As Origens Agrarias Do Terror 2023
As Origens Agrarias Do Terror 2023
As Origens Agrarias Do Terror 2023
O filme de terror político que vimos em Brasília não começou em 8 de janeiro de 2023. Antes
tivemos os bloqueios de rodovias, após a realização do segundo turno. Ali não víamos só cami-
nhões, mas também tratores. Reparem neste signo: os tratores. Este projeto se propõe a contar
de onde vêm esses tratores reais e simbólicos, as pressões políticas que resultam em golpes,
em boa parte articuladas pela bancada ruralista. O terror agrário no Brasil antecede o bolso-
narismo, embora costure com ele políticas de destruições. O relatório As Origens Agrárias do
Terror surgiu porque é necessário identificar de forma mais ampla — e estrutural — aqueles que
apostam contra a democracia e o povo brasileiro. É uma iniciativa do núcleo de pesquisas do
De Olho nos Ruralistas, observatório criado em 2016 para mostrar a face oculta do agronegó-
cio e os impactos sociais, políticos e econômicos do modelo de uso da terra adotado no Brasil.
Para ampliar seus territórios e manter a desigualdade, os donos dos tratores são capazes disso
e muito mais.
Para mais informações sobre este documento, envie um email para contato@deolhonosruralis-
tas.com.br
Esta publicação é registrada em nome do observatório De Olho nos Ruralistas, mas pode ser
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guardada a menção completa da autoria. A cópia, tradução ou adaptação de partes ou da ín-
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As informações disponíveis nesta publicação foram checadas e estão atualizadas até a data da
publicação.
Fotos de capa, em sentido horário: 1. Bolsonaristas vandalizam a sede do Congresso Nacional em 8 de ja-
neiro de 2023 (Marcelo Camargo/Agência Brasil); 2. Fazendeiros protestam em Brasília pelo impeachment
de Dilma Rousseff, em 2016 (Humberto Pradera/PSB Nacional); 3. Multidão se reúne na Central do Brasil
para ouvir o discurso de João Goulart em defesa das reformas de base (Correio da Manhã); 4. Tratores se
enfileiram em manifestação antidemocrática de 7 de setembro de 2021 (Reprodução/TV Brasil); 5. Estátua
do líder seringueiro Chico Mendes é destruída por bolsonaristas em Rio Branco (Reprodução/Juan Diaz);
6. Cartazes da Frente Parlamentar da Agropecuária durante votação do impeachment de Dilma Rousseff,
em 2016 (Valter Campanato/Agência Brasil); 7. O então presidente Jair Bolsonaro posa em trator durante
o Agrishow, em Ribeirão Preto, em 2019. (Alan Santos/PR).
Dedicado a Marcelo Zelic (1963-2023), defensor incansável do direito à memória em um país que insiste em
esquecer seu passado.
(Ronaldo Bernardi/RBS)
(Isaac Risco/DW)
ÍNDICE
DESTAQUES DO RELATÓRIO
INTRODUÇÃO
PARTE 2: AGROBOLSONARISMO
• Agronegócio bancou manifestações golpistas em 2021
• Tratores tomaram a Esplanada
• Voto de cabresto
• Terroristas são os outros
CONCLUSÃO
(Paulo Pires/GES)
DESTAQUES
DO RELATÓRIO
• Atores do agronegócio brasileiro tiveram participação decisiva no financiamento e
no apoio logístico aos atos de terrorismo ocorridos na Praça dos Três Poderes, no
dia 8 de janeiro de 2023.
Por fim, trazemos revelações sobre as conexões agrárias dos principais or-
ganizadores dos atos terroristas. Quem são os 29 sojeiros que financiaram
bloqueios em estradas do Mato Grosso? Quem é o fazendeiro Bento Car-
los Liebl, vizinho da Terra Indígena Apyterewa, e como ele se conecta com
o terrorista George Washington de Sousa? Como Xinguara, no Sudeste do
Pará, e Sobral, no Ceará, tornaram-se epicentros do golpismo brasileiro?
RURALISTAS APOIAM O
A pesquisa qualitativa do histórico econô-
TERROR EM BRASÍLIA mico e político dos terroristas presos pela
tentativa de golpe de Estado em Brasília
Os ataques golpistas do dia 8 de janeiro mostra que, mais do que casos isolados,
de 2023 foram cuidadosamente orquestra- houve uma articulação direta de empre-
dos. Embora boa parte do noticiário tenha sários do agronegócio e do setor logístico
se concentrado no saque e depredação — bem como de fazendeiros, madeireiros
das sedes dos Três Poderes, em Brasília, e garimpeiros — no financiamento e orga-
células avançadas bolsonaristas execu- nização dessas células terroristas.
taram ações de Norte a Sul, bloqueando
rodovias em cinco estados,2 trancando a Entre os ruralistas que participaram dos
entrada de portos e refinarias de petróleo,3 atos do dia 8 de janeiro ou de suas articu-
destruindo torres de energia4 e organi- lações está Alípio Schuwank Maggi, primo
zando caravanas para a capital federal,5 do ex-ministro da Agricultura Blairo Maggi
conforme mostra o mapa do terror, Velho e do “rei da soja” Eraí Maggi — donos, res-
Oeste, apresentado na página anterior. pectivamente, dos grupos Amaggi e Bom
Futuro, dois dos maiores grupos agro-
As evidências apresentadas até aqui em pecuários do país.8 Outro nome que se
inquéritos movido pelo Supremo Tribu- destaca é o de Raijan Mascarello, sobrinho
nal Federal (STF) e nas diligências da de um dos maiores proprietários de ter-
Operação Lesa Pátria, da Polícia Federal ras do Brasil, e que, em 2020, iniciou uma
(PF), mostram a existência de uma rede campanha para que empresários demitisse
de empresários e políticos orquestrando “petistas e esquerdistas” de suas compa-
e financiando a derrubada do governo nhias.9
eleito de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).6
Mas boa parte da mídia comercial insiste Além deles, corporações como Urbano
em alçar personagens insólitos – como a Agroindustrial, maior produtora de arroz
“Vovó do Barro”, uma senhora aposentada do país, as cooperativas Lar e Coopavel, e
de 67 anos7 – como líderes do movimento a distribuidora de agrotóxicos Agrosanta,
golpista. Quais as razões para ocultar a tiveram veículos apreendidos pela Polícia
participação explícita do setor corporativo Rodoviária Federal (PRF) por participar de
— ou, no melhor dos casos, apontar casos bloqueios em rodovias.10
individuais como exceção à regra?
Entre os mais de 1.400 presos nos dias de arroz e feijão Urbano Agroindustrial —
seguintes ao 8 de janeiro há diversos no- dona de uma fazenda sobreposta à Terra
mes associados aos setores agropecuário, Indígena Pindoty, em Jaraguá do Sul (SC),
madeireiro e garimpeiro. É o caso de Enric conforme revelou o relatório “Os Invaso-
da Costa Lauriano, pecuarista de Xinguara res: quem são os empresários brasileiros e
(PA) e dono de uma construtora que re- estrangeiros com mais sobreposições em
cém-iniciou atividades de lavra garimpeira, terras indígenas”, publicado em 19 de abril
conforme informado pela Repórter Brasil. pelo De Olho nos Ruralistas.12
Ele atua no movimento Direita Xinguara
junto do empresário e político Ricardo Um dos sócios da Urbano, Renato Fran-
Pereira da Cunha (Pros-PA), cujo telefone zner, representa Santa Catarina na direto-
aparece no inquérito do terrorista George ria da Associação Brasileira da Indústria
Washington de Sousa como uma das duas Arroz (Abiarroz).13 Outro sócio, André Luís
pessoas com quem ele teve contato após Franzner, é diretor vice-presidente da Re-
a prisão, conforme veremos adiante. gião Sudeste na Associação Brasileira da
Indústria do Feijão (Abifeijão).14 José Jair
Também participaram do quebra-quebra Franzner é o atual prefeito de Jaraguá do
líderes setoriais do agronegócio, como Sul.
o ex-presidente da Associação dos Cria-
dores de Brahman do Brasil (ACBB), Ary Além da Urbano, também financiaram as
Marcos de Paula Bárbara, dono da Fazen- caravanas empresas como as distribuido-
da Santa Bárbara, em Santa Bárbara de ras de agrotóxicos e fertilizantes Agrosan-
Goiás (GO), onde cria novilhos premiados, ta e Life Agro; as cooperativas Coanor, de
e dono da TSE Automação Industrial, de Minas, e Coopavel, do Paraná; e o Sindica-
Valinhos (SP). Outros três pecuaristas fo- to Rural de Castro, ligado à ex-deputada
ram identificados entre os golpistas, entre bolsonarista Aline Sleutjes (Pros-PR).
eles Juliano Antoniolli que, junto do pai,
Valdemar, leiloou mais de mil cabeças de
gado para custear a ida de golpistas mato-
-grossenses a Brasília.11
Com 241 deputados e 39 senadores, a bancada concentra 47% dos assentos nas duas
casas e possui no Instituto Pensar Agro (IPA) seu principal braço logístico. Criado em
2011 com o propósito de prestar assessoria técnica na formulação de pautas legislati-
vas para a FPA, o IPA é mantido com verbas mensais pagas por 48 associações patro-
nais do agronegócio, incluindo gigantes multinacionais como JBS, Basf, Cargill, Syn-
genta, Nestlé, Bunge e LDC.16
Além dele, outros oito políticos ligados à FPA declararam apoio — uns mais, outros me-
nos diretos — ao movimento golpista. Confira abaixo seus nomes:
Por fim, identificamos outros dez empresários, políticos e líderes do agronegócio que
declararam apoio ou ofereceram apoio logístico aos golpistas:
Notem que, entre os 44 personagens identificados, boa parte exerce suas atividades
nos principais centros de poder do agronegócio. Minas Gerais (9), São Paulo (8) e Para-
ná (8) lideram entre os estados com maior presença de golpistas ligados ao setor agro-
pecuário. Os três estados são os que possuem, historicamente, maior número de polí-
ticos membros da FPA. Juntos, eles respondem por um terço da bancada ruralista na
Câmara e possuem sete dos 47 senadores vinculados à frente. Entre eles está o próprio
presidente da FPA, o deputado Pedro Lupion (PP-PR), que, logo após os atentados,
condenou a violência mas disse considerar as manifestações “legítimas”.
Como veremos a seguir, os dois estados tiveram papel central na articulação do golpe
frustrado.
QUEM ESTÁ POR TRÁS DE
GEORGE WASHINGTON?
Bento Carlos Liebl é proprietário da Fazenda Santa Tereza, em São Félix do Xingu, com
4.274 hectares, enquanto seu pai, Bento Liebl, é dono de 4.181 hectares da Fazenda Ma-
moeiro. Outra familiar, Bernadete Liebl Peschl possui a Fazenda São Carlos, com 4.342
hectares, enquanto a cunhada de Bento Carlos, Simone Rudnick Liebl, aparece como
proprietária da Fazenda São Bento, de 3.000 hectares, alvo de embargo do Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) por desmatamento
de 24 ha de floresta; desmatamento com uso de fogo. Duas propriedades vizinhas, as
fazendas Bituva Grande, de 6.786 hectares, e Minuano, de 5.523 hectares, estão regis-
tradas em nome de Olivia Reusing, sogra de Bento Carlos.
Juntas, as seis fazendas compõem um mega-latifúndio de quase 30 mil hectares, locali-
zado na fronteira Sul da Terra Indígena (TI) Apyterewa, a mais desmatada do país entre
2019 e 2022.23 Três dos imóveis são imediatamente vizinhos do território do povo Pa-
rakanã, conforme mostra o mapa elaborado por De Olho nos Ruralistas, com base em
dados georreferenciados do Incra:
George Washington (esq.) e seu filho posam ao lado do irmão em trio elétrico
Faraó, durante protesto pelo impeachment de Dilma Rousseff.
(Reprodução/Facebook)
PROPRIEDADES RURAIS DAS FAMÍLIAS
LIEBL E REUSING
EM SÃO FÉLIX DO XINGU - PA
Sorriso é o município com maior produ- acusadas, pessoas físicas e seus familiares
ção de soja em Mato Grosso, o estado que doaram oficialmente R$ 1,35 milhão a Jair
mais produz grãos no Brasil. É ali que se Bolsonaro.39
encontra uma das mecas dos financiado-
res do golpe e da carreira política de Jair Vinte e quatro das empresas e empresá-
Bolsonaro. Esta não é somente uma teoria: rios golpistas têm sedes ou filiais em Sor-
são os fatos que dizem, os números. riso.40 Sojeiros, transportadores de cargas,
No dia 15 de dezembro de 2022, o ministro pecuaristas, comerciantes de insumos,
do Supremo Tribunal Federal (STF) Ale- equipamentos e veículos agrícolas, dis-
xandre de Moraes bloqueou as contas de tribuidores de combustíveis, instituições
43 empresas e indivíduos que financiaram financeiras e corretores imobiliários com-
ações golpistas como os acampamentos, põem esse grupo ligado ao agronegócio
comboios para Brasília e bloqueios de es- e, principalmente, à soja. Dos 43 nomes
tradas.37 apontados, De Olho nos Ruralistas en-
controu 29 com atividades envolvendo
Relembremos: nos dois primeiros dias diretamente o plantio e comercialização
após a vitória do presidente Luiz Inácio de soja. Outros 14 nomes estão ligados a
Lula da Silva, 28 trechos de rodovias fo- outras atividades do agronegócio, como
ram bloqueados por caminhões e tratores. transporte, pulverização de agrotóxicos e
Nada menos que 51 dos 116 caminhões en- comercialização de máquinas e insumos
volvidos em protestos golpistas em Brasí- agrícolas.
lia saíram do estado.38 Sócios de empresas
Manifestantes golpistas queimam pneus e toras de madeira em bloqueio em Sinop (MT).
(Reprodução/Só Notícias)
Governador reeleito Mauro Mendes e ex-presidente Jair Bolsonaro, durante evento em Sinop.
(Governo de Mato Grosso)
FAZENDEIROS DOARAM
R$ 1,3 MILHÃO PARA BOLSONARO
PARTE 2:
AGROBOLSONARISMO
(Rafaela Felicciano/Metrópoles)
AGRONEGÓCIO BANCOU afirmou Bolsonaro durante evento. “Mas,
se alguém quiser jogar fora dessas quatro
MANIFESTAÇÕES GOLPISTAS linhas, nós mostraremos que poderemos
EM 2021 fazer também”, completou.50
Dois ônibus do Movimento Conservador de Lucas do Rio Verde partiriam para a capital
federal. O grupo bolsonarista foi articulado três meses antes e já contava com 270 par-
ticipantes no WhatsApp. Em dez dias, levantou cerca de R$ 100 mil para financiar a via-
gem, junto a fazendeiros da região. Um dos fundadores do grupo, Glauber Ferreira, 33,
não revelou quem eram os financiadores, apenas o setor: “É o pessoal do agro, né?”.58
Caminhões do agronegócio ocuparam Esplanada em 2022. (Manoel Marques/De Olho nos Ruralistas)
VOTO DE CABRESTO
Outro fazendeiro baiano obrigou as fun-
Sojeiros, pecuaristas e donos de frigorífi- cionárias a votar com celular no sutiã. O
cos cometeram crime eleitoral ao assediar assédio partiu de Adelar Eloi Lutz, dono
trabalhadores para que votassem no can- de propriedades rurais em Formosa do Rio
didato do PL, com denúncias de compra Preto, a 756 quilômetros de Salvador. Há
de votos em todas as regiões do país. Este registro do crime eleitoral em gravações
observatório reuniu, em reportagem e que circulam em aplicativos de mensa-
vídeo, exemplos de Rondônia à Bahia, do gens.60 O pecuarista Cyro de Toledo Ju-
Maranhão ao Rio Grande do Sul, passan- nior, ou Nelore Cyro, como é conhecido
do pelo Paraná. À medida que o segundo em Araguaçu, no Tocantins, prometeu
turno se aproximava, as irregularidades se pagar 15º salário caso Bolsonaro ganhasse.
multiplicavam. “Eu quero gente que pensa igual a mim e
vista a camisa da fazenda”, afirmou o pe-
Entre esses empresários estava a sojeira cuarista.61
Roseli D’Agostini Lins, presidente da Asso-
ciação de Produtores Rurais do Alto Hori- Mas de onde saía o dinheiro desse voto
zonte, no oeste da Bahia. “Eu queria falar de cabresto? Em Roraima, o garimpeiro e
algo para os nossos agricultores”, disse ela candidato bolsonarista a deputado federal
a colegas. “Façam um levantamento, quem Rodrigo Cataratas (PL) foi preso em fla-
vai votar no Lula e demitam. Demitam sem grante com material eleitoral, R$ 6 mil em
dó”.59 espécie e uma lista com nome de pesso-
as e valores para distribuição. Cataratas declarou à Justiça Eleitoral R$ 4,5 milhões em
dinheiro vivo.62
Ele é investigado pela Polícia Federal por suspeita de apoiar a exploração ilegal de
minérios na Terra Indígena Yanomami. Já foi indiciado por suspeita de crime ambiental,
crime contra a ordem econômica e posse e comercialização ilegal de munição de arma
de fogo. Agora, compra de votos. O candidato não se elegeu.
Bolsonaro, Tereza Cristina e Nabhan Garcia emplacaram perseguição aos movimentos de luta pela terra.
(Divulgação/Twitter)
Essa mesma visão era propagada, desde A defesa da propriedade privada e do lati-
os anos 1930, pela Ação Integralista Bra- fúndio ganhou novamente força nos anos
sileira (AIB), fundada pelo jornalista Plínio 1960 por meio da Sociedade Brasileira de
Salgado com base nos preceitos do fas- Defesa da Tradição, Família e Propriedade
cismo italiano, que pregava um retorno (TFP), organização conservadora funda-
ao tradicionalismo católico em oposição da em 1960 pelo advogado e constituinte
de 1934 Plinio Corrêa de Oliveira. Entre os de líderes indígenas Karajá e Javaé junto a
eixos centrais de atuação da TFP estava a extrativistas da Ilha do Bananal, no início
luta feroz contra quaisquer políticas pú- dos anos 1980.75
blicas de reforma agrária ou expropriação
de terras. O tema ganhara projeção com O saldo da ditadura militar para os povos
o surgimento, em 1955, das Ligas Campo- do campo foi catastrófico. As Ligas Cam-
nesas, como fruto da articulação campo- ponesas foram dizimadas e o projeto de
-cidade do Partido Comunista Brasileiro uma reforma agrária popular deu lugar à
(PCB).73 expansão desenfreada de fronteiras agrí-
colas na política do “integrar para não en-
tregar”, iniciando o ciclo atual de destrui-
ção da Amazônia. Sob o governo Ernesto
Geisel (1974-1979), o ministro da Agricultu-
ra Alysson Paulinelli — que depois presidiu
a Confederação da Agricultura e Pecuária
do Brasil (CNA) — introduziu o plantio de
soja no Cerrado, dando ao agronegócio
brasileiro a forma que conhecemos hoje,
pautado na monocultura e no uso intensi-
vo de pesticidas.
Ali, onde a ilegalidade faz fronteira com o terror, o indigenista Bruno Pereira e o jorna-
lista britânico Dom Philips foram brutalmente assassinados durante uma emboscada,
em junho de 2022. Os mandantes foram descobertos apenas em janeiro de 2023 — não
à toa, somente após a derrota e fuga de Jair Bolsonaro.106
Essa história acaba sendo deixada de lado na mesma medida em que os donos
dos meios de comunicação — esses mesmos que dizem que o agronegócio é
pop — jogam informações cruciais para debaixo do tapete. Mais do que vítima de
fake news, o Brasil é vítima de um jornalismo falso, omisso, que omite as digitais
econômicas e políticas da violência no campo.
Estamos utilizando a palavra “terror” neste relatório exatamente porque é dis-
so também que se trata, quem conhece as histórias de despejos, assassinatos e
extermínios no campo não pode deixar de falar em terror. George Washington
não é um lunático, não é um ponto fora da curva, não é um empresário dissocia-
do dessa história de ataques contra a Amazônia e os camponeses e quilombolas
e indígenas.
Só que temos gente muito mais articulada que George Washington. Temos um
sistema. Um sistema político ruralista que já demonstrou várias vezes que não se
importa com golpes e não se importa com manipulações, como aquelas relativas
ao instrumento constitucional — e inserido na ordem capitalista — da reforma
agrária.
Se o Brasil quer enfrentar de frente a barbárie, que olhe para o campo, mas que
também olhe para o campo a partir dos filtros corporativos e políticos — está na
hora dessa gente engravatada mostrar seu gosto pelo terror.
REFERÊNCIAS