O Princípio Antrópico e o Debate Entre Ciência e Religião
O Princípio Antrópico e o Debate Entre Ciência e Religião
O Princípio Antrópico e o Debate Entre Ciência e Religião
https://www.faraday.st-edmunds.cam.ac.uk/resources/Faraday%20Papers/Faraday%20Paper%204%20Polkinghorne_PORT.pdf
https://www.faraday.st-edmunds.cam.ac.uk/resources/Faraday%20Papers/Faraday%20Paper%204%20Polkinghorne_EN.pdf
John Polkinghorne
Sobre o Autor
O Reverendo Dr. John Polkinghorne KBE FRS trabalhou com física teórica de partículas elementares por 25
anos; foi Professor de Física Matemática na Universidade de Cambridge e, em seguida, Presidente do
Queens’ College, em Cambridge. O Dr. Polkinghorne é membro da Royal Society, foi o Presidente Fundador
da International Society for Science and Religion (2002-2004) e é autor de numerosos livros sobre ciência e
religião, incluindo Science and Theology (Londres: SPCK, 1998).
Resumo
A vida baseada em carbono pode se desenvolver apenas em um universo notavelmente específico, no
tocante às suas leis naturais. Possíveis explicações para este ajuste-fino apelam, ou a conjecturas sobre um
multiverso, ou ao conceito de criação. O artigo compara essas explicações concorrentes.
O universo que nós observamos hoje se originou há cerca de 13.7 bilhões de anos atrás, de um estado
singular de densidade e temperatura extrema que denominamos coloquialmente como o “Big Bang”.
O universo, em sua infância, era estruturalmente muito simples, consistindo de uma bola quase uniforme
de matéria/energia em expansão. Uma das razões porque os cosmologistas podem falar com um
considerável grau de confiança sobre esta época inicial é que as coisas então eram simples, tornando fácil
a construção de modelos nos dias de hoje. Depois de quase quatorze bilhões de anos de processo
evolucionário, o universo se tornou muito complexo, sendo que o cérebro humano (com seus 10 11
neurônios e suas mais de 10 14 conexões) o mais complicado sistema que a ciência já encontrou em sua
exploração do mundo.
Os processos evolucionários envolvem a interação entre dois aspectos do mundo natural que, em forma de
“slogan”, podemos rotular como “acaso e necessidade”. Apenas uma pequena proporção do que é
teoricamente possível efetivamente aconteceu, e o “acaso” é responsável pelos detalhes contingentes dos
eventos acontecidos. Na infância do universo, por exemplo, havia apenas flutuações sutis na distribuição
da matéria. Estas heterogeneidades forneceram as sementes casuais das quais a estrutura granulada das
galáxias e estrelas viria a crescer. Os detalhes efetivos desta estrutura cósmica foram causados pelo acaso,
mas o processo envolveu também uma “necessidade” normatizada na forma da ação da gravidade.
Um pouquinho mais de matéria em um ponto implicaria uma atração gravitacional mais forte para este
ponto, iniciando um processo de bola-de-neve pelo qual as galáxias se condensaram.
A ideia central do Princípio Antrópico (PA) é a de que o caráter específico da necessidade normatizada teve
de assumir uma forma muito particular – frequentemente expressa com a metáfora do “ajuste-fino” das
1
leis da natureza – para que o aparecimento do anthropos viesse a se tornar possível dentro dos limites da
história cósmica. Em outras palavras, a mera exploração evolucionária do que pode acontecer (ao acaso)
não teria sido suficiente se a regularidade normatizada do universo (necessidade) não houvesse assumido
a forma altamente específica que é necessária para gerar potencialidade biológica. O universo tinha
1
Termo grego para “seres humanos” – sem significar literalmente, aqui, a humanidade com suas particularidades, mas com o
sentido geral de complexidade própria da vida baseada em carbono.
bilhões de anos de idade quando a vida apareceu, mas ele já estava prenhe desta possibilidade desde o
princípio.
Vários insights científicos se combinam para conduzir a esta conclusão inesperada. Eles se relacionam a
processos que aconteceram em diferentes estágios da história cósmica, começando por uma fração
diminuta do primeiro segundo após o Big Bang, passando pela primeira geração de estrelas e galáxias, e
atingindo os processos que se desdobram no cosmo atualmente. Será suficiente indicar alguns exemplos que
ilustram o tipo de raciocínio envolvido na questão. Para tratamentos mais abrangentes e detalhados, pode-se
2
recorrer a estudos mais minuciosos .
A Especificidade Antrópica
Para possibilitar a vida baseada em carbono, as leis que operam no universo se sujeitam a algumas
restrições.
1. Caráter Aberto
A ciência reconhece cada vez mais que a emergência de novidade genuína depende da existência de condições que
poderiam ser descritas como “no limite do caos”, significando que, sob tais condições, regularidade e abertura,
ordem e desordem, aparecem sutilmente entrelaçadas. Condições dominadas por uma ordem rígida são muito
inflexíveis para permitir o aparecimento de algo realmente novo. Rearranjos de elementos já existentes são
possíveis, mas não pode haver genuína novidade. Por outro lado, condições muito desorganizadas apresentam uma
instabilidade cuja implicação é que nada novo pode persistir. A história conhecida da evolução biológica ilustra a
discussão acima. Se não houvesse mutações genéticas, a vida jamais desenvolveria formas novas; se houvesse
mutações em demasia, as espécies sobre as quais a seleção natural atua jamais teriam se estabelecido para tanto. O
caráter básico da lei física é o mecanismo quântico, cujas conseqüências incluem tanto a confiabilidade (p.ex. a
estabilidade dos átomos) quanto a abertura (a imprevisibilidade de diversos efeitos). É plausível que tais
características tenham sido necessárias para o surgimento da vida, que teria sido impossível em um universo
governado pelo determinismo Newtoniano.
2. Arranjo Global
A estabilidade das órbitas planetárias, uma necessidade óbvia para o desenvolvimento da vida em qualquer planeta,
deriva do fato de a gravidade obedecer a uma lei que, matematicamente, é um inverso ao quadrado. Uma lei que
fosse o inverso ao cubo, por exemplo, teria feito o sistema solar incapaz de se manter coerente por qualquer período
significativo de tempo. O caráter de “inverso ao quadrado” da gravidade está ligado às dimensões do espaço. Se o
espaço fosse quadridimensional, ao invés de tridimensional, a gravidade poderia realmente ter sido um inverso ao
cubo.
3. Especificidade Quantitativa
Quatro forças fundamentais da natureza operam em nosso universo. A intensidade de cada uma é determinada
pelos valores de quatro constantes naturais correspondentes. A constante de estrutura fina, também conhecido
como constante de Sommerfeld, geralmente registrada pela letra grega alfa ( α), é uma das física que caracteriza a
força da interação eletromagnética entre partículas primárias carregadas.
Especifica a força do eletromagnetismo; a constante gravitacional de Newton (G) especifica a força da gravidade; e
duas constantes especificam a intensidade
das forças nucleares, gs para as forças fortes que mantém o núcleo atômico reunido e
gw para as forças fracas, que são responsáveis por alguns decaimentos nucleares e também controlam as interações
2
Barrow, J.D. e Tipler, F.J. The Anthropic Cosmological Principle, Oxford University Press (1986); Leslie J. Universes, Londres:
Routledge (1989); Holder, R.D. God, the Multiverse, and Everything, Aldershot: Ashgate (2004).
dos neutrinos. As magnitudes de todas essas constantes devem ser firmemente delimitadas caso se queira um
universo capaz de produzir vida.
Onde α é igual ao quadrado da relação entre a carga elementar do elétron (e) dividido constante de Plank
(h)
-11 3 -1 -2
Constante gravitacional G = 6,67428 10 m Kg S
O princípio antrópico é um argumento controverso de por que a constante de estrutura fina tem o valor que faz:
matéria estável e, portanto, a vida e os seres inteligentes, não poderia existir se o seu valor eram muito diferentes.
Por exemplo, se alterar o valor de α em 4%, a fusão estelar não produziria o átomo de carbono, e então a vida
baseada em carbono seria impossível. Se α fosse maior em (> 0,1), a fusão estelar seria impossível e não há lugar no
universo seria quente o suficiente para a vida como a conhecemos.
Se gw fosse um pouco menor, o universo primitivo teria convertido todo o seu hidrogênio em hélio antes mesmo
de esfriar a um grau abaixo da temperatura na qual os processos cósmicos nucleares cessam. Tal significaria não
apenas a total ausência de água, tão essencial à vida, mas também a existência exclusiva de estrelas de hélio, cuja
duração seria insuficiente para sustentar o desenvolvimento da vida em qualquer de seus planetas. Se gw fosse um
pouco maior, as explosões de supernovas teriam sido inibidas.
Este último fato poderia ter sérias consequências para os processos elaborados e delicadamente equilibrados pelos
quais a matéria prima química da vida é feita. Sendo o universo primitivo tão simples, produziria apenas os dois
elementos mais simples: hidrogênio e hélio. Ambos têm uma química muito maçante para proporcionar a base de
qualquer coisa tão interessante como a vida. Esta requer mais de vinte outros elementos, o carbono acima de tudo,
cujas propriedades químicas possibilitam a formação de longas moléculas em cadeia que fornecem a base
bioquímica da vida. O único lugar no universo onde o carbono é feito é o interior das fornalhas nucleares das
estrelas. Todos os seres vivos são feitos de poeira estelar. Desembaraçar a cadeia de interações nucleares pelas
quais o carbono e os elementos pesados são produzidos foi um dos triunfos da astrofísica do século XX. Fred Hoyle
foi um pioneiro neste trabalho. Ele notou que a produção estelar do carbono só era possível porque havia uma
ressonância (um efeito de grande amplificação) ocorrendo em um nível de energia particular no carbono, sendo ao
mesmo tempo ausente qualquer ressonância similar no oxigênio, o que impediu a perda do carbono, que em caso
contrário teria em sua totalidade se tornado oxigênio. Essas propriedades nucleares detalhadas dependem do valor
de gs, e se este valor tivesse sido diferente, o carbono poderia não ter existido, e não teríamos vida baseada em
carbono. Ao se aperceber disto, Hoyle, embora ateu, teria dito que o universo era uma “coisa feita”. Ele não
conseguiu aceitar que um ajuste-fino tão significativo fora meramente um acidente feliz.
Dentro de uma estrela não é possível produzir elementos químicos mais pesados que o ferro, a mais estável das
espécies nucleares. Consequentemente, dois problemas permanecem: como produzir os elementos pesados, alguns
dos quais são necessários à vida, e como fazer com que os elementos mais leves saiam de dentro da estrela que os
produziu. A explosão de supernova resolve ambos os problemas, uma vez que as interações de neutrino que a
acompanham também produzem elementos mais pesados que o ferro; mas apenas se gw assumir um valor
apropriado.
As estrelas têm um segundo papel a desempenhar na viabilização da vida, pelo simples fato de proporcionarem
fontes duradouras (bilhões de anos) e relativamente estáveis de energia para alimentar o processo. Isto requer uma
razão entre eletromagnetismo e gravidade (a para G) situada dentro de limites estreitos – de outro modo as estrelas
queimariam tão furiosamente que viveriam apenas uns poucos milhões de anos, ou tão fracamente que seriam
inúteis à vida.
Muitas outras restrições antrópicas poderiam ser mencionadas. Uma das mais precisas se relaciona à constante
cosmológica (l), um parâmetro associado a um tipo de antigravidade, que causa uma repulsão na matéria. A
possibilidade de um l diferente de zero foi reconhecida por Einstein, mas logo se viu que se tal força existisse, seria
necessariamente algo muito suave, caso contrário o universo teria se dispersado muito rapidamente. Atualmente
-120
sabemos que o valor de l não pode diferir em mais do que 10 da intensidade naturalmente esperada. Isto
representa um grau extraordinário de ajuste-fino necessário.
Roger Penrose enfatiza que o universo parece ter começado com um nível de organização extremamente alto (baixa
entropia). Acredita-se que isso esteja intimamente relacionado às propriedades termodinâmicas do universo, e até
mesmo, possivelmente, à natureza do tempo. Penrose estima a probabilidade de isso acontecer por acaso de uma
123
em 10 .
11
Outra necessidade antrópica é o tamanho do universo observável, com suas 10 galáxias, cada uma com uma média
11
de 10 estrelas. Conquanto tal imensidão possa às vezes parecer intimidante aos habitantes do que, efetivamente,
não passa de um grão de poeira cósmica, não deveríamos nos sentir mal, porque apenas um universo ao menos tão
grande como o nosso poderia ter durado os quatorze bilhões de anos necessários para que seres humanos
entrassem em cena. Qualquer coisa significantemente menor teria uma história breve demais para tanto.
5. Considerações Biológicas
A complexidade da biologia, em comparação com a física, torna muito mais difícil derivar restrições antrópicas
diretamente de detalhes dos processos biológicos. Está claro, no entanto, que a vida depende em muitos aspectos
3
de detalhes das propriedades da matéria neste universo . Um simples exemplo é a anômala propriedade da água de
expandir-se quando congelada, desse modo impedindo que os lagos se congelem até o fundo, o que mataria
quaisquer formas de vida em seu interior. Mudanças no valor de a poderiam alterar essas propriedades.
Esta seção esboçou algumas das considerações a partir das quais se torna claro que um universo antrópico é
realmente um universo muito particular. É também digno de nota que, muito embora as constantes da natureza
3
Ver Denton, M.J. Nature’s Destiny, New York: The Free Press (1998).
sejam restringidas por múltiplas condições, há um conjunto de valores que satisfaz a todas consistentemente, um
fato em si mesmo extraordinário, no tocante à constituição do mundo. ~
Interpretação.
Todos os cientistas concordam em que a fábrica física do universo precisou assumir uma forma muito particular para
que a vida baseada em carbono fosse capaz de evoluir ao longo de sua história. O desacordo começa quando se
discute qual seria a significância desse fato tão notável.
Para muitos cientistas, o ajuste-fino cósmico veio como um choque indesejado. Profissionalmente, os cientistas
aspiram à generalidade, e por isso muitos se tornam excessivamente desconfiados quanto ao particular. A sua
inclinação natural é acreditar que nosso universo seja simplesmente um espécime perfeitamente típico do que um
cosmo deveria ser. O Princípio Antrópico mostrou que não é assim, que nosso universo é antes muito especial; um
em um trilhão, por assim dizer. Reconhecer isso pareceu uma espécie de revolução anti-Copernicana. Obviamente,
os seres humanos não vivem no centro do cosmo, mas a estrutura física intrínseca deste mundo teve de ser
restringida dentro de estreitos limites para que a evolução da vida baseada em carbono fosse viável. Alguns também
temeram ter detectado uma indesejável ameaça de teísmo. Se o universo foi dotado com potencialidades finamente
ajustadas, isto poderia indicar que há um divino “ajustador”.
Hume insistiu em favor da aceitação das propriedades da matéria como um fato bruto, mas o ajuste-fino da natureza
torna intelectualmente insatisfatório parar nesse ponto a busca pela compreensão nesse ponto’
Uma forma bastante nova de argumento do design voltava à agenda. A idéia Darwiniana retirara a força do velho
argumento do design para a existência de Deus, perseguido no passado por pessoas como John Ray e William Paley.
Eles apelavam para a aptidão funcional dos seres vivos, mas o pensamento evolucionário mostrou como a paciente
acumulação e peneiração de pequenas diferenças poderia levar ao aparecimento de design sem implicar a
intervenção direta de um Designer divino. Teólogos vieram a reconhecer que o tipo antigo de teologia natural
cometera o erro de pôr-se como uma rival da ciência dentro dos legítimos domínios dessa última, tentando lidar com
questões tais como a da origem do sistema ótico do olho dos mamíferos, cuja resposta se encontra no âmbito da
competência biológica. Esta crítica não poderia ser feita ao novo argumento, que apela para a potencialidade
antrópica. A nova teologia natural buscou ser complementária em relação à ciência, ao invés de competir com ela. A
sua preocupação foi com as próprias leis da natureza, algo que uma ciência honesta não pode explicar porque
precisa assumir como a própria base carente de explicações de seu relato detalhado dos acontecimentos. David
Hume insistiu em favor da aceitação das propriedades da matéria como um fato bruto, mas o ajuste-fino da natureza
torna intelectualmente insatisfatório parar nesse ponto a busca pela compreensão. Hume criticou o velho
argumento do design como sendo demasiadamente antropomórfico, como se a obra do Criador pudesse
apropriadamente ser comparada à de carpinteiros construindo um navio. Essa crítica não se aplica aos argumentos
antrópicos, desde que a dotação da matéria com potencialidades intrínsecas não tem análogo humano. Em termos
das palavras hebraicas empregadas no Antigo Testamento, o ajuste-fino corresponde a bara (uma palavra reservada
para a atividade divina), ao invés de asah (“criação”, usada para tanto para Deus quanto para os humanos).
O primeiro passo no debate sobre a interpretação foi a distinção entre as várias formulações do Princípio Antrópico.
A mais modesta delas foi o Princípio Antrópico Suave (PAS), o qual simplesmente afirmava a idéia de que o caráter
do universo que observamos deve ser consistente com a nossa presença em seu interior como seus observadores. À
primeira vista, pode não parecer uma afirmação muito interessante. É claro, por exemplo, que não há nada
surpreendente em vermos um universo com cerca de quatorze bilhões de anos, desde que seres com o nosso grau
de complexidade não tenham emergido à cena em uma época anterior. Entretanto, como vimos na seção prévia, as
investigações científicas têm mostrado que condições plenamente antrópicas estão muito longe da trivialidade, pois
incluem restrições tais como o estabelecimento de limites estreitos para os valores das constantes da natureza que
definem próprio o tecido físico do mundo.
Algumas pessoas foram então levadas a definir um Princípio Antrópico Forte (PAF), alegando que o universo teve
necessariamente que ter tais propriedades para permitir que a vida se desenvolvesse nele em algum momento. O
problema com a proposta é o que poderia ser a fonte da afirmada necessidade. O PAF é uma declaração fortemente
teleológica. O crente religioso ficará feliz em fundar essa necessidade na vontade do Criador, mas o status do PAF
como uma reivindicação puramente secular é misterioso. Certamente não parece se fundar na própria ciência.
Duas outras formas de Princípio Antrópico são algumas vezes discutidas. O Princípio Antrópico Participativo (PAP)
afirma que observadores são necessários para trazer o universo à existência. Certo apelo é feito aqui a uma polêmica
4
interpretação da teoria quântica que fala em termos de uma “realidade criada pelo observador” , mas é difícil crer
que o universo não “existiu” até que os observadores tenham aparecido. Há também o Princípio Antrópico Final
(PAFi), segundo o qual uma vez que o processamento inteligente de informação tenha se iniciado no universo, ele
deve continuar para sempre. De novo, é difícil encontrar uma fonte secular para a alegada necessidade. PAP e PAFi
parecem ainda menos satisfatórios do que PAS.
Outra linha de ataque ao raciocínio antrópico tentou atenuar a reivindicação de particularidade cósmica apontando
que, na verdade, nós temos apenas um universo para estudar; mas como tirar conclusões significativas de uma
amostra única? Bem, com exercícios de imaginação científica poderíamos visitar outros universos possíveis que
seriam razoavelmente similares ao nosso. A consideração, na seção anterior, de mundos cujas constantes da
natureza assumiriam valores diferentes daqueles do presente universo seria um exemplo. Nessa coleção nocional de
mundos vizinhos, descobrimos que apenas um conjunto muito estreito poderia compartilhar da potencialidade
antrópica com o nosso mundo efetivo. Com certeza isso seria suficiente para estabelecer um grau de especificidade
que clama por um tipo de compreensão metacientífica da particularidade antrópica.
Uma proposta mais modesta e realista sugere que algumas coincidências antrópicas sejam vistas como
conseqüências de uma teoria mais profunda, de tal modo que o ajuste-fino se torne desnecessário. Um possível
exemplo disso é o caso do delicado equilíbrio entre efeitos expansivos e contrativos no próprio universo primitivo
que discutimos anteriormente. Conforme se aceita hoje, quando o universo alcançou cerca de 10-35 segundos de
idade, ocorreu uma transição de fase cósmica (uma espécie de fervura do espaço) que, por um curto período,
expandiu o cosmo com incrível rapidez. Este processo, denominado “inflação”, poderia ter uniformizado o universo e
criado o balanceado equilíbrio entre as tendências expansivas e contrativas que observamos agora. Mas a própria
inflação requereria, para atuar satisfatoriamente, que o GTU operante no universo tivesse uma forma restrita, de
modo que a particularidade antrópica não fosse perdida, mas empurrada mais profundamente no tecido do mundo.
‘Você está a ponto de ser executado e os rifles de atiradores de elite estão apontados para o seu peito. Um oficial dá
a ordem para abrir fogo...’
5
Ao invés disso poderíamos buscar um tipo de Princípio Antrópico Moderado , que dê atenção ao caráter especial do
universo e reconheça que tal não poderia ser tratado como um feliz acidente, mas como algo que clama por
explicação.
Duas abordagens metacientífica contrastantes têm sido procuradas. John Leslie, que gosta de fazer filosofia de um
6
jeito parabólico, contou uma história que ilustra graficamente o assunto. Você está a ponto de ser executado e os
rifles de atiradores de elite estão apontados para o seu peito. Um oficial dá a ordem para abrir fogo... E você
descobre que sobreviveu! Você simplesmente sai andando e dizendo “puxa, essa foi por pouco! ”? Certamente que
não, porque um evento tão impressionante como esse sem dúvida exigirá uma explicação. Leslie sugere que a
explicação pode tomar uma dentre duas formas. Um vasto número de execuções foi feito naquele dia e, desde que
atiradores ocasionalmente erram, por puro acaso você foi sortudo o bastante para estar na execução em que todos
erraram. Ou, algo mais além de sua consciência estava acontecendo naquele evento único da sua execução – os
atiradores estavam do seu lado e erraram, todos de propósito. Essa encantadora historieta traduz-se nas duas
abordagens que tratam com a apropriada seriedade as questões antrópicas.
1. Multiverso
Sugeriu-se que talvez existam muitos universos diferentes, cada um dos quais com leis naturais de tipos muito
diferentes. Nesse vasto portfólio de mundos, haveria por puro acaso um capaz de desenvolver a vida baseada em
4
Para uma crítica, ver Polkinghorne, J.C. Quantum Theory: A very short introduction, Oxford University Press (2002), pp. 90-92.
5
5 Polkinghorne, J.C. Reason and Reality, SPCK (1991), pp. 77-80.
6
Leslie, J. op. cit.[2], pp. 13-14.
carbono – o nosso, é claro, desde que somos vida baseada em carbono. Um cosmo antrópico seria simplesmente um
raro bilhete premiado em uma loteria multiversal.
A versão mais econômica da idéia supõe que esses diferentes mundos seriam na verdade vastos domínios dentro de
um único universo físico. A forma como a simetria da GUT primordial foi quebrada na medida em que a expansão
esfriou o universo, produzindo com isso as forças que hoje operam efetivamente, não precisa ser literalmente
universal. Ao invés disso o cosmo poderia ser um mosaico de diferentes domínios, sendo que em cada um a quebra
de simetria teria assumido uma forma diferente. Nós não temos consciência disso porque a inflação removeu todos
os outros domínios da nossa vista e, é claro, o nosso domínio é necessariamente aquele no qual os resultados da
quebra de simetria se encontraram com a necessidade antrópica. A idéia é plausível, mas apenas modifica em certo
grau o requerimento de especificidade, pois continua sendo necessário que a GTU primitiva tenha assumido uma
forma tal que, quando a sua simetria fosse quebrada, as forças produzidas por ela teriam as intensidades
apropriadas.
Qualquer sugestão mais radical do que esta nos levará a um mundo de especulação que está além do escopo do
pensamento físico sóbrio. Apelos questionáveis precisarão ser feitos a definições correntemente mal definidas de
cosmologia quântica, ao mesmo tempo recorrendo-se a suposições ad hoc sobre diferenças radicais entre o caráter
das leis dos mundos supostamente gerados desse modo. O multiverso, nessa forma, não é mais do que um palpite
metafísico de excessiva prodigalidade ontológica – o recurso a ele parece ser motivado, em parte, no desejo e evitar
o teísmo associado à segunda abordagem.
2. Criação
O teísta pode acreditar que há apenas um universo, cujo caráter antrópico simplesmente reflita a doação de
potencialidade feita por seu Criador a fim de que ele tenha uma história frutífera. Tal é também um palpite
metafísico mas, em contraste com o multiverso, ele acrescenta várias explicações de outras questões além de lidar
com os temas antrópicos. A maravilhosa e inteligível ordem do mundo, por exemplo, tão intrigante para o cientista,
pode ser compreendida como um reflexo da mente do seu Criador. O difundido testemunho humano da experiência
do encontro com a realidade do sagrado pode ser compreendido com emergindo da percepção efetiva da presença
velada de Deus. Não reivindicamos que a especificidade antrópica do nosso mundo, compreendida dessa forma,
proveja um argumento logicamente coercivo para a crença em Deus, ao ponto de apenas um tolo querer negá-la;
mas antes que ela traz uma contribuição iluminadora ao argumento cumulativo em favor do teísmo, considerado
assim a melhor explicação para a natureza do mundo em que habitamos.
Os “Faraday Papers”
Os Faraday Papers são publicados pelo Instituto Faraday para Ciência e Religião, St. Edmund’s College, Cambridge,
CB3 OBN, UK, uma organização sem fins lucrativos para educação e pesquisa (www.faraday-institute.org). As
opiniões expressas são dos autores e não representam necessariamente as visões do instituto. Os Faraday Papers
abordam uma ampla gama de tópicos relacionados às interações entre ciência e religião. Uma lista completa dos
Faraday Papers disponíveis pode ser vista em www.faraday-institute.org onde cópias gratuitas podem ser baixadas
em formato pdf. Cópias impressas como esta podem também ser obtidas em maços de dez ou mais ao preço de £1.5
por cópia + postagem. Detalhes para encomenda on-line encontram-se em www.faraday-institute.org. Data de
publicação: Abril de 2007. © The Faraday Institute for Science and Religion Tradução para o Português: Guilherme
V.R. de Carvalho, Setembro de 2007
Big Crunch
https://pt.wikipedia.org/wiki/Big_Crunch
Até 1998 pensava-se que a velocidade com a qual as galáxias se afastam deveria diminuir com o tempo devido à
atracção gravitacional entre elas. A este princípio alguns astrofísicos chamam de "memória elástica" universal.
Densidade universal
O que provavelmente irá acontecer no futuro dependerá da comparação entre a atracção gravitacional e a
velocidade à qual o Universo se expande. A determinação da magnitude desta atracção está relacionada com a
densidade média da matéria no Universo.
Universo aberto
Se a densidade média do Universo for inferior a um certo valor, conhecido como densidade crítica do universo,
então a atracção gravitacional que lhe está associada deverá ser demasiado pequena para impedir a expansão do
Universo. Diz-se que o Universo é aberto ou ilimitado.
Universo fechado
Se a densidade média do Universo for superior à densidade crítica, o Universo deixará, provavelmente, de se
expandir e começará novamente a se contrair. Esta contracção irá ser acelerada e, eventualmente, produzirá o Big
Crunch, que é o inverso do Big Bang. O Universo será fechado e limitado.
Universo plano
Se a densidade média do Universo é exatamente igual à densidade crítica. Neste caso, a expansão do Universo não
irá parar e aproximar-se-á cada vez mais do limite definido. O Universo será, então, plano.
De forma a poder decidir qual dos três hipotéticos futuros irá acontecer, os cosmólogos precisam conhecer a relação
exata entre a densidade média do Universo e a densidade crítica, mas, infelizmente, nenhuma das densidades é
rigorosamente conhecida. Atualmente, estima-se que as suas densidades diferem apenas de um pequeno factor, o
que é suficiente para tornar difícil a decisão sobre se o Universo é aberto ou fechado, sugerindo ainda que ele possa
ser plano. Ainda para dificultar, a fim de explicar certos fenômenos, foi postulada a existência de uma matéria negra,
um tipo de matéria de difícil detecção, o que dificulta ainda mais a análise cosmológica.