John Wesley o Polímata
John Wesley o Polímata
John Wesley o Polímata
Índice
Prefácio
Introdução
Capítulo 1. Uma mente brilhante muito além de seu tempo
Capítulo 2. A tradição acadêmica da família Wesley
Capítulo 3. Educacão nos primeiros anos de vida
Capítulo 4. Estudos na Charterhouse School e Universidade de Oxford
Capítulo 5. Experiência profissional nos Estados Unidos
Capítulo 6. Ações sociais por um mundo mais justo
Capítulo 7. O amor aos livros e à leitura
Capítulo 8. Medicando os sem médicos e medicamentos
Capítulo 9. Disposição para o trabalho
Capítulo 10. O Contexto familiar e socio- econômico que contribuíram para torná-lo um polímata.
Capítulo 11. Atributos de personalidade que contribuíram para torná-lo um polímata
Conclusão
Referências bibliográficas
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Prefácio
Quando você houve a palavra “Inglaterra” o que vem à sua mente?
O inglês como língua global? A Revolução Industrial?
A monarquia ou quem sabe os guardas palacianos com aquele enorme chapéu preto?
Comecemos com a contribuição inglesa no campo das ciências com Isaque Newton que
postulou “a lei da gravidade”. Acrescentemos a este ícone da física o nome de Robert Hooke, o
primeiro a descrever uma célula e do biólogo molecular Francis Crik que juntamente com o
americano James Watson “descobriram” o DNA, a molécula base da vida.
Outros nomes de destaque seriam o naturalista Charles Darwin e sua controversa obra “A
origem das espécies”; Frederick Sanger (bioquímico que ganhou duas vezes o prêmio Nobel),
Alan Turing que decifrou os códigos de guerra nazista e é considerado o pai da computação e da
inteligência artificial. Poderíamos, após deixar para trás algumas centenas de nomes, concluir esta
longa lista com o cientista e escritor Stephen Hawking e sua imensa capacidade de fazer o leitor
comum entender a complexa natureza de nosso universo.
Mas para quem pensa que os ingleses são “sisudos”, lembremo-nos do humor universal de
Charles Chaplin; do humor inocente de Stan Laurel (o magro da dupla o gordo e o magro); do
humor atrapalhado do inspetor Jacques Clouseau (Peter Sellers) de a “Pantera cor de Rosa” ou do
ainda mais atrapalhado “mister bean” (Rowan Atkinson).
Deixando o cinema, mas não sem antes citar o grande mestre do suspense, Alfred
Hitchcock, passemos agora para a literatura, onde começaremos com William Shakespeare.
Acrescentemos a este que é considerado um dos grandes nomes da literatura mundial, a alta
fantasia de C.S. Lewis em “As Crônicas de Nárnia”; a ficção fantástica de J. R. Tolkien em “o
Senhor dos Anéis”; sem nos esquecer do grande clássico da literatura infantil “Alice no país das
maravilhas” de Lewis Carroll.
A Inglaterra também nos deu o maior detetive de todos os tempos. Seria ele “Sherlok
Holmes” de Arthur Conan Doyle? Eis a resposta: “elementar meu caro Watson”. Pena que o
detetive “Sherlok Holmes” não tenha vivido o suficiente para ajudar a desvendar os crimes
misteriosos dos contos policiais de Agatha Christie ou os crimes internacionais tramados pelos
vilões dos filmes de James Bond, o agente 007 “a serviço de sua majestade”. Outros grandes
nomes da literatura incluem John Milton e seu poema épico “o Paraíso Perdido”; a poesia
romântica de Lorde Byron; o romance realista de Charles Dickens e a intensa oposição ao
totalitarismo de George Orwell no livro “1984”. Deixando o ano de “1984”, entremos na
“máquina do tempo” (romance de ficção científica de H. G. Wells) e alcancemos os dias atuais,
onde iremos “tomar um chá das cinco” com a família real no castelo de Windsor.
Deixando a literatura e indo para o campo da filosofia façamos esta transição citando o
romance filosófico “utopia” de Thomas More e acrescentemos os nomes de John Locke e Adam
Smith no campo da economia; de Thomas Hobbes na filosofia política e de Francis Bacon em
relação ao método científico. Finalmente, não poderíamos deixar de citar o almirante Nelson
considerado o maior estrategista naval que já existiu; o Duque de Wellington que venceu
Napoleão em Waterloo; o general Montgomery que venceu “a raposa do deserto” (o general
alemão Rommel) e ainda o estadista Winston Churchill.
Decrevemos até o momento cerca de três dezenas de ilustres ingleses que se destacaram
nos campos das ciências, filosofia, literatura, cinema, política e estratégias de guerra e mais
alguns que mesmo não tendo existido (Sherlock Holmes, James Bond, o rei Lear de Shakespeare)
estarão sempre vivos em nosso imaginário.
Então julgo ser o momento propício para lhe fazer esta simples pergunta: você já ouviu
falar de John Wesley?
Talvez você tenha visto este nome pela primeira vez quando se deparou com a capa deste
livro. Mas, não se preocupe. Você terá a partir de agora a oportunidade de conhecer um pouco
mais da vida e obra deste homem, um polímata que colocou em prática seus amplos
conhecimentos para a construção de um mundo melhor para seus contemporâneos e cuja obra
ainda alcança um impacto positivo no mundo atual.
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Introdução
Polímata! Com certeza esta palavra esquisita é estranha para você!
O termo polimatia vem do grego clássico e é a junção de poli, que significa muitos ou
vários, e math, que é a raiz tanto de manthanein (o verbo aprender) e mathema (algo que é
aprendido, especialmente através da reflexão).
Polímata significaria então “aquele que aprendeu muito” enquanto polimatia refere-se à
capacidade de alcançar excelência em distintas áreas do conhecimento.
Contrastando com o mundo atual que valoriza indivíduos altamente especializados, o
polímata é alguém que se destaca em diversas áreas ao mesmo tempo.
O historiador inglês Peter Burke define o polímata como um intelectual reconhecido por
sua multifacetação. Este modo de atuar contrasta com a grande maioria dos intelectuais
contemporâneos que se destacam apenas na área em que são ultra-especializados. Por esta razão,
segundo Peter Burke, o polímata é uma espécie em extinção.
Não apenas concordo com a opinião de Peter Burke, mas ainda acrescento: os polímatas
em seu processo de extinção estão sendo substituídos pelos falsos polímatas. Indivíduos que
aparentam ter algum tipo de conhecimento sobre todos os assuntos. Porém, este conhecimento é
superficial ou nulo. Porque é embasado em rápidas leituras de uma avalanche de mensagens de
duas ou três linhas recebidas pela internet. Os falsos polímatas dominarão o mundo nas próximas
décadas na medida em que arrebanham bilhões de seguidores nas redes sociais.
Provavelmente o mais conhecido polímata da história da humanidade tenha sido
Leonardo da Vinci, um gênio artístico e científico que se destacou como matemático, físico,
engenheiro, arquiteto, anatomista, botânico, pintor, escultor, poeta e musico.
Embora não seja um exemplo tão eloqüente quanto Leonardo da Vinci, o caráter polímata
da vida e obra de John Wesley não tem sido avaliado. Isto porque o foco principal em relação a
este teólogo inglês tem sido seu trabalho como líder religioso.
Talvez em um futuro distante a ciência consiga determinar o perfil genético de pessoas
com potencial de se tornarem polímatas. Mas, enquanto este avanço da ciência não chega teremos
de nos contentar em tentar entender os fatores ambientais que favorecem o surgimento destes
indivíduos fora de série.
Cumpre destacar que no caso específico de John Wesley este trabalho é bastante facilitado
porque durante mais de 55 anos ele conservou a disciplina de escrever um diário. Neste diário ele
descreve detalhes de sua vida pessoal, experiências de vida, opiniões e atividades profissionais. O
diário inicia a partir de sua viagem missionária aos EUA em 1735 quando ele tinha 32 anos sendo
interrompido apenas alguns meses antes de sua morte em 1791.
Minha descoberta de John Wesley como alguém mais do que um líder religioso bem
sucedido ocorreu quando visitei a “Wesley Chapel” em Londres. Trata-se da casa pastoral onde
John Wesley viveu os últimos anos de vida, hoje transformado em um museu. Entre os objetos
pertencentes a John Wesley temos “uma maquina de choque elétrico” para o tratamento de
diversas doenças. Na loja de souvenirs encontrei uma reedição recente de um livro de plantas
medicinais escrito por John Wesley. Estes dois exemplos e outros detalhes logo me levaram a
concluir que estava diante de algo mais que um clérigo anglicano que viveu no século XVIII.
John Wesley foi professor, educador, líder, escritor, editor, elaborador de material
didático, poliglota, tradutor, teólogo, pregador, compositor de hinos, terapeuta e possuidor de
outras habilidades que fizeram dele um dos mais destacados intelectuais do século XVIII.
Neste livro apresentaremos uma visão geral da vida de John Wesley, um homem que faz
parte de uma rara extirpe de polímatas capazes de colocar seus conhecimentos em prática de
modo a contribuir efetivamente para um mundo melhor.
Os textos escritos por John Wesley serão apresentados em negrito enquanto porções de
textos escritas por outras pessoas, em particular sua mãe, Susana Wesley serão apresentados em
itálico.
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Para o mundo atual em que a obesidade infantil cresce assustadoramente iremos encontrar
as seguintes orientações de John Wesley: “Pais sábios e amorosos cuidam para não nutrirem
nos filhos a propensão natural de gratificarem o paladar. Assim, a mãe fará com que
provem apenas leite até serem desmamados e então, acostume-os a alimentos mais simples,
principalmente de origem vegetal; mas sempre incluindo o leite em cada refeição e tendo
apenas a água como bebida. Eles nunca desejarão provar carne ou bebida, entre as
refeições, se não forem acostumados a isto. Além disso, se frutas ou doces forem oferecidos
que sejam consumidos apenas durante as refeições. Porém, nunca se oferecerá dessas coisas
como uma recompensa; mas ensine os verem mais alto do que isto. Elas também devem se
habituar a não pedirem nada além do que lhes é dado”.
Se contrapondo ao mundo atual em que o trabalho escravo ainda se faz presente, John
Wesley expressa sua opinião sobre o assunto em seu diário do dia 12 de dezembro de 1772.
“No retorno li um livro muito diferente sobre aquela execrável soma de todas as
vilanias que é comumente chamada de comércio de escravos. Não li nada parecido no
mundo pagão, tanto antigo como moderno, e infinitamente excede em muitos exemplos de
crueldade o que os escravos cristãos sofreram em terras muçulmanas”.
Se contrapondo ao mundo atual com seu infindável número de dependentes de drogas,
John Wesley expressa bem sua opinião sobre o assunto: “Reprimir a onda de vícios, eis uma
das mais nobres iniciativas que pode conceber o coração humano”.
Se contrapondo ao mundo atual em que as pessoas estão cada vez mais indiferentes ao
sofrimento alheio, John Wesley expressa bem suas opiniões (e ações) sobre o assunto em seu
diário do dia 03/10/1739: “Os pobres prisioneiros não tinham quem se preocupasse com suas
almas. Ninguém restou para visitar os asilos, onde encontramos as mais tocantes situações
de compaixão. Nossa pequena escola onde as crianças pobres eram ensinadas estava quase
destruída e não havia ninguém para apoiá-la ou atendê-la”.
Em 1747 John Wesley publicou: “Primitive Physick: um método fácil e natural para curar
a maioria das doenças”. Este material representa um esforço para atender às necessidades de
saúde das pessoas sem acesso a médicos e/ou medicamentos. Segundo alguns comentaristas,
cerca de um terço das orientações terapêuticas contidas neste livro foram baseadas em tratados de
medicina da época. O livro apresenta cerca de novecentas receitas visando a cura de cerca de
trezentos “problemas de saúde”. A maioria das receitas envolve a utilização de plantas da
medicina popular. O livro fez tanto sucesso que alcançou trinta e duas edições.
Cumpre ainda destacar que os cuidados de John Wesley para com os seres humanos se
estendia aos animais: “Os pais não irão permitir que os filhos firam ou causem dores a nada
que tenha vida; que eles roubem ninhos de pássaros; muito menos matem alguma coisa sem
necessidade, nem mesmo cobras que são tão inocentes quantos minhocas ou sapos. Não
obstante, a feiura e a má fama, elas são tão inofensivas quanto insetos. Que eles ampliem a
qualquer animal a regra de fazer a eles o que gostariam que lhes fosse feito!”
Após apresentar uma visão geral da ampla gama de conhecimentos que John Wesley
apresenta em relação a diversas áreas do saber, uma questão poderia ser levantada: quais os
fatores que contribuíram para que ele se tornasse um polímata?
Não temos como avaliar o peso da genética na manifestação de uma “mente polímata”,
mas sem duvida o contexto socioeconômico e o ambiente familiar contribuem para o surgimento
destes indivíduos. De acordo com esta afirmação, o historiador John Simmons em seu livro os
100 maiores cientistas da história comenta: “com poucas exceções, nenhum deles nasceu em um
ambiente de pobreza. Na verdade, vieram de origens abastadas ou lares de bom nível em que a
busca de valores intelectuais era altamente apreciada”. Esta afirmação de John Simmons se
aplica “como uma luva” a John Wesley, em particular em sua última porção: “lares de bom nível
em que a busca de valores intelectuais era altamente apreciada”.
Nos próximos capítulos estaremos detalhando a tradição acadêmica da família Wesley, o
ambiente familiar onde John Wesley viveu seus primeiros anos de vida e outros fatores que
contribuíram para que John Wesley se tornasse um polímata.
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escreve: “A nenhuma criança se ensinava a ler antes dos cinco anos de idade. Quando se tentou
mais cedo, a criança levou mais tempo para aprender”.
Cada aluno tinha seu lugar na sala de aula, onde havia tarefas a serem cumpridas e
horários rígidos para iniciar e terminar os trabalhos como escreve Susana Wesley: “No dia antes
de começarem a aprender a casa era colocada em ordem. Cada um tinha sua tarefa e ninguém
podia entrar na sala das 9:00 às 12:00 horas e das 14:00 às 17:00 horas”.
Eram seis horas de aulas de segunda a sábado, onde eram alfabetizados, tendo a bíblia
como texto. Seu método, ela garantia, levava seus filhos a aprender a ler e escrever em três meses.
Mas, o ensino não ficava restrito à leitura da bíblia. Eles também recebiam aulas de matemática,
literatura e ciências.
Não havia conversas em voz alta, uma vez que cada um dedicava-se ao seu estudo.
Sair do seu lugar ou da sala não lhes era permitido sem uma boa razão.
Às 17:00 horas acontecia o culto doméstico diário.
Além das atividades escolares, cada criança, uma vez por semana, em horários pré-
definidos, conversava privativamente com Susana Wesley. Ela os tratava de acordo com suas
idades e temperamentos individuais. Para John Wesley ela reservava duas horas nas noites de
quinta-feira. Em relação a este período, John Wesley já adulto, escreveria: “Se você puder me
reservar apenas pequena parte da quinta-feira à tarde, eu não duvido que fosse tão útil
agora para corrigir meu coração, quanto foi útil para formar meu juízo”.
A prova de que o método de ensino de Susana foi bem sucedido foi que todos os seus
filhos, aparentemente sem exceção desenvolveram amor pela leitura. Isto porque o trabalho era
feito de modo gentil e com muita paciência. Por exemplo, certa vez, o marido Samuel, bastante
irritado disse a Susana: “Acho admirável sua paciência, porque você repetiu a mesma coisa e essa
criança nada menos do que vinte vezes”. Ela respondeu calmamente: “Teria perdido o meu tempo,
se tivesse repetido somente dezenove, porque foi só na vigésima vez que alcancei meu objetivo”.
Suzana escreve: “Às 18:00, logo que se encerrava o culto doméstico nós jantávamos; às
19:00 horas a empregada dava banho nas crianças e mudava a roupa delas começando pela mais
nova. Às 20:00 eram levadas para a cama, onde permaneciam acordadas porque não era
costume em nossa casa alguém ficar ao lado da cama da criança até caírem no sono”.
O jantar como um momento de reunião da família acontecia dentro das regras
estabelecidas por Suzana Wesley. É interessante observar que as crianças não deveriam comer
fora de horário das refeições. Esta orientação, dada por uma mulher “à frente de seu tempo” é tão
avançada que ainda não foi posta em prática nos dias atuais.
Suzana Wesley escreve: “Elas ficaram tão acostumadas a comer e beber o que era dado
que quando ficavam doentes, não era difícil conseguir que tomassem o remédio, ainda que de
mau paladar e mesmo que vomitassem logo em seguida. Faço menção disso para demonstrar que
uma pessoa pode ser ensinada a tomar qualquer coisa ainda que seja repelida pelo estomago”.
Comentário: Remédios no século XVIII eram bem mais amargos do que em nossos dias.
Contudo, vemos que quando alguém é ensinado a portar se com ordem e decência nas coisas
agradáveis da vida (jantar), isto facilita o enfrentamento dos “remédios amargos”.
O ambiente familiar criado por Susana Wesley pode ser resumido neste texto escrito por
ela: “Logo aprenderam que não ganhariam nada gritando. Se quisessem alguma coisa elas
deveriam falar com delicadeza e pedir em voz baixa. Também aprenderam cedo a ficar quietas
na hora do culto doméstico e a dar graças na mesa. Obscenidades, nomes feios ou menos respeitosos
não se ouviam entre elas. Não havia choro, mas risos e brincadeiras eram sons habituais”.
Susana Wesley alfabetizou suas filhas, sem qualquer distinção em relação aos filhos.
Mesmo nos dias atuais onde a igualdade das mulheres ainda não foi alcançada, a ideia de oferecer
às meninas condições educacionais semelhantes à dos meninos, mostra que a maneira de pensar
de Susana Wesley estava muito além do seu tempo.
Sua opinião sobre a educação feminina é resumida nesta frase: “Não deixe uma menina
trabalhar antes de saber ler, esta é uma das razões porque tão poucas mulheres sabem ler”.
Temos poucas informações desempenho intelectual das irmãs de John Wesley, mas o
suficiente para entendermos que estas “meninas” foram culturalmente diferenciadas da maioria
das mulheres de seu tempo.
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Nascido em 1703, John Wesley tinha 5 irmãs mais velhas: Emily, Susana (Suckey), Mary
(Molly), Mehetabel (Hetty) e Anne (Nancy). Elas eram muito afeiçoadas a John Wesley e
ajudavam a mãe em sua educação, lendo para ele todos os dias. Havia também duas irmãs mais
novas: Martha (Paty) e Kezia (chamada de Kezzy).
Emily, nascida em 1692 demonstra seu gosto pela leitura nesta porção de uma carta escrita
ao irmão John Wesley: “Eu vivi uma vida simples. Tive a maioria de minhas necessidades
supridas, apesar de pouca diversão e também nunca viajei ao exterior. Ainda assim, após
terminar um dia de trabalho eu leio algum bom livro e me sinto suficientemente contente”.
Molly que nasceu em 1696 atuou como secretária do pai.
Hetty nasceu em 1697. Ensinada pelo pai lia o novo testamento em grego aos oito anos.
Quando adulta Hetty tornou-se uma mulher que gostava de ler bons livros e escrever poesias.
Anne nascida em 1701 gostava de sentar-se com a mãe para conversarem sobre literatura.
Martha nasceu provavelmente em 1706 tinha boa memória e era capaz de se lembrar de
longos textos de livros e peças que havia lido.
Kezzy era uma leitora ávida e pedia ajuda a John Wesley para escolher os livros.
Apesar de todo potencial intelectual, as irmãs de John Wesley não se destacaram
profissionalmente. Para este fato a explicação é muito simples: a falta de acesso das mulheres em
cursos universitários retirava a possibilidade de elas contribuírem além dos relevantes papeis de
mães, donas de casa, governantas, damas de companhia e cuidadoras dos pais idosos.
operada em sua alma tem me dado muito que pensar. ... Peço-lhe encarecidamente que faça um
exame rigoroso de sua consciência. ... Se você se encontrar nesse estado de religião, a satisfação
de saber disso recompensará amplamente os seus esforços; caso contrário, você terá motivo de
derramar lágrimas, muito mais amargas que aquelas que a presença de uma tragédia poderia
arrancar de você”. A exortação feita por sua mãe deu resultados, como vemos nesta porção de
uma carta ao filho John Wesley: “Fiquei muito contente com a proposta de ordenação pastoral.
Aprovo a disposição de sua mente. Penso que este período que antecede a páscoa é bem
apropriado para sua preparação para as ordenanças e penso que quanto mais cedo você for um
diácono melhor”.
A ordenação ocorreu em 19/09/1725. John Wesley tinha apenas 22 anos quando foi
ordenado clérigo da igreja Anglicana no “Christ Church College”. Além disso, em função de seu
destaque como acadêmico recebeu o título de “Felow’ da universidade de Oxford, uma honraria
que lhe conferia uma posição nesta universidade.
Em 1726, aos 23 anos tornou-se tutor de grego e filosofia no Lincoln College (Universidade
de Oxdord), onde ainda existe um espaço reservado (The Wesley room) em sua homenagem.
Em uma carta escrita em 30/03/1726 vemos Susana comemorar mais uma vitória de seu
filho:
“Querido Jacky. Eu lhe parabenizo pelo sucesso alcançado no grau de mestre”. Nesta
mesma carta Susana escreve: “Querido Jacky. Agradeço ao Deus Todo-Poderoso por lhe dar
sucesso em Lincoln ....”.
Foi durante este período que a leitura de textos do Monge alemão, Tomás de Kempis
(1380 - 1471) e de seu contemporâneo, o clérigo Anglicano Willian Law (1686 - 1761) o
influenciaram fortemente.
Sobre o período em que estudou em Oxford algumas porções do diário de John Wesley
nos sugere que ele mantém: 1. O fervor religioso que caracterizou sua infância e adolescência; 2.
O desejo de alcançar um conhecimento mais profundo. 3. A necessidade de aproveitar o tempo.
4. Disciplina em relação aos estudos. 5. O cuidado em manter uma vida irrepreensível. 6. O
desejo de ser um modelo de vida.
Em agosto de 1727, atendendo um pedido de seu pai passou a auxiliá-lo como pastor em
Epworth. Em novembro de 1729 retornou para a Universidade de Oxford onde permaneceria por
mais seis anos.
Ao retornar à Universidade incorporou-se ao clube santo fundado por Charles Wesley.
Eles tinham hora determinada para oração, leitura bíblica, meditação e também jejuavam todas as
quartas e sextas- feiras até as 15:00. Outra característica do clube Santo era a visita regular aos
presos e enfermos; cuidado com os pobres e idosos e a alfabetização de crianças.
John Wesley logo se tornou o líder do grupo, não apenas por ser o mais velho, mas por
suas qualificações intelectuais. Além do fato de já ter sido ordenado clérigo enquanto os demais
ainda eram estudantes de graduação.
Os colegas universitários, observando que eles eram “extremamente metódicos”, os
apelidaram por zombaria de “Metodistas”, “traças da bíblia”, “Sacramentalistas”, “O Clube
Divino” e “Entusiastas”. Na época o termo entusiasta era extremamente negativo porque era
usado para designar fanáticos religiosos. O próprio nome “clube santo” seria mais um deboche
por parte dos colegas universitários. Na verdade, desde o princípio eles também tiveram de lutar
contra a frieza ou ataques diretos. Por exemplo, em 1733, o semanário “Fogg´s Weekly Journal”
acusou o grupo de querer transformar a universidade em um mosteiro.
Ao grupo se incorporaram outros estudantes e professores, mas nunca ultrapassaram o
número de 25 pessoas. Dentre os ilustres participantes do “Clube Santo”, talvez o mais conhecido
além de John e Charles Wesley foi George Whitefield, um jovem estudante advindo de uma
família muito pobre e que posteriormente seria considerado o maior pregador do século XVIII.
John Wesley queria que os membros do Clube Santo seguissem seu estilo de vida, por
exemplo, no aproveitamento do tempo: ele acordava todos os dias às quatro horas da manhã,
sendo a primeira hora do dia consagrado à leitura da bíblia e orações.
Em carta datada de 25/10/1732, Susana Wesley expressa seu apoio ao trabalho dos filhos
John e Charles no Clube Santo: “Sinceramente, uno-me à sua pequena sociedade em todas as
suas ações piedosas e de caridade que são planejadas para a glória de Deus. Que vocês
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continuem tão bem com estas obras e prosperem. Apesar de ausente no corpo, estou presente com
vocês em espírito e diariamente recomendo e empenho todos à divina providência”.
Já nas primeiras páginas do diário aparece uma característica de sua personalidade: “14 de
outubro de 1735 (terça-feira): O Sr. Benjamim Ingham do Queen´s College, Oxford; o Sr.
Charles Delamotte, filho de um magistrado de Londres; meu irmão Charles Wesley e eu
pegamos um navio com a finalidade de embarcar para a Geórgia. O motivo de deixarmos
nosso país não foi dificuldades financeiras (pois, Deus nos tem dado bênçãos temporais
suficientes) ou para receber migalhas dos ricos ou obtermos honra; mas simplesmente para
salvar nossas almas e viver completamente para a glória de Deus”.
John Wesley sempre apresentou forte interesse em aprender novas línguas e uma das
razões era seu forte desejo de interagir com as pessoas: “17 de outubro de 1735 (sexta-feira):
Comecei a aprender alemão visando conversar com os vinte e seis alemães que estavam a
bordo”.
Na porção do diário que se encontra no próximo parágrafo vemos que a vida de John
Wesley era marcada por extrema disciplina onde se acrescenta uma característica típica do
polímata: trabalhar intensamente, característica que ele manterá até os últimos dias de sua vida.
21 de outubro de 1735 (terça-feira): Nosso modo de viver era esse: das quatro às
cinco da manhã cada um fazia sua oração; das cinco às sete horas, lemos a bíblia juntos e
cuidadosamente para não nos apoiarmos em nossas próprias convicções. Às sete horas
temos o café da manhã; às oito horas lemos as orações públicas; das nove às onze horas
aprendo alemão. Ao meio-dia nos encontramos para prestar contas uns aos outros do que
fizemos desde nosso último encontro e o que pretendemos fazer até o próximo encontro. Por
volta de uma hora da tarde almoçamos. Após o almoço até às quatro horas lemos ou
conversamos, conforme a necessidade, com aqueles pelos quais cada um de nós se
responsabilizou. Às quatro horas, somos os oradores da tarde, quando a segunda lição é
explicada e as crianças são catequizadas e instruídas .... Das cinco às seis da tarde, lemos
novamente as orações em particular; das seis às sete horas da noite leio para dois ou três
passageiros e cada um dos irmãos leem para mais alguns deles. A partir das sete horas
reúno-me com os alemães no seu culto público. Às oito horas da noite nos reencontramos
para nos exortarmos e instruir uns aos outros. Entre nove e dez horas da noite nos
recolhemos, onde nem mesmo o rugido do mar e o movimento do navio podem perturbar o
sono refrescante que Deus nos proporciona.
A elevada carga de trabalho combinada com muitos estudos não desligava John Wesley do
mundo. Muito pelo contrário, ele se mostra um bom observador do comportamento das pessoas
ao seu redor. No comentário que transcreveremos a seguir ele deixa o patriotismo de lado e
reconhece que os Morávios possuem melhor conduta cristã do que seus compatriotas ingleses.
25 de janeiro de 1736 (domingo): Às sete horas fui até os alemães. Há algum tempo
tenho observado o comportamento deles. A seriedade e humildade ao realizarem trabalhos
servis em favor de outros passageiros, o que não acontecia com qualquer dos ingleses a
bordo. Eles recusavam pagamento por seus serviços dizendo “isto é bom para nossos
corações orgulhosos” e que “o amoroso Salvador tinha feito muito mais por eles”. Todos os
dias mostravam mansidão. Se eram empurrados, atingidos ou jogados no chão, eles se
levantavam novamente e iam embora e nenhuma queixa era encontrada em suas bocas.
John Wesley não apenas observa, mas é pró-ativo procurando entender comportamentos
que não se encaixam com sua maneira de pensar, como vemos nesta porção de seu diário.
Uma onda quebrou sobre o navio e fez a vela principal em pedaços .... Um terrível
grito foi ouvido entre os ingleses. Os alemães, no entanto, cantavam calmamente. Mais tarde
perguntei a um deles:
- Vocês não estavam com medo?
E ele respondeu: - Graças a Deus não.
Então perguntei: - Mas as mulheres e as crianças não estavam com medo?
Ele respondeu suavemente: - Nossas mulheres e crianças não tem medo de morrer!
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John Wesley (que morria de medo de morrer) acaba de aprender uma lição. E aqui temos
mais uma característica deste polímata: ele põe imediatamente em prática o que aprendeu.
Logo em seguida fui até seus vizinhos que choravam e tremiam e mostrei-lhes a
diferença na hora da provação entre aquele que teme a Deus e aquele que não teme.
No dia 06/02/1736, a viagem iniciada quase quatro meses antes (em 14/10/1735) chegou
ao fim. Ao chegarem à Geórgia enquanto John Wesley atuava como clérigo em Savannah, seu
irmão Charles Wesley atuava em um cargo administrativo e como capelão no forte Frederica. Seis
anos mais tarde (1742), os espanhóis tentaram tomar o forte Frederica, mas foram derrotados
pelos homens comandados por James Oglethorpe. Em resumo, o trabalho dos irmãos Wesley se
desenvolveu em um ambiente marcado pelo conflito entre ingleses e espanhóis.
O período em que permaneceu nos Estados Unidos foi marcado por muitos contatos com
uma grande diversidade de povos e línguas. Neste período John Wesley manteve vivo interesse
em dialogar, conviver e evangelizar todos ao seu redor. Além disso, realizou um trabalho intenso
em atividades além das funções de clérigo. Por exemplo, por estar vivendo em um lugar sem
médicos e medicamentos ele assumiu funções extra-pastorais que incluiu atender as demandas de
saúde de seu rebanho. Por exemplo, em seu diário de 26 de junho de 1737 lemos: o Sr. Causton,
lojista e magistrado chefe de Savannah foi atacado por uma febre. Eu o atendo todos os dias
(como faria com qualquer paroquiano que estivesse em alguma enfermidade dolorosa ou
perigosa) ...
Em dezembro de 1737, após um ano de dez meses na Geórgia (EUA) John Wesley
retornou à Inglaterra.
melhoria das condições dos encarcerados, tratamento humanitário aos prisioneiros. O combate à
escravidão, ao analfabetismo, ao etilismo e à fome.
Em relação ao combate à escravidão, em 1774, muito antes de ocorrer a abolição da
escravatura na Inglaterra e suas colônias (1833), John Wesley escreveu um livro chamado
“Pensamento sobre a Escravidão”, onde ele comenta: “Metade da riqueza de Liverpool é
derivada da execrável soma de todas as vilanias comumente denominada comércio de
escravos. Desejo por Deus que o comércio de escravos nunca mais seja estabelecido. Que
nunca mais roubemos e vendamos nossos irmãos como animais, nunca mais os assassinemos
aos milhares”.
John Wesley reimprimiu esse tratado diversas vezes e o distribuiu na Inglaterra,
incentivando as pessoas na luta contra a escravidão. Em carta endereçada ao Sr. Samuel Hoare,
em 18/08/1787 John Wesley escreve: Sem dúvida nenhuma, você deve se preparar para
encontrar uma áspera e violenta oposição. Afinal, os escravagistas são numerosos, ricos e,
consequentemente, um grupo muito poderoso. No momento em que você coloca os negócios
deles em perigo, você toca naquilo que lhes é mais querido. Então eles irão concentrar todas
as suas forças contra você. Eles irão contratar escritores em grande número e esses tratarão
você sem justiça e sem misericórdia. Mas, eu confio que você não vai se assustar quando
alguns dos seus amigos se voltarem contra você. Admita-me dizer: para homens será
impossível, mas sabemos que todas as coisas são possíveis com Deus. O pouco que eu posso
fazer para promover esse excelente trabalho eu o farei com prazer. Vou mandar imprimir
uma ampla edição do tratado que eu escrevi alguns anos atrás, intitulado “Os Pensamentos
sobre a Escravidão”, e mandá-lo para todos os meus amigos.
John Wesley prosseguiu em sua luta contra a escravidão até os últimos dias de sua vida.
Em 24/02/1791, menos de uma semana antes de seu falecimento, ele enviou uma carta ao líder
abolicionista inglês William Wilberforce cujo projeto para o fim do comércio de escravos havia
sido rejeitado pelo parlamento inglês.
À William Wilberforce
... Lendo esta manhã um tratado escrito por um pobre africano, fiquei
particularmente chocado por esta circunstancia de que se um homem de pele negra foi
injustiçado ou ultrajado por um homem branco. Ele não pode receber reparação sendo lei
em todas as nossas colônias que o juramento de um negro contra um branco para nada
serve. Que vilania é esta? Que aquele que tem guiado você desde a juventude possa
continuar a fortalecê-lo nesta e em todas as coisas. Esta é a oração, querido senhor, de seu
afetuoso servo”. J. Wesley.
Em 1807 o Parlamento aprovou o Abolition Act, que proibia o tráfico de escravos na
Inglaterra. Mas a abolição da escravatura só ocorreu em 1833.
Cumpre destacar que a luta de John Wesley contra o racismo e a escravidão teve
prosseguimento, onde destacamos o trabalho de Rosa Louise Parks (1913-2005) e Nelson
Mandela (1918-2013). Nelson Mandela, membro da igreja Metodista do Sul da África se destacou
na luta contra o apartheid na Africa do Sul.
A seguir, extraímos algumas porções do diário de John Wesley que descrevem suas ações
sociais em prol de um “mundo melhor”.
15 de outubro de 1759 (segunda-feira): Caminhei para Knowle, a uma milha de
Bristol para visitar os prisioneiros franceses. Mais de mil e cem estavam reunidos num
pequeno espaço tendo apenas palha suja para se deitarem; sem cobertores e com apenas
alguns trapos imundos para se cobrirem de modo que morriam facilmente. Fiquei
horrorizado ...
Depois de expressar sua indignação John Wesley reage: Levantou-se uma coleta que
rendeu imediatamente 18 libras, alcançando 24 libras no dia seguinte. Com esta quantia
compramos roupa de cama, cobertores e pano que foram convertidos em camisas e calças;
compramos também meias e tudo foi cuidadosamente distribuído onde houvesse maior
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John Wesley dizia ser um homo unislibri (homem de um só livro) e também afirmava:
“Meu alicerce é a bíblia. Eu a sigo em todas as coisas. Grandes e pequenas”. Porém, John
Wesley também valorizava outros tipos de leitura. Pois, dizia: “se não necessitas nenhum outro
livro, a não ser a Bíblia, então tu és mais que o apóstolo Paulo, pois, ele quis aprender de
outros livros também”.
A importância da leitura e os conhecimentos que deveriam ser adquiridos através dela se
estendia aos clérigos sobre sua liderança. Em seu diário encontramos as seguintes porções:
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Contudo, embora valorizasse os livros, John Wesley também reconhecia suas limitações, o
que sintetizou de forma esplendida nesta frase: “Cuidado para não ser tragado pelos livros!
Um grama de amor vale mais que um quilo de conhecimento”.
Esta valorização dos livros e da leitura aparece em diversas porções de seu diário. Por
exemplo, durante sua viagem de navio aos Estados Unidos.
20 de novembro de 1735 (quinta-feira): Durante nossa estadia ali, tivemos várias
tempestades. Em uma delas, as embarcações que estavam no ancoradouro de Yarmouth se
perderam. Distribuímos alguns livros entre os muitos que estavam ali, que eles receberam
com todas as possíveis expressões de agradecimento.
Já atuando como missionário nos EUA, John Wesley coloca entre suas demandas para a
população da cidade onde atuava como clérigo, uma maior disponibilidade de livros.
24 de fevereiro de 1737 (quinta-feira): Concordamos que o Sr. Inghan fosse para a
Inglaterra .... Então por intermédio do Sr. Inghan escrevi que enviassem uma livraria
paroquial a Savannah.
O amplo conhecimento adquirido através de muita leitura levou o desenvolver um apurado
senso crítico como mostra esta porção de seu diário que apresentaremos a seguir.
26 de janeiro de 1737 (quarta-feira): Então me propus avaliar cuidadosamente as
obras de Maquiavel. Eu considerei como um ponto a seu favor a informação de que ele tem
sido mal compreendido e grandemente distorcido. Assim, me esforcei para formar um
julgamento razoável e imparcial. Conclui que se todas as doutrinas que o diabo tem se
comprometido a escrever fossem reunidas em um só volume, elas não se igualariam a este
livro. Além disso, se pudesse um príncipe ter a hipocrisia, a infidelidade, a mentira e os
assassinatos de todos os tipos recomendados neste livro, Nero seria um anjo de luz
comparado a este homem.
Em relação a este comentário sobre Maquiavel, observe que primeiro ele procura se
esquivar de preconceitos evitando os juízos pré-estabelecidos em relação à obra e ao autor. Mas,
apesar do esforço, John Wesley não parece ter encontrado nada de bom na leitura de Maquiavel.
com o que vem antes ou depois? ... podemos reconhecer o sonho por ele não ter uma
conexão apropriada com as coisas reais que precedem e das que seguem a vida ....
O interesse de John Wesley em termos de leitura era bastante eclético, e incluía temas
totalmente fora de sua área de atuação. Por exemplo, ele leu todo o material publicado por
Benjamin Franklin (1706-1789) nos temas de física e eletricidade. Em relação ao tema
eletricidade John Wesley escreve em seu diário:
04 de janeiro de 1768 (segunda-feira): Esta semana, em meus momentos de folga, li o
engenhoso livro sobre eletricidade do Dr. Priestley. Ele parece ter reunido e assimilado
cuidadosamente tudo o que é conhecido sobre esse curioso assunto ...
Observação: Junto com o interesse por eletricidade, John Wesley desenvolveu uma
maquina de choques elétricos que descreveremos no próximo capítulo.
Hoje pregar para mil, cinco mil ou cem mil pessoas faz pouca diferença porque dispomos
de eficientes sistemas de amplificação de som. Contudo, no século XVIII, falar para grandes
públicos dependia inteiramente da potencia da voz do pregador e pregar para tal número de
pessoas exigia um considerável esforço.
minha juventude? A grande causa de tudo isto é o enorme prazer de servir a Deus naquilo
que lhe agrada. Outros meios principais são: meu constante despertar às quatro horas da
manhã há cerca de cinquenta anos, de geralmente pregar às cinco da manhã, um dos
exercícios mais saudáveis do mundo e o fato de viajar anualmente pelo menos quatro mil e
quinhentas milhas.
Comentário: Alguém que se sente mais saudável aos setenta anos do que aos quarenta
anos, certamente representa uma condição muito rara. Considerando que John Wesley começava
seu ritmo intenso de trabalho, a partir das quatro horas da manhã, aprendemos com seu exemplo
que a sobrecarga de trabalho “não envelhece ou desgasta”, quando existe um enorme entusiasmo
por aquilo que se faz.
18 de agosto de 1776 (domingo): ... Estava cansado quando cheguei, mas depois de
dormir um quarto de hora toda minha fraqueza se foi.
Comentário: Quinze minutos de sono foi suficiente para John Wesley recuperar seu vigor.
Creio que a maioria das pessoas com sua idade (73 anos) teria muita dificuldade em imitá-lo.
22 de setembro de 1776 (domingo): ... Preguei debaixo das árvores para tal multidão,
como não tem sido vista ultimamente por lá. Comecei na King´s Square, um pouco antes das
cinco onde a palavra de Deus foi rápida e poderosa. E não estava mais cansado à noite do
que quando me levantei. Tal é o poder de Deus.
Comentário: Após um longo dia de trabalho a declaração “não estava mais cansado à
noite do que quando me levantei”, revela um homem de saúde excepcional aos setenta e três
anos de idade.
1 de janeiro de 1787 (segunda-feira): Começamos o culto às quatro horas da manhã
para uma congregação incomunmente grande. Tivemos outra oportunidade confortável na
nova capela, na hora de costume e a terceira à noite em West street.
Comentário: Aos 83 anos John Wesley começa o ano de 1787 bem cedo (culto às quatro
da manhã) e ainda pregou mais duas vezes naquele dia.
Para John Wesley o problema não era adoecer, mas ter algo que limitasse sua capacidade
de realizar seu trabalho. E então temos um conflito muito peculiar em John Wesley: “a
necessidade de repouso para recuperar a saúde” versus “a necessidade trabalhar intensamente para
alcançar os objetivos”.
Qual era a opção de John Wesley?
Simplesmente ele trabalhava mesmo doente, só fazendo repouso “depois de perder os
sentidos”. Isto porque embora valorizasse a saúde, ele priorizava ainda mais seu trabalho. Como
expresso nesta frase encontrada em seu diário de 19/07/1782 quando tinha 79 anos: “Mas o
repouso não é para mim neste mundo”.
É interessante observar o empenho de John Wesley em manter seu ritmo de trabalho,
mesmo diante das situações mais desfavoráveis como o exemplo que apresentamos a seguir,
extraído de seu diário.
17 de fevereiro de 1751 (domingo): Fui carregado e preguei de joelhos, já que não
podia ficar de pé.
Comentário: No domingo anterior John Wesley havia escorregado no gelo e batido o
tornozelo em uma pedra. Naquele dia Wesley pregou com a perna enfaixada, mas o quadro piorou
e agora, não podendo ficar de pé ele pregou de joelhos. Mas, como consta em seu diário do dia
18/02/1751, naquela mesma semana ele ainda pregou de joelhos mais duas vezes.
1 de janeiro 1790 (sexta-feira): Sou agora um homem idoso, decaído da cabeça aos
pés. Meus olhos estão embaçados; minha mão direita treme muito; minha boca é quente e
seca toda a manhã; tenho febre quase todos os dias; meu movimento é fraco e lento. Porém,
graças sejam dadas a Deus; não diminui meu trabalho; ainda posso pregar e escrever.
Comentário 1: John Wesley faz um balanço de seu estado físico que para uma pessoa
normal desembocaria em uma conclusão óbvia: esta na hora de parar. Mas John Wesley conclui
de maneira diferente: “não diminui meu trabalho; ainda posso pregar e escrever”.
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Comentário 2: Perto de completar 87 anos ele já havia vivido mais que o dobro do tempo
médio de vida de um cidadão inglês do século XVIII. Hoje, a expectativa de vida masculina na
Inglaterra é de 78 anos.
o Diário de John Wesley cessa em 24/10/1790, cerca de quatro meses antes de seu
falecimento. Neste dia ele escreve:: Expliquei para uma numerosa congregação em
Spitalfields “todas as fortificações de Deus”. A igreja de São Paulo em Shadwell estava ainda
mais cheia à tarde, enquanto eu aplicava aquela importante verdade “Uma coisa é necessária”
e espero que muitos tenham decidido escolhe-la”.
9. DESTAQUE ACADÊMICO
Em função do excelente desempenho como estudante recebeu o título de “Felow’ da
universidade de Oxford, uma honraria que lhe conferia uma posição nesta universidade.
Não apenas apoio financeiro, mas apoio integral em todas as decisões profissionais. O
exemplo mais contundente foi quando decidiu deixar sua confortável posição na Universidade de
Oxford para uma perigosa viagem missionária nos Estados Unidos. Nesta ocasião ele recebeu
apoio total da mãe que continuou acompanhando e apoiando a vida profissional do filho até seu
falecimento (23/07/1742) quando John Wesley tinha 38 anos.
1. MATURIDADE PRECOCE
Há indicativos de que John Wesley apresentava um grau de maturidade para a sua idade
que o diferenciava dos demais irmãos. Por exemplo, entre 8 e 9 anos de idade ele teve varíola. Em
relação a este problema de saúde Susana Wesley escreve ao esposo: “Jack tem suportado sua
enfermidade, bravamente, como um homem, e, na verdade, como um cristão, sem queixa”.
O primeiro desafio para a maturidade de John Wesley provavelmente foi sua saída de casa
aos 10 anos para estudar na Chaterhouse School que ficava em Godalming, 200 milhas ao sul de
Epworth sua cidade natal.
2. EXCELENTE MEMÓRIA
16 de outubro de 1771 (quarta-feira): “Em South Lye, há quarenta e seis anos,
preguei meu primeiro sermão. Apenas um homem que esteve presente naquela época ouviu
meu sermão hoje. O restante deles já partiu para a sua eterna morada”.
12. HABITO DE TIRAR LIÇÕES PARA A VIDA, MESMO SE TUDO DER ERRADO
5 de julho de 1758 (quinta-feira): Disso aprendi 3 regras muito necessárias para os que
viajam entre a Inglaterra e Irlanda: (1) Nunca pague até que esteja embarcado. (2) Não entre
a bordo antes do capitão; (3) Traga a bagagem pessoalmente.
16. RESILIÊNCIA
A resiliência refere-se a capacidade de adapção a situações desfavoráveis. São muitos os
exemplos de resiliencia na vida de John Wesley. Por exemplo, quando ele iniciou o movimento
metodista, além de não ter sua paróquia, ele foi proibido de pregar nas paróquias de seus colegas.
Isto porque sua mensagem, em geral, desagradava as classes dominantes. Em resposta a esta
punição John Wesley responde: “O mundo é a minha paróquia!”. E passou a pregar ao ar livre
reunindo multidões que com frequência alcançavam mais de mil pessoas.
Em sua formação acadêmica John Wesley aprendeu latim, grego e hebraico. Mas,
desejando interagir com espanhóis franceses e alemães ele também aprendeu estas línguas.
A porção do diário que selecionamos abaixo constitui apenas um de muitos exemplos de
como suas habilidades como poliglota eram colocadas em prática.
20 de janeiro de 1765 (domingo): Um estranho perecendo por necessidade e
esperando ser atirado na prisão. Ele me disse que era um bispo grego. Examinei suas
credenciais e depois de muita conversa em grego e latim, porque ele não falava inglês, fiquei
completamente satisfeito.
CONCLUSÃO
Em 1953 o filósofo britânico Isaiah Berlin publicou o livro “O Ouriço e a Raposa –
Ensaio sobre a Visão Histórica de Tolstói” onde procura entender a complexidade da natureza do
saber. O ponto de partida deste ensaio é um aforismo do poeta grego Arquíloco (680 a.C. - 645
a.C): “A raposa sabe muitas coisas, mas o ouriço sabe uma coisa muito importante”. Deste
modo, os intelectuais poderiam ser classificados em dois tipos: os que focam em adquirir
pequenos saberes múltiplos, representados pela raposa e os que se obstinam em fechar o mundo
numa visão única e totalizante, representados pelo ouriço.
Ao aplicarmos as ideias de Isaiah Berlin ao polímata John Wesley penso ele foi na
essência um ouriço, ou seja, sabia uma coisa importante: de que deveria mudar o mundo através
da inserção de valores cristãos na sociedade em que vivia. Mas, para que suas ideias fossem
“além da toca em que o ouriço vivia”, ele se transformou em “uma raposa”, isto é, passou a
incorporar vorazmente todos os saberes que o “ouriço” precisaria para alcançar seu objetivo.
Outro modo de entender a polimatia de John Wesley, seria através de uma adaptação da
formula desenvolvida por Craig Wright. Este professor emérito da Universidade de Yale passou
mais de duas décadas estudando as personalidades mais brilhantes da história. Ele publicou seus
resultados no livro: “Os Hábitos secretos dos Gênios” (e-Book – Amazon.com).
Craig Wright desenvolveu a seguinte fórmula: G = S x N x D, ou seja, gênio (G) é igual a
quão significativo (S) é seu impacto ou mudança, multiplicado pelo número (N) de pessoas
impactadas e por sua duração (D) no tempo. Em outras palavras, para Craig Wright, os maiores
gênios seriam aqueles que causam o maior impacto sobre a maioria das pessoas e por mais tempo.
O problema desta formula é que ela não lida com números mas, com valores subjetivos
difíceis de serem quantificados e comparados. Mas isto não impede de nos atrevermos a adaptar
esta formula para “quantificar” a importância de um polímata. Assim, poderíamos adaptar esta
formula para: P = S x N x D, ou seja, polímata (P) é igual a quão significativo (S) é o impacto ou
mudança que o indivíduo promove na sociedade, multiplicado pelo número (N) de pessoas
impactadas e pela duração (D) do impacto da mudança ao longo do tempo.
Ao aplicarmos esta formula para John Wesley, a despeito da enorme dificuldade de
quantificarmos o peso de “S” e “N” nesta formula, não temos duvida de que o conjunto da obra
aponta para um significativo impacto (S) em milhões de pessoas (N) nestes 230 anos (D) que nos
separam de sua morte. As consequências do trabalho desenvolvido por John Wesley podem ser
resumidas nesta frase do francês Élie Halévy (1870-1937), um dos maiores historiadores do
século XX: “se os fatos econômicos explicam o curso tomado pela raça humana, a Inglaterra do
século dezoito, acima de qualquer outro país, estava seguramente destinada à revolução”. Neste
caso, a ausência de uma sangrenta revolução sociopolítica nos moldes da revolução francesa de
1789 (ocorreu cerca de três anos antes do falecimento de Wesley), teria como explicação o
movimento metodista liderado por John Wesley que foi o antídoto para impedir que as ideias dos
revolucionários franceses prosperassem na Inglaterra da revolução industrial.
Para o teólogo e historiador protestante Alderi Matos, John Wesley foi “um dos
personagens mais importantes do cristianismo dos últimos séculos. Suas ideias e práticas
reformularam e influenciaram o protestantismo e são abraçadas por uma parte significativa das
igrejas evangélicas ao redor do mundo. Sua ênfase na santificação, no avivamento, nas
pregações ao ar livre e na missão junto aos grupos marginalizados foram inovadoras e
revolucionarias rompendo com o formalismo e tradicionalismo de seu tempo”.
Se o tipo de fruto aponta para a natureza da árvore que o produz isto vale para a grande
obra de John Wesley. Entre os frutos produzidos pelo seu trabalho poderíamos citar as 75 milhões
de pessoas que expressam seu cristianismo em uma Igreja Metodista. O maior grupo concentra-se
nos Estados Unidos onde constitui a segunda maior denominação protestante. Outro fruto
relevante do trabalho de John Wesley são as numerosas instituições metodistas de ensino, desde o
fundamental ao grau universitário espalhadas por todo o mundo. Estas escolas ainda trazem a
influência de uma modesta dona de casa chamada Susana Wesley cujo trabalho de mãe e
educadora gerou uma pessoa cuja vida e obra continua contribuindo para um mundo melhor.
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Gostaríamos de finalizar este livro chamando a atenção do leitor que não foi possível
esgotar o tema. Pois outros aspectos da personalidade de John Wesley que contribuíram para que
ele se tornasse um notável polímata não foram comentadas neste livro. Por exemplo: gostar do
que faz, ética no trabalho, imaginação, curiosidade, criatividade, interesse no quadro geral e ao
mesmo tempo nos detalhes, enfim uma serie de ouros aspectos desta mente brilhante muito além
de seu tempo.
Referências Bibliográficas
1. Livros
John Simmons. Os 100 maiores Cientistas da História. Difel. 2002. 584p.
Barrie W. Tabraham. Brother Charles: Vida e Obra de Charles Wesley. Editeo. 2017. 180p.
John Wesley. O Diário de John Wesley. Angular Editora. 2ª Edição. 2017. 411p.
Mateo Lelièvre. John Wesley: sua Vida e Obra. Editora Vida. 1997. 373p.
Peter Burke. O Polímata: uma história cultural de Leonardo da Vinci a Susan Sontag. Editora
UNESP. 1ª Edição. 2020. 512p.
2. Outros Textos
Methodist Heritage – HANDBOOK Information for visitors to historic methodist places in
Britain. 3rd Edition. 2015/2016. 104p.
Roberto B. Bazotte,
Doutor em Ciências
Pós Doutorado – Universidade do Texas - Houston
Professor Universitário
Contatos: [email protected]
*Este livro pode ser adquirido neste formato ou como e-book no site da Amazon.com
Trezentos e sessenta e cinco dias com John Wesley. Amazon. 2019. 382p ou Ebook
Amazon.com
.
Susana Wesley: uma mulher extraordinária. Ebook Amazon.com.
O Sermões de John Wesley: do homem natural ao homem em plena comunhão com Deus.
Ebook Amazon.com