FOUCAULT Microfísica Do Poder
FOUCAULT Microfísica Do Poder
FOUCAULT Microfísica Do Poder
FICHAMENTO
1.VERDADE E PODER
“se perguntarmos a uma ciência como a física teórica ou a química orgânica quais as
suas relações com as estruturas políticas e econômicas da sociedade, não estaremos
colocando um problema muito complicado? Não será muito grande a exigência para
uma explicação possível? Se, em contrapartida, tomarmos um, saber como a psiquiatria,
não será a questão muito mais fácil de ser resolvida porque o perfil epistemológico da
psiquiatria é pouco definido, e porque a prática psiquiátrica está ligada a uma série de
instituições, de exigências econômicas imediatas e de urgências políticas de
regulamentações sociais? No caso de uma ciência tão "duvidosa" como a psiquiatria,
não poderíamos apreender de forma mais precisa o entrelaçamento dos efeitos de poder
e de saber?” (p. 4)
Questiona o título que lhe foi dado de fundador da teoria da história na descontinuidade.
Sua intenção em “As palavras e as coisas” foi de “colocar a questão: como é possível
que se tenha em certos momentos e em certas ordens de saber, estas mudanças bruscas,
estas precipitações de evolução, estas transformações que não correspondem à imagem
tranquila e continuísta que normalmente se faz? Mas o importante em tais mudanças
não é se serão rápidas ou de grande amplitude, ou melhor, esta rapidez e esta amplitude
são apenas o sinal de outras coisas: uma modificação nas regras de formação dos
enunciados que são aceitos como cientificamente verdadeiros. Não é, portanto, uma
mudança de conteúdo (refutação de erros antigos, nascimento de novas verdades), nem
tampouco uma alteração da forma teórica (renovação do paradigma, modificação dos
conjuntos sistemáticos). O que está em questão é o que rege os enunciados e a forma
como estes se regem entre si para constituir um conjunto de proposições aceitáveis
cientificamente e, consequentemente, susceptíveis de serem verificadas ou infirmadas
por procedimentos científicos” (p.5) .
“Creio que aquilo que se deve ter como referência não é o grande modelo da língua e
dos signos, mas sim da guerra e da batalha. A historicidade que nos domina e nos
determina é belicosa e não lingüística. Relação de poder, não relação de sentido. A
história não tem "sentido", o que não quer dizer que seja absurda ou incoerente. Ao
contrário, é inteligível e deve poder ser analisada em seus menores detalhes, mas
segundo a inteligibilidade das lutas, das estratégias, das táticas. Nem a dialética (como
lógica de contradição), nem a semiótica (como estrutura da comunicação) não poderiam
dar conta do que é a inteligibilidade intrínseca dos confrontos” (p. 6).
1) “A primeira é que, queira−se ou não, ela está sempre em oposição virtual a alguma
coisa que seria a verdade. Ora, creio que o problema não é de se fazer a partilha entre o
que num discurso releva da cientificidade e da verdade e o que relevaria de outra coisa;
mas de ver historicamente como se produzem efeitos de verdade no int erior de
discursos que não são em si nem verdadeiros nem falsos” (p.7)
3) “Está em posição secundária com relação a alguma coisa que deve funcionar para ela
como infraestrutura ou determinação econômica, material etc.” (p.8).
Quanto a ideia de repressão “é totalmente inadequada para dar conta do que existe
justamente de produtor no poder. Quando se define os efeitos do poder pela repressão,
tem−se uma concepção puramente jurídica deste mesmo poder; identifica−se o poder a
uma lei que diz não. O fundamental seria a força da proibição. Ora, creio ser esta uma
noção negativa, estreita e esquelética do poder que curiosamente todo mundo aceitou.
Se o poder fosse somente repressivo, se não fizesse outra coisa a não ser dizer não você
acredita que seria obedecido? O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito
é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele
permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso. Deve−se
considerá−lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do
que uma instância negativa que tem por função reprimir” (p. 8).
Ao refletir sobre o papel do intelectual, Foucault também explicita o poder por ele
exercido bem como sua relação com a verdade: “a verdade não existe fora do poder ou
sem poder (não é − não obstante um mito, de que seria necessário esclarecer a história e
as funções − a recompensa dos espíritos livres, o filho das longas solidões, o privilégio
daqueles que souberam se libertar). A verdade é deste mundo; ela é produzida nele
graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder. Cada
sociedade tem seu regime de verdade, sua "política geral" de verdade: isto é, os tipos de
discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as
instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira
como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para
a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona
como verdadeiro” (p. 10).
O ponto mais importante na genealogia não é buscar uma história clara e linear, mas sim
apresentar todas as variações em jogo, as lutas existentes entre elas para buscar as
emergências.
“A verdade, espécie de erro que tem a seu favor o fato de não poder ser refutada, sem
dúvida porque o longo cozimento da história a tornou inalterável. E além disto a questão
da verdade, o direito que ela se dá de refutar o erro de se opor à aparência, a maneira
pela qual alternadamente ela foi acessível aos sábios, depois reservada apenas aos
homens de piedade, em seguida retirada para um mundo fora de alcance, onde
desempenhou ao mesmo tempo o papel de consolação e de imperativo, rejeitada enfim
como ideia inútil, supérflua, por toda parte contradita − tudo isto não é uma história, a
história de um erro que tem o nome de verdade? A verdade e seu reino originário
tiveram sua história na história. Mal saímos dela, "na hora da sombra mais curta"
quando a luz não parece mais vir do fundo do céu e dos primeiros momentos do dia”
(P.14)
A genealogia não se opõe à história. Vai se colocar em oposição a uma visão meta-
histórica que busca uma origem. Foucault estabelece aqui uma diferença entre origem e
proveniência. A que busca a origem é a que deseja encontrar a verdade por trás do
acontecimento, determinante de sua existência o que, para Foucault, seria um exagero
metafísico. Enquanto a proveniência é uma oposição a origem, questionando o conceito
de verdade. A genealogia, assim, buscaria encontrar como determinada verdade
histórica foi construída por meio de lutas e conflitos. Por conseguinte, o erro ganha
protagonismo, carecendo ser explicada pelo historiador.
Dessa forma, a genealogia traz a tona elementos que antes compunham um pano de
fundo obscuro, mostrando diferentes interpretações e práticas relacionadas a um objeto.
Apresenta crítica nietzschiana quanto a análise histórica existir a tentativa de concepção
de algo que seja, supra-histórico (estruturas universais, espírito do tempo, totalidade
histórica)
O Jogo de forças presentes nos enunciados e sistemas de saber não se baseia em lógicas
universais, mas no acaso das lutas. Esse jogo pode inverter as proximidades e distância
históricas.
1) Destruição da realidade: faz com que a noção do homem europeu, por exemplo,
seja desvinculada do caminho histórico percorrido. A realidade é fragmentada,
não linear.
2) Destruição da identidade: Dissociação de identidades possíveis. Na
fragmentação do sujeito, a análise genealógica mostraria assim a inexistência de
uma única (ou nenhuma) raiz. Não existe uma única identidade, mas muitas que
fazem um caos organizado do sujeito.
3) Destruição da verdade: O sujeito do conhecimento seria, nessa perspectiva um
tipo possível – o conhecimento não estaria ligado à linearidade ou à verdade.
Também pode se produzido pela paixão, instinto. pode ser praticada a partir de
diferentes procedimentos.
Discussão entre estudantes maoístas e Foucault quanto à forma de se tratar policiais que
cometeram crimes.
Tribunal popular: para os maoístas, seria o sistema perfeito para julgar policiais. Já de
acordo com Foucault, um tribunal popular teria um significado que transporia seu
objetivo: “Substituir as guerras privadas por uma justiça obrigatória e lucrativa, impor
uma justiça em que ao mesmo tempo se é juiz, parte e fisco e, substituindo as transações
e acordos, impor uma justiça que assegure, garanta e aumente em proporções notáveis a
extração de parte do produto do trabalho, isso implica que se disponha de uma força de
coação. Não se pode impô−la senão por uma coerção armada: só onde o suserano é
militarmente bastante forte para impor a sua "paz", pode haver extração fiscal e
jurídica” (p. 25). O juiz, nesta perspectiva, precisaria estar fora das lutas, possuir
neutralidade.
No fim das contas, a função do tribunal é impedir a justiça popular porque seus
conceitos são próprios da burguesia. A justiça sempre tem um lado: o dos que
constituem o poder.
4. OS INTELECTUAIS E O PODER
A prática não seria uma outra etapa na pesquisa, mas sim uma parte da teoria. Ambas
são importantes e codependentes. Para Deleuze, há um revezamento entre teoria e
prática que são separados do ponto de vista da análise, mas não na função - precisam
acontecer continuamente.
Foucault aponta que essa separação entre teoria e prática, ao ser observada como
processos revesados, gera o tipo de intelectual específico: aquele que age localmente
(tanto geográfica como local do saber).
As massas não precisam dos intelectuais para saber o que elas pensam ou como devem
viver a vida. Entretanto, existe sobre as massas um sistema de poder que barra suas
reivindicações, que não está somente nas instâncias superiores, mas entra no dia-a-dia
da sociedade (micropoder). O papel no intelectual específico seria de se deslocar da
estrutura de poder que oprime o povo e lutar/resistir a esse sistema de poder. “Os
próprios intelectuais fazem parte deste sistema de poder, a ideia de que eles são agentes
da "consciência" e do discurso também faz parte desse sistema. O papel do intelectual
não é mais o de se colocar "um pouco na frente ou um pouco de lado" para dizer a muda
verdade de todos; é antes o de lutar contra as formas de poder exatamente onde ele é, ao
mesmo tempo, o objeto e o instrumento: na ordem do saber, da "verdade", da
"consciência", do discurso” (p.42).
Nesse aspecto, a teoria não vai representar uma prática. A teoria é uma prática. Isso
acontecer porque a aproximação do intelectual específico com o poder faz com que a
sua própria prática de pesquisa tenha um efeito político. O intelectual específico terá
como função lutar contra algumas relações de poder firmados por sistemas de repressão
injustos que dominam espaços de saber e impedem as reivindicações das massas.
Se, por exemplo, o intelectual específico fala sobre as prisões, é necessário que ele
também dê voz aos presos para compreender que tipo de sujeito ela fabrica dentro e fora
de seus muros. Não se trata de dar voz aos oprimidos, mas de constituir a pesquisa e o
saber.
“as relações entre desejo, poder e interesse são mais complexas do que geralmente se
acredita e não são necessariamente os que exercem o poder que têm interesse em
exercê−lo, os que têm interesse em exercê−lo não o exercem e o desejo do poder
estabelece uma relação ainda singular entre o poder e o interesse. Acontece que as
massas, no momento do fascismo, desejam que alguns exerçam o poder, alguns que, no
entanto, não se confundem com elas, visto que o poder se exercerá sobre elas e em
detrimento delas, até a morte, o sacrifício e o massacre delas; e, no entanto, elas
desejam este poder, desejam que esse poder seja exercido” (p. 45)
“com o capitalismo não se deu a passagem de uma medicina coletiva para uma medicina
privada, mas justamente o contrário; que o capitalismo, desenvolvendo−se em fins do
século XVIII e início do século XIX, socializou um primeiro objeto que foi o corpo
enquanto força de produção, força de trabalho. O controle da sociedade sobre os
indivíduos não se opera simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa
no corpo, com o corpo. Foi no biológico, no somático, no corporal que, antes de tudo,
investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade biopolítica. A medicina é uma
estratégia biopolítica” (p.47).
6. O NASCIMENTO DO HOSPITAL
“Poder−se−ia dizer: isto não é novidade, pois há milênios existem hospitais feitos para
curar; pode−se unicamente afirmar que talvez se tenha descoberto, no século XVIII, que
os hospitais não curavam tão bem quanto deviam. Nada mais que um refinamento nas
exigências formuladas a respeito do instrumento hospitalar” (p. 59)
O hospital se inicia como um ambiente feito para os pobres. Os médicos não eram os
melhores e estavam lá para expurgar pecados enquanto os doentes eram levados ao
hospital não para serem curados, mas para terem uma morte digna (objetivos eram mais
religiosos que científicos).
A questão que se colocou ao longo do tempo foi como administrar um local por onde
passe um grande fluxo de pessoas de forma a diagnosticar, registrar, tratar e conter
doenças e evitar que o espaço fosse um local no qual pessoas se diziam doentes para
desertar do exército ou contrabandear produtos.
Geografia da verdade: parte da hipótese de que, por meio do estudo dos lugares nos
quais a verdade é parte de rituais e relações, seria possível traçar uma história da
tecnologia da verdade. Ela juntaria alguns mecanismos que desaparecem
gradativamente com o desenvolvimento da ciência.
8. SOBRE A PRISÃO
Entrevista na qual Foucault fala sobre o nascimento e função da prisão, mas também
sobre as relações entre poder e saber.
Poder e saber são elementos que caminham sempre juntos – é o que permite a
estruturação da sociedade. O encarceramento nasce junto com o poder disciplinar e o
conceito de indivíduo. Isso também acontece com o nascimento das ciências humanas,
da criminologia. A maneira como nós sentimos e agimos estaria ligada a dispositivos
disciplinares de nos moldam continuamente. Relações de poder marcam o nosso corpo
para que tenhamos determinadas condutas.
“Desde o começo a prisão devia ser um instrumento tão aperfeiçoado quando a escola, a
caserna ou o hospital, e agir com precisão sobre os indivíduos. O fracasso foi imediato e
registrado quase ao mesmo tempo que o próprio projeto. Desde 1820 se constata que a
prisão, longe de transformar os criminosos em gente honesta, serve apenas para fabricar
novos criminosos ou para afundá−los ainda mais na criminalidade. Foi então que houve,
como sempre nos mecanismos de poder, uma utilização estratégica daquilo que era um
inconveniente. A prisão fabrica delinquentes, mas os delinquentes são úteis tanto no
domínio econômico como no político. Os delinquentes servem para alguma coisa”
(p.75).
A produção de delinquentes também ajuda a burguesia a disciplinar o trabalhador que se
enxerga numa posição superior à do encarcerado. Um sistema moral relacionado ao
cristianismo e ao trabalho vai desenhando de forma a colocar em oposição a ilegalidade
da delinquência x a boa cidadania do trabalhador. Jornais e romances policiais também
surgem para reforçar a oposição.
Sem delinquência não existiria polícia e o seu papel de controlar os trabalhadores não
seria tão bem-visto sem o medo que a delinquência causa na cidade.
9. PODER-CORPO
Nesta entrevista, Foucault fala sobre como o poder se entrelaça ao corpo e como o corpo
se transforma em objeto do poder. Para o filósofo, a consciência sobre o corpo,
necessidade de expressão e autonomia vem por meio de investimentos do poder sobre o
corpo.
“Como sempre, nas relações de poder, nos deparamos com fenômenos complexos que
não obedecem à forma hegeliana da dialética. O domínio, a consciência de seu próprio
corpo só puderam ser adquiridos pelo efeito do investimento do corpo pelo poder: a
ginástica, os exercícios, o desenvolvimento muscular, a nudez, a exaltação do belo
corpo... tudo isto conduz ao desejo de seu próprio corpo através de um trabalho
insistente, obstinado, meticuloso, que o poder exerceu sobre o corpo das crianças, dos
soldados, sobre o corpo sadio. Mas, a partir do momento em que o poder produziu este
efeito, como consequência direta de suas conquistas, emerge inevitavelmente a
reinvindicação de seu próprio corpo contra o poder, a saúde contra a economia, o prazer
contra as normas morais da sexualidade, do casamento, do pudor. E, assim, o que
tornava forte o poder passa a ser aquilo por que ele é atacado... O poder penetrou no
corpo, encontra−se exposto no próprio corpo...” (p. 81, 82)
Quando as possiblidades de ação sobre o corpo que não são previstas ganham o status
de reivindicação, vemos o nascimento de uma resistência na relação de poder. A
erotização não traz exatamente uma retomada do corpo. O grande ponto do erotismo (na
cultura pop/ publicidade) é que ele talvez não traga exatamente uma libertação do corpo,
mas sim marque o corpo ainda mais com injunções designadas pelo poder. Essa
utilização seria para normatizar um certo tipo de desejo. O corpo é o resultado de um
jogo de forças, uma luta que faz emergir diferentes objetos.
E uma vez disciplinado, esse corpo é submetido ao biopoder para ser melhorado e
submetido ao poder.
É possível fazer mais de uma arqueologia sobre um mesmo objeto. O sentido que a
arqueologia engendra é estratégico no que diz respeito ao poder. A intelectualidade
(ciência) por si já é um campo de luta.
“A questão de todas estas genealogias é: o que é o poder, poder cuja irrupção, força,
dimensão e absurdo apareceram concretamente nestes últimos quarenta anos, com o
desmoronamento do nazismo e o recuo do estalinismo? O que é o poder, ou melhor −
pois a questão o que é o poder seria uma questão teórica que coroaria o conjunto, o que
eu não quero − quais são, em seus mecanismos, em seus efeitos, em suas relações, os
diversos dispositivos de poder que se exercem a níveis diferentes da sociedade, em
domínios e com extensões tão variados? Creio que a questão poderia ser formulada
assim: a análise do poder ou dos poderes pode ser, de uma maneira ou de outra,
deduzida da economia?” (p.98).
“Nos últimos anos, o meu projeto geral consistiu, no fundo, em inverter a direção da
análise do discurso do direito a partir da Idade Média. Procurei fazer o inverso: fazer
sobressair o fato da dominação no seu íntimo e em sua brutalidade e a partir daí mostrar
não só como o direito é, de modo geral, o instrumento dessa dominação − o que é
consenso − mas também como, até que ponto e sob que forma o direito (e quando digo
direito não penso simplesmente na lei, mas no conjunto de aparelhos, instituições e
regulamentos que aplicam o direito) põe em prática, veicula relações que não são
relações de soberania e sim de dominação. Por dominação eu não entendo o fato de uma
dominação global de um sobre os outros, ou de um grupo sobre outro, mas as múltiplas
formas de dominação que podem se exercer na sociedade. Portanto, não o rei em sua
posição central, mas os súditos em suas relações recíprocas: não a soberania em seu
edifício único, mas as múltiplas sujeições que existem e funcionam no interior do corpo
social” (p.102).
O poder não pode ser pensado como uma relação de dominação maciça de um indivíduo
para com outros indivíduos ou de um grupo (classe social) sobre outro. Quando o poder
é observado de perto, é possível perceber que ele não se exerce de forma dicotômica
(enquanto um o exerce exclusivamente o outro seria sempre submisso). O poder precisa
ser entendido como algo que circula. Para além do macro, é importante observar os
instrumentos utilizados em uma relação de poder numa perspectiva micro.
Também não se pode analisar o poder como algo que parte do centro para a periferia. A
análise deve ser ascendente. “Não é a dominação global que se pluraliza e repercute até
embaixo. Creio que deva ser analisada a maneira como os fenômenos, as técnicas e os
procedimentos de poder atuam nos níveis mais baixos; como estes procedimentos se
deslocam, se expandem, se modificam; mas sobretudo como são investidos e anexados
por fenômenos mais globais; como poderes mais gerais ou lucros econômicos podem
inserir−se no jogo destas tecnologias de poder que são, ao mesmo tempo, relativamente
autônomas e infinitesimais” (p.103).
Outra precaução é não levar em conta o poder como algo produzido por uma ideologia.
O poder marca o corpo e faz nascer o que concebemos como indivíduo. Assim, o poder
é anterior à ideologia, se encontra no momento de construção e de cruzamento entre
saber e poder e não de consciência e conhecimento.
Foucault estuda o desenvolvimento de uma política médica no século XVII. Para tanto,
se apoia nas noções por ele desenvolvida de poder disciplinar e de biopoder. A política
médica do século XVIII é ao mesmo tempo liberal (focada no indivíduo) mas também
atenta ao coletivo.
Foucault, nesta entrevista, fala sobre o panóptico e o objetivo cumprido por ele de
vigilância e controle. Trata também das funções desse olhar do panóptico.
A ideia do panóptico teria vido das pesquisas de Foucault sobre medicina clínica, ao
observar uma singularidade que se repetia na construção dos novos hospitais oriunda da
arquitetura de prisões. Esse mecanismo de vigilância poderia se estender às escolas,
sanatórios, fábricas. O olho do poder sempre estará presente.
Entrevista em que Foucault fala sobre o poder enquanto algo positivo e busca entende
sobre a formação de um dispositivo da sexualidade. Também fala sobre possibilidades
de resistência. A questão de Foucault sobre o sexo é compreender como praticamos a
nossa sexualidade no sentido lato da maneira como praticamos. Por que a sexualidade é
algo a mais que a necessidade de reprodução da espécie? Esse algo a mais não é natural
e sim construído. Também trata dos mecanismos de repressão sobre o sexo (repressão/
vergonha). Para compreender esse processo, analisa a masturbação infantil.
Nesta entrevista, Foucault fala sobre o dispositivo da sexualidade e sua relação com o
poder.
O poder pode ser sim utilizado pelas classes burguesas para dominar as classes
operárias, mas não se pode dizer que foi a burguesia que criou esse mecanismo de
disciplina uma vez que tanto a burguesia quanto a classe operária são constituídas por
essas estratégias.
17. A GOVERNAMENTALIDADE
Outras correntes de pensamento irão se contrapor a essa visão uma vez que o tipo de
poder exercido na atualidade por ser anacrônico e levar em consideração limites
geográficos e populacionais.
Há outro tipo de governo que não está preocupado com a conservação das forças, mas
sim conduzir esse poder para a produção de mais riqueza e a condução dos corpos. Estes
corpos não seriam mais súditos e sim cidadãos que vendem sua força de trabalho. Por
isso, é preciso um tipo de poder mais profundo que acesse os desejos da população e
caminhar em conjunto com o desejo, e não contra ele. O poder não aparece somente
para punir, mas também para vigiar e conduzir.
A governamentalidade é um governo das coisas, que não são propriamente muito bem
estabelecidas como era no tempo de Maquiavel. A mudança, que acontece a partir do
século XVIII é de um olhar para todos os elementos que podem contribuir para o
aumento/diminuição da população, seu fortalecimento (o povo precisa fornecer soldados
fortes aptos à guerra e trabalhadores saudáveis e produtivos).
A economia, que era uma forma de governo segundo Foucault, passa a ser uma esfera
específica da sociedade quando se transforma em ciência cujo objetivo é pensar na
melhoria de circulação do capital, no aumento dos lucros.
Diante disso, passa-se a ter uma interpretação diferente do que seriam os estados-nação.
A partir desse olhar, não importa mais a extensão do território ou o tamanho da
população. A governamentalidade exige uma continuidade da prática de poder e de
vigilância. Tais continuidades podem ser ascendentes e descendentes. Quem governa de
cima para baixo é alguém provado na governança/capacitado para exercer o cargo. Ao
mesmo tempo o sucesso das microesferas de poder (escola, família, fábrica) é
importante para o sucesso do governo.