematiza-
ção, de consolidação ou de automatização de um
aspecto pontual do texto. Por exemplo, os exercícios
para aplicar uma regra ortográfica, para utilizar or­
ganizadores textuais diversificados ou para comple­
tar as lacunas de um texto em que os verbos não
estejam conjugados.

As atividades escolares voltadas para a expressão es­


crita inserem-se em dispositivos variados (Lamailloux, Ar-
naud e Jeannard 1993). Para os exercícios centrados em um
problema de escrita, adotamos seis tipos de ^dispositivos:

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 63


• Textos lacunares: o suporte para esse dispositivo é
um texto com espaços em branco, centrado em um
problema de escrita ou em uma categoria de erros.
A tarefa consiste em reencontrar as palavras que
faltam e em completar o texto. Uma lista de pistas
potenciais dadas pelo professor pode auxiliar a ultra-
passagem da dificuldade;
• Questões de múltipla escolha: Questões com várias
sugestões de resposta, havendo só uma que é, em
princípio, justa;
• Estabelecimento de relações: geralmente, o suporte
apresenta elementos de categorias diferentes a se­
rem relacionados por meio de flechas ou por ligações
gráficas em função de uma lógica explicada na con­
signa;
• Quebra-cabeça: o suporte apresenta trechos de um
texto em desordem que é preciso organizar em fun­
ção da consigna. Esse tipo de exercício é muito bom
para levar à descoberta da organização de um texto
ou para tratar de problemas de coesão e de coerên­
cia;
A • Matrizes textuais: trata-se de uma série de suportes
com grades ou esboços que devem ser explorados a
fim de orientar a realização de uma tarefa de escrita;
/ • Reformulação, reescrita: a tarefa consiste em dizer o
A que se disse anteriormente de outro modo e em modi­
ficar frases, trechos de textos ou de textos completos,
/ de acordo com uma determinada restrição. Esses dis­
positivos são interessantes, em especial, para se adap­
tar e diversificar a expressão.

Quatro aspectos nos parecem importantes de serem


lembrados na elaboração de um dispositivo de ensino para a
produção escrita:
'«-.Ax
• a escolha de uma tarefa adequada para permitir a
ultrapassagem de um obstáculo de escrita e/ou o

64 editora mercado de letras


melhoramento de um disfuncionamento na produ­
ção textual;
• a formulação do enunciado da consigna de modo
que a tarefa seja compreendida pelos alunos de um
determinado nível da escolaridade;
• a escolha de um suporte que motive os alunos e que
seja adequado ao problema a ser resolvido (textos,
folhas de exercícios, materiais de apoio, modelos
etc.);
• a elaboração de ferramentas de apoio e de procedi­
mentos em etapas de modo a facilitar o progresso da
aprendizagem.

Os dispositivos apresentados até aqui permitem a fo-


calização de um problema de escrita. Servem para descobrir
um mecanismo de textualização, sistematizar ou automatizar
uma estratégia de escrita. No entanto, eles trazem riscos. O
primeiro diz respeito ao caráter estanque das atividades. O
segundo está associado ao caráter fracionado e decomposto
das atividades de escrita. O exercício com apenas um dos
componentes textuais não assegura necessariamente uma
coordenação com o conjunto dos componentes que devem ser
considerados. Por exemplo, um exercício com lacunas para o
emprego dos tempos verbais não dá acesso ao conjunto das
restrições que o contexto impõe para se efetuar uma escolha
pertinente. Enfim, a atividade isolada tende a descontextua-
lizar as práticas de produção textual. Desse ponto de vista, é
mais vantajoso realizar essas atividades altemando-as com
outros tipos de atividades centradas em uma prática comu­
nicativa que permitam a articulação dos diferentes compo­
nentes de um gênero textual.
Ao contrário dos dispositivos precedentes, o trabalho
em projeto implica que, sistematicamente, se leve em contas
situações de comunicação. Quer se trate de um projeto de
comunicação autêntico (redigir um convite para uma festa),
um projeto escolar (criação de uma coletânea de narrativas
de aventura ou a elaboração de fichas de ciências para os
outros alunos da classe) ou de um projeto de aprendizagem

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 65


(transformação do protocolo de uma experiência em quími­
ca em um texto explicativo), esses dispositivos implicam
os parâmetros contextuais.
Os seguintes aspectos devem ser tratados:

• a análise do que está em jogo nas situações;


• a adaptação ao destinatário;
• a expressão escrita como enfretamento de riscos;
• a documentação, a compilação das informações, a
elaboração e a organização das idéias;
• a consideração do conjunto de convenções de um
gênero.

O dispositivo das sequências didáticas (Dolz, Noverraz e


Schneuwly 2001) tem por objetivo, de um lado, focalizar uma
situação de comunicação e as convenções de um gênero
particular e, por outro, organizar e articular diferentes ativi­
dades escolares, a fim de que as dificuldades dos aprendizes
possam ser ultrapassadas. Esse dispositivo propõe um mo­
delo de organização das atividades que reúne diversos con­
teúdos referentes aos principais problemas de escrita
observados em uma produção inicial. Cada sequência pro­
põe uma série de ateliers de trabalho em função do obstáculo
selecionado, sendo que esse caráter modular permite a dife­
renciação entre os grupos de alunos ou dentro de um grupo.
No conjunto de várias aulas, cada sequência didática alterna
atividades referentes às situações de comunicação e ativi­
dades específicas para o exercício de novos mecanismos de
textualização ou de mecanismos que ainda não sãó domina­
dos pelos alunos, mas todas elas estando situadas no qua­
dro de um projeto comunicativo.

66 editora mercado de letras


CAPITULO VI
OS TEXTOS NARRATIVOS

I. Análise de dois textos

Neste capítulo analisaremos duas produções tex­


tuais de alunos de uma escola pública de Londrina (PR):
uma escrita por Felipe e a outra por Vera, no ano de 2009.
Não temos dados concretos que confirmem a idade e à série
escolar de Felipe, mas, ao observarmos seu texto, levanta­
mos a hipótese de que ele teria 7 anos e de que estaria
cursando o 2o ano do Ensinó Fundamental I (antiga Ia
série). No que se refere à aluna Vera, sabemos que ela
estudava no 4° ano do Ensino Fundamental I e que teria,
provavelmente, 9 anos de idade.
Tratando-se de produções textuais escolares, uma
chave importante que nos ajuda a melhor compreender os
textos dos alunos é a consigna (gênero por meio do qual se
instrui o aluno para a realização da(s) atividade(s)). Não
dispomos de nenhuma referência sobre a consigna oral, feita
pelo professor no momento em que foi dada a tarefa ao aluno,
no entanto, no texto de Felipe, consta a consigna escrita.
Mais adiante, tentaremos buscar pistas nara reconstruir a
possível consigna apresentada para a classe de Vera. Para

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 67


isso, procuraremos alguns indícios que nos permitam me­
lhor \cÕntextúalizar ajsituação^ de; produção na qual se
inserem esses dois textos. Em seguida, tentaremos recons-
truir o gênero textual em questão, outro ponto chave para
a análise e avaliação dos textos. Feito isso, apresentaremos
a nossa proposta de análise para cada um dos textos,
apontando as principais dificuldades reveladas por esses
alunos durante o processo de escrita e, para finalizar, pro-
pomos algumas pistas de trabalho em função dos princi-
pais obstáculos enfrentados por esses alunos como
produtores de texto iniciantes.

2. A situação de produção e a consigna escrita

A situação de produção implica diversos fatores, tais


como: o que os alunos estão estudando, sobre o que estão
discutindo ou lendo na sala de aula, o que o professor ou as
atividades pedem que eles façam etc. Como já foi dito ante­
riormente, o texto de Felipe partiu de uma consigna escrita,
copiada por ele mesmo:

Agora escreva uma aventura do seu personagem com a


turma do sítio.

"A turma do sítio1 ao Sítio do Picapau


Amarelo, uma das obras mais conhecidas da literatura infan-
to-juvenil no Brasil, de Monteiro Lobato, em que os persona­
gens vivem histórias mágicas. O livro foi adaptado para a
televisão e os capítulos diários permitiram que um vasto
público de várias gerações pudesse conhecer as aventuras
que se passavam nesse sítio que pertencia à Dona Benta, avó
de Pedrinho e Narizinho, as duas crianças protagonistas da
história. Os outros personagens que fazem parte da turma do
sítio são: Emília, uma divertida boneca de pano que fala;
Visconde de Sabugosa, um sábio boneco de sabugo de milho;
Tia Nastácia, a cozinheira do sítio; Tio Bamabé, o homem que

68 editora mercado de letras


ensinou Pedrinho a caçar sacis; o Saci, personagem da cultu­
ra popular brasileira que se tomou amigo de Pedrinho, entre
outros, menos importantes.
E comum que alunos como Felipe estejam ouvindo,
lendo, contando, recontando, encenando ou escrevendo his­
tórias relacionadas ao sítio nessa fase escolar. Não sabemos
realmente que tipo de atividade o professor desenvolveu com
os alunos da turma de Felipe, mas, provavelmente, foi uma
ou algumas dessas que mencionamos anteriormente. Pelo
que se constata, cada aluno deveria criar um personagem e
inventar uma nova aventura que envolvesse os personagens

No texto de Felipe, tudo leva a crer que ele mesmo é o


protagonista da história cujo título é: "o amigo do Pedrinho”,
pois ele introduz o seu próprio nome no relato. Isso mostra a
sua identificação com os personagens de sua idade presentes
na história. Contudo, em relação ao foco narrativo, não pode­
mos afirmar se o narrador é onisciente, isto é, que sabe tudo
sobre os personagens, seus sentimentos e emoções, pois o
texto é curto demais; ou se ele é um observador, que nana a
história com neutralidade. A única evidência que temos é a
de que a história é narrada em 3a pessoa, uma característica
do gênero, apesar de Felipe ter incluído seu próprio nome
como coadjuvante do personagem principal Pedrinho.
Antes de comentarmos o posicionamento do narrador
em relação à dieqese (isto é, ■a contada), gostaríamos
de chamar a atenção para a importância de se apresentar aos
alunos uma consigna bem elaborada. Ao analisarmos a_con-
signa escrita dada a Felipe (... do seu personagem...) e sem
termos acesso a informações mais específicas sobre o contex­
to em que foi dada, observamos que ela apresenta certa
ambiguidade:

Jf°a) Felipe podería acrescentar/inventar outro persona­


gem e narrar um novo episódio, em que o narrador
conta em 3a pessoa e não participa da história (nar-

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 69


rador heterodiegético). Hipótese mais plausível, a
partir da produção de Felipe.
b) Felipe poderia narrar um novo episódio envolven­
do a turma do Sítio e, ao mesmo tempo, participar
da história (narrador-personagem). Se, enquanto
narrador, ele se posicionasse como protagonista,
seria considerado um narrador autodiegético.
Entretanto, se ele se posicionasse como um per­
sonagem secundário que contasse a história dos
outros, teríamos um narrador homodiegético.

Felipe parece contar os acontecimentos a distância.


Não há nenhum indício de que ele seja o narrador desse novo
episódio da aventura, mesmo sendo um dos seus persona­
gens. Conta uma história, mas não está presente nela. Logo
trata-se de um narrador heterodiegético.
Já em relação ao texto de Vera, não temos nenhuma
informação sobre a consigna escrita e nem da oral. Nota­
mos também que não há referências a algum tema ou a
algum personagem, ou ainda, a alguma história com que
eles estivessem trabalhando em sala de aula. Trata-se de
uma história contada em terceira pessoa, cujos persona­
gens são: a menina Magali, sua mãe e um homem. Quanto
í ao foco narrativo, o narrador é observador, pois descreve o
que está acontecendo sem entrar nos pensamentos e emo-
ções dos personagens. No que se refere a seu posiciona­
mento em relação à história, o narrador é heterodiegético,
pois não é nenhum de seus personagens. Assim, para
tentar reconstruir a situação de produção do texto de Vera,
apresentamos a seguinte hipótese de consigna:

Invente/escreva uma narrativa de aventura.

t & editora mercado de letras


3. A reconstrução do gênero a partir dos índices textuais

Os textos de Felipe e de Vera pertencem a dois gêneros


distintos: conto e narrativa de aventura, ambos classificados
na categoria do narrar (Dolz et al, 2004) e criadores de um
universo de ficção. No caso do texto de Felipe, as pistas nos
indicam que se trata de um texto fictício, apresentando per­
sonagens fora do comum. A história de Felipe tem uma
abertura e um desfecho, com os personagens humanos Pedri-
nho, Felipe e Narizinho; e os personagens de outro mundo
como Emília, uma boneca de pano que fala, e o Saci, um
personagem da cultura popular brasileira. Portanto, trata-se
de um conto.
Já no texto de Vera, os personagens implicados são
construídos nos limites da realidade e são apresentados como
familiares ao escritor. A narrativa de aventura é um texto de
ficção, inventado, mas que se encontra nos limites do veros­
símil, podendo o leitor identificar-se com o personagem ou
com os personagens, (conferir Dolz et al 2001, p. 66). Sendo
assim, os diálogos, os retratos, as descrições e as ações do
personagem têm um papel importante nesse gênero textual.
Além disso, a narrativa de aventura não mistura diferentes
tipos de personagens, como no caso do conto, por exemplo.
Classificar os textos em seus gêneros respectivos faci­
lita uma análise eficaz a príori, pois o gênero predetermina
um horizonte de expectativa para quem vai avaliá-lo. Esse
horizonte permite fazer antecipações a partir das convenções
de uso dos textos, ou ainda, a partir de pontos que julgamos
pertinentes ou incontornáveis em relação a eles.
Para isso, propomos, no quadro 5, uma tabela de aná­
lise que nos dá um quadro geral para avaliar os dois textos
em função das expectativas escolares para o nível desses
alunos. Na análise dos textos de alunos apresentada mais
adiante, essa tabela nos permitirá orientar e apreciar nossa
atividade de leitor/avaliador.

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 71


TABELA 5: TABELA DE ANÁLISE A PRIORI

Dimensões ligados ao gênero Objetivos específicos

Planificação Presença de um titulo - Respeitar a estrutura canônica


do texto do texto
Começo por uma fórmula - Organizar o texto em parágrafos
de lançamento - Organizar o texto de maneira
Eventualmente, desfecho coerente
do conto com uma fórmula - Desenvolver os conteúdos em
de fechamento. função da consigna de produção

Organização do conteúdo
levando em conta leis do
gênero textual: Esquema
actandal e narrativo (que
responde a algumas dessas
questões: Quando, quem,
quais relações, como, onde,
o que, qual momento, quais
peripécias, qual resolução,
qual fim?).
Organização do conteúdo
levando em conta consignas
e o contexto de produção
Organização do todo em
parágrafos significativos

Situação de Elementos do conta - Desenvolver temas


comunicação/ nanador, personagens, lugar, - Fornecer conteúdos próprios

conteúdo tempo. Pode haver ações ou ao gênero


personagens que não são - Dirigir-se a leitores
reais, partes do conto - Adaptar o texto aos possíveis
(situação inicial com um leitores
problema, situação final em - Saber introduzir e concluir a
que o problema é resolvido). narrativa
Entre as duas partes deve
haver o que aconteceu entre
o início eo fim, etc.
Elementos da narrativa de
aventura: personagens, as
falas dos personagens,
verbos declarativos
variados, a descrição dos
personagens e do lugar
onde se passa a aventura,
partes da narrativa de
aventura (1: apresentação
dos personagens; 2:
deslocamento para o lugar
da aventura; 3: descrição
do lugar da aventura; 4: a
aventura propriamente
dita; 5: fim da aventura);
história de suspense; etc.

72 editora mercado de letras


Textualização Traços de organização - Utilizar os recursos da língua
lógica (organizadores relacionados ao gênero
textuais) - Utilizar diferentes bases temporais
Coesão verbal - Utilizar retomadas anafóricas
Coesão nominal - Utilizar marcas do diálogo de modo
apropriado
- Produzir enunciados sintática e
semanticamente corretos

A análise inspirada por esta tabela será completada


com as questões ortográficas, morfossintáticas e lexicais.

4. O texto de Felipe

FIGURA 5: O TEXTO DE FELIPE

A6ÔRA UÍCRCVh UM
Oô VJU*
po Sítio
OAlArÇo DO pEpRWHO'
0 E of-ELlPE C-ORAf/ PACEAp
y\O S[TIQ & F<5rp N\k MKFA
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SCtrOE IflRO O ÇAKl E FÓhfteczb

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FeLlfG FORAM P/ISSeflR,
O sFíLÊ- e Fü£A*3__
\ MATA , eMCONTjQ/IRAA'1
aiaRizimho e A .
emTlia , voltaram para
o srriO , viram o saci
e r>aa
enuueAR..

( uC&*w

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 73


O texto de Felipe é um texto bem pequeno, consti­
tuído por apenas um parágrafo. Tal modo de estruturá-lo
pode trazer problemas para a organização das diversas
partes da história bem como de seu conteúdo. Porém,
Felipe faz um esforço para incluir os personagens do sítio
e um novo personagem, como pedido na consigna. Como
podemos constatar, o aluno tentou escrever seu texto e fez
um desenho relativo ao fim da história. Observamos tam­
bém que a professora fez uma intervenção, re-escrevendo
a história ao lado do desenho.
Notamos a presença de um título, não observamos
uma fórmula de lançamento do tipo “Uma vez", "Um dia", no
início da história. Do mesmo modo, o fim da história não é
marcado por uma fórmula de fechamento convencional.
Como requer o gênero, termina simplesmente com um final
feliz. As crianças "foram brincar".
Em relação à cronologia, os acontecimentos relatados
não estão situados no tempo. A progressão temporal ocone
de modo linear, ou seja, as ações são contadas uma após a
outra, tal como ocorreram.
Do ponto de vista do esquema actancial, as funções
narrativas não são estabelecidas claramente. Observamos
cinco personagens apresentados sem nenhuma descrição. O
fato de terem trabalhado com as histórias do Sítio do Picapau
Amarelo antes e durante a aula, pode ter influenciado essa
ausência de descrição e das relações entre eles etc. Além
disso, provavelmente, esse aluno está iniciando-se najescrita,
Em relação ao espaço físico, sabemos que a história se
passa no sítio e também na mata, porém não sabemos como
são esses ambientes por falta de uma descrição mais especí­
fica do cenário e dos objetos que eventualmente poderíam
fazer parte da história. Podemos concluir que nem todos os
elementos do conto estão presentes no texto, pois Felipe faz
uma descrição, com abertura ("Pedrinho e Felipe saíram para
passear”) e com desfecho ("voltaram para o sítio e foram
brincar"), porém não há nenhuma complicação. Essa estru­
tura seria mais característica de um scrípt, de uma simples

74 editora mercado de letras


cronologia de acontecimentos situados todos no mesmo ní­
vel, com uma abertura e um final. De modo geral, o aluno (
conseguiu criar uma "aventura” simples e, talvez, pelo fato
de já estar familiarizado com a maior parte dos personagens
e do espaço físico (o^ sítio), acabou por negligenciar tais
aspectos em_seu_texto.
Quanto à utilização dos recursos da língua (textualiza-
çâo), o texto de Felipe mostra alguns traços de organização
lógica, como a conjunção^e^^gue, mesmo sendo a mais
simples, já é importante para mostrarqüe^ele’compreende a
necessidade de se relacionar as partes do texto. Com o tempo,
espera-se que o aluno varie os organizadores e evite, sobre­
tudo, os organizadores mais característicos da língua oral.
Em relação à coesão verbal, a base temporal da histó­
ria é perfeitamente assegurada pelo uso exclusivo do tempo
verbal pretérito perfeito. Os processos reproduzem o ordena­
mento temporal em primeiro plano, sem contrastes, postos
em segundo plano (ausência do pretérito imperfeito). Todas
as frases são narrativas e asseguram a progressão do conteú­
do temático sem elementos de informação complementares.
As retomadas dos personagens são feitas automat­
icamente pelas desinências número-pessoais dos verbos.
Como se trata de um texto relativamente curto, Felipe não
teve tantos problemas que colocassem em risco a interpreta­
ção dos leitores. O que faltoujoi um conteúdo mais minucioso
para a histópa.
Na verdade, o texto todo é organizado por uma série de
seis frases coordenadas, tendo como único sinal de pontua­
ção o ponto final. No entanto, o problema mais importante
em relação ao nível escolar de Felipe é a ortografia, pois úm
terço das palavras apresenta problemas ortográficos. Os erros
de conjugação mostram que esse aluno ainda não conhece a
morfologia verbal. Para o verbo "ir", por exemplo, conjugado
na 3a pessoa do plural do pretérito perfeito, encontramos três
maneiras diferentes de escrita: "foran / foro / fora". O mesmo
ocorre com os verbos “voltaro" e “viro". Os problemas de
conjugação verbal são gerais. As variedades da escrita e a

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 75


ausência de tratamento sistemático indicam que o aluno está
buscando uma resposta, conhece algumas variações da con­
jugação, mas não sabe identificar a que é adequada. Entre­
tanto, os conhecimentos sobre a correspondência fonográfica
começam a se consolidar. Quase todos os nomes dos perso­
nagens são sempre bem ortografados, provavelmente graças
à familiarização do aluno com esses personagens. No entan­
to, observamos um eno fonogrâmico no emprego do dígrafo
"ss"no verbo “pacear", cuja grafia correta é "passear". Obser­
va-se também uma pequena dificuldade em relação aos gra-
femas "m" e "n", visto que, às vezes, o aluno usa um no lugar
do outro: “foran", "mosítio", "ma mata". Um último elemento
a ser observado é a segmentação das palavras, que se revela
ainda um pouco confusa para Felipe nos seguintes casos:
"O-Felipe", "a_Emília", "sítio_e".

5.0 texto de Vera

Era uma vez que tinha uma menina que jantava Magali ela foi peca no rio que

tem Ia perto da casa e ela falou para a mãe dela:

- Mãe eu vou para o rio e vai traze um peixe.

E ela esta pescando e o anzol trem e ela puxou avara e saiu um peixe grande

ela pegou o peixe e foi tira uma foto com ele e falou para o home;

- Home voce fais um favor o que voe quer menina eu quero tira uma foto com

o meu pexe que eu pesque coto que paga? Paga 50 setavo tão toma o diero.

Mais a foto sai escuro e ela leva o peixe para a mãe dela fritar. Qando foi come

ela esqueseu a iscama que intalou na boca e a mãe dela salvou ela ela qasi qui

si afogou. Ela não podi come peixe com iscama que é pirigozo.

Vera - 3a. série

Seguindo o roteiro proposto por nossa grade de análise,


observamos que o texto de Vera não tem um títu[o. Em
contrapartida, há uma forma clássica de lançamento "era.
uma vez", indicando que essa história aconteceu em uma
época passada. Seu texto está estruturado em quatro pará-

76 editora mercado de letras


grafos que marcam a introdução, algumas falas dos persona­
gens e a situação final do texto. Os três personagens (a
menina Magali, sua mãe e um homem) são apresentados de
acordo com a evolução da história, mas sem serem descritos.
Sabemos também que a história se passa em um rio, perto da
casa dela. Se fizermos uma análise em função do esquema
actancial narrativo, vemos claramente uma situação inicial
(Magali que foi pescar, que tirou uma foto com seu peixe),
uma complicação (a escama que entalou na sua boca) e uma
conclusão que, mesmo sendo "brusca” e misturada com a
complicação da história, contém uma coda ou moral da his­
tória, que nos ensina a não comer peixe com escama, porque
é perigoso. Vemos que a separação entre discurso direto e
indireto ainda não está muito clara para a aluna. Mesmo
utilizando o verbo declarativo "falou" duas vezes, o último
parágrafo é uma espécie de amálgama com a fala do narrador,
da personagem com o homem que tirou a foto e da mãe. No
entanto, devemos reconhecer o esforço de Vera para empre­
gar os dois pontos, os travessões, os pontos de interrogação
etc., que marcam os tumos de falas dos personagens.
Em relação aos organizadores lógicos, constatamos a
presença excessiva do organizado|["ej. Outro organizador utili-
zado é o "mais", cuja grafia correta e "mas". Em relação a isso,
temos dois aspectos para analisar. Primeiramente, esses orga­
nizadores são característicos do uso oral da língua. Em segundo
lugar, Vera escreveu "mais" tal como é geralmente pronunciado.
Concluímos então que a oralidade influencia bastante o texto
de Vera, até mesmo em seu desenvolvimento, pois ao final já
aparece logo depois da complicação,-refletindo uma maneira
rápida de contar a aventura^
No tocante à coesão nominal, Vera mostra ter com­
preendido, em geral, a diferença de sentido entre artigo defi­
nido e artigo indefinido para retomar algo já mencionado ou
para introduzir um novo elemento. No entanto, em dois casos,
ela deveria ter prestado mais atenção, pois dois novos ele­
mentos da narração são introduzidos pelo artigo definido "o":

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 77


"no rio" (início do texto) e “para q home". No entanto, outro
problema que merece mais atenção são as retomadas anafó-
ricas (conferir a repetição da palavra peixe no terceiro pará­
grafo ou a repetição do pronome ela no último).
No que se refere à coesão verbal, constatamos que a
base temporal que assegura a coesão do texto sofre frequen­
tes alternâncias entre tempo presente, pretérito imperfeito e
perfeito, o que compromete a harmonia do texto. Às vezes,
notamos também a repetição do tempo verbal como em "e ela
está pescando e o anzol trem (grafia correta: treme)" mistura­
do com o pretérito perfeito: “ela puxou avara (sic) e saiu".
Além disso, encontramos os

1. erros fonogrâmicos: "setavo" (por centavo); "esgue-


seu" (por: esqueceu) e "perigozo" (por: perigoso).
2. erros morfogrâmicos:
• erros de concordância nominal: “50 setavo" (no
lugar de centavos); “a foto sai escuro.” (no lugar de
escura).
• erro de concordância verbal: “vai” (por: vou);
• erros de conjugação verbal: “peca” (por: pescar);
"fais” (por faz); “pesque” (por pesqueí); “sai” (por
saiu); “leva" (por: 7evou); “podi" (por: pode). Um
erro sistemático que merece atenção é o emprego
la letra “r” no fim dos verbos que estão no infini­
tivo. Em um total de 7 ocorrências, apenas um
verbo foi grafado corretamente (fritar).
• erro loooorâmico e de segmentação de palavras:
“avara " (por: a vara);

A partir dessas observações, podemos concluir que a


maior parte dos erros ortográficos cometidos por Vera deve-se
a uma interferência da língua falada na língua escrita, ou seja,
ela tem tendência para escrever as palavras tal como as ouve
no quotidiano. Finalmente, não podemos desconsiderar uma
importante característica do gênero em questão: a presença

78 editora mercado de letras


do suspense na história. É interessante que, mesmo ligeira­
mente, Vera conseguiu criar um efeito de.suspense quase no_
final da história, quando Magali foi comer o peixe com a
escama e se engasgou. A ação da mãe para salvá-la marca a
ruptura do suspense, que antecede o final da história com
uma lição: não se pode comer peixe com escamas.

5. As pistas de trabalho prioritárias

Em função das análises precedentes, trataremos dos


problemas mais importantes encontrados nos textos de Fe­
lipe e de Vera. Nossas hierarquizações são as seguintes:

a) Hierarquização dos problemas de Felipe -


. planificação textual

Í • consideração do destinatário do texto

• desenvolvimento da história
• ortografia
• conjugação verbal

b) Hierarquização dos problemas de Vera:


| • planificação textual
| • descrições dos personagens e do espaço
• uso do discurso direto/indireto
/ • repetição dos organizadores lógicos
• emprego dos tempos verbais e conjugação
I • desenvolvimento da história
• influência da oralidade na escrita
I • ortografia
\

Considerando a enumeração das principais dificulda­


des observadas nos dois alunos, constatamos que algumas
delas são as mesmas para os dois. A primeira delas, a
planificação textual, encontra-se em um nível macro do
texto, ou seja, a disposição dos parágrafos e paginação do
texto. Vera já começa a compreender que cada parágrafo é
uma "parte” do texto, seja para iniciá-lo, seja para alternar
produção escrita e dificuldades de aprendizagem 79
as falas dos personagens. Jt^Felipg/merece uma atenção um
tanto especial, pois seu texto e estruturado em apenas um
parágrafo. 0 professor podería apresentaizlhes-Vários textos
pertencentes ao gênero, simplesmente para que observem a
disposição do texto na página e os elementos de cada gêneror
Assim, eles poderão tirar suas próprias conclusões soEre
como apresentar um novo personagem, o que falar sobre ele
etc. Do mesmo modo, poderíam examinar os textos, buscando
pistas sobre os elementos espaciais do texto, tais como a
descrição do lugar, o deslocamento etcr
Para facilitar mais ainda, em uma etapa preliminar
o professor pode realizar um trabalho com a oralidade. A
partir do texto ou dos textos que os.alunos lerem, o profes­
sor pode fazer de conta que não conhece a história, assim
como todos,os-outros-alunos que não a conhecem de fato.
Sendo assim, ao contar a história oralmente, o professornode
intervir, fazendo _ perguntas, para ativar os elementos que
faltariam para-uma_melhor.interpretaç,ão_e. ambientaçãojla
z
histórícnComo era o personagem: alto ou baixo? Qual sua
idade? etc.). Na conclusão dessa etapa, o professoí/podería
chamar a atenção dos alunos para o fato de que tais elemen­
tos não podem ser esquecidos no-texto, pois todos têm algu­
ma curiosidade em tecas.informações, e descrições básicas
sobre cada personagem ou sobre o lugar da história. Isso iria
melhorar bastante o texto de Felipe, pois ele não levou em
conta que os destinatários de seu texto poderíam não conhe­
cer os personagens do sítio e acabou por negligenciar a
apresentação deles e do lugar da história.
Jaemrelação^o emprego do discurso direto e indira^
to, no casoxJeVerafAima simples observação de outros textos
não seria suficiente. Ela teria realmente que praticar a pas­
sagem do discurso direto oara o indireto. O professor podería
propor-lhe uma lista de verbos declarativos e orientá-la para
transpor as partes de um texto que apresentem o discurso
dimtCLPara.ojdiscurso indiretorAtenção especial merece ser
dada à pontuação, pois é importante que Vera compreenda
que a fala do personagem não pode amalgamar-se com a do

80 editora mercado de letras


narrador. Além disso, uma atividade semelhante pode ser
feita em relação ao uso dos organizadores lógicos. O professor
pode retirar os organizadores de um texto, dispô-los em uma
lista e pedir para que a aluna complete as lacunj^. Do mesmo

modo, ela poderá perceber que a pontuação é também muito


importante nesse caso, ao invés de construir uma longa
sequência de ações ligadas por um ou por vários organizado­
res diferentes.
Constatamos também que os verbos merecem igual­
mente ser trabalhados com os dois alunos. No caso de Felipe,
ele poderá ser incentivado a ir além, ou seja, ao invés de utilizar
apenas o passado perfeito, ele poderia fazer uso do imperfeito
para introduzir informações secundárias no texto. A seguinte
atividade seria de grande valia para esses dois alunos: o
professor poderia selecionar um texto em que os contrastes
entre os tempos verbais são bem claros (presente, pretérito
perfeito e imperfeito etc.). Usando cores diferentes para cada
tempo verbal, eles poderíam identificá-los. Esse trabalho teria
uma dupla função: primeiramente, eles poderiam elaborar
constatações sobre os tipos de informações ou de ações que
èstao relacionadas a cada tempo verbal (uma ação pontual™
ou duradourã?~No passado ou no presente? etc.). Em segundo
lugar, no quadro de uma atividade mais pontual, eles pode-
rianrrambem elaborar um quadro de constatações sobreas
terminações dos verbos (as desinências verbais), sobretudo
em relação à terceira pessoa do singular e do plural, as mais
usadas.
Para finalizar, o trabalho sobre os problemas ortográfi­
cos é também muito importante. No caso de Vera, que está
um pouco mais adiante de Felipe em relação ao nível escolar,
o hábito de consultar o dicionário é indispensável Isso pode
ser em uma fase posterior à escrita do texto, ou seja, na
releitura, ela pode melhorá-lo com a ajuda do dicionário. Ela
pode também fazer essa consulta na primeira fase da escrita,
porém há o risco de que o aluno se desmotive ou perca o fio
condutor de sua história, caso tenha de a toda hora buscar
uma palavra no dicionário. Já para Felipe, que é mais novo,

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 81


uma atividade mais lúdica, mas que apresenta a mesma
importância de uma consulta ao dicionário, pode ser propos­
ta. Trata-se de recortar em iomais-oiLrevistas as palavras que
ele tenha dificuldades para escrever. Essas palavras, selecio-
nadas pelo professor, podem ser coladas em seu caderno e/ou
em um cartaz coletivo, por exemplo. Na reescrita do textp, o
alünõ~(ou a sala toda) poderá consultá-las, de modo a não
escrevê-las incorretamente. Nada impede que a mesma ati­
vidade possa ser feita com Vera. Com essas atividades, a
intervenção didática não cone o risco de cair na monotonia e
desmotivar os alunos.

82 editora mercado de letras


CAPÍTULO VII
OS TEXTOS ARGUMENTATIVOS

I. Análise da produção textual de Lucas: o gênero


carta oficial e seu contexto de produção

O texto que utilizamos em nossa análise é uma carta


oficial de solicitação, justificada, escrita por Lucas, aluno do 3o
ano de uma escola pública de Londrina-PR, dirigida ao prefeito
da cidade. Nela, Lucas reivindica melhorias da situação de
crianças com deficiência física. Note-se que consideramos que
uma carta endereçada a uma autoridade é uma carta oficial.
O texto pertence a um gênero argumentativo. Segundo
Chartrand (1995), a argumentação opera uma reestruturação
das três funções primárias do processo de comunicação: expri­
o que seria interiorizar o outro?
mir a si mesmo e interiorizar o outro, provocar uma impressão
dele
sobre o outro e transformar seu pensamento; descrever o mundo
por meio do diálogo com o pensamento do outro.
■ Em relação ao lugar social do gênero, uma carta escrita
para o prefeito da cidade é um gênero textual que circula na
esfera pública, por meio da qual um cidadão dirige-se à
autoridade máxima do município, como por exemplo, do
Poder Executivo, referindo-se a um determinado assunto e
argumentando em prol de um ou mais objetivos.

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 83


Sobre o meio de veiculação da carta, podemos dizer
que os suportes utilizados para transmitir as cartas evoluí­
ram no decorrer do tempo, assim como as próprias cartas.
Tal evolução foi marcada, inicialmente, pelo uso do papel
manuscrito; depois, do datilografado e, mais recentemen­
te, do papel impresso. Além do mais, o e-mail também pode
ser considerado como um suporte, desde que sua forma
respeite a organização básica de uma carta.1 E importante
observarmos que, em relação à carta, o suporte é marcado
pelo gênero ao mesmo tempo em que o marca.

Tratando-se de uma correspondência oficial, o leitor


(destinatário: prefeito, reitor, diretor de banco etc.) espera,
um tratamento formal e respeitoso de seu interlocutor (de
quem escreveu a carta). Basicamente, esse tipo de carta
apresenta a seguinte planificação:

a) Data com o dia, mês, ano e lugar (cidade, por


exemplo).
b) Nome completo da pessoa a quem se dirige a carta
e o cargo por ela exercido.
c) A introdução pode ser feita por uma saudação inicial,
com os pronomes de tratamento (prezado Senhor;
Vossa Excelência (prefeitos, vereadores); Vossa Mag­
nificência (reitores de universidade etc.).
d) A idéia principal vem exposta no primeiro parágra­
fo, ou seja, expõe-se o (os) motivo (s) pelo (s) qual
(is) se escreve a carta e também os argumentos
pertinentes. Sempre com educação, com palavras
claras e simples e sem repetição.
e) Se necessário, em um segundo parágrafo, podem
ser apresentadas as idéias ou informações secun­
dárias não expostas anteriormente.
f) O fecho é a parte que encerra a carta. Uma varie­
dade de expressões encontra-se disponível, poden­
do uma delas ser escolhida de acordo com o estilo

1. Em outros contextos, em função da forma e do conteúdo temático, o e-mail


passa a ser considerado como um gênero textual de direito.

84
editora mercado de letras
de cada escritor (atenciosamente; cordiais saudações;
com elevada consideração; muito (a) agradecido (a) etc.).
g) Assinatura e nome do enunciador (de quem escreve
a carta).

Após essas breves considerações sobre a correspondên­


cia oficial, voltar-nos-emos para a produção de Lucas e, mais
precisamente, para o contexto em que a carta foi produzida. O
texto nos foi entregue tal como se apresenta na figura 1, com a
informação de que se trata da produção de um aluno de 3o ano
de uma escola pública de Londrina. Com esses dados, apenas
podemos inferir alguns aspectos das instruções do professor.
Primeiramente, esse tipo de produção é uma atividade recorren­
te nessa série, pois a escrita de Cartas (formais e informais),
bilhetes, assim como os debates orais favorecem a progressão
esperada em relação à argumentação. Por exemplo, geralmente,
no decorrer do Ensino Fundamental I, essa progressão leva os
alunos a desenvolver a capacidade de dar seu ponto de vista
sobre situações não corriqueiras, formular argumentos, hierar-
quizá-los. Uma segunda inferência é a de que pode estar haven­
do na cidade, uma campanha para a integração social de
pessoas portadoras de alguma deficiência física, ou a de que
algum aluno esteja vivendo dificuldades pelo fato de apresentar
alguma deficiência. Em terceiro lugar, podemos inferir que a
professora estivesse trabalhando com um projeto temático (so­
bre carta ou sobre portadores de deficiência física) ou com uma
sequência didática sobre a produção de cartas.

2. A reconstrução do gênero a partir dos índices


textuais e da situação de comunicação

Ao observarmos o texto de Lucas, encontramos alguns


índices de que ele escreve uma carta ao prefeito, pedindo uma
melhoria das ruas para os portadores de deficiência física. Daí
orientações
considerarmos que a mais provável das consignas dada pelo
professor tenha sido a seguinte:

Escreva uma carta ao prefeito pedindo melhorias em


favor das crianças portadoras de deficiência física^

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 85


FIGURA 6: CARTA DE LUCAS (3o ANO)

Sinhor prefeito

Nos queremu que Você merole as situasão de mininos e meninas esta com

defisiente físico nas Ruas ele entra na igreja e tei escada eles não entra não tei

nigei para por eles Ia dentro e nei uma jite que eles e elas não coiese ela e ele

e também não ce coiesem ele e ela porque eles e elas e defisiente e eles não e

defisiente eles não pode joga Bola e nei andar de Bicicrete e nei di patis e também

não pode pasia nas Ruas dos colega nei estudar Praque ele não da comta de

escrever e nei ler oque ele vai fazer na escola so llarcha e brimcar na escola Dese

jeito eles não podi pasar di ano

Obrigada porter Aterder o meu pidido Lucas

Lucas, assim como todos os outros alunos, encontra-se


em um contexto de formação escolar. A escola, na perspecti­
va vygotskyana, constitui o espaço fundamental para o de­
senvolvimento humano. Ainda nessa perspectiva, a
linguagem tem um papel crucial no processo do desenvolvi­
mento. Sendo assim, o ensino-aprendizagem de uma língua
nos permite não só acompanhar o aluno em seu desenvolvi­
mento, mas também intervir nas situações de dificuldades
como mediadoras entre os conhecimentos já apropriados
pelos alunos e os conhecimentos potenciais. Ora, se o texto
(oral ou escrito) é uma materialização da linguagem, é por
meio dele que podemos detectar os problemas e as dificulda­
des, dos alunos em relação ao nível de conhecimento espera­
do em um determinado ano.
A partir da articulação entre as idéias já expostas e as
sugestões de documentos oficiais (Brasil 1997; São Paulo 2009),
propomos a elaboração de uma lista de critérios como disposi­
tivo (conferir tabela 6) para analisar a carta de Lucas e identificar
os possíveis problemas de escrita em relação ao nível que se
espera dos alunos do 3o ano do Ensino Fundamental:

86 editora mercado de letras


TABELA 6 A
Expectativas para o 3o ano & Critérios de avaliação Apreciação
doprofessor

Representação da situação de comunicação: a plamfícação textual,


o destinatário, a sua finalidade e outras características do gênero:
- Paginação da carta
R
- Data e lugar
E
- Destinatário
C
- Saudação inicial
O
- Ideia principal
- Nome e assinatura do emissor
N
D S
Texto coeso e coerente, em função do gênero pedido, da modali­
E T
dade (escrita), dos objetivos e dos leitores:
R
c a -iw z o o w

Planificação:
U
-Apresentação do autor da carta e seu papel social (quem fala em
ç
nome de quem?
À
- Contextualização do pedido
O
- Argumentos que justificam o pedido
- Organização dos argumentos (ordem) no corpo da carta
D
Textualização:
- Presença de organizadores logico-argumentativos (porque etc.) A
> 'O

e enumerativos (primeiramente, por fim etc.).


- Expressões que implicam o enunciador (pessoalmente, penso S
O

etc.) e o destinatário (prezado senhor prefeito, senhoi). I


- Expressões que sustentam a argumentação do enunciador e T
o

marcas modais para dar sua opinião U


O

- Substituições lexicais (termos ou expressões pertinentes aos A


assuntos tratados) Ç
rr> G>

- Manutenção do tempo verbal Ã


- Emprego da regência verbal O
- Emprego da concordância nominal
z m

- Indicação por meio de vírgulas, das listas e enumerações no texto. D


70

Dimensões transversais: E
O

Consciência da escrita alfabética:


Consideração do valor sonoro e da quantidade necessária de letras C
(pistas para observação): O
a) casos em que cada grafema corresponde a um fonem e M
vice-versa U
b) d ígrafos: casos que requerem mais de um grafema para nota o N
mesmo fonema (uso do rr, qu, gu, nh, m/n antes de consoante etc.) I
c) casos em que a categoria gramatical da palavra pode decidir a C
sua forma ortográfica (Exemplos: canta(r), sonha(r): verbos no A
infinitivo; compra(ss)e, ouvi(ss)e: imp. do subjuntivo; france(s)a,
Ç
holande(s)a: adjetivos gentllicos terminados em /esa/; rique(z)a, Ã
pobre(z)a: substantivos terminados em lezal etc.). O
Utilização de recursos do sistema de pontuação, ainda que com
falhas, para dividir o texto em frases:

u Maiuscula inicial

V
Ponto final (exclamação, interrogação e reticências)
Reunião de frases em parágrafos

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 87


Escrita com ortografia convencional, mesmo que apresente algu­
i
mas falhas:
- Estabilidade de palavras de ortografia regular
- Estabilidade de irregularidades mais frequentes na escrita

Domínio da separação de palavras


(escritas sem segmentação (“de repente") e com segmentação
indevida (“de pois") podem ser recorrentes ainda.

Acentuação de palavras:
Regras gerais relacionadas à tonicidade

Outras possíveis observações

Essa tabela pode se constituir como uma base de


orientação para a análise do texto de Lucas. A flecha de­
scendente, paralela ao quadro, sugere um caminho transver­
sal a percorrer por meio do qual o professor "desconstrói” o
gênero, observando, primeiro, os aspectos mais gerais (ma­
cro) e, depois, os aspectos de nível mais profundo (micro), em
relação à situação de produção e de comunicação da carta
(aspectos linguísticos e extralinguísticos). No entanto, de
acordo com os PCNs (Brasil 1997, p. 79), “a análise daquilo
que foi ou não aprendido precisa ser realizada num contexto
em que se considere também o que foi de fato ensinado e a
maneira pela qual isso foi feito". Por isso, faltando-nos infor­
mações mais precisas sobre o momento em que o professor
deu as instruções para a atividade e sobre como ela se
desenvolvem, seguiremos com as análises das dificuldades
de Lucas sempre com hipóteses sobre o que lhe foi pedido e
sobre o que se esperava dele.
Em relação à adaptação à situação de comunicação,
notamos que Lucas tem bons conhecimentos, para seu nível
escolar, sobre as características convencionais de uma carta
formal, o que se nota pelo uso do vocativo senhorprefeito, pelo
agradecimento no fim da carta {obrigada porterAterderomeu
pidido) e pela assinatura no fim do texto. A implicação do
destinatário se dá quando Lucas inicia a carta com o vocativo;
depois, faz nova referência a ele {Nos queremu que Você) e,
por fim, agradece ao prefeito pela atenção. O papel social do
aluno (em nome de quem ele vai falar?) ora se apresenta em

88 editora mercado de letras


primeira pessoa do singular (... o meu pidido), ora em
primeira pessoa do plural (Nos queremu...), marcando o
posicionamento de um aluno-cidadão que faz um pedido
em nome de todos (dos alunos da classe ou de todos os
cidadãos), que intercede pelo bem de todas as pessoas
portadoras de alguma deficiência física. A textualização se
caracteriza, entre outros aspectos, por marcas que expres­
sam sua posição enunciativa (Nos queremu...) e as dificul­
dades dos meninos e meninas portadores de deficiência
física: não pode joga, não pode pasia, não da comta de
escrever..., não podi pasar di ano. Especial atenção deve
ser dada ao adjetivo obrigada, visto que se trata de uma
expressão muito freqüente. De acordo com a norma, todo
adjetivo deve concordar com o substantivo a que se refere;
assim, o uso do gênero masculino seria mais adequado.
Quanto à da planificação da carta, Lucas a organiza
em um só parágrafo, o que revela algumas dificuldades, tais
como: a ausência de sua apresentação do aluno, da contex-
tualização da correspondência e do pedido. Provavelmente, é
a primeira carta argumentativa, de caráter oficial, escrita por
Lucas. Todos os argumentos são de mesma natureza (com o
mesmo tópico), isto é, enumeram as situações em que surgem
obstáculos para os portadores de deficiência física. Antes de
fazer um breve comentário sobre a questão dos portadores de
deficiência física ou sobre o principal motivo que o leva a
escrever, Lucas expõe diretamente uma grande lista de argu­
mentos que apenas descrevem os problemas enfrentados por
um portador de deficiência física, sem nenhuma pausa, o que
compromete a planificação do texto. O problema da planifi­
cação relaciona-se também com a segmentação, o que será
abordado mais adiante. Para concluir esta parte da análise,
observamos que os argumentos são abundantes, ou seja, para
reivindicar uma melhoria em benefício dos portadores de
deficiência física, Lucas refere-se aos obstáculos enfrentados
por elas para poder entrar na igreja, fazer um esporte, andar
de bicicleta ou de patins, passear, estudar, escrever, ler e
passar de ano. No entanto, essa longa enumeração de argu-

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 89


mentos refere-se a um só aspecto da situação e pode não ser
suficiente para convencer o prefeito a tomar uma decisão,
pois faltam argumentos mais concretos como, por exemplo,
sugerir a instalação de rampas de acesso nos lugares públi­
cos, o nivelamento das calçadas ou ainda comentar sobre o
que mudaria em Londrina, em relação às outras cidades, se
o município adotasse uma política séria para a inclusão social
dos portadores de deficiência física.
Quanto à segmentação do texto, se seguimos a pers­
pectiva proposta anteriormente, ou seja, observar o texto
do nível macro-textual para o micro-textual, notamos a
ausência total de pontuação no fim do parágrafo, no fim
das frases (ponto final) e também a ausência de vírgulas
para indicar a enumeração dos argumentos. Em vez de
utilizar a pontuação, Lucas recorre aos organizadores tex­
tuais, com a repetição da conjunção e e, menos frequente­
mente, de porque e, praque. Ele também utiliza o advérbio
também (duas ocorrências) e a locução adverbial Desse
jeito para interligar sua argumentação. A recorrência aos
mesmos organizadores textuais é uma característica dos
alunos dessa idade. Em contrapartida, Lucas mostra um
uso correto da organização sintática das frases, pois, mes­
mo com os problemas de segmentação e de planificação, o
sujeito e o predicado, o verbo e o objeto estão sempre
dispostos um após o outro. Sem dúvida, a sintaxe é simples
e a repetição das estruturas é próxima da ordem do oral.
Já em relação à ortografia, é importante observar que
Lucas ainda demonstra não dominar o uso da letra maiúscu-
la. Ela é usada no início dos parágrafos e no início das frases,
após o ponto final, por exemplo; porém, é possível levantar a
hipótese de que ele tende a usar a maiúscula em outro
sentido, isto é, para enfatizar algumas palavras.
A propósito das escolhas lexicais, já notamos que Lu­
cas recorre sempre ao registro da língua oral, ou seja, ainda
escreve como fala. Outra hipótese que emerge do caráter oral
do texto de Lucas se refere à segmentação. Geralmente, as
crianças falam muito rápido para chamar e manter a atenção

90 editora mercado de letras


do interlocutor. Assim, com a ausência de pausas, a pontua­
ção não tem nenhum sentido, quando o registro da língua
escrita reflete o registro da língua falada. Portanto, mais um
ponto a ser trabalhado com Lucas: a segmentação do texto
na escrita, não somente para marcar as partes do texto, mas
para facilitar a compreensão do leitor, separando as frases no
nível micro e evitando uma apresentação compactada, ou
seja, sem sinais de pontuação.
Ainda duas outras considerações sobre a ortografia
e a acentuação são pertinentes. Lucas já parece ser cons­
ciente da escrita alfabética, faltando-lhe apenas alguns
ajustes. As palavras mais regulares da língua começam a
ser escritas de forma relativamente estável, como você,
meninas, com, ruas, igrejas, para, também, eles, elas, es­
cola, ano etc. No entanto, a grafia do organizador textual
porque, muito frequente no dia-a-dia, apresenta-se ainda
instável: é grafado corretamente na primeira vez em que
aparece, mas, na segunda aparece bem diferentemente e
ainda com a inicial maiúscula fJPraque).
Dificuldades com a segmentação das palavras são
ainda esperadas nessa fase, pórém, isso não significa que o
professor não deva estar atento. Ao contrário, é a partir da
observação dessas dificuldades dos alunos que ele pode
planejar atividades que concorram para um menor índice de
frequência desse problema. No caso de Lucas, observamos
a ausência de segmentação em obrigada porter...;ler oque...
por exemplo. Por fim, em relação à acentuação de palavras,
ainda existem lacunas a serem preenchidas referentes às
regras gerais de tonicidade. Lucas ainda não acentua o
pronome nós e o verbo está (3a p.s.). Em contrapartida, boa
parte das palavras mais recorrentes é acentuada correta­
mente (você, físico, não, também).

3. As principais dificuldades de Lucas

Não temos a pretensão de julgar a produção do aluno


a partir de erros e acertos, mas sim, pretendemos analisar,

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 91


observar as dificuldades de escrita encontradas em seu texto,
inserido em um contexto de ensino-aprendizagem. A partir
do que se é espera de um aluno de 3o ano (conferir tabela 1),
podemos enumerar os três principais problemas da escrita de
Lucas:

• a segmentação do texto e a marcação da planifica-


ção pelos organizadores textuais;
• a hierarquização de argumentos de mesma natureza;
• a grafia incorreta de palavras mais recorrentes, como
a do organizador textual porque (Praque), por exemplo.

A "desconstrução" do gênero, representada pela fle­


cha descendente, complementada, se possível, por uma
conversa com Lucas (diálogo exploratório para compreen­
der as intenções do aluno) pode permitir a reconstrução da
situação de comunicação (representada pela flecha ascen­
dente). As hipóteses levantadas sobre as dificuldades de
escrita na “desconstrução" serão confirmadas, ou não, na
reconstrução conjunta da ação de linguagem com o media­
dor (o professor ou um outro aluno da sala). Desse ponto de
vista, o tratamento didático da produção textual dos alunos
requer os dois processos. A dupla direção do desenvolvimento
desses dois processos é indispensável para a análise da produ­
ção textual em todas as suas dimensões, como um todo a serviço
da interação entre os indivíduos. Dessa análise emergem as
dificuldades de escrita que, por sua vez, servem como ponto de
partida e com pistas de trabalho para o professor.

4. As pistas de trabalho prioritárias

As atividades que podem ser propostas para alunos


que apresentem dificuldades quanto ao "circuito argumenta-
tivo", como as de Lucas, serão apresentadas, a seguir, em três
blocos:

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1) revisão, agrupamento de argumentos e desenvolví- .
mento de novos argumentos;
2) segmentação dos argumentos, construindo-se fra­
ses pontuadas adequadamente e organizadas em
parágrafos;
3) trabalho com a ortografia de palavras mais frequen­
tes a partir da zona proxünaJ de desenvolvimento
(ZPD), criando-se dúvidas ortográficas.

• Bloco 1: revisão, agrupamento de argumentos e de­


senvolvimento de novos argumentos

A partir da releitura da parte argumentativa da carta,


um diálogo exploratório (ou debate) pode ser feito com o
aluno para permitir a emergência de novos argumentos
(processo de desconstrução e reconstrução da situação de
comunicação), pois todos os argumentos utilizados em seu
texto referem-se apenas à situação e aos obstáculos enfren­
tados pelas crianças e meninas portadoras de deficiência
física (entrar na igreja, passear, estudar etc.).
Assim, uma primeira atividade pode ser realizada
para melhor organizar esses argumentos, de modo a se
evitar a repetição e se ampliar os temas de argumenta­
ção. Para isso, novos argumentos referentes a outros
aspectos poderíam ser acrescidos à carta para tomá-la
mais convincente. No entanto, uma atividade que pode
levar o aluno a tomar consciência desse processo de
enriquecimento dos argumentos não é simples. Desse
modo, em vez de abordar diretamente os argumentos de
Lucas, um caminho secundário, que permita a reflexão
sobre a natureza dos diversos tipos de argumentos, pode
ser útil para o melhoramento do texto em uma etapa
posterior. Tal atividade pode ter como eixo norteador o
seguinte princípio: o professor lança um tema e o aluno
apresenta o máximo de argumentos possíveis, como no
exemplo da página seguinte.

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 93


Depois de os alunos escreverem os argumentos, eles
poderão escolher três deles que lhes pareçam importantes
para uma nova carta mais bem estruturada.

• Bloco 2: segmentação dos argumentos em frases e


parágrafos e com pontuação adequada

Até agora trabalhamos com a variação de argumen­


tos, ou seja, propusemos uma atividade que pode ampliar
os temas para a argumentação. Resta-nos propor uma
atividade que permita dispor esses argumentos no texto,
ou seja, trabalhar com a segmentação textual, como por
exemplo, a própria articulação dos argumentos apresenta­
dos na atividade anterior.
Desse modo, podemos propor uma lista de organiza­
dores lógico-argumentativos, os mais simples, e também
os sinais gráficos mais recorrentes de pontuação. Primei­
ramente, os alunos serão orientados a criarem uma ou mais
frases a partir dos argumentos do exercício anterior, intro­

94 editora mercado de letras


duzindo um ou mais conectivos em cada quadro. É importan­
te também orientá-los para perceberem que a vírgula é uma
ótima aliada para enumerar os argumentos de mesma natu­
reza, que uma frase inicia-se sempre com uma letra maius­
cula e termina com um ponto final. Feito isso, os alunos
poderão numerar os quadros de acordo com o grau de impor­
tância que atribuem a cada um (Por que esse primeiro? Por
que esse no meio? Por que esse no fim? etc.):

Primeiramente Em segundo lugar Finalmente

De uma parte De outra parte Por fim

ABCBEE F
GH í J KL^ Maiúscula inidal
N«PWRST
UVwXYZ>

Argumentos desenvolvidos pelos alunos

O mesmo princípio dessa atividade pode ser trans­


posto para a reescrita da carta, ou seja, o professor pode
orientar os alunos para reagrupar seus argumentos (que já
estavam na carta), de acordo com um tema ou com a

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 95


natureza dos argumentos (lazer: jogar bola, andar de patins...;
escola: estudar, ler, escrever... etc.), com o emprego dos orga­
nizadores textuais e pontuação adequada. Em seguida, po­
dem eliminar os que se repetem e, acrescentar os novos
argumentos criados durante a atividade do bloco 1. Assim,
os quadros que apresentam idéias mais ou menos próximas,
podem ser juntados em um só parágrafo, ou, se não, cada
quadrinho poderá constituir um parágrafo, dependendo da
situação. Portanto, esperamos que o professor possa ajudar o
aluno a reconstruir naturalmente seu texto, em vez de avaliá-
lo como certo ou errado, curto ou longo etc.

• Bloco 3: ortografia

O terceiro e último bloco de atividades que podem ser


propostas relaciona-se à tomada de consciência, por parte do
aluno, da correta grafia das palavras mais frequentes na
língua. Essa atividade requer um pouco mais de trabalho do
professor, mas pode trazer resultados muito positivos para a
aprendizagem dos alunos. A idéia resume-se ao fato de o
professor fazer uma seleção de mais ou menos dez palavras
que representam uma dificuldade no próprio texto do aluno.
Cada um deles receberá seu texto com as palavras sublinha­
das pelo professor e com uma ficha com as mesmas palavras
(I). Ao lado, haverá um espaço em branco para que eles
possam escrever uma questão ou uma pista de reflexão (ten­
tar descobrir o que há de estranho na palavra, questionando-
se, inicialmente, se se trata de um verbo, um substantivo, um
adjetivo etc.) (II). Por fim, após ter passado pelas duas primei­
ras etapas, no espaço que ainda resta na ficha, o professor
criará uma nova coluna em branco (colando a carinha sorri­
dente na ficha de cada um) para a rescrita correta da palavra.
Consultas ao dicionário, a livros, revistas, aos colegas e ao
professor são de grande importância para essa atividade.
Vejamos uma sugestão que pode ser aplicada para se
trabalhar o texto de Lucas:

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Queremu

Mininos

Tei

Nigei

Nei

Jite

Coiese

Bicicrete

Patis

Pasia

Comta

Llarcha

Brimcar

Podi

Pasar

Di

Obrigada

Aterder

Pidido

Ressaltamos que não é necessário entregar uma


ficha grande como essa que apresentamos, pois colocamos
o maior número de palavras possível a título de ilustração.
Preparando as fichas de todos os alunos, o professor poderá
conhecer a realidade de toda a classe, observando quais
são as palavras que apresentam mais dificuldades para os
alunos. A elaboração conjunta de um cartaz com essas
palavras também pode ser bastante produtiva.
Por fim, com nossa proposta, esperamos, de forma
natural, demonstrar que as dificuldades de escrita podem ser
superadas de um modo diferente em que a tomada de cons-

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 97


ciência sobre os "desvios" que os alunos apresentam em
relação a uma determinada convenção do gênero ou da
ortografia é muito mais importante do que avaliar o texto
a partir de critérios tradicionais e ultrapassados como certo
x errado. Nessa perspectiva, o papel do professor é o de
mediar a aprendizagem, e não o de ser um transmissor do
conhecimento. E ele quem vai gerar o funcionamento dos
dois processos indispensáveis para o tratamento didático
do texto (“desconstrução do gênero" e "reconstrução da
situação de comunicação") e promover a conscientização
dos alunos de que a linguagem é uma rica ferramenta para
a comunicação, para a interação do dia-a-dia, e que com
ela podemos "ir sempre mais longe”, ou seja, conseguir
melhorias para os portadores de deficiência física, comprar
um sorvete, escrever um bilhete etc. Assim, o ensino-
aprendizagem que prepara o aluno para as situações reais
da vida, lhes dará prazer, pois òs alunos poderão ver con­
cretamente onde e como os temidos conteúdos gramaticais
ou a escrita correta das palavras, por exemplo, serão úteis
para conseguirem alguma coisa nas diferentes interações
de que participam em seu meio social.

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À GUISA DE CONCLUSÃO

Finalizando, queremos insistir sobre o caráter intro­


dutório e limitado deste livro. Estamos convencidos que o
professor precisa de elementos para avaliar as produções
escritas dos alunos. A teoria dos gêneros textuais na escola
(Schneuwly e Dolz, 2004) mos traz elementos para melho­
rar essa avaliação. Concretamente, esforçamo-nos em ca­
racterizar os textos produzidos pelos alunos segundo essa
teoria, e, sobretudo, em propor um método para identificar
suas capacidades e suas dificuldades na escrita, de modo
a adaptai melhor o trabalho do professor na aula. As ativi­
dades escolares e as pistas de trabalho apresentadas sobre
os gêneros narrativos e argumentativos poderão servir de
exemplo para os professores.
Gostaríamos de ter desenvolvido análises de outros
gêneros textuais, pois as pistas didáticas aqui propostas são
apenas um esboço e mereceríam uma apresentação mais
detalhada. Nesse sentido, outros trabalhos e publicações
deverão completar essa nossa abordagem.
Acreditamos que as análises de outros gêneros tex­
tuais (artigos enciclopédicos, explicações científicas, receitas
culinárias, textos de instruções etc.) produzidos por alunos
brasileiros são importantes para adaptar as sequências didá-

produção escrita e dificuldades de aprendizagem 99


ticas às necessidades e aos problemas de escrita dos alu­
nos, pois, ao utilizar as produções dos próprios alunos,
pesquisadores e professores têm um vasto campo para
continuar o trabalho.
Sabemos que estes abordam diariamente a escrita em
suas salas de aula. Esperamos que este livro possa auxiliar os
que se iniciam na profissão e a todos que querem aperfeiçoar
seu trabalho, dispondo de novas ferramentas para enfrentar
as diversas dificuldades de aprendizagem de seus alunos.
Atualmente, o Brasil vive um momento particular no
combate ao analfabetismo funcional. A generalização da
aprendizagem da leitura e da escrita para todos os brasi­
leiros é uma urgência. Ao escrever e adaptar esta obra para
a realidade brasileira, buscamos modestamente, contri­
buir, para esse processo. Para escrever o futuro e ensinar a
escrevê-lo, é preciso construir ferramentas. As que foram
aqui apresentadas são simples exemplos, esperamos que
sejam multiplicadas pelos professores brasileiros no trabalho
diário com seus alunos.

100 editora mercado de letras


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informatif à 1'école secondaire. Tese de doutorado
em Ciências da Educação. Genebra: Universidade
de Genebra.

110 editora mercado de letras


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í
Esta obra fài impressa em papel

Imune offset 15 gs. Instrução Nor­

mativa SRF nV 71 d e 24 Agos to

de 2001. Na apafoi utilizado

Papel Supremo£50 gs. Lamina-

ção fosca. I mpréssão e acaba­

mento por processo digital offset

pela Viena Gráfica e Editora a

partir de arquivos do editor.

Impressão e Acabamento:

viena'
grâfica&
editora
Joaquim Dolz - Professor em Didática de Línguas na \
Universidade de Genebra, pesquisador sobre o ensino da
produção oral e escrita, é um dos pioneiros do ensino em
sequências didáticas. Depois de ter trabalhado diversos anos como
formador de professores e como colaborador cientifico no
Departamento de Instrução Pública do Cantão de Genebra (Suíça),
realiza pesquisas sobre o ensino das línguas e a formação dos
professores, como um dos coordenadores do Grupo de Pesquisa e
Análise do Francês Ensinado (GRAFE) e do Grupo de Pesquisa
sobre a Formação dos Professores em Didática das Línguas
(FORENDIF). Autor de diversos livros e numerosos artigos
científicos, publicou em colaboração com Bernard Schneuwly o
livro Gêneros orais e escritos na escola (Mercado de Letras 2003)
e, em colaboração com Edmée Ollagnier, O enigma da
competência na educação, ambos em língua portuguesa.

Roxane Gagnon - No Quebec, a autora ensinou francês como


primeira língua no ensino fundamental e médio e como segunda
língua a adultos anglófonos, Desde 2005, trabalha na equipe do
professor Joaquim Dolz, especialista em didática na Universidade

de Genebra. Seu doutorado trata da formação de professores no


ensino da argumentação oral. A autora, especialista na formação
de professores, tem grande interesse em pesquisas sobre a
produção textual, e a expressão teatral, assim como, o papel das
mesmas no ensino-aprendizagem.

Fabrício Decândio - Licenciado em Letras-anglo-portuguesas pela


Universidade Estadual de Londrina (UEL) em 2007. Foi estudante
da Habilitação Opcional em Língua e Cultura Francesa da UEL
(2006-2007). Atuou como bolsista-pesquisador PlBIC/CNPq com
trabalhos enfocando o ensino de língua portuguesa e formação de
professor. Atualmente, é estudante de mestrado em "Análise e
intervenção nos sistemas educativos", na Faculdade de Psicologia
e Ciências da Educação da Universidade de Genebra, e professor
de língua portuguesa para estrangeiros na Suíça.
Esta é a produção escrita de Lucas, um aluno de 3B ano:

dinhor prefeito

Nos querejiw que Você merole as situasõo de mininos e meninas esta com

defisiente fisico nas Ruas ele entra na igreja e tei escada eles nõo entra nõo

tei nigei para por eles Ia dentro e nei uma jite que eles e elas nõo coíese ela

e ele e também nõo ce coiesem ele e ela porque eles e elas e defisiente e

eles nõo e defisiente eles nõo pode joga fbla e nei andar de Picicrete e nei

di patis e lambem nõo pode pasia nas Ruas dos colega nei estudar Fraque ele

não da comta de escrever e nei ler oqUe ele vai fazer na escola so llarcha e

brimear na escola X>ese jejto eles nõo podi pasar di ano

Obrigada porter Akrdtr o meu pidido luoas

Como avaliar as capacidades de produção textual de Lucas?


Considerando sua idade, quais são os obstáculos que ele deve
ultrapassar para redigir uma carta ao prefeito da cidade, pedindo
melhorias em prol das crianças portadoras de deficiência física?

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