Avaliacao em Selecao de Pessoas
Avaliacao em Selecao de Pessoas
Avaliacao em Selecao de Pessoas
eletrônico] / Organizadores, Claudio Simon Hutz... [et al.]. – Porto Alegre: Artmed, 2020.
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AVALIAÇÃO EM SELEÇÃO DE PESSOAS
Fabiana Queiroga
Sonia Maria Guedes Gondim
H á uma fase de nossa vida em que estamos aptos a concorrer no mundo do trabalho
e ávidos por construir planos de carreira. Passamos, então, a estar atentos a todos os tipos
de chamadas de ofertas de vagas via editais de concurso público ou anúncios de diversos
setores da economia. Certamente, a nossa qualificação, as condições econômicas e as
redes sociais nos posicionam em relação à concorrência por vagas disponíveis no mercado
de trabalho. Criamos, então, expectativas sobre nossa capacidade para ocupar tais vagas.
Esperamos, também, que o processo seletivo seja elaborado e conduzido corretamente,
de modo que possa avaliar nossos conhecimentos, habilidades e atitudes
comparativamente aos outros candidatos, para, enfim, concluir quão aptos estamos em
relação aos demais.
Tais expectativas sobre o processo seletivo são plenamente justificáveis, visto que
candidatos esperam ser avaliados por critérios considerados justos. E quais seriam esses
critérios? Aqueles congruentes com as atividades e tarefas que o ocupante da vaga irá
desenvolver futuramente. Tais critérios, portanto, devem estar assentados em uma
adequada caracterização da vaga. O grande desafio do processo avaliativo para fins de
preenchimento de vagas em processos seletivos de trabalho, portanto, é o de planejá-lo,
de modo que se avaliem as capacidades do candidato que sejam relevantes para a vaga.
Isso se deve pelo fato de ser muito difícil avaliar a pessoa integralmente em somente um
momento no tempo. Nisso, distingue-se de outros tipos de processos avaliativos para fins
de psicodiagnóstico. É preciso considerar que o processo avaliativo pontual (feito em
apenas um momento) se torna mais vulnerável a falhas, oferecendo maiores riscos de
diagnóstico dos atributos pessoais do candidato a uma vaga do que a avaliação processual
(feita ao longo do tempo), uma vez que, nesta última modalidade, consegue-se visualizar,
na prática cotidiana, as diversas facetas do desempenho individual no contexto em que
ele ocorre.
Por trás de um processo seletivo responsável está um cuidadoso planejamento de
todos os passos necessários, de modo a reduzir ao máximo o risco de se cometer injustiças
por erros de procedimentos e de inadequação de instrumentos de avaliação. Daremos
alguns exemplos para que fique mais claro ao leitor nossa linha argumentativa sobre a
importância da qualificação do profissional de gestão de pessoas.
Na região centro-oeste do País, o jornal da capital de um dos estados registra algo
curioso no início do ano. Uma pequena loja de aviamentos anuncia em uma rede social
que seis vagas estão abertas para trabalho imediato. O processo seletivo virou notícia na
cidade, visto que a quantidade de candidatos às vagas de emprego fez a fila dobrar a
esquina da loja. Diante desse número surpreendente de candidatos, a loja precisou
reorganizar suas estratégias de seleção. Para atender a todos de maneira mais prática e
rápida, realizaram-se entrevistas coletivas com 40 pessoas por vez.
Observe que esse exemplo deixa em evidência que o profissional responsável pela
seleção foi surpreendido pelo número de candidatos. No entanto, um processo seletivo
bem planejado deveria estimar o número provável de candidatos, e, caso se presuma haver
grande concorrência, seria recomendável definir e divulgar critérios de inclusão
justificáveis para pleitear a vaga. A divulgação de tais critérios ajuda na autosseleção,
evitando que candidatos que não reúnam as condições mínimas se inscrevam, dificultando
o desenvolvimento do processo seletivo. É fundamental que o profissional de gestão de
pessoas tenha claro que o subsistema de entrada de pessoas na organização deve estar
articulado a diversos outros subsistemas de pessoas, que envolvem treinamento,
desenvolvimento e avaliação de desempenho, haja vista seus impactos nos resultados
organizacionais e no bem-estar do trabalhador (Gondim & Queiroga, 2015; Queiroga,
2015; Salgado, 2001).
Se uma vaga for fácil de ser preenchida, por exigir poucas competências do
trabalhador, certamente a concorrência será grande, e, assim, torna-se dispensável o
treinamento. Se, ao contrário, a vaga possui um desenho de trabalho mais complexo,
exigindo maior domínio de competências do trabalhador, será previsível a dificuldade de
encontrar um bom candidato para ocupá-la. Torna-se, então, recomendável refletir se não
seria o caso de diminuir as exigências, focando o processo de seleção em critérios que
permitam avaliar aquele candidato que reúne maior potencial para ser treinado em pouco
tempo. A opção por esse caminho só se torna viável se a organização dispõe de condições
para oferecer tal treinamento. Caso não haja essa possibilidade, o recomendável é ampliar
as fontes de recrutamento externo, para tentar obter candidatos com chances de virem a
ocupar a vaga. Daí a importância de não tratar o processo seletivo como algo
independente dos outros subsistemas de gestão de pessoas (Gondim & Queiroga, 2015).
Retomemos o nosso exemplo. Diante do número de candidatos não previsto no
planejamento, a solução técnica usada pelo profissional foi a de realizar entrevistas
coletivas com 40 candidatos. Será que a loja de aviamentos conseguiu encontrar uma
operadora de bordado competente – uma das seis vagas oferecidas – utilizando-se da
estratégia de entrevista coletiva? Os repositores e vendedores – demais vagas pretendidas
– foram adequadamente selecionados entre o grupo de 40 pessoas? E, se não, quais
deveriam ter sido os procedimentos e instrumentos mais apropriados? Eram necessárias
ferramentas de seleção diferenciadas?
Essas duas últimas perguntas são orientadoras de qualquer processo seletivo e nos
levam a concluir que uma seleção é, via de regra, um processo de avaliação que faz uso
de ferramentas para diagnosticar as capacidades do candidato à luz das exigências e dos
requisitos do trabalho. E, desse modo, como qualquer procedimento de avaliação, uma
seleção adequada deve lançar mão de ferramentas em quantidade e qualidade, para que
elas se complementem e tragam resultados avaliativos mais confiáveis. Será possível
obter informações das diferenças individuais em termos de capacidades para o trabalho
entrevistando ao mesmo tempo 40 pessoas? Entrevistas grupais contribuem para avaliar
comportamentos e respostas individuais em contexto de influência social. Certamente,
são mais econômicas em termos temporais do que entrevistas individuais, mas nem
sempre são aplicáveis a toda situação de avaliação. Se o que se almeja é avaliar a
capacidade de o trabalhador ouvir os demais e oferecer contribuições para a solução de
problemas que integrem as diversas opiniões dos outros membros do grupo, a entrevista
coletiva pode ajudar a diagnosticar essa capacidade. Mas, se o desenho do trabalho requer
somente domínio técnico, talvez seja mais apropriado submeter o candidato a uma prova
prática ou situacional. Esse tipo de prova permite avaliar o candidato nos domínios do
fazer (habilidades práticas), mais próximo da situação de trabalho real.
Como se pode depreender do que foi dito até então, o número de ferramentas ou
técnicas em sua qualidade e quantidade deve ser fruto da reflexão crítica sobre o melhor
ajuste entre requisitos a serem preenchidos e as habilidades e capacidades a serem
avaliadas do provável ocupante da vaga. Isso é avaliar.
Considerando que se trata de um complexo processo, as etapas de uma avaliação
devem ser planejadas e executadas com a atenção e o cuidado necessários, para que não
se produzam inferências diagnósticas equivocadas que aumentem o risco de prognósticos
falhos a respeito do desempenho futuro no trabalho. Alguns dos problemas podem
decorrer de erros na escolha dos procedimentos e da má qualidade psicométrica dos
instrumentos de medida selecionados.
A título de ilustração de inferências equivocadas que podem prejudicar a avaliação
apropriada do candidato, imagine a seguinte situação: um homem jovem e bonito, junto
com várias mulheres jovens, está concorrendo a uma vaga para professor de 1o ano do
ensino fundamental. Que inferências poderiam ser feitas sobre ele a partir dessa simples
informação? Ainda que o profissional de gestão de pessoas não fosse preconceituoso,
dificilmente lhe escaparia indagar por que um homem jovem e bonito se candidataria a
uma vaga que, em geral, é ocupada por mulheres e, tradicionalmente, oferece baixos
salários. A adoção de procedimentos de entrevistas em substituição às provas práticas e
situacionais poderia contribuir para inferências equivocadas sobre o potencial do
candidato. Aí temos dois problemas: os vieses ocupacionais do profissional, passíveis a
qualquer ser humano, e os procedimentos e as ferramentas adotados para a seleção da
vaga. No primeiro caso, a solução para lidar com os vieses subjetivos presentes em todos
nós seria recorrer a critérios avaliativos que evitassem o peso desses vieses, não
dispensando a entrevista, mas incluindo critérios objetivos na avaliação do candidato,
como a prova prática, medida por um protocolo de observação, apoiado em parâmetros
técnicos. Medidas mais adequadas seriam aquelas que pudessem avaliar as competências
em termos de conhecimentos sobre os processos educativos envolvendo crianças, de
habilidades para lidar cotidianamente com demandas infantis e as atitudes favoráveis à
educação infantil. Tais medidas ofereceriam menos riscos de prognósticos sobre o
desempenho futuro de um candidato homem a uma vaga que, majoritariamente, vem
sendo ocupada por mulheres.
Esse exemplo ilustra que a qualidade do resultado de uma avaliação depende da
escolha das ferramentas a serem utilizadas. Informações distorcidas por vieses
decorrentes da má qualidade das ferramentas geram diagnósticos equivocados e
imprecisos, com impactos na tomada de decisão. No caso de processos seletivos, erros na
decisão de contratação de pessoas podem gerar consequências negativas para os demais
subsistemas de gestão de pessoas, como absenteísmo, desadaptação, desempenho ineficaz
e ineficiente, desengajamento e falta de comprometimento afetivo com o trabalho.
Ao se considerar a seleção de um processo de avaliação que se diferencia dos demais
tipos de avaliação pelo seu propósito de identificar pessoas aptas para atuarem com
competência em uma determinada função ou cargo, os cuidados com a escolha das
ferramentas e dos parâmetros de comparação devem ser rigorosamente observados. E
quais instrumentos devem ser adotados em uma seleção de pessoas? Essa resposta pode
ser obtida com uma cuidadosa análise do trabalho e do contexto organizacional. Com a
primeira, ficam esclarecidos os objetos que devem ser avaliados ao longo da seleção, e,
com a segunda, se esclarecem os parâmetros a serem adotados para uma adequada
retenção dos candidatos com potenciais.
São muitos os instrumentos que podem ser contemplados em um processo seletivo. A
decisão de qual conjunto é mais pertinente para a seleção envolve uma análise complexa
por parte do profissional, que inclui: (i) as características; (ii) os atributos e (iii) as
competências do candidato que serão avaliadas, com base em uma criteriosa análise do
desenho do trabalho e do contexto em que as atividades serão realizadas; (iv) o tempo e
os recursos disponíveis para que o processo tenha curso; e (v) a previsão do número de
candidatos (Queiroga, 2015; Salgado, 2001). A Figura 14.1 organiza e sintetiza as etapas
envolvidas nessa análise, destacando os elementos a serem ponderados até a decisão final
sobre o desenho do processo seletivo.
Figura 14.1 / Processo de análise para escolha das ferramentas do processo seletivo.
Análise do trabalho
Em geral, os profissionais da área de serviços gerais são solicitados a executar trabalhos
de limpeza e conservação de dependências internas e externas da unidade em que estão
lotados, bem como de utensílios, móveis e equipamentos, para mantê-los em condições
de uso. Entre as suas atividades, podem estar incluídas separar materiais recicláveis para
descarte (vidraria, papéis, resíduos laboratoriais), controlar o estoque e sugerir compras
de materiais pertinentes à sua área de atuação.
É esperado que esse profissional desenvolva suas atividades utilizando normas e
procedimentos de biossegurança e/ou segurança do trabalho que zelem pela guarda,
conservação, manutenção e limpeza dos equipamentos, instrumentos e materiais
utilizados, bem como do local de trabalho, e, ainda, que execute o tratamento e o descarte
dos resíduos de materiais provenientes do seu local de trabalho e outras tarefas correlatas,
conforme necessidade ou a critério de seu superior.
Figura 14.2 / Desenho de processo seletivo para retenção de candidatos para auxiliar de serviços gerais.
Essa é uma vaga que, em geral, costuma agregar muitos candidatos na fase de
recrutamento. O desenho de seleção indicado prevê que a análise do currículo seja
utilizada para fazer a triagem dos candidatos, eliminando aqueles que não apresentarem
os requisitos demandados para a vaga, tais como disponibilidade para o tipo de trabalho
que será realizado (p. ex., algo relacionado à jardinagem) ou a jornada de trabalho exigida
(p. ex., o trabalho precisar ser feito de madrugada). Portanto, essas especificidades devem
ser indicadas no recrutamento, a fim de orientar e aumentar a efetividade da triagem de
currículos.
O cargo de auxiliar de serviços gerais demanda a realização de tarefas essencialmente
psicomotoras. Ainda que o trabalhador tenha de reconhecer os produtos e instrumentos,
a maior exigência está na aplicação prática, no manuseio de tais materiais. Portanto, é
essencial que uma das etapas do processo seletivo busque avaliar as habilidades práticas
dos candidatos. Para isso, pode ser conduzida uma dinâmica de simulação com grupos de
candidatos, com a apresentação de fotografias de algumas instalações da instituição (sala
de aula, laboratório, recepção do ambulatório, consultório dentário, escritório, banheiro e
pátio) com algumas situações-problema. Devem ser apresentadas, também, gravuras de
materiais e equipamentos de proteção individual que serão usados para realizar a limpeza
desses ambientes.
O objetivo do candidato é escolher as gravuras dos materiais e equipamentos de
proteção individual (EPIs) e montar um passo a passo de como realizar a atividade de
limpeza nos ambientes. Os materiais devem ser escolhidos após uma pesquisa sobre quais
produtos e EPIs são utilizados na instituição em que os candidatos serão alocados. Ao
concluir a atividade, o candidato deve compartilhar o seu passo a passo com o grupo e
chegar a uma conclusão única.
Para a realização dessa atividade, é necessário estarem claros os critérios de avaliação
para a apresentação do passo a passo, para que seja possível pontuar a proficiência do
candidato (p. ex., em escala de 0 a 10). O avaliador também pode explorar um pouco mais
a técnica do candidato, fazendo perguntas, formuladas previamente, sobre qual seria sua
atuação em determinadas situações.
Por fim, a entrevista individual é útil e importante para avaliar outras características
que favoreçam a adesão do candidato à empresa, tais como postura cordial e respeitosa
com colegas e clientes, além de outros itens relacionados à cultura organizacional e às
especificidades do local de trabalho dos candidatos. Também é possível investigar a
relação do candidato com questões contratuais, como pontualidade e assiduidade.
Análise do trabalho
Os produtores de conteúdo podem ter diferentes formações (Letras, Comunicação Social,
Jornalismo, etc.), mas devem ter domínio da escrita em língua portuguesa e habilidade
para fazer revisão de textos. No caso da vaga especificada, os candidatos devem estar
aptos a trabalhar com variados estilos de linguagem, sobretudo a utilizada na internet, e
acompanhar regularmente lançamentos de filmes, séries e músicas.
Para ocupar essa vaga, é necessário um elevado grau de autonomia e disciplina para
trabalhar em home office, ter visão sistêmica da tarefa – para perceber que o seu trabalho
precisa da atuação de outros profissionais para alcançar seu objetivo –, ter potencial para
liderar e atuar como liderado. Deve ser considerada, ainda, a experiência com a produção
de conteúdo para grandes públicos, a capacidade de trabalhar em equipe multidisciplinar,
a habilidade com redes sociais e o grau de envolvimento com aspectos culturais e
atualidades em geral.
Figura 14.3 / Desenho de processo seletivo para retenção de candidatos para produtor de conteúdo on-line.
Com o desenho de seleção sugerido, a análise do currículo seria útil para fazer uma
primeira triagem dos candidatos e eliminar aqueles com menor experiência na área, já
que a experiência se mostra um critério importante para essa vaga. Observar a forma
como o candidato apresenta as informações profissionais e pessoais no currículo pode ser
uma boa maneira de analisar seu potencial criativo e, também, seu domínio dos estilos de
linguagem.
Os aspectos técnicos e comportamentais podem ser analisados em uma boa entrevista
semiestruturada. Para produzir conteúdo para sites de entretenimento, é necessário que o
candidato seja consumidor regular de filmes, séries, livros e música. Assim, perguntas
sobre o tempo gasto com esse tipo de atividade, bem como sobre o gênero musical e
literário de preferência, são bem-vindas. É fundamental que os candidatos apresentem o
padrão comportamental esperado nesse aspecto, de modo a viabilizar sua justa
classificação.
Os primeiros classificados devem desenvolver uma peça relacionada à função que
desempenharão. O produto solicitado deve viabilizar a análise do domínio da língua
portuguesa e da capacidade de compreender comandos semelhantes àqueles que serão
requeridos no trabalho. Como o profissional precisará trabalhar em home office, é
adequado que essa etapa do processo seletivo ocorra com o uso de ferramentas eletrônicas
e com o apoio da internet. Assim, é possível avaliar se o candidato acompanha agilmente
o que é solicitado de modo não presencial.
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1
Este exemplo foi baseado no relatório final de estágio curricular obrigatório de Juliana Amorim de Souza, de
2016-1, na época estudante de Psicologia da Universidade Federal da Bahia.
2
Este exemplo foi descrito a partir do processo seletivo que efetivamente é empregado em uma agência de
inteligência em rede, situada em Brasília (DF).