Genero e Sexualidade 100519 PDF

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Gênero e Sexualidade

UNIDADE 01 - Gênero e História


Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE

Discutir o conceito de Gênero.


A temática a ser enfocada nesta unidade é um estudo sucinto sobre o conceito

de gênero. Vamos evidenciar que não se trata de ressaltar a diferença entre o homem e
a mulher, tampouco de tentar alçar a mulher em uma posição de superioridade, mas de

entender gênero como uma construção histórica e cultural.

ESTUDANDO E REFLETINDO

Para Varikas (1989), a noção de relação de gênero é importante aos estudos

contemporâneos, pois volta-se para o conhecimento da condição feminina,


especificamente, para explicitar as desigualdades entre homens e mulheres.

Segundo a autora, é necessário separar sexo biológico, mais ou menos dado


pela natureza, do sexo social, produto de uma construção social permanente, que cada

sociedade institui para organizar as relações entre homens e mulheres.


Barbosa (1989) afirma que gênero não significa homem e mulher tal como

nascem, mas, sim, como se fazem com diferentes poderes, diferentes comportamentos
e diferentes sentimentos.

Vale dizer que, embora os estudos de gênero foquem a mulher como objeto
de estudo, de um ponto de vista mais abrangente, devemos entender o termo como

uma construção social, histórica e cultural, assentadas em diferenças sexuais. Nessa

perspectiva, o conceito de gênero não se refere a um ou a outro sexo, mas às relações


construídas socialmente entre eles.

Vale dizer que as desigualdades de gênero não são distintas das demais
desigualdades presentes na sociedade, tais como, raça, religião, economia, que
concretizam mecanismos de produção e reprodução da discriminação.

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 01 - Gênero e História
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

O ponto de partida para o estudo de gênero não deve, em hipótese alguma,


assentar-se na diferença biológica, pois isso significa aceitar a submissão da mulher ao

homem, por ser, fisicamente, menor; pelo poder de maternidade; pela feminilidade.
Aceitar a diferença de mulher e homem do ponto de vista biológico pode

pressupor a consolidação do homem no exercício do poder; pode implicar um estudo


que consiste, simplesmente, no exame de semelhanças e diferenças entre mulheres e

homens.
Scott (1990) afirma ser o gênero elemento constitutivo das relações sociais

assentadas nas diferenças distintivas dos sexos. Um estudo de gênero deve levar em
consideração como as diversas sociedades dão significação ao feminino e ao masculino.

BUSCANDO CONHECIMENTO

Em meados dos anos 70, introduziu-se o conceito de gênero como categoria

científica para explicitar as relações sociais entre os sexos, não se referindo,


especificamente, a um ou a outro sexo, numa visão diferente da dos naturalistas e

positivistas.
Barbosa (1989) afirma que gênero não significa homem e mulher tal como

nascem, mas, sim, como se fazem com diferentes poderes, diferentes comportamentos,
diferentes sentimentos.

Contra os discursos naturalistas e hegeliano, que ressaltam a diferença entre


homem e mulher, baseando-se no sexo biológico, há, no início do século XX, a

reivindicação de igualdade dos direitos civis e políticos e o acesso às profissões

intelectuais. Surge a “Nova Eva”, em que passa, na cidade, a ser a mulher importante,
embora tal relevância ainda esteja ligada à família. Trata-se da gestão da vida cotidiana.

Assim, do trabalho doméstico não-assalariado, a mulher passa a outros afazeres,


pequenos comércios, que lhe dão recursos complementares ao orçamento.

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UNIDADE 01 - Gênero e História
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Perrot (1992), em seu estudo sobre as mulheres do século XVII e XIX, afirma que,
embora juridicamente ocupassem posição inferior aos homens, uma vez que não

exerciam direito de voto nem preenchiam posições políticas, na prática, constituíam o


sexo superior, pois eram o poder que se ocultava por detrás do trono: elas “puxavam os

fiozinhos dos bastidores”, enquanto os homens se mexiam na cena pública.


Para Perrot (1997), as mulheres se ativam em todos os sentidos, tornando sua

contribuição orçamentária marginal em essencial, como consequência do desemprego


do homem; rebela-se contra a exploração dos preços pelos comerciantes, lutam por

aluguéis justos e organizam mudanças na calada da noite, quando não podem pagá-
los. É uma mulher mais livre nos gestos, nas vestimentas, resistindo também à polidez e

à afetação recatada.
Saber se há “nova Eva”, se as mulheres se ativam em todos os sentidos, só pode

ser por um caminho: o estudo dos discursos da e sobre as mulheres, temas de nossas
próximas unidade.

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 02 - A Mulher Mãe, a Mulher Dona de Casa
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE

Objetivo:
Efetuar um estudo sobre o papel da mulher

Nesta unidade, abordamos os discursos sobre a mulher mãe e dona de casa,


com vistas a resgatar as marcas reveladoras de um papel intramuros exercido pela

mulher. Para tanto, recorremos a textos que explicitam tais discursos.

ESTUDANDO E REFLETINDO

Para Varikas (1989), a noção de relação de gênero é importante aos estudos

contemporâneos, pois se volta para o conhecimento da condição feminina,


especificamente, para explicitar as desigualdades entre homens e mulheres.

Segundo a autora, é necessário separar sexo biológico, mais ou menos dado


pela natureza, do sexo social, produto de uma construção social permanente, que cada

sociedade institui para organizar as relações entre homens e mulheres.


Considerando-se que a
Discurso é um suporte abstrato que
formação discursiva determina o
sustenta os textos.
que pode e deve ser dito por

uma determinada formação ideológica, pode-se afirmar que o sexo social é, então,
determinado pelos discursos que circulam, na sociedade, sobre a relação homem e

mulher.

É consenso que, em nossa sociedade, homem e mulher têm estatuto diferente


e, para cada um, há regras sociais ancoradas e articuladas. Não se trata de uma

distinção da atualidade, mas, segundo Bruschini (1990), a opressão feminina não ocorre
num período histórico determinado, mas se estende para as sociedades primitivas.

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UNIDADE 02 - A Mulher Mãe, a Mulher Dona de Casa
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Conforme Antunes (1992), as mulheres são educadas para serem afetuosas,


para sentirem mais gratidão, para exercitarem a graciosidade, para gostarem da casa e

para participarem dos trabalhos domésticos. Isso, segundo a autora, merece crítica,
pois, embora sendo tais afirmações Aleitamento Mercenário: As mulheres de
famílias mais abastadas possuíam
verdadeiras, não é possível
escravas, empregadas, também, com a
estabelecer um grau de
função de amas de leite.
valorização sobre as atividades
voltadas para o interior (espaço reservado à mulher) e exterior (espaço masculino).

Aliados a tais discursos, podemos citar os discursos figurativos da mulher “rainha do


lar”, da “mãe”, da mulher “sexo frágil”.

No século XIX, o discurso médico sanitarista, recorrendo ao problema do


aleitamento mercenário, reacende a figura da mulher como “guardiã do lar”. Trata-se

de um modelo da família, cuja ênfase é a intimidade do lar.


Conceber a mulher como mãe e guardiã do lar, implica a aceitação do instinto

natural, a procriação, e o sentimento da mulher em relação a sua responsabilidade


social de aceitação de seu campo profissional: a dona de casa, a responsável pela

educação dos filhos, a mãe de família.


Vale lembrar que ao homem era reservado o espaço extramuros, a esfera

pública do trabalho, à mulher, a esfera privada.


Vamos ver como isso se efetiva na prática? Quem não se lembra das

propagandas dos Cobertores Parayba? Para assistir ao vídeo acesse: YouTube -


Cobertores Parahyba
Vale a pena retomá-las.

Leia o texto: “Já é hora de

dormir não espere mamãe mandar”. Ora, aqui está clara a função educativa e guardiã
da formação dos filhos da mãe. Ela manda, os filhos obedecem.

Escrevi, há algum tempo, um artigo a respeito da mulher policial, a partir de


textos produzidos por elas. Examine bem o que disseram:

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UNIDADE 02 - A Mulher Mãe, a Mulher Dona de Casa
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“A missão da polícia é servir a comunidade, portanto, a mulher com seu


instinto materno o faz com delicadeza e austeridade”.
“Na polícia Militar, é estabelecido às mulheres, no trabalho perante ao público,
a aplicação da Polícia Comunitária, mais efetiva. Nós, ao meu ver, transmitimos
mais segurança fraternal e mais carinho aos nossos “clientes” que geralmente
são cidadãos com algum tipo de problema, é claro”.
“Mas apesar de tudo, tem algo positivo, desde a emoção de fazer um parto,
entregar criança perdida ao seu responsável e muitos casos”.

Nesses fragmentos, embora sejam produzidos por mulheres que já ocupam o


espaço público, o discurso figurativo da mulher mãe e carinhosa, da mulher delicada,

mas austera, da mulher que educa é uma retomada do já dito que é assumido e

endossado. Além disso, ela, mulher, reserva ao policial feminino tarefas diferentes das
dos policiais masculinos, corroborando o discurso da desigualdade entre homens e

mulheres.

BUSCANDO CONHECIMENTO

Os textos publicitários também materializam o discurso da mulher, mãe e dona


de casa, como podemos verificar abaixo.

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 02 - A Mulher Mãe, a Mulher Dona de Casa
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Desnecessárias palavras para explicarmos o texto acima, pois as imagens falam


por si: mãe fazendo bolo, mãe cozinhando, costurando, limpando e lustrando a casa.

Evidentemente, que, após todas essas tarefas, surge o descanso merecido.


O exame das produções das detentas revelou-nos que o já dito, já cristalizado,

retorna em outra época histórica: trata-se do discurso da mulher mãe, da mulher


protetora. Segundo elas, a ausência dos filhos é o maior problema que enfrentam,

como podemos observar nos fragmentos:

“O que mais me machuca é a falta dos meus filhos”.


“Neste lugar me falta o principal: meus filhos”.

“Meu maior sofrimento foi ter que deixar a minha filha nos braços da minha
irmã e entrar na viatura”.

“A dor maior é a saudade da família, principalmente do filho”.

Nesses fragmentos, a imagem projetada da mulher é de Madona que protege


os filhos e sofre por eles. É o instinto materno que fala mais alto, podendo-se inferir

que a privação da liberdade nada significa diante da separação, comprovando-se, nesse


silenciamento, a reiteração de um discurso calcado na visão naturalista, em que

questões relativas à liberdade e à opressão são da alçada do mundo masculino.

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UNIDADE 03 - A Mulher em Revista: Anos 70 a 80
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE

Objetivo: Examinar textos referentes à mulher em uma Revista Feminina

Examinamos os arquivos da revista feminina A Feiticeira, veiculada trimestralmente em


Catanduva, interior de São Paulo, nos anos de 1970 a 1980, no espaço denominado

Cantinho Feminino, cujas responsáveis foram Carmem Suzana até 1976 e, dessa época
até 1999, a cronista Olga Amorim, e instituímos séries temáticas, que abordam os

discursos da e sobre a mulher, a partir das quais é possível detectar a construção da(s)
identidade(s) feminina interiorana. Nesta unidade, examinamos os textos publicados na

série Beleza.

ESTUDANDO E REFLETINDO

De acordo com um padrão cultural, histórico e heterossexual, o ideal da beleza e da


forma configura-se como uma meta a ser atingida pelas mulheres, exigindo-lhes que

entrem em competição, mediante a aparência, pela atenção do marido, do namorado,


do patrão e, até mesmo, de outras mulheres, conforme Vestergaard e Schroder (1976).

Para isso, um determinado padrão de beleza feminina, valor social e


positivamente instituído, aparece materializado discursivamente na revista, sob a

legenda de Dicas, em que são abordadas as técnicas de como tornar os lábios mais
bonitos, regimes milagrosos, maquiagem, uso de perucas, enfim, dicas que evidenciam

como a mulher deve proceder para se tornar mais bela e, obviamente, endossar os

valores sociais.
Chama-nos a atenção o destaque dado aos olhos femininos, como podemos

observar em dois textos publicados em dezembro de 1970 e em 1971, ano XXXI, da


referida revista.

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UNIDADE 03 - A Mulher em Revista: Anos 70 a 80
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Bem poucas mulheres dão aos olhos os cuidados que merecem. Salientando a beleza
dos olhos, você estará destacando o encanto do seu rosto. Como o essencial é a

simplicidade, você poderá usar a mesma pintura pela manhã e à noite. Agora, se quiser
um efeito mais sofisticado, depois das seis da tarde acrescente um leve sombreado

abaixo da sobrancelha (1970)

Em outro, depreende-se
Um par de olhos bem maquilados dá maior força sobre a beleza feminina (...). Aplique

sobre as pálpebras farta camada de sombra líquida com finalidade de umidificar e


conservar a maquilagem. Passe sombra em pó em toda a volta do olho, tanto junto aos

cílios superiores como inferiores. E pronto: você está com os olhos mais sedutores do
mundo.

Nos dois textos acima, Polêmica Discursiva ocorre quando,

pode-se observar a polêmica em um mesmo espaço textual, há


manifestados discursos que se opõem.
discursiva, pois, se em um deles há

afirmada a simplicidade; no outro, há assinalada a necessidade de intensificação da


maquiagem, como nítido apelo à sensualidade e à sedução. Resta-nos questionar a

razão de tanta atenção aos olhos. Para nós, trata-se de uma retomada do saber
consensual de “os olhos são as janelas da alma”, que, uma vez destacados, permitem a

visualização da feminilidade e da doçura, elementos e características vistos como


“próprios” das mulheres. Ressalte-se, ainda, que alma é substantivo feminino, em que

se guardam esses sentimentos. Uma vez mais lembramos que o sentimento, em

oposição à razão, remete-nos ao campo do feminino.


Outras partes do corpo são referenciadas, pois observamos receitas para

fortalecimento dos músculos do pescoço; para firmar o busto; para o fortalecimento da


unha; para manter-se magra; para a conservação da pele suave, cujas dicas são evitar o
sol e proceder a uma correta limpeza da mesma, por meio de cremes e de máscaras.

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UNIDADE 03 - A Mulher em Revista: Anos 70 a 80
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Enfim, há preocupações bem específicas do campo feminino, que assinalam a


necessidade e, por que não dizer, urgência de um determinado padrão de beleza

feminina.
Se a beleza é bastante enfocada nos textos, cabe salientar que ela só pode ser

classificada e percebida em relação ao seu oposto, a feiúra. Essa relação semântica é ali
referenciada, nos textos, pois as mulheres feias são instauradas como interlocutor

explícito. O próprio título corrobora essa afirmação “Como corrigir os defeitos”, cujo
sentido é a feiúra. Para isso, há uma intertextualidade, na forma de citação, dos versos

de Vinícius de Moraes: “As muito feias que me perdoem, mas a beleza é fundamental”.
Cabe salientar que a esse discurso sobre a beleza contrapõe-se outro expresso no

texto, instaurando a polêmica discursiva. Nesse sentido, o produtor do texto, uma


mulher, utiliza-se da voz de um enunciador (ser, cuja voz é trazida para o interior do

texto, sem que lhe sejam atribuídas palavras precisas), como se pode verificar em
“porém há quem defenda a tese de que a mulher não deve ser bela, mas simplesmente

“diferente”. É com base nesse “diferente” que o sujeito produtor afirma o seu ponto de
vista.

Vejamos, então, diferente em quê? À primeira vista pode-se dizer que diferente
é a mulher que foge aos padrões de beleza construídos na e pela sociedade, mas,

segundo as próprias palavras do sujeito, é a mulher “nem feia nem bonita, com defeitos
e qualidades, mas não anônima, apagada ou insignificante”. Nesse discurso, está nítida

a construção de um novo saber sobre a beleza, caracterizando a polissemia discursiva


(rompimento com o já dito e instauração do novo) vista não como aparência física

apenas, mas definida a partir da essência, da espiritualidade, portanto, a partir da alma.

Continuamos, assim, presos àquele campo que é social, cultural e historicamente


constituído, o do feminino. Para isso, basta tornar o “ponto fraco”, os defeitos, em

“ponto forte”. Mas como isso é possível? Quais as estratégias plausíveis? De acordo
com a autora do artigo, o recurso seria o uso da inteligência, inferindo-se,
contrariamente à memória (saber acumulado sobre os discursos) estabelecida, que a

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 03 - A Mulher em Revista: Anos 70 a 80
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Nós não criamos nada, mas os discursos que produzimos são retomados de
outros discursos já ditos, caracterizando a memória discursiva: todo o saber
arquivado em nossa memória. No entanto, é possível romper com o já dito e
instaurar um novo saber. Trata-se da Polissemia Discursiva. Quer saber um
exemplo de polissemia? Ouça a música Bom Conselho de Chico Buarque.

mulher possui inteligência e que esta não se circunscreve ao campo do masculino.

Além disso, silencia-se outro discurso opositor: aquele que diz ser a mulher bonita
desprovida de capacidade intelectual. A esse respeito, faz-se importante notar a tensão

existente em tal discurso, ou seja, o mesmo discurso que, em alguns momentos, é


aceito e impõe identidades e padrões pré-estabelecidos para as mulheres; em outros,

como no caso do uso da inteligência, avança, indo além das normas. Mas é preciso
observar que o recurso da inteligência é invocado em tema visto como feminino, isto é,

a beleza.
Em seguida, o produtor do texto dá a “receita”, para que a mulher “diferente”

adquira os valores sociais necessários, assinalando três pontos básicos: “intuição,


feminilidade e técnica”. Ora, os dois primeiros são reveladores da memória discursiva

sobre a mulher: a portadora do sexto sentido (capacidade de ser a mulher mais afeita
aos estados emocionais, aos estados da alma) e feminilidade (traço hegemônico da

distinção homem/mulher). Esses pontos, segundo o produtor do texto, não se


aprendem, pois são naturais. Dessa maneira, reforçando a idéia de que as identidades

são fixas e imutáveis, as diferenças entre homens e mulheres naturais e a

exclusivamente biológica perpetuam o caráter fixo da oposição homem x mulher. A


esse respeito, vale a pena destacar os trabalhos de Margareth Rago, Rachel Soihet, Joan

Scott, entre outras que, não de hoje, estão atentas às relações de gênero e ao estudo
das relações e estratégias de dominação.

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UNIDADE 03 - A Mulher em Revista: Anos 70 a 80
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BUSCANDO CONHECIMENTO

O terceiro, a técnica, seria passível de aprendizagem, por isso, é enumerada


várias dicas sobre os cuidados com o rosto e com o corpo.

O que se coloca sobre essa afirmação é: Será que todas as mulheres possuem
intuição e inteligência e são capazes de aprender as técnicas de cuidados corporais?

Seriam tais cuidados corporais preocupação exclusiva e naturalmente feminina? Quais


são as mulheres capazes de cuidados? Nesse sentido, pode-se falar que há implícito o

discurso da exclusão, ou seja, as diferentes só se tornarão capazes, se dotadas de


inteligência. E as demais, aquelas não dotadas de beleza, pelo menos de um tipo de

beleza, e de inteligência? A elas, o silêncio do sujeito produtor, cujo significado é


explícito.

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UNIDADE 04 - A Mulher em Revista: Anos 70 a 80 Parte II
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CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE

Objetivo: Continuar a reflexão iniciada na unidade anterior.

ESTUDANDO E REFLETINDO

[...] Em torno das relações com o corpo, convém ressaltar que as inúmeras e
diversas exigências feitas ao corpo feminino partem de um padrão masculino e

heterossexual, investido no aumento do nível de prazer masculino. Afinal, muitas


mulheres buscam atingir o referido padrão de beleza, seguindo as “dicas” e “conselhos”

de várias maneiras, para seduzir e agradar seus parceiros. Dessa maneira, os discursos
selecionados em nossa pesquisa classificam, normatizam e criam corpos delineados em

sexualidade, reforçando as diferenças e sugerindo identidades fixas. Por meio dos


cuidados com o corpo, as mulheres sujeitavam-se às práticas reguladoras. Nas palavras

de Tânia Swain:

De um lado, o masculino, cuja genitália, física ou metafórica, concede-lhe um local de


poder e de autoridade enquanto sujeito universal: o homem, sinônimo de humano,

sujeito dotado de transcendência. De outro, o feminino, o Outro inevitável, marcado


pela imanência de um corpo que lhe é destino, na maternidade e na sexualidade.

(2002:328)

Ainda sobre a Beleza, examinamos outro item: Bazar de Utilidades, veiculado no

Cantinho Feminino, em 1972, em que há a abordagem do tema “Peruca”. Nesse caso,


constatam-se dicas de qual peruca usar e como colocá-la adequadamente. Porém, o

que mais nos chama a atenção é o início do texto:

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UNIDADE 04 - A Mulher em Revista: Anos 70 a 80 Parte II
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“Para estar sempre na moda e bem penteada, para sair à noite sem ter ido ao
cabeleireiro, a solução é sempre a mesma: você deve usar uma peruca”.

Nele, duas informações merecem destaque: estar na moda e estar bem penteada sem

ter ido ao cabeleireiro, pois depreendemos, novamente, o discurso da exclusão. Em


outras palavras, quem, na verdade, são as mulheres, qual a classe social, etnia, idade

que, à época, podiam estar na moda, podiam ter peruca? Possivelmente, só aquelas
com poder aquisitivo, remetendo-nos a uma determinada raça, “as brancas”. Além

disso, ir ao cabeleireiro, sem ser para uma ocasião especial, mas simplesmente para sair
à noite, também é uma prática de mulheres de nível econômico razoável. Assim, o

sujeito produtor do texto dirige-se a uma pequena parcela de mulheres, reservando-se


à outra, à grande maioria, a qualificação de fora de moda e fora, também, da vida

noturna e social. A elas, o espaço privado, não o público.


Outro texto usa de eufemismo para se referir à mulher que não se enquadra nos

padrões de beleza socialmente admitidos. Assim, observamos:

“as mulheres não bonitas devem escolher penteados sofisticados, selvagens, nada de
modelos simples”.

Nesse caso, a negação “não bonitas” remete-nos à afirmação semântica do termo


“feias”. Cabe, então, indagar qual era o padrão de feio, uma vez não haver qualquer

referência a ele. Mesmo assim, o texto apresenta solução, ou seja, as não bonitas

devem recorrer a maquiagens, vistas como recurso para mudar o que, socialmente, é
apresentado como intolerável, por causar, no lugar do prazer e admiração, o

desencanto e repúdio. Trata-se da feiúra nas e de mulheres. Tais maquiagens marcam o


rosto

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UNIDADE 04 - A Mulher em Revista: Anos 70 a 80 Parte II
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“por contraste entre branco e marrom, traços fortes, anatomia forte, delineador preto e
cílios postiços”.

Esse discurso parece corroborar o discurso da aparência feminina, ou seja,


quanto mais sofisticada, mais produzida, mais bonita se torna a mulher, que se opõe ao

discurso da simplicidade da naturalidade, já mencionado.


Em relação ao passar do tempo, que, consensualmente, parece ser um dos

grandes dramas de qualquer mulher, há um texto publicado em 1972, cujo sujeito


produtor é uma mulher.

BUSCANDO CONHECIMENTO

Nesse texto, denominado “Os quarenta”, observamos, logo no seu início, a

posição discursiva do seu produtor “Os quarenta anos representam um ponto crucial
para o sexo fraco”, que se caracteriza Se a Polissemia Discursiva se

pela retomada, em forma de paráfrase caracteriza pelo rompimento com o


discurso já dito, já sacramentado, a
discursiva, do discurso que vê a
Paráfrase Discursiva é a retomada dos
mulher como inferior, como frágil e, discursos, em outro tempo e lugar. É a
portanto, submissa. repetição dos discursos.

A dimensão temporal que opõe passado e presente se encontra explícita, por


meio do marcador “hoje”. Assim, depreendemos:

“A vida agitada que tantas e tantas mulheres levam hoje - quer trabalhando fora de
casa, quer no lar - representa uma forte ameaça, impondo-lhes, sobretudo, esforços

físicos e psíquicos que as esgotam aos poucos”.

No texto, o presente, caracterizado pelo trabalho da mulher fora e dentro do espaço


de casa, propicia-lhe desgastes. Se, no passado, a vida da mulher era restrita ao lar, ao

marido e aos filhos, no presente, sem negar o passado, há o discurso da dupla jornada
das mulheres. Portanto, o que é avanço, a ocupação da mulher do espaço público, do

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UNIDADE 04 - A Mulher em Revista: Anos 70 a 80 Parte II
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ponto de vista do sujeito produtor, é prejudicial à aparência física e psicológica, aos


atributos naturais de mulher e esposa amante..

Deve-se salientar, entretanto, que, mesmo com esse acúmulo de tarefas


desempenhadas pelas mulheres do presente, “sua mocidade, sua pele louça” é mais

conservada do que a das avós. Isso, segundo o produtor do texto, se deve aos cuidados
que a mulher atual dispensa à sua beleza, por meio de alimentação cuidada e prática

de esportes. Esses elementos, apregoados pela sociedade como “essenciais”, só são


atingidos, se a mulher compreender a sua importância. Em outras palavras, o desgaste

é inevitável, quer para a dona de casa, quer para a que executa dupla jornada; o
diferencial está no uso da inteligência e no desejo de se enquadrar ao protótipo de

mulher estabelecido socialmente.


Dessa maneira, a mulher continuará bela, desejável e sedutora se conseguir, por

meio de virtude e inteligência, se valer dos recursos a sua disposição, feita mulher
consumidora ávida por produtos de beleza.

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UNIDADE 05 - A Mulher em Revista: Anos 80 a 90 – Mulher e Trabalho Relacionamentos e Múltiplos Papéis.
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE

Objetivo: Examinar séries temáticas da Revista Feiticeira, com vistas a detectar os

discursos da e sobre a mulher.


Nesta unidade, abordamos textos que explicitam a série temática: A mulher e o

trabalho; O relacionamento homem e mulher e os múltiplos papéis da mulher. Vamos


lá?

ESTUDANDO E REFLETINDO

Em relação à ocupação do espaço público pelas mulheres, em 1974, na Revista

Feiticeira, há um artigo que merece comentário.


O título é “As profissões médias”, cujo sentido, no texto, é o de profissões

que satisfaçam a pessoa economicamente, mas, sobretudo, àquela que se adapta às


suas aptidões, seus talentos potencializados.

As profissões referidas são as executadas, preferencialmente por


mulheres: cartazista letrista, figurinista, maquiadora, manicure, decoradora e vitrinista.

Essas profissões, segundo o sujeito produtor do texto, destinam-se às


pessoas (mulheres) que não tiveram condições de cursar a universidade ou às mulheres

que não o fizeram por endossarem o discurso pré-estabelecido a elas: o do casamento.


Em relação à cartazista letrista, há enumeradas as aptidões requeridas:

habilidade manual; objetividade; criatividade; boa percepção de detalhes, capacidade

de síntese, senso espacial desenvolvido, ressaltando-se que essas se ajustam, uma vez
mais, ao campo do feminino.

Quanto à figurinista, as exigências são, basicamente, as mesmas,


incluindo-se a criação de ternos e o cálculo de custos, atividades do campo do
masculino. Além disso, tanto a cartazista quanto a figurinista têm como espaço de

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UNIDADE 05 - A Mulher em Revista: Anos 80 a 90 – Mulher e Trabalho Relacionamentos e Múltiplos Papéis.
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

ocupação as fábricas, retomando-se o discurso sobre as mulheres e as fábricas, no


século XIX, conforme trabalhos da historiadora francesa Michelle Perrot.

À maquiadora e à manicure são exigidas as aptidões: coordenação


motora, sensibilidade tátil, rapidez de reações, habilidades para pequenos movimentos,

também consideradas próprias do feminino. Tais profissões têm como espaço o salão
de beleza, freqüentado, à época, exclusivamente por mulheres, não todas, obviamente.

A decoradora e a vitrinista têm como local de trabalho os escritórios, as


casas de decoração, lojas, magazines e estabelecimentos similares que são

frequentados por homens e mulheres, mas há supremacia do campo feminino.


Se o momento, século XX, apresentava a mulher como ocupadora do

espaço público, a revista em questão aproveitou-se disso, mas destinou a elas,


mulheres, ocupações e espaços nitidamente femininos.

Sobre o tema relacionamento entre homem e mulher, há vários artigos


produzidos por mulheres, que abordam, por exemplo, as férias conjugais e o divórcio.

Sobre o divórcio, no início do texto, o sujeito produtor manifesta-se


contrariamente, empregando como argumento a situação por que passa o país em

1976: a fome, a doença, a ignorância, ressaltando que é com esses fatos que devem os
políticos se preocupar e não com o divórcio. Usa, ainda, metáforas religiosas, tais como:

“apresentam o divórcio numa bandeja de ouro, como foi apresentada a cabeça


de João Batista à pecadora Salomé”,

donde se infere o sentido de divórcio como pecado, contra as leis da Igreja.


Além disso, o divórcio é apresentado como desestruturador da sociedade,

ou, pelo menos de um tipo específico de sociedade, conforme se verifica em “o divórcio

só irá abalar ainda mais nossa pequena estabilidade constitucional”; como “cavalo de
Tróia”, cujo interior está repleto de “amargura, insegurança, neurose, frustração e

solidão”. Acreditamos ser pertinente a indagação sobre que frustrações e amarguras o


divórcio acarreta. Para nós, muitas vezes, as mulheres, por serem vistas como sujeitos
destinados, naturalmente, à família, são apresentadas como as responsáveis pela

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 05 - A Mulher em Revista: Anos 80 a 90 – Mulher e Trabalho Relacionamentos e Múltiplos Papéis.
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

desestruturação dessa instituição. Fora da família, não teriam mais o espaço único e
privilegiado de atuação e convívio.

Cabe assinalar que, antecipando a imagem do interlocutor defensor do


divórcio, o produtor do texto refere-se às possíveis vantagens do mesmo, empregando

os verbos no futuro do pretérito, cujo efeito de sentido é o de indicar uma


possibilidade, uma probabilidade remota. Assim, mesmo para os “casais desajustados

que pensariam em construir uma nova vida, em busca da felicidade”, o divórcio se


configuraria como algo maléfico, pois criaria dramas de consciência e multiplicaria os

problemas, atingindo os filhos e provocando a desestruturação familiar. Pois bem,


sendo a mulher a “dona” da casa, a “rainha” do lar, quem seria o responsável pelos

desajustes familiares?

BUSCANDO CONHECIMENTO

Finalmente, recorrendo ao discurso religioso, o sujeito produtor corrobora


a posição da igreja sobre a indissolubilidade do casamento, negando, dessa maneira, as

tendências sociológicas. Além disso, em tom laudatório clama pela luz divina para que
interceda nos cérebros dos deputados e para que não aprovem o divórcio e, no futuro,

esses mesmos deputados não aprovem o “aborto”, entrecruzando, dessa maneira, os


muitos fios dialógicos entre o político e o religioso prol da estrutura familiar e social,

que é histórico e culturalmente possibilitado.


Ainda sobre o relacionamento homem/mulher, um texto instaura como

interlocutor a mulher que sai de casa de férias sem o marido, mas com os filhos.

Nesse texto, há referências explícitas sobre o discurso do “tudo pode para


os homens”, inclusive aventuras amorosas. Assim, num discurso bem feminista, o sujeito

revela as falsidades das quais os maridos se apoderam para assumirem outros papéis,
como o de “coitados”. Para isso, ao lado das práticas masculinas “escrevem cartas
diárias às esposas, contando suas desventuras por estarem abandonados, como um

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 05 - A Mulher em Revista: Anos 80 a 90 – Mulher e Trabalho Relacionamentos e Múltiplos Papéis.
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cachorro sem dono”, explicita-se o discurso feminino “coitadinho, tão sozinho em casa,
enquanto eu me divirto com as crianças”, inferindo-se, portanto, o já-dito sobre a

submissão e a culpabilidade da mulher, ou quanto é fácil enganá-la.


Se, de um lado, a mulher deixa o marido e o lar para passear; do outro,

carrega os filhos consigo. Então, o questionamento a ser feito é: Quem realmente está
de férias, está se divertindo?

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 06 - A Mulher em Revista: Anos 80 a 90 – Mulher e Trabalho Relacionamentos e Múltiplos Papéis Parte
II
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE

Objetivo: Continuar a reflexão iniciada na unidade anterior.

ESTUDANDO E REFLETINDO

Sobre o tema A mulher e seus múltiplos papéis, selecionamos três artigos

produzidos por duas mulheres e por um homem.


No primeiro deles, publicado em 1977, cujo produtor é um homem, no

próprio título, há remissão aos papéis destinados à mulher: “A mulher: a mãe, a


namorada”.

No início, o produtor faz um retrospecto sobre esses papéis

“Parece que ainda a vejo, mulher-companheira! Era linda, em sua elegância


natural, sua pele rósea (...) nunca lhe faltava conformação e paciência, com o homem e

com os filhos. A mulher namorada e a mulher mãe! Queria ser agradável, servir, ser
mulher, ajudar, doar-se, amar enfim”.

Nesse discurso, está clara a submissão, o anular-se, para viver a vida do marido

e dos filhos; o discurso da mãe “para isso foi feita, a mais sublime de todas as missões”.
Uma vez mais cabe um questionamento, ou seja, quem define tal sublimidade? Não

seria uma sociedade patriarcal, pautada por padrões, conceitos e discurso, em sua
maioria, masculinos, brancos e heterossexuais?

Chama-nos a atenção o fato de o sujeito produtor elencar esses discursos


sobre a mulher mãe, para, em seguida, remeter-se ao novo discurso sobre e da mulher

livre, competidora. Assim, em posição masculina e machista, instaura a oposição


“mulher que sabe fazer café, cozinhar, arrumar a casa, tornando-a abrigo, paraíso” e
“mulher sem elegância, com calça Lee desbotada ou cabelos despenteados,
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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 06 - A Mulher em Revista: Anos 80 a 90 – Mulher e Trabalho Relacionamentos e Múltiplos Papéis Parte
II
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

procurando nos gestos e na vida o lugar que não é seu! Ou então na noite e dia

buscando, no trabalho, que gera miséria e marginalização, o dinheiro que impede o


homem de ganhar, porque a prefere mais submissa, mais barata”. O naturalmente,

feminino - beleza, capacidade e talento para as tarefas domésticas e dedicação - perde,


assim, seu brilho natural pelo que seria socialmente permitido. Assim, é possível

detectar discursos que assujeitam e ordenam a construção do sujeito “mulher”, vários


deles escritos, inclusive, por mulheres.

Algumas questões podem ser levantadas sobre esse posicionamento


discursivo. O primeiro deles diz respeito aos novos lugares ocupados pela mulher. Em

outras palavras, quem destinou a ela o lar e o fogão? Não teriam sido os próprios
homens? Outro refere-se à negação explícita que o sujeito faz da mulher que usa calça

Lee, da mulher que executa tarefas diferentes daquelas a ela destinadas. Assim,
calcando-se no discurso da mulher “carinho”, “mulher namorada”, “mulher mãe”, enfim,

mulher Amélia, o sujeito produtor abomina a que executa outras tarefas. Na verdade,
ser mulher, para ele, é repetir os modelos e papéis que ele assume e dos quais não

abre mão.
Outro texto faz referência às múltiplas facetas da mulher, citando de Eva a
Barbarella. Assim, tomando como ponto de partida a descoberta que Eva fez sobre a
nudez, analogamente, o sujeito produtor vê a nova mulher: a que “tira os véus, desata

as fitas, joga fora os quimonos, ganha o pão, o batom, a pílula com o suor de seu
rosto”. Trata-se da mulher moderna, capaz de executar atividades iguais às dos

homens, da mulher que usa como armas o “cálido olhar, a carícia das mãos, a seda da
pele, a chama misteriosa da espécie, a quentura do sorriso”. É a mulher sedutora, que

tem querer próprio, ciente da sua subjetividade, é a posse e uso de sua sexualidade,
condição socialmente a ela negada.

Acreditamos ser esse discurso uma polissemia discursiva, isto é, a partir

de um já dito, rompe-se com ele e se instaura um novo dizer. E esse novo dizer é fazer
o que os homens fazem, sem, entretanto, perder os doces mistérios da sedução. É

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 06 - A Mulher em Revista: Anos 80 a 90 – Mulher e Trabalho Relacionamentos e Múltiplos Papéis Parte
II
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

vestir-se das múltiplas identidades: mãe, mulher, amante, profissional, sem ser

sobredeterminada por nenhuma em específico, sabendo que as identidades são


múltiplas, podendo, inclusive ser nômades, como indica Tânia Swain. É assim a nova

mulher, segundo esse sujeito produtor: uma nova Eva, vibrante, pronta para descobrir o
paraíso perdido, e que não pertence ao sexo frágil, pois esse “sexo frágil” deixa de ser

visto como natural e eterno, passando a ser histórico e datado.


Essa nova mulher aparece reproduzida e assumida em um outro texto,

também produzido por mulher.


Nele, o sujeito produtor recorre à voz de um locutor, uma freira da Grã-

Bretanha, cujo posicionamento é contrário à submissão imposta pelos homens, no caso,


os bispos e superiores diretos. Nesse sentido, em discurso direto, observamos:

“Na estrutura atual da vida religiosa, uma freira não tem praticamente, nenhum
direito, mas sobre os ombros muitos deveres: algumas monjas se resignaram de tal

modo à situação que acabaram convencendo-se de que, ao fazer seus votos, impõem-
se renunciar a todos os direitos humanos... E, contudo, é natural que tenhamos tantas

responsabilidades. Isso significa que deveríamos, também, manter certos direitos. Há


cem anos todas as mulheres eram tratadas pelos maridos tal como as freiras são ainda
hoje tratadas pelos bispos. Ora, por que a Igreja está tão atrasada em relação aos
direitos que a sociedade aceita como direitos inalienáveis da mulher?”.

Nessas ponderações, está evidente a aceitação de que a mulher é outra,


não importa sua opção social ou religiosa, ao mesmo tempo em que podemos inferir

que as relações de submissão entre marido e mulher são reproduzidas nas instituições
religiosas. Esse é o paralelo traçado pela freira que afirma:

“Até agora, foram sempre os homens que decidiram a que horas devemos
levantar-nos, a que horas devemos almoçar e como devemos trajar-nos. Trata-se, no

entanto, de problemas que nós saberíamos resolver melhor sozinhas”.

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 07 - A Mulher em Revista: 2000 a 2011
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE

Objetivo: Efetuar um estudo sobre a representação da mulher nos textos publicitários

de 2000 a 2011
Na unidade anterior, examinamos os textos produzidos por e sobre

mulheres, veiculados na Revista Feiticeira. Para esta unidade, a temática


abordada será a mulher nos textos publicitários da última década.

ESTUDANDO E REFLETINDO

Antes de abordarmos a mulher no texto publicitário da ultima década, faz-se


importante tecermos algumas considerações sobre o texto publicitário.

O discurso publicitário, muito mais do que informar sobre um determinado


produto, contribui para definir a representação que nós nos damos do mundo que nos

rodeia. Nesse sentido, ao discurso de apresentação dos objetos sobrepõe-se o discurso


figurativo de representação dos sujeitos desejantes (Landowisky, 1996: 105).

Os valores de prazer, de mudança para uma vida melhor, de beleza, de


juventude, entre outros, figurativizados na mensagem publicitária, não se encontram

apenas no objeto descrito, mas refletem, na imagem construída, os desejos do público


que os almeja.

Nesse caso, a mensagem publicitária, além da valorização do objeto,

constitui a identidade do seu público, pois constrói, no texto, a imagem do sujeito


desejante, cumprindo a sua verdadeira função informativa, ou seja, informar nosso

desejo.
Segundo Berger (1972: 58),

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 07 - A Mulher em Revista: 2000 a 2011
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

“a busca da felicidade pessoal foi reconhecida como um direito universal. No


entanto, nas condições reinantes o indivíduo sente-se impotente. Vive uma contradição

entre o que é e o que gostaria de ser”.

É justamente esse conflito que a mensagem publicitária explora, ao


mostrar um mundo do vir a ser e negar a monotonia cotidiana.

Vale dizer que os valores fixados para a mulher são materializados nos
textos publicitários, principalmente, de épocas mais antigas. Assim, a mulher surge

como a responsável pelos cuidados dos mínimos detalhes da vida dos membros de sua
família, prevenir-se sobre a manifestação de qualquer doença de seus membros,

corroborando o papel de protetora do lar, de guardiã do equilíbrio da família, como


podemos observar no texto abaixo.

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 07 - A Mulher em Revista: 2000 a 2011
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

O texto acima deixa bem clara a imagem da mulher protetora. Ao afirmar:

“Para os meus...”, pode-se inferir que há uma referência a todos os membros de sua
família, que, embora não nomeados estão implícitos no uso das reticências

empregadas. Além disso, há que se destacar o slogan: Leite Ninho- o melhor do


mundo! Assim, para a família só serve o melhor do mundo.

BUSCANDO CONHECIMENTO

A trajetória da mulher muda com o passar do tempo. Da rainha do lar já

podemos evidenciar uma imagem de mulher empresária, executiva, cujo espaço de


trabalho não é mais o lar, como podemos verificar abaixo.

Da imagem de uma mulher passiva, abnegada, sombra do homem surge uma

nova imagem de mulher, simbolizada pela independência, pela força, pela luta para
transformar a realidade cotidiana e, principalmente, como um ser com desejos que não

precisam ser escondidos ou camuflados. Observe bem a imagem abaixo.

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 07 - A Mulher em Revista: 2000 a 2011
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

Da mulher dona de casa, rainha do lar, submissa ao homem, assexuada, pois

seus desejos e ímpetos sexuais não podiam ser mostrados, surge uma nova mulher
capaz de tomar iniciativa em busca de um afeto, como podemos observar na imagem

acima.

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 08 - A Mulher em Revista: 2000 a 2011 Parte II
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE

Objetivo: Continuar a reflexão iniciada na unidade anterior.

ESTUDANDO E REFLETINDO

[...] A associação entre produtos e mulheres sensuais pode ser inferida nesse
texto, por meio das alusões visuais e verbais. No visual, observamos a mulher com

pernas bem feita e bem à mostra, pois usa um vestido curto e insinuante. Vale dizer
que a cor do vestido: vermelha carrega consigo toda uma simbologia de pecado, pois

Eva, segundo a Bíblia, mordeu a maça vermelha instaurando o pecado na humanidade.


O apelo verbal explicita-se no slogan: Levanta o bumbum e sua auto-estima”.

Vale dizer que a autoestima pode referir-se à sensação de bem estar da mulher, como
também pode implicar maior capacidade de sedução.

Chama-nos atenção o fato de o homem e a mulher não serem visualizados em


sua totalidade, pois a cabeça de ambos não está refletida na imagem. Ora, se a cabeça,

o rosto de cada um dos personagens estivesse à mostra seria uma individualização, isto
é, seres específicos. No entanto, é possível uma leitura de generalização, ou seja,

qualquer mulher que usar meias TriFil é capaz de seduzir e imobilizar o homem por
meio de seus encantos.

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 08 - A Mulher em Revista: 2000 a 2011 Parte II
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

O objeto veiculado no texto acima é a Meia, razão pela qual estão em destaque,

no foco de luz, as partes consideradas atraentes e sedutoras da beleza feminina: pernas


e busto.

Na mensagem verbal: “Use Meias Flow. Mas cuidado com o assédio do


presidente” é possível estabelecermos uma intertextualidade com o caso Mônica, ex-

estagiária da Casa Branca no governo Clinton.


O que mais nos intriga é que as meias exercem um papel de objeto mágico, pois

o simples fato de usá-las dota a mulher de possibilidade de conquistar até um


presidente.

Em Rago, observamos:
Na sociedade atual, as relações entre o homem e a mulher são falsas e imorais,
porque se fundam em interesses econômicos e consagram uma situação de
dominação: a mulher se torna escrava do homem, a quem deve obedecer
servilmente. Isto, por sua vez, significa sua total anulação social, refletindo a
hipocrisia dos sentimentos. (RAGO, 1997: 105)

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 08 - A Mulher em Revista: 2000 a 2011 Parte II
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

A partir daí introduzimos um questionamento: será que é assim mesmo? Será


que a situação de dominação a que a mulher se submete continua? Para responder a

esses questionamentos, observe, atentamente, as imagens abaixo. Trata-se de um


único texto, mas veiculado em páginas diferentes.

Nesta primeira parte da peça publicitária da Du Loren, observamos uma mulher

jovem com um homem bem mais velho. A mulher, ao alimentar seu marido na boca,
endossa o papel a ela atribuído no tempo: a “cuidadora” da família, retomando as

afirmações de Rago, citadas acima. Agora, atente bem, para a segunda parte do texto.

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 08 - A Mulher em Revista: 2000 a 2011 Parte II
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

Ora, ao dizer: Casamento começa com “meu bem” e termina com “Meus bens”,

já não constatamos uma mulher submissa, mas uma mulher que planeja, a mulher que
seduz para tirar vantagem, no caso em questão, os bens advindos do casamento.

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 09 - Mulheres e Espaços
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE

Objetivo: Explicitar de maneira sucinta a trajetória da mulher na ocupação de espaços

extramuros.

ESTUDANDO E REFLETINDO

Dentre as várias profissões ocupadas pela mulher, chama-nos a atenção a de


policial feminino, uma vez que tal profissão era exclusividade do sexo masculino. Ainda

hoje, há um percentual infinitamente superior de homens integrando o quadro dessa


profissão.

Para Antunes (1992), a própria opção da mulher em exercer este espaço de ação
é singular. Concordamos com essa afirmação e aliamos a ela o fato de essa opção

poder caracterizar o movimento de polissemia discursiva, ou seja, o já dito retorna de


forma diferente, produzindo uma ruptura nos processos de significação, conforme

Orlandi (1999). Entretanto, o exame sobre a história do policial feminino revela-nos que
os textos produzidos na criação da corporação caracterizam-se por movimentos de

paráfrase, isto é, o mesmo que volta, apenas com roupagens diferentes, no novo dizer.
Ao ser criada, no Brasil, a polícia feminina consideraram-se os discursos que

revelam as diferenças entre homens e mulheres. Assim, explicita-se que a polícia


feminina foi criada, porque as mulheres solucionam melhor as tarefas da polícia

preventiva e da polícia assistencial. Conforme se depreende do Guia do Policial

Feminino,
“a polícia feminina destina-se a executar tarefas de policiamento às quais, pela
natureza, melhor se ajuste o trabalho feminino, em razão de sua formação
psicológica peculiar, principalmente as que se referem à proteção de menores
e mulheres”.
Nesse discurso, há a figura da mulher possuidora do sexto sentido e da mãe que

dá proteção, evidenciando, portanto, o caráter meramente assistencial. Além desse

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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ARARAS “DR. EDMUNDO ULSON” – UNAR”
Gênero e Sexualidade
UNIDADE 09 - Mulheres e Espaços
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

caráter social, há, no Guia, imposições como: uso de batom, uso de esmalte claro nas
unhas e obrigatoriedade de cabelos presos, durante o horário de trabalho. Trata-se de

regulamentos que, a nosso ver, acentuam a diferença entre homens e mulheres, uma
vez que impõem hábitos especificamente femininos, não deixando opção de a mulher

usar ou não batom, por exemplo.

BUSCANDO CONHECIMENTO

O interesse pelo tema: a Mulher Na Carreira Policial nasceu por ocasião de um


curso de Língua Portuguesa que ministrava a esses profissionais, pois, a todo momento,

percebíamos que o policial feminino apregoava ora um discurso de igualdade, ora de


desigualdade, em relação aos colegas do sexo masculino. A partir daí, nosso interesse

foi verificar como o já dito retorna no novo dizer, orientados pela seguinte questão: nas
produções escritas há movimentos de paráfrase ou de polissemia?

Nos textos analisados, observa-se que seus produtores, mulheres policias,


procuram destacar, logo no início, a relação de igualdade em relação aos homens.

Normalmente, o que se vê são colocações sobre a inserção da mulher no quadro da


polícia militar, caracterizando, portanto, uma ruptura nos processos de significação: a

mulher sai do espaço interno a ela confinado, passa a ocupar o espaço externo, não
mais o da “cozinha”, como nos revelam os seguintes trechos, abaixo relacionados.
1 -“A profissão de “policial feminino” é mais uma conquista da mulher, em um
campo ocupado antes exclusivamente por homens”.
2 -“A mulher, na sociedade, vem desenvolvendo um excelente trabalho dentro
das várias profissões, alcançando inclusive cargos que exigem liderança”
3 -“Diante da “Amélia, mulher de verdade”, muito de nós mulheres lutamos
para conseguir um lugar de destaque que, em determinadas profissões, era
privilégio dos homens”
4 -“Nos dias de hoje, é normal as pessoas vêem (sic) mulheres trabalhando em
profissões, que antigamente, eram ocupadas só por homens”
5 -“No mundo inteiro e no trabalho, nós mulheres, estamos garantindo nosso
espaço”.
6 -“A mulher a cada dia vai conquistando o valor de seu trabalho em várias
profissões. É comum encontramos muitas delas ocupando cargos de confiança
e respeito. A profissão de “Policial Militar” é um exemplo claro, pois temos
desde o Soldado Feminino até o Comandante”.

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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ARARAS “DR. EDMUNDO ULSON” – UNAR”
Gênero e Sexualidade
UNIDADE 09 - Mulheres e Espaços
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

Em todos os seis fragmentos está claro o novo posicionamento da mulher, a


ruptura com o discurso de que ela é só para a cozinha e o surgimento do novo, isto é,

ela pode exercer qualquer outra atividade. Surge, então, a mulher líder, a mulher que
ocupa cargos importantes, a mulher, que diante da “Amélia”, que sabe lavar e cozinhar,

luta para conseguir lugar de destaque, deixando implícito que a Amélia ocupa cargo
inferiorizado. Entretanto, esse discurso polissêmico não se sustenta no decorrer dos

textos analisados, pois há a retomada do movimento parafrástico, isto é, há a retomada


do discurso que distingue os dois sexos.

Outro ponto a assinalar sobre as redações analisadas refere-se ao fato de os


policiais femininos se contradizerem no mesmo espaço textual. Nesse caso, mesmo

preconizando a igualdade, negam-na explicitamente, como se pode verificar no


fragmento abaixo.

“É comum encontrarmos muitas delas ocupando cargos de confiança e


respeito. Na polícia militar, a seleção é semelhante à do policial masculino,
desde os testes escritos até o físico só com uma diferença, a concorrência é
feita somente entre as mulheres e o masculino somente entre os masculinos”.

Ao afirmar que é comum muitas mulheres ocuparem cargo de confiança e

respeito, silenciou-se que tais cargos eram ocupados apenas por homens. Portanto, o
que o produtor afirma é que, hoje, há a igualdade. Em seguida, entretanto, vê-se

claramente o discurso da desigualdade, pois os exames para a carreira são feitos,


considerando-se o gênero: as provas ocorrem separadamente, isto é, só para homens e

só para mulheres.
Em uma outra produção, observamos que o sujeito, ocupando o lugar de policial

feminino, emprega a primeira pessoa, para modalizar o enunciado, mas, ao falar dos
policiais femininos, afasta-se do enunciado e usa a terceira pessoa, produzindo um

efeito de sentido de objetividade. Trata-se, na verdade, de um afastamento do sujeito,


que sai da individualidade e adota um ponto de vista geral.

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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ARARAS “DR. EDMUNDO ULSON” – UNAR”
Gênero e Sexualidade
UNIDADE 09 - Mulheres e Espaços
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

“Na condição de policial feminina, creio que se torna mais difícil, pois elas
lidam ainda com o preconceito que existe tanto da parte dos civis, como
dentro da corporação. Enfrentam todos os preconceitos devido a condição de
MULHER. Isso fica mais forte por ser um campo novo que estão conquistando,
o qual era restrito aos homens. O reconhecimento do trabalho desempenhado
pelas policiais femininas é raramente reconhecido e elogiado. Já dos policiais
masculinos é sempre reconhecido e elogiado, durante as solenidades
existentes nos quartéis. O grande tabu é que estão sempre comparando a
força do homem com a da mulher, e nisso elas ficam em desvantagem. Mas,
no caso da Polícia Militar, as mulheres desempenham um excelente trabalho
na parte burocrática, no trânsito, na área social, no trabalho com mulheres e
crianças”

Nesse fragmento, o sujeito se posiciona contrariamente aos discursos que

afirmam serem as mulheres incapazes de realizar todas as tarefas que o homem realiza.
Reclama dos preconceitos e diferenças em relação ao tratamento dispensado ao

policial feminino. Como seu posicionamento discursivo é contrário à prática


concretizada, pode-se afirmar que este sujeito ocupa uma posição discursiva que

defende a igualdade entre os gêneros. Mais uma vez, porém, esse discurso de
igualdade não é sustentado: mais uma vez as mulheres desempenham excelente

trabalho burocrático. Ora, isso é uma paráfrase do próprio guia do policial militar
feminino, conforme já citado anteriormente.

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Gênero e Sexualidade- UNIDADE 10
Mulheres Transgressoras
Profª Drª Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE

Objetivo: Analisar o discurso de mulheres presidiárias

ESTUDANDO E REFLETINDO

No início do século XX, as mulheres francesas, em decorrência da carestia de laticínios e

artigos de mercearia, organizam motins que se alastraram aos setores têxtil, chegando
aos portos industriais, embora contra elas investissem os sindicalistas, que discordavam

da sua forma de protestar (com panelas e utensílios de cozinha).

Concluindo seus estudos, Perrot afirma que as mulheres não são submissas nem
passivas. Elas se afirmam por outras palavras, outros gestos. Na cidade, na própria

fábrica, elas têm outras práticas cotidianas, elas “traçam um caminho que é preciso
reencontrar”.

Nesse caminho que se afirma “por outras palavras” e “outros gestos”, há,

acreditamos, “atalhos” de sentidos que pretendemos resgatar, norteados pela “placa


sinalizadora” da questão: até que ponto o discurso das mulheres presidiárias do interior

de São Paulo indicam sentidos assentados no confronto entre o velho e o novo dizer
das (e sobre) mulheres? Para isso, analisamos textos produzidos por vinte detentas de

cadeias públicas de Tabapuã e Fernando Prestes, cidades do interior paulista, sobre o


tema “O que é ser mulher presidiária”.

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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ARARAS “DR. EDMUNDO ULSON” – UNAR”
Gênero e Sexualidade- UNIDADE 10
Mulheres Transgressoras
Profª Drª Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

BUSCANDO CONHECIMENTO

O discurso da submissão é manifestado em alguns textos de detentas, como se


observa abaixo:

“Me falaram que tem que pedir licença para entrar na sala do
delegado. Somos dez mulheres as três mais velhas do X praticamente
não fazem nada. As sete mais novas cada dia uma pra fazer faxina no X
e cada X tem suas regras.
Temos que ter cuidado e pensar antes de falar qualquer coisa, porque
qualquer palavra errada pode gerar uma briga, as regras são rígidas,
por isso, quando chega uma nova a mais velha do X explica o que
deve e o que não deve fazer, se erramos somos chamadas atenção na
hora e perto das outras e nem pensar em reclamar se não arranja briga
com todas”

Observa-se que o valor deôntico de “ter que” indica as estruturas de poder

circulantes na sociedade que são reproduzidas em todas as circunstâncias e a elas as


presidiárias se submetem, como, por Modalidade deôntica exprime

exemplo: juízos por meio dos quais o locutor


procura agir sobre o seu
a) atitudes estereotipadas no interlocutor impondo, proibindo ou

tratamento com autoridades (pedir autorizando, a realização de uma


determinada situação.
licença ao delegado);

b) submissão às regras criadas pelas detentas mais velhas (simulacro de lugar de


autoridade). Em nenhum momento questionam por que entre elas há tratamento
Fórmulas Esteriotipadas são formas diferente, por que algumas nada fazem
prontas, repetidas e empergadas em
e outras a tudo obedecem, já que todas
certas situações. Por exemplo:
são iguais, uma vez que estão na mesma
encontrar alguém e cumprimentar;
pedir licença para adentrara certo situação pelos delitos cometidos.
local.
À exceção de dois textos, a maioria

revela-se submissa às regras, mandos e acordos de cela, num reflexo da própria


condição feminina estabelecida discursiva e historicamente como tal.

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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ARARAS “DR. EDMUNDO ULSON” – UNAR”
Gênero e Sexualidade- UNIDADE 10
Mulheres Transgressoras
Profª Drª Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

A mulher sensível, afetiva também aparece no discurso das presidiárias. A


solidariedade é traço bastante frequente em suas produções, pois dividem entre si o

que têm; consolam-se, podendo-se inferir que a imagem que elas têm da sociedade
não corresponde à união encontrada nas celas, conforme se depreende das afirmações

abaixo:

“Nesse X são todas unidas”.

“Apesar de todos os sofrimentos nós somos unidas”.

“Aqui você aprende a repartir, a conviver com pessoas completamente


estranhas”.

“Se uma está chorando, está triste, as outras correm consolar”.

Em algumas produções, verificamos afirmações referentes ao fato de a

mulher ser uma guerreira, o que nos revela o movimento da polissemia discursiva, isto
é, o já dito que retorna de forma diferente, produzindo uma ruptura nos processos de

significação, conforme Orlandi (1999). Nesse sentido, a mulher mãe e dona-de-casa,


que vivia às expensas do marido, toma para si a responsabilidade de prover a

subsistência do lar e da família. Não é mais a mulher do século XIX que apenas
complementava o orçamento doméstico, com pequenos comércios; é a que, sozinha,

sustenta seu lar.

“Guerreira é a mulher que batalha, que vai à luta pra sustentar sua casa,
criar seus filhos, que mesmo sozinha não teme a sociedade, enfim não
tem limites pra uma guerreira”.

“Sou uma guerreira, sempre trabalhei na roça como um homem pra


sustentar meus filhos”.

“A mulher é guerreira na parte de vencer e criar os filhos”.

Na noção de “guerreira”, reflete-se a iniciativa, a coragem, a ação


destemida, próprias ao papel do responsável pela criação e sustento dos filhos. Porém,

esse papel é assumido, conforme o grifado, nos fragmentos acima, como se fossem
homens, resgatando-se no dito, a visão a partir da qual foi construído: é o homem que

3
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Gênero e Sexualidade- UNIDADE 10
Mulheres Transgressoras
Profª Drª Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

trabalha na roça para sustentar os filhos; é o homem que enfrenta a sociedade para
proteger a família.

Assim, temos uma mulher que se vê guerreira, segundo a imagem do guerreiro

(ela é guerreira, mas não é guerreira).

Esse paradoxo se apresenta também em outras definições de guerreira, como se

depreende dos fragmentos abaixo:

“Ser guerreira é lutar pelos ideais”.

“Ser guerreira é ter garra, convicção em tudo o que quer”.

“Sou guerreira por estar lutando contra o tempo neste lugar. A


carência deste lugar é total em todos os sentidos”.

“Ser guerreira é poder vencer essa batalha e enfrentar essas


dificuldades sempre de cabeça erguida”.

“Ser guerreira é ser lutadora com o tempo, com a solidão em todas as


dificuldades.

O deslizar entre os papéis de homem e mulher que o contexto de análise

do “corpus” nos apresentou, revela a complexidade na delimitação entre a Eva e a


Madona, entre a guerreira e a não-guerreira, entre homem e mulher. O único elemento
central na construção de sua identidade social e que marca sua identidade de gênero é
a maternidade (a maioria fala dos filhos).

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 11 - Mulheres Transgressoras parte II
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE

Objetivo: Analisar o discurso de mulheres presidiárias

ESTUDANDO E REFLETINDO

Duas produções mostram-nos uma posição de mulher que questiona, que não

aceita o estabelecido pelas regras da sociedade e, consequentemente, as das celas.


Uma delas se posiciona logo no início e afirma: “Hoje me dou conta como

mulher “submissa” que sou que a mulher é dona de uma grande sabedoria”.
Entendemos que essa mulher, na verdade, não é mais submissa, pois , ser

submissa é aceitar a diferença estabelecida com base no sexo biológico, é aceitar que à
mulher cabem apenas o lar e os tecidos, conforme apregoavam os naturalistas. Ela é

diferente e isso pode ser comprovado no uso de aspas na palavra submissa, reflexo de
outra voz que ela introduz no texto. Essa mulher é diferente, ela não tem apenas

emoção, ela tem sabedoria e consciência. Ressalte-se, ainda, que, no decorrer de seu
texto, ela deixa marcas que nos permite dar sentido à “sabedoria” a que se refere. Para

ela, ser sábia é tirar proveito da situação em que se encontra (“aprendi a fazer tapetes
de crochê e quando sair daqui vou vender e ganhar dinheiro”). Para nós, essa é a

mulher que tem consciência de seu papel, porque, utilizando-se da memória discursiva
da submissão da mulher, ironiza-a e aproveita-se da sua experiência para tornar-se

sábia, portanto, com o poder (advindo do saber construído) de, inclusive, criticar a

sociedade a partir desse lugar.

“A sociedade é muito falsa, egoísta, mas tem poder sobre nós, encarceradas. O
grande mal da sociedade é que eles estão cegos, eles não conseguem ver que
mesmo encarcerada, nós somos úteis para eles próprios. Trabalhamos aqui
sem direito a nada, ganhamos aquilo que a gente produz”

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 11 - Mulheres Transgressoras parte II
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

A sociedade é falsa, porque faz da mulher um ser submisso, exerce poder,


porque discrimina a mulher, porque a vê como um bicho, não reconhecendo seu valor

de lutadora. A sociedade não percebe, segundo suas palavras, que a mulher


encarcerada é útil, ressaltando-se que há um novo sentido para a expressão “ser útil”,

isto é, nas palavras do sujeito, “ser útil” não significa produzir para o bem comum, não
significa ser cidadão, mas, nessa situação não ser um peso para o Estado. Nesse

sentido, ela é útil porque faz tapetes, vende e sustenta seus filhos, mesmo estando
presa. Se não os fizesse, seria a própria sociedade que deveria manter seus filhos, aí

sim, não seria útil.


Finalizando seu relato, a detenta afirma que “a mulher não é sexo frágil, é uma

heroína”, depreendendo-se, mais uma vez, o movimento da polissemia discursiva,


revelada na figura da mulher forte, questionadora sobre o seu lugar no mundo.

Outra produção que nos chamou a atenção foi a referente ao texto abaixo:

“Ser mulher na cadeia não muda nada, o que somos lá fora somos aqui
dentro. Não me sinto ‘so, não tenho tristeza, só fico triste quando vejo uma
mulher desvalorizando seu corpo, seu respeito. A falta de respeito é muito
grande aqui nessa cadeia, são mulheres que usam um argumento tão forte
que se deixar você fica até sem a calcinha”.
“Estou presa por uma grande injustiça. São uma quadrilha de traficantes que
por pouco não tira a minha vida. Tudo armação, começa na alta sociedade e
termina na favela. Uma quadrilha que matou meu filho e iria matar o outro
também e ainda olha na minha cara e diz que vai tentar de novo. Veja agora
se uma pessoa dessa merece viver em sociedade e ainda diz que estuda
Direito. Veja como são as coisas, nós, pessoas de bem temos que aceitar os
traficantes e nós não podemos fazer nada. Onde está a justiça”.

Acreditamos que esse texto, entre os vinte analisados, é o segundo que revela
uma mulher que é ciente do seu papel como “guerreira”, semelhante à anterior: assume

o encarceramento “sem tristeza”, como resgate de sua pena, critica a mulher que
desvaloriza o corpo, critica a companheira que cede às regras da cela (“... se deixar você

fica até sem a calcinha:); critica a sociedade, pois sente-se injustiçada (“...a quadrilha de
traficantes...”, “tudo armação”, “...e ainda diz que estuda Direito”, “...onde está a

justiça?”).
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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 11 - Mulheres Transgressoras parte II
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

É interessante observar que, em relação a essa detenta, o carcereiro


recomendou-nos a não-utilização de seu texto pelo fato de ela “ser louca”, pois havia

queimado suas roupas, só lhe restando a do corpo, além de mentir a respeito do


assassinato do filho. Segundo ele, o rapaz morrera de overdose.

Essa recomendação, na verdade, indica que o “ser louca” é qualidade atribuída a


ela, segundo uma imagem pré-estabelecida que o carcereiro tem da mulher. Se ele a

visse como “guerreira”, entenderia que o queimar as roupas é uma resposta negativa às
regras impostas na cela, já que as mais velhas se assenhoram dos pertences das mais

novas. Entenderia também que seu filho havia sido morto, sim, por traficantes, que com
sua ação levaram seu filho à morte por overdose. Enfim, ela é uma guerreira.

É nesse “atalho” das celas dos presídios analisados que constatamos ser muito
complexos os caminhos para “reencontrarmos” (conforme Perrot) a mulher nos dias

atuais. Tanto nelas como na sociedade, elas se perdem na ilusão de estarem agindo
como “guerreiras”, quando, na verdade, ainda veem o mundo pelos olhos dos homens.

Das vinte produções analisadas, duas se mostram guerreiras. As outras dezoito,


nem tanto.

BUSCANDO CONHECIMENTO

Abaixo, algumas imagens de mulheres transgressoras segundo a sociedade:

(Fonte: http://www.select.art.br/article/selects/feministas-sempre)

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 11 - Mulheres Transgressoras parte II
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Nísia Floresta – Feminista Brasileira

(Fonte: http://www.select.art.br/article/selects/feministas-sempre)

Monique Wittig – Feminista Francesa

(Fonte: http://www.select.art.br/article/selects/feministas-sempre)

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 12 - Sexualidade na Infância e Orientação Sexual
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CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE

Objetivo: Analisar a questão de sexualidade e da orientação sexual.

ESTUDANDO E REFLETINDO

O trecho a seguir foi retirado dos “Parâmetros Curriculares Nacionais” onde fala

sobre sexualidade e orientação sexual. 1

Sexualidade na infância e na adolescência


Os contatos de uma mãe com seu filho despertam nele as primeiras vivências

de prazer. Essas primeiras experiências sensuais de vida e de prazer não são


essencialmente biológicas, mas se constituirão no acervo psíquico do indivíduo, são o

embrião da vida mental no bebê. A sexualidade infantil se desenvolve desde os


primeiros dias de vida e segue se manifestando de forma diferente em cada momento

da infância.
Assim como a inteligência, a sexualidade será construída a partir das

possibilidades individuais e de sua interação com o meio e a cultura. Os adultos


reagem, de uma forma ou de outra, aos primeiros movimentos exploratórios que a

criança faz na região genital e aos jogos sexuais com outras crianças. As crianças
recebem então, desde muito cedo, uma qualificação ou “julgamento” do mundo adulto

em que estão imersas, permeado de valores e crenças atribuídos à sua busca de prazer,

os quais estarão presentes na sua vida psíquica.


Nessa exploração do próprio corpo, na observação do corpo de outros, e a

partir das relações familiares é que a criança se descobre num corpo sexuado de
menino ou menina. Preocupa-se então mais intensamente com as diferenças entre os

1
Disponível: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/orientacao.pdf> acesso em: 02/07/2015.
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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 12 - Sexualidade na Infância e Orientação Sexual
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sexos, não só as anatômicas, mas todas as expressões que caracterizam o homem e a


mulher. A construção do que é pertencer a um ou outro sexo se dá pelo tratamento

diferenciado para meninos e meninas, inclusive nas expressões diretamente ligadas à


sexualidade, e pelos padrões socialmente estabelecidos de feminino e masculino. Esses

padrões são oriundos das representações sociais e culturais construídas a partir das
diferenças biológicas dos sexos, e transmitidas através da educação, o que atualmente

recebe a denominação de “relações de gênero”. Essas representações internalizadas


são referências fundamentais para a constituição da identidade da criança.

As formulações conceituais sobre sexualidade infantil datam do começo deste


século, e ainda hoje não são conhecidas ou aceitas por parte de profissionais que se

ocupam de crianças, inclusive educadores. Para alguns, as crianças são seres “puros” e
“inocentes” que não têm sexualidade a expressar, e as manifestações da sexualidade

infantil possuem a conotação de algo feio, sujo, pecaminoso, cuja existência se deve à
má influência de adultos. Entre outros educadores, no entanto, já se encontram

bastante difundidas as noções da existência e da importância da sexualidade para o


desenvolvimento de crianças e jovens.

Em relação à puberdade, as mudanças físicas incluem alterações hormonais


que, muitas vezes, provocam estados de excitação difíceis de controlar, intensifica-se a

atividade masturbatória e instala-se a genitalidade. É a fase de novas descobertas e


novas experimentações, podendo ocorrer as explorações da atração e das fantasias

sexuais com pessoas do mesmo sexo e do outro sexo. A experimentação dos vínculos
tem relação com a rapidez e a intensidade da formação e da separação de pares

amorosos entre os adolescentes.

As expressões da sexualidade, assim como a intensificação das vivências


amorosas, são aspectos centrais na vida dos adolescentes. A sensualidade e a “malícia”

estão presentes nos seus movimentos e gestos, nas roupas que usam, na música que
produzem e consomem, na produção gráfica e artística, nos esportes e no humor por

eles cultivado.

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 12 - Sexualidade na Infância e Orientação Sexual
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

A escola, sendo capaz de incluir a discussão da sexualidade no seu projeto


pedagógico, estará se habilitando a interagir com os jovens a partir da linguagem e do

foco de interesse que marca essa etapa de suas vidas e que é tão importante para a
construção de sua identidade.

A comunicação entre educadores e adolescentes tenderá a se estabelecer com


mais facilidade, colaborando para que todo o trabalho pedagógico flua melhor.

A presente proposta de trabalho com sexualidade legitima o papel e delimita a


atuação do educador neste campo.

BUSCANDO CONHECIMENTO

O TRABALHO DE ORIENTAÇÃO SEXUAL NA ESCOLA

A escola, ao definir o trabalho com Orientação Sexual como uma de suas


competências, o incluirá no seu projeto educativo. Isso implica uma definição clara dos

princípios que deverão nortear o trabalho de Orientação Sexual e sua clara explicitação
para toda a comunidade escolar envolvida no processo educativo dos alunos. Esses

princípios determinarão desde a postura diante das questões relacionadas à


sexualidade e suas manifestações na escola, até a escolha de conteúdos a serem

trabalhados junto aos alunos. A coerência entre os princípios adotados e a prática


cotidiana da escola deverá pautar todo o trabalho.

Para garantir essa coerência, ao tratar de tema associado a tão grande


multiplicidade de valores, a escola precisa estar consciente da necessidade de abrir um

espaço para reflexão como parte do processo de formação permanente de todos os

envolvidos no processo educativo.


A sexualidade é primeiramente abordada no espaço privado, por meio das

relações familiares. Assim, de forma explícita ou implícita, são transmitidos os valores


que cada família adota como seus e espera que as crianças e os adolescentes assumam.

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 12 - Sexualidade na Infância e Orientação Sexual
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De forma diferente, cabe à escola abordar os diversos pontos de vista, valores e


crenças existentes na sociedade para auxiliar o aluno a construir um ponto de auto-

referência por meio da reflexão. Nesse sentido, o trabalho realizado pela escola,
denominado aqui Orientação Sexual, não substitui nem concorre com a função da

família, mas a complementa. Constitui um processo formal e sistematizado que


acontece dentro da instituição escolar, exige planejamento e propõe uma intervenção

por parte dos profissionais da educação.


O trabalho de Orientação Sexual na escola se faz problematizando,

questionando e ampliando o leque de conhecimentos e de opções para que o próprio


aluno escolha seu caminho. A Orientação Sexual aqui proposta não pretende ser

diretiva e está circunscrita ao âmbito pedagógico e coletivo, não tendo, portanto,


caráter de aconselhamento individual nem psicoterapêutico. Isso quer dizer que as

diferentes temáticas da sexualidade devem ser trabalhadas dentro do limite da ação


pedagógica, sem invadir a intimidade e o comportamento de cada aluno ou professor.

Tal postura deve, inclusive, auxiliar as crianças e os jovens a discriminar o que pode e
deve ser compartilhado no grupo e o que deve ser mantido como vivência pessoal.

Apenas os alunos que, por questões pessoais, demandem atenção e intervenção


individuais, devem ser atendidos separadamente do grupo pelo professor ou

orientador na escola, e poderá ser discutido um possível encaminhamento para


atendimento especializado. Alunos portadores de algumas deficiências podem

eventualmente ter dificuldades de comunicação e de expressão da sexualidade e, por


isso, exigir formas diferenciadas de orientação na escola, nos conteúdos e estratégias

de abordagem. Dada a expressão singular da sexualidade em cada indivíduo, também

os portadores de necessidades especiais merecem atenção diferenciada na escola,


devendo ser acionadas assessorias de profissionais especializados se necessário.

Propõe-se que a Orientação Sexual oferecida pela escola aborde com as


crianças e os jovens as repercussões das mensagens transmitidas pela mídia, pela

família e pelas demais instituições da sociedade. Trata-se de preencher lacunas nas

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 12 - Sexualidade na Infância e Orientação Sexual
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informações que a criança e o adolescente já possuem e, principalmente, criar a


possibilidade de formar opinião a respeito do que lhes é ou foi apresentado. A escola,

ao propiciar informações atualizadas do ponto de vista científico e ao explicitar e


debater os diversos valores associados à sexualidade e aos comportamentos sexuais

existentes na sociedade possibilita ao aluno desenvolver atitudes coerentes com os


valores que ele próprio eleger como seus.

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 13 - Os Parâmetros Curriculares Nacionais e a Orientação Sexual
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE

Objetivo: Discutir a inclusão de orientação sexual na escola


Muito se tem discutido sobre a inclusão de orientação sexual na escola. Alguns a

defendem; outros, a criticam. E você, o que pensa? Vamos discutir a temática com
vistas a dotá-lo de conhecimentos sobre o assunto

ESTUDANDO E REFLETINDO

Há que se destacar que, nos PCNs, encontra-se clara a necessidade de se trabalhar a

orientação sexual na escola, embasando-a nos seguintes pressupostos:


a) a inclusão de sexualidade na escola é uma discussão que remonta há tempos,

mais precisamente, desde a década de 70, como consequência dos movimentos


feministas e da mudança de comportamento nos anos 60;

b) abertura política que propicia a discussão sobre os conteúdos a serem


trabalhados pela escola;

c) crescimento de gravidez na adolescência;


d) riscos de contaminação pelo vírus HIV;

e) influência da mídia que, muitas vezes, veicula imagens eróticas e estimula as


fantasias das crianças.

Você já parou para pensar no conceito de sexualidade? O que você entende por
esse termo? A Organização Mundial da Saúde (1975) define sexualidade como:
“A sexualidade forma parte integral da personalidade de cada um.
É uma necessidade básica e um aspecto do ser humano que não pode ser
separado de outros aspectos da vida.
A sexualidade não é sinônimo de coito e não se limita à presença ou não do
orgasmo.
Sexualidade é muito mais do que isso, é a energia que motiva encontrar o
amor, contato e intimidade, e se expressa na forma de sentir, na forma de as
pessoas tocarem e serem tocadas.
A sexualidade influencia pensamentos, sentimentos, ações e interações e
tanto a saúde física como a mental.

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 13 - Os Parâmetros Curriculares Nacionais e a Orientação Sexual
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

Se a saúde é um direito humano fundamental, a saúde sexual também deveria


ser considerada como um direito humano básico.”

Sexualidade, como afirmado no documento acima, é parte integrante do ser


humano, ignorá-la representa um silenciamento de algo tão normal e frequente em

todas as etapas, determinando sentimentos, ações e interrelacionamentos.


Cabe um questionamento
Tabus são temas proibidos, são
agora: O que a escola faz quanto a interdições. Por exemplo, há muito
assuntos sexuais? Simplesmente os tempo, para se referir à palavra
câncer, considerada tabu, empregava-
considera tabu e delega à família a
se o termo “doença ruim”.
função de educação sexual de seus
filhos. Na verdade, sexualidade era

circunscrita às portas de banheiros e muros das escolas, no entanto, hoje, ela invade as
salas de aula, quer com perguntas, quer com piadinhas.

A proposta dos PCNs é que a orientação sexual deixe de ser tabu, deixe de ser
tema com algumas poucas respostas evasivas de docentes e de pessoal que trabalha na

escola e passe a ser um estudo sistematizado. O que se pretende é que a curiosidade


seja satisfeita, por meio do conhecimento que conduza alunos a um posicionamento

crítico e reflexivo.
É evidente que a meta com a Orientação Sexual na escola é cuidar da saúde de

seus alunos, principalmente, no que diz respeito às doenças sexualmente transmissíveis:


AIDS, doenças venéreas, HPV e gravidez precoce e não planejada.
Deve integrar, ainda, a Orientação Sexual, debates sobre métodos
contraceptivos, conhecimento sobre anticoncepcionais, com vistas a homens e

mulheres tomarem conhecimento e decisões sobre a fertilidade.


Outro aspecto a ser tratado nessa orientação refere-se a abusos sexuais de

crianças e jovens, frequentes nas redes de pedofilia. Além disso, há que se debaterem
discussões de questões polêmicas, tais como masturbação, iniciação sexual, o “ficar”, o

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 13 - Os Parâmetros Curriculares Nacionais e a Orientação Sexual
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

namoro, homossexualismo, prostituição, aborto e pornografia por meio de princípios


(PCNs, 1997, p. 293).

BUSCANDO O CONHECIMENTO

Os PCNs estabelecem como objetivos de Orientação Sexual na escola:

• Contribuir para que os alunos possam desenvolver e exercer sua sexualidade


com prazer e responsabilidade;

• Propiciar o exercício da cidadania na medida em que propõe o desenvolvimento


do respeito a si e ao outro;

• Contribuir para garantir direitos básicos a todos, como a saúde, a informação e o


conhecimento, elementos fundamentais para a formação de cidadãos

responsáveis e conscientes de suas capacidades. (PCNs, 1997)


A materialização dos objetivos acima deve dotar os alunos de capacidades

para:
• respeitar a diversidade de valores, crenças e comportamentos relativos à sexualidade,

reconhecendo e respeitando as diferentes formas de atração sexual e o seu direito à


expressão, garantida a dignidade do ser humano;

• compreender a busca de prazer como um direito e uma dimensão da sexualidade


humana;

• conhecer seu corpo, valorizar e cuidar de sua saúde como condição necessária para
usufruir prazer sexual;

• identificar e repensar tabus e preconceitos referentes à sexualidade, evitando

comportamentos discriminatórios e intolerantes e analisando criticamente os


estereótipos;

• reconhecer como construções culturais as características socialmente atribuídas ao


masculino e ao feminino, posicionando-se contra discriminações a eles associadas;

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 13 - Os Parâmetros Curriculares Nacionais e a Orientação Sexual
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

• identificar e expressar seus sentimentos e desejos, respeitando os sentimentos e


desejos do outro;

• reconhecer o consentimento mútuo como necessário para usufruir prazer numa


relação a dois;

• proteger-se de relacionamentos sexuais coercitivos ou exploradores;


• agir de modo solidário em relação aos portadores do HIV e de modo propositivo em

ações públicas voltadas para prevenção e tratamento das doenças sexualmente


transmissíveis/Aids;

• Conhecer e adotar práticas de sexo protegido, desde o início do relacionamento


sexual, evitando contrair ou transmitir doenças sexualmente transmissíveis, inclusive o

vírus da Aids;
• Evitar uma gravidez indesejada, procurando orientação e fazendo uso de métodos

contraceptivos;
• consciência crítica e tomar decisões responsáveis a respeito de sua sexualidade.

Ainda no documento citado, recomenda-se o trabalho de conteúdos


organizados em:

• Corpo: matriz da sexualidade


• Relações de Gênero

• Prevenção das Doenças Sexualmente Transmissíveis / Aids.

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 14 - Estudos sobre Gêneros
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE

Objetivo: Refletir sobre a condição feminina da sociedade contemporânea.

ESTUDANDO E REFLETINDO

O conceito de Gênero é bastante amplo e complexo, para isso, apresento um

excerto do artigo desenvolvido pela pesquisadora Miriam Pillar Grossi 1 sobre o assunto.

Os Estudos de Gênero
O conceito de gênero chegou até nós através das pesquisadoras norte-

americanas que passaram a usar a categoria "gender" para falar das "origens
exclusivamente sociais das identidades subjetivas de homens e mulheres". A ênfase

colocada na "origem social das identidades subjetivas" não é gratuita. De fato, não
existe uma determinação natural dos comportamentos de homens e de mulheres,

apesar das inúmeras regras sociais calcadas numa suposta determinação biológica
diferencial dos sexos usadas nos exemplos mais corriqueiros, como ”mulher não pode

levantar peso”ou ”homem não tem jeito para cuidar de criança”.


Como a Antropologia Feminista tem mostrado, essa explicação da ordem

natural não passa de uma formulação ideológica que serve para justificar os
comportamentos sociais de homens e mulheres em determinada sociedade. No caso

das sociedades ocidentais, a biologia é uma explicação de grande peso ideológico, pois

aprendemos que ela é uma ciência e que, portanto, tem valor de verdade. Jane Flax,
uma das teóricas feministas pós-modernas, ensina que a ciência surge no Ocidente

com o Iluminismo. A ciência, tal como a conhecemos, parece dar explicações "neutras"

1
Disponível:
<http://joomla.londrina.pr.gov.br/dados/images/stories/Storage/sec_mulher/capacitacao_rede%20/modulo_2
/grossi_miriam_identidade_de_genero_e_sexualidade.pdf.>
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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 14 - Estudos sobre Gêneros
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

e "objetivas" para as relações sociais. No entanto, a ciência que aprendemos desde a


escola reflete os valores construídos no Ocidente desde o final da Idade Média, os quais

refletem apenas uma parte do social: a dos homens, brancos e heterossexuais. Sempre
aprendemos que Homem com H maiúsculo se refere à humanidade como um todo,

incluindo nela homens e mulheres. Mas o que os estudos de gênero têm mostrado é
que, em geral, a ciência está falando apenas de uma parte desta humanidade, vista sob

o ângulo masculino, e que não foi por acaso que, durante alguns séculos, havia poucas
cientistas mulheres.

O conceito de gênero está colado, no Ocidente, ao de sexualidade, o que


promove uma imensa dificuldade no senso comum – que se reflete nas preocupações

da teoria feminista – de separar a problemática da identidade de gênero e a


sexualidade, esta marcada pela escolha do objeto de desejo. Para ilustrar melhor minha

perspectiva teórica a respeito da problemática de gênero, refletirei, nos itens que se


seguem, sobre a constituição individual da identidade de gênero e a forma como

adquirimos nossa identidade de gênero, feminina ou masculina.

BUSCANDO CONHECIMENTO

O que é gênero?

Ora, o indivíduo não pode ser pensado sozinho: ele só existe em relação. Basta
que haja relação entre dois indivíduos para que o social já exista e que não
seja nunca o simples agregado dos direitos de cada um de seus membros, mas
um arbitrário constituído de regras em que a filiação (social) não seja nunca
redutível ao puro biológico (HÉRITIER, 1996: 288 – tradução minha)
Por “gênero”, eu me refiro ao discurso sobre a diferença dos sexos. Ele não
remete apenas a ideias, mas também a instituições, a estruturas, a práticas
cotidianas e a rituais, ou seja, a tudo aquilo que constituías relações sociais. O
discurso é um instrumento de organização do mundo, mesmo se ele não é
anterior à organização social da diferença sexual. Ele não reflete a realidade
biológica primária, mas ele constrói o sentido desta realidade. A diferença
sexual não é a causa originária a partir da qual a organização social poderia ter
derivado; ela é mais uma estrutura social movediça que deve ser ela mesma
analisada em seus diferentes contextos históricos (SCOTT, 1998: 15 – tradução
minha).

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 14 - Estudos sobre Gêneros
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

Françoise Héritier (1996), em sua coletânea sobre o pensamento da diferença

sexual, insiste sobre o fato de que o gênero se constrói na relação homem/mulher, uma
vez que não existe indivíduo isolado, independente de regras e de representações

sociais. Joan Scott (1998), em recente definição da categoria gênero, ensina-nos que o
gênero é uma categoria historicamente determinada que não apenas se constrói sobre

a diferença de sexos, mas, sobretudo, uma categoria que serve para “dar sentido” a esta
diferença. Concordo com essas definições e penso que, em linhas gerais, gênero é uma

categoria usada para pensar as relações sociais que envolvem homens e mulheres,
relações historicamente determinadas e expressas pelos diferentes discursos sociais

sobre a diferença sexual.


Gênero serve, portanto, para determinar tudo que é social, cultural e

historicamente determinado. No entanto, como veremos, nenhum indivíduo existe sem


relações sociais, isto desde que se nasce. Portanto, sempre que estamos referindo-nos

ao sexo, já estamos agindo de acordo com o gênero associado ao sexo daquele


indivíduo com o qual estamos interagindo. Por exemplo, alguma de vocês, mulheres, já

pensou alguma vez em assinalar M e não F nos inúmeros formulários que temos de
preencher em nossa vida cotidiana? E vocês acham que a burocracia que lê estes

formulários age de forma igual frente a indivíduos classificados como M ou F? Na


verdade, sempre agimos como mulheres socialmente programadas e não, como

costumamos pensar, como mulheres biologicamente determinadas. É claro que


podemos (e devemos) modificar cotidianamente aquilo que é esperado dos indivíduos

do sexo feminino, pois o gênero (ou seja, aquilo que é associado ao sexo biológico) é

algo que está permanentemente em mudança, e todos os nossos atos ajudam a


reconfigurar localmente as representações sociais de feminino e de masculino. Na

verdade, em todas as sociedades do planeta, o gênero está sendo,todo o tempo,


ressignificado pelas interações concretas entre indivíduos do sexo masculino e

feminino. Por isso, diz-se que o gênero é mutável.

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 14 - Estudos sobre Gêneros
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

Gênero seria, então, um sinônimo da palavra sexo, uma vez que estou falando
de feminino e masculino? E os homossexuais, homens ou mulheres, seriam outro

gênero? E as/os travestis e transexuais? Existiria um terceiro gênero, um gênero que


não se apoiaria sobre os dois sexos? Um gênero radicalmente diferente que não

poderia ser associado a nenhum dos dois gêneros conhecidos? Não; quando falamos
de sexo, referimo-nos apenas a dois sexos: homem e mulher (ou macho e fêmea, para

sermos mais biológicos), dois sexos morfológicos sobre os quais "apoiamos" nossos
significados do que é ser homem ou ser mulher. Estas questões nos levam a refletir

sobre a problemática da homossexualidade – ou do homoerotismo, como prefiro


denominá-la. Mas, antes de entrar nesta reflexão, vou falar um pouco sobre a diferença

entre os conceitos de papéis de gênero e identidade de gênero.

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 15 - Estudos sobre Gêneros Parte II
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE

Objetivo: Refletir sobre a condição feminina da sociedade contemporânea.

ESTUDANDO E REFLETINDO

Continuando a reflexão sobre gênero desenvolvido pela pesquisadora Miriam


Pillar Grossi 1, apresento o tema sobre os papéis de gênero.

Papel é aqui entendido no sentido que se usa no teatro, ou seja, uma


representação de um personagem. Tudo aquilo que é associado ao sexo biológico

fêmea ou macho em determinada cultura é considerado papel de gênero. Estes papéis


mudam de uma cultura para outra. A Antropologia, que tem como objetivo estudar a

diversidade cultural humana tem mostrado que os papéis de gênero são muito
diferentes de um lugar para outro do planeta.

Num livro escrito em 1950 e já clássico para os estudos de gênero, chamado


Sexo e Temperamento, uma antropóloga norte-americana, Margareth Mead, mostrou

que, numa mesma ilha da Nova Guiné, três tribos – os Arapesh, os Mundugumor e os
Tchambuli – atribuíam papéis muito diferentes para homens e mulheres. Agressividade

e passividade, por exemplo, comportamentos que, em nossa cultura ocidental, estão


fortemente associados, respectivamente, a homens e a mulheres quase como uma

determinação biológica, entre estas tribos lhes eram associados de outra forma. Num
destes grupos, homens e mulheres eram cordiais e dóceis; no outros ambos eram

agressivos e violentos; e no terceiro as mulheres eram aguerridas, enquanto os homens

eram mais passivos e caseiros. A partir deste estudo, muitos outros foram feitos em
outros grupos humanos, mostrando que os papéis atribuídos a homens e a mulheres

não eram sempre os mesmos. O que acontecia até muito recentemente era que muitos

1
Disponível:
<http://joomla.londrina.pr.gov.br/dados/images/stories/Storage/sec_mulher/capacitacao_rede%20/modulo_2
/grossi_miriam_identidade_de_genero_e_sexualidade.pdf.>
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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 15 - Estudos sobre Gêneros Parte II
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

antropólogos olhavam para outras culturas com sua visão ocidental, contexto em que
as mulheres são vistas culturalmente como passivas, o que os impedia de perceber

variantes culturais do comportamento de homens e de mulheres.


Mas, além de mudarem de uma cultura para outra, os papéis associados a

machos e a fêmeas também mudam no interior de uma mesma cultura. No caso da


cultura ocidental, na qual vivemos, podemos observar a enorme importância dos

movimentos sociais da segunda metade do século XX para a transformação de


modelos esperados até então para homens e mulheres – modelos que se consolidaram

no Ocidente com o Iluminismo e com a Revolução Francesa.


Muitos textos acadêmicos e panfletos feministas produzidos no Brasil

apresentam uma visão "neo-evolucionista" da situação das mulheres no Ocidente.


Nesta perspectiva, parece que as mulheres estariam evoluindo de uma situação de

grande opressão para uma de libertação. Estes textos começam, por exemplo, falando
da mulher no tempo do homem das cavernas, quando eram puxadas pelos cabelos;

depois falam do tempo de Jesus Cristo, quando as mulheres eram apedrejadas,como


Maria Madalena; passam pela Idade Média, com exemplos das bruxas queimadas nas

fogueiras; e finalmente chegam aos dias de hoje, falando dos avanços que as mulheres
conseguiram a partir de suas lutas. Estes textos, que seguidamente são divulgados em

datas comemorativas, como o dia Internacional da Mulher, o 8 de março, acabam, de


alguma forma reificando ideias neo- evolucionistas, segundo as quais haveria uma linha

evolutiva na história das mulheres.


Mesmo reconhecendo as inúmeras situações de opressão das quais as

mulheres seguidamente foram vítimas ao longo da História, creio que não é possível

pensá-las independentemente de outros dados históricos e culturais. Muitas


historiadoras nos têm mostrado que, mesmo em épocas de grande opressão das

mulheres, havia situações e práticas nas quais elas detinham poder e reconhecimento
social. No campo da Antropologia, o mesmo tem sido feito quando se reflete sobre a

particularidade de cada sociedade, sendo possível perceber que, em muitas delas, há

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 15 - Estudos sobre Gêneros Parte II
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

espaços de poder eminentemente femininos. Para minha análise da questão, prefiro


localizar os papéis esperados de homens e de mulheres na consolidação da Sociedade

Moderna, ou seja, no advento do Iluminismo, na industrialização e na configuração do


modelo de representação política ocidental que se localiza no projeto revolucionário

iluminista. É neste projeto que se separam as esferas de público e privado, às quais são
associados os papéis de gênero contra os quais o feminismo tem lutado desde as

sufragistas.

BUSCANDO CONHECIMENTO

Que é identidade de gênero?


No item anterior, falei dos papéis de gênero e de como eles não são

biologicamente determinados e, portanto, como são mutáveis cultural e historicamente.


Abordarei, aqui, um outro aspecto da problemática de gênero, que é a questão da

identidade de gênero, algo um pouco mais complexo, porque remete à constituição do


sentimento individual de identidade.

Um psicólogo norte-americano chamado Robert Stoller (1978), o qual estudou


inúmeros casos de indivíduos considerados à época “hermafroditas” ou com os genitais

escondidos e que, por engano, haviam sido rotulados com o gênero oposto ao de seu
sexo biológico, diz uma coisa impressionante: que é " mais fácil mudar o sexo biológico

do que o gênero de uma pessoa". Para ele, uma criança aprende a ser menino ou
menina até os três anos, momento de passagem pelo complexo de Édipo e pela

aquisição da linguagem. Este é um momento importante para a constituição do

simbólico, pois a língua é um elo fundamental do indivíduo com sua cultura.


Para Stoller (1978), todo indivíduo tem um núcleo de identidade de gênero, que

é um conjunto de convicções pelas quais se considera socialmente o que é masculino


ou feminino. Este núcleo não se modifica ao longo da vida psíquica de cada sujeito,

mas podemos associar novos papéis a esta "massa de convicções". Este núcleo de

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 15 - Estudos sobre Gêneros Parte II
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

nossa identidade de gênero se constrói em nossa socialização a partir do momento da


rotulação do bebê como menina ou menino. Isto se dá no momento de nascer ou

mesmo antes, com as novas tecnologias de detectar o sexo do bebê, quando se atribui
um nome à criança e esta passa a ser tratada imediatamente como menino ou menina.

A partir deste assinalamento de sexo, socialmente se esperarão da criança


comportamentos condizentes a ele. Caso tenha havido um erro nesta rotulação inicial

(em raros casos de intersexualidade ou “hermafroditismo”, como trata Stoller), será


praticamente impossível mudar a identidade de gênero deste indivíduo após os três

anos de idade, uma vez que ele tiver superado a fase do complexo de Édipo, momento
no qual todo ser humano descobre que é único e não a extensão do corpo da mãe.

E a homossexualidade? Seria um desvio da identidade de gênero, uma vez que


o indivíduo não buscaria um "outro" diferente de si como objeto de seu desejo?

Vejamos, então, esta última questão, que nos ajuda a entender o que é gênero.

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 16 - Sexualidade e Reprodução
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE

Objetivo: Compreender a relação entre sexualidade e reprodução.

ESTUDANDO E REFLETINDO

Para refletir sobre esse tema tão pertinente aos estudos de gênero, apresento
um excerto do artigo da pesquisadora Miriam Pillar Grossi 1

Sexualidade e Reprodução

Na cultura ocidental, como já vimos, costumamos associar a sexualidade ao


gênero, como se fossem duas coisas coladas uma à outra. Por isso, costuma-se

classificar indivíduos que mantêm relações sexuais e/ou afetivas com outros do mesmo
sexo como homossexuais, uma categoria que remete imediatamente, no imaginário

ocidental, à ideia de doença, perversão ou anormalidade. Creio importante salientar


que a sexualidade – isto é, as práticas eróticas humanas – é também culturalmente

determinada. Para a maior parte das pessoas em nossa cultura, a heterossexualidade,


ou seja, a atração erótica de indivíduos de um sexo pelos de outro, é um algo

“instintivo” da espécie humana em vistas da sua autoperpetuação pela reprodução.


Sexo e reprodução são, portanto, vistos nas sociedades ocidentais como

intrinsecamente relacionados entre si, pois se considera a reprodução como


envolvendo apenas os dois indivíduos, de sexos diferentes, que se relacionaram

sexualmente. O desenvolvimento, no final do século XX, das ditas “novas tecnologias de


reprodução” tem vindo, no entanto, abalar a crença de que a reprodução é um “dom

de Deus”, fruto do intercurso sexual entre um homem e uma mulher. Hoje, inúmeros

1
Disponível:
<http://joomla.londrina.pr.gov.br/dados/images/stories/Storage/sec_mulher/capacitacao_rede%20/modulo_2
/grossi_miriam_identidade_de_genero_e_sexualidade.pdf.>
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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 16 - Sexualidade e Reprodução
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

casais e indivíduos isoladamente têm buscado reproduzir-se por inseminação artificial


ou fecundação in vitro, desvinculando, portanto, a sexualidade da reprodução.7 Em

outras culturas do planeta, mesmo sem a interferência de novas tecnologias de


reprodução, as representações sociais sobre ela não estão apenas vinculadas a uma

única e exclusiva relação sexual entre dois indivíduos de sexo oposto. Entre várias
sociedades tribais brasileiras, considera-se que o embrião não cresce sozinho e que ele

precisa ser “alimentado” pelo sêmen de um ou de vários homens, os quais vão


considerar-se os pais sociais daquela criança.

Entre os inúmeros debates políticos e jurídicos em torno das novas tecnologias


de reprodução, está-se refletindo sobre a obrigatoriedade ou não de haver dois

indivíduos de sexos diferentes para a reprodução biológica e social de uma criança.


Com o nascimento da ovelha clonada Dolly em 1997, deparamo-nos com a

possibilidade real de reproduzirmo-nos sem a necessidade de outro indivíduo. Várias


têm sido as reflexões catastróficas sobre a possibilidade de clonagem de seres

humanos, e diferentes países vêm buscando fazer leis que proíbem todo e qualquer
tipo de reprodução humana pela técnica da clonagem. Algumas feministas lésbicas, no

entanto, têm considerado a clonagem como um avanço tecnológico que permitirá às


mulheres, no futuro, reproduzir-se sem a interferência masculina, uma vez que a técnica

da clonagem necessita obrigatoriamente do óvulo feminino. Assim, portanto, começa-


se a sugerir que a heterossexualidade não será mais obrigatória nem necessária para a

reprodução da espécie humana.


Da mesma forma que hoje se discute se a heterossexualidade é necessária à

reprodução da espécie humana, no final do século XIX, por exemplo, pensava-se que o

desejo sexual era uma característica masculina e que as mulheres copulavam apenas
para as necessidades de reprodução da espécie e da família. O prazer feminino era

percebido como perigoso e patológico, sendo que passividade e frigidez eram


considerados comportamentos femininos “naturais”, portanto ideais. Hoje, com as

inúmeras contribuições da Psicanálise e dos movimentos de libertação das mulheres, o

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 16 - Sexualidade e Reprodução
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

desejo e o orgasmo femininos não são mais vistos como pecaminosos ou “antinaturais”.
Vemos, portanto, que os valores associados às práticas sexuais são marcados

historicamente.
O mesmo ocorreu em relação a práticas erótico-sexuais entre indivíduos do

mesmo sexo que, em inúmeras culturas do planeta, são vividas e experimentadas como
possíveis e não “anormais”.9 No Ocidente, segundo a análise de Michel Foucault, é no

século XIX, em virtude do advento da Medicina, que as relações entre dois indivíduos
do mesmo sexo passarão a ser rotuladas como “doença”.

Grande tem sido o debate no campo da Psicanálise desde que Freud formulou
a hipótese de que todo indivíduo é portador da bissexualidade psíquica, ou seja, da

possibilidade de desejar tanto indivíduos do mesmo sexo quanto do sexo oposto.


Poucos, no entanto, foram os psicanalistas, como Lacan e seus seguidores, que

buscaram compreender as práticas sexuais não exclusivamente heterossexuais, uma vez


que a maior parte da Psicanálise seguiu teoricamente Freud, que considerava a

homossexualidade como uma perversão, fruto de uma imaturidade psíquica.

BUSCANDO CONHECIMENTO

Homossexualidade ou Homoerotismo?
Ainda segundo Stoller (1978), a escolha do objeto sexual, de desejo, dá-se a

partir da adolescência e não interfere na identidade de gênero do indivíduo "normal",


criado segundo sua rotulação de macho ou fêmea, portanto masculino ou feminina.

Um homem que não deseje mulheres e que se sinta atraído por homens não deixa de

se sentir homem. Mas é claro que, devido a pressões sociais, alguém que não é
heterossexual se sente "diferente" daquilo que aprendeu como o comportamento

sexual correto. Mesmo as travestis sabem que são “homens”, e algumas chegam
mesmo a dizer que estão apenas "brincando" de ser mulheres ao se vestirem e se

portarem corporalmente enquanto tais. Muitas delas parecem reproduzir muito mais o

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 16 - Sexualidade e Reprodução
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

modelo de feminilidade ocidental do que as próprias mulheres, como atesta, por


exemplo, o estudo sobre travestis da Lapa no Rio de Janeiro, feito por meu colega Hélio

R. S. Silva (1993). Para Stoller (1978), ao travestir-se o indivíduo joga um jogo em que diz
"agora sou feminina", tendo, no entanto, o núcleo arcaico que lhe afirma "sou homem".

As próprias mulheres se sentem intimidadas ou provocadas com este "excesso


de feminilidade" que as travestis fazem questão de ostentar. Um exemplo disto foi dado

pela provocadora pós-feminista norte-americana Camille Paglia, numa entrevista ao


caderno Mais da Folha de São Paulo em 1994, em que ela afirmava: "aprendi a ser

mulher com as drag-queens. Me fantasio para ser mulher e consigo representar este
papel por um dia. Mas depois volto para casa, coloco uma roupa velha e não me sinto

nada sexy".
“A experiência de transexuais tem inspirado uma série de pesquisadores da

sociedade contemporânea, como Jean Baudrillard, que ousadamente afirmava, em


1987, num pequeno artigo publicado no jornal francês Libération, que, em tempos de

pós-modernidade, “somos todos simbolicamente transexuais", porque vivemos numa


era em que o corpo não deve mais ser protegido como um santuário, mas sim tem o

destino de modificar-se, de tornar-se prótese, ou seja, um simulacro de si mesmo.


Como classificar, então, segundo o gênero, por exemplo, os homossexuais

masculinos, as travestis, as drag queens? Se não são "homens", como se costuma dizer,
são, então, "mulheres"? E as lésbicas, as mulheres travestidas – os travestis –, os drag

kings? A que gênero pertenceriam? Existiria um terceiro gênero, no qual se poderiam


colocar todos estes indivíduos "desviantes"? Como se sentem estes indivíduos? Do

gênero oposto a seu sexo?

A partir de tudo que expus nos itens anteriores, não creio que exista um
terceiro gênero, porque existem apenas dois grandes modelos de identidade de

gênero: masculino e feminino. A estes dois modelos são associados atributos e


expectativas diferentes em cada cultura; e a sexualidade é apenas um dos elementos

que constituem este modelo.

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 16 - Sexualidade e Reprodução
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

Também introduzi, neste sub-título, a palavra “homoerotismo”. O que ela


significa? Quem a formulou foi o psicanalista Jurandir Freire Costa, que aplica o que as

linguistas feministas inglesas chamam "guerrilha da linguagem", ao propor que não


pensemos na homossexualidade como uma essência, uma condição imutável de alguns

sujeitos, mas como uma possibilidade presente na maior parte dos indivíduos de
desejam alguém de seu próprio sexo. Da mesma forma que não podemos falar em

gênero sem pensar em "relações" que envolvam homens e mulheres, não creio ser
possível pensar em homossexualidade como uma condição fixa, mas sim como uma

possibilidade erótica para muitos indivíduos, experiência que não configura o núcleo de
identidade dos sujeitos, apenas parte de seu reconhecimento afetivo e social.

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 17 - Educação e Gênero
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE

Objetivo: Refletir sobre a relação entre educação e gênero.

ESTUDANDO E REFLETINDO

As discussões sobre gênero também permeia no campo da educação,


refletindo a fragilidade do modelo educacional que caminha rumo à democracia,

inclusão e diversidade.
Para refletir sobre esse assunto, trago um excerto do artigo produzido pela

pesquisadora Daniela Silva Patrício 1.


A história da educação no Brasil, assim como na maioria dos países ao redor do

mundo, coincide com a história da discriminação de gênero. A formação da sociedade


brasileira, marcada pelo patriarcalismo, pelo autoritarismo e pela influência direta da

igreja católica, reflete diretamente a constituição da educação formal no país, com total
exclusão das mulheres, como nos mostra Beltrão e Alves:

A economia colonial brasileira fundada na grande propriedade rural e na mão


de obra escrava deu pouca atenção ao ensino formal para os homens e
nenhuma para as mulheres. O isolamento, a estratificação social e a relação
familiar patriarcal favoreceram uma estrutura de poder fundada na autoridade
sem limites dos homens donos de terras. Segundo Ribeiro (2000), a tradição
cultural ibérica, transposta de Portugal para a colônia brasileira, considerava a
mulher um ser inferior, que não tinha necessidade de aprender a ler e a
escrever. A educação monopolizada pela Igreja Católica reforçava o espírito
medieval. A obra educativa da Companhia de Jesus contribuiu
significativamente para o fortalecimento da predominância masculina, sendo
que os padres jesuítas tinham apego às formas dogmáticas de pensamento e
pregavam a autoridade máxima da Igreja e do Estado (2004, p. 34).

Somente no século XX essa situação começa a ser revertida. Após a Revolução

de 1930, surgem as primeiras medidas educacionais voltadas para a educação de massa


e com isso, o acesso das mulheres à escola começa a ser facilitado, porém, somente

1
Disponível: http://www.simposioestadopoliticas.ufu.br/imagens/anais/pdf/CC06.pdf, acesso em: 01/07/2015.
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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 17 - Educação e Gênero
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

com a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira) de 1961 foi garantido
acesso igualitário ao ensino superior para as mulheres que cursavam o magistério,

através da equivalência de todos os cursos de nível médio. (BELTRÃO & ALVES,2004).


Mas é com a constituição de 1988, e com a redemocratização do país que se nota

também a incorporação de demandas sociais especificas na legislação. Assim, este é um


momento singular para os grupos sociais e especificamente para o movimento

feminista.
Nesse momento, no entanto, a discussão sobre a desigualdade de sexos na

educação se restringia ao acesso igualitário entre meninas e meninos. Nota-se uma


ausência do próprio conceito de gênero nessa discussão, devido ao momento histórico

de que estamos falando, em que este conceito ainda estava sendo introduzido no
próprio movimento popular de mulheres.

A década de 1990, em que foram elaboradas as leis para a educação que


discutiremos nesse artigo, foi marcada pela implementação de medidas chamadas

neoliberais em todos os âmbitos, inclusive na educação. Este foi o contexto no qual


surgiram a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n. 9.394/1996) e dos Parâmetros

Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental – PCN.


Essa breve demarcação histórica é importante para que possamos entender a

trajetória das mulheres no âmbito da educação formal. No entanto, neste artigo


buscaremos discutir a questão de gênero na educação para além da igualdade de

inclusão de meninos e meninas na escola, tendo em vista que são pouco examinadas as
dimensões de gênero no dia-a-dia escolar, talvez pela dificuldade em refletir não

apenas sobre as desigualdades entre os sexos, mas também os significados de gênero

inerentes a essas desigualdades e pouco contemplados pelas políticas públicas


educacionais.

Para tanto, primeiramente é necessário explicitar melhor o conceito que


norteará a discussão gênero para que depois possamos passar para a análise de fato da

LDB e do PCN.

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 17 - Educação e Gênero
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

BUSCANDO CONHECIMENTO

O Conceito de gênero
O conceito de gênero, que norteará toda a nossa discussão, permite pensar em

relações que não são fixas, ao contrário, estão o tempo todo em tensão, de forma que
homem e mulher têm posições de relativa mobilidade no campo social. Sendo assim, as

identidades, primariamente sexuais, são construídas de uma forma cada vez mais social,
na medida em que ocorre um movimento de desnaturalização do sexo.

O conceito de relações sociais de sexo é utilizado pela Sociologia francesa e


responde pela construção social das diferenças entre os sexos, pressupondo
uma hierarquia social e uma relação de dominação e poder entre eles. O
conceito de gênero, mais utilizado nos estudos de língua inglesa, também
corrobora essa idéia, buscando ultrapassar as definições da ‘categoria
homem/mulher como uma oposição binária que se auto reproduz... sempre da
mesma maneira’, o que implica refutar sua constituição hierárquica natural (...)
(SCAVONE, p.24, nota de rodapé n°9; 2004).

Essas identidades, que se constroem em contraposição uma a outra, acabam


por favorecer a naturalização das desigualdades socialmente constituídas, na medida

em que prescreve ações “típicas” esperadas para cada sexo.


Segundo Butler, o gênero deve ser considerado como performativo, por não

ser uma afirmação ou uma negação, mas sim uma construção que ocorre através da
repetição de atos correspondentes às normas sociais e culturais. Sendo assim, um

gênero é um modo de subjetivação dos sujeitos, pois, “o ‘eu’ nem precede nem se
segue ao processo de atribuição de gênero, mas surge, apenas, no interior e como

matriz das próprias relações de gênero”. (Butler, 1999, p. 153).A autora argumenta ainda
que o sexo, assim como o gênero, é materializado através de práticas discursivas, de

normas que nunca são finalizadas, pois permanecem num processo constante de
reafirmação. Este processo é indispensável para a hegemonia das leis reguladoras sob

pena de enfraquecer e abrir espaços para a contestação dessas leis.

68
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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 17 - Educação e Gênero
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

Não podemos ignorar os esforços feitos ao longo dos tempos para tornar essas
relações mais igualitárias. A história dos movimentos feministas se confunde com a

própria história da luta pela igualdade entre os sexos. É importante ressaltar que esta
divisão histórica não é estanque como nos informa Scavone:

Embora possamos estabelecer esta relação temporal com períodos e lutas


distintos, estas fases não são fixas e dependem da situação histórica e política
de cada sociedade, o que nos leva a deduzir que a segmentação histórica não
pode ser aplicada com rigor às diferentes realidades (2004, p.1516).

Entre os séculos XVIII e XIX, paralelamente a uma tendência política liberal-

democrata, o movimento feminista tinha um cunho reivindicativo, ou seja, o que se


pretendia neste momento era a conquista de direitos de cidadania; Este foi o chamado

feminismo igualitário, que lutava por igualdade entre os sexos na vida pública.
Na década de 60, mais precisamente depois de 1968, começam a emergir as

questões da vida privada, e percebesse que o preconceito de gênero está no seio da


família. O espaço da vida privada passa a ser observado como um âmbito político e

econômico e consequentemente, campo de desigualdades, já que a divisão sexual do


trabalho permeia toda a sociedade.

O que hoje chamamos de feminismo contemporâneo ou pós-moderno, que


tem como expressão intelectuais feministas como Judith Butler, por exemplo, nos

demonstra como a identidade no mundo contemporâneo não passa pela determinação


biológica, mas é fluída e socialmente marcada.

Dentro deste breve panorama histórico do movimento feminista devemos


atentar para o fato de que a produção teórico-conceitual acerca do tema tem inicio no

pós68, com autoras feministas.


Até então, as ciências sociais não haviam dedicado grandes esforços neste tipo

de discussão, e a partir deste momento a conceituação criada dentro do movimento


feminista foi incorporada ao espaço acadêmico, sendo lhe atribuída maior relevância. O

próprio conceito de gênero passa por essa incorporação.

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 18 - O Feminismo no Brasil
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE

Objetivo: Compreender o feminismo no Brasil.

ESTUDANDO E REFLETINDO

Para refletir sobre esse tema tão pertinente aos estudos de gênero, apresento
um excerto do artigo da pesquisadora Miriam Pillar Grossi 1

Um breve histórico do feminismo no Brasil

Quando pensamos a história do feminismo no Brasil, verificamos que são


múltiplos os seus objetivos e as suas formas de manifestação. Em decorrência de ser

um movimento difuso, costuma-se dividi-los em dois momentos: o primeiro, do final do


século XIX até 1932 e o segundo, do feminismo pós1968.

A primeira tendência teve como foco o movimento sufragista liderado por


Bertha Lutz. Esta é a fase chamada de feminismo bem comportado (PINTO, 2003), que

designa o caráter conservador desse movimento, que não questionava a opressão da


mulher. Nesse sentido, a luta pela cidadania feminina não se caracterizava pelo desejo

de alteração das relações de gênero, mas como um complemento para o bom


andamento da sociedade.

Já a segunda tendência de feminismo reúne uma gama heterogênea de


mulheres (intelectuais, anarquistas, líderes operárias) que, além do político, defendiam o

direito à educação e questionam a dominação masculina, abordando temas polêmicos

para a época, como, por exemplo, a sexualidade e o divórcio. Ainda segundo Pinto, há
uma terceira vertente de feministas, oriunda do movimento anarquista e do Partido

Comunista, tendo como expoente Maria Lacerda de Moura

1
Disponível:
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/grossi_miriam_identidade_de_genero_e_sexualidade.pdf.>
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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 18 - O Feminismo no Brasil
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

Na década de 1930, mais precisamente após o golpe de 1937 ocorre um longo


período de retração do movimento feminista que se estende até o começo da década

de 1970. No entanto, isso não significa que durante esse período o movimento de
mulheres não tenha tido nenhuma expressão. Ao contrário, momentos importantes de

participação da mulher, como o movimento no início da década de 1950 contra a alta


do custo de vida, por exemplo, marcaram essa época.

Na década de 70, em pleno governo Médici, o feminismo brasileiro acabou por


dividir-se entre o “dentro e fora” do país, devido principalmente à grande quantidade

de feministas exiladas. Na Europa e nos Estados Unidos o cenário era de grande


efervescência política, de revolução dos costumes, de renovação cultural radical,

enquanto no Brasil a repressão era marca maior da ditadura militar. As características


que o movimento feminista teve nesses dois cenários refletem essa conjuntura política

diversa no qual estavam inseridos, sendo que os primeiros grupos feministas em 1972,
em São Paulo e no Rio de Janeiro, foram inspirados no feminismo dos países do Norte.

Neste ano, os eventos que apontam para a história e as contradições do


feminismo no Brasil foram o Congresso promovido pelo Conselho Nacional da Mulher,

e as primeiras reuniões de grupos de mulheres, que tinham um caráter quase privado,


o que seria uma marca feminismo brasileiro, posteriormente.

Entre os eventos que marcaram a entrada definitiva das mulheres na esfera


pública, podemos destacar o Ano Internacional da Mulher , em 1975, decretado pela

Organização das Nações Unidas (ONU). O evento organizado para comemorar o Ano
Internacional, realizado no Rio de Janeiro e a criação do Centro de Desenvolvimento da

Mulher Brasileira, acabaram por fortalecer o movimento feminista brasileiro.

Na década de 1980 o feminismo enfrentou a redemocratização. Neste


momento, duas questões tiveram que ser enfrentadas: a unidade do movimento

ameaçada pela reforma partidária de 1979, que dividiu os grupos opostos, e a relação
do movimento com os governos democráticos que viriam a se estabelecer,

principalmente quando o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB)

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 18 - O Feminismo no Brasil
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

começou a ganhar as eleições estaduais. Surgiram então, os grupos feministas


temáticos, os grupos que se chamaria posteriormente de feminismo acadêmico e

começa a se perceber o surgimento de núcleos de pesquisa em estudos da mulher.


A criação das delegacias especializadas a partir de 1985, marcaram um

importante passo na luta contra a violência cometida contra as mulheres, pois apesar
de o feminismo, as feministas e as delegacias da mulher não resolveram a questão, a

criação das delegacias foi um avanço na medida em que a mulher passou a ser
reconhecida como vítima de violência.

O planejamento familiar, a sexualidade e o aborto, também foram temas


centrais no movimento feminista da década de 80, principalmente após a implantação

do Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM), pelo Ministério da Saúde.


Para o que estamos nos propondo neste artigo, esta contextualização do

movimento feminista, do final do século XIX até o final da década de 1980, nos parece
suficiente para que possamos pensar na conjuntura em que foram elaboradas as leis

que discutiremos a seguir.

BUSCANDO CONHECIMENTO

LDB E PCN
Aprovada em dezembro de 1996, após oito anos de tramitação no Congresso,

a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) representa por um lado a vitória de
setores ligados à educação, que vinham mobilizando-se em torno de sua elaboração, e

por outro a derrota diante da intervenção federal, sob a coordenação do Ministério da

Educação, em favor de um projeto substitutivo elaborado pelo então senador Darcy


Ribeiro, que retirava de seu texto importantes reivindicações destes setores (VIANNA &

UNBEHAUM, 2004).
Entre as consequências dessa substituição pode-se destacar a indefinição

quanto ao número de alunos por sala de aula (Art. 25), o que tem resultado na

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superlotação das salas e em precárias condições para o trabalho docente, diferente da


meta prevista no projeto original (20 alunos/sala para a educação infantil, 30

alunos/sala para o ensino fundamental e 40 alunos/sala para o ensino médio), a


redução da proposta original de um piso salarial nacional para a de diferentes pisos

salariais municipais e estaduais (Art. 67, III), entre outras.


Publicado logo após a aprovação da LDB, em 1997, os Parâmetros Curriculares

Nacionais para o Ensino Fundamental (PCN), é uma proposta de conteúdos que deve
orientar a estrutura curricular de todo o sistema educacional do país, servindo como

um referencial e não como uma diretriz obrigatória.


Como nos mostra Vianna e Unbehaum:

Os PCN têm como função subsidiar a elaboração ou a revisão curricular dos


estados e municípios, que pretende contextualizá-la em cada realidade social.
Nesse sentido, a proposta curricular das instituições escolares envolvidas deve
contar com a participação de toda a equipe pedagógica, a fim de garantir o
diálogo entre tais orientações e as práticas já existentes nas instituições (2004).

Assim como a LDB, os PCN foram primeiramente resultado de ampla consulta à

profissionais ligados à educação, a partir do qual o Ministério da educação elaborou a


versão final. Quanto à inclusão da questão de gênero, notamos que existem diferentes

âmbitos nos quais podemos subentender a presença ora velada, ou explicita de


questões de (des) igualdade entre os indivíduos de diferentes sexos.

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 19 - Gênero e a Pedagogia Contemporânea
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CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE

Objetivo: Compreender os estudos da pedagogia contemporânea.

ESTUDANDO E REFLETINDO

Para refletir sobre esse assunto, apresento um excerto extraído do artigo


intitulado “Gênero e sexualidade: pedagogias contemporâneas” da pesquisadora

Guacira Lopes Louro 1.


Há mais de cinquenta anos, Simone de Beauvoir sacudiu a poeira dos meios

intelectuais com a frase Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. A expressão causou
impacto e ganhou o mundo. Mulheres das mais diferentes posições, militantes e

estudiosas passaram a repeti-la para indicar que seu modo de ser e de estar no mundo
não resultava de um ato único, inaugural, mas que, em vez disso, constituía-se numa

construção. Fazer-se mulher dependia das marcas, dos gestos, dos comportamentos,
das preferências e dos desgostos que lhes eram ensinados e reiterados,

cotidianamente, conforme normas e valores de uma dada cultura.


Muita coisa mudou desde o final dos anos 1940 (quando Beauvoir publicou o

seu Segundo sexo) e o fazer-se mulher transformou-se, pluralizou-se, de um modo tal


que talvez nem mesmo a filósofa ousasse imaginar. Mas a frase ficou. De certa forma,

pode ser tomada como uma espécie de gatilho provocador de um conjunto de


reflexões e teorizações, exuberante e fértil, polêmico e disputado, não só no campo do

feminismo e dos estudos de gênero, como também no campo dos estudos da

sexualidade. A frase foi alargada, é claro, passando a ser compreendida também no


masculino. Sim, decididamente, fazer de alguém um homem requer, de igual modo,

investimentos continuados. Nada há de puramente natural e dado em tudo isso: ser

1
Disponível: http://www.scielo.br/pdf/pp/v19n2/a03v19n2.pdf, acesso em: 02/07/2015.
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homem e ser mulher constituem-se em processos que acontecem no âmbito da


cultura.

Ainda que teóricas e intelectuais disputem quanto aos modos de compreender


e atribuir sentido a esses processos, elas e eles costumam concordar que não é o

momento do nascimento e da nomeação de um corpo como macho ou como fêmea


que faz deste um sujeito masculino ou feminino. A construção do gênero e da

sexualidade dá-se ao longo de toda a vida, continuamente, infindavelmente.


Quem tem a primazia nesse processo? Que instâncias e espaços sociais têm o

poder de decidir e inscrever em nossos corpos as marcas e as normas que devem ser
seguidas? Qualquer resposta cabal e definitiva a tais questões será ingênua e

inadequada. A construção dos gêneros e das sexualidades dá-se através de inúmeras


aprendizagens e práticas, insinua-se nas mais distintas situações, é empreendida de

modo explícito ou dissimulado por um conjunto inesgotável de instâncias sociais e


culturais. É um processo minucioso, sutil, sempre inacabado. Família, escola, igreja,

instituições legais e médicas mantêm-se, por certo, como instâncias importantes nesse
processo constitutivo. Por muito tempo, suas orientações e ensinamentos pareceram

absolutos, quase soberanos. Mas como esquecer, especialmente na


contemporaneidade, a sedução e o impacto da mídia, das novelas e da publicidade, das

revistas e da internet, dos sites de relacionamento e dos blogs? Como esquecer o


cinema e a televisão, os shopping centers ou a música popular? Como esquecer as

pesquisas de opinião e as de consumo? E ainda, como escapar das câmeras e


monitores de vídeo e das inúmeras máquinas que nos vigiam e nos atendem nos

bancos, nos supermercados e nos postos de gasolina? Vivemos mergulhados em seus

conselhos e ordens, somos controlados por seus mecanismos, sofremos suas censuras.
As proposições e os contornos delineados por essas múltiplas instâncias nem sempre

são coerentes ou igualmente autorizados, mas estão, inegavelmente, espalhados por


toda a parte e acabam por constituir-se como potentes pedagogias culturais.

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UNIDADE 19 - Gênero e a Pedagogia Contemporânea
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

Especialistas das mais diversas áreas dizem-nos o que vestir como andar, o que
comer (como e quando e quanto comer), o que fazer para conquistar (e para manter)

um parceiro ou parceira amoroso/a, como se apresentar para conseguir um emprego


(ou para ir a uma festa), como ficar de bem com a vida, como se mostrar sensual, como

aparentar sucesso, como... ser.

Dieta S.O.S. Barriga chapada. Montamos um cardápio para você desfilar no


verão com abdômen sequinho. Confira e comece já.
Mude o visual e ganhe atitude.
Como conquistar a gata dos seus sonhos. Ensinamos passo-a-passo as
técnicas de aproximação e de conquista.
Sabia que você pode substituir a flacidez por músculos? Discipline-se, adquira
novos hábitos.
Na festa mais descolada da temporada, aprenda com aqueles que já sabem
tudo o que vai rolar na nova estação.

Conselhos e palavras de ordem interpelam-nos constantemente, ensinam-nos


sobre saúde, comportamento, religião, amor, dizem-nos o que preferir e o que recusar,

ajudam-nos a produzir nossos corpos e estilos, nossos modos de ser e de viver.


Algumas orientações provêm de campos consagrados e tradicionalmente reconhecidos

por sua autoridade, como o da medicina ou da ciência, da família, da justiça ou da


religião. Outras parecem surgir dos novos espaços ou ali ecoar. Não há uniformidade

em suas diretrizes. Ainda que normas culturais de há muito assentadas sejam reiteradas
por várias instâncias, é indispensável observar que, hoje, multiplicaram-se os modos de

compreender, de dar sentido e de viver os gêneros e a sexualidade.


Transformações são inerentes à história e à cultura, mas, nos últimos tempos,

elas parecem ter se tornado mais visíveis ou ter se acelerado. Proliferaram vozes e

verdades. Novos saberes, novas técnicas, novos comportamentos, novas formas de


relacionamento e novos estilos de vida foram postos em ação e tornaram evidente uma

diversidade cultural que não parecia existir. Cada vez mais perturbadoras essas
transformações passaram a intervir em setores que haviam sido, por muito tempo,

considerados imutáveis, trans-históricos e universais.

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UNIDADE 19 - Gênero e a Pedagogia Contemporânea
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Em poucos anos, tornaram-se possíveis novas tecnologias reprodutivas, a


transgressão de categorias e de fronteiras sexuais e de gênero, além de instigantes

articulações corpo-máquina. Desestabilizaram-se antigas e sólidas certezas,


subverteram-se as formas de gerar, de nascer, de crescer, de amar ou de morrer.

Informações e pessoas até então inatingíveis tornaram-se acessíveis por um simples


toque de computador. Relações afetivas e amorosas passaram a ser vividas

virtualmente; relações que desprezam dimensões de espaço, de tempo, de gênero, de


sexualidade, de classe ou de raça; relações nas quais o anonimato e a troca de

identidade são parte do jogo. Impossível desprezar os efeitos de todas essas


transformações: elas constituem novas formas de existência para todos, mesmo para

aqueles que, num primeiro momento, não as experimentam de modo direto.

BUSCANDO CONHECIMENTO

Como parte de tudo isso, vem se afirmando uma nova política cultural, a
política de identidades. Muito especialmente a partir dos anos 1960, jovens, estudantes,

negros, mulheres, as chamadas minorias 2 sexuais e étnicas passaram a falar mais alto,
denunciando sua inconformidade e seu desencanto, questionando teorias e conceitos,

derrubando fórmulas, criando novas linguagens e construindo novas práticas sociais.


Uma série de lutas ou uma luta plural, protagonizada por grupos sociais

tradicionalmente subordinados, passava a privilegiar a cultura como palco do embate.


Seu propósito consistia, pelo menos inicialmente, em tornar visíveis outros modos de

viver, os seus próprios modos: suas estéticas, suas éticas, suas histórias, suas

experiências e suas questões. Desencadeava-se uma luta que, mesmo com distintas
caras e expressões, poderia ser sintetizada como a luta pelo direito de falar por si e de

falar de si. Esses diferentes grupos, historicamente colocados em segundo plano pelos
grupos dominantes, estavam e estão empenhados, fundamentalmente, em se

autorepresentar.

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Gênero e Sexualidade
UNIDADE 19 - Gênero e a Pedagogia Contemporânea
Vera Lúcia Masson Xavier da Silva

A cultura, diz Stuart Hall, é agora um dos elementos mais dinâmicos e mais
imprevisíveis da mudança histórica do novo milênio. Daí porque não deve nos

surpreender que as lutas pelo poder sejam, crescentemente, simbólicas e discursivas, ao


invés de tomar, simplesmente uma forma física e compulsiva, e que as próprias políticas

assumam progressivamente a feição de uma política cultural... (Hall, 1997, p. 20).

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CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE

Objetivo: Compreender os estudos da pedagogia contemporânea.

ESTUDANDO E REFLETINDO

Continuar o assunto da unidade anterior. Texto a seguir, foi retirado do artigo


intitulado “Gênero e sexualidade: pedagogias contemporâneas” da pesquisadora

Guacira Lopes Louro 1.


[...] Esse tipo de luta requer“armas peculiares. Supõe estratégias mais sutis e

engenhosas. Talvez por isso a alguns escape a força dos embates culturais. Mas os
movimentos sociais organizados (dentre eles o movimento feminista e os das

“minorias” sexuais) compreenderam, desde logo, que o acesso e o controle dos


espaços culturais, como a mídia, o cinema, a televisão, os jornais, os currículos das

escolas e universidades, eram fundamentais. A voz que ali se fizera ouvir, até então,
havia sido a do homem branco heterossexual. Ao longo da história, essa voz falara de

um modo quase incontestável. Construíra representações sociais que tiveram


importantes efeitos de verdade sobre todos os demais. Passamos, assim, a tomar como

verdade que as mulheres se constituíam no segundo sexo ou que gays, lésbicas,


bissexuais eram sujeitos de sexualidades desviantes. Por tudo isso, colocava-se, como

uma meta urgente para os grupos submetidos, apropriar-se dessas instâncias culturais
e aí inscrever sua própria representação e sua história, pôr em evidência as questões de

seu interesse. A luta no terreno cultural mostrava-se (e se mostra), fundamentalmente,

como uma luta em torno da atribuição de significados-significados produzidos em


meio a relações de poder.

Esse embate, como qualquer outro embate cultural, é complexo exatamente


porque está em contínua transformação. No terreno dos gêneros e da sexualidade, o

1
Disponível: http://www.scielo.br/pdf/pp/v19n2/a03v19n2.pdf, acesso em: 02/07/2015.
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UNIDADE 20 - Gênero e a Pedagogia Contemporânea Parte II
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grande desafio, hoje, parece não ser apenas aceitar que as posições se tenham
multiplicado, então, que é impossível lidar com elas a partir de esquemas binários

(masculino/feminino heterossexual/homossexual). O desafio maior talvez seja admitir


que as fronteiras sexuais e de gênero vêm sendo constantemente atravessadas e o que

é ainda mais complicado admitir que o lugar social no qual alguns sujeitos vivem é
exatamente a fronteira. A posição de ambiguidade entre as identidades de gênero e/ou

sexuais é o lugar que alguns escolheram para viver (Louro, 2004).


A visibilidade que todos esses novos grupos adquiriram pode ser,

eventualmente, interpretada como um atestado de sua progressiva aceitação. Contudo,


nem mesmo a exuberância das paradas da diversidade sexual, das feiras mix, dos

festivais de filmes alternativos permite ignorar a longa história de marginalização e de


repressão que esses grupos enfrentaram e ainda enfrentam. Não podemos tomar de

modo ingênuo essa visibilidade. Se, por um lado, alguns setores sociais passam a
demonstrar uma crescente aceitação da pluralidade sexual e, até mesmo, passam a

consumir alguns de seus produtos culturais, por outro lado, setores tradicionais
renovam (e recrudescem) seus ataques, realizando desde campanhas de retomada dos

valores tradicionais da família até manifestações de extrema agressão e violência física.


Hoje, tal como antes, a sexualidade permanece como alvo privilegiado da

vigilância e do controle das sociedades. Ampliam-se e diversificam-se suas formas de


regulação, multiplicam-se as instâncias e as instituições que se autorizam a ditar-lhe

normas. Foucault certamente diria que proliferam cada vez mais os discursos sobre o
sexo e que as sociedades continuam produzindo, avidamente, um saber sobre o prazer,

ao mesmo tempo em que experimentam o prazer de saber (Foucault, 1988).

A sutileza do embate cultural requer um olhar igualmente sutil. Há que


perceber os modos como se constrói e se reconstrói a posição da normalidade e a

posição da diferença, porque, afinal, é disso que se trata. Em outras palavras, é preciso
saber quem é reconhecido como sujeito normal, adequado, sadio e quem se diferencia

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desse sujeito. As noções de norma e de diferença tornaram-se particularmente


relevantes na contemporaneidade. É preciso refletir sobre seus possíveis significados.

A norma ensina-nos Foucault, está inscrita entre as artes de julgar, ela é um


princípio de comparação. Sabemos que tem relação com o poder, mas sua relação não

se dá pelo uso da força, e sim por meio de uma espécie de lógica que se poderia quase
dizer que é invisível, insidiosa (Ewald, 1993). A norma não emana de um único lugar,

não é enunciada por um soberano, mas, em vez disso, está em toda parte. Expressa-se
por meio de recomendações repetidas e observadas cotidianamente, que servem de

referência a todos. Daí por que a norma se faz penetrante, daí por que ela é capaz de
se naturalizar.

BUSCANDO CONHECIMENTO

Quanto à diferença, é possível dizer que ela seja um atributo que só faz

sentido ou só pode se constituir em uma relação. A diferença não pré-existe nos corpos
dos indivíduos para ser simplesmente reconhecida; em vez disso, ela é atribuída a um

sujeito (ou a um corpo, uma prática, ou seja lá o que for) quando relacionamos esse
sujeito (ou esse corpo ou essa prática) a um outro que é tomado como referência.

Portanto, se a posição do homem branco heterossexual de classe média urbana foi


construída, historicamente, como a posição-de-sujeito ou a identidade referência,

segue-se que serão diferentes todas as identidades que não correspondam a esta ou
que desta se afastem. A posição normal é, de algum modo, onipresente, sempre

presumida, e isso a torna, paradoxalmente, invisível. Não é preciso mencioná-la.

Marcadas serão as identidades que dela diferirem.


Continuamente, as marcas da diferença são inscritas e reinscritas pelas políticas

e pelos saberes legitimados, reiteradas por variadas práticas sociais e pedagogias


culturais. Se, hoje, as classificações binárias dos gêneros e da sexualidade não mais dão

conta das possibilidades de práticas e de identidades, isso não significa que os sujeitos

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transitem livremente entre esses territórios, isso não significa que eles e elas sejam
igualmente considerados.

Portanto, antes de simplesmente assumir noções dadas de normalidade e de


diferença, parece produtivo refletir sobre os processos de inscrição dessas marcas. Não

se trata de negar a materialidade dos corpos, mas sim de assumir que é no interior da
cultura e de uma cultura específica que características materiais adquirem significados.

Como isso tudo aconteceu e acontece? Através de que mecanismos? Se em tudo isso
estão implicadas hierarquias e relações de poder, por onde passam tais relações? Como

se manifestam? Não, a diferença não é natural, mas sim naturalizada. A diferença é


produzida através de processos discursivos e culturais. A diferença é ensinada.

Aprendemos a viver o gênero e a sexualidade na cultura, através dos discursos


repetidos da mídia, da igreja, da ciência e das leis e também, contemporaneamente,

através dos discursos dos movimentos sociais e dos múltiplos dispositivos tecnológicos.
As muitas formas de experimentar prazeres e desejos, de dar e de receber afeto, de

amar e de ser amada/o são ensaiadas e ensinadas na cultura, são diferentes de uma
cultura para outra, de uma época ou de uma geração para outra. E hoje, mais do que

nunca, essas formas são múltiplas. As possibilidades de viver os gêneros e as


sexualidades ampliaram-se. As certezas acabaram. Tudo isso pode ser fascinante, rico e

também desestabilizador. Mas não há como escapar a esse desafio. O único modo de
lidar com a contemporaneidade é, precisamente, não se recusar a vivê-la.

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