Justiça Eleitoral e Direitos Políticos No Brasil e No México
Justiça Eleitoral e Direitos Políticos No Brasil e No México
Tatian a Br az R ibeir a l
Introdução
1 Enquanto o Brasil dispõe 141 milhões de eleitores aptos a votar, obrigatoriamente pela Cons-
tituição Federal, o México alcançou um total de 84 milhões de votantes aptos para o exercício
do direito ao voto nas últimas eleições presidenciais realizadas no país em 2012. Necessário
expor que o voto não é obrigatório no Estado mexicano Dados retirados dos sites http://www.
tse.jus.br/eleicoes/estatisticas e www.ife.gob.mx , acessado em março de 2014.
3 O AI-02 aboliu a eleição direta para Presidente da República e dissolveu os partidos políticos
criados em 1945. Este regulamento impôs o bipartidarismo no país, permitindo a existência
do partido governista ARENA (Aliança Renovadora Nacional) e do MDB, a oposição consen-
tida, denominada por Movimento Democrático Brasileiro. O Presidente da República passou
a ter autoridade para dissolver o parlamento, intervir nos estados, decretar estado de sítio,
demitir funcionários civis e militares. Por fim, o AI-02 reformou o judiciário, aumentando o
número de juízes de tribunais superiores, possibilitando o julgamento de civis por juízes mili-
tares em causas relativas à segurança nacional. (Carvalho, 2001, p. 161).
4 De acordo com a pesquisadora Maria Dalva Kinzo, durante o mandato do primeiro presiden-
te militar foram registrados 624 casos de cassações de mandatos eletivos e suspensões de direi-
tos políticos (Kinzo,1988, p. 104). José Murilo de Carvalho apresenta dados referentes à perda
de direitos políticos, no período de 1964 a 1973, em que foram punidos, entre perda de direi-
tos políticos, cassação de mandatos, aposentadoria e demissão, 4.841 pessoas. (Carvalho,
2001, p. 164).
■■ O sistema mexicano tem uma herança política peculiar em relação aos países
geograficamente ao sul, como o Brasil. As décadas posteriores à Revolução de
1910 e à promulgação da Constituição de 1917 corresponderam ao momento em
que o Estado mexicano construiu nova legitimidade política.
A Constituição de 1917 teve como referência básica o movimento iniciado
com a Revolução Mexicana de 1910 e, embora modificado, o texto constitucional
permanece vigente em um modelo jurídico reformista, inclusive em âmbito
eleitoral. A peculiaridade do sistema mexicano residiu, portanto, na implantação
de um sistema constitucional e político derivado da pacificação do processo
revolucionário.
5 Nos anos de 1930, o poder pessoal dos caudilhos iniciou o seu declive como tendência prepon-
derante no exercício e organização do poder. A última importante intervenção ocorreu nos
estados de Tabasco e San Luis Potosí. Nestes estados, foram limitadas as influências dos cau-
dilhos locais, Garrido Canabal e Saturnino Cedillo, respectivamente (Horasitas, 1990, p.
200).
6 A sucessão para a Presidência da República era definida pelo chamado “dedazo”,- que corres-
pondia à indicação presidencial do candidato do PRI às eleições. Em vista da hegemonia do
partido, “el dedazo” significava a certeza do sucessor ao cargo. (Ribeiral, 2012, p. 61) A autoca-
lificación, vigente até a Reforma de 1977, previa o sistema político de qualificação das eleições
e do processo eleitoral por integrantes do Poder Legislativo Federal, com uma participação
inexpressiva da Suprema Corte de Justiça. (Disponível em http://www.trife.gob.mx/acercate/
historia-del-tribunal-electoral).
De 1940 a 1970 foram criadas normas que tiveram insuficientes efeitos para
garantir questões de equidade, transparência e legalidade eleitoral. Os processos
eleitorais desenvolviam-se com absoluta parcialidade porque a autoridade eleitoral
funcionou como um órgão subordinado ao sistema político e partidário. Somente
na década de 1970 que se iniciou o chamado às lideranças oposicionistas e ao pro-
cesso de estruturação dos tribunais eleitorais mexicanos. Neste período, o sistema
político de presidencialismo exacerbado precisou se reinventar para sobreviver.
A Reforma de 1977 permitiu o registro condicionado de partidos políticos,
com a introdução dos deputados de representação proporcional nos estados. A
presença de partidos oposicionistas permitiu iniciar a transformação de um siste-
ma de partido hegemônico para um sistema de partido majoritário (Baez, 2008).
Todavia, a permanência da tutela presidencial e partidária assegurou que
as medidas fossem insuficientes para permitir a condução das eleições de forma
transparente e justa. Embora tenha sido criada a Lei Federal das Organizações
Políticas e Processos Eleitorais (LOPPE), regulamentando os primeiros procedi-
mentos para recursos eleitorais e para impugnações de candidaturas e mandatos,
o controle do processo eleitoral permaneceu dependente do Executivo (Ribeiral,
2012, p. 179).
As eleições de 1988 foram marcadas pela fraude eleitoral e por muitos
protestos pelo país. Neste período, o esquema tradicional institucional fraturou
até o extremo de deslegitimar o resultado das eleições daquele ano.
Os mecanismos de controle dos resultados das eleições de 1988 e interferências
na escolha final do eleitor foram completos abarcando o cadastramento eleitoral,
além da divisão e supervisão dos recursos políticos. As medidas utilizadas
para controle dos resultados eleitorais incluíram, ainda, a queda do sistema
de processamento dos votos e a exclusividade de acesso do PRI aos meios de
comunicação. (Zovatto; Henríquez, 2009, p. 661).
Pressionado pela crise de legitimidade, o Estado mexicano, como respos-
ta institucional e política, procurou a supressão de “vazios” legais, quanto aos
abusos cometidos em relação à prática dos direitos políticos. As duas décadas
finais do Século XX significaram o enfraquecimento do sistema político de
presidencialismo exacerbado e de partido hegemônico, no sentido da constru-
ção procedimental da legitimidade via democracia eleitoral, administrativa e
jurisprudencial.
A crise de 1988 e seus impactos impulsionaram, em 1991, a criação do
Registro Nacional de Cidadãos, denominado, nos dias atuais, por Registro
Federal de Eleitores. Neste período as reformas realizaram o credenciamento
7 Importante lembrar que, em 1979, uma medida de ampliação do sufrágio universal havia sido
tomada. No intuito de ampliar as bases de participação eleitoral e diminuir o abstencionismo,
ocorreram reformas para aumentar a participação política no México. Mediante tais reformas,
o direito ao voto foi concedido aos jovens de 18 anos, em vez dos 21 anos, – como definido em
legislação anterior. Especialmente quanto ao direito de votar, também foram diminuídas as
idades mínimas para candidaturas: de 25 para 21 anos (deputado federal e estadual) e de 35
para 30 anos (senadores). O voto feminino foi uma conquista atribuída ao ano de 1954 (Reza,
2009). Informações disponíveis em: http://portal.te.gob.mx/sites/default/files/publicaciones/
file/equidad_gen_de.pdf )
8 A Reforma Eleitoral de Janeiro de 2014 modificou o nome do IFE para Instituto Nacional
Eleitoral. O órgão ficará responsável por organizar e vigiar mais de 3.000 eleições e designará
os conselheiros dos institutos eleitorais locais. O ponto mais importante incluído nesta refor-
ma é o fim do veto à reeleição para deputados, senadores e prefeitos, um tabu que imperava
na política mexicana desde 1933. O Presidente da República e os governadores não contarão
com este benefício. No que diz respeito às questões de gênero, os partidos políticos estarão
obrigados por lei a apresentar o mesmo número de candidaturas ao Congresso federal para
homens e mulheres. (Disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/2014/01/31/internacio-
nal/1391201693_528045.html)
Considerações finais
12 Disponível em http://www.trife.gob.mx/sites/default/files/EvolucionHistoricaAEM_0.pdf
13 O movimento universitário #YoSoy132 começou com o protesto dos estudantes da Universi-
dade Iberoamericana, localizada na Cidade do México, durante a visita de Peña Nieto, candi-
dato do PRI à presidência. Peña Nieto acusou os manifestantes de não serem estudantes, mas
pessoas contratadas por opositores. Como resposta, os estudantes gravaram um vídeo no qual
131 jovens mostraram a carteira de identificação da universidade. O movimento tornou-se a
expressão da resistência ao retorno político de Enrique Peña Nieto e do partido criado na
Revolução Mexicana (1910- 1924), que governou o país por 71 anos, de 1929 a 2000 (Bozza;
Panke, 2012, p. 226-227)
Tatiana Braz Ribeiral · Mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP)
e Doutora em Ciências Sociais e Política Comparada pela Universidade de Brasília (UnB).
referências
ARENAS, Rebecca. Elecciones 2006 – Cronica de un retroceso democrático. El Cotidiano,
enero/fevrero, vol 21 numero 141. Universidad Autonoma Metropolitana, Distrito Federal,
México, 2006
BÁEZ SILVA, Carlos. La independencia judicial. México. D.F: Editorial Porrúa, 2007.
__________. Democracia y gobernabilidad en México. México. D.F: Editora Laguna, 2008.
BOZZA, Gabriel e PANKE, Luciana. Comunicação e tecnologia no movimento estudantil
mexicano #YOSOY132. Revista Estudos de Comunicação, Curitiba, v. 13, n. 32, p. 221-231, set./
dez. 2012
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: Texto constitucional promulgado em 5
de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas emendas Constitucionais nº 1/92 a 67/2010
e pelas Emendas Constitucionais de Revisão nº 1 a 6/94. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria
de Edições Técnicas, 2011.
CAMPELLO de Souza, Maria do Carmo. Estado e Partidos Políticos no Brasil (1930-1964).
São Paulo: Alfa e Ômega, 1976.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: O longo caminho. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2001.
CONSTITUICION POLITICA DE LOS ESTADOS UNIDOS MEXICANOS, 2012.
Disponível em http://www.diputados.gob.mx/LeyesBiblio/pdf., acessado em novembro de
2013).
COSTA, Pietro. Soberania, representação, democracia: ensaios de história do pensamento jurí-
dico. Curitiba: Juruá Editora, 2010.
DEL CAMPO, Júlia Labastida Martin. Da Unidade Nacional ao Desenvolvimento
Estabilizador (1940-1970.). In: CASANOVA, Pablo González (Orgs). América Latina: his-
tória de meio século. Brasília: Editora da UnB, v. 4, 1990. (Coleção Pensamento Latino-
Americano e Caribenho, n. 2).
FLEISCHER, David. Manipulações casuísticas do sistema eleitoral durante o Período Militar, ou
como usualmente o feitiço vira contra o feiticeiro. Brasília: Editora da UnB, 1994. (Cadernos de
Ciência Política, n.10).
HARTLYN, J.; MCCOY, J. & MUSTILLO, La importancia de la gobernanza electoral y
la calidad de las elecciones en la América Latina contemporánea. Revista América Latina Hoy,
51, p.15-40, 2009.
HERZOG, Jesús Silva. La révolution mexicaine. Paris: François Maspero, 1968.
HOFMEISTER, Wilhelm. (org). Reformas políticas en América Latina. Rio de Janeiro:
Fundação Konrad Adenauer, 2004.
HORASITAS, Ricardo Poza. A Consolidação da Nova Ordem Institucional no Mèxico
(1929-1940). In: CASANOVA, Pablo González (Orgs). América Latina: história de meio sé-
culo. Brasília: Editora da UnB, v. 4, 1990. (Coleção Pensamento Latino-Americano e Caribenho,
n. 2).
JOBIM, Nelson e PORTO, Walter Costa. Legislação eleitoral no Brasil: do século XVI a nos-
sos dias. Brasília: Senado Federal; subsecretaria de Biblioteca, v. 1, 2 e 3, 1996.
KINZO, Maria D´Alva. Representação política. In: KINZO, M. D. Representação política e
sistema eleitoral no Brasil. São Paulo: Símbolo, 1988.
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. 5. ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1986.
MEXICO. Ley General del sistema de Medios de Impugnación em Materia Electoral. – 2 ed., 1
reimp. – México: Tribunal Electoral del Poder Judicial de la Federación, 2009. 87p (Colección
Legislaciones).
REZA, Enrique Ochoa (cood). Equidad de género y derecho electoral en México. México:
Tribunal Electoral del Poder Judicial de la Federación, 2009. Disponível em http://portal.
te.gob.mx/sites/default/files/publicaciones/file/equidad_gen_de.pdf
NICOLAU, Jairo Marconi. Multipartidarismo e democracia: Um estudo sobre o sistema par-
tidário brasileiro. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1996.
__________. História do Voto no Brasil. Rio de Janeiro: Ed Jorge Zahar Editor, 2002.
RIBEIRAL, Tatiana Braz. Padrões de competitividade no jogo democrático: A Legislação
Eleitoral Brasileira (1822/1997). Dissertação de mestrado. São Paulo: Universidade de São
Paulo, 2004.
__________. Direitos Políticos e Legislação Eleitoral no México e Brasil. Tese de Doutorado.
Brasília: Universidade de Brasília,2012.
SADEK, Maria Teresa. A justiça eleitoral e a consolidação da democracia no Brasil. São Paulo:
Fundação Konrad Adenauer, 1995.
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Ordem burguesa e liberalismo político. São Paulo: Duas
Cidades, 1978.
TAGLE, Silvia Gómez. Las Elecciones Del 2 de Julio em la Consolidación del Pluralismo Político:
MÉXICO 2006. III Congresso Latino-Americano de Ciência Política, Unicamp, Campinas,
2006.
VIANNA, Luiz Werneck (Org.). A Democracia e os três poderes no Brasil. Belo Horizonte:
Editora da UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ/Faperj, 2002.
WOLDEMBERG, José; SALAZAR, Pedro; BECERRA, Ricardo. La mecánica del cambio
político en México – Eleicciones, partidos y reformas. México. DF: Ed Cal y Arena, 2011.
ZOVATTO, Daniel e HENRÍQUEZ, J. Jesús Orozco (orgs.) Reforma Política Y Electoral
en América Latina (1978-2007). Instituto de Investigaciones Judíricas. Ed, Universidad
Nacional Autônoma de México- Idea Internacional. México Série Doctrina Jurídica, n.418,
2008.