Mendonça Correia
Mendonça Correia
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§I
DISCIPLINA VIGENTE
1. Introdução. — Até ao século XX, Portugal foi um Estado confessional católico. Saídas da
revolução republicana de 5 de Outubro de 1910, a Lei de Separação de 20 de Abril de 1911 e a
Constituição de 21 de Agosto do mesmo ano (1) puseram formalmente termo à
confessionalidade do Estado e representaram uma fractura na unidade da Fé até então
existentes no nosso País. Os princípios da aconfessionalidade e da separação entre a Igreja e o
Estado foram mantidos na Constituição de 1933 (2); e subsistem na actual Constituição (3).
Sem prejuízo de tais princípios, foi assinada com a Santa Sé, em 7 de Maio de 1940, uma
importantíssima Concordata, que regulou «por mútuo acordo e de modo estável a situação
jurídica da Igreja Católica em Portugal, para a paz e maior bem da Igreja e do Estado» (4). As
circunstâncias históricas não permitiram que se tivesse ido mais longe (5).
O processo preliminar é obrigatório tanto para os casamentos civis como para os casamentos
católicos (15). Mas porque a celebração destes últimos tem lugar perante uma entidade
distinta do funcionário que profere o despacho de autorização, importa que lhe seja dado
conhecimento daquele despacho. Para tanto, o funcionário do registo civil emite um
certificado de capacidade matrimonial, que é presente ao pároco e sem o qual o casamento
não pode ser celebrado (16). Se o pároco oficiar no casamento sem tal certificado, incorrerá na
pena aplicável ao crime de desobediência qualificada (17).
A obrigação de remessa não é aplicável aos casamentos secretos (22); nem aos casamentos «in
articulo mortis», na iminência de parto ou cuja celebração imediata seja expressamente
autorizada pelo Ordinário próprio por grave motivo de ordem moral (23), e que não possam
ser transcritos (24); nem aos casamentos em que, logo após a celebração, se verifique a
necessidade de convalidar o acto, mediante a renovação da manifestação de vontade dos
cônjuges na forma canónica (25). Porém, se o pároco oficiar(26) em casamento «in articulo
mortis» sem motivo justificativo e com o intuito de afastar algum impedimento previsto na lei
civil, incorrerá igualmente na pena aplicável ao crime de desobediência qualificada (27).
1.°, A falta de nubilidade. — A idade mínima abaixo da qual não é lícito casar é presentemente
de dezasseis anos para ambos os sexos;
1.°, A falta de autorização dos pais ou do tutor para o casamento do nubente maior de
dezasseis anos mas menor de dezoito, quando não seja suprida pelo conservador do registo
civil. — A autorização deve ser dada (37) pelo pai e pela mãe, se estiverem ambos no exercício
do poder paternal; se não estiverem, deve ser dada pelo pai, ou pela mãe, ou pelo tutor (38).
Em qualquer dos casos, a autorização pode ser suprida pelo conservador do registo civil (39). O
menor que case irregularmente nestes termos, fica emancipado mas com uma restrição:
continua a ser considerado menor quanto à administração de bens que levar para o casal ou
que posteriormente lhe advierem por título gratuito até à maioridade (40).
2.°, O prazo internupcial. — A lei não permite que a um matrimónio dissolvido se siga
imediatamente outro (41). O prazo é de cento e oitenta dias para o homem, e de trezentos
dias para a mulher (42): funda-se na exigência social de se ter um mínimo de decoro, e na
necessidade de se evitarem conflitos de paternidade a respeito dos filhos nascidos do segundo
casamento, a «turbatio sanguinis». A violação do prazo internupcial implica para o infractor a
perda de todos os bens que tiver recebido por doação ou testamento do cônjuge anterior (43).
3.°, O parentesco no terceiro grau da linha colateral.— A lei pretende evitar casamentos entre
parentes ainda próximos e de parentes mais velhos que possam ter influência sobre mais
novos. Este impedimento é susceptível de dispensa pelo conservador do registo civil quando
haja motivos sérios que justifiquem a celebração do casamento (44). A sua preterição acarreta,
para o tio ou para a tia, a incapacidade para receberem do seu consorte qualquer benefício por
doação ou testamento (45).
4.°, O vínculo de tutela, curatela ou administração legal de bens. — Pretende-se evitar que os
tutores, os curadores ou os administradores possam abusar da sua autoridade sobre as
pessoas cujos bens administram, forçando-as a um casamento que os exima a prestarem
contas da respectiva administração (46). O impedimento é susceptível de dispensa pelo
conservador do registo civil, se as respectivas contas estiverem já aprovadas, quando ocorram
motivos sérios que justifiquem a celebração do casamento (47). A sua preterição também
acarreta para o tutor, curador ou administrador a incapacidade para receberem do seu
consorte qualquer benefício por doação ou testamento (48).
5.°, O vínculo da adopção restrita. — A adopção restrita configura uma relação familiar de
certo modo semelhante à da filiação. O impedimento obsta ao casamento: do adoptante, ou
seus parentes na linha recta, com o adoptado ou seus descendentes; do adoptado com o que
foi cônjuge do adoptante; do adoptante com o que foi cônjuge do adoptado; dos filhos
adoptivos da mesma pessoa entre si (49). Este impedimento é susceptível de dispensa pelo
conservador do registo civil, se ocorrer justa causa (50). A sua preterição torna o adoptante,
cônjuge ou parentes na linha recta incapazes de receberem do seu consorte qualquer
benefício por doação ou testamento (51).
6.°, A pronúncia por conjugicídio, enquanto não houver despronúncia ou absolvição. — Este
impedimento impediente aproxima-se do impedimento dirimente de condenação por
conjugicídio: mas não se confundem porque se reportam a momentos diversos do processo
penal (52). É insusceptível de dispensa (53). Excepcionalmente, a lei não sanciona os nubentes
que preterirem este impedimento: sanciona o celebrante (54).
No que diz respeito directamente ao problema da eficácia em Portugal das decisões dos
tribunais eclesiásticos sobre pedidos de declaração de nulidade de casamentos católicos, o
mesmo Código de Processo Civil estabelece no artigo 1094.° que, sem prejuízo do que se ache
estabelecido em tratados e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida
por tribunal estrangeiro ou por árbitros no estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for
a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada. Ora, constituem exemplos de
«tratados e leis especiais» o artigo XXV da Concordata de 1940, o artigo 24.° do Decreto-Lei n.°
30.615, de 25 de Julho do mesmo ano, e o artigo 1626.°, n.° 1, do Código Civil de 1966, que
determinam que o Tribunal da Relação torne estas decisões dos tribunais eclesiásticos
executórias independentemente de revisão e confirmação. Decerto, os tribunais eclesiásticos,
porque não são com toda a propriedade tribunais estrangeiros, não cabem na letra do
sobredito artigo do Código de Processo Civil; mas cabem òbviamente no seu espírito; e assim
se tem entendido sem discussão (64). Dado que tais decisões dos tribunais eclesiásticos não
podem ser objecto de revisão e confirmação, o sistema português aproxima-se, por este lado,
do de reconhecimento de plano. Mas dado também que os Tribunais da Relação têm de
intervir para lhes conceder o «exequatur», aproxima-se, por outro lado, do de revisão formal
ou delibação. Um sistema híbrido, portanto.
Os Tribunais da Relação não podem, como já se viu, rever e confirmar as decisões dos tribunais
eclesiásticos sobre pedidos de declaração de nulidade de casamento católico, até porque vêm
acompanhados dos decretos do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica, que, entre outras
coisas, asseguram que elas respeitam as normas do Direito Canónico (65).
No actual Direito Civil português, a figura da separação de pessoas e bens tem uma
regulamentação decalcada da do divórcio, mas com efeitos atenuados. Ao contrário do
divórcio, a separação não dissolve o vínculo conjugal (67): no plano patrimonial produz os
mesmos efeitos que a morte e o divórcio; no plano das relações pessoais afecta apenas os
deveres de coabitação e de assistência (68), permanecendo os deveres de respeito, de
fidelidade e mesmo de cooperação (69). Como o divórcio, pode ser requerida por ambos os
cônjuges, de comum acordo, em tribunal ou em conservatória do registo civil; ou por um dos
cônjuges contra o outro, litigiosamente, em tribunal.
10. Dissolução do matrimónio por divórcio no actual Direito Civil português: suas modalidades.
— O divórcio é actualmente aplicável a quaisquer casamentos, sejam civis ou católicos. Pode
ser requerido por ambos os cônjuges, de comum acordo, em tribunal ou em conservatória do
registo civil; ou por um dos cônjuges contra o outro, litigiosamente, em tribunal. Dissolvido o
casamento, desaparece o impedimento dirimente absoluto de casamento anterior não
dissolvido: os ex-cônjuges podem contrair casamento civil.
b) Efeitos da sanação «in radice». — A sanação «in radice» do casamento católico nulo mas
transcrito é averbada à margem do respectivo assento, mediante comunicação do pároco,
feita no interesse dos cônjuges e com o consentimento do Ordinário do lugar (76). O
averbamento é lavrado oficiosamente no assento de casamento já transcrito e nos assentos de
nascimento dos cônjuges (77). O averbamento da sanação «in radice» não tem de ser
precedido de qualquer outro averbamento que declare a nulidade do casamento. Recebida a
comunicação, cabe ao conservador efectuar o averbamento da sanação «in radice» do
casamento católico transcrito: não lhe é lícito exigir qualquer prova complementar de que a
sanação tenha sido concedida pela autoridade eclesiástica competente e com observância dos
trâmites prescritos no Direito Canónico.
§ II
Assim se deve interpretar o artigo 36.°, n.° 2, da Constituição. Impõe-no, desde logo, o seu
sentido literal e óbvio. Das fontes e dos trabalhos preparatórios (80) nada se conhece que
obrigue a pensar doutra maneira. E confirma-o a revisão de 1977 do Código Civil de 1966 (81),
que largamente excedeu o simples ajustamento do Código à nova lei fundamental e que,
todavia, deixou incólumes os seus artigos 1625.° e 1626.°.
2.°, Se o duplicado ou certidão do assento paroquial não contiver as indicações exigidas na lei
(91) ou as assinaturas devidas (92). — O conservador deve remeter o duplicado ou certidão ao
pároco, por ofício, para que se complete o documento em termos de a transcrição se efectuar,
sempre que possível, dentro dos sete dias ulteriores à celebração do casamento (93).
3.°, Se o funcionário tiver fundadas dúvidas acerca da identidade dos contraentes (94). — O
conservador deve igualmente remeter o duplicado ou certidão ao pároco, por ofício, para que
se esclareça o documento em termos de a transcrição se efectuar, sempre que possível, dentro
dos sete dias ulteriores à celebração do casamento (95).
6.°, Se o casamento católico não houver sido precedido do processo de publicações, enquanto
não correr e chegar ao seu termo o processo (101). — A transcrição só se efectua depois de
organizado o processo.
2.°, Transcrição de casamento católico celebrado sob condição. — O actual Código de Direito
Canónico determina no
Ǥ 2. Matrimonium sub condicione de praeterito vel de praesenti initum est validum vel non,
prout id quod condicioni subest, exsistit vel non.
«§ 3. Condicio autem, de qua in § 2, licite apponi nequit nisi cum licentia Ordinarii loci scripto
data.» (105)
Tem-se afirmado que o casamento católico celebrado sob condição não é admitido no Direito
Civil português (106). O Código Civil de 1966 estabelece no n.° 2 do artigo 1618.° que se
consideram não escritas as cláusulas pelas quais os nubentes, em convenção antenupcial, no
momento da celebração do casamento ou em outro acto, pretendam modificar os efeitos do
casamento, ou submetê-lo a condição, a termo ou à preexistência de algum facto. Porém, o
artigo acha-se inserido na secção I: «Disposições gerais», do capítulo IV: «Celebração do
casamento civil», do título II: «Do casamento», do livro IV: «Direito da Família», do Código.
Não pode ser aplicado ao casamento católico porque é uma norma excepcional, insusceptível
de interpretação por analogia (107). Afigura-se, pois, que o matrimónio celebrado nos termos
dos §§ 2 e 3 do cânone 1102 do actual Código de Direito Canónico é admitido no Direito Civil
português: a condição aposta não é motivo para a recusa da transcrição do respectivo assento
no registo civil.
3.°, Transcrição de assento de casamento católico após a morte dum ou de ambos os cônjuges.
— A morte dum ou de ambos os cônjuges não obsta, em caso algum, à transcrição do
casamento católico (108): o casamento tem-se por contraído no momento da celebração, não
no dia da transcrição (109).
Porém, dado que se diz expressamente na nova redacção do artigo 115.° que a declaração de
morte presumida não dissolve o matrimónio, e apenas se ressalva o efeito prescrito na
também nova redacção do artigo 116.° que somente se refere ao novo casamento «do cônjuge
do ausente casado civilmente», é porque não se quer permitir a celebração de novas núpcias
ao cônjuge do ausente casado «catolicamente», ainda que as leis canónicas o permitam (112).
Então, o artigo 116.° do Código Civil, na redacção que lhe foi introduzida pelo artigo 11.° do
Decreto-Lei n.° 496/77, de 25 de Novembro, contém um verdadeiro impedimento
matrimonial, injustificavelmente discriminatório. E não vale argumentar que é possível aplicá-
lo por analogia aos casamentos católicos: norma manifestamente excepcional, este artigo do
Código não pode ser objecto de interpretação analógica (113). Há, pois, que considerar o
artigo 11.° do Decreto-Lei n.° 496/77, de 25 de Novembro, inconstitucional (114), e, por
conseguinte, a redacção primitiva do artigo 116.° do Código Civil ainda em vigor; redacção esta
que não repugna à Constituição, até porque hoje o artigo 115.° do Código estabelece que a
declaração de morte presumida não dissolve o matrimónio (115).
Se bem que o artigo 1596.° do actual Código Civil ordene que o casamento católico só pode ser
celebrado por quem tenha a capacidade matrimonial exigida pela lei civil, é concebível (116)
celebrarem-se e transcreverem-se casamentos católicos que não cumprem este preceito (117).
A anulação destes casamentos pelos tribunais civis portugueses está fora de questão, pelas
razões que ficam expostas. Acções de simples apreciação (118), além de contrárias aos
princípios, seriam inúteis mesmo para efeitos registais. A impugnação da transcrição do
assento do casamento católico no registo civil não é possível porque nem o Código Civil de
1966 (119) nem o Código do Registo Civil de 1995 (120) admitem a hipótese. A única solução é,
pois, aguardar que os tribunais eclesiásticos se pronunciem sobre a sua validade e,
eventualmente, os declarem nulos (121): uma vez que o façam, o registo do casamento
católico será cancelado (122).
1.°, Se o processo de divórcio tiver sido litigioso. — Neste caso, haverá que interpor recurso
extraordinário de revisão. O fundamento do recurso de revisão será um documento novo de
que a parte não pôde fazer uso no processo de divórcio (127): a certidão, passada pela
conservatória do registo civil competente, do averbamento ordenado pelo Tribunal da Relação
da sentença de declaração de nulidade à margem do assento de casamento. O recurso não
pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da
decisão: o prazo para a interposição é de sessenta dias, contados desde que a parte obteve o
documento (128). Se, porém, devido a demora anormal na tramitação da causa em que se
funda a revisão existir o risco de caducidade, pode o interessado interpor o recurso mesmo
antes de naquela ser proferida decisão, requerendo logo a suspensão da instância no recurso,
até que essa decisão transite em julgado (129). O recurso é interposto no tribunal onde estiver
o processo em que foi proferida a decisão a rever, mas é dirigido ao tribunal que a proferiu
(130). No requerimento de interposição, que é autuado por apenso ao processo, especificar-
se-á o fundamento do recurso e com ele se apresentará o documento em que se funda o
pedido (131).
2.°, Se o processo de divórcio tiver sido litigioso. — Nestoutro caso, impõe-se sub-distinguir se
o processo foi judicial ou registal.
(ii) Se tiver sido registal, haverá que interpor uma acção declarativa comum em tribunal,
porque o Código de Registo Civil de 1995 não contempla a hipótese em nenhum dos seus
artigos.
Ainda que o processo de declaração de nulidade dum casamento católico seja posterior ao de
divórcio, o Tribunal da Relação nunca pode negar o «exequatur» à respectiva sentença. Noutro
modo, violaria os artigos XXV da Concordata de 1940, 24.° do Decreto-Lei n.° 30.615, de 25 de
Julho de 1940, e 1626.°, n.° 1, do Código Civil de 1966; e também o artigo 1.° do Código de
Registo Civil de 1995, que obriga ao registo de todas as mudanças do estado civil dos cidadãos
portugueses, e até das dos estrangeiros quando ocorram em território português.
«A grande novidade do artigo 1589.° está no facto de se ter eliminado a fórmula, um tanto
artificial e perigosa, do artigo 206.° do Código de Registo Civil de 1958, considerando os
cônjuges, depois de feito o averbamento, como casados apenas catolicamente desde a
celebração do casamento civil, ao mesmo tempo que se remeteu para o artigo 1790.° a
consagração verdadeiramente útil, que se pretendia alcançar com essa fórmula.
«Não fazia, efectivamente, grande sentido considerar como existente certo casamento católico
desde uma data anterior à sua celebração e anterior, portanto, ao momento a partir do qual a
própria Igreja o reconhecia. Além disso, não poderia aceitar-se, sobretudo em matéria de
regime de bens, que os efeitos do casamento católico hajam sempre de retrotrair ao momento
da celebração (porventura muito anterior) do casamento civil.» (138)
A inanidade destes argumentos é por demais evidente. Na doutrina canónica, a opinião mais
provável, e hoje comum, sobre os matrimónios entre não baptizados quando posteriormente
ambos se baptizam afirma:
«(…) alii requirunt novum consensum expressum. Praescindo ab exigentia posteriorum et
adversus priores dico posse evadere sacramenta.
«Prob. I. Inter christianos (…) nequit dari matrimonium validum quod non sit sacramentum.
Atqui, in casu, matrimonium jam incipit dari inter christianos. Ergo…
«II. Matrimonium infidelium conversorum habetur ab Ecclesia ut insolubile. Atqui non est ulla
ratio nisi sit sacramentum; nam ille contractus potest solvi si unus non convertatur. Ergo… P.
ant.: Habetur contractus matrimonialis validus et moraliter perseverans. (Ex his vide
probabilius non requiri novum consensum).» (139)
O segundo argumento tampouco vale: se o legislador histórico não queria aceitar que os
efeitos do casamento católico houvessem sempre de retrotrair ao momento da celebração do
casamento civil, podia muito bem tê-lo determinado expressamente no novo Código Civil. Mas
não o fez, em nenhum dos quatrocentos e quarenta e sete artigos do livro IV, que dedicou ao
Direito da Família…
O casamento civil anterior não anulado nem dissolvido por divórcio não constitui para os
cônjuges impedimento à celebração entre si de subsequente casamento católico; e este,
embora não seja transcrito, tem de ser averbado nos assentos de casamento e de nascimento
dos nubentes nas respectivas conservatórias do registo civil (140). Se o matrimónio civil
persistisse para lá da declaração de nulidade do casamento católico ou da dissolução do
casamento rato e não consumado, perderia todo o sentido e utilidade a obrigatoriedade
destes averbamentos. O que leva a crer que a resposta à questão mais conforme ao espírito do
sistema (141) será a de considerar que, na declaração de nulidade dum casamento católico ou
na dissolução dum casamento rato e não consumado de duas pessoas entre si unidas por
casamento civil anterior não anulado nem dissolvido por divórcio se declara nulo ou se
dissolve o vínculo matrimonial «tout court» (142).
Notas:
(4) Preâmbulo.
(5) V. S.P.N. (ed.), Portugal e a Santa Sé, Concordata e Acordo Missionário de 7 de Maio de
1940, Lisboa 1943.
(10) CC 1966, arts. 51.°, 1654.°, als. a) e c), 1655.°-1661.°, 1664.°-1667.°; CRC 1995, arts. 53.°,
n.° 1, als. b) e c), 169.°-178.°.
(17) CRC 1995, art. 296.°, n.° 1, al. a), primeira parte. A pena é presentemente de 2 anos de
prisão ou multa até 240 dias: CP 1982, art. 348.°, n.° 2. Com a entrada em vigor do CRC 1995,
deixou de ser obrigatório converter a pena de prisão em multa: carece, portanto, de
fundamento o que escreve A. Leite in: M. Saturino C. Gomes (coord.), Concordata entre a
Santa Sé e a República Portuguesa, Coimbra 2001, 228, nota. — O CRC 1995, art. 296.°, n.° 1,
al. a), segunda parte, exceptua de qualquer sanção o pároco que oficiar sem certificado em
casamentos «in articulo mortis», na iminência de parto ou cuja celebração imediata tenha sido
autorizada pelo Ordinário próprio.
(18) CIC 1983, cc. 1108-1133; CCEO, cc. 813-816, 828-842. Cf. SCDS, instr. de 21/9.°/1940, arts.
29-34.
(21) CRC 1995, art. 296.°, n.° 1, al. c); CP 1982, art. 348.°, n.° 2.—A falta de remessa, sem
motivo grave atendível, do duplicado do assento de casamento pelo pároco à respectiva
conservatória constitui um crime permanente, não havendo lugar a prescrição porque a
obrigação de pôr termo ao ilícito existe enquanto ele durar: Rel. Coimbra, ac. de 12/7.°/1960
(in: JR 6, 892); Rel. Porto, ac. de 19/10.°/1960 (in: JR 6, 856).
(22) Cujo assento só é transcrito perante certidão de teor e mediante denúncia feita pelo
Ordinário: CC 1966, art. 1656.°, al. a), primeira parte; CRC 1995, art. 170.°, al. a).
(23) Não dizendo a lei civil o que deva entender-se por «grave motivo de ordem moral», só ao
Ordinário caberá, em cada caso, resolver o problema:cf. desp. min. de 24/10.°/1944 (in: BOMJ
4.25, 565).
(24) CC 1966, art. 1656.°, al. a), segunda parte. Daqui inferiu a Conferência Episcopal
Portuguesa, no art. 15.° das normas relativas ao registo ou assento de casamento promulgadas
em 20/3.°/1984, que, quanto aos casamentos celebrados nos termos do art. XXII da
Concordata, o pároco não está obrigado por sanções penais a participar os que não podem ser
transcritos. Mas, dado o teor do CRC 1995, art. 296.°, n.os 1, al. c), e 2, o pároco só não está
obrigado por sanções penais a participar os casamentos secretos.
(25) Bastando remeter à conservatória do registo civil, quando assim seja, o duplicado do
assento paroquial da nova celebração: CC 1966, art. 1656.°, al. b); CRC 1995, art. 170.°, al. b).
(26) Oficiar, note-se; não celebrar: é incorrecta a redacção do CRC 1995, art. 296.°, n.° 1, al. b).
(27) CRC 1995, art. 296.°, n.° 1, al. b); CP 1982, art. 348.°, n.° 2. Exceptuam-se os casamentos
secretos, «regulados no direito canónico como casamentos de consciência» (sic!), enquanto
não forem denunciados pela autoridade eclesiástica, oficiosamente ou a requerimento dos
interessados: CRC 1995, art. 296.°, n.° 2.
(29) CC 1966, art. 1659.°, n.° 1; CRC 1995, art. 172.°, n.°s 1-2.
(37) No processo preliminar do casamento e por alguma das formas indicadas no CRC 1995,
art. 150.°: no próprio acto, ou em documento autêntico ou autenticado.
(40) CC 1966, art. 1649.°, n.° 1. Já o menor que casar regularmente fica plenamente
emancipado pelo casamento: CC 1966, art. 132.°. Além do menor, nenhuma outra categoria de
incapazes necessita de autorização: os interditos e os inabilitados por anomalia psíquica não
podem casar; a falta de referência às restantes categorias significa que podem casar sem
necessidade de autorização, apesar da disposição genérica do CC 1966, art. 139.°.
(42) Pode ser reduzido ou eliminado se se verificarem as condições previstas no CC 1966, art.
1605.°, n.os 2-5: inexistência de gravidez, etc..
(44) CC 1966, art. 1609.°, n.os 1, al. a), e 2. O processo está regulado no CRC 1995, arts. 253.°-
254.°.
(47) CC 1966, art. 1609.°, n.os 1, al. b), e 2. O processo é o mesmo que está regulado no CRC
1995, arts. 253.°-254.°.
(50) CC 1966, art. 1609.°, n.os 1, al. c), 2 e 3. O processo é também o mesmo que está regulado
no CRC 1995, arts. 253.°-254.°.
(55) Concordata, art. XXV; DL n.° 30.615, de 25/7.°/1940, art. 24.°; CC 1966, art. 1625.°.
(56) Concordata, art. cit.; DL n.° 30.615, de 25/7.°/1940, art. cit.; CC 1966, art. 1625.°, n.° 1;
CRC 1995, art. 7.°, n.° 3.
(57) Ibidem.
(59) Concordata, art. XXV; DL n.° 30.615, de 25/7.°/1940, art. 24.°; CC 1966, art. 1626.°, n.° 1;
CRC 1995, art. 7.°, n.° 3 «in fine». M. de Figueiredo, l. c..
(60) M. de Figueiredo, l. c.. — Sem dúvida que assim é. Cabe todavia perguntar em que
poderão as decisões dos tribunais eclesiásticos nesta matéria violar a ordem pública
portuguesa, porque não se vislumbra como possa isso acontecer.
(62) CPC 1961 arts. 1094.°-1102.°. J. Alberto dos Reis, o. c., 142-143.
(63) Subscrita por Portugal através da Convenção de San Sebastián de 26/5.°/1989, e em vigor
desde 1/7.°/1992.
(64) V., por todos, J. Alberto dos Reis, o. c., 146, nota (2).
(68) Este último só parcialmente, porque mesmo entre os cônjuges separados continua a
subsistir o dever de alimentos, em termos análogos aos do divórcio.
(70) Apesar do disposto na redacção actual do art. 115.° do CC 1966, como se demonstrará
adiante.
(71) Às repartições, note-se; não aos tribunais: também é incorrecta a redacção do CRC 1995,
art. 7.°, n.° 3.
(72) Concordata, art. XXV; DL n.° 30.615, de 25/7.°/1940, art. 24.°; CC 1966, art. 1626.°, n.° 1;
CRC 1995, art. 7.°, n.° 3 «in fine». M. de Figueiredo, o. c., 95.
(73) CC 1966, art. 1656.°, al. b); CRC 1995, art. 170.°, al. b).
(74) CC 1966, art. 1661.°, n.° 2; CRC 1995, art. 177.°, n.os 2-3.
(76) CC 1966, art. 1661.°, n.° 1; CRC 1995, art. 177.°, n.° 1.
(77) CRC 1995, arts. 69.°, n.° 1, al. a), e 70.°, n.° 1, al. d).
(79) Neste sentido, Rel. Lx., ac. de 29/6.°/1982 (in: CJ 3, 1982, 132); Rel. Coimbra, ac. de
28/3.°/1995 (in: CJ 2, 1995, 20).
(80) V. J. Miranda, Fontes e trabalhos preparatórios da Constituição, 1-2, Lis- boa 1978.
(81) Efectuada pelo Decreto-Lei n.° 496/77, de 25/11.°, para cumprimento do disposto no n.° 3
do art. 293.° da Const. 1976.
(84) CC 1966, arts. 1653.°, 1659.°, n.° 3. O processo está presentemente regulado no CRC 1995,
arts. 233.°-240.°.
(88) CC 1966, art. 1657.°, n.° 2; CRC 1995, art. 174.°, n.° 4.
(89) CC 1966, art. 1657.°, n.° 1, al. a); CRC 1995, art. 174.°, n.° 1, al. a).
(91) Mais concretamente, no CRC 1995, art. 167.°, a saber: hora, data, lugar e paróquia, bem
como a freguesia, se não coincidir com aquela, e o concelho; nome completo do pároco da
freguesia e do «sacerdote» (sic) que tiver oficiado no casamento; nome completo, idade,
naturalidade e residência dos nubentes; nome completo dos pais e do tutor dos nubentes e do
procurador dalgum deles, se os houver; referência à existência do consentimento dos pais ou
representantes legais dos nubentes menores ou ao respectivo suprimento e, quando tiver sido
prestado no acto da celebração, a menção desta circunstância; referência ao facto de o
casamento se ter celebrado «com ou sem convenção antenupcial e a menção do respectivo
auto ou escritura, com indicação do regime de bens estipulado, se for um dos regimes tipo, e,
se for imperativo, da menção desta circunstância» (sic!); declaração, prestada pelos nubentes,
de que realizaram o casamento por sua livre vontade; apelidos adoptados por qualquer dos
nubentes; e apresentação do certificado de capacidade matrimonial, com a indicação da data e
da conservatória em que tiver sido passado.
(92) CC 1966, art. 1657.°, n.° 1, al. b); CRC 1995, art. 174.°, n.° 1, al. b).
(94) CC 1966, art. 1657.°, n.° 1, al. c); CRC 1995, art. 174.°, n.° 1, al. c).
(96) CC 1966, art. 1657.°, n.° 1, al. d); CRC 1995, art. 174.°, n.° 1, al. d).
(97) CC 1966, arts. 1657.°, n.° 1, al. e), por analogia, e 1660.°: Pires de Lima— Antunes Varela,
Código Civil. Anotado 4, 2.ª ed., Coimbra 1992, 231-2.
(98) J. Robalo Pombo, Código do Registo Civil. Anotado e comentado, Coimbra 1991, 696.
(99) CC 1966, arts. 1657.°, n.° 1, al. e), por analogia, e 1660.°.
(100) J. Robalo Pombo, o. c., 693, refere apenas a hipótese da dissolução por morte de
casamento católico de nubente afectado pelo impedimento de falta de idade núbil; mas a
transcrição do duplicado deve ser feita também nas restantes hipóteses, por paridade de
razão. A. Sampaio, Código do Registo Civil. Anotado. Legislação complementar, Coimbra 1995,
169-70, afirma que a transcrição não pode ser feita em nenhuma hipótese; mas sem razão,
porque o art. 1.° do CRC 1995 obriga ao registo de todas as mudanças do estado civil dos
cidadãos portugueses, e até das dos estrangeiros quando ocorram em território português.
(105) Diversamente, o CCEO determina no c. 826 que o matrimónio não pode ser celebrado
validamente sob condição.
(108) CC 1966, art. 1657.°, n.° 2; CRC 1995, art. 174.°, n.° 4. — Mas o respectivo assento é
sujeito ao exame abreviado previsto no CC 1966, art. 1657.°, n.° 1, als. d) e e), e no CRC 1995,
art. 174.°, n.° 1, als. d) e e).
(111) CC 1966, art. 1660.°; CRC 1995, art. 175.°. — O pároco, enquanto tal, não pode ser
havido como interessado para o efeito: cf. o parecer da PGR de 22/11.°/1943 (in: BOMJ 3.20,
547).
(112) Pires de Lima, Antunes Varela, Código Civil. Anotado 1, 3.ª ed., Coimbra 1982, 129-31.
(114) Por violação dos arts. 13.°, n.° 2, e 36.°, n.° 1, da Const. 1976.
(115) E ainda que dissolvesse, sempre se poderia recorrer ao argumento (puramente formal, é
certo) de que a declaração de morte presumida não está contemplada na letra do art. 36.°, n.°
2, da Const. 1976.
(119) É obviamente taxativa a enumeração constante do art. 1657.°, n.° 1, al. e).
(120) O registo não é nem inexistente (cf. CRC 1995, art. 85.°; CC 1966, art. 1628.°) nem nulo
(cf. CRC 1995, art. 87.°; CC 1966, arts. 294.°-295.°, e 1657.°, n.° 1, al. e)): portanto, não se pode
deitar mão ao processo de justificação judicial (cf. CRC 1995, art. 233.°). — De resto, não se
concebe como é que com a impugnação da transcrição dum assento de casamento católico se
alcance um efeito que por sua natureza só pode ser obtido com a impugnação da validade do
próprio casamento católico, cujo conhecimento está reservado aos tribunais eclesiásticos pela
Concordata, art. XXV, pelo DL n.° 30.615, de 25/7.°/1940, art. 24.°, e pelo CC 1966, art. 1625.°.
(121) Neste sentido, Rel. Lx., ac. de 27/10.°/1981 (in: CJ 3, 1982, 132); STJ, ac. de 22/2.°/1983
(in: BMJ 324, 590). Contra, Rel. Coimbra, ac. de 15/12.°/1992 (in: CJ 5, 1992, 90): um aresto
verdadeiramente teratológico!
(125) Isto segundo a lei. De facto, as autoridades civis têm de tomar conhecimento da
interposição, o que sobretudo nos processos de divórcio por mútuo consentimento se afigura
praticamente inverosímil: apesar de tudo, v. no CPC 1961 o art. 265.°, n.° 3 (poder do juiz de
direcção do processo e princípio do inquisitório), e no CRC 1995 o art. 227.° (diligências
oficiosas do conservador do registo civil).
(126) Assim, num processo de divórcio litigioso, a condenação dum dos cônjuge à reparação
dos danos não patrimoniais causados ao outro pela dissolução do casamento (CC 1966, art.
1792.°); num processo de divórcio por mútuo consentimento, a homologação dos acordos
sobre o exercício do poder paternal relativamente aos filhos menores, se os houver, sobre a
prestação de alimentos ao cônjuge que careça deles, e sobre o destino da casa de morada da
família (CC 1966, art. 1775.°, n.° 2; CPC 1961, art. 1419.°, n.° 1, als. c), d), e f));
(129) CPC 1961, art. 772.°, n.° 3. — Advirta-se que o caso julgado nunca tem lugar nos
processos de declaração de nulidade de matrimónio canónico, porque nunca tem lugar nas
causas sobre o estado das pessoas: CIC 1983, c. 1643; CCEO, c. 1324. Portanto, a parte
interessada deve requerer a suspensão da instância no recurso de revisão até que a sentença
de declaração de nulidade seja averbada nos registos do estado civil no assento de casamento.
(133) Gomes da Silva, O direito de família no futuro Código Civil. Primeira parte 1, Introdução e
Anteprojecto, Lisboa 1957.
(137) O Ministro da Justiça de então, Antunes Varela, e o seu colaborador, Pires de Lima, tê-lo-
ão feito nalguma das duas revisões ministeriais?
(138) Pires de Lima—Antunes Varela, Código Civil. Anotado 4, 2.ª ed., Coimbra 1992, 54.
(140) CC 1966, art. 1589.°, n.° 1; CRC 1995, arts. 1.°, n.os 1, als. d) e l), e 2, 69.°, n.° 1, als. a) e
n), 70.°, n.os 1, al. a), e 2, e 179.°.
(142) Não será, talvez, a solução mais satisfatória «de jure condendo» para esta questão. A
República Portuguesa, quando admite que duas pessoas entre si casadas civilmente contraiam
subsequentemente casamento católico, permite-lhes que regularizem a sua situação ou
fiquem em situação regular perante a Igreja. A melhor solução, pois, passaria por saber se, em
cada caso em que a Igreja Se pronuncia sobre a existência, validade e permanência do vínculo
matrimonial de duas pessoas entre si unidas por casamento civil anterior não anulado nem
dissolvido por divórcio, tais pessoas efectivamente lograram regularizar a sua situação ou
ficaram em situação regular perante Ela. Mas na actualidade isto não parece possível, porque
está vedada qualquer verificação do mérito das decisões dos tribunais e repartições
eclesiásticas sobre os pedidos de declaração de nulidade de casamentos católicos e de
dissolução de casamentos ratos e não consumados; além de que não se vê muito bem como
seria compaginável com o princípio da separação entre a Igreja e o Estado.