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RESUMO: Este trabalho tem como objetivo analisar os discursos acerca de valores culturais e morais
que emergiram no Seridó do Rio Grande do Norte entre 1900 e 1945, pretendendo entender as
construções discursivas jurídicas e literárias acerca da feminilidade e honra, através da análise de
processos-crime de sedução e defloramento. Esta malha discursiva é costurada por Michel Foucault com
seus fios de poder, saber, disciplina, sexualidade e discursos. Chega-se à conclusão que o feminino foi
tecido por várias categorias: ora valorizando o corpo familiar através de um ideal de feminilidade
burguesa, ora mostrando quebra de valores e costumes através das mulheres seduzidas e sedutoras, o que
enriquece, ainda mais, a análise desta documentação.
ABSTRACT: This work has as objective to analyze the speeches concerning cultural and moral values
that had emerged in Seridó do Rio Grande do Norte it enters 1900 and 1945, intending to understand the
legal and literary discursive constructions concerning the feminine and it honors, through the analysis of
seduction process-crime This discursive mesh is sewn by Michel Foucault with its wires of being able, to
know, disciplines, sexuality and speeches. It is arrived the conclusion that the feminine one was weaved
by some categories: however valuing the familiar body through an ideal of bourgeois feminine however
showing to value in addition and customs through the seduced and seductive women, what it enriches,
still more, the analysis of this documentation.
*
Este trabalho é fruto do projeto de mestrado em Ciências Sociais ora em andamento. Os discursos
tecidos são resultados da monografia do curso de bacharelado e licenciatura em História e estão sendo
repensados no projeto de mestrado.
**
Mestranda em Ciências Sociais e Bacharela e Licenciada em História, pela Universidade Federal do
Rio Grande do Norte – UFRN.
Fênix – Revista de História e Estudos Culturais 2
Outubro/ Novembro/ Dezembro de 2008 Vol. 5 Ano V nº 4
ISSN: 1807-6971
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1
Os discursos jurídicos mostram que com a instalação da República a mulher foi tutelada pelo Estado,
pois esta era pensada enquanto desprovida de ação, ciência e razão (valores masculinizados). A
mulher era vista como emotiva, frágil, fácil de enganar, necessitando de vigilância constante e
proteção do seu corpo e honra pela família e pelo Estado.
2
Segundo Caulfield, as mulheres modernas da década de 20 seriam as trabalhadoras das fábricas, mas
também, as mulheres petulantes, agitadas, namoradeiras, voluntariosas, a qual simbolizava o novo
século, desafiando o domínio masculino e os valores da família patriarcal que haviam cimentado a
ordem social anterior. Ver CAULFIELD, Sueann. Em defesa da honra: moralidade modernidade e
nação no Rio de Janeiro (1918-1940). São Paulo: Unicamp, 2000, p. 172.
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Dessa forma, o poder familiar torna-se o meio pelo qual o Estado passa a agir
sobre o corpo feminino, disciplinando-o. Emerge um novo saber educativo em que o pai
torna-se objeto direto da atuação do Estado na ação corretiva do corpo social-feminino
infligidor de normas. O Código Penal republicano de 1890 e o Código Civil de 1916
mapeiam e territoralizam novas normas sexuais de honra feminina, onde o Estado
(legitimado através da Jurisprudência) passa a ser tutor da família e da mulher, ao
mesmo tempo em que desapropria da Igreja a função de solucionar os problemas acerca
da honra e de condutas morais. Logo, eleva-se o princípio de dupla justiça: a do Estado
e a da família, comumente no mesmo espaço social, legitimando o casamento civil
como garantidor de uma família saudável (família burguesa).
A modernidade trouxe a racionalização do sexo através de sua cientifização,
onde Justiça e Medicina passaram a caminhar de mãos dadas no processo de
moralização do corpo feminino, liberalizado na esfera pública. Neste viés, a legislação
republicana passou a afirmar o poder do Estado sobre o julgamento dos crimes que
atingissem o corpo social, familiar e feminino, cabendo a si “reparar a honra feminina”
(perdida no ato do defloramento ou desvirginamento), assentado não mais na esfera
3
CAVALCANTI, Silêde. Mulheres Modernas, Mulheres tuteladas: O discurso jurídico e a
moralização dos costumes – Campina Grande 1930/1950. 2000. Dissertação (Mestrado em História) –
UFPE, Recife, 2000, f. 51.
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privada, mas nas mãos da Justiça. A honra passa a ser reclamada nos tribunais estatais,
onde o juiz “encarna” simbolicamente a figura do pai, que interroga, julga, corrige e
pune os culpados pelas manchas de vergonha derramadas sobre o corpo social. É
cabível ressaltar que a aceitação da população a esta nova categoria de vingança pública
se dá lentamente em meio ao Seridó em processo de modernização, ainda arraigada de
valores “tradicionais” e patriarcais. Mas, no princípio do século XX já nota-se a
proliferação do “reparar a honra” nas raias da Justiça, através das palavras de João
Alves da Silva, testemunha contra Augusto Rosário da Silva, por ter deflorado a menor
Sérgia Maria, que interrogado pelo pai da moça de como deveria agir para reparar os
danos de sua honra, Jose Alves o responde “[...] que fosse se queixar a Justiça [...] e
mandou um bilhete a Candido Rodrigues da silva, morador do Nicolau a fim de que este
ensinasse como proceder o pai da offendida”.4
Ao Estado cabia, através do aparelho jurídico, da medicina, da família e dos
jornais zelar pela moralidade pública e pela honra familiar: todos os problemas
referentes a moral e a honra tornavam-se competências do Estado Burguês. O Código
Penal de 1890 e o Civil de 1916 legitimaram os discursos de moralização e
administração das condutas “desviantes” e “perigosas” dos padrões das normalidades
instituídas socialmente através das “verdades do sexo”. Emerge, pois, uma explosão
discursiva em se falar de sexo,
[...] nasce uma incitação política, econômica, técnica a falar do sexo
[...] sob uma forma de análise, de contabilidade, de classificação e de
especificação através das pesquisas quantitativas e casuais.5
4
Processo-crime de sedução s/n, maço 10, ano 1908. Fls 14 e 22.
5
FOUCAULT, Michel. Historia da Sexualidade: vontade de saber. 12 ed. Rio de Janeiro: Graal,
1997, p. 27.
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A mulher desenhada pelas tintas dos literatos e tecida pelas linhas da Justiça
era a responsável primordial pela sua honra e de sua família. Em seu corpo, os efeitos de
poder lhe eram injetados através de seringas de verdades e saberes. A preocupação de
6
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis: vozes, 1995. p. 26.
7
RAGO, Margareth. Imagens da prostituição na Bélle Époque paulista. Cadernos Pagu: Trajetórias e
sentimentos, São Paulo, n. 1, p. 28, 1993.
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8
LEACH, Edmund. Aspectos antropológicos da linguagem: categorias animais e insulto verbal. In:
______. Cultura e Comunicação. Rio de Janeiro: Zahar, [s/d], p. 180
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possuir este corpo é uma ofensa moral e sexual para o Estado. Possuir este corpo é
infligir a ordem, torna-se impura, profana. Eis o poder simbólico-discursivo que
circundam o hímem e a moralidade (símbolo da ordem); quando estes símbolos são
separados do corpo tornam-se símbolos de agressão coletiva. Como coloca Leach, na
medida que estes tabus são rompidos (através do defloramento ou mesmo do corpo
feminino no crime), resulta-se em um fenômeno específico que vão afetar toda a ordem
social (exigindo urgentemente o tutelamento do corpo feminino) daí a necessidade desta
disciplinarização do corpo feminino desde cedo, bem como a necessidade de se impor
categorias simbólicas de forma que estas se comuniquem, reproduzindo valores.9 Todas
as regras, preconceitos e convenções são, pois, de origem social: tabus sociais.
A honra10 feminina emerge enquanto uma extensão do corpo feminino ao
corpo social e familiar, medicalizada pelos dispositivos da sexualidade, circunscrevendo
um leque de valores, os quais estabelecem e asseguram as relações sociais entre os
indivíduos da sociedade. De forma que a honra feminina torna-se a extensão da honra
masculina. Podemos afirmar que a honra é masculinizada, e tal afirmação se notou em
todos os processos-crime analisados, principalmente quando é o pai (em 95% dos casos)
que reclama junto à Justiça a perda da honra feminina. Cultileiro coloca que
[...] o prestígio de um homem, a sua reputação, a sua honra – embora a
palavra seja raramente usada – o que faz dele <<um homem de
vergonha>>, depende tanto dele como da sua família e é considerado a
família e não apenas os seus membros, isoladamente, que podemos
compreender cabalmente este sistema de valores.
O status de qualquer família depende de factores morais e de factores
materiais. Idealmente, a dicotomia dos sexos é clara neste ponto: cabe
ao homem assegurar a sobrevivência material e, se possível, a
prosperidade da família; cabe à mulher garantir que permaneça intacta
a sua integridade moral. [...] Um homem solvente, cuja mulher é fiel e
cujas filhas são castas, goza do mínimo de prestígio necessário para
poder andar de cara levantada e ser aceite, sem troça nem reprovação,
pelos outros.11
9
LEACH, Edmund. Aspectos antropológicos da linguagem: categorias animais e insulto verbal. In:
______. Cultura e Comunicação. Rio de Janeiro: Zahar, [s/d], p. 173.
10
Compreendemos por honra não apenas a conservação do hímen intacto, inviolado. A honra nos é
circunscrita enquanto sinônimo da moral, a maneira de portar-se, de vestir-se, de conversar,
transcendendo o biológico e cristalizando o corpo social, enquanto um sistema de valores.
11
CUTILEIRO, José. Honra, vergonha e amigos. In: ______. PERISTIANY, John. (Org.). Honra e
Vergonha: valores das sociedades mediterrânicas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1965, p.
XVIII.
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12
CAULFIELD, Sueann. Em defesa da honra: moralidade, modernidade e nação no Rio de Janeiro
(1918-1940). São Paulo: Unicamp, 2000, p. 46.
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15
Processo-crime de sedução e defloramento nº 3.777, maço 20, ano de 1922. Fls. 11.
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[...] que de vista nada se sabe, pois o crime se deu a noite e sem que
ninguém pudesse presenciar, sabendo porem que Salustiano Carneiro,
conhecido como salustiano Preá é metido a conquistador e que
umbelina a offendida, não é sua primeira vítima, que é nottoriamente
sabido lá de “Ramada”, “Boa Vista” e “Bestas Bravas” que Salustiano
offendeu a uns trez annos a filha José Dantas e falla-se também que
ele offendeu a dois anos uma moça no município de Caraúbas, no
açude “Santo Antonio, que Salutiano Carneiro é de mao
comportamento e que é publicamente notorio que elle offendeu de
meiados a fim de Outubro de meiados a fim de Outubro do anno
passado a umbelina Maria da Conceição, no sítio Boa vista deste
municipio [...].16
O discurso de Custódio mostra que Salustiano não dotava de boa conduta nem
tinha uma moral respeitável, o que levou a ser condenado a prisão. Um homem
respeitável é medido pela sua conduta no trabalho, na rua, em casa, cumpridor de seus
deveres de filho e marido. No mesmo viés, a mulher desenhada pelas tintas dos literatos
e tecida pelas linhas da Justiça, era a responsável primordial pela sua honra e de sua
família. Em seu corpo, os efeitos de poder lhe eram injetados através de seringas de
verdades e saberes. A preocupação de medicalizar o corpo feminino, tornando-o
protegido das impurezas mundanas trazidas pelos ares modernos e citadinos, se vê
exposto através da utilização de micropolíticas aplicadas à sociedade pelas instituições e
seus mecanismos de poder, a exemplo do Jornal das Moças, no Seridó do Rio Grande
do Norte. Este jornal, destinado a mulher seridoense a disciplinava, de forma a
conservá-la donzela e honesta ao mesmo tempo em que tecia um ideal masculino
republicano, como mostra o artigo Como te tornarás feliz: conselhos para as
donzelas. Segundo estes conselhos, a mulher deveria:
1º Na escolha de teu futuro esposo, reparar antes de tudo se tem
religião igual a tua; feliz de facto, é o casamento, até em sofrimento e
adversidades, se nos conjugues há a comunhão de sentimentos;
2º Não consagres os teus afectos a um homem desonesto. Se ha
mancha na sua vida, elle não te fará feliz. A maldição divina pesa
sobre elle e nunca guardará a felicidade conjugal;
3º não consagres os teus afectos a um moço que trata mal aos seus
pais, tratar-te-á da mesma forma ou pior;
4º não consagres os teus afectos a um moço que tenha o vício da
embriaguez. Mais tarde soffrerás grandes dissabores e além disso, há
muita probabilidade de cadires em penúria e pobreza;
5º Não consagres teus afectos a um homem irasciável, de gênio forte,
rude e grosseiro. Aliás principiará logo depois das primeiras semanas
a tua cruz e amargamente sofrerás as conseqüências do gênio;
16
Processo-crime de sedução e defloramento nº 3.777, maço 20, ano de 1922. Fls. 11.
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Esta rede discursiva “aconselha” a donzela na escolha de seu marido, ele tem
que ser / ter uma religião igual a sua, ser honesto, tratar bem seus pais, não ter o vício da
embriaguez, não ser enfermo e de gênio forte e acima dos demais ditames, não ser seu
parente. Todas essas categorias para a escolha de um marido estavam recalcadas em
reforçar a idéia de construção de uma família ideal, perfeita, pura e harmoniosa. Da
mesma forma que os discursos teciam a mulher enquanto ser disciplinado para constituir
o modelo feminino burguês: dona de casa, esposa e mãe, o homem também era tecido
através de seus atos, de seu trabalho, de sua honestidade, de sua moral. Daí afirmar que
o processo dicotômico de produção de identidades culturais e valores dar-se na esfera
relacional dos gêneros, o feminino é tecido através do masculino e o masculino através
do feminino.
Os crimes sexuais constituíam-se, antes, em crimes morais, pois o julgamento
objetivava a disciplina do corpo, normatizando-o através da pena corretiva. No mesmo
viés, Sérgia, deflorada pelo jovem Rosário Augusto, não consegui provar que foi
seduzida em detrimento de sua má procedência, mesmo estando confirmado através do
exame de corpo de delito que havia realmente desvirginado. Mas suas próprias palavras
à tira do porte de seduzida, de tutelada pelo Estado, quando afirma que:
[...] estando em casa de seo pae, no saco da Velha, no anno proximo
passado, quando chegou rosário Augusto da silva, e não encontrando
seo pae e mais pessoas da casa, seduzia a obrigando-a a sujeitar-se.
Disse mais que em dias depois mandou valler do dito augusto, para
casar-se com ella ou entaum tirala da casa de seo pae, respondeo-lhe o
dito augusto que ela não temesse, e saísse da casa de seo pae elle
17
Jornal das Moças, n. 37, Caicó, p. 02, 10 out. de 1926.
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20
Ver MOTT, Maria Lúcia; MALUF, Marina. Recônditos do mundo feminino. In: SEVCENKO,
Nicolau. (Org.). História da vida privada no Brasil (República: da Bélle Époque à era do Rádio).
São Paulo: Cia. das letras, 2001, p. 372.
21
Ibid., p. 368-369.
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22
O Jornal das Moças começou a circular em Caicó em Caicó em fins da década de 1910, tendo como
função informar sobre bailes, festas, fofocas, como também, conselhos para mulheres casadas ou
donzelas.
23
Jornal das Moças, n. 44 e 45, Caicó, 12 dez. de 1926.
24
É necessário ressaltar que para trabalhar com o recorte espacial do Seridó do Rio Grande do Norte,
adotaremos a analise de outros jornais que tenham sido difundidos entre 1900 e 1945, bem como a
utilização das fontes orais. Estes complementos metodológicos ainda estão em caráter preliminar, em
levantamentos de fontes que nos ajude a pensar a pluralidade feminina que emerge com a
modernidade e a desconstrução do modelo burguês feminino naturalizada pelos discursos,
principalmente jornalísticos e jurídicos.
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Caicó não é mais aquele lugar de vinte anos atrás que dificilmente
sustentava uma escola particular, não, nossa terra já mantem uma
estação telegraphica com admirável movimento, uma empresa elétrica
no valor de quase duzentos contos de reis, um grupo escolar com
cinco professores, diversas escolas particulares e constrói um hospital
que será a maior obra do seridó pelos benéficos serviços.25
25
Jornal da Moças, n. 21, anno I, p. 02, 27 jun. de 1926.
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26
RAGO, Margareth. Imagens da prostituição na Bélle Époque paulista. Cadernos Pagu: Trajetórias e
sentimentos, n. 1, São Paulo, 1993;
27
Ver CAVALCANTI, Silêde. 3º Capítulo. In: ______. Mulheres Modernas, Mulheres tuteladas: O
discurso jurídico e a moralização dos costumes – Campina Grande 1930/1950. 2000. Dissertação
(Mestrado em História) – UFPE, Recife, 2000. 210 f.
28
Jornal das Moças, n 34, anno I, p. 02, 19 set. de 1926.
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29
Esta citação corresponde a um fragmento de um artigo da Revista Feminina do Rio de Janeiro, o qual
foi incorporado por MATTO e MALUF no corpo de seu texto.
30
Jornal das Moças, n 23, anno I, p. 02, 25 jul. de 1926.
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Eram estas mulheres que a Justiça via como “desviantes”, desonestas, loucas,
anormais e desgarradas do rebanho familiar.
Em busca de seus desejos e de sua subjetividade, as mulheres modernas
tornam-se sujeitos “racionais”, “vertebrados”, sexuados que escolhem seus próprios
31
SEVCENKO, Nicolau. O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso. In: ______.
História da vida privada no Brasil (República: da Bélle Époque à era do Rádio). São Paulo: Cia. das
letras, 2001, p. 308.
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caminhos e vivem emancipadas, atitudes (aos olhos da Justiça) tidas como rejeitadas
pela Justiça que as punem por seus atos insensatos. No entanto, mesmo adentrando nas
esferas masculinizadas da sociedade (o trabalho) este corpo passa a ser visto pela Justiça
como não merecedora da tutela estatal. A Justiça não às consideram sujeitos.
Umbelina era bem mais que um belo corpo, ela era uma construção social,
disciplinada desde cedo, para a formação completa em dotes domésticos e em
capacidade de amar sua família. Deixar-se seduzir era o mesmo que sujar a honra de sua
família, a qual carregaria pelo resto de sua existência, tatuada em sua história a imagem
da impureza do defloramento, da retirada do hímen e da perda da integridade social. A
ela não era permitido viver o lado da sedução, dos cabelos curtos, dos encantamentos da
modernidade. As mulheres carregam como fardo uma produção discursiva sobre seus
corpos que marcam seus campos de ação com a sedução, signos de beleza, mas também
com ameaças, portes de vitimas, seduzida e ingênua.
Esses dois estereótipos femininos (mulheres seduzidas e mulheres sedutoras),
recebem rostidades distinta. Logo, modernidade e tradicionalidade mesclam-se
inserindo a mulher em um mundo ancorado pela pluralidade. São estas mulheres que
foram tecidas pelas linhas da Justiça, entre 1900 e 1945, no Brasil republicano. Eis
identidades plurais!