Universidade Federal Do Rio Grande Do Sul Instituto de Letras Departamento de Línguas Clássicas E Vernáculas
Universidade Federal Do Rio Grande Do Sul Instituto de Letras Departamento de Línguas Clássicas E Vernáculas
Universidade Federal Do Rio Grande Do Sul Instituto de Letras Departamento de Línguas Clássicas E Vernáculas
INSTITUTO DE LETRAS
DEPARTAMENTO DE LÍNGUAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS
PORTO ALEGRE
2009
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AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Cícero e Leni, origem de tudo, porque sempre acreditaram em mim,
me ensinando a não desistir dos meus sonhos, depositando amor e fé nos meus dias.
Ao meu ‘mártir particular’, Rodrigo, porque sempre esteve comigo, desde o início,
sabendo o momento de falar e de calar, entendendo meus períodos de euforia e tristeza.
Aos meus segundos pais, Paulo e Isabel, porque sempre me apoiaram e me escutaram,
me oferecendo cotidianamente exemplos de força e dedicação.
Ao meu irmão, Manoel, porque o amo incondicionalmente e não sei o que teria sido de
mim se ele não tivesse nascido.
À minha orientadora, Ana Lúcia, porque é, além de mestre, ouvinte, conselheira,
amiga, e me proporcionou a oportunidade de trabalhar com a Poética da Oralidade na
graduação.
A todos os professores da minha vida, da pré-escola à universidade, porque
contribuíram, de um modo ou de outro, para que eu estivesse aqui.
Aos meus colegas e amigos da UFRGS:
futuros, ou já, professores, que dividem comigo o mesmo sonho;
futuros, ou já, tradutores, que sabem traduzir, mais que em palavras, o que se passa no
coração.
Enfim, a todos que participaram desta minha caminhada.
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Eduardo Galeano
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RESUMO
RIASSUNTO
Quel che propone questo studio è pensare il modo cui la letteratura, ed in questo caso,
la letteratura della tradizione orale, può cooperare, dentro la scuola, nel processo di
costituizone dei soggetti che possano pensare sé stessi e pensare sul mondo. Dalla conoscenza
e riconoscenza di questa cultura della tradizione orale, in cui sono collegati poetica, corpo e
voce, la classe apre spazio all’ascolto, alla valorizazzione dell’allievo e la scuola passa a
mostrarsi come un organo vivo.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO..............................................................................................................8
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................31
5. BIBLIOGRAFIA..........................................................................................................33
1. INTRODUÇÃO
Em todo caso, minha intenção ao escrever este trabalho não é a de acusar, mais uma
vez, ou de, por outro lado, trazer a educação como redentora, mas mover um pouco nosso
olhar para o que está acontecendo e para além, para o que pode ser feito.
A ideia para este trabalho vem sendo desenvolvida desde que eu frequentei a
disciplina de Literatura Oral Tradicional. O trabalho final consistia em recolha e análise, pelos
discentes, de narrativas da oralidade, gravadas em áudio ou filmadas, constituindo, assim,
um acervo a ser utilizado para futuras pesquisas e trabalhos.
O contar histórias não é função de um pessoa. Arma-se uma situação na qual público
e narrador comungam de um mesmo mundo, operam códigos comuns, fazem
leituras e podem se revezar na imposição da voz. Não se trata simplesmente de falar
mais alto, mas saber convencer. (FERNANDES, 2002, p. 28)
Quantas vezes, percebi que muitos usavam a história como pretexto de uma reunião,
de uma socialização necessária em nossos dias de racionalização do tempo. Não foram poucas
as vezes em que esquecemos as horas nesse ouvir/contar.... E mais, percebi que muitas das
narrativas (ouvidas de contadores gaúchos) possuíam pontos de contato com as que eu já
conhecia (de uma infância carioca).
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Fui criada ouvindo aquelas histórias extraordinárias. Nas de meu pai (que nasceu e
cresceu na cidade onde se localizava o Quilombo dos Palmares, em Alagoas), sempre havia
fugas espetaculares, seres de outro mundo que surgiam para ajudar os menos favorecidos.
Segundo Alfredo Bosi (in XIDIEH, 1993), as narrativas são formas de explicação do mundo e
modelos de comportamento. De qualquer modo, quando eu procurava investigar se era
verdade mesmo, meu pai respondia: Mas é tudo história de Trancoso!
(...) A “história do Trancoso” é lazer e é arte, mas antes de tudo é um fazer dentro da
vida. Dá-se e circula como um objeto sem preço, um bem comum, um valor de
estimação. (...) Fantasia e imagem, é também veículo do real.” (LIMA apud
AYALA, 1989, p. 260)
Um outro momento decisivo para a construção deste trabalho foi meu ingresso neste
ano na monitoria da disciplina Literatura Oral Tradicional e meu acesso às narrativas que
compunham o acervo de produções dos alunos e, de certo modo, à pesquisa desenvolvida pela
professora Ana Lúcia Liberato Tettamanzy. Trata-se do Projeto A vida reinventada:
pressupostos teóricos para análise e criação de acervo de narrativas orais, contemplado em
Edital do CNPq com financiamento para compra de materiais (datashow, filmadora,
notebook) e criação de um site e ambientes digitais. Com a digitalização está sendo possível
organizar e viabilizar o acesso ao material registrado desde 2006 na disciplina de Literatura
Oral Tradicional (da Graduação), em disciplinas no PPG em Letras e na pesquisa de campo
realizada desde 2007 no bairro Restinga. A participação nas atividades da monitoria foi
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importante porque a criação do acervo e a existência da pesquisa têm como objetivo principal
contribuir para o avanço dos estudos literários nas áreas da oralidade (narrativas orais,
poéticas da voz), da teoria literária e da cultura, além de introduzir um novo campo de estudo
na área de Letras da UFRGS (área esta pesquisada e atuante em outras IES), que vem a ser o
campo dos sistemas da oralidade em suas manifestações. Movimentos como esses fazem-se
urgentes em uma academia que ainda está por reconhecer a poeticidade que escapa ao livro e
à inscrição.
Inclusive, no subcapítulo 3.4 Mãos à obra – mãos, vozes, corpos, narrativas, eu trago
exemplos de algumas histórias em vÍdeo e áudio, que estão em anexo neste trabalho,
provenientes da oralidade que pude organizar no acervo como monitora.
O que se propõe é olhar o aluno, perceber o professor (que também sofre ao ter de
encenar sempre o mesmo papel), dar novo sentido à palavra escola. Fazer circular os saberes,
dar voz, trazer a realidade para dentro da escola, fazendo com que
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É neste ponto que pensamos no que se pode fazer. Minha proposta, dentre as muitas
que estão aí, é mostrar uma possibilidade de escutar o aluno, através de práticas de atividade
de literatura oral, partindo também de minha própria experiência no meio acadêmico, quando
tive a oportunidade de conhecer e trabalhar com as narrativas orais.
Desse modo, o presente trabalho visa esclarecer como a literatura de tradição oral e
popular pode fazer a diferença na sala de aula. Para tanto, nos estudos sobre ideologia,
sociedade e educação busca-se apoio nas leituras de Louis Althusser, Marilena Chauí, Carlos
Rodrigues Brandão, Paulo Freire, Marisa Eizirik, Arcanjo Pedro Briggmann. Nos estudos da
oralidade, busca-se apoio teórico em Paul Zumthor, Walter Ong, Eric Havelock.
Enfim, a realidade do aluno não pode ficar do lado de fora da porta da escola,
esperando o horário da saída.
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Antonello Venditti
Para iniciarmos nosso percurso, é bom saber bem onde estamos. Estamos na sala de
aula, esse espaço físico-mítico pelo qual (quase) todos passamos. Para alguns, um palco, para
outros, espaço para redenção, lugar de silêncios estrondosos e vozes inauditas. Dizem que é
na sala de aula que a educação acontece. Mas, então, não seria o caso de nos fazermos
algumas perguntas? O que é educação? Existe mesmo só uma educação? A educação só
acontece na sala de aula?
____________
¹ Oito e meia, todos de pé/ o presidente, a cruz e o professor/ que lê pra você sempre a mesma história/ do
mesmo livro, do mesmo modo/ com as mesmas palavras de quarenta anos de honesta profissão/ mas as perguntas
nunca tiveram uma resposta clara.
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É falso imaginar uma educação que não faz parte da vida real: da vida tal como
existe e do homem tal como ele é. É falso pretender que a educação trabalhe o corpo
e a inteligência de sujeitos soltos, desancorados de seu contexto social na cabeça do
filósofo e do educador, e que os aperfeiçoe para "si próprios", desenvolvendo neles o
saber de valores e qualidades humanas tão idealmente universais que apenas existem
como imaginação em toda parte e não existem como realidade (como vida concreta,
como trabalho produtivo, como compromisso, como relações sociais) em parte
alguma. (BRANDÃO, 2007, p. 70)
Seria justo sublinhar a este ponto que a educação (ou seriam as educações?) se
desenvolve todos os dias. É o aprender-ensinar cotidiano presente em todas as
culturas. São processos que estão na vida, fazem parte da vida e que precisam da
mesma. No entanto, tanto a maneira de encarar a educação, idealizada e ideologizada
pela sociedade, como o modo como ela vem sendo desenvolvida dia-a-dia denunciam
esse caráter artificial porque “descolado da vida”.
Talvez o grande sintoma de tudo isso seja evidenciado na falta de ‘sucesso’
escolar dos alunos e na grande apatia dentro da sala de aula. Eles são inteligentes ao
ponto de saber selecionar o que é importante daquilo que não lhes parece é
interessante. Entendo que o que não pode ser esquecido é que a educação é uma
prática social dentre outras. A origem e o escopo da educação devem ser a
comunidade, a sociedade, a cultura.
Não há uma forma única nem um único modelo de educação; a escola não é o único
lugar onde ela acontece e talvez nem seja o melhor; o ensino escolar não é a sua
única prática e o professor profissional não é o seu único praticante. (BRANDÃO,
2007, p. 9)
educação para todos os tipos de sociedade. Pierre Bourdieu (apud PATTO, 1997, p.35)
fala mesmo em uma “transmissão cultural da desigualdade social” e Althusser (1992,
p.79) diz que não há meio melhor de divulgar a ideologia dominante, de uma
sociedade, do que através da educação, já que “ela se encarrega das crianças de todas
as classes sociais (...) durante anos.”
Renato Russo
As classes sociais não são coisas nem ideias, mas são relações sociais determinadas
pelo modo como os homens, na produção de suas condições materiais de existência,
se dividem no trabalho, instauram formas determinadas da propriedade, reproduzem
e legitimam aquela divisão e aquelas formas por meio das instituições sociais e
políticas, representam para si mesmos o significado dessas instituições através de
sistemas determinados de ideias que exprimem e escondem o significado real de
suas relações. As classes sociais são o fazer-se classe dos indivíduos em suas
atividades econômicas, políticas e culturais. (CHAUÍ, 1980, p. 22)
Por sua vez, o Estado dispõe dos Aparelhos Ideológicos e dos Aparelhos Repressivos.
Os Aparelhos Ideológicos são predominantemente ideológicos, obviamente, mas também
fazem uso da violência (expulsão da escola dos alunos indisciplinados, excomunhão da
igreja, etc). Os Aparelhos Repressivos são predominantemente de coerção, mas usa-se
também de ideologia para legitimar suas ações violentas.
Em determinado momento da história ocidental, com a chegada da burguesia ao poder,
fez-se necessária a ascensão de um Aparelho Ideológico mais eficaz. Um modelo que
representasse e difundisse os valores do homem burguês, competitivo, individualista, alienado
dentro da perda do todo. Esse aparelho era a escola. A esta altura, a Igreja já não podia servir
à nova elite. Mudava a estrutura social, mudava também a ideologia a ser reproduzida.
Com a escola substituindo o papel predominante – mas não nulo a partir de então – da
Igreja, o par escola-família substituiu o par Igreja-família. Pode-se dizer que substituiu muito
bem, até porque que outro aparelho pode manter o indivíduo durante tantas horas e tantos
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anos sob seu poderio, moldando-o conforme a necessidade do sistema? A escola nos alcança
cedo, e cedo começa a minar nossa capacidade criativa.
Ela se encarrega das crianças de todas as classes sociais desde o Maternal, e desde o
Maternal ela lhes inculca, durante anos, precisamente urante aqueles em que a
criança é mais “vulnerável”, espremida entre o aparelho de Estado familiar e o
aparelho de Estado escolar. (ALTHUSSER, 1992, p. 79)
(...) nenhum aparelho ideológico do Estado dispõe durante tantos anos da audiência
obrigatória ( e por menos que isso signifique gratuita...), 5 a 6 dias num total de 7,
numa média de 8 horas por dia, da totalidade das crianças da formação social
capitalista. (ALTHUSSER, 1992, p. 80)
Eduardo Galeano
Quando lhes é proposto algo que fuja do usual, eles temem e, não sabendo como se
comportar frente a essa situação, inicialmente, eles repelem. A imagem é clara: aprendem que
a manutenção do sistema como ele é apresenta-se como alternativa mais cômoda, do mesmo
modo como é mais cômodo para alguns professores preservar sua autoridade, visto que esta
postura não exige competência.
(...) pela leitura crítica o sujeito abala o mundo das certezas (principalmente as da
classe dominante), elabora e dinamiza conflitos, organiza sínteses, enfim combate
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É certo que esse vento de mudança precisa de vários componentes para tomar forma:
- o diálogo, como estabelecimento de um canal direto com os alunos, construído a
partir de confiança e respeito mútuos,
- o questionamento do óbvio,
- a oferta de uma variedade de fontes de informação,
- o resgate da subjetividade, livrando suas identidades do cativeiro do silêncio,
- o convite à inquietação, à curiosidade e ao prazer da descoberta, assumindo um
espaço entre os professores e os alunos.
É nessa trilha que coloco a importância de que novos portadores e produtores de
textos, vozes e significações sejam adicionados ao cotidiano escolar.
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Eduardo Galeano
Não foram poucas as vezes em que, mantendo um diálogo aberto com os alunos,
muitos me perguntaram por que estudar literatura, por que ter de conhecer coisas tão antigas,
e muitos confessaram não gostar de literatura porque não viam sentido algum, não se
identificavam. No último estágio de docência, fiz uma pesquisa entre alunos do primeiro ano
do ensino médio sobre a importância da literatura, tal qual a conhecem na escola, em suas
vidas. Embora as respostas fossem colocadas individualmente no papel, o resultado foi muito
parecido:
Sinceramente, na minha opinião, não tem importância nenhuma porque
lembra de coisas antigas, de muito tempo atrás. (M. P., 16 anos)
A oralidade nos faz lembrar que somos humanos e sua presença na narrativa é a
realização plena. Se escrever é por no papel nosso pensamento, a voz é “o verbo encarnado
na escritura” (ZUMTHOR, 1993, p. 113). É corpo, é linguagem, é ritmo. A voz participa de
nossa individualidade, ao mesmo tempo em que nos faz sociais.
Ela [a voz] interpela o sujeito, o constitui e nele imprime a cifra de uma alteridade.
Para aquele que produz o som, ela rompe uma clausura, libera de um limite que por
aí revela, instauradora de uma ordem própria: desde que é vocalizado, todo objeto
ganha para um sujeito, ao menos parcialmente, estatuto de símbolo. O ouvinte
escuta, no silêncio de si mesmo, esta voz que vem de outra parte, ele a deixa ressoar
em ondas, recolhe suas modificações, toda “argumentação” suspensa. Esta atenção
se torna, no tempo de uma escuta, seu lugar, fora da língua, fora do corpo.
(ZUMTHOR, 1997, p. 17)
Ainda para Ong (1998), o pensamento e sua expressão na tradição oral estão ligados à
presença de um interlocutor, configurando uma relação essencialmente agregadora.
(...) valores como o interesse verdadeiro pelo outro, a maneira direta de falar, o
sentido do concreto e a largueza em relação ao futuro, uma confiante adesão à
humanidade que virá, tão diferente do projeto burguês para o amanhã, da redução do
tempo ao contábil que exprime o predomínio do econômico sobre todas as formas de
pensamento. (BOSI, 1981, p. 19)
A priori o termo “literatura oral” parece mesmo paradoxal para designar um grupo de
formas artísticas verbais orais, já que “litera” (literatura, de litera, letra do alfabeto) remete
invariavalmente a escritos e evidencia nosso caráter grafocêntrico. Nesse rastro, foi proposto
por um linguista de Uganda, Pio Zirimu, o termo oratura, que também passou a ser propagado
por Ong. Sua posição com relação ao termo é categórica:
exceto como alguma variante da escrita, mesmo quando nada têm a ver com ela.
(ONG, 1998, p.20)
1. Literatura popular não tradicional, efêmera junto às populações, pode ser uma
canção famosa, por exemplo;
2. Literatura popularizante, produzida por autores da literatura já instituída, com
utilização de estruturas e linguagem próprias da poética tradicional;
3. Literatura popular tradicionalista, de autoria de representantes do povo;
4. Literatura oral tradicional, produções aceitas e transmitidas ao longo do tempo,
configurando-se patrimônio cultural, coletivo e anônimo.
Composições líricas:
4.1. Composições de caráter prático-utilitário:
- rezas, orações, benzeduras, exorcismos, cantigas de ninar, provérbios, sentenças, ditos
popupares, expressões esteorotipadas.
Composições narrativo-dramáticas
4.4. Composições explicativo-exemplares:
- mitos, lendas, fábulas
Composições dramáticas:
4.8. Composições exemplares
- tragédias, dramas, comédias
Qualquer elaboração oral por mais que pareça simples divertimento encerra sempre
algo de utilidade, de preceito e de etiqueta. Entendemos, dessa maneira, que a
literatura oral popular envolve todas as formas de expressão, contos, cantos,
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adivinhas, orações, simpatias, ditados, frases feitas, lendas, mitos, etc, resultando
num conjunto assaz complexo, não só por causa da sua diversidade quanto à forma
de comunicação, como também pelo seu significado no contexto da cultura popular.
A simples enumeração das diferentes formas de expressão já por si mesma está a
indicar a sua decorrência de um sistema social em que ideias e os valores de todos os
tipos impõem perspectivas e implicam em expectativas de comportamento e
convívio (BOSI in XIDIEH, 1993, p.26).
(...) a oralidade é mais aditiva do que subordinativa, ou seja, ela realiza uma unidade
entre falante e ouvinte, dada pela natureza evanscente da palavra falada, enquanto a
escrita enfatiza mais a sintaxe e a organização do próprio discurso. Assim, a
oralidade gera um pensamento do tipo agregativo(...) (LIMA, 2003, p. 34).
Camara Cascudo (1981, p. 23) considera literatura oral “uma produção, canto, dança,
anedota, conto, que possa ser localizada no tempo, um documento literário, um índice
intelectual”, além de rezas, benzeduras, ritos religiosos, jogos e brincadeiras infantis. Correia
(1999), como vimos, ainda promove uma classificação e organização das obras de literatura
oral tradicional.
No acervo de narrativas orais da UFRGS, há mais de 30 narrativas autorizadas, que
podem ser classificadas, conforme critérios criados a partir do trabalho na Monitoria, em
• Memória de Trabalho: histórias de experiências vividas em torno de atividade
profissional;
• Histórias de Família: resgates da lembrança, quando a memória emociona;
• Memória Política: histórias que se confundem com acontecimentos históricos e
com preocupação social;
• Narrativas Fantásticas: vinculações entre o real e o sobrenatural.
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Bah, e agora? Ela tava me esperando, decerto pra... querer...o dedo não
vou poder dar, né? Mas o anel ela vai querer...
E aí eu fingi que não vi, ele fingiu que não viu e pediu o endereço dela, da
casa, e ela deu: rua, número. E levaram. Como foi surpresa deles que a rua e o
número era o cemitério.
Era a rua do cemitério e o número do cemitério. (Narrativa 200601¹)
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Eu sempre dizia:
_Vocês não sai pra rua na sexta-feira santa,(...) é lobisomem na certa! Vocês não
sai!
_Que nada, mãe!
_Bom, então tá! (Narrativa 200602)
O meu pai tinha um amigo chamado Jorge Gaiola (...) esse homem quando
ria tinha os dentes igual a de um cachorro (...) diziam que ele era lobisomem.
(Narrativa 200808)
Mas eu acho que era... Se encaixa com o que se fala que seja um
lobisomem. Para mim era. (Narrativa 200602)
Conforme afirma Lima (2003, p.11), “são histórias que associam o extraordinário ao
ordinário, isto é, entrelaçam episódios históricos e ficcionais.” Na busca de explicações para o
mundo, conta-se para dar uma leitura ao que se apresenta inexplicável. Por isso, pode-se
constatar que o trabalho com a literatura oral nos possibilita trazer diferentes interpretações
das coisas.
Histórias de lobisomens, bruxas, animismos, assombrações são recorrentes no
imaginário popular universal. Normalmente, relacionados a modelos de comportamentos, os
lobisomens e as bruxas seriam pessoas que assumem condutas diferentes do usual.
Representam a fuga do padrão, o que não coube dentro da fôrma, o que escapou ao comum e,
por isso mesmo, são demonizados (termo utilizado a partir de uma leitura judaico-cristã) e
excluídos. Suas condutas, não seguindo o padrão, são explicadas pela aberração e servem,
portanto, também como exemplos.
...tinha uma casa que tinha um monte de bruxa, um monte de mulher (...) aquela
risaiada...um dia foram espiar: elas tudo tomando um líquido vermelho nos copos e
viraram tudo em borboleta (Narrativa 200601)
[Um homem, que era pai recente, coloca a mulher e o filho em um lugar seguro na
árvore. Durante a noite, a mulher é atacada por um lobisomem, mas consegue se
manter na árvore assalva. Pela manhã, o homem vem buscar a esposa e a criança
que continuavam na árvore. A mulher comenta:]
_ Bom, na certa você encontrou com esse bicho enorme pelo caminho. Ele disse:
_ Foi, eu encontrei com um bicho enorme no caminho. A gente lutou, mas eu
consegui fazer ele fugir.
Aí, ela pegou, deu a mão a ele pra descer da árvore.
Quando ele ergueu assim os dentes, entre os dentes estavam os fiapos da manta da
criança.
Aí ela percebeu: ele é o lobisomem! (Narrativa 200808)
Em 65, eu fui preso. (...) E eu não apanhei mais e não disse mais porque eu não
sabia, pra ver como era importante esta estratégia de nos retirar da organização e
colocar nossa casa só como aparelho. (Narrativa 200803)
Aí o cara entrou lá e chegou lá era uma pratelereia com livro. O cara voltou:
_ Lá não tem merda nenhuma! Só tem livro naquela merda.
_ Pois essa é minha arma. (Narrativa 200803)
Esses grupos ajudaram muito para que o Brasil pensasse mais aquele momento de
ditadura. (...)
O Felizardo é outro que desapareceu. (...) Depois aquele que apareceu no Guaíba
boiando com as mãos amarradas também atuava por aqui...Eu conheci vários, não de
conviver, mas de conhecer a pessoa, de passar lá na Tribuna. (Narrativa 200803)
Na escola, por exemplo, ter acesso a esses relatos de história viva através do narrar
torna mais interessante e mais substancial o debate, a proposição de ideias, a construção (e
também desconstrução) dos vários sentidos que estão em circulação.
De qualquer modo, os narradores “constroem, pela linguagem das alegorias, quadros
interpretativos da sociedade da qual emergem” (LIMA, 2003, p.11), manifestações de anseios
e temores coletivos e desejos individuais, que se não se configuram “verdadeiras”, são como
eles gostariam que fossem.
Percebemos que essas narrativas atuam diretamente sobre um “reencantamento do
mundo”, ao mesmo tempo em que pedem explicações. Os sentidos e as percepções aqui são
superexplorados e evidenciados, em detrimento da atual mecanização do ser humano. Esse
contar/ouvir histórias nos incita a perguntas várias, nos leva a questionamentos múltiplos.
Pesquisar a oralidade, voltar à comunidade, mostrar-se. Provavelmente, é um bom exercício
para a sala de aula.
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Eduardo Galeano
A epígrafe que abre este trabalho e a que inicia minhas considerações finais são, não
por acaso, do mesmo autor e a ideia central de ambas é a linha norteadora (ou seria
suleadora?) de minhas ações e pensamentos relativos à educação: a preocupação com relação
ao apagamento da criatividade, ao silenciamento das vozes e à consagração da repetição. Há
“um sistema de desvínculos para que os calados não se façam perguntões, para que os
opinados não se transformem em opinadores” (GALEANO, 2009, p.122) e esse mesmo
sistema “nos ensina a repetir a história ao invés de fazê-la” (idem).
Como foi assinalado durante o trabalho exposto, as relações não são simples:
envolvem sociedades, ideologias, interesses, lutas, silêncios, desconfortos, alguns gritos.
Vivemos a lógica da sociedade capitalista, ignorante do patrimônio cultural de vozes
anônimas; individualista e imediatista, voltada para o aqui e agora, sem espaço para o saber da
experiência; academicista, que reconhece somente a razão em detrimento à emoção.
O que Havelock defende nessas linhas é que haja uma valorização do nosso legado
oral, que é nossa herança biológica, afinal, falar é natural, em detrimento à cada vez mais
precoce iniciação ao mundo tecnicista da escrita pelas crianças. É o que defendemos também
com o trabalho situado na tessitura das narrativas orais dentro da academia e dentro da escola.
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Freire (1981, p. 11) nos aponta que “a leitura de mundo precede sempre a leitura da
palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele”. Quer dizer, deve haver um
estímulo à sequência do conhecimento já adquirido. Iniciamos nossas vidas no aprendizado
do mundo, dos toques, dos cheiros, dos movimentos, das formas e quando somos
apresentados à escola, sofremos uma interrupção no nosso entendimento de mundo. É, de
certo modo, traumático porque tudo o que se traz dessa vivência pré-escolar é descartado: a
vida jaz fora dos muros da escola!
Se estivesse claro para nós que foi aprendendo que percebemos ser possível ensinar,
teríamos entendido com facilidade a importância das experiências informais nas
ruas, nas praças, no trabalho, na sala de aula das escolas, nos pátios dos recreios, em
que variados gestos de alunos, de pessoal administrativo, de pessoal docente se
cruzam cheios de significação. (FREIRE, 2007, p. 44)
5. BIBLIOGRAFIA
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Encontro Nacional da ANPOLL. Recife: ANPOLL, 1989.
BONAZZI, Marisa & ECO, Umberto. Mentiras que parecem verdades. São Paulo: Summus,
1980.
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(Tese de Doutorado)
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Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1984.
CORREIA, João David Pinto. Os gêneros da literatura oral tradicional: contributo para sua
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EIZIRIK, Marisa Faermann. Educação e escola: a aventura institucional. Porto Alegre: AGE,
2001.
33
FERNANDES, Frederico. A voz e o sentido: poesia oral em sincronia. São Paulo: Unesp,
2007.
GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
LIMA, Nei Clara. Narrativas Orais: uma poética da vida social. Brasília: UnB, 2003.
PATTO, Maria Helena Souza. Introdução à psicologia escolar. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 1997.
SILVA, Ezequiel Theodoro da. Criticidade e leitura: ensaios. São Paulo: Global. 1998.
TIRIBA, Lia & PICANÇO, Iracy (Orgs.). Trabalho e educação : arquitetos, abelhas e outros
tecelões da economia popular solidária. Aparecida, SP: IIdeiass & Letras, 2004.
XIDIEH, Osvaldo Elias. Narraticas Populares: Estórias de Nosso Senhor Jesus Cristo e mais
São Pedro andando pelo mundo. Introdução: Alfredo Bosi. Belo Horizonte: Itatiaia, 1993.
ZUMTHOR, Paul. A Letra e a Voz. São Paulo: Cia. Das Letras, 1993.
Duração 7 minutos
Tipo de mídia: Áudio; arquivo em .mp3 - 4,24 MB
O caso da mulher sem dedo - um conto popular sobre a cupidez humana que
Comentários: mistura o sobrenatural à realidade..
Duração 24 minutos
Tipo de mídia: Vídeo; arquivo em .avi - 207 MB
Duração 26 min
Tipo de mídia: Vídeo; .avi - 148 MB
Duração 25 min
Tipo de mídia: Áudio; arquivo em .wmv, 85 MB