Materialidade e Os Bebês ANA JULIA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

ANA JULIA LUCHT RODRIGUES

MATERIALIDADE(S) E OS BEBÊS: UM ESTUDO SOBRE SUAS AÇÕES E A


CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO DA CRECHE

CURITIBA
2020
ANA JULIA LUCHT RODRIGUES

MATERIALIDADE(S) E OS BEBÊS: UM ESTUDO SOBRE SUAS AÇÕES E A


CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO DA CRECHE

Dissertação apresentada ao curso de Pós-Graduação em


Educação, Setor de Educação, Universidade Federal do
Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de
Mestre em Educação.

Orientadora: Profa. Dra. Angela Maria Scalabrin


Coutinho

CURITIBA
2020
Ficha catalografica elaborada pelo Sistema de
Bibliotecas/ UFPR — Biblioteca do Campus Rebougas
Tania de Barros Baggio - CRB9/760
com os dadosfornecidos pelo(a) autor(a)

Rodrigues, Ana Julia Lucht.


Materialidade(s) e os bebés: um estudo sobre suas agdes e a
construcao do espaco da creche / Ana Julia Lucht Rodrigues. —
Curitiba, 2020.

327f.

Dissertagao (Mestrado) — Universidade Federal do Parana.


Setor de Educagao, Programa de Pés-Graduagao em Educagao.
Orientadora: Profa. Dra. Angela Maria Scalabrin Coutinho

1.Criangas - Pesquisa. 2. Creches. 3. Creches — Controle de


qualidade. |. Titulo. Il. Universidade Federal do Parana.
MINISTERIO DA EDUCAGAO,
SETOR DE EDUCACAO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANA
UFPR PRO-REITORIA DE PESQUISA E POS-GRADUACAO
PROGRAMA DE POS-GRADUACAO EDUCACAO -
40001016001P0

TERMO DE APROVACAO

Os membros da Banca Examinadora designada pelo Colegiado do Programa de Pés-Graduagao em EDUCAGAOda Universidade
Federal do Parand foram convocadospara realizar a arguigdo da dissertacao de Mestrado de ANA JULIA LUCHT RODRIGUES
intitulada: MATERIALIDADE(S) E OS BEBES: UM ESTUDO SOBRE SUAS ACGOES E A CONSTRUGAO DO ESPAGO DA

CRECHE, soborientagdo da Profa. Dra. ANGELA MARIA SCALABRIN COUTINHO, que apésterem inquirido a aluna e realizada a
avaliagao dotrabalho, s80 de parecer pela sua APROVAGAOnorito dedefesa.
A outorga dotitulo de mestre esta sujeita a homologagao pelo colegiado, ao atendimento de todas as indicag6es e corregbes
solicitadaspela banca e ao pleno atendimento das demandasregimentais do Programa de Pés-Graduagao.

CURITIBA, 25 de Setembro de 2020.

Assinatura Eletronica Assinatura Eletronica


12/10/2020 09:02:17.0 13/10/2020 08:20:54.0
ANGELA MARIA SCALABRIN COUTINHO JADER JANER MOREIRA LOPES
Presidente ca Banca Examinadora Avaliador Externo (UNIVERSIDADE FEDERALDE JUIZ DE FORA )

Assinatura Eletrénica Assinatura Eletr6nica


20/10/2020 21:35:15.0 11/10/2020 19:20:59.0
DANIELA DE OLIVEIRA GUIMARAES CATARINA DE SOUZA MORO.
Avaliador Externo ( UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO) AvaliadorInterno (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANA)

Rockefeller n° 57 ? Rebougas- CURITIBA- Parana - Brasil


CEP 80230-130 - Tel: (41) 3535-6255 - E-mail: [email protected]
Documento assinadoeletronicamente de acordo com o dispostona legislacao federal Decreto 8539 de 08 de outubro de 2015.
Gerado e autenticado pelo SIGA-UFPR, com a seguinte identificacao tinica: 55196
Para autenticar este documento/assinatura, acesse https://(www.prppg.ufpr.br/siga/visitante/autenticacaoassinaturas jsp
e insira 0 codigo 55196
Aos bebês do CMEI Porto Seguro
AGRADECIMENTOS

O tempo dedicado a esta dissertação produziu em mim um forte sentimento de gratidão


e, ao longo destes dois anos e meio, desejei parar em diversos momentos para agradecer a todos
que me deram suporte para que esta pesquisa acontecesse. Para que eu pudesse me dedicar às
aulas, estudos, idas à campo, sistematização dos dados e escrita, precisei contar com o apoio de
pessoas às quais serei eternamente grata.
Dedico esta dissertação aos bebês do CMEI Porto Seguro e também agradeço a eles,
Alice, Allan, Allicia, Beatriz, Bernardo, Davi, Davi Luccas, Heloísa, Kaylan, Laura, Lívia,
Lolo, Luiza, Mateus, Melissa, Nathiely, Pedro, Valentina e Yasmin, por diariamente me
acolherem em seus cotidianos. Agradeço também as suas famílias. Obrigada por me permitirem
conhecer mais sobre o mundo a partir da perspectiva dos bebês.
Agradeço também à diretora, pedagoga, professoras e funcionários do CMEI Porto
Seguro. Obrigada por me acolherem na instituição, abrirem as portas e me entregarem uma
chave do armário. Agradeço a forma afetuosa e respeitosa com que me receberam e, assim, me
permitiram aproximar-me do complexo processo de construção do espaço da creche.
Agradeço à Secretaria Municipal de Educação de Curitiba por autorizar a pesquisa e me
permitir refletir sobre a(s) materialidade(s) a partir da experiência educativa de uma creche
pública do município.
Agradeço aos professores da linha de Educação, Diversidade, Diferença e Desigualdade
Social do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPR, com quem tive aula durante o
mestrado. Os aportes plurais e críticos com os quais tive contato me permitiram dialogar com
os referencias teóricos mobilizados nesta pesquisa. O princípio da diferença sustenta esta
pesquisa e o meu processo formativo.
Do mesmo modo, agradeço aos meus colegas do mestrado. Vê-los fazer pesquisa diante
do atual cenário político brasileiro e discutir questões de desigualdade social, raça, gênero e
inclusão, exige coragem. Obrigada por me darem forças para fazer pesquisa neste cenário
distópico que estamos vivendo.
Agradeço às professoras do NEPIE, Ângela Coutinho, Catarina Moro e Gizele de Souza.
Sou grata por poder caminhar com vocês desde a graduação. Vocês me mostram o que significa
fazer pesquisa e exercer a docência no ensino superior com compromisso e de forma
visceralmente coerente. As admiro muito e desejo sempre caminhar com vocês.
Agradeço à professora Angela Coutinho, em especial, por me orientar nessa pesquisa.
Obrigada pela leitura meticulosa do meu texto e pelas longas horas de orientação que me
ajudaram a fortalecer as reflexões realizadas. Obrigada também por ser um ombro amigo e pela
escuta atenta. Fazer pesquisa, assim como trabalhar com educação, é falar sobre relações
humanas. Caminhar com você torna esse princípio concreto.
Aos colegas do grupo de pesquisa e, em especial, as minhas amigas, Franciele, Graciele,
Mariana e Marina, obrigada por fazerem a leitura de textos incompletos, projetos de pesquisa e
me acompanharem em congressos. Obrigada pelo apoio no decorrer do processo seletivo e
durante toda a realização desta dissertação. É com vocês que descobri que fazer pesquisa não
pode ser uma tarefa solitária.
Agradeço à Escola Parlenda. À Sonia Sillas e Ivanir Dedecek, por acolherem a minha
vida dupla de pedagoga e mestranda e garantirem as condições necessárias para que eu pudesse
realizar essa pesquisa com segurança e tempo. As minhas colegas da Parlenda, de 2016 até hoje,
vocês me acompanham na minha trajetória docente e de coordenadora pedagógica e sou
profundamente grata às reflexões que construímos juntas. É com vocês que busco diariamente
enfrentar o falso binômio de teoria e prática e, por isso, sei que ao lerem esse trabalho vocês
encontrarão ecos de discussões que realizamos no chão da escola. Obrigada pelo espírito
inquieto com que vocês abraçam a tarefa de educar!
Em especial, agradeço à Ana Paula Pamplona e Silvia Pandini, fazer escola com vocês
é um grande presente. Encontrei em vocês a amizade que me deu forças para acreditar em mim
mesma e exemplos de pedagogas que acolhem de forma impetuosa o desafio de construir
projetos educativos abertos ao imprevisto e que se realizam com as crianças. Obrigada por me
escutarem falar sobre os desafios do processo de pesquisa, as paixões pelos autores que conheci
e as batalhas conceituais que travei ao longo deste tempo. Obrigada por falaram de afetos, pelo
afago e momentos de desabafo.
Agradeço à Ana Luisa Manfredini pela amizade e por aceitar me acompanhar no desafio
de fotografar e catalogar mais de 11.000 itens do acervo do CMEI, tornando-se minha assistente
de pesquisa. Os dias que passamos juntas foram atravessados pela tarefa de abrir caixas, dispor
materiais, contar e registrar, assim como pelo longo trajeto de carro. Obrigada por me escutar
durante essas viagens e muito obrigada por tornar viável a tarefa de catalogar os materiais do
CMEI. Isso só foi possível porque pude contar com você.
Muito obrigada aos meus amigos, aos que me acompanham há muitos anos e aos que
fiz durante esse processo de mestrado. Apesar da minha ausência, vocês se mantiveram ao meu
lado. Não seria possível fazer pesquisa sem esta rede de afetos. Obrigada!
Ao meu marido, amigo e amor, Guilherme, obrigada por me ajudar com tarefas
essenciais para a realização desta pesquisa: formatação do banco de dados, programação de
planilhas do excel e criação do site. Você dedicou seu tempo para me ajudar a tornar essa
pesquisa concreta, esteve ao meu lado nos momentos de dúvida e celebrou cada uma das
pequenas vitórias. Não poderia ter escolhido alguém melhor para estar comigo ao longo da
vida! Obrigada por ser um verdadeiro companheiro!
A minha família, obrigada por todo o apoio e pela confiança depositada em mim. Cresci
com vocês, mãe, pai e irmã, descobrindo um mundo pelo qual vale a pena lutar. Se hoje me
dedico à educação, é porque com vocês aprendi a amar o mundo. Esse amor me move a resistir
e a defender os direitos das crianças.
Obrigada a Deus, pelo amparo ao longo de toda minha vida.

Obrigada a todos vocês!


“Pienso en los gestos olvidados, en los
múltiples ademanes y palabras de los
abuelos, poco a poco perdidos, no
heredados, caídos uno tras otro del árbol
del tiempo. Esta noche encontré una vela
sobre la mesa, y por jugar la encendí y
anduve con ella en el corredor. El aire del
movimiento iba a apagarla, entonces vi
levantarse sola mi mano izquierda,
ahuecarse, proteger la llama con una
pantalla viva que alejaba el aire. (...)

Pienso en esos objetos, esas cajas, esos


utensilios que aparecen a veces en
graneros, cocinas o escondrijos, y cuyo uso
ya nadie es capaz de explicar. Vanidad de
creer que comprendemos las obras del
tiempo: él entierra sus muertos y guarda las
llaves. Sólo en sueños, en la poesía, en el
juego – encender una vela, andar con ella
por el corredor – nos asomamos a veces a
lo que fuimos antes de ser esto que vaya a
saber si somos.”

Julio Cortázar
Rayuela – Cap.105
RESUMO

Este estudo tem por objeto de pesquisa o processo de construção do espaço da creche a partir
de uma análise das materialidades e das ações dos bebês. A investigação sustenta-se em um
quadro teórico interdisciplinar, mobilizando conceitos provenientes do campo da educação, da
sociologia, da geografia e da antropologia. O diálogo entre os diferentes referenciais teóricos
adotados ocorre a partir dos princípios da diferença, da pedagogia da infância e das pesquisas
com crianças. Assim, este estudo tem por objetivo compreender o processo de construção do
espaço da creche por meio das relações construídas entre os bebês e a(s) materialidade(s). A
fim de atender ao objetivo proposto, realizou-se um estudo etnográfico com bebês de 13 a 23
meses em uma instituição pública de educação infantil do munícipio de Curitiba (PR) durante
o ano de 2019. Como ferramentas e procedimentos de pesquisa, foi realizado amplo
levantamento bibliográfico sobre a temática do espaço e da creche, observação participante,
elaboração de um diário de campo, registros fotográficos e audiovisuais, entrevistas com as
professoras do berçário e com a diretora da instituição, assim como a contagem e catalogação
dos materiais disponíveis no centro municipal de educação infantil em que se realizou a
pesquisa. A investigação teve início com um estudo exploratório, o qual viabilizou a pesquisa
de campo. O processo de inventariar e categorizar as materialidades ofertadas aos bebês e
disponibilizadas na instituição permitiu que o espaço fosse compreendido como uma categoria
porosa e dinâmica, permanentemente em transformação. A análise dos processos de
constituição do acervo deu visibilidade aos desafios de preservação da infraestrutura e
renovação do acervo material, apontando para o isolamento da instituição, como um efeito dos
processos de descentralização de recursos financeiros. Do mesmo modo, observou-se a
apropriação criativa feita pelos adultos dos diferentes espaços e materiais aos quais têm acesso.
As relações entre os bebês e a(s) materialidade(s), por sua vez, permitiram uma reflexão acerca
da dimensão material da experiência humana e das práticas da cultura das bebês, por meio das
quais a creche se transforma de um lugar para os bebês, em um lugar deles. Como práticas
culturais e materiais dos bebês, foi dado destaque para o perambular, os usos funcionais das
coisas e as coreografias do brincar. Observou-se que as relações entre os bebês e as
materialidades se dão a partir dos emaranhados material-semióticos a partir dos quais eles se
constituem e constroem o espaço, sendo necessário mobilizar conceitos que reconheçam esta
indissociabilidade entre as ideias e a materialidade. Da mesma forma, o movimento e aspectos
não-representáveis da experiência humana devem ser considerados no processo de observação
dos bebês e análise de suas ações. A acolhida do imprevisto e o reconhecimento dos convites
feitos pela matéria se tornam latentes nos eventos do brincar e nos encontros efêmeros vividos
pelos bebês. A partir destes resultados, apresenta-se um conjunto de orientações propositivas
para a organização do espaço da creche, as quais acolhem e favorecem as práticas infantis,
garantindo e promovendo os direitos das crianças, desde bebês.

Palavras-chave: Pesquisa com bebês. Critérios de qualidade. Materialidade. Creche. Espaço.


ABSTRACT

The object of this research is the process of construction of the nursery school space, focusing
on the materiality and babies’ agency. Based on an interdisciplinary theoretical approach, this
investigation deploys concepts derived from the field of education, sociology, geography and
anthropology. The dialogue among the different theoretical references occurs through the
principles of difference, early childhood education and research with children. This study aims
to understand the process of construction of the nursery school space through the relations
established between babies and materialities. It was realized an ethnographical study with
babies of 13 up to 23 months at a nursery school of the city of Curitiba (PR) during the year of
2019. The main tools and research procedures were large bibliographical research, participant
observation, field journal, photos and videos, interviews with the babies’ teachers and the head
teacher, as well as an inventory of the materials and furniture available at the nursery school.
The investigation was sustained by an exploratory study. The space has been perceived as a
porous and dynamic category, which is continuously changing. By looking at the inventory, it
was noticed how adults make creative appropriations of spaces and materials to which they
have access and its analysis has given visibility do the challenges of preservation and renovation
of the material inventory, pointing to the isolation of the nursery school as an effect of the
decentralization processes of financial resources. The relations established between babies and
materialities have allowed a reflection about the material dimension of the human experience
and the practices of babies’ cultures, through which the space becomes their place instead of a
place for them. It has also been highlighted the practices of wandering, the functional systems
created by the babies and the choreographies of play. It has been noticed that the interactions
between babies and things occur through the material-semiotic entanglements from which they
constitute themselves and construct the lived space. This research shows that it is necessary to
deploy concepts that recognize the indissociability of materiality and ideas. In the same way,
movement and non-representable dimensions of the human experiences must be considered in
the processes of babies’ observation and at the analysis of their actions. The acceptance of
unforeseeable events and the recognition of the material invitations become visible at the play
events and the ephemeral encounters lived by babies. To conclude, there are presented some
prospective suggestions for the organization of the nursery school space, which include and
foster childhood practices, guaranteeing and promoting babies’ rights.

Keywords: Research with babies. Quality Criteria. Materiality. Nursery School. Space.
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Idade dos bebês participantes da pesquisa ............................................................. 40


Quadro 2 – Organização das turmas de creche no município de Curitiba no ano de 2019 ...... 40
Quadro 3 – Descritores do levantamento bibliográfico ............................................................ 53
Quadro 4 – Idas a campo e tempo de permanência no CMEI Porto Seguro ............................ 86
Quadro 5 – Unificação dos arquivos de imagem para categorização ....................................... 90
Quadro 6 – Organização dos eventos ....................................................................................... 91
Quadro 7 – Organização dos eventos por materialidade .......................................................... 92
Quadro 8 – Organização dos eventos por bebê ........................................................................ 93
Quadro 9 – Classificação das Materialidades ........................................................................... 95
Quadro 10 – Classificação segundo processo de produção/origem ......................................... 97
Quadro 12 – Apresentação dos bebês participantes da pesquisa ............................................ 102
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Quantidade e Variedade de Materialidades .......................................................... 144


Tabela 2 – Distribuição das materialidades do berçário segundo o material ......................... 151
Tabela 3 – Distribuição das materialidades segundo categoria pedagógica ........................... 152
Tabela 4 – Quantidade de materialidades por tipo de produção e acesso das crianças .......... 156
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Diagrama de fluxo: revisão sistemática da literatura .............................................. 56


Figura 2 – Diagrama do estudo exploratório ............................................................................ 82
Figura 3 – Mapa do Brasil Político........................................................................................... 84
Figura 4 – Mapa da cidade de Curitiba .................................................................................... 84
Figura 5 – Tarefa do grupo focal: categorização das materialidades ....................................... 89
Figura 6 – Distribuição dos eventos de acordo com a classificação das materialidades .......... 99
Figura 7 – Heloísa e o Diário de campo ................................................................................. 108
Figura 8 – Fachada e Imagem Aérea do CMEI Porto Seguro ................................................ 116
Figura 9 – Planta do CMEI Porto Seguro ............................................................................... 117
Figura 10 – Espaços, Famílias e Comunidade Externa .......................................................... 120
Figura 11 – Espaço de Amamentação .................................................................................... 121
Figura 12 – Refeitório/ Área de entrada e Estante de Materiais Não-Estruturados ............... 122
Figura 13 – Espaços, Professoras e Funcionários .................................................................. 124
Figura 14 – Copa .................................................................................................................... 125
Figura 15 – Sala dos Professores: Estudo e Descanso............................................................ 126
Figura 16 – Sala de Materiais e Brinquedos da Sala Multiuso ............................................... 127
Figura 17 – Sugestão de Mobiliário em Tamanho Adulto ..................................................... 128
Figura 18 – Espaços e o Cotidiano das Crianças .................................................................... 129
Figura 19 – Banheiros Infantis ............................................................................................... 131
Figura 20 – Solário ................................................................................................................. 133
Figura 21 – Fraldário .............................................................................................................. 134
Figura 22 – Sala Multifuncional e seus Microambientes ....................................................... 135
Figura 23 – Área Externa do CMEI Porto Seguro.................................................................. 136
Figura 24 – A distribuição do material ................................................................................... 149
Figura 25 – Distribuição das categorias por material ............................................................. 154
Figura 26 – Materiais não-estruturados .................................................................................. 160
Figura 27 – A Line Made by Walking .................................................................................... 170
Figura 28 – Pedro e as linhas no piso do solário (19/06/2019) .............................................. 171
Figura 29 – Pedro vaga pelo jardim (05/05/2019) .................................................................. 179
Figura 30 – Luiza e Heloísa perambulam pela sala (24/04/2019) .......................................... 185
Figura 31 – Nathiely e Kaylan perambulam pelo solário (19/06/2019) ................................. 187
Figura 32 – Yasmin e os sapatos (10, 15 e 17/05) .................................................................. 189
Figura 33 – Yasmin se desloca com o apoio de uma bacia (17/05/2019) .............................. 190
Figura 34 – Laura e a bacia de metal (17/05/2019) ................................................................ 191
Figura 35 – Nathiely e o encontro com a pedrinha (24/04/2019) ........................................... 192
Figura 36 – Melissa, a sombra e a parede (19/06/2019)......................................................... 194
Figura 37 – Allicia, o gesto e o duplo (19/06/2019)............................................................... 199
Figura 38 – Beatriz, Yasmin e o som do avião (06/06/2019) ................................................. 202
Figura 39 – Yasmin e o avião (12/06/2019) ........................................................................... 203
Figura 40 – Laura e a cadeira (10/05/2019) ........................................................................... 208
Figura 41 – Davi Luccas, Valentina e o Ritual do Almoço (24/04/2019 e 03/05/2019) ........ 215
Figura 42 – As almofadas e o descanso da Yasmin (05/06/2019).......................................... 218
Figura 43 – A boneca, o livro e o descanso de Yasmin (10/05/2019 e 24/04/2019) .............. 219
Figura 44 – A garrafa, o Allan e a Luiza (07/06/2019) .......................................................... 221
Figura 45 – Davi e a cadeira como apoio (22/05/2019) ......................................................... 222
Figura 46 – Luiza, Melissa, a mesa e a garrafa (07/06/2019) ................................................ 223
Figura 47 – Kaylan, o caixote e a maçaneta (24/04/2019) ..................................................... 223
Figura 48 – Laura e o caixote (24/04/2019) ........................................................................... 224
Figura 49 – Valentina e o pneu-banco (03/05/2019) .............................................................. 225
Figura 50 – Davi Luccas, Davi e os gestos (03/05/2019)....................................................... 226
Figura 51 – A vareta: Nathiely, Heloísa e Beatriz (05/06/2019) ............................................ 231
Figura 52 – Davi Luccas e o peixe (03/05/2019) ................................................................... 241
Figura 53 – Parte I: Laura e as composições (31/05/2019) .................................................... 243
Figura 54 – Parte II: Laura e as composições (31/05/2019) ................................................... 244
Figura 55 – Parte I: O cilindro e a Lívia (10/05/2019) ........................................................... 247
Figura 56 – Parte II: O cilindro e a Lolo (10/05/2019) .......................................................... 248
Figura 57 – Parte III: O cilindro e a Laura (10/05/2019) ....................................................... 248
Figura 58 – Parte IV: O cilindro e a Lolo (10/05/2019) ......................................................... 249
Figura 59 – Parte V: O cilindro e a Yasmin (10/05/2019) ..................................................... 250
Figura 60 – Parte I: A Areia e a Beatriz (14/06/2019) ........................................................... 253
Figura 61 – Parte II: A areia, a Beatriz e o Kaylan (14/06/2019)........................................... 254
Figura 62 – Parte III: A areia, a Beatriz e a Alice (14/06/2019) ............................................ 255
Figura 63 – Parte IV: A areia, a Beatriz, a Alice e a interrupção (14/06/2019) ..................... 256
Figura 64 – Parte V: A reunião da areia, miniaturas de borracha e crianças (14/06/2019).... 257
Figura 65 – Parte I: Heloísa, Alice e a boneca favorita (22/05/2019) .................................... 262
Figura 66 – Parte II: Heloísa e a boneca preferida (22/05/2019) ........................................... 263
Figura 67 – Parte III: A Heloísa, a Alice e a boneca (22/05/2019) ........................................ 264
Figura 68 – Parte IV: A Alice e a boneca preferida ............................................................... 264
Figura 69 – Parte V: A Heloísa, a Alice e a boneca ............................................................... 265
Figura 70 – Lívia, Alice e a boneca negra da caixa de diversos............................................. 266
Figura 71 – Davi Luccas e as bolas (10/05/2019) .................................................................. 267
Figura 72 – Parte I: Lolo e a bola (24/04/2019) ..................................................................... 268
Figura 73 – Parte II: Lolo, Laura e a bola (24/04/2019)......................................................... 269
Figura 74 – Parte III: Lolo e a bola (24/04/2019)................................................................... 270
Figura 75 – Lolo e a pista de carrinhos (10/06/2019)............................................................. 271
Figura 76 – As mãos e a matéria ............................................................................................ 281
11

PRELÚDIO

Prefácio, prólogo, prelúdio.

De que modo começar um texto que revele o caminhar da pesquisa, suas perambulações, as
experimentações de palavras, os devaneios teóricos? Como encontrar modos de começar um
texto que interpele o leitor a interpretar os vazios produzidos? Como traduzir o vivido pelos
bebês em palavra escrita?

A etimologia do termo prelúdio, no dicionário, remete ao latim prélude: ensaiar-se, preparar-


se. Na música, relaciona-se à experimentação da voz ou de um instrumento, é também uma
“composição que serve como introdução para outra mais consistente formalmente”. Aqui, esta
pausa na forma acadêmica é ato preliminar, indício do que irá acontecer no decorrer da leitura,
experimentação das palavras, vislumbre das reflexões traduzidas em linguagem escrita.

No processo de escrita da dissertação, me senti interpelada a encontrar-me por meio do


confronto com a teoria e a pesquisa de campo. Os paradoxos e os questionamentos que me
atravessam, marcam também a pesquisa.

Espero que algo aconteça aos leitores e leitoras em seus encontros com os mundos de vida das
crianças e que isso, em certa medida, seja possível por meio da leitura. Digo “em certa medida”,
porque não acredito que este texto seja representação das práticas e dos sentires dos bebês, mas
acredito que é preciso enfrentar o desafio de comunicar e de descobrir aquilo que acontece aos
sujeitos em suas vivências cotidianas.

A fluidez, a porosidade e o inesperado são presentes na experiência humana de habitar o mundo


e, neste movimento, construímos o espaço vivido e somos marcados por aquilo que nos
acontece no encontro com o outro e com as coisas. A palavra escrita transforma o vivido,
comunica o que nos passa e pode expressar essa porosidade. Assim, desejo que a leitura seja
lugar de experiência, assim como o foi a escrita.

Enquanto experiência, ela é imprevisível, subjetiva, intransferível. Processo árduo de busca e


de encontro com as palavras. Paulo Freire afirmava que quem escreve preocupa-se sempre com
a beleza do texto. Na escrita da dissertação, o desejo de ser lida confronta-se com o ímpeto do
rigor. A pesquisa científica é sempre compartilhada por meio da palavra, falada ou escrita,
apresentando um primeiro desafio a quem pesquisa. Foi preciso encontrar a minha escrita.

A realização de uma pesquisa que se embrenha no cotidiano e que busca compreender as


vivências das crianças também encontra novos paradoxos. Deparo-me com aquilo que a
materialidade ocasiona, com o que gera nas ações das crianças e dos adultos. Redescubro
antigos falsos binômios, como o de teoria e prática, natureza e cultura, materialidade e ideias.

O texto também está intimamente ligado àquilo que me move a realizar a pesquisa. Adentro no
campo enquanto pesquisadora e professora que se aproximou em sua trajetória das abordagens
12

italianas de educação infantil. O olhar para as materialidades e os espaços é lacuna na produção


acadêmica e é, também, assunto de relevância para a prática pedagógica vivida em meu
cotidiano. O confronto com a teoria, a partir da defesa da imagem da criança potente, promoveu
um processo dinâmico de busca de novos referenciais teóricos. A geografia, a sociologia, a
filosofia, a antropologia, a pedagogia... Percorri caminhos plurais para encontrar chaves de
leitura que me ajudassem a simultaneamente falar aos profissionais da educação infantil e à
academia, de modo a:

1 produzir uma pesquisa comprometida com a promoção de uma educação de qualidade e que,
portanto, não nega a reflexão acerca de questões da prática pedagógica. Uma pesquisa que
produz teoria a partir da prática para retornar a ela: praxiológica.
2 avançar na pesquisa em termos dos pressupostos dos Estudos da Infância, acompanhando o
movimento atual do campo, marcado por um giro ontológico e pela revisão de tópicos centrais
por meio de novos olhares que abrem o campo ao diálogo com outras pesquisas das ciências
sociais.
3 comprometer-me com uma pesquisa que reconhece a validade de conhecer os mundos das
crianças e que produz conhecimento a partir disto, assumindo a diferença enquanto princípio.

Este prelúdio é ensaio para me apresentar e apresentar o texto. Ele surgiu, em grande parte, da
necessidade de falar diretamente com vocês, leitoras e leitores, pois se essa pesquisa se realiza
é porque desejo que possamos dialogar sobre as os bebês e lutar pela construção de uma
educação infantil de qualidade. Aviso, para encerrar, que as seções de análise podem ser lidas
de maneiras distintas, a depender dos seus interesses. Caso desejem conhecer as ações dos bebês
para depois descobrir o contexto material do CMEI, é possível fazer essa inversão.

Muito obrigada por aceitarem participar desta jornada e boa leitura!


13

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 15

2 O ESPAÇO E OS BEBÊS: CONCEITOS DELIMITADORES DA PESQUISA ......... 28

2.1 INFÂNCIA, INFÂNCIAS E CRIANÇAS: CONTRIBUIÇÕES DOS ESTUDOS


DA INFÂNCIA ................................................................................................................... 29
2.1.1 O “BEBÊ”: REFLEXÃO SOBRE OS MARCADORES
INTRAGERACIONAIS ................................................................................................... 34

2.2 ESPAÇO ENQUANTO CATEGORIA RELACIONAL: REFLEXÃO SOBRE OS


CONCEITOS DE ESPAÇO, LUGAR E MATERIALIDADE(S) ................................. 42
2.2.1 O ESPAÇO E A PEDAGOGIA: REVISITANDO A PRODUÇÃO
CIENTÍFICA .................................................................................................................... 52

2.3 A MODO DE CONCLUSÃO: OS BEBÊS, O ESPAÇO E A(S)


MATERIALIDADE(S) ..................................................................................................... 62

3 CAMINHOS METODOLÓGICOS: A PESQUISA COM BEBÊS ................................ 64

3.1 FAZER PESQUISA COM BEBÊS ............................................................................. 65


3.1.1 A ESCRITA: AS LINGUAGENS DOS BEBÊS TRADUZIDA EM TEXTO ....... 71
3.1.2 ÉTICA NA PESQUISA COM BEBÊS ................................................................... 74

3.2 O CAMPO DE PESQUISA ......................................................................................... 80


3.2.1 ESTUDO EXPLORATÓRIO .................................................................................. 80
3.2.2 O CMEI PORTO SEGURO .................................................................................... 83
3.2.3 OS DADOS PRODUZIDOS: ENTRE TEXTOS E IMAGENS ............................. 85
3.2.4 HABITAR A ESCOLA REAL: OS BEBÊS E O CAMPO DE PESQUISA ........ 100

4 MATERIALIDADE(S) E AÇÃO SOCIAL DOS BEBÊS: AS INTERAÇÕES COM AS


COISAS ................................................................................................................................. 109

4.1 PARTE I – UM LUGAR PARA OS BEBÊS ............................................................ 113


4.1.1 ESTRUTURA FÍSICA E MOBILIÁRIO: REUTILIZAÇÕES CRIATIVAS ...... 115
4.1.2 PROCESSOS DE AQUISIÇÃO DE MATERIAIS E MANUTENÇÃO DA
ESTRUTURA FÍSICA ................................................................................................... 137
4.1.3 MATERIALIDADES: A CULTURA PARA OS BEBÊS .................................... 147
14

4.1.4 A MODO DE SÍNTESE: DA ACOLHIDA DO INESPERADO E DO ESPAÇO


COMO CAMPO DE POSSIBILIDADES ...................................................................... 165

4.2 PARTE II – VAGAR E DIVAGAR: MOVER-SE NO ESPAÇO .......................... 170


4.2.1 O PERAMBULAR: UMA PRÁTICA DA CULTURA DOS BEBÊS ................. 175
4.2.2 OS ENCONTROS COM AS COISAS: UMA EXPERIÊNCIA POÉTICA ......... 192
4.2.3 À DERIVA: IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA DOCENTE .......................... 204

4.3 PARTE III – O USO FUNCIONAL DAS COISAS................................................. 208


4.3.1 USOS FUNCIONAIS CONVENCIONAIS .......................................................... 211
4.3.2 USOS FUNCIONAIS IDIOSSINCRÁTICOS ...................................................... 217
4.3.3 A MODO DE SÍNTESE: PENSAR OS RITUAIS A PARTIR DO USO
FUNCIONAL DAS COISAS ......................................................................................... 227

4.4 PARTE IV – A COREOGRAFIA DO BRINCAR .................................................. 231


4.4.1 “CADÊ BRINQUEDO?”: ELEMENTOS SINCRÔNICOS ................................. 237
4.4.2 “ALICE, VEM QUI”: ELEMENTOS DIACRÔNICOS ....................................... 260
4.4.3 A MODO DE SÍNTESE: O BRINCAR ENTRE IMPROVISAÇÕES E
TRAJETÓRIAS .............................................................................................................. 273

5 A MODO DE CONCLUSÃO: A(S) MATERIALIDADE(S) E A PEDAGOGIA DA


INFÂNCIA ............................................................................................................................ 275

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 292

APÊNDICES ......................................................................................................................... 306

ANEXOS ............................................................................................................................... 322


15

1 INTRODUÇÃO

Temos bibliotecas inteiras que contêm tudo o que sabemos das crianças e legiões de
especialistas que nos dizem o que são, o que querem e do que necessitam (...) A
infância é algo que nossos saberes, nossas práticas e nossas instituições já capturaram:
algo que podemos explicar e nomear, algo sobre o qual podemos intervir, algo que
podemos acolher. (...) Não obstante, e ao mesmo tempo, a infância é um outro: aquilo
que, sempre além de qualquer tentativa de captura, inquieta a segurança de nossos
saberes, questiona o poder de nossas práticas e abre um vazio em que se abisma o
edifício bem construído de nossas instituições de acolhimento. (LARROSA, 2017,
p.229-230)

A citação acima, do filósofo e pedagogo espanhol Jorge Larrosa, aborda duas questões
sobre a infância e as crianças1. A primeira refere-se ao grande arsenal de estudos já existentes
acerca das crianças e a segunda diz respeito a tudo aquilo que nos escapa quando nos colocamos
diante das crianças e das suas infâncias e encontramo-nos com elas. Contrapostas, essas
questões parecem contraditórias, paradoxais, pois como é possível conhecer as crianças e ao
mesmo tempo reconhecer que há muito que não se sabe e que nunca será descoberto? Ou, ainda
mais, perceber que o encontro com elas esfacela as certezas arduamente defendidas?
Contudo, ambas partem de uma mesma premissa: a criança é um outro e, por assim o
ser, jamais poderá caber nas amarras do conhecimento científico tradicionalmente concebido.
Ou seja, apesar desta produção tomar a infância para si e produzir teorias sobre as crianças que
permitem ao indivíduo racional capturá-la, prever etapas, determinar estratégias e avaliar a
precisão de suas ações, o encontro com as crianças, com o Outro, abala as certezas e abisma o
edifício de nossas escolas2, nos impele a repensar aquilo que sabemos sobre elas e a rever o
modo de fazer ciência.

_______________
1
No decorrer da citação, o autor não diferencia os termos “criança” e “infância” de acordo com o referencial
mobilizado neste trabalho. No primeiro capítulo, apresenta-se o marco teórico da pesquisa e diferenciam-se esses
termos a partir da discussão da sociologia da infância.
2
No decorrer do trabalho, ainda que se dê preferência ao termo “instituições”, mobilizo também o termo escola
para falar da educação infantil. O faço porque reconheço a necessidade de construirmos uma escola que acolha
a todas as crianças em todas as etapas educativas e porque acredito que ao falarmos de uma escola para as
crianças pequenas podemos provocar reflexões para todo o sistema educativo. É um modo de fazer um elogio à
escola.
16

Parto desta citação para introduzir esta pesquisa sobre bebês3, as materialidades e o
espaço da creche4 e declarar que o percurso que aqui se realiza compromete-se com uma
educação e uma produção científica fundamentada no encontro com o Outro. Enfrento o desafio
de realizar uma pesquisa implicada neste encontro, o que significa reconhecer o outro enquanto
diferença absoluta, fazer pesquisa com ele, descobrir novos modos de encarar esta tarefa e
elaborar pressupostos teóricos que interrompam a lógica linear do pensamento técnico-
científico.
Assim, busquei nos Estudos da Infância5 e na Pedagogia da Infância6 (ROCHA, 2001)
fundamentos que tornassem possível a realização de uma pesquisa comprometida com o outro
e com uma prática docente permeada pelas culturas infantis e as múltiplas linguagens
(EDWARDS; GANDINI; FORMAN, 2016) que as crianças mobilizam ao estabelecerem
relações com o mundo. A imagem da criança, desde bebê, competente e potente, assim como a
compreensão da diferença como marca do humano são os pontos de encontro para as diversas
teorias e abordagens que mobilizo no decorrer deste texto.
Nesse sentido, os referenciais teóricos selecionados para promover a discussão acerca
do espaço (LEFEBVRE, 1991; MASSEY, 1994; 2005; SANTOS, 2014b,a) e da materialidade
(BROUGÈRE, 2003; 2010b; INGOLD, 2011; 2012a,b; MILLER, 2005; 2007) também
dialogam com esta perspectiva do conhecimento científico e acolhem a pluralidade. O exercício
de reflexão sobre a relação construída entre os bebês e a materialidade promoveu a realização
de uma pesquisa eminentemente interdisciplinar: os estudos da infância e o pensamento
educacional entrelaçam-se com conceitos provenientes da geografia, da antropologia e da
sociologia, promovendo um processo contínuo de questionamentos acerca dos sentidos da
pesquisa, da interpretação das ações das crianças e do cotidiano na educação infantil.

_______________
3
A terminologia “bebês” será mobilizada a fim de dar destaque ao grupo usualmente classificado como pertencente
a esta categoria intrageracional. No primeiro capítulo discorre-se acerca do termo a fim de problematizá-lo em
termos de sua definição etária e dar destaque ao caráter político da produção textual ao fazer a seleção dos termos
que serão mobilizados. Ao longo do trabalho, os termos “crianças bem pequenas” (1 ano e 7 meses a 3 anos e
11 meses) e “crianças pequenas” (4 anos a 5 anos e 11 meses) também serão utilizados.
4
Ao longo do trabalho, o termo “creche” será utilizado para destacar a especificidade do trabalho educativo com
os bebês e as crianças bem pequenas que compõem o grupo etário de 0 a 3 anos de idade e que, como previsto
na Lei de diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96), configura-se como público deste segmento
da educação infantil.
5
Os Estudos da Infância configuram-se como um campo interdisciplinar de pesquisas, congregando referenciais
teóricos da Sociologia, Antropologia, História, Geografia, Educação, dentre outras, a partir da defesa consensual
das crianças enquanto agentes sociais e sujeitos de direitos.
6
O termo Pedagogia da Infância remete ao trabalho de pesquisa realizado por Eloisa Rocha (2001) e aos estudos
conseguintes decorrentes do reconhecimento da especificidade do trabalho docente nesta etapa da educação
básica a partir do reconhecimento da criança e da escuta atenta de seus modos de ser e estar no mundo.
17

O termo materialidade ocupa um papel central ao longo deste texto, pois por meio
deles refiro-me à concretude das relações e à dimensão material da experiência humana. Este
conceito chama atenção para a força constitutiva da relação concreta com o mundo (SPYROU,
2019) e para o dinamismo das relações, situando a pesquisa no âmbito de uma abordagem
relacional. Por meio do termo materialidades, por sua vez, dou destaque aos móveis, objetos,
brinquedos e elementos naturais (galhos, pedras, terra) que compõem o espaço da creche, assim
como à estrutura física (paredes, pisos, portas) e ao mobiliário. O jogo com essas terminologias,
materialidade(s), mobilizado no título deste trabalho provoca simultaneamente a reflexão
acerca do conceito e nos remete ao acervo material das instituições. Ambas as questões são
centrais no desenvolvimento dessa pesquisa.
Diante disso, este estudo caminha na contramão de produções científicas acerca dos
bebês, do espaço e, de forma mais ampla, sobre as práticas educativas, que dizem tudo saber
sobre o outro, dominando-o e enclausurando-o na certeza de suas verdades. Produções
esvaziadas da caótica e concreta relação do ser humano com o mundo, fundamentadas em uma
compreensão estática e tecnicista do saber pedagógico. Rompe-se com essa perspectiva, na qual
o desenvolvimento motor, social, cognitivo e emocional das crianças, assim como a
aprendizagem de regras sociais por meio da socialização, são formas de controle da criança,
campos dominados pelo saber técnico.
Este rompimento convida a uma reflexão acerca dos elementos que podem compor
uma didática da Pedagogia da Infância. O reconhecimento da materialidade da experiência
parece ser elemento central para uma pedagogia da escuta e do encontro, que reconhece a
falibilidade dos preceitos técnico-racionais, promove a acolhida da imprevisibilidade e
reconhece atravessamentos sinestésicos gerados pelo mundo material. Retomar o termo didática
e situá-lo no âmbito de uma produção pedagógica que reconhece a criança, despindo-a do
imaginário do aluno, pode ser um caminho para a realização de uma pesquisa comprometida
com o caráter praxiológico da pesquisa em educação (ROCHA, 2001).
Parece-me indispensável começar este texto desta forma porque comprometo-me com
esta perspectiva epistemológica e tento produzir um texto que não sujeite os bebês aos discursos
produzidos sobre eles, criando espaço para que suas vozes ecoem. Isto significa que esta
pesquisa, além de reconhecer a necessidade de promovermos uma aproximação da academia
aos mundos de vida das crianças, pressupõe que elas são informantes importantes e
competentes, valorizando as linguagens plurais que elas mobilizam em seus processos de
descoberta do mundo e de si mesmas e a infância vivida por cada uma delas.
18

Espero que aquilo que os bebês7 me mostraram reverbere nesta produção, de modo a
refletir acerca da construção do espaço da creche a partir do que acontece na relação entre os
bebês e as materialidades. Pois este texto:

(...) pode ser o único jeito de apresentar o ‘terreno áspero’ no qual os agentes vivem e
movem-se, mostrando a complexidade das relações vividas e formas para as quais
palavras e teorias ainda não existem, mas as quais de alguma forma, na prática e nas
concretas relações do campo, conectam alguns dos elementos que interessam ao
pesquisador. (WILLIS, 2000, p. 118,tradução nossa, grifos nossos) 8 9

Nesse sentido, a pesquisa que aqui se apresenta dialoga com a minha trajetória
profissional e acadêmica, representa parte desta caminhada na qual a professora e pesquisadora
em que me constitui se depara com as crianças e seus cotidianos. No meu percurso acadêmico,
me encontrei com as crianças no início do meu processo formativo no curso de graduação em
Pedagogia na Universidade Federal do Paraná (UFPR), por meio da participação no Núcleo de
Estudos e Pesquisas em Infância e Educação Infantil (NEPIE)10. Esta caminhada me mostrou a
importância da escuta dos sujeitos adultos e crianças para que seja possível fortalecer e construir
projetos educativos de qualidade.
No percurso profissional, pude ser professora de bebês, me deparar com as crianças
pequenas e viver com elas um cotidiano rico em possibilidades, permanentemente atravessado
pelo inesperado. Também pude exercer a função de coordenação pedagógica em uma
instituição de educação infantil e tenho a oportunidade de pensar sobre a formação continuada
de professoras e de elaborar junto a elas ferramentas de escuta e observação das crianças, desde
_______________
7
Refiro-me aos dezenove bebês que conheci no decorrer dos quatro meses de campo de pesquisa e que me
apresentaram seus mundos de vida, são eles: Alice, Allan, Allicia, Bernardo, Beatriz, Davi, David, Heloísa A.,
Heloísa M., Kaylan, Laura, Lívia, Luiza, Mateus, Melissa, Nathiely, Pedro, Valentina e Yasmin.
8
No decorrer da dissertação, algumas citações serão traduzidas de forma livre, pois sempre que possível os textos
foram lidos no idioma original. Elas também serão acompanhadas do trecho original em nota de rodapé,
garantindo aos leitores e leitoras a possibilidade de confrontarem-se com as palavras dos autores.
9
No original: “This can be the only means of presenting the ‘rough ground’ on which agents live and move,
showing the complexity of lived relations and forms for which words and theories do not yet exist, but which
somehow, in practice, and in the practical relations of the field, connect up some of the important elements that
interest the researcher.” (WILLIS, 2000, p. 118)
10
No NEPIE/UFPR, tive a oportunidade de participar da vida universitária no âmbito da pesquisa e da extensão.
Realizei, sob orientação da Profa Dra Gizele de Souza, pesquisas no campo da História da Infância: uma pesquisa
de iniciação científica sobre as representações de infância no movimento de assistência à infância no Paraná do
século XIX e trabalho de conclusão de curso sobre a circulação de ideias sobre proteção e educação das crianças
no âmbito das Conferências da Casa Branca de Proteção à Criança nas redes pan-americanas e latino-americanas
do início do século XX. Também pude participar junto com as professoras do NEPIE, Profa Dra Gizele de Souza,
Profa Dra Catarina Moro e Profa Dra Angela Coutinho, do projeto internacional de formação em rede sobre
avaliação de contexto, o qual me aproximou do cotidiano das escolas, da discussão acerca de qualidade e da
abordagem italiana de educação infantil. No âmbito da extensão, atuei na elaboração e publicação da Revista
Virtual de Educação Infantil (ReVirEI) sob orientação da Prof a Dra Catarina Moro, uma publicação virtual
semestral que tem por objetivo alcançar os docentes de creche e pré-escola.
19

bebês, enfrentando a tarefa de garantir os seus direitos de participação, provisão e proteção11 e


de promover um cotidiano educativo rico em possibilidades de aprendizagens.
No cotidiano da escola, questionamentos sobre o significado da qualidade na prática
educativa com bebês e crianças pequenas se fazem eminentes. Ao observar os bebês, encontrar-
me com eles e reconhecer a alteridade que advêm desta relação, o conhecimento pedagógico,
por vezes tão seguro, abisma-se (LARROSA, 2017). As rígidas organizações de tempo e espaço
que marcam as instituições de educação infantil (BARBOSA, 2006), assim como práticas
educativas antecipatórias que não reconhecem a indissociabilidade do cuidar e do educar
(ARENHART et al., 2018; GUIMARÃES et al., 2018), a centralidade da brincadeira ou a
linguagem do corpo (COUTINHO, 2017) em projetos pedagógicos para a educação infantil,
não são adequadas para acolher os ritmos dos bebês, garantir o seu bem-estar e promover
situações educativas onde eles possam maravilhar-se e deparar-se com um amplo repertório
material e cultural.
Os bebês, ao ocuparem o espaço coletivo, mostram seus modos de brincar e de
relacionar-se, suas práticas culturais-materiais12, resistem às formas escolares tradicionalmente
concebidas. A diferença apresenta-se enquanto marca e é preciso rever a escola para que seja
possível acolher os bebês, que se expressam, investigam e comunicam-se por meio de
linguagens que os adultos, por vezes, não conseguem compreender. A ética do encontro
(DAHLBERG; MOSS; PENCE, 1999) implica em disrupções em saberes e práticas. Nesse
sentido, fazer pesquisa com os bebês é uma escolha política para garantir a escuta deles neste
cotidiano regido pelos interesses de uma minoria13. É necessário seguir produzindo e fazendo
pesquisa com bebês, ao invés de sobre eles, ou seja, considerá-los enquanto sujeitos e não
objetos de pesquisa.
Observa-se que eles estão mais ausentes das pesquisas científicas (GOTTLIEB, 2009)
e que se faz necessário consolidar o trabalho pedagógico com bebês, garantindo a especificidade

_______________
11
Verifica-se que a Convenção Internacional da ONU sobre os Direitos da Criança (1990), estabelece que devemos
pensar os direitos das crianças em termos dos três “Ps”: proteção, provisão e participação. Isto implica, no
âmbito educativo, em pensar o espaço das creche e as relações que se estabelecem entre infância e educação em
termos da garantia e da efetivação destes direitos.
12
Ao referir-me às práticas culturais-materiais, destaco a indissociabilidade destas dimensões. O rompimento com
os falsos binômios como o de natureza-cultura, materialidade-discurso, implica no reconhecimento de que as
práticas dos bebês estão imbrincadas em um contexto que se constrói de forma relacional. Tim Ingold (2011)
aponta que ao invés de compreendermos natureza e cultura como dois lados de uma mesma moeda, é preciso
interpretá-las como dimensões situadas em um mesmo campo relacional.
13
A ordem social vigente, em seus esforços por colonizar o pensamento e estabelecer padrões sociais de valor,
hierarquiza diferentes categorias sociais e se constrói com base nos princípios epistemológicos de uma minoria
da população, representada pelo homem, branco, heterossexual, ocidental, adulto, sem deficiências, não-
estrangeiro.
20

das práticas vividas com este grupo de crianças e evitando que eles se encontrem subsumidos
às práticas características da pré-escola, o que justifica a realização e o aprofundamento das
pesquisas com bebês. Os Estudos da Infância têm caminhado no sentido de incluir os bebês e
as crianças pequenas, mas também nesse campo de estudos eles ainda não têm garantido o
mesmo espaço que as outras crianças.
Fúlvia Rosemberg (1996; 2006) já apontava a importância de considerarmos este grupo
de crianças nas nossas pesquisas e elaborava uma análise sobre a forma como a categoria de
idade condiciona as vidas das crianças. A idade permanece como absoluto universal,
justificando o tipo de políticas pensadas para a infância e a própria ausência das crianças
pequenas nas pesquisas. Eles precisam ser reconhecidos no âmbito da pedagogia e socialmente
como sujeitos sociais e políticos, cidadãos que devem ter seus direitos respeitados e garantidos.
Eles não são pré-sujeitos (JAMES; PROUT, 1990), cidadãos em formação, eles já o são e têm
voz, precisamos elaborar ferramentas que nos permitam escutá-las e fazê-las ecoar. A
diversidade provém da aproximação aos seus mundos de vida, ao considerá-los como dignos
de estudo por si próprios e promovermos pesquisas com eles e não sobre eles, fissurando a
compreensão clássica de socialização e do processo de desenvolvimento infantil (JAMES;
PROUT, 1990; JOBIM E SOUZA, 1996).
Trabalhos recentes na produção acadêmica nacional apontam o crescimento de
pesquisas sobre bebês nos últimos anos (BUSS-SIMÃO; ROCHA; GONÇALVES, 2015)14,
mas permanecem indicando a necessidade de realização de pesquisas voltadas às práticas
pedagógicas visto que ainda são predominantes as investigações sobre o desenvolvimento
infantil (GONÇALVES, 2014). Nas produções internacionais, Niina Rutanen (2011) retoma a
importância de se considerar as crianças bem pequenas nos Estudos da Infância, aproximando-
nos das experiências dos sujeitos categorizados segundo este marcador intrageracional: ser um
bebê (0-1 anos) ou um toddler15 (2-3 anos). Compreender os bebês enquanto sujeitos integrantes
desta categoria intrageracional implica em reconhecer o impacto destas denominações,

_______________
14
As autoras fazem um levantamento da produção científica recente, tomando como base as produções de teses e
dissertações e os trabalhos publicados na Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
(Anped). Elas indicam a possibilidade de novas perspectivas de análise e destacam que as pesquisas recentes
acerca das crianças de 0-3 anos têm investigado questões relativas às especificidades da docência com bebês;
organização do espaço e do tempo; ampliação das reflexões sobre o cuidado; linguagem; literatura; relações com
as famílias; relações étnico-raciais; processos de inserção; e atendimento das crianças nas escolas do campo.
15
O termo toddler não é um marcador presente nas produções brasileiras, contudo aparece na produção
internacional em inglês sobre a temática e foi mobilizado no levantamento bibliográfico realizado para esta
pesquisa. O termo toddler, repensando por Niina Rutanen (2011), refere-se a uma categoria intrageracional
composta pelos bebês que já conquistaram a marcha e ainda não dominam a linguagem verbal.
21

frequentemente balizadas por marcadores etários, nas experiências de infância dos sujeitos. A
idade é elemento simbólico determinante das experiências vividas, sendo ressignificada a partir
de contextos socioculturais específicos.
Ao olhar para os bebês e verificar-se como eles estão contemporaneamente vivendo suas
experiências de infância, observamos que a vida dos bebês que têm acesso à creche16 encontra-
se marcada pela sua presença por tempos estendidos nestas instituições educativas, em sua
maioria em período integral. Promover uma educação de qualidade implica tanto na garantia
do acesso quanto na promoção de contextos educativos ricos em possibilidades. Assim, é
preciso que a luta por vagas seja acompanhada de uma discussão aprofundada sobre os espaços
e tempos nos quais desejamos que os bebês vivam suas experiências de infância.
Isto implica na necessidade de pensar estes espaços desde os sujeitos que ali vivem e de
repensar as práticas educativas a partir dos elementos que podem compor uma didática da
educação infantil a partir da perspectiva da Pedagogia da Infância. Voltamos o olhar para os
espaços e para as coisas que o compõem: brinquedos, elementos da natureza, objetos de uso
cotidiano e mobiliários. Neste sentido, reforça-se o compromisso em garantir espaços de
qualidade onde eles possam ser e estar no mundo, construindo sentidos compartilhados com
seus pares e com os adultos, descobrindo-se, expressando-se, comunicando-se, em suma,
participando de forma ativa da construção de suas infâncias.
Além disso, compreende-se que o espaço vivido se constrói a partir da ação das crianças,
desde bebês, em um processo dinâmico de criação de emaranhados materiais-semióticos
(SPYROU, 2019) por meio dos quais elas se constituem e constroem o espaço. A materialidade
integra a experiência educativa e, portanto, é preciso dar destaque às narrativas construídas com
os objetos e falar sobre a matéria (INGOLD, 2011).
Diante disso, me pergunto sobre como garantir um espaço de qualidade nas instituições
e sobre a forma como se constituem os acervos materiais das creches, reconhecendo a forma
como os adultos selecionam os materiais, determinam as condições do espaço e do seu uso – a
qual aparece intrinsecamente relacionada à organização do tempo (BARBOSA, 2013). Destaco
que, assim como em outros trabalhos e pesquisas no campo da educação (BOLLIG; MILLEI,
2018; HARRISON; SUMSION, 2014), e dos estudos da infância (HOLLOWAY;

_______________
16
Atualmente no Brasil, segundo dados de monitoramento do PNE 2014-2024, de 2016, 30,4% das crianças de 0
a 3 anos e 11 meses têm acesso à creche. Este acesso é marcado por desigualdades regionais, local de residência
(urbana e rural) e, principalmente, renda familiar (SESIUK, 2019). Em Curitiba, com base no Censo de 2017,
35,7% das crianças têm acesso à creche, sendo 17,1% em creche pública; dentre elas, 99% permanecem de 7 a
11 horas diárias nas instituições (SESIUK, 2019). Destaco que se sabe pouco sobre a vida dos bebês que não
acessam à creche e que esta é uma lacuna nas pesquisas com bebês.
22

VALENTINE, 2007; LOPES, 2013; RASMUSSEN, 2004), a noção de espaço mobilizada no


decorrer da pesquisa fundamenta-se na perspectiva de que ele é social e experiencialmente
construído. Ou seja, no campo de estudo das ciências sociais, ele jamais se refere somente aos
aspectos físicos, como um objeto de análise passível de estudos empíricos e dissociado dos
aspectos subjetivos vinculados a forma como o ser humano dota de sentido o mundo que lhe
rodeia17.
Desse modo, a construção do espaço atravessa tanto as decisões realizadas por
professoras e gestoras no âmbito das instituições de educação infantil, quanto as políticas e
gestões que dispõem as condições necessárias para uma educação de qualidade. As experiências
de infância vividas pelas crianças estão estruturadas por aquilo que está disposto a elas, pelas
possibilidades, ausências e na relação com os adultos e pares que habitam o espaço.
O estudo que aqui se realiza também se fundamenta no princípio de que as instituições
educativas podem ser espaços de uma prática política democrática18, pois reconhece a cidadania
das crianças enquanto princípio e não objetivo final do processo educativo, assim como
promove a sua participação19 e garante condições para que elas se transformem em lugar
(RASMUSSEN, 2004). Peter Moss (2007) destaca que as instituições de educação infantil
podem ser vistas como espaços da técnica, organizados para promover a formação das crianças
para o futuro ou, ainda, (WYNESS, 2013)como parte de um mercado que compete pela clientela
dos pais-consumidores; enquanto que vê-las como lócus democrático, implica em fazer
perguntas que considerem os sujeitos e que tomem a escola enquanto espaço vivo,
experienciado por crianças e adultos, de forma relacional, em seus cotidianos.
Ou seja, a pergunta não é sobre “o que funciona?” (MOSS, 2007), ou sobre “quais
espaços promovem o desenvolvimento infantil?”, ou “como organizá-los?”. A pergunta que
move esta pesquisa, pelo contrário, se volta aos sujeitos e busca compreender os significados
atribuídos pelas crianças ao espaço e às materialidades. Pergunto-me: como os bebês constroem
o espaço da creche ao fazerem uso da materialidade disponível? Como são os objetos aos quais

_______________
17
No segundo capítulo da dissertação, discorro acerca da concepção de espaço em que se fundamenta esta
pesquisa.
18
Embora o debate sobre educação democrática com bebês seja incipiente, mobilizo o termo a fim de dar destaque
ao caráter político da tarefa educativa. Não existe educação neutra e, portanto, ao promovermos a escuta e a
participação dos bebês, assumimos uma perspectiva democrática.
19
Mobilizo o conceito de participação a partir de sua interpretação como a possibilidade de as crianças usufruírem
“(...) da cidadania que juridicamente lhe é reconhecida, tornando pública a sua opinião.” (COUTINHO, 2013a,
p. 223), garantindo que elas influenciem os processos de decisão (WYNESS, 2013) e compreendendo-a a partir
de relações de interdependência. Na seção de análise 4.3, discorro sobre a participação dos bebês nos rituais da
turma, de modo que o conceito pode ser melhor compreendido a partir da leitura desta seção.
23

os bebês têm acesso em seu cotidiano e quais são os significados produzidos em torno deles?
De que modo os bebês se apropriam destes elementos materiais e ao mesmo tempo culturais e
simbólicos que lhes estão dispostos a fim de comunicar aos adultos e aos seus pares a sua visão
de mundo? Como o espaço e a materialidade se apresentam como campo de possibilidades para
a ação dos bebês?
Estas perguntas garantem o sentido democrático porque tomam como princípio a
cidadania das crianças e promovem a construção de projetos educativos colaborativos e
fundamentados nos princípios da diferença e do respeito à criança, na garantia dos seus direitos
de provisão, proteção e participação. Neste sentido, promovem meios de resistir ao poder e de
fissurar as narrativas modernas que produzem a diferença enquanto negatividade (SKLIAR,
2003) e transformam a criança em outro a ser controlado e dominado (LARROSA, 2017). O
reconhecimento da alteridade é princípio democrático (LARROSA, 2017). Assim, pensar sobre
o espaço e a materialidade significa se comprometer com a construção de uma política do
espaço (MASSEY, 2005), tornando visíveis as relações que o constroem por meio do exercício
de se perguntar sobre ele e desnaturalizá-lo.
Ou seja, espaço e materiais precisam ser pensados e considerados no âmbito da
Pedagogia da Infância, tanto para garantir uma organização do tempo e do uso do espaço que
reconhece que as crianças participam de forma ativa de sua construção quanto para
promovermos um pensamento pedagógico comprometido com as múltiplas linguagens que as
crianças mobilizam, sem hierarquizá-las e condicioná-las a uma leitura do outro de acordo com
supostos referentes universais de desenvolvimento. É preciso avançar no reconhecimento do
espaço enquanto uma categoria que expressa a intencionalidade pedagógica e que também se
constitui em campo de possibilidades para as ações das crianças, adquirindo novos significados
e se constituindo em lugar a partir desta produção simbólica. As materialidades, por sua vez,
são elementos constituintes do espaço, das práticas pedagógicas, das experiências educativas
dos bebês e de suas práticas culturais-materiais.
Desse modo, enfrenta-se nesta pesquisa o desafio de promover uma análise em que o
espaço seja considerado como categoria central, posto que ele não pode ser considerado de
forma tangencial no fortalecimento de projetos educativos em que se deseje garantir o respeito
e a escuta dos bebês. Esta reflexão dialoga com a produção atual sobre educação infantil, a qual
vem rediscutindo o conceito de experiência e dando ênfase à importância da organização do
espaço na construção do currículo da educação infantil (CABANELLAS; ESLAVA, 2005;
HORN, 2004; HOYUELOS, 2005; PANDINI-SIMIANO, 2016a; VIEIRA, 2016). Além disto,
a discussão já fortalecida do campo da cultura escolar e da cultura material (ESCOLANO, 2001;
24

INGOLD, 2012a; MILLER, 2005; VIÑAO FRAGO, 1996) também contribui para pensarmos
sobre os significados atribuídos ao espaço e mobilizados pelos sujeitos em sua construção
cotidiana.
Diante disso, esta pesquisa tem por objetivo compreender o processo de construção
do espaço da creche por meio das ações dos bebês diante das materialidades que o
compõem, estudando-o a partir das ações dos bebês em uma instituição de educação infantil
municipal de Curitiba e considerando a pluralidade de linguagens que eles utilizam e sua forma
específica de ser e estar no mundo. Para isto, esta pesquisa tem por objetivos específicos:
a) Inventariar e categorizar o espaço ofertado no berçário em termos de sua
materialidade, elaborando um inventário do espaço da creche: estrutura física,
móveis, brinquedos e demais objetos dispostos na instituição.
b) Averiguar a forma como as materialidades condicionam a ação dos bebês e como se
dá o seu provimento.
c) Narrar e analisar as ações dos bebês ao explorarem as materialidades e mobilizarem
repertórios culturais em sua interação com o espaço e o outro.
A partir destas concepções e dos objetivos de pesquisa acima delineados, se faz
necessário desenhar um caminho metodológico que garanta a escuta dos bebês, visto que olhar
para eles como sujeitos pressupõe uma metodologia de trabalho que considere a sua ação social
(COUTINHO, 2013b) no processo de produção e de análise de dados. Acolhê-los na pesquisa
implica em outra forma de escutá-los e de visibilizar as suas formas de expressão, pois eles têm
formas outras de conhecer e explorar o mundo. Nesse sentido, realizo um percurso de pesquisa
que:

(...) garanta às crianças o status de participantes e construtoras dos processos que


constroem o mundo delas e o nosso. Isto deriva de abordar a vida social como um
campo dinâmico de confrontações e lutas entre forças sociais. (ALANEN, 1988, p.65,
tradução nossa.)20

Este percurso também implica em avançar em termos da ética nas pesquisas, garantindo
que as crianças estejam sempre cientes dos processos que estão ocorrendo, dos problemas de
pesquisa e do papel da pesquisadora. As pesquisas sobre a infância se localizam em meio ao
paradoxo de que o pesquisador é o sujeito que faz a seleção de dados, de métodos e que decide

_______________
20
No original: “(...) granting them instead the status of participants and constructors in the very processes that
make their - and our - world. This derives from approaching social life as a dynamic field of confrontations and
struggles between social forces.” (ALANEN, 1988, P.65)
25

os procedimentos de pesquisa, o que chama a atenção para as relações de poder que existem
entre pesquisador e criança (CHRISTENSEN, 2004). Ao refletirmos sobre a ética, verifica-se
que:

No âmbito dos estudos com as crianças uma das prerrogativas do papel dos/as
investigadores/as - adultos – é descentrar-se desse lugar social geracional ao propor
conhecer a ação das crianças, o que não significa destituir seu estatuto de adulto, mas
não tomá-lo como referência ao interpretar os sentidos atribuídos pelas crianças às
suas ações, o que não resolve a problemática da interpretação das subjetividades, mas
permite uma reflexão mais situada do ponto de vista do ator. (COUTINHO, 2013a, p.
220)

A fim de compreender os sentidos produzidos pelas crianças e de fortalecer uma imagem


de criança enquanto sujeito, opto por realizar uma pesquisa de caráter qualitativo, dado que ela
“(...) trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes,
o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que
não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.” (MINAYO, 2001, p. 21–22).
Diante disso, realizou-se um estudo etnográfico em um Centro de Educação Infantil Municipal
(CMEI) durante o período de abril a dezembro21. Posto que para que seja possível compreender
os significados produzidos pelos bebês ao explorarem o espaço e os elementos que lhe foram
dispostos, se faz necessário adentrar em seus cotidianos e interpretar junto a eles as suas ações,
comprometendo-me com a ética e promovendo uma postura descentrada do lugar geracional
que ocupo.
As pesquisas etnográficas, como propostas por Allan Prout e Allison James (1990),
buscam adentrar o universo infantil a fim de observar e dar centralidade às formas infantis de
apropriação da cultura. William Corsaro (2011) destaca que “a etnografia é um método eficaz
para estudar crianças porque muitos recursos de suas interações e culturas são produzidos e
compartilhados no presente (...)” (CORSARO, 2011 p.63). O autor também ressalta que
algumas das características deste método são: ela ser prolongada e engajada, microscópica e
holística, flexível e autocorretiva; além de poder ser sustentada por gravações audiovisuais que
auxiliam no processo de análise sociolinguística (CORSARO, 2011).
A pesquisa utiliza registros escritos, fotográficos e gravações audiovisuais a fim de
documentar os movimentos dos bebês e as sutilezas de suas formas próprias de se comunicar
com o mundo, tomando como objeto de análise as ações das crianças. O uso dessas ferramentas

_______________
21
O estudo exploratório ocorreu nos meses de fevereiro a março; a observação dos bebês de março a junho e as
entrevistas e inventário do acervo material de agosto a dezembro.
26

compõe os métodos visuais. O cuidado ético na pesquisa foi buscado por meio de uma relação
honesta com os participantes da pesquisa: as professoras tiveram acesso aos meus registros
diários e compartilhei com as crianças parte das fotografias que realizei, comunicando a elas o
papel que ocupo na instituição. O registro cotidiano ocorreu segundo os indícios dados pelas
crianças, em um movimento de acompanhar os sujeitos da pesquisa, verificando elementos de
continuidade22 e conhecendo as linguagens mobilizadas pelas crianças.
A discussão acerca do espaço também implicou em uma análise dos materiais
disponíveis na instituição, registrando e mapeando os bens naturais e culturalmente produzidos
e selecionados para o trabalho pedagógico com bebês. Desta forma, foi realizado um inventário
dos materiais que compõem o espaço da creche. A fim de atingir o objetivo proposto, também
foram realizadas entrevistas com a diretora e professoras do berçário do CMEI pesquisado
e levantadas informações sobre o provimento material da instituição. Estas são estratégias
metodológicas que permitiram a análise do inventário de materiais e ajudaram a compreender
os sentidos atribuídos às materialidades.
Esta etapa da pesquisa foi viabilizada pela realização de um estudo exploratório, o qual
possibilitou uma aproximação ao campo de pesquisa e um processo adequado de entrada no
campo devido a uma cuidadosa aproximação inicial aos participantes da pesquisa: bebês e
professoras das turmas de berçário, coordenação e direção da instituição. Neste estudo, dez
instituições foram previamente selecionadas a partir das imagens com bebês divulgadas em
redes sociais, o que dá indícios do lugar produzido para eles no âmbito de cada instituição e
considera a autonomia das escolas para divulgarem o seu trabalho nas redes sociais. A partir de
uma visita aos espaços, considerando as materialidades presentes e a disponibilidade dos
adultos para participar da pesquisa, assim como de uma breve análise do contexto das
instituições, o que levou em conta sua história e o levantamento de dados sobre desigualdade
social nos bairros de Curitiba, foi selecionada uma instituição para a realização do estudo
etnográfico.
A pesquisa também partiu de amplo levantamento bibliográfico, em âmbito nacional
e internacional, das produções sobre bebês em sua relação com o espaço. Este levantamento

_______________
22
Na última seção da análise (item 4.4) discorro acerca do conceito de continuidade a partir dos eventos do brincar
registrados e analisados no decorrer da pesquisa. Ela é compreendida como a retomada de brincadeiras a partir
de elementos diacrônicos presentes nos eventos do brincar, como a formação de grupos de pares estáveis e a
escolha de objetos ou conteúdos simbólicos semelhantes em dias distintos, compondo parte da trama na qual os
bebês se encontram uns com os outros e com as coisas.
27

permitiu situar esta pesquisa no campo científico e aprofundar a compreensão sobre a ação dos
bebês.
No intuito de percorrer este caminho e realizar este processo de construção e
desconstrução de conceitos e teorias, apresento os capítulos que se seguem. No segundo
capítulo, discorro acerca do espaço, da materialidade e das concepções de bebê, criança,
infância e educação infantil, pois fazer pesquisa com os bebês significa reconhecer os
significados produzidos na construção deste marcador intrageracional. É imprescindível
compreender o processo de construção social da geração e o valor atribuído à idade nas
sociedades ocidentais a fim de que se realize uma análise da condição do bebê na
contemporaneidade e dos efeitos deste marcador na vida dos sujeitos. Para isso, exponho um
levantamento bibliográfico acerca da temática e discuto os fundamentos teóricos.
No terceiro capítulo, apresento a metodologia escolhida para esta pesquisa, dando
destaque aos significados da ética na pesquisa com bebês e introduzindo alguns elementos do
campo de pesquisa. Discorro também sobre a relação que construí com eles ao largo do trabalho
de campo, posicionando-me enquanto pesquisadora e reconhecendo as implicações da minha
presença na creche.
No quarto capítulo, realizo a análise dos dados produzidos em campo, cotejando-os com
a teoria e mobilizando texto e imagens na produção deste texto. Para promover esta discussão,
também apresento o inventário da materialidade a qual os bebês têm acesso. Este capítulo está
dividido em quatro partes, as quais enfatizam diferentes questões relativas a profunda relação
estabelecida entre o espaço, os bebês e a materialidade. Na primeira delas, dou destaque ao
contexto material da instituição e, nas seguintes, aos acontecimentos advindos dos encontros
dos bebês com as coisas23. Além disso, é possível aceder a um endereço virtual em que se
apresenta o acervo material da instituição a partir de duas classificações distintas (categorização
pedagógica e panorama da matéria).
Por fim, nas considerações finais, apresentam-se algumas sugestões e orientações para
o trabalho com bebês considerando-se a reflexão sobre o espaço e as materialidades. O diálogo
entre os Estudos da Infância e a Pedagogia permanece como fio condutor desta reflexão. Desejo
que a voz dos bebês reverbere nesta dissertação e que seja possível reconhecermos a
importância de considerar este recorte geracional e etário na produção acadêmica e nas práticas
educativas.

_______________
23
Ressalto que, apesar da ordem das seções da análise, elas não precisam ser lidas nesta ordem, porque apesar do
diálogo entre elas, elas são independentes.
28

2 O ESPAÇO E OS BEBÊS: CONCEITOS DELIMITADORES DA PESQUISA

Na sala em ruínas, pessoas em piquenique teriam aquecido suas chaleiras; amantes


teriam ali buscado abrigo, deitados nas tábuas nuas; e o pastor teria guardado sua
comida em cima dos tijolos caídos, e o vagabundo teria dormido enrolado no casaco
para se proteger do frio. Então, o teto teria caído; urzes e cicutas teriam fechado os
corredores, os degraus e as janelas; teriam crescido, desigual, mas luxuriosamente,
sobre o entulho, até que algum intruso, tendo se perdido, poderia ter dito, apenas por
causa de um lírio-tocha misturado às urtigas, ou um caco de porcelana no meio das
cicutas, que aqui, alguém, uma vez, vivera; existira uma casa.
Virginia Woolf - Ao Farol

A casa, descrita acima por Virginia Woolf, atravessa o tempo e se modifica conforme
sujeitos e objetos passam a habitar o seu espaço. Cada qual a ocupa de modo diferente,
relacionando-se com ela e apropriando-se dos objetos que ali se encontram. Vemos como o
encontro com a materialidade constitui os sujeitos e a concretude do espaço físico
subjetivamente se altera segundo a relação estabelecida por eles, seja o teto caído, as tábuas
nuas ou o caco de porcelana. Estes significados simultaneamente constroem o espaço.
Esta casa pode ser metáfora para pensarmos na escola e nos percursos travados em seu
interior por crianças e adultos: histórias que se encontram, espaços que se constroem por meio
da ação dos sujeitos e que se modificam de acordo com os significados atribuídos no decorrer
de suas trajetórias. Os bebês vivem experiências de infância plurais, marcadas por esses
encontros dinâmicos com os espaços e tempos que eles habitam. Pensar a escola como lugar de
encontro das histórias de crianças e adultos implica em reconhecermos que o espaço não é algo
estático, fixo, imóvel.
Usualmente, o tempo é percebido enquanto experiência subjetiva e o espaço
assemelha-se a um contêiner vazio à espera da ação das pessoas. É comum dizer que o “tempo
passou voando” ou que “ele não passa”. São frases que dizemos com frequência ao
expressarmos aquilo que sentimos em diferentes momentos. Refutar a imobilidade do espaço
significa compreender que, assim como a experiência de tempo é subjetiva, a espacialidade
vincula-se à concretude material da vida e aponta para a experiência do espaço, para sua
singularidade e subjetividade. Esta é a abordagem de espaço defendida no decorrer desta
pesquisa: ele é construído pelos sujeitos que o ocupam e que atribuem significados diversos
para ele a partir da interação com os elementos concretos e com os símbolos presentes.
Isto significa pensar o espaço das instituições de educação infantil como um lugar
marcado pelas relações que os sujeitos estabelecem com imagens distintas de infância, o lugar
para as crianças, assim como um lugar continuamente alterado diante das relações construídas,
o lugar das crianças (RASMUSSEN, 2004). As concepções de criança, infância e educação
29

infantil se fazem presentes no espaço da creche, constituindo-o e transformando-o. Assim, da


mesma forma como refutamos a imobilidade do espaço, podemos pensar no dinâmico processo
de constituição da categoria geracional infância e na pluralidade de marcadores sociais que
constroem a categoria intrageracional “bebês”. Estes conceitos atravessam esta pesquisa,
tornando-se visíveis no decorrer do trabalho.
Portanto, as reflexões que se seguem visam defender uma abordagem relacional para
o espaço e para o conceito de geração. É neste sentido que este capítulo tem por objetivo discutir
acerca das concepções de educação infantil, criança e infância mobilizadas ao largo desta
pesquisa e dos conceitos de espaço e materialidade.
Para isto, apresentam-se a seguir os pressupostos centrais do campo dos Estudos da
Infância (ALANEN, 1988; JAMES; PROUT, 1990; 2005; PROUT, 2005; QVORTRUP,
2010b; SARMENTO, 2008), assim como reflexões acerca do espaço, partindo de discussões
situadas no campo da geografia e da filosofia (LEFEBVRE, 1991; MASSEY, 1994; 2005;
SANTOS, 2014b,a), além de reflexões sobre a materialidade e a cultura material a partir do
diálogo com a antropologia (INGOLD, 2012b; MILLER, 2005; TILLEY et al., 2006). Também
se apresenta uma análise da produção nacional e internacional acerca do espaço da creche
dentro da área da educação a partir de um levantamento bibliográfico sistemático.

2.1 INFÂNCIA, INFÂNCIAS E CRIANÇAS: CONTRIBUIÇÕES DOS ESTUDOS DA


INFÂNCIA

Os Estudos da Infância surgem como um campo de pesquisa interdisciplinar,


congregando diversos campos da ciência – como a sociologia, a história, a psicologia, a
geografia, a antropologia – e que se propõem, como grande questão, a investigação acerca da
infância por meio de novas metodologias e problemas, os quais voltam-se às crianças
percebendo-as como atoras sociais. É uma produção que compreende que os discursos
constroem realidades, o que a caracteriza como eminentemente crítica (ALANEN, 2011a) e
manifesta a característica da dupla hermenêutica presente nas ciências sociais (JAMES;
PROUT, 1990), comprometendo-se a produzir um conhecimento alicerçado tanto no rigor
científico quanto implicado nos contextos reais de vida das crianças.
Suas análises compartilham a perspectiva de rompimento com a imagem de criança
como objeto de pesquisa e desnaturalizam o processo de desenvolvimento infantil,
reconhecendo as crianças como dignas de estudo por si próprias. Isto implicou no rompimento
30

com as leituras tradicionais da psicologia do desenvolvimento24 e do processo de socialização25


(JAMES; PROUT, 1990; JOBIM E SOUZA, 1996), fazendo com que ideias dominantes de
fundamento positivista, como de racionalidade, naturalidade e universalidade, que implicam
em uma noção de progresso e de desenvolvimento linear, se tornassem objeto de crítica e de
reflexão.
Diante disso, as pesquisas passam a considerar a ação social das crianças, suas vozes
sobre suas experiências de infância e se perguntam sobre seus significados e condições,
considerando-as como sociologicamente iguais aos adultos (ALANEN, 1994). Assim, a criança
é estudada como sujeito em seu direito próprio e não somente como um objeto de intervenção
social: elas agem socialmente em relação com outras estruturas sociais (JAMES; PROUT,
1990), são sujeitos políticos (QVORTRUP, 2010b) e constroem culturas de pares (CORSARO,
2011), produzindo manifestações culturais próprias a partir de um processo de interpretação e
apropriação das práticas culturais de modo particular ao universo infantil (SARMENTO, 2008).
Ao reconhecerem-se as crianças como atoras sociais, observa-se que elas agem de forma ativa
desde seu nascimento, constroem relações com os outros e modificam o espaço ao seu redor.

_______________
24
Destaco que em alguns momentos do decorrer do trabalho recorremos à crítica à psicologia do desenvolvimento
tradicional e uma visão restrita de cognição como um argumento que nos ajuda a construir uma reflexão crítica
em relação à padrões universais de desenvolvimento revestidos do caráter de cientificidade e racionalidade
próprios do pensamento moderno. Eles se apresentam como padrões de normalidade que colonizam nossas
imagens de infância, criança e educação infantil. Na seção 4.1, em que se analisa o lugar construído para os
bebês, é possível notar como a imagem de criança construída a partir desta visão clássica do desenvolvimento
infantil é um elemento que constringe as materialidades às quais os bebês têm acesso e atravessa os produtos e
brinquedos socialmente produzidos e categorizados enquanto materiais de uso dos bebês. A cultura para os bebês
é, em grande parte, marcada por essa imagem de infância. Contudo, é importante compreender que esta crítica
precisa ser lida de modo situado. Primeiro, ela compõe parte dos argumentos que justificam a consolidação deste
campo específico de estudos e, portanto, é frequente nas produções da área. Segundo, a crítica é pontual, ou seja,
ela se refere às concepções clássicas de desenvolvimento infantil que olhavam para a criança como um objeto
de pesquisa, a estudavam aparte de seus contextos de vida (em situações unicamente de estudos clínicos),
ranqueavam e escalonavam o desenvolvimento, assim como o compartimentavam. Leituras contemporâneas de
desenvolvimento infantil e demais áreas da psicologia constroem outras perspectivas sobre a criança e
contribuem para o desenvolvimento desta pesquisa e para a forma como o desenvolvimento infantil é
compreendido ao largo de toda a investigação. Nesse sentido, dialogamos com investigações que compartilham
de metateorias processuais-relacionais (OVERTON, 2015). São pesquisas que compreendem o desenvolvimento
infantil de forma relacional e processual, sem fragmentá-lo em diferentes dimensões; assim como o
compreendem em relação com a cultura e as dinâmicas do social e olham para as crianças como sujeitos,
considerando seus contextos de vida e as inter-relações com outras categorias sociais (BURMAN, 1996; 2006;
ROSSETTI-FERREIRA; AMORIM; OLIVEIRA, 2009; UPRICHARD, 2010). Nestas pesquisas, é possível
notar uma crítica à visão tradicional a partir do próprio campo da psicologia e, em específico, da psicologia do
desenvolvimento.
25
No desenvolvimento de pesquisas da sociologia da infância, observa-se que foi vivido, primeiramente, um
momento em que a criança é um objeto de socialização, para passar a ser em seguida um agente social, sujeito
das suas relações, entre si e com outras gerações. No decorrer do trabalho, ao reconhecermos a forma como os
bebês se colocam em relação com os outros, reinterpretam a cultura e produzem cultura de pares, também
provocamos um rompimento com a leitura tradicional dos processos de socialização.
31

Avançar em termos de pluralidade, heterogeneidade e complexificação dos estudos,


acolhendo as crianças enquanto atoras sociais, representa, portanto, “(…) um ‘passo adiante’,
dando vozes e visibilidade para um grupo na sociedade que por séculos foi silenciado, tendo
como base a idade enquanto classificação discriminatória”26 (VANDENBROECK; BIE, 2006,
p.127, tradução nossa). Esta classificação discriminatória tem um peso grande quando se
realizam pesquisas com bebês, sob as quais se fortalece um imaginário frequentemente marcado
pela falta. Nesta construção social, as crianças que não falam, ao não se expressarem por meio
do código da linguagem hegemônica, são consideradas como fundamentalmente diferentes dos
adultos (PROUT, 1990) e incapazes de se relacionar: é como se a educação as humanizasse ao
torná-las adultas e, portanto, civilizadas, falantes, leitoras e escritoras.
Contudo, “(...) a participação no sentido de ser e agir na sociedade não começa quando
um limite de idade definido ou um nível de adultez foi atingido.” (ALANEN, 1994, p.28,
tradução nossa)27. Os bebês utilizam gestos, sinais, expressam-se corporalmente e elaboram
estratégias diferentes para se comunicar com os outros sujeitos. Logo, as pesquisas situadas no
âmbito dos Estudos da Infância, consideram a ação das crianças e a suas formas específicas de
se relacionar com o mundo, “(...) contribuindo com os eventos e assim também reproduzindo e
transformando o seu mundo social.” (ALANEN, 2010, p. 767).
O olhar para suas experiências de infância também implica no reconhecimento das
infâncias, da diversidade de formas como esse tempo de vida é experienciado pelos sujeitos,
percebendo que a infância é uma estrutura permanente e que se altera em relação com outros
processos sociais – econômicos, políticos, ambientais, dentre outros –, na intersecção com
outras categorias sociais e a partir da própria ação dos sujeitos. Portanto, compreende-se a
infância como uma categoria social do tipo geracional, a qual ocupa uma posição estrutural e
“(...) assume formas diferentes como resultado das transformações sociais.” (QVORTRUP,
2010a, p. 641). Além disso, ela ocupa uma posição de interdependência com os demais grupos
geracionais (ALANEN, 2011b), sendo importante considerá-la sempre de forma relacional.
Olhar para a infância como categoria geracional implica na análise dos aspectos
diacrônicos e sincrônicos, como aponta Manuel Sarmento (2005; 2008). Segundo o autor, as
diferenças e contradições no interior da infância implicam, no plano diacrônico, nas sucessivas
imagens produzidas no decorrer do tempo histórico acerca da infância e, no plano sincrônico,

_______________
26
No original: “(…) a ‘step forward’, giving voices and visibility to a group in society that for centuries has been
silenced, only on the basis of age as a discriminatory classification.” (VANDENBROECK; BIE, 2006, p.127)
27
No original: “But participation in the sense of the being and acting in society does not begin first when a defined
age limit or degree of adultness has been reached”. (ALANEN, 1994, p.28).
32

aos efeitos produzidos por meio da relação de pertença a diferentes formas de estratificação
social – etnia, raça, gênero, classe, nacionalidade, dentre outras. De modo que se fazem
necessárias, no campo de pesquisa, a análise das dimensões homogêneas, a existência
permanente da categoria geracional, e das heterogêneas, que se referem à investigação
interpretativa das singularidades.
A análise desta dimensão homogênea dialoga com o foco de análise de Jens Qvortrup
(QVORTRUP, 2010a,b), o qual destaca a relevância do estudo das questões estruturais,
compreendendo a infância como uma categoria permanente da estrutura geracional da
sociedade, marcada pela constante substituição de seus integrantes, os quais ocupam posições
diferentes na ordem social de acordo com o período histórico e a cultura, partindo do
pressuposto que “meios, recursos, influência e poder estão distribuídos de maneiras diferentes
entre as categorias (...)”(QVORTRUP, 2010a, p. 638).
Leena Alanen (1994), por sua vez, faz um paralelo com os estudos feministas, afirmando
que o termo geração ocupa o mesmo papel de gênero no processo de investigação e
interpretação da realidade. Ou seja, se faz necessário dar destaque a este processo de construção
social em detrimento de uma rígida ordem de desenvolvimento e determinação dos sujeitos a
partir de seus atributos físicos ou de sua idade. Para isto, a autora propõe que o termo geração
seja analisado como variável dependente de aspectos estruturais e simultaneamente como
independente devido às ações das crianças.
Ou seja, as categorias de idade, classe, raça, gênero, geração, dentre outras, constroem
os mundos de vidas das crianças. Estas categorias emergem da análise empírica, assim como
urge considerar a questão das interseccionalidades (CRENSHAW, 2002), analisando-se a
forma como elas compõem cenários distintos nos quais os sujeitos adultos e crianças vão atuar.
Desta forma, estes estudos consideram que as experiências de infância são diversas e que não
se pode compreender os mundos de vida das crianças sob a égide de uma grande categoria com
aparência de universalidade. Para isso, se faz necessário romper com aquilo que é visto como
natural, elaborando uma reflexão permanente acerca dos processos políticos, históricos e sociais
que marcam estrutural e conjunturalmente a vida em sociedade.
Nesse sentido, as pesquisas de Deise Arenhardt (2015; 2014) buscam analisar as
relações entre as categorias de classe e geração, observando o duplo constrangimento vivido
por crianças de classes sociais diferentes. As de Neusa Gusmão (2003), por sua vez, tomam o
conceito de geração como fundamento e objeto de análise para estabelecer uma relação entre
infância e velhice, apontando a forma como a sociedade ocidental produz desigualdade a partir
33

da diferença e reduz os sujeitos crianças e idosos a construções universais: as crianças são quem
ainda não é, e os idosos aqueles que já foram.
Também consideramos fundamental retomar o conceito de geração como mobilizado
por Karl Mannheim (1993) a fim de compreender e reforçar a ideia de que a identificação do
sujeito de acordo com um grupo geracional – conexão e unidade geracional – implica em
considerar outros elementos juntamente com a questão etária ou com o coorte de nascimento.
Este autor, pioneiro nos estudos geracionais, sustenta a ideia de que a contemporaneidade dos
indivíduos garante a possibilidade de compartilhar uma mesma posição geracional, mas o
impulso coletivo das enteléquias implica na experiência de não-contemporaneidade, de forma
que os sujeitos assumem diferentes conexões e posições geracionais apesar de sua
contemporaneidade.
A forma como este autor complexifica o conceito de geração o torna mais diverso e
heterogêneo que a concepção de geração que toma como referência o coorte. Uma aproximação
a estes estudos pode possibilitar que as análises de geração se ampliem a fim de garantir um
olhar atento aos mundos diversos das crianças. Compreender a pluralidade da infância, as
infâncias, implica em mobilizarmos conceitos também plurais e multifacetados. A classificação
unívoca por meio da idade impacta na redução do conceito de geração, como exposto acima, e
produz marcadores intrageracionais esvaziados de seu caráter complexo e eminentemente
social.
Sob esta ótica, observa-se que a questão do tempo é fundamental nos Estudos da
Infância e que ela precisa ser continuamente tomada enquanto objeto de reflexão a fim de que
seja desnaturalizada. Barrie Thorne (2004) ressalta que “o desafio teórico de conectar o tempo
biológico, de desenvolvimento, biográfico e histórico merece ampla atenção” (THORNE, 2004,
p. 405, tradução nossa)28. Nesse sentido, compreende-se que a construção social da infância
atribui significados à idade, condicionando e organizando os espaços e tempos que os sujeitos
ocupam durante seu curso de vida (GIDDENS, SUTTON, 2016). As crianças são os sujeitos
que vivem este tempo de vida, a infância, e a vivenciam enquanto tempo cronológico de sua
experiência pessoal e tempo estruturante (QVORTRUP, 2010a) de suas possibilidades de
existência.
Deste modo, assumir uma postura crítica nos Estudos da Infância implica também no
questionamento da categoria idade, verificando-se a sua relação com a geração e aspectos

_______________
28
No original: “The theoretical challenge of connecting biological, developmental, biographical and historical
time deserves more extensive attention” (THORNE, 2004, p. 405).
34

contraditórios que advêm dela. A fim de promover uma reflexão sobre a categoria bebês de
forma crítica e de refletir acerca desta concepção social, discorre-se no próximo item sobre as
questões etárias e da alteridade própria aos bebês.

2.1.1 O “BEBÊ”: REFLEXÃO SOBRE OS MARCADORES INTRAGERACIONAIS

A forma como as gerações se constituem tem grande impacto na definição das


políticas e na forma como a infância se desenvolve29, posto que estruturam a forma como se dá
o acesso dos sujeitos aos bens socialmente produzidos e aos bens naturais (SANTOS, 2014a)
dos quais a humanidade usufrui. A questão do tempo, como indicada previamente, é central
para a constituição das gerações. Nesse sentido, para aprofundarmos a reflexão sobre o tempo,
em especial sobre o tempo cronológico – a idade – é preciso também estarmos atentos aos
outros marcadores sociais associados a ela e a compreendermos como uma construção da
cultura ocidental.
Ou seja, não basta ser criança de acordo com os limites etários – defendidos a partir
de investimento político em legislações internacionais como dos 0 aos 18 anos de idade –, é
preciso também considerar as relações intergeracionais e os marcadores sociais
intrageracionais, posto que eles afetam de forma diferente o cotidiano das crianças. Assim, ao
longo desta discussão, damos destaque especialmente ao critério etário enquanto marcador
social, discorrendo acerca da forma como a categoria intrageracional “bebês” se constitui no
contexto da pesquisa realizada.
Quando nos referimos aos bebês é frequente que mencionemos o seu tempo de vida
com exatidão. Detalhamos os anos, meses e até mesmo os dias de vida. O conhecimento que se
produz acerca deles recorrentemente também parte desta mensuração exata do tempo de vida.
Associado à idade encontramos uma visão estática e universalizada de desenvolvimento infantil
e de constituição da geração. O tempo cronológico é fixado em um conjunto de etapas distintas
e é compreendido como o registro do desenvolvimento linear do indivíduo (GIDDENS;
SUTTON, 2016). É como se ao definirmos a idade de um sujeito criança pudéssemos
compreender tudo acerca da forma como ele se relaciona com o mundo e determinássemos o
tempo que resta para que se desenvolvam as competências necessárias para ser considerado

_______________
29
O que torna possível pensar na noção de desenvolvimento da infância como defendida por Jens Qvortrup
(2010b), ou seja, a forma como a infância enquanto estrutura permanente se altera no decorrer do tempo
histórico, esta é “(...) uma noção cuja dinâmica se encontra nos parâmetros sociais, e não nas características
individuais [das crianças].”(QVORTRUP, 2010a, p. 637)
35

adulto, além de desconsiderarmos a forma e as condições nas quais ele vive este tempo de sua
vida.
Prout e James (2005) observam que deixamos de utilizar este tipo de classificação etária
quando nos referimos aos adultos, um sinal, segundo os autores, do valor atribuído à idade no
processo social de construção da infância. Conforme as crianças passam por diferentes estágios
e experienciam a passagem do tempo em seu curso de vida, elas têm acesso a espaços diversos
e lhes são possibilitados usos diferentes do tempo. A geração adulta progressivamente lhes
concede mais acesso aos espaços públicos, mais possibilidade de participação na vida política,
maior possibilidade de escolha de como usufruir do tempo, mais possibilidades de encontros
com seus pares em espaços diferentes do escolar, dentre outros aspectos. A criança cresce e a
ela lhe é conferido um estatuto de ser social e político (JAMES; PROUT, 1990), o qual lhe é
muitas vezes negado enquanto bebê.
Ou seja, a idade é tomada como algo previsível, passível de acompanhamento e controle.
Discorremos acerca do tempo vivido, contamos a passagem dos anos, mas pouco mencionamos
os espaços que o sujeito habita ou as relações em que se encontra inserido. Esta leitura moderna
e ocidental do curso de vida implica na compreensão de geração enquanto algo mensurável e
pré-determinado, elemento que Karl Mannheim (1993) problematiza ao assumir como
pressuposto a não contemporaneidade dos contemporâneos. Ou seja, “mesmo entre bebês da
mesma idade podem ocorrer diferenças significativas devido a fatores como estrutura familiar,
renda e orientação religiosa.” (GOTTLIEB, 2009, p.325).
Os estudos antropológicos contribuem para esta reflexão ao apontarem a forma como
diferentes culturas constroem marcadores sociais diferentes, o que nos ajuda a fissurar a
concepção ocidental da idade enquanto um simples e universal indicador de tempo. Alan Prout
e Allison James (2005) mobilizam conceitos provenientes da antropologia, como age classes e
age grades, além de realizarem uma reflexão aprofundada acerca do significado do tempo nos
Estudos da Infância: estabelecendo uma diferença entre o tempo da e na infância.
Alma Gottlieb (2009) também tensiona este critério etário, posto que ele “(...) não é
uma certeza biológica, mas uma convenção cultural pressuposta no calendário ocidental.”
(2009, p.317). Ou seja, não há uma definição natural acerca de qual idade marca o início ou o
fim da infância, esta é uma determinação dada pela cultura. A autora também destaca que estes
critérios tomam como base as normas de desenvolvimento construídas “(...) com base em
crianças europeias e americanas de classe média, excluindo dos estudos a maioria das crianças
do mundo.” (GOTTLIEB, 2009, p. 328).
36

Catherine Clark-Kazak (2012; 2009), em seus estudos sobre crianças imigrantes e


demografia, se dedica à problematização do conceito de idade por meio da noção de “idade
social”, a qual ela utiliza a fim de analisar a forma como os sujeitos se auto identificam ou são
identificados pelos seus grupos sociais, discutindo a noção dos limites etários arbitrários e
indicando a necessidade de se considerar outros processos sociais envolvidos na delimitação de
uma geração. Segundo ela, é importante observar a forma como a posição geracional ocupada
pelos sujeitos depende tanto do marcador cronológico do tempo, a idade, quanto de outros
marcadores sociais elaborados nas culturas: como o casamento, a independência financeira, a
parentalidade, as funções que o sujeito assume na família ou na comunidade, o nível de
autonomia física, dentre outros.
Esta reflexão sobre a idade, enquanto marcador inter e intrageracional, faz com que
consideremos que “as variações históricas da noção de infância estão também associadas às
balizas etárias que definem a categoria geracional e que são variáveis no espaço-tempo.”
(SARMENTO, 2008, p. 8). Manuel Sarmento e Manuel Pinto (1997) destacam, a partir de
exemplos advindos das legislações de trabalho e políticas educativas para a infância na Europa,
o caráter arbitrário da definição dos limites etários impostos à infância e também aos demais
grupos geracionais. Eles afirmam:
(...) considerando que esta categoria social se estabelece por efeito exclusivo da idade
(e não da posição social, da cultura ou do gênero), podemos considerar que o
estabelecimento desses limites não é uma questão de mera contabilidade jurídica, nem
é socialmente indiferente. Pelo contrário, é uma questão de disputa política e social, não
sendo indiferente ao contexto em que se coloca, nem ao espaço ou ao tempo da sua
colocação. Assim "ser criança" varia entre sociedades, culturas e comunidades, pode
variar no interior da fratria de uma mesma família e varia de acordo com a estratificação
social. Do mesmo modo, varia com a duração histórica e com a definição institucional
da infância dominante em cada época. (SARMENTO; PINTO, 1997, p. 10)

Assim, na cultura ocidental, a terminologia bebês parece estar associada aos atributos
físicos das crianças (CLARK-KAZAK, 2009), às linguagens que mobilizam e aos diferentes
níveis de dependência em relação aos adultos. Na literatura internacional, o levantamento de
pesquisas sobre bebês requer o uso dos termos infants (0 a 1 ano), toddlers (1 a 2 anos) e babies
(sem critério de tempo definido). Três terminologias distintas em relação às quais não há um
uso consensual e que diferem entre si de acordo com outros marcadores sociais associados a
elas, como o início da fala e a conquista da postura bípede.
Ou seja, a idade não basta para se definir as crianças, é preciso se considerar outros
aspectos culturais, como também indicam Tatek Abebe e Yaw Ofusu-Kusi (2016) ao refletirem
acerca das infâncias africanas. Bame Nsameneng (1999; 2008)aponta para a possibilidade de
outras perspectivas que podem fundamentar tanto as pesquisas, em suas delimitações, quanto a
37

prática pedagógica na educação infantil, a partir de teorias provenientes da África e de um


estudo do desenvolvimento infantil culturalmente situado. Há, ainda, estudos publicados acerca
das culturas indígenas e suas representações de infância e educação (PACINI-KETCHABAW;
TAYLOR, 2015; TASSINARI; ALMEIDA; RESENDÍZ, 2014), as quais também podem
provocar outras reflexões quanto aos marcadores sociais associados às categorias geracionais.
Nesse sentido, também reverbera o questionamento de Niina Rutanen (2011) quando se
pergunta se os recortes etários são os mais adequados para a análise da dimensão social e da
agência30 dos bebês.
O investimento político das pesquisadoras e professoras brasileiras em prol da definição
do corte etário para entrada na pré-escola e no ensino fundamental exemplifica a importância
de permanecermos atentos aos significados produzidos socialmente e à definição arbitrária da
idade, pois o valor que atribuímos a ela impacta diretamente na vida das crianças. Desde a lei
11.114/2005, que alterou a Lei 9.394/96 (LDB), e antecipou a idade de entrada das crianças no
ensino fundamental, assim como da lei 11.274/2006, que dispôs sobre o ensino fundamental de
nove anos, o corte etário tem sido objeto de discussão e de confronto no âmbito jurídico e
educacional, envolvendo concepções diversas de infância e de desenvolvimento infantil, assim
como interesses econômicos.
Esse amplo debate foi marcado, em 2018, pela resolução no2, de 9 de outubro, que fixou
a data corte de 31 de março para entrada na pré-escola e no ensino fundamental. Ângela
Coutinho e Adriana Dragone salientam que a regulamentação do corte etário “(...)se faz
necessária para a organização dos sistemas de ensino e salvaguarda do direito das crianças com
idade incompleta de frequentarem uma instituição de educação infantil” (COUTINHO;
SILVEIRA, 2015). Diante desta recente conquista, muitas crianças terão garantida a
oportunidade de permanecer mais tempo nas instituições de educação infantil.
Da mesma forma, a definição etária que separa a creche da pré-escola incide na
elaboração de políticas distintas, apesar da luta do campo educacional para aproximá-las, e que
se encontram em relação com uma agenda global em que se promove programas de assistência

_______________
30
Ao longo do trabalho, o termo agência será mencionado com frequência a fim de referirmo-nos a ação social
das crianças enquanto atores sociais, compreendendo-a a partir dos contextos de interação em que elas se
encontram (COUTINHO, 2013a) e reconhecendo sempre as dinâmicas de interdependência. Assim, a noção de
agência mobilizada no decorrer do trabalho considera que ela é social e relacionalmente produzida (SPYROU,
2019), não sendo uma qualidade inerente ao sujeito. Esta compreensão acolhe dimensões afetivas e subjetivas,
dissociando o conceito de agência de interpretações que o mobilizam unicamente a partir de uma perspectiva
individual e racional. No capítulo metodológico, esta questão é melhor discutida e, da mesma forma, na terceira
seção da análise, item 4.3, discorro sobre a agência dos bebês a partir de uma reflexão sobre as situações nas
quais eles fazem um uso funcional dos objetos.
38

para as crianças de 0 a 3 anos, especialmente focalizados nas crianças em situação de pobreza.


Garante-se o enfoque no desenvolvimento físico e na atenção às suas necessidades básicas em
detrimento de um estudo mais cuidadoso sobre o significado da prática pedagógica com as
crianças bem pequenas e da qualidade das instituições que atendem a este grupo de crianças.
Ou seja, essas categorias intrageracionais também se fazem presentes no pensamento
educacional, dado que a prática educativa está envolta nesta trama das múltiplas representações
de infância (CHARTIER, 1988). Além disso, historicamente, a cultura escolar produziu
compreensões de tempo e espaço (VIÑAO FRAGO, 2015) expressos em uma organização
etária escolar que produz e é produzida pelos marcadores etários socialmente construídos.
Em contraposição a esta abordagem ocidental do curso de vida, o curso de vida também
pode ser percebido como um continuum (GIDDENS; SUTTON, 2016, p. 192), sendo o tempo
vivido e significado pelos sujeitos de modos variados e plurais. Nessa perspectiva, são borrados
os limites geracionais a fim de dar destaque aos processos de subjetivação e à experiência, além
de criticar a fragmentação do curso de vida em estágios. Esta leitura pós-moderna sobre o curso
de vida nos provoca a compreender a diferença como marca do humano, relacionada ao
movimento e ao devir.
Aqui, referimo-nos ao devir enquanto conceito da filosofia da diferença (CECCIM;
PALOMBINI, 2009; DELEUZE, 1997), compreendido como potência e não como “vir a ser”,
noção sustentada em um pensamento essencialista e transcendental. Ou seja, se faz necessário
considerar este encontro de corpos, preocupar-se com aquilo que acontece entre eles e nas
possibilidades de como as vidas podem ser construídas por meio dos encontros, considerando-
se uma ontologia relacional. Assim, esta perspectiva nos convida a atribuir um sentido positivo
à diferença, a fazer o exercício de olhar para a vida e reconhecer a heterogeneidade e pluralidade
de formas em que ela pode ser experienciada.
Nesse sentido, pesquisas que adotam a perspectiva do novo materialismo
(CHARTERIS; SMARDON; NELSON, 2017; MACLURE, 2013), assim como estudos
fundamentados nas ideias de Gilles Deleuze e Feliz Guatarri (OLSSON, 2009) tem promovido
um descentramento das categorias de infância e criança ao estudarem os emaranhados
materiais-semióticos. Isto não significa negar a diferença entre os bebês e as outras crianças,
todos integrantes da mesma categoria geracional, mas reconhecê-la e assumi-la enquanto
princípio. Sempre será necessário fazer um exercício de deslocamento diante do encontro com
o outro, independente do momento em que ele se encontre em seu curso de vida. No encontro
com os bebês, eles nos convocam a construir uma relação ética por meio do cuidado e da
interdependência.
39

É importante manter isto em mente para que compreendamos a diversidade e resistamos


à tentação de categorizar e simplificar os processos de análise do social, reconhecendo o
impacto dos “(...) marcadores sociais associados aos estágios do curso de vida.” (GIDDENS;
SUTTON, 2016, p. 193). Ou seja, tanto a alteridade quanto o impacto deste marcador
intrageracional devem ser considerados quando nos aproximamos aos mundos de vida das
crianças, ou seja, a diversidade advinda da vida enquanto continuum e as restrições e condições
provenientes dos marcadores sociais.
A investigação que aqui se realiza considera este movimento duplo. Assim, a concepção
de bebê que orienta esta investigação pode ser compreendida como uma construção teórica-
empírica, a partir da qual eles são compreendidos como sujeitos integrantes da categoria
estrutural do tipo geracional infância e que simultaneamente integram uma categoria
intrageracional a partir da qual são denominados de bebês. Enquanto tal, eles atuam
socialmente a partir das contrições dadas por ambas as categorias. Eles também são
compreendidos enquanto atores sociais que recorrem à linguagens outras para se manifestarem,
como marca da alteridade que lhes é própria31.
No campo de pesquisa, deparo-me com uma reflexão acerca da arbitrariedade das
definições etárias e suas denominações, posto que o grupo de crianças acompanhado no
decorrer da pesquisa é composto por sujeitos com uma idade aproximada, ainda que distintas,
com diferentes competências motoras (correm, caminham e engatinham) e que fazem usos
distintos da linguagem verbal (balbucios, palavras soltas e frases curtas) 32. O quadro abaixo
(Quadro 1) apresenta a composição do grupo quanto as suas idades:

_______________
31
Na primeira seção da análise (Item 4.1) promovemos uma análise sobre o impacto da categoria bebê no acesso
a materiais e espaços do Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) em que se realizou a pesquisa. Nas
seções de análise seguintes (4.2, 4.2 e 4.4) damos destaque às ações dos bebês diante de seus encontros com as
materialidades, o espaço e os pares, dando visibilidade às práticas culturais dos bebês.
32
Coloco estes dois aspectos em destaque, dentre outros que poderiam ser mobilizados, pois foram mencionados
no decorrer desta discussão sobre a idade e os bebês como dois marcadores sociais importantes para a construção
desta categoria intrageracional.
40

Quadro 1 – Idade dos bebês participantes da pesquisa


Idade
33
Crianças Início da Pesquisa de Final da Pesquisa de
Campo - Abril Campo - Junho
Davi e Luiza 1 ano e 1 mês 1 ano e 4 meses
Allan e Allicia 1 ano e 2 meses 1 ano e 5 meses
Lívia e Yasmin 1 ano e 3 meses 1 ano e 6 meses
Bernardo e Beatriz 1 ano e 5 meses 1 ano e 8 meses
David, Heloísa, Pedro, Alice e Nathiely 1 ano e 6 meses 1 ano e 9 meses
Laura e Melissa 1 ano e 8 meses 1 ano e 11 meses
Valentina 1 ano e 9 meses 2 anos
Kaylan e Matheus 1 ano e 10 meses 2 anos e 1 mês
Heloísa (Lolo) 1 ano e 11 meses 2 anos e 2 meses

Fonte: A autora (2020)

A organização das turmas na rede pública do município de Curitiba obedece a


regulamentação do corte etário para o agrupamento das crianças em turmas.34 Assim, na rede
municipal de Curitiba, as turmas de creche são organizadas com as denominações de berçário
único, I e II e maternal único, I e II, de acordo com o quadro abaixo:

Quadro 2 – Organização das turmas de creche no município de Curitiba no ano de 2019


Turma Datas de nascimento
Berçário I 1/4/2018 a 31/03/2019
Berçário II 1/4/2017 a 31/03/ 2018
Berçário Único 1/4/2017 a 31/03/2019
Maternal I 1/4/2016 a 31/03/2017
Maternal II 1/4/2015 a 31/03/2016
Maternal Único 1/4/2014 a 31/03/2017

Fonte: A autora (2020) a partir de documento disponibilizado na instituição pesquisada

Ou seja, na instituição pesquisada o termo bebês é usado no espaço em que se realizou


a pesquisa e isto opera na organização dos espaços e na seleção da materialidade. Ainda que os

_______________
33
A fim de resguardar a autoria dos bebês, foi solicitada a autorização das famílias para a utilização do nome
verdadeiro. Foi criado um novo fictício somente para um dos bebês, o Bernardo.
34
As classificações intrageracionais criadas para a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), não operam na
organização das turmas da creche.
41

bebês tenham diferentes competências motoras e de uso da linguagem verbal, todos são
chamados de bebês pelas professoras. Ou seja, nesse contexto, a organização destes sujeitos
em uma turma denominada de “berçário” tem um efeito de construção e consolidação desta
categoria intrageracional.
Desta forma, a experiência dos bebês na creche ocorre na relação com esta estrutura:
a imagem de bebê impacta nos processos de seleção de materialidades e organização dos
espaços, além de determinar aquilo é considerado adequado para o trabalho com eles. Ela
constrói a paisagem ao mesmo tempo em que se altera por meio da ação das crianças, os quais
constituem-se bebês diante do contexto vivido. Assim, a categoria socialmente construída
“bebês” precisa ser considerada como um fator que atua no contexto da creche, devendo ser
tensionada e considerada no decorrer da pesquisa ao defendermos uma abordagem relacional
(ALANEN, 2019).
Nesse sentido, considerando a produção teórica exposta acima, aspectos estruturais e
relacionais do campo de pesquisa, denominamo-los de bebês no decorrer deste trabalho a fim
de dar visibilidade às suas formas específicas de se colocar em relação com o mundo, as quais
diferem dos modos de agir mobilizados por outras crianças e para destacar a forma como este
marcador etário intrageracional opera na determinação de suas condições de vida. É uma forma
de reconhecimento da alteridade e uma defesa política, produzindo para eles um espaço no qual
as suas vozes possam repercutir na formulação de políticas que considerem sua especificidade.
No percurso exposto acima, verificou-se o modo como as definições etárias e o estudo
da sociedade por meio de uma abordagem geracional implicam em uma discussão sobre o
tempo e o reconhecimento de terminologias distintas que devem ser mobilizadas de forma coesa
no decorrer da pesquisa. Os termos infância, infâncias, crianças e bebês serão utilizados ao
largo deste trabalho e irão tensionar o processo de análise dos dados por funcionarem enquanto
mecanismos analíticos. Outros conceitos delimitadores da pesquisa são os referentes ao espaço
e a materialidade, sobre os quais discorremos a seguir.
42

2.2 ESPAÇO ENQUANTO CATEGORIA RELACIONAL: REFLEXÃO SOBRE OS


CONCEITOS DE ESPAÇO, LUGAR E MATERIALIDADE(S)

O lugar pertence a nós?


(DANIELS et al., 2012)

A pergunta acima faz parte de um artigo publicado pelo Tate, Museu britânico de arte
Moderna, pela equipe de pesquisa responsável pelo semi-documentário “Robinson in ruins”,
longa lançado em 2010 e que conta a trajetória de um personagem fictício, Robinson, pelo sul
da Inglaterra35. Esta produção foi elaborada junto à geógrafa feminista Doreen Massey, a qual
propõe aos interlocutores uma reflexão sobre o espaço, enquanto categoria construída pela
multiplicidade de trajetórias, as “stories so-far”. Para a autora, o espaço não é estático, ele é
composto por uma simultaneidade dinâmica e está imbuído com a temporalidade (MASSEY,
1994; 2005). Esta concepção de espaço atravessa esta produção cinematográfica, provocando
os espectadores a reimaginarem o mundo a partir desta perspectiva.
A reflexão que Massey propõe dialoga com outras pesquisas (LEFEBVRE, 1991;
SANTOS, 2014a) que rediscutem a forma como o espaço vem sendo concebido nas pesquisas
sociais, refutando uma imagem de espaço fixo e imóvel e convidando a uma desconstrução da
imagem moderna de espaço, a qual está sedimentada nos pares espaço-lugar (DELYSER, 2010;
FRANCO, 2015) e espaço-tempo (MASSEY, 2005) enquanto categorias binárias. A concepção
de espaço que emerge deste conjunto de pesquisas é a de concebê-lo enquanto prática social e
produto das relações em suas dimensões micro e macro, ou seja, descontruir uma ideia absoluta
e defender uma imagem relacional do espaço (THRIFT, 2003).
Esta concepção visa desconstruir a ideia de espaço proveniente das ciências exatas, nas
quais ele é compreendido enquanto um conceito geométrico, o denominado espaço euclidiano,
evocando a ideia de superfície e de área vazia. Ao ser compreendido desta forma, ele pode ser
conquistado (MASSEY, 2005), atravessado ou repetido em diferentes testes laboratoriais, os

_______________
35
Neste artigo, a equipe de pesquisa – Stephen Daniels, Patrick Keiller, Doreen Massey e Patrick Wright – discorre
acerca de alguns temas centrais apresentados no filme, fazendo uma reflexão sobre o tempo, o espaço e a
construção das subjetividades. Ao colocarem algumas ideias acerca do conceito de lugar e de pertencimento,
eles afirmam que: “Sentir que você pertence a um lugar não significa, necessariamente que ele pertenca a você,
nem que você tenha que mover-se para sentir-se deslocado” (“Feeling you belong to a place in no way necessarily
entails that it belongs to you, nor that you have to move to be displaced.”) (DANIELS et al., 2012)
43

quais são reconhecidos enquanto científicos e verdadeiros. Ele é categoria técnica, posto a
serviço da ação humana para fins específicos.36
Esta concepção de espaço predominou na produção científica acompanhando o
movimento de construção da ciência moderna e do próprio estatuto de ciência a partir dos
princípios da razão e da objetividade, os quais se desenvolveram junto às ciências exatas.
Sustentado pela noção de verdade, ele se mantém no imaginário social e passa a ser
compreendido de forma naturalizada, impedindo que se realize uma reflexão aprofundada sobre
as relações que o produziram. A ideia de verdade oculta estas relações subjetivas, marcas
humanas na construção dos espaços.
Henri Lefebvre inicia sua obra “A Produção do Espaço” (LEFEBVRE, 1991) refutando
esta noção de espaço euclidiana e produzindo uma reflexão acerca do significado de espaço
para a filosofia e as ciências sociais. Ele compreende que:

Espaço (social) não é uma coisa entre outras coisas (…). É o resultado de uma
sequência e conjunto de operações e, portanto, não pode ser reduzido à posição de
simples objeto. (...) Ele mesmo o resultado de ações passadas, o espaço social é o que
permite que novas ações aconteçam, ao mesmo tempo em que sugere outras e impede
outras. (LEFEBVRE, 1991, p. 73, tradução nossa)37

Em sua obra, ele divide o espaço em três categorias distintas, as quais podem ser
utilizadas na análise do social, são elas o espaço concebido, percebido e vivido. O espaço
concebido é aquele pensado pelos urbanistas, arquitetos, engenheiros, tecnicamente
representado; o espaço percebido é aquilo que podemos observar da relação dos sujeitos com o
espaço e as materialidades; e o vivido é o espaço concreto experienciado subjetivamente38.
Ao rejeitar a concepção tradicional de espaço, o autor refuta também uma visão binária
que o contrapõe ao conceito de lugar. Ou seja, ainda que o espaço possa ser divido nestes
conceitos devido a uma finalidade analítica, ele deve ser compreendido como um só: “o espaço
é inteiro e entrecortado, total e fragmentado, de uma só vez e ao mesmo tempo. Assim, ele é ao

_______________
36
Massey (2005) associa esta ideia à forma como a sociedade ocidental passou a organizar os Estados-Nações
com base na noção de território, posse e limites bem construídos, assim como promove uma compreensão do
processo de globalização em seu formato contemporâneo como movimento natural, impedindo uma reflexão
que nos leve a compreendê-lo enquanto processo atravessado pelo pensamento neoliberal.
37
No original: “(Social) space is not a thing amongst other things (…). It is the outcome of a sequence and set of
operations, and thus cannot be reduced to the rank of a simple object. (…) Itself the outcome of past actions,
social space is what permits fresh actions to occur, while suggesting others and prohibiting yet
others.”(LEFEBVRE, 1991, p. 73).
38
Estas categorias tem sido mobilizadas nas pesquisas de Niina Rutanen sobre o espaço para crianças de dois anos
de idade (RUTANEN, 2014b).
44

mesmo tempo concebido, percebido e diretamente vivido.” (LEFEBVRE, 1991, p. 356,


tradução nossa)39.
Massey (2005) também compartilha desta visão, elaborando ao longo de sua obra uma
reflexão sobre os aspectos dinâmicos e relacionais do espaço, apresentando-o enquanto
categoria porosa que possibilita a surpresa e o encontro entre agentes humanos e não-humanos.
A materialidade ocupa um papel central em sua definição de espaço. Ela parte da seguinte
pergunta:

O que poderia significar reorientar a imaginação, para questionar o hábito de pensar


no espaço como uma superfície? Se, ao invés, nós o concebermos como o encontro
de trajetórias, o que acontecerá com as nossas implícitas compreensões do tempo e do
espaço?40 (MASSEY, 2005, p.4)

Ao longo de sua obra, a autora defende a ideia de que esta reorientação da imaginação
acerca do espaço implica em três proposições iniciais: a primeira é a de compreendê-lo como
um produto de inter-relações, sendo sempre constituído do global ao minúsculo; a segunda é de
que ele é a esfera que possibilita a heterogeneidade, de modo que multiplicidade e espaço são
co-constitutivos; e a terceira é a de que ele está sempre em permanente processo de construção,
sendo o produto de relações contidas nas práticas materiais. Pensar sobre o espaço a partir destes
princípios também significa imaginar as suas implicações políticas: as identidades são
constituídas por meio de inter-relações, comprometendo-se com o anti-essencialismo; a
multiplicidade implica na simultaneidade de histórias e em suas particularidades,
desconectando-se de uma história universal; e o desconhecimento do futuro torna-se um
pressuposto devido ao movimento de resistência às narrativas modernas. O espaço, para
Massey, é a esfera:

_______________
39
No original: “For space ‘is’whole and broken, global and fractured, at one and the same time. Just as it is at once
conceived, perceived and directly lived” (LEFEBVRE, 1991, p. 356).
40
No original: “What might it mean to reorientate this imagination, to question that habit of thinking of space as
a surface? If, instead, we conceive of meeting-up of histories, what happens to our implicit imaginations of time
and space?” (MASSEY, 2005, p. 4)
45

(...) da simultaneidade dinâmica, constantemente desconectada por novas chegadas,


constantemente aguardando para ser determinada (e, portanto, sempre indeterminada)
pela construção de novas relações. Ele está sempre sendo feito e sempre, portanto, em
certo sentido, inacabado (...). Se você fosse realmente tirar uma fatia dele através do
tempo, ele seria cheio de furos, de desconexões, de provisórios primeiros encontros
semi-formados. (MASSEY, 2005, p. 107, tradução nossa)41

Milton Santos, por sua vez, apresenta o espaço como “um conjunto indissociável,
solidário e também contraditório de sistemas de objetos e sistemas de ações (...)” (SANTOS,
2014, p. 63), de modo que o espaço, enquanto conjunto, deve ser estudado como processo e
resultado da interação entre os sistemas. Ele é eminentemente social, posto que se constrói a
partir da ação dos sujeitos sobre a paisagem, sobre a forma. Ou seja, “uma casa vazia ou um
terreno baldio, um lago, uma floresta, uma montanha não participam do processo dialético
senão porque lhes são atribuídos determinados valores, isto é, quando são transformados em
espaço.” (SANTOS, 2014, p. 109).
Os trabalhos de Milton Santos também nos ajudam a elaborar ferramentas analíticas
para pensar a materialidade que compõe o espaço da creche, pois elabora uma teoria do espaço
que inter-relaciona objetos e ações e, com isso, nos dá ferramentas para pensar a creche como
um campo de possibilidades. Ele afirma que:

De um lado, os sistemas de objetos condicionam a forma como se dão as ações e, de


outro, o sistema de ações leva à criação de objetos novos ou se realiza sobre objetos
preexistentes. É assim que o espaço encontra a sua dinâmica e se transforma.
(SANTOS, 2014a, p. 63)

Esta reflexão sobre os objetos implica em pensarmos que a partir de uma visão relacional
e dinâmica do espaço, os elementos que o compõem devem ser pensados em sua relação com
os sistemas sociais e com as ações dos sujeitos que os utilizam em sua vida cotidiana. Ou seja,
a partir da ação dos sujeitos o objeto atualiza-se continuamente apesar de suas vocações
originais, sendo forçado a agir em conjunto, de modo que a organização espacial somente pode
ser compreendida por meio da interpretação do processo através do tempo (SANTOS, 2014b).

_______________
41
No original: “This is space as the sphere of a dynamic simultaneity, constantly disconnected by new arrivals,
constantly waiting to be determined (and therefore always undetermined) by the construction of new relations.
It is always being made and always therefore, in a sense, unfinished (…). If you really were to take a slice
through time it would be full of holes, of disconnections, of tentative half-formed first encounters.” (MASSEY,
2005, p. 107).
46

A definição de objeto elaborada por este autor é outra ferramenta analítica importante
para pensarmos na materialidade e referirmo-nos à concretude da vida e, simultaneamente, à
subjetividade do espaço, construído por meio da ação humana:

Para os geógrafos, os objetos são tudo o que existe na superfície da Terra, toda herança
da história natural e todo resultado da ação humana que se objetivou. Os objetos são
esse extenso, essa objetividade, isso que se cria fora do homem e se torna instrumento
material de sua vida, em ambos os casos uma exterioridade. (SANTOS, 2014a, p. 72)

Ao discorrer sobre os objetos, Milton Santos nos provoca a pensar sobre a materialidade
e a concretude da experiência humana, aproximando-nos a uma reflexão acerca da relação entre
objetos e sistemas de ações. O conceito mobilizado pelo autor tampouco restringe aquilo que
poderia ser compreendido enquanto um objeto, abarcando tanto coisas produzidas pela
atividade humana quanto a herança da história natural. Nas produções científicas acerca da
cultura material publicadas na língua inglesa, o termo things, coisas, é utilizado a fim de
referirmo-nos aos objetos em sua relação com o social. Tim Ingold (2012) afirma que as coisas
são:

(...) um “acontecer”, ou melhor, um lugar onde vários aconteceres se entrelaçam. (...)


tem o caráter não de uma entidade fechada para o exterior, que se situa no e contra o
mundo, mas de um nó cujos fios constituintes, longe de estarem nele contidos, deixam
rastros e são capturados por outros fios noutros nós. Numa palavra, as coisas vazam,
sempre transbordando das superfícies que se formam temporariamente em torno delas.
(INGOLD, 2012b, p. 29)

O autor defende o uso do termo coisa ao invés de objeto, pois este último parece
colocar-se “(...) diante de nós como um fato consumado, oferecendo para nossa inspeção suas
superfícies externas e congeladas.” (INGOLD, 2012b, p.29). Do mesmo modo, a terminologia
coisas parece romper com os binômios de objetividade-subjetividade, objeto-sujeito, os quais
são rechaçados diante de uma perspectiva que compreende as coisas em profunda relação com
a rede do social 42. A esse respeito, a historiadora Inés Dussel afirma:

_______________
42
Diferentes teóricos que se dedicam ao estudo da materialidade tomam como ponto de partida um conceito dos
objetos, das coisas, que os compreendem enquanto intimamente ligados ao social e ao movimento. Esta é a
leitura de objeto que atravessa este trabalho. Contudo, há divergências entre eles, uma discussão ampla sobre
agência dos objetos (INGOLD, 2012; KNAPPETT; MALAFOURIS, 2008; MILLER, 2005) e uma crítica à
ausência de uma perspectiva crítica que implica em uma reflexão sobre poder e desigualdade nestas teorias
(HOLLOWAY; HOLT; MILLS, 2019). Contudo, este debate não será abordado no decorrer deste trabalho e,
cientes das divergências, partilhamos com eles a perspectiva do dinamismo e da porosidade que permeiam a
materialidade.
47

Debatiendo con quienes ven a los objetos o las cosas como entidades totalmente
definidas y estáticas, estas teorías los consideran devenires nunca realizados por
completo. Este proceso de devenir no es secuencial, como cuando se cree que primero
estamos nosotros, y luego, como el reflejo en un espejo, los objetos. Al contrario: los
objetos, tanto como los humanos, también están en movimiento, tienen una historia
que no es previa a los sentidos que se construyen sobre ellos ni a las redes en que se
inscriben. (DUSSEL, 2019, p. 18).

As materialidades, portanto, precisam ser compreendidas a partir das narrativas


construídas em torno delas nos eventos situados nos quais se encontram e em sua relação com
os sistemas em que se encontram inseridas. A partir destas novas linhas, estes novos encontros,
elas se alteram e elas mesmas continuamente se transformam devido às mudanças da matéria
(INGOLD, 2011).
Neste sentido, a materialidade constitui um elemento central: forma e matéria, símbolo
e sensorialidade são elementos co-constitutivos da experiência. A perspectiva dos estudos da
cultura material é de que a “(…) materialidade é uma dimensão integral da cultura, e de que há
dimensões da existência social que não podem ser compreendidas sem ela.” (TILLEY et al.,
2006, p. 1, tradução nossa)43. Isto significa reconhecer que do mesmo modo como as pessoas
atuam sobre as coisas, elas atuam sobre os sujeitos. Isto tampouco quer dizer tornar animado
aquilo que é inanimado, mas assumir que a matéria produz sensações, pensamentos,
subjetividades. O mundo se constitui por meio de emaranhados material-semióticos (SPYROU,
2019).
O corpo também ganha reconhecimento (PROUT, 2000) a partir desta perspectiva e
dos estudos da cultura material (ÄNGGÅRD, 2016; EVANS; DAVIES; RICH, 2009). Real,
concreto, visceral, ele constitui pensamento. Espaços e materiais são vividos e transformados
de modos diferentes a partir daquilo que os nossos corpos nos permitem ou não realizar, a partir
dos encontros que acontecem. A dimensão biológica, corpórea, material do humano nos coloca
condições distintas de relação com as coisas e com o outro segundo o momento em que nos
encontramos no curso de vida e suas transformações diárias. “Em outras palavras, enquanto os
corpos simbolizam coisas como gênero, raça, idade e habilidade, as quais têm importantes
consequências materiais, a materialidade dos corpos também excede a representação.”44
(HARKER, 2005, p. 54, tradução nossa).

_______________
43
No original: “(…) materiality is an integral dimension of culture, and that there are dimensions of social
existence that cannot be fully understood without it.” (TILLEY et al., 2006, p.1).
44
No original: “In other words, while bodies do signify such things such as gender, race, age and ability, which
have very important material consequences, the materiality of bodies also exceeds representation.” (HARKER,
2005, p.54).
48

Ao refletirmos sobre as coisas, os objetos, também produzimos uma reflexão sobre os


brinquedos. Apresentados às crianças, eles são compostos de aspectos materiais – cor, cheiro,
som, temperatura, textura – e de significações, sejam elas representações miniatuarizadas da
realidade ou de universos imaginários (BROUGÈRE, 2010). Matéria e símbolo constituem de
forma inter-relacionada este objeto que culturalmente denominamos e produzimos como
brinquedo.
Com ele em mãos, as crianças jogam com as representações manipuláveis e com as
imagens que produzem a partir do encontro com o brinquedo. Assim elas o inserem em suas
narrativas com sentidos semelhantes ou distintos daqueles para os quais eles foram
originalmente produzidos45. Ou seja, elas os manipulam “(...) livremente, sem estar
condicionado às regras ou a princípios de utilização de outra natureza” (BROUGÈRE, 2010,
p.13), sendo possível afirmar que a função do brinquedo é a própria brincadeira. Por este
motivo, Gilles Brougère (2010a) o define como um objeto extremo, “(...) devido à superposição
do valor simbólico à função.” (2010a, p. 16) e afirma que esta definição rompe com um discurso
originário da psicologia que o interpreta como um objeto funcional, ou seja, capaz de orientar
e definir por si só, a partir de suas características, aspectos específicos do desenvolvimento das
crianças46.
O autor destaca que é importante observar que os brinquedos ocupam um lugar no
sistema social de distribuição dos objetos e, ainda que não estejam em situações de brincadeira,
eles conservam o seu caráter de brinquedo, pois obedecem aos mesmos princípios que outros
objetos de consumo. Sua especificidade também reside no fato de que eles são propriedade da
criança, ela tem autonomia de uso e o controle dos adultos é limitado. O processo de produção
de objetos para a infância, assim como de lugares para as crianças (RASMUSSEN, 2004) está
vinculado a construção social de infância hegemônica e as representações a ela associadas,
como a da diversão e da educação (BROUGÈRE; DAUPHRAGNE, 2017).

_______________
45
Na seção 4.4 damos destaque às construções dos bebês em torno dos brinquedos e demais materiais ofertados a
eles na creche.
46
Gilles Brougère (2018) retoma esta discussão em um texto chamado “Toys: between rhetoric of education and
rhetoric of fun”, no qual discute a retórica da educação e do desenvolvimento, de uma suposta função do
brinquedo, em torno da indústria e dos brinquedos comercializados a partir deste argumento. Esta perspectiva
também está associada a uma compreensão de desenvolvimento enquanto resultado de um mecanismo objetivo
de estímulo e resposta (OVERTON, 2015). Nesta interpretação, o objeto seria capaz de convocar uma resposta
determinada que promoveria o desenvolvimento. Contudo, esta perspectiva desconsidera o contexto e a inciativa
dos sujeitos. Isto não significa afirmar que as coisas não participam dos processos de desenvolvimento, mas
considerá-las como parte da aprendizagem das crianças. No decorrer das seções de análise (4.2, 4.3 e 4.4) são
evidenciadas as formas como as coisas se integram às suas aprendizagens.
49

Ademais, Gilles Brougère e Antoine Dauphragne (2017) apontam que uma reflexão
global sobre os bens das crianças também remete a uma análise de objetos de naturezas
diferentes, não somente os brinquedos, mas também mobiliários, livros, itens de papelaria e
outros objetos destinados a elas, a partir dos quais elas têm acesso a diferentes manifestações
da cultura e da cultura para as crianças e com as quais atuam na construção de suas infâncias.
Assim, ainda que as crianças transformem outras coisas em brinquedos, elas estão
inscritas em outros sistemas de produção e consumo. São materialidades que não são
originalmente destinadas ao público infantil, como equipamentos tecnológicos, utensílios
domésticos e outros objetos que compõem o espaço. Portanto, a noção de coisas (INGOLD,
2011; 2012b), incluindo-se aqui os brinquedos, também acolhe a profunda transformação dos
objetos a partir de sua inserção nos sistemas de ações (SANTOS, 2014), sendo impossível
compreendê-los aparte da multiplicidade que caracteriza o espaço (MASSEY, 2005) e do
dinamismo do social.
Desta reflexão acerca da multiplicidade e do movimento também parte uma nova
compreensão sobre o conceito de lugar a fim de conceituá-lo a partir de uma abordagem
relacional. O conceito de lugar, central ao campo da geografia, é polissêmico e carrega consigo
uma ampla trajetória de reflexões acerca de seu significado (CASTREE, 2003).
Tradicionalmente ele era compreendido como contraposto ao espaço, sendo o lugar marcado
pela noção de identidade e o espaço pelo vazio. Yu-Fu Tuan (1977), ao referir-se aos lugares,
aponta que eles constituem parte da experiência humana47 sendo compreendidos por meio da
relação estabelecida entre corpo e espaço, de modo que “(...) parte do que torna as pessoas
humanas é uma intensa, sensorial e frequentemente apaixonada afeição ao lugar.”48
(CLIFFORD et al., 2003, p. 67).
Ou seja, usualmente, o espaço era concebido enquanto um elemento objetivo e era
contraposto ao conceito de lugar, posto que “(...) o espaço era visto como uma abstração (talvez
parecido como uma superfície lisa Euclidiana aguardando o mapeamento das atividades das
pessoas), enquanto os lugares eram infundidos com os sentidos de identidade e pertencimento.”

_______________
47
Rogério Haeesbart aponta que a concepção de lugar de Tuan contrapõe-se a noção de espaço e lugar defendidas
por Massey pois não acolhe o dinamismo. Ele afirma em um artigo escrito para o dossiê sobre Doreen Massey
que para a autora o: “(…) conceito de lugar, ao contrário de visões antes dominantes, envolve sobretudo redes,
conexões, encontros. E de conexões profundamente marcadas pela materialidade. Doreen, assim, inovou ao
condenar as visões que ela denominava “reacionárias” do espaço e do lugar, visto por muitos (como Yu Fu-
Tuan) como lócus de estabilidade e segurança. (HAESBAERT, 2017, p. 7)”.
48
No original: “(...)part of what made people human was an intense, sensual, and often passionate, attachment to
place.” (CLIFFORD et al., 2003, p. 67).
50

(DELYSER, 2010, p. 10)49. Massey problematiza o termo lugar logo no inicio de sua obra
“Space, Place and Gender”(1994), destacando que usualmente esta terminologia é associada a
ideia de identidade, ao seu lugar no mundo, a partir de uma perspectiva estática do espaço. A
ideia de pertencimento a um lugar é contestada pela autora diante do dinamismo das relações,
da abertura ao Outro e da multiplicidade do espaço:

“Lugar” nesta formulação era necessariamente um conceito essencialista que trazia


consigo a tentação de recair em tradições antigas, de naufragar novamente (no que era
interpretado como) o conforto do Ser ao invés de avançar com o (considerado
progressista) projeto do Devir.”50 (MASSEY, 1994, p. 119)

Assim, é preciso situar o lugar em uma nova perspectiva, pois o espaço é produto das
relações, traz marcas subjetivas, é dinâmico e a própria noção de identidade que sustentava a
concepção tradicional de lugar fundamentava-se em uma perspectiva essencialista
(WOODWARD, 2014) que é alterada diante da perspectiva da diferença. Espaço e lugar não
são categorias binárias: a ideia de lugar também precisa acolher o dinamismo e a multiplicidade
que caracterizam o espaço.
Deste modo, o lugar pode ser compreendido como um momento específico e dinâmico
dentro do espaço produzido, um encontro de trajetórias, posto que tanto espaço quanto lugar
são subjetivamente construídos. Massey afirma que:

Se o espaço é uma simultaneidade de stories-so-far, então os lugares são coleções


destas trajetórias, articulações nestas mais amplas geometrias de poder do espaço.
Suas características serão um produto destas intersecções dentro deste cenário
ampliado e do que é feito a partir delas. E, também, dos não-encontros, das
desconexões e das relações não estabelecidas, das exclusões. Tudo isso contribui para
a especificidade do lugar. (MASSEY, 2005, p. 130, tradução nossa)51

Deste modo, o que antes era visto como fixo, marcado, delimitado, fortemente
relacionado a uma imagem estável e imutável de identidade, passa a ser interpretado como

_______________
49
No original: “(…)space was seen as an abstraction (perhaps akin to a flat Euclidean surface awaiting the mapping
of people’s activities), while places were infused with the senses of identity and belonging.” (DELYSER, 2010,
p. 10).
50
No original: “’Place’ in this formulation was necessarily an essentialist concept which held within it the
temptation of relapsing into past traditions, of sinking back into (what was interpreted as) the comfort of Being
instead of forging ahead with the (assume progressive) project of Becoming.” (MASSEY, 1994, p. 119)
51
No original: “If space is rather a simultaneity of stories-so-far, then places are collections of those stories,
articulations within these wider power-geometries of space. Their character will be a product of these
intersections within that wider setting, and of what is made of them. And, too, of the non-meetings-up, the
disconnections and the relations not established, the exclusions. All this contributes to the specificity of place.”
(MASSEY, 2005, p. 130).
51

construído por meio das relações e adquire um caráter mutável. O lugar é marcado pela ideia
de thwrontogethernnes (MASSEY, 2005), ou estarlançadosjuntos, como o:

(...) momento em que trajetórias fluidas de indivíduos em movimento se unem. O


termo descreve uma forma de aglutinação de pessoas e coisas em um determinado
lugar, durante um momento específico, que passa e nunca mais se repete. Trata-se de
um acontecimento casual, imprevisível e, ocasionalmente, mágico. (KOHAN, W. O.;
OLSSON; AITKEN, 2015).

Com isso, a pergunta que abriu este subcapítulo “O lugar pertence a nós?” segue
reverberando, posto que ao defendermos que tanto o espaço quanto a identidade não são
princípios absolutos, passamos a questionar a nossa ideia de pertencimento aos lugares,
reconhecendo a agência dos sujeitos e o fato de que são as pessoas que passam a atribuir sentido
ao vivido, conectando-se aos lugares com os quais se identificam e constituindo-se nesse
encontro. Nossa identidade não está dada pelo espaço que ocupamos, o lugar não existe a priori
e tampouco é permanente, fixo, estável, dado que “espaço e lugar emergem por meio de práticas
materiais ativas” (MASSEY, 2005, p. 118, tradução nossa).
Deste modo, reconhecer o dinamismo dos lugares tampouco significa abandonar a
noção de identidade, mas reconfigurá-la a partir de uma perspectiva progressista que acolhe o
dinamismo e a pluralidade. Ou seja, “se se reconhece que as pessoas têm identidades múltiplas,
pode-se dizer a mesma coisa dos lugares. Ademais, essas identidades múltiplas podem ser uma
fonte de riqueza ou de conflito, ou de ambas.” (MASSEY, 2000, p. 183).
Compreender que o espaço e o lugar se configuram como categorias relacionais,
permanentemente em transformação e em construção pelos sujeitos que o ocupam, assim como
que as materialidades não são entidades fixas, provoca perguntas sobre o espaço escolar,
qualidade que lhe é atribuída diante dos processos vividos pelos sujeitos que o constroem. Além
disso, a compreensão de que a materialidade se apresenta enquanto um elemento indelével da
sociabilidade, pois atuamos sobre e com emaranhados materiais-semióticos (SPYROU, 2019),
suscita novos questionamentos e complexifica a questão acerca do processo de escolha e
organização dos materiais nas creches.
Nesse sentido, retomamos a pergunta de Massey (2005) acerca da possibilidade de
questionarmos o hábito de pensar no espaço enquanto uma superfície e passarmos a
compreendê-lo como o encontro de histórias. De que modo o espaço escolar pode ser revisto a
partir desta compreensão relacional do espaço? Duas questões se apresentam inicialmente.
Uma primeira possibilidade a partir desta colocação, é a de que a deve-se reconhecer
a agência das crianças na produção do espaço e dos lugares. Ou seja, é preciso olhar para os
52

sujeitos e suas práticas espacializadas, compreendendo que o espaço é produzido pela ação
humana, o que decorre em uma política do espaço (MASSEY, 2005). Uma compreensão de
espaço e lugar estáticas dificilmente irá acolher o imprevisto e o dinamismo que marcam a ação
dos bebês, assim como manterá invisibilizadas as relações de poder que o constroem e a
profunda relação do global com o local. Por segundo, a produção sobre a temática do espaço
deve ser revisitada e os significados atribuídos ao espaço explicitados, dando visibilidade às
geometrias de poder que atravessam o espaço. Uma reflexão crítica acerca das terminologias
mobilizadas na pesquisa implica na coerência entre o fazer científico-prático-político. Isto
implica em contestar a noção de espaço e sua ideia de exterioridade, contraposto ao tempo –
mais frequentemente associado a questões subjetivas – assim como uma concepção de lugar
eminentemente essencialista.
As pesquisas da geografia da infância, assim como estudos interdisciplinares que
tomam a espacialidade como ponto de reflexão para pesquisas na área da educação e dos
estudos da infância, tem feito o exercício de adereçar-se à primeira questão mencionada acima
– acerca da construção do espaço a partir da agência das crianças – assim como rompem com a
ideia de um espaço neutro e apolítico. Os estudos sobre materialidade e brinquedos também nos
ajudam a enxergar a dimensão material das relações (e vice-versa). São pesquisas que nos
ajudam a reimaginar o espaço, o encontro de trajetórias, a partir de um olhar para as crianças e
suas experiências de espaço.
Os conceitos de infância, infâncias, crianças e bebês são mobilizados pelos geógrafos
da infância no intuito de compreender as espacialidades infantis e as relações estabelecidas por
elas e para elas com o espaço, o lugar e o território. O reconhecimento e o estudo das
espacialidades infantis significam aproximarmo-nos da escola enquanto lugar fruto de uma
construção moderna de infância e, deste modo, um lugar para as crianças, e das crianças
enquanto um encontro de trajetórias.

2.2.1 O ESPAÇO E A PEDAGOGIA: REVISITANDO A PRODUÇÃO CIENTÍFICA

A segunda questão apontada anteriormente, a partir do desafio proposto por Doreen


Massey, de reimaginarmos o espaço, pode ser abordada inicialmente por meio do processo de
revisão da produção científica sobre o espaço na educação infantil, buscando explicitar os
significados atribuídos ao espaço e observando o modo como a agência das crianças é pensada
neste conjunto de pesquisas. Assim, ao voltarmos o olhar para a categoria espaço na produção
do campo educacional, é possível notar que esta não é uma discussão recente e que ela se faz
53

presente na pedagogia 52 de formas diversas, configurando-se enquanto um vocábulo frequente


em pesquisas fundamentadas nos campos da psicologia, da sociologia, história e filosofia e
outros. Por vezes, materializa-se em slogans educativos acerca da importância da organização
do espaço para a qualidade educacional ou de sua relevância enquanto categoria fundamental
para as questões de currículo e gestão da escola.
A fim de revisitar esta produção e evidenciar as concepções de espaço mobilizadas nas
pesquisas sobre bebês e espaço, assim como para posicionar este trabalho no campo
educacional, realizou-se uma revisão de literatura em âmbito nacional e internacional
considerando-se os trabalhos publicados de 2008 a 2018. Para isto, foram selecionados
descritores que permitissem localizar artigos sobre a educação das crianças de 0-3 anos em sua
relação com o espaço, compreendido em seus aspectos sociais, estruturais, organizacionais e de
seleção de materiais.
A fim de que fosse possível encontrar os artigos publicados foram utilizados diversos
sinônimos para cada descritor e sua tradução para o inglês, respeitando-se também os termos
mais comuns nas pesquisas publicadas neste idioma, de modo que outras terminologias, como
daycare, crèche ou kindergarden não foram utilizadas. O quadro abaixo (Quadro 3) apresenta
os descritores utilizados em português e inglês.

Quadro 3 – Descritores do levantamento bibliográfico

SUJEITOS INSTITUIÇÕES ESPAÇO


Português Inglês Português Inglês Português Inglês
Crianças Children Educação Early Espaço Physical
Infantil Childhood Físico Space
Education
Bebês Toddlers Creche Nursery Ambiente Physical
School Físico Environment
Infants Organização Space
do Espaço Organization
Childcare Materiais Materials
Babies Brinquedos Toys
Fonte: A autora (2020).

A partir destes descritores, foi selecionada a base de busca do Periódicos CAPES e o


Google Acadêmico para proceder com o levantamento bibliográfico. A base da CAPES foi
selecionada por causa do amplo alcance de suas pesquisas devido à indexação de outras bases

_______________
52
Compreendida enquanto uma produção científica relacionada a reflexão da teoria e da prática (ROCHA, 2001).
54

reconhecidas, tais como a Scielo, Web of Science, Jstor e Scopus. O acesso via proxy UFPR
também permitiu o acesso aos artigos completos. No Google Acadêmico foi possível localizar
trabalhos de outras revistas não-indexadas na base da CAPES e alguns livros referentes à
temática.
Foram utilizados os operadores booleanos AND e OR para fazer o cruzamento entre
os distintos descritores e suas correspondências em inglês. O recurso das aspas (“”), do asterisco
(*) e dos () também foram empregues, garantindo a busca por termos no plural e singular e a
busca de termos em conjunto. A fim de delimitar melhor o alcance das pesquisas, os três grupos
foram cruzados por meio do operador AND na base da CAPES, garantindo que fossem
localizados artigos referentes ao espaço da instituição.
No Google Scholar foram feitos dois cruzamentos distintos, pois a plataforma não
suporta o uso de três grupos de descritores. Também foi necessário selecionar o filtro de
presença dos descritores nos títulos dos artigos localizados porque apareciam muitos resultados
sem a utilização deste filtro, devido à polissemia do termo espaço. Nesta plataforma a busca foi
feita simultaneamente em português e inglês.
É importante ressaltar que os dois primeiros grupos de descritores, sujeitos (1) e
instituições (2), foram pensados a partir dos termos comuns tanto à creche quanto à pré-escola
e com o uso de termos específicos referentes ao atendimento das crianças pequenas de 0-3 anos.
Esta estratégia foi utilizada porque um mapeamento anterior à revisão sistemática de literatura
já havia indicado que não há uniformidade dos termos utilizados nas pesquisas para se referir à
especificidade do trabalho com crianças de 0-3 anos, de modo que se fez necessário ampliar os
termos utilizados para que fosse possível identificar as pesquisas.
Tampouco há consenso quanto a forma como denominamos os sujeitos desta faixa
etária: crianças, crianças pequenas ou bebês – como exposto acima. Um processo análogo
ocorre nas pesquisas em inglês, sendo ainda dificultado pela pluralidade de contextos a partir
dos quais os sujeitos fazem suas pesquisas e pelo uso do inglês como segunda língua. Além
disso, os termos utilizados para se referir às instituições tampouco se apresentaram de forma
consistente. Os artigos provenientes dos Estados Unidos, por exemplo, somente utilizam o
termo kindergarden para se referir aos grupos de crianças de 5 anos de idade (FEES; HOOVER;
ZHENG, 2014; MORRISSEY, 2010), enquanto na Noruega o termo é utilizado para se referir
à educação infantil como um todo (BØRVE; BØRVE, 2017;VUORISALO; RAITTILA;
RUTANEN, 2018).
O terceiro grupo de descritores, espaço (3), foi organizado de forma ampla para que
pudéssemos compreender quais pesquisas já foram realizadas acerca da temática e identificar
55

quais são as lacunas no campo. É importante destacar que tampouco há definição consensual
quanto ao uso do termo espaço e ambiente físico, estando associados a pesquisas diversas e
apresentando somente alguns indicativos de consenso53.
O diagrama de fluxo abaixo (Figura 1) apresenta os resultados encontrados e o
processo de seleção dos artigos para estudo. A partir dele é possível observar a grande
quantidade de artigos localizados a partir dos descritores e o processo detalhado de leitura de
resumos a fim de que fosse realizado um filtro adequado. Os critérios de exclusão dos artigos
foram elaborados após este mapeamento inicial, considerando-se a necessidade de compreender
o campo e de identificar quais são os estudos produzidos e que estão fundamentados na
concepção de criança enquanto sujeito de direitos. Observa-se que a grande quantidade de
resultados iniciais também se deve a pluralidade de concepções acerca do espaço, termo
usualmente mobilizado como um referente universal a partir da noção de espaço geométrico.
Observou-se por meio desse levantamento que não é frequente a menção ao grupo
etário a partir do qual se está realizando a discussão acerca do espaço. Os estudos com pesquisas
de campo deixam este dado explícito, mas muitos trabalhos seguem sem indicar a idade das
crianças e sem distingui-las a partir das terminologias utilizadas. Esta observação remete a uma
hipótese inicial acerca da falta de consenso no uso dos diferentes descritores. Bernardete Gatti
(2012) nos alerta para a importância de que os conceitos mobilizados em nossas pesquisas sejam
bem definidos, de modo que o campo se fortaleça tomando como base a segurança conceitual,
que em nosso caso se constitui na interdisciplinaridade. Ela defende que este procedimento
“trata-se de consistência na construção dos problemas do campo educacional e do exercício da
crítica – da liberdade de pensar nos limites de métodos robustos” (GATTI, 2012, p.22).

_______________
53
Este tema será abordado mais adiante com base na apresentação de alguns dos trabalhos localizados.
56

Figura 1 – Diagrama de fluxo: revisão sistemática da literatura

DESCRITORES
1 SUJEITOS 2 INSTITUIÇÕES 3 ESPAÇOS
IDENTIFICAÇÃO

PERIÓDICOS CAPES GOOGLE SCHOLAR


Português – 1 AND 2 AND 3 - n = 536 Requisito de presença dos descritores
Revisado pares – n = 369 no título do trabalho.
Inglês – 1 AND 2 AND 3 - n = 33.732 1 AND 3 – n = 86
Revisado pares – n = 27.614 2 AND 3 – n = 839
Filtro Ed. Infantil – n = 2404

Total de artigos localizados – n = 3329

Leitura dos títulos Critérios de exclusão dos artigos:


n = 150 • Tópicos de intervenção precoce.
• Pesquisas da área da medicina.
TRIAGEM

• Análise do espaço pelo uso de escalas internacionais de


avaliação da qualidade.
Leitura dos resumos • Estudos sobre sedentarismo e níveis de atividade física.
• Pesquisas sobre desenvolvimento cognitivo.
n = 65
• Pesquisas experimentais com crianças.

Seleção por critérios de adequação: Temáticas abordadas nos artigos


não-selecionados:
• Pesquisas sobre crianças de 0-3 anos e
espaço. n = 5 • Pesquisas baseadas em escala padronizadas
• Pesquisas com crianças de 0-3 anos e espaço. de avaliação do ambiente. n = 9
n=7 • Pesquisas referentes à pré-escola. n = 7
ELEGIBILIDADE

• Estudos teóricos sobre o espaço na educação • Desenvolvimento do conceito de espaço na


infantil (creche e pré-escola). n = 9 criança (psicologia). n = 2
• O espaço na perspectiva da inclusão. n = 2 • Estudos acerca da relação das crianças com
• Espaço externo. n = 7 os materiais e brinquedos a partir de estudos
• Pesquisas sobre organização do espaço. n = 2 experimentais da psicologia. n = 5
• Pesquisas sobre brinquedos e materiais. n = 6 • Estudos do espaço a partir da educação
física com foco em níveis de atividade física
e sedentarismo. n = 2
Total de artigos • Poluição do meio-ambiente. n = 1
n = 38 • Reorganização espaço hospitalar. n = 1

Fonte: A autora (2020) adaptado de Brunsek (2017)

Durante a realização desta primeira busca surpreendeu a grande quantidade de


trabalhos localizados que olhavam para o espaço a partir da perspectiva das escalas
internacionais de avaliação da qualidade da educação infantil, principalmente da ITERS (Infant/
Toddler Environment Rating Scale) e da ECERS (Early Childhood Environment Rating Scale).
Tanto estes trabalhos quanto artigos fruto de pesquisas experimentais com crianças não foram
considerados no levantamento final, devido a diferença de concepção de criança mobilizada
57

nestas pesquisas e no trabalho que aqui se apresenta. Nestes artigos, a ação social das crianças
não era considerada e elas não eram tomadas enquanto participantes das pesquisas.
Também foi possível identificar dois caminhos distintos tomados pelos pesquisadores
brasileiros e por aqueles provenientes de outros países, principalmente dos Estados Unidos. As
pesquisas produzidas no Brasil frequentemente mencionam o espaço como um elemento
estruturante da experiência educativa das crianças nas instituições, contudo se atêm
principalmente às relações que se estabelecem a partir deste espaço e não mencionam as
materialidades disponíveis. Em uma perspectiva internacional, observa-se que grande parte dos
trabalhos são produzidos a partir destas escalas de avaliação, em um processo de regulação dos
espaços da educação infantil e pouca consideração acerca das relações construídas entre os
sujeitos adultos e crianças que os habitam.
Os 38 trabalhos selecionados após o processo de triagem e leitura inicial também
ajudam a situar a presente pesquisa no campo científico, posto que nos indicam quais têm sido
os temas mais abordados e as diferentes metodologias que têm sido utilizadas no campo de
pesquisa. Destaca-se que dentre estes trabalhos, somente 7 artigos são resultados de pesquisas
com crianças, a qual se configura como a perspectiva adotada na presente investigação; dentre
estes, três trabalhos são fruto de uma pesquisa de cunho etnográfico desenvolvida por Niina
Rutanen (2012; 2014a;2015) e dois da pesquisadora Luciane Pandini Simiano também a partir
de uma pesquisa a nível de doutorado de cunho etnográfico (2014; 2016b).
As pesquisas localizadas demonstram, confirmando a hipótese inicial, que não há uma
definição compartilhada pelos pesquisadores quanto ao uso dos diferentes termos. Apesar de
alguns referentes comuns, os autores dificilmente defendem teoricamente a escolha das
terminologias utilizadas e há trabalhos que não se adequam a categorização exposta a seguir.
Ainda assim, é possível observar que o termo ambiente vem frequentemente associado
às pesquisas provenientes da psicologia ou às escalas internacionais de avaliação da qualidade.
Ele também está associado àquilo que se constrói por meio das relações entre criança-criança e
criança-adulto, sendo frequente o seu uso em estudos que se dedicam a analisar as mediações
das professoras em um processo de consolidação de um ambiente educativo adequado (FEES;
HOOVER; ZHENG, 2014; GLOECKLER; CASSELL, 2012). O termo espaço, por sua vez, é
mais comum em estudos que fazem uma descrição das materialidades (BOLLIG; MILLEI,
2018; ONE, TE, 2011; PANDINI-SIMIANO, 2014; RUTANEN, 2011). Nota-se que acerca da
perspectiva do espaço como terceiro educador defendida na abordagem educativa de Reggio
Emilia, localizou-se somente um trabalho acerca da temática dentro do período pesquisado
(HALL, 2017).
58

Estes termos, ambiente e espaço, também vêm acompanhados de outras palavras que
buscam adjetivá-los e sobre as quais tampouco se apresentam reflexões. É possível localizar
pesquisas que falam de play environment (LITTLE; WYVER, 2008) e natural environment
(BRUDER, 2010; LITTLE; SWELLER, 2015). Também foi localizado um trabalho que usou
o termo spatial environment (SLUNJSKI, 2015). O termo natural environment, por exemplo,
é utilizado tanto em pesquisas do campo da educação especial para se referir às atividades
cotidianas e rotineiras vividas pelas crianças e que se constituem enquanto um campo rico em
possibilidades de aprendizagem (BRUDER, 2010), quanto para se referir as condições do meio-
ambiente: como temperatura, maior incidência de chuvas, luminosidade, etc (LITTLE;
SWELLER, 2015).
Ao olhar de forma mais ampla para as diferentes pesquisas localizadas e pensar na forma
como se constitui o espaço das instituições de educação infantil, verifica-se também que
diferentes partes do edifício vem sendo pensadas nas pesquisas, com maior ênfase no espaço
da sala e no espaço externo. Os corredores, pergolados e varandas foram mencionados em
somente uma pesquisa54 sobre a ação das crianças de 3- 5 anos de idade nestes espaços, sendo
nomeados na arquitetura de espaços transicionais (MONSUR, 2013).
Também foram localizados trabalhos acerca do espaço externo das instituições,
salientando sua importância no processo de relacionamento da criança com a natureza e em sua
relevância ao criar boas condições para as brincadeiras de faz de conta (DOWDELL; GRAY;
MALINE, 2011). A maior parte dos trabalhos localizados sobre o planejamento dos espaços
externos das instituições se localizam no âmbito da educação física e destacam a importância
de que as crianças pequenas tenham acesso ao tempo e o espaço para que a atividade física
aconteça, sendo estruturante as condições ofertadas nas instituições de educação infantil e a
organização do tempo e grupos nas instituições; esses estudos também salientam que um
importante elemento é a oportunidade de correr riscos (LITTLE; SWELLER, 2015;LITTLE;
WYVER, 2008).
Estes estudos, apesar de incluírem a faixa etária das crianças de 2-3 anos não discutem
a especificidade da prática com este grupo ou de espaço. Neste sentido, o trabalho de Marie,
Kaarby e Tandberg (2017) menciona questões específicas deste grupo e considera a agência das
crianças nas relações que são estabelecidas nos espaços externos. O trabalho de Moser e

_______________
54
Este trabalho constitui-se em um trabalho publicado em congresso, localizado a partir do levantamento no google
acadêmico antes da utilização do filtro de artigos. Ele foi separado para posterior uso e análise devido ao caráter
inusitado de estudo sobre o espaço dos corredores e varandas.
59

Martinsen (2010) também estuda as condições de espaço e de tempo usufruídas pelas crianças
nos espaços externos em instituições norueguesas.
Ao olhar para as pesquisas, nota-se que os estudos localizados na fase de triagem
realizados no âmbito da educação física se preocupam tanto com os materiais presentes nas
instituições quanto com o uso destes materiais. É válida a colaboração entre os campos para se
pensar o corpo-criança na escola a partir da concepção da criança enquanto sujeito. Por
exemplo, há alguns estudos que visam compreender as razões da pouca movimentação das
crianças na creche, com estudos acerca do tempo que as crianças passam sentadas (ELLIS;
CLIFF; OKELY, 2018) ou que analisam a quantidade de movimentos realizados pelas crianças
em espaços fechados (FEES et al., 2015) ou abertos.
Somente dois trabalhos discutiram a questão de organização dos espaços. O estudo de
Ana Rosa Moreira (2013) discute a reorganização do espaço da creche a partir de sessões
realizadas com os educadores e Nicole Leggett e Margot Ford (2016) o fazem a partir de um
estudo sobre como os professores estavam interpretando as orientações para trabalhos em
pequenos e grandes grupos nas novas políticas educativas da Austrália. Tampouco é
mencionado neste trabalho (LEGGETT; FORD, 2016) a faixa etária das crianças atendidas na
instituição ou as diferenças entre os grupos, o que impede que identifiquemos a especificidade
da organização do espaço na educação infantil.
Em relação à materialidade foram localizados alguns estudos sobre brinquedos e
materiais a partir de perspectivas que consideram a agência das crianças e o seu direito de
participação (KOCHER et al., 2014; KULTTI, 2015; KULTTI; PRAMLING, 2015; LØKKEN;
MOSER, 2012). Há também estudos sobre o uso de materiais recicláveis (GUERRA, 2017;
GUERRA; ZUCCOLI, 2014; UYANIK et al., 2011). Urge compreender este processo de
seleção de materiais e brinquedos, pois as condições materiais estruturam as experiências de
infância e estão sempre associadas a uma imagem de criança.55
_______________
55
Além destes estudos, também se verificou dentre os primeiros trabalhos selecionados na fase de triagem alguns
trabalhos da área da educação física, da psicologia e dos estudos de gênero. Ainda que estes estudos não partam
do princípio da agência dos bebês, é importante considerá-los brevemente neste trabalho a fim de compreender
de forma mais aprofundada as diferentes ideias que concorrem na constituição do espaço da educação infantil.
Os trabalhos da educação física versam sobre quais movimentos eram possibilitados por diferentes móveis e
objetos (PEDEN et al., 2017;SOINI et al., 2014;VANDERLOO et al., 2015;WIJTZES et al., 2013), analisando-
se o espaço físico das instituições e índices de sedentarismo. Os estudos do campo da psicologia, por sua vez, se
caracterizam por serem estudos experimentais que analisaram a interação entre famílias e bebês com o uso de
brinquedos eletrônicos, as diferentes interações entre crianças pelo uso de brinquedos do tipo social ou isolado
(IVORY; MCCOLLUM, 1999),a forma como as crianças fazem aprendizagens do tipo instrumental ou social,
salientando-se a relevância dada pelas crianças ao caráter cultural dos gestos de faz de conta (RAKOCZY;
TOMASELLO; STRIANO, 2005). Os trabalhos sobre gênero e materialidade realizaram algumas reflexões
60

Os trabalhos localizados permitem observar que há poucas pesquisas realizadas a partir


da perspectiva dos Estudos da Infância e que consideram a escuta das crianças na definição de
um espaço de qualidade. Também revelam a necessidade de uma maior especificidade e
cuidado na escolha dos termos e menção ao espaço e ambiente das instituições de educação
infantil.
O espaço é por vezes mencionado como parte de uma experiência subjetiva, contudo
os referenciais teóricos provenientes da geografia ou da filosofia estão frequentemente
ausentes. Observa-se que apesar de sua centralidade e da atualidade desta discussão, a
concepção de espaço veiculada nas pesquisas não se apresenta de forma nítida. Não é possível
afirmar o motivo desta ausência, mas ela pode estar relacionada à força da representação
moderna de espaço no imaginário social, a qual está associada a uma construção moderna de
verdade56, associado a uma noção estática de área a ser ocupada, ao espaço euclidiano.
Aparte dos trabalhos localizados por meio do levantamento bibliográfico, há um
conjunto de publicações nacionais e internacionais57 que remetem a esta reflexão acerca do
espaço na educação infantil. É relevante que eles também sejam perscrutados a fim de que se
identifique a concepção de espaço mobilizada e para que seja possível compreender o marco
teórico do espaço, enquanto categoria do trabalho pedagógico, de forma mais ampla.
Acerca da organização do espaço na educação infantil, as publicações de Maria da Graça
Souza Horn (2004; 2017) trazem uma contribuição importante ao defenderem a relevância do
espaço como elemento fundamental na garantia da qualidade e na construção do currículo da
educação infantil. Horn (2004; 2017) parte de pressupostos da psicologia e de uma reflexão
sobre a abordagem italiana para propor modos de organização dos espaços que considerem a
brincadeira e ação das crianças. Ela destaca a importância de pensar o espaço como um lugar
atravessado pelas interações, com marcas de sabores e cheiros.
Destacam-se também os trabalhos de Tizuko Kishimoto (2001) sobre a criança e o
brinquedo. Em sua pesquisa, ela realiza um estudo do acervo material das escolas infantis, com
crianças de 4 a 6 anos, evidenciando o papel das coisas na construção dos sentidos educativos
com os quais adultos e crianças operam, assim como a ausência de brinquedos e materiais

_______________

acerca da forma como as materialidades e os espaços estão atravessados pelas questões de gênero (BØRVE;
BØRVE, 2017;TODD; BARRY; THOMMESSEN, 2017).
56
Massey (2005) sustenta esta hipótese ao recorrer alguns trabalhos do campo da Filosofia, Geografia e História
e promover uma análise das concepções de espaço mobilizadas nestas obras.
57
Estes estudos foram localizados a partir das referências de outros trabalhos e de uma busca nas mesmas bases
da revisão sistemática.
61

pedagógicos que potencializam o brincar. Este foi o único estudo localizado em que se
menciona as materialidades presentes nas escolas de educação infantil.
Katia Agostinho (2003) e Rosinete Schmitt (2008), em suas pesquisas de pós-graduação,
também olham para a educação infantil, buscando compreender os significados produzidos
pelas crianças. Agostinho (2003), em sua dissertação, verifica que as crianças, tomam o espaço
da creche como um lugar de encontro: “(...) um lugar em que as crianças vão imprimindo suas
marcas, registrando sua forma de pensar, seus desejos (...)” (p.134). Schmitt (2008), por sua
vez, foca seu estudo nas ações dos bebês no espaço da creche, indicando uma lacuna de pesquisa
ao observar que:

A quase ausência de pesquisas no campo da investigação dos bebês revela uma


dificuldade em perceber as crianças pequeninas como protagonistas sociais do mundo
de que fazem parte. Consequentemente, a área da educação sofre uma lacuna de
subsídios teóricos que deem visibilidade às formas como os bebês interagem entre si
e com o mundo e as contextualize, transcendendo a ideia de uma educação
desenvolvimentista, fragmentada em estágios a serem observados. (SCHMITT, 2008,
p.14)

Daniele Vieira (2016) pensa na organização do espaço a partir da perspectiva do saber


docente, trazendo indicativos para se aprofundar o estudo sobre o espaço na creche, ao enxergar
a trama que se constrói entre a organização dos elementos no espaço-ambiente e componentes
da prática educativa. Jader Janer Moreira Lopes (2006, 2013), por meio da geografia da
infância, dá abertura à realização de pesquisas nas quais fiquem visíveis as formas diferentes
com as quais as crianças se apropriam do espaço.
Nas publicações em inglês destacam-se também a pesquisa de Doctoroff (2001) sobre o
planejamento de espaços inclusivos e as clássicas pesquisas de Legendre (1997; 2003) sobre os
arranjos espaciais. Além disto, Read (2003) também realizou pesquisas acerca de aspectos
como a verticalidade nas instituições de educação infantil, pensando nos usos das paredes e de
suas funções no espaço, e sobre o uso de cor nas construções dos edifícios.
Por fim, também há um conjunto de pesquisas sobre a perspectiva das crianças acerca
da organização dos espaços. Alison Clark (2007; 2010; 2011;CLARK; MOSS, 2005), a partir
da mosaic approach, tem investigado sobre o processo de planejamento dos espaços com base
na escuta das crianças a partir de três anos de idade, propondo a organização dos espaços a
partir dos elementos trazidos pelas crianças.
62

2.3 A MODO DE CONCLUSÃO: OS BEBÊS, O ESPAÇO E A(S) MATERIALIDADE(S)

Este capítulo aponta alguns dos conceitos centrais a esta pesquisa, situando-os a partir
da perspectiva da diferença. A acolhida do inesperado no cotidiano educativo e a escuta dos
bebês, em um permanente confronto com a alteridade, implicam na defesa de conceitos que
carregam consigo a surpresa, o movimento, o dinamismo. O árduo e impetuoso desafio de
imaginar o espaço a partir do encontro de histórias e compreender o dinamismo dos lugares,
assim como assumir que a relação do sujeito com o mundo é marcada pelo permanente
confronto com a materialidade, implicam na audácia de assumir “(...) o desafio do espaço
múltiplo onde o Outro sempre reserva uma condição para o inesperado.” (HAESBAERT, 2017,
p. 7), escolha política e acadêmica defendida por Doreen Massey.
Assim, no decorrer deste capítulo, apontou-se a forma como os estudos das
materialidades, assim como os Estudos da Infância e a compreensão do espaço, têm se renovado
a partir de uma abordagem relacional e do reconhecimento da multiplicidade. Ao serem
compreendidas como categorias relacionais, verifica-se a forma como os sujeitos podem alterá-
las e, ao mesmo tempo, como são condicionados por elas.
As reflexões expostas acima nos permitem observar que se faz necessário compreender
a idade como principal indicador do posicionamento geracional dos sujeitos, mas problematizar
esta construção devido ao fato de que que a definição etária dos limites geracionais e dos
marcadores intrageracionais – ser um bebê, adolescente ou um jovem adulto – são produções
arbitrárias e simbólicas intimamente relacionadas aos processos sociais e à cultura, estando
localizadas no tempo e no espaço e atravessadas pelas relações de poder. Os conceitos de idade
e geração, fundamentais para o desenvolvimento do campo, precisam ser objeto permanente de
discussão e reflexão a fim de que se compreendam suas possibilidades de uso na análise das
questões sociais e no processo de aproximação aos mundos de vida das pessoas. O seu amplo
potencial analítico deve ser considerado para garantir o avanço das pesquisas no campo.
Do mesmo modo, o espaço apresenta-se como elemento determinante da experiência
dos sujeitos, sendo permanentemente construído por eles e estando sempre indissociado dos
sistemas de objetos. As materialidades disponíveis na escola, marcadas pelas trajetórias dos
adultos que fazem a escolha destes objetos, assim como por processos globais de definições
políticas e variáveis como recursos disponíveis e oferta do mercado, se configuram enquanto
campo de possibilidades para as ações dos bebês.
O espaço se constrói a partir desta multiplicidade, colocando em relação o que
acontece no momento e as histórias trazidas pelos agentes humanos e não-humanos, que se
63

encontram em relação, nesta throwntogetherness (MASSEY, 2005). Do mesmo modo, os bebês


atuam sobre e com os objetos, instrumentos materiais de suas vidas, atualizando-os e
interpretando-os a partir de sua relação com o mundo, ao mesmo tempo em que tem acesso ao
patrimônio historicamente produzido.
Na educação infantil, isto implica em reconhecer a agência das crianças, indo além das
ideias de resistência e opressão e rompendo com o binarismo entre agência e estrutura, natureza
e cultura, ser e tornar-se (PROUT, 2004). Além de ampliarmos o escopo da reflexão e
fissurarmos outros tradicionais binarismos como corpo e pensamento, tempo e espaço,
materialidade e sociabilidade.
O percurso exposto acima permite situar esta pesquisa a fim de adentrarmos no
cotidiano das crianças e de que se realize um percurso que reconheça a diferença enquanto
princípio, pois nos convidam a “(...) afastar o foco de atos individualizados de cognição e nos
encorajam a olhar para a educação em termos de mudança, fluxos, mobilidades,
multiplicidades, agenciamentos, materialidades e processos.” (TAYLOR; IVINSON, 2013, p.
665, tradução nossa)58. O reconhecimento da pluralidade implica no desejo de fazer parte da
escola real, uma analogia com base no texto de Tim Ingold em que ele metaforiza a casa real.
Ele afirma:

Consideremos um prédio: não a estrutura fixa e final do projeto do arquiteto mas o


prédio real, repousando sobre suas fundações dentro da terra, fustigado pelo clima, e
suscetível de receber visitas de pássaros, roedores e fungos. (...) A casa real nunca fica
pronta. Ela exige de seus moradores um esforço contínuo de reforço face ao vaivém
de seus habitantes humanos e não humanos, para não falar do clima! A água das
chuvas pinga através do telhado onde o vento carregou uma telha, alimentando o
crescimento de fungos que ameaçam decompor a madeira. As canaletas estão cheias
de folhas apodrecidas (...) A casa real é uma reunião de vidas, e habitá-la é se juntar à
reunião (...). (INGOLD, 2012b, p. 30)

A casa de Ingold (2012) nos remete a casa de Virginia Woolf com a qual se iniciou
este capítulo. Uma casa movida, onde as coisas estão permanentemente acontecendo e se
transformando. Folhas e madeira apodrecem, chegam novos habitantes, venta, chove, crescem
as urtigas. O reconhecimento da multiplicidade nos convoca a pensar na escola real e na vida
que ali habita. Por isso, é preciso ter coragem e reimaginar a pesquisa a partir da reimaginação
do espaço.

_______________
58
No original: “(…) shift the focus away from individualised acts of cognition and encourage us to view education
in terms of change, flows, mobilities, multiplicities, assemblages, materialities and processes.” (TAYLOR;
IVINSON, 2013, p. 665).
64

3 CAMINHOS METODOLÓGICOS: A PESQUISA COM BEBÊS

O percurso metodológico vivido no decorrer desta pesquisa fundamenta-se no


princípio de que as crianças são informantes competentes sobre seus próprios mundos de vida.
Ou seja, o desenho desta pesquisa, assim como a concepção de educação que atravessa este
texto se sustentam nesta ideia potente e revolucionária de que as histórias que as crianças nos
contam, por meio de suas cem linguagens (EDWARDS; GANDINI; FORMAN, 2016),
importam e precisam ser contadas. Ideia potente e revolucionária porque remete a uma
desconstrução do nosso imaginário ao rever a forma como as crianças se posicionam na
estrutura social e ao trazer elementos que convocam à reflexividade na pesquisa e na prática
docente.
Discorrer acerca da metodologia usada na pesquisa implica, portanto, tanto em
apresentar as estratégias utilizadas no decorrer desta investigação quanto em refletir acerca da
ética na pesquisa e dos desafios da pesquisa com bebês em termos de procedimentos
metodológicos, escrita do texto, consentimento e assentimento para a realização da pesquisa.
As questões que se apresentam diante da relação entre pesquisador e sujeitos do campo de
pesquisa, assim como os desafios da escrita, adensam-se ao refletirmos sobre os bebês e a
relação que se constrói com eles no campo de pesquisa. Este processo reflexivo provocou,
portanto, o enfrentamento do desafio da escuta e de uma reflexão sobre seu significado a partir
do fortalecimento da perspectiva relacional (ALANEN, 2019) nos Estudos da Infância.
Com base nestas reflexões, realizou-se uma pesquisa de caráter etnográfico,
sustentada em recursos escritos, fotográficos e audiovisuais. A fim de observarmos os bebês
em sua relação com a materialidade e de compreendermos a construção da creche enquanto um
lugar para e dos bebês também foram utilizados outros instrumentos metodológicos, sendo eles
as entrevistas realizadas com a diretora da instituição e com as professoras do grupo do berçário,
em formato de grupo focal, além do inventário de materiais da creche. Cada ferramenta
produziu um novo olhar para o espaço da creche e ajudou a complexificar e adensar a análise,
provocando novas perguntas, o constante desafio de reimaginar o espaço (MASSEY, 2004) e
novos encontros com as plurais e dinâmicas espacialidades infantis. Neste capítulo,
apresentam-se estas reflexões e justifica-se a escolha destes procedimentos metodológicos,
compreendendo-se que a ética atravessa todo o processo de desenho da pesquisa.
Na primeira parte, são expostas três questões emblemáticas: o desafio de escolher
procedimentos metodológicos coerentes com a concepção de criança, infância, espaço e
materialidade mobilizadas na pesquisa; questões éticas que emergem da relação com os
65

sujeitos; e o desafio da escrita. Na segunda parte, discorremos acerca da pesquisa exploratória,


das etapas que antecederam a entrada em campo e apresentam-se os sujeitos desta pesquisa, os
dezenove bebês da turma do berçário do CMEI Porto Seguro: Alice, Allan, Allicia, Beatriz,
Bernardo, Davi, Davi Luccas, Heloísa, Heloísa (Lolo), Kaylan, Laura, Lívia, Luiza, Mateus,
Melissa, Nathiely, Pedro, Valentina e Yasmin. O capítulo encerra com uma reflexão sobre a
relação construída entre a pesquisadora e os bebês, apresentando-se questões relativas ao
processo de entrada em campo e adensando a reflexão sobre a ética enquanto processo.

3.1 FAZER PESQUISA COM BEBÊS


A pesquisa com crianças tem sido objeto de discussão no âmbito dos estudos da
infância e de pesquisas nas quais se reconhece a agência das crianças e a validade das suas
formas de habitar o mundo e produzir saberes. Virginia Morrow (2007) aponta que esta nova
concepção social acerca das crianças, assim como a compreensão da infância enquanto
categoria estrutural do tipo geracional, implicou em um processo de revisão dos princípios
metodológicos usualmente utilizados nas pesquisas, posto que ao reconhecê-las enquanto
sujeitos, urge descobrir modos de aproximar-se aos seus mundos de vida ao mesmo tempo em
que se promove a garantia e a defesa dos seus direitos.
A partir dessa discussão, ela faz uma análise do percurso do conceito de agência,
apontando o modo como ele está vinculado ao reconhecimento das crianças enquanto sujeitos,
ou seja, da alteração do seu estatuto sociológico: de indivíduos em formação à sujeitos. Esta
mudança foi necessária para que as pesquisas passassem a se desenvolver a partir daquilo que
as crianças realizam e considerassem o modo como suas ações impactam em diferentes escalas,
do micro ao macro. A pesquisa com crianças parte deste reconhecimento, considerando-se
sempre que o âmbito de suas ações é determinado estruturalmente, de modo que a influência
que as crianças exercem dependem da posição que ocupam na estrutura social.
Ângela Coutinho (2016a) também destaca que ao pensarmos nas crianças pequenas e
buscarmos compreender os significados subjetivos que movem suas ações, é preciso reconhecer
que a análise da “(...) ação social das crianças na creche deve se dar a partir de um contexto de
interação com outros atores sociais, buscando compreender o seu significado na complexidade
relacional que ocorre em um contexto institucionalizado (...)” (p. 72). Ou seja, o exercício de
escuta das crianças e análise de suas perspectivas deve se dar a partir da compreensão do
contexto local de relações e de um contexto social mais amplo, dado pelo território, o qual
sempre entrelaça perspectivas globais e locais.
66

A abordagem preconizada põe em relevo o caráter relacional, visto que o


reconhecimento da agência das crianças não pode dar-se desde uma perspectiva reificada por
meio da qual valoriza-se a ação individualizada da criança, fortalecem-se princípios
essencialistas e produz-se uma imagem de criança refém de um universo exótico, inacessível,
apartado da cultura adulta e desconectado de outras categorias, como raça, classe e gênero. A
partir de uma abordagem relacional, reconhece-se que os sentidos produzidos pelas crianças
guardam sempre relação com as relações sociais em que estão inseridas e com o patrimônio
histórico-cultural ao qual têm acesso.
Ou seja, o reconhecimento das infâncias implica em não só reconhecer a pluralidade de
formas por meio da qual os sujeitos vivem este período de suas vidas, mas também assumir
enquanto princípio que os fazeres e sentires das crianças têm uma íntima relação com o contexto
e com aquilo que se constrói entre crianças e adultos. Ou seja, a valorização da agência das
crianças “(...) não significa desconsiderar os adultos e a sua escuta, pelo contrário, significa
problematizar a assimetria tão presente nas relações de pesquisa entre eles e reestabelecer o
lugar das crianças, reconhecendo que há uma relação de interdependência.” (COUTINHO,
2016b, p. 765).
Deste modo, apesar do reconhecimento das crianças enquanto sujeitos, de sua agência
e vozes, e do uso do termo infâncias ainda é preciso “romper com a tentação da universalidade
que exclui” (RIBEIRO, 2017, p.43). Este é um dos primeiros desafios que se fazem presentes
na pesquisa, pois não basta reconhecer a agência das crianças e igualá-la aos modos e fazeres
adultos, ou isolá-la e não considerar o contexto de relações no qual essa agência é produzida.
A centralidade na criança e em sua experiência não podem implicar em sua reificação e na
negação das relações em que elas estão inseridas e as quais elas também constroem
cotidianamente.
É neste sentido que Michel Vandenbroeck e Maria Bouverne-De Bie (2006) alertam que
os conceitos de agência, participação e autonomia devem ser sempre acompanhados de uma
reflexão crítica acerca do seu uso e significado para diferentes grupos e culturas, também
considerando-se o fato de que o “Sul global” produz teorias válidas:
67

Pode-se, neste caso, somente adicionar uma nova estrofe à velha canção que diz ‘Se
eles se tornassem mais como nós, isto seria melhor para eles e para nós’.
Recontextualizar a agência das crianças pode incluir olhar para as desigualdades nas
condições de negociação, assim como reconhecer que a agência pode ter diferentes
formas em diferentes contextos.59 (VANDENBROECK; BIE, 2006, p.140, tradução
minha)

Além disso, o giro ontológico que tem marcado a pesquisa no campo das ciências sociais
também se soma a essa reflexão. O novo materialismo (TAGUCHI, 2014) e o giro ontológico,
por meio de seus impactos nos Estudos da Infância (GALLACHER; GALLAGHER, 2008;
SPYROU, 2017; 2018; 2019), chamam a atenção para a forma como pesquisador faz parte do
contexto de relações observado e para tudo aquilo que escapa ao pesquisador e que confere um
caráter sensorial ao mundo vivido. Deste modo, se faz necessário auscultar outras relações
estabelecidas pelos sujeitos e por meio deles e que diferem da imagem do indivíduo moderno,
o qual sustenta suas ações em princípios cartesianos. A noção de agência retorna, pois é preciso
reconhecer que ela é “social e relacionalmente produzida ao invés de ser uma qualidade
essencial e individual da criança.”60 (SPYROU, 2019, p. 2, tradução nossa). Deste modo, ela
não irá se configurar do mesmo modo em grupos diferentes de crianças, modificando-se de
acordo com o contexto vivido por elas.
Este reconhecimento decorre da definição de um estatuto ontológico para a criança –
não somente epistemológico – que se sustenta na noção de devir. A criança, assim como o
adulto ou o idoso, não se definem com base na noção de identidade, mas na de diferença. O que
define o ser é o processo, não a completude, não há uma ideia de ser estabelecida a priori. As
noções de sujeito, agência e competência precisam ser sempre vistas sob a ótica do processo,
da mudança, da fluidez. A criança não passará a ser alguém – sujeito, cidadão – somente ao
tornar-se adulto, mas ela é sempre devir: o ser é marcado pelo movimento, não pela rigidez.
Este reconhecimento da fluidez complexifica o trabalho do pesquisador e o desenho
metodológico, pois exige-se o exercício de compreensão deste processo multifacetado por meio
do qual os bebês atribuem sentidos às suas ações. Sentidos estes que se produzem no tempo
presente, a partir daquilo que a materialidade e as relações suscitam. Na pesquisa etnográfica,
é possível embrenhar-se neste mundo sensório, sinestésico, a fim de compor parte dele e tentar

_______________
59
No original: “It may, in that case, just add a new strophe to the old song saying that ‘If they became more like
us, that would be better for them and for us’. Recontextualizing children’s agency may include looking at
inequalities in the conditions for negotiation; as well as acknowledging that agency may take different forms in
different contexts.” (VANDENBROECK; BIE, 2006, p.140)
60
No original: “(...) socially and relationally produced rather than being an essential quality of the individual
child.” (SPYROU, 2019, p. 2)
68

traduzir aquilo que ali acontece. Ângela Coutinho (2013a), ao refletir acerca disso, também se
pergunta: “como interpretar as subjetividades constitutivas das ações sociais do outro tendo por
base o sentido que ele próprio lhe atribui, se esse sentido é, geralmente, tecido no
entrelaçamento de elementos legíveis e ilegíveis?” (COUTINHO, 2013a, p. 220, grifos nossos).
Deste modo, o reconhecimento da agência das crianças e o processo de escuta de suas
múltiplas linguagens nos percursos de pesquisa e no desenho metodológico precisam considerar
sempre que as vozes das crianças não estão descoladas das relações intra e intergeracionais que
elas estabelecem, assim como daquilo que advêm do mundo físico, as suas percepções
sensoriais. A voz precisa ser metáfora profícua que considere as relações estabelecidas – e
mantendo em vista a íntima interação do local e do global –, as quais incluem sempre elementos
que o pesquisador não conseguirá captar. Na pesquisa com bebês, a metáfora da voz também
abarca as linguagens do corpo: movimentos, olhares, toques. Por este motivo, “as interações
das crianças são compreendidas como suas vozes. Estas vozes estão entrelaçadas com um dado
contexto e interconectadas com a pré-escola enquanto um mundo cultural e social”61
(JOHANSSON, 2017, p.17, tradução nossa). Ou seja:

(...) o desafio que se coloca, é olhar para os bebês sob uma nova perspectiva, não os
reconhecendo mais como “infans”, “incapazes de falar”, mas como sujeitos potentes,
capazes, que precisam ser valorados. Nesse processo, uma escuta sensível e refinada
é fundamental. Não apenas escuta de verbo, mas de diferentes linguagens para
conseguirmos substituir o “monólogo” pelo “diálogo” com os bebês. (SIMIANO,
2016, p.24-25)

Angela Coutinho (2013) destaca que as ações dos bebês se baseiam em inúmeros
elementos, que a escolha dos pares não é ocasional e que condições dadas para o movimento
livre, geralmente controladas pelo adulto, podem possibilitar às crianças gozarem do seu direito
de se expressarem e fazerem escolhas. Ou seja, é importante reconhecer que os bebês mobilizam
formas específicas de se relacionar com o mundo, explorando com competência a linguagem
do corpo.
As pesquisas etnográficas apontam que a presença em campo a partir de recursos que
lhe confiram densidade – não só o tempo, mas também a intimidade do pesquisador com as
ferramentas utilizadas e com o exercício da observação – garantem possibilidades de
compreensão dos significados produzidos pelos sujeitos. A observação participante também é
recurso importante para que o pesquisador se insira no campo de pesquisa e para que tente
_______________
61
No original: “The children’s interactions are understood as their voices. These voices are intertwined in a given
context and interconnected with preschool as a cultural and social world.” (JOHANSSON, 2017, p.17)
69

aproximar-se destes elementos legíveis e ilegíveis. Contudo, o reconhecimento da alteridade e


da subjetividade permanecem como constantes provocações. Sempre haverá algo que escapa
ao sujeito pesquisador porque pertence exclusivamente ao outro. Pesquisas comprometidas com
a noção de diferença enquanto princípio, mantêm sempre no horizonte a reflexão acerca destes
aspectos.
O desafio, portanto, é considerar estas questões, a fim de tomar consciência e refletir
acerca dos impactos da posição ocupada pelo pesquisador e da assimetria da relação. Na
pesquisa com crianças e, especialmente com bebês e crianças bem pequenas, esta questão
adensa-se, pois é também é preciso refletir acerca da posição geracional ocupada pelo
pesquisador. A tarefa que se coloca é a de descentrar-se do seu papel geracional (COUTINHO,
2016).
Neste sentido, a reflexividade é elemento fundamental no decorrer da pesquisa, pois
implica em um processo contínuo por meio do qual o pesquisador reflete acerca do vivido,
contrapondo-o constantemente às suas percepções e a sua história de vida. Isto implica em um
reconhecimento daquilo que mobiliza os pesquisadores, resulta em olhar para si a fim de ser
capaz de encontrar-se com o outro. Paul Connoly (2017), ao refletir acerca de reflexividade,
retoma dois preceitos de Bourdieu, reconhecendo a necessidade dos pesquisadores:

(...) darem dois passos para trás durante o processo de pesquisa: o primeiro representa
o passo tradicionalmente dado pelos pesquisadores a fim de tentar obter uma
impressão geral do que está acontecendo e o segundo representa o pesquisador dando
um passo para fora de si para compreender como ele é parte do contexto e contribui
para o seu desdobramento como todos os outros.62 (CONNOLLY, 2017, p. 105,
tradução nossa)

Alguns dos desafios expostos acima são comuns às pesquisas qualitativas e se fazem
presentes nas reflexões sobre a etnografia: o reconhecimento dos sujeitos enquanto informantes
competentes sobre seus mundos de vida, a assimetria da relação entre eles e o pesquisador,
assim como a necessidade de desenvolver estratégias de pesquisa que engajem os sentidos
(PINK, 2008) devido a pluralidade de linguagens mobilizadas pelos sujeitos e pela dinâmica
produção de sentidos no contexto observado. Na pesquisa com crianças, o exercício de
descentramento da posição geracional ocupada pelo pesquisador adere aos desafios expostos

_______________
62
No original: “(…) to take ‘two steps back’ from the research process: the first step represents the traditional one
taken by researchers in attempting to gain an overall impression of what is going on and the second represents
the researcher stepping back from themselves in order to understand how they are as much a part of and
contribute to the unfolding social milieu as everyone else.” (CONNOLLY, 2017, p. 105)
70

acima. Na pesquisa com bebês, a questão das linguagens também ganha força: as formas de
expressão dos bebês não eram usualmente reconhecidas nas pesquisas.
Assim, a partir do reconhecimento do papel exercido pelo pesquisador no decorrer da
pesquisa, juntamente com o desafio de compreender as vozes das crianças a partir de uma
abordagem relacional e do reconhecimento da interdependência (WYNESS, 2013), são
definidas estratégias variadas que ampliam o escopo de ação do pesquisador. Nas investigações
de Virginia Morrow (2007a; 2008), a pesquisadora observou que “(...) a combinação de
diversos métodos foi útil para abrir uma janela para seus mundos de vida cotidianos a partir dos
seus pontos de vista”63 (2007a, p.8), mobilizando recursos como desenhos, textos e fotografias
realizadas pelas crianças e discussões em grupo. A perspectiva da Mosaic Approach defendida
por Allison Clark (2011) também considera a importância da utilização de diferentes
metodologias para construir um mosaico e acessar as compreensões das crianças acerca do
vivido.
Portanto, no decorrer desta pesquisa, as estratégias de observação participante e do
registro por meio de um diário de campo foram acompanhadas do uso de metodologias visuais.
A voz dos bebês, enquanto metáfora, pode ser registrada por meio de fotografias e de vídeos, o
que pode ajudar a compreender o vivido a partir do ponto de vista dos atores. Desta forma, os
recursos audiovisuais ajudam a dar visibilidade aos movimentos, olhares e sons realizados pelos
bebês.
O reconhecimento deste desafio, de que o pesquisador também se torna parte do
contexto pesquisado, implica em reconhecer que as imagens não são registro objetivo e que,
portanto, comunicam tanto sobre o que acontece no campo de pesquisa, quanto sobre aquilo
que guia o olhar do pesquisador. A fotografia tampouco é representação, ela é narrativa
produzida por quem faz a foto e comunica sobre o lugar ocupado pelo pesquisador, pois a
“imagem é um objeto comunicativo construído a partir de um ponto de vista particular, que
exprime uma realidade social.” (SARMENTO, 2014).
Deste modo, os registros em foto e vídeo são considerados enquanto narrativas visuais,
são interpretações que nos ajudam a captar a ação das crianças em sua inteireza (COUTINHO,
2016a). As fotografias e os vídeos podem também ser cotejados com o diário de campo,
ajudando o pesquisador a retomar as memórias do vivido e a compreender o que estava
acontecendo, podendo narrá-las e interpretá-las. Da mesma forma, ao buscar compreender a

_______________
63
No original: “(…) using several methods in combination, and this was found to be a useful way of building up
a picture, or opening a window upon their everyday worlds from their points of view” (MORROW, 2007, p.8)
71

forma como a materialidade condiciona a ação dos bebês e o modo como o espaço da creche
configura-se enquanto campo de possibilidades, se fez necessário registrar e documentar o
acervo de materiais aos quais os bebês têm acesso.
A construção deste inventário de materiais permitiu a construção de um olhar
aprofundado para as concepções de bebê e educação mobilizadas por meio da materialidade.
Assim, as fotos, nesta pesquisa, também foram utilizadas para compor o inventário de materiais
da sala de referência da turma do berçário, produzido a partir da descrição e caracterização dos
objetos e das imagens.
As entrevistas também são uma estratégia desta pesquisa. A presença em campo
possibilita a compreensão dos sentidos, mas algumas dúvidas permanecem acerca das histórias
dos objetos, do percurso que eles travaram a fim de chegar em sala e compor este campo de
possibilidades para a ação dos bebês. Neste sentido, a entrevista também possibilita uma
compreensão mais aprofundada acerca das relações construídas no espaço da creche. Os
sentidos atribuídos pelos adultos aos materiais puderam ser mais bem compreendidos por meio
deste diálogo.
Este conjunto de ferramentas metodológicas possibilitou a construção de um texto que
torna visível o terreno em que habitam os atores, o seu trabalho de produção simbólica e,
também, os acontecimentos da vida dos bebês na escola. Estes acontecimentos, a experiência
educativa dos bebês é, por sua vez, objeto da Pedagogia enquanto ciência. Espaço e materiais
podem ser pensados enquanto elementos didáticos no fortalecimento de uma Pedagogia da
Infância (ROCHA, 2001), compreendida enquanto uma pedagogia participativa
(CARBONELL, 2016) e que toma enquanto princípio a imprevisibilidade no cotidiano. Aquilo
que escapa, as possibilidades criadas pelos atores ao habitarem e construírem o espaço, passa a
ser reconhecido no âmbito da prática pedagógica e da pesquisa científica que entrelaça saberes
da pedagogia e dos Estudos da Infância.

3.1.1 A ESCRITA: AS LINGUAGENS DOS BEBÊS TRADUZIDA EM TEXTO

A escritora nigeriana Chimamanda Adichie (2019) afirma, ao referir-se às histórias


dos povos africanos, que muitas histórias importam e que é preciso enfrentar o perigo de uma
história única; que estas histórias foram usadas para expropriar e tornar maligno, mas que
também podem ser usadas para capacitar e humanizar. Ela afirma que “Nkali” é uma expressão
Igbo que poderia ser traduzida por "ser maior do que o outro". Ela a mobiliza para referir-se às
72

estruturas de poder que fortalecem e promovem a divulgação desta história única, contada sob
a perspectiva do “vencedor”, que decide como, quando e quem irá contar esta história,
guardando relação com uma organização social hierárquica e classificatória.
Neste sentido, Walter Benjamin (2012) afirmava que é preciso escovar a história a
contrapelo, referindo-se a este processo de produzir uma nova perspectiva sobre a história ao
recontá-la a partir do ponto de vista daqueles que não venceram. Histórias plurais permitem o
encontro com a diferença, com o outro e, por isso, humanizam. Elas produzem o caráter positivo
da diferença.
Poderíamos afirmar que neste trabalho elabora-se um contra-discurso, discorre-se
sobre o terreno áspero (WILLIS, 2000) em que habitam os sujeitos reconhecendo os sentidos
que eles produzem em seu cotidiano e garantindo que suas vozes ecoem em espaços que
usualmente lhes são negados. Djamila Ribeiro (2017), ao refletir sobre a expressão “lugar de
fala”, afirma que pensar sobre este lugar “(...) seria romper com o silêncio instituído para quem
foi subalternizado” e que “(...) só fala no lugar de ninguém quem sempre teve voz e nunca
precisou reivindicar a sua humanidade.” (p. 90).
Ainda que ao corporificar as narrativas dos bebês nos textos escritos pelos adultos, ela
se altere, fazer esse exercício e contar as histórias das crianças significa reconhecer que muitas
vezes as suas histórias foram contadas somente a partir da perspectiva dos adultos, os quais
acreditavam tudo saber sobre o outro e que olhavam para as crianças a partir de referentes
característicos do mundo adulto e de uma imagem hegemônica de infância, construindo uma
cultura adultocêntrica expressa nas produções acadêmico-científicas e no pensamento
pedagógico.
Deste modo, ao olhar para o espaço da creche e reconhecer a forma como ele se
constrói a partir das ações de crianças e adultos em sua relação com os sistemas de objetos,
define-se um percurso metodológico que enfrenta o desafio de visibilizar as narrativas
produzidas pelas crianças em sua relação com o outro, o meio e consigo mesmas. Narrativas
que também surgem a partir daquilo que a materialidade gera e ocasiona aos bebês.
A escolha dos procedimentos metodológicos da pesquisa, a opção por um estudo
etnográfico, é fruto do reconhecimento do desafio de traduzir em linguagem escrita os sentidos
produzidos pelos bebês em sua relação com a materialidade e aquilo que o encontro com ela os
causa. Desafio de construir uma escrita que se produz no confronto entre a teoria e o vivido e
que se configura como processo de interpretação de quem realiza a pesquisa, visto que:
73

A linguagem nunca será um espelho da realidade (...) e o texto final só pode ser um
produto da sensibilidade do pesquisador (incluindo-se seus quebra-cabeças e teorias
em processo de formação) em seu encontro com as práticas e teorias da prática entre
os agentes.64 (WILLIS, 2000, p. 116, tradução nossa).

Pensar o texto enquanto produto da sensibilidade do pesquisador significa reconhecer


que ele não é representação das práticas simbólicas dos agentes, neste caso, das crianças. Ele
não é a realidade transladada em texto. Não é representação dos fazeres e sentires dos bebês.
Ele é tradução do vivido diante do processo reflexivo do pesquisador e do confronto com a
teoria, que o acompanha antes, durante e após a realização do campo. Ao ser tradução, ele se
altera, os registros de campo são marcados e atravessados pela história, subjetividade e
posicionamentos teóricos de quem realiza a pesquisa e escreve o texto. Por este motivo, é
fundamental que o texto seja honesto, que os leitores e as leitoras reconheçam as perspectivas
desde as quais o texto se produz.
Ou seja, o desafio da escrita é o de falar sobre os sentidos produzidos pelos sujeitos
com os quais se realiza a pesquisa, sobre seu trabalho de produção simbólica, sem apresentá-la
enquanto verdade única e reconhecendo a participação do pesquisador na realização do texto,
o qual exercita uma atitude reflexiva. Deste modo, ao produzirmos o texto, damos visibilidade
aos sujeitos e às interpretações do pesquisador. Ao assumirmos que a subjetividade atravessa o
texto, neste trabalho, refutamos os discursos em circulação que contam sobre as crianças, para
aderir a uma abordagem que busca contar sobre aquilo que o pesquisador percebe na relação
construída com as crianças.
A escrita se transforma novamente em paradoxo ao enfrentarmos o desafio de traduzir
a linguagem do corpo, do gesto, dos olhares, dos sons em palavras. Aquilo que acontece entre
as crianças e a materialidade, entre elas e com os adultos, acontece por meio de múltiplas
linguagens. O silêncio, enquanto ausência de palavras, também é marca da relação dos bebês
com o mundo. O desafio é o de “como podemos responder às vigorosas demandas das crianças,
passá-las adiante e permitir que sejam livres para proliferarem-se e exibirem-se. Um modo, eu
sugiro, é (modestamente) testemunhar e narrar.”65 (JONES, 2008, p. 206, tradução nossa).

_______________
64
No original: “Language can never be a mirror of reality, and (…) the final written account can only be a product
of the researcher’s own sensibility (including its forming puzzles and theories) as it encounters another set of
practices and practical theories among agents.” (WILLIS, 2000, p.116)
65
No original: “How can we respond to the very energetic demands of children, pass them on, and allow them to
be free to proliferate and display. One way, I suggest, is (modest) witnessing and narrative.” (JONES, 2008, p.
206)
74

A narrativa apresentada relaciona a palavra escrita e as imagens: as palavras dialogam


com as imagens na produção de um texto que seja lido por meio delas e, por vezes, através
daquilo que se faz presente entre a imagem e a escrita. Fotos e vídeos ajudam a registrar os
silêncios, os olhares, o corpo, os sons das crianças, os quais elas utilizam a fim de comunicar-
se, de produzir significados, de sentir o mundo. Por meio deles, tentamos interpretar aquilo que
acontece por meio dos sentidos, que atravessam as crianças e se fazem presentes na experiência
humana do mundo. Réstias de sol, pinturas craqueladas, frestas rugosas, um avião que cruza o
céu...
Trazer ao texto as vivências dos bebês significa romper com o silêncio, reivindicar a
sua humanidade ao reconhecê-los enquanto produtores de cultura e agentes sociais, assumir que
a produção acadêmico-científica é uma tradução daquilo que dizem as crianças, desde bebês. A
produção de saberes comprometidos com a criança também implica em mobilizar as linguagens
da academia a fim de que o diálogo seja possível. Significa fazer suas vozes ecoarem na
universidade e nas produções científicas, negando uma hierarquia de saberes e provocando
conflitos geradores de mudanças, posto que:

Necessariamente, as narrativas daquelas que foram forçadas ao lugar do Outro, serão


narrativas que visam trazer conflitos necessários para a mudança. O não ouvir é a
tendência a permanecer num lugar cômodo e confortável daquele que se intitula a
poder falar sobre os Outros, enquanto esses Outros permanecem silenciados.
(RIBEIRO, 2017, p.78)

A dupla hermenêutica das ciências sociais vem novamente à tona, pois ainda que a
mudança de um contexto não seja um objetivo próprio desta pesquisa, ela é promovida ao
darmos visibilidade às narrativas das crianças e ao garantirmos possibilidades de enfrentamento
ao discurso dominante que toma as crianças enquanto indivíduos marcados pela falta para
defender um estatuto sociológico que as reconhece enquanto sujeitos e um estatuto ontológico
baseado na mudança, no devir. As histórias que as crianças contam precisam ecoar.

3.1.2 ÉTICA NA PESQUISA COM BEBÊS

Sheena Elwick, Ben Bradley e Jennifer Sumsion (2014) ao refletirem sobre a pesquisa
com bebês jogam com a ideia da (im)possibilidade da investigação. As discussões expostas
acima, acerca da reflexividade e do desafio de narrar a experiência dos bebês por meio da
linguagem escrita, são atravessadas por uma reflexão acerca de uma ética viável
75

(FERNANDES, 2016) na pesquisa com crianças. É necessário reconhecer que a pesquisa é


produto da sensibilidade do pesquisador, é fruto do encontro entre os sujeitos que participam
dela.
O enfrentamento da possibilidade e impossibilidade da investigação implica na
construção de uma postura ética que não se limita aos protocolos elaborados por universidades
e comitês. Assumir a própria impossibilidade da pesquisa, ao reconhecermos que sempre haverá
algo sobre o Outro que não podemos e não devemos compreender é, desde o princípio, uma
questão de responsabilidade ética (ELWICK; BRADLEY; SUMSION, 2014). Ao mesmo
tempo, a demanda de contarmos as histórias das crianças, é o que a torna possível e necessária.
Isto significa acolher a alteridade e assumir a diferença no encontro com o Outro:

Respeitar a alteridade do Outro na ética do encontro tem implicações para o


pensamento e o conhecimento, compreendido enquanto a construção de novos
entendimentos. Porque se nós transformamos o Outro no Mesmo, tudo estará sempre
predeterminado, se a aprendizagem e a vida forem sobre conformidade às normas, se
a surpresa e a incerteza forem eliminadas – então o conhecimento será continuamente
reciclado em um processo de transmitir significados pré-fabricados e vidas
bestificadas em uma infindável repetição. Mas, se nós aprendermos a escutar ao
Outro, de uma maneira respeitosa, nós poderemos ser provocados por este encontro a
pensar, a produzir novas ideias e teorias, a abandonar nossas pré-concepções.
(DAHLBERG; MOSS, 2005, p. 116, tradução nossa) 66

A pesquisa com crianças, possibilitada pelo reconhecimento de um estatuto ontológico


e epistemológico da criança enquanto sujeito, precisa partir do princípio da ética do encontro a
fim de que seja possível realizar investigações implicadas no exercício concreto da escuta do
Outro. Neste sentido, a ética se faz presente desde o processo inicial de desenho da pesquisa,
em que são definidos objetivos e metodologias coerentes com a imagem da criança competente.
Tatek Abebe (2014) refere-se à necessidade de que a pesquisa seja balizada tanto por uma “ética
formal” quanto por uma postura ética em situações concretas. Ela se faz presente em todo o
processo de desenho da pesquisa, sua realização e divulgação dos resultados.

_______________
66
No original: “Respecting the alterity of the Other in the ethics of an encounter has implications for thought and
knowledge, understanding knowledge as the construction of new understandings. For if we make the Other into
the Same, if everything is always predetermined, if learning and life are about conformity to norms, if surprise
and uncertainty are programmed out – then knowledge is endlessly recycled in a process of transmitting
prefabricated meaning and life stultifies in endless repetition. But if we learn how to listen to the Other, in a
respectful way, we may find ourselves provoked by this encounter to think, to produce new ideas and theories,
to abandon our preconceptions ) (DAHLBERG; MOSS, 2005, p. 116)
76

Este autor, ao referir-se ao princípio de que toda criança tem o direito de ser
adequadamente pesquisada – fruto do trabalho liderado por Judith Ennew67 – elabora uma
discussão que se contrapõe a dois tradicionais argumentos que afastam as crianças das
pesquisas, sendo eles, como aponta Natalia Fernandes (2016), o de que as crianças não são
sujeitos confiáveis para elaborar discursos sobre si mesmos e o argumento paternalista que
enfatiza a sua vulnerabilidade68. A autora, ao reconhecer as crianças enquanto atores sociais,
sujeitos de direitos e seres competentes, abraça o desafio indicado por Ann Farrell (2005) de
confrontarmo-nos com novos dilemas éticos e responsabilidades. Fernandes afirma que assumir
esse compromisso:

Significa, finalmente, que não há uma ética à la carte passível de ser replicada em cada
contexto, mas sim que as relações éticas são portadoras de diversidade e complexidade
e exigem um cuidado ontológico permanente de construção e reconstrução, porque a
ética está ligada à construção ativa de relações de investigação e não pode ser baseada
em pressupostos ou estereótipos acerca das crianças e da infância – depende, afinal,
da consideração da alteridade que configura a infância. (FERNANDES, 2016, p. 763)

A autora, ao elaborar um estado da arte sobre ética na pesquisa com crianças retoma,
dentre outras questões, a imagem da criança enquanto participante ativa (ALDERSON apud
FERNANDES, 2016), a qual está informada da pesquisa e pode influenciar sobre a forma como
decorre a sua participação. Assumir a participação das crianças na pesquisa implica em permitir
que as preconcepções dos pesquisadores sejam alteradas e modificadas no decorrer do processo
de pesquisa. Ou seja, considerar o status de participantes das crianças é um ponto de partida na
pesquisa com crianças, pois considerá-las enquanto participantes significa promover a ética do
encontro e confrontarmo-nos com a alteridade, possibilitando a compreensão do mundo a partir
do Outro.
Sheila Degotardi (2015) apresenta algumas das decisões tomadas no decorrer do
processo de pesquisa com base nesta ética do encontro. Ela afirma que na pesquisa com bebês
e crianças bem pequenas, o reconhecimento das crianças enquanto sujeitos participantes da
pesquisa, implica em saber quando aproximar-se das crianças, distanciar-se ou segui-las.
Lesley-Ann Gallacher e Michael Gallagher (2008), por sua vez, contam sobre como as crianças

_______________
67
Este princípio foi desenvolvido por um grupo internacional de pesquisadores liderado por Judith Ennew, sendo
composto também por Tatek Abebe (Norwegian University of Sciences and Technology), Sharon Bessell (The
Australian National University), Harriot Beazley (University of Queensland) e Roxana Waterson (National
University of Singapore).
68
Além dos trabalhos de Natalia Fernandes (2016)Priscila Alderson (2008) apresenta os argumentos usualmente
apresentados a partir de uma ótica protecionista das crianças, contrapondo-os a partir de uma reflexão sobre o
seu direito de participação.
77

se apropriaram não somente de suas ferramentas de pesquisa, como seus cadernos de campo,
mas deles próprios, fazendo-os correr ou negociando o colo, em um contínuo movimento de
negociação das relações e de exercício de poder.
Natalia Fernandes (2016) também retoma o roteiro ético proposto por Priscila Alderson
e Virgina Morrow no livro denominado “The Ethics of Research with Children and Young
People: a practical handbook”. Neste roteiro, estão previstas reflexões sobre cinco tópicos
distintos: objetivos; custos e benefícios; forma de seleção dos participantes; e consentimento
informado. Estes itens devem ser sempre atravessados por uma reflexão sobre o melhor
interesse da criança, sendo realizados “(...) processos justos, isentos e promotores de bem-estar
para todos os envolvidos” (FERNANDES, 2016, p.769).
Além disso, devem ser acompanhados da contínua reflexão sobre a ética do encontro e
sobre a imaturidade metodológica (GALLACHER; GALLAGHER, 2008), pois a partir de uma
perspectiva relacional, compreende-se que todos os sujeitos – adultos, crianças, idosos – são
sujeitos em processo, são devires, não sabem tudo. E é exatamente esta imaturidade que
possibilita a existência da pesquisa, pois:

Se os pesquisadores fossem completamente maduros, eles teriam todas as repostas; e


se eles tivessem todas as repostas, não haveria necessidade de que se realizassem
pesquisas. Nos parece, que se a pesquisa quer conquistar alguma coisa, ela deve partir
de uma posição de ignorância.69 (GALLACHER; GALLAGHER, 2008, p.512)

A ética do encontro e a imaturidade metodológica interligam-se ao partirmos da


premissa que o pesquisador parte de uma posição de ignorância e que não se sabe tudo sobre o
outro, sendo impossível e indesejado capturar as crianças. São estes os princípios que balizam
o desenho da pesquisa, sua realização e divulgação, assim como são eles que também garantem
que toda criança seja devidamente pesquisada e que seja considerado o seu melhor interesse. É
devido a eles que também é impossível antecipar dilemas éticos que se produzem no decorrer
da pesquisa e é a partir deles que o pesquisador deve agir, distanciando-se e exercitando uma
postura reflexiva.
Algumas questões decorrentes dessa reflexão dizem respeito a forma como a câmera
é utilizada na pesquisa, a busca por consentimento e assentimento de parte dos responsáveis

_______________
69
No original: “If researchers were fully mature, they would know all the answers; and if they knew all the answers,
there would be no need for research. It seems to us that, if research is to achieve anything, it should proceed
from a position of ignorance.” (GALLACHER; GALLAGHER, 2008, p.512)
78

legais e dos bebês, a divulgação das imagens e a autoria dos bebês. Elas serão apresentadas no
decorrer da discussão acerca das ferramentas metodológicas utilizadas.

3.1.2.1 Consentimento e assentimento para a pesquisa

A pesquisa com crianças situa o pesquisador dentro de um contexto no qual se faz


necessário buscar a autorização das famílias e a construção desta relação ética com os sujeitos
com os quais se realiza a pesquisa, as crianças. Sônia Kramer destaca:

(...) há que se perguntar: quem autoriza a participação, o nome, a gravação? Quem


autoriza a utilização de fotografias? Sabemos que é o adulto, e concordamos que é
necessário que assim seja, mais uma vez para proteger as crianças, para evitar que
suas imagens sejam exploradas, mal-usadas. Mas, se a autorização quem dá é o adulto,
e não a criança, cabe indagar mais uma vez: ela é sujeito da pesquisa? Autoria se
relaciona à autorização, à autoridade e à autonomia. Pergunto: como proteger e ao
mesmo tempo garantir autorização? Como resolver esse impasse? (KRAMER, 2002,
p. 53)

O impasse entre autorização, o consentimento dado pelas famílias das crianças, e a


garantia de que elas sejam consideradas enquanto sujeitos durante todo o decorrer da pesquisa
nos coloca diante da necessidade de buscar o assentimento por parte dos bebês a partir da
relação que se constrói com eles no decorrer da pesquisa. Assim, consideramos a premissa de
que o consentimento na pesquisa envolve mais do que concordar em participar da pesquisa e
que deve ser visto como algo contínuo (MORROW, 2008), posto que a pesquisa será sempre
atravessada por permanentes reflexões sobre a ética. Situações imprevistas surgem no decorrer
da investigação e é necessário que elas sejam sempre revistas a fim de continuamente construir
um processo de pesquisa ético.
Para assegurar o enfrentamento deste impasse, algumas estratégias foram construídas
antes e no decorrer da realização da pesquisa de campo. No primeiro mês em campo ocorreu
uma reunião com todas as professoras e foram apresentados os objetivos da pesquisa e
respondidas dúvidas sobre os seus encaminhamentos, especialmente quanto à observação e
registro das ações dos bebês. Do mesmo modo, estive disponível para conversar com docentes
e equipe gestora e pedagógica a qualquer momento da pesquisa, além de disponibilizar o diário
de campo para que elas pudessem ler as anotações.
Nas primeiras semanas, foi agendada uma reunião com as famílias dos bebês para realizar
uma apresentação da pesquisa e solicitar o consentimento delas por meio da assinatura do
79

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)70, o qual inclui a autorização do uso de


imagem e do primeiro nome dos bebês. Duas famílias não puderam comparecer e, para entrar
em contato com elas, deixei uma carta explicando a pesquisa e aguardei pelos responsáveis no
horário de saída dos bebês. Assim, pude me apresentar formalmente e esclarecer dúvidas sobre
a pesquisa.
Esses momentos foram fundamentais para comunicar às famílias os objetivos da pesquisa
e o motivo pelo qual seriam utilizadas as imagens das crianças, assim como a forma como elas
seriam usadas para a divulgação dos resultados. O reconhecimento de que o consentimento é
um processo contínuo implicou em garantir aos responsáveis pelos bebês que eu estaria
disponível durante todo o decorrer da pesquisa para o diálogo, assim como que eles poderiam
rever a sua participação a qualquer momento. Durante o semestre, uma das famílias solicitou
que não fosse utilizado o primeiro nome da criança e foi assinado um novo TCLE.
O assentimento, por sua vez, torna-se visível no processo de construção de uma relação
com os bebês ao longo do tempo. É necessário identificar se e quando eles estão confortáveis
com a presença da pesquisadora e, do mesmo modo, compreender que eles podem mudar de
ideia e que a cada dia as situações de comodidade ou de incômodo com a captura das imagens
ou presença próxima da pesquisadora se alteram. Portanto, garanti aos bebês contextos de
privacidade ao observar que não se sentiam confortáveis com a minha presença e também
possibilitei que houvesse intervalos nos quais eu não estivesse próxima a eles, preservando
momentos de maior intimidade e recolhimento, como trocas de fralda e momentos de sono.
Também evitei fotografar momentos em que os bebês demonstrassem estar angustiados ou
bravos com algo que houvesse ocorrido.

3.1.2.2 As devolutivas da pesquisa

Outro procedimento ético realizado no decorrer da pesquisa é a devolutiva para todos os


participantes da pesquisa. Para isso, foram elaborados materiais diferentes para apresentar às
professoras, famílias e bebês. Para a equipe do CMEI, foi realizada uma reunião em novembro
de 2019 em que foram apresentados alguns resultados preliminares e uma reflexão sobre a
construção de narrativas visuais e a prática da documentação pedagógica. Também ocorreu uma
reunião com as famílias dos bebês, na qual foram exibidos fotos e relatos das ações dos bebês.

_______________
70
O TCLE está disponível no Apêndice I.
80

Para as crianças, foi necessário buscar estratégias, que acolhessem seus modos de
relacionar-se com o mundo. Por isso, a devolutiva ocorria de forma contínua, pois eles podiam
solicitar que eu mostrasse as imagens da câmera ou eu me aproximava deles e apresentava
algumas das imagens realizadas. Na construção dessa relação, os bebês passaram a
compreender que poderiam solicitar minha presença quando queriam ser registrados ou ver as
imagens. Além disso, foi construído um livro com imagens deles e relatos de suas ações. Este
livro foi apresentado aos bebês e entregue como um presente para a turma (duas cópias) e para
a instituição (uma cópia)71.
As devolutivas configuram-se como um procedimento ético na medida em que partem do
princípio de que as narrativas e as histórias dos bebês contadas na pesquisa pertencem aos
sujeitos que as vivem e as constroem no seu cotidiano. Nesse sentido, um desenho ético de
pesquisa não pode prescindir da devolutiva aos sujeitos participantes.

3.2 O CAMPO DE PESQUISA

Durante a realização desta pesquisa de cunho etnográfico, em que se buscou narrar as


ações dos bebês em seus encontros com a materialidade, um elemento central foi a escolha do
campo de pesquisa. Sem perder de vista os princípios éticos expostos acima, realizamos
previamente um estudo exploratório que oferecesse elementos para a escolha de uma instituição
para a realização da pesquisa de campo. Além disso, no campo, foram desenvolvidas estratégias
de uso das ferramentas, modos de organizar os dados produzidos e foram tomadas decisões
quanto ao processo de entrada em campo. A concepção de criança e o compromisso de produção
de uma pesquisa fundamentada no princípio da diferença, foram dois balizadores das escolhas
e processos que se apresentam nesta seção.

3.2.1 ESTUDO EXPLORATÓRIO

Um dos elementos fundamentais no decorrer desta pesquisa foi o processo de seleção


do campo. Era necessário encontrar um local que desejasse receber a pesquisa, que estivesse

_______________
71
No Apêndice II são apresentadas algumas figuras das páginas do livro. Foram omitidas as imagens do Bernardo,
visto que a família não autorizou o uso do nome e da imagem, assim como de uma criança de outra turma que
convivia com as crianças do berçário, mas que não participou da pesquisa.
81

interessado na temática e no qual fosse possível observar a interação das crianças com as
materialidades. Duas condições se colocaram a partir disto: a primeira foi a de encontrar uma
instituição com grande variedade de materialidades, o que enriqueceria o estudo; a segunda, foi
procurar um espaço no qual as crianças não só tivessem acesso a eles, mas em que devido à
organização pedagógica da instituição, tivessem condições adequadas de uso do tempo e
possibilidade de explorar os objetos. Outra escolha feita a priori foi a de realizar a pesquisa em
uma instituição pública de educação, devido a um compromisso político com a educação
pública.
A primeira etapa da pesquisa consistiu em um estudo exploratório, realizado entre
fevereiro e março de 2019, por meio do qual foram acessadas todas as páginas de facebook das
instituições públicas de Educação Infantil do Município de Curitiba. No site da Prefeitura de
Curitiba foi possível acessar o nome destas instituições e, em seguida, foi feita a busca na
internet. Os dados das instituições foram organizados em um quadro para registro das
informações de caracterização da instituição – nome, bairro, regional e telefone – e de análise
das imagens disponibilizadas online72. Ao analisar as imagens foram observados os seguintes
itens: a autoria da imagem ou a pessoa que postou – verificando se foi alguém responsável pela
instituição ou outros –, o ano de publicação, a quantidade de fotos de bebês publicadas e o teor
destas imagens.
Nas páginas mais ativas, foi estabelecido um filtro de análise, sendo acessadas somente
as imagens dos últimos 5 anos (2014 – 2019). Neste primeiro momento, as fotos publicadas
foram salvas e organizadas para análise posterior; dentre as 203 instituições de educação infantil
municipais listadas no site da prefeitura no momento de acesso, no segundo semestre de 2018,
51 instituições tinham feito postagens sobre os bebês ou suas salas de referência.
A partir deste primeiro filtro, foram selecionadas as instituições que tinham publicado
imagens de bebês em seu cotidiano e que indicassem uma prática pedagógica não antecipatória
para o trabalho na creche por meio da análise das fotos das salas de referência das turmas do
berçário. Fotos nas quais observávamos a atividade do calendário, alfabeto na parede, figuras
estereotipadas ou salas com muitas mesas e cadeiras ou sem brinquedos e objetos ao alcance
das crianças trouxeram indicativos de uma prática pedagógica que ainda estava avançando no
processo de reconhecimento do trabalho com bebês e crianças pequenas. As imagens tornadas
públicas pela instituição comunicam parte do ocorrido no cotidiano, do currículo vivido,

_______________
72
O quadro com dados de análise das páginas do facebook está disponível no Apêndice III
82

práticas e vivências às quais a equipe atribui valor e que considera adequadas que seja
publicizadas nas redes sociais. O interesse da instituição pela qualificação do trabalho realizado
com o grupo do berçário também poderia indicar a vontade de participar da pesquisa.
Dentre as páginas visitadas, foram destacadas as instituições nas quais as imagens
revelavam o planejamento do espaço da sala de referência, o uso de objetos diversificados, a
acessibilidade aos brinquedos e objetos, o uso criativo de mobiliários – como berços
transformados em casinhas ou painéis construídos a partir de materiais não-estruturados –, o
acesso dos bebês ao espaço externo da instituição e o planejamento do trabalho com bebês. A
partir da análise dessas questões, a coordenadoria de Educação Infantil do município foi
contatada para que a pesquisa fosse autorizada e os CMEI’s selecionados pudessem ser
visitados para que se verificasse o interesse da equipe da instituição e se realizasse uma segunda
análise da sala de referência dos bebês e da estrutura da instituição a partir de visitas aos locais.
O diagrama abaixo (Figura 2) apresenta este processo de seleção do CMEI para realização da
pesquisa de campo.

Figura 2 – Diagrama do estudo exploratório

Análise das Análise das Agendamento da Visita e Análise de dados CMEI


Identificação apresentação da Socioeconômicos do Porto
páginas do imagens visita e conversa
dos CMEI's pesquisa para a Bairro e do Padrão
Facebook publicadas via telefone Seguro
n= 203 equipe gestora Arquitetônico
n=51 n=10 n= 8
n=3 n=1

Fonte: A autora (2020)

O primeiro contato com as instituições foi feito via telefone durante o mês de fevereiro
de 2019. Dentre as dez instituições selecionadas, duas não tiveram interesse em participar da
pesquisa e receber a visita. Nas oito visitas realizadas foi entregue uma carta com o projeto de
pesquisa e cópia da autorização da prefeitura, ocorreu uma conversa com a equipe gestora da
instituição e a visita aos diferentes espaços da instituição com o uso de registros fotográficos
em que não aparecessem as crianças.
Após as visitas, os dados dos CMEI’s foram organizados e comparados a fim de
elaborar critérios e selecionar a instituição para realização da pesquisa etnográfica. Os primeiros
critérios elaborados consistiam em considerar: interesse e acolhida por parte da instituição e a
organização da sala de referência. As três instituições selecionadas nesta última etapa
83

demonstraram vontade de receber a pesquisa e interesse pela temática, assim como variedade
de materiais e brinquedos ofertados.
A fim de fazer a seleção do campo, dois critérios adicionais foram elaborados a fim de
realizar uma análise das três instituições pré-selecionadas após a visita e compreender melhor
o contexto das instituições, foram eles os dados socioeconômicos do bairro e o uso realizado
pela equipe dos outros espaços do CMEI, dada sua planta arquitetônica. Dentre as três
instituições, duas delas localizavam-se em bairros com os piores indicadores do município,
estando em quase todos os indicadores abaixo da média da cidade.
Os CMEI’s visitados também tinham diferentes padrões arquitetônicos devido ao
período em que foram construídos, sendo marcados pelas concepções pedagógicas em
circulação nos períodos correspondentes. Dentre os dez CMEI’s selecionados para a pesquisa,
quatro modelos diferentes de construção foram observados. Dois destes modelos se mantiveram
após a exclusão das outras instituições durante a análise dos critérios anteriores. Dentre as três
instituições pré-selecionadas ao final, observamos que eles têm histórias distintas quanto ao ano
de fundação e o padrão arquitetônico, tendo três estruturas diferentes.
O CMEI selecionado para a realização da pesquisa era o mais antigo dos três e, na
visita inicial, havia sido possível observar o uso criativo dos espaços realizado pela equipe
pedagógica, em um processo de ressignificação do padrão arquitetônico, além do trabalho
realizado de organização do acervo material. Em contraposição, as outras duas instituições
tinham uma planta mais recente e nas quais não foi possível observar um uso diferenciado dos
espaços. Neste sentido, o uso criativo dos espaços do CMEI dada a planta arquitetônica foi um
critério de inclusão.

3.2.2 O CMEI PORTO SEGURO

A partir dos critérios expostos acima, o CMEI Porto Seguro foi selecionado para a
pesquisa de campo. Ele tem 30 anos, tendo sido construído no ano de 1988, e é uma das
instituições mais antigas do município de Curitiba, além de ter sido construído no período de
maior ampliação da rede. Abaixo, apresentamos o mapa político do Brasil, a fim de situar a
cidade de Curitiba (Figura 3). O CMEI Porto Seguro situa-se no bairro da Cidade Industrial, na
administração regional de mesmo nome, conforme pode ser observado no mapa abaixo (Figura
4) e indicado com um círculo vermelho. O mapa abaixo apresenta as regionais de Curitiba e as
delimitações internas dos bairros.
84

Figura 3 – Mapa do Brasil Político

Fonte: IBGE, Diretoria de Geociências (2020).

Figura 4 – Mapa da cidade de Curitiba

Fonte: IPPUC, 2015


85

O CMEI Porto Seguro, no ano de 2019, atendia a 79 crianças de um a quatro anos de


idade, organizadas em três turmas, Berçário II, Maternal I e Maternal II. A equipe de
profissionais era formada pela diretora, pedagoga, secretário e 11 professoras, além da lactarista
e profissionais de serviços gerais73.

3.2.3 OS DADOS PRODUZIDOS: ENTRE TEXTOS E IMAGENS

A pesquisa de campo aconteceu durante os meses de março a dezembro de 2019. As


visitas do estudo exploratório foram realizadas durante o mês de fevereiro e início de março e
devido ao processo de familiarização das crianças, as visitas regulares ao CMEI Porto Seguro
foram realizadas a partir do mês de abril. Ao todo, foram vinte idas entre os meses de abril e
junho, sendo dezessete dias com as crianças, dois momentos para realização do inventário de
materiais da sala de referência e um dia de reunião com as famílias. A permanência com a turma
do berçário ocorreu duas vezes por semana, sendo uma observação às quartas durante toda a
jornada (8 horas) e outra às sextas no período da manhã (3 horas). O quadro abaixo (Quadro 4)
apresenta as idas a campo e o tempo de permanência na instituição.
Durante os meses de setembro a novembro, ocorreram as entrevistas com a diretora e
com as professoras da turma, assim como a finalização do inventário de materiais, sendo
fotografados e catalogados todos os materiais disponíveis na instituição. Durante esse período,
foram feitas devolutivas para a equipe do CMEI, famílias e crianças 74 a partir de materiais
elaborados especificamente para cada um desses grupos.
Cada uma das ferramentas metodológicas – diário de campo, registros fotográficos,
audiovisuais e entrevistas – possibilitou uma nova perspectiva sobre o campo de pesquisa e
exigiu um processo distinto de organização dos dados. As devolutivas para as pessoas
envolvidas na pesquisa, a instituição, as famílias e as crianças também envolvem estratégias
diferentes. Estas questões são apresentadas a seguir.

_______________
73
Na Parte I do Capítulo IV será ampliada esta apresentação da instituição com uma descrição dos espaços.
74
Como exposto previamente, a devolutiva para as crianças também ocorreu durante o próprio processo.
Diariamente, elas viam as fotos tiradas e sentavam ao meu lado para observar a câmera. Eu também contava
para elas o que estava escrito no caderno.
86

Quadro 4 – Idas a campo e tempo de permanência no CMEI Porto Seguro


Qtd Duração visita Descrição
1 2 horas Preparação e realização de reunião com as famílias das crianças para
Primeiro Semestre

apresentar a pesquisa e entrega de TCLE.


2 4 horas Realização do Inventário de Materiais da Sala de Referência.
7 8 horas Permanência com a turma do berçário durante a jornada completa, das 8h30
às 16h30.
10 3 horas Permanência com a turma no período da manhã, das 8h30 às 11h30.
3 4 horas Realização do Inventário de Materiais da Instituição (mobiliário, brinquedos
e objetos disponíveis nas outras salas).
2 8 horas Realização do Inventário de Materiais da Instituição (mobiliário, brinquedos
e objetos disponíveis nas outras salas).
1 3 horas Grupo Focal com as Professoras do Berçário
Segundo Semestre

1 2 horas Entrevista com a Diretora da Instituição


1 4 horas Devolutiva para a equipe do CMEI – apresentação de resultados da pesquisa
e reflexão sobre a elaboração de narrativas visuais como documentação
pedagógica.
1 3 horas Devolutiva para os bebês – entrega de livro com fotos e textos que revelam
parte dos registros feitos.
1 1 hora Devolutiva para as famílias – apresentação de uma narrativa em formato
digital com textos e imagens.

Fonte: A autora (2020)

3.2.3.1 Diário de Campo


A escrita do diário de campo foi realizada sempre após a visita à instituição ou durante
o momento de descanso das crianças. As narrativas visuais se fizeram presentes em alguns
pontos deste relato para auxiliar na construção da memória e para fazer um exercício de
construção do texto a partir da composição com as imagens. Estes registros eram compostos
por uma descrição detalhada das ações das crianças, registros de cheiros e sons, assim como
pensamentos, percepções e sensações que emergiam durante o processo de observação,
considerando sempre o papel exercido pela pesquisadora no campo. Ou seja, palavras e gestos
de crianças e adultos foram descritos, pois é fundamental considerar as ações das crianças a
partir de uma abordagem relacional.
87

3.2.3.2 Fotografias e vídeos


Ao reconhecermos a subjetividade presente na produção das imagens e dos vídeos, é
importante refletir acerca do modo como eles são realizados e discorrer sobre algumas decisões
que envolvem esse processo. Desde o início, eles foram feitos na altura das crianças, garantindo
a captura de uma imagem que refletisse o campo de visão delas e que revelasse também a
postura que foi assumida no decorrer da investigação, pois uma foto feita na altura das crianças
também comunica que o sujeito por trás da câmera se encontrava na altura delas. Ainda assim,
em algumas situações, se fez necessário registrar imagens desde cima, de longe ou a partir de
novos pontos de vista a fim de capturar as interações das crianças ou de comunicar melhor
aquilo que era observado.
Ambos os registros, em foto e vídeo, foram feitos com o uso de câmera fotográfica
semiprofissional com écran digital. As fotografias tiveram quatro usos distintos:
1. O primeiro deles foi o de fazer o registro das materialidades, sendo realizadas
fotos de cada objeto disponível em sala e de todos os brinquedos e materiais
da instituição aos quais pude aceder. Estas imagens foram utilizadas para a
construção do inventário e para a produção de fichas utilizadas no grupo focal
realizado com as professoras.
2. O segundo tem caráter exploratório, pois ao acompanhar o cotidiano das
crianças era preciso observar as suas ações e brincadeiras a fim de escolher
quais eventos registrar. Ou seja, elas guiavam o olhar durante a observação.
Assim, antes de escolher um evento a ser registrado, fotos diversificadas eram
realizadas, acompanhando o momento exploratório da ação das crianças diante
de novos materiais e também como um exercício para a construção do olhar.
Isto possibilitou uma interpretação do que o grupo estava vivendo, situando o
evento.
3. O terceiro refere-se a fotos feitas para registrar mudanças de materiais da sala
de referência ou a sua reorganização, transições entre espaços diferentes do
CMEI e marcações de momento da rotina. Estas fotos ajudavam a mapear o
ocorrido em cada dia e a fazer a escrita do diário de campo.
4. O quarto uso compõe a maior parte dos dados produzidos, visto que ao
registrar as ações das crianças, buscamos construir sequências que narrassem
uma mesma brincadeira ou interação com um objeto. As fotos em sequência
garantem a possibilidade de observar os olhares dos bebês, as mudanças de
posturas, a chegada de outros bebês ou o encontro com novos materiais. Ou
88

seja, algumas fotos – juntamente com vídeos – compõem a narração de uma


mesma situação de interação, construindo o evento enquanto um processo e
simultaneamente, um acontecimento.
Os vídeos foram realizados sempre com a câmera em mãos, possibilitando que as
crianças visualizassem o écran quando se aproximassem e para que pudessem ver que estavam
sendo registradas. Esta foi a única forma de uso desta ferramenta metodológica, ou seja, a
câmera nunca foi deixada sobre um balcão e os bebês sempre puderam observar os momentos
em que essa ferramenta estava sendo utilizada. Alguns vídeos curtos também foram realizados
no processo de produção do inventário para registrar aspectos relacionados à sonoridade e
interatividade dos brinquedos.
Durante o decorrer do campo foram realizadas 9412 fotografias e 442 vídeos.
Simultaneamente à pesquisa de campo, cada foto e vídeo foi renomeado para auxiliar na
categorização desses eventos: eles foram datados, numerados e renomeados com o nome das
crianças e dos materiais presentes na imagem. Esta pré-categorização auxiliou na organização
dos dados e promoveu o pensamento reflexivo durante a produção dos dados.

3.2.3.3 Entrevistas
Duas situações de entrevista foram vividas: com a diretora e com a equipe de professoras
da turma do berçário em formato de grupo focal. Estas ferramentas ajudam a compreender o
contexto em que os bebês agem e os sentidos produzidos pelas professoras ao habitarem a sala
de referência.
A entrevista com a diretora da instituição teve por objetivo produzir dados para uma
análise do provimento material da creche, a fim de descobrir como estas materialidades
passaram a fazer parte do acervo desta instituição. Ela teve duração de uma hora e meia e
ocorreu no espaço da instituição no mês de dezembro de 2019 com um roteiro de entrevista
com perguntas semi-estruturadas.
A entrevista coletiva com as três professoras da turma também foi uma estratégia para
visibilizar os sentidos produzidos no cotidiano da prática educativa, visto que as materialidades
às quais as crianças têm acesso são em grande parte resultado das decisões da equipe docente.
No grupo focal foram utilizadas fichas dos materiais da sala, construídas a partir das imagens
produzidas para o inventário a fim de provocar o diálogo sobre os materiais por meio do
exercício de categorização das fichas. A entrevista ocorreu em uma sala reservada do Edifício
89

Teixeira Soares, Campus Rebouças da UFPR, no período da noite, com duração de duas horas
e com a presença de uma auxiliar de pesquisa75.
Esse momento foi organizado em três etapas distintas: na primeira, foram realizadas
perguntas semi-estruturadas sobre a organização da sala de referência do berçário e seleção de
brinquedos e materiais; na segunda, foram apresentadas as fichas que continham todas as
materialidades disponibilizadas aos bebês no primeiro semestre de 2019 e as professoras foram
convidadas a conversar sobre a trajetória desses materialidades e a forma como elas eram
utilizadas no cotidiano para em seguida categorizá-los (Figura 5); na terceira, foi apresentado
um croqui da planta da sala e elas realizaram juntas a tarefa de escolher quais materiais
gostariam de disponibilizar aos bebês e como os organizariam na sala em uma nova
oportunidade.

Figura 5 – Tarefa do grupo focal: categorização das materialidades

Fonte: A Autora (2020)

As propostas realizadas conjuntamente pelas professoras permitiram que elas iniciassem


discussões a partir de suas hipóteses e compreensões acerca do uso de cada materialidade, o
que evidenciou as situações em que elas discordavam e concordavam umas com as outras.
Desse modo, diante da intimidade e da relação construída entre elas, essas tarefas foram
importantes para impulsionar o debate. Também foi a partir do uso das fichas que a
materialidade pôde ocupar o foco do diálogo estabelecido. Ou seja, foi criada uma oportunidade
na qual elas puderam transformar em palavra, linguagem verbal, os significados produzidos
cotidianamente no encontro com as materialidades, o vivido.

_______________
75
A Ana Luisa Manfredini, graduanda de Pedagogia e professora de bebês, ofereceu suporte voluntário para a
realização das etapas finais da pesquisa de campo (novembro e dezembro), atuando como assistente de pesquisa.
Durante a realização do grupo focal, ela auxiliou com os registros escritos e de imagem.
90

3.2.3.4 Organização dos dados e categorias de análise


Uma primeira estratégia utilizada para organização dos dados e compreensão dos
sentidos atribuídos pelos bebês às materialidades foi a de unificá-los no registro de uma mesma
situação. Isso possibilitou a narração das situações de interação com as materialidades por meio
do conjunto de fotos, vídeos e dos registros do diário de bordo, a fim de compreendê-las em
sua complexidade. Em alguns casos, estas interações estão anotadas somente no diário de
campo, pois não foi possível registrar em imagem o que estava sendo observado.
No decorrer da pesquisa, denominamos de eventos cada uma destas situações registradas
de interação dos bebês com a materialidade. A palavra evento remete à ideia de acontecimento,
de eventualidade e de encontro entre pessoas, expressa parte desse processo contínuo de
construção do espaço vivido e acolhe o inesperado. Em diálogo com as concepções de criança,
infância e espaço defendidas no decorrer de pesquisa, a noção de evento dialoga com a
compreensão do mundo enquanto uma “(...) pletora de eventos – ações e interações a partir das
quais tanto sujeitos quando conhecimentos emergem.” (GALLACHER; GALLAGHER, 2008,
p.511, tradução nossa).76
Novos encontros provocam novos eventos, portanto a cada entrada de uma nova
materialidade ou bebê, foi registrado um novo evento. Em alguns casos, os bebês abandonavam
ou acresciam novos objetos, do mesmo modo, alguns elementos convocam uma mudança na
brincadeira ou na ação dos bebês. Como, por exemplo, o som produzido por crianças em outro
espaço da sala ou a inusitada presença de uma sombra. Como exposto previamente, todas as
imagens tinham sido renomeadas em um processo de pré-categorização, o que possibilitou a
unificação automática dos registros em foto e vídeo. O quadro abaixo (Quadro 5)77 exemplifica
essa primeira etapa de organização dos registros.

Quadro 5 – Unificação dos arquivos de imagem para categorização


Registros Fotos e Vídeos Registros unificados – Eventos
04/12_37_Cadeira_Nathiely_Davi.JPG
04/12_38_Cadeira_Nathiely_Davi.JPG Cadeira_Nathiely_Davi
04/12_39_Cadeira_Nathiely_Davi.MOV
Fonte: A autora (2020)

_______________
76
No original: “(...) plethora of events – actions and interactions from which both subjects and knowledges
emerge.” (GALLACHER; GALLAGHER, 2008, p.511)
77
No Apêndice IV apresenta-se um quadro completo com os registros do dia 12/04/2019. É possível observar a
data, a numeração, a nomeação dos materiais e das crianças. Este quadro também mostra a forma como os
eventos foram organizados. Este foi um dia com uma quantidade menor de fotos, pois nos primeiros dias evitava
usar a câmera em algumas situações e fui inserindo-a progressivamente, ainda que ela tenha me acompanhado
no campo desde o primeiro dia da pesquisa.
91

Após esta primeira organização dos eventos, eles foram analisados individualmente e
confrontados com as anotações do diário de campo. Deste modo, os eventos foram revistos e
reorganizados em uma base de dados que abrangeu outras informações a partir do estudo
metódico dos registros em foto e vídeo, assim como do diário de bordo. A partir dessa revisão,
foram localizadas as unificações automáticas equivocadas e verificou-se que, ao todo, foram
registrados 2941 eventos.
Com isso, o registro de eventos final passou por um processo de análise em que consta
a descrição do evento (texto descritivo, sujeitos envolvidos, materialidades presentes, local,
data e ação dos bebês sob cada materialidade), tipo de registro (foto, vídeo e diário de campo)
e a sua categorização em uma das três grandes categorias de análise. Estas informações estão
reunidas no quadro abaixo (Quadro 6):

Quadro 6 – Organização dos eventos


Texto descritivo
Sujeitos
Materialidades
DESCRIÇÃO
EVENTO Local
(Título) Data
Ações dos bebês com cada materialidade
REGISTROS Tipo de registro produzido (foto, vídeo, diário)
CATEGORIAS Categorias de análise

Fonte: A autora (2020)

A partir da organização dos registros das fotos e vídeos em eventos foi possível
organizar novos quadros que tinham o objetivo de ajudar a identificar os sentidos produzidos
pelas crianças, individualmente e enquanto grupo, e a variedade de brincadeiras e de modos
com que as crianças se apropriam das materialidades. O exercício de pensar a construção do
espaço a partir de uma abordagem relacional também implica em compreender os sentidos
atribuídos pelas professoras às materialidades disponibilizadas às crianças. Estes sentidos
podem ser observados na forma como os materiais e microambientes78 da sala estão dispostos,
pois o espaço organizado para as crianças comunica a compreensão de criança e educação que
_______________
78
O termo “microambiente” é utilizado para referirmo-nos à organização da sala de referência em espaços
circunscritos nos quais são apresentadas propostas de brincadeiras para as crianças. Optamos por este termo
devido aos indicativos da pesquisa de Daniele Vieira (2016), que mobiliza o termo a partir dos estudos de Miguel
Zabalza acerca da organização da sala em cantos no livro “Didáctica de la Educación Infantil” (2016).
92

o orienta. Eles puderam ser observados pela forma como os materiais eram apresentados e
ressignificados no decorrer da jornada e por meio da entrevista. No decorrer do trabalho, nos
referimos a eles como a intencionalidade pedagógica de cada materialidade, compreendendo
que o valor pedagógico é atributo da ação docente.
O quadro abaixo (Quadro 7) exemplifica a forma como os eventos foram organizados
de acordo com as diferentes materialidades. Neste quadro, é possível visualizar os sentidos
atribuídos ao caixote plástico preto, o qual está presente cotidianamente em sala. Indica-se no
quadro os sentidos produzidos por adultos e bebês no decorrer dos eventos.

Quadro 7 – Organização dos eventos por materialidade


Caixote plástico preto
Intencionalidade pedagógica: organizador de livros no microambiente de leitura
Ações dos bebês Eventos
04/17_Caixote Livros_Lolo e Kaylan
04/17_Caixote Livros_Nathiely
Explorações com o corpo: subir,
04/17_Caixote Livros_Lívia e Lolo
entrar, empurrar, pular.
04/24_Caixote Livros_Lolo e Laura
06/19_Caixote Livros_Celular_Davi Betim e Mateus
04/24_Caixote Livros_PortãoS_Valentina e Yasmin
Suporte para alcançar outros 04/24_Caixote Livros_Trinco_Kaylan
materiais ou ver sob um novo ângulo 06/07_Caixote Livros_Valentina e Allan
06/19_Caixote Livros_Pedro, Nathiely e Kaylan
04/24_Caixote Livros_PortãoS_Valentina e Yasmin
Local para sentar e realizar outra 04/24_PortãoS_Caixote Livros_Lolo, Lívia e Valentina
atividade 04/24_Caixote Livros_Portão S_Laura
04/24_Caixote Livros_Nathiely
Local para acomodar-se e 06/07_Caixote Livros_Heloísa
permanecer 06/19_Caixote Livros_Nathiely
Suporte para brincadeira de esconder:
05/08_Caixote Livros_Mateus
cobrir o rosto.
Encher e esvaziar 04/24_Caixote Livros_Pedido_Davi Luccas
04/24_Caixote livros_Laura
Colocar no local definido pelas
05/15_Caixote Livros_Mateus
professoras
06/07_Livros_Caixote Livros_Heloísa
Fonte: A autora (2020)
93

Do mesmo modo, a fim de compreender melhor este processo de produção de


significados, os quadros organizados por bebê (Quadro 8)79 permitem verificar reiterações nas
brincadeiras e parte do processo de construção de culturas de pares.

Quadro 8 – Organização dos eventos por bebê


Bernardo
Sujeitos
Materialidade Ações Eventos
envolvidos
Professora 05/10_409_Almoço_Professora e Bernardo
Subir para pedir almoço
Patricia
Apoiar-se para Nathiely e 05/17_292_Espera almoço_Mesa_Kaylan_Bernardo
aguardar o almoço Kaylan Nathiely
Kaylan 05/24_451_Almoço_Kaylan_Allan_Bernardo
Apoiar-se para comer
Mesa 06/05_698_Sala_Alnoço_Bernardo_Kaylan
- 04/12_10_Flauta_Bernardo
Apoiar-se para ficar de Heloísa 05/03_23_Mesa_Bernardo e Heloísa
pé 05/15_84_Mesa_Cadeiras_Observação tapete_
Bernardo e Heloísa
Apoiar-se para observar - 06/19_352_Sala_Jogo cozinha_Mesa_Bernardo
Apoiar-se para ficar de Heloísa 05/15_84_Mesa_Cadeiras_Observação tapete
pé _Bernardo e Heloísa
Subir para ver imagem - 05/31_234_Imagens
Cadeira colada no escaninho juninas_Bernardo_Cadeira_Pesquisadora
Valentina, 06/26_29_Cadeira_ Bernardo_Valentina
Explorar a estrutura
Allan,
metálica com ela virada
Pedro
Apoiar-se para olhar e Professora 05/24_172_Potes_Fome_Bernardo
pedir o almoço Patricia
Apoiar-se para apontar Professora 06/05_139_Sala_Balão_Bernardo
Escaninho
para objeto Milena
Apoiar-se para tocar no - 06/05_246_Sala_Rádio_Bernardo
rádio
- 05/31_117_Cesto dos Tesouros_Tampa
Tampa Girar no chão
jarra_Girar_Bernardo
- 05/31_186_Cesto dos
Girar no chão
Tesouros_Mouse_Graveto_Girar_Bernardo
Mouse
Secretário 05/31_352_Massinha de modelar_Sala
Arrastar
direção_Valentina, Allan, Lolo, Bernardo
Girar no chão - 05/17_281_ Esponja girar_ Bernardo
Esponja Allicia 05/31_188_Cesto dos Tesouros_Esponja _
Pressionar
Bernardo e Allicia.JPG
Fonte: A autora (2020)

_______________
79
O Quadro está apresentado parcialmente no corpo do texto. No Apêndice V é possível localizar o quadro na
íntegra do Bernardo.
94

No caso do Bernardo, por exemplo, foi possível observar a frequência com que ele se
apoiava nos escaninhos para alcançar outros materiais recém-modificados de lugar ou, ainda,
para ficar de pé durante o processo de conquista da marcha. A mesa e a cadeira também eram
utilizadas por ele para essas mesmas finalidades.
Além disso, a mesa também foi lugar de encontro para a relação construída com o
Kaylan, pois ele o procurava nos momentos do almoço ao invés de aguardar que uma das
professoras o chamasse. Sempre que o Bernardo se posicionava ao lado do Kaylan durante o
almoço, ele dividia o seu prato de comida. O Bernardo percebeu que o Kaylan era o único bebê
que parecia não se incomodar com a presença das outras crianças durante o almoço e que dividia
a sua comida quando solicitado e, portanto, quando estava com fome a aguardando pela sua
vez, se levantava e solicitava o alimento ao Kaylan. Além de apoio para permanecer em pé, a
mesa se transformava em um ponto de conexão entre as ações de ambos os bebês.
A repetição de um mesmo modo de atuar também apareceu no uso de materiais não-
estruturados, pois o Bernardo também retomava uma mesma investigação, a de fazer os objetos
girarem. Ele sabia como e onde segurar os objetos para que eles girassem sob seu próprio eixo.
Ele repetia essa ação com a esponja, o mouse e a tampa. O quadro organizado por bebê (Quadro
8) ajudam a observar estas produções simbólicas e a elaborar categorias de análise. Do mesmo
modo, permitem observar quais interações com a materialidade foram registradas, o que oferece
elementos para a elaboração de categorias das materialidades.
É importante destacar que tanto o exercício de quantificação dos eventos –
inicialmente por meio de ferramenta automática e, em seguida, a partir de uma análise e do
confronto entre o diário de campo e os registros de imagem -, assim como de elaboração dos
quadros foi fundamental para organizar e registrar o processo de reflexão acerca dos dados,
assim como para a sua sistematização e elaboração das categorias de análise. Neste sentido,
eles contribuíram para o processo de interpretação e análise dos eventos na medida em que
ajudaram a identificar os grupos de pares mais recorrentes, os repertórios mobilizados com
maior frequência pelo grupo de bebês e as preferências dos bebês por alguns brinquedos, locais
ou materiais específicos.
Contudo, eles também provocaram um conjunto de reflexões quanto aos
procedimentos de pesquisa e suas potencialidades, indicando alguns de seus limites e
provocando novas reflexões sobre a cultura dos bebês e a materialidade da experiência. Isto
ocorreu porque estes exercícios de sistematização tornaram evidente o confronto da lógica
adulta, que impera nos procedimentos de pesquisa, com o dinamismo e a fluidez que
caracterizam a ação dos bebês e as relações construídas entre eles e as materialidades.
95

Ou seja, ainda que a quantificação, categorização e descrição dos eventos ajudem a


elaborar algumas conclusões iniciais, o reconhecimento dos bebês enquanto sujeitos de
pesquisa e o ímpeto de realizar uma pesquisa comprometida com a ética, nos impele a
reconhecer os limites destes quadros. Para os bebês, não parecia haver um início e final
determinado de uma brincadeira, pois os contínuos encontros pareciam compor parte de um
mesmo evento80. Da mesma forma, ainda que os materiais e brinquedos fossem distintos entre
si e evocassem imagens específicas, muitas vezes acionadas nas brincadeiras, a forma inusitada
com que os bebês se relacionavam com eles aponta para o fato de que as classificações das
materialidades e das brincadeiras são uma ferramenta teórico-prática de interpretação da
realidade própria da lógica dos adultos81.
O inventário das materialidades do CMEI, por sua vez, permitiu descrevê-las e analisar
as suas características a partir do seu aspecto material e das significações (BROUGÈRE,
2010a). A própria classificação das materialidades passou por mudanças durante o processo,
visto que novos itens foram identificados e produziram um confronto das categorias pré-
estabelecidas, assim como provocaram a necessidade de elaborar diferentes critérios de
categorização: segundo a intencionalidade pedagógica, o processo de produção ou a origem e a
matéria (plástico, madeira, fibras têxteis, borracha, dentre outros).
No quadro abaixo (Quadro 9) apresentam-se as categorias pedagógicas por meio das
quais as materialidades foram classificadas e com as quais as professoras operam na
organização do espaço da sala e no processo de seleção de quais materialidades serão ofertadas
aos bebês.

Quadro 9 – Classificação das Materialidades

CATEGORIZAÇÃO PEDAGÓGICA
CATEGORIA DESCRIÇÃO MATERIALIDADES
Brinquedos interativos com pilha ou bateria, jogo de
Materialidades que são
construção de borracha, jogos de construção com peças
Brinquedos comercializadas como
plásticas grandes, chocalhos, mordedores, miniaturas
para Bebês produtos exclusivos para
emborrachas com apito, brinquedos com estímulos sensoriais.
bebês.

Brinquedos
Brinquedos de
comercializados para a Jogos de encaixe diversos e blocos de madeira.
Construção
brincadeira de construção

_______________
80
A reflexão acerca do dinamismo dos eventos é explorada no decorrer da seção 4.2. Nesta parte da análise é
possível nos aproximarmos à dinâmica dos bebês de encontro e relação com as coisas e o espaço.
81
Os sistemas funcionais criados pelos bebês e o dinamismo do brincar são objeto de análise, respectivamente,
das seções 4.3 e 4.4.
96

Jogos de lógica
Jogo da memória, Dominó, Uno, Quebra-cabeça variados,
Jogos comercializados e/ou
Jogos de encaixe, Resta-Um e Tangram.
produzidos na instituição
Materiais de
Materialidades utilizadas
Leitura e Fantoches, dedoches, um cenário para a história dos três
para a contação e leitura de
Contação de porquinhos e livros de papel, tecido ou plástico
histórias
Histórias
Arma de brinquedo, banheira, bichos de pelúcia variados,
bonecas brancas e negras, boneco, abayomis, itens de cozinha,
roupas de boneca, telefones, computadores, itens de cuidado
Materialidades
Materiais de de saúde (estetoscópio, termômetro...), itens de salão de beleza
apresentadas às crianças
Jogo (secador de cabelo, prancha de cabelo...), carrinhos, carrinho
em contextos de jogo
Simbólico de boneca, carrinho de praia, comidas, fantasias, furadeiras,
simbólico.
instrumentos musicais, pista de carrinhos, tábua de lavar
roupa, móveis de casinha, miniaturas comerciais.

Instrumentos Clavas, instrumentos produzidos na instituição, painéis


Instrumentos musicais
Musicais sonoros e flautas.
Materiais pedagógicos Jogos de memória e dominó de correspondência entre a
Materiais de
para a aprendizagem da palavra e a imagem, blocos com letras impressas, alfabeto
Letramento
linguagem escrita móvel.
Materiais de
Brinquedos de areia Baldes, pás, rastelos, peneiras e forminhas.
Manipulação
Materiais de
convite ao Materiais comercializados Bolas variadas, cordas, elásticos, escorregador, gangorra,
para práticas corporais. balanço, túnel infantil (minhocão), bambolês e triciclos.
Movimento82
Materiais confeccionados
Materiais de
pelas professoras para a Fotos das crianças para a chamada, caixa sensorial, caixa
Práticas
vivência de práticas com o surpresa, kit de cardápio.
Pedagógicas
grupo de crianças.
Papel sulfite branco e colorido, Papel kraft branco, Papel kraft
Materiais para a
Materiais pardo, celofane, plástico-bolha, carimbos, caixas de papelão,
exploração das linguagens
Grafo- cola, cola colorida, caneta hidrocor, lápis de cor, giz de cera,
gráficas, pictóricas e
plásticos giz de quadro, massinha de modelar.
modelagem.
“(...) Materiais não
orientados para um uso Argolas, areia, bacias, baldes, batedor de carne, blocos de
unívoco e predefinido, mas madeira variados, bolinhas de gude, bolinhas pula-pula, bucha
que sugerem combinações vegetal, cabaças, caixas de papelão, caixas de ovos, canecas,
abertas e que preveem uma canos de PVC, carreteis variados, cestas, cilindros de papelão,
possibilidade de ações cilindros de madeira, casca de coco, colher de pau, colher
Materiais
flexíveis e combinadas.”83 medidora, conchas, copos, copos medidores, descanso de
Não-
(GUERRA, 2017, p.18, panela, esponjas, forminhas de empadinha, forminhas de
estruturados
tradução nossa), podendo queijadinha, grampos de roupa, gravetos, latas, lixa de unha,
ser elementos naturais molduras, pedras, peneiras, pinhas, pipetas, potes, pratos,
coletados ou que passaram primas vazados, retalhos de tecido, rolos de micropore,
por transformações por tampas, toras, terra, cantoneiras, vasos e xícaras.
meio da ação humana,
contáveis ou incontáveis.
Fonte: A autora (2020)

_______________
82
A escolha dessa terminologia indica a principal função para a qual esses objetos foram criados, pois são materiais
que convidam ao movimento corporal. Isso não significa que os demais não possibilitem o movimentar-se e, do
mesmo modo, que as crianças não os utilizam para outras finalidades.
83
No original: “(...) materiali non orientati a un utilizzo univoco e predefinito, ma che suggeriscono combinazioni
aperte e che prevedono uma possibilità di azioni flessibili e composite.” (GUERR, 2017, p.18).
97

A classificação de acordo com a produção/origem foi necessária para que pudéssemos


aprofundar a reflexão sobre a forma como o espaço da creche se constrói a partir de processos
locais e globais84 (Quadro 10). Do mesmo modo, torna visível as plurais trajetórias que as
materialidades percorrem até chegarem aos bebês.

Quadro 10 – Classificação segundo processo de produção/origem


PROCESSO DE PRODUÇÃO/ ORIGEM
TIPO DESCRIÇÃO MATERIALIDADES
Indústria Materialidades produzidas e Blocos de construção, Jogos de encaixe, brinquedos
educacional distribuídas em larga escala para o interativos, chocalhos, dados, miniaturas comerciais,
e/ou infantil consumo em instituições miniaturas com apitos, miniaturas de animais, móbiles,
educativas ou enquanto bens mordedores, pelúcias, instrumentos musicais, jogos de
infantis. lógica, alfabeto móvel, brinquedos para areia, bonecas,
brinquedos de casinha, brinquedos de salão, brinquedos
de cuidados de saúde, armas de brinquedo, banheira de
brinquedo, carrinhos, cabides, casinhas em miniatura,
bolas, escorregador, gangorra, túnel infantil, peteca,
triciclos, carimbos, baldes, cordas, elásticos.

Produção Materialidades com Dedoches, fantoches, cenário história, cestos de vime,


local características de produção local e carrinho de madeira, pista de carrinhos, comidas de
elaboração artesanal. feltro e móveis de casinha.

Elementos Elementos provenientes da Cabaças, casca de pinus, casca de côco, conchas,


naturais natureza, coletados ou gravetos, pedras, pinhas e toras de madeira.
coletados comprados.

Reuso Materialidades utilizadas com Roupas de adultos e crianças transformadas em


finalidade distinta para a qual fantasias, frasco de desodorante, itens de escritório, itens
foram originalmente produzidas, de médico, itens de salão, mamadeiras, tábua de lavar
provenientes de doações, compras roupa, argolas, bacias, batedor de carne, pedaços de
ou recuperadas de descarte. madeira, bola de piscina de bolinha, bolinhas de gude,
bolinhas pula pula, bucha, caixas de papelão, caixas de
ovos, canecas, canos de PVC, carreteis, clava, copos,
esponjas, forminhas, grampos de roupa, latas, lixa de
unha, peneira, mouse, molduras, pipetas, potes, pratos,
retalhos, rolos de papelão, rolo de micropore, tampas,
vasos e xícaras.

Elaboração Materialidades elaboradas pelas Bonecas artesanais, abayomis, Caixas Papelão


CMEI professoras com materiais de customizadas, Fantasias customizadas, garrafas
reuso e/ou de almoxarifado. sensoriais, instrumentos de música, painéis sonoros,
jogos, fotos para a chamada, kit de imagens para
cardápio.
SME Brinquedo produzido pela SME e Jogo de percurso elaborado pelas crianças de outro
entregue para as instituições CMEI.

Mercado Livros técnicos e de literatura. Livros infantis e de estudo para as professoras.


Editorial
Fonte: A Autora (2020)

_______________
84
Esta discussão é apresentada de forma aprofundada na primeira seção do capítulo quatro.
98

Ressalta-se que os bebês por vezes fizeram usos distintos dos previstos, tensionando o
significado de cada uma das categorias pedagógicas do brinquedo. No decorrer do trabalho,
elas são apresentadas e problematizadas a fim de considerar os sentidos produzidos por bebês
e adultos em uma perspectiva relacional85. Ou seja, eles mobilizam diferentes características
das materialidades em suas brincadeiras ou atribuem novas funções aos objetos que escapam
de quaisquer tentativas de padronização ou categorização a priori. Do mesmo modo, eles se
constituem a partir do encontro com as materialidades.
O gráfico abaixo (Figura 6) também permite observar que a maior parte dos eventos
registrados envolveram o uso de materiais não-estruturados, brinquedos de jogo simbólico e a
ressignificação dos itens do mobiliário e de elementos estruturais. Juntos, os eventos que
envolveram o uso desses quatro tipos de materiais, representam 74% da amostra, sendo que os
dois primeiros grupos incluem 47% das situações analisadas. Este registro guarda relação com
frequência com a qual os materiais eram apresentados aos bebês, com o fato de que o grupo foi
poucos momentos aos espaços externos – somente em cinco momentos no decorrer da pesquisa
de campo – e com as escolhas dos bebês sobre quais materialidades utilizar. Também é
importante destacar que parte dos materiais disponíveis no CMEI e citados no Quadro 9 não
eram disponibilizados para os bebês, deste modo, as materialidades citadas no gráfico abaixo
são aqueles apresentados aos bebês no primeiro semestre de 2019.
A frequência dos eventos que envolvem a exploração e ressignificação de “brinquedos
para bebês” parece estar diretamente associada às escolhas dos bebês em relação a quais
materiais explorar, visto que essas materialidades eram ofertadas diariamente e, muitas vezes,
permaneciam espalhadas pela sala sem que as crianças interagissem com elas. Nessas situações,
os pertences pessoais, mobiliários e elementos estruturais eram transformados por meio da ação
das crianças. Na contramão, os eventos envolvendo os “Materiais grafo-plásticos”, “Materiais
de Convite ao Movimento” e “Brinquedos de Construção” estão relacionados a oferta ocasional
destes materiais. Ressaltamos que situações que envolveram livros, brinquedos de pelúcia e
elementos naturais não foram incluídas no gráfico por representarem uma quantidade menor de
eventos, correspondentes juntos a 5% da amostra.

_______________
85
A categorização dos materiais é objeto da primeira parte do capítulo 4.
99

Figura 6 – Distribuição dos eventos de acordo com a classificação das materialidades


100%
3000 90%
80%

Percentual acumulado
2500
70%
Quantidade

2000 60%
50%
1500
40%
952
1000 779 30%
620
20%
500 288 192 166 145 98 10%
56
0 0%

de Construção
Pertences

Brinquedos
Não-Estruturados

Mobiliário

Materiais de Convite
Jogo Simbólico

Estruturais

Grafo-Plásticos
Elementos

para Bebês
Pessoais

Brinquedos
Materiais de

Materiais

ao Movimento
Materiais

Fonte: A autora (2020)

A partir dos dados expostos acima, as categorias elaboradas para análise dos eventos,
considerando a ação das crianças e as materialidades são as seguintes:

- Modos de ocupar o espaço: vagar e divagar - esta categoria surge a partir dos eventos
registrados em que os bebês circulavam pelo espaço, com ou sem objetos em suas mãos,
parecendo integrar-se ao contexto e modificar suas ações com base nos encontros que
aconteciam. Em diversas situações, os bebês moviam-se pelo espaço, explorando os
modos como seus corpos se encontravam com as coisas. São eventos em que são
narradas essas vivências espaciais dos bebês e nos quais se manifesta a impossibilidade
da compreensão dos sentidos atribuídos por eles aos objetos. A experiência do
movimento e do espaço aparecem como formas de estar e produzir o mundo. Além
disso, são narrados seus encontros com as coisas a partir daquilo que o encontro com
elas convoca.

- Uso funcional dos objetos – esta categoria é produzida a fim de que se possa narrar os
eventos nos quais os bebês apropriaram-se dos sentidos produzidos socialmente pela
cultura, expressa nas intencionalidades pedagógicas ou no conteúdo simbólico dos
objetos, ou criaram uma nova função para as coisas sem transformá-las em brinquedo.
100

- A coreografia do brincar – a partir desta categoria são apresentados os eventos nos quais
os bebês brincavam com as coisas e transformavam-nas em brinquedos. Foi possível
observar a reiteração de brincadeiras por um mesmo bebê ou por um grupo, os processos
de ressignificação e criação de brinquedos a partir dos materiais não-estruturados ou de
jogo simbólico e a recriação pelo grupo de bebês de rituais construídos pelas professoras
para a organização da rotina. São momentos nos quais elas agiam sobre os bebês,
fazendo-os alterar suas brincadeiras e ações a partir dos encontros com a materialidade.

3.2.4 HABITAR A ESCOLA REAL: OS BEBÊS E O CAMPO DE PESQUISA

Produzir uma pesquisa comprometida com os bebês significa criar espaços no texto
que permitam que nos aproximemos deles e conheçamos um pouco sobre seus modos de agir
na relação com o mundo e com o outro. Falar sobre quem eles são é um grande desafio, pois o
que se conhece de cada um foi aquilo que permitiram que fosse descoberto, aquilo que
desejaram apresentar e trazer para a relação construída com a pesquisadora no decorrer do
campo.
Nesse sentido, é possível contar sobre o que construímos juntos e sobre o que eles
mostraram. Chamá-los pelo nome é comprometimento ético com os processos vividos por eles
e falar da relação construída é reconhecer que quem pesquisa se torna parte do contexto
observado. Habita-se a escola real86 enquanto uma reunião de vidas (INGOLD, 2012) da qual
passamos a fazer parte assim que nos aproximamos dela.
Por isso, essa seção encerra com uma reflexão em primeira pessoa sobre o processo de
entrada em campo, no qual os preceitos éticos se concretizam conforme se constrói uma relação
entre quem faz a pesquisa e os adultos e bebês que já habitam esse espaço. Do mesmo modo,
apresentam-se os bebês participantes da pesquisa.
Como mencionado anteriormente, no momento da devolutiva aos bebês foi construído
um livro impresso com capa artesanal que pudesse acompanhá-los no decorrer de sua trajetória
no CMEI e que contasse um pouco do vivido no decorrer do tempo permanecido em campo.
Este material começa com o título “Os Bebês e a Materialidade” e, em seguida, contêm a foto
e o nome de cada um dos bebês que participaram da pesquisa.

_______________
86
No final do capítulo 2 é feita uma referência à casa real (INGOLD, 2012), aqui retomamos a metáfora da escola
real apresentada durante a reflexão.
101

Também é com estas imagens que os bebês são apresentados neste trabalho. Cada uma
dessas fotos foi selecionada a partir de registros do diário de campo que indicavam os momentos
em que os bebês se aproximavam, demonstravam gostar de uma imagem vista no écran da
câmera, quando solicitavam que fosse feito um retrato deles ou ainda em uma situação de
brincadeira em que a minha participação fosse requisitada pelos bebês. Ao lado de cada uma
dessas fotos, está indicado o primeiro nome, a data de nascimento e a situação em que a foto
foi feita.
O reconhecimento dos bebês enquanto participantes da pesquisa, o permanente
exercício da reflexividade e o confronto com os preceitos éticos implicam em reconhecer essas
situações nos quais os bebês parecem consentir com a realização da pesquisa e desejar a
construção de uma relação com a pesquisadora. Esta é uma afirmação possível a partir de uma
escuta sensível e do reconhecimento da sutileza com as quais os bebês informam que estão
sentindo-se à vontade com a presença de quem realiza a pesquisa. De modo mais amplo, isto
significa defender os direitos das crianças e garantir o seu melhor interesse durante o tempo
todo em que se realiza a pesquisa.
Nesse sentido, os registros fotográficos de cada bebê, ainda que autorizados por seus
familiares, passou a se realizar somente após as primeiras aproximações dos bebês. Situações
nas quais eles me procuraram com o olhar, sorriram, caminharam até mim ou engajaram-me
em brincadeiras. Esses momentos também se repetiram no decorrer do semestre, quando alguns
bebês construíram modos específicos de relacionarem-se comigo, assim como quando
alteravam a posição onde eu me encontrava na sala (puxando-me pela mão para outros lugares),
apropriavam-se do meu colo, das minhas ferramentas (câmera e diário) ou negociavam aquilo
que eu podia ou não fazer em campo.
As imagens apresentadas abaixo são, deste modo, representantes de um largo processo
de construção da relação com os bebês, em que os nossos papeis estavam em constante
negociação. O reconhecimento da agência das crianças implica nesta fluidez das relações e em
um reposicionamento constante. As situações narradas no quadro abaixo (Quadro 11) marcam
momentos marcantes nos quais cada bebê indicou que eu poderia me aproximar deles e a partir
dos quais passamos a construir a nossa relação.
102

Quadro 11 – Apresentação dos bebês participantes da pesquisa


Alice - 22/08/2017
Situação na qual ela me procurou e permaneceu sustentando o olhar até que
eu me levantasse e a acompanhasse em sua “fuga” pelo portão do solário.

Allan - 13/01/2018
Momento no qual ele brincou de se esconder atrás da cortina: procurando-
me, desaparecendo e voltando a me encontrar; engajando-me, com isso, em
sua brincadeira.

Allicia
13/01/2018
Momento em que ela me procurou com o olhar enquanto explorava um pneu
da área externa apesar da distância em que eu me encontrava.

Beatriz - 20/09/2017
Situação na qual ela me chamou para ver a foto de sua família na parede. Ela
caminhou na direção da parede, olhando para trás para observar se eu a
acompanhava.

Bernardo - 22/09/2017
Foi a primeira criança a se aproximar no dia em que a pesquisa de campo
começou. Ele apoiou-se na mesa e caminhou até mim, permanecendo ao
meu lado enquanto brincava.

A família autorizou a sua participação na pesquisa, contudo não consentiu


com o uso do primeiro nome e das imagens. No entanto, conforme
combinado com os responsáveis legais e devido ao assentimento dele de que
eu me aproximasse, foram feitas fotos para registro e para as devolutivas dos
bebês, famílias e instituição, o que garantiu a sua inclusão neste processo
vivido pelo grupo de bebês.
103

Davi - 06/02/2018
Momento em que ele veio engatinhando até mim e apoiou-se no beiral de
madeira ao meu lado, posicionando-se na frente da câmera e sustentando o
olhar.

Davi Luccas - 29/08/2017


Ele se aproximou de mim para solicitar uma foto e passou a repetir esse
gesto diariamente. Em alguns momentos do dia, quando eu me sentava no
chão, ele sentava-se ao meu lado ou me puxava pela mão para que eu saísse
da cadeira e me sentasse próxima a ele sobre as almofadas da sala.
Heloísa (Lolo) - 05/04/2017
Ela foi a primeira bebê a pedir uma foto e depois mostrava para os outros
bebês, apontando para a câmera e dizendo “Foto Lolo”. Em conversa com a
família, perguntei se poderia referir-me a ela pelo modo como ela se
chamava, “Lolo”. A mãe concordou e ela, que estava junto a nós, pôs a mão
na cintura e disse: “Eu sou Lolo!”.
Heloísa - 21/08/2017
Ela me puxou pela mão para sentar-me ao seu lado em um canto da sala e,
na medida em que construíamos nossa relação, ela me pedia pela caneta para
desenhar no diário de bordo.

Kaylan - 26/05/2017
Ele passou a se aproximar de mim pelo interesso pelos objetos que me
acompanhavam, pediu primeiro para ver o diário de campo e, depois, para
que eu fizesse fotos dele.

Laura
12/07/2017
Em um momento no solário, ela trouxe duas almofadas. Uma para mim e
outra para ela, assim como bichos de pelúcia e tecidos.

Lívia - 15/02/2017
Logo que eu cheguei na sala, ela trouxe uma cadeira para sentar-se na minha
frente e permaneceu próxima a mim observando fotos no écran da câmera.
104

Luiza - 27/02/2018
Ela veio engatinhando na minha direção e brincou de se esconder atrás do
armário, procurando-me para ver se eu a estava observando. Nessa situação,
ela aproximou-se e passou a brincar ao meu lado.

Mateus - 23/05/2017
Essa imagem registra um dia em que ele me seguiu pelos espaços,
permanecendo próximo a mim durante toda a jornada e solicitando fotos
dele.

Melissa - 13/07/2017
A Melissa aproximava-se diariamente de mim para solicitar fotos e
manusear o diário de campo. Ela costumava permanecer sentada ao meu
lado por longos períodos.

Nathiely - 25/08/2017
Ela me puxou pela mão para me mostrar um objeto que ela havia jogado
através da grade do portão. Esta foto registra esse momento.

Pedro - 12/08/2017
Ele me pediu por uma foto após observar que eu estava acompanhando e
observando uma brincadeira sua com uma pedra.

Valentina - 20/06/2017
Pedido de foto feito diariamente após trazer uma cadeira para mim e
posicioná-la ao lado da porta do fraldário.

Yasmin
29/12/2017
Registro de um momento em que ela observava uma réstia de sol logo após
ter me olhado e apontado para fora devido ao barulho de um carro.

Fonte: A Autora (2020)


105

Os eventos brevemente descritos acima revelam uma pluralidade de formas por meio
das quais os bebês aproximaram-se de mim, assim como o processo que nos acompanhou na
construção dessa relação. O uso dos seus primeiros nomes configura-se enquanto uma situação
ética na qual se reconhece a autoria (KRAMER, 2002) dos bebês. Ainda que a privacidade e a
confidencialidade dos dados sejam uma premissa ética das pesquisas, isto confronta-se com a
permanente negação dos direitos dos bebês e do seu status enquanto sujeitos. É devido a esse
reconhecimento que esta pesquisa faz o enfrentamento da questão da confidencialidade frente
à discussão sobre autoria.
Posto que no decorrer da pesquisa não nos confrontamos com situações nas quais as
crianças fossem colocadas em risco, nas quais o pesquisador precisa enfrentar o dilema da
confidencialidade das informações fornecidas pelas crianças e simultaneamente da demanda de
denúncia para a defesa de seus direitos, a divulgação de seus primeiros nomes não implica em
um risco para elas. Pelo contrário, produz como resultado a forte defesa do bebê enquanto ator
social, um efeito que impacta positivamente os sujeitos participantes da pesquisa e que nos
move a optar pelo uso dos seus primeiros nomes.
Além disso, a questão do anonimato se complexifica quando refletimos acerca do uso
das imagens das crianças. Nas pesquisas visuais, o anonimato já foi rompido devido ao uso das
fotos. Neste sentido, Helen Lomax (2015) discute as questões de ética nas pesquisas visuais,
propondo uma reflexão acerca das imagens publicizadas e disponíveis digitalmente.
Contemporaneamente, a questão da autoria precisa ser balanceada com uma reflexão sobre o
tempo: como as crianças participantes da pesquisa verão o uso destas imagens no futuro? A
autora defende o potencial ético da visibilidade e cita a Paul Sweetman, o qual afirma que isto
“permite e encoraja o reconhecimento do Outro” (SWEETMAN apud LOMAX, 2015, p.495)87.
A autoria das crianças se faz presente, portanto, tanto nas imagens quanto nos nomes
delas. O reconhecimento dos bebês a partir desta perspectiva também ajuda a romper com
paradigmas universalistas que submetem os processos plurais vividos por esses sujeitos a
padrões e regras de desenvolvimento sem considerar a cultura e a agência.
O uso das imagens, além de sua divulgação, também remete a forma como a câmera
fotográfica é introduzida em campo e a relação que os bebês constroem não somente com quem
realiza a pesquisa, mas também com os objetos que o acompanham. Durante as observações,
me parecia que eu, a câmera e o diário configurávamos uma só pessoa. Movíamo-nos juntos

_______________
87
No original: “allow(s) for and encourages(s) acknowledgement of the other” (SWEETMAN apud LOMAX,
2015)
106

pelo espaço e éramos apropriados pelos bebês de diferentes maneiras. Em uma situação na qual
apoiei o caderno tombado sobre o balcão, a Laura me questionou sobre o “pexe”, forma dela
referir-se ao diário devido à ilustração de um peixe na contracapa.
Foi preciso manter uma imagem da Lolo salva na memória da câmera porque ela pedia
para ver a mesma foto diariamente. Do mesmo modo, ela conseguiu expressar verbalmente que
não queria que eu a fotografasse em uma situação que havia ficado brava com as professoras.
A Laura me pediu um dia para fotografar o botão da sua blusa e o Kaylan e a Melissa sempre
pediam para que eu tirasse uma foto deles e depois se debruçavam sobre mim para ver a câmera
e observar a sua foto.
Do mesmo modo, os bebês passaram a escolher o local onde eu ficaria na sala, puxando-
me pela mão para acompanhá-los em outros processos ou, ainda, trazendo uma cadeira para
próximo da porta e apontando para que eu me sentasse. Eles passaram a colocar a cadeira no
mesmo lugar onde permaneci nos primeiros dias, um espaço mais distante deles, apropriando-
se de um sentido que eu havia produzido ao passar a fazer parte daquele espaço. No início, eu
não os conhecia e optei por manter-me à distância e aproximar-me conforme eles
demonstrassem tranquilidade com a minha presença. Constantemente me questionava sobre o
local onde deveria sentar-me ou quanto poderia me aproximar.
Contudo, com o tempo, e devido aos sinais dados pelos bebês, as dúvidas sobre
aproximar-me ou não deles a fim de registrar suas ações passaram a ser mais facilmente
resolvidas. As relações traziam as respostas para as dúvidas de posicionamento e uso da câmera,
pois o reconhecimento da agência dos bebês implica em negociar as relações que se constroem,
ceder, descentrar-se do seu papel geracional, buscando uma maior simetria ética por meio do
reconhecimento de suas experiências (HARCOURT; PERRY; WALLER, 2011, p. 71). Eles
sabiam que podiam indicar que eu me distanciasse ou me trazer para perto deles, assim como
engajar-me em suas brincadeiras. Em uma situação em que as professoras criaram um túnel, o
Kaylan me puxou para baixo da mesa, segurando minha mão até que eu o imitasse e fazendo-
me engatinhar dentro do túnel junto com eles.
Degotardi (2015) também descreve em seu artigo parte dos dilemas e decisões tomadas
durante a pesquisa de campo e aponta para o fato de que ainda que a pesquisa etnográfica
consista na produção de dados por meio da observação, é preciso decidir em campo sobre como
e quando participar das brincadeiras devido aos pedidos das crianças e às relações que se
constroem com elas. Gallacher e Gallagher (2008) também discutem a forma como as crianças
se apropriaram das ferramentas e deles próprios no decorrer das pesquisas etnográficas
realizadas. Eles afirmam que:
107

As crianças em nossos projetos não só se apropriavam de nossas ferramentas de


pesquisa; elas frequentemente se apropriavam de nós. As crianças encontravam todo
tipo de formas inventivas de transformar a nossa presença em suas salas e áreas de
recreação em vantagens próprias. Nós nos encontramos utilizados como coisas de
brincar ou até mesmo poltronas onde elas podiam realizar suas atividades. Elas
também nos usavam como formas de tirar vantagem sob as outras crianças ou para
resistir às regras da escola/ berçário de formas variadas.88 (GALLACHER;
GALLAHER, 2008, p. 509, tradução nossa).

Encontrei-me em situações semelhantes das narradas pelos autores. Se eu me levantava,


muitas vezes alguém se sentava imediatamente em seguida no lugar que eu estava ocupando.
Sentavam-se sobre mim para brincar e manusear os objetos, sem que eu interferisse na
brincadeira. Olhavam-me atentamente quando escapavam pelos portões acidentalmente
deixados abertos, cientes de que eu não impediria a sua saída. Ao mesmo tempo, sabiam que
podiam pedir para que eu os erguesse quando queriam pegar algo no alto de um balcão:
transformavam-me em escada.
Reconhecer a ação dos bebês sobre o pesquisador implica, deste modo, em dar valor às
competências deles por meio de uma relação profundamente ética em que o pesquisador se
dedica para compreender o que significa e como pode se relacionar com os sujeitos participantes
da pesquisa. Do mesmo modo como a minha entrada em campo provoca mudanças, as
premissas do consentimento e assentimento, da ética que se constrói no decorrer da pesquisa,
implicam em negociar com eles o papel que eu exerceria, os modos como eu me relacionaria
com eles e a pessoalidade de cada uma das relações.

_______________
88
No original: “The children in our projects no only appropriated our search tools; they often appropriated us too.
Children would find all kinds of inventive ways to turn our presence in their classrooms and play areas to their
advantage. We found ourselves used as play-things, props, or even stooges to children’s activities. The children
would also use us as means to gain advantage over other children, or to get around the school/nursery rules in
various ways.” (GALLACHER; GALLAHER, 2008, p. 509).
108

Figura 7 – Heloísa e o Diário de campo

Fonte: A autora (2020)

Nesse sentido, este capítulo se encerra com uma imagem da mão da Heloísa manipulando
o diário de campo (Figura 7). As narrativas que se apresentam neste trabalho são fruto da relação
entre pesquisadora e bebês. Portanto, enfrento a tarefa de traduzir em palavras os encontros
vividos pelos bebês com as materialidades.
109

4 MATERIALIDADE(S) E AÇÃO SOCIAL DOS BEBÊS: AS INTERAÇÕES COM AS


COISAS

Minha primeira impressão ao entrar na sala do berçário foi marcada pelo som e pelo
cheiro de comida. A lactarista preparava o almoço e pude sentir o cheiro e ouvir o
barulho alho fritando que em breve seria usado no tempero do feijão. O barulho da
panela de pressão também era constante, mas os bebês pareciam já estar acostumados
e dificilmente dirigiam o olhar em sua direção. Talvez o cheiro do feijão, do alho e o
barulho das panelas já fossem elementos familiares ou talvez presentes em suas casas.
Réstias de sol entravam pelas janelas altas e os bebês moviam-se pela sala,
engatinhando ou caminhando. Alguns bebês aproximaram-se de mim, enquanto
outros não pareceram estranhar ou interessar-se, continuaram movendo-se, pegando
brinquedos, entrando embaixo das mesas, circulando ao redor das professoras. Sentei-
me no canto da sala, inicialmente na companhia da diretora, a Luisa, em uma cadeira
baixa e dura de madeira que pertencia aos bebês e permaneci ali, buscando descobrir
os modos pelos quais iniciaríamos a nossa relação. Antes de sair, ela me pediu que
sempre entrasse pela porta do fraldário, visto que os bebês choravam ao abrir-se a
porta principal, pois a relacionavam com suas famílias. (Diário de campo, 12 de abril
de 2019)

Cheiros, Sons, Luz, Temperaturas, Texturas, Palavras. A entrada em campo é marcada


por uma profunda experiência sinestésica por meio da qual o pesquisador é convocado a
constituir-se parte daquele lugar. A experiência humana é marcada por este encontro com as
coisas e por este contínuo movimento de tornar-se na relação com elas, do mesmo modo que
elas se alteram a partir de nossas ações e simultaneamente nos convocam a sentir e pensar.
A postura reflexiva implicou em não somente escolher com cuidado as palavras que
eu dirigiria aos bebês, mas em escolher o local da sala onde me posicionaria, a altura em que
permaneceria, o lugar onde colocaria minhas mãos, apoiaria a câmera ou o diário de campo. A
ética na pesquisa com os bebês precisava tornar-se latente em meus gestos e palavras, pois é
preciso reconhecer que o pesquisador sempre altera o campo - e é alterado por ele – do mesmo
modo como a ética se busca no decorrer do processo de pesquisa. A própria presença física,
corpórea, concreta, provoca mudanças. E, por este mesmo motivo, o registro de observação não
pode prescindir de notas sobre como aquelas coisas fizeram com que eu me sentisse e/ou me
reconhecesse enquanto adulta e pesquisadora no decorrer da investigação.
A cadeira baixa, dura, o cheiro do lactário e as réstias de luz eram presentes no
cotidiano. Os bebês, as professoras e eu vivíamos o encontro com esses elementos diariamente,
experenciando-os de maneiras diferentes. Não é possível dizer como os bebês se sentiam ao
escutar os sons do lactário, sentiam o cheiro da comida ou sentavam-se nas cadeiras, pois além
de ser necessário resistir a tentação de dizer que é possível tudo saber sobre o outro, há
dimensões da experiência para as quais não há palavras. Contudo, é preciso reconhecer que
esses elementos se fazem presentes no processo contínuo de construção do espaço e que
110

precisam ser mencionados, pois a materialidade é uma qualidade dos seres humanos e do mundo
em que vivemos (MILLER, 2013)
Do mesmo modo como esses elementos atuavam continuamente nas nossas
experiências do espaço, outros elementos diversos se fazem presentes durante a leitura deste
texto para cada leitor e leitora. John Horton e Peter Kraftl (2006), ao refletirem acerca dos
desafios das pesquisas no campo da geografia da infância, provocam os leitores e as leitoras a
refletirem sobre como se sentem no momento da leitura do texto e sobre como ela seria diferente
se os objetos que nos rodeiam, como o lápis, a mesa, a cadeira e o próprio corpo estivessem
diferentes. Eles fazem a seguinte provocação:

O que está acontecendo com/em seu corpo enquanto você lê essas palavras? Imagine,
agora, como a experiência de onde você está poderia ser muito diferente: se você fosse
maior ou menor; se você fosse mais míope, se você estivesse com dor de cabeça ou
de dente; se você tivesse mais dificuldade para mover-se; se você estivesse de ressaca
ou chapado; se você estivesse com frio ou resfriado, se você estivesse realmente
cansado, ou realmente estressado, ou realmente tranquilo; se você tivesse acabado de
bater a cabeça no caixilho de uma porta baixa; se você estivesse realmente com fome
ou satisfeito; se você estivesse se sentindo deprimido ou dando risada por causa de
alguma coisa.89 (HORTON; KRAFTL, 2006, p. 76, tradução nossa)

A provocação dos autores nos convida a considerar a materialidade da experiência não


somente em relação aos objetos, materiais, coisas que nos rodeiam, mas também em relação ao
próprio corpo e às mudanças que continuamente nos acontecem sem que tenhamos controle
sobre elas. Tim Ingold (2012b) ao defender a terminologia coisas para referir-se aos elementos
não-humanos também convida os leitores e as leitoras a olhar para o movimento contínuo,
ongoingness, que constitui as relações e as ininterruptas transformações da matéria.
É também a partir deste convite que este capítulo, este texto, pode ser lido. Ou seja, a
partir da reflexão acerca da profunda conexão entre a materialidade e a subjetividade, em um
rompimento dos binômios de natureza-cultura, objetividade-subjetividade, corpo-pensamento.
Durante o processo de escrita do texto e do mesmo modo durante a leitura, o corpo se faz
presente e os diferentes objetos e materiais, as coisas, atuam sobre nós enquanto também agimos
sobre elas.

_______________
89
No original: “What is going on with/in your body as you read these words? Imagine, now, how your experience
of wherever you are could be very different: if you were bigger or smaller; if you were more short-sighted; if
you had a headache or tooth- ache; if you had more difficulty getting around; if you were hung-over or High; if
you felt cold, or had a Cold; if you were really tired or really stressed-out or really calm; if you’d just smacked
your head on a low doorframe; if you were really hungry or full-up; if you were feeling depressed, or if you
were chuckling away at something.” (HORTON; KRAFTL, 2006, p. 76).
111

Assim, este capítulo dedica-se à análise e à interpretação dos dados produzidos durante
o processo de pesquisa, reconhecendo-se os emaranhados materiais-semióticos e dando
destaque aos eventos, aos encontros, às ações dos bebês. A construção de categorias que
permitissem a interpretação dos seus encontros com as coisas (INGOLD, 2012) parte da
compreensão de que a materialidade é co-constitutiva da rede do social.
Nesse sentido, as quatro seções que se apresentam a seguir buscam destacar diferentes
aspectos presentes na construção do espaço da creche enquanto lugar para e dos bebês,
considerando-se em todas elas os emaranhados materiais-semióticos (SPYROU, 2019): o
corpo, os sentidos, a matéria, os símbolos. A categorização apresentada é uma forma de narrar
e interpretar as ações dos bebês, contudo ela não é a única forma de contar sobre a experiência
de ser bebê na creche. Ou seja, na pesquisa, as divisões produzidas a fim de organizar a escrita
e o pensamento não podem reduzir a complexidade e o inesperado do vivido a categorias
estáticas.
Durante o processo de pesquisa, observou-se que os bebês chegam a um lugar que já
foi pensado e organizado para eles e que o habitam, modificando-o a partir de um uso funcional
dos materiais e de práticas autotélicas – práticas que tem uma finalidade em si mesmas – , como
divagar pelo espaço e o brincar e explorar os elementos. A descrição densa, juntamente com os
registros audiovisuais, mobilizou essas reflexões sobre o processo de construção do espaço da
creche.
Nesse sentido, a primeira seção do trabalho apresenta uma análise sobre as
materialidades da creche, o mobiliário, os brinquedos e outros objetos que compõem o espaço.
A análise deste conjunto de materiais possibilitou uma reflexão sobre o universo material a que
os bebês têm acesso, sobre suas marcas simbólico-materiais e sobre a constituição da categoria
intrageracional “bebês”, calcada em uma experiência material. A apresentação deste inventário,
assim como a sua análise, implica deste modo em uma reflexão sobre a ação pedagógica,
processos globais e locais e suas interconexões. Assim, o lugar pensado para os bebês, com os
quais eles se confrontam ao chegar na creche, é o objeto desta primeira parte da análise.
Na segunda seção, as ações dos bebês passam a ganhar destaque. O movimento dos
bebês de divagar, perambular, mover-se pelo espaço é apresentado e interpretado nesta parte do
trabalho com uma prática da cultura dos bebês. São modos de ocupar o espaço e colocar-se em
relação com suas diferentes dimensões, possibilitando novos eventos, novos encontros com a
materialidade. Um movimentar-se pelo qual os bebês expressam a potência da descoberta de si.
As paredes, o chão, os sons, a luz, as coisas, contracenam com os bebês ao dar-se visibilidade
112

a vivências no espaço difíceis de serem nomeadas, categorizadas e analisadas a partir dos


referentes adultos.
Na terceira seção, podem-se notar os bebês e o uso funcional que eles fazem das coisas,
transformando seus significados e atribuindo-lhes novas funções, que por vezes pouco
dialogam com a forma, a fim de relacionar-se uns com os outros, com os adultos e produzir
cultura. São momentos em que eles aderem aos conteúdos semióticos dos objetos ou que os
recriam a fim de agir sobre o mundo, compartilhando sentidos entre si ou com as professoras
ao fazerem usos funcionais idiossincráticos.
Na quarta seção, as brincadeiras dos bebês e o contínuo processo de criação e recriação
de brinquedos são o escopo central da discussão. Os bebês confrontam-se com aspectos
simbólicos e materiais e coreografam o brincar a partir do encontro com as coisas e com o outro,
inter-relacionando elementos sincrônicos e diacrônicos. As brincadeiras criadas entre pares por
meio da interação com as materialidades provocam reflexões sobre as culturas infantis, mais
especificamente sobre a cultura dos bebês, e sobre a continuidade das brincadeiras.
90
As seções também são acompanhadas de um material virtual que convida a uma
imersão no mundo material vivido e experenciado pelos bebês. Não são somente as palavras
que comunicam aos leitores e às leitoras os resultados da pesquisa, pois a leitura e a imersão
nas imagens convidam a práticas diferentes das mobilizadas durante a leitura do texto. Este site
apresenta o inventário da materialidade a fim de provocar pensamentos e sensações a partir do
confronto com as imagens. Apresenta-se um panorama das matérias e um panorama das
categorias pedagógicas, duas estratégias distintas de análise para pensarmos na distribuição das
materialidades do CMEI Porto Seguro.
A leitura deste capítulo do trabalho implica, portanto, em um confronto imaginário
com a materialidade que compõe o espaço da creche e, do mesmo modo, em um encontro real
com as palavras, as imagens e o texto que se apresentam. Este trabalho está sendo lido de
alguma forma, por sujeitos que interpretam, sentem, vivem o mundo a partir daquilo que foi
construído sobre e com os seus corpos. Que a leitura seja encontro com os bebês e confronto
com um modo de ver os processos educativos e deparar-se com o Outro a partir da perspectiva
da diferença e da acolhida do inesperado, reconhecendo-se a materialidade enquanto dimensão
co-constitutiva do humano.

_______________
90
Todas as menções ao material virtual foram transformadas em hiperlinks para o site. Também é possível acessá-
lo no seguinte endereço: https://anajulr.wixsite.com/materialidades.
113

4.1 PARTE I – UM LUGAR PARA OS BEBÊS

A cada dia, quando os bebês chegavam ao CMEI, eles deparavam-se com um espaço
a sua espera. Encontravam os familiares armários, as colmeias onde eram organizados seus
pertences pessoais, os livros e o tapete emborrachado que demarcava o local de encontro com
o grupo e as professoras, pois era utilizado nos momentos da prática da chamada, em rodas de
canto e contações de história e, frequentemente, para apresentar um novo brinquedo ou material.
Além disso, sempre havia alguns móbiles e brinquedos disponíveis e acessíveis para os bebês,
apresentados sobre as mesas ou no tapete.
Isto se repetia diariamente e, do mesmo modo, a sala de referência foi organizada e
planejada pelas professoras no início do ano a partir dos materiais disponíveis e com o
acompanhamento da equipe pedagógica. Esse acervo material foi construído ao largo da história
de 30 anos do CMEI Porto Seguro e ressignificado a partir do projeto educativo vigente e das
escolhas que as profissionais cotidianamente realizam. A instituição foi construída no ano de
1989 para acolher às crianças pequenas na cidade de Curitiba e, desde então, segue sendo um
espaço destinado a elas. O CMEI configura-se, deste modo, em um espaço pensado para as
crianças a partir do conjunto de objetos que o compõe: um lugar para os bebês.
Há duas discussões que fundamentam o título desta seção: “um lugar para os bebês”.
A primeira delas refere-se a forma como “(...) as infâncias passam a ser lugares destinados às
crianças e que se materializam em formas de paisagens nas diferentes sociedades.”(LOPES,
2013, p. 291). O termo lugar91, nesta primeira discussão, remete à definição das experiências
às quais os sujeitos definidos socialmente enquanto bebês e, portanto, pertencentes à categoria
geracional infância, terão acesso. Não diz respeito somente aos espaços formalmente previstos
para serem ocupados e habitados pelas crianças, como suas próprias casas, espaços
recreacionais e escolas, refere-se às experiências dos sujeitos de forma mais ampla e por isso
compreende toda a cultura material destinada a elas e os discursos em circulação abarcando,
mas não restringindo-se aos locais construídos a fim de serem ocupados pelas crianças.
Isto implica no reconhecimento de que as crianças, desde bebês, se constituem enquanto
tal a partir dos mundos materiais e discursivos em que suas vidas estão ancoradas (SPYROU,
2019) e nos provocam a perguntar “quais arranjos materiais-semióticos, quando e porquê,

_______________
91
No capítulo dois, apresenta-se uma reflexão sobre os termos espaço, lugar, infância, criança e bebê em que se
ancora a discussão sobre o lugar das crianças. Na distinção realizada agora, o termo lugar é problematizado a
partir de sua relação com as questões de poder e identidade.
114

tornam certas perspectivas, vozes ou pontos de vista possíveis (ao invés de outras)?”92
(SPYROU, 2019, p.4). Ou seja, as materialidades destinadas às crianças comunicam sobre a
construção social do bebê em nossa sociedade, enquanto categoria intrageracional, pois “se nós
soubermos como lê-los, provisões públicas para as crianças oferecem narrativas sobre a sua
sociedade, seus valores e concepções dominantes.” (MOSS; PETRIE, 2002, p.172, tradução
nossa)93.
Ou seja, este lugar construído para as crianças, manifesta-se nos espaços socialmente
destinados a elas, o que nos remete a uma segunda discussão do lugar para os bebês: os espaços
construídos para eles. Lugares formalmente previstos para atenderem aos bebês, como os seus
quartos, as escolas e espaços de recreação, como já mencionado acima.
Também é necessário apontar outra sutil distinção que justifica o título da seção. O
pesquisador Kim Rasmussen (2004), ao estudar a forma como as crianças conectam-se aos
lugares, elabora duas compreensões distintas: o lugar para as crianças e o lugar das crianças.
Por meio destas terminologias, refere-se ao “lugar para as crianças” para definir os espaços
que foram formalmente pensados para elas e que comunicam as concepções dos adultos sobre
as crianças e “lugar das crianças” como o espaço com o qual as crianças conectam-se
fisicamente e no qual expressam modos de ocupá-lo que frequentemente parecem bagunçados,
perigosos e caóticos do ponto de vista dos adultos. Peter Moss e Pat Petrie (2002) adereçam-se
a essa mesma discussão ao diferenciarem o conceito de serviços das crianças – children’s
services – e espaços das crianças – children’s spaces, construindo uma diferenciação
semelhante da apresentada por Rasmussen (2004) a partir dos termos “para” e “das”.
Ambas as discussões remetem ao espaço planejado para receber os bebês e que se
configura em objeto de análise desta seção. A realização do inventário de materiais do CMEI,
juntamente com as entrevistas realizadas com a direção e as professoras, produziu dados que
comunicam sobre o lugar para os bebês: sobre a construção social do bebê e sobre as
características materiais da educação infantil enquanto serviço para as crianças. A reflexão
sobre a materialidade também se aprofunda a partir da descrição da estrutura, mobiliário,
materiais e brinquedos que constroem o espaço da creche. A historiadora Inés Dussel (2019)
afirma que a especificidade da escola não está dada pelo edifício, mas é mais bem definida
pelos objetos que ali se encontram.

_______________
92
No original: “Which material -semiotic arrangements, when and why, make certain perspectives, voices or
standpoints possible (rather than others)?” (SPYROU, 2019, p.4)
93
No original: “If we know how to read them, public provisions for children offer narratives about their society,
its values and dominant understandings.” (MOSS; PETRIE, 2002, p. 172)
115

O lugar para os bebês remete, portanto, ao lugar simbólico e físico pensado pelos
adultos para a acolhida das crianças. Neste sentido, quais são objetos presentes na creche e qual
a experiência educativa que eles possibilitam? Quais objetos transformam o edifício em uma
escola, garantem a especificidade do trabalho com bebês e crianças bem pequenas e
possibilitam que o lugar para as crianças se transforme em lugar das crianças? A partir destas
perguntas, apresentam-se e analisam-se a seguir a estrutura física da instituição, seu mobiliário,
materiais e brinquedos.

4.1.1 ESTRUTURA FÍSICA E MOBILIÁRIO: REUTILIZAÇÕES CRIATIVAS

O que existe dentro de uma escola de educação infantil? De quantas salas ela é
composta? Como são as paredes, pisos e janelas? De que cor, material e formato são os
brinquedos que ali se encontram? O que indica que aquele espaço será habitado por bebês?
Diferente da escola de ensino fundamental e médio ou até mesmo das universidades,
para as quais é possível rapidamente construir uma imagem de salas contendo carteiras, cadeiras
e um quadro, quando não uma mesa de professora ou, antigamente, um pupitre – como ao que
se refere Walter Benjamin (1987)94 – a materialidade da educação infantil parece mais nebulosa
e menos bem definida. É certo que ela tem sido objeto de pedagogias distintas ao largo do
tempo, Froebel, Montessori e recentemente na abordagem de Reggio Emilia, os materiais
aparecem com força e ganham destaque no desenho destas perspectivas pedagógicas. Contudo,
e como observado no levantamento bibliográfico realizado95, pouco se fala sobre a concretude
desta experiência educativa e por vezes é difícil imaginar – construir imagens – da escola da
infância.
O CMEI Porto Seguro foi construído em 1989, momento de maior expansão da rede96.
Elisangela Mantagute (2013), em sua pesquisa, identifica padrões diferentes de construção
desse período, que representam as concepções de criança e educação que fundamentavam a
organização da educação infantil em Curitiba97. Segundo a autora, “o departamento responsável

_______________
94
Tive acesso a este trabalho de Walter Benjamin por meio da produção de Inés Dussel (2019) que cita o pupitre
de Benjamin para referir-se a outros modos de pensar sobre a materialidade na história.
95
Este levantamento é objeto de discussão de uma das seções do segundo capítulo desta dissertação.
96
Em 1980, havia sido iniciada “(...) uma discussão do processo de criação de uma rede municipal de creches, de
maneira integrada entre IPPUC e Departamento de Desenvolvimento Social (...)”(PMC, 2016, p.15), que
culminou na definição de critérios e parâmetros para a construção de creches.
97
A tese de Elisangela Mantagute (2017) e o “Caderno I – Princípios e Fundamentos” (PMC, 2016) publicado
pela prefeitura municipal de Curitiba, trazem alguns indicativos para se pensar nos padrões arquitetônicos das
116

pelo planejamento destas construções e elaboração de plantas era o IPPUC; no entanto, estas
plantas e projetos de construção não foram catalogados.” (MANTAGUTE, 2013, p. 16).
No CMEI Porto Seguro, o muro de palitos coloridos, a fachada amarelada da
instituição e um muro grafitado e colorido com o nome do CMEI e desenhos de animais
marinhos indicam a chegada na instituição (Figura 8). Há um ponto de ônibus logo à frente, a
faixa de pedestres e lombadas em ambos os sentidos da rua. A instituição localiza-se em uma
esquina e é possível observar o movimento dos carros e as pessoas que circulam pela praça
situada logo em frente. O ruído dos carros não é alto, mas ao longe é possível escutar o barulho
gerado pelo tráfego de caminhões em uma rodovia nacional, pois o CMEI está próximo dela. O
bairro em que se situa a instituição é a principal região industrial da cidade de Curitiba e há um
fluxo grande de veículos, em especial de caminhões, pela rodovia.

Figura 8 – Fachada e Imagem Aérea do CMEI Porto Seguro

Fonte: A Autora (2020) e Mapa Cadastral da Prefeitura Municipal de Curitiba (2020)

A entrada da instituição é protegida com um toldo e é possível acessá-la por uma escada
ou rampa, pois o terreno está em um nível mais alto que a rua. Ao adentrar na instituição, é
possível visualizar bem a sua estrutura física. Um refeitório largo e comprido aponta para dois
corredores e diversas portas que levam aos diferentes espaços ocupados por adultos e crianças.
A instituição dispõe de uma área externa com gramado, árvores e caixa de areia. Esta
área verde circunda o CMEI por três de suas laterais apresentando desníveis suaves e
possibilitando a visualização de diferentes paisagens através dos muros de palito. Uma horta,
_______________

instituições de educação infantil do Município. No “Caderno I – Princípios e Fundamentos” (PMC, 2016) indica-
se que entre os anos de 1970 e 1990, foram construídas 108 creches, configurando-se como o período de maior
expansão da rede. Deste conjunto, 60 foram construídas durante o governo do prefeito Roberto Requião (1986-
1988), sendo que 5 delas já haviam sido iniciadas no governo que o antecedeu (Maurício Fruet, 1983-1985) e
10 foram inaugurados no governo posterior (Jaime Lerner, 1989-1992).
117

com sinais de abandono, também compõe esse espaço externo. Além disso, ao todo, a estrutura
física da instituição comporta 18 cômodos, os quais são apresentados na planta abaixo (Figura
9) juntamente com uma indicação da área externa:

Figura 9 – Planta do CMEI Porto Seguro

2
21

22

23
12

24 14
16 13 1
2 6
17 15
18
20 5
19
7 2
3
8
10
4
9
11

1 Sala do Berçário 9 Almoxarifado 17 Banheiro Infantil 1


2 Área externa - verde 10 Lavanderia 18 Banheiro Infantil 2
3 Solário 11 Área de serviço 19 Copa
4 Horta 12 Refeitório 20 Área externa - Areia
5 Fraldário 13 Espaço de amamentação 21 Direção
6 Lactário 14 Sala de materiais 22 Sala do Maternal II
7 Sala de estudos/descanso 15 Vestiário 23 Sala do Maternal I
8 Cozinha 16 Banheiro Adulto 24 Sala Multifuncional

Fonte: A Autora (2020)

As salas do Berçário (1), Maternal I (23) e Maternal II (22), assim como a Sala de
Estudos/ Descanso (7) e a Sala Multifuncional (24) têm o mesmo tamanho e foram construídas
no projeto arquitetônico inicial como salas de referência para atender aos grupos de crianças de
creche e pré-escola. Ou seja, o CMEI Porto Seguro foi inicialmente construído para atender a
cinco turmas, operando no ano de 2019 com a oferta de três grupos devido às estratégias de
reorganização da Secretaria Municipal de Educação (SME) quanto à oferta de vagas para a
118

educação infantil98 e como efeito da falta de professoras no quadro da rede municipal99. A Sala
Multifuncional (24) localizava-se ao final de um dos corredores e podia ser ocupada pelas três
turmas, além de ser utilizada como espaço de reuniões com as famílias e com a equipe docente.
A sala do Berçário dá acesso ao solário (3), assim como era a única sala ocupada por
crianças que tinha um banheiro de acesso direto, o fraldário (5), e que tinha a comida preparada
diretamente na instituição, o que acontecia no lactário (6). Devido a esses cômodos, a turma do
berçário sempre ocupa essa sala, como relatado pelas professoras durante a entrevista. Todas
as crianças da instituição também ocupam o espaço do refeitório (12), ainda que de modos
diferentes, pois o Berçário utiliza este espaço somente quando da realização de propostas
durante o primeiro semestre de 2019, passando a utilizá-lo para as refeições no segundo
semestre do ano. Há dois banheiros infantis (17/18) disponíveis para as turmas do Maternal I
e II.
As professoras e demais funcionários tinham acesso a uma sala onde havia armários
para guardar os pertences pessoais, denominada aqui de vestiário (15)100, além de contarem
com uma copa (19) e um banheiro de adultos (16). Devido à vacância de uma das salas de
referência, ela foi transformada em uma sala de descanso e estudo (7) para as professoras. A
pedagoga também organizava seus materiais nesta sala, em uma escrivaninha em um dos
cantos, logo em frente à porta de entrada.
A instituição também contava com dois espaços dedicados aos outros serviços
fundamentais para a educação infantil em tempo integral: uma cozinha (8) e uma lavanderia
(10). Dois espaços diferentes eram utilizados para organizar materiais e guardar bens da
instituição, são eles a sala de materiais (14) e o almoxarifado (9). Além disso, as famílias das
crianças tinham acesso à secretaria da instituição (21), um espaço que funcionava
simultaneamente como sala da direção, e a um espaço dedicado à amamentação (13)
denominado de “mama- nenê”101 devido a um projeto municipal de apoio ao aleitamento
materno.

_______________
98
Patrícia Sesiuk (2019), em sua dissertação, analisa a forma como as estratégias de reorganização do município
para atender a demanda total de 4 a 5 anos interferiram no acesso à Creche Pública.
99
A diretora me comunicou sobre a falta de professoras no quadro da rede municipal e sobre o impacto disto na
oferta de turmas em conversas informais durante o primeiro semestre de 2019.
100
No segundo dia em campo, a diretora me deu uma chave para um dos armários do vestiário. Me assegurou que
eu poderia guardar o que desejasse ali e que me sentisse à vontade. O processo de entrada em campo foi, deste
modo, marcado também pelo tornar-me parte daquele lugar: deixando vestígios concretos da minha presença e
do trabalho de pesquisa que estava acontecendo.
101
No site da Prefeitura de Curitiba, é possível aceder a mais informações sobre este projeto, fruto de uma parceria
da secretaria da saúde e da educação fundado em 2007: https://educacao.curitiba.pr.gov.br/noticias/projeto-
mama-nene/8212.
119

É possível observar que as funções atribuídas aos diferentes cômodos atendem às


demandas do projeto educativo, o qual está vinculado às atividades realizadas pelos três
diferentes grupos de sujeitos que ocupam o espaço da escola: a comunidade externa, a equipe
profissional e as crianças. Deste modo, estes espaços e a forma como eles são ocupados
informam sobre diferentes necessidades educativas e demandas geradas pelos sujeitos, trazendo
indicativos sobre como a organização do espaço configura-se como uma dimensão do próprio
trabalho docente e, simultaneamente, sobre como o espaço condiciona e possibilita as ações dos
sujeitos. Ou seja, a construção de um lugar para os bebês implica na produção simbólica dos
espaços a partir da ação dos atores sociais.
Assim, os espaços comunicam sobre o trabalho educativo que se realiza com as
crianças no âmbito da educação infantil e que deve implicar em uma reflexão ampliada acerca
das ações realizadas de forma autônoma pelas crianças ao ocuparem o espaço da creche102, das
tarefas realizadas pelas professoras e demais funcionários que trabalham nas instituições, assim
como produzir uma reflexão sobre o papel exercido pelas famílias nos projetos educativos.
Miguel Zabalza (1998) refere-se a esta questão como a dimensão funcional dos espaços, ou
seja, aquelas vinculadas às necessidades educacionais a serem cumpridas.
Observar as relações entre família e escola, assim como considerar as atividades
realizadas por professoras e demais funcionários quando não estão diretamente com as crianças,
implica em construir um olhar ampliado para os processos educativos, considerando-se uma
pedagogia das relações e incluindo os pais e mães como participantes ativos da escola (CEPPI;
ZINI, 2013). A menção e a atenção aos outros espaços de serviço, como cozinha e lavanderia,
também implicam em um processo de não-hierarquização das atividades, uma “(...)
manifestação física da democracia de funções, dignidade e sociabilidade.” (CEPPI; ZINI, 2013,
P.45).
Abaixo apresenta-se um diagrama (Figura 10) em que são indicados os espaços
ocupados pelas famílias e comunidade externa, assim como o tipo de demanda do projeto
educativo que gerou este uso dos espaços. A partir do diagrama, observa-se que as famílias
podem frequentar os espaços da secretaria, refeitório/ entrada, mama-nenê, corredores e
banheiro.

_______________
102
As três seções seguintes ocupam-se de discutir e narrar as ações dos bebês ao ocuparem o espaço da creche. As
ações realizadas por adultos e famílias não são objeto de estudo desta pesquisa, contudo a materialidade da
creche (estrutura física, mobiliário, materiais, brinquedos) convoca a esta reflexão acerca da forma como o
espaço condiciona e possibilita a ação dos sujeitos.
120

A secretaria conta com um conjunto de três cadeiras almofadadas onde as famílias


podem sentar-se quando esperam para serem atendidas pela direção ou enquanto resolvem
questões relativas à matrícula ou documentações, assim como quando se dirigem ao CMEI para
indicar a necessidade de vaga. Contudo, o espaço é restrito e as famílias precisam aguardar do
lado de fora do portão quando esperam pelas crianças no horário da saída, pois não há um
espaço dentro da instituição onde seja possível aguardar as crianças.

Figura 10 – Espaços, Famílias e Comunidade Externa

DEMANDAS
•Famílias •Espaço mama-nenê
•Comunidade •Secretaria
•Atendimento e
Externa •Refeitório
Acolhida
•Corredores
•Banheiro

SUJEITOS ESPAÇOS

Fonte: A Autora (2020)

O espaço de amamentação (Figura 11), é pensado para o acolhimento das mães que
amamentam e que dispõem de flexibilidade no trabalho para que possam continuar
amamentando após o final da licença maternidade. Ele conta com objetos completamente
distintos dos demais encontrados na instituição. Uma das orientações do projeto é de que este
espaço garanta o acolhimento da mãe e do bebê e, para isso, ele foi organizado pela equipe
gestora e pedagógica da instituição em um espaço reservado e decorado com fotografias, toalhas
de crochê e uma cortina de fuxicos. É também um dos poucos espaços que conta com assentos
almofadados, neste caso, uma poltrona e um banco comprido.
121

Figura 11 – Espaço de Amamentação

Fonte: A Autora (2020)

É válido observar como a necessidade de construção de um ambiente acolhedor


implicou na seleção de mobiliários com materiais almofadados, pois são responsivos ao toque.
São materiais flexíveis, maleáveis e mais aquecidos, pois sua temperatura rapidamente se altera
a partir do contato com o corpo. Do mesmo modo, também foram escolhidas cadeiras
almofadadas para compor o espaço da secretaria e acolher aos visitantes. Outras cadeiras
almofadadas estão presentes nas mesas de trabalho com computadores, da secretaria e sala das
professoras, assim como um banco almofadado na copa. Em contraposição, nenhum dos
mobiliários em tamanho infantil é almofadado.
A presença dos tapetes de crochê e da cortina de fuxicos também remetem a objetos
que guardam uma memória da ação humana, do tempo e da artesania que estão contidas neles,
assim como trazem consigo uma representação de cuidado e afeto. Além disso, os objetos
selecionados também comunicam que se espera que este espaço seja ocupado pelas mães na
companhia de seus bebês, onde elas irão mediar a relação deles com os objetos que ali se
encontram e construir junto a eles um lugar, marcadamente afetivo, da amamentação. Nesse
sentido, é possível considerar que este também é um espaço pensado para os bebês e para a
garantia do seu bem-estar e sua alimentação. Nota-se, também, que este é o único espaço da
instituição que contêm quadros de decoração, neste caso, com fotografias que remetem à
maternagem.
A sala multiuso não traz quaisquer marcas de que será ocupada por famílias e
visitantes, contudo quando da sua utilização, é feito um uso criativo dos bancos em tamanho
infantil para que ocorram as reuniões com as famílias neste espaço. As famílias e visitantes
também circulam pelo refeitório e corredores, ainda que o mobiliário comunique que ambos os
locais não foram pensados para que os adultos permanecessem ali. Não há quaisquer mobílias
em tamanho adulto, lugares para sentar-se ou aguardar as crianças. Contudo, tanto nos
122

corredores quanto no refeitório, é possível deparar-se com murais de avisos às famílias e ripas
de madeira coloridas indicando espaços para expor documentações pedagógicas e produções
das crianças.
O refeitório é o espaço pelo qual todos os sujeitos adentram na instituição e a presença
dos murais, assim como de elementos que o tornam mais aconchegante, como cortinas e plantas,
comunicam sobre a tentativa de ambientá-lo a fim de que ele se configure em um hall, uma área
de entrada. Maria da Graça Souza Horn (2017) refere-se ao hall como um espaço que compõe
as instituições de educação infantil e no qual crianças e famílias são acolhidas. Elinor
Goldschmied e Sonia Jackson (2007) referem-se a este mesmo espaço como a área de entrada,
apontando que ele constitui “(...) uma declaração pública, por parte da creche, de seus valores
e prioridades.” (2007, p. 36).

Figura 12 – Refeitório/ Área de entrada e Estante de Materiais Não-Estruturados

Fonte: A Autora (2020)

Ao adentrar na instituição, é possível notar as toalhas sobre as mesas e os vasos de


plantas, assim como observa-se ao fundo e de modo destacado uma estante em que são
apresentados de forma categorizada alguns materiais não-estruturados103 (Figura 12) que
passaram a compor o acervo da instituição em 2017 a partir de uma iniciativa da direção do
CMEI. O lugar de destaque construído para esses materiais comunica sobre a perspectiva
adotada pela instituição em relação aos materiais e brinquedos ofertados às crianças. Do mesmo
modo, provoca as professoras da instituição a se confrontem com esses materiais, pois é preciso
vê-los e deparar-se com eles diariamente ao adentrar na escola. A diretora relata que no início:

_______________
103
Uma discussão sobre o termo “materiais não-estruturados” e o seu uso em diferentes concepções pedagógicas
será abordado adiante, partindo da reflexão de Simon Nicholson (1972) e sua teoria de loose parts.
123

(...) as professoras não passavam nem perto daquela prateleira. "Acho que se eu passar
muito perto eu vou ter que usar", sabe?! E foi difícil, porque elas realmente não viam
função naquilo, de que forma as crianças podiam brincar com aquilo, como que usava,
como que montava aquilo... Ainda não atingiu a minha expectativa, mas hoje elas
usam, as vezes de uma maneira meio indiscriminada, as vezes tipo só soltando pras
crianças, mas elas tem mais acesso, elas gostam, elas veem uma função. (Entrevista
com a Diretora, Dezembro de 2019)

Assim como a presença destes materiais provoca reflexões sobre a atividade docente
e sobre o modo como a entrada de novos elementos suscita processos reflexivos acerca do
trabalho realizado, as ausências também comunicam sobre as representações de infância,
criança e educação que movem a equipe docente na reestruturação e reutilização criativa do
espaço. Neste sentido, a ausência de imagens estereotipadas e personagens de desenhos
animados no espaço de entrada da instituição, assim como nas portas das salas, comunica sobre
o projeto educativo, declara seus valores e prioridades. A imagem de infância colocada em
destaque é a da potência e da criação devido ao local central onde são apresentados os materiais
não-estruturados. A diretora, Luiza, destaca que ela realizou a aquisição destes materiais diante
da inventividade infantil no uso dos materiais, esta é a imagem de infância que é declarada às
famílias, comunidade externa e crianças ao adentrarem na instituição:

É, eu acho que justifica-se pedagogicamente assim, né?! Pensando que, aquela história
de material não-estruturado, das possibilidades de criação das crianças, a
possibilidade das crianças de imaginarem, criarem suas brincadeiras a partir de um
brinquedo, de um material que não diz o que tem que ser feito. Um carrinho você
brinca de carrinho, né?! Mas, madeirinhas, a criança pode inventar. Então, a ideia foi
essa. (Entrevista com a Diretora, Dezembro de 2019)

Um último espaço que pode ser utilizado pelas famílias é o banheiro dos adultos. Em
toda a instituição, para acolher às 11 professoras, diretora, coordenadora pedagógica, lactarista,
secretário e equipes da cozinha e limpeza (4 funcionárias), havia um banheiro. Este mesmo
banheiro pode ser utilizado por visitantes e famílias quando estiverem na instituição.
Ele é um espaço que também é mencionado no diagrama abaixo (Figura 13), em que
se aponta alguns espaços necessários para acolher às ações das professoras e demais
funcionários. Há dois grupos distintos de demandas neste diagrama, a primeira refere-se às
atividades de planejamento, avaliação, gestão da educação, formação continuada, assim como
de cuidados com alimentação e higiene, ou seja, trabalho pedagógico; já a segunda são os
espaços pensados para serem ocupados pelos adultos e garantirem o seu bem-estar.
124

Figura 13 – Espaços, Professoras e Funcionários

DEMANDAS
•Secretaria/ Sala Direção
•Professoras e •Biblioteca/ Sala de
demais •Trabalho Pedagógico descanso
funcionários da •Bem-estar •Cozinha
instituição. •Lactário
•Lavanderia
SUJEITOS •Sala de Materiais
•Almoxarifado
•Sala Multiuso
•Copa
•Banheiro ESPAÇOS
•Vestiário

Fonte: A Autora (2020)

A indissociabilidade do cuidar e do educar aparece como elemento central na


construção de projetos educativos para crianças pequenas. Por isso, os espaços da cozinha e
lactário ganham centralidade no planejamento dos espaços e são indispensáveis para garantir a
saúde e a alimentação corretas, além de providenciarem alternativas para o armazenamento de
leite materno. Ainda que os profissionais da cozinha ou da limpeza não atuem diretamente com
as crianças, o serviço que eles realizam é fundamental para garantir o atendimento e a educação
das crianças104.
Desse modo, independente dos serviços educativos serem ofertados em períodos
parciais ou em jornadas de tempo integral, acolher as crianças pequenas implica em oferecer
condições adequadas de sono e de alimentação. As equipes que trabalham na cozinha, o que no
município de Curitiba ocorre de forma terceirizada, demandam espaços adequados e bem
higienizados onde possa ocorrer o preparo dos alimentos.
A lavanderia e áreas de serviço também precisam ser consideradas nos projetos
arquitetônicos, pois o cuidado com lençóis, cobertores, toalhas e a manutenção do espaço
dependem da ação contínua das equipes que garantem as boas condições da estrutura. As

_______________
104
Em específico na turma do berçário, a lactarista ajudava diariamente a alimentar as crianças. As professoras
relatam que no segundo semestre de 2019 elas escolheram uma foto deste momento de alimentação para
ambientar o espaço das refeições, a fim de valorizar o vínculo construído entre os bebês e a lactarista.
125

equipes de limpeza dão suporte e apoio para que as demais atividades previstas no projeto
educacional possam ocorrer de forma adequada e garantir o direito de proteção das crianças, ao
zelar-se por sua segurança.
A copa, o banheiro e o vestiário (Figura 14) são três espaços pequenos no CMEI Porto
Seguro e que garantem o bem-estar da equipe. A jornada das professoras de educação infantil105
é extensa e o reconhecimento do trabalho profissional que se realiza junto aos bebês, que
envolve esforço físico e disponibilidade corporal, implica no acolhimento dos sujeitos e na
garantia de espaços onde eles possam descansar, alimentar-se e preparar-se para viver a jornada
com as crianças.
Considerando-se que o trabalho educativo é eminentemente relacional, o bem-estar
dos funcionários implica diretamente nas relações que serão construídas com os bebês. Neste
sentido, outras duas dimensões do espaço apontadas por Zabalza (1998) também atuam
diretamente: a estética – espaços acolhedores, belos e proporcionais – e a ambiental – frio, calor,
ruído, luminosidade.

Figura 14 – Copa

Fonte: A Autora (2020)


Em relação ao bem-estar, a equipe gestora e pedagógica da instituição promoveu uma
reorganização de uma antiga de sala de referência. A vacância deste espaço oportunizou a sua
reutilização enquanto um espaço para estudo e trabalho da equipe, além de local de descanso
(Figura 15). Colchonetes sobressalentes foram encapados com tecidos e transformados em
quatro grandes pufes onde os adultos podem descansar ou até mesmo cochilar no momento do
intervalo. A copa, onde cabem sentadas somente 6 pessoas confortavelmente, não tem o
tamanho suficiente para acolher aos adultos em seus momentos de descanso.

_______________
105
Em Curitiba, a carreira de professora da educação infantil é estabelecida por um concurso de 40h semanais.
126

Figura 15 – Sala dos Professores: Estudo e Descanso

Fonte: A Autora (2020)

Apesar deste espaço não estar inicialmente previsto no projeto da instituição, a atenção
à organização do projeto educativo implicou na reconfiguração desta antiga sala a fim de
promover o bem-estar da equipe e garantir que exista um local onde os adultos possam
permanecer em seus momentos de intervalo. Além disso, possibilitou a organização de um
espaço de estudo e trabalho durante a hora permanência106. O uso criativo dos colchonetes e da
sala sobressalente também comunicam sobre o desejo por parte da equipe profissional de
espaços onde os adultos sintam-se bem, rodeados por outros elementos estéticos, como vasos
de plantas, com materiais responsivos e em tamanho adequado.
Este espaço também era ocupado pela pedagoga em suas manhãs de trabalho, sendo
deste modo utilizado para demandas diversas decorrentes do trabalho pedagógico e do processo
de formação continuada da equipe docente. A diretora, por sua vez, tinha uma mesa na sala da
secretaria, dividindo este espaço com o secretário.
A profissionalização da docência no âmbito da educação infantil implica no
reconhecimento das demais tarefas envolvidas no projeto educacional e que não se realizam
diretamente com as crianças. A estrutura da instituição precisa possibilitar e comunicar que se
dá relevância a essas tarefas do trabalho docente, ou seja, processos continuados de formação,
planejamento e avaliação. Os momentos de diálogo e confrontos possibilitados pelo uso
compartilhado de uma sala de estudos, ganham notoriedade diante da existência deste espaço.

_______________
106
Durante o primeiro semestre de 2019, o quadro de professoras permitiu que a permanência ocorresse de forma
adequada, garantindo que semanalmente as professoras dispusessem de um dia de trabalho sem a presença das
crianças.
127

A existência de um espaço dedicado ao trabalho coletivo, assim como a área de entrada, é uma
declaração dos valores e da especificidade do trabalho educativo na educação infantil.
As professoras também têm acesso ao almoxarifado, onde são guardados os materiais
consumíveis como papeis, lápis e tinta; à sala de materiais (Figura 16) onde ficam guardados
alguns colchonetes sobressalentes, um computador e uma televisão antiga que compõe parte
dos bens do CMEI e da qual eles não podem se desfazer; e à sala multiuso, onde ficam
organizados os brinquedos disponíveis e, portanto, na qual elas apenas circulam para buscar
outros materiais, permanecendo ali somente quando na companhia das crianças.
Observa-se na sala multiuso que algumas caixas organizadoras de brinquedos foram
etiquetadas com o nome do material e com sugestões de contextos diferentes que podem ser
construídos e elaborados pelas professoras para que as crianças brinquem e explorem. A mobília
deste espaço, como já ressaltado previamente, é toda em tamanho infantil, apesar de ser também
utilizado por professoras e famílias em reuniões e encontros.

Figura 16 – Sala de Materiais e Brinquedos da Sala Multiuso

Fonte: A Autora (2020)

É certo que as mobílias em tamanho infantil comunicam sobre a intencionalidade


destes espaços, de serem ocupados pelas crianças, e que este é um requisito para a organização
dos espaços na educação infantil, mas é inegável que as professoras estarão continuamente
presentes e irão compartilhar o uso dos objetos e mobiliário. Ainda assim, mobílias para os
adultos estão ausentes nestes espaços. Não há cadeiras confortáveis nas quais os adultos possam
permanecer durante a jornada de trabalho ou outros equipamentos que confiram conforto
ergonômico para as professoras.
Durante o decorrer da pesquisa de campo, observei a frequência com que as
professoras buscavam almofadas para usar como apoio no momento de sentar-se no chão com
as crianças. Em documento produzido pelo governo espanhol para orientar a construção de
creches (SANCHO; MEUNIER; CARREÑO, 2011), recomenda-se a compra de cadeiras em
128

tamanhos específicos para garantir a boa postura do adulto no momento em que alimentam as
crianças, uma cadeira com apoio adequado para a coluna, e para quando estão acompanhando
suas brincadeiras, uma cadeira com rodinhas. Além disso, preveem a compra de poltronas onde
os bebês possam ser alimentados e escadas para acesso aos trocadores, as quais favorecem o
exercício da autonomia por parte dos bebês e asseguram que as professoras não ergam muito
peso.

Figura 17 – Sugestão de Mobiliário em Tamanho Adulto

Fonte: SANCHO; MEUNIER; CARREÑO, 2011

Nos documentos nacionais que regulam a oferta da Educação Infantil é possível notar
que não há uma descrição minuciosa de móveis para a creche ou pré-escola e não é feita menção
às questões ergonômicas relacionadas ao trabalho docente. A Associação Brasileira de Normas
e Técnicas (ABNT) tem uma norma que regula a produção de cadeiras escolares, determinando
as suas dimensões de acordo com o público (NBR 14006/ 2008). Do mesmo modo, possui uma
normativa que orienta a dimensão de carteiras, incluindo nesse quadro as crianças de 0 a 6 anos.
A prescrição do tamanho adequado de carteiras para bebês de um ano revela uma discrepância
entre a imagem de criança comunicada por meio das orientações legais para a Educação Infantil
e as normas de móveis escolares, produzidas a partir de referentes que não dialogam com a
imagem de infância defendida nos documentos nacionais.
No documento “Critérios para um Atendimento em Creches que Respeite os Direitos
Fundamentais das Crianças” (MEC, 2009a), menciona-se a necessidade de um espaço de
privacidade, estudo e encontro para os profissionais de educação. Do mesmo modo, no
documento de avaliação “Indicadores para a qualidade na Educação Infantil” (MEC, 2009b) há
um indicador que faz referência à existência desse espaço e a necessidade de que ele seja
ambientado com mobiliário adequado.
Neste mesmo documento, é feita referência à necessidade de banheiros exclusivos e a
altura adequada da bancada destinada para a troca de fraldas. Contudo, seguem ausentes
orientações específicas quanto ao mobiliário de outros espaços da creche, como as salas de
referência e a sala multiuso, ou a questões ergonômicas e de saúde do trabalho. A única menção
129

a questões ergonômicas na educação infantil é feita no documento “Contribuições para a


Política Nacional: A Avaliação em Educação Infantil a partir da Avaliação de Contexto”(MEC,
2015) fruto do Projeto “Formação da Rede em Educação Infantil: Avaliação de Contexto” em
que se realizou um estudo a partir da experiência italiana.
A fim de olharmos com mais atenção para estes espaços compartilhados por adultos e
crianças, apresenta-se no diagrama abaixo os locais ocupados diariamente pelas crianças, assim
como pelas professoras, os quais estão em relação com o cotidiano educativo e com as
demandas específicas do território. Na organização da jornada das crianças, é necessário
promover o uso dos espaços a partir da premissa da indissociabilidade do cuidar e educar e das
orientações dadas pelas diretrizes nacionais para a educação infantil.

Figura 18 – Espaços e o Cotidiano das Crianças

DEMANDAS

•Crianças •Salas de Referência


•Refeitório
•Projeto educacional - •Fraldário
intencionalidade •Banheiros Infantis
pedagógica. •Sala Multiuso
•Interesses das crianças. •Corredores
SUJEITOS •Área Externa

ESPAÇOS

Fonte: A Autora (2020)

Desse modo, as demandas apresentadas no diagrama fazem referência à


intencionalidade pedagógica, o pensamento adulto, que organiza os espaços e seleciona os
materiais a partir de um projeto educativo específico, além dos interesses das crianças e da
valorização de diferentes linguagens. A especificidade do projeto educativo em vigor em cada
instituição também implica em novos processos de clivagem no uso dos espaços e na seleção
de materiais. As diferenças territoriais, por exemplo, irão implicar na valorização de linguagens
e vivências distintas.
Considera-se, desse modo, que os projetos educativos devem contemplar os princípios
éticos, políticos e estéticos e os eixos norteadores de interações e brincadeiras (DCNEI, 2010),
promovendo-se a contínua inter-relação entre as linguagens e um contexto de aprendizagem
130

que garanta seus direitos de aprendizagem. A perspectiva adotada na legislação nacional


também aponta para a imagem de criança competente e para a construção de pedagogias
participativas.
É importante ressaltar que os espaços ocupados pelas crianças durante a sua jornada,
como as salas de referência, refeitório e área externa, ao serem observados sem a presença delas
e sem documentações pedagógicas afixadas nas paredes comunicam apenas sobre a
intencionalidade pedagógica, característica da ação dos adultos que atuam na educação infantil,
e não sobre as criações das crianças no espaço. A seleção dos materiais, o uso criativo do
mobiliário e dos espaços disponíveis, como já discutido acima, vinculam-se às concepções de
criança, infância e educação que sustentam o projeto político pedagógico.
A cor é um elemento que chama atenção nos espaços ocupados pelas crianças. Nos
locais que elas utilizam, tanto na área interna quanto externa, observa-se uma quantidade maior
de cores, mobílias em tamanho infantil e a oferta de materiais e brinquedos. Além disso, todas
as antigas salas de referência têm uma parede colorida, o que não acontece nos outros espaços,
como a copa, secretaria, cozinha, sala de materiais e lavanderia.
Esses espaços irão transformar-se no decorrer do dia em locais que também
comunicam sobre as necessidades, anseios e interesses das crianças. A compreensão da creche
enquanto um espaço de vida e a relevância do cuidado ético nos processos de formação humana
implicam no reconhecimento da necessidade de garantia do bem-estar das crianças, desde
bebês, e de um estudo aprofundado sobre o que isso significa a partir da perspectiva delas 107.
As vivências das crianças, desde bebês, e seus modos de construir o espaço, transformá-lo em
lugar e encontrar-se com as coisas também revelam outros interesses que, por vezes, não são
viabilizados nos projetos arquitetônicos ou educacionais e que serão discutidos nas seções
posteriores do trabalho108.
No espaço interno, o refeitório é utilizado quando da realização de propostas, em
festividades celebradas pelos grupos, como a festa junina ocorrida no mês de junho, e durante
as refeições diárias para os grupos do Maternal I e II. Os corredores também são espaços
ocupados pelas crianças diariamente em seus deslocamentos do banheiro à sala, à sala
_______________
107
Como, por exemplo, os estudos de Monica Seland, Ellen Hansen Beate Sandseter e Ase Bratterud (2015) sobre
a experiência intersubjetiva de bem-estar de crianças de 1 a 3 anos e da pesquisa de Monica Seland, Ellen Hansen
Beate Sandseter (2016) com crianças de 4 a 6 anos.
108
Destaca-se que a observação dos bebês e a construção de uma relação com eles também provoca outros
questionamentos sobre seus interesses e a sua demanda por bem-estar no espaço da creche que fogem do escopo
dessa pesquisa e que também podem ter impacto no processo de seleção de mobiliário, materiais e no desenho
do projeto arquitetônico. São questões referentes a relação construída pelos bebês, por exemplo, com materiais
de uso grafo-plástico, assim como estudos sobre sono ou cuidados de higiene pessoal, dentre outras questões.
131

multifuncional e a área externa. Nota-se que os murais construídos para a exposição das
produções das crianças e documentações pedagógicas estão situados no campo de visão das
crianças, possibilitando as interações e brincadeiras das crianças a partir dos materiais expostos.
A partir do corredor da direita também é possível acessar os banheiros do Maternal I e
II, ambos contando com três sanitários e pias infantis, assim como com espelhos, os quais
encontram-se danificados devido à ação do tempo. Em um dos banheiros também há um
chuveiro, contudo existe estrutura hidráulica e de energia para a instalação de outros três (Figura
19). Nas paredes do banheiro, imagens diversas provenientes da internet mostram crianças
lavando às mãos ou limpando o nariz. Algumas destas imagens mostram crianças negras,
contudo a maioria é de crianças brancas.

Figura 19 – Banheiros Infantis

Fonte: A Autora (2020)

As três salas de referência têm o mesmo tamanho e uma estrutura semelhante e


espelhada devido ao projeto arquitetônico. Todas as salas têm janelas em ambos os lados,
garantindo uma boa circulação de ar, mas pouca visibilidade para crianças e adultos. Ao olhar
por elas a partir da perspectiva dos bebês é possível ver o forro do refeitório ou o céu. Como
adultos, era possível observar o refeitório, o céu e a copa das árvores. Para acesso às salas, havia
uma porta de madeira e, junto a ela, um “portãozinho” de metal. Em algumas situações, as
professoras abriam a porta e fechavam o portãozinho, o que permitia uma maior circulação de
ar e a comunicação com as pessoas presentes no refeitório e, ao mesmo tempo, impedia a saída
das crianças e abria uma “janela” por onde ela podiam observar o que acontecia do lado de fora
da sala.
132

Em cada uma das salas de referência era possível encontrar mobílias semelhantes: um
ou dois armários fechados, um tapete emborrachado, uma estante alta, mesas e cadeiras baixas
– ainda que altas para os bebês, que sempre balançavam os pés – e colmeias (mochileiros) para
organizar os pertences individuais das crianças. Além disso, cada uma contava com um
ventilador, um filtro de água, uma prateleira pequena alta onde as professoras mantinham o
álcool em gel, uma lixeira e um suporte para papel higiênico ou papel toalha (apoiado sobre o
balcão do mochileiro ou fixo na parede). Estas mobílias tinham o mesmo padrão da observada
nos espaços ocupados somente, ou prioritariamente, pelos adultos: móveis com estruturas de
metal, de fórmica bege ou madeira branca. Somente em uma das salas do maternal, assim como
na sala multiuso, havia um conjunto de mesa e cadeiras de madeira coloridas com pintura e
aspecto desgastado. A diretora relatou que no início de sua gestão (2017) ela solicitou via ofício
novas mesas e cadeiras para as salas de referência, as quais foram entregues pela prefeitura,
motivo pelo qual elas aparentam ser novas e não têm marcas de desgaste devido ao uso.
A sala do berçário era a única sala de referência com acesso direto ao espaço externo,
uma porta com “portãozinho” permitia o acesso ao solário (Figura 20) e, a partir dele, ao quintal
anterior da instituição109. Outro portãozinho localizado na extremidade direita também dava
acesso à antiga horta, que não estava sendo utilizada, e a um corredor de serviço que levava ao
quintal posterior. O solário tem um muro alto que impede o acesso das crianças e reduz o seu
campo de visão, uma das paredes é recoberta por azulejos para pintura e diariamente as
professoras colocavam um equipamento com escorregador plástico neste espaço. Os bebês e
suas professoras eram os únicos com acesso a esse espaço e que era vivenciado de modos
diferentes.

_______________
109
No final de 2019, os espaços estavam sendo reconfigurados para acolher as novas turmas e foram feitas algumas
mudanças de salas. Devido a organização das turmas, elas optaram por mudar as turmas de sala e ambientar
novas salas como biblioteca e sala multiuso. A presença de uma porta para acesso ao fraldário, por exemplo,
motivou a troca do Maternal I para o cômodo onde encontrava-se o espaço de convivência e estudo das
professoras.
133

Figura 20 – Solário

Fonte: A Autora (2020)


Em alguns momentos, a turma permanecia toda no solário e as professoras
disponibilizavam alguns materiais, frequentemente os mesmos disponíveis em sala. Em outros,
traziam elementos distintos, como gangorras de plástico, carreteis e bolas. Outra possibilidade
era a abertura do portão de acesso ao solário e a ampliação do espaço disponível para a
circulação dos bebês. Ou seja, a porta era aberta, as professoras se dividiam nos dois espaços e
os bebês podiam escolher o espaço no qual gostariam de permanecer.
Vale a pena chamar a atenção para o fato de que o trabalho com bebês requer
simultaneamente a garantia de espaços que eles possam ocupar com segurança e onde possam
exercer sua autonomia e a possibilidade deles se encontrarem com crianças de diferentes idades.
O solário possibilita este uso seguro de uma área externa e ensolarada, mas, ao mesmo tempo,
limita a possibilidade de encontro dos bebês com as outras crianças e com os elementos da
natureza. A proteção das crianças não pode ser uma prerrogativa para impedir a sua participação
em outros processos da escola e impedir o acesso dos bebês à natureza. Neste sentido, o solário
deve ser um espaço de contínua reflexão por parte das equipes pedagógicas, que precisam
refletir acerca do modo como ele é utilizado.
A sala do berçário também dava acesso direto ao fraldário. Ela era a única com acesso
ao fraldário (Figura 21), que era composto por dois balcões para trocas, duas banheiras, dois
chuveiros, duas privadas infantis (uma sem tampa e sem assento), uma bancada com duas pias
infantis e três armários onde ficavam organizados os materiais de higiene para os bebês, roupas
extras, lençóis, babadores, cobertores e toalhas. Também havia suportes para papel toalha,
sabonete líquidos, saboneteiras, lixeiras identificadas para separação dos resíduos e espelhos
em frente a pia e nos balcões de troca e banho.
134

Figura 21 – Fraldário

Fonte: A Autora (2020)


Os bebês tinham acesso ao fraldário nos momentos de troca e quando, ocasionalmente,
precisavam tomar banho. Nestas situações, eles frequentemente eram levados no colo e
aguardavam para serem pegos nos braços das professoras em frente ao portãozinho de acesso.
Apesar de não caminharem ou circularem pelo espaço sem o acompanhamento individualizado
e próximo das professoras, eles observavam esse espaço diariamente. A porta ficava aberta e
eles podiam olhar para dentro, ou seja, visualmente, o espaço se ampliava. Além disso, sempre
se dirigiam a ele quando as professoras os convidavam. Os momentos nos quais lavavam as
mãos tampouco eram frequentes, ocorrendo somente após brincarem na areia ou na terra.
A Sala Multiuso foi organizada pela diretora e pedagoga em microambientes diversos
que poderiam ser utilizados por todas as crianças da instituição e funcionava também, como já
dito acima, como um espaço onde ficavam organizados os brinquedos não utilizados nas salas
de referência. As imagens abaixo apresentam a primeira configuração do ano de 2019, pois ela
foi alterada algumas vezes no decorrer do ano.
Nesse primeiro momento, o espaço era composto por cinco microambientes: expressão
grafoplástica e exploração de materiais naturais na mesa de luz, fantasias, jogos, escritório e
leitura. Dentre os espaços previstos por Horn (2017), também há indicação deste ambiente
polivalente, desta sala multiuso, para a qual ela sugere o uso de materiais e brinquedos não
disponibilizados em outras partes da instituição, a apresentação deles de forma convidativa e a
mudança de sua configuração a partir da observação atenta das necessidades e interesses das
crianças.
135

Figura 22 – Sala Multifuncional e seus Microambientes

Fonte: A Autora (2020)


Durante o primeiro semestre de 2019, os bebês não vivenciaram o espaço da sala
multiuso organizado em microambientes. Contudo, durante uma semana, esta sala foi ocupada
pela turma do berçário durante uma reforma do forro do lactário. Para isso, ela foi esvaziada e
as professoras escolheram alguns elementos para levar até lá. Também foram mantidos os
armários, mesas e cadeiras próprios deste cômodo.
Além dos espaços internos ocupados pelas crianças (refeitório, corredores, banheiros,
sala multiuso e salas de referência) elas também têm a possibilidade de ocupar a área externa.
O espaço externo da instituição conta com árvores no jardim da frente e no pátio de trás, assim
como uma área verde gramada, caixa de areia, terra e um pátio de cimento. Brinquedos grandes
de convite ao movimento – de madeira – estão disponíveis nos dois espaços, um escorregador,
balanços e um trepa-trepa de pneus na parte da frente e um brinquedo com escalada,
escorregador e túnel no espaço de areia. O mesmo muro colorido de palitos circunda toda a
extensão do CMEI.
Duas intervenções distintas também foram realizadas nas paredes da área externa, uma
região pintada com tinta de quadro em um corredor externo e uma parede de azulejos. Os pneus
coloridos que constroem uma espécie de escada no morro, que aparecem ao fundo na imagem
136

da direita, também indicam um uso criativo dos espaços, na valorização do desnível do terreno
e do gramado onde as crianças brincam110.

Figura 23 – Área Externa do CMEI Porto Seguro

Fonte: A Autora (2020)

O uso dos espaços e do mobiliário realizado no CMEI Porto Seguro torna visível a
intencionalidade pedagógica e a relação entre a funcionalidade dos espaços e o
desenvolvimento do projeto educativo. A equipe pedagógica da instituição buscou construir
espaços onde as crianças pudessem se encontrar, declarou a imagem da criança potente ao
introduzir os materiais não-estruturados e criou uma sala de estudos para as professoras. Ou
seja, a reutilização criativa do espaço do refeitório e das salas vacantes comunica sobre o desejo
de construir uma escola onde os sujeitos possam se encontrar e sentir-se bem.
Ao observar-se o esforço da equipe em ressignificar os ambientes da instituição
também é possível notar que a estrutura física do CMEI Porto Seguro, datada de 1989, não
abrangia alguns dos espaços a que hoje se faz referência nos novos edifícios construídos a fim
de acolher a educação infantil e comunica sobre a imagem de criança e educação em vigor no
período. Ou seja, há uma intencionalidade pedagógica que se expressa a priori por meio do
projeto arquitetônico, da escolha do terreno e da área verde disponível, da localização no
território e do acervo inicial de móveis, brinquedos e materiais. Ela se altera a partir da ação da
equipe pedagógica, contudo, há limites para essa renovação dos espaços e é necessário que
direção, pedagoga e professoras enfrentem cotidianamente as constrições dadas pelo projeto
arquitetônico.

_______________
110
Outros materiais e brinquedos são trazidos para este espaço quando as crianças passam a ocupá-lo, como os
materiais de manipulação da areia, pás, formas e baldes, ou materiais de convite ao movimento, como bolas e
bambolês.
137

O reconhecimento da relação entre estrutura física e intencionalidade pedagógica remete


aos limites na ação local para a remodelação da estrutura física e a adequação dos espaços e
mobiliários para o atendimento das crianças pequenas. As marcas da cultura educacional –
material-simbólica – que orientaram a construção do edifício constringem o projeto educativo
em vigor. Além disso, observam-se indícios de um descompasso entre a oferta de mobiliários
e a imagem de criança defendida no projeto educativo do CMEI e na própria rede municipal de
ensino. As mesas e cadeiras altas, por exemplo, apesar de terem sido recebidas da prefeitura,
são inadequadas para o trabalho com os bebês.
Este embate convoca as reflexões acerca dos objetos presentes na escola e da imagem
de bebê que se torna visível por meio de uma análise dos elementos materiais e da estrutura
física. Além disso, aponta para os limites da ação local na recriação dos espaços e na atualização
do acervo de brinquedos e materiais. A construção do espaço da creche enquanto um lugar para
os bebês também se dá diante da confluência de processos mais amplos, como questões
relacionadas ao financiamento da educação. Portanto, apresentam-se a seguir algumas
discussões referentes aos processos de aquisição de materiais e manutenção da estrutura física
para depois procedermos com a apresentação e análise do acervo material da creche.

4.1.2 PROCESSOS DE AQUISIÇÃO DE MATERIAIS E MANUTENÇÃO DA


ESTRUTURA FÍSICA

Estante de materiais não-estruturados, pufes feitos de colchonetes sobressalentes,


cortina de fuxicos, sala multiuso... essas são algumas das marcas do CMEI Porto Seguro que
revelam a ação de professoras e gestoras diante da tarefa de ambientar o espaço da escola a fim
de construir um projeto educativo que se torne visível por meio da organização dos espaços. A
autonomia da escola, acompanhada de um projeto educacional condizente com as orientações
legais para a educação infantil, dá base para esses usos criativos e para a reconfiguração dos
espaços. Contudo, isto não pode significar o isolamento da instituição no enfrentamento dos
desafios de renovação do acervo, manutenção e atualização da estrutura física.
O exemplo do solário é propício para iniciarmos essa discussão, pois é um elemento
frequente nos projetos arquitetônicos para a creche, especialmente para as turmas do berçário,
e revela mudanças de concepções que ocorreram ao longo do tempo. O solário do CMEI Porto
Seguro, como já apresentado previamente, é construído com paredes altas recobertas por uma
antiga pintura amarela desgastada pelo tempo.
138

Em contraposição, os novos CMEIs da cidade de Curitiba preveem nos solários o uso


de grades ao invés de muros, mudança que já havia sido solicitada pela direção da instituição
em ofício, mas que ainda não havia sido liberada e com a qual ela não pode arcar com os custos.
Além dos novos padrões da prefeitura de Curitiba terem muros vazados nos solários, eles
também contam com outros elementos arquitetônicos em consonância com os dispositivos
legais e documentos publicados pelo MEC111 que orientam a organização da educação infantil,
como hall de entrada, janelas baixas que permitem que as crianças olhem para fora e uma sala
de estudos para as professoras.
Daniele Vieira (2016) ao discutir a questão de planejamento dos espaços e ação
docente também apresenta algumas reflexões sobre o uso dos solários. O padrão arquitetônico
das instituições construídas a partir deste programa federal contrasta com o solário do CMEI
Porto Seguro. Nas plantas destas instituições, o muro do solário é construído com cobogós112 e
há três elementos arquitetônicos aéreos que produzem sombra, criando um jogo de luz. Estes
materiais permitem mais trocas entre o ambiente externo e interno, constroem um conceito de
transparência, produzem sombras e rastros de luz, apresentando-se como um elemento
estrutural que pode ser explorado pelas crianças e que complexifica, texturiza o espaço.
Contudo, mudanças como essas no solário ou trocas de janelas não podem ser realizadas
no âmbito local da instituição e tampouco podem ser custeadas por ela. O CMEI Porto Seguro
procura realizar o melhor uso possível da estrutura disponível e enfrentar o desafio de custear
a manutenção dos elementos presentes, pois não tem capacidade de arcar com reformas ou
atualizações do projeto. Além disso, a instituição precisa arcar com os custos de manutenção e
conservação da estrutura física – o corte da grama, pinturas, pequenas reformas – e é
responsável por realizar a compra de materiais de limpeza, almoxarifado, brinquedos, livros,
mobiliário e demais materiais necessários. Estas compras devem ser custeadas com o recurso
proveniente da prefeitura, por meio do Programa Fundo Rotativo (PRF) 113 e com o valor

_______________
111
Em 2006, publica-se o documento nacional Parâmetros de Infraestrutura para Instituições de Educação Infantil
(MEC/SEB, 2006) que, dentre outras recomendações, sugere que haja variedade de materiais na construção a
fim de transformar o próprio edifício em um elemento possível para as investigações e explorações das crianças.
112
O cobogó é um elemento característico da arquitetura brasileira definido como:
“Peça de construção, feita geralmente de cimento, argila, gesso ou vidro, como um tijolo parcialmente
vazado, destinada a permitir iluminação parcial e arejamento”. (COBOGÓ, 2020).
113
O Programa Fundo Rotativo é a estratégia da prefeitura de Curitiba para realizar a descentralização dos recursos
para todas as unidades educacionais da rede municipal. Mais informações e um manual descritivo sobre o
funcionamento do programa podem ser acessadas no site da Prefeitura:
https://educacao.curitiba.pr.gov.br/conteudo/manual-do-programa-fundo-rotativo/7479.
139

recebido do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE)114. Além dessas duas fontes, o CMEI
criou um caixinha da instituição, por meio da qual recebe doações da comunidade e arrecada
dinheiro com rifas realizadas semestralmente por meio da Associação de Pais, Professores e
Funcionários (APPF).
A diretora afirma que a maior parte dos gastos da instituição ocorrem com as despesas
de manutenção, sendo uma demanda contínua devido à ação do tempo sobre o edifício:

É... hoje a prioridade realmente da unidade é a manutenção. Tudo o que a gente puder
direcionar nesse sentido. Infelizmente o valor que a gente recebe do fundo rotativo
em serviço ele é pequeno, enfim é pequeno porque é... proporcionado por criança e é
uma unidade que precisa de manutenção. A gente acaba na verdade apagando
incêndio, sabe?! A gente vai fazendo essa manutenção. Ah, aconteceu isso, daí
resolve. Dificilmente a gente consegue com o valor de manutenção que vem do fundo
rotativo planejar, como a gente fez com o PDDE a troca de uma porta. (Entrevista
Diretora, Dezembro de 2019).

Ela relata que no ano de 2019 foi necessário trocar uma porta e realizar uma compra
de ventilador, enquanto nos anos de 2018 e 2017, elas investiram na troca do forro de duas salas
de referência. Ambos os serviços foram possíveis com o dinheiro do PDDE que, diferentemente
do Fundo Rotativo, no qual o valor remanescente deve ser sempre devolvido à Prefeitura no
final do ano, permite que o capital recebido acumule de um ano ao outro, o que possibilita o
planejamento da verba para custear reformas mais caras. O forro das outras três salas, por sua
vez, foi trocado com o dinheiro proveniente de uma emenda parlamentar. No ano de 2019, a
expectativa era que fosse possível renovar os muros exteriores de palito através de emenda
parlamentar, contudo o valor excedeu e foi feita uma requisição via ofício para a Prefeitura. Os
recursos do PDDE também são continuamente necessários para a manutenção dos canos dos
filtros de água, pois em dias de muito calor eles racham e alagam as salas da instituição.
Esse processo de descentralização dos recursos permite que a gestão de cada
instituição possa adquirir bens e desenvolver projetos educativos de acordo com as necessidades
específicas de cada local como, por exemplo, a idade das crianças que frequentam as
instituições, projetos de pesquisa realizado pelos grupos e elementos culturais do território.
_______________
114
“Criado em 1995, o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) tem por finalidade prestar assistência
financeira para as escolas, em caráter suplementar, a fim de contribuir para manutenção e melhoria da
infraestrutura física e pedagógica.” (FNDE, Acesso em 9/03/2020). Mais informações podem ser acessadas no
site: https://www.fnde.gov.br/index.php/programas/pdde/sobre-o-plano-ou-programa/sobre-o-pdde. Para uma
leitura crítica sobre o tema, também é possível acessar o artigo de Theresa Adriao e Vera Peroni: Implicações
do Programa Dinheiro Direto na Escola para a gestão da escola pública. Educ. Soc. [online]. 2007, vol.28,
n.98, pp.253-267. ISSN 0101-7330.
140

Contudo, produz um isolamento das instituições na tarefa de manter a estrutura física e atualizar
os materiais e mobiliários, além de transferir a responsabilidade para ela, pois não há uma
avaliação por parte da rede municipal acerca dos recursos necessários para cada instituição
manter a estrutura e oferecer um padrão mínimo e igualitário. Com os recursos aos quais a
instituição tem acesso, ficam pendentes reformas do pátio situado na área externa, pinturas,
instalação de chuveiros e compra de mobílias adequadas para o tamanho dos bebês. Quem dera,
realizar reformas grandes na estrutura da instituição.
Também é possível observar que os recursos necessários para possibilitar a
manutenção da estrutura e a compra de material didático variam de acordo com a história de
cada instituição e suas características estruturais, o que não é considerado no processo de
distribuição dos recursos; que somente considera a quantidade de crianças atendidas e a
matrícula em creche ou pré-escola. Instituições novas, por exemplo, não requerem recursos
constantes para manutenção, assim como já são entregues com mobiliários e materiais que
dialogam com o projeto educativo em vigor na rede. Do mesmo modo, instituições mais antigas,
com maior área construída ou, ainda, com uma ampla área verde terão custos distintos de
serviços e manutenção.
A autonomia de cada instituição para a aquisição de materiais agiliza o processo de
compra e respeita os processos vividos por cada escola, contudo isenta a rede municipal de
acompanhar a qualidade do material oferecido e dificulta a luta por igualdade entre os centros
municipais de educação infantil. Ou seja, a distribuição dos recursos de acordo com a
quantidade de crianças é um critério importante para a distribuição dos recursos, contudo
invisibiliza as despesas das instituições com a manutenção da estrutura física e serviços.
O que se observa é que apesar do reconhecimento do espaço como um elemento
estruturante das práticas educativas e da frequente menção de materiais e brinquedos como
elementos centrais na consolidação de projetos educativos para as crianças pequenas, há uma
ausência da ação da rede para o acompanhamento dessas questões. No embate entre autonomia
e acompanhamento direto da rede municipal, as instituições mais antigas, como o CMEI Porto
Seguro, encontram-se sozinhas no desafio de ressignificar o espaço a fim de oferecer uma
educação infantil que sustenta-se nos eixos de interações e brincadeiras, valoriza as culturas
infantis e promove a profissionalização da docência ao reconhecer-se o trabalho de
planejamento e avaliação realizado pelas professoras, além de buscar garantir o bem-estar de
crianças e adultos.
O segundo maior gasto do CMEI ocorre com a compra de materiais de limpeza – papel
higiênico, papel toalha, sabão em pó, detergentes, desinfetante, dentre outros. Segundo a
141

diretora, sobrando recursos, é possível adquirir os materiais de almoxarifado e, com o restante,


investir na melhoria de brinquedos e outros materiais, o que dificilmente ocorre. Desde o início
de sua gestão, não houve como disponibilizar recursos do PDDE ou PRF para a ampliação do
acervo material, sendo necessário recorrer aos recursos provenientes do “caixinha”, da APPF.
Além disso, a gestão da escola solicita no início do ano a doação de materiais de papelaria (cola,
tinta, papéis, fita crepe, dentre outros) para as famílias a partir de uma listagem na qual elas
indicam os materiais necessários no CMEI.
Assim, a diretora, Luiza, afirma que a única mudança significativa no inventário de
materiais da creche ocorreu no início de sua gestão, em 2017, momento no qual ela solicitou
brinquedos e novas mesas e cadeiras através de um ofício. Ela relata que recebeu alguns jogos
de encaixe – sem saber descrever quais –, duas motocas, caixas organizadoras e mesas e
cadeiras altas – em fórmica e inadequadas para os bebês – das salas de referência. Nesse mesmo
momento, ela relata que providenciou uma revisão de todo o acervo da instituição, doando
materiais em excesso, descartando o que não tinha condições de uso, adquirindo materiais não-
estruturados e livros para iniciar um projeto literário com as famílias.
Desse modo, os materiais não-estruturados, dentre eles os objetos do cesto dos
tesouros, foram adquiridos com os recursos angariados pela APPF, o “caixinha do CMEI”. É
também com esse recurso que a instituição pode continuamente adquirir itens de almoxarifado
necessários e outros materiais requisitados pelas professoras para a realização de propostas – a
diretora mencionou a compra, por exemplo, de placa de isopor, gelatina, cola colorida e
barbante. Esse recurso também foi utilizado em 2019 para a troca da fechadura da porta da
cozinha, que tinha sido danificada em um furto que ocorreu na instituição durante o primeiro
semestre. Ou seja, são os recursos fruto do trabalho de gestão e do conselho que permitiram a
ampliação e atualização do acervo material da instituição, além de ser usado em situações
emergenciais.
A entrada desse novo conjunto de materiais também implicou em uma mudança na
forma como os materiais e brinquedos eram organizados na instituição. Anteriormente, cada
professora possuía os brinquedos de sua sala e, segundo a diretora, havia pouca rotatividade
entre as turmas. Luiza afirma que ao desfazer-se dos excedentes e provocar a organização de
uma sala onde todos os materiais e brinquedos pudessem estar disponíveis para o coletivo, a
sala Multiuso, ela desejava que as crianças tivessem acesso a uma variedade maior de
brinquedos. Além disso, o intuito era de que o uso compartilhado dos brinquedos promovesse
um sentido de coletividade e responsabilidade do uso dos materiais, assim como provocasse as
professoras a saírem de suas salas e se depararem com outras possibilidades de uso das
142

materialidades. Do mesmo modo, ela conta que a estante de materiais não-estruturados


provocou um incômodo inicial e que, aos poucos, a equipe docente passou a utilizá-los.
O único grupo que ainda possui alguns materiais de uso exclusivo são os bebês, os
quais permanecem na sala do berçário e que permanece sempre a mesma devido ao lactário. O
critério etário foi a justificativa apresentada pela diretora para a separação desses materiais. As
professoras da turma, Paula, Mariana e Daiane115, por sua vez, demonstraram concordar com o
fato de haver um grupo de brinquedos exclusivo para o berçário, trazendo à tona a questão do
tempo de existência desse acervo separado, a classificação etária de alguns brinquedos, a
necessidade de proteção dos bebês e a rara atualização ou ampliação do acervo material do
CMEI:

[00:18:18] ANA JULIA - Como foi esse processo de escolha dos materiais? (...)
[00:18:41] PAULA – Eles são só para o berçário.
[00:18:42] MARIANE – É que eles não podem ir para as outras turmas porque eles
levam para fora e todo esse processo.
[00:18:47] DAIANE – Agora, mais no segundo semestre, a gente começou a pegar os
brinquedos daquela última sala, para eles terem contato.
[00:18:53] PAULA - Que agora eles já estão um pouquinho maior né... Então daí a
gente pega outros brinquedos, mas aqueles ficam sempre ali. Até por conta do, do
jeito do brinquedo. É mais para bebê mesmo né... Aqueles brinquedinhos. É uma pena
que eles não funcionam, né?! Mas, é para a idade deles mesmo, né?! (...)
[00:19:46] PAULA - Mas tem brinquedo que faz muito tempo que tá ali no berçário.
[00:19:49] DAIANE - Eu lembro que tem uns brinquedos de encaixe da época que eu
trabalhava no berçário. (Grupo Focal com as professoras, Dezembro de 2019)

Durante a gestão da Luiza, ela também adquiriu alguns materiais novos não-
estruturados para a turma do berçário a fim de propor a prática do cesto dos tesouros116. É
incerto o momento no qual a compra dos materiais ocorreu, pois a diretora relata a aquisição
deles durante a reorganização do acervo, em 2017, enquanto as professoras afirmam que o cesto
foi adquirido em 2018. Contudo, é certo que esta prática passou a ser vivenciada a partir de
2018. Elas também relatam que durante 2019 o acervo se ampliou com materiais trazidos pelas
famílias, os quais, segundo as professoras, trouxeram uma marca afetiva para os objetos, pois
os bebês os reconheciam.
Na prefeitura de Curitiba, a aquisição de brinquedos e materiais deve ocorrer no CMEI
a partir de processos de licitação e para utilizar o recurso do PRF é preciso selecionar produtos

_______________
115
Paula e Mariana atuam no CMEI há sete anos e acompanharam o trabalho realizado por quatro equipes
diferentes de gestão durante esse período.
116
O cesto dos tesouros é uma prática criada por Elinor Goldshmied que consiste na oferta de materiais diversos
em um cesto amplo para bebês que se sentam independentemente, mas ainda não caminham. (GOLDSCHMIED;
JACKSON, 2006)
143

disponibilizados pelos fornecedores cadastrados no portal de compras do munícipio, o e-


compras. No momento da compra, devem ser indicados os itens de consumo117 que serão
adquiridos ou requisitada a aprovação da SME para acrescentar itens à lista ou comprar
escaninhos escolares, brinquedos em MDF ou livros118.
Aparte da lista de itens, a qual traz um indicativo de materiais e brinquedos que podem
ser adquiridos pela instituição, nota-se uma ausência de orientações quanto aos materiais
didáticos da educação infantil, tanto em âmbito nacional quanto na rede municipal de Curitiba.
O que significa que além de não haver o acompanhamento da SME quanto à renovação do
acevo de cada instituição e qualidade do material ofertado, os gestores enfrentam-se com a
escassez de orientações acerca desta temática.
As únicas sugestões acerca de brinquedos e materiais publicadas pelo Ministério da
Educação são dadas no documento “Brinquedos e Brincadeiras de Creche” (MEC/ SEB, 2012),
publicado com a supervisão da Tizuko Kishimoto e Adriana Freyberger. Nele, há uma descrição
minuciosa de critérios de segurança para a escolha dos materiais, uma distribuição etária dos
brinquedos e recomendações para o projeto arquitetônico, incluindo-se indicações de
mobiliário, além de uma reflexão sobre as brincadeiras de creche. Este documento fazia parte
do acervo de materiais de consulta para as professoras, contudo não foi mencionado pela
direção ou professoras nas entrevistas realizadas. No documento “Educação Infantil e Práticas
Promotoras de Igualdade Racial” (SILVA JR.; BENTO, 2012), apesar das materialidades não
serem o foco, são descritos diversos brinquedos e materiais que podem compor o inventário das
instituições de educação infantil e salienta-se a sua importância para práticas educativas
promotoras de igualdade racial.
Duas estratégias distintas realizadas no CMEI Porto Seguro comunicam sobre o valor
dado pela equipe pedagógica e gestora às materialidades ofertadas diariamente às crianças,
apesar da difícil gestão dos recursos e da ausência de orientações acerca da temática. A primeira
é a forma como o acervo material da instituição está organizado: a maior parte dos brinquedos
estão classificados em caixas etiquetadas com sugestões de contextos de brincadeiras que

_______________
117
No site da Secretaria Municipal de Educação, na Aba Secretaria, item “Coordenadoria de Recursos Financeiros
Descentralizados” (https://educacao.curitiba.pr.gov.br/conteudo/coordenadoria-de-recursos-financeiros-
descentralizados-crfd/4834) é possível fazer o download da lista completa de itens ou acessar informações sobre
os fornecedores cadastrados no portal e-compras. No Manual do Programa do Fundo Rotativo, também há
indicação completa de itens que requerem a aprovação da SME.
118
As recomendações de livros de literatura para a educação infantil e de livros técnicos para estudos dos
profissionais pode ser acessada no site da Secretaria Municipal de educação, na Aba Secretaria, item
“Departamento de Educação Infantil – Indicação de livros”
(https://educacao.curitiba.pr.gov.br/conteudo/indicacao-de-livros/4735).
144

poderiam ser propostos e organizados pelas professoras e essas caixas estão em um espaço
comum e acessível para todas as professoras do CMEI. Os materiais transformam-se em um
bem compartilhado, responsabilidade de todas as professoras e, ao estarem reunidos em um
mesmo espaço, permitem que toda a equipe docente conheça o acervo.
Nota-se que apesar do berçário ter brinquedos próprios, as professoras podem buscar
materiais na sala multiuso e ocupar esse espaço com os bebês. A professora Paula também
ressaltou que a organização dos brinquedos na Sala Multiuso foi positiva para a organização da
sala de referência, pois quando as caixas eram separadas por turma não havia espaço suficiente
para organizá-las e a sala ficava apertada com o grupo de crianças e seus pertences pessoais,
professoras, mobiliário e caixas organizadoras.
A segunda estratégia é a aquisição dos materiais não-estruturados e a sua apresentação
em um local de destaque na instituição. O suporte de madeira de um antigo buffet de
alimentação transformou-se em uma prateleira na qual os elementos estão organizados e
classificados, possibilitando o fácil acesso de professoras e crianças. A diretora também relata
que buscou diversificar a matéria desses objetos, contudo não conseguiu fugir da supremacia
do plástico.
Ao final de 2019, o acervo do CMEI Porto Seguro era composto por 13.011 itens119 e
180 tipos de materialidades. O maior impacto da ampliação do acervo em 2017 descrita acima
apresenta-se não em relação à quantidade de materialidades, mas quanto à variedade, como
pode ser observado na tabela abaixo (Tabela 1).

Tabela 1 – Quantidade e Variedade de Materialidades


Quantidade de itens Variedade
Materialidades que que foram adquiridas ou
elaboradas na gestão da instituição de 2017 a 1806 50
2020.
Materialidades que foram coletadas e reunidas
11205 129
ao longo do tempo (1989 – 2017).
Total 13011 179
Fonte: A Autora (2020)

_______________
119
Neste total, não se incluem os livros e os materiais de almoxarifado, pois não foi possível aceder ao número
exato de livros da instituição, pois eles circulavam pelas casas das crianças e ao encerrarem-se as atividades,
foram guardados em um local ao qual não tive acesso. Os materiais de almoxarifado, por sua vez, variam
continuamente devido às compras de materiais e uso pelas turmas. Um compilado das imagens e materialidades
do CMEI pode ser acessado virtualmente. Este é um convite analítico para promover um “mergulho” no acervo
material da instituição. Na sequência deste capítulo, apresentam-se outras explicações sobre esse material virtual.
145

Os cestos dos tesouros, por exemplo, continham 150 itens, sendo 49 tipos diferentes de
materialidades. Na estante de materiais não-estruturados, estavam disponíveis 40 tipos
diferentes, sendo 1266 itens. Com a ampliação do acervo a partir do investimento em materiais
não-estruturados e elementos naturais, ampliou-se o acesso das crianças ao patrimônio material
e cultural da humanidade. Isso significa que elas passaram a ter acesso a um conjunto maior de
materiais para as suas brincadeiras e interações no espaço da creche devido a ação local e aos
recursos provenientes de doações.
Ao nos determos para observar os processos de aquisição dos materiais, torna-se
visível que os recursos provenientes do PRF e do PDDE não são suficientes, no CMEI Porto
Seguro, para permitir a renovação e ampliação do acervo devido às demandas de manutenção
do edifício escolar. O recurso ao qual tem acesso para promover a ampliação do acervo é o
angariado pela APPF. Contudo, a manutenção e desenvolvimento do ensino compete ao
município e inclui a aquisição de material didático-escolar, tal obrigação decorre do inciso VIII,
do artigo 7º da LDB (Lei 9394/96). Sobre esta discussão, Silva (2015) destaca que:

De certa forma, também concordamos que o fato de os recursos financeiros


descentralizados serem direcionados para a compra de materiais, organização e
manutenção escolar atenuam a função do Estado e sua responsabilidade com essa
questão, desviando o olhar da escola para questões estruturais e de manutenção em
prejuízo das pedagógicas. A discussão conceitual sobre os critérios a serem
considerados para a definição dos montantes financeiros descentralizados e a reflexão
sobre a utilização desses recursos articulada ao Projeto Político-Pedagógico são
fundamentais para avançarmos na implementação das políticas de descentralização de
recursos financeiros às escolas públicas brasileiras. (VIANA, 2015, p. 147–148)

A desigualdade educacional se aprofunda quando a atualização ou renovação do acervo


material depende da iniciativa isolada da equipe de gestão, pois cada CMEI enfrenta realidades
distintas quanto ao público atendido, que pode ter mais ou menos poder aquisitivo, históricos
de relacionamentos diversos com a comunidade e conta com equipes gestoras com maior ou
menor facilidade para angariar recursos. A depender dos recursos amealhados pela APPF, as
instituições terão capacidades distintas para investir no acervo material ou para atender a outras
demandas específicas e essa diferença implica em acessos desiguais das crianças à educação.
Além do fato de que a troca de gestão pode resultar no término das ações pedagógicas em curso,
pois a não ser que elas já estejam integradas ao Projeto Político Pedagógico (PPP) da instituição
e tenham sido abraçadas pela equipe docente, a mudança compromete a continuidade da
organização do trabalho pedagógico.
146

No complexo processo de produção da creche enquanto um lugar para os bebês, as


materialidades e a própria estrutura física parecem ser colocadas em segundo plano. Os desafios
específicos de manutenção e reforma da infraestrutura, característicos de instituições mais
antigas, assim como uma reflexão aprofundada sobre o significado de material didático na
educação infantil não têm sido considerados na atual política de descentralização de recursos
do município de Curitiba120. A materialidade da creche encontra-se banalizada e, portanto,
pouco discutida e mencionada. A ausência de orientações e de acompanhamento dos processos
de constituição dos acervos materiais das instituições indica que é preciso discutir e defender
uma interpretação coerente acerca de quais e como são os materiais didáticos desta etapa da
educação básica121. Além da responsabilidade pela sua provisão, tendo em vista que constituem
uma importante dimensão da qualidade.
Ainda que diante das constrições políticas e econômicas que cerceiam a ação local, a
equipe gestora e pedagógica do CMEI Porto Seguro tem promovido a renovação do acervo e
produzido novos significados para os brinquedos e materiais da creche. Ou seja, observa-se que
as materialidades as quais as crianças têm acesso passam por processos de clivagem e são
apropriadas (CERTEAU, 2014) por professoras e equipe pedagógica na construção dos espaços
compartilhados cotidianamente com as crianças. Também foi possível notar o uso criativo dos
espaços e o esforço da equipe em ressignificá-los a fim de consolidar um projeto educativo que
promovesse o encontro entre sujeitos e garantisse o bem-estar de crianças e adultos.
Com isso, uma questão que se torna latente é a forma como o espaço se constrói a
partir das materialidades presentes e do valor pedagógico atribuído a elas pelos adultos. Ou
seja, além do espaço ser produzido pelas marcas do tempo no projeto arquitetônico e ser
também produto de políticas educacionais, ele também se altera pela ação local dos sujeitos. O
que remete à reflexão acerca do espaço, que não pode ser compreendido como absoluto, liso e
vazio, pois ele é poroso (MASSEY, 2005) e construído de modo relacional.
Para aprofundar essa reflexão, apresentam-se a seguir os brinquedos e materiais que
compõem o CMEI Porto Seguro, traçando parte de suas trajetórias e analisando-os enquanto
emaranhados materiais-semióticos.
_______________
120
Mariana Viana (2015) e Adriana da Silva (2013), em suas investigações sobre descentralização de recursos,
apresentam alguns dos debates em torno desta temática. Viana (2015) aponta para a necessária descentralização
a fim de garantir a autonomia das instituições e destaca que, apesar do caráter contraditório, pois pode acarretar
na desresponsabilização do Estado, há ganhos com esta estratégia. Adriana da Silva (2013), por sua vez, destaca
que apesar da descentralização poder auxiliar na realização do trabalho pedagógico, esta ainda é uma relação
frágil.
121
No capítulo propositivo, realiza-se uma discussão sobre o termo “material didático” e a materialidade da
experiência educativa.
147

4.1.3 MATERIALIDADES: A CULTURA PARA OS BEBÊS

O processo de construção do inventário de materiais do CMEI Porto Seguro realizado


no decorrer da pesquisa também provoca uma reflexão acerca da forma como esses brinquedos
e objetos foram adquiridos, a história deles no interior da instituição e os usos criativos por
parte das crianças e adultos. Esta ferramenta metodológica, especialmente desenhada para esta
pesquisa, demonstrou-se fundamental para a investigação das materialidades e o seu papel na
educação infantil.
Além disso, a análise de todo o acervo material permite uma reflexão acerca da
experiência que as crianças poderão viver na creche ao longo do tempo, longitudinalmente. Ou
seja, qual o patrimônio material ao qual elas terão acesso ao largo de sua experiência na creche?
Ademais, algumas das reflexões apresentadas nesta seção promovem uma comparação entre o
conjunto de materiais aos quais os bebês têm acesso e o universo disponível na instituição; visto
que o acesso às materialidades também é condicionado pela construção dessa categoria
intrageracional.
O inventário das materialidades provoca um mergulho no dinamismo da ação educativa
e nos múltiplos significados, sentidos, sensações e gestos que o encontro com a concretude do
mundo produz em nós. E, do mesmo modo como a entrada dos materiais no CMEI é marcada
por processos políticos e econômicos, como os descritos acima, observa-se o processo de
produção de significados para os artefatos materiais da creche. Neste sentido, a discussão que
se segue aborda questões relacionadas ao panorama sensorial, aos critérios de separação dos
materiais dos bebês e ao processo de produção de categorias pedagógicas das materialidades.
O material virtual também deseja provocar esse mergulho para os leitores e leitoras e convocar
sentidos e gestos, pois ao olhar-se para a forma como se compõe o acervo da instituição, a
questão da matéria torna-se latente e diferentes formas de categorização são possibilitadas.
Desse modo, foi o reconhecimento do acervo material que provocou novos
questionamentos acerca da imagem de bebê, das materialidades na educação infantil e das
relações entre um contexto local, a esfera micro, e processos globais, o macro, de produção do
lugar para os bebês. Assim, observa-se que o lugar para os bebês se constrói a partir das
materialidades que são selecionadas para o compor e eles terão acesso a elas de modos
diferentes a depender da ação pedagógica e dos processos de clivagem com os quais professoras
e gestoras operam.
148

Na construção do inventário da pesquisa todos os materiais foram classificados segundo


os seguintes critérios: matéria (plástico, borracha, madeira, tecido, vidro...), tipo de
produção/origem (artesanal, indústria pedagógica/ infantil, produto local, meio ambiente ou
reuso), acessibilidade às crianças (berçário ou geral) e categoria pedagógica (brinquedos para
jogo simbólico, jogos, brinquedos de construção, materiais não-estruturados...)122. Sempre que
possível também foi indicada a cor predominante do brinquedo ou material. Ademais, a
quantidade de cada materialidade também foi registrada e contabilizada, ou seja, cada bloco ou
cada peça de um jogo de memória.
O acervo de materiais, em seu conjunto, é majoritariamente composto por
materialidades produzidas industrialmente e em larga escala (71%). A maior parte delas
também é feito de plástico (67%) e são brinquedos produzidos tendo em vista o
desenvolvimento de habilidades cognitivas (54,6%), como jogos e blocos de construção. Caso
não houvesse ocorrido a ampliação do acervo com os materiais não-estruturados e elementos
naturais, a proporção de brinquedos que visam o desenvolvimento cognitivo seria de 62% e o
panorama sensorial, o plástico, permaneceria similar.
Para a turma do berçário, o cesto dos tesouros também inaugura uma nova relação com
as materialidades, pois sem elas, o acesso dos bebês restringia-se somente a bonecas, pelúcias,
miniaturas de borracha com apito, jogos de encaixe de plástico e miniaturas comerciais, além
da ocasional oferta de materiais grafo-plásticos e de convite ao movimento. Outros brinquedos
utilizados no primeiro semestre de 2019, como brinquedos de casinha, fantasias e bolas eram
ofertados com pouca frequência e também passaram a circular pela sala do berçário devido às
mudanças na organização do acervo material.
Considerou-se necessário classificar as materialidades de diferentes maneiras para
aprofundar a reflexão sobre a forma como se constrói o acervo material e o modo como o espaço
se apresenta enquanto campo de possibilidades para a ação das crianças, desde bebês. Os
conceitos de variedade e variação ajudam a pensar a diversificação do inventário da instituição.
A variedade é compreendida como os diferentes tipos de materialidades e a variação como a
diversificação no interior da categoria. Por exemplo, as bonecas consistem em uma variedade
de brinquedo, mas a variação deve ser considerada ao analisar-se se existem bonecas e bonecos,
bonecas brancas e negras, bonecas de materiais diversos (tecido, plástico, borracha, sabugo de

_______________
122
Os critérios utilizados nessa classificação e uma descrição dos itens que compõe cada categoria estão
apresentados no capítulo 3.
149

milho, madeira, porcelana...), dentre outras possibilidades de variação de uma mesma


materialidade.
Durante a produção do inventário, observou-se que as materialidades disponíveis no
CMEI eram feitas de 20 tipos diferentes de material. Como pode observar-se no gráfico abaixo
(Figura 24), o plástico foi utilizado para a produção de 100 tipos diferentes de materialidades e
representa 67% do acervo, já o segundo material com maior presença é a madeira, utilizada em
34 tipos de materialidades e correspondente a 20% do conjunto. O terceiro material mais
frequente são as fibras naturais e sintéticas, que dão forma a tecidos, cordas e elásticos, e que
estão presentes em 30 materialidades, correspondendo a 4% do inventário.

Figura 24 – A distribuição do material

3%
2% 4%
Outros 4%

Borracha

Materiais Naturais 20%

Tecido
67%
Madeira

Plástico

Fonte: A Autora (2020)

Juntos, o plástico, a madeira e o tecido constroem 91% do panorama sensorial que se


apresenta como possibilidade de exploração para as crianças. A borracha está presente em 1%
dos materiais e, na categoria de “outros”, estão agrupados os materiais que representam menos
de 1% do inventário, são eles: acrílico (26 itens), manta magnética (40), metal (86), papel (130),
papelão (123), silicone (1), EVA (10) e vidro (42). Além deles, é possível encontrar elementos
naturais que correspondem ao seu material, ou seja, sob os quais não foi realizado nenhum
processo de transformação da matéria além da sua colheita da natureza, e, ainda, objetos feitos
com material natural, são eles: bucha (2), cabaça (7), cascas de pinus (160), cascas de coco (4),
conchas (283), pedras (117), pinhas (4) e o vime (7).
150

Ao olharmos atentamente para as características materiais, observa-se que apesar da


madeira estar presente em 20% das materialidades, a maior parte delas consiste na madeira
processada e alisada por máquinas. O processo industrial por meio do qual a madeira foi
transformada torna inacessíveis qualidades materiais da madeira que podem ser observadas, por
exemplo, em galhos e gravetos. A madeira, em sua forma mais natural ou transformada somente
pelas mãos do carpinteiro ou do artesão, apresenta características táteis diversas, tem variações
de cor, tem cheiro, é levemente aquecida. Brinquedos artesanais de produção local, assim como
pedaços de madeira transformados em blocos, tornam acessíveis às crianças essas qualidades
do material. Contudo, ao ser processada e transformada em peças, ainda que de aspecto
agradável e com peso, há a redução de suas variáveis e, portanto, das possibilidades de
exploração e investigação a partir deste material. Além disso, a cor é padronizada e muitas
vezes recoberta por material laminado branco e de aspecto homogêneo.
O plástico, em todas as materialidades, também é uniforme, simples. Do mesmo modo
como a tatibilidade do plástico pode ser resumida a sua superfície lisa, ele não apresenta
qualidades sonoras ou odoríficas, exceto quando passa a expelir um cheiro forte devido ao
armazenamento. Além disso, há pouca variação no peso, sendo sempre um material ligeiro. As
cores apresentam-se com aspecto sólido, sem matizes ou nuances diversas e, na grande maioria
dos brinquedos, limita-se às cores primárias. Além disso, a indústria do brinquedo comunica
uma noção binária de gênero e produz os brinquedos com códigos de cor associados à cultura:
carrinhos, furadeiras e armas são predominantemente azuis e verdes; em contraposição, os
brinquedos de cuidados de beleza e de casinha, são majoritariamente rosas e lilases.
Ceppi e Zini (2013) ao discorrerem acerca dos materiais em ambientes para a educação
infantil destacam a importância da construção de um cenário complexo quanto às qualidades
dos materiais e criticam o panorama tátil característico da cultura moderna e que pode ser
observado no inventário do CMEI Porto Seguro. A uniformidade, a homogeneidade, a
pasteurização dos sentidos impregnam os produtos industriais e a paisagem apresentada às
crianças:

O panorama tátil dos materiais industrializados do pós-guerra até os dias de hoje


compreende um mundo que é regular e homogêneo, compacto e contínuo, resultado
de um ponto de vista higienista e da lógica de produção em massa e padronizada (...)
criando um cenário material no qual os contrastes são geralmente reduzidos ou, no
máximo, manipulados com dificuldade (também ao projetar espaços). (CEPPI, 2013,
p.80).
151

As materialidades selecionadas para os bebês apresentam um panorama material


semelhante ao do conjunto total do CMEI. O plástico representa 68% do total, ou seja, dos 810
itens presentes na sala do berçário, 550 eram feitos de plásticos. A composição do acervo dos
bebês difere do conjunto total pela menor presença da madeira e é possível observar o impacto
do cesto dos tesouros. As materialidades apresentadas neles são responsáveis por 15% dos itens
na sala, correspondentes a 11 tipos diferentes de material. Sem o cesto, o panorama material
seria diferente e se restringiria a somente quatro tipos de materiais, como pode ser observado
na tabela abaixo (Tabela 2).
Sem essa prática pedagógica, o acesso dos bebês estaria quase completamente restrito
às materialidades produzidas pela indústria do brinquedo e educacional. Além deles, os bebês
poderiam deparar-se com materiais de descarte reutilizadas com frequência nas escolas, como
caixas de papelão, caixas de ovos e garrafas pet. A sua experiência na creche, que não se
encontra separada da sua experiência material, física, concreta, de encontro com o mundo,
estaria restrita em grande parte aos produtos da indústria e principalmente a materiais
desenvolvidos para promover o desenvolvimento cognitivo, o qual é compreendido como um
processo de racionalização e preparação para a vida adulta (JOBIM E SOUZA, 1996).

Tabela 2 – Distribuição das materialidades do berçário segundo o material


Com cesto dos tesouros Sem cesto dos tesouros
Somatória % Somatória %
Acrílico 23 3% 0 0%
Metal 26 3% 0 0%
Papelão 21 3% 20 3%
Silicone 1 0% 0 0%
Borracha 23 3% 22 3%
Materiais 47 6% 0 0%
Naturais
Tecido 75 9% 65 10%
Madeira 44 5% 2 0%
Plástico 550 68% 528 83%
Fonte: A Autora (2020)

Ao olharmos atentamente para os brinquedos do berçário, é possível observar que neles


o plástico passa por transformações que produzem desenhos nos brinquedos. A superfície
permanece lisa, contudo, é possível percorrer o brinquedo com as mãos e deparar-se com formas
inscritas na superfície. Esses brinquedos trazem consigo, em sua maioria, estímulos para a
exploração de sons, texturas, consistências e convites ao movimento. Esses artifícios do
brinquedo sustentam-se na ideia de que ao bebê lhe falta o desenvolvimento de todos os sentidos
152

e, por meio do brinquedo, ele é convidado a desenvolver as habilidades que futuramente lhe
permitirão desenvolver-se cognitivamente e que precisam ser estimuladas. Ou seja, precisam
ocorrer a partir de um agente externo e não como habilidades que podem se desenvolver a partir
da ação autônoma do bebê.
A indústria do brinquedo e educacional, da mesma forma como traz consigo a imagem
de uma infância global, parece normatizar os sentidos e os sentimentos. A separação entre corpo
e pensamento, com a qual a modernidade opera, se faz presente nos brinquedos e objetos
produzidos para as crianças. De modo conectado, o foco no desenvolvimento das habilidades
cognitivas – característica dos jogos de construção, lógica e memória largamente presentes no
acervo – implica em um apagamento dos sentidos e do corpo.
A tradição pedagógica de valorizar o pensamento é fruto dos falsos binômios produzidos
pelo pensamento ocidental e de um persistente costume de avaliar as crianças e suas
potencialidades somente a partir da perspectiva tradicional da psicologia do desenvolvimento e
de escalas que normatizam e universalizam o desenvolvimento humano. Na tabela abaixo
(Tabela 3) é possível observar a grande quantidade de materialidades produzidas tendo em vista
o desenvolvimento cognitivo (brinquedos para bebês, construção, jogos e letramento).

Tabela 3 – Distribuição das materialidades segundo categoria pedagógica


Berçário Total
Brinquedos para bebês 8% 1%
Brinquedos para construção 37% 37%
Instrumentos Musicais 0% 1%
Jogos 0% 9%
Materiais de Jogo Simbólico 27% 11%
Materiais de Letramento 0% 9%
Materiais de Manipulação 0% 1%
Materiais de Convite ao
1% 3%
Movimento
Materiais Não-Estruturados 26% 28%
Fonte: A Autora (2020)

Os brinquedos interativo-sensoriais, característicos de empresas como a Fisher-Price,


estão guardados em duas caixas plásticas organizadoras e estão todos parcialmente danificados,
de modo que não emitem quaisquer sons. Dentre os outros materiais do CMEI, o único material
comercialmente produzido para bebês que pode ser encontrado são mais miniaturas de borracha
com apito. Elas estão disponíveis em grande quantidade e organizadas como brinquedos para
banho, sugerindo um contexto de brincadeira que pode ser apresentado às crianças.
153

No inventário, também é possível observar que o CMEI possui quatro conjuntos de


materiais que são vendidos e comercializados como produtos para bebês: mordedores, móbiles,
miniaturas de borracha com apitos e brinquedos interativo-sensoriais. No berçário, estes três
primeiros tipos de brinquedos estão guardados junto a miniaturas comerciais provenientes de
brindes de ovos de páscoa e lanches de grandes redes de fast food, como o McDonalds e o
Burger King, em uma caixa denominada pelas professoras de “Caixa de Variados”. Essas
miniaturas representam 12% do total de materialidades ofertadas aos bebês. De modo que o
acesso dos bebês a brinquedos para o jogo simbólico se restringe a bichos de pelúcia (14),
bonecas (31), carrinhos (40), casinhas em miniatura (2), mamadeiras (8), animais de miniatura
(13), pista de carrinhos (1) e os brindes comerciais (96).
Durante a entrevista, as professoras relataram a dificuldade em deixar de utilizar as
miniaturas comerciais, por elas denominadas de diversos, e com as quais já estavam
acostumadas a trabalhar. Mas, também relataram que o convite da Luiza e o acompanhamento
da pedagoga durante o ano de 2019 provocaram a oferta dos materiais não-estruturados aos
bebês.
O gráfico abaixo123 apresenta o tipo de material utilizado em cada categoria
pedagógica124 da materialidade, tornando visível a presença do plástico e a entrada de outros
materiais em categorias específicas. Observa-se a presença do plástico em todas as categorias e
que a borracha está presente principalmente nos brinquedos comercializados para bebês, são
miniaturas de borracha com apitos, blocos de construção emborrachados, mordedores e
móbiles. A sua presença marcante nos produtos para os bebês deve-se a noção de segurança e
proteção associada a ela. Juntamente com o plástico, a borracha é um material de fácil
higienização – uma prática que deve ser constante em grupos de berçário. Além disso, permite
que sejam criados brinquedos com cantos arredondados e leves, o que pode evitar que os bebês
se machuquem ao manusearem os objetos.

_______________
123
Destaca-se que quatro categorias não foram incluídas a fim de facilitar sua leitura e apresentar dados coesos.
São elas: materiais de práticas pedagógicas (chamada, roda...), visto que são somente 22 itens, o que representa
menos de 1% do total de materialidades; instrumentos musicais (painéis sonoros, flautas e instrumentos
elaborados no CMEI), que também compreendem menos de 1% do total; materiais grafo-plásticos, visto que
não foram contabilizados os materiais de almoxarifado; e materiais de leitura e contação de histórias (composto
por pape, tecido e plástico), pois não foi realizada a listagem de todos os livros da instituição.
124
Os critérios de classificação das materialidades segundo a intencionalidade pedagógica estão disponíveis no
capítulo metodológico, no Quadro 9.
154

Figura 25 – Distribuição das categorias por material

100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%

Plástico Madeira Tecido Borracha Materiais Naturais Outros

Fonte: A Autora (2020)

Essas são as qualidades materiais da borracha que promovem o seu uso em mais de 70%
dos brinquedos para bebês disponíveis no CMEI. Ou seja, outras características desse material,
como o fato de que ele é maleável, permitindo que os brinquedos sejam pressionados, ou sua
versatilidade, o que permite que seja utilizado para a criação de materiais de tamanhos e formas
diversas não são os critérios mais importantes na produção do brinquedo. Aparte dos brinquedos
para bebês, a borracha só está presente na instituição em bolas e tapetes emborrachados.
Os materiais derivados de fibras têxteis, artificiais ou naturais, estão presentes nos
brinquedos para bebês, materiais de jogo simbólico (fantasias e comidas de casinha), materiais
de movimento (cordas e elásticos) e nos materiais não-estruturados (retalhos de tecidos). Ao
olhar-se atentamente para eles, observa-se que os tecidos naturais estão pouco presentes, sendo
encontrados principalmente em itens de vestuário reutilizados como fantasias e nas bonecas de
tecido cru confeccionadas pela turma do berçário. Com mais frequência, encontram-se
brinquedos de feltro ou fantasias de tecidos sintéticos.
A tatibilidade dos tecidos encontra-se reduzida a superfícies lisas e em que dificilmente
se observa a trama. Veludos, lãs, sedas, algodão e fibras naturais que oferecem outro tipo de
experiência sensorial são raridades. A riqueza dos tecidos aparece na sua maleabilidade,
elasticidade e diversidade de cores e formatos, mas as crianças têm raras oportunidades de
descobrir a variação de textura.
155

O metal, o vidro, o acrílico, o silicone, o papel, o papelão e a manta magnética são


encontrados somente nos materiais não-estruturados ou em materiais construídos pelas
professoras. Do mesmo modo, os elementos naturais – mantendo-se a suas qualidades materiais
– não são utilizados para a criação de outros brinquedos. Ou seja, não há vasilhas de cerâmica,
bonecas de sabugo de milho, carrinhos de lata, bonecos de madeira ou de barro ou outros. Os
brinquedos oferecidos às crianças para o faz de conta são plásticos e padronizados.
Gandhy Piorski (2016), em seu livro “Brinquedos do Chão: a natureza, o imaginário e
o brincar” 125, apresenta um quadro em que descreve os brinquedos identificados no seu estudo,
“(...) artefatos, objetos manuseados, construídos pelas crianças a partir das substâncias da
natureza.” (PIORSKI, 2016, p.32). Ele menciona bois feitos de cera de abelha, bois e vaqueiros
feitos de ossos e couros, fazendinhas feita do fruto da oiticica ou de fruto do melão-de-são-
caetano, casinhas de folha de bananeira ou varas de marmeleiro e grutas feitas de pedra.
A variedade de brinquedos descritos por Gandhy Piorski (2016) e produzidos pelas
crianças ao interagirem com a natureza provoca duas reflexões. A primeira refere-se aos
elementos incontáveis presentes na instituição e que não aparecem na contagem das
materialidades: a terra do quintal, a areia, folhas, flores, árvores e a grama, com as quais as
crianças, desde bebês, tem a oportunidade de se encontrar ao vivenciar o espaço externo. A
estrutura do CMEI Porto Seguro permite essa aproximação à natureza, mas é necessário
seguirmos nos questionando quanto ao como os bebês poderão vivenciar esse espaço e criar
brinquedos no encontro com a natureza, ainda que os adultos não os reconheçam enquanto tal.
As crianças da pesquisa de Piorski (2016) constroem outra relação com a natureza ao terem
tempos largos de vida vivida no espaço externo.
Isso remete à segunda reflexão, que diz respeito ao significado do brinquedo para a
criança e a sua relação com a cultura local. As materialidades que compõem o espaço do CMEI
são produzidas por adultos para as crianças e não é possível encontrar nenhum brinquedo no
acervo material que tenha sido inventado por elas. Isso não significa que elas não criem
brinquedos ao vivenciarem o espaço, pois elas transformam pedras, conchas, gravetos, furos na
parede e réstias de sol em brinquedos. Ou seja, há a sobreposição do valor simbólico à função
em sua relação com as coisas, o que caracteriza o brinquedo (BROUGÈRE, 2010). Contudo, as
criações das crianças da creche parecem ser marcadas pela efemeridade, dado o valor atribuído

_______________
125
A pesquisa de Gandhy Piorski (2016) constituiu em um estudo etnográfico em que ocorreu o acompanhamento
de crianças em comunidades litorâneas, serranas e sertanejas do território cearense durante o período de dois
anos. A especificidade do contexto pesquisado implicou no encontro com esses tipos diferentes de brinquedos,
profundamente vinculados à cultura local e às experiências materiais destas populações.
156

por elas ao processo e não ao produto. Do mesmo modo, os brinquedos criados pelos bebês têm
valores simbólicos muitas vezes inacessíveis aos adultos porque são produzidos no decorrer da
brincadeira e porque ela acontece a partir das regras criadas por eles e geralmente
incompreensíveis para os adultos126.
Além disso, ao verificar-se a procedência dos materiais que compõem o espaço da
creche127, observa-se que 70,57% das materialidades ofertadas para as crianças passaram por
um amplo processo industrial de produção antes de chegar até a escola (Tabela 4). Dentre o
universo, 9182 são produtos industriais destinados ao uso infantil ou educativo, 3074 materiais
são de reuso, 462 consistem em elementos da natureza comprados ou coletados, 115 foram
produzidos dentro da instituição, 177 consistem em materiais de produção local e um jogo foi
produzido pela secretaria de educação de Curitiba e entregue ao CMEI.

Tabela 4 – Quantidade de materialidades por tipo de produção e acesso das crianças


Total
Tipo de Produção Berçário Geral
Soma Porcentagem
Elaboração CMEI 43 72 115 0.88%
Indústria 554 8628 9182 70,57%
Meio Ambiente 66 396 462 3,55%
Produção local 13 164 177 1,36%
Reuso 134 2940 3074 23,63%
SME 0 1 1 0,01%
Total 810 12201 13011 100%
Fonte: A Autora (2020)

Os produtos industriais e plastificados são duas marcas fortes nas materialidades


produzidas para as crianças e que compõem o espaço da creche nesse contexto de educação
infantil urbano e em uma creche situada em um bairro marcado pela desigualdade de renda. As
materialidades comunicam sobre um processo de globalização da infância, uma infância global,
normatizada, que produz o apagamento e a invisibilização dos saberes locais e de uma relação
situada com a natureza. Cosmologias africanas ou indígenas e sua forte relação com a natureza
se veem colonizadas, distanciadas dos contextos de educação das crianças. As materialidades
da creche trazem à tona esse processo global de normatização da infância e o apagamento das
diferenças, além de tornarem visível a sua relação com processos de produção e manutenção

_______________
126
No decorrer da pesquisa, foi possível registrar brinquedos criados pelos bebês, eles são apresentados no decorrer
deste capítulo ao depararmo-nos com os encontros dos bebês com as coisas.
127
Os critérios para a categorização das materialidades segundo o seu processo de produção e/ou origem
apresentam-se no Quadro 10, disponível no capítulo metodológico.
157

das desigualdades. Manuel Sarmento (2003) ao falar sobre os produtos culturais para a infância
destaca que:

Não obstante, importa sublinhar que este esforço normalizador e homogeneizador, se


tem efectivas consequências na criação de uma infância global (Sarmento, 2001b),
não anula – antes potencia – desigualdades inerentes à condição social, ao género, à
etnia, ao local de nascimento e residência e ao subgrupo etário a que cada criança
pertence. Há várias infâncias dentro da infância global, e a desigualdade é o outro lado
da condição social da infância contemporânea. (SARMENTO, 2003, p.6)

Apesar disso, a variedade de materiais presentes nos brinquedos não-estruturados e a


presença de produtos locais ou de reuso, permitem que observemos um processo de
ressignificação dos objetos por meio da ação social de crianças e adultos e práticas que
produzem outra cultura para os bebês. O encontro entre processos globais e locais produz
situações específicas, que podem ser denominadas de glocais devido aos processos de
reinterpretação pelos atores sociais, em que é possível notar o processo de produção simbólica
por parte das professoras. A própria criação de uma categoria pedagógica de “materiais não-
estruturados” torna visível o trabalho simbólico realizado sobre os artefatos culturais. Eles se
transformam e são ofertados às crianças como convites à criação e exploração dos materiais.
Ao verem a ficha dos cestos dos tesouros, as professoras não hesitaram em falar sobre
os objetos e explicar que vinham estudando a possibilidade de ofertá-los separados por tipo de
material. Ao final do grupo focal, ao enfrentarem a tarefa de repensar o espaço da sala com um
croqui da planta e as fichas de materiais, elas trouxeram a possibilidade de apresentar as
materialidades do cesto dos tesouros separadas e alinhadas em uma estante acessível aos bebê.
Também destacaram que não queriam os brinquedos interativos que faziam parte do acervo do
berçário. Em duas situações, elas relataram suas observações quanto a relação estabelecida
pelos bebês com esses materiais não-estruturados, denominados por elas de polivalentes:

[Vira-se a ficha com os materiais não-estruturados do cesto dos tesouros]


[00:43:22] PAULA – É bem legal, porque eles gostam bastante... e brincam bastante.
[00:43:23] MARIANA – E criam bastante...
[00:43:24] PAULA – E criam bastante!
[Durante a discussão sobre a nova disposição das materialidades na sala]
[01:11:30] MARIANA – Se você for perceber, são brinquedos que vêm ao longo dos
anos os mesmos brinquedos e cada ano a gente cria novos sentidos para aquilo. O que
faz sentido para essa turma do berçário esse ano, talvez ano que vem não faça mais
sentido.
[01:12:33] PAULA – Mas o que mais chama atenção sempre são esses brinquedos
que a gente não dá muito valor.
[01:12:33] DAIANE – Os de largo alcance.
[01:12:33] PAULA – É, os de largo alcance! (Grupo Focal com as professoras,
Dezembro de 2019)
158

Ao olhar para o conjunto de materiais elaborados no CMEI, observa-se que 51% dele
(59 itens) foi produzido durante o ano de 2019 devido à participação de duas professoras no
projeto “Músico da Família” da UFPR128 e que 43 itens eram de uso exclusivo do berçário. A
observação do acervo também indica que os materiais produzidos no CMEI têm menor
durabilidade e são muitas vezes produzidos para demandas específicas do grupo, como as coisas
do berçário, e, portanto, muitas vezes não se integram ao conjunto após a finalização do ano.
As bonecas de pano artesanalmente feitas pelas famílias e professoras no período de
familiarização dos bebês, por exemplo, não foram localizadas na instituição no final do ano.
Dentre os materiais criados pelas professoras, estão também as bonecas de tecido natural, o
algodão cru, e duas abayomis encontradas na sala multiuso.
A separação dos materiais entre o uso exclusivo do berçário e uso geral também se altera
com o passar do tempo. As professoras do berçário relatam que criaram no início do ano
mamadeiras para os bebês brincarem em contextos de maternagem129. Essas mamadeiras foram
recuperadas da empresa que presta o serviço de alimentação nos CMEIs de Curitiba e que é
orientada a descartar os utensílios ao final de cada ano. Com as mamadeiras em mãos, elas as
preencheram parcialmente com bolinhas de isopor, lacraram a parte superior e inventaram
mamadeiras que davam a impressão de que o “leite” se movia dentro do objeto. Inicialmente
apresentadas aos bebês, elas foram emprestadas para as outras professoras e passaram a ser
guardadas na sala Multiuso antes do final do primeiro semestre de 2019.
A pouca variedade dos materiais de produção local também pode ser destacada, pois
nota-se que dentre os 177 itens, 145 são comidas de brinquedo costuradas em feltro. Além delas,
há cestas de vime, um carrinho de madeira, um cenário de papelão para contar a história dos
três porquinhos, dedoches, fantoches e móveis de casinha de madeira. É importante destacar
que dentre os itens produzidos industrialmente é possível que alguns dos jogos de encaixe de
madeira, assim como blocos de construção de madeira, sejam provenientes de indústrias locais
com produção reduzida e menor distribuição, contudo não há indicativos de trabalho artesanal
ou referências de imagem ou de matéria que remetam à cultura brasileira ou a especificidade

_______________
128
O projeto “Músico da família ao vivo: um contexto de educação musical” é um projeto existente desde 2011 e
coordenado pelo professor Guilherme Romanelli – UFPR, no qual professoras de CMEIs recebem formação sobre
música na educação infantil e acolhem os músicos da comunidade.
129
Este era um termo mobilizado pelas professoras da turma do berçário no cotidiano do grupo e que foi utilizado
por elas para referirem-se às brincadeiras dos bebês nas quais eles cuidavam de bonecas ou de bichos de pelúcia,
como dar de comer ou ninar. A fim de produzir um engajamento crítico com o termo, destacamos que
reconhecemos que ele parece estar diretamente vinculado ao cuidado dos bebês pelas mulheres e que está sendo
utilizado neste contexto pois estamos referindo-nos ao discurso das professoras.
159

do território. Por este motivo, foram classificados como produtos da indústria, dada sua
possibilidade de produção em larga escala.
Os elementos provenientes da natureza podem ser encontrados tanto no cesto dos
tesouros dos bebês quanto em alguns potes e um cesto com elementos naturais disponibilizado
na sala Multiuso. É importante também esmiuçar os itens que compõem a categoria de reuso.
Esses materiais são aqueles utilizados na instituição para um propósito distinto do qual foram
originalmente concebidos. Ou seja, reuso não é sinônimo de doação. Ainda que alguns possam
ser provenientes de doações da comunidade130 ou das professoras, eles não se restringem a elas,
tendo sido adquiridos em centros de reciclagem ou lojas. Os itens disponíveis no cesto dos
tesouros, por exemplo, foram em grande parte adquiridos em uma loja: descansos de panela,
xícaras, molduras, copos medidores, esponjas, peneiras, dentre outros. Muitos materiais desta
categoria foram produzidos industrialmente, enquanto outros são resíduos industriais.
A reutilização de itens produzidos inicialmente para o uso dos adultos remete à
transformação deles em brinquedos por meio da ação da criança e à atribuição de um status de
“objetos pertencentes ao universo infantil” e de “materiais pedagógicos” pelas professoras por
meio do processo de seleção e organização dos materiais. Esta operação de coletar e reutilizar
estes materiais produz, desse modo, um novo status para o objeto.
Gilles Brougère (2017), ao estudar os bens infantis, aponta a diversidade de modalidades
por meio das quais um objeto é destinado às crianças e destaca que “o consumo pode ser
marcado por uma liberdade de usos que não respeitam aquilo que propõe o objeto”131 (2017,
p.74). Ele faz essa observação ao mencionar o uso por adultos de objetos da Hello Kitty, mas
aqui destaca-se o sentido inverso. Objetos inicialmente produzidos tendo em vista o adulto
enquanto destinatário, são ressignificados por meio do consumo e passam a ser destinados às
crianças. Ou seja, o reuso de materiais na instituição remete a um trabalho simbólico por meio
do qual se alteram as possibilidades objetivas dos materiais, gerando futuros significados
possíveis (WILLIS, 2000).
É interessante notar que parte dos objetos de reuso eram anteriormente utilizados na
própria instituição. Esse é o caso dos copos, potes, pratos e mamadeiras que seriam descartados
pela empresa de alimentação ao final do ano letivo e que foram entregues às professoras. Ou

_______________
130
Do mesmo modo, há brinquedos e materiais que são doados ao CMEI e que mantêm o seu propósito inicial no
processo de classificação e organização do espaço promovido pelas professoras. Esse é o caso, por exemplo, dos
brinquedos eletrônicos de bebês, móbiles, miniaturas comerciais, bonecas, carrinhos e até mesmo mobiliário que
possa vir a ser doado à instituição.
131
No original: “La consummation peut être marquee par une liberté d’usages qui ne respecte pas ce qui propose
l’objet.” (BROUGÈRE, 2017, p.74).
160

seja, esses objetos foram utilizados por adultos e crianças no momento de alimentação e
nenhum outro tipo de uso era aceitável ou permitido por parte de adultos ou crianças enquanto
eles mantiveram esse valor simbólico. Contudo, ao serem ressignificados e iniciarem um novo
ciclo de vida como “brinquedos” e materiais pedagógicos, eles foram guardados em uma caixa
organizadora e passaram a ser apresentados às crianças em contextos de jogo simbólico, como
materiais para construção de torres, acompanhados de tecidos e caixas de papelão ou em
espaços em que estavam disponíveis para o acesso das crianças.
Um processo análogo ocorre com itens de escritório/ tecnologia que são apresentados
às crianças em contextos de jogo simbólico. Teclados, mouses, telefones celulares, telefones e
câmeras fotográficas passam a ser compreendidas pelos adultos como bens infantis. E devido a
esse novo status, as crianças podem aceder às materialidades e explorar usos diferentes dos
convencionais. Ou seja, alteram-se as suas possibilidades objetivas. Além disso, esse processo
de reuso permite que um novo ciclo de vida do objeto se inicie ao transformarem-se em bens
das crianças.
Além destas materialidades de reuso, há os materiais não-estruturados provenientes de
resíduos da indústria ou que seriam descartados, como os apresentados na figura abaixo (Figura
26). Canos de pvc, prismas, rolos de papelão e carretéis não são objetos frequentemente
utilizados no cotidiano e apresentam-se às crianças como coisas inusitadas quanto a sua função.
Alguns dos materiais eram desconhecidos até mesmo para os adultos, que não sabiam indicar
uma função prévia ou nomeá-los. Durante a entrevista com as professoras, por exemplo, elas
demoraram para nomear a ficha em que se apresentava os carretéis dispostos no refeitório.

Figura 26 – Materiais não-estruturados

Fonte: A Autora (2020)


161

Essa diferença de valor simbólico em relação aos outros itens da categoria de reuso
produz uma diferenciação dos usos realizados pelos adultos. Ou seja, enquanto itens de salão
de beleza, eletrônicos ou saúde eram apresentados às crianças em situações que convocavam
uma estrutura narrativa, como brincar de escritório ou de médico/médica; os materiais não-
estruturados eram apresentados em contextos sem uma estrutura narrativa unívoca. Eram
situações em que as crianças podiam escolher o que fazer com o material e atribuir diferentes
valores simbólicos a depender da brincadeira iniciada.
Antes da gestão da Luiza, os únicos materiais não-estruturados que compunham o
acervo da instituição consistiam em sucatas, como caixas de papelão, garrafas PET, caixas de
ovos, plástico-bolha e tampinhas de garrafa. É certo que é possível elaborar materiais
interessantes com base nesses suportes, como as garrafas sensoriais criadas pelas professoras,
e que caixas de papelão são convites para diversos tipos de brincadeiras. Contudo, a entrada
dessas novas materialidades e o valor que lhes foi atribuído provoca outras reflexões e uma
revisão do sentido tradicional do “material pedagógico”.
É importante destacar que é a ação pedagógica de professoras e gestoras que provoca a
entrada de materiais que não foram produzidos para a escola ou enquanto brinquedos para as
crianças. Ou seja, são materiais que passam a fazer parte do espaço da creche devido as ações
dos adultos que trabalham na escola. A fim de consolidar o projeto educativo elas apropriam-
se dos artefatos culturais para construir o espaço, para criar um lugar para as crianças e rever a
produção cultural para elas. O novo status desses materiais enquanto bens infantis e materiais
pedagógicos, como mencionado previamente, evidencia o entrelaçamento do processo de
produção dos objetos com as ações de consumo. A criatividade simbólica (WILLIS, 2000) dos
sujeitos evidencia o modo como os processos de produção de sentido estão interconectados com
uma rede mais ampla de relações.
Ainda que a maior parte das coisas presentes na creche traga as marcas da produção em
larga escala, o que implica na supremacia do plástico e na produção de uma imagem de infância
normatizada, globalizada e que se pressupõe universal, as professoras reconstroem o lugar para
as crianças ao promovem a entrada de materialidades que podem promover a diferença e a
complexificação das experiências delas na creche. Ou seja, a construção do espaço da creche é
um processo dinâmico no qual produções de sentido em redes locais e globais estão
combinadas, sendo impossível compreendê-las de forma indissociada.
Se estudados a partir de uma lógica binária e enquanto pontos opostos em uma escala,
a ideia de local e global invisibilizam o dinamismo do espaço. Contudo, se se reconhece “(...)
162

‘o global no local’ e o ‘local no global’ abre-se espaço para engajar-se com assuntos estruturais,
indiscriminados, e seus resultados nas vidas das crianças.”132 (HANSON et al., 2018, p. 273,
tradução nossa). Sarah Holloway e Gill Valentine (2007), por sua vez, também salientam a
relevância do rompimento do binarismo entre essas terminologias, apontando que “(...) nossa
compreensão de processos ‘globais’ se aprofunda com o estudo dos mundos ‘locais’ das
crianças, e a nossa apreciação dos mundos ‘locais’ das crianças é matizada por meio da análise
da importância das influências ‘globais’.”133 (HOLLOWAY; VALENTINE, 2007, p. 769,
tradução nossa). Neste sentido, essas terminologias operam como campos relacionais, instáveis
e difundidos no dia-a-dia e possibilitam a criação de chaves teóricas que operam por meio de
novas terminologias. O termo glocal (CLIFFORD et al., 2003; GREGORY et al., 2009)nos
ajuda a compreender a forma como representações de educação e infância que circulam em
redes globais adquirem novos contornos ao serem apropriadas e, portanto, ressignificadas pelos
atores sociais. No âmbito local, elas se transformam ao entrarem em confronto com processos
situados no contexto de vida dos sujeitos.
A imagem de bebê comunicada por miniaturas emborrachadas com apitos, mordedores,
móbiles e brinquedos interativos é distinta da imagem de bebê produzida por um cesto com
materiais inusitados ou pelos elementos naturais. Mesmo que processos globalizados de
produção do brinquedo encontrem sustentação na noção da falta, a ação pedagógica pode
produzir outro lugar para os bebês. Os atores agem condicionados pela estrutura, mas produzem
o cotidiano, dão novos contornos a processos globais e, com isso, produzem a categoria
intrageracional “bebês” a partir do substrato material, desta ancoragem em um emaranhado
material-semiótico. Ou seja:

(…) os espaços de socialização dos bebês não são lugares fechados, mas espaços
abertos e conectados, dissecados e conectados por processos sociais, culturais,
econômicos e políticos em uma variedade de escalas interconectadas, do local ao
global.134 (HOLT, 2013, p.10)

_______________
132
No original: “(…) we recognize the ‘global in the local’ and the ‘local in the global’ opens space for engaging
with broadbrush, structural issues and their outcomes for children.” (HANSON et al., 2018, p.273).
133
No original: “(…) our understanding of ‘global’ processes is deepened by an examination of children’s ‘local’
worlds, and our appreciation of children’s local worlds is further nuanced through an analysis of the importance
of ‘global’influences.”
134
No original: “(…)the early socialisation sites of infants are not bounded places but open and connected spaces,
dissected by and connected to social, cultural, economic, and political processes at a variety of interconnected
scales, from the local to the global.” (HOLT, 2013, p. 10)
163

Desse modo, o inventário de materiais nos aproxima a uma compreensão da creche


enquanto lugar destinado aos bebês a partir da concepção moderna de infância, lugar que nos
permite entrever a profunda relação que se estabelece entre identidade infantil e os territórios
da infância (LOPES; VASCONCELLOS, 2006). De modo que esta ancoragem territorial
oferece às crianças “(...) o próprio substrato material a produção da existência.” (LOPES;
VASCONCELLOS, 2006, p.110).
Assim, são práticas materiais-simbólicas que produzem os bebês enquanto categoria
intrageracional e que se tornam instrumentos para a produção de suas subjetividades. O bebê
não existe enquanto categoria sem a cultura material que o envolve. Do mesmo modo, os laços
afetivos construídos entre o bebê e o lugar se estabelecem a partir do encontro de seus corpos
com as coisas que lhes são apresentadas e que, na creche, foram sempre previamente
selecionadas pelos adultos a partir de clivagens próprias do pensamento pedagógico e das
representações de criança e de bebê. Lopes e Vasconcellos (2006) afirmam que há:

(...) uma estreita ligação entre a vivência da infância e o local onde ela será vivida,
pois cada grupo social não só elabora dimensões culturais que tornam possível a
emergência de uma subjetividade infantil relativa ao lugar, mas também designa
existência de locais no espaço físico que materializa essa condição. (LOPES;
VASCONCELLOS, 2006, p.112)

Este olhar para os espaços e as materialidades comunica sobre as presenças e as


ausências. Os materiais não-estruturados organizados e categorizados no hall de entrada
convidam a uma reflexão sobre o seu potencial educativo, do mesmo modo como a ausência de
figuras estereotipadas e de decorações nas portas com desenhos infantis ou representações de
crianças comunica sobre um rompimento com esta imagem de criança. Outra ausência diz
respeito a outros mobiliários que são originalmente concebidos para o uso pelos bebês, como
materiais almofadados, berços e bebês-conforto.
No cotidiano da turma, a caixa de variados e os brinquedos interativos comercializados
como “brinquedos para bebês” eram ofertados com frequência aos bebês. As professoras, na
entrevista, relatam que estes eram brinquedos escolhidos para a turma do berçário porque eram
coisas de bebês e que era uma pena que eles não emitissem sons. A existência desses brinquedos
e a frequência com que eram ofertados revela um processo de construção social da categoria
intrageracional “bebês”. Além disso, eles permaneciam mais reclusos do grupo, tendo acesso a
um espaço externo (o solário) unicamente deles e ocupando a área verde e a caixa de areia em
situações ocasionais, o que também comunica sobre a forma como as professoras
compreendiam as noções de proteção e sociabilidade dos bebês. A pesquisa de Carolina
164

Gobbato (2011) também faz menção à exclusão dos bebês e ao potencial de transformação dos
espaços a partir da acolhida da simultaneidade e das múltiplas linguagens mobilizadas pelos
bebês.
Contudo, esta construção social que implica na superproteção e consequente exclusão
dos bebês de outros processos sociais, assim como a perspectiva de estímulo a fim de promover
o desenvolvimento cognitivo e motor – as quais orientam a elaboração de brinquedos interativo-
sensoriais e de andadores ou apoios para sentar – é por vezes confrontada pelas práticas
simbólico-materiais vividas no CMEI.
As professoras relatam que trouxeram mais bonecas, carrinhos e produziram
artesanalmente uma pista de carrinhos para a ambientação da sala no início do ano. Assim como
indicaram que os brinquedos que gostariam que fossem permanentes na sala eram os brinquedos
de casinha, fogão, panelas e pratos. Olhar para os bebês como sujeitos que criam brincadeiras
de jogo simbólico representa um confronto com a imagem construída socialmente. Nos
produtos à venda para bebês, panelas e pratos são brinquedos com etiquetas que os indicam
somente para crianças maiores de dois anos.
A presença dos cestos dos tesouros e os materiais não-estruturados também produzem
um confronto com a imagem social do bebê. Ter em mãos por tempo prolongado e com a
possibilidade de mover-se pela sala objetos originalmente produzidos para outros fins ou
elementos naturais representa outra mudança na construção da categoria intrageracional no
âmbito da creche. Ao invés dos bebês acessarem os materiais produzidos como “cultura para
os bebês”, eles passam a também acessar um amplo acervo composto por outros materiais,
formas, texturas, temperaturas, peso e densidade. Há um rompimento com o padrão hegemônico
que pode possibilitar o acesso dos bebês a materiais produzidos a partir de outros referentes
culturais.
Ou seja, a partir do encontro com a materialidade, os bebês têm a possibilidade de
vivenciar experiências diversas das possibilitadas pelos bens de consumo. Assim, é possível
que “nós imaginemos como a noção de infância [de bebê/babyhood] é praticada, materializada
e espacializada (...)” (HORTON, KRAFTL, 2006, p. 88)135
A relevância do uso de produtos locais e a entrada de materiais de reuso podem
provocar, portanto, a construção de um lugar para os bebês em que se promova a diferença e
que se produz um confronto com a imagem de infância normatizada. Apesar do panorama

_______________
135
No original: “We wonder, for intance, how the notion of ‘childhood’itself is practiced, materialized and
spatialized as something thoroughly affective.” (HORTON, KRAFTL, p. 88)
165

plástico e da grande quantidade de brinquedos industrializados, os processos de clivagem


realizados pelas professoras e equipe gestora e pedagógica promovem outro uso dos materiais.
Os bebês, ao explorarem esses objetos, também acionam outros gestos e formas de interação,
em um contínuo processo de construção de um lugar deles.

4.1.4 A MODO DE SÍNTESE: DA ACOLHIDA DO INESPERADO E DO ESPAÇO COMO


CAMPO DE POSSIBILIDADES

As mudanças feitas pela equipe na organização interna e externa da instituição revelam


demandas do projeto educativo referentes ao trabalho pedagógico e ao bem-estar dos sujeitos
que ali trabalham que provocam ressignificações dos espaços e dos materiais, em um processo
de contínua construção do espaço. O que os sujeitos podem fazer com estes materiais e o que
eles nos provocam? Pois, “somos lo que somos por la interacción con los objetos, así como
ellos lo son por esas interacciones.” (DUSSEL, 2019, p.18).
Esta é uma questão que também pode ser mobilizada ao olharmos para a estrutura do
CMEI Porto Seguro a partir do giro material, o que implica neste reconhecimento da
materialidade enquanto elemento da cultura. Daniel Miller (2005) afirma que “não há
humanidade definida em oposição à materialidade.”136 (p.36). Do mesmo modo, poderíamos
dizer que não há educação em oposição à materialidade. O projeto educativo não se realiza de
forma desconectada do substrato material, sendo ele um elemento co-constituinte da ação
educacional. Miller (2005) mobiliza uma metáfora que torna nítida esta dimensão da
materialidade: ele retoma a clássica história da roupa nova do imperador a fim de mostrar como
as ideias, por si só, não sustentam a experiência humana. Ela é simultaneamente concreta e
simbólica.
As questões levantadas por Dussel (2019) seguem provocando a reflexão a fim de
aprofundar-se a discussão acerca destes emaranhados materiais-semióticos:

Hay uma simetria em esa interacción humanos-objetos que hay que considerar como
punto de partida de la investigación; en esa dirección, habría que ir más allá de decir
que la historia de um artefacto depende de los usos y sentidos que les damos a los
objetos y buscar atender a lo que ese artefacto produjo em la nueva red humanos-
objetos que se creó a partir de su presencia. (DUSSEL, 2019, p.17)

_______________
136
No original: “There is no humanity defined in opposition to materiality” (MILLER, 2005, p.36)
166

Ou seja, a materialidade da creche não é representação dos sentidos, mas é inseparável


deles. A partir do destaque feito previamente ao mobiliário almofadado do espaço de
amamentação retoma-se esta discussão. É inegável o processo social de construção de símbolos
acerca do que significa conforto, acolhimento, aconchego, mas também são notórias as
sensações produzidas em nós diante do encontro dos nossos corpos com os materiais. O corpo
também é materialidade. O encontro com superfícies aquecidas e responsíveis ao toque irá
produzir efeitos diversos em cada sujeito, pois os encontros com a materialidade são
eminentemente subjetivos. Contudo a ideia de conforto ou acolhimento não existe sem o
substrato material. Se existisse, todos veriam a roupa nova do imperador.
E, do mesmo modo, como os objetos apresentados aos bebês configuram-se enquanto
artefatos culturais e apresentam uma leitura de mundo para eles, há coisas que escapam devido
à materialidade da experiência humana. A própria matéria se modifica sem que haja ação
humana sobre ela. A pintura da parede desgasta e começa a rachar, pouco a pouco se rompe. O
forro de madeira envelhece. Os brinquedos de plástico armazenados na caixa vedada expelem
um cheiro forte. A borracha enrijece. A chuva e o vento agem sobre o piso concretado e
produzem veias, falhas, rachaduras. O cano do filtro de água rompe-se com o calor e inunda a
sala137. A casca da árvore muda de cor, cresce o musgo, surgem trepadeiras e ervas de
passarinho. A grama cresce incessantemente. A areia muda de cor quando está mais úmida ou
mais seca. A luz entra de formas diferentes e produz sombras que mudam a cada minuto.
O carretel escorrega no piso liso do solário ou uma sombra surge sob as mãos do bebê
que engatinhava em direção a uma canetinha. Enquanto lemos o texto, pode ser que sintamos
uma veia pulsar, os pés esfriarem ou que, de súbito, estejamos na contra-luz e precisemos fechar
as cortinas para enxergar a tela do computador.
A matéria não se sujeita as ideias ou aos sentidos produzidos socialmente, ela participa
da constituição do social. Condiciona, restringe, possibilita, convoca a ação. Os brinquedos
criados pelas professoras a partir de materiais recicláveis, como chocalhos e pandeiros, ou
materiais como caixas surpresas e cardápios, elaborados por meio da ação sobre o material, se
tornam possíveis devido à maleabilidade da borracha, à aderência gerada pela cola, ao
magnetismo da malha, ao som que as miçangas produzem. A forma se altera, nestes casos, para
adequar-se aos sentidos sociais. Em outros, ela permanece, pois garrafas sensoriais ou pistas de

_______________
137
Durante a entrevista, a diretora relatou que é frequente que um cano fino e estreito dos filtros de água das salas
arrebente com o calor. Cada vez que isso ocorre, é adquirido um cano novo.
167

carrinhos mantem a mesma matéria e a forma para qual foram originalmente concebidos, ainda
que para outros fins.
As mudanças na matéria, juntamente com um orçamento que não abarca todas as
demandas de manutenção e conservação, provocam novos usos dos materiais. O brinquedo
grande da caixa de areia, por exemplo, é pouco utilizado devido a partes com madeira podre e
outros materiais danificados que poderiam oferecer risco às crianças. Aos bebês, o uso era
interditado. As crianças, como poderemos observar nas seções posteriores, também produzem
novos significados ao encontrar-se com as coisas.
Não é objetivo desta pesquisa construir uma história social dos objetos, tampouco foi
possível cartografar as suas trajetórias, acompanhando-os nas mudanças que são produzidas
com eles e por eles no percurso do tempo, contudo é imprescindível destacar que os objetos da
escola permanecem na instituição através do tempo, provocando o confronto e o encontro dos
sujeitos. Eles são continuamente ressignificados e apropriados pelos sujeitos, transformando-
se a partir dos usos criativos.
Ao longo do tempo, os edifícios escolares vão se transformando como efeito de
políticas, mudanças sociais e da ação dos sujeitos. A compreensão de um espaço poroso,
político, dinâmico, que atravessa este trabalho move a reflexão sobre os lugares para as
crianças. Ou seja,

(...) há diversas conexões, trajetórias, histórias e relações que podem acontecer


somente para que particulares geografias materiais simplesmente apareçam; a
contingência, particularidade e imprevisibilidade de tais conexões; e também, as
complexas e frequentes tácitas relações de poder e políticas que ordenam tais
conexões. (HORTON; KRAFTL, 2006, p. 73, tradução nossa) 138

O inventário dos materiais e dos brinquedos disponíveis na instituição, assim como do


mobiliário e a descrição da estrutura possibilitam uma aproximação às perguntas iniciais desta
seção sobre como a instituição de educação infantil passa a configurar-se enquanto tal a partir
dos objetos que ali se encontram e ajudam a construir uma imagem de como é uma escola da
infância. O material virtual, se lido junto ou acompanhando este capítulo, convoca a uma
imersão neste contexto da creche, provocando reflexões sobre os materiais, brinquedos, o chão,

_______________
138
No original: “Then there are the manifold connections, trajectories, stories and relationships which must happen
just so for particular material geographies to appear just so; the contingency, particularity and unpredictability
of such connections; and yet also, the complex and often-tacit (power-)relations and politics which order such
connections.” (HORTON, KRAFTL, 2006, p.73)
168

as paredes. As coisas que continuamente transformam-se diante deste fluxo de vida (INGOLD,
2012).
A discussão acerca dos lugares para as crianças pode ser retomada juntamente com a
reflexão sobre os lugares das crianças. Kim Rasmussem (2004), observa como as crianças
constroem lugares tanto nos espaços formais previstos para elas quanto em locais diversos que
não foram pensados para serem ocupados por elas, apontando que:

Os variados significados e tipos de “lugares das crianças” deveriam tornar-nos


conscientes das crianças enquanto atores sociais e culturais que criam lugares que são
físicos e simbólicos e chamar a atenção para as interfaces entre as compreensões dos
adultos sobre o que se pode fazer em um lugar para as crianças e a interpretação delas
acerca deste assunto. (RASMUSSEN, 2004, p. 171, tradução nossa)139

Jader Janer Moreira Lopes e Bernd Fichtner (2017), ao apresentarem a perspectiva


inovadora de Marta Muchow140, destacam o pioneirismo de sua perspectiva de estudo, que já
no início do século XX preconizava o protagonismo infantil e suas formas próprias de ocupar
e construir o espaço. Dentre suas conclusões, a autora afirmava que “o espaço de vida das
crianças é mais claramente percebido quando observamos as estruturas do mundo adultos, que
são ressignificadas em suas experiências (...)” (p.772). A diferença entre o espaço planejado
para as crianças, como as escolas, espaços recreacionais e parquinhos, e a forma como elas se
apropriam do espaço, seja ele destinado a elas ou não, vêm novamente à tona.
Isso não significa desconsiderar as relações que se estabelecem entre o espaço
concebido pelos adultos e o espaço vivido pelas crianças, produzindo uma leitura da realidade
que implique no distanciamento e na construção de uma leitura reificada das experiências
infantis, ou seja, não significa retornar à imagem da criança tribal. Mas, pelo contrário, implica
em compreender que a interpretação do espaço será sempre múltipla, partindo sempre de uma
abordagem relacional. Adultos e crianças podem ressignificar os elementos presentes a partir
de lógicas próprias que dialogam entre si e guardam relação com os elementos da cultura – os
conteúdos simbólicos e a materialidade. De modo que “os espaços de vida das crianças não
são construídos ao lado dos espaços de vida dos adultos, mas são sobrepostos e intercalados.”
(LOPES; FICHTNER, 2016, p.772).

_______________
139
No original: “The many meanings and kinds of ‘children’s places’ should make us aware of children as social
and cultural actors who create places that are physical and symbolic and call attention to ‘the interfaces’ between
adults’ understanding of what one can and should do in a place for children and children’s understanding of this
matter.” (RASMUSSEN, 2004, p. 171)
140
Professora e colaboradora voluntária no Laboratório de Psicologia da Universidade de Hamburgo que no início
do século XX faz uma pesquisa sobre o espaço de vida das crianças na cidade.
169

A forma como os adultos reutilizaram os espaços do CMEI Porto Seguro e o impacto


de uma prática pedagógica que reflete acerca do uso dos materiais e brinquedos, promovendo
mudanças como uma sala comum e trazendo para o debate os materiais não-estruturados, pôde
ser vislumbrada com a discussão realizada nesta seção. Um dos elementos que faltam à esta
reflexão, é olhar para os bebês e refletir sobre o que o encontro com esta materialidade da creche
promove e o que ela significa para eles.
Isso nos remete novamente à reflexão apresentada por Kim Rasmussem (2004), que
nos convoca a pensar nas interfaces entre as leituras de adultos e crianças acerca do espaço. Um
espaço pensado para as crianças pode tornar-se em um lugar delas? Peter Moss e Pat Petrie
(2002) apontam o modo como os serviços oferecidos às crianças, espaços recreacionais e
escolas, tem o potencial de transformar-se em espaços das crianças ao serem significados pelos
sujeitos que os ocupam, a partir da premissa da criança enquanto ator social e de uma
compreensão aprofundada sobre as culturas infantis.
Isso porque “as coisas poderiam ter sido diferentes e elas poderão ser novamente. O
mundo é uma ação e uma produção que pode ser regulado pelo passado, constrangido pelo
presente, mas que permanece aberto ao poder da imaginação e da invenção.” (SMITH, 2001,
p.36 apud HORTON; KRAFTL, 2006, p.75, tradução nossa)141. Reconhecer que os lugares
para as crianças podem se transformar em lugares das crianças implica em acolher as mudanças
geradas por elas, seus modos de interagir e encontrar-se com a materialidade. Implica no
reconhecimento do inesperado. Essa abertura para a acolhida das ações das crianças é o que
permite que o espaço da creche e a sala de referência sejam compreendidos como campo de
possibilidades para as ações dos bebês. As creches são lugares para eles, constrangidos por
processos globais, constantemente alterados e modificados pela ação das professoras e políticas
locais e que também têm o potencial de se transformar em um lugar dos bebês.

_______________
141
No original: “Things could have been different; and they might be again. The world is a doing and a making
that may be regulated by the past, that may be con- strained in its present, but that remains open to the powers
of imagination and invention” (SMITH, 2001, p.36 apud HORTON; KRAFTL, p.75).
170

4.2 PARTE II – VAGAR E DIVAGAR: MOVER-SE NO ESPAÇO

Figura 27 – A Line Made by Walking

Fonte: Richard Long (1967)

“Os passos são como as nuvens. Eles vêm e vão.”


Hamish Fulton
171

Figura 28 – Pedro e as linhas no piso do solário (19/06/2019)

Pedro e Nathiely caminham pelo


solário com canetinhas em mãos.
Perambulam de um lado ao outro.
Ao caminhar, Pedro depara-se
com um desnível dos azulejos.
Pausa, junta os dois pés, dobra os
joelhos, salta, dobra novamente os
joelhos e curva o corpo à frente,
risca o chão ao mover o antebraço
direito e a mão de um lado ao
outro, estica as pernas e procura
por Nathiely. Sem pisar na linha
criada pelo desnível, ele se dirige
até ela e observa que ela havia
começado a desenhar na parede.
Sem parar de se mover, ele gira o
corpo, caminha e volta a
aproximar-se do desnível. Dessa
vez, ele o atravessa sem pausas e
se depara com uma linha efêmera
criada pela sombra do telhado,
diminui o ritmo, agacha-se, estica
uma perna e cruza a sombra,
posicionando um pé de cada lado.
Justo em frente estão as marcas
que ele havia deixado há alguns
instantes. Ele as observa e, ainda
de cócoras, traça novas linhas no
chão repetindo o mesmo
movimento da mão e antebraço.
Em seguida, desvia o olhar para
seus pés, observa-os, levanta-se e
volta a deambular.

Fonte: A Autora (2020)


172

Três excertos distintos foram escolhidos para o começo desta discussão. São eles: uma
frase do artista caminhante Hamish Fulton sobre os passos e a experiência do andar; a obra de
Richard Long, “A Line Made by Walking” (Figura 27), que apresenta a linha criada pelo
movimento contínuo do artista de ir e vir sob a grama; e um evento registrado durante a pesquisa
de campo (Figura 28), no qual os bebês vagam pelo espaço e modulam o movimento de acordo
com os encontros vividos: neste caso, com a linhas criadas pelo desnível do piso e pela sombra
do telhado.
A citação, a fotografia e o relato nos conduzem a uma reflexão sobre o movimento
perambulante dos bebês, a experiência e a constituição da creche enquanto lugar dos bebês por
meio do caminhar errante. A análise de suas ações em seu encontro com a materialidade
começa142, desta forma, com um olhar dirigido ao movimento e não à pausa. À incerteza e não
à exatidão. Àquilo que é transeunte, não permanente. À imprevisibilidade e não ao que pode
ser programado e (pre)visto.
Muitos dos eventos narrados nesta parte do trabalho me capturaram por sua fugacidade e
pela insistência em escapar ao registro fotográfico. Foi difícil traduzir os sentidos atribuídos
pelos bebês a essas vivências, pois a experiência do movimento143 é um acontecimento difícil
de ser narrado e que se modifica ao ser representado em linguagem escrita. A experiência, por
si só, dada sua singularidade, não pode ser separada do indivíduo que a vive (LARROSA,
2002). Neste sentido, observar o movimento dos bebês produziu a constante reflexão sobre a
(im)possibilidade da pesquisa (ELWICK; BRADLEY; SUMSION, 2014), ou seja, sobre a
necessidade de narrar por meio da palavra escrita – constante confronto da linguagem na
linguagem – as vivências espacializadas dos bebês e, simultaneamente, a impossibilidade de
resumi-las ao texto escrito, pois sempre há algo que escapa.
A discussão realizada nesta parte do trabalho surgiu, portanto, da necessidade de discorrer
acerca das práticas autotélicas (RAUTIO, 2013), aquelas com sentido interno, e seu potencial
revolucionário (KOHAN, W. O.; OLSSON; AITKEN, 2015), de acolhida da imprevisibilidade,
para a prática educativa. Alex Orrnalm (2020) relata a forma como o envolvimento dos bebês
com as meias era algo que lhe maravilhava e que seguia intrigando-a no decorrer de sua

_______________
142
Nesta parte, inicia-se a análise das ações dos bebês a partir dos registros fotográficos e audiovisuais. É a primeira
das três em que se apresentam narrativas visuais e uma análise decorrente da observação das ações dos bebês.
143
Franceso Careri (2013), em “Walkscapes: O Caminhar como Prática Estética”, discorre sobre as estratégias
encontradas pelos artistas caminhantes, do dadaísmo ao surrealismo a fim de “(...) transmitir a sua experiência
em forma estética.” (p.132), ou seja, de transformar o caminhar em representação gráfica. Ao discorrer sobre os
artistas, ele relata a forma como eles se deparavam com o desafio da representação de um caminhar errante,
aberto ao mundo e efêmero.
173

pesquisa etnográfica. Do mesmo modo, o contínuo vagar dos bebês me surpreendia diariamente
e me faltavam palavras para narrá-lo. Assim: “aqui, ao prestar atenção aos movimentos do bebê,
sejam ou não práticas que possam ser nomeadas, se torna uma forma de tentar expandir os
modos possíveis de pensar e imaginar como pode ser a cultura dos bebês.”144 (ORRNALM,
2020, p.100, tradução nossa). Isso representa o exercício de rompimento com a cultura
adultocêntrica e, portanto, o reconhecimento de que a cultura dos bebês contém elementos
próprios à forma como os bebês vivem os seus encontros com o mundo.
Me parece necessário retomar o percurso reflexivo da primeira parte da análise a fim de
situar melhor essa nova discussão e também aproximá-las, indicando pontos de encontro. Nela,
vimos como o acervo material constitui-se ao largo do tempo, com marcas locais e globais e é
criativamente reutilizado e transformado pelos sujeitos que circulam pelas instituições
educativas. Do mesmo modo, é possível observar a forma como os sujeitos apropriam-se da
estrutura física disponível e, apesar das constrições impostas pelo projeto arquitetônico, buscam
criar espaços de encontro e que possam promover o bem-estar da equipe que trabalha na
instituição145.
O espaço pode assim ser dissociado da noção de fechamento e estaticidade e
compreendido a partir dos pressupostos da abertura, heterogeneidade e vida (MASSEY, 2005),
o que permite que ele seja compreendido a partir do seu dinamismo e que se coloque em
destaque o caráter político da construção do espaço. O contínuo devir é o que o caracteriza,
sendo ele produto de relações incrustadas em práticas materiais (MASSEY, 2005). Desta
forma, ao olharmos para o CMEI Porto Seguro, vemos como o espaço é construído por meio
do entrelaçamento de processos econômicos, políticos e culturais com as trajetórias dos sujeitos
que ocupam esse espaço, tanto adultos quanto bebês. Ele é um lugar em constante
transformação e que se constitui a partir do interlace de processos que podem ser analisados em
uma escala global e local, constituindo o que pode ser denominado de glocal.
Do mesmo modo como o dinamismo e o movimento nos convocam a reimaginar o
espaço, é preciso mobilizar conceitos que nos ajudem a olhar para o cotidiano dos bebês e
reconhecer que o corpo e o movimento são elementos indissociáveis da experiência e
constituintes da cultura dos bebês. Tampouco é possível falar de suas ações sem reconhecer que

_______________
144
No original: “Here, attending to the baby’s movements, whether or not they are nameable practice becomes a
way of trying to expand how it is possible to think of and imagine what babies’ culture might be.” (ORRNALM,
2020, p.100)
145
É necessário considerar que as questões de bem-estar apresentadas no decorrer deste trabalho decorrem da
observação participante na creche, embora não tenham sido consideradas nas análises por não se configurarem
em objeto de estudo. Destaca-se que se faz necessário aprofundar os estudos sobre a temática.
174

eles atuam em relação com os elementos ao seu redor: com os sujeitos e coisas. A abordagem
preconizada, portanto, é aquela que reconhece uma ontologia relacional.
Os três excertos iniciais convocam a essa reflexão sobre o movimento, a reimaginação do
espaço e os rastros deixados pelos sujeitos ao encontrarem-se com as coisas do mundo no
mundo. A citação de Hamish Fulton nos ajuda a produzir uma imagem do caminhar: a imaginar
os bebês em contínuo perambular pelo espaço. Se as nuvens não se assemelham aos passos
quanto ao meio em que se encontram (INGOLD, 2011), elas se avizinham a eles quanto ao
movimento contínuo. As nuvens mudam constantemente de forma e sempre estão em um novo
lugar, é impossível imaginá-las e não pensar em como elas continuamente se movem em
resposta aos ventos e à umidade. Tim Ingold (2011) afirma que “observar as nuvens não é
observar o mobiliário do céu, mas vislumbrar o céu-em-formação, nunca o mesmo de um
momento ao outro.”146 (2011, p. 117, tradução nossa). Do mesmo modo, observar o perambular
dos bebês nos aproxima a um lugar-em-formação que se constitui dinamicamente como
resposta aos eventos. Ou seja, a creche pode transformar-se em um lugar dos bebês por meio
do movimento e das interações com as materialidades.
Na fotografia de Richard Long (Figura 27) observa-se o rastro deixado pelo caminhar
contínuo em uma mesma linha, indo e vindo ininterruptamente. Esse traçado não é indelével,
pelo contrário, com a ação do tempo e devido a vida da matéria, outros animais podem alterar
a linha, assim como o vento pode soprar a terra, pedras podem rolar com a chuva e a grama
pode voltar a crescer. Para esse artista, o caminhar deixa rastros e, por isso, o mundo pode
transformar-se em uma “(...) tela sobre a qual desenhar através do caminhar.” (CARERI, 2013,
p. 133). O piso azulejado ou coberto com assoalho impossibilita que as trajetórias dos bebês
sejam inscritas no chão, mas os percursos travados por eles alteram o espaço, provocam que os
objetos mudem de lugar, constroem situações em que o corpo pode ser performado de novas e
diferentes maneiras, refletindo as respostas dos bebês àquilo com que eles se encontram ao
deambular. As marcas que os bebês inscrevem no espaço também são efêmeras e comunicam
sobre a forma como eles se relacionam com os elementos disponíveis no contexto.
O movimento de Pedro e Nathiely (Figura 28) também nos conta sobre a forma como os
bebês expressam por meio dos gestos uma resposta aos encontros vividos ao vagarem pelo
espaço. O perambular parece ser condição de abertura ao inusitado e, portanto, da experiência
(LARROSA, 2002). Pedro deparou-se com duas linhas imprevistas e encontrou duas formas

_______________
146
No original: “To observe the clouds is not to view the furniture of the sky but to catch a fleeting glimpse of a
sky-in-formation, never the same from one moment to the next.” (INGOLD, 2011, p.117
175

diferentes de atravessá-las. Ele não quis caminhar sobre elas, na borda efêmera que separava o
território ensolarado e o assombreado do solário, ele optou por fazer travessias. No primeiro
encontro, saltou com os dois pés juntos e, no segundo, de cócoras, deu um passo ao lado. Ele
deu continuidade à exploração gráfica sem deixar de se mover e de fazer novas escolhas a cada
passo dado e a cada novo acontecimento. Ele também escolhe retomar o desenho e repetir o
movimento da mão e do antebraço. Caminhou, moveu-se, adotou diferentes posturas, observou
os gestos de Nathiely, desenhou com o corpo e com a caneta.
Doreen Massey (2005) fala de “stories so-far” e de trajetórias para discorrer acerca do
dinamismo e da característica relacional do espaço. A palavra trajetórias também nos
acompanha nesta parte do trabalho, pois ajuda a conjugar as ideias de tempo e espaço; noção
necessária a fim de observar a forma como os bebês constroem as relações com as coisas e
como o espaço é simultaneamente percebido e construído de modo diverso para cada sujeito. É
a partir deste conceito e da ideia de experiência estética que são narrados os percursos dos
bebês. A sombra do telhado e a linha criada pelo desnível dos azulejos também convocam os
conceitos de materialidade e a ideia de continuidade. Por fim, a noção de errância (KOHAN,
2019) e o duplo sentido do termo deriva (CARERI, 2013) provocam uma reflexão sobre as
implicações da acolhida do movimento para a prática docente.
Nesse sentido, essa reflexão está dividida em três partes. Na primeira, discorre-se sobre
a experiência de divagar pelo espaço como uma prática dos bebês. Na segunda, sobre a
dimensão material da experiência, sobre os contínuos encontros com as coisas e abertura para
o mundo. E, na terceira, à modo de conclusão, sobre o movimento e uma prática educativa
errante.

4.2.1 O PERAMBULAR: UMA PRÁTICA DA CULTURA DOS BEBÊS

Um observador desavisado talvez se surpreendesse com o dinamismo de um grupo de


bebês em uma instituição de educação infantil. Eles constantemente engatinham, trocam de
ambiente, carregam consigo objetos e em seguida os abandonam, derrubam torres de blocos de
construção, brincam e espalham os tecidos guardados em uma caixa, dependuram-se nos
balcões, sobem nas cadeiras e entram nos armários. Isso sem contar com o choro, as mordidas,
os balbucios, gargalhadas e, principalmente, com o silêncio. Coisas diferentes acontecem
simultaneamente. A vida irrompe em um ambiente no qual os direitos dos bebês são respeitados
e no qual lhes é garantido o seu direito de relacionar-se com o outro e com as coisas do mundo.
176

Eles escolhem colocar-se em movimento e deparar-se com as coisas que acontecem ao seu
redor, fazendo pausas segundo os diferentes encontros vividos.
Portanto, as narrativas contadas por professoras e pesquisadoras acerca da vida na
creche precisam encontrar formas de comunicar sobre o movimento, o dinamismo e a
simultaneidade, sobre a efemeridade do cotidiano. Perceber o perambular como um elemento
da cultura dos bebês implica na refuta de uma perspectiva adultocêntrica e de viés utilitário que
percebe o caminhar somente como uma ferramenta para chegar a um destino predeterminado.
No decorrer da pesquisa, no exercício de registrar suas interações com a materialidade, dois
desafios se apresentaram e permitiram com que a perambulação dos bebês se transformasse em
uma categoria de análise por meio da qual os dados produzidos ganhassem vida.
O primeiro deles diz respeito ao registro fotográfico de um evento. Era complexo
identificar em que momento parar de fotografar um evento para registrar algo diferente ou
decidir continuar registrando as ações de um mesmo bebê, pois em algumas situações as
interações eram breves e difíceis de serem nomeadas ou descritas. Eles caminhavam, pegavam
um brinquedo, o abandonavam, pegavam outra coisa, caminhavam com ela em mãos e depois
novamente a abandonavam. Contudo, ainda que essas interações fossem breves, permanecia a
impressão de que os diferentes gestos performados pelos bebês eram marcados por um ritmo
próprio e pela continuidade da ação. Ou seja, ainda que eles começassem a fazer algo
completamente diferente, os modos como seus gestos se encadeavam pareciam fazer sentido,
mesmo que eu não pudesse acessá-los.
Por isso, era difícil decidir quando iniciar ou finalizar uma filmagem ou uma sequência
de fotos. O exercício de construir narrativas visuais exigia constantemente uma conexão com o
ambiente e uma profunda atenção para o que os bebês estavam realizando a fim de interpretar
as suas ações e interações com a materialidade a partir dos elementos próprios da cultura dos
bebês. Como pesquisadora, os questionamentos que me assolavam diziam respeito a
compreender o que garantia a continuidade da brincadeira e de que modo suas ações me
contavam sobre a relação com a materialidade e a construção do espaço da creche.
Essas perguntas deram margem para o segundo desafio no processo de produção e
análise dos dados. Na busca de compreender o que produzia sentido para cada bebê ao
brevemente interagir com diferentes materiais, se tornou necessário olhar não somente para o
que cada bebê fazia com as materialidades disponíveis, mas me perguntar sobre o que acontecia
entre cada nova escolha de um objeto.
Entre cada nova interação e em cada uma delas, os bebês se moviam, perambulavam,
andavam a esmo, abriam-se ao inédito e aos imprevistos: o fato de que não carregavam nada
177

em mãos, não indicava que não havia nada acontecendo. Pelo contrário, o próprio movimento
e o perambular era um acontecimento e uma maneira de relacionar-se com os outros bebês,
professoras e materialidades. Eles estavam vagando pelo espaço, de forma errante, vivenciando
o movimento e novos e inusitados encontros com o outro e com as coisas, brinquedos, objetos,
mobiliários e elementos que nos escapam, como a luz e os sons. Ou seja, a continuidade entre
as interações e a percepção do espaço e das coisas era possibilitada pelo movimento e pelo
perambular dos bebês.
É importante destacar que o termo “perambular” foi escolhido para acolher às trajetórias
e aos diferentes modos de se deslocar utilizados pelos bebês: caminhando, movendo-se de
joelhos, engatinhando e arrastando-se. Pois os bebês não somente caminham, mas inventam
diferentes maneiras de deslocar-se pelo espaço e continuamente percebê-lo, mobilizando suas
conquistas posturais como um recurso para colocar-se em relação com o mundo. A forma como
os bebês exploram o movimento e o seu corpo não pode ser tratada como imperfeita ou
incompleta (PROUT, 2000). Compreender o perambular como uma prática da cultura dos bebês
significa olhar para a cultura produzida pelos bebês, visibilizando as suas práticas culturais, ou
seja, para suas formas de relacionar-se com os elementos culturais-materiais que lhes são
apresentados (ORRNALM, 2020).
Alex Orrnalm (2020) ao mobilizar esse termo destaca que “(...) conceitos como ‘cultura
infantil’ e ‘cultura material’ foram desenvolvidos e repensados sem que os bebês estivessem
explicitamente em voga. Isto, portanto, requer um engajamento crítico com esses conceitos.”
(p.94, tradução nossa). Isso significa que é preciso rever os conceitos e encontrar maneiras de
visibilizar as formas particulares dos bebês de construírem relações e exercerem a agência, pois
aquilo que lhes é específico dificilmente é reconhecido quando do uso dessas terminologias.
Falar de cultura dos bebês parece ser uma estratégia para promover este engajamento crítico.
A insistência em se falar sobre o perambular também se configura como um ato de
resistência em um tempo de uma humanidade sentada (LE BRETON, 2001), profundamente
marcada pela lógica da produtividade e pela força do racionalismo. Na vida adulta e na escola,
o perambular é uma prática que vai na contramão e que convoca outros modos de produzirmos
a existência e organizarmos o espaço. Ele implica na errância, na falta de um objetivo final e
na vivência do processo, pressupostos que não se adequam ao imaginário da produtividade. No
cotidiano dos bebês, para eles, este é um fazer que dá sentido à experiência educativa, pois é
algo que lhes pertence e que eles escolhem realizar. Assim, ao ser narrado e traduzido no texto,
podemos aproximarmo-nos dos modos particulares com os quais eles se relacionam com o
mundo.
178

Diferentes aspectos se tornaram evidentes acerca do perambular: a experiência do


próprio movimento e a sua característica errante e material, o ritmo adotado durante a
caminhada, as diferentes posturas que os bebês assumiam (deitados, sentados, com quatro
apoios...) e a percepção das coisas a partir do movimento e do entrelaçamento entre cognição e
ação. Estas parecem ser as características do perambular dos bebês.
Desta forma, o andarilhar errante, assim como o brincar, se configura como uma prática
dos bebês147: uma forma de “(...) se aventurar corporalmente na nudez do mundo.” (LE
BRETON, 2001, p.2, tradução nossa)148. É como se o contínuo devir do espaço (MASSEY,
2005), as constantes mudanças da matéria (INGOLD, 2012a,b), provocassem a pergunta sobre:
o que eu posso no espaço e o que o espaço pode em mim? A partir de um “eu” corpo-mente, de
“(...) seres incompletos que se fazem no próprio fazer, que se constituem naquilo que são,
realizando seu ser no que estão sendo.” (KOHAN, 2019, p.156), os bebês escolhiam andar sem
rumo, sem qualquer motivação externa, como uma forma de fazer-se a si mesmos e descobrir
o mundo em caminhos desconhecidos.
Nesse vagar, o sujeito não está falsamente compartimentado, mas corpo, movimento e
pensamento estão entrelaçados e permitem outras formas de produzir saberes. Esta relação entre
ato e pensamento implica no rompimento com uma noção cognitivista de conhecimento e nos
auxilia a ajustar o foco nos processos e nas mudanças ao invés de etapas estanques e destinos
predeterminados.
David Le Breton (2001), ao falar sobre o caminhar, aponta que:

Nós caminhamos sem motivo, pelo prazer de desfrutar do tempo que passa, desviar
do curso da existência para melhor nos reencontrarmos ao largo do caminho, descobrir
lugares e rostos desconhecidos, ampliar o conhecimento, por meio do corpo, de um
mundo inexaurível de sentidos e sensorialidade ou simplesmente porque o caminho
está ali.149 (LE BRETON, 2001, p.2-3, tradução nossa).

_______________
147
O movimento e o corpo também se apresentaram como elementos constituintes da coreografia do brincar e dos
processos de construção da cultura de pares. Nesta seção, o movimento ganha destaque como uma prática
autotélica e, nas próximas partes da análise, são narrados eventos nos quais o corpo e o movimento são recursos
mobilizados pelos bebês a fim de participar da vida coletiva do grupo, da qual participam as professoras, e como
elemento do brincar.
148
No original: “(…) pour s’aventurer corporellement dans la nudité du monde” (LE BRETON, 2001, p.2).
149
No original: “On marche pour rien, pour le plaisir de goûter le temps qui passe, faire un détour d’existence pour
mieux se retrouver au bout du chemin, découvrir des lieux et des visages inconnus, élargir sa connaissance par
corps d’un monde inépuisable de sens et de sensorialités ou simplement parce que la route est là.” (LE BRETON,
2001, p.2-3).
179

O perambular pela sala de referência e pelos outros espaços do CMEI aos quais os bebês
tinham acesso era um processo contínuo de estranhamento e maravilhamento com o mundo e
com a diferença, descoberta e criação de novos caminhos pelo próprio prazer de mover-se.

4.2.1.1 O ritmo e a experiência material do preambular


No evento descrito abaixo (Figura 29), Pedro caminha pelo jardim anterior do CMEI.
Naquela manhã, as professoras haviam preparado este ambiente com alguns materiais antes de
levar o grupo até lá. Elas colocaram caixas de papelão com fitas de papel celofane, tecidos e
montaram torres com os potes e pratos laranjas de reuso (que haviam sido usados em anos
anteriores para a alimentação das crianças).

Figura 29 – Pedro vaga pelo jardim (05/05/2019)

Fonte: A Autora (2020)

Ao chegarmos nesse espaço, registrei diferentes brincadeiras com esses materiais, como
a Valentina e o Kaylan empurrando as caixas, a coleção de potes do Davi e a brincadeira da
Lolo, Beatriz e Nathiely de entrar e sair de uma das caixas. No momento em que registrei o
Pedro perambulando pelo espaço, o grupo estava concentrado nos pneus com terra e havia
transformado os potes e pratos em utensílios para a manipulação da terra. Pedro não
acompanhou o grupo nesta brincadeira e deu continuidade ao que vinha realizando durante
aquele período no jardim: ele perambulava de um lado ao outro, passando por espaços estreitos
e subindo e descendo das muretas.
180

A experiência que Pedro vive de si mesmo no espaço é algo que é percebido com o
corpo todo. Ele parece estar profundamente atento ao que acontece cada vez que toca em um
novo palito do muro, quando se agacha, passa com cuidado pelo vão ou desce da mureta com
o apoio das mãos e o lento movimento dos pés. Nesse dia, ele não corria enquanto perambulava,
ainda que pudesse fazê-lo. O espaço que ele experimentava não era algo dado, mas algo que
era construído também por meio do seu movimento. A compreensão de Francesco Careri do
caminhar como prática estética nos ajuda a perceber que:

(...) o caminhar revela-se um instrumento que, precisamente pela sua intrínseca


característica de simultânea leitura e escrita do espaço, se presta a escutar e interagir
na variabilidade desses espaços, a intervir no seu contínuo devir com uma ação sobre
o campo, no aqui e agora das transformações (...). (CARERI, 2013, p.32-33, grifos
do autor)

Desta forma, ao colocar-se em ato, Pedro se abre para a relação com tudo aquilo que no
momento presente se coloca naquele espaço: as luzes, as sombras, os ruídos e cada mudança
no terreno. Assim como para os encontros possíveis com as coisas. A conexão que se dá com o
mundo também está visível no evento que introduziu essa seção (Figura 28), quando ele
performa o corpo na relação com as linhas. Em ambas, é possível notar como o Pedro varia a
direção e adota diferentes posturas conforme o espaço se transforma junto com ele. Ou seja, o
perambular dos bebês é uma prática em que eles se embrenham no espaço e na qual estão atentos
ao seu corpo e aos seus movimentos. Desse modo, se faz necessário “(...) corrigir o difundido
equívoco de que o treinamento do corpo por meio de exercícios repetitivos (...) leva à
progressiva perda de consciente ciência ou concentração na tarefa.”150 (INGOLD, 2011, p.60-
61, tradução nossa).
Ou seja, é importante destacar que o Pedro, assim como os outros bebês ao
perambularem, caminha de forma rítmica e atenta. Ele não caminha com um destino
predeterminado e o caminhar não é uma forma de chegar até o destino preconcebido. Cada
passo precede o seguinte e possibilita que ele performe o seu corpo, mude a direção e altere a
posição do seu tronco, pernas, pés, cabeça, braços e mãos. Ao caminhar, a cada novo passo,
tudo se altera e modifica o enquadramento a partir do qual um novo passo será dado: a forma
como os pés se colocam no chão, aquilo que se sente sob eles e a sua posição. Um passo nunca

_______________
150
No original: “I emphasise this point in order to correct the widespread misapprehension that the training of the
body through repetitive exercise (…) leads to a progressive loss of conscious awareness or concentration in the
task.” (INGOLD, 2011, p.60-61).
181

é igual ao outro. Nisso, novamente seria possível dizer que eles se assemelham às nuvens, como
na citação de Hamish Fulton. O ritmo, desta forma:

(...) não é um movimento, mas a dinâmica combinação dos movimentos. Cada nova
combinação é uma ressonância específica, e a sinergia do praticante, ferramenta e
matéria prima estabelece um campo completo de tais ressonâncias. Contudo, este
campo não é monótono. Posto que cada ciclo não está dado dentro de parâmetros
fixos, mas em um enquadramento que está em si mesmo suspenso no movimento, em
um ambiente no qual nada é o mesmo de um momento a outro.151 (INGOLD, 2011,
p.60, tradução nossa).

O caminhar do Pedro não é algo que ele realiza de forma automática, apesar de já ter
repetitivamente treinado para realizar essa tarefa e, tampouco, é monótono. Não basta repetir o
mesmo passo, é preciso sempre estar atento às mudanças no terreno e no seu próprio corpo. Dar
um novo passo é também viver a possibilidade de uma nova experiência, reiterar no sentido de
reviver. Não há parâmetros fixos que determinem a métrica de cada novo passo.
Liselott Olsson (2009), ao referir-se a esse dinamismo, descreve os movimentos de um
bebê ao perambular enquanto também discorre sobre a sua experiência de aprender a surfar.
Em ambas as situações, o sujeito precisa se colocar em relação com o espaço a fim de executar
o movimento e aceitar modificar o gesto segundo as transformações da superfície: “do mesmo
modo como o mar é imprevisível, o terreno também está em movimento contínuo. O terreno
caminha com a criança e o mar surfa com o surfista.”152 (OLSSON, 2009, p.3, tradução nossa).
Do mesmo modo como é necessária corrigir o equívoco de pensarmos no caminhar
dos bebês como um gesto automatizado, é preciso também vermos que o conhecimento está
associado ao movimento, ele não é uma esfera restrita ao pensamento racional e é produzido
diante de uma experiência material e corporal. Ou seja, como destaca Liselott Olsson (2009), o
cérebro se faz presente de outra forma quando estamos nos movendo. Ele está junto com o
corpo e com o movimento, contudo não com a função de explicar.
Pode parecer óbvio afirmarmos que percebemos o mundo com o corpo todo e que o
“eu” é sempre corpo-pensamento, podendo ser convidado a novas interações segundo tudo o
aquilo que sente. Contudo, como aponta Tim Ingold (2011), a tradição ocidental procedeu com

_______________
151
No original: “Rhythm, then, is not a movement but a dynamic coupling of movements. Every such coupling is
a specific resonance, and the synergy of practitioner, tool and raw material establishes an entire field of such
resonances. But this field is not monotonous. For every cycle is set not within fixed parameters but within a
framework that is itself suspended in movement, in an environment where nothing is quite the same from
moment to moment.” (INGOLD, 2011, p.60).
152
No original: “To the same extent that the sea is unpredictable, the ground is in continuous movement. The
ground walks with the child and the sea surfs with the surfer.” (OLSSON, 2009, p.3).
182

uma hierarquização dos sentidos, colocando o tato abaixo da visão e da audição, como se esses
sentidos estivessem alheios da experiência material. A narrativa moderna de progresso
estabelece o pensamento racional e a cognição como a essência e finalidade do ser humano,
esferas elevadas e desconectadas do contato com o mundo. A falsa cisão entre discurso e
materialidade implica na desvalorização de tudo aquilo que convoca a nossa mundanidade.
Os pés, constantemente embrenhados na terra, dificilmente são mencionados nos
discursos pedagógicos153 e o movimento, os corpos, se transformam em objeto de controle por
meio de todo uma tecnologia educativa: como carteiras e cadeiras enfileiradas, interpretações
equivocadas da prática de organização de micro-ambientes154 e restrição do movimento ao
espaço externo, aos momentos de recreio ou as “aulas” de psicomotricidade. Tim Ingold (2011)
aponta para o fato de que as cadeiras, as botas e a pavimentação das ruas também são elementos
que comunicam sobre esse imaginário social: “(…) a bota e a cadeira estabeleceram um
fundamento tecnológico para a separação do pensamento da ação e da mente do corpo”155
(INGOLD, 2011, p.323, tradução nossa). O afastamento do corpo do conhecimento é um
elemento da cultura escolar e da cultura ocidental.
Tim Ingold (2011), ao discorrer sobre a forma como os sujeitos percebem o mundo por
meio do corpo todo e elaborar uma crítica à narrativa evolucionista construída, afirma que:

_______________
153
Catherine Burke (2018), ao refletir sobre footwork e footwear nos séculos XIX e XX, destaca que o ato de
caminhar como aprendizagem nos permite observar três experiências educativas diversas: primeiro, as
aprendizagens informais decorrentes do deslocamento entre a casa e a escola; segundo, a experiência da
caminhada na natureza; e, terceiro, a experiência de iniciativas urbanas anarquistas que viam o perambular
guiado como parte essencial de um projeto educativo progressista. As alternativas apresentadas pela autora são
contrapontos às concepções de infância e educação que orientavam o enclausuramento dos pés e a sua
estaticidade na escola.
154
Refiro-me aqui às situações nas quais a sala de referência é organizada em micro-ambientes, mas onde as
crianças não têm a possibilidade de escolher onde ir e como utilizar os materiais disponibilizados. Nesses
contextos, esta estratégia própria das pedagogias ativas e participativas se configura como uma nova roupagem
para velhas formas de ver a educação. Ao invés dos micro-ambientes garantirem a possibilidade das crianças
fazerem escolhas, estabelecerem relações entre diferentes materiais, determinarem o ritmo de suas brincadeiras
e interagirem com crianças diferentes no decorrer da jornada, eles se transformam em uma estratégia de controle
do movimento e de centralização na professora, pois as crianças se veem restritas à exploração de um único
espaço, com pares, ambiente e tempo escolhidos e determinados pelo adulto. A sala não contém carteiras e
cadeiras, mas a forma como os adultos estabelecem a relação com as materialidades ainda é determinada por
uma cultura material escolar tradicional.
155
No original: “(...) the boot and the chair establish a technological foundation for the separation of thought from
action and of mind from body.” (INGOLD, 2011, p.323).
183

Para Darwin, então, a descendência do homem na natureza foi também a sua ascensão
para fora dela, pois progressivamente liberou os poderes do intelecto do seu ônus
corporal no mundo material. A evolução humana foi retratada como a ascensão, e
eventual triunfo, da cabeça sob os pés.156 (INGOLD, 2011, p. 316, tradução nossa).

Com isso, como aponta o autor, o caminhar foi visto como uma atividade mundana, que
deveria ser realizada somente com o objetivo de chegar a um destino. As narrativas sobre as
viagens, por exemplo, contavam sobre o que acontecia ao chegar ao ponto final, mas não faziam
menção aos percursos que permitiram que eles chegassem até lá. As mãos se viram libertas e
poderiam exercer o controle do mundo com o movimento apreensivo possibilitado pelo polegar.
A educação volta-se para a pausa: para aquilo que os sujeitos realizam quando estão
parados e que pode ser marcada como um destino. Com isso, como aponta Catherine Burke
(2019):

Caminhar era associado com a ausência de conhecimento e com a vida às margens da


educação. Caminhar como uma forma de conhecer foi desconsiderado pela escola
moderna, a qual considerava o caminhar como acidental ao invés de fundamental para
a aquisição do conhecimento. (BURKE, 2019, p.9, tradução nossa) 157

Este imaginário da pausa atravessa a forma como os bebês foram vistos ao longo do
tempo: ao negarmos o movimento, nos resta compartimentarmos as conquistas corporais e
transformá-las em etapas de desenvolvimento que ajudem no processo de controle do percurso.
Do mesmo modo, o movimento pode ser restrito a alguns momentos do cotidiano e
desconectado de outros processos de aprendizagem e descoberta do mundo. Não se fala sobre
o que acontece entre uma etapa ou outra ou sobre os processos. O foco está no ponto inicial e
no ponto final sem que saibamos acompanhar ou narrar o processo que levou de um ponto ao
outro. Os processos educativos correm o risco, até mesmo, de se transformarem no
acompanhamento enfadonho até um destino previamente conhecido. Quando se estabelece um
único caminho, passamos a enxergar somente o final do percurso. Novamente, a atenção é dada
para a pausa, não para o movimento.
É este ranqueamento dos sentidos e a falsa cisão entre ação e pensamento que torna
urgente a contínua repetição de que os bebês, assim como os adultos, se colocam em relação

_______________
156
No original: “For Darwin, then, the descent of man in nature was alson na ascent out of it, in so far as it
progressively released the powers of intellect from their bodily bearings in the material world. Human evolution
was portrayed as the rise, and eventual triumph, of head over heels.” (INGOLD, 2011, p.316).
157
No original: “Walking was associated with an absence of knowledge and life on the margins of education.
Walking as a way of knowing has been disregarded by the modern school which regarded walking as incidental
rather than fundamental to knowledge acquisition.” (BURKE, 2018, p. 9).
184

com o mundo por meio das cem linguagens (EDWARDS; GANDINI; FORMAN, 2016) e que
faz com que seja necessário repetir que o conhecimento e a aprendizagem acontecem a partir
de todos os sentidos e como uma experiência simbólico-material. O caminhar é uma prática que
torna evidente a conexão do ser humano com o mundo e a impossibilidade dele se desconectar
de sua dimensão material.
A materialidade, se compreendida como algo alheio ao humano, se transforma em uma
categoria ineficaz para a interpretação do vivido e do observado. Não somos ideias
corporificadas que pensam sem tocar na matéria. Ou seja, a radicalidade do conceito de
materialidade, a compreensão visceral do conceito, nos aponta para a materialidade da
experiência: o próprio corpo é material e todo conhecimento também se dá por meio da conexão
com o mundo. O perambular é uma prática material e produtora de saberes.

4.2.1.2 Posturas corporais, lugares de ir e a percepção


Ao vermos os movimentos de Pedro é possível notar sua atenção a si mesmo e a
concentração com que realiza cada novo passo e se conecta com as coisas. Em suas
perambulações pelo espaço, além de caminharem, os bebês encontram formas de relacionarem-
se com o mobiliário e com os objetos e exploram diferentes posturas. As respostas que eles
elaboram ao contexto e a forma como continuamente estão decidindo como expressar-se e
interagir passa, desta forma, por sentidos convocados pela matéria e por conteúdos simbólicos,
os quais encontram-se sempre entrelaçados.
Outros eventos também nos ajudam a observar esta relação entre movimento e o
encontro com as coisas. Nas imagens abaixo, é possível observar um momento no qual a Luiza
estava engatinhando pela sala e a Heloísa, que já caminhava, passa a engatinhar ao lado dela a
fim de se relacionarem. A cada mudança de postura da Luiza, a Heloísa também alterava a sua
forma de se deslocar, colocando-se sempre próxima a ela. Elas perambulam juntas pelo espaço
da sala, de forma errante, explorando a capacidade do seu corpo de se mover. Nesta situação,
além da exploração do movimento, a Heloísa também mobiliza conteúdos simbólicos
associados ao corpo e as suas posições a fim de construir a relação com a Luiza.
185

Figura 30 – Luiza e Heloísa perambulam pela sala (24/04/2019)

Fonte: A Autora (2020)

No grupo acompanhado, no mês de abril, dentre os 18 bebês da turma158, a Luiza, o


Bernardo e o Davi engatinhavam como forma de se deslocar e perambular pela sala. Em
algumas situações, era possível observar que as relações construídas com eles envolviam gestos
associados ao cuidado e a ser “um bebê”. Quando a Luiza chorava, era frequente observar os
outros bebês afagando seu rosto e cabelos.
O engatinhar está culturalmente associado a este momento do curso de vida e à categoria
intrageracional “bebês” e crescer, nesta construção social, implica em abandonar esta forma de
se deslocar. Na cultura para os bebês, é comum a presença de andadores e a prática de segurá-
los pelas mãos para que aprendam a caminhar ou para que deixem as pernas firmes. O
imaginário da falta implica na criação e acompanhamento de etapas estanques de
desenvolvimento motor, que funcionam como referentes para a definição do bebê a partir de
uma escala supostamente universal.
No decorrer do curso de vida, o acompanhamento dos corpos quanto às competências
motoras envolve a constante supervisão para que eles se adequem continuamente ao padrão
adulto normativo de auto-suficiência e auto-cuidado (LUPTON, 2012). Há uma ordem

_______________
158
Como apresentado previamente, no decorrer da pesquisa foram acompanhados 19 bebês. Contudo, no mês de
abril, a Allicia e o Allan ainda não frequentavam o CMEI e passaram a compor parte da turma do berçário com
a saída de um bebê no final do mês de abril. Desta forma, no momento em que foi registrada essa situação de
interação entre a Luiza e a Heloísa, o grupo era formado por 18 bebês.
186

adultocêntrica que opera nos processos de educação dos corpos e que faz com os corpos dos
bebês e da população idosa sejam constantemente objeto de controle, fora de lugar, corpos
continuamente em risco (LUPTON, 2012). As crianças, assim como a população idosa, como
aponta Neusa Gusmão (2003), “(...) tornam-se alvos de procedimentos educativos que visam à
homogeneidade do diverso.” (p. 25). Espera-se que eles sejam capazes de se sentar, engatinhem
e andem. Nesta ordem e com prontidão.
Como em uma corrida, olhamos para os bebês na expectativa de que rapidamente
passem de uma etapa para outra. Cadeiras com apoio, andadores e cadeirões afastam os bebês
do chão e lhes comunicam sobre uma cultura na qual se espera que eles prontamente aprendam
a caminhar para que possam crescer. Infelizmente, no final do percurso, após a conquista da
marcha, ao invés do pleno usufruto desta habilidade, espera-se que as crianças permaneçam
quietas, paradas, sentadas e continuamente rodeadas de aparatos que lhe impedem o contato
com o mundo: cadeiras, calçados e pisos pavimentados (INGOLD, 2004). O movimento se vê
restrito a poucos espaços e tempos destinados exclusivamente para ele, em um processo de
separação entre conhecimento e movimento. É por isso que fazer menção ao perambular se
configura como um ato de resistência, dado que toda escolha é sempre política e comunica
sobre a forma como produzimos a nossa relação com o mundo.
O foco no desenvolvimento motor dos bebês frequentemente implica em um
apagamento de tudo aquilo que acontece ao bebê e que ele realiza com o seu corpo entre cada
nova etapa de desenvolvimento. O que o bebê faz antes de virar de barriga para baixo, sentar-
se ou andar? O que ele nos conta sobre a sua experiência de mundo quando explora cada objeto,
encontra-se com outro e depara-se consigo mesmo ao girar o corpo de um lado para ou outro,
rastejar ou permanecer de barriga para cima? Perambular engatinhando também não é uma
forma de conhecer o mundo? Como planejamos o espaço e o que oferecemos aos bebês para
que eles explorem e descubram tudo o que são corporalmente capazes de fazer?
No momento em que a Heloísa se coloca de joelhos para perambular ao lado da Luiza,
ela parece estar ciente desta construção social associada aos modos de se deslocar e ao que
significa ser um bebê. Nesse evento, o prazer do movimento permanece e ao mesmo tempo ela
mobiliza esse conteúdo simbólico. A fim de interagir com a Luiza, ela se move como ela
engatinhando e se coloca em contato com o chão. Ainda que a construção social associada ao
movimento e as posturas também implique em uma escala de valor, os bebês, nesse contexto,
não parecem mobilizar este elemento da cultura.
Em outros eventos, os deslocamentos dos bebês e a pluralidade de posições performadas
com o corpo nos apontam para a prática do perambular como uma forma de conexão com o
187

ambiente e com os outros gestos realizados. É possível olhar para movimento como um
elemento indissociável da experiência educativa e da relação com o mundo. Ou seja, é possível
olhar para as competências motoras de cada bebê e compreendê-las como condição e
possibilidade da sua ação no mundo. Alan Prout (2000) afirma que “o corpo não é somente
moldado pelas relações sociais, mas também entra nesta construção como um recurso e uma
constrição.”159 (PROUT, 2000, p.5, tradução nossa).
Os bebês são atores sociais que ativamente percebem e exploram as formas de se
posicionar no mundo. No evento descrito abaixo (Figura 31), Nathiely e Kaylan desenham nas
paredes e pisos do solário enquanto simultaneamente exploram outras formas de se deslocar
pelo espaço. Eles não sabiam aonde iriam chegar ao riscar as superfícies e a exploração gráfica
não se distingue da exploração do movimento.

Figura 31 – Nathiely e Kaylan perambulam pelo solário (19/06/2019)

Fonte: A Autora (2020)


Ambos os bebês já caminhavam e optaram, neste contexto, a partir daquilo que o corpo
lhes possibilitava e dos seus repertórios corporais, por deslocar-se de outra maneira. Ao assumir
outras posturas com o corpo, eles nos apontam para a forma como o ato de conhecer o mundo
está entrelaçado ao posicionar-se com ele. Deambular de joelhos e engatinhando lhes
possibilitou explorar o grafismo de novos pontos de vista e perceber o mundo de outra forma.
Não é possível dizer se eles se moviam para desenhar, se o desenho convocava o
movimento ou se as texturas da parede e do piso provocaram uma nova forma de deslocamento.
Eles iam percebendo o desenho e o movimento enquanto se embrenhavam no mundo; a
percepção, deste modo, diz respeito “ (...) sobre como o ser humano se entrelaça e coincide com
o mundo material no qual ele ou ela está situado.”160 (JOHANSSON; LØKKEN, 2014, p. 890,
tradução nossa). Sem separar corpo e pensamento, Nathiely e Kaylan colocam-se em relação
com o contexto: um gesto antecede e antecipa o outro, em um processo rítmico de percepção

_______________
159
No original: “The body is not only shaped by social relations, but also enters into their construction as both a
resource and a constraint.” (PROUT, 2000, p.5).
160
No original: “It is about how the human being entwines and overlaps with the material world to which he or
she is situated as lived.” (JOHANSSON; LØKKEN, 2014, p. 890).
188

de si e do mundo. Sandra Richter e Angela Pohlmann (2010) apontam para a forma como a
percepção:

É muito mais referir-se a agir, associar, justapor, aproximar, juntar, separar, dissociar,
analisar, sintetizar do que pensar em alguma coisa que já está no interior da mente.
Perceber é uma ação que envolve organizar, ordenar, compor, juntar, coletar. E, para
isso, há que se ter disponibilidade e envolvimento com o que está sendo ‘percebido’.
(POHLMANN; RICHTER, 2010, p. 34)

Tim Ingold (2011) parte do mesmo princípio para referir-se à percepção, ou seja, se ela
“é uma função do movimento, então aquilo que nós percebemos deve, ao menos em parte,
depender de como nos movemos. Locomoção, não cognição, deveria ser o ponto de partida para
a atividade perceptiva (Ingold 2000a: 166).”161 (INGOLD, 2011, p.331, tradução nossa). Deste
modo, ela não está no interior da mente, mas as coisas, o outro, o espaço são percebidos e
construídos a partir do movimento. Assim, o que está em voga não é o porquê do movimento
acontecer e os bebês perambularem, mas como se movem e o que isso nos conta sobre a
percepção e criação do espaço vivido. O caminhar, como afirma Careri (2013) é ato perceptivo
e criativo.
Ao falarmos de materialidade, parece ser fácil compreender que os discursos têm um
substrato material, que as ideias são corporificadas e materializadas. Mas a compreensão
radical, visceral, do que significa acolher ao corpo implica no reconhecimento destas situações
nas quais não é possível capturar os porquês, os motivos. Nessa busca por sempre encontrar
uma razão para a ação, nós corremos o risco de subestimar a matéria. Ou seja, ao olharmos para
a cultura dos bebês é preciso reconhecer que os seus fazeres representam suas respostas aos
elementos simbólicos e materiais que lhes envolvem.
Quando a Nathiely engatinha e o Kaylan se move de joelhos eles parecem estar dando
uma resposta ao encontro do seu corpo com o mundo, de si com o ambiente. O fato de que,
nesse evento, nós não possamos acessar os motivos do corpo ser performado desta forma não
significa que suas ações não tenham valor. Significa que o sentido se constrói no movimento e
na contínua descoberta do mundo por meio do envolvimento com o que se percebe
(POHLMANN; RICHTER, 2010).
As três imagens abaixo mostram uma das formas como a Yasmin se colocou em relação
com o mundo em suas deambulações. Nos dias 10, 15 e 17 de maio ela tirou o tênis do pé
_______________

No original: “But if perception is thus a function of movement, then what we perceive must, at least in part,
161

depend on how we move. Locomotion, not cognition, must be the starting point for the study of perceptual
activity (Ingold 2000a: 166).” (INGOLD, 2011, p.331).
189

esquerdo, manteve a meia e passou a caminhar com o desafio de ter os pés em alturas diferentes
e de sentir o mundo de modo diverso a cada novo passo. Nos dias que antecederam e se
seguiram a esses registros, ela não voltou a repetir este gesto. Mas, nesses três dias do mês de
maio ela permaneceu quase todo o período com somente um pé calçado e, ainda que as
professoras voltassem a calçá-la, ela novamente retirava o tênis do pé esquerdo. A percepção
do mundo e do próprio caminhar seguramente se alteravam quando ela colocava o pé em
contato direto com o mundo. Não é preciso que o adulto observador compreenda o motivo de
sua ação para que ela se coloque em relação com o contexto e explore o movimento de
diferentes maneiras.

Figura 32 – Yasmin e os sapatos (10, 15 e 17/05)

Fonte: A Autora (2020)

Viver essa relação de si com o ambiente também é parte da experiência humana e o


movimento não pode e não irá se restringir aos espaços e tempos em que ele é esperado e aos
quais frequentemente se encontra reduzido. As situações nas quais os bebês empurram as
cadeiras, entram embaixo das mesas, apoiam-se nas ripas de madeira, escondem-se nos
armários ou correm sob os colchões nos mostra diferentes modos por meio dos quais eles se
colocam na relação com o mundo e continuamente constroem o espaço, transformando-o em
lugar ao modificarem o seu significado. O movimento e o perambular se fazem presentes em
todas elas.
A transformação da creche em um lugar dos bebês parece estar vinculada, desta forma,
ao movimento e ao dinamismo, na contínua criação de lugares de ir e não somente de lugares
de estar162. A constituição do espaço da creche enquanto um lugar atravessado por afetos e pela
subjetividade não se restringe, portanto, aos recantos de intimidade ou a pequenos espaços

_______________
162
Ambos os termos, “lugar de ir” e “lugar de estar” são mobilizados por Francesco Careri (2013) ao discorrer
sobre o nomadismo e ganham novas conotações nesta reflexão sobre o movimento dos bebês.
190

transformados pelos bebês. Espaços debaixo das pias, o canto de um armário e o espaço criado
embaixo da mesa são sim lugares onde os bebês parecem buscar por intimidade e conforto,
noções que também estão associadas a ideia de lugar. No decorrer da pesquisa, foi possível
observar a forma como o Davi Luccas diariamente entrava no armário das bonecas ou como a
Luiza procurava esse mesmo canto escondido para brincar tranquilamente com a sua boneca de
preferência. Eram lugares importantes para eles, contudo, a noção de afeto, intimidade com as
coisas e marcas subjetivas não pode restringir-se a estes locais. Ou seja, a constituição da creche
enquanto lugar se dá por meio da ação perceptiva realizada pelos bebês ao moverem-se,
explorarem os objetos, deslocarem-se e continuamente recriarem o espaço.
Em algumas situações, ao deslocarem-se, os bebês também pareciam fundir-se aos
objetos que utilizavam e que estavam explorando. Nos eventos abaixo, é possível observar
como a exploração do movimento e a percepção de si se deu por meio e com uma bacia de metal
disponibilizada aos bebês em um dos cestos do tesouro. A Yasmin esfrega a bacia no chão e a
empurra com a força feita pelos seus pés, intercalando os pés que iniciam o novo passo (Figura
33).

Figura 33 – Yasmin se desloca com o apoio de uma bacia (17/05/2019)

Fonte: A Autora (2020)

Esta mesma bacia, na exploração da Laura, convoca uma experimentação do tamanho


do seu corpo e ela prova como ela pode estar dentro da bacia juntamente com uma tigela azul
plástica e um cilindro de madeira (Figura 34). Isto traz indicativos para pensarmos na forma
como os “corpos não podem ser separados dos espaços, objetos e dos outros corpos com os
quais eles interagem.”163 (LUPTON, 2012, p.39, tradução nossa). As respostas dadas pelos
bebês guardam sempre uma conexão com o espaço e os materiais que lhes rodeiam. Ao

_______________
163
No original: “Bodies cannot be separated from the spaces, objects and other bodies with which they interact.”
(LUPTON, 2012, p.39).”
191

perambularem, suas trajetórias são continuamente atravessadas e constituídas por essas


conexões.

Figura 34 – Laura e a bacia de metal (17/05/2019)

Fonte: A Autora (2020)

Em outra situação, em uma manhã no solário, a Nathiely perambulava pelo espaço


(Figura 35), criando novos caminhos e alterando a sua trajetória ao deparar-se com os outros
bebês e com os convites para o movimento possibilitados pelo brinquedo plástico com
escorregador. Em um momento, ela encontra uma pedra branca miúda e a guarda no côncavo
da sua mão. Ela segue caminhando, parecendo desfrutar do próprio movimento, mas com uma
mudança. Ela não deixa a pedra cair e cada subida e descida do brinquedo criam novos desafios:
como se segurar sem deixar a pedra cair? Seria possível contê-la debaixo do queixo? A trajetória
da pedra termina quando ela se depara com a Luiza, a diretora do CMEI, e ao ver sua mão
aberta, lhe entrega a pedra. De uma mão à outra, a pedra parece ter finalizado sua trajetória e a
Nathiely segue movendo-se pelo solário.
O encontro com a pedrinha acontece enquanto ela caminhava, como um convite do
mundo. Ela não deixa de andarilhar ao se encontrar com a pedra, mas a guarda em sua mão e
segue vivenciando o espaço e o movimento. A pedra parece tornar-se parte dela e de sua
trajetória no espaço.
Além disso, o fato de que o caminhar não deixe sinais tangíveis não significa que ele
não tenha valor nos projetos educativos. A trajetória da bacia ou da pedrinha não ficaram
marcadas no chão. O perambular, enquanto uma prática da cultura dos bebês, provoca
mudanças efêmeras. O espaço continuamente se altera por meio do ritmo do perambular, da
percepção do espaço e de si. Conceber o bebê enquanto sujeito e compreender que a percepção
tem como ponto de partida o movimento convoca outras perspectivas sobre o conhecimento e
192

a relação com o mundo. Se faz necessário romper com os binarismos que sustentam algumas
práticas educativas e manter-se continuamente atento a fim de exercitar o pensamento reflexivo.

Figura 35 – Nathiely e o encontro com a pedrinha (24/04/2019)

Fonte: A Autora (2020)

Se o caminhar é aprendizagem e aqui até mesmo a própria descoberta desse movimento,


ele também é o que possibilita os acontecimentos, os eventos. Os bebês andarilhavam pela sala
e deparavam-se com as materialidades ao colocar-se em movimento. Nada nos acontece por
estarmos parados. A experiência nos acontece por estarmos em movimento. O perambular como
prática estética pode ser compreendido a partir desta conexão com as coisas, pois os bebês não
se colocam em movimento para chegar a um destino previsto. Eles caminham para descobrir o
movimento e a vida que acontece.

4.2.2 OS ENCONTROS COM AS COISAS: UMA EXPERIÊNCIA POÉTICA

O evento que deu início a essa reflexão foi registrado em uma manhã do mês de junho,
quando, a fim de organizar a sala com novos materiais para os bebês brincarem e explorarem,
193

as professoras abriram a porta do solário e entregaram canetinhas aos bebês. O ambiente


consistia em paredes, piso e riscantes. Os bebês receberam as canetinhas em mãos e as
professoras garantiram a possibilidade de eles explorarem o espaço e os materiais oferecidos
por cerca de quarenta minutos164. Eles engajaram-se em brincadeiras e explorações diversas,
abandonando as canetas em alguns momentos e perambulando pelo solário. Eles desenhavam
e moviam-se, exploravam posições diversas com o corpo (de joelhos, cócoras, sentados,
deslocando-se com quatro ou três apoios) e transformavam as paredes, o piso, o próprio corpo
e os pertences pessoais, como as meias, em suportes para o grafismo.
Pedro, ao mover-se pelo espaço, deparou-se com duas linhas no chão que lhe
convidaram a performar o corpo (Figura 28). Ninguém havia chamado sua atenção para o chão
ou lhe dado alguma orientação. A relação se deu entre ele e as linhas e ela foi vivida e expressa
corporalmente. Durante o tempo que permanecemos no solário, ela não voltou a se tornar parte
de outros eventos registrados nas brincadeiras e movimentos dele ou dos outros bebês.
Me parece que a linha aconteceu ao Pedro em um momento específico no qual ele
estava vagando pelo espaço e tornando-se parte dele e de outros fenômenos presentes naquele
momento. Era um dia frio e ensolarado, sem ventos. O parque estava vazio e não era possível
escutar ou ver outras crianças brincando do lado de fora. Porque era manhã, a sombra do telhado
cruzava o solário. Não havia outros brinquedos espalhados pelo chão. Foi o contexto vivido e
a abertura a ele que possibilitou que o Pedro se deparasse com as linhas no chão.
Em diversas situações da pesquisa, deparei-me com momentos nos quais as coisas
aconteciam nas brincadeiras e práticas vividas pelos bebês e dificilmente poderiam ser
nomeadas. Eventos nos quais as coisas pareciam escapar por entre meus dedos, resistindo ao
gesto de apreensão e, simultaneamente, transformando-se em dado produzido no processo de
investigação.
As linhas da brincadeira de Pedro são um desses acontecimentos. Algo inusitado e
imprevisto que surge e convida o Pedro à interação, provocando uma mudança no gesto, um
novo movimento, uma pausa. Quando as professoras propuseram esta situação de exploração
gráfica no espaço do solário, elas consideraram que as paredes e o piso se transformariam em

_______________
164
Nesta situação, as professoras não deram consignas para orientar o uso do material e/ou da ação dos bebês. Ou
seja, eles não receberam qualquer tipo de orientação por parte das professoras. Seja quanto ao uso feito da
canetinha ou quanto a forma como deveriam posicionar-se, ou seja, o movimento dos bebês não foi restringido.
No decorrer da pesquisa, era frequente que elas orientassem os bebês quanto ao que deveriam realizar somente
em situações de produção de trabalhos para o portfólio ou quando utilizávamos um espaço do CMEI menos
frequente (como o refeitório ou o parque de areia).
194

suportes para o desenho. As linhas não foram e não poderiam ter sido antecipadas pois não há
como prever os encontros vividos pelo outros, neste caso, pelos bebês.
Nas imagens abaixo apresenta-se outro evento em que algo acontece a uma bebê. É
possível observar o momento no qual a Melissa para de caminhar para dirigir a atenção a sua
mão, à sombra e à parede. Ela estava caminhando entre o portão de acesso ao jardim e a parede
azulejada com uma canetinha em mãos. Ocasionalmente, ela toca na parede e permanece parada
com a mão esticada. Ela estica e dobra os dedos, parecendo tentar pegar a sombra de sua mão
e/ou sentir a temperatura e a textura da parede. O braço, o tronco e as pernas permanecem
imóveis, a cabeça gira no mesmo sentido que a mão e o queixo se alinham com os dedos
enquanto ela os abre e fecha, o que nos indica que o seu olhar estava direcionado para sua mão.

Figura 36 – Melissa, a sombra e a parede (19/06/2019)

Fonte: A Autora (2020)

Faltam palavras para nominar os gestos da Melissa, pois o sentido para a sua ação não
é externo a ela, mas é produzido diante do encontro com a parede e a sombra. Ele encontra-se
na própria experiência do gesto. Os gestos dos bebês comunicam uma abertura as coisas que
lhes acontecem.
Assim como o movimento de Pedro de atravessar as linhas, o vai e vêm dos dedos de
Melissa e o olhar atento dirigido a eles pode ser compreendido como uma prática autotélica.
Este é um conceito útil para enfrentarmos o tenso desafio de traduzirmos o movimento em
palavra escrita e que pode ser compreendido como as “(...) atividades com as quais nós
continuamente nos engajamos sem qualquer recompensa externa (...). Práticas autotélicas têm
motivações internas e, nelas, a atividade é o objetivo e a recompensa em si mesma.” (RAUTIO,
2013, p.394).
É importante destacar que adultos e crianças se engajam neste tipo de práticas. A
autora, Pauliina Rautio (2013), por exemplo, faz referência ao gesto de organizar os alimentos
195

na fruteira segundo as suas cores e a uma caminhada na mata que ganha novos rumos segundo
o que acontece àquele que vaga na floresta. As pedras também são o fio condutor de sua reflexão
e, assim como podem ser lançadas na água para saltar, podem ser recolhidas nos bolsos das
crianças. Pauliina Rautio (2013) destaca que dificilmente saímos em busca de pedras para lançar
em um lago ou guardar nos bolsos, pelo contrário, nos deparamos com as pedras e atribuímos
um sentido ao ato de recolhê-las ao mesmo tempo que nos acontece o gesto de segurá-las em
nossas mãos.
A autora compreende que os sujeitos se engajam neste tipo de práticas em situações
nas quais apresentam uma abertura estético-afetiva. Ela mobiliza este conceito de Jane Bennet
(2010)165 para refletir acerca da pergunta: “O que está acontecendo quando as crianças carregam
pedras em seus bolsos?”166 (RAUTIO, 2013, p.395, tradução nossa). Segundo a autora, este
gesto tem relação com a abertura delas para as materialidades que as rodeiam, situações nas
quais as crianças encontram-se disponíveis para o que lhes possa acontecer.
A palavra acontecimento, assim como a ideia do encontro e do evento, remete ao
conceito de experiência. Jorge Larrosa (2002) ao escrever sobre ela, na tradução para o
português, a conceitua a partir do verbo acontecer, ou seja, ela é o que nos acontece. O autor
afirma que a informação não é experiência e que ela é cada vez mais rara pelo excesso de
opinião, pela falta de tempo e pelo excesso de trabalho. Ao ser aquilo que nos acontece, vemos
que o sujeito da experiência é marcado por um tipo de passividade, de abertura, de
disponibilidade. Ele afirma:

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto
de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar
para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais
devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se
nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender
o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos,
falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte
do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço. (LARROSA, 2002,
p. 24, grifos nossos)

Há algumas palavras mobilizadas pelo autor que gostaríamos de destacar.


Primeiramente, ele fala que a experiência requer um gesto. Esta palavra está associada ao corpo
_______________
165
O conceito é proveniente do trabalho de Jane Bennet (2010), que fala sobre a matéria vibrante a partir de
diversas teorias, dentre elas a de Bruno Latour e as ideias de Deleuze e Guatarri. Além deles, Bennet, no conceito
de abertura estético-afetiva, faz uma reflexão de estética a partir de Adorno, compreendendo-a como essa
atenção sensória às singularidades do objeto (p.15), e pensa a noção do afeto a partir de Spinoza, traduzindo-a
como a capacidade de qualquer corpo para a atividade e para dar respostas (p.XII).
166
No original: “What is it that takes place when children carry stones in their pockets?” (RAUTIO, 2013, p.395).
196

e ao movimento: o gesto é ação, expressão, ato, gesticul-ação. O reconhecimento do corpo


remete à materialidade da experiência e provoca o rompimento com o par binário corpo-
pensamento. Há um substrato material em toda e qualquer experiência humana. Ou seja, o
sujeito da experiência não existe em epistemologias que o compartimentam, dado que é
impossível dissociar o pensamento do corpo: continuamente nos tornamos quem somos ao
encontrarmo-nos com o mundo sendo corpo e pensamento, materialidade e ideias.
A interrupção, por sua vez, nos remete a compreendermos o sujeito quanto a sua
disponibilidade, a sua abertura estético-afetiva (RAUTIO, 2013). Algo acontece que altera
aquilo que estava em curso. No evento da Melissa, o toque de sua mão na parede provocou uma
pausa no ato de caminhar entre a parede e o portão. No caso de Pedro, as linhas no chão, o
convidaram a alterar o movimento em consonância com o que estava acontecendo ao seu redor.
Ao falar da experiência, Jorge Larrosa (2002) também remete à etimologia da palavra,
discorrendo acerca do fato de que ela deriva do latim experiri e que “o radical é periri, que se
encontra também em periculum, perigo. A raiz indo-européia é per, com a qual se relaciona
antes de tudo a ideia de travessia, e secundariamente a ideia de prova.” (p.25, grifos nossos).
Francesco Careri (2013), ao falar das viagens e dos percursos nômades, também seleciona uma
citação na qual a raiz per se transforma em mote para a reflexão sobre a relação entre os efeitos
da viagem no viajante. Ao remeter-se a Heidegger, Larrosa (2002) afirma que o sujeito da
experiência não é aquele que “(...) permanece sempre em pé, ereto, erguido e seguro de si
mesmo; (...) mas um sujeito que perde seus poderes precisamente porque aquilo de que faz
experiência dele se apodera.” (p.25).
A viagem se apodera do viajante, o gesto de interrupção se apodera do sujeito da
experiência. A interrupção não significa que os movimentos cessaram, mas sim que o sujeito
suspendeu o que estava em curso para iniciar algo novo. Algo irrompe, precipita-se sobre ele,
subitamente o invade e provoca um novo gesto. A passividade a que Larrossa (2002) se refere
ao falar da experiência não significa que o sujeito está condicionado ao ambiente e encontra-se
paralisado à espera de que algo lhe passe. Pelo contrário, significa que ele se encontra integrado
às coisas e produz sentidos nos encontros contínuos que lhe acontecem. Ele ressalta que:
“definir o sujeito da experiência como sujeito passional não significa pensá-lo como incapaz de
conhecimento, de compromisso ou ação.” (LARROSA, 2002, p.26).
Este destaque é fundamental ao falarmos dos bebês, posto que é necessário romper com
a perspectiva da falta. Ao observarmos a forma como a Melissa observa o movimento dos seus
dedos, ou o exercício de controle dos movimentos do corpo feito por Pedro, vemos a atenção
destinada pelos bebês aos gestos realizados. As coisas lhes acontecem e é ao encontrarem-se
197

com elas que eles elaboram respostas e criam novas formas de expressar-se e colocar-se em
relação com as coisas. Eles não controlaram os acontecimentos, mas produziram sentidos ao
vivenciarem o encontro. O que nos permite compreender que:

As crianças lançam mão do corpo para comunicar, interagir, experimentar, e o fazem


de modo intencional. É importante que tenhamos isso em conta, porque uma das
questões que acompanham o debate em torno do corpo dos bebês é o seu caráter
condicionado, interpretado como puramente instintivo. (COUTINHO, 2012, p. 251)

Ou seja, o reconhecimento de que não temos controle sobre aquilo que nos acontece
tampouco significa que os sujeitos não sejam responsáveis por aquilo que realizam ao adentrar
nesses encontros com o mundo, com as coisas, emaranhados materiais-semióticos (SPYROU,
2019). Isso significa que é preciso assumir uma ontologia relacional para ler o mundo e romper
com uma postura antropocêntrica e narcisista (BENNETT, 2010). O ser humano não está no
controle de tudo o que acontece no mundo e a vida lhe é independente, pois ela provêm da
matéria (INGOLD, 2011) e não de um substrato essencial, como a alma, ao qual poderíamos
referir-nos. Contudo, ele age em relação com o mundo, no mundo. A mundanidade o constitui
e, portanto, o saber da experiência é encarnado.
Ao observar o encontro dos bebês com as coisas, há outro elemento que se tornou
evidente. Nos eventos, era difícil identificar quando eles encerravam uma brincadeira ou uma
interação e iniciavam algo novo. Os bebês pareciam estar constantemente concentrados no
gesto que estavam realizando e simultaneamente disponíveis para interromper a sua ação e
modificar o seu curso. A continuidade da ação dos bebês, seja a interação com os pares ou uma
brincadeira, se dava por meio da possibilidade de iniciar algo novo, de estar ao mesmo atento
atentos ao que estavam realizando e às coisas que lhes aconteciam ao redor. A partir dessa
perspectiva é possível notar como os eventos do Pedro e da Melissa colocam em xeque a ideia
de que os bebês não permanecem concentrados. Eles não poderiam deparar-se com as linhas no
chão ou com a sensação advinda do toque na parede se não estivessem atentos ao ambiente e
ao que estava acontecendo consigo mesmos.
A ideia de concentração e atenção que sustenta essa leitura dos bebês encontra alicerce
em uma epistemologia e ontologia que divide corpo e pensamento e que, portanto, associa
concentração à pausa, à estaticidade e à homogeneidade. Nesta perspectiva, o que está em voga
não é a continuidade da brincadeira, do movimento e da exploração realizada pelos bebês, mas
a repetição e a uniformidade das respostas dadas por eles a um único objeto. O que está posto
em destaque é um corpo alheio às sensações e uma mente descorporificada. O conhecimento se
198

torna objeto restrito às operações intelectuais e tudo aquilo que perpassa o corpo, seu
movimento e sinestesia, passa a ser compreendido como instintivo, biológico, animal e,
portanto, não constitui o ser humano do pensamento ocidental, que é fundamentalmente
compartimentado:

O olho é desprendido do corpo e do mundo para abrir-se à iluminação ofuscante do


verdadeiro, sempre obediente ao pensamento. O perigo está no olhar distraído que
deve ser educado para saber o que tem de permanecer separado. (RICHTER, 2005,
p.194)

Sandra Richter (2005) mobiliza a palavra perigo para referir-se aos riscos do olhar
distraído, intimamente conectado com a experiência e com a abertura, à adesão ao mundo.
Poderíamos, até mesmo, retomar a referência ao radical per, presente na ideia de travessia,
experiência e perigo para mobilizarmos novos usos do termo “atenção” ao nos referirmos às
ações dos bebês. Para isso, é necessário romper com essa perspectiva dualista que separar corpo
e pensamento. Com esta fissura, passa a ser possível valorizar as ações dos bebês e o saber que
advêm da experiência. Ela também possibilita a reconstrução do olhar do observador, que pode
ser exercitado pelos adultos que acompanham os bebês em sua relação com o mundo, pois passa
a ser possível olhar para o movimento e o gesto dos bebês e reconhecer que algo está
acontecendo.
No evento descrito abaixo (Figura 37), a Allicia estava sentada no chão observando os
outros bebês quando se deparou com alguns traços deixados no piso. Ela muda de posição,
ajoelhando-se e, em seguida, apoiando-se em três apoios, e observa as marcas da canetinha. Ela
passa os dedos por cima do traçado, que se altera, e move a mão abaixo do desenho. Ela olha
para frente, parecendo procurar outros desenhos, e engatinha em direção a algumas marcas
azuis deixadas por outro bebê. Ao chegar até elas, ela repete o gesto das mãos. Passa os dedos
abaixo do desenho e sobre ele. Ao erguer o braço e olhar para a frente, ela se depara com a
sombra de sua mão e seu braço, movendo-o para cima e para baixo, atenta às mudanças de sua
sombra. O gesto encontra o duplo.
Do mesmo modo como a linha surgiu na brincadeira do Pedro e a parede para Melissa,
a sombra também parece lhe acontecer a Allicia. Ela estava atenta aos desenhos no chão e ao
mesmo tempo permanecia aberta ao que lhe passava ao redor. Essa é a atenção distraída a que
Sandra Richter (2005) se refere e que precisa ser considerada ao narrarmos as ações dos bebês:
“é como se um certo coeficiente de desatenção à vida, no próprio âmago da percepção atenta,
fosse vital para a dinâmica da vida mesma.” (2005, p. 196).
199

Figura 37 – Allicia, o gesto e o duplo (19/06/2019)

Fonte: A Autora (2020)

Contudo, para um observador desavisado que olha para o mundo sem reconhecer os
corpos e dar atenção à materialidade da experiência, os gestos da Allicia ao procurar pelos
desenhos e encontrar a sombra de seu braço, provavelmente passariam desapercebidos. Ela não
estava desenhando, não tinha uma caneta em mãos, não estava falando e tampouco caminhava
austera pelo espaço em exercício da habilidade adquirida e socialmente super-valorizada como
meio de chegar a algum lugar.
É importante destacar que a Allicia já caminhava com segurança no momento deste
registro, pois havia conquistado a marcha em fevereiro, e que da mesma maneira como ela está
atenta aos desenhos no chão, o modo como ela se desloca também se configura em uma resposta
aos acontecimentos. Ela escolhe permanecer próxima ao chão: ela engatinha até outros
desenhos. Faz o mesmo gesto com as mãos, como se tentasse comprovar a sua hipótese sobre
200

os desenhos ou apreendê-los com os seus dedos. E, ao final, altera o gesto ao encontrar a


sombra.
A observação atenta dos gestos dos bebês e dos seus modos de responder aos
acontecimentos provoca essa ruptura da ideia de concentração e atenção próprias do
pensamento ocidental. Os eventos descritos até então nos ajudam a aproximarmo-nos da
abertura dos bebês para o encontro com as materialidades, não como uma resposta intuitiva,
mas como uma disponibilidade para perder o controle e alterar o curso da ação segundo os
convites trazidos pelo mundo.
São três eventos que, se marcados no tempo do relógio, duraram poucos instantes e
que comunicam sobre os encontros dos bebês com elementos que levianamente poderiam ser
denominados de imateriais, posto que são sensoriais, cinéticos e envolvem a relação com coisas
intangíveis. São coisas que escapam ao inventário das materialidades e que se fazem presentes
no cotidiano dos bebês como marcas da própria vida que acontece no interior da escola real
(INGOLD, 2012). São encontros com a matéria de sujeitos que são corpo-pensamento. A ideia
de materialidade vem, desta forma, atravessada por coisas que a princípio aparentam ser
imateriais, como a sombra, luz, sons e cheiros. Neles, vimos como a imagem da linha (visão)
convida os movimentos do Pedro, o tato convoca o gesto da Melissa e uma conexão entre a
visão e o tato solicita a exploração dos desenhos e da sombra pela Allicia.
O vão exercício de categorizar os elementos enquanto materiais e imateriais, do mesmo
como a cisão entre materialidade e ideias, não nos ajuda a compreender a forma como
continuamente elaboramos respostas ao que nos acontece. Tim Ingold (2011) elabora um
conjunto de perguntas que nos ajudam a perceber a necessidade de compreender a forma como
somos parte do mundo. Ele pergunta:

Mas foi ao tocar esta pedra em particular que você se colocou em contato com a
materialidade do mundo? Não há nada material que não esteja encerrado em objetos
sólidos e tangíveis como as pedras? Nós devemos realmente acreditar que o que quer
que resida para cá dos objetos é imaterial, incluindo o próprio ar que que garante a
liberdade de movimento e que te possibilita estender a mão e tocá-los, sem mencionar
o seu próprio dedo – e, por extensão, o resto do corpo, vistos que os dedos não são
controlados pela mente com um controle remoto? Seria o ar que você respira um éter
para a mente e seu dedo nada mais que um fantasma da imaginação? (INGOLD, 2011,
p. 23, tradução nossa) 167

_______________
167
No original: “But has touching this particular stone put you in touch with the materiality of the world? Is there
nothing material that is not locked up in solid, tangible objects like stones? Are we really to believe that whatever
lies on the hither side of such objects is immaterial, including the very air that affords the freedom of movement
201

Ou seja, não estamos desconectados das coisas do mundo, a materialidade faz parte da
experiência humana. Essa conexão, adesão ao mundo, permite que o próprio espaço vivido se
expanda. No exercício de construirmos lugares para os bebês precisamos, portanto, imaginar
que a escola real irá surgir a partir das ações dos sujeitos que a ocupam e das contínuas
transformações da matéria. Haverá luzes, texturas e sons que não serão previstos e que irão
convocar os bebês a elaborarem respostas. Elas, por sua vez, estarão conectadas ao corpo e ao
movimento e cada bebê irá expressar-se a partir de um conjunto de elementos diversos, como
suas competências corporais, marcas da cultura, de gênero, de raça e repertórios pessoais. Da
mesma forma, é fundamental que essas questões sejam consideradas tanto nos projetos
arquitetônicos quanto na organização dos espaços. De que forma é possível trazer novos cheiros
para dentro das salas de referência? Quais elementos arquitetônicos podem criar sombras e
modificar a luz? Quais interferências sonoras é possível criar nos espaços?
No decorrer da pesquisa, fiz dois registros da mesma bebê, a Yasmin, ao escutar o som
de um avião. Eventos nos quais ela interrompeu o que estava fazendo para dar-se tempo de
escutar o ruído. Narro ambos na sequência a fim de observarmos duas situações nas quais o
som convida uma resposta de Yasmin. Não é somente a palavra falada que nos convoca a
elaborar sentidos para o mundo, é sempre preciso reconhecer que os elementos materiais e
simbólicos se encontram entrelaçados e que as ações dos bebês também são fruto e condição
deste entrelaçamento entre materialidade e discursos.
O primeiro deles (Figura 38) aconteceu durante o período da manhã do dia seis de junho,
logo após a colação, e estende-se para além do registro fotográfico, como pode observar-se no
texto do diário de campo:

As crianças foram deixando o “espaço da coleção” de acordo com seu próprio ritmo.
A Nathiely e a Allicia estavam sentadas no fundo da sala com o suco, momento em
que a Beatriz e a Yasmin se aproximaram. O som de um avião fez com que a Beatriz
e, em seguida, a Yasmin parassem para olhar para a janela. Elas permaneceram
olhando até o momento em que o som terminou. Logo após, a Beatriz voltou a
aproximar-se das meninas sentadas sob as almofadas e a Yasmin me viu e caminhou
na minha direção. Ela parou na minha frente com as mãos em meus joelhos e, após
um momento de silêncio e troca de olhares, perguntei-lhe se ela tinha ouvido o avião.
Ela olhou para mim e em seguida para a janela. Ela estava atenta ao que acontecia e
notou o som de um carro que passava próximo ao CMEI, o som não estava alto, mas
ela começou a dançar. Dançou até não escutar mais o som. (Diário de Campo, 6 de
junho de 2019).

_______________

enabling you to reach out and touch them, not to mention the finger itself – and, by extension, the rest of the
body, since fingers are not operated from the mind by remote control? Is the air you breathe an ether of the mind,
and your finger but a phantom of the imagination?” (INGOLD, 2011, p.23)
202

Figura 38 – Beatriz, Yasmin e o som do avião (06/06/2019)

Fonte: A Autora (2020)

Beatriz e Yasmin abandonam o que estavam fazendo para poder escutar o som do avião
e olham na direção da janela. Elas conseguem perceber de onde provêm o som e parecem
identificá-lo. Ao cessar o ruído, a Beatriz escolhe retomar a brincadeira com a Allicia e a
Nathiely. A Yasmin, por sua vez, se depara com a minha presença e caminha até mim. Ela ainda
estava atenta aos ruídos do lado de fora da sala quando um carro passou ao longe e ela dançou
com a música. Não é possível e tampouco necessário dizer o porquê ela dançou e parou para
escutar o avião, mas é necessário vermos que ambas as ações faziam sentido dentro do contexto
que ela estava vivendo e a partir de seus repertórios pessoais.
Os sons pareciam ser algo frequentemente mobilizado pela Yasmin na exploração dos
objetos e em sua relação com o mundo. As professoras da turma comentaram que já a haviam
visto transformar um bloco em telefone após ter escutado o telefone da escola tocar. Como a
sala ficava próxima à secretaria, era possível ouvi-lo chamar. Do mesmo modo, os outros bebês
presentes na sala e inclusive os adultos também puderam ouvir o avião e a música do carro, mas
ninguém fez um comentário sobre isso ou expressou-se de um modo que fosse possível notar
que haviam escutado os sons. Devido ao contexto específico, os ruídos do lado de fora afetaram
a Yasmin e a convidaram a elaborar uma resposta, o que nos traz indicativos sobre a
singularidade da experiência e sobre a simultaneidade do espaço.
O segundo evento aconteceu durante o período da tarde no dia doze de junho, na
semana seguinte, enquanto estávamos no solário:
203

Estava sentada ao lado do portão do solário quando notei que a Yasmin apontava para
o céu, olhei para cima e demorei para escutar o barulho do avião. O espaço pareceu
expandir-se com a sua passagem, pois ela estendeu os braços para cima e voltou o
rosto inteiro para o céu. Permaneceu assim até perdê-lo de vista. Ela aproximou-se do
portão e começou a pendurar-se nele e a mexer no trinco quando escutou um ruído,
parou, espantou-se, procurou no céu e depois olhou para a frente. Notou que estavam
cortando a grama ao lado da calçada e apontou nessa direção. (Diário de Campo, 12
de junho de 2019)

Figura 39 – Yasmin e o avião (12/06/2019)


Fonte: A Autora (2020)

Nesse dia, a Yasmin novamente se depara com o som do avião e ergue os braços como
se quisesse alcançá-lo. Desta vez, ela pode escutá-lo e vê-lo cruzar o céu. Ela colocou o dedo
em riste antes de vê-lo, acompanhou sua trajetória e em seguida encontrou um novo convite.
Ela se dirige ao portão e tenta abri-lo, que logo antes havia sido objeto das tentativas da Lolo e
da Beatriz, e é interrompida por um novo ruído. Ela manifesta sua surpresa e o procura no céu,
não o encontra e volta a olhar para frente. Observa um homem cortando a grama e aponta para
ele. Ela parece identificar a nova fonte do ruído após descartar a possibilidade de ser um novo
avião.
204

Em ambos os momentos é possível notar a disponibilidade da Yasmin para as coisas


que aconteciam ao seu redor. Ela aceita os novos convites ao elaborar respostas para os
acontecimentos. O vagar pelo espaço era possibilidade de abertura ao mundo e de relação com
o coletivo, possibilidade de encontro com a diferença e de descoberta de algo novo e
desconhecido. Como aponta Doreen Massey (2005), o fato de o espaço estar continuamente em
construção é o que possibilita uma abertura para o futuro, uma resistência às narrativas
modernas e, portanto, a acolhida do desconhecido. Allicia, Pedro, Melissa e Yasmin nos trazem
indicativos do constante encontro com as coisas e da imprevisibilidade dos acontecimentos a
partir desta abertura para o mundo.

4.2.3 À DERIVA: IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA DOCENTE

“O que me atrai na metáfora marina da deriva é que o terreno sobre o qual ocorre o
movimento é um mar incerto, que muda continuamente com base na mutação dos
ventos, das correntes, dos nossos estados de ânimo, dos encontros que se dão. O ponto
é, com efeito, como projetar uma direção, mas com uma ampla disponibilidade à
indeterminação e à escuta dos projetos dos outros. Velejar significa construir uma rota
e modifica-la continuamente (...) encontrando, em suma, no próprio território e em
quem o habita as energias que podem levar adiante o projeto indeterminado no seu
devir: as pessoas certas, os lugares adequados e as situações em que o projeto possa
crescer, modificar-se e tornar-se terreno comum. É claro que um projeto determinado
necessariamente cairá aos pedaços com as primeiras lufadas. Ao passo que um projeto
do outro tipo certamente tem mais esperança de ser realizado.” (CARERI, 2013,
p.172)

Aproprio-me da metáfora mobilizada por Careri (2013) para pensar que da mesma forma
como no velejar, os projetos educativos podem ser construídos à deriva. Isso significa que é
necessário acolher os desvios na rota, assumir a errância e acolher o devir. O reconhecimento
do dinamismo do espaço e da forma como ele se constitui diante dos encontros imprevistos
vividos pelos sujeitos, em um processo dinâmico no qual eles atuam sob a estrutura disponível,
ou seja, em relação com outros processos da esfera macro, nos move a pensar que projetos
determinados também cairão aos pedaços. Os bebês, ao perambularem, criam e descobrem o
mundo, em um contínuo processo de criação de um terreno comum por meio dos encontros
com os outros e com as coisas.
É possível afirmar que a metáfora da deriva, do movimento, tem duas implicações
distintas. A primeira delas diz respeito a acolhida das culturas infantis, da cultura dos bebês, no
espaço da creche. O perambular, apresentado no decorrer desta seção como uma prática
material e cultural dos bebês, é uma forma deles se apropriarem da cultura e se colocarem em
relação com o outro e com as coisas.
205

Eles constroem relações e brincadeiras a partir dos encontros e das mudanças no terreno.
Eles não saem rumo a um destino predeterminado, mas caminham abertos a alterar a rota, a
fazer pausas, a constituir-se continuamente por meio de encontros desconhecidos e imprevistos.
Eles perambulam de forma rítmica, assumem diferentes posturas, percebem a si mesmos e as
coisas, exploram a sua possibilidade de mover-se e de estar no mundo. Além disso, o
movimento compreendido como parte indissociável da aprendizagem e do conhecimento. É ato,
disponibilidade para o encontro e a experiência. A corporeidade também é encontro com as
materialidades, experiência de si no mundo e do mundo em si mesmo.
A segunda implicação refere-se à forma como a prática docente pode ser uma prática
dinâmica e não estática, que acolhe a efemeridade, àquilo que é transeunte, que se constrói à
deriva. Na docência e no fortalecimento de uma prática educativa com bebês se torna necessária
a defesa da indissociabilidade entre corpo e mente, conhecimento e ação, materialidade e ideias.
A acolhida dos bebês e o seu reconhecimento como atores sociais implica em visibilizar a forma
como eles constroem o espaço e a dimensão material da experiência.
O reconhecimento da materialidade provoca a construção de outros lugares para os corpos
dos bebês e requer uma abertura estético-afetiva (RAUTIO, 2013) por parte das professoras a
fim de acolher às mudanças e ao inesperado do cotidiano. Uma escola real, um espaço de vida,
não pode se eximir de valorizar as transformações, o movimento e as coisas que escapam ao
nosso controle.
Dar centralidade à matéria não significa destituir os bebês do seu potencial agêntico.
Significa radicalmente mudar o pensamento a fim de perceber que a relação entre as coisas se
dá de forma horizontal, não vertical e hierarquicamente. Além disso, ao defendermos que a
matéria importa, estamos dizendo que o corpo importa. Ao subvertermos a lógica do
pensamento e passarmos a enxergar os emaranhados materiais-semióticos, o dinamismo do
espaço e do lugar, a inter-relação entre natureza e cultura, corpo e pensamento, estamos dizendo
que reconhecemos e nos confrontamos com a alteridade do bebê. Ao romper-se a supremacia
do pensamento cartesiano, podemos acolher ao Outro. Na educação, isso significa valorizar as
múltiplas linguagens e as profundas conexões entre o global e o local. Significa construir um
projeto educativo à deriva, que se transforma de acordo com os encontros e que sustenta na
participação de todos os sujeitos envolvidos: adultos e crianças.
Ou seja, há necessidade de reconhecer que a construção de uma Pedagogia da Infância
implica na defesa do potencial educativo que reside no imprevisto e no ocasional. A abertura
ao outro implica em resistirmos à tentação de enclausurá-lo, seja por meio do controle de suas
ações ou do poder que deriva do ato de nomear aquilo que o outro faz. A construção de uma
206

pedagogia revolucionária, portanto, implica em um afastamento do sujeito neoliberal,


autônomo, responsável somente por si próprio, para assumirmos que somos parte do mundo e
que não temos todo o controle sobre ele. Deste modo:

Um mote que guia as nossas caminhadas é ‘quem perde tempo, ganha espaço’. Se, de
fato, se quer ganhar ‘outros’ espaços, é preciso saber brincar, sair deliberadamente de
um sistema funcional-produtivo e entrar num sistema não funcional e improdutivo. É
preciso aprender a perder o tempo, a não buscar o caminho mais curto, a deixar-se
conduzir pelos eventos, a dirigir-se a estradas impraticáveis onde seja possível ‘topar’,
talvez encalhar-se para falar com as pessoas que se encontram ou saber deter-se,
esquecendo que deve agir. Saber chegar ao caminhar não intencional, ao caminhar
indeterminado. (CARERI, 2013, p.171)

Deste modo, a observação do grupo de bebês no decorrer da pesquisa aponta para outra
lógica de organização dos tempos, espaços e materiais, dissociada de uma perspectiva utilitária
e fundamentada na ideia de transformação da escola em um ambiente de vida. Para que a creche,
enquanto lugar construído para os bebês, possa transformar-se em um lugar deles – ainda que
eles não o possuam – é preciso que a creche seja um lugar onde sejam visíveis as produções
culturais dos bebês. E, visibilizar o perambular, significa garantir espaços amplos onde eles
possam mover-se e onde, devido à riqueza e complexidade dos conteúdos materiais e
simbólicos disponibilizados, eles possam viver novos e inesperados encontros.
Ao referirmo-nos aos bebês e ao perambular também é preciso rever o campo
semântico a partir do qual narramos a experiência do movimento. No livro “Walkscapes: o
caminhar como prática estética” (2013), Francesco Careri conjuga páginas de texto com pausas:
páginas azuis com citações, fotografias, folhetos, mapas e outros documentos chamados pelo
autor de testemunhos daqueles que “(...) se tem preocupado mais em caminhar do que em deixar
rastros.”(p.23). A primeira página azul contém três colunas de palavras que podem ser
enlaçadas e que constroem um campo semântico a partir do qual é possível falar sobre o
caminhar como uma prática estética.
No decorrer desta seção, mobilizamos um conjunto de termos que podem provocar o
pensamento e disparar novas narrativas sobre a constituição da creche enquanto lugar por meio
do movimento dos bebês. Palavras como errância, deriva, imprevisibilidade, transeunte,
percurso, trajetória, ritmo, direção e os verbos deambular, perambular, vagar e divagar parecem
conter fagulhas para provocar a construção de práticas educativas revolucionárias. A
transformação da creche em um lugar dos bebês parece se tornar possível diante de um
cotidiano educativo em que se valorize o dinamismo, o movimento, a transformação e a
diferença. Uma prática educativa na qual:
207

(...) a errância constitui-se também num princípio político da educação: o mundo pode
ser de outra maneira. O mundo e as vidas que o compõe podem ser de outra maneira,
e nossa vida não pode ser indiferente, consolidar ou legitimar um estado de coisas
como o que vivemos, em que algumas vidas carecem do mais vital para serem o que
são ou simplesmente são discriminadas pela sua cor, gênero, idade, classe; sempre é
possível fazer alguma coisa; não sabemos como deve ser o mundo, não sabemos como
deve ser vivida a vida e também não queremos saber, porque a própria tarefa educativa
é uma construção coletiva, em aberto... Mas sabemos que educar diz respeito a colocar
em questão, problematizar, sacudir, resistir a esse mundo que é menos mundo para
muitos e transformar as formas de vida que habitamos, embora não saibamos o destino
final desse movimento. (KOHAN, 2019, p.155)

O perambular é uma prática dos bebês no mundo e a fim de que seja possível acolher
suas práticas culturais, é preciso que os projetos educativos se saibam à deriva, assumindo o
compromisso com o novo e com a mudança.
208

4.3 PARTE III – O USO FUNCIONAL DAS COISAS

Nesse dia, cheguei em sala quando o café


da manhã já estava em curso. Estava em
pé no canto da sala quando a Laura se
levantou rapidamente e começou a
empurrar a sua cadeira até o lugar onde
normalmente me sento. Ela colocou a
cadeira no lugar e parou para me olhar,
batendo com a mão na cadeira. Me sentei
e perguntei se ela não queria usar a cadeira
para terminar de tomar café da manhã. Ela
me olhou nos olhos, sustentando o olhar
e, em seguida, saiu andando e retornou ao
meu lado trazendo consigo o seu pote com
o pão e o copo com leite. Os apoiou no
escaninho vazio e me ofereceu o pão e
depois o leite, insistindo para que eu
pegasse. Agradeci e disse que já havia
tomado café da manhã, ela me olhou e
seguiu com sua refeição, parada, em pé,
frente a mim. Permaneci sentada na
cadeira trocando olhares com ela e,
enquanto isso, também tirei fotos do
espaço. Ela ficou do meu lado até
terminar o pão e o leite. Ao finalizar,
entregou seu pote e o copo para a
Professora Paula e caminhou até o tapete
emborrachado onde a Yasmin estava
sentada terminando de tomar café da
manhã. Ela pegou o pote e o pão dela e
Figura 40 – Laura e a cadeira (10/05/2019) levou para a professora. (Diário de
Fonte: A Autora (2020)
Campo, 10/05/2019)
209

Afirmar que os bebês utilizam os objetos de modo funcional pode parecer algo
corriqueiro. A convivência com eles e a experiência docente nos trazem memórias de situações
nas quais eles demonstram saber como usar um controle remoto, identificam botões de
aparelhos eletrônicos, sabem onde estão e como acionar interruptores, alimentam-se com
colheres e garfos. Se considerarmos essas situações banais, partiremos do pressuposto de que
cada objeto tem qualidades que lhe são inerentes e que governam de forma unívoca as nossas
ações. Um controle, um garfo e um interruptor sempre foram e nunca deixarão de ser o que são,
tendo somente uma função.
Contudo, se reconhecemos que os bebês são atores sociais e que a utilização dos
objetos se dá em um processo complexo de interpretação e apropriação dos códigos culturais,
é preciso dar destaque a esses eventos e buscar conceitos que nos ajudem a dar visibilidade para
a agência dos bebês e para as formas plurais como eles podem interagir com as coisas. Assim,
veremos que as coisas podem se transformar por meio das narrativas (INGOLD, 2011)
construídas a respeito delas e que a sua utilização segundo os sentidos convencionais também
implica em um conhecimento prévio sobre as diversas materialidades e os gestos que elas
convocam.
No evento da Laura (Figura 40), vemos como a minha entrada em campo mobiliza um
novo significado em relação à cadeira. Quando eu entro em sala, ela se vê diante da
possibilidade de permanecer sentada (uso 1), mas escolhe levar a cadeira até mim para que eu
performasse as minhas atividades de pesquisadora (uso 2). Ou seja, ela podia permanecer
sentada e eu de pé, mas ela opta por levar a cadeira, acionando o repertório construído
coletivamente pelo grupo de bebês como uma resposta à minha escolha de colocar uma cadeira
ao lado da porta, junto ao balcão, e de permanecer nela durante a maior parte do tempo168. Além
disso, vemos como ela compreende os rituais do grupo no momento de alimentação, entregando
seu copo e prato para a professora e recolhendo o pote utilizado pela Yasmin.
Este evento e outras situações que serão narradas e analisadas na sequência nos ajudam
a problematizar o significado do termo funcional a fim de compreendê-lo como parte das
narrativas criadas pelos bebês a partir de repertórios individuais e coletivos. Ou seja, os mesmos

_______________
168
Antes da realização da pesquisa, a cadeira não costumava ser colocada no canto da sala e tampouco era utilizada
com frequência pelos adultos que integravam o grupo, pois as professoras costumavam permanecer de pé ou
sentadas sobre as almofadas. A minha entrada na sala do berçário provocou uma mudança nos valores simbólicos
associados ao uso da cadeira: ela passou a ter um novo lugar e a ser ocupada por um adulto diferente. Eu
costumava chegar antes do momento do café da manhã, ou após ele, e a partir do quarto dia de idas à campo, os
bebês passaram a sempre me trazer uma cadeira. Na parte final do capítulo metodológico (capítulo 3) é possível
localizar outras considerações sobre a cadeira e o processo de entrada em campo.
210

objetos, em contextos diversos, adquirem outras funções, têm propósitos diferentes. Isto faz
com que a ideia de função seja problematizada e que compreendamos que os objetos não têm
atributos que lhes são inerentes: a função é dada pela narrativa construída acerca deles
(INGOLD, 2011).
Esta discussão se conecta com as pesquisas sobre a cultura material na medida em que
reconhece que as coisas fazem as pessoas e as pessoas fazem as coisas. Isto não significa, como
já destacado previamente, tornar animadas as coisas inanimadas, mas assumir a dimensão
material da experiência humana e o entrelaçamento dos aspectos materiais e simbólicos.
Significa perceber a trama por meio da qual interagimos com as coisas a partir dos aspectos
material-semióticos, reconhecer suas possibilidades e condicionamentos e acolher o movimento
e a mudança como algo inerentes à matéria (INGOLD, 2011). Esta perspectiva sobre a
materialidade também demanda um olhar atento acerca dos usos funcionais e da forma como
as coisas permanecem sempre abertas ao futuro.
Este conjunto de reflexões sobre a cultura material e o significado de função possibilita
a valorização das ações dos bebês e o reconhecimento de sua agência, pois os situa como atores
sociais que reinterpretam os sistemas de ações e os alteram a partir do processo de criação de
novas funções para as coisas. O exercício da agência pelas crianças, desde bebês, é tomado
enquanto ponto de partida, como indicado por Alan Prout (2000) e como um conceito
consolidado no campo dos Estudos da Infância (COUTINHO, 2013a; HOLLOWAY; HOLT;
MILLS, 2019; JAMES; JAMES, 2017; VALENTINE, 2011). Ele é um processo plural
imbrincado no contexto vivido por cada bebê e que envolve emoções, linguagens e as
materialidades. O tipo de agência169 exercido nos eventos dessa seção envolve a mobilização
de repertórios e uma leitura do contexto.
Assim, apresentam-se a seguir alguns eventos a partir dos quais podemos refletir sobre
a multiplicidade de usos funcionais dos objetos e ver as coisas em transformação a partir das
ações dos bebês. Realiza-se uma análise do uso funcional dos objetos diante das mudanças no
contexto, considerando-se os repertórios coletivos e individuais.

_______________
169
Faço referência a tipos de agência a fim de situar o trabalho na produção acadêmica atual acerca do conceito.
Sarah Holloway, Louise Holt e Sarah Mills (2019) em artigo recente publicado a partir de um estudo de estado
da arte aponta para diferentes tipos de agência exercidas pelas crianças. Elas apontam que esta abordagem
permite reconhecer os contextos diversos experenciados pelas crianças.
211

4.3.1 USOS FUNCIONAIS CONVENCIONAIS

Ao vermos a Laura tomando café da manhã ao lado da Lolo, da Lívia e da Yasmin


(Figura 40) parecemos rapidamente compreender aquilo que está acontecendo. As quatro bebês
estão sentadas, com as pernas para baixo e as mãos apoiadas sobre a mesa. Potes e copos
também estão apoiados e sendo usados como utensílios para que elas se alimentem. É uma cena
corriqueira do cotidiano dos bebês na creche e na qual vemos a forma como eles fazem o uso
funcional dos utensílios durante esse ritual de alimentação.
A partir de uma interpretação aligeirada, estas constatações poderiam bastar para
narrarmos o momento do café da manhã. Contudo, esta perspectiva desconsidera a agência dos
bebês, pois parte do pressuposto de que o uso desses objetos é algo trivial. A função da cadeira
é que as pessoas se sentem, a dos pratos é conter o alimento e a dos copos é conter o líquido e
facilitar a sua ingestão segundo as convenções sociais que envolvem o momento de
alimentação. Ao menos, cada um desses objetos parece ser produzido e utilizado com esta
finalidade. Porém, como denominar uma situação na qual um bebê suba na cadeira para pegar
um alimento sobre o balcão? Este evento não seria uma brincadeira e tampouco um uso
convencional da cadeira170. Seria possível falar de função? Como narrar as interações dos bebês
sem perder de vista que a agência pode ser exercida de formas diversas e que é necessário
considerar a vida cotidiana?
Estas perguntas me acompanharam no decorrer da pesquisa, pois era possível dizer que
os bebês faziam um uso funcional das coisas, ainda que as estivessem utilizando de formas
imprevistas e idiossincráticas. Relegar essas interações com as materialidades a segundo plano,
pois escapavam do uso normativo dos objetos ou não poderiam ser compreendidas como
brincadeiras, seria olhar para as ações dos bebês a partir de uma perspectiva adultocêntrica. Do
mesmo modo, a forma como os bebês exerciam sua autonomia e participavam de rituais do
coletivo precisava ser evidenciada; nesses contextos, eles pareciam compreender e reproduzir
as regras de uso das materialidades. O evento da Laura nos faz refletir sobre a forma como os
bebês aderem a esses usos convencionais e que esta aderência pode ser considerada uma escolha
deles.

_______________
170
Reafirmo que a classificação realizada na pesquisa a fim de evidenciar as diferentes formas como os bebês
interagem com a materialidade e produzem o espaço (perambular, uso funcional e o brincar) são categorias
elaboradas no decorrer da pesquisa, após o processo de produção dos dados, a fim de que fosse possível
evidenciar as narrativas dos bebês e construir uma pesquisa eminentemente ética. No cotidiano, essas diferentes
formas de interação e de ação social estavam entremeadas e os bebês transitavam entre elas, pois a ordem que
organiza o cotidiano dos bebês é a da narrativa e a da relação, não a da separação e classificação.
212

Beth Preston (2000) destaca que ao falarmos sobre função é preciso reconhecer a sua
multiplicidade e dinamismo. Ela concilia duas diferentes concepções filosóficas a fim de
estabelecer uma classificação ontológica que nos permite defini-las enquanto funções
apropriadas e funções sistêmicas171 e promove uma reflexão que nos ajuda a olhar com atenção
para os objetos que os bebês utilizam diariamente.
Nesta perspectiva, denomina-se de “função apropriada” aquela para a qual o objeto é
reproduzido. Por exemplo, uma cadeira é reproduzida e adquirida com o propósito de que as
pessoas se sentem. Podemos chamar de “função sistêmica”, por sua vez, o uso da cadeira como
um apoio sob o qual podemos ficar de pé e alcançar objetos. Segundo a autora (PRESTON,
2000), as funções sistêmicas incluem sistemas que se repetem e usos singulares. Neste sentido,
o uso dos objetos de forma idiossincrática também pode ser considerado uma função.
A divisão utilizada pela autora nos ajuda a acolher essa pluralidade funcional potencial
que emerge dos objetos quando eles passam a se inserir em um sistema, em um campo de ações.
A perspectiva de Tim Ingold (2011) também nos ajuda a analisar essas interações, pois
passamos a compreender que “as coisas deste mundo são as suas histórias, identificadas não
por atributos fixos mas por suas trajetórias em um contínuo campo de relações” (p.160, tradução
nossa)172, deste modo, “funcionalidade e narratividade são dois lados de uma mesma moeda”
(Ibidem, p.57, tradução nossa). O autor não faz menção à diferentes categorias de funções e
convida leitores e leitoras a interpretarem os objetos a partir da noção de movimento e de
trajetória, um elemento característico de sua produção teórica. Daniel Miller (2007), por sua
vez, chama atenção para o fato de que as coisas não podem ser compreendidas sem
considerarmos os processos de consumo, ou seja, os usos que são feitos delas.
As perspectivas trazidas por esses autores nos auxiliam a interpretar e narrar os usos
funcionais dos objetos, inserindo-os em seus contextos de uso e como parte constituinte dos
sistemas de ações. Além disso, essa perspectiva mais ampla sobre função também provoca
perguntas e reflexões que nos levam a adensar o conceito, pois uma perspectiva demasiado
geral e restrita do termo não acolhe as funções idiossincráticas, e por vezes efêmeras, atribuídas
pelos bebês aos objetos e legitima as suas ações somente quando elas equivalem aos usos
adultos das coisas. Ou seja, dizer que a única função de uma cadeira é sentar-se é reduzir o

_______________
171
No inglês, essas terminologias são denominadas de “proper function” e “system function” (PRESTON, 2000).
172
No original: “For the things of this world are their stories, identified not by fixed attributes but by their paths
of movement in an unfolding field of relations.” (INGOLD, 2011, p.160).
213

objeto a sua função hegemônica, marcadamente adultocêntrica e reduzir a agência a uma atitude
racional.
A cadeira era um objeto de contínua negociação entre professoras e bebês. Em alguns
momentos do cotidiano, ela somente era um objeto sob o qual se podia sentar, em outros ela
poderia se transformar em brinquedo nas mãos dos bebês173 e, segundo o contexto, também
poderia ser usada com a função de apoio para que se alcançassem prateleiras tanto por adultos
quanto por bebês. Isso significa que ela era envolta por tensionamentos quanto às funções que
ela poderia tomar segundo os rituais da turma. Ou seja, havia configurações espacial-temporal
específicas que demarcavam para adultos e bebês alguns limites para a transformação das
funções do objeto. Por exemplo, quando as professoras contavam histórias ou durante a prática
da chamada, momentos nos quais todos eram convidados a permanecer no território demarcado
pelo tapete, os bebês ainda tinham a possibilidade de fazer outras coisas na sala e podiam subir
e descer das cadeiras, brincando com o seu corpo e inserindo-as como um elemento do
perambular e da experiência do movimento, contudo não se permitia que eles empurrassem as
cadeiras devido ao barulho.
Em outras situações, não havia essa restrição sonora e os bebês criavam narrativas
diversas: eles podiam empurrá-las, engatinhar sob suas pernas, usá-las como apoio para
alcançar o topo dos balcões ou para ficar de pé (gesto frequente do Bernardo, do Davi e da
Luiza) ou ainda sentar-se para descansar ou para realizar alguma brincadeira sobre a mesa a
partir de sua própria iniciativa. O momento da minha chegada era uma dessas situações nas
quais era possível fazer barulho ao empurrar a cadeira, pois as professoras percebiam a
intencionalidade da ação dos bebês e não impunham quaisquer restrições.
No momento em que eles me traziam a cadeira, eles estavam aderindo às funções
simbólicas produzidas dentro do grupo do berçário a partir da relação uns com os outros, com
os adultos (professoras e pesquisadora) e com as professoras. O ritual de começar meu dia
sentada na cadeira no canto da sala se manteve ao largo de toda a pesquisa, porque isso passou
a fazer parte da minha relação com os bebês. Esse valor simbólico que a cadeira teve no decorrer
do processo é fruto deste sistema específico e de suas formas de funcionamento.

_______________
173
Gilles Brougère (2010a) destaca que o brinquedo é um objeto extremo, pois nele o símbolo se transforma na
função. Destaco que a definição do autor, que será retomada na próxima seção de análise, se fundamenta em
uma distinção entre símbolo e função. Esta perspectiva não contradiz a categorização proposta por Beth Preston
(2000), pois a autora parte do princípio da multiplicidade de funções e afirma que, a partir de outros estudos, é
possível também caracterizar os objetos, por exemplo, segundo suas funções técnicas e simbólicas. O termo
função, apesar de ser utilizado pelos autores a partir de perspectivas sutilmente distintas, é mobilizado por ambos
como algo plural, múltiplo e dinâmico.
214

A cadeira ganhava um lugar de centralidade quando as professoras propunham


situações de desenho em pequenos grupos e, especialmente, durante os momentos de
alimentação. Neles, era esperado que eles as utilizassem somente como um apoio para
permanecerem sentados e realizarem alguma atividade sobre a mesa (desenhos/ refeições). No
café da manhã, alguns se sentavam no chão e outros nas cadeiras ao redor das mesas. No almoço
e na janta, os bebês se sentavam na frente de uma professora ou da lactarista, que os
alimentavam174. Com o passar do tempo, alguns bebês que, segundo as professoras, comiam
toda a porção ofertada e conseguiam comer sozinhos, ganhavam um prato e uma colher para
que se alimentassem sentados à mesa, sem o apoio direto de um adulto.
Cada almoço, de forma ritualística, era precedido da organização da sala e seguido
pelo ritual de higiene e pela reorganização de alguns elementos a fim de preparar o espaço para
o momento do descanso: as almofadas eram todas colocadas sob a tenda de voal e os colchões
eram dispostos sob o tapete. Durante o almoço também costumavam acontecer duas coisas
simultaneamente: alguns bebês se alimentavam enquanto os outros eram convidados por uma
das professoras a cantarem ou escutarem histórias na área delimitada pelo tapete emborrachado.
Nas imagens abaixo, vemos como o Davi Luccas e a Valentina (Figura 41) interpretam
o movimento de organizar a sala como um sinal de que o almoço irá iniciar. Apesar de ser no
meio da manhã, ele coloca as cadeiras na posição que elas ficavam durante essa refeição e
procura as professoras com o olhar. Do mesmo modo, a Valentina senta-se e procura pelas
professoras; como ela já se alimentava sozinha, ela aproxima a cadeira da mesa que
normalmente utilizava. Cada um dos bebês, considerando elementos do coletivo (a organização
da sala) e as condições individuais do momento de alimentação (comer sozinha ou ser
alimentada), fazem um uso funcional da cadeira a partir dos valores simbólicos compartilhados.
Os gestos do Davi Luccas e da Valentina nos chamam atenção para a construção deste
ritual e dos elementos que compõem o repertório da turma do berçário. Assim como a cadeira
ao lado da porta representava a minha presença no grupo e eles negociavam esse significado ao
disputarem por essa cadeira nos momentos em que eu me levantava e quando repetidamente a
carregavam no início do dia, as cadeiras posicionadas uma frente à outra eram um símbolo do
momento da alimentação. Esta forma específica de ocupar o espaço da sala e utilizar cadeiras e
mesas foi iniciada pelas professoras e se transformou a partir da participação dos bebês em um
elemento compartilhado entre todos. É também a partir destes códigos que os bebês podem

_______________
174
No grupo acompanhado, os bebês faziam 5 refeições no dia: café da manhã, colação, almoço, colação e janta.
215

expressar o seu desejo, necessidade e comunicar a sua aceitação da ordem dominante a partir
do exercício de uma agência tática (LANGEVANG; GOUGH, 2009)175.

Figura 41 – Davi Luccas, Valentina e o Ritual do Almoço (24/04/2019 e 03/05/2019)

Fonte: A Autora (2020)

Isto implica no reconhecimento de que os rituais do grupo se constroem por meio da


participação de bebês e professoras. Isto é, ainda que as professoras tenham inicialmente
decidido como organizar o cotidiano do grupo e tenham planejado a forma como o espaço seria
organizado durante esses rituais, eles somente passam a se efetivar com a aderência dos bebês.
A ação docente envolve a previsão dos espaços, tempos e materiais, mas não determina a ação
do outro, ainda que sempre possa prever hipóteses acerca de como os bebês podem agir ao
interagirem com esses elementos. Assim, caso eles optassem por agir de outra maneira durante
as refeições e resistissem à ordem dominante, as professoras seriam provocadas pelos bebês a
imaginar novas maneiras de organizar tempos e espaços ou essas situações seriam marcadas
pelo constante enfrentamento das ações dos adultos e dos bebês.
A participação dos bebês nos rituais, ou seja, a forma como eles os reinterpretam e se
apropriam destes códigos, nos permite refletir sobre a forma como os elementos são
interpretados e utilizados a partir de redes de significados e sobre como o processo dinâmico
de construção do espaço e a ação educativa são sempre atravessados por dinâmicas de
interdependência. Sarah Holloway, Louise Holt e Sarah Mills (2019), destacam que:

_______________
175
As autoras (LANGEVANG; GOUGH, 2009), ao cunharem o termo, partem da distinção entre os conceitos de
tática e estratégia de Certeau a fim de destacar a forma como as crianças dão respostas criativas à estrutura da
sociedade, sob a qual lhes falta controle.
216

(...) as pessoas jovens não são simplesmente atores sociais independentes; sua
habilidade de exercer a agência emerge no contexto de dependências inter e
intrageracionais, as quais, dependendo do contexto, podem sustentar ou suspender
possibilidades para que elas cumpram suas necessidades atuais e futuras. 176
(HOLLOWAY; HOLT; MILLS, 2019, p. 463, tradução nossa)

Assim, o uso simbólico das cadeiras e mesas nos traz indicativos para pensar sobre a
forma como a consolidação destes rituais, destas rotinas culturais (CORSARO, 2011),
promovem e garantem a participação dos bebês. Nas situações de alimentação, os babadores
também eram um elemento que indicava aquilo que aconteceria à seguida e, com frequência,
eles se sentavam próximos às mesas e encerravam as brincadeiras que estavam realizando ao
notarem os babadores. O ritual de alimentação lhes permitia de forma autônoma encerrar suas
brincadeiras e escolher uma nova forma de se colocar em relação com os outros e com as
materialidades, ou seja, lhes garantia uma possibilidade para que atendessem as suas
necessidades.
Os eventos em que se registram a interação dos bebês com os elementos presentes nos
rituais de alimentação nos apontam que esses momentos, ainda que marcados por regras mais
restritas quanto àquilo que os bebês podiam realizar, não podem ser compreendidos sem
olharmos para a forma como eles aderiam ao uso convencional destes objetos, mobilizavam os
códigos elaborados no cotidiano do grupo e tensionavam o seu desenrolar.
O Bernardo, em uma situação, sobe na mesa para procurar pela professora Paula e gera
uma mudança no momento do almoço:

Neste dia, a professora Paula estava tratando a Lolo e, ao seu lado, a Laura permanecia
de pé, aguardando. A Paula já havia anunciado que a Laura seria a próxima. Contudo,
o Bernardo localizou uma cadeira sobressalente e subiu na mesa, colocando-se
sorrindo em frente à professora. Este evento altera o desenrolar da refeição: a
professora o alimenta em seguida e explica para a Laura que ela precisaria aguardar
porque o Bernardo estava com fome. (Diário de Campo, 10/05/2019)

Não é possível afirmarmos que o Bernardo sobe na mesa para pedir pelo almoço, mas
a sua ação nos provoca a reflexão sobre como os bebês interagem com as materialidades e se
posicionam de forma diferente no espaço segundo seus interesses pessoais. Ele desejava se
relacionar com a professora Paula no momento da alimentação e usa a mesa e a cadeira com

_______________
176
No original: “(…) young people are not simply independent social actors; their ability to exercise agency
emerges in the context of inter and intra-generational dependencies which, depending on the context, can open
or foreclose possibilities for meeting their current and future needs.” (HOLLOWAY; HOLT; MILLS, 2019, p.
463).
217

uma função diversa da convencional a fim de estabelecer essa relação. Durante esses momentos,
como já exposto acima, parecia haver uma espécie de acordo tácito entre professoras e bebês e
eles não costumavam subir nas mesas e cadeiras durante as refeições, gestos frequentes em
outras situações do cotidiano. A ação de Bernardo de subir na mesa, exatamente devido ao
contexto em que ocorre, é interpretada pela professora177 como fome e ela acolhe o uso que ele
fez dos objetos nesse momento. As materialidades disponíveis permitem que ele interrompa a
ordem constituída e lhe possibilitam o exercício da agência.
As cadeiras, mesas, talheres, pratos e copos, desta forma, comunicam sobre as
convenções sociais produzidas com e a partir delas, sobre àquilo que socialmente é considerado
legítimo, contudo, aquilo que eles comunicam não é unívoco e a sua própria existência pode
provocar a criação de novos significados. Os bebês aderem a esses usos funcionais
convencionais e encontram também a possibilidade de inserí-los em novos sistemas.

4.3.2 USOS FUNCIONAIS IDIOSSINCRÁTICOS

Nos eventos da Laura, Davi Luccas, Valentina e Bernardo, vemos como os repertórios
coletivos se constituem ao largo da vida na creche por meio da relação entre bebês e adultos e
do compartilhamento de significados sobre os objetos. Deste modo, assim como a função dos
objetos não lhes é inerente, ela tampouco está desconectada das trajetórias dos sujeitos e das
materialidades. Ou seja:

(...) tampouco os usos das ferramentas são simplesmente inventados no local, sem
considerar a história de práticas passadas. Pelo contrário, eles são revelados aos
praticantes quando, frente a uma tarefa recorrente na qual se sabe que os mesmos
recursos haviam sido empregados, eles são percebidos como meios de proporcionar a
sua realização. Então, as funções das ferramentas, assim como os significados das
histórias, são reconhecidas por meio do alinhamento de circunstâncias do presente
com conjunturas do passado. 178 (INGOLD, 2001, p.57, tradução nossa)

_______________
177
A interpretação da professora Paula também pode guardar relação com o fato que o Bernardo, em especial, era
um bebê que costumava reiteradamente aproximar-se do balcão com a comida e chorar, expressando o seu desejo
de comer. No início do ritual do almoço, também era frequente que alguns bebês se aproximassem às cadeiras
ou se sentassem, comunicando o seu desejo em se alimentar e participar deste momento.
178
No original: “But neither are the uses of tools simply invented on the spot, without regard to any history of past
practice. Rather, they are revealed to practitioners when, faced with a recurrent task in which the same devices
were known previously to have been employed, they are perceived to afford the wherewithal for its
accomplishment. Thus the functions of tools, like the meanings of stories, are recognized through the alignment
of present circumstances with the conjunctions of the past.” (INGOLD, 2011, p.57, tradução nossa).
218

A referência de Tim Ingold (2011) do alinhamento das circunstâncias do presente com


os usos passados também nos remete aos outros usos funcionais das materialidades feitos pelos
bebês. Assim como eles mobilizam repertórios coletivos para interpretar os objetos e realizar
uma tarefa, eles também constroem sistemas próprios relacionados as suas demandas pessoais.
Nessas situações, a construção destes sistemas (PRESTON, 2000) implica em repertórios
individuais e em situações específicas possibilitadas pelo acervo material da creche.
A Yasmin costumava sentir sono antes dos outros bebês e, com frequência, antes de
que o ritual do almoço iniciasse, ela buscava por almofadas no canto do tapete emborrachado
e, sozinha, se deitava, se aconchegava na almofada, erguia um braço, colocava um dedo na boca
e cochilava. Abaixo, vemos um registro de um destes momentos de descanso (Figura 42):

Figura 42 – As almofadas e o descanso da Yasmin (05/06/2019)

Fonte: A Autora (2020)

Durante o decorrer do semestre, houve situações nas quais as almofadas não estavam
em sala179 e a Yasmin buscou por outros objetos semelhantes que lhe conferissem um conforto
similar e lhe permitissem descansar (Figura 43). De forma proposital, ela escolhe uma boneca
com o corpo almofadado e um grande livro de tecido sob o qual pode se recostar. Ela leva
ambos até o tapete emborrachado e retoma o seu ritual de descanso.
Diante da sua necessidade pessoal, ela reconfigura o espaço e explora a potencialidade
funcional das materialidades. As professoras também notam as escolhas de Yasmin e, em um
dia que as almofadas não podiam estar em sala, garantiram a presença do livro para possibilitar

_______________
179
Essas situações ocorreram em dias que as almofadas estavam sendo higienizadas e durante um surto da doença
“mão, pé, boca”. Para evitar o contágio, todos os tecidos foram retirados para limpeza.
219

que a Yasmin pudesse encontrá-lo caso sentisse necessidade de descansar180. A manutenção do


livro é uma resposta das professoras à ação da Yasmin.
Esses eventos da Yasmin nos impelem a reconhecer que a forma como os bebês
exercem a agência é eminentemente plural e difere dos modos como os adultos ou outras
crianças a exercem (PIRES; FALCÃO; SILVA, 2014). Assim, ainda que a agência possa ser
compreendida em diversos contextos e para outros sujeitos como uma ação que envolve
articulação, racionalidade e estratégia, ela não se restringe a este conjunto de características,
como destaca Kylie Valentine (2011). A autora aponta que é preciso compreendê-la a partir de
outros pontos de vista a fim de que seja possível atribuir agência aos bebês e outros sujeitos que
também têm suas práticas invisibilizadas diante deste ideal liberal.

Figura 43 – A boneca, o livro e o descanso de Yasmin (10/05/2019 e 24/04/2019)

Fonte: A Autora (2020)

Os bebês podem exercer uma agência tática (LANGEVANG; GOUGH, 2009) e o uso
funcional dos objetos passa por questões corporificadas e tendo em consideração a forma como
nos constituímos material e simbolicamente. Além disso:

_______________
180
Informalmente, as professoras me disseram que tinham guardado todos os livros de tecido, mas haviam
garantido que este livro permanecesse na sala para que a Yasmin pudesse se sentir bem.
220

(...) sua corporificação temporalmente situada como ‘ser e devir biossocial’ tem, ao
menos potencialmente, implicações para a forma como a sua agência se dá (e a
resposta que recebe). Neste sentido, sua agência é inevitavelmente biossocial, visto
que ambas suas ações estratégicas e propositais, e suas emoções, hábitos, disposições
e elementos extra-racionais de conduta, estão inter-relacionados com as
potencialidades da sua corporeidade ao emergirem em contextos mais amplos de
poder. (HOLLOWAY; HOLT; MILLS, 2019, p. 472, tradução nossa)181

Isto é, os bebês fazem o uso funcional dos objetos a partir de repertórios individuais,
como o ritual de descanso da Yasmin, e de repertórios coletivos, como os estabelecidos pelos
momentos de alimentação, e parecem compreender os condicionamentos espaço-temporal
dados pelo contexto vivido. Contudo, o reconhecimento da competência dos bebês em
interpretarem o contexto em que se situam não significa uma adesão a uma imagem estritamente
liberal do que significa agência, a qual somente é reconhecida em situações nas quais os atores
sociais exibem racionalidade e escolha de formas convencionais (VALENTINA, 2011).
O uso incomum de uma boneca ou de um livro como um objeto que confere
comodidade e que se adequa ao ritual de descanso da Yasmin seria invisibilizado sem a defesa
de que a agência envolve o corpo, o gesto e que emerge em contextos que a possibilitam. Além
disso, em outras situações do cotidiano, os bebês também atribuíam novas e imprevisíveis
funções aos objetos.
No dia em que ocorreu uma festa junina no CMEI Porto Seguro, os bebês passaram
parte da manhã junto com as outras crianças no espaço do refeitório. A Nathiely optou por
permanecer próxima a um familiar de outra turma e a Luiza permaneceu junto a sua mãe, que
neste dia estava responsável pelo grupo. Ao retornarmos desta vivência, a Luiza chorava muito
sentada sobre o tapete emborrachado, onde sua mãe a havia colocado (Figura 44).

A Luiza estava chorando bastante hoje no retorno da festa. Ao vê-la chorando sentada
no tapete, o Allan aproximou-se e tentou dar a ela uma garrafa sensorial que encontrou
no chão. Ele estende o braço e a apresenta para a Luiza, tentando entregar-lhe o objeto.
Apesar do choro não parar e de ela negar com a cabeça, ele insistia. Em um momento,
ele achou que a Luiza iria pegar a garrafa e a deixa cair. Ele volta a segurá-la e mantém
o braço esticado. Ele deixa a garrafa apoiada em sua perna, me vê e vem me dar um
abraço (Diário de Campo, 07/06/2019).

_______________
181
No original: “(...) their time-specific embodiment as a ‘biosocial being and becoming’ has, at least potential,
implications for the form their agency takes (and the response it receives). In this sense, their agency is inevitably
biosocial, as both their strategic and purposeful actions, and their emotions, habits, dispositions and extra-
rational elements of conduct, are entwined with the potentialities of their corporeality as they emerge in wider
contexts of power.” (HOLLOWAY; HOLT; MILLS, 2019, p. 472).
221

A garrafa sensorial, nesse evento, não se configura como um brinquedo, apesar de


potencialmente o ser. O gesto do Allan parece indicar que ele deseja tranquilizar a Luiza ao lhe
entregar um objeto. Ele insiste em deixar a garrafa com ela, apesar de suas negativas e ele parece
ter como objetivo o desejo de que ela se tranquilize. A distração dos bebês com objetos em
situações de choro é um gesto frequente por parte das professoras do berçário. Na entrevista,
por exemplo, elas relataram que a chamada por elas de “caixa de diversos”, era importante
porque tinha muitas coisas que distraíam os bebês durante o processo de familiarização.

Figura 44 – A garrafa, o Allan e a Luiza (07/06/2019)

Fonte: A Autora (2020)

Outros usos funcionais feitos pelos bebês dos objetos também envolvem o corpo e
surgem diante de situações específicas possibilitadas pelas materialidades. Era recorrente que
as cadeiras, mesas, ripas de madeira e outros mobiliários fossem usados pelos bebês que não
caminhavam como apoios para ficar de pé. Esses não são usos convencionais e as funções
atribuídas a essas materialidades somente podem ser compreendidas a partir da leitura do
contexto e da interpretação situada a partir do ponto de vista dos atores.
Nas imagens abaixo (Figura 45), vemos como o Davi usa a cadeira como um
prolongamento do seu corpo, algo externo que lhe permite adotar uma nova postura e ver o
mundo de outra perspectiva:
222

Figura 45 – Davi e a cadeira como apoio (22/05/2019)

Fonte: A Autora (2020)

Vemos como a cadeira, que estava inicialmente com o encosto voltado para a parede,
gira com o peso do corpo do Davi quando ele ergue as duas mãos e pressiona o seu quadril
contra o assento, pois a altura da cadeira permite que ele encontre um ponto de equilíbrio e
retire as duas mãos para brincar com a vareta. Ao girar, os pés da cadeira acidentalmente se
encaixam nas laterais do tapete, o que impede que ela se mova e permite que o Davi possa voltar
a utilizá-la como uma ferramenta para ficar de pé e dar prosseguimento à brincadeira.
O Davi não previa que a cadeira ficaria estável devido a pressão feita pelo tapete e
descobriu de forma exploratória que poderia permanecer de pé somente com o apoio dos
quadris, ou seja, sem o uso de ambas as mãos. Contudo, a cadeira foi propositalmente usada
como uma ferramenta que lhe permitiu ficar de pé. Este não é o propósito da cadeira, mas essa
função emerge dentro deste contexto específico.
Em outra situação, vemos como a Luiza usa a mesa como um apoio para ficar de pé e
tentar pegar a garrafa que está nas mãos da Melissa (Figura 46). Nas imagens abaixo, vemos
como a Luiza se apoia na mesa e estica um braço até a garrafa, ela permanece olhando para a
garrafa e, em seguida, para a Melissa. Ela, por sua vez, percebe o interesse da Luiza e mantém
a mão longe dela.
223

Figura 46 – Luiza, Melissa, a mesa e a garrafa (07/06/2019)

Fonte: A Autora (2020)

Outros objetos também eram utilizados frequentemente como apoios para alcançar
locais mais altos e, em específico, para que eles mexessem no trinco e na maçaneta da porta
que conectava a sala ao solário. Eles não tentavam abrir a porta que levava ao fraldário e
tampouco a porta por onde acontecia o ritual de acolhida e de despedida. Os bebês escolhiam
tentar abrir especificamente essa porta e, de modo recorrente, usavam o caixote onde ficavam
guardados os livros para tentar abri-la.
No evento abaixo (Figura 47), vemos como o Kaylan traz o caixote até a porta do solário
e sobe para tentar alcançar a maçaneta. Nesse processo, ele abandona o seu “cheirinho” no chão,
libera as duas mãos e olha com atenção para a porta. O olhar precede o gesto: ele estica a mão
direita e a mantém sobre a maçaneta, levemente movendo-a de um a lado ao outro.

Figura 47 – Kaylan, o caixote e a maçaneta (24/04/2019)

Fonte: A Autora (2020)


224

Na sequência, ele desce do caixote e o empurra para longe. A Laura, que antes estava
observando o Kaylan, se dirige até o caixote, o empurra e o coloca em frente à porta (Figura
48). Ela sobe e escolhe mexer na trava do portão, senta-se e é acompanhada pelo olhar atento
da Yasmin, que também sobe no caixote para aproximar-se da Laura. Após um tempo, ela
desce, vira o caixote, colocando-o na sua posição mais frequente e o empurra até o canto onde
ele costuma permanecer. Ao chegar próxima ao tapete, ela levanta o caixote e o coloca no seu
lugar.

Figura 48 – Laura e o caixote (24/04/2019)

Fonte: A Autora (2020)

Esta sequência de eventos, do Kaylan e da Laura, nos aproxima dos outros usos
funcionais dos objetos feitos pelos bebês ao longo da jornada. Assim como apoiar-se em mesas,
cadeiras, armários e até mesmo na ripa de madeira que circunda a sala eram gestos frequentes
por parte dos bebês; cadeiras, mesas e o caixote se transformavam em convites de exploração
225

ao movimento e eram utilizados de modo funcional segundo as narrativas elaboradas pelos


bebês.
A Laura usa o caixote como apoio para sentar-se, enquanto o Kaylan como um objeto
que lhe permitiu mexer na maçaneta. É interessante notarmos que a Laura não precisa usar o
caixote para alcançar o trinco da grade, contudo ela escolhe usar o caixote como apoio e
mobiliza o gesto de “sentar-se” a fim de realizar a atividade que ela se auto propôs – que iniciou
de forma autônoma. O fato de a Laura acionar este repertório também tem relação com os
códigos culturais compartilhados e com o valor socialmente atribuído a essa postura. Além
disso, após terminar de explorar o trinco e tentar abri-lo, ela se levanta e retorna o caixote ao
lugar onde ele normalmente se encontra. De modo semelhante ao evento que introduziu essa
seção, ela opera entre dois usos funcionais distintos de um mesmo objeto e comunica o
reconhecimento do valor simbólico associado a ele.
Os pneus utilizados no CMEI Porto Seguro como elementos de paisagismo do quintal
anterior, em um brinquedo de escalada da área externa e no morro do pátio, também nos
provocam a pensar sobre a multiplicidade de funções que lhe são atribuídas. Dentro do contexto
educativo, os pneus possibilitam a ambientação da área externa e são compreendidos como
brinquedos para as crianças. No dia a dia, eles também podem ganhar novas funções à medida
em que as crianças ocupam os espaços e os ressignificam a partir das práticas infantis. Na
imagem abaixo, vemos como a Valentina está utilizando o pneu como um apoio para se sentar
e manusear a terra:

Figura 49 – Valentina e o pneu-banco (03/05/2019)

Fonte: A Autora (2020)

Outros bebês, nesse dia, mobilizaram outros gestos ao interagirem com os pneus e a
terra. Vemos o Davi deitado sobre o pneu e a forma como o pneu parece criar um território para
226

a brincadeira do Davi Luccas. Os gestos diferentes acionados por cada um dos bebês também
nos provocam a tensionar uma visão fechada e restritiva acerca dos objetos e a acolher a
gestualidade como uma expressão dos repertórios de cada bebê. Os apontamentos de Tim
Ingold também nos provocam a adensar essa reflexão sobre a gestualidade.

Figura 50 – Davi Luccas, Davi e os gestos (03/05/2019)

Fonte: A Autora (2020)

Tim Ingold (2011) destaca que nesse processo relacional a partir do qual as coisas
passam a exercer novas funções, por meio das histórias de uso antecedentes e da profunda
relação com o tempo presente, se passa a reconhecer que esse processo narrativo não acontece
sem o gesto. Ele toma como exemplo uma serra e observa como ela pode exercer essa função
somente ao estar integrada ao conjunto material e simbólico: mão, mesa, madeira e serra. A
memória da função não reside no objeto, mas no gesto, de modo que “(...) a gestualidade é
fundante tanto da criação das ferramentas quanto do uso das ferramentas.” (p. 58, tradução
nossa).182
Esta potencialidade funcional dos objetos é explorada pelos bebês ao longo da jornada
a fim de que eles atendam as suas necessidades e demandas. Do mesmo modo, as professoras
fazem usos diversos das materialidades, inserindo-as em sistemas de ação e de significado
atravessados pela dinâmica do que se considera educativo e propício para a educação de bebês.
Ao elaborarem contextos para os bebês brincarem e explorarem, as professoras também fazem
uso dessa multiplicidade funcional e intuitivamente partem do princípio de que os bebês podem
transformar pisos, paredes, mobiliários e materiais diversos em brinquedos. Ao reconhecerem

_______________
182
No original: “It follows that gesture is foundational to both toolmaking and tool use.” (INGOLD, 2011, p.58)
227

esse dinamismo, elas criam situações nas quais operam outras regras de uso dos materiais e que
favorecem as práticas dos bebês. As almofadas são usadas em um contexto de jogo simbólico
e as cadeiras são colocadas de cabeça para baixo, criando um novo lugar para acolher as
brincadeiras dos bebês.

4.3.3 A MODO DE SÍNTESE: PENSAR OS RITUAIS A PARTIR DO USO FUNCIONAL


DAS COISAS

O uso funcional dos objetos é um processo marcado pela construção de narrativas que
permitem aos bebês ler o mundo e produzi-lo ao atuarem com os objetos, interagindo com a
matéria e mobilizando os significados culturais que os envolvem. Ao partirmos deste
pressuposto, vemos como cadeiras, mesas, copos, pratos, talheres, colchões, travesseiros,
almofadas e estantes são materialidades presentes na creche e que envolvem o
compartilhamento de significados e de rituais.
A previsão do acervo material da creche igualmente se dá por meio do reconhecimento
dos processos diversos dos quais os bebês participam no dia a dia na escola e é preciso
reconhecer a autoria dos bebês nas diversas interações. Estes momentos rotineiros, que
compõem a jornada educativa, também são situações nas quais os bebês nos comunicam sobre
a relação que eles vêm construindo com os objetos da cultura e dos quais se apropriam
criativamente. Acompanhar os bebês em seus começos também significa olhar com atenção
para o acervo material ao qual eles têm acesso ao largo de sua jornada na escola.
O uso de cada um desses objetos nos conta sobre as trajetórias dos bebês e as relações
que eles constroem cotidianamente na escola e em suas casas com cada um destes elementos
da cultura material. Do mesmo modo, comunica sobre a forma como os bebês se apropriam de
alguns dos significados sociais que envolvem o uso dos objetos. Nas interações construídas
pelos bebês com os elementos da cultura material é possível notar a forma como eles se
apropriam destes significados e os mobilizam em favor de suas lógicas próprias, negociando as
condições de uso e transformando os símbolos a fim de posicionar-se nas relações sociais.
Desta forma, no decorrer desta seção, observou-se que os atores sociais, adultos e
bebês, constroem narrativas contextualizadas ao fazerem uso das materialidades, calcadas na
228

história dos objetos, nos repertórios dos sujeitos e em relação com o contexto183. Além disso,
reside sempre a possibilidade de construção de narrativas abertas ao futuro devido à
indeterminação do novo, da acolhida do diverso e do exercício da agência. Ou seja, a função
dos objetos não reside neles, mas nas narrativas elaboradas pelos sujeitos a partir da
interpretação dos significados e relação com as coisas e com o outro.
A própria ideia de que as pessoas fazem as coisas e as coisas fazem as pessoas nos
provoca a perceber que o bebê e a forma como ele exerce a agência na relação com o mundo é
algo que se constrói com as coisas. Os bebês não somente as utilizam para se expressarem e
atuarem no mundo, mas eles não existem separados daquilo que as coisas lhes possibilitam e
impedem de realizar. Nesse processo, eles se constituem em relação com tudo o que lhes rodeia
e as coisas não existem desconectadas das narrativas situadas construídas com elas. Escapamos
do risco de reduzir o objeto à representação e de reificá-lo e passamos a compreendê-lo como
um produto de relações temporal e espacialmente localizadas. Do mesmo modo, passamos a
compreender a agência dos bebês como algo que emerge dos contextos vividos.
Nesse sentido, a participação dos bebês nos rituais da turma e a forma como eles
utilizam os utensílios do cotidiano segundo as convenções sociais também se configuram como
uma escolha, uma possibilidade de exercer a agência. Eles poderiam inserir as coisas em
narrativas outras, contudo, optam por fazer o uso convencional dos objetos e por meio destas
ações autônomas comunicam para os adultos e os outros bebês o seu desejo de participar destes
momentos do coletivo. Do mesmo modo, quando fazem um uso funcional idiossincrático das
coisas, eles estão elaborando novas narrativas e transformando-as em ferramentas. Eles têm um
propósito em vista e escolhem os materiais adequados para atenderem as suas necessidades.
Isso nos aponta para o fato de que a potencialidade funcional das coisas não é algo que
lhes é inerente, mas que está intimamente relacionada com as rotinas culturais (CORSARO,
2012) e com os repertórios culturais-materiais-gestuais. Quando os bebês tentam fazer o uso
dos talheres, pratos, copos, travesseiros, lençóis, pomadas e outros objetos que lhes são
cotidianos em suas rotinas de cuidado eles estão acionando a memória desse gesto e os sentidos
produzidos nas situações de uso desses materiais.
No cotidiano da creche, compete às professoras buscarem interpretar e conhecer os
sentidos e gestos conhecidos pelos bebês, pois quando eles fazem o uso desses materiais, eles

_______________
183
Por contexto, concordamos com a perspectiva de Anna Bondioli, traduzida por Angela Coutinho, Daniele Vieira
e Catarina Moro, como: “(...) entendemos o contexto educativo constituído de elementos concretos (pessoas,
mobiliário, materiais, etc.) que compõem as dimensões materiais, relacionais e simbólicas, articulam-se e se
definem de modo dinâmico, recíproco e contínuo.” (2019, p. 55).
229

também acionam os elementos presentes em suas experiências familiares e os reinterpretam


dentro do contexto da escola. De que modo eles se alimentam em suas casas e como usam esses
objetos? Quais os rituais que envolvem o sono? Quais palavras e gestos são produzidos em
torno dos materiais utilizados em um momento de troca de fraldas ou durante uma troca de
roupas? Além disso, é preciso dar atenção à forma como utilizamos esses materiais e
construímos esses rituais coletivos. Ou seja, quais são as palavras e gestos que as professoras
irão acionar e que comunicam aos bebês a vivência destes momentos?
A reflexão sobre o uso funcional das coisas e sobre os rituais que atravessam o
cotidiano educativo nos apontam para três considerações distintas, mas conectadas. A primeira
delas diz respeito ao tipo de materiais que ofertamos aos bebês nos momentos da alimentação,
sono e troca de fraldas. Especialmente em relação às refeições, a supremacia do plástico é
evidente. Contudo, é válido nos perguntarmos sobre a possibilidade de uso de outros materiais
e, em consequência, sobre as condições garantidas para que esses momentos sejam vividos em
um ambiente agradável e no qual os bebês possam agir de forma autônoma. Como, em
diferentes territórios, a prática da alimentação é vivida? Quais objetos são utilizados e qual a
gestualidade que eles convocam? O que significa arrumar a mesa ou ser alimentado pela
professora? Onde os bebês dormem? Utilizam travesseiro, dormem em redes? Ou seja, de que
modo os materiais usados na creche podem remeter a essa vinculação com a cultura local e com
as convenções sociais associadas aos momentos de alimentação?
A segunda refere-se aos sentidos e gestos associados ao uso de cada um desses objetos
e ao papel dos rituais no cotidiano da creche. Como uma marcação temporal e espacial, cada
um desses momentos traz consigo um repertório distinto de palavras, de uso dos objetos, de
disposição dos mobiliários. Como apontado acima, os bebês notam esse uso distinto das coisas
e passam a se relacionar com os adultos, pares e as coisas a partir desses significados sociais.
Nesse sentido, a atenção dada pelas professoras às condições em que ocorrerão esses rituais
pode favorecer a participação dos bebês na vida da creche à medida em que a suas ações e a
forma como eles fazem o uso funcional dos objetos é considerada neste planejamento.
Por terceiro, vemos como a construção destes acordos tácitos entre professoras e bebês
pode contribuir para um ambiente tranquilo no qual os bebês possam descobrir suas
potencialidades ao explorarem as coisas e fazerem usos diversificados delas, incluindo-se os
usos funcionais idiossincráticos. A transformação de um caixote em banco, o consolo do outro
com uma garrafa sensorial ou a transformação de uma boneca e um livro em almofadas nos
comunicam sobre a forma como os bebês fazem o uso criativo das coisas, inserindo-as em suas
narrativas particulares.
230

Olhar para esses usos funcionais das coisas tampouco significa reduzir o potencial das
coisas ou construir uma visão que compartimenta e categoriza as ações dos bebês. A exploração
de outras posições corporais, assim como o movimento de deambular pelo espaço e a
transformação das coisas em brinquedos acontecem de modo fluido e contínuo. Eles alteram o
uso dos materiais com frequência, produzindo sentidos internos ao próprio movimento e
sentidos funcionais que podem ser capturados pelo olhar adulto. Tendo isso em vista, a próxima
seção tem como mote a discussão das brincadeiras dos bebês e a inserção das coisas na
coreografia do brincar.
231

4.4 PARTE IV – A COREOGRAFIA DO BRINCAR

Nathiely e Heloísa brincavam


com um dos ‘pom-pons’ que
tinham recebido durante a
dança com as professoras. A
brincadeira consistia em que a
Nathiely passasse a
extremidade áspera do palito
sobre a mão da Heloísa e na
mesa. A Heloísa mantinha a
mão parada, esperando que a
Nathiely passasse o palito e
olhando para ela e para o
movimento da vareta na mesa.
A Beatriz, ao passar ao lado,
percebeu a brincadeira e parou
para observar. Quando a
Heloísa se dirigiu até o tapete,
ela esticou o braço sobre a mesa
na direção da Nathiely. Ela, por
sua vez, trocou de lugar diante
do pedido. A Beatriz vai atrás
dela e se posiciona na outra
lateral, novamente esticando o
braço. A Nathiely olha fixo
para a mesa e segue
movimentando a vareta. A
Beatriz parece desistir, mas
logo depois retorna. Desta vez,
ao estender a mão, a Nathiely
dá uma resposta diferente. Ela
toca o palito em sua mão, a
Figura 51 – A vareta: Nathiely, Heloísa e Beatriz (05/06/2019)
Beatriz toca no local onde o
palito esteve e elas dão
Fonte: A Autora (2020)
continuidade à brincadeira.
(Diário de campo, 05/06/2019)
232

A palavra coreografia nos remete à dança, aos movimentos, ao corpo, à forma como
nos relacionamos com o espaço, comunicamos sentidos e acionamos gestos. A memória da
dança nos indica algo fluido em que cada novo movimento acontece em relação com o cenário,
o palco, os gestos dos outros bailarinos. Ela nos remete ao conjunto e a cada cuidadoso
movimento que o compõe, o altera, o desconstrói e reconstrói. Há coreografias onde cada
posição é meticulosamente prevista e há aquelas que convocam à improvisação, arranjos
provisórios que se compõe no instante em que ocorrem como uma resposta cinética dos
bailarinos àquilo que lhes acontece.
Se coreografia significa a arte de dançar ela é metáfora nesta seção de análise para
narrarmos e analisarmos as brincadeiras dos bebês a partir de uma perspectiva que reconhece
que as coisas e os sujeitos se constituem por meio dos emaranhados material-semióticos e que
o brincar é um processo dinâmico e coreografado por meio de improvisações. Ou seja, as
situações nas quais os bebês interagiram com as materialidades disponíveis e as transformaram
em brinquedos são situações dinâmicas e fluidas nas quais as coisas convocam os gestos,
comunicam sentidos, os bebês interpretam os símbolos, promovem mudanças nas formas,
alteram os significados. São situações cultural e materialmente situadas nas quais observamos
o jogo de improvisação provocado pelo encontro entre os bebês e as coisas, acontecimentos
provisórios na medida em que são irrepetíveis, ainda que envolvam a reiteração.
Falar sobre o brincar dos bebês em consonância com os conceitos mobilizados no
decorrer desta pesquisa significa refutar perspectivas que compreendem o brincar como uma
prática que se coloca em função do desenvolvimento infantil (BROUGÈRE, 2018;
EVALDSOON, 2008), como uma preparação para o futuro, e compreendê-lo como uma prática
social e autotélica (RAUTIO, 2013). Nesse sentido, Harker (2005) aponta para a necessidade
de teorizarmos sobre alguns aspectos do brincar a fim de compreendê-lo como um processo
fluido e polimórfico. Assim, ao buscarmos analisar as distintas interações dos bebês com as
materialidades, o intuito é o de observar como ocorrem esses encontros e não o de classificá-
los segundo diferentes tipologias de brincadeiras. Não nos interessa estabelecer categorizações
rígidas nas quais as brincadeiras de jogo simbólico são apresentadas separadamente das
explorações sensoriais e motoras, pois essas diferentes nuances estão inter-relacionadas na
experiência do brincar.
Isto implica no rompimento de outros binarismos que atravessam a produção sobre o
brincar, como a “(...)diferenciação entre brincadeira e jogo, diferenciações de gênero e
distinções entre o brincar e a seriedade, o brincar e o trabalho, dentre outras.” (EVALDSOON,
233

2008, p.316, tradução nossa)184. Assim, parte-se do pressuposto que o brincar é um elemento
central das culturas infantis (CORSARO, 2011), que não está alheio à cultura adulta e que, do
mesmo modo, não pode ser compreendido separadamente da atividade lúdica dos adultos
(HARKER, 2005).
Também é preciso chamar atenção para o fato que o brincar tem sido visto como uma
atividade descarnada185 (MANSO; FERREIRA; VAZ, 2017), promotora do desenvolvimento
cognitivo, e que o reconhecimento do brincar como uma ação corporificada (HARKER, 20005)
envolve atenção aos afetos, à sensorialidade, àquilo que não é representável. Ou seja, o
reconhecimento do corpo e do movimento não pode se restringir a “(...) trazer mentes
descorporificadas em contato com o mundo material.” (INGOLD, 2011, p.21, tradução
nossa)186.
Não basta mencionar as materialidades e descrever os movimentos do corpo somente
em termos de linguagem e de comunicação ou de investigações cognitivas sobre as suas
propriedades. Ou seja, na exploração dos materiais, não está em jogo a investigação sobre suas
propriedades físicas como uma atividade cognitiva que se realiza sobre a matéria, o que ocorre
é um processo dinâmico de encontro do bebê corpo-mente com as coisas. O corpo adentra no
brincar com todas as suas marcas simbólicas e materiais, dimensões representáveis e não-
representáveis.
Assim, a forma como o brincar é conceituado nesta pesquisa acolhe o dinamismo das
relações, a pluralidade de processos por meio do qual o espaço se constitui e reconhece a
dimensão material da experiência humana. A metáfora da coreografia187 é um convite para
reconhecermos o corpo e o movimento como elementos indissociáveis da prática do brincar,
assim como para darmos atenção ao como, ao processo, às improvisações. Deste modo, os
eventos narrados nessa seção nos aproximam do brincar dos bebês à medida em que nos

_______________
184
No original: “such as (…) play and games as different activities, gender differentiation in play, and the
distinctions between play and seriousness, play and work, and so on”. (EVALDSOON, 2008, p.316).
185
As autoras falam de “flesheless activiy” e mobilizo na tradução o termo literal para flesheless, contudo
reconheço os limites da palavra “descarnada”.
186
No original: “(…) brings incorporeal minds into contact with a material world.” (INGOLD, 2011, p.21).
187
Susana Manso, Manuela Ferreira e Henrique Vaz (2017) publicaram um artigo denominado “Children’s play
events as improvisational choreographies” no qual eles traçam um paralelo entre elementos presentes na
coreografia da dança com questões corporais e de movimento que emergem no brincar. Eles consideram que o
brincar corresponde a uma coreografia de improvisação e discorrem sobre os significados atribuídos pelas
crianças aos objetos. O uso do termo e a forma como os eventos do brincar são narrados ao longo desta seção
ampliam a perspectiva apresentada pelos autores ao reconhecermos os elementos exploratórios do brincar e a
matéria. Na análise dos autores, eles dão destaque ao potencial comunicativo do corpo, contudo não fazem
menção aos elementos não-representáveis. Nesta seção da dissertação, por sua vez, o corpo também é
considerado em sua dimensão material e não-representável: afetos, sensações, sentimentos, emoções. Com isso,
acolhemos aos sentidos internos produzidos durante as coreografias do brincar.
234

permitem visualizar esta coreografia, este movimento que é fruto do entrelaçamento de aspectos
materiais e semióticos. Os encontros com o mundo, que irrompem e muitas vezes interrompem
o que estava em curso para iniciar algo novo, também nos convocam a acionar a dimensão
lúdica do encontro com as coisas.
O lúdico, desta forma, se manifesta como a possibilidade de liberar o gesto e as coisas
de vinculações contextuais ao romper com as formas canonizadas do cotidiano (ANTONACCI,
2017). Se na seção anterior vimos como as coisas se transformam em ferramentas e adquirem
um valor funcional a partir da sua inserção em narrativas, no brincar vemos como se ampliam
as possibilidades de exploração e interação com as materialidades ao potencialmente
desvinculá-las dos rituais e dos códigos que as envolvem a fim de inseri-las na coreografia do
brincar, também marcado por seu próprio ritmo e pela vinculação dos bebês com as coisas.
Esta seção foi introduzida com uma narrativa de um evento do brincar no qual vemos
a forma como os bebês constroem juntos um sentido para o movimento e o toque da vareta nas
mãos e na mesa (Figura 51). A Nathiely, a Heloísa e a Beatriz se comunicam com o olhar e se
deparam com a possibilidade de dar respostas inéditas ao que lhes acontecia ao verem e
sentirem a vareta. Era uma vareta de madeira com filetes de TNT que era entregue aos bebês
quando as professoras lhes convidavam para dançar, denominada pelas professoras de
“pompom”. Este material, ao participar do brincar, produz sensações e sentidos internos ao
próprio jogo. Ele é extensão do corpo da Nathiely, posicionando-se no espaço segundo o sentido
estabelecido pelo seu dedo indicador. Ela segura a vareta com cuidado, posicionando o dedo
sobre a hasta de uma maneira que ela se transforma em um prolongamento do seu corpo. A
Heloísa mantém a mão estática, seguindo a vareta com o olhar. A Beatriz, por sua vez, toca no
local onde a vareta esteve: as marcas deixadas pela vareta seguem se transformando com a sua
ausência.
Destaca-se que no processo de análise desses eventos em que observamos o brincar,
nos detemos a essas situações do micro, da escala local, mas que tampouco podem ser
compreendidas aparte de suas conexões com outros processos globais. Reside no brincar o
potencial revolucionário de fazer as coisas diferentes e de transformar os objetos e os
significados, mas ele não pode ser compreendido separadamente de regimes discursivos de
poder (HARKER, 2005). A beleza do encontro com as coisas, portanto, não pode ser
prerrogativa para produzirmos o apagamento das condições que reproduzem desigualdades
geracionais, educacionais, sociais e criam situações de exclusão das crianças, desde bebês. A
romantização do brincar tem como efeito venéreo a ausência de ações que promovam o acesso
de todas as crianças a materiais, relações e condições sócio-temporais que favoreçam e
235

promovam o brincar. Para as crianças em situação de risco sócio-econômico essa ausência se


configura como um processo duplo de exclusão.
A primeira seção da análise e o material virtual permanecem nos interrogando e nos
provocando a refletir sobre quais são os materiais ofertados aos bebês. A predominância do
plástico, da cor rosa nos brinquedos de casinha ou de salão de beleza, a grande variedade de
jogos de construção e a presença de brinquedos eletrônicos produzidos globalmente para bebês
e que produzem uma imagem globalizada da infância são indícios desses regimes de poder que
atravessam a construção dos acervos materiais da creche. Assim, ainda que o brincar possa ser
uma forma de resistência e de surgimento do novo, é preciso sustentar o olhar crítico acerca dos
conceitos e mobilizar perguntas que nos ajudem a teorizar o brincar com maior densidade para
que não corramos o risco de romantizar o brincar e fortalecer falsos binômios. O brincar
acontece em situações e de formas diversas, contudo como o espaço da creche pode se constituir
em um contexto de qualidade para o brincar? Como as diferentes materialidades provocam os
bebês? De que forma os bebês interagem com esse acervo diverso por meio do brincar?
É a partir dessas perguntas e sustentando o pensamento crítico que nos detemos aos
eventos do brincar. Acontecimentos nos quais os bebês exploram as materialidades – algo que
não deixaram de fazer em momento algum – e são explorados por elas. Assim como mobilizam
repertórios, constroem cultura de pares e circulam por diferentes linguagens. A abertura ao
novo, o movimento e a criação de narrativas seguem sendo elementos presentes nesses eventos,
assim como o foram ao discorrermos sobre o perambular e o uso funcional das materialidades.
A compreensão do brincar como uma coreografia provoca o reconhecimento do movimento e
do dinamismo na interação com as coisas a partir da imaginação lúdica (ANTONACCI, 2017).
No texto que se segue, os emaranhados material-semióticos a partir dos quais nos
constituímos ganham evidência. Nesses eventos, é possível identificar elementos sincrônicos
que interagem continuamente e alteram a coreografia. Um carro que passa ao longe e traz sua
música, uma réstia de luz que adentra na sala e produz uma sombra, um cheiro vindo da cozinha,
uma palavra dita pela professora, um som produzido por outro bebê. No evento com a vareta,
vemos como ele acontece em um contexto espaço-temporal específico e a partir das respostas
dadas pelos bebês às sensações e sentidos provocados pela vareta. A Beatriz estava passando
ao lado da Nathiely e da Heloísa quando nota a brincadeira e para a fim de observá-la. Ela altera
o rumo e decide participar do jogo. Além disso, estes aspectos sincrônicos estão em relação
com elementos diacrônicos. Como essas bebês se relacionam entre si? Quais são os repertórios
individuais e coletivos deste grupo de bebês? Como elas percebem o toque da vareta no corpo?
236

Ainda que os termos sincrônico e diacrônico estejam mais vinculados ao tempo, eles
também podem ser pensados em relação ao espaço, o que nos ajuda a compreender o contexto
mais amplo em que ocorre o brincar. Doreen Massey (2005) aponta para a forma como o tempo
e o espaço devem ser pensados juntos, não porque sejam idênticos, mas porque a forma como
os compreendemos produzem implicações um no outro. Reimaginar o espaço a partir de “(...)
um novo conjunto de ideias (heterogeneidade, relacionalidade, contemporaneidade, vivacidade,
portanto) no qual ele libera um cenário político mais desafiador.”188 (2005, p.13, tradução
nossa) e concebê-lo desta maneira no pensamento educacional significa acolher a pluralidade
de trajetórias e substituir a história única por muitas histórias. Ao reimaginarmos o espaço e o
brincar, passamos a compreender que há muitos processos acontecendo simultaneamente,
diversas formas de narrar o vivido e uma pluralidade de percursos de desenvolvimento e de
aprendizagem
Assim, enquanto elementos sincrônicos, daremos destaque àquilo que emerge do
encontro entre os sujeitos e as coisas nos eventos do brincar: palavras, gestos, sensações e
símbolos. No plano diacrônico, por sua vez, nota-se como a forma como as relações entre pares,
construídas ao largo do tempo, assim como os repertórios mobilizados por cada bebê e os
significados produzidos em torno dos objetos, estruturam os eventos do brincar. Destacamos
que esses aspectos se encontram continuamente e dinamicamente entrelaçados e que a distinção
entre sincrônicos e diacrônicos é uma chave de leitura teórica que nos auxilia a compreender o
brincar como uma prática cultural e materialmente situada por meio da qual ocorre o encontro
de trajetórias. Isto é, as coreografias do brincar envolvem improvisações que se dão em relação
com as trajetórias dos bebês e das coisas. A fim de aprofundar essa análise e discorrer acerca
destes elementos, apresentam-se a seguir outros eventos do brincar, os quais foram descritos
minuciosamente para dar visibilidade ao gesto, ao corpo, aos afetos189.

_______________
188
No original: “(…) among another set of ideas (heterogeneity; relationality; coevalness… liveliness indeed)
where it releases a more challenging political landscape.” (MASSEY, 2005, p.13)
189
No decorrer desta seção, o tipo de descrição realizada é uma escolha estratégica que visa promover um olhar
atento para o brincar dos bebês e para a sua complexidade. Nesse sentido, essas narrações demandaram uma
transcrição detalhada dos registros audiovisuais e visam provocar os leitores e leitoras a reimaginar o brincar
dos bebês a partir das chaves de leitura mobilizadas no decorrer desta pesquisa.
237

4.4.1 “CADÊ BRINQUEDO?”: ELEMENTOS SINCRÔNICOS

Era o último dia de observação com os bebês e eu estava sentada na cadeira ao lado da
porta quando a Melissa se aproximou com uma pedra em mãos. A câmera estava apoiada sobre
o balcão e eu tinha as duas mãos livres:

Ela estica um braço e entrega a pedra em uma de minhas mãos. Em seguida, ela puxa
a mão apoiada sobre a minha perna e coloca uma ao lado da outra. Eu mantenho as
palmas das mãos abertas e voltadas para cima, curiosa em compreender quais as regras
que a Melissa estabeleceria para esse jogo. Me mantenho em silêncio e me sinto
intimamente responsável em participar desta brincadeira, fico atenta a ela e a mim
mesma. Ela olha para mim, troca a pedra de mão e empurra meus dedos para dentro,
fazendo com que a minha mão se feche. Eu abro as mãos, ela pega a pedra e repete o
mesmo movimento com suas mãos: abre e fecha ocultando a pedra por alguns
instantes. Ela me devolve a pedra e empurra levemente os meus dedos. Eu repito o
gesto, troco a pedra de mão, a recubro com meus dedos e volto a abrir as mãos. Ao
mesmo tempo, a Melissa abre e fecha a mão, em sincronia com o meu ritmo. Ela pega
a pedra novamente e o jogo se repete. Uma, duas, três, quatro, cinco vezes... Na sexta
vez, eu fecho as mãos e cruzo os braços, mantendo-os esticados. Ela deixa de olhar
para baixo, me fita nos olhos e diz “Cadê brinquedo?”. Eu abro ambas as mãos, ela ri
e volta a empurrar os dedos para dentro, me convidando para continuar o jogo. (Diário
de Campo, 26/06/2019)

Este evento do brincar no qual eu e a Melissa jogamos com nossas mãos, a pedra e o
oculto, foi disparador para que mobilizássemos o termo coreografia do brincar a fim de narrar
e analisar esses eventos. No momento em que vivenciei este evento com a Melissa, ao tornar-
me um sujeito brincante e reunir-me com a Melissa no processo de transformar meu corpo e a
pedra em brinquedos, eu me vi participante deste acontecimento. Eu percebia que qualquer
mudança alteraria a brincadeira, porque ela se dava entre nós, nossos corpos, as coisas, os
sentidos, os afetos. A pesquisa etnográfica possibilita o engajamento dos sentidos (PINK, 2008)
e foi participando do brincar e reconhecendo a minha presença no campo que pude buscar
conceitos que nos aproximassem da complexa e porosa vida cotidiana (WILLIS, 2000).
Se a pedra escorregasse e rolasse, talvez o jogo mudasse, terminasse ou fosse
retomado, isso dependeria das outras coisas que simultaneamente aconteceriam e poderiam
passar ao nosso redor. Se a Melissa trouxesse uma segunda pedra, haveria uma nova mudança.
Se eu abaixasse ou levantasse os braços, ou se eu falasse, novas transformações poderiam
acontecer. Havia ainda um amplo conjunto de acontecimentos externos que poderiam atravessar
o jogo: alguém poderia pedir pela cadeira, outro bebê poderia me demandar uma foto, alguém
poderia chamar pela Melissa, querer participar da brincadeira ou trazer novas coisas. O próprio
brincar era caracterizado pelo devir, pela possibilidade de a cada instante transformar-se em
algo diferente. Era um contínuo processo de tornarmo-nos brincantes enquanto brincávamos
238

com a pedra. Da pedra se transformar em brinquedo enquanto participava do jogo e de


potencialmente deixar de sê-lo ao final.
Não havia nada previsível, era tudo provisório, pois os sentidos eram produzidos
internamente ao jogo, fruto do entrelaçamento de aspectos materiais e simbólicos. Era uma
coreografia na qual gestos, sentidos, palavras, corpos estavam entrelaçados no processo de
fazer-se juntos por meio da ação de brincar. Havia um conjunto diverso e heterogêneo de
acontecimentos que se entrelaçavam, elementos sincrônicos, e que sustentavam e
possibilitavam o evento.
A transformação dos materiais e do corpo em brinquedos é um primeiro elemento que
pode compor essa coreografia. No início, o jogo consistia em abrir e fechar a mão sobre a pedra,
sem o desafio de encontrar um objeto escondido, brincadeira comum entre crianças e adultos e
que remete a um elemento diacrônico. Contudo, quando eu fecho ambas as mãos e as cruzo, eu
aciono esse repertório e a Melissa concorda com essa mudança na coreografia, me indicando
que conhece esse jogo e me convidando a dar continuidade a ele.
Nesse momento, a Melissa mobiliza a noção do oculto e de brinquedo ao dizer as duas
únicas palavras deste evento: “Cadê brinquedo?”. As suas palavras e os gestos mobilizados
durante a brincadeira também nos apontam que, no terreno que habitam os atores sociais, para
os bebês, o termo brinquedo está vinculado ao ato de brincar190. Quando a Melissa a denomina
de “brinquedo”, ela está situando a pedra na narrativa da qual ela participa e nos traz indicativos
para pensar a forma como os bebês interagem com as materialidades, sobre o novo papel que a
pedra estava exercendo ao reunir-se comigo e com a Melissa em uma brincadeira.
Gilles Brougère (2010), ao definir o brinquedo como um objeto extremo, compreende
que o valor simbólico se transformou na função deste objeto191. Ou seja, as coisas, ao serem
destituídas do seu uso funcional, são inseridas na cultura lúdica por meio do brincar. Isto
implica na ampliação de suas potencialidades, pois as crianças ao brincarem podem jogar com
os aspectos material-semióticos que envolvem as coisas, acessando outros rastros deixados por
elas. A cadeira pode se transformar em trem, avião, barco, cavalo, casa. Além disso, ao se
romperem as amarras, as constrições dadas pelas regras compartilhadas de uso dos objetos por
_______________
190
Os adultos do CMEI denominavam a pedra de elemento da natureza, ou seja, ela não era chamada pelos adultos
de brinquedo e tampouco de “material”.
191
Ao mobilizarmos o conceito de Gilles Brougère (2010) sobre o brinquedo compreendemos que a transformação
do valor simbólico em função significa um rompimento com um uso proposital e utilitário das coisas, ou seja, a
fim de realizar outra atividade com elas. O brinquedo surge ao inserir-se nas narrativas do brincar, adentrando
com aspectos materiais e semióticos que podem ser mobilizados e criados pelas crianças. O valor simbólico não
se restringe aos conteúdos discursivos, ele significa que o objeto passa a ter sentido em si mesmo dentro da
brincadeira criada pela criança (seja ela de caráter exploratório do objeto ou com elementos de faz de conta).
239

meio da imaginação lúdica (ANTONACCI, 2017), é possível explorar as posições da cadeira,


colocá-la de ponta cabeça, virá-la de lado, sentar-se sobre ela com as pernas viradas para o
encosto, equilibrar objetos...
A cadeira, ao se tornar brinquedo, ganha novas nuances por meio da coreografia do
brincar. Nas palavras da Melissa, a pedra é brinquedo e se constitui enquanto tal quando tem a
possibilidade de se transformar e atuar sobre os sujeitos brincantes na ação lúdica. Mobílias,
pertences pessoais e os demais materiais ofertados aos bebês podem, portanto, ao serem
inseridos no brincar, transformarem-se em brinquedos. Contudo, esses diferentes materiais não
participam das brincadeiras da mesma forma, pois têm potencialidades diversas.
No cotidiano da turma do berçário, como exposto previamente, os bebês faziam escolhas
quanto a como, com quem e com quais das materialidades disponibilizadas interagir. Nos
momentos em que as professoras disponibilizavam os brinquedos eletrônicos produzidos para
bebês, mordedores, chocalhos e as miniaturas de brinde, os bebês circulavam por estes objetos,
os manuseavam e costumavam abandoná-los. Um processo semelhante ocorria com as
miniaturas de brinde – a caixa de diversos – , elas costumavam ser apresentadas aos bebês de
forma isolada192 e após um momento inicial no qual eles se aproximavam do tapete
emborrachado (local onde costumavam ser apresentados novos materiais e convites para os
bebês) e manuseavam os brinquedos, eles eram igualmente abandonados.
Eles não optavam por seguir explorando e interagindo com esses brinquedos. Eles
escolhiam perambular ou brincar com os móveis, com seus pertences pessoais, com as bonecas
e livros que costumavam estar sempre disponíveis193. Ou seja, ainda que produzidos como
brinquedos, eles não se configuravam enquanto tal com frequência nas práticas dos bebês e
estabeleciam mais condicionantes para a ação do que possibilidades de interação 194. Isso nos
_______________
192
Quando as professoras montavam contextos com bonecas, brinquedos de casinha e eletrônicos, por exemplo,
elas costumavam colocar próximo a eles outros materiais que poderiam ser combinados entre si a partir de um
universo lúdico previsto pelas professoras. Contudo, os brinquedos para bebês e as miniaturas costumavam ser
somente colocadas sobre o tapete emborrachado sem a presença de outros materiais com os quais talvez eles
pudessem ser combinados.
193
Na sala, costumavam estar sempre disponíveis os livros de tecido, bonecas, móbiles na altura dos bebês e alguns
tecidos. Como apontado previamente, em um momento do semestre as bonecas foram substituídas por pelúcias,
e em alguns dias as garrafas sensoriais eram deixadas em uma estante acessível aos bebês. Além desses materiais,
as professoras traziam novas coisas para apresentarem aos bebês nos diferentes momentos da jornada e
costumavam garantir um ambiente em que eles pudessem explorá-las com autonomia. Também foi nessas
situações que acompanhei a maior parte das situações de conflito e disputa por materiais.
194
O gráfico (Figura 6), apresentado no capítulo metodológico, indica a quantidade de eventos registrados nos
quais os bebês interagiram com cada tipo de materialidade. Os eventos selecionados para compor as três seções
de análise também apresentam majoritariamente os acontecimentos em que os bebês interagiram com os
materiais não-estruturados, com brinquedos para jogo simbólico e com o mobiliário. Destaco que grande parte
dos eventos registrados nos quais os bebês brincavam com pertences pessoas e mobiliários ocorriam quando
eram esses brinquedos comerciais que estavam disponíveis.
240

traz indicativos para pensar sobre a forma como os materiais eram apresentados aos bebês e
sobre como a estrutura fixa desses brinquedos e as imagens comunicadas por meio deles não
atraíam o interesse dos bebês. Distribuí-los sobre o tapete ou apresentá-los dentro de uma caixa
plástica não é uma ação docente que valoriza os brinquedos e provaca novas situações de
interação. Da mesma forma, as ações dos bebês nos indicam que o tipo de brinquedo
comercialmente produzido para eles não é o que mais lhes interessa. Outros brinquedos
produzidos industrialmente, como bonecas, carrinhos, fantasias, panelinhas, eram mais
atrativos e escolhidos com mais frequência. Mordedores, brinquedos com botões e chocalhos
eram frequentemente relegados a segundo plano.
Em outras situações ocasionais, os eventos nos quais os bebês interagiam com esses
brinquedos envolviam explorações que nos indicam essa provisoriedade e imprevisibilidade da
coreografia do brincar, como o jogo inusitado criado pela Nathiely, Heloísa e Beatriz no evento
que deu início a esta seção (Figura 51). Davi Luccas, por sua vez, ao brincar com um peixe-
chocalho, joga com o equilíbrio e tenta deixar o peixe apoiado no chão sem que ele o segure
(Figura 52). Esse brinquedo, enquanto produto comercial, tem esferas miúdas em um centro
transparente e laterais com diferentes texturas. Ao ser produzido, era previsto que este
brinquedo seria objeto de explorações sensoriais e sonoras. A exploração da Davi Luccas
caminha em outro sentido ao inseri-lo em um jogo de equilíbrio. O tamanho e a resistência do
peixe podem ser elementos que convidaram a essa investigação, assim como os repertórios do
David.
As cenas deste evento apontam para a forma como a inserção das coisas no brincar
implica em sua possível destituição de atributos iniciais: o Davi Luccas podia brincar com este
objeto como se ele fosse um peixe, podia explorar texturas e sons, assim como pôde explorar o
equilíbrio e mobilizar gestos que lhe eram familiares. Ao posicionar o peixe, ele mantém as
mãos esticadas, próximas ao objeto, tira as mãos com lentidão e troca a posição do corpo. Ele
inicia esta brincadeira sentado com as pernas abertas e a finaliza agachado e, ao trocar de
posição, ele tampouco abandona o peixe. O corpo participa da coreografia, condicionando e
simultaneamente possibilitando novas maneiras de colocar-se em relação com as coisas e ser
afetado por elas. A barbatana encaixa entre seus dedos e ele, por alguns instantes, se equilibra
em três apoios: um pé, uma mão e uma mão-peixe. Reside no brincar a possibilidade de que
provisoriamente aconteça algo novo, pois cada encontro é potencialmente diferente.
241

Figura 52 – Davi Luccas e o peixe (03/05/2019)


Fonte: A Autora (2020)

O peixe-chocalho se transforma em brinquedo por meio da ação do Davi, mas o brincar


acontece de forma completamente diversa daquilo que os adultos compreendiam como
potencialidade deste brinquedo. Os brinquedos plásticos produzidos para bebês e as miniaturas
comerciais são produzidos a partir da perspectiva do brincar como uma ação infantil que
promove o desenvolvimento. A perspectiva da falta é preponderante nesses brinquedos:
pressupõe-se que o desenvolvimento infantil é universal, que os bebês não conhecem o mundo
e que, a fim de que desenvolvam as habilidades desejadas socialmente, é preciso que sejam
estimulados por este conjunto de objetos. O brincar não é reconhecido como uma prática
situada, marcada por aspectos culturais, espaciais, temporais.
A ação do David, assim com os outros eventos do brincar, contudo, nos aponta para a
forma como os atributos dos brinquedos surgem por meio da coreografia construída a partir do
encontro do bebê com as coisas. Ou seja, não há indícios empíricos que sustentem a noção de
condicionamento da ação das crianças às características dos objetos (BROUGÈRE, 2018), pois
elas não operam apartadas das narrativas dos bebês. Os seus atributos surgem no decorrer do
processo, a partir de uma ação de interpretação dos sujeitos e de atravessamentos provocados
pelo encontro. Não há uma vinculação direta entre aspectos relativos ao desenvolvimento
242

infantil e a interação com o material. Pelo contrário, a brincadeira é um processo contínuo de


descoberta e criação de novas potencialidades.
A interação entre os bebês e estes brinquedos também encontra restrições: o plástico é
inodoro, não produz som, tem uma superfície lisa e fria. Além disso, eles também parecem
desconectados das vivências dos bebês: são objetos que não mobilizam histórias resguardadas
na memória do gesto (INGOLD, 2011) e repertórios culturais-vivenciais. Gilles Brougère
(2010) aponta que “o próprio material já é significante” (p.43), mas como os bebês mobilizam
esses conteúdos? Quais outras potencialidades surgem da interação com os materiais? O que
afeta os bebês e lhes move a escolher explorar seus pertences pessoais e mobiliários? Quais
indícios os bebês podem acessar e produzir por meio do encontro com as coisas? Como as
coisas se transformam em brinquedos ao encontrarem-se com os bebês?
Se reconhecemos que os atributos das coisas são suas histórias (INGOLD, 2011),
podemos olhar para o acervo material do CMEI e para as interações dos bebês com as
materialidades a partir de uma perspectiva que visa descobrir quais potencialidades emergem
do encontro com as coisas. Quão diverso é o panorama tátil, sonoro, visual, odorífico? De que
forma elas podem ser combinadas, transformadas, categorizadas?
O cesto dos tesouros representava para a turma do berçário uma ampliação deste
panorama e um convite para que os bebês explorassem e se relacionassem com as
potencialidades de cada um desses materiais e de si mesmos. Em uma das manhãs nas quais os
bebês puderam acessar essas materialidades, a Laura se dirigiu até o cesto onde estavam
reunidos os elementos naturais (Figura 53) e participou de um evento do brincar que começa
com as pedras, os cocos e as conchas:

Ela ajoelhou-se ao lado dele, junto com a Yasmin e, enquanto ela se demorava em
tocar cada ponta da pinha e contê-la entre suas mãos, a Laura observava e selecionava
alguns materiais. Primeiro, ela pegou as pedras, brancas e marrons, depois separou os
cocos e escolheu também toras pequenas de madeira. Ela posicionou cada parte do
coco em um lugar diferente, uma a sua frente e outra atrás. Em seguida, colocou uma
tora do seu lado direito e outra do lado esquerdo.

Rodeada pelos materiais que escolheu, ela pegou as pedras brancas e colocou dentro
dos cocos, transportando-as de um lado ao outro e permitindo que elas escorregassem
para dentro do novo côncavo. Depois, ela pega as pedras marrons e as posiciona dentro
das conchas, colocando-as uma de cada lado da tora que estava a sua frente. Ela
observa com atenção e repete o movimento de trocar as pedras de concha. Ela volta a
colocar uma a sua frente e segura a outra em suas mãos, em seguida, esvazia a concha
e coloca uma pedra em cima da tora. Ela olha para o cesto em busca de algo e pega
mais uma pedra marrom. A coloca do outro lado e observa ao seu redor. Coloca mais
uma tora do seu lado direito e, engatinhando, escapa entre os materiais. Ela está atenta
à posição de suas mãos, troncos, pernas e pés. O corpo não toca na composição quando
ela se retira. (Diário de campo, 31/05/2019)
243

Figura 53 – Parte I: Laura e as composições (31/05/2019)

Fonte: A Autora (2020)

Faço uma foto da composição final, da marca efêmera deixada pela Laura. Me sento
e vejo que ela escolheu duas peneiras brancas, colocou pedras dentro e as está
transpondo de um lado ao outro. Ela me vê, coloca as peneiras entre as minhas pernas
e caminha na direção do outro cesto. Pega os três recipientes azuis: uma xícara e dois
vasos, coloca pedras dentro e retoma o jogo de deixá-las cair e trocar de receptáculo.
(Figura 54)(Diário de campo, 31/05/2019)
244

Figura 54 – Parte II: Laura e as composições (31/05/2019)

Fonte: A Autora (2020)

A Laura, as pedras, as conchas, os cocos, as toras, as peneiras e os recipientes azuis


foram os participantes desta coreografia que encontra terreno para acontecer enquanto a Laura
se movimenta e se depara com novos e semelhantes elementos que juntos fazem com que a
brincadeira continue. Ela agrupa materiais do mesmo tipo, posiciona-os simetricamente e dá
continuidade ao brincar ao encaixar as pedras nos diferentes recipientes195.

_______________
195
No dia 26/04, eu havia realizado o registro fotográfico do acervo do berçário e, ao fazer as fotografias e contar
a quantidade de materiais, eu as classifiquei segundo a matéria. No dia 31, quando as professoras apresentam os
cestos para os bebês, eles ainda estavam separados por matéria. Normalmente, as professoras não operavam com
nenhum critério de separação dos materiais nos cestos. Contudo, nesse evento, essa separação parece ter
favorecido esta brincadeira criada pela Laura.
245

Esse jogo durou cerca de vinte minutos, tempo em que a Laura se viu capturada por
esses objetos. Há uma breve interrupção no jogo em um momento em que uma professora
verifica se a fralda dela precisa ser trocada, mas ela não para, segue passando a pedra de um
lado ao outro. Ela também se move enquanto brinca, encontra um destino final para as peneiras,
caminha por toda a extensão do tapete com as coisas em mãos e dá uma volta em uma das mesas
da sala enquanto segura os recipientes azuis em suas mãos. Ela explora diferentes posições do
seu corpo enquanto joga com os materiais. Ela começa ajoelhada e segue, durante a composição
de elementos naturais, apoiada sobre uma perna, sustentando a outra levantada. As pernas
abertas parecem criar os vetores de seu posicionamento e dos objetos no espaço. Ela engatinha
quando sai de dentro do território criado no processo de composição com os elementos naturais,
passa a perambular e se agacha quando encontra novos materiais que lhe capturam. As posições
que ela adota no decorrer da brincadeira, ou seja, aquilo que o seu corpo pode fazer no momento
que está vivenciando o brincar, se apresenta como um elemento sincrônico desta coreografia.
A quantidade de materiais semelhantes e que, comparados, podiam sugerir novas
combinações também se constituiu em um elemento central para o jogo. Além disso, o contexto
também era propício: havia tempo para que a Laura se dispusesse a novos encontros, área que
lhe permitia perambular e ela passou por intervenções suaves por parte das professoras. Os
objetos também percorreram trajetórias diversas até chegarem ao CMEI: a xícara havia sido
utilizada como utensílio de alimentação no ano anterior, um dos vasos tinha marca de uso e o
outro ainda continha resquícios de cola da etiqueta com o preço. Os cocos já haviam alimentado
alguém e previamente já haviam sido parte de um processo de pintura, pois continham marcas
de tinta azul e vermelha.
Cada uma dessas materialidades pode ser compreendida por meio de sua constituição
material e simbólica. Há rastros dos processos de produção e coleta desses materiais que não
podem ser dissociados de sua fisicalidade. Do mesmo modo, os gestos que a Laura mobiliza ao
transpor as pedras de um lado ao outro são gestos arraigados na cultura. A concha não é um
objeto que guarda coisas dentro de si, assim como as toras de madeira não são suportes para as
conchas. As coisas se transformam por meio das narrativas construídas e adentram nesse
processo com suas potencialidades. Se assumirmos que os materiais disponibilizados aos bebês
são coisas, nos vemos convocados a reconhecer o devir, pois:
246

A coisa, por sua vez, é um ‘acontecer’, ou melhor, um lugar onde vários aconteceres
se entrelaçam. Observar uma coisa não é ser trancado do lado de fora, mas ser
convidado para a reunião. (...) Há decerto um precedente dessa visão da coisa como
uma reunião no significado antigo da palavra: um lugar onde as pessoas se reúnem
para resolver suas questões. Se pensamos cada participante como seguindo um modo
de vida ia sugerido, como um “parlamento de fios” (Ingold, 2007b, p. 5). Assim
concebida, a coisa tem o caráter não de uma entidade fechada para o exterior, que se
situa no e contra o mundo, mas de um nó cujos fios constituintes, longe de estarem
nele contidos, deixam rastros e são capturados por outros fios noutros nós. Numa
palavra, as coisas vazam, sempre transbordando das superfícies que se formam
temporariamente em torno delas. (INGOLD, 2012b, p. 29)

Os eventos do brincar envolviam essa reunião de coisas, bebês e materialidades que se


encontravam e se transformavam por meio de uma coreografia onde os bebês se dispunham a
performar o corpo, os gestos, as palavras segundo aquilo que lhes acontecia. A Laura combina
e agrupa as diferentes materialidades, em um processo interno de atribuição de sentidos que
envolve a seleção e disposição dos materiais que passavam a participar do evento.
Os gestos de Laura nos convocam a reconhecer a ação exploratória das coisas como
parte indissociável do brincar. Ela coloca um dentro do outro, os encaixa, os sobrepõe, os
agrupa. Faz parte do jogo a exploração das potencialidades de si e das materialidades. Anna
Bondioli (1998) aponta que os bebês experimentam incessantemente as propriedades dos
materiais, dos objetos e das ações. Ela afirma: “(...) a criança parece estar, para um observador
menos atento, em uma fase mais destrutiva que construtiva: esforçando-se para penetrar nos
mistérios das coisas, os objetos são sacudidos, dobrados, furados, rasgados.” (1998, p.218).
A cada novo encontro, a Laura performava uma nova resposta. A coreografia do brincar
se constitui no processo e envolve o corpo e o movimento. Tim Ingold (2012) afirma que
“Improvisar é seguir os modos do mundo à medida que eles se desenrolam, e não conectar, em
retrospecto, uma série de pontos já percorridos.” (p.38), porque segundo ele o caminho por
meio do qual as coisas se apresentam ocorre por meio de reuniões improvisadas. A composição
de pedras, cocos, conchas e toras acontece no processo, não como um processo de abstração. O
mesmo ocorre com a seleção das duas peneiras brancas e dos três recipientes azuis.
Em contraposição aos brinquedos plásticos e produzidos em larga escala, os materiais
não-estruturados (naturais e artificiais) “(...) são vida real que entra na escola, com a força
avassaladora das suas qualidades, das suas peculiaridades, das suas ambiguidades”196
(GUERRA, 2017, p.27, tradução nossa). Eles trazem consigo marcas simbólicas e materiais
que podem ter uma relação profunda com o território e os processos locais. Os elementos da
_______________
196
No original: “(…) sono vita reale che entra a scuola, con la forza dirompente dele loro qualità, dele loro
peculiarità, dele loro ambiguità (...).” (GUERRA, 2017, p.27).
247

natureza são provenientes da fauna e da flora do contexto em que se situa a instituição, assim
como os descartes da indústria guardam relação com os processos produtivos que atuam na
configuração deste espaço. O panorama tátil, visual, sonoro e odorífico com o qual a Laura se
depara deixa rastros que podem capturá-la e ser capturados por ela de maneiras plurais e
diversificadas. Além disso, o cesto dos tesouros era ofertado com frequência para os bebês e a
Laura parecia ter intimidade com os elementos escolhidos. As marcas simbólicas que vinculam
as materialidades ao território também se produzem ao largo do tempo e conforme os bebês têm
a oportunidade de se encontrar novamente com os mesmos materiais.
Em outros eventos do brincar vemos como as palavras e a observação da ação dos outros
bebês também podem participar da coreografia. Compreender o brincar como uma prática
situada implica em reconhecermos a pluralidade de processos que ocorrem simultaneamente e
que deixam suas marcas no evento do brincar197. Em uma manhã, os bebês encontraram a sua
disposição um conjunto de cilindros vazados plásticos e opacos:

A Lívia se dirige até o tapete e começa a empilhá-los, o mesmo gesto que a professora
havia realizado ao apresentar o material e convidar os bebês para brincarem no tapete
Em seguida, ela caminha e descobre que o seu pé encaixa dentro do cilindro. Ela
caminha arrastando o pé e, de longe, a Lolo a observa. (Diário de Campo, 10/05/2019)
(Figura 55)

Figura 55 – Parte I: O cilindro e a Lívia (10/05/2019)

Fonte: A Autora (2020)

_______________
197
A fim de dar visibilidade aos processos e às mudanças sutis, grande parte dos eventos que serão apresentados
a seguir foram divididos em sequências de imagens distintas. São situações de brincadeiras que ocorreram
durante períodos mais prolongados e que exigiram uma nova estratégia de apresentação das narrativas.
248

Assim que a Lívia abandona o cilindro, a Lolo se dirige até ele, se apoia na mesa e
encaixa o pé (Figura 56). Eu me aproximo para fotografá-la e ela caminha até mim
arrastando o cilindro. Ela repete o mesmo gesto da Lívia. E, em seguida, ela o recria.
Eu me sento em uma cadeira, ela coloca uma mão sobre cada um dos meus joelhos e
tenta colocar os dois pés dentro do cilindro. Ela olha para mim e para baixo, mais de
uma vez após ter colocado os pés dentro. Depois, ela coloca seu peso novamente sobre
meus joelhos e tira os dois pés de dentro do cilindro. Ela o segura em suas mãos e
apoia sobre uma cadeira que estava ao meu lado. (Diário de Campo, 10/05/2019)

Figura 56 – Parte II: O cilindro e a Lolo (10/05/2019)

Fonte: A Autora (2020)

Depois que a Lolo coloca o cilindro sobre outra cadeira, eu me afasto para também
acompanhar a brincadeira que a Laura havia iniciado. Simultaneamente, elas
participavam de eventos diversos e que estavam conectados entre si pela participação
da mesma materialidade e pelo movimento disparado pela Lívia. A Laura caminha
até a porta do fraldário, indo e voltando, percorrendo o mesmo trajeto duas vezes
(Figura 57). Diferente das outras bebês, a Laura não arrasta o pé e tenta erguê-lo a
cada novo passo, produzindo um som diferente. O barulho antes era “arrastado” e na
brincadeira de Laura há uma batida rítmica que acompanha os seus passos. Ela se
apoia na mesa para tirar o cilindro e ele encaixa no seu sapato. Acidentalmente, o
sapato é tirado pelo cilindro. Ela segura o tênis em sua mão, recoloca o cilindro no pé
descalço e volta a percorrer o mesmo trajeto. Agora, ela arrasta o pé e a sua brincadeira
contém elementos sonoros e táteis distintos. (Diário de Campo, 10/05/2019)

Figura 57 – Parte III: O cilindro e a Laura (10/05/2019)

Fonte: A Autora (2020)


249

Enquanto isso, a Lolo encaixa o cilindro em sua cabeça e tenta tirar as mãos,
equilibrando-o (Figura 58). Ela se vira em direção a mesa enquanto tenta equilibrar o
cilindro e o seu movimento chama a atenção da professora Paula, que passa a observá-
la. Ao tirar a mão, o cilindro cai em cima da mesa e a professora diz: “caiuu...”. A
palavra prolongada e suave chama a atenção da Lolo, que olha para a professora,
segura o cilindro em mãos e o arremessa no chão repetindo: “caiiiuu”. A professora
lhe olha com seriedade e a Lolo recolhe o objeto do chão e sai correndo para lhe dar
um abraço. (Diário de Campo, 10/05/2019)

Figura 58 – Parte IV: O cilindro e a Lolo (10/05/2019)

Fonte: A Autora (2020)

A brincadeira ganha dois novos elementos, a participação da professora e a palavra


pronunciada de forma cantada. A entrada de novos elementos na coreografia do brincar ocorre
a partir da improvisação dos bebês diante das provocações dos materiais, palavras e gestos
mobilizados pelos outros sujeitos.

A Laura escuta a professora Paula interagindo com a Lolo, muda seu trajeto e se dirige
até ela sem o cilindro e com o tênis em mãos. Enquanto isso, a Yasmin pega um
cilindro do chão e o coloca sobre sua cabeça (Figura 59). Ela o apoia na testa e mira
com um olho pela fresta. Em seguida, ela o abaixa, espia o chão e volta a levantá-lo,
desta vez colocando-o sobre seu rosto, emoldurando-o. Pouco a pouco, ela empurra o
cilindro para trás e encaixa na parte de trás da sua cabeça. Ela dá alguns passos com
ele equilibrado. Quando ele cai, ela volta a colocá-lo sobre a cabeça e a caminhar com
ele. (Diário de Campo, 10/05/2019)
250

Figura 59 – Parte V: O cilindro e a Yasmin (10/05/2019)

Fonte: A Autora (2020)

O evento do cilindro, da Lívia, Lolo, Laura e Yasmin torna latente alguns elementos
sincrônicos do brincar. Como uma prática situada, ele está em relação com outros
acontecimentos e com as trajetórias das coisas e dos sujeitos. Na primeira parte, vemos como a
251

Lívia dá início a uma investigação do cilindro a partir de um gesto específico: encaixá-lo em


seu pé e caminhar. A Lolo a observa e reinterpreta o gesto, colocando os dois pés dentro. Em
seguida, a Laura também se apropria deste gesto e encaixa o cilindro em seu pé, batendo-o ao
caminhar. Simultaneamente, há um novo movimento acontecendo. O cilindro vai à cabeça da
Lolo, cai com a intervenção verbal da professora, e novamente é equilibrado pela Yasmin.
Ainda que elas não estivessem brincando juntas, elas estavam observando umas às outras e
compartilhavam alguns gestos. Ele se tornou parte dos repertórios compartilhados entre elas.
A atenção a este evento nos aponta para a forma como o cilindro se transforma conforme
participa do brincar e torna visível a complexidade desta coreografia. Palavras, movimentos
simultâneos, sons, planos são todos mobilizados de forma distinta ao longo desta brincadeira.
Ela se complexifica e envolve outros sujeitos porque os bebês têm material suficiente para que
uma brincadeira semelhante ocorra de modo simultâneo, porque podem se mover pelo espaço
da sala e porque tiveram garantido tempo para entrarem em relação com as coisas. O cilindro
no chão pode algo distinto do que um cilindro na cabeça. Uma palavra pode alterar o curso. O
olhar atento de outro bebê que estava aparentemente distante de um primeiro acontecimento
pode provocar novas transformações e dar continuidade a este evento do brincar.
Alex Orrmalm (2020) ao discorrer sobre o engajamento dos bebês com suas meias
aponta para a forma como os bebês interagiam com elas como “movimentos de materiais”.
Assim, “ao invés de perguntarmos o que ‘é’ uma meia, esta abordagem nos leva a perguntar o
que a meia se torna e tem o potencial de tornar-se quando nos focamos nos engajamentos dos
bebês.” (ORRNALM, 2020, p.96, tradução nossa)198. A autora também aponta que assim como
o olhar para os bebês nos leva a reconhecer as práticas autotélicas com as quais eles se engajam,
o reconhecimento deste caráter processual e do devir dos bebês e dos materiais, implicam na
construção de novos olhares para a cultura material.
Ou seja, ao olharmos para o acervo das instituições é possível nos perguntarmos sobre
aquilo que os materiais podem se tornar ao participarem das brincadeiras e de outras práticas
dos bebês. Com isso, o pensamento pedagógico faz um giro, pois urge reconhecer as narrativas
produzidas pelos bebês em suas interações com as materialidades. Isso exige uma reflexão
adensada por parte da equipe docente quanto a forma como os bebês terão acesso aos materiais,
o espaço que será ocupado e o tempo que será garantido às crianças para que possam explorar
os materiais e descobrir suas potencialidades. Não basta definir um objetivo de aprendizagem

_______________
198
No original: “Instead of asking what a sock ‘is’, the approach pushes us to ask what a sock becomes, and has
the potential to become, when we focus on babies’ own engagements.” (ORRMALM, 2020, p.96).
252

fruto da relação com um material ou uma proposta preparada para as crianças, se faz necessário
pensar na diversidade de processos de aprendizagem, desenvolvimento, criação e subjetivação
possibilitados pelo encontro com as coisas e com os outros. Do mesmo modo, há a necessidade
de reconhecer as trajetórias de cada bebê e um olhar atento para os repertórios que eles trazem
consigo e para aqueles que podem conhecer dentro do espaço da escola, assim como o exercício
de um pensamento heurístico que busca descobrir as potencialidades de cada material e se
pergunta sobre o que esse material pode se tornar, não sobre o que ele é.
O evento do cilindro também nos aponta para a seriedade com que os bebês se engajam
em suas brincadeiras. Cada novo momento da brincadeira implicou em um conjunto de regras
distintas quanto a como dar respostas apropriadas ao que estava acontecendo com o material e
consigo mesmos. Ele é lançado ao chão quando a palavra da professora aciona esse repertório
e a Lolo identifica que esta é uma resposta possível para o que estava acontecendo. No chão,
ele convoca o ritmo do passo, o som arrastado ou batucado. Na cabeça, solicitava um corpo
atento à posição das mãos, do tronco, da perna, da cabeça, para que fosse possível jogar com o
equilíbrio. A última imagem da Yasmin revela a forma como ela está implicada em levantar-se
com o cilindro na cabeça (Figura 59). Ele já está encaixado e braços e pernas se posicionam de
uma forma que o tronco se mantenha ereto: um braço para baixo e outro para cima e,
inversamente, uma perna para baixo e outra levantada. Corpo, palavras, gestos e olhares
compõem esta coreografia.
No evento abaixo vemos outros conjuntos de regras criadas pelos bebês no decorrer do
evento e que constroem um marco a partir do qual o brincar acontece. É possível notar os
diferentes acontecimentos que provocam mudanças no brincar e vermos as ações que a
exploração da areia suscita, as sensações tatéis que ela provoca são um elemento central neste
evento. Os bebês transformam as coisas ao mesmo tempo em que são transformados por elas,
exploram e são explorados, capturam os rastros e são capturados. Na coreografia do brincar,
coisas e sujeitos podem ser compreendidos como agentes performativos (TAGUCHI, 2014).

A brincadeira começa com a Beatriz se curvando em frente à areia, ela junta dois
punhados, mantém os punhos fechados, caminha até o pátio e lança a areia (Figura
60). Ela olha para sua mão enquanto a areia escorrega entre seus dedos, mas não a
abre e tenta contê-la até chegar na beirada do caminho. Quando a lança, a areia cruza
sua sombra e a Beatriz olha para a areia caindo. Parte dela segue encrustada nas dobras
dos dedos e enquanto caminha para repetir o processo, ela bate as mãos uma na outra.
(Diário de Campo, 14/06/2019)
253

Figura 60 – Parte I: A Areia e a Beatriz (14/06/2019)

Fonte: A Autora (2020)

Em uma de suas idas e vindas, Beatriz se depara com o Kaylan, que interagia com a
areia de outra maneira (Figura 61). Ele colocava as mãos na areia, pegava dois
punhados, deixava as marcas dos seus dedos no chão e em seguida abria as mãos,
olhando para elas atentamente enquanto a areia caía. A areia fazia algo diferente no
Kaylan. Ele repetiu esse gesto algumas vezes e depois passou a transportar a areia até
o gramado com as palmas das mãos abertas.

Beatriz faz uma pausa a fim de observá-lo e modifica o destino da areia. Ela curva o
tronco, agarra dois punhados e com as mãos fechadas caminha até a areia, vira-se e
lança a areia, observando-a cair. Ao retornar, o Kaylan participava de uma nova
mudança. Ele se deita no caminho concretado e estica os dois braços, jogando a areia
para a fora. A Beatriz olha para ele, para o chão e para a areia caída sobre o concreto.
Essa reunião de coisas parece convidá-la a performar o corpo. Até então, ela só havia
colocado as mãos na areia e havia se mantido de pé. A partir desse momento, ela senta-
se e começa a colocar novos punhados de areia ao redor de si. (Diário de Campo,
14/06/2019)
254

Figura 61 – Parte II: A areia, a Beatriz e o Kaylan (14/06/2019)

Fonte: A Autora (2020)


255

No chão, a brincadeira ganha novos contornos. A Beatriz esfrega a mão espalmada


sobre o piso de concreto (Figura 62) e faz um movimento circular, passando a mão
sobre a areia ao redor de suas pernas. O Kaylan se afasta e a Alice se aproxima.
Inicialmente, ela faz o mesmo gesto da Beatriz. A quantidade de areia acumulada no
concreto faz com que as marcas dos dedos fiquem registradas sobre a areia. Elas
observam uma a outra e sincronizam os gestos de uma maneira que não se tocam. A
Alice gira o corpo e coloca as duas pernas sobre a areia. Ela estica os dois braços e
puxa a areia para perto de si. Ao puxá-la para perto do seu quadril, ela junta as duas
mãos e carrega a quantidade de areia que cabe entre suas palmas. Os grãos de areia
que permanecem nas mãos seguem intrigando a Beatriz. Ela faz breves pausas para
olhar para sua mão e tocar uma na outra com a ponta dos dedos. Ela faz um gesto
semelhante ao acionado no evento da vareta. Toca onde sente as marcas deixadas
pelos encontros com as coisas. (Diário de Campo, 14/06/2019)

Figura 62 – Parte III: A areia, a Beatriz e a Alice (14/06/2019)

Fonte: A Autora (2020)

A brincadeira é interrompida quando duas crianças mais velhas se aproximam para


observá-las (Figura 63). A Alice olha para elas e, em seguida, segura um punhado de
areia em suas mãos e arremessa nos meninos. A Beatriz a observa e também lança um
segundo punhado de areia. Elas não desejavam que eles participassem ou estivessem
próximos delas e lançam a areia como uma forma de afastá-los. Eles resmungam,
gritam e se afastam depois que uma professora chama a Beatriz e a Alice pelo nome
e diz que elas não podem jogar areia. (Diário de Campo, 14/06/2019)
256

Figura 63 – Parte IV: A areia, a Beatriz, a Alice e a interrupção (14/06/2019)

Fonte: A Autora (2020)


257

Em seguida, a Beatriz se aproxima do tanque de areia para pegar um novo punhado e


nota que havia areia acumulada sobre o pé da Alice. Ela passa a mão sobre o seu pé,
de um lado ao outro, tentando tirar a areia. A Alice a observa, pega um novo punhado
e coloca sobre o seu pé. Como resposta, a Beatriz também pega um punhado e coloca
sobre a sua perna. A brincadeira ganha novas nuances: ela agora consiste em esfregar
a mão sobre as pernas e tronco, espalhando e percebendo a areia.

A brincadeira se transforma novamente quando os meninos voltam a se aproximar


(Figura 64). Eles trazem consigo duas miniaturas emborrachadas que são enfiadas na
areia e recobertas por ela. A Alice presta atenção e rapidamente volta o olhar para a
caixa onde estavam as miniaturas. Ela sai correndo e retorna com um pato de borracha.
Senta-se sobre a areia e transforma o pato em uma extensão da sua mão. Ele é usado
como rastelo, pá ou dedos. Com ele, ela puxa a areia para dentro de suas pernas, o
recobre com punhados de areia e esfrega a mão sobre ele. Ela reinterpreta os gestos
que eles deram início e o seu próprio percurso durante este evento do brincar. Agora,
ela recobre os bonecos ao invés de suas pernas e pés. A Alice se aproxima dos meninos
e pega uma das miniaturas que eles trouxeram. A Nathiely também se junta à
brincadeira, pegando outro boneco trazido pelos meninos. Eles, por sua vez, saem e
retornam com novos bonecos. Juntos, as três bebês da turma do berçário e os dois
meninos mais velhos brincam de cobrir os bonecos com a areia. (Diário de Campo,
14/06/2019)

Figura 64 – Parte V: A reunião da areia, miniaturas de borracha e crianças (14/06/2019)

Fonte: A Autora (2020)

Os sentidos produzidos pela Beatriz e as sensações e gestos provados pela areia são os
dois elementos comuns ao largo de toda essa brincadeira e que se fazem presentes nos cinco
momentos apresentados e que ocorrem ao largo de um período de quarenta minutos. Um
258

primeiro elemento que destacamos diz respeito à forma como as materialidades participam do
brincar. A areia brilha devido à luz do sol, ela dança sobre a sombra da Beatriz, se esconde nas
dobras dos dedos, permanece incrustada na pele, se deposita sobre os sapatos, escorrega entre
os dedos, escapa do poder apreensivo das mãos, provoca novas sensações. A areia atua na
coreografia do brincar, provocando novas ações e respostas por parte dos bebês. Ela se
transforma em brinquedo porque se encontra participante deste evento. Do mesmo modo, as
miniaturas emborrachadas, produzidas para outros fins, se tornam extensões dos corpos dos
bebês: elas empurram a areia, deixam rastros no chão, encobrem-se com ela. É diferente puxar
a areia com as mãos ou com o suporte de um boneco, da mesma forma como é diverso recobrir
seu corpo com a areia ou encobrir as miniaturas.
Isto significa que da mesma forma como o material não determina a ação humana, a
presença dessas materialidades tampouco é inerte, pois ela condiciona e possibilita novas
formas de tornar-se com os bebês. Hillevi Lenz Taguchi (2014), ao discorrer sobre uma
brincadeira com a areia evidencia esse caráter processual do brincar por meio do qual as
crianças e os materiais se constituem mutuamente:

A criança não pode pensarsentir (perceber) a beleza da areia rodopiando e brilhando


no vento e na luz do sol sem estes particulares grãos de areia, o vento e a luz do sol.
E os grãos de areia não podem ser agarrados, lançados, rearranjados ou refletir a luz
do sol enquanto caem das mãos da criança sem a criança e suas ações discursivamente
inscritas, o vento e o sol. A areia tampouco pode rodopiar sem o vento,
independentemente da criança humana. Transformações mútuas, portanto devires-
com, são produzidos entre todos esses agentes em suas intra-ações. Nesta cadeia de
eventos, o pensamento discursivo humano está da mesma forma entrelaçado em
algum lugar ao longo dessas linhas.199 (TAGUCHI, 2014, p. 84, grifos do autor,
tradução nossa)

As interações dos bebês com a terra, a grama e a areia no espaço externo implicam em
uma nova ampliação de possibilidades para o brincar. As mudanças que transformam a creche
em uma escola real (INGOLD, 2011) se tornam latentes com a presença de materialidades
mutáveis e com a ação de outros elementos que por vezes são postos do lado de fora das salas
de referência: como o vento, a luz e os sons da cidade. O sol e o vento também participam do
evento do brincar narrado acima, assim como é o espaço externo que possibilita o encontro com
_______________
199
No original: “The child cannot thinkfeel (perceive) the beauty of sand swirling and shining in the Wind and
sunlight without these particular grains of sand, the wind and the sunlight. And the grains of sand cannot be
grabbed, tossed in the air, rearranged or reflect sunshine as they are dropped from the hand of the child without
the child and its discursively inscribed actions, the wind and the sun. The sand cannot swirl around without the
wind either, independently of the human child. Mutual transformations, thus becomings-with, are produced
among all these agents in their intra-actions. In the chain of events, human discursive thinking is entangled
somewhere along the line as well.” (TAGUCHI, 2014, p.84).
259

as crianças das outras turmas. A ampla gama de possibilidades que se produzem na interação
com o outro e com as materialidades sustenta o brincar dos bebês.
Ao longo desse evento, também vemos como a Beatriz transforma os seus gestos e passa
a interagir com a areia de formas diferentes conforme outros bebês participam da brincadeira.
Há um conjunto diversificado de maneiras de agarrar e transportar a areia. Os repertórios são
complexificados a partir da interação com os pares e com as crianças das outras turmas. É
possível ver como o Kaylan e a Alice adentram no brincar com um repertório distinto de gestos:
ele mantém as mãos espalmadas e a Alice guarda a areia entre as palmas de suas mãos. A
Beatriz muda o jogo ao posicionar-se no chão e ao esfregar as mãos sobre o concreto junto com
a Alice. As mãos arrastam-se sobre o chão, os pés, as pernas, os peitos e, por último, sobre as
miniaturas emborrachadas.
A Beatriz acolhe a participação dos outros bebês da sua turma, contudo ela e a Alice
não desejam a participação dos meninos mais velhos. Juntas, elas encontram uma maneira de
afastá-los, elaborando uma tática que envolveu o movimento de lançar a areia. Ao fazerem isso,
elas produzem um significado que pode ser compreendido pelas outras crianças. Contudo,
quando eles se aproximam com os bonecos em mãos, elas acolhem essa mudança no brincar e
aceitam a sua participação. Os meninos mais velhos também elaboraram uma tática que lhes
permitiu participar da brincadeira que estava em curso. O dinamismo e a complexidade do
brincar demandam uma atenção ao que está sincronicamente acontecendo ao redor e que pode
alterar a brincadeira. O brincar também é um processo que envolve a negociação da participação
na brincadeira, como também apontam outras pesquisas (CORSARO, 2009; EVALDSOON,
2008; GALLACHER, L.-A., 2005; MANSO; FERREIRA; VAZ, 2017)
Há um conjunto de observações realizadas previamente a este evento que também nos
ajuda a elaborar outras hipóteses para compreendermos as ações e as escolhas das bebês. Antes
da Beatriz iniciar a brincadeira, as professoras haviam pedido para que as crianças não ficassem
na areia e tinham pego no colo os bebês que foram até lá. No início do evento, a Beatriz não
pisa na areia e tampouco se senta próxima a ela, o que pode indicar que ela estava atenta aos
pedidos prévios e estava brincando com a areia de uma maneira que não se opusesse à ordem
estabelecida. Ao mesmo tempo, ao brincar com a areia sem pisar nela, ela reconfigura esta
convenção.
Antes dela brincar na areia, os mesmos meninos mais velhos também tinham colocado
caixas de papelão sobre suas cabeças e corrido atrás da Alice e da Beatriz. Ou seja, a relação
construída entre eles continha marcas específicas e que podem ter influenciado a decisão delas
em os deixarem participar do jogo. Corsaro (2009) relata que as crianças sabem por experiência
260

prévia que a participação de outras crianças pode alterar o curso da brincadeira e, por isso,
elaboram regras e convencionam condutas que lhes permitam controlar a entrada dos seus pares.
Além disso, enquanto a Beatriz já estava brincando com a areia, a Alice estava mexendo
nas miniaturas emborrachadas e já havia manuseado o pato de borracha que ela escolhe para
trazer até a areia em um momento posterior. Quando ela vê os meninos com os bonecos, ela
sabe onde estão guardados e quais são alguns dos bonecos. A escolha que ela faz e o caminhar
certeiro em direção à caixa organizadora têm relação com a sua vivência prévia.
Estas observações apontam para a forma como os eventos do brincar também se
sustentam em repertórios construídos por meio da interação com as materialidades e com os
outros ao longo do tempo, ou seja, elementos diacrônicos. É diante destas constatações que se
apresentam a seguir alguns eventos onde se tornam evidentes o compartilhamento de
repertórios, as relações construídas com os objetos e a relação entre pares.

4.4.2 “ALICE, VEM QUI”: ELEMENTOS DIACRÔNICOS

Os eventos do brincar registrados apontam para a complexidade e o dinamismo que os


atravessam. Acima, quando dávamos destaque a alguns elementos sincrônicos, vimos como a
entrada de novos elementos, uma palavra, um novo elemento ou as sensações provocadas pelos
materiais produziam mudanças na coreografia. Há uma pluralidade de eventos ocorrendo
simultaneamente e que provocam mudanças na brincadeira: é preciso continuamente
improvisar novas repostas diante daquilo que ocorre sincronicamente. Os elementos
diacrônicos, por sua vez, dizem respeito às transformações ocorridas ao largo do tempo e do
espaço com as coisas e os sujeitos. Trajetórias intimamente relacionadas às escolhas e respostas
que os bebês dão e que sustentam as improvisações dos bebês.
Os bebês adentram nesses eventos com os repertórios que construíram ao longo do seu
curso de vida e os mobilizam em relação com àquilo que o seu corpo pode lhes oferecer a cada
novo momento. Do mesmo modo, as materialidades se constituem por meio de suas marcas
simbólicas e constituição material e se transformam por meio dos encontros sucessivos e
contínuos com outros elementos da natureza, pela própria vida da matéria e pela ação dos
agentes humanos.
Produzir uma leitura do brincar que o reconheça como um processo dinâmico não
significa desenraizá-lo da vida e das histórias dos sujeitos e das coisas. Compreendê-lo de forma
situada, pelo contrário, nos provoca a reconhecê-lo como uma prática que tem um papel central
na construção da cultura de pares (CORSARO, 2009; 2012) na cultura da infância
261

(SARMENTO, 2005b). Assim, ao identificarmos elementos diacrônicos que se entrelaçam aos


elementos sincrônicos, reconhecemos a característica situada do brincar, como uma prática
temporal e socialmente localizada. A diacronia nos provoca a reconhecer as relações
construídas pelos bebês entre suas experiências anteriores e a memória que trazem das
interações com os objetos, assim como daquilo que sabem que podem realizar com o seu corpo
e do impacto de gestos e de palavras.
A Heloísa, em uma manhã, desejava brincar com a Alice de boneca e em um registro
de vídeo é possível escutá-la repetindo: “Alice, vem qui” como um pedido para que ela
permanecesse próxima a ela e participasse da brincadeira (Figura 65). A brincadeira com as
bonecas e, em específico, com uma boneca favorita pelos bebês, era frequente no cotidiano da
Heloísa e da Alice e era comum vê-las brincando de bonecas juntas. No evento narrado abaixo,
a Heloísa torna explícito o seu desejo de brincar na companhia da Alice e com a sua boneca
favorita. A relação construída entre elas passa pela existência de um repertório compartilhado
e de uma relação afetiva com esta boneca. Elementos diacrônicos que atuam na produção e
construção do espaço. Este é um evento que durou cerca de cinquenta minutos e que se encerrou
porque as professoras começaram a organizar a sala para que fossem todos brincar no solário.

A Heloísa escolhe a boneca negra, uma coberta e a posiciona sobre o tapete. Em


seguida, ela sai em busca da Alice. (Figura 65) A segura pela mão e a traz até o tapete,
inclusive empurrando-a em direção às almofadas. Enquanto a Heloísa arruma a
coberta, a Alice pega a boneca em mãos e a segura em frente de si, observando-a
atentamente. Em seguida, a Heloísa pega a boneca das mãos dela e a enrola no
cobertor. A Alice olha ao redor e se levanta. Contudo, a Heloísa deseja a presença da
Alice e, cada vez que ela sai, a Heloísa se levanta e a busca pela mão. Na terceira vez,
ela inclui o chamado “Alice, vem qui” e repete o convite verbal na quarta vez, assim
como a traz pela mão. A Alice acolhe o chamado da Heloísa, pois também segura a
sua mão enquanto caminham para o mesmo local da sala. Contudo, quando se senta,
ela olha ao redor e novamente se levanta. Na quinta vez, a Heloísa observa a Alice
sair e dá continuidade para a brincadeira sozinha. (Diário de Campo, 22/05/2019)
262

Figura 65 – Parte I: Heloísa, Alice e a boneca favorita (22/05/2019)

Fonte: A Autora (2020)

A permanência da Alice na brincadeira parecia estar vinculada ao desejo de também


brincar com a boneca negra. Na prateleira, é possível ver outras duas bonecas e mais
uma no chão. Contudo, apesar de ela olhar na direção da estante, a Alice se retira do
espaço e não pega outra boneca. Na continuidade deste evento, a Heloísa brinca
sozinha com a boneca, acompanhada sempre de um cobertor. Além desses elementos,
a almofada também é um material que participa em alguns momentos desta
brincadeira. A Alice, enquanto isso, perambula pela sala. A Heloísa também troca de
lugar algumas vezes (Figura 66). Na última vez que ela caminhou atrás da Alice, ela
levou consigo a boneca e o cobertor. Diante da negação da Alice, que soltou sua mão
e correu para outro lado, ela se sentou sobre a almofada comprida localizada no outro
canto da sala. Após cerca de cinco minutos, ela caminhou na direção da porta e
precisou parar perto da mesa e da cadeira para enrolar novamente a boneca no
cobertor, e usou a cadeira e a mesa como apoios. O cobertor escorregava entre suas
mãos e ela desejava manter a boneca enrolada na coberta.

Depois de ficar satisfeita com o resultado, ela passou a niná-la e em seguida caminhou
na direção de uma almofada laranja localizada próxima à porta. Ali, ela permaneceu
por um tempo buscando permanecer sentada na almofada com a boneca ao seu lado.
A cada pouco, a boneca escorregava e caía no chão devido ao movimento da almofada,
o que fazia com que a Heloísa se levantasse e novamente tentasse sentar-se sob a
almofada com a boneca ao lado. Enquanto a Heloísa estava sentada neste canto da
sala, as professoras preparavam uma corda com bexigas penduradas e a Heloísa
segurava a boneca e observava o movimento das professoras e dos seus pares. (Diário
de Campo, 22/05/2019)
263

Figura 66 – Parte II: Heloísa e a boneca preferida (22/05/2019)

Fonte: A Autora (2020)

Em um momento, ela deixa a boneca sobre a almofada e se encaminha em direção às


bexigas (Figura 67). No mesmo minuto, a Alice nota a boneca e a pega para brincar.
O movimento da Alice chama a atenção da Heloísa, que retorna e volta a apanhá-la
para si. Neste momento, a professora Paula chama a Melissa porque deseja verificar
a temperatura e a Alice e a Heloísa a acompanham. A interrupção indireta da
professora altera o contexto e a Heloísa deixa a boneca atrás da professora, sobre a
mesa, enquanto sai com a almofada laranja em mãos para colocá-la novamente sobre
o tapete e pegar uma almofada amarela. Quando está próxima a ela, o Kaylan, a
Valentina e a Lívia estão envolvidos em uma brincadeira com as bexigas. Ela escolhe
mudar o rumo, larga a almofada e o cobertor e adentra nesta outra brincadeira. (Diário
de Campo, 22/05/2019)
264

Figura 67 – Parte III: A Heloísa, a Alice e a boneca (22/05/2019)

Fonte: A Autora (2020)

A Alice não hesita e passa a brincar com a boneca. Brinca um pouco em frente à mesa,
passa a mão sob os seus olhos e nota o movimento de abrir e fechar das pálpebras200.
Em seguida, a segura entre seus braços e ocupa um canto da sala. Este canto
costumava estar ocupado pelos colchões e, neste dia, eles estavam sendo higienizados
e, portanto, este novo espaço havia sido criado. Neste lugar, ela passa a amamentar a
boneca com uma bexiga transformada em mamadeira. Ela segura com cuidado na
bexiga, escolhendo uma de suas pontas para encostar na boca da boneca. (Diário de
Campo, 22/05/2019)201

Figura 68 – Parte IV: A Alice e a boneca preferida

Fonte: A Autora (2020)


_______________
200
Esta boneca é repleta de detalhes, como marcas em relevo nas articulações, pálpebras móveis, cílios e um cabelo
cacheado volumoso.
201
Me mantive à distância enquanto a Alice brincava com a boneca no canto da sala porque compreendi que ela
havia se dirigido para este espaço para poder vivenciar essa brincadeira sozinha.
265

Em um momento, a Heloísa a nota e se aproxima. Ela pega a boneca negra das mãos
da Alice, que olha ao seu redor e decide pegar a boneca branca que estava ao lado.
Elas passam a brincar juntas, neste canto, cada uma com uma boneca (Figura 69). A
brincadeira se encerra quando as professoras chamam os bebês para guardarem os
brinquedos e se dirigirem até o solário. (Diário de Campo, 22/05/2019)

Figura 69 – Parte V: A Heloísa, a Alice e a boneca

Fonte: A Autora (2020)

Ao longo deste evento, vemos como a boneca garante um elemento de continuidade


para pensarmos na duração desta brincadeira e nas contínuas transformações pelas quais ela
passa. Foi possível notar que essa boneca era a preferida dos bebês no decorrer da pesquisa
porque com frequência eles se dirigiam até a prateleira e a escolhiam. Raramente ela estava na
prateleira, pois trocava de mãos e participava de brincadeiras distintas ao longo da jornada. Há
um conjunto de registros nos quais é possível notar a forma como os bebês brincam com os
seus cabelos e pálpebras e, ainda, o quanto o seu tamanho parecia adequado para que os bebês
a envolvessem em seus braços e a ninassem. A Heloísa, em especial, escolhia essa boneca para
participar de suas brincadeiras202 e é notável o quanto elas se parecem.
A boneca foi desejada pela Alice e pela Heloísa ao longo de todo esse evento e elas
conseguem brincar juntas, cada uma com uma boneca, a partir do momento que a Alice aceita
pegar a boneca branca que encontrou ao lado. Esta boneca também era atravessada por marcas
afetivas. Naquele mesmo dia, ela havia tentado prender um laço de cabelo encontrado no chão

_______________
202
Informalmente, as professoras relataram que o irmão dela havia nascido recentemente e que o cabelo dele era
igual ao da boneca.
266

nos cabelos dessa boneca. Além disso, a Heloísa também desejava a presença da Alice, que já
havia lhe acompanhado em outras brincadeiras de boneca nos últimos meses. Ela elabora duas
táticas distintas para convidá-la: puxando-a pela mão e chamando-a pelo nome.
A extensão deste evento e a contínua movimentação das bebês pelo espaço também
apontam para um espaço que acolhe os movimentos e a deambulação e para a necessidade de
organização da jornada de uma maneira que possibilite tempos flexíveis e estendidos. A
presença diária da boneca na sala de referência, assim como a oferta de outros elementos (a
bexiga que se transforma em mamadeira, a almofada e a coberta) garantem a continuidade e a
transformação da brincadeira ao longo do tempo. Ela é marcada de memória e de afetos, pois
os bebês a encontravam diariamente na estante da sala de referência. Neste evento, vemos
como a continuidade da brincadeira se dá diante das marcas da relação construída com esta
boneca específica (elemento material), com a brincadeira de cuidar de nenéns (conteúdo
simbólico) e com a relação entre a Heloísa e a Alice (grupos de pares). A possibilidade de
combinar diversos materiais garante o enriquecimento do brincar. Acolher a simultaneidade do
espaço no pensamento pedagógico significa oferecer diariamente e simultaneamente um
conjunto de materialidades que possam ser combinadas, agrupadas, classificadas.
Uma boneca miniatura em específico também era frequentemente escolhida pelos bebês.
Ela era negra, tinha cabelos compridos e flexíveis, sua cabeça girava e o chapéu rosa localizado
no topo da cabeça parecia encaixar no côncavo das mãos dos bebês. Lívia e Alice, em dias
distintos, a seguram pelo chapéu, fazem a cabeça girar, observam seu rosto e cabelo, passam os
dedos por suas feições e a mantêm na posição vertical, batendo os pés dela no chão ou em outro
brinquedo (Figura 70).

Figura 70 – Lívia, Alice e a boneca negra da caixa de diversos

Fonte: A Autora (2020)


267

Além de considerarmos aquilo que potencialmente pode ocorrer no encontro com as


coisas – incluso acolhendo o acaso e a possibilidade do novo – a dimensão da história dos
objetos em relação com a história dos agentes humanos produz novos possíveis acontecimentos
para o brincar. Laura Malavasi (2015), ao falar sobre a organização dos espaços e a seleção dos
materiais destaca que devem ser verificadas as possibilidades e os vínculos que as crianças
possam experimentar ao colocar-se em relação com esse universo material. A escolha dos bebês
por perambularem, explorarem mobiliários e pertences pessoais e desejarem brincar com essa
boneca negra tem relação com aquilo que esses brinquedos lhes oportunizam.
Quais processos de construção identitário são possibilitados por meio das marcas étnico-
raciais e de gênero que atravessam a produção dos materiais? Qual tipo de vínculo os bebês
podem construir com brinquedos eletrônicos que não funcionam e incluso com os que ainda
estão operantes? Quais as marcas de memória que chocalhos e mordedores podem acionar?
Quais repertórios podem ser convocados por este tipo de brinquedos? Quais marcas afetivas
são construídas dentro deste grupo de bebês com o acervo material que lhes é ofertado?
As marcas afetivas que atravessam as coisas também podem convocar brincadeiras nas
quais um mesmo material é ressignificado de formas distintas. O Davi Luccas escolhia brincar
com as bolas quando elas estavam disponíveis e, da mesma forma como a brincadeira com
frequência consistia em chutes a gol ou lançamentos pelo muro do solário, ele também
ressignificava esse brinquedo em outras situações. Em uma manhã na qual os bebês receberam
os “pompoms” para dançar, ele dança com as bolas em seus braços (Figura 71) e é possível
notar a forma como o Mateus o observa.

Figura 71 – Davi Luccas e as bolas (10/05/2019)

Fonte: A Autora (2020)


268

No evento narrado abaixo, por sua vez, vemos como uma brincadeira com as bolas se
transforma quando a Lolo mobiliza gestos e sons e é acompanhada pela Laura. Há três grandes
momentos nessa brincadeira, nos quais vemos a forma como elas dão respostas aos movimentos
da bola e mobilizam conteúdos simbólicos. Além disso, a brincadeira de dormir será
posteriormente mobilizada pela Lolo no espaço do solário e com outro material, pois a escolha
dos conteúdos simbólicos mobilizados nas brincadeiras depende dos repertórios dos bebês: eles
fazem a reprodução interpretativa (CORSARO, 2012) da cultura dos adultos e escolhem dar
continuidade a brincadeiras específicas. A relação construída entre a Lolo e a Laura é outro
elemento importante, pois elas costumavam brincar juntas com diferentes materiais e em
espaços diversos. Novamente aparece a questão da relação entre os pares como um elemento
diacrônico que atua nos eventos do brincar.

Em um primeiro momento, a Lolo brinca de amassar a bola (Figura 72). A bola se


deforma e acolhe a pressão que ela faz com o peito. O chão também possibilita que
ela busque novas maneiras de se posicionar no espaço. Ela apoia as mãos, fica de
joelhos e se move para frente e para trás. A bola rola de um lado ao outro, massageia
seu peito, acolhe seus gestos e escapa. A bola corre para o outro lado do solário e a
Lolo a persegue. O movimento da bola traz um novo elemento para o brincar, é ela
que provoca que o brincar siga acontecendo em um outro espaço. A Lolo a apreende
e retoma a exploração da pressão. Dessa vez, o faz com suas pernas. O chão é
substituído pela parede. O movimento da Lolo e a flexibilidade da bola fazem com
que ela lentamente escorregue até o chão. Sem deixar a bola escapar, ela a segura com
a cabeça e a pressiona. Move o corpo de um lado ao outro. (Diário de Campo,
24/04/2019)

Figura 72 – Parte I: Lolo e a bola (24/04/2019)

Fonte: A Autora (2020)

Com o corpo na horizontal, barriga para baixo, as mãos ao lado da bola e a bochecha
apoiada na bola, a brincadeira ganha um novo rumo. A Lolo fecha os olhos e começa
a roncar. A pressão segue acontecendo, a bola pressiona o seu corpo e, com seu peso,
a Lolo mantém a bola sob sua cabeça. O gesto convoca uma brincadeira de faz de
conta. Entre os roncos, ela se levanta, segura a bola entre o braço e o peito e grita. As
professoras dão risada e dizem que ela está roncando. Ela ri e volta a se deitar, ronca
e repete o jogo com a voz. (Diário de Campo, 24/04/2019)
269

Figura 73 – Parte II: Lolo, Laura e a bola (24/04/2019)

Fonte: A Autora (2020)

Enquanto isso, as bolas estão sendo lançadas para fora do solário e o Pedro circula em
busca de novas bolas. Ele tenta pegar a bola da Lolo, que resmunga e pressiona a
cabeça com força contra o chão. As professoras dizem para o Pedro parar e lhe
mostram outra bola, a Lolo se senta, apoia uma mão na parede e outra na bola. Segue
o Pedro com o olhar até que ele esteja longe e com outra bola em suas mãos.
Simultaneamente, ela abre e fecha a mão. A textura rugosa e áspera da parede convoca
o movimento dos dedos. A Laura surge com outra bola em mãos, para em frente da
Lolo, deita-se e apoia a cabeça. A Lolo sorri ao vê-la, coloca as duas mãos na bola,
deita-se, apoia a cabeça, fecha os olhos e volta a roncar.
270

A Laura e a Lolo se aproximam e modulam seus movimentos segundo as ações uma


da outra. A Lolo inicia um ronco e a Laura também o faz. A Laura fica de quatro e a
Lolo também muda de posição. A Lolo grita e a Laura também, no mesmo ritmo, o
mesmo tom de voz. A Lolo senta sobre seus joelhos e a Laura a copia. A bola escapa
e a Lolo precisa ir atrás dela, aproximando-se do portão. A fuga da bola marca uma
interrupção no jogo, a Laura se levanta e vai até o portão. A Lolo segue brincando de
dormir, agora, sozinha.

Em um último momento dessa brincadeira, a Lolo havia acompanhado o grupo até o


portão e observado o momento em que a diretora do CMEI jogava as bolas que
estavam no quintal novamente para dentro do solário. Ela escolhe uma bola
semelhante para si e retoma a brincadeira da pressão sobre a bola. Dessa vez, ela ganha
novos contornos e o equilíbrio passa a ser outro elemento mobilizado nessa
coreografia da Lolo e da bola. Apoiada somente sobre a bola e com o apoio das mãos,
ela se move para frente e para trás (Figura 74). (Diário de Campo, 24/04/2019)

Figura 74 – Parte III: Lolo e a bola (24/04/2019)

Fonte: A Autora (2020)

Ao longo desse evento, vemos como a bola participa da brincadeira com a Lolo e a
Laura e a forma como elas operam com significados e sensações ao longo da brincadeira. Os
gestos vinculados ao momento do sono, como a mão na bochecha, o corpo na horizontal e os
olhos fechados podem ser combinados e utilizados em uma situação completamente diversa
dos momentos de descanso. O ambiente não é o do descanso, mas o gesto pode ser convocado
e acionar essa memória, esse repertório compartilhado. Os gestos mobilizados pela Lolo são
novamente acionados em outro dia em uma brincadeira com a pista de carrinhos. Ela se
transforma em cama e a Lolo convoca os mesmos movimentos: ela ronca, coloca as mãos sob
as bochechas e o corpo na horizontal.
271

Figura 75 – Lolo e a pista de carrinhos (10/06/2019)

Fonte: A Autora (2020)

As coisas podem se desprender das narrativas funcionais e se inserirem dentro de


narrativas que envolvem novos significados e um jogo com a forma. A bola convoca uma
brincadeira com o movimento e o equilíbrio ou se transforma em almofada, a pista de carrinhos
se torna cama e as coisas convidam e são convidadas a se posicionarem de formas distintas no
espaço e nas relações construídas entre os pares. Reconhecer o brincar como uma prática da
cultura dos bebês e buscar chaves de leitura que nos ajudem a dar destaque aos seus aspectos
culturais e materiais implica no reconhecimento dos bebês como atores sociais e na construção
de práticas educacionais que estejam simultaneamente abertas ao novo e ancoradas nas
experiências individuais e coletivas dos sujeitos.
Assim, compreender o brincar como uma prática situada significa dar atenção para os
elementos diacrônicos que participam desta coreografia. As escolhas que os bebês fazem sobre
quem pode participar da brincadeira depende não somente dos gestos e palavras mobilizados
durante o brincar, mas das marcas produzidas ao longo do tempo a partir das relações
construídas entre eles. A Laura e Lolo, por exemplo, costumavam brincar muito juntas e ambas
eram as únicas bebês que já frequentavam o CMEI Porto Seguro em 2018. Da mesma forma,
os gestos e palavras que os bebês utilizam dependem dos repertórios construídos no decorrer
de suas trajetórias. A brincadeira de sono mobilizada pela Lolo é um exemplo disso, assim
como a recorrente escolha da bola pelo Davi Luccas nos comunica sobre o vínculo construído
com esse objeto.
Os elementos sincrônicos que ganharam destaque nos eventos anteriores nos ajudam
a defender o caráter provisório do brincar e apontam para a indissociabilidade de aspectos
materiais e simbólicos. Os elementos diacrônicos, por sua vez, nos ajudam a enxergar os
eventos a partir de um olhar para a trama que os constitui sem, contudo, permitir que ela se
272

transforme em uma prisão203. Segundo Harker (2005), o brincar não pode ser confinado a único
ritmo, sendo necessário perceber que ele pode ocorrer através de múltiplas temporalidades e
ritmos.
Ou seja, ao darmos destaque para a forma como as relações entre pares dão
sustentação para um evento – como na brincadeira com a boneca da Heloísa e da Alice –, para
os significados vinculados aos objetos – como em relação à boneca favorita ou as bolas do Davi
Luccas –, ou ainda em relação à mobilização de um mesmo repertório a partir de materialidades
diferentes – como na brincadeira com a bola da Lolo – estamos ressaltando elementos
diacrônicos que se colocam em relação com àquilo que sincronicamente está acontecendo e que
possibilitam diversas situações do brincar. Dar atenção à diacronia não significa criar uma linha
reta, um único caminho, que determina o que irá acontecer nos eventos do brincar. Pelo
contrário, o entrelaçamento das múltiplas trajetórias de cada bebê e das coisas nos provoca a
reconhecer a multiplicidade do espaço e o dinamismo do brincar. Enxergar a trama não
significa, portanto, determinar os acontecimentos, mas perceber que as trajetórias podem se
conectar em pontos diversos e produzir outros nós.
Tim Ingold (2011) também provoca esta reflexão ao falar de malha/ trama ao invés de
rede, ele afirma:

O que eles [os viajantes] formam, como pudemos ver, não é uma rede de conexões
ponto-a-ponto, mas uma emaranhada trama de linhas entrelaçadas e complexamente
atadas. Cada linha é um caminho da vida e cada nó um lugar. Portanto, a malha é algo
como uma rede no seu sentido original de um tecido em construção por meio de
cordões entrelaçados ou atados. (...) A chave para essa distinção é o reconhecimento
de que as linhas da malha não são conectores. Elas são os caminhos por meio dos
quais a vida é vivida. E é por meio da união destas linhas, não da conexão dos pontos,
que a malha se constitui. 204 (INGOLD, 2011, p. 151–152, tradução nossa)

Ou seja, os cruzamentos das trajetórias, throwntogetherness (MASSEY, 2005),


representam as múltiplas possíveis conexões entre as linhas, não o caminho inverso. Assim, a
trama constituída diacronicamente e que possibilita o brincar não se constitui por meio da união
de pontos diferentes determinados por um único caminho, mas a partir da criação de múltiplos

_______________
203
Harker (2005) aponta para esse risco ao tensionar alguns dos conceitos mobilizados por Richard Schecher.
204
No original: “What they form, as we have already seen, is not a network of point-to-point connections, but a
tangled mesh of interwoven and complexly knotted strands. Every strand is a way of life, and every knot a place.
Indeed the mesh is something like a net in its original sense of an open-work fabric of interlaced or knotted
cords. (…) The key to this distinction is the recognition that the lines of the meshwork are not connectors. They
are the paths along which life is lived. And it is in the binding together of lines, not in the connecting of points,
that the mesh is constituted.”
273

nós através do encontro de trajetórias múltiplas. A interação entre essas trajetórias pode,
inclusive, provocar a produção de novas linhas.
Desta forma, o reconhecimento destes aspectos diacrônicos aponta simultaneamente
para a continuidade de explorações e brincadeiras e para as suas transformações. É exatamente
o encontro destas trajetórias múltiplas que possibilita o surgimento de algo novo e/ou a
complexificação do que vinha se desenvolvendo ao largo do tempo. Isto também remete à
reflexão acerca de concentração e ritmo apresentadas na segunda seção de análise. Dar
continuidade a uma brincadeira não significa realizá-la da mesma forma, como uma ação
automática, mas retomá-la e vivenciá-la a partir de uma atenção a tudo o que acontece ao redor,
atitude que é possibilitada por meio de uma abertura estético-afetiva (RAUTIO, 2013).
Esta distinção entre rede e malha indicada por Tim Ingold (2011) também provoca
uma reflexão sobre o papel docente. A acolhida do imprevisto, das improvisações que
produzem os eventos do brincar, do dinamismo das relações, se apresentam, à primeira vista,
como conceitos difíceis de serem traduzidos em práticas educativas. Contudo, uma prática
docente que assume de forma radical a ética do encontro e a acolhida da diferença, e, portanto,
uma Pedagogia da Infância (ROCHA, 2001), precisa assumir o descentramento do lugar do
adulto e da professora a fim de acolher uma ontologia relacional. O fazer docente, nesta
perspectiva, implica na construção de projetos educativos que se construam ao longo do
processo, abertos à mudança e às transformações das trajetórias. Organizar e planejar o
cotidiano das crianças a partir dos eixos de interações e brincadeiras (DCNEI, 2010) significa
viver a vida na escola a partir da relação construída com as crianças, observando e buscando
compreender as suas trajetórias (elementos diacrônicos) e acolhendo a provisoriedade
produzida por esses encontros (elementos sincrônicos).

4.4.3 A MODO DE SÍNTESE: O BRINCAR ENTRE IMPROVISAÇÕES E TRAJETÓRIAS

As brincadeiras dos bebês e a pluralidade de formas como eles interagiram com os


materiais e os inseriram em suas brincadeiras apontam para o dinamismo e a complexidade
desses eventos. Do mesmo modo como as brincadeiras dos bebês são situações abertas ao
imprevisto, na qual eles produzem sentido ao redor de acontecimentos imprevisíveis, como o
cilindro que cai ou a ação dos pares e dos adultos, eles também fazem escolhas com base em
suas experiências prévias.
Ou seja, reside sempre a possibilidade de surgimento do novo, da elaboração de novas
respostas e novas descobertas sobre si e sobre o outro, pois as condições sincronicamente
274

vividas sempre serão diversas e os rastros capturados serão diferentes a cada novo encontro. A
escolha dos materiais e as contínuas decisões e respostas dos bebês também são fruto das suas
trajetórias e têm relação com um contexto mais amplo. Eles podem escolher dar continuidade
a algumas brincadeiras e transformá-las cada vez que a retomam, assim como podem se
encontrar imersos em encontros inusitados e provocar o cruzamento de repertórios, gestos e
palavras que não tinham sido relacionados previamente.
Assim, se faz necessário reconhecer que o acervo material ofertado aos bebês
condiciona suas interações e brincadeiras. Como, por exemplo, as questões previamente
elucidadas quanto à forte presença do plástico, a supremacia da cor rosa em brinquedos
relacionados ao cuidado da casa, as miniaturas provenientes de brindes de grandes redes e as
dificuldades de manutenção da estrutura física. Este reconhecimento nos provoca a construir
novas estratégias que permitam que os inventários materiais sejam complexificados e
qualificados, a fim de favorecer as culturas dos bebês e seus processos de aprendizagem e
desenvolvimento.
As materialidades se apresentam como um dos elementos da construção do espaço,
configurando-se como parte desta rede complexa por meio da qual os sujeitos dão sentido às
suas ações e confrontam-se com o mundo material (corporal) e simbolicamente. As interações
dos bebês com a materialidade, seja por meio do perambular, do uso funcional das coisas ou do
brincar nos remetem ao caráter processual da construção do espaço.
Desta forma, para os adultos, o conjunto material ofertado às crianças passa a ser
compreendido como material didático – recursos que atendem à demanda de consolidação de
uma prática educativa na primeira etapa da Educação Básica, a qual visa promover as interações
e as brincadeiras a partir de princípios éticos, políticos e estéticos (DCNEI, 2010) – para os
bebês, por sua vez, este mesmo acervo material pode sustentar as práticas das culturas infantis
e promover situações de brincadeira na qual eles possam deparar-se com o novo, complexificar
repertórios, dar vazão a seus interesses e continuidade as suas explorações.
275

5 A MODO DE CONCLUSÃO: A(S) MATERIALIDADE(S) E A PEDAGOGIA DA


INFÂNCIA

Que tipo de espaço para viver bem na escola?


Que tipo de escola para viver bem em um espaço?
Vecchi, 2013, p.136

O caminho duplo produzido pelas indagações de Vea Vecchi (CEPPI; ZINI, 2013)
acompanha essas considerações finais, sintetizando a inquietação que moveu a realização desta
pesquisa: o desejo de realizar um estudo que contribuísse para a construção de uma escola de
qualidade na qual os bebês possam viver bem, onde seus direitos são assegurados e promovidos.
No decorrer dessa trajetória, o espaço e a(s) materialidade(s) se apresentaram como duas
categorias fundamentais para a consolidação de uma didática da Pedagogia da Infância e
simultaneamente provocaram novas possibilidades de pesquisa devido às lacunas da produção
acadêmica.
As perguntas acima reconhecem a forma como o espaço condiciona e possibilita as
práticas educativo-pedagógicas (ROCHA, 2001) e que a vivência do espaço depende delas, isto
é, eles estão intimamente relacionadas e se constituem mutuamente. Este pressuposto
acompanhou o processo de desenho e realização desta pesquisa e me provocou a reimaginar o
espaço da creche a partir das noções de fluidez, dinamicidade, simultaneidade e multiplicidade.
Encerrar esta dissertação significa resgatar alguns dos pressupostos iniciais,
rememorar o processo e retomar algumas das considerações que foram feitas no decorrer da
análise, pois o processo da pesquisa tampouco pode ser dissociado de seus resultados. Me
perguntava sobre como os bebês constroem o espaço da creche a partir das materialidades
disponíveis e sobre como ele se apresenta como campo de possibilidades. Ao buscar responder
a esta questão, a trajetória desta investigação conta sobre os caminhos percorridos a fim de
atender ao objetivo de compreender o processo de construção do espaço da creche por meio
das ações dos bebês diante das materialidades que o compõem. Para isso, foi preciso narrar e
analisar as ações dos bebês em interação com as materialidades, categorizar e analisar o acervo
material do CMEI e averiguar a forma como a materialidade condiciona a ação dos bebês.
O percurso metodológico, que envolveu um amplo levantamento bibliográfico, a
observação participante em campo, narrativas visuais construídas por meio dos registros
fotográfico e audiovisual, assim como os registros no diário de campo, entrevistas e a
construção de um inventário dos materiais da creche produziram uma grande quantidade de
276

dados sobre as ações dos bebês e sobre o acervo material da instituição, suas características e
condições de provimento. Com eles, foi possível defender uma concepção de espaço dinâmica,
plural e política, assim como perceber e analisar as diferentes formas como os bebês interagiam
com as materialidades disponíveis.
Os diferentes dados produzidos e o referencial teórico escolhido como base para a
realização desta investigação também exigiram a realização de uma pesquisa eminentemente
interdisciplinar. Conceitos provenientes da geografia, da antropologia, da sociologia e da
educação foram cotejados e postos em diálogo a fim de que fosse possível escrever o texto e
analisar os dados de forma ética e com rigor metodológico.
A perspectiva interdisciplinar adotada implicou em dois avanços distintos quanto à
produção acadêmica sobre o espaço e as materialidades. A primeira é a de fortalecer a discussão
sobre o espaço da creche e as materialidades a partir do diálogo com outras áreas do
conhecimento. Os estudos de Tim Ingold (INGOLD, 2011; 2012b,a) e de Doreen Massey
(MASSEY, 1994; 2000; 2005), em especial, foram fundamentais para a construção da
abordagem sobre as materialidades e o espaço preconizada neste trabalho. Nesse sentido, a
pesquisa realizada aponta para o potencial destes conceitos para o fortalecimento das
investigações comprometidas com a perspectiva da diferença e uma produção crítica.
Abandonar a ideia de objeto como algo alheio a experiência humana e como um produto
cultural materializado – premissa que desconsidera os efeitos da matéria – e do espaço como
uma superfície absoluta e lisa, exigiram o constante confronto das teorias e o tensionamento da
escrita. A eficácia política dos conceitos demanda uma coerência visceral, como afirma
Haesbaert (2017) sobre a produção de Doreen Massey.
A segunda questão é de que esse diálogo interdisciplinar pode contribuir para
fortalecer a imagem do bebê como sujeito de direitos e ator social em outras pesquisas das
ciências sociais e humanas. É um movimento duplo de apresentar a forma como estudos com
os bebês podem contribuir para questões mais amplas compartilhadas pelas ciências sociais e
de como os bebês não podem ser desconsiderados na formulação destes conceitos. Enquanto
atores sociais, suas práticas e culturas estão entrelaçadas com a cultura adulta e material de
forma mais ampla, constituindo-a e constituindo-se a partir dela.
A pesquisa com bebês também produz desafios específicos quanto a forma de traduzir
o gesto em texto escrito e de continuamente buscar compreender as interações com as
materialidades a partir do ponto de vista dos bebês. A decisão de dar destaque à autoria dos
bebês com o uso dos seus primeiros nomes e a divulgação do nome da instituição em que se
realizou a pesquisa também são escolhas políticas, pois dão visibilidade à ação social dos bebês
277

e ao trabalho comprometido realizado nesta instituição pública de educação infantil. As recentes


pesquisas sobre os Estudos da Infância e uma ontologia relacional também contribuíram para
que fosse possível acolher radicalmente o corpo dos bebês, o movimento e o devir (ALANEN,
2019; HOLLOWAY; HOLT; MILLS, 2019; ORRMALM, 2020; SPYROU, 2019)
No ímpeto de compreender a forma como os bebês constroem o espaço da creche a
partir da interação com as materialidades e como o espaço condiciona e possibilita a ação dos
bebês, realizamos uma série de constatações sobre o processo de construção do espaço da
creche:

I. Da simultaneidade do espaço: a creche como campo de possibilidades

Esta pesquisa teve início com um levantamento bibliográfico que apontou para uma
lacuna na produção acadêmica sobre o espaço na educação infantil. Nas pesquisas, o termo
espaço era recorrente, contudo, com frequência, ele era abordado de forma tangencial e a sua
materialidade estava ausente. Por um lado, um conjunto de pesquisas o apresentava como
categoria técnica e universal e os elementos materiais eram citados sem menção a aspectos
subjetivos; por outro, no ímpeto de dar visibilidade às relações sociais, havia uma reflexão sobre
o espaço sem referência aos seus aspectos materiais. Havia um consenso quanto a relevância
do espaço na promoção de uma educação infantil de qualidade, contudo a compreensão
dicotômica que separa matérias e ideias e que sustenta grande parte da produção impede o
reconhecimento dos emaranhados material-semióticos e fortalece uma leitura euclidiana do
espaço. Além disso, nas pesquisas em educação em âmbito nacional não foi localizado nenhum
trabalho que se realizou com base no conceito de materialidade.
A análise do acervo material do CMEI Porto Seguro e um estudo sobre as demandas dos
sujeitos que habitam o espaço da escola em relação com a infraestrutura física, suas
apropriações criativas dos espaços e a seleção das materialidades nos permitiu olhar para a
creche e reconhecer a pluralidade de processos espacializados por meio dos quais ela se
constitui, rompendo com esse olhar dicotômico e realizando uma reflexão sobre aspectos
simbólicos e materiais. O espaço se constitui de modo relacional a partir dos constantes
encontros dos sujeitos com as coisas. Assim, observamos que a experiência do espaço é múltipla
e que é necessário olhar para ele como quem enxerga através de um caleidoscópio. Assim, a
porosidade e multiplicidade do espaço implicam no reconhecimento das múltiplas
278

espacialidades e na possibilidade de olhar para ele a partir de escalas distintas. Ele


simultaneamente possibilita e constringe as ações dos sujeitos.
Nesse sentido, o projeto educativo se realiza em relação com o espaço e o acervo
material: eles se constituem mutuamente. Os adultos que habitam o espaço da escola irão
transformá-lo a partir do projeto educativo elaborado e de suas concepções de criança e
educação. Do mesmo modo, as condições de sua ação estão dadas pela estrutura arquitetônica
da instituição e pela trajetória de constituição do seu acervo material. Além disso, eles agem
em relação com as constrições dadas por processos globais e políticas locais. Os impactos de
uma imagem universal de bebê, por exemplo, são expressos nos brinquedos produzidos em
larga escala e no predomínio de materiais voltados para o desenvolvimento cognitivo. Da
mesma forma, a ausência de estratégias do poder público para garantir condições de
manutenção da infraestrutura e de adequação às premissas contemporâneas para a educação
infantil, implicam no esforço isolado da instituição para garantir condições adequadas.
A permanência da mesma estrutura física e dos objetos ao largo da história de trinta
anos do CMEI Porto Seguro também apontam para o fato de que ainda que esses elementos
materiais permaneçam, eles não são os mesmos. A própria matéria se altera sem que haja ação
humana: a pintura desgasta, o cano estoura, o concreto cede, as árvores crescem, a areia é levada
pelo vento, sementes caem sobre a terra. Do mesmo modo, os conteúdos simbólicos que
envolvem e produzem as materialidades, se transformam conforme novos processos adentram
no espaço da creche e de acordo com as apropriações que os sujeitos fazem deles. É preciso
compreender os materiais a partir das produções simbólicas e vice-versa, não há como separá-
los.
Também foi possível notar como a concepção de bebê em vigor, a forma como
socialmente construímos esta categoria intrageracional, implica em condições de desigualdade
geracional: os bebês têm acesso a um acervo restrito de materiais, circulam por espaços
reduzidos e, consequentemente, encontram-se com as crianças das outras turmas com pouca
frequência. A creche é um lugar para os bebês, onde lhes é apresentada uma perspectiva da
cultura material a partir das representações de infância e educação em circulação. Este lugar
tem o potencial de se transformar em um lugar dos bebês a partir de suas experiências
cotidianas.
Os bebês, por sua vez, vivenciam o espaço e o transformam em lugares por meio do
perambular, do uso funcional das coisas e do brincar. Dimensões que se entrelaçam e que se
apresentam separadamente na escrita a fim de elucidarmos alguns dos aspectos específicos que
concernem cada uma delas.
279

II. Das práticas da cultura dos bebês: dimensão material da experiência educativa

O exercício de narrar e analisar as ações dos bebês em suas interações com as


materialidades exigiu uma escrita distinta da primeira seção da análise. Foi necessário realizar
uma descrição minuciosa dos movimentos dos bebês e daquilo que lhes acontecia. Narrar as
suas vivências com atenção ao corpo e àquilo que lhes afeta significa sustentar as premissas
éticas, pois produzir uma pesquisa comprometida com a ética significa refletir não somente
sobre o desenho metodológico, mas continuamente exercitar o pensamento reflexivo. Nesse
sentido, a forma como as imagens foram apresentadas e combinadas com o texto exigiram
cuidado e atenção com o uso das imagens para que elas se tornassem eventos disparadores da
reflexão e ganhassem vida no processo de escrita e de leitura, ou seja, para que elas não fossem
postas a serviço do texto ou de objetivos estranhos a elas.
A fim de aprofundar a análise sobre diferentes aspectos observados na pesquisa e não
somente evitar a cisão entre materialidade e ideias, mas dar visibilidade aos emaranhados
material-semióticos a partir dos quais os bebês se constituem e interagem com as coisas,
fortaleceu-se a reflexão sobre a cultura dos bebês. Revogamos uma imagem reducionista do
bebê, que o vê como determinado pelo desenvolvimento biológico e condicionado a uma ação
sensório-motora ao interagirem com objetos, e convocamos uma imagem de bebê como ator
social, sujeito que interage com o outro e com o meio a partir da reprodução interpretativa dos
conteúdos simbólicos e do encontro com a materialidade, que convoca dimensões do corpo e
da experiência humana que são não-representáveis: sentidos, afetos, movimentos. A análise das
ações dos bebês implicou no reconhecimento do contínuo devir que caracteriza os sujeitos e as
relações, o que possibilita o novo e o inesperado.
A ética do encontro possibilita o imprevisto, o novo e o maravilhamento. Estas são
dimensões da relação dos bebês com o mundo que se tornam evidentes ao narrarmos e
analisarmos os seus encontros com a matéria. Contudo, isto não nega e não pode impedir uma
análise situada, que reconhece o contexto sócio-político no qual os eventos acontecem e que
busca romper com uma imagem romantizada das crianças, desde bebês. Isto é, a beleza que
reside nos encontros com as coisas e com os outros não pode ser idealizada e tornar opacas as
desigualdades que atravessam as diferentes experiências de infância.
O movimento de perambular dos bebês apontou para a necessidade de consolidação de
outro campo semântico a partir do qual narrarmos as experiências do espaço e do movimento e
280

indicou a forma como os bebês constroem o espaço ao colocarem-se em movimento e abrirem-


se ao encontro com o inusitado. Um movimento de vagar e divagar a partir do qual o espaço se
transforma em lugar e por meio do qual os bebês experimentam a própria experiência do
movimento e do corpo no espaço. Na vida na creche, urge reconhecermos as práticas autotélicas
mobilizadas pelos bebês e dar atenção às coisas inusitadas que também compõem o ambiente
da creche e que não são consideradas na produção de um inventário: luzes, sons, cheiros. A
experiência dos bebês na creche é atravessada por elementos sensoriais e cinéticos.
A forma como os bebês fazem o uso funcional das coisas também trouxe indicativos
para ampliarmos o olhar para as materialidades da creche. Garfos, pratos, copos, colchões e
travesseiros também são elementos presentes no cotidiano dos bebês e com os quais eles
constroem narrativas vinculadas aos seus repertórios e à forma como eles vivenciam práticas
cotidianas em casa e na escola. Ao optarem por fazer o uso convencional dos objetos, os bebês
nos apontam para a forma como podem dar anuência aos acordos tácitos feitos entre professoras
e bebês. Do mesmo modo, os usos funcionais idiossincráticos chamam a atenção para as
criações, necessidades e interesses específicos de cada bebê. Assim, apontam para as
experiências singulares dos sujeitos e fissuram uma compreensão universal que homogeneíza,
universaliza e escalona as competências das crianças.
As coreografias do brincar também apontam para a forma como os bebês jogam com
aspectos materiais e simbólicos ao interagiram com as materialidades. Ao inserirem-se nos
eventos do brincar, as coisas se transformam em brinquedo e convocam gestos e pensamentos
dos bebês. Estas coreografias acontecem com base em elementos sincrônicos, palavras,
movimentos, sensações, a entrada de um novo material ou de outro sujeito, que provocam
mudanças e participam do brincar. Do mesmo modo, cada um destes elementos está associado
as suas histórias de evolução ao longo do tempo e do espaço, os elementos diacrônicos. Ao
encontrarem-se com as coisas e os outros, os bebês capturam os rastros deixados ao largo de
suas trajetórias. Assim, as brincadeiras são atravessadas pela cultura de pares, grupos de pares,
memória dos gestos, vínculos e significados culturais. O brincar é uma prática situada
culturalmente, temporalmente e espacialmente.
Do mesmo modo, narrar as interações dos bebês com a materialidade significou se
aproximar a essa coreografia que também é provocada pela matéria. As respostas dadas por eles
a esses diferentes acontecimentos nos apontam para as diferentes formas como eles exercem a
agência, mobilizando sentidos corporais e produzidos no ato. Ao tocar em uma árvore, a mão
roça as ranhuras de sua casca; os dedos se afundam na areia e os grãos de areia resvalam,
permanecendo abrigados nos recônditos das mãos ou esvaindo-se; uma bolinha de gel desliza
281

e escapa do poder apreensivo do polegar; um buraco na parede convida um único dedo a habitar
seu interior (Figura 76). A matéria também provoca mudanças no brincar.

Figura 76 – As mãos e a matéria

Fonte: A Autora (2020)

A experiência de perambular dos bebês, as improvisações que constituíam o brincar,


assim como o uso funcional das coisas também apontam para a forma como as ideias de
concentração e atenção precisam ser escovadas para que seja possível narrar e buscar
compreender as vivências e práticas dos bebês. Enquanto conceitos produzidos a partir de uma
experiência adulta vinculada a um imaginário que se sustenta em falsos binômios, eles estão
vinculados à estaticidade e uniformidade, contudo as práticas dos bebês e uma leitura que se
sustenta na indissociabilidade de aspectos materiais e semióticos, apontam para a necessidade
de entendermos esses conceitos a partir das ideias de continuidade, ritmo e fluidez.
As brincadeiras tinham continuidade porque havia um tempo estendido para que elas
acontecessem e porque era garantido aos bebês a possibilidade de se moverem pelo espaço e
encontrarem-se com o outro e com as coisas. Do mesmo modo, o divagar dos bebês é uma
prática que lhes exige atenção para o que lhes acontece ao redor e ao próprio movimento. A
conquista de uma habilidade não representa a sua realização de forma automática, mas de forma
rítmica.
O conceito de materialidade também aponta para a potência do reconhecimento da
dimensão material da experiência humana: seja no encontro com as coisas (as materialidades)
ou da atribuição de valor ao corpo. A cada momento do curso de vida os sujeitos terão
possibilidades distintas de se colocar em relação com as coisas segundo aquilo que
materialmente podem vivenciar. Este reconhecimento implica no fortalecimento de uma
compreensão dos bebês – e dos seres humanos – como seres bio-sociais, corpo-mente, natureza-
cultura.
282

III. Materiais didáticos para uma Pedagogia da Infância

O caráter praxiológico da pesquisa em educação aponta para a necessidade de


refletirmos sobre como efetivar o direito dos bebês à uma educação de qualidade a partir das
considerações realizadas no decorrer deste processo de investigação, assim como em
consonância com as prerrogativas legais nacionais e com a produção acadêmica acerca da
educação infantil. O risco de uma escrita propositiva é o de esquecer da artesania do fazer
docente e do caráter situado das práticas educativas. Contudo, o enfrentamento desse desafio
se faz necessário para que possamos, de forma crítica e com base nos conceitos de espaço,
materialidade, infância e educação mobilizados no decorrer da pesquisa, pensar no significado
de qualidade para o provimento material da creche. Ainda que cada instituição faça adequações
segundo às demandas locais, há um conjunto de critérios que podem ser comuns.
Nos compete, portanto, nos perguntarmos sobre quais materiais devem ser
disponibilizados na creche, materialidades que podem ser compreendidas como integrantes da
ação educativa e que, portanto, configuram-se enquanto elementos que auxiliam na construção
destes lugares para as crianças. Assim, na educação infantil, a partir da perspectiva da
Pedagogia da Infância, o material didático deve ser compreendido como o conjunto
heterogêneo de materialidades que garante a realização de um trabalho pedagógico que
promove situações de brincadeiras e interações no decorrer de toda a jornada das crianças,
reconhecendo que a materialidade é uma dimensão da experiência humana e, portanto, da
educação, da aprendizagem e do desenvolvimento das crianças, desde bebês.
Assim, o patrimônio cultural-material ao qual as crianças, desde bebês, de cada
instituição de educação infantil têm acesso não se restringe aos materiais denominados de
pedagógicos por meio de uma tradição associada ao significado do “escolar” em outras etapas
da educação básica – livros de atividades, apostilas, livros de orientação para o professor,
materiais uniformizados –, mas abarca o conjunto de elementos disponíveis nos espaços
internos e externos. Nesse sentido, apresentam-se a seguir algumas sugestões de materialidades
e critérios que devem ser observados no momento de constituição, análise e atualização dos
acervos materiais das instituições, considerando-se a complexidade e diversidade do patrimônio
material.
A constituição inicial dos acervos, frequentemente associada ao denominado “enxoval”
ofertado para cada instituição é ponto de partida para pensarmos em requisitos mínimos que
283

garantam a realização de propostas educativas fundamentadas nos eixos das interações e


brincadeiras determinados pelas DCNEI (2010) e com base nos princípios ético, político e
estético. Não obstante, o acervo material das instituições deve passar por processos constantes
de análise e atualização que devem ser acompanhados pelas autoridades competentes a fim de
que, por meio de políticas educacionais que garantam condições para a manutenção e
desenvolvimento do ensino (MDE), as escolas de educação infantil encontrem apoio do poder
público para realizar as atividades necessárias de renovação dos acervos materiais. Da mesma
forma, deve ser garantida a autonomia das instituições para a escolha das materialidades, a fim
de que eles estejam adequadas ao projeto político pedagógico e demandas específicas de cada
escola.
Abaixo apresenta-se uma série de orientações para a análise e seleção dos materiais
disponibilizados para as crianças de 0 a 3 anos, assim como alguns apontamentos quanto a
seleção de mobiliários e organização dos espaços. Destacamos que ainda que a pesquisa não
tenha se dedicado a uma análise aprofundada sobre a infraestrutura da instituição, as análises e
o levantamento bibliográfico realizados nos permitem elaborar essas orientações propositivas
acerca do espaço e do acervo material.
É importante destacar que estas sugestões não buscam construir um panorama rígido e
universal – ideia inviável diante dos preceitos epistemológicos e ontológicos mobilizados no
decorrer dessa investigação –, mas contribuir para a constituição de parâmetros que considerem
o que deveria ser assegurado em termos de condições de infraestrutura e materialidades para o
trabalho com os bebês. Esta questão se acirra diante do debate sobre o Custo Aluno Qualidade
(Caq) e os recursos de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE). As sugestões
também partem dos seguintes princípios:
a) As categorizações das materialidades são uma estratégia pedagógica para auxiliar no
processo de seleção e organização do espaço da creche.
b) Essas categorizações não determinam o tipo de brincadeira que irá acontecer ou as
interações entre os bebês e as materialidades, visto que as coreografias do brincar
dependem do amplo conjunto de elementos sincrônicos e diacrônicos percebidos e
mobilizados pelas crianças. Nesse sentido, cada material traz sugestões diferentes para
as brincadeiras, mas não as determina. Da mesma forma, eles são elementos
constituintes da aprendizagem das crianças, mas não a determinam, pois se configuram
enquanto um dos elementos do contexto educativo e devem sempre ser interpretados a
partir das relações e dinâmicas temporais em vigor em cada instituição.
284

c) As potencialidades que emergem do encontro entre as crianças, desde bebês, com os


outros e com as coisas nos aponta para a falácia de categorizações dos brinquedos e
materiais segundo critérios etários. Ou seja, a idade das crianças não pode produzir e
reproduzir desigualdades geracionais, reduzindo o acesso dos bebês a outras
experiências de espaço e de encontro com as materialidades. Assim, critérios rígidos e
escalonados de categorização etária não são adequados para o trabalho educacional e,
por isso, as sugestões consideram a organização do trabalho pedagógico com toda a
etapa 0-3 (creche).

O espaço que faz a escola


Espaço
1. O hall de entrada da escola deve estar organizado de uma maneira que considere a
acolhida das famílias e da comunidade externa. Nesse sentido, a presença de cadeiras
ou bancos onde os adultos possam permanecer comunica sobre o valor atribuído à
relação entre escola e família, além de favorecer a relação com a comunidade externa.
Murais com informações sobre a alimentação, jornada e projeto político pedagógico
também devem ser disponibilizados. Nos contextos onde não exista um hall de entrada,
é preciso promover uma reflexão sobre os usos dos ambientes disponíveis a fim de
considerar quais espaços favorecem a construção da relação com a comunidade e
provocam o fortalecimento das relações com as famílias.
2. O espaço externo é imprescindível e ele deve ser composto por áreas e materiais
diversificados a fim de que seja potencializado. Ele garante o acesso a um panorama
tátil, visual, odorífico, sonoro e gustativo diversificado sempre que os elementos
naturais forem valorizados e garantidos. Parques de areia, recantos com terra,
diversidade de plantas, área para brincadeiras com água, jardins sensoriais e hortas
podem compor esse espaço. Do mesmo modo, declives, morros e recantos devem ser
considerados no planejamento da área externa.
3. As instituições devem contar com ao menos um espaço interno (sala multiuso/ ateliê)
que possa ser ocupado pelas diferentes turmas e nas quais contextos de investigação
diversos possam ser ofertados às crianças. Este espaço garante o acesso a uma
diversidade maior de materialidades, promove o encontro entre crianças de diferentes
idades e favorece a circulação das crianças pela instituição.
4. Corredores, espaços externos, refeitórios e espaços de uso comum devem acolher as
demandas e especificidades do trabalho realizado com todas as crianças da creche a fim
285

de possibilitar a circulação de todas elas por todo o espaço da instituição. As diferentes


competências das crianças não são uma justificativa para impedir o seu acesso a esses
espaços. Assim, os espaços devem acolher as demandas dos bebês que engatinham,
assim como demandas específicas das crianças com deficiência.
5. Os espaços de estudo e descanso para a equipe que trabalha na instituição devem ser
mobiliados com cadeiras, sofás e mesas que garantam conforto, bem-estar e condições
de trabalho ergonômicas para a equipe. Além disso, devem ser disponibilizados os
equipamentos tecnológicos necessários (projetores, computadores, impressoras,
fotocopiadora) para que as professoras e demais funcionários realizem encontros
formativos, reuniões, planejamentos e avaliações. O acesso à internet também se
configura como um elemento imprescindível.
6. Não há necessidade de laboratórios de informática, visto que os equipamentos
tecnológicos (retroprojetores, projetores, mesas de luz, canetas microscópicas)
utilizados por crianças de 0-3 anos podem ser inseridos em contextos de investigação,
interação e brincadeira no espaço das salas de referência e espaços de uso comum. Eles
devem estar em relação com outras materialidades disponibilizadas a fim de possibilitar
novos contextos de interação e brincadeiras.
7. Não se evidencia como necessária a construção de quadras poliesportivas, mas é
imprescindível a garantia de um espaço externo rico em possibilidades de exploração
do movimento e que favoreça a relação e interação com os elementos da natureza,
assim como promova outras práticas de investigação a partir de um trabalho intencional
de exploração dos elementos disponibilizados. Este espaço atende às demandas do
trabalho pedagógico com a creche, assim como o potencializa.
8. Deve ser garantida a existência de uma biblioteca com prateleiras na altura dos bebês e
ambientes acolhedores. Este espaço comunica sobre o valor da leitura literária com
bebês e da experiência narrativa. Neste mesmo espaço, podem ser organizados os livros
de estudo e consulta para a equipe pedagógica. Além disso, a defesa deste espaço está
articulada à necessidade de que os livros estejam diariamente à disposição dos bebês
nos diferentes espaços da instituição e, em especial, na sala de referência.
9. Os banheiros devem contar com estrutura adequada para a troca de fraldas e higiene
das crianças, garantindo a elas a possibilidade de participar destes momentos e
assegurando condições de trabalho adequadas para as professoras. Isso inclui espelhos,
escadas para acesso aos trocadores, banheiras, espaços para ducha, pias e vasos na altura
das crianças.
286

10. Os mobiliários das salas de referência devem possibilitar o rearranjo na sala para
acolher às demandas específicas dos grupos de crianças e as reorganizações que ocorrem
no decorrer da jornada. O tamanho da sala também deve favorecer dinâmicas de
organização da jornada que acolham tempos de descanso distintos e os distintos rituais
de sono das crianças.

Materialidades
1. O cenário material da instituição deve ser diversificado a fim de ampliar o panorama
sensorial ao qual as crianças têm acesso e ofertar mais possibilidades para o brincar.
Portanto, é preciso romper com a supremacia do plástico. A premissa da higiene que
sustentou a profusão de materiais plásticos se embasa em uma concepção de bebê
fundamentada na ideia da falta. Do mesmo modo, a ideia de durabilidade desconsidera
as transformações que o plástico sofre no decorrer do tempo: a depender da qualidade
do brinquedo muitos quebram com facilidade e produzem pontas que oferecem risco às
crianças, ele se torna áspero e de difícil limpeza e exala um odor forte quando guardado.
Assim, as crianças, desde bebês, devem ter acesso a matérias distintas que podem
enriquecer às situações de brincadeira e interações, como madeira, borracha, acrílico,
vidro, silicone, palha, fibras têxteis, couros, metais, dentre outros. As características de
sazonalidade e mutabilidade, assim como a unicidade dos elementos naturais e as
transformações que ocorrem no decorrer do tempo podem favorecer outras brincadeiras
e investigações das crianças. Neste sentido, deve ser dada especial atenção aos materiais
orgânicos e aos elementos naturais.
2. A seleção dos materiais deve priorizar produtos locais que comuniquem sobre práticas
e rituais da cultura, assim como que utilizem matérias-primas vinculadas ao território.
Os produtos locais também trazem marcas culturais diferentes das dos brinquedos e
objetos produzidos em larga escala. Deste modo, quais são os elementos naturais
característicos da região e de que forma as crianças podem ter acesso a eles no espaço
da instituição? Quais são os objetos e brinquedos característicos do território?
3. Os brinquedos de jogo simbólico devem permitir que as crianças acessem conteúdos
simbólicos que convoquem repertórios conhecidos e que possibilitem a sua ampliação.
Eles também não podem reproduzir estereótipos de gênero e devem promover a
igualdade étnicorracial. Neste sentido, as crianças têm acesso a bonecas brancas e
negras? Essas bonecas são diferentes entre si e refletem a diversidade de tons de pele,
olho, cabelos...? As miniaturas de animais fazem referência à fauna brasileira? Os
287

brinquedos de casinha são de cores diversificadas? Da mesma forma, quais outros


repertórios podem ser apresentados às crianças com brinquedos para o faz de conta:
bruxas, lobos, sacis, astronautas, piratas, monstros...?
4. Os materiais não-estruturados (naturais e industriais) devem compor o acervo das
instituições e se constituem em materiais polivalentes que podem ser transformados
pelas professoras e pelas crianças. Quando combinados e agrupados, as suas
possibilidades de exploração se expandem, visto que oferecem elementos materiais
ricos e inserem-se nas brincadeiras das crianças sem uma estrutura narrativa pré-
determinada. Deste modo, participam das coreografias do brincar aderindo ao conteúdo
simbólico acionado pelas crianças. Eles promovem uma educação sustentável e
vinculada ao território, na medida em que ampliam o ciclo dos objetos e são fruto dos
processos de produção característicos da região.
5. Os brinquedos produzidos industrialmente para bebês (brinquedos interativos com
pilha ou bateria, chocalhos, mordedores e miniaturas emborrachas) não são um requisito
para um acervo material de qualidade. As brincadeiras e explorações que eles
possibilitam podem ser garantidas com materiais não estruturados, brinquedos de jogo
simbólico e um panorama sensorial rico. As práticas culturais e materiais dos bebês
extrapolam os limites destas materialidades.
6. Os materiais de convite ao movimento devem ser ofertados para a exploração no
espaço externo (bolas, bambolês, cordas, elásticos, triciclos). Da mesma forma, nas
salas de referência, as crianças devem se deparar com um contexto que favoreça a sua
movimentação e que tenha desafios para o movimento, garantindo e promovendo o
perambular das crianças. Cantos de intimidade, plataformas, declives, rampas e túneis
de madeira são algumas das possibilidades.
7. Mobiliários e elementos que restrinjam a movimentação das crianças, desde bebês, não
devem compor o acervo da instituição: andadores, bebês-conforto, apoios para sentar e
cadeiras altas são materiais que não favorecem as práticas da cultura dos bebês e visam
o controle das suas ações e movimentos.
8. Um amplo acervo de livros de literatura ilustrados, com ilustrações e brinquedo, deve
compor o acervo de materiais da instituição. Fantoches, dedoches, palitoches, cenários
de histórias, assim como materiais não-estruturados, podem enriquecer a prática de
contação de histórias. Materiais produzidos para práticas de letramento, como alfabetos
móveis, jogos da memória e dominós com letras, não são adequados para o trabalho
288

com as crianças de 0-3 anos visto que representam uma interpretação enviesada do que
significa o trabalho com a leitura e a linguagem escrita na creche.
9. Jogos de construção diversificados em termos de encaixe e, principalmente, de
matéria-prima podem compor o acervo da instituição. Na seleção destes jogos, portanto,
deve-se considerar, a matéria-prima e a qualidade do encaixe. Além disso, eles podem
ser combinados com miniaturas de animais, materiais não-estruturados, bonecos e
bonecas a fim de potencializar um leque maior de interações. Deve se ter em conta,
também, que um acervo amplo de materiais não-estruturados, em grande quantidade e
com possibilidades de combinação diversa, pode igualmente provocar ricos contextos
de construção a partir de uma curadoria das professoras. Contextos de construção com
materiais não-estruturados bem selecionados podem provocar desafios de equilíbrio,
simetria e composição mais diversificados que os possibilitados pelos jogos de encaixe.
10. Materiais de manipulação (baldes, pás, rastelos, formas) devem ser disponibilizados
no espaço externo e ser de fácil alcance para as crianças. Esses materiais podem compor
contextos de brincadeira com a areia, terra, água e outros materiais não-contáveis
(sementes, grãos, ervas) disponibilizados para a exploração das crianças em contextos
nos espaços internos e externos. A sua seleção também deve considerar a diversidade
da matéria-prima.
11. Os materiais grafo-plásticos e de modelagem devem ser considerados na composição
do acervo material: diversidade de papeis (tamanho, cor, forma, densidade, tipologia),
assim como de riscantes (canetinhas, lápis, carvão), tintas (naturais, guache) e a argila.

A escola que faz o espaço

Um acervo material de qualidade não sustenta por si só a realização de uma prática de


qualidade. Ele a condiciona e a possibilita, contudo compete às professoras,
coordenadoras e gestoras das instituições de educação infantil a organização de um
trabalho pedagógico que garanta flexibilidade da rotina e do planejamento, acolhida dos
ritmos das crianças, diversidade de agrupamentos (pequenos grupos, médios grupos e
grande grupo), relações respeitosas e profissionais entre adultos e crianças e a
organização e curadoria dos materiais. Nesse sentido, no que concerne às
materialidades, orienta-se que:
289

1. As materialidades devem ser disponibilizadas na altura das crianças a fim de favorecer


as práticas infantis. Antes disso, elas devem passar por um processo de curadoria quanto
a quais e quantos itens oferecer. A forma como elas serão apresentadas também deve
ser planejada pelas professoras: sobre a mesa, enfileiradas em uma prateleira, dispostas
sobre um tapete, dentro outras possibilidades.
2. A curadoria das materialidades deve considerar as diferentes possibilidades que elas
favorecem individualmente e de forma combinada. Por exemplo, tampas de tamanhos e
materiais diversos podem ser um convite para descobrir possibilidades de encaixe,
assim como potes, caixas e vasilhas com outros itens que possam ser colocados dentro
deles; bases horizontais (placas de MDF, caixas de papelão, peças de acrílico) e objetos
verticalizados (carreteis e latas) podem, por sua vez, sugerir um contexto de construção.
3. A organização do espaço em micro-ambientes, como já apontado em outras pesquisas,
aponta para a intencionalidade pedagógica da ação docente no processo de seleção das
materialidades que irão compor cada espaço, tendo em vista as provocações que as
professoras desejam realizar e o suporte para a cultura de pares. Esta organização das
salas de referência também garante que as crianças possam fazer escolhas, exercendo
sua autonomia, e possam mover-se em liberdade.
4. A continuidade das brincadeiras das crianças, desde bebês, assim como a ampliação dos
repertórios devem ser dois princípios que balizam o processo de escolha dos materiais.
Assim, os materiais devem permanecer nas salas de referência durante períodos
estendidos e a decisão sobre quando fazer mudanças nos materiais ofertados deve ser
sustentada pela observação das brincadeiras das crianças. Quais materiais podem ser
inseridos para provocar a continuidade das brincadeiras realizadas pelas crianças? Quais
materiais não são escolhidos por elas para compor os eventos do brincar e podem ser
substituídos por outros ou apresentados de outras maneiras?
5. A prática educativa com bebês deve acolher o movimento de perambular e criar
condições que o provoquem. Assim, a sala de referência deve ter área livre para que os
bebês possam se mover; interferências no espaço – plataformas, túneis, recantos – que
complexifiquem, convoquem o movimento e acolham as diferentes competências de
cada bebê (girar, sentar-se, engatinhar, arrastar-se e caminhar); assim como materiais
pré-selecionados pelas professoras com os quais os bebês possam se deparar ao mover-
se.
6. Práticas educativas que priorizam o uso de materiais não-estruturados e diversificados
(como o cesto dos tesouros e o brincar heurístico) possibilitam o acesso dos bebês a um
290

cenário material e simbólico plural. Contudo, a diversidade não pode se restringir a essas
práticas, é necessário adensar a reflexão sobre as múltiplas maneiras de realizá-las e
criar novos contextos segundo a demanda local de cada instituição e a especificidade do
público atendido.

IV. Dos caminhos e rastros que a pesquisa produz

Ao longo do percurso, os dados também sugeriram a investigação de outras dimensões


correlatas, as quais não fragilizam o presente trabalho, mas anunciam outras possibilidades de
pesquisa e questões que podem ser mais bem aprofundadas. A primeira dela diz respeito aos
recortes interseccionais que podem ser realizados. A análise do acervo material, da circulação
dos bebês pelo espaço do CMEI e dos materiais que lhes eram oferecidos tornou visível o
impacto da concepção de bebê nas práticas educativas vivenciadas. Do mesmo modo, a história
de constituição deste acervo aponta para os seus desafios de manutenção e atualização. Nesse
sentido, permanecem questões que podem ser mais bem aprofundadas em outras pesquisas que
busquem compreender os efeitos das condições de desigualdade de gênero, social, geracional e
racial.
Com base neste referencial de materialidade e espaço também é possível realizar
pesquisas comparadas que aprofundem a reflexão sobre dimensões globais e locais, produzindo
um segundo caminho profícuo para futuras investigações. A partir dessa perspectiva, como se
constitui o acervo material de instituições que atendem às populações indígenas, quilombolas,
ribeirinhas, do campo? Do mesmo modo, como se constitui o acervo material de instituições de
educação infantil de outros países e como a imagem universal e global de infância produz o
apagamento da diferença e invisibiliza práticas locais?
Além disso, como terceira possibilidade, os estudos sobre a biografia dos objetos
também apontam para um caminho profícuo para a compreensão da cultura material escolar e
podem produzir diálogos potentes com a educação infantil e a história da infância. Em quarto
lugar, destacamos o potencial de estudos sobre o bem-estar a fim de dar destaque à dimensão
subjetiva do espaço e consolidar uma imagem da creche como um ambiente de vida (em
contraposição a uma leitura estritamente técnica).
Por fim, pesquisas-ação, que buscassem compreender os impactos de diferentes
organizações de uso do tempo e dos espaços nas brincadeiras dos bebês podem ajudar a
fortalecer a imagem do brincar como uma prática situada e que se dá com base em emaranhados
291

material-semióticos e na contínua possibilidade de se tornar algo diferente, abraçando uma


ontologia relacional.

V. Epílogo

Espero que a leitura deste trabalho tenha provocado reflexões sobre a dimensão
material da experiência humana e aproximado cada um de vocês, leitores e leitoras, das
narrativas e práticas culturais dos bebês. O complexo, dinâmico e contínuo processo de
construção do espaço da creche se tornou visível para mim por meio do mergulho no acervo
material e no encontro com os bebês. Para vocês, ele se torna visível também por meio do
encontro com esse texto.
Para mim, esse processo de escrita foi repleto de idas e vindas. Nenhum texto ou leitura
se constrói de forma linear, assim com os projetos educativos e os percursos de aprendizagem
e descoberta do muno. Os contínuos encontros e inesperados atravessamentos também nos
constituem enquanto pesquisadoras, escritoras, leitores e leituras. Nesse sentido, desejo que as
trajetórias de cada um de vocês também tenham sido múltiplas.
Obrigada por chegarem até aqui e tentarem encerrar esse texto comigo. Capturamos
rastros e deixamos outros para serem apanhados por outros sujeitos e coisas.
292

REFERÊNCIAS

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306

APÊNDICES
APÊNDICE I – LIVRO DE DEVOLUTIVA PARA OS BEBÊS

i (as :
ALICIA BERNARDO BEATRIZ MATHEUS

v 8
AVI LUCCAS HELOISA HELOISA NATHIELLY \VALENTINA ANA,JULIA

Nathiely e Alice enroscam-se


nas fitas de papel laminado.

As atravessam e encontram o fundo da caixa.


Sentidos e cores entrelagam-se em sua
experiéncia.

Como sera que elas veem o mundo


por entre as coresdasfitas?

Encheros pratos com terra, o balde e depois


colocar tudo dentro da caixa. Os bebés exploram
© mundo com o corpotodo.Erguera caixa vira-
la parece uma tarefa dificil. Sem a terra, ela
transforma-se em um brinquedo diferente.

O carretel é apoio
para ver acima das
grades, convite
para esticar as
pernas e descobrir
uma novaposi¢do,
descanso para o
corpo e material |
empilhavel que
permite a
descoberta do
equilibrio...
307
308
309

Na festa junina, dois lagos encontrados no chao se


transformam em objeto de investigacdo. Como
prendé-los no cabelo?

Laura tenta equilibra-los em sua cabeca e depois


inicia uma brincadeira na qual mexe nos
cabelos de Nathiely, Davi e Laura. No
jogo de procurar o donodolago,
os lacos entre os bebés
se fortalecem.

A quantas mAosse prepara uma refeigdo?


Melissa, Lolo e Livia desejam 0 ovo,a panela,
0 fogdo e a colher.

Brincar transforma-se em uma tarefa


complexa que demanda tempo e um exercicio
dificil de negociar papeis e dividir os
brinquedos.

Mousese blocos se Os bebés digitam os


transformam em telefones. numeros, seguram o
Quantos mundosos bebés telefone contra a
conseguem criar com os orelha, apoiam-no no
objetos em suas maos? ombro, falam com suas
familias.

A vareta usada nos momentosde dancga


ganha novossignificados no jogo de Heloisa,
Nathielly e Beatriz.

Lentamente,a ponta da vareta toca na mesa,


no buraco entre os dedos e na mao. Como
sincronizar esses movimentos?
310

Comoequilibrar a bola em uma tampa de metal?

Davi Luccas entrega-se a esta investigagao.


Observa com atencao,gira a mao, segura a bola e
depois cria um novo desafio. Caminha pela sala
sem deixar a bola cair.

Davi e Matheus descobrem que as marcas nas


paredes tambémsetransferem
para suas mos.

Observam-se, tocam as maos e


compartilham esta descoberta
sobre o mundo.

Oinesperado do cotidiano podeser visto na


interagdo das criangas com o minusculo eo
imenso. No caminhopara a areia, Luiza encontra
uma fenda no chao. Comotocar o chao,sentir a
areia e capturar uma pedrinha?

Allicia aproxima-se do chao para


procurar pelas marcas de canetinha.

Mas, 0 inesperado novamente


acontece, ela depara-se com a sua
sombra e observa atentamente o
movimento de sua mao.
311
312

APÊNDICE II – TERMO DE CONSENTIMENTO E AUTORIZAÇÃO DE USO DE


IMAGEM

Universidade Federal do Paraná


Programa de Pós-Graduação em Educação

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO


PAIS E/OU RESPONSÁVEL LEGAL

Meu nome é Ana Julia Lucht Rodrigues, sou estudante de mestrado pela
Universidade Federal do Paraná e estou fazendo a minha pesquisa de mestrado na turma do
berçário da escola do seu/sua filho(a). Deste modo, ele/ela está sendo convidado/a participar
da pesquisa de mestrado intitulada “Os Bebês e a Materialidade: um estudo sobre suas ações e
a construção do espaço da creche”, realizada sob orientação da Profa Dra Ângela Maria
Scalabrin Coutinho.
A pesquisa tem por objetivo identificar as ações das crianças em sua relação com a
materialidade (mobiliário, brinquedos e materiais), comprometendo-se com a garantia de uma
educação pública de qualidade e se posicionando em defesa dos direitos das crianças. No
decorrer desta pesquisa são investigadas questões como: quais significados os bebês atribuem
aos espaços? Quais brinquedos escolhem ou criam e como brincam com eles? A quais materiais
os bebês têm acesso em seu cotidiano e quais são suas características?
Para que possamos atingir os objetivos desta pesquisa, eu estarei presente no CMEI
durante o primeiro semestre deste ano, observando as estratégias mobilizadas pelas crianças em
suas relações com a materialidade. As imagens são fundamentais para o sucesso desta
investigação, pois precisamos captar os movimentos das crianças e a sua sutileza na
comunicação umas com as outras, como trocas de olhares, risadas e gestos.
Assim, preciso de autorização para que para que seu/sua filho/a participe deste estudo e
eu colete, analise e publique os dados observados por meio de registros escritos, fotográficos e
de filmagens, para a comunidade científica, bem como para a sociedade civil. Destaco que:
a) A participação da criança neste estudo é voluntária, portanto, é possível desistir a qualquer
momento e solicitar que lhe seja devolvido este Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
assinado.
b) A pesquisa não oferece riscos à criança e respeita a sua individualidade, primando pela ética.
Neste sentido, desejamos divulgar o primeiro nome da criança. Caso desejem que ele seja
mantido em sigilo, asseguraremos a privacidade e não divulgaremos o nome da criança.
c) As imagens serão utilizadas para constituição da dissertação e/ou para formação de acervo do
grupo de pesquisa do qual a pesquisadora faz parte, o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Infância
e Educação Infantil (NEPIE)https://www.facebook.com/NEPIE.UFPR/ da Universidade
313

Federal do Paraná. Ao liberar o uso de imagem da criança, você cede a título gratuito os direitos
autorais, o que permite a utilização de fotos ou vídeos que se façam necessários para fins
científicos e de estudos (livros, artigos, slides, relatórios, cursos).
d) As despesas necessárias para a realização da pesquisa, transporte e equipamentos digitais não
são de sua responsabilidade e você não receberá qualquer valor em dinheiro pela participação
da criança.
e) As pesquisadoras, Ana Julia Lucht Rodrigues e Ângela Maria Scalabrin Coutinho, responsáveis
por este estudo, poderão ser contatadas pelo telefone (41) 996734607 ou pelo email
[email protected], para esclarecer eventuais dúvidas que você possa ter e fornecer-lhe as
informações que queira, antes, durante ou depois de encerrado o estudo.

Eu,__________________________________________________, li esse Termo de


Consentimento e compreendi a natureza e objetivo do estudo para o qual AUTORIZO a
participação de _____________________________________________________. A
explicação que recebi menciona os objetivos, procedimentos metodológicos e benefícios da
pesquisa para a sociedade. Eu entendi que sou livre para interromper a participação a qualquer
momento sem justificar minha decisão e sem qualquer prejuízo para mim e para a criança.
Diante do exposto acima:
( ) AUTORIZO ( )NÃO AUTORIZO o uso de imagem.
( ) AUTORIZO ( )NÃO AUTORIZO a divulgação do primeiro nome da criança.
Por esta ser a expressão da minha vontade declaro que autorizo o uso acima descrito e assino
o presente termo de consentimento.

Curitiba, ____ de ______________ de 2019.

___________________________________________
ASSINATURA

Nome do(a) responsável legal:


RG:
CPF:
Telefone para contato (email caso faça uso):
314

APÊNDICE III – DADOS DO FACEBOOK DAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS DE


EDUCAÇÃO INFANTIL DO MUNICÍPIO DE CURITIBA

No quadro abaixo apresenta-se parte do processo de análise das imagens publicadas pelas
instituições em suas páginas do facebook. As instituições indicadas em verde foram as 51 selecionadas
para análise mais detalhada de suas imagens devido a presença dos bebês ou referência indireta a eles e
as em laranja são as dez instituições que passaram para a etapa da visita. A pergunta das colunas
correspondem aos códigos a seguir: “Tem fotos publicadas na página”(A); “As fotos foram publicadas
pela própria instituição?” (B); e “Os bebês ou suas salas de referência aparecem nas fotos? Qual o ano?”
(C). No quadro abaixo, omite-se uma coluna com observações adicionais sobre páginas ou blogs sobre
o trabalho da instituição, mas que não eram gerenciados por ela, ou sobre fotos postadas por outras
pessoas e localizadas a partir do nome da instituição

CMEIS A B C CMEIS A B C
CMEI 1 SIM SIM SIM (2016) CMEI 103 SIM SIM SIM (2018)
CMEI 2 SIM SIM NÃO CMEI 104 NÃO - -
CMEI 3 NÃO - - CMEI 105 NÃO - -
CMEI 4 SIM SIM NÃO CMEI 106 SIM SIM SIM (2014)
CMEI 5 SIM SIM SIM (2014) CMEI 107 NÃO - -
CMEI 6 SIM NÃO NÃO CMEI 108 NÃO - -
CMEI 7 SIM NÃO NÃO CMEI 109 NÃO - SIM (2016)
CMEI 8 SIM NÃO NÃO CMEI 110 NÃO - -
CMEI 9 SIM SIM SIM (2016) CMEI 111 NÃO - -
CMEI 10 SIM SIM NÃO CMEI 112 SIM SIM NÃO
CMEI 11 SIM SIM NÃO CMEI 113 NÃO - -
CMEI 12 NÃO - - CMEI 114 SIM SIM SIM (2015)
CMEI 13 NÃO - - CMEI 115 NÃO - -
CMEI 14 NÃO - - CMEI 116 NÃO - -
CMEI 15 NÃO - - CMEI 117 SIM SIM SIM (2014)
CMEI 16 NÃO - - CMEI 118 NÃO - -
CMEI 17 NÃO - - CMEI 119 NÃO - -
CMEI 18 SIM SIM SIM (2015) CMEI 120 SIM SIM NÃO
CMEI 19 NÃO - - CMEI 121 NÃO - -
CMEI 20 SIM NÃO NÃO CMEI 122 NÃO - -
CMEI 21 NÃO - - CMEI 123 NÃO - -
CMEI 22 SIM NÃO NÃO CMEI 124 NÃO - -
CMEI 23 SIM NÃO NÃO CMEI 125 NÃO - -
CMEI 24 NÃO - - CMEI 126 SIM SIM SIM (2017)
CMEI 25 SIM SIM SIM (2018) CMEI 127 SIM SIM SIM (2018)
CMEI 26 SIM NÃO NÃO CMEI 128 NÃO - -
315

CMEI 27 SIM SIM NÃO CMEI 129 NÃO - -


CMEI 28 SIM SIM SIM (2017) CMEI 130 SIM NÃO NÃO
CMEI 29 SIM SIM SIM (2016) CMEI 131 NÃO - -
CMEI 30 SIM NÃO NÃO CMEI 132 NÃO - -
CMEI 31 NÃO - - CMEI 133 NÃO - -
CMEI 32 NÃO - - CMEI 134 NÃO - -
CMEI 33 NÃO - - CMEI 135 NÃO - SIM (2018)
CMEI 34 SIM SIM NÃO CMEI 136 NÃO - -
CMEI 35 SIM SIM SIM (2018) CMEI 137 NÃO - -
CMEI 36 SIM SIM SIM (2015) CMEI 138 NÃO - -
CMEI 37 NÃO - - CMEI 139 NÃO - -
CMEI 38 NÃO - - CMEI 140 NÃO - -
CMEI 39 NÃO - - CMEI 141 SIM SIM NÃO
CMEI 40 SIM NÃO NÃO CMEI 142 NÃO - -
CMEI 41 SIM NÃO NÃO CMEI 143 NÃO - -
CMEI 42 NÃO - - CMEI 144 SIM SIM SIM (2016)
CMEI 43 NÃO - - CMEI 145 SIM SIM NÃO
CMEI 44 SIM NÃO SIM (2017) CMEI 146 SIM SIM NÃO
CMEI 45 SIM SIM NÃO CMEI 147 NÃO - SIM (2016)
CMEI 46 SIM NÃO NÃO CMEI 148 NÃO - -
CMEI 47 SIM NÃO NÃO CMEI 149 NÃO - -
CMEI 48 NÃO - - CMEI 150 NÃO - -
CMEI 49 SIM NÃO NÃO CMEI 151 SIM SIM NÃO
CMEI 50 SIM NÃO NÃO CMEI 152 NÃO - -
CMEI 51 SIM NÃO NÃO CMEI 153 NÃO - -
CMEI 52 SIM NÃO NÃO CMEI 154 SIM SIM NÃO
CMEI 53 NÃO - - CMEI 155 NÃO - -
CMEI 54 NÃO - - CMEI 156 NÃO - -
CMEI 55 SIM NÃO SIM (2017) CMEI 157 SIM SIM NÃO
CMEI 56 SIM NÃO NÃO CMEI 158 NÃO - -
CMEI 57 SIM SIM NÃO CMEI 159 NÃO - -
CMEI 58 NÃO - - CMEI 160 NÃO - -
CMEI 59 NÃO - - CMEI 161 SIM SIM SIM (2018)
CMEI 60 SIM NÃO SIM (2016) CMEI 162 NÃO - -
CMEI 61 SIM SIM NÃO CMEI 163 NÃO - -
CMEI 62 SIM NÃO SIM (2018) CMEI 164 NÃO - -
CMEI 63 NÃO - - CMEI 165 SIM SIM SIM (2015)
CMEI 64 SIM SIM NÃO CMEI 166 SIM NÃO NÃO
CMEI 65 NÃO - - CMEI 167 NÃO - -
CMEI 66 NÃO - - CMEI 168 NÃO - -
CMEI 67 NÃO - - CMEI 169 NÃO - -
CMEI 68 SIM NÃO NÃO CMEI 170 SIM SIM SIM (2018)
316

CMEI 69 NÃO - - CMEI 171 NÃO - SIM (2015)


CMEI 70 SIM NÃO SIM (2017) CMEI 172 NÃO - -
CMEI 71 SIM NÃO SIM (2017) CMEI 173 NÃO - SIM (2017)
CMEI 72 SIM SIM NÃO CMEI 174 NÃO - -
CMEI 73 SIM SIM SIM (2018) CMEI 175 NÃO - -
CMEI 74 SIM SIM SIM (2015) CMEI 176 NÃO - -
CMEI 75 SIM SIM SIM (2017) CMEI 177 NÃO - -
CMEI 76 SIM SIM SIM (2018) CMEI 178 NÃO - -
CMEI 77 NÃO - - CMEI 179 NÃO - -
CMEI 78 SIM SIM NÃO CMEI 180 NÃO - -
CMEI 79 SIM SIM SIM (2013) CMEI 181 NÃO - -
CMEI 80 SIM NÃO NÃO CMEI 182 NÃO - -
CMEI 81 SIM NÃO NÃO CMEI 183 NÃO - -
CMEI 82 SIM NÃO NÃO CMEI 184 NÃO - -
CMEI 83 NÃO - SIM (2015) CMEI 185 SIM SIM NÃO
CMEI 84 NÃO - - CMEI 186 SIM SIM NÃO
CMEI 85 NÃO - - CMEI 187 SIM SIM NÃO
CMEI 86 NÃO - - CMEI 188 SIM SIM NÃO
CMEI 87 SIM SIM SIM (2018) CMEI 189 NÃO - -
CMEI 88 SIM SIM SIM (2016) CMEI 190 NÃO - -
CMEI 89 NÃO - - CMEI 191 NÃO - -
CMEI 90 NÃO - - CMEI 192 NÃO - -
CMEI 91 SIM SIM NÃO CMEI 193 SIM SIM SIM (2018)
CMEI 92 NÃO - - CMEI 194 SIM SIM NÃO
CMEI 93 NÃO - - CMEI 195 NÃO - -
CMEI 94 SIM SIM SIM (2018) CMEI 196 NÃO - -
CMEI 95 SIM SIM NÃO CMEI 197 NÃO - -
CMEI 96 SIM SIM SIM (2018) CMEI 198 SIM SIM NÃO
CMEI 97 NÃO - SIM (2018) CMEI 199 NÃO - -
CMEI 98 NÃO - - CMEI 200 NÃO - -
CMEI 99 NÃO - - CMEI 201 NÃO - -
CMEI 100 SIM SIM SIM (2016) CMEI 202 NÃO - -
CMEI 101 NÃO - - CMEI 203 NÃO - -
CMEI 102 SIM SIM NÃO
317

APÊNDICE IV – REGISTROS DE IMAGEM E VÍDEO DA VISITA DO DIA 12/04/2019

REGISTROS DE FOTOS E VÍDEOS REGISTROS UNIFICADOS - EVENTOS


04/12_1_Tapete emborrachado_Instrumentos Música.JPG Tapete emborrachado_Instrumentos Música
04/12_2_Flauta_Davi_Bernardo.JPG
04/12_4_Flauta_Davi_Bernardo.JPG
Flauta_Davi_Bernardo
04/12_5_Flauta_Davi_Bernardo.MOV
04/12_6_Flauta_Davi_Bernardo.JPG
04/12_7_Davi_Caninhos Papel.JPG
04/12_8_Davi_Caninhos Papel.JPG
04/12_9_Davi_Caninhos Papel.JPG
04/12_29_Caninho de papel_Davi.JPG
04/12_30_Caninho de papel_Davi.JPG Caninhos Papel_Davi
04/12_31_Caninho de papel_Davi.JPG
04/12_32_Caninho de papel_Davi.JPG
04/12_40_Caninho papel_Davi.JPG
04/12_42_Caninho papel_Davi.JPG
04/12_10_Flauta_Bernardo.JPG
Flauta_Bernardo
04/12_11_Flauta_Bernardo.JPG
04/12_12_Caninhos papel_Davi_Bernardo.MOV
04/12_13_Caninhos papel_Davi_Bernardo.JPG
04/12_14_Caninhos papel_Davi_Bernardo.JPG
04/12_15_Caninhos papel_Davi_Bernardo.JPG
04/12_16_Caninhos papel_Davi_Bernardo.JPG
Caninhos papel_Davi_Bernardo
04/12_17_Caninhos papel_Davi_Bernardo.JPG
04/12_18_Caninhos papel_Davi_Bernardo.JPG
04/12_19_Caninhos papel_Davi_Bernardo.JPG
04/12_20_Caninhos papel_Davi_Bernardo.JPG
04/12_21_Caninhos papel_Davi_Bernardo.JPG
04/12_22_Balde_Cadeira_Davi.JPG
Balde_Cadeira_Davi.
04/12_23_Balde_Cadeira_Davi.JPG
04/12_24_Luiza.JPG Luiza
04/12_25_Livro abóbora_Bernardo.JPG Livro abóbora_Bernardo
04/12_26_Davi.JPG Davi
04/12_27_Livro peixe_Caninho de papel_Bernardo.JPG
Livro peixe_Caninho de papel_Bernardo
04/12_28_Livro peixe_Caninho de papel_Bernardo.JPG
04/12_33_Mobilia_Esconder_Luiza.JPG
04/12_34_Mobilia_Esconder_Luiza.JPG Mobilia_Esconder_Luiza
04/12_35_Mobilia_Esconder_Luiza.MOV
04/12_36_Guitarra_Professora.JPG Guitarra_Professora
04/12_37_Cadeira_Nathiely_Davi.JPG
04/12_38_Cadeira_Nathiely_Davi.JPG Cadeira_Nathiely_Davi
04/12_39_Cadeira_Nathiely_Davi.MOV
04/12_41_Caninho papel_Luiza.JPG Caninho papel_Luiza
04/12_43_Caninho papel_Davi_Luiza.MOV Caninho papel_Davi_Luiza
318

04/12_44_Caninho papel_Bernardo.JPG
04/12_45_Caninho papel_Bernardo.JPG
Caninho papel_Bernardo.
04/12_46_Caninho papel_Bernardo.JPG
04/12_47_Caninho papel_Bernardo.JPG
04/12_48_Professora_Rotina_Guardar.JPG
04/12_49_Professora_Rotina_Guardar.JPG Rotina_Guardar_ Professora
04/12_50_Professora_Rotina_Guardar.JPG
04/12_51_Balde_Caninho.JPG Balde_Caninho
04/12_52_PortãoS_Bernardo.JPG PortãoS_Bernardo
04/12_54_Eloisa Tocume.JPG Eloisa Tocume
04/12_55_Dança_Filetes de TNT_Tapete emborrachado.JPG
04/12_56_Dança_Filetes de TNT_Tapete emborrachado.JPG Dança_Filetes de TNT_Tapete emborrachado.
04/12_57_Dança_Filetes de TNT_Tapete emborrachado.JPG
04/12_58_Eloisa T.JPG
Eloisa T
04/12_59_Eloisa T.JPG
04/12_60_Luiza_Caninho papel.JPG
04/12_61_Luiza_Caninho papel.JPG
04/12_62_Luiza_Caninho papel.JPG Caninho papel_Luiza
04/12_63_Luiza_Caninho papel.JPG
04/12_64_Luiza_Caninho papel.JPG
04/12_65_Boneca cabelo_Luiza.JPG
04/12_66_Boneca cabelo_Luiza.JPG Boneca cabelo_Luiza
04/12_67_Boneca cabelo_Luiza.MOV
04/12_68_Grade_Luiza.JPG
04/12_69_Grade_Luiza.JPG Grade_Luiza
04/12_70_Grade_Luiza.JPG
04/12_73_Rotina_Almoço.JPG
04/12_74_Rotina_Almoço.JPG Rotina_Almoço
04/12_75_Rotina_Almoço.JPG
04/12_76_Mobilia_bonecas tecido.JPG Mobilia_bonecas tecido
04/12_77_Elastico CD_Luiza.JPG Elastico CD_Luiza
04/12_79_Pedido foto_Kaylan.JPG
04/12_80_Pedido foto_Kaylan.JPG Pedido foto_Kaylan
04/12_81_Pedido foto_Kaylan.JPG
04/12_83_Colchões_Pelúcia.JPG Colchões_Pelúcia
04/12_84_Lolo.JPG Lolo
04/12_85_Solário.JPG Solário
Fonte: A autora (2020)
319

APÊNDICE V –REGISTRO DAS INTERAÇÕES COM AS MATERIALIDADES

Bernardo
Sujeitos
Materialidades Ações Eventos
envolvidos
Professora 05/10_409_Almoço_Professora e Bernardo
Subir para pedir almoço
Patricia
Apoiar-se para aguardar o Nathiely e 05/17_292_Espera almoço_Mesa_Kaylan_Bernardo e
almoço Kaylan Nathiely
Kaylan 05/24_451_Almoço_Kaylan_Allan_Bernardo
Apoiar-se para comer
Mesa 06/05_698_Sala_Alnoço_Bernardo_Kaylan
- 04/12_10_Flauta_Bernardo
Heloísa 05/03_23_Mesa_Bernardo e Heloísa
Apoiar-se para ficar de pé
05/15_84_Mesa_Cadeiras_Observação tapete_
Bernardo e Heloísa
Apoiar-se para observar - 06/19_352_Sala_Jogo cozinha_Mesa_Bernardo
Heloísa 05/15_84_Mesa_Cadeiras_Observação tapete
Apoiar-se para ficar de pé
_Bernardo e Heloísa
Subir para ver imagem colada - 05/31_234_Imagens
Cadeira no escaninho juninas_Bernardo_Cadeira_Pesquisadora
Valentina, 06/26_29_Cadeira_ Bernardo_Valentina
Explorar a estrutura metálica
Allan,
com ela virada
Pedro
Apoiar-se para olhar e pedir o Professora 05/24_172_Potes_Fome_Bernardo
almoço Patricia
Apoiar-se para apontar para Professora 06/05_139_Sala_Balão_Bernardo
Escaninho
objeto recém-colocado em Milena
cima
Apoiar-se para tocar no rádio - 06/05_246_Sala_Rádio_Bernardo
Equilibrar o objeto sobre a - 04/12_10_Flauta_Bernardo
Flauta
mesa
Mover sobre a mesa, Davi 04/12_17_Caninhos papel_Davi e Bernardo
Caninho de explorando o espaço e
Papel deparando-se com um livro.
Ao encontrá-lo, ele o cutuca
Livro Manipular, ler as imagens - 04/12_25_Livro abóbora_Bernardo
- 04/12_52_PortãoS_Bernardo
Portão de
Apoiar-se para ficar de pé 05/08_440_PortãoQ_Bernardo
Segurança
Laura 05/10_398_Caminhar_Laura e Bernardo
320

Umbral da - 05/08_426_Parede_Apoio_Bernardo
Apoiar-se para ficar de pé
Porta
- 05/08_479_Espelho_Bernardo
Observar-se
05/15_58_Fantasias_Chapéu_Bernardo
Espelho
Observar-se com chupeta de - 05/10_234_Chupeta_Bernardo
outra criança
Brinquedo - 05/08_458__Brinquedos Variados_Some e
interativo para Empurrar bonecos Aparece_BernardoJPG
bebês
Pista Carrinhos Local para sentar e deitar - 05/10_279_Pista Carrinhos_Bernardo
Móbile de - 05/15_69_Móbile lamina celofane_Bernardo
Puxar para baixo
Celofane
Girar no chão - 05/17_281_ Esponja girar_ Bernardo
Esponja Allicia 05/31_188_Cesto dos Tesouros_Esponja _
Pressionar
Bernardo e Allicia.JPG
Professora 05/24_244_Túnel_Bernardo_Professoras
Minhocão/
Entrar, atravessar Patricia e
Túnel
Diana
Professora 05/24_282_Lençol_Puxar_Prof_Kaylan,
Milena, Valentina, Bernardo, Heloísa, Laura e Pedro
Kaylan,
Sentar junto com outras Valentina,
Lençol
crianças para ser puxado Heloísa,
Laura e
Pedro

Peteca Explorar o brinquedo - 05/24_329_Peteca_Laura, Kaylan, Pedro e Bernardo


- 05/31_117_Cesto dos Tesouros_Tampa
Tampa Girar no chão
jarra_Girar_Bernardo
- 05/31_186_Cesto dos
Girar no chão
Tesouros_Mouse_Graveto_Girar_Bernardo
Mouse
Secretário 05/31_352_Massinha de modelar_Sala
Arrastar
direção_Valentina, Allan, Lolo, Bernardo
- 05/31_186_Cesto dos
Graveto Mover-se com eles na mão
Tesouros_Mouse_Graveto_Girar_Bernardo
Mover-se pela sala com ela na - 05/31_234_Imagens juninas_Bernardo_Cadeira
Colher de pau
mão _Colher de Pau_Pesquisadora
Sombra da Mateus 05/31_270_Sombra_Projeção_Bernardo e Mateus
Tocar, pegar na sombra
projeção
Porta Sair para o espaço externo - 05/31_301_Refeitório_Porta_Bernardo
321

Professora 06/05_386_Sala_Lata_Bola_Prof
Bola Arremessar em lata
Diana Dayane_Bernardo_Kaylan_Lívia_Alice_Allan
Lata Bater em cima Allan 06/05_437_Sala_Lata_Bernardo_Allan
- 05/31_234_Imagens
juninas_Bernardo_Cadeira_Pesquisadora
Imagem parede Observar
06/05_886_Sala_Leitura imagem_Bernardo
06/26_8_Chamada_Bernardo
Bernardo 06/19_71_Sala_Chamada_Bernardo
Foto chamada Mover-se com ela na mão
06/26_8_Chamada_Bernardo
Carrinho de - 06/19_413_Sala_Carrinho boneca _Bernardo
Empurrar
bonecas
Carrinho Empurrar - 06/19_515_Solário_Carrinho_Bernardo
Blocos de Professora 06/19_424_Sala_Blocos madeira_Laura_
Empilhar
madeira Patricia Bernardo_Prof
Colocar miniaturas de comidas - 06/19_434_Sala_Jogo cozinha_Bernardo
Jogo Cozinha
dentro da panela
Ana Julia 05/08_39_Aproximação_Pedido Bernardo
05/08_39_Aproximação_Pedido Bernardo
Câmera
Pedir foto 06/05_42_Sala_Pedido foto_Bernardo
Fotográfica
06/19_1_Pedidofoto_Bernardo_Allan_Heloísa_Melissa
06/26_1_Pedido foto_Bernardo

Fonte: A autora (2020)


322

ANEXOS
ANEXO I – MAPA DETALHADO DA CIDADE INDUSTRIAL

BAIRRO
CIDADE INDUSTRIAL
DE CURITIBA

SIMBOLOS E CONVENCGOES

ARRUAMENTO tL
ARRUAMENTO NAO IMPLANTADG: aL —

PRAQAS, JARDINETES E LARGOS


L_]
PARQUES E BOSQUES Dy

DIMISA DE BAIRRO —x
(Decrato Municfpal r? 74/1076 en" 516/1082)
DMISA DE MUNICIPIO —
{LolEstadual n* 7901951 a n° 16371/2008)

EDIFICAGAO REPRESENTATIVA 4
CEMITERIO [+4]
CANTEIROS E MEIO-FIO

CALGADAO
FERROVIA +
CURSO D'AGUA =

LAGOSE LAGOAS OD
CAVAOU VARZEA, GD

VIADUTOS E PONTES ==

TRINCHEIRA ale
LINHA DE TRANSMISSAO DE ENERGIA bt

SUBSTACAO DE ENERGIA ELETRICA A

IGREJA t+

ESCOLA: MUNICIPAL, ESTADUAL, PARTICULAR EM EE EP


HOSPITAL. UNIDADE DE SAUDE HUS

ARRUAMENTO DOS MUNICIPIOS VIZINHOS [|


(COMEC, 2005)

ESCALA N
0 250 500 750 1000
Metros A

AREA: POPULAGAO (IBGE, 2010):

CIG - 44,31 km? CIC - 172.822 hab.


CURITIBA- 434,81 lan? CURITIBA- 1.751.907 hab.

LOCALIZAGAO

cmADE
INDUSTRIAL,
DECURMEA

wo
, ‘ db

IPPUC

PREFEITURA MUNICIPAL
DE CURITIBA
INSTITUTO DE PESQUISA E PLANEJAMENTO
URBANO DE CURITIBA
DIRETORIA DE INFORMAGOES
SETOR DE GEOPROCESSAMENTO

EDICAO OFICIAL
novembro - 2019

PRODUTO COMPILADO GOM BASEEM RESTITUIGOES.


AEROFOTOGRAMETRICAS:

(0 IPPUG AGRADEGEA GENTILEZA DA COMUNICAGAO DE EVENTUAIS


FALHAS OU OMISSOES VERIFICADAS NESTE MAPA.

RUABON JESUS, 889 -CABRALCEP 80035-D10 - CURITIBA- PARANA


FONE (85-41) 3250-1444 - FAX: (55-41) 3254-5861
EMAL: Ippuc@ippucombr

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