Socorro, o Ceo Sumiu - (Irmãos Dupont) - Brenda Ripardo

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 423

Direitos autorais do texto original copyright © 2021,

BRENDA RIPARDO, SOCORRO, O CEO SUMIU.

Capa: Magnifique Design

Diagramação: Brenda Ripardo

Preparação de texto/Editor: Graci Rocha

Revisão: Nadja Moreno

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e

acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora.


Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência.

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desse livro pode

ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes —


tangíveis ou intangíveis — sem autorização por escrito da autora.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº


9.610/98, punido pelo artigo 184 do Código Penal.

Este livro segue a norma-padrão do novo acordo orográfico da

língua portuguesa, mas há muitas abreviações como o "tá", "tô",


“pra” e "pro", de forma que o texto fique o mais natural e verossímil

possível.
“Se você conseguir dizer com toda a
honestidade que não sente nenhum interesse por
mim, eu vou te deixar em paz, Marisol, mas precisa
ser muito honesta, porque eu vejo como você
estremece quando eu te toco.”

Henrique Dupont é o mais velho de quatro


irmãos. Tem trinta anos e às vezes, um
temperamento ácido e humor impertinente. Por
causa de um acontecimento do passado, esse CEO
foge de relacionamentos sérios como o Diabo foge
da cruz.

Ele é um homem intenso e meio sarcástico,


mas tem um coração bom e só precisa aprender a
se abrir mais e deixar as feridas do passado
cicatrizarem.

E quem sabe assim, consiga aprender a amar


de novo...

Marisol García é filha única de um casal


homoafetivo. Essa mocinha linda tem vinte e seis
anos, uma língua afiada e um gênio forte.

Já foi muito machucada, por isso sua


armadura de proteção é ser super rabugenta e
resmungona. Teve seu coraçãozinho partido, então
vive dizendo por aí que odeia os homens, mas não
todos, porque ela tem dois pais.
Ela não pretende cair de cabeça em um
relacionamento sério tão cedo ou se apaixonar por
um cara, muito menos pelo engomadinho de terno e
gravata que quase a atropelou no meio da avenida
movimentada.

No entanto, é difícil resistir ao CEO de olhos


intensos, sarado e irritante que vive cruzando o seu
caminho...

Socorro, o CEO sumiu é uma comédia


romântica pra lá de apimentada e esse CEO
temperamental promete enlouquecer você.
Khalid – Location

Beyoncé – Baby Boy

Shakira – Addicted to You

Shakira – Rabiosa

Anitta – Girls From Rio

Shakira e Maluma – Clandestino

The Pussycat Dolls – Hush Hush

Pablo Vittar – Triste com T

Pablo Vittar – K.O

Anitta e J Balvin – Downtown


Anitta e Maluma – Si o No

Shakira e Nick Jam – Perro Fiel

Shakira e Alejandro Sanz – La Tortura

CKay – Love Nwantiti

Banda Magníficos – Me usa

Pink – True Love

Jennifer Lopez – Get Righ

Anitta – Veneno

Alicia Keys – No One


“Vou ser bem sincero, o seu amor me preenche de felicidade. Eu

estou tão viciado, quero te levar para cama comigo. Esse seu corpo
mexe comigo. Chega mais perto, eu quero te ver, me dê um pouco

do seu amor.”

~ Ckay – Love Nwantiti


Estou terminando de assinar uns papéis quando Joaquim,
meu irmão, entra na minha sala sem bater e pergunta ao parar na
frente da mesa:
— Como está o seu humor hoje? Ruim ou péssimo?
— Eu não transei ontem, então tire suas próprias conclusões.
— Dou a resposta mais idiota que me vem à cabeça.
Joaquim não diz nada, o que me deixa desconfiado. Paro de
mexer nos papéis e o olho, erguendo uma sobrancelha interrogativa.
Somos em quatro irmãos e Joaquim é mais novo do que eu.
Ele é o irmão carismático, atencioso, prestativo e boa pinta. E é
claro que todos gostam dele. É bem provável que seja por isso que
ele é o único que sabe das cicatrizes que o passado fez questão de
deixar em mim, amargando minha alma.
Talvez Joaquim seja o preferido da família, mas se minha mãe
me ouvisse pensando, com certeza, me censuraria por estar
supondo esse tipo de coisa.
— Por que não está trabalhando? O que está fazendo no meu
andar?
Minha família tem um prédio de quinze andares. Meu pai teve
a ideia de dividimos o lugar e trabalharmos juntos, cada um na sua
respectiva área. Às vezes é ótimo, porque eu amo meus irmãos.
Mas outras vezes, é irritante, porque sempre tem um irmão mais
novo xeretando.
— Sabe aquela pessoa que não deve ser mencionada?
Então, ela está aqui — fala e faz uma breve pausa antes de
continuar, como se estivesse escolhendo as palavras certas para
me dizer. — Ela foi parar no meu andar por engano.
Sinto a garganta áspera.
— Ela quem?
Eu já sei de quem meu irmão está falando, mas prefiro fingir
que não. Existem algumas coisas que eu não tolero na vida: traição,
mentiras e hipocrisia. Para o meu azar, minha ex é a porra do
pacote completo.
— A Nissa.
Ouvir aquele nome causa arrepios estranhos no meu corpo e
por um momento, a sensação é que toda aquela merda aconteceu
ontem. Engulo o nó salgado na garganta e levanto, pegando meu
terno no cabideiro perto da janela de vidro e me preparando para
sair.
— Ei, aonde você vai? — Meu irmão quer saber.
— Não é óbvio? Para o mais longe dessa mulher que eu
conseguir. — Checo a hora no relógio e finjo não ter um monte de
problema administrativo para resolver até antes do almoço. — Me
avise quando ela for embora ou apenas explodir. O que vier
primeiro.
Saio da sala, batendo a porta com mais força que o
necessário. Com a visão periférica, noto Nissa sentada no sofá de
frente para o balcão da recepção. Ela fica em pé assim que me vê,
mas antes que possa dizer alguma coisa, atravesso as portas de
vidro e vou embora.
Scriiich!
Porra.
Isso, definitivamente, é a última coisa que eu preciso no
momento. Hoje deve ser o dia mais azarado da minha vida. Solto
uma lufada de ar e aperto o volante com tanta força que os nós dos
dedos ficam brancos. Não tenho cabeça para lidar com esse quase
acidente de trânsito.
A porra do sinal estava verde para mim, mas a ciclista decidiu
se enfiar na faixa de pedestre, bem na minha frente, como se o
mundo inteiro fosse parar para ela passar sem grandes
consequências.
O aro da bicicleta foi amassado e a dona caiu meio que de
joelhos no chão, mas não parece ter se machucado, eu dei uma
freada brusca antes que o pior acontecesse. Mas ela não está feliz.
Ótimo, nem eu.
Saio do carro, enfiando o celular de qualquer jeito no bolso e
observo a situação. Não parece ser uma ciclista de verdade, apenas
uma mulher louca andando de bicicleta e atravessando faixas de
pedestres sem olhar o semáforo.
Na avenida, alguns veículos atrás de mim começam a desviar
ao buzinar e soltar palavrões, como se eu fosse o culpado dessa
merda.
Ela levanta, passando as mãos na bunda, que olhando daqui
de onde estou, parece bem empinada e dura. Uma delícia. Se ela
não estivesse com cara de quem vai me irritar, eu teria perdido
alguns minutos admirando o seu rabo bonito.
— Você é louco ou o quê?
Dou uma risada seca, descendo os olhos pelo corpo dela. A
mulher parece um furacão. Os seios são bem empinados e é difícil
não ficar fascinado com eles. A pele morena bronzeada de um jeito
natural é incrível e até brilha por causa do sol. Os lábios são
carnudos e tem formato de coração.
— Eu poderia estar fazendo a mesma pergunta. Você se
meteu na frente do meu carro. O sinal estava verde pra mim, não
viu?
As mãos dela voam para a cintura fina e a vejo respirar fundo.
Contrai a mandíbula antes de começar a falar.
— Eu me meti na frente do seu carro? Sério? Pra começo de
conversa, eu já estava aqui e você quase matou um cachorro —
fala, e meus olhos seguem os dela até o filhote pequeno de cor
caramelo. Ele está em cima da faixa de pedestre e tem aparência de
doente e está tão magro que dá um pouco de pena. — E olha o
estrago que fez na minha bicicleta!
Oscilando a atenção da bicicleta amassada para o carro, noto
que o farol direito da minha BMW novinha está quebrado,
provavelmente por causa do impacto. Eu tinha pegado o carro
ontem! A vida só pode estar de brincadeira comigo.
— O sinal estava verde pra mim e olha o que a sua bicicleta
fez no meu farol.
Ela me ignora.
— Eu estava fazendo uma boa ação, não tenho culpa se você
é muito babaca pra não perceber isso. — Arqueia as sobrancelhas e
prende os olhos aos meus. — Todos os carros desviaram, porque
viram que eu estava tentando resgatar o cachorro. Mas você foi o
único que não viu. Por quê? Viu uma bunda no calçadão? Ou estava
ocupando demais no celular?
Sinto a garganta áspera.
Ela tem razão, eu estava ocupado no celular. Minutos atrás eu
tinha recebido uma mensagem da minha secretária avisando que a
maldita da minha ex ainda não tinha ido embora da empresa. E
saber da minha ex não é o tipo de notícia que vai deixar o meu dia
feliz ou me fazer bater palmas para qualquer louco na rua que esteja
tentando salvar um animal abandonado.
Muito amargo? Sim, eu sei, sou assim.
Penso por um minuto e olho a beira-mar. Não lembro a última
vez que tirei um tempo para correr no calçadão. Nos últimos anos
me joguei de cabeça no trabalho para esquecer as merdas que
aconteceram na minha vida.
Acho que preciso de férias.

Direciono as vistas para a Dra. Dolittle[1] e a vejo tentar pegar


o cachorro caramelo com cuidado. Ele é tão magro e desnutrido,
que não consegue ficar de pé sozinho, mas mesmo relutante, vai
para os braços dela, que não se importa com ele todo sujo e com
certeza, cheio de pulgas.
Meu celular vibra dentro do bolso uma vez e eu o pego. É
uma mensagem da minha secretária, avisando que Nissa deixou
claro que só vai embora do meu escritório depois de falar comigo.
A raiva é tão grande, que é por um triz que não arremesso o
celular na direção da praia.
— O que vai fazer sobre a bicicleta? — a Dra. Dolittle
questiona, me tirando do sério.
— Você quer dinheiro? — retruco, já caminhando na direção
do meu carro para pegar a carteira ao mesmo tempo em que tento
enfiar o aparelho celular dentro do bolso. Não me sinto culpado pela
situação, mas se isso for fazê-la sair do meu pé e calar a boca, é um
ótimo começo. — Quanto?
Ela ri, me fazendo parar com a porta aberta.
— Não preciso do seu dinheiro, mesmo que tenha destruído
minha bicicleta. Mas um pedido de desculpas seria bom e é isso que
eu quero. Peça desculpas.
Minha vez de rir.
— Você pode até querer um pedido de desculpas, mas isso
não significa que terá.
A mulher franze as sobrancelhas para mim.
— Foi a sua mãe que te ensinou a ser babaca desse jeito?
A pergunta me deixa irritado. Minha mãe é uma das melhores
pessoas que eu conheço e se me visse agindo assim, ela me daria
um sermão daqueles. O que seria vergonhoso, porque eu tenho
trinta anos, mas ela não se importaria com esse fato.
— Não fale da minha mãe. Nunca mais — murmuro entre os
dentes e ela vacila por alguns segundos, como se tivesse percebido
algo.
— Ela morreu? Sinto muito, eu não sabia.
Suspiro.
— Ela não morreu.
A mulher revira os olhos.
— Então ela deve estar decepcionada por ter um filho tão
babaca como você. Da próxima vez que você a vir, diga que sinto
muito.
Com a mandíbula contraída, encaro-a com intensidade. Ela é
tão irritante, não faz cinco minutos que estamos aqui e eu sinto que
ela já me insultou de várias maneiras. E mesmo que esteja furioso,
por que não consigo parar de olhar o decote dela? Os peitos são
lindos e parecem apontar para mim.
— Perdeu alguma coisa aqui, bundão? — ela resmunga,
chamando minha atenção. — Para de olhar meus peitos, isso é
assédio sexual.
Levo as mãos até as têmporas e massageio devagar
enquanto respiro fundo. Tenho vontade de mandá-la à merda, mas
também de bater forte na sua bunda empinada como punição por
estar me tirando do sério.
Eu devo estar louco. Nunca uma estranha me irritou e mexeu
com o meu pau ao mesmo tempo. Deve ser frustração por causa da
Nissa. Ela fode com a minha cabeça de mil maneiras diferentes.
— Escuta aqui...
— Escuta aqui você... — Ela me interrompe e começa a
tagarelar, mas em algum momento da discussão, eu me desligo e
não escuto mais nada.
Ela não está ferida e o único estrago foi no meu carro e na
bicicleta, então, vou resolver isso da maneira mais breve possível e
viver minha vida antes que essa criatura me deixe louco.
Sem dizer nada, me inclino para dentro do veículo e pego um
cartão de visita no porta-luvas e entrego à Dra. Dolittle. Ela agarra
sem relutância e lê em silêncio os dizeres do cartão com certo
desdém.
— Se quiser uma bicicleta nova, entre em contato comigo — é
o que digo, me afastando para me acomodar no banco do motorista
e pisar no acelerador, dessa vez, desviando da empata trânsito.
Quase uma hora e meia mais tarde, estou saindo do elevador
no décimo andar. Atravesso as portas duplas de vidro e paro no
balcão, perguntando sobre os meus recados. Fiquei uma hora
zanzando pela avenida beira-mar e o centro de Florianópolis,
porque Nissa foi bem persistente e não queria ir embora.
Medo de mulher? Não exatamente. Só quero me manter a
dez mil metros de distância da minha ex.
Heloísa, minha secretária, pega as folhas de post it em que
anotou meus recados e me entrega, mas fica com uma folhinha
colorida nas mãos. Finge uma tosse e lê em voz alta.
— Henrique, quero apenas conversar. Vou continuar vindo
aqui até você falar comigo. Assinado, Nissa.
Arqueio uma sobrancelha, cético.
— O que foi isso?
Heloísa passa a mão livre no rabo de cavalo em cima da
cabeça e sorri.
— Ela mesma escreveu. — Gesticula com a folha colorida e
me entrega. — E ordenou que eu lesse em voz alta, porque tinha
certeza que no momento que eu te entregasse esse papel falando
que era mensagem dela, você jogaria no lixo.
— Pra quem você trabalha? Pra mim ou pra ela? — retruco,
carrancudo.
— Pro senhor.
— Lembre-se disso da próxima vez, Heloísa.
Dito isso, dou as costas e vou até a minha sala. Antes mesmo
de entrar, já estou arrancando a gravata e terno com a mão livre.
Jogo as folhas de post it em cima da mesa e ao ver o nome de
Nissa em um deles, me deixo levar pela raiva e amasso todos, em
seguida, jogo no lixo.
— Você tá bem? — Joaquim pergunta atrás de mim. Olho
para ele e não faço questão de esconder meu desgosto. — Por
favor, não responda, sua cara já diz tudo.
Reviro os olhos e me acomodo na cadeira acolchoada atrás
da mesa.
— Você tem muito tempo livre, Joaquim.
— Você também, já que sumiu por quase uma hora e meia.
— Ela disse que vai continuar vindo aqui todos os dias —
digo, encarando a tela desligada do computador e pensando no que
fazer. — Vou barrar a entrada dela no prédio.
— Isso não vai impedi-la de procurar você. E bem, não tem
como você ficar incomunicável, Henrique. Ela sabe onde você
trabalha, sabe o seu endereço, conhece seus irmãos, seus pais e
sabe até os lugares que você costuma frequentar. Eu esqueci de
alguma coisa?
Suspiro, irritado.
— Quero ficar sozinho — é o que digo, fazendo meu irmão
balançar a cabeça de maneira negativa, mas acaba saindo e me
deixando só.
Meto a mão no bolso para pegar o celular e não encontro.
Levanto da cadeira e procuro pelo chão, mas nada. Saio do
escritório e dou uma verificada na recepção e pergunto a Heloísa se
viu meu smartphone.
— Não, senhor.
Na minha sala, pego a chave, desço até o estacionamento e
procuro no meu carro. No entanto, hoje deve ser mesmo o dia mais
azarado da minha vida, porque eu perdi meu celular.
Depois de xingar por alguns minutos, subo para o escritório e
peço para Heloísa me comprar outro aparelho. Enquanto ela resolve
o meu problema, passo as próximas horas resolvendo processos
administrativos, assinando papéis e me encontrando com
fornecedores, mas a cada brecha que encontro, meu cérebro me
leva até o episódio de hoje cedo.
Dra. Dolittle e sua boa ação. O que tem de bonita tem de
irritante. Ela agiu como se eu fosse a pior pessoa do mundo por não
ter prestado atenção no que estava fazendo na rua.
Como consequência, meus pensamentos encontram o motivo
por eu ter saído do escritório e quase atropelado uma mulher.
Nissa.
Depois de três anos e ela ainda mexe comigo. Eu a odeio, é
claro, mas às vezes, queria poder não sentir nada em relação a ela.
Porque sentir alguma coisa, me faz lembrar daquele inferno que
vivemos nos últimos anos do nosso casamento.
E isso é uma parte da minha vida que eu quero apagar da
memória.
Pego o telefone fixo, ligo para Heloísa e peço que venha até a
minha sala.
Como sempre, ela entra segurando a agenda aberta e uma
caneta. De maneira sutil, senta na cadeira à minha frente e endireita
os óculos de armação moderna antes de olhar para mim.
— O celular já deve estar chegando. A loja disse que
entregaria antes do almoço — é a primeira coisa que ela diz.
— Do que mais eu preciso na vida? — rebato, fazendo-a unir
as sobrancelhas e me encarar com os olhos semicerrados.
— Isso é uma pegadinha e a minha resposta vai fazer o
senhor me demitir por justa causa?
Bato as pestanas por alguns segundos e respiro fundo.
— Não. Tem algo que você diz sempre que estou
estressado...
— Ou seja, todo dia. — Ela me interrompe. — Desculpe. —
Emenda e abre um sorriso amarelo para mim.
Eu conheço Heloísa há pouco mais de quatros anos. Ela
acompanhou todo o meu drama de estar casado e depois,
divorciado. É uma intrometida, mas é a única que consegue aturar o
meu mau humor impertinente.
Antes dela, eu vivia trocando de secretária a cada seis
meses. Não que fosse eu a dispensar minhas secretárias, mas as
garotas não conseguiam aturar meu humor quando algo não saía do
jeito que eu queria. E bem, digamos que não vou ganhar o prêmio
de chefe do ano nem que eu faça muito esforço.
— A última vez que tirei férias foi... — Paro no meio da frase,
não quero ter que lembrar disso, então pulo essa parte. — Faz
tempo. Acho que preciso disso. Preciso ir para um lugar e ficar
incomunicável. Ou quase incomunicável.
— Sério? Agora?
— Qual é o problema?
— Faltam quatro semanas para o lançamento da linha de
produtos sustentáveis e o senhor gastou bastante tempo e dinheiro
nisso. Vai tirar férias agora?
Sou o CEO de uma empresa de cosméticos, a Renova
Dupont. E recentemente, eu arrisquei criar uma linha de produtos de
beleza totalmente sustentável para lançar aqui no Brasil e na
Europa. Ela tem razão, eu investi muito tempo e dinheiro em todo o
processo, mas está tudo indo muito bem.
Não tive nenhum imprevisto até o momento.
— Vou — é o que digo. Na verdade, é a única maneira de não
esbarrar com a minha ex ou fugir como uma criança toda vez que
ela aparecer por aqui. — Desmarque todas as minhas reuniões, o
resto vou resolver via e-mail ou ligação.
Heloísa pisca devagar, mas assente.
— Sim, senhor.
Ela começa a fazer anotações frenéticas na agenda.
— O que gente jovem gosta de fazer pra passar o tempo hoje
em dia? — questiono e ela explode em uma risada. — Que bom que
minhas perguntas são divertidas, Heloísa.
— É que o senhor fala como se fosse um cinquentão —
comenta, ainda rindo da minha cara. — O senhor ainda é jovem, só
tem o humor de um velho ranzinza.
Respiro fundo e a encaro sério. As bochechas dela coram e
ela balbucia um “sinto muito”.
— O que você sugere?
Além da minha mãe, Heloísa é a única mulher com quem eu
converso de verdade. Não vou mentir e falar que são as únicas
mulheres na minha vida, porque eu tenho uma lista de amigas
íntimas que me ajudam com as minhas necessidades, mas sem
toda aquela conversa de como foi o seu dia.
Só o bom e velho sexo sujo para desestressar.
E assim está ótimo para mim. Extravasar todo o meu estresse
com uma foda selvagem e louca é tudo que eu preciso para ter uma
noite de sono tranquila e dormir como uma criança.
Não tenho pretensão de deixar outra mulher entrar na minha
vida e foder minha cabeça como Nissa fez. Foi difícil me erguer
depois do que aconteceu e não estou a fim de ser magoado de
novo.
— Já sei!
Ela tira o celular de dentro do bolso da calça jeans e começa
a deslizar os dedos sobre a tela ao mesmo tempo em que explica:
— Esses dias eu vi um anúncio na internet. Viagem de
cruzeiro. Parece muito interessante. O que o senhor acha? Doze
dias e onze noites. Vai sair de Balneário Camboriú, depois vai para
Búzios, Salvador, Fortaleza e Maceió.
Viagem de cruzeiro? Nissa não conseguiria me encontrar nem
se quisesse, o que é bem vantajoso. E eu poderia resolver algumas
coisas do trabalho por e-mails e ligações. Não ficaria tão off assim.
Não é uma ideia ruim.
E acho que estou precisando muito de férias. Faz pouco mais
de três anos a última vez que tirei um tempo só para mim.
— É perfeito. Compre uma passagem — digo, me remexendo
na cadeira. — Essa conversa é extraoficial. Mantenha em segredo.
Não quero ninguém sabendo. E quando digo ninguém, isso inclui
minha família.
— Vai ser um pouco difícil, a família Dupont inteira trabalha no
mesmo prédio. E o senhor sabe, os seus irmãos são bem
persuasivos. Não sei se consigo esconder uma coisa dessas. O que
eu vou dizer? Sou sua secretária, a agenda do senhor é
praticamente o meu livro de cabeceira.
Solto uma lufada de ar e assinto, contrariado.
— Te dou um aumento de salário.
Heloísa abre um sorriso largo.
— Quanto? Vamos falar de números, senhor.
— Cinco por cento — digo, mas ela não parece satisfeita, pois
torce a boca carnuda pintada de gloss rosa e finge pensar.
— Dez por cento e não se fala mais nisso.
Penso em negar, mas Heloísa está comigo há anos e a
conheço tempo suficiente para saber que é uma pilantrinha e não
vai ceder. Então, decido concordar de uma vez ao soltar um
resmungo.
— Ok.
Ela abre um sorriso triunfante e estende a mão em
cumprimento para selar o nosso acordo.
— Vou reservar uma suíte com varanda e sem visão
obstruída, senhor Dupont — fala e me dá uma piscadinha antes de
sair da sala.
Cabron![2]
Babacas são babacas não importa o quão bonitos eles sejam.
Esse engomadinho de terno... é delicioso, apesar de mal-
humorado. A barba é bem-feita, pele clara e olhos azuis, cabelo
negro e sedoso, e de brinde, tem uma cara de safado.
Depois que o otário que quase me atropelou na faixa de
pedestre vai embora, guardo o cartão de visitas dentro da capinha
de silicone do celular, e em seguida, disco o número do meu pai.
Não tem como fazer minha bicicleta funcionar e eu preciso levar o
cachorrinho para a ONG que ajuda animais de rua da minha melhor
amiga.
Enquanto espero, arrasto a bicicleta para o lado da ciclovia e
sento no calçadão. Usar minha bike como se fosse um cone de
sinalização deu certo apenas nos primeiros minutos. Alguns carros
buzinaram, aprovando minha ação de tentar tirar o cachorro da
avenida, outros só elogiaram minha bunda quando estava
engatinhando para uma aproximação segura do cachorro caramelo.
E claro, o babaca que quase me matou.
A freada foi tão brusca que assustou o pequeno e me fez
tombar para o lado e quase cair de bunda no chão. Por sorte, eu
estava a uma distância significativa da bicicleta, senão, eu teria sido
amassada e não o aro.
Algo brilhoso e plano no asfalto chama minha atenção e não
demoro para descobrir que é um celular. Com o caramelo nos
braços, levanto e vou até o aparelho. Aperto o botão do lado e a tela
liga, revelando uma foto de átomo como papel de parede. Para
minha surpresa, não tem senha, então começo a xeretar para ver
quem é o dono.
Quando alguém me dá uma buzinada, volto para perto do
calçadão e vasculho a galeria de fotos. É claro, é o celular do senhor
babaca engomadinho de terno. O homem é lindo, não posso negar,
mas também é aquele tipo de animal selvagem que é melhor admirar
de longe e ficar livre de dano colateral.
— O que aconteceu, Sol? Desde quando você pedala? — meu
pai pergunta ao descer do carro com pisca alerta ligado. Paro de
revirar a galeria de fotos e olho meu pai. Ele demorou menos de
quinze minutos para chegar até aqui e para perto de um canteiro.
— Desde hoje e um idiota com uma BMW aconteceu. —
Gesticulo com o caramelo e pergunto. — Pode me ajudar com isso?
— Beatrice?
— Uhum. Assim que meus olhos bateram nele, eu sabia que
não podia deixá-lo aqui. Era o meu destino.
Meu pai me olha de rabo de olho e assente meio descrente.
Eu sempre digo isso ao resgatar algum animalzinho indefeso na rua.
Ele pega minha bicicleta amassada e coloca dentro do porta-malas,
depois abre a porta do carona para mim e eu deslizo para o banco.
— Ele está fedendo — é a primeira coisa que ele diz ao sentar
no lugar do motorista. — Precisa de um banho.
— E de um lar.
Coloco um sorriso largo na cara.
— Nem pensar — ele resmunga ao notar minhas intenções. —
Seu pai não vai aceitar. O último animal que você trouxe para casa o
deixou devastado.
Sim, é isso mesmo. Meu outro pai, o que tem o coração mole
e quando digo isso é porque ele é daquele tipo que chora em
qualquer filme de cachorro. Mesmo aqueles que são para toda
família e você sabe que o cachorro não vai morrer, porque ele é o
protagonista, mas nos quarenta e cinco minutos do último tempo,
acontece alguma coisa para abalar as estruturas. Se você fizer um
esforço, vai conseguir enxergar meu pai, chorando em frente a tevê,
pela morte de um cachorro que nem aconteceu.
Eu nasci aqui, mas minha mãe biológica é natural da Espanha.
É uma história triste que eu não gosto muito de lembrar, mas ela
morreu quando eu tinha acabado de completar dez anos e depois
disso, fui parar num orfanato. Aos treze anos, fui adotada por um
casal gay, que me deu um teto para morar, muito amor e princípios.
Um pouquinho de língua afiada também.
— Isso foi há quase oito anos, pai. E o cachorro morreu de
velhice.
— E ele não aguentaria passar por isso de novo — retruca,
me fazendo revirar os olhos. — Que estrago foi aquele na bicicleta?
— Eu disse, um babaca. Por isso que odeio todos os homens.
Ele ri.
— Não pode odiar todos os homens, querida. Você tem dois
pais — brinca.
— Corrigindo, eu odeio todos os homens, menos meus pais e
Adriano.
Adriano é o melhor amigo dos meus pais. É gay também,
alguns anos mais novo que eles e uma das melhores companhias
para um sábado à noite quando você é solteira e gosta de dançar.
Minhas amigas adoram sair com ele. E para mostrar o quanto ele é
incrível, preciso dizer que ele nos deu uma viagem de cruzeiro para
comemorar a despedida de solteira da Ananda.
Levamos o cachorro para a Associação Florianopolitana
Protetora dos Animais que Beatrice criou. Ela não estava, mas
deixamos o caramelo em boas mãos. O lugar não é tão grande e
sempre está precisando de doações, então meu pai e eu fizemos
uma contribuição e eu pedi para mandar a conta da consulta do
veterinário do cachorro caramelo para mim.
Meu pai me leva até o condomínio onde moro, em Cacupé,
meu esconderijo em meio a natureza.
Faz um ano que moro sozinha. Escolhi um apartamento em
um bairro charmoso e um dos mais desejados da cidade, porque
queria fugir um pouco da agitação. Meus planos originais eram sair
da casa dos meus pais só depois de casar com Caleb e morar em
um lugar que eu conseguisse ter algum tipo de conexão com a
natureza.
Mas é claro que nós dois estávamos em uma página diferente
do nosso relacionamento. Quando eu o pedi em casamento, na festa
de aniversário que eu organizei para ele, o desgraçado disse que era
um passo maior que a perna casar agora, então, me deu um chute
na bunda.
A verdade é que ele não queria casar comigo porque estava
comendo outra.
Foi então que tomei a decisão de morar sozinha. É claro que
meus pais não aceitaram muito bem, eles são superprotetores e me
queriam por perto, mas eu precisava disso. Precisava recomeçar e
tem funcionado bem. Quer dizer, eu odeio os homens e faz um
tempão que não vejo um pau que não seja de silicone, mas estou
sobrevivendo sem grandes consequências.
É claro que sinto falta de braços firmes em volta de mim ou sei
lá, ser tocada por um homem, mas não vale a pena o estresse.
Caleb fez meu coração ficar frio que nem gelo e não consigo me
abrir para outra pessoa.
Ter o coração partido foi muito doloroso e me fez sentir como
se um pedaço de mim estivesse faltando.
Quando Caleb me conheceu, ele sabia como eu era em
relação a sentimentos e apego. O homem com quem minha mãe era
casada, ou como eu gosto de chamá-lo “o dono do esperma”, nos
abandonou quando eu tinha seis anos. Depois disso, fomos só nós
duas, sozinhas e tentando sobreviver, até que infelizmente, ela
também se foi.
É quase como se minha vida inteira girasse em torno de uma
brincadeira de mal gosto onde todos me abandonam.
Foi difícil viver em um lar adotivo, mas graças a Deus, meus
pais quiseram me adotar. Pensei que ficaria lá até completar dezoito
anos, porque na verdade, ninguém quer levar para casa uma criança
grande. Os casais querem bebês e não crianças traumatizadas e
cheias de bagagem.
Eu sempre tive medo de relacionamentos por causa das
perdas. Parece que sempre tem alguém indo embora da minha vida.
E fui tão sincera com Caleb, mas ele disse que era para sempre e
como uma tola, eu acreditei.
No fim, a única coisa que sobrou foram os pedaços do meu
coração partido.

Assim que entro na agência, Ananda vem ao meu encontro,


me atualizando dos últimos acontecimentos. Dou bom-dia para a
nossa equipe e entro na minha sala, desejando uma boa xícara de
café.
— Antes de qualquer conversa importante, preciso de um
café.
Coloco minha bolsa no cabideiro e me equilibrando de forma
perfeita no salto alto, caminho até a cozinha com Ananda no meu
encalço. Ela é minha sócia. Nós nos conhecemos desde o ensino
médio e cursamos faculdade de publicidade juntas. Depois que nos
formamos, decidimos abrir a nossa própria empresa, que deu muito
trabalho no começo, mas agora somos uma das melhores da cidade.
— Você parece de mau humor, o que aconteceu?
Enquanto coloco a cápsula na máquina de café expresso que
parece um robozinho fofo, conto a minha amiga os acontecimentos
das últimas horas.
— Faz tempo que um cara não te tira do sério desse jeito —
fala na mesma hora que meu café fica pronto. — Ele era bonito?
Gostoso, pelo menos?
Reviro os olhos e adoço meu café. Coloco muito açúcar,
porque preciso disso para aguentar o dia.
— Era um babaca, daqueles que a gente tem que passar bem
longe.
Um babaca engomadinho de terno.... esse até pode ser o seu
apelido.
Meus olhos pairam em cima da mesa e vejo o bolo lindo
dentro da embalagem. Ele é todo colorido, um arco-íris comestível.
Não preciso perguntar o que essa coisa gostosa está fazendo aqui,
Ananda adora bolos e vive fazendo encomenda.
— Tira a mão — Ananda me repreende quando estou me
aproximando do bolo. — Larissa e Samuel estão vindo aqui, comprei
porque ele ama os bolos da Cici.
De cara feia, volto para a sala e ela vem junto. Tomo um
pequeno gole do líquido fumegante e apoio a xícara em cima da
mesa. Caminho até o cabideiro e de dentro da bolsa, apanho meu
celular e tiro a capinha de silicone para pegar o cartão do babaca.
— Aqui, é esse — digo ao erguer a mão. — Henrique Dupont,
um otário de carteirinha — emendo com um leve tom de veneno na
voz.
Quando cheguei em casa, é claro que fui xeretar o homem
nas redes sociais e é por isso que cheguei tão atrasada hoje. Salvei
o número no meu celular e depois da minha viagem entrarei em
contato. Eu não preciso que ele me dê uma bicicleta nova, mas
como não me pediu desculpas e foi um grosso, vou atormentá-lo um
pouco.
— Ele é lindo, amiga — Ananda fala e quando me dou conta,
ela está com o celular nas mãos, fuçando o Instagram dele.
Como quem não quer nada, me aproximo e a vejo passar as
fotos. Tinha feito isso mais cedo e só fiquei com raiva por ele ficar
mais lindo cada vez que o olhei. Lindo e babaca... que combinação
perfeita.
— Eu estou com o celular dele.
Ananda franze as sobrancelhas bem-feitas e o canto esquerdo
da boca se torce.
— Espera, o quê? Volta um pouco a fita, porque não tô
entendendo.
Sem explicar nada, caminho até o cabideiro e remexo dentro
da bolsa de novo para pegar o aparelho. Noto que tem algumas
chamadas não atendidas e que a bateria está quase no fim.
— Ele estava ocupado demais sendo uma babaca para
perceber que o aparelho caiu no chão.
Entrego para Ananda, que como uma curiosa nata, começa a
revirar o celular do homem ao ver que não tem senha. Não posso
culpá-la, eu fiz a mesma coisa. Fico ao lado dela e a vejo
repassando as fotos da galeria.
— Uau — ela sussurra, parando em uma fotografia.
Finjo indiferença, mas fixo bem os olhos na imagem. É uma
foto de corpo inteiro, ele usa um terno feito sob medida, bem
passado e sem gravata. Sem esforço, consigo imaginar o corpo
torneado por debaixo do tecido. O cabelo está penteado de uma
maneira descontraída e ele meio que olha para o lado. E o mais
surpreendente? Ele está sorrindo. Não parece em nada com o
homem que quase me atropelou hoje cedo.
Talvez seja o irmão gêmeo.
O que de fato, não é. Já tinha revirado a galeria vezes demais
para encontrar fotos de Henrique com outros três homens, que são a
cara dele. Com certeza, os seus irmãos. E no meio das minhas
andanças, não encontrei nem um gêmeo.
— Terminou? — pergunto ao esticar a mão para pegar o
celular, mas Ananda me ignora.
Suspiro e por um segundo, olho a avenida movimentada
através da janela e antes que possa me perder em pensamentos
sobre o corpo sexy do babaca, decido sentar na cadeira acolchoada
detrás da mesa. Ligo o meu computador, enquanto minha melhor
amiga xereta o celular de um homem que a gente não conhece.
Para minha surpresa, ela senta no sofá da minha sala e
continua com as suas pesquisas, me fazendo revirar os olhos. Tento
direcionar minha atenção aos meus e-mails e respondo alguns.
Depois de quase dez minutos, ela me entrega o aparelho junto
do cartão de visitas. Tento ligar o celular, mas noto que está
completamente descarregado.
— Quando vai entregar?
— Vou pedir pra alguém levar lá no endereço dele. Não vou
me dar ao trabalho de entregar essa porcaria pessoalmente.
— Devia ir você mesmo. O cara é bonito.
— Eu passo.
— Tá bom. Enfim, já fez as malas? — ela pergunta, os olhos
brilhando em ansiedade. Desde que abrimos a nossa empresa há
pouco mais três anos, é a primeira vez que vamos tirar férias.
— Sim.
— Ótimo. A noite será uma criança durante onze dias. —
Brinca, me roubando uma risada. — E quem sabe você não conhece
alguém lá e tira o atraso.
Bufo.
Pego a xícara de café e tomo um gole generoso.
— Não, obrigada, o Ricardo está fazendo um ótimo trabalho
durante a noite.
— Meu Deus, você apelidou o seu vibrador? — fala, alterada.
— Você é terrível, Sol.
Começo a rir.
— Tá ótimo assim. Eu gozo e ainda continuo protegendo meu
coração.
Nem tem tempo de falar alguma coisa, já que Samuel entra na
sala correndo e joga os braços gordinhos nas pernas de Ananda.
Sorrio, levantando da cadeira e me aproximando deles. Depois de
cumprimentá-la, ele vem até mim e eu me inclino para pegá-lo no
colo.
Samuel tem dois anos e três meses e é filho de uma amiga
nossa, a Larissa. Ela entrou no nosso grupinho faz pouco mais de
um ano e meio, mas rápido se tornou uma das nossas melhores
amigas.
— Coisa fofa — digo, espremendo de leve as bochechas
rechonchudas dele.
— Tia Sol — fala com aquela vozinha fofa de criança e derrete
meu coração, e eu me dou conta de que além dos meus pais e
Adriano, eu não odeio Samuel também. Talvez eu tenha que
reformular minha frase...
Eu odeio todos os homens babacas.
— Ele é só uma criança, mas corre tanto — Larissa fala ao
parar na porta, sorrindo. — Preciso voltar pra academia.
Larissa é linda. Cabelo bem longo e preto, alta, corpo de
modelo, rosto com simetria perfeita e é um doce de pessoa.
Personalidade amável, carinhosa e está sempre cuidando de todos.
— Vamos comer bolo? A tia Ananda comprou aquele bolo que
você adora — minha amiga diz.
— Eu amo bolo — ele murmura e arregala os olhos, me
roubando um sorriso.
— Só pode comer um pedaço, Samuel, mas pode guardar
outro pra sobremesa depois do almoço — Larissa articula em um
tom firme, fazendo o menino ficar amuado.
Com Samuel no colo, caminho na direção da cozinha e ele
enrola uma mecha do meu cabelo no dedo fofo enquanto Ananda e
Larissa conversam sobre a nossa viagem de cruzeiro. Por causa do
pai do seu filho que está doente, ela não vai poder ir, mas
combinamos de fazer uma festa com homens sarados dançando
quando voltarmos.
— A tia Sol vai pegar um pedaço bem grande pra você, tá
bem? — sussurro no ouvido de Samuel, que abre um sorriso
banguela que é capaz de aquecer meu coração.
— Eu ouvi isso, tá bem? — Larissa resmunga.
Reviro os olhos de forma exagerada e Samuel ri.
Enquanto Heloísa me leva até o terminal portuário de
Balneário Camboriú, verifico meu celular. Uma alma caridosa o
devolveu ontem depois de encontrá-lo na rua e eu não precisei
passar todos os meus contatos para o novo aparelho, que ainda está
na caixa.
— Chegamos — ela fala e eu expresso meu agradecimento
com um suspiro de chateação.
É claro que já estou arrependido de ter tido essa ideia de
viagem de cruzeiro e é por isso que acordei com a minha secretária
berrando no meu interfone. Ela foi me buscar em casa, com medo de
eu desistir das férias e como consequência, ela perder o aumento de
salário de dez por cento.
— Sorria, vai ser divertido. — Ela estaciona em frente ao
terminal portuário. Não passa das onze horas e está lotado de
pessoas animadas e sorridentes. Lá no fim do píer dá para ver o
navio. — Vai ser bom pro senhor.
Heloísa desce do carro e eu me forço a fazer o mesmo.
Tagarelando sobre o tamanho do navio e os incríveis dezesseis
andares, ela caminha até o porta-malas e abre. De cara fechada, tiro
a mala grande e passo as alças da mochila pelos braços, odiando a
ideia de ter que embarcar no navio.
Tirar férias agora foi uma péssima ideia.
— Não passe o dia inteiro no quarto, ok? Tá me ouvindo? —
Heloísa pergunta, mas nem me deixa responder. — Tem várias
atividades que o senhor pode fazer lá dentro. Ah! Tem até a
academia, então não se preocupe, vai conseguir malhar todos os
dias.
Assinto, contrariado.
Olho para as pessoas fazendo check-in no terminal portuário e
noto que sou a única pessoa de mau humor. Bem, não o único.
Acabo de notar um senhor do meu lado esquerdo, está a uns dez
metros de distância e está chorando enquanto tem as mãos nos
ombros de uma mulher, que está de costas para mim. A bunda dela
é bem bonita e eu tenho a impressão de que já vi esse rabo antes.
Eles são um pequeno grupo, dois homens e três mulheres,
mas não parece que todos vão embarcar.
— O senhor está pronto?
— Não.
— Ótimo, porque o senhor vai ter que ir assim mesmo. Eu
preciso voltar, deixei a nova estagiária da equipe do marketing na
recepção. — Heloísa olha as horas no relógio delicado de pulso. —
Quero chegar antes do fim do almoço.
Faço um gesto positivo com a cabeça.
— Me ligue se tiver algum problema — digo e minha secretária
concorda, mas a expressão no rosto me diz completamente o
contrário. Ela não vai me ligar de jeito nenhum e eu preciso
embarcar agora antes que me arrependa mais ainda e resolva voltar
para Florianópolis.

A suíte que Heloísa escolheu é bem espaçosa para uma


pessoa e tem tudo que eu preciso para sobreviver em uma viagem
dessas: cama confortável, sofá macio, televisão plana, frigobar e
internet, que não é uma das melhores, mas dá para sobreviver. O
carpete cinza combina com as paredes e os móveis. A varanda não
tem a visão obstruída e há duas espreguiçadeiras e uma espécie de
mesinha de centro entre elas.
Pego uma garrafinha de água de dentro do frigobar e reviro os
folhetos com as programações do dia em cima do armário: aula de
dança, cassino, apresentação de teatro, game show, bar com música
ao vivo, balada, show de dança e festa do branco hoje à noite na
área da piscina.
Não tenho vontade de fazer nada.
Por que eu inventei de fazer uma viagem de cruzeiro sozinho?
Agora que estou aqui, não parece que foi uma boa ideia.
Quando sinto a barriga roncar, pego a carteira de dentro da
mochila e meu cartão de bordo e saio do quarto atrás de um
restaurante para almoçar. Paro perto dos elevadores, olho o mapa
em formato de navio entalhado na parede e me localizo. Há mais de
doze restaurantes por aqui e mais quatro de especialidades.
Chamo o elevador e espero, assim que as portas de metal se
abrem para mim, noto que o elevador do lado faz o mesmo, e de
dentro, saem algumas mulheres animadas demais. Balanço a
cabeça, cogitando a possibilidade de desembarcar agora. Afinal, o
navio só vai sair daqui às dezoito em ponto e bem, são quatorze
horas agora. Deve ser a minha chance de cair fora.
Sinto o celular dentro do bolso vibrar e tateio até pegá-lo. É
uma mensagem da minha secretária.
Heloísa: Ela estava aqui quando cheguei. Só para o caso de o
senhor estar pensando em voltar para casa mais cedo. Boa viagem.
E não se esqueça de se divertir (:
Bloqueio a tela de celular e desisto da ideia de ir embora. Ficar
preso em um navio com um bando de gente desconhecida e
animada, que sorri sem motivo aparente, é melhor do que ficar cara
a cara com a Nissa.
Definitivamente, muito melhor.
— Para de chorar, pai. Eu não tô indo embora pra sempre —
falo depois de sair dos braços dele. — São só alguns dias. Vai
passar rapidinho.
Coloco um sorriso grande no rosto.
Lembra quando mencionei que um dos meus pais tem
coração mole? Pois é, é tipo MUITO mole. É a primeira viagem que
faço sozinha e ele está chorando no terminal portuário como se eu
fosse embora de vez.
Não preciso dizer que ele se derreteu como manteiga em uma
frigideira quente quando me conheceu, não é? Eu fiquei confusa,
não sabia se ele estava feliz ou triste, até que aprendi que ele chora
por tudo.
Aos quinze anos, quando o chamei pela primeira vez de pai, o
homem chorou tanto que eu tive que consolá-lo boa parte do dia.
Toda vez que ele me olhava, as lágrimas desciam como cachoeira.
Nós três sempre fomos muito unidos e fizemos várias viagens
juntos. Acho que a nossa viagem mais importante foi quando fomos
para Granada, cidade natal da minha mãe biológica. Eles queriam
me manter conectada com as minhas raízes. Mas é a primeira vez
que viajo sem eles. Meus pais sempre estiveram comigo, me
acompanhando em todos os momentos e mesmo não morando na
mesma casa ultimamente, nós nos vemos pelo menos cinco vezes
durante a semana.
Às vezes, eu me sinto uma criança de dez anos e não uma
mulher de vinte e seis.
— Promete ligar todo dia? — ele pergunta, passando as mãos
nos olhos e limpando as lágrimas. — Se divirta muito, querida, tá
certo? — diz, voltando a chorar.
Assinto e mordo o lábio inferior, na tentativa de segurar o
sorriso. Ele é fofo demais, mas às vezes, é impossível ficar séria
quando meu pai está chorando igual a um bezerro novo.
Ele se afasta de mim e vai se despedir das minhas amigas.
Abraço meu outro pai e descanso a cabeça em seu peito por alguns
breves instantes.
— Não se preocupe, cuidarei bem do Helano — murmura no
meu ouvido. — Aproveite bem a viagem, querida.
— Obrigada, pai.
Ficamos ali no terminal portuário por quase vinte minutos, até
meu pai chorão ficar emocionalmente estável de novo e nos deixar
partir. Olho para trás duas vezes e com um sorriso no rosto, dou
tchau com uma das mãos.
Depois de toda a burocracia com o check-in e o despacho das
malas, finalmente entramos no navio. O lugar é imenso e é de
deixar de queixo caído. Tem muita gente e todo mundo parece
superfeliz.
Nós três paramos no meio da recepção gigante e olhamos
para cima. O navio tem dezesseis andares e é tudo muito luxuoso.
Do meu lado esquerdo tem uma espécie de elevador todo de vidro,
cheio de detalhes que parecem ouro.
— Obrigada por estar sorrindo — Ananda fala, chamando
minha atenção. — Eu sei que você anda bem descrente em relação
ao amor, mas obrigada por ter vindo e estar sorrindo.
Ela enrosca um braço no meu pescoço e o outro no da
Beatrice.
— Vai ser a melhor festa de despedida de solteira de todos os
tempos — é Beatrice quem fala.
— Sim! — Ananda e eu gritamos. Nós três caímos na
gargalhada quando algumas crianças passam por perto e ficam
encarando, como se fôssemos loucas.
No cartão de bordo, verificamos onde fica a nossa suíte e
sem vontade de encarar um monte de escada até o décimo terceiro
andar, caminhamos até os elevadores e chamamos.
— Tudo bem se eu transar nessa viagem? — Beatrice
pergunta, de repente.
De nós três, ela é a que tem aparência mais doce. Olhos
grandes, redondos e azuis, cabelo longo e preto e um sorriso meigo,
mas a carcaça não combina com a personalidade atrevida e meio
safadinha que ela tem.
— Eu sou a única impedida de transar nessa viagem —
Ananda fala assim que as portas dos elevadores se abrem para nós.
— Eu passo. Quero curtir a viagem inteira sem precisar de um
homem — falo e mesmo que não esteja nos planos, eu soo meio
amargurada.
— Mas se conhecer um cara bonito, não se prive, tá bem?
Você não precisa de um homem, eu sei, mas não vai arrancar
pedaço sentar em cima de um pau de verdade de vez em quando —
Beatrice resmunga.
As portas se abrem e nós saímos de dentro do elevador rindo
que nem loucas pelo que a garota de aparência meiga e imaginação
fértil disse.
Caminhando pelo corredor que mais parece um labirinto,
conseguimos encontrar a nossa suíte. O lugar é incrível e logo de
cara noto que a cama king size cabe nós três sem problemas.
Tem uma televisão grande, frigobar e sofá de tecido macio e
confortável. O lugar não é muito grande, mas acomoda fácil três
pessoas. Arrosto os pés até a varanda e abro a porta de correr e até
consigo imaginar a vista quando estivermos em alto mar.
Ouço barulho de rolha saindo da garrafa e quando me viro,
vejo Ananda servindo champanhe em três taças. Sorrindo, me
aproximo delas e pego o cálice de cristal. Nós fazemos um brinde a
nossa viagem.
— A única regra é se divertir, estamos entendidas? — Ananda
pergunta, oscilando os olhos de mim para Beatrice.
— Sim! — berramos ao mesmo tempo que rimos e tomamos
o nosso champanhe, esperando coisas incríveis do nosso cruzeiro.

Estamos abrindo as malas quando o alarme do navio soa


dentro da suíte e o capitão começa a falar.
— Senhoras e senhores, o som que acabaram de ouvir foi o
sinal de emergência. Por favor, prossigam para suas cabines e
peguem seus coletes salva-vidas, mas não os vistam e sigam em
direção a sua assembly station[3].
Leio a plaquinha pregada na porta com as instruções para
onde devemos ir enquanto as meninas pegam os coletes de dentro
do armário.
— Deck oito — aviso.
Com o colete em mãos, sou a última a sair da suíte. Ao me
virar depois de fechar a porta, dou de encontro com um distraído no
celular. O aparelho cai no chão e ele começa a resmungar como um
velho rabugento ao se inclinar para pegá-lo.
Estou pronta para retrucar quando o rosto dele nivela ao meu.
— Você?! — falamos ao mesmo tempo, alterados.
Henrique Dupont, o babaca que quase me atropelou na
avenida quando eu estava tentando resgatar um filhote de cachorro.
Ele é um idiota e eu até consigo imaginar “canalha” escrito em tinta
vermelha na sua testa, contrastando com os olhos azuis, que
preciso admitir, são bem bonitos.
Mas a beleza dele não compensa esse jeitão todo babaca.
— Se meu celular tivesse quebrado, você teria arrumado
sérios problemas — resmunga, me fazendo revirar os olhos.
Começo a me perguntar o que ele acharia se soubesse que
eu fucei a merda do aparelho e deixei Ananda fazer o mesmo.
— Qual é o seu problema? Por que vive querendo me
atropelar?
Ele solta uma risada seca e balança a cabeça de jeito
descrente ao olhar o colete na sua mão.
— Você que vive se metendo na minha frente.
— O que está fazendo aqui? — pergunto, começando a ficar
furiosa com a coincidência. Ele não poderia estar em outro lugar?
Que merda.
— O mesmo que você, viajando — devolve, cético.
— O que aconteceu? — Ananda pergunta ao voltar com
Beatrice para perto da nossa cabine. — Ai. Meu. Deus! — é só o
que ela fala ao parar ao meu lado e olhar a cara bonita do meu
atropelador oficial.
Segurando coletes, uma família de dois adultos, três
adolescentes e uma criança pequena saem de uma cabine próxima
e passam por nós. Existe algo sobre os corredores de navios que
nunca me disseram. Eles são estreitos. MUITO mesmo.
O pai de família que é um grandalhão de quase dois metros,
acidentalmente, dá um empurrão no babaca à minha frente, fazendo
com que ele venha com tudo para cima de mim. Acabo batendo com
força a cabeça na porta da minha cabine e de brinde, ganho o rosto
do idiota bem próximo ao meu e um galo no couro cabeludo.
Para meu desgosto, ele está cheirando a um perfume
masculino importado que eu adoro.
Por um milésimo de segundo, os olhos azuis encontram os
meus antes da atenção descer até os meus lábios e fazer meu rosto
formigar. Quando recupero os sentidos, meu primeiro instinto é
empurrá-lo para longe, o que não dá certo. Corredores ridículos e
estreitos. Engulo em seco e pela visão periférica, noto Ananda e
Beatrice sorrindo.
— Vamos antes que eu perca a paciência — digo, pegando o
meu colete que eu tinha deixado cair quando o babaca praticamente
foi jogado contra o meu corpo.
Minhas amigas não se movem.
— Acho que vamos todos para o mesmo lugar — Beatrice
fala, toda sorridente.
Ele não parece contente, mas infelizmente, estamos todos
indo na mesma direção. De cara fechada, acompanho as meninas e
meu atropelador. A viagem mal começou e eu já sinto que a
presença dele acabou de estragar tudo.
— Meu Deus, ele é um gato, amiga — Beatrice comenta no
pé do meu ouvido e eu reviro os olhos.
— Pode ficar com ele, então — devolvo.
Ao dobrar no corredor, há um funcionário vestindo colete e
guiando até o deck oito para o treinamento ao mesmo tempo em
que pede para descermos as escadas com calma e segurar no
corrimão.
Mas como tenho a bunda virada para a lua, uma criança
passa por mim correndo e me empurra, me fazendo tropeçar no
próprio pé e claro, cair por cima de Henrique, que está dois degraus
abaixo de mim. Para fechar com chave de ouro, nós dois
derrubamos mais quatro pessoas ao rolar escada abaixo.
Minha vida parece uma piada.
Foi tudo tão rápido, que quando dou por mim, estou deitada
em cima de Henrique e sentindo o rosto formigar de vergonha, raiva
e desgosto. Minhas amigas e o guia no início da escada caminham
até nós, preocupados.
As pessoas que caíram por causa de nós, começam a
levantar e graças a Deus levam tudo numa boa, menos Henrique, o
que era de se esperar. Ele é quase a encarnação do mau humor.
— Meu Deus, vocês estão bem? — Ananda pergunta,
tentando segurar o riso, mas pelo menos me ajuda a levantar e eu
não sei onde enfiar a cara.
— Estou começando a achar que você adora atrasar minha
vida — Henrique fala para mim, furioso, e eu noto uma veia saltar do
seu pescoço. Engulo o caroço na garganta, sem saber o que dizer.
Peço desculpas? Mas a culpa não foi totalmente minha e
mesmo assim, ele não se desculpou pela minha bicicleta. Talvez
isso nos deixe quites.
Henrique levanta e vai buscar o celular que caiu longe de nós.
— Você se machucou? — o guia pergunta e eu só nego com
a cabeça, sem vontade de falar alguma coisa em voz alta. — Por
favor, continuem andando na direção do deck oito — diz, sinalizando
com um dos braços para as pessoas continuarem caminhando.
— Você se machucou? Foi um belo tombo — Beatrice fala,
me fazendo suspirar.
— Foi uma bela humilhação, isso sim — resmungo.
O guia recolhe os nossos coletes do chão e me entrega um,
depois dá o outro para Henrique, que passa por nós pisando duro e
soltando fogo pelas ventas. Tento apagar da minha memória o
acontecimento de minutos atrás e volto o trajeto até o deck oito.
Lá no posto de agrupamento, ignoro as olhadelas das
pessoas que viram o meu tombo e tento prestar atenção nas
instruções de emergência que o tripulante do navio fala e na
demonstração de como colocar o colete salva-vidas, rezando em
silêncio para não esbarrar com Henrique pelo resto da viagem.
Heloísa: Espero que não esteja enfurnado no quarto, e sim,
aproveitando a viagem de cruzeiro.
Heloísa: Ah, sua mãe veio atrás de você, mas mantive
segredo :D
Penso em digitar alguma resposta para minha secretária, mas
desisto no meio do caminho. Jogado na cama, observo o teto por
alguns instantes, pensando no que fazer. Estico o braço e pego o
folheto com as programações do dia e observo, fico decepcionado.
É claro que a programação ainda é a mesma desde que vi pela
primeira vez pela manhã, mas nada me interessa.
Viajar sozinho é uma merda. Tudo mentira aquele negócio de
que isso te ajuda, liberta e é mais fácil tomar decisões de último
minuto ou que te faz perceber que você é capaz de tudo.
Já tinha respondido meus e-mails de trabalho, e a não ser
que eu vá dormir às vinte e uma horas, não há nada para fazer
dentro da suíte. Entediado, levanto da cama e saio do quarto, mas
antes pegando a carteira, o celular e o cartão de bordo.
Desço alguns andares de elevador e entro em um dos
restaurantes à la carte. Sou guiado por uma hostess até uma mesa
com quatro lugares vazios perto de uma janela grande com vista
para o mar. Apesar de ser noite, a vista é linda e até consegue me
animar um pouco.
Meu apartamento fica de frente para beira-mar, mas eu não
lembro a última vez que parei, respirei fundo e aproveitei a minha
vista. Sempre muito focado no trabalho e em foder para extravasar,
eu deixei muitas coisas passarem.
O garçom traz o cardápio e é isso que me faz tirar os olhos do
mar. Pergunta se eu quero vinho tinto e quando aceito, serve em
uma taça para mim. Antes que possa terminar de ler as opções de
entrada, a hostess vem até a minha mesa e de forma gentil, chama
minha atenção.
— O senhor se importaria de dividir a mesa com mais três
pessoas?
Claro que a última coisa que quero no momento é jantar com
estranhos, mas ao olhar ao redor, noto que sou o único sozinho e
com lugares sobrando. Não tenho outra escolha a não ser
concordar. E se eu disser não, tenho certeza de que minha mãe
daria um jeito de brotar do chão e me dar um sermão sobre
educação.
Sorrindo, a hostess gira nos calcanhares e some do meu
campo de visão. Volto a atenção para o cardápio, pensando que
fora o tombo que aquela doida/gostosa me fez levar hoje, jantar com
estranhos será a coisa mais irritante e desnecessária da viagem.
E que coincidência é essa? A vida adora aprontar comigo.
Uma viagem de cruzeiro com a empata trânsito? Vai ser difícil não
olhar aquela bunda ou pirar de vez.
— Você só pode tá de brincadeira comigo. — Ao ouvir a voz
feminina e familiar, levanto a cabeça e meus olhos encontram os
dela.
Ela, com certeza, é a última pessoa com quem eu quero
passar a hora do meu jantar. Não tem como comer alguma coisa e
tê-la ao meu lado. É indigestão na certa. Desde que a conheci só
aconteceram coisas desagradáveis: o farol da minha BMW novinha
quebrado, rolar escada abaixo e a tela do meu celular trincado.
Estou esquecendo alguma coisa?
Ela é como um sinal negativo na minha vida e onde essa
louca estiver, eu sei que será um caos total.
— Queremos outra mesa — ela fala, erguendo o queixo para
a hostess. — Não tem como jantarmos na mesma mesa desse
senhor.
A hostess abre a boca para falar, mas não consegue dizer
nada. E as amigas se acomodam à mesa, olhando para mim com
curiosidade. Uma tem aparência meiga, cabelo escuro e olhos
claros. A outra é loira e tem traços marcantes.
E a minha desastrada/empata trânsito/Dra. Dolittle tem
cabelos longos e castanho escuros, olhos grandes e marrons. Os
lábios são salientes e bem desenhados. A pele tem uma cor de
bronzeamento natural e o corpo parece um violão. Ela é irritante pra
caralho, mas se nós tivéssemos nos conhecido em outras
circunstâncias, eu a levaria pra cama.
Sem dúvida.
— Beatrice Davies. — A mulher de cabelo escuro e olhos
claros estende a mão para mim e eu aceito o cumprimento. — Essa
aqui é a Ananda Gonçalves. — Aponta para a loira, que sorri para
mim. — E ela é a Marisol García.
Marisol não se dá ao trabalho de me cumprimentar, apenas
senta ao meu lado, emburrada e me olhando de rabo de olho
enquanto resmunga uns palavrões em espanhol, parecendo uma
vovó ranheta.
— Henrique Dupont — falo para as meninas, menos Marisol.
Vou fingir que ela não está aqui. Mulheres odeiam ser ignoradas, e
se ela vai passar a próxima hora me chamando de “corno” em
espanhol, vou ignorá-la completamente.
— Nós estamos aqui pra despedida de solteira da Ananda.
Você veio sozinho? — Beatrice pergunta, um sorriso gentil
desenhado no rosto.
— Sim — é só o que respondo.
— Não é ruim? Ficar sozinho? — Ananda quer saber.
— Vamos pra balada depois daqui. Você quer vir com a
gente? — Beatrice pergunta, animada.
— O quê? — Marisol fala, alterada. — Não vamos estragar a
nossa viagem com a presença desse cabron aqui.
— Marisol! — Ananda repreende a amiga e eu tenho certeza
que é pelo xingamento que ela disse em outra língua. — Seja
educada.
— Acho impossível ela ser educada comigo — retruco,
fazendo o rosto da Marisol se fechar em uma expressão dura.
Sinto o canto da minha boca se curvar em um sorriso. Não
devia, mas estou satisfeito.
Ela abre a boca para falar alguma coisa, mas desiste no meio
do caminho e me encara de um jeito maligno, quase como alguém
que deseja voar em cima do meu pescoço e me estrangular.
É interessante saber como Marisol quer me ver a dez mil
metros de distância. Eu também não quero passar a minha viagem
com essa doida no meu pé, tirando minha paz ou me derrubando
pelas escadas do navio, mas eu decido ser babaca e aceitar o
convite de Beatrice.
A ideia de irritar Marisol parece boa e eu não tenho nada
melhor para fazer no momento mesmo.

Depois de entrar na boate, noto que fui longe demais com a


minha ideia de importunar Marisol. Ela é um pé no saco, eu sei, mas
até agora, não tinha consciência de que aceitar o convite de
Beatrice custaria a minha paz mental.
Eu não sou um grande fã da combinação de lugares
fechados, barulhentos e muita gente. E aqui, tem isso de sobra. As
luzes piscam de um jeito frenético e irritante, e a batida da música
alta dá a sensação de estar dentro do meu ouvido.
— Tá com cara de quem não frequenta lugares assim. —
Beatrice tenta falar mais alto que a música e no momento que
percebo a sua atenção direcionada para mim, não tenho vontade de
responder.
Para ser sincero, não lembro a última vez que estive em um
lugar como este. Talvez no meu tempo da faculdade? Talvez antes
disso.
— Vamos procurar uma mesa — Ananda grita e puxa Beatrice
rumo a uma escadaria que dá no mezanino. A mal-humorada da
Marisol fica atrás, nivelada comigo.
— Cuidado pra não tropeçar e me derrubar de novo — eu
digo quando ela atravessa minha frente para subir as escadas
primeiro.
Segurando no corrimão, ela paralisa os pés e preciso recuar
um passo para não ficar muito próximo dela. Marisol é um saco,
irritante e sempre que me olha, sinto que está me amaldiçoando em
silêncio. No entanto, eu não vou ser dissimulado, a mulher é linda e
tem um corpo sexy pra caralho.
Fiz muito esforço no jantar para ignorá-la e não ficar olhando,
o que foi quase impossível. Ela está usando um vestido curto de
seda preto, alças finas e decote em V. Não é tão colado ao corpo,
mas ressalta bem os seios, que estão com os mamilos enrijecidos e
a bunda gostosa em formato de coração.
— Aquilo foi um acidente, mas talvez o que aconteça nas
próximas horas não — ela fala, chamando minha atenção. — E para
de ficar olhando minhas pernas — acrescenta de forma ranheta e
volta a subir os degraus.
Eu nem tinha percebido, mas meus olhos estavam secando
as suas pernas e no momento que ela vira, eu fito a bunda
empinada e deliciosa. Se ela não fosse tão insuportável, nós
podíamos nos dar bem... na cama.
Mas Marisol não vale a dor de cabeça, nem a minha paz de
espírito.
Quando chego no mezanino, noto que Ananda e Beatrice
encontraram um sofá com mesinha de centro. E apesar de me sentir
um velho por isso, agradeço em silêncio. A última coisa que quero é
passar a noite inteira em pé e com um copo de bebida na mão.
Sento no sofá, de frente para as meninas, e o pensamento de
que não devia ter vindo aqui preenche minha cabeça.
Beatrice pergunta o que as amigas querem beber e depois de
ouvir as respostas, olha para mim, mas antes que tenha a
oportunidade de questionar, eu fico de pé e digo que vou pagar as
bebidas.
— Ui, que cavalheiro, pagando as bebidas das garotas —
Beatrice zomba, me fazendo revirar os olhos.
Descemos as escadas e caminhamos até o bar mais próximo.
Há três, um no centro da pista de dança e dois nas laterais do
estabelecimento. Ao escorar sobre o balcão, o barman não demora
em atender Beatrice e antes que ele vá embora, eu peço uma
cerveja também.
— Por que você tá aqui sozinho? — Ela quer saber. As
sobrancelhas escuras franzidas para mim e o canto da boca meio
torcido, como se estivesse tentando me entender.
— É complicado.
— Hum, tão misterioso — rebate e eu suspiro, controlando a
vontade de revirar os olhos para essa curiosa.
O barman traz nossas bebidas e eu pago. Beatrice pega dois
copos de cristal e deixa um para mim. Ela caminha na direção do
mezanino sem me esperar e ao chegarmos no sofá de novo, respiro
fundo. É claro que ela levou a bebida da Ananda e deixou a da
Marisol para mim.
A contragosto, entrego o copo de cristal com bebida colorida
para a mal-humorada. Por incrível que pareça, ela agradece.
Pareceu mais um xingamento saindo dos lábios carnudos, mas foi
um obrigado.
Sento no sofá de novo e tomo um gole generoso de cerveja,
enquanto Marisol toma todo o drink de uma vez e bate o copo com
força na mesinha, me fazendo arquear uma sobrancelha. Ela
levanta e vai até próximo ao guarda-corpo e apoia os braços nele ao
olhar o movimento lá embaixo.
Com os copos nas mãos, Ananda e Beatrice se juntam a ela.
As três trocam algumas palavras e de forma sutil, começam a
dançar. Olho para os lados e noto que sou o único sentado.
Acho que não tem jeito de eu parecer mais velho do que
agora. Quase um tiozão de meia idade, sentado no sofá, bebendo
cerveja enquanto todo mundo está dançando e aproveitando a noite.
Tomo outro gole de cerveja e volto a atenção para as garotas,
que dançam ao som de música latina remixada. Não vou mentir e
dizer que a noite está sendo um completo fiasco, porque não é ruim
ter três mulheres bonitas rebolando a bunda praticamente na minha
cara.
Surpreendo-me ao ver Ananda e Beatrice virem até mim,
dançando perto demais. Encosto nas costas do sofá e tento manter
as mãos bem ocupadas. Nem fodendo eu vou tocar em uma mulher
que está prestes a se casar, mesmo que ela esteja mexendo o
corpo de forma provocante e esteja próxima de um jeito perigoso.
— Sabe o que falta pra despedida de solteira da Ananda ficar
perfeita? — Beatrice pergunta, rebolando o corpo e uma vez ou
outra, roçando na minha perna de maneira proposital. Ela não me
deixa responder. — Um stripper. Você pode ser o nosso?
— O quê? — retruco, fazendo as duas rirem.
— Posso beber tequila no seu tanquinho? — Ananda quer
saber.
— Você não pode estar falando sério — resmungo e tento me
afastar, mas elas não deixam.
As duas continuam dançando na minha frente e eu desvio a
atenção para Marisol, que faz o mesmo, mas sozinha, e não parece
ser um problema para ela. O seu corpo balança de um jeito sensual
e o vestido de seda que antes não marcava, faz exatamente o
contrário agora. Ele se mexe junto das suas curvas, como se
estivesse moldando Marisol.
Cacete.
Eu tinha noção de que ela era gostosa, mas agora, é como se
esse fato tivesse se multiplicado. Desvio a atenção por um milésimo
de segundo e encaro minha cerveja, está quase no fim, mas nem de
longe estou bêbado. Nem perto disso.
Retorno a atenção para o corpo que dança com leveza, mas
de um jeito tão sensual, quase implorando para ser tocado. Bingo!
Não sou o único homem no mezanino que pensou a mesma coisa.
Um idiota usando blusa gola polo e calça caqui se aproxima dela,
cheio de mãos.
Nem sei exatamente o porquê, mas me incomoda um pouco
ter um imbecil com as mãos na cintura dela. Sem parar de dançar,
Marisol vira o corpo e aproxima o rosto dele. Eu devia parar de
olhar, porém é mais forte que eu, então mantenho os olhos firmes
nos dois enquanto tomo o resto da minha cerveja de uma vez.
Para minha surpresa, ela fala algo no ouvido do cara, que
arregala os olhos e vai embora com o rabo entre as pernas.
Sinto o canto da minha boca se transformar em um sorriso.
Quando Beatrice e Ananda cansam de mim e se afastam, eu
levanto do sofá para sair do mezanino e pegar mais uma cerveja no
bar. Mal termino de pedir minha bebida ao barman, quando noto
Beatrice se aprumar ao meu lado e pedir uma garrafa de rum e
avisar que vou pagar.
— Obrigada, Henrique — é o que fala ao segurar a garrafa
que o barman entregou a ela e em seguida, me dá uma piscadela.
Sem escolha, pago tudo e volto ao mezanino, pronto para
passar a noite assistindo Marisol rebolar o corpo, o que não
acontece. As três estão no sofá, esperando Beatrice terminar de
encher os copos de cristal que antes estavam cheios de um líquido
colorido.
— Você não dança? — Ananda pergunta, quase gritando.
— Não — é minha resposta e sento ao lado de Marisol, que
faz cara feia para mim. Sinto vontade de tirá-la do sério de alguma
forma, mas fico quieto.
— É um desperdício de corpo. — Beatrice me avisa. — Bem
que você podia fazer um show pra gente. Tá faltando um dançarino
nessa despedida de solteira.
Abro a boca para falar no mesmo instante em que uma ruiva
escorrega para o sofá ao meu lado e encosta os peitos no meu
braço. É quase instinto, meus olhos descem até o decote e encaro
as duas bolas grandes e nada naturais, mas mesmo assim, muito
bonitas.
Talvez eu possa me dar bem hoje à noite.
— Qual é o seu nome?
— Ele é gay — Marisol responde antes que eu tenha a
chance de falar alguma coisa. — Muito gay. Tipo, cem por cento
gay.
A ruiva faz cara de decepcionada e tudo acontece tão rápido,
que uma hora ela está esfregando os peitos em mim e em outra, se
afastando para longe. Irritado, encaro a empata trânsito, que agora
é uma empata foda também.
— Qual é o seu problema?
— Você — retruca, ficando de pé de novo e segurando o copo
meio cheio de rum. — Se você pode estragar minha noite, eu vou
fazer o mesmo com a sua.
Solto uma lufada de ar e reviro os olhos.
— Quando aquele babaca estava com as mãos em você, não
parecia que eu tinha estragado alguma coisa.
Ela decide me ignorar.
— Dá licença, quero passar.
— Não — rebato, como uma criança. Não sei o que acontece,
mas essa mulher desperta o meu lado infantil com força e quando
age assim, a única coisa que quero é foder com tudo.
Fodê-la também.
— Deixa eu passar — fala de maneira áspera e bate de leve o
joelho na minha perna.
Tenho certeza que ela estava com a intensão de ser grosseira
e me fazer recuar com as pernas, mas a sensação foi outra. Na
verdade, foi boa e me fez querer deslizar as mãos pelas coxas
bronzeadas de Marisol e observar a reação dela.
Ela faz menção de quem vai passar por cima de mim, mas
desiste ao se dar conta de que o vestido é curto demais e se fizesse
isso, eu veria a sua calcinha. O que não seria ruim, não me
importaria de ter uma visão dessas.
— Cara, deixa de ser rabugento e me deixa passar ou eu vou
começar a gritar que você é gay. Ou melhor, que você não é gay,
mas é broxa. — Ela é áspera de novo e eu sorrio, debochado. Meu
lado primitivo louco para mostrar quem é o broxa.
Fico de pé e nivelo nossos rostos. Ela é bem mais baixa do
que eu, então tem de erguer o queixo para manter os nossos olhos
conectados. Bebo um gole de cerveja sem desfazer a conexão e
depois, com toda a imbecilidade que existe dentro de mim, eu digo a
Marisol:
— Eu deixo você passar se continuar dançando pra mim. É o
mínimo que pode fazer, já que estou pagando as suas bebidas.
As narinas dela inflam e como em modo automático, meus
lábios esticam em um pequeno sorriso presunçoso. Espero Marisol
explodir, mas isso não acontece. Ela bebe a bebida do copo de uma
vez e em seguida, o coloca em cima da mesa e pega a garrafa de
rum, levando o gargalo até a boca.
— Ei, garota, vai com calma — Ananda fala ao tentar impedi-
la de beber, mas Marisol desvia e só afasta a garrafa de rum da
boca quando está no fim. Com as costas de uma das mãos, ela
limpa os lábios e abre meio sorriso.
Ela vai ter uma ressaca daquelas...
— Não vou dançar pra você coisa nenhuma, cabron —
resmunga e me empurra com força, me fazendo sentar no sofá.
Ela coloca a garrafa em cima da mesinha e se afasta de mim.
Ananda e Beatrice vão para perto de Marisol, rindo. E eu estou
tentando entender o que acabou de acontecer, mas acabo rindo
também.
Essa mulher é imprevisível.
Marisol disse que não dançaria para mim e sinceramente, eu
não esperava uma resposta diferente, mas isso não significa que
não vou aproveitar a vista do corpo dela rebolando perto de mim.
Embora seja impossível ficar ao lado dela sem querer
começar uma briga, ela é quente e algo nela consegue fazer o meu
pau latejar.
Horas depois...
— Você quer que eu dance pra você? — Marisol pergunta,
tombando para frente e quase derrubando o copo de bebida em
cima de mim. Sorte que meu reflexo é um dos melhores e consigo
segurá-la.
Beatrice também está bêbada, mas Marisol é a mais afetada,
o que não me surpreende, ela tomou quase um litro de rum. Até
demorou para começar a agir como se me suportasse.
— Sai daqui — ela diz para a mulher ao meu lado, me
fazendo suspirar e fechar os olhos por uma fração de segundo. —
Ele é gay.
— Eu não sou — digo a meu favor, mas Marisol tem uma
matraca e tanto, então começa com o negócio de que eu sou cem
por cento gay de novo, espantando a mulher que conheci há quase
quarenta minutos.
Não foi fácil fazer uma mulher desconhecida parar no sofá
para conversar comigo por causa das garotas, que resolveram ficar
dançando para mim de jeito provocante toda vez que algum rabo de
saia se aproximava.
No entanto, eu sou persuasivo e tinha quase certeza que me
daria bem hoje à noite, mas Marisol acabou de estragar tudo. Com
certeza ela merece o prêmio de empata qualquer coisa do ano.
— Quer que eu dance ou não? — ela pergunta de novo,
visivelmente irritada. Bebe um gole da bebida e coloca uma mão na
cintura, me encarando. Eu quase tenho vontade de rir, mas se ela
continuar bebendo assim, amanhã não vai se lembrar de nada do
que aconteceu.
Fico em pé e pego o copo de cristal da sua mão, ela reclama
e me xinga de “cabron” com a língua enrolada, mas de um jeito
engraçado.
Eu tinha parado de pagar as bebidas das garotas, achando
que assim, parariam com a bebedeira, mas a verdade é que elas
não precisavam de mim para pagar de verdade, então, começaram
a bancar as próprias bebidas.
Tomo o conteúdo do copo de uma vez e deixo Marisol irritada.
— Compre a sua própria bebida.
— Pare de beber ou amanhã vai ser um dia de
arrependimentos — retruco, encarando os olhos grandes e
dilatados.
Ela tem alguns fiapos de cabelos grudados na testa por causa
do suor, o batom já saiu todo, mas a boca dela é tão bonita natural
que dá vontade de esticar a mão e tocar os lábios carnudos ou fazê-
la calar a boca com um beijo.
Marisol é irritante, mas é linda também.
— Deixa de ser chato — resmunga.
Sem aviso prévio, ela me empurra para sentar no sofá e eu
quase derrubo o copo no chão. Com a ponta do joelho, ela me faz
abrir um pouco as pernas e se encaixa entre elas, me fazendo
engolir em seco.
Ananda e Beatrice que estão perto do guarda-corpo
observam nós dois.
— O que está fazendo?
— Vou dançar pra você — diz, abrindo um sorriso travesso e
diabólico. — Meu pagamento pelas bebidas — emenda.
Focalizando meus olhos, ela passa as mãos no corpo de uma
maneira lenta e eu fico com inveja. Deve ser bom flanar sobre a pele
morena e bronzeada de Marisol. Fico com água na boca só de
imaginar.
De repente, ela junta os braços rente à lateral do corpo e
começa a se mexer de forma engraçada, como uma minhoca. Sem
conseguir me conter, eu explodo em uma gargalhada. Marisol
parece estar gostando dos movimentos, pois faz umas caretas
engraçadas enquanto faz a dança maluca da minhoca.
Ela acaba se desiquilibrando e caindo no meu colo.
— O que achou da minha dança? — pergunta, fixando os
olhos nos meus. — Foi sexy, né?
— Muito.
Pouso a mão livre na cintura de Marisol e a coloco do meu
lado no sofá. Por mais que seja tentador ter a bunda dessa bocuda
irritante sentada no meu colo, não faço o tipo de homem que se
aproveita de garotas bêbadas. Talvez seja por isso que ainda estou
aqui, sem conseguir ir embora e deixar as três sozinhas.
— Por que está viajando sozinho?
Coloco o copo vazio em cima da mesa e olho Marisol, que
tem uma ruga fina entre as sobrancelhas ao mesmo tempo em que
tenta me ler ou entender. Bem provável que um pouco dos dois.
— Fugindo da minha ex. — Sou sincero. — É uma história
complicada e eu não quero falar sobre isso.
Ela assente, parecendo entender.
— Eu odeio os homens — fala ao suspirar. — Não todos,
porque tenho dois pais e não posso odiá-los — acrescenta, me
deixando surpreso. Dois pais? Será que é por isso que ela tem a
personalidade tão forte?
— Por que odeia os homens? — Me ouço perguntando.
— Não consegue ver?
Franzo o cenho, sem entender.
— Não consigo ver o quê?
— Meus chifres. — Zomba e leva as mãos até em cima da
cabeça, fazendo um gesto exagerado, como quem quer exibir
alguma coisa. No caso dela, os chifres. — Eu amava o Caleb, mas
ele não me amou de volta. E me traiu. Traiu muito.
— Traidores são os piores.
— Sim, eles são. Por isso, eu odeio você, porque eu odeio
todos os homens — retruca e dá de ombros, me fazendo rir.
— Vai se arrepender de ter me contado isso amanhã — aviso.
Marisol bufa.
— Por quê? Vai espalhar pro navio inteiro que meu namorado
me traiu? Já superei isso, babaca — resmunga, fazendo um bico
bonito.
Rio.
— Não, porque você me odeia. — Lembro e ela assente,
concordando. — Não se preocupe, não gosto muito de você
também.
Marisol revira os olhos de forma dramática.
— Te odeio porque você é um idiota que quase me atropelou.
— Eu estava num dia difícil e você não ajudou com toda
aquela arrogância de estar fazendo uma boa ação. — Contesto. —
E nem te cobrei pelo meu farol quebrado.
— Você acabou com a minha bicicleta. Tá me devendo uma
por falar nisso — rebate ao ficar de joelhos no sofá, em seguida,
vem com tudo para cima de mim, roçando o corpo quente no meu
braço.
Respiro fundo e afasto Marisol, fazendo-a sentar no sofá de
novo, mas ela é mais rápida e volta a ficar próxima de mim. Próxima
de um jeito perigoso e sexy. Marisol não tem noção, ou talvez tenha,
mas está me dando uma visão significativa do decote e eu preciso
de muita força para não ficar olhando.
— O que foi? Não gosta de mulher?
Eu deveria ficar irritado, mas a única coisa que consigo fazer
é rir. A versão bêbada da Marisol é interessante. Ainda é rabugenta,
mas é mais leve e até engraçada, como se a missão de me odiar
não importasse tanto no momento.
— Eu gosto de mulher, Marisol.
Ela assente, mordendo o lábio inferior e semicerrando os
olhos.
— Então, por que vocês não transam logo? — Beatrice
pergunta ao se jogar no meu lado vazio do sofá. Ela também está
muito bêbada. Ananda é a única que consegue andar em uma linha
reta.
— Não vai dar certo. Marisol me odeia — eu digo e depois
fico me perguntando o motivo de querer explicar as coisas para uma
mulher bêbada.
— Vamos transar, é só sexo — Marisol contesta, analisando
minhas expressões. Ela com toda certeza, está MUITO bêbada. Se
ela estivesse um pouquinho sóbria, sem dúvida, não diria isso.
— Pois é, e ela não anda transando muito — Beatrice diz,
apontando para Marisol que concorda com um aceno de cabeça. A
expressão séria ainda me encarando e me dando vontade de rir.
— Acho que tá na hora de encerrar a noite — Ananda fala,
parando de frente para mim ao mesmo tempo em que recolhe as
bolsas das amigas. — Sei que é pedir muito, mas você pode me
ajudar? Não consigo dar conta das duas.
— Não quero ir embora — Marisol retruca, de cara amarrada.
Solto um suspiro longo e assinto. Não tenho escolha a não
ser ajudá-la a levar Marisol e Beatrice para o quarto em segurança.
Mas não foi exatamente para tomar conta delas que eu fiquei aqui,
esperando?
— É o caminho — retruco, fazendo Ananda sorrir agradecida.
Como sou sortudo, Marisol e as amigas estão hospedadas no
mesmo corredor que o meu. Mesmo que eu faça muito esforço, não
tem como evitá-la.
— Obrigada. Nos vemos na suíte, então — dito isso, Ananda
puxa Beatrice pelo braço, que resmunga dizendo que não quer ir
embora. Ela envolve o braço da amiga bêbada no pescoço e
começa a descer do mezanino.
Fico em pé e estendo a mão para Marisol, mas ela nega com
a cabeça. Passo os dedos entre os meus cabelos, implorando por
paciência.
— Vamos, Marisol.
— Quero ficar mais.
— Sozinha? — rebato e ela dá de ombros com desdém. —
Vamos, Ananda e Beatrice já foram.
Para minha surpresa, ela levanta, meio cambaleante, mas em
vez de começar a andar, se inclina sobre a mesa e pega um copo
meio cheio que eu nem tinha reparado e bebe todo o líquido de uma
vez.
— Depois da saideira, eu vou embora.
Com passos tropeçantes, ela caminha na direção das
escadas e eu preciso me apressar para acompanhá-la, caso
contrário, vai rolar escada abaixo. Envolvo a mão na cintura dela e
ajudo-a a descer, antes de chegar no último degrau, Marisol se
afasta de mim para ir rumo ao bar.
No balcão, ela pede outra bebida, mas eu o impeço o barman
de fazer um drink e digo para trazer água com gelo. Ela não percebe
o que eu faço, então quando ele traz um copo de vidro com água e
gelo, a garota fica animada, mas depois do primeiro gole, começa a
xingar o barman.
Puxo Marisol e agradeço ao barman ao mesmo tempo em
que me desculpo. Cambaleando, saímos da boate e eu tenho uma
versão furiosa dela, que está resmungando por ter sido enganada
pelo barman.
É uma verdadeira batalha de paciência conseguir enfiá-la
dentro do elevador e mesmo depois de conseguir fazer isso, não
consigo sentir como se a minha missão estivesse cumprida.
Ela se escora na parede de metal e fica me olhando.
— O que foi?
— Você é bonito — Marisol responde, me fazendo assentir. —
É um babaca, sabe? Mas a beleza não escolhe seus donos.
— Concordo. Você também é bonita e é um porre. E não
estou dizendo isso porque está bêbada — devolvo.
Tropeçando, ela vem até mim e para um passo de distância.
Ergue o queixo e focaliza meus olhos. Marisol bebeu tanto que tem
cheiro de álcool, mas talvez eu esteja ficando doido, porque mesmo
assim, consigo sentir o perfume doce dela.
— Acho que a gente tem que transar.
Franzo o cenho e tento conter o riso.
— Você me odeia.
— E o que isso tem a ver? É sexo. As pessoas dormem com
seus inimigos — alega, cruzando os braços na altura dos seios e me
dando uma visão significativa do decote. Porra. Por que ela tem de
ser tão linda e gostosa?
— Me faça essa proposta quando estiver sóbria, que eu levo
você pra cama sem problemas — é o que digo quando as portas do
elevador se abrem no nosso andar. — É uma pena, mas tenho
quase certeza de que não vai lembrar de nada amanhã.
Ela tropeça para sair do elevador e eu a seguro para que não
caia.
— Chato — resmunga.
— Tá bem, qual o número da sua suíte? — pergunto,
caminhando pelo corredor e praticamente arrastando Marisol. A
única coisa que ela faz é negar com a cabeça, se recusando a dizer
alguma coisa. — Me dê o seu celular — peço, mas me dou conta de
que Ananda tinha pegado as bolsas.
— Vamos transar, Henrique.
Depois de falar, Marisol crava os pés no chão e me puxa pela
barra da blusa, me impedindo de continuar caminhando pelo
corredor.
— Outro dia — respondo.
Marisol nega com a cabeça.
— Agora! Quero transar!
Respiro fundo, impaciente.
— Qual é o número da sua suíte? — pergunto de novo,
olhando os números das portas nos corredores. — Minha suíte é
aquela. — Aponto para uma porta próxima de nós. — Se não me
disser qual é a sua, vou te deixar aqui fora.
— Vamos foder! — ela retruca, alterada e chama atenção de
um casal que passa por nós para entrar no próprio quarto. — Não
sente atração por mim? — questiona.
Fecho os olhos por alguns segundos e deixo os ombros
caírem, estou exausto.
— Hoje não.
Ela faz bico e me puxa pela gola da blusa, aproximando os
nossos rostos. Os olhos marrons dilatados e as bochechas coradas
pertos de mim de um jeito perigoso. Marisol umedece o lábio inferior
e me fez imaginar como seria chupar essa boca carnuda.
— Por que não?
— Você está bêbada.
— Mas eu quero transar com você — retruca, e antes que eu
possa falar alguma coisa, ela se afasta de mim e tampa a boca com
a mão, o que não dura nem três segundos direito. Marisol se inclina
sobre o corpo e vomita no meu sapato. — Desculpe — sussurra,
voltando ao normal e limpando a boca com as costas das mãos.
Olho meu sapato sujo de vômito e enrugo o nariz. Não sei se
fico com nojo ou irritado. Talvez os dois. Não lembro qual foi a última
vez que uma mulher me deu tanto trabalho.
Primeiro dia da minha viagem do cruzeiro e eu já estou
cansado.
— Qual é o número da sua suíte? — pergunto, tentando
conter a irritação na voz. Ela abre a boca para responder, mas
acaba vomitando de novo e só tenho tempo de recuar um passo.
Ótimo!
Se não levar Marisol ao banheiro agora, vai vomitar o
corredor inteiro. Ou pior, vai vomitar em mim de novo. Meto a mão
dentro do bolso e tiro minha carteira, procurando o cartão de bordo.
Quando ela se recompõe de novo, eu a conduzo para a porta da
minha suíte, que por sorte está a uns cincos passos de distância de
nós. Depois de passar o cartão magnético na fechadura eletrônica,
entro com a bêbada.
— Então nós vamos transar — ela diz, parando no meio da
minha suíte enquanto acendo as luzes. — Legal.
Solto uma risada seca.
— Não vou transar com você nem que me implore —
resmungo, fazendo-a virar rápido para mim e me encarar com uma
expressão brava, que no fundo é meio que adorável.
Marisol parece uma criança mimada que está brava por não
ter sobremesa antes do jantar.
Ela teria dito algo, mas tem ânsia de vômito de novo e eu me
apresso para levá-la ao banheiro. Ajudo-a a se ajoelhar em frente ao
vazo sanitário e seguro o seu emaranhado de cabelo enquanto
vomita.
Quase quinze minutos depois, parece que ela já colocou tudo
para fora, então saio de perto e vou pegar uma garrafinha de água
de dentro do frigobar. Ao voltar, noto que ela está descendo as alças
do vestido, mas a impeço que continue.
— O que está fazendo?
— Meu vestido está sujo — murmura, me fazendo suspirar.
— Espere um minuto, ok? — falo e ela fica me encarando de
olhos semicerrados, mas não diz nada. — Um minuto, Marisol. Ok?
— Tá bem, tá bem.
Deixo a garrafinha em cima da pia e caminho até o guarda-
roupa para pegar uma blusa. Sem entrar completamente no
banheiro, entrego a peça de roupa, feliz por ela ter me esperado.
— Vista — é o que digo ao fechar a porta do banheiro e
deixá-la se trocar. Espero do lado de fora como uma sentinela e fico
me perguntando o que fiz para merecer Marisol bêbada, mas lembro
que talvez a culpa seja minha. Afinal, eu a provoquei com aquela
história de que tinha que dançar para mim porque estava pagando
suas bebidas.
Checo as horas no relógio de pulso e noto que já se
passaram quase dez minutos que a deixei com a missão de trocar o
vestido sujo pela blusa. Dou algumas batidas na porta antes de abri-
la e quando faço isso, me deparo com Marisol sentada no chão,
perto no vaso sanitário, dormindo sentada.
— Pelo menos trocou o vestido e tirou os saltos — murmuro.
Aproximo-me dela e fico de joelhos à sua frente, mas antes
que tenha a chance de acordá-la, Marisol abre os olhos.
— Você estava dormindo.
— Não estava — retruca e eu assinto, sem paciência para
entrar em uma discussão com a versão bêbada da Marisol. Ela já é
teimosa sóbria, alcoolizada é mil vezes pior. — Quero escovar os
dentes.
— O quê?
— Não consigo dormir sem escovar os dentes — diz,
piscando devagar e mantendo os olhos fechados por uma fração de
segundo.
— Não foi o que pareceu um minuto atrás — comento e
quase sorrio. Sem conseguir me conter, levo a mão até a mecha de
cabelo que cai sobre o seu rosto e a prendo detrás da sua orelha
pequena.
Ela abre os olhos grandes e fica me encarando de modo tão
intenso, que me faz afastar a mão do seu rosto e ficar em pé para
procurar uma escova de dente. Abro a porta do armário do banheiro
e encontro a necessaire de cor preta que eu trouxe. Puxo o zíper e
pego a escova extra.
— Não quero uma escova de dente usada.
Solto uma risada.
— É nova — digo ao mostrar que a escova ainda está dentro
da embalagem. Revirando os olhos, rasgo a plástico e ligo a torneira
da pia para molhar as cerdas macias, e só depois coloco uma
camada generosa de creme dental e entrego a Marisol.
Sonolenta e ainda sentada no chão, ela enfia a escova dentro
da boca, mas não escova os dentes, pois está quase desmaiando
de sono. Passo as mãos nos meus cabelos e inspiro fundo.
Fecho a tampa do vaso sanitário, envolvo as duas mãos na
cintura de Marisol e a coloco sentada em cima dele. Sei que é inútil,
mas espero para ver se ela vai escovar os dentes, mas isso não
acontece. Então me inclino para frente e resmungado, começo a
escovar seus dentes.
Quando passei de CEO de uma empresa renomada para um
cuidador de bêbados?
Engulo em seco ao notar o ponto brilhante na língua de
Marisol. Ela tem um piercing na língua. Uau. Isso é sexy pra caralho.
Sem me dar conta, imagino o metal gelado passando pelo meu pau
enquanto fodo a sua boca bonita.
Droga.
Preciso parar com isso. Agora.
Depois de fazê-la cuspir a espuma do creme dental na pia,
desenrosco a tampa da garrafinha de água e a faço tomar um gole
para limpar a boca. De dentes escovados e roupa limpa, ajudo
Marisol a sair do banheiro.
— Você vai dormir no sofá — falo e ela assente, mas assim
que a solto, a mulher se joga na minha cama e se acomoda em
cima do travesseiro. Parte da blusa sobe e revela a bunda em
formato de coração usando fio dental branco.
Suspiro e massageio as têmporas.
Desligando as luzes da suíte, volto para o banheiro e lavo o
meu rosto com água fria antes de escovar os dentes, depois troco
as roupas pelo pijama. Em frente à cama de novo, coloco os saltos
de Marisol no chão, meu celular em cima da cômoda e puxo o
edredom para cobrir o rabo bonito dela, e estou pegando um
travesseiro para ir dormir no sofá, quando ela segura meu pulso.
— O que foi agora?
Sonolenta, ela olha para mim.
— Não vai dormir aqui?
— Não, vou ficar com o sofá.
— Por quê? A cama é grande — murmura de um jeito
manhoso e não me solta. Respiro fundo e deixo os ombros caírem.
— Seria interessante se você lembrasse de tudo amanhã.
— Uhum.
Devolvo o travesseiro para a cama e me deito ao lado de
Marisol, que larga meu pulso. Olho-a por uma fração de segundo e
tento me lembrar quando foi que eu dividi a cama com uma mulher
sem ter transado com ela.
É, isso nunca aconteceu antes.
Nunca aconteceu de eu ter cuidado de alguém bêbado que eu
mal conheço também. Nem de ter escovado os dentes de outra
pessoa. Como é que em uma noite ela me fez agir como alguém
totalmente diferente?
Viro-me e dou as costas para Marisol, fechando os olhos com
força para dormir. Ficar tentando entender como ela me fez fazer
tantas coisas pela primeira em uma só noite não vai ajudar em
nada.
Mas preciso confessar que estou meio que aliviado de ela
estar aqui. Outro homem teria se aproveitado da vulnerabilidade de
Marisol e na real, acho que nunca me perdoaria se algo do tipo
acontecesse.
Ela é um pé no saco, rabugenta, bocuda e espantou todas as
oportunidades de foda da minha noite, mas só bebeu muito porque
eu fui um idiota. Mesmo que odeie isso, esta noite, Marisol é minha
responsabilidade.
E cuidar dela é o mínimo que eu posso fazer.
Meu smartphone vibra em cima da cômoda. Estico o braço e
pego o aparelho para conferir as notificações. São mensagens no
WhatsApp e para meu espanto é da Marisol. Quando salvei o
número dela no meu celular?
Rápido, olho para trás e me deparo com ela em um sono
profundo. De cenho franzido, abro as mensagens e leio.
Marisol: Aqui é a Ananda, vocês estão bem?
Marisol: Cuide bem da minha amiga.
Marisol: Antes que fique doido, foi ela quem encontrou seu
celular na semana passada e fui eu quem salvei o número dela nos
seus contatos :P
Henrique: Tudo explicado agora. Estamos bem, mas ela não
quis me dizer o número da suíte. Deu um trabalho do cacete.
Marisol: A culpa é meio sua, né?
Henrique: Eu sei.
Marisol: Já viu o presentinho que deixei na sua galeria de
fotos?
Henrique: Como assim?
Marisol: Boa noite, Henrique.
Não me dou ao trabalho de responder Ananda, vou correndo
igual a um cachorrinho fuçar minha galeria de fotos. E sinto os
lábios esticarem um sorriso ao encontrar fotos de Marisol. Ela está
usando calça jeans escura de cintura alta, uma blusa social de
mangas curtas e salto alto.
A primeira foto é de corpo inteiro, ela está de lado, os cabelos
soltos caindo até metade das costas e ela está olhando para uma
janela. Nessa foto, tenho uma visão significativa da bunda dela, que
fica linda na calça jeans. A outra é ela sentada, compenetrada em
frente ao notebook enquanto digita alguma coisa. E a última é
Marisol olhando para frente, uma sobrancelha erguida e
interrogativa direcionada para quem está segurando o celular. Com
certeza é a Ananda.
Depois de quase dez minutos admirando as fotos, me preparo
para apagá-las, mas no último segundo, hesito e acabo deixando as
fotos de Marisol na minha galeria de fotos. Por quê? Não faço a
mínima ideia e estou com sono demais para refletir sobre isso.
Minha cabeça está me matando...
De olhos fechados, sento na cama e massageio as têmporas,
tentando lembrar do que aconteceu. A última coisa que está clara
nos meus pensamentos é que eu bebi quase um litro de rum.
Alongo o corpo e só então abro os olhos e tomo um susto ao
perceber que a suíte está diferente. Devagar, direciono a atenção
para o lado e solto um palavrão quando vejo um homem deitado de
costas para mim.
Ele solta um gemido e se vira, me dando uma visão
significativa do seu rosto. Quando o reconheço, quero morrer.

¡Dios mío![4]
Não pode ser.
Engulo em seco e tento sair da cama sem ser notada, mas
tomo um susto grande quando ouço a buzina do navio e caio de
bunda no chão, fazendo um estrondo e acordando o meu
companheiro de cama. E então, eu percebo que estou usando uma
blusa branca masculina.
Merda.
Isso não pode ter acontecido de verdade.
Depois de ser acordado com o barulho de fruta madura
caindo no chão, Henrique se arrasta até a beirada da cama e me
olha com cara de sono, mas um sorriso estúpido e arrogante
estampado na cara bonita.
— A gente transou? — pergunto de uma vez, me sentindo
ridícula. Não é possível que eu tenha transado com ele. Tudo bem
que o cara é gostoso, mas é tão metido, que seria a última pessoa
no universo com quem eu faria sexo.
— Você não lembra?
Claro que não, por isso estou perguntando.
Não respondo, apenas me levanto e tento encontrar meu
vestido, mas não o acho em lugar nenhum e como não vou
perguntar nada a ele sobre isso, passo as mãos nos cabelos e me
preparo para ir embora.
— Vai fugir? — ele insiste.
— Olha, cara, ontem à noite foi um erro. Talvez o pior erro da
minha vida — é o que eu digo, dramatizando toda a situação.
— Se você está dizendo. Não foi grande coisa de qualquer
forma.
Respiro fundo.
Se arrependimento matasse, com certeza, eu estaria morta e
enterrada agora. Mas que merda, por que fui beber tanto ontem?
Além de uma puta ressaca, eu transei com o babaca do senhor
engomadinho de terno.
Minha primeira noite no cruzeiro e eu já meti os pés pelas
mãos. Faço uma nota mental de não beber durante os próximos
dias. Não posso arriscar ficar bêbada e ir parar na cama de outro
idiota.
Ou pior.
Ir para a cama do mesmo idiota.
— Você pode me fazer um favor? — pergunto, mas não
espero por respostas. — Vamos fingir que não nos conhecemos.
Giro nos calcanhares e encontro meus sapatos de salto
jogados no chão, perto da cama, mas nada do meu vestido e nem
da bolsa e não me parece que Henrique vai ser um cara legal e me
dizer o que aconteceu com os meus pertences, então, endireito os
ombros e saio da suíte sem olhar para trás.
No corredor, dou de cara com algumas crianças e seus pais,
vestindo roupa de banho e carregando protetor solar. Eles
direcionam olhares julgadores na minha direção e eu noto que a
blusa não cobre quase nada. Mais da metade das minhas coxas
estão expostas.
— O quê? — resmungo para os pais que não param de me
olhar e enrugo o nariz, fazendo careta. Tentando esticar a blusa
para cobrir mais coisas, caminho até a minha cabine, que por uma
coincidência ridícula, fica próxima da suíte de Henrique.
Como vou evitar esse homem se ele é praticamente o meu
vizinho?
Em frente à minha cabine, me dou conta de que não estou
com o cartão de bordo. Na verdade, eu não tenho nada além dos
meus saltos altos. Bato na porta com força e espero. As meninas
demoram mais do que eu gostaria para abrir e quando Ananda faz
isso, eu corro para dentro da suíte, soltando fumaça pelo nariz.
— Ah, oi — ela fala, sonolenta.
Ela não veste as mesmas roupas de ontem, mas o cabelo
está todo bagunçado. Ainda não me olhei no espelho, mas aposto
que estou um caos total.
— Por que me abandonaram ontem?
Ananda cruza os braços na altura dos seios e olha na direção
da cama, onde tem uma Beatrice toda descabelada, de batom
borrado, parecendo uma palhacinha, ainda usando salto alto e
babando enquanto dorme um sono profundo.
— Ela ficou louca, como você. Nós não te abandonamos, eu
pedi ajuda ao Henrique pra trazer você, porque eu só consigo lidar
com uma de cada vez, ainda mais porque eu também não estava
muito sóbria.
Contrariada, deixo os sapatos caírem da minha mão e sento
no sofá, fazendo careta e choramingando. Vejo minha bolsa
amontoada com as das minhas amigas no braço do sofá e solto um
suspiro longo, cheio de arrependimento.
— Eu transei com ele — digo e evito olhar nos olhos da minha
amiga. — Que burrada!
Ananda se joga ao meu lado no sofá, ligeiramente curiosa.
— Tem certeza?
— Certeza se eu transei com ele ou se foi uma burrada? —
rebato.
— Os dois — Ananda diz e ao olhá-la, vejo-a balançando a
cabeça de um lado para o outro. — Você estava praticamente
atacando o Henrique ontem, Marisol. Acho que tem muito tesão
reprimido aí.
Pego a almofada rechonchuda ao meu lado e acerto a cabeça
dela com força, que resmunga um “ai” e depois começa a rir de
mim. E de repente, flashs de ontem vão invadindo meus
pensamentos...
Eu dançando de maneira vergonhosa para o Henrique no
sofá...
Eu falando sobre odiar os homens por causa de Caleb...
Eu pedindo para Henrique foder comigo em alto e bom som...
— Que cara é essa? — Ananda quer saber.
— É pior do que eu pensava — choramingo e levanto,
correndo para o banheiro. Na pia, ligo a torneira e jogo um monte de
água fria no rosto, a fim de acordar desse pesadelo ou perceber que
tudo não passa de um mal-entendido, mas nada acontece.
Olho meu reflexo no espelho e deixo a atenção cair para a
blusa branca que veste meu corpo. Por um momento de demência,
eu cheiro o tecido e odeio o fato de estar tão cheiroso.
Droga.
Ergo os ombros. Tudo bem, eu transei com ele e foi um erro.
Essas coisas acontecem e não adianta chorar pelo leite derramado.
Só preciso me manter longe dele durante a viagem e fingir que a
noite de ontem não aconteceu de verdade.
Eu consigo, certo?
Dia seguinte...
Depois de ter passado o dia de ontem enfurnada na suíte,
sobrevivendo à base de água de coco e analgésicos, as meninas
me convenceram a curtir o dia de hoje aproveitando um pouco de
vitamina D. Antes de nos acomodarmos nas espreguiçadeiras perto
da piscina, tiramos a nossa saída de praia. O local está cheio, rola
música alta e não é nem dez horas da manhã direito, mas já tem um
monte de tiozinho grisalho com cerveja na mão.
Estou passando protetor solar quando o vejo do outro lado da
piscina. Henrique está em pé, debaixo de uma mesa com guarda-
sol, usando blusa cinza e uma bermuda masculina de malha. As
roupas estão secas, mas os cabelos molhados, como se tivesse
acabado de tomar banho.
E ele não está sozinho, do seu lado há uma mulher alta,
exibindo o corpo lindo de modelo de passarela em um maiô sexy.
Os dois estão entrosados em uma conversa animada e ela faz
questão de tocar os bíceps dele sempre que pode.
— Ele é rápido — Beatrice fala, olhando na mesma direção
que eu.
Sei que não temos nada, mas não suporto a ideia de ter sido
apenas mais uma na lista de Henrique, que pelo visto, deve ser
interminável. O que é louco, não é? Não devia me incomodar tanto,
mas infelizmente, mexe com o meu ego.
Passei pouco mais de um ano sem contato com o sexo
masculino e fui para a cama com um babaca rabugento, que quase
me atropelou quando eu estava fazendo uma boa ação e nem se
importou de estar sendo tão idiota comigo.
Talvez eu esteja devastada, louca e com sede de vingança.
Como ele me leva para a cama em um dia e no outro já está
procurando a nova conquista? Quase como se nós mulheres não
fôssemos nada além de um objeto para satisfazer as suas
necessidades.
— Eu conheço essa cara — Ananda diz, chamando minha
atenção. — O que você está pensando em fazer?
— Em infernizar a vida dele — murmuro.
Endireito o chapéu de palha em cima da cabeça, levanto e
visto minha saída de praia. Sem que eu tenha pedido, as meninas
fazem o mesmo e seguem meus passos até o outro lado da piscina,
onde Henrique está com a próxima mulher que ele acha que vai
levar para a cama.
Quem nos nota primeiro é ela e só então ele, que está de
costas, se vira e os olhos azuis encontram os meus por uma fração
de segundo. Ele fica meio confuso de início, mas logo se recompõe.
— O que foi, Marisol? Não consegue mesmo ficar longe de
mim, né? — ele fala, zombeteiro.
Reviro os olhos ao cruzar os braços na altura dos seios e girar
um pouco o corpo para ignorá-lo e fixar minha atenção na mulher ao
seu lado, que é muito bonita, preciso confessar, e parece alguém
com índole boa. Não merece ser apenas mais uma na cama de
Henrique.
— Vou te dar um conselho. Esse aqui... — Aponto para
Henrique, que tem o maxilar contraído. — Não presta. Ele é meu ex-
marido. Nós nos casamos e no dia seguinte eu o peguei na nossa
cama com outra mulher. Você acredita nisso? Nosso casamento não
durou vinte e quatro horas.
— O quê? Você ficou louca? — Henrique questiona, injuriado.
A mulher escancara a boca, horrorizada com o que acabou de
ouvir. Sem dizer nada, ela balança a cabeça com desdém e se
afasta de nós, e só quando está longe o suficiente, eu começo a rir.
Ananda e Beatrice fazem o mesmo, enquanto Henrique me
encara cético.
— Qual é o seu problema? — Ele quer saber.
— Não pode me levar pra cama e no dia seguinte levar outra
— retruco, e só depois de fechar a boca, eu percebo o quanto isso é
ridículo.
O que eu estou fazendo?
— Precisamos esclarecer algumas coisas — Henrique
murmura, dando um passo para frente e me fazendo recuar. — Eu
não te levei pra cama. Não lembra de nada daquela noite?
— Vai querer negar agora?
Ele continua se aproximando de mim até que eu paraliso os
pés e coloco a mão no seu peito ridículo e duro. Se continuarmos
assim, vou cair na piscina. Henrique desce com os olhos na direção
da minha mão e eu a tiro quase que de imediato, engolindo o caroço
na garganta e tentando me recompor.
Não vou ser hipócrita a ponto de mentir, mas desde que
acordei na cama dele, eu venho pensando mais do que gostaria
nesse babaca. Eu tentei me lembrar daquela noite, mas não tive
sucesso.
Infelizmente, a única coisa que eu consegui foi fantasiar a
maldita boca de Henrique no meu pescoço. E eu não sei se são
lembranças ou apenas minha cabeça traiçoeira.
— Não estou negando, na verdade.... — Ele é interrompido
por um homem que passa por nós e esbarra nele sem querer.
Henrique vem com tudo para cima de mim e eu pioro toda a
situação quando tento me agarrar na sua blusa.
Splash!
Acontece tudo tão rápido, que em um segundo estamos na
borda da piscina conversando e no outro, eu estou dentro dela,
engolindo água com Henrique, e minhas amigas rindo do que
acabou de acontecer.
— Sorry, my bad [5] — o gringo fala para nós e Henrique dá
uma resposta amigável, o que me surpreende. Ele é sempre tão
mal-humorado e rabugento.
— Por que parece surpresa?
Suspiro.
— Nada — resmungo, e caminho até a escadinha para sair
da piscina, ignorando minhas sandálias e chapéu de palha que
estão flutuando na água. Paraliso quando ele me chama. — O que
foi?
— Seu chapéu.
Ele gesticula com meu chapéu de palha ensopado e faz uma
careta estranha, e eu começo a rir. Desde que Henrique entrou na
minha vida, eu vivo me metendo em cada situação, como se a
minha vida fosse uma comédia romântica, mas sem romance, só
com as situações de origens duvidosas mesmo.
— Então, você sabe rir?
Fecho a cara em uma expressão séria.
— Não fale como se você fosse a miss simpatia — devolvo,
fazendo Henrique bufar.
— Sol? É você?
Quando ouço a voz masculina, eu congelo e tenho vontade
de afundar na piscina até estar livre dessa situação. Não é possível
que eu esteja presa em uma viagem de cruzeiro com o meu ex-
namorado. Não posso ser tão azarada assim. Ou será que posso? É
claro que eu posso. Às vezes, a minha vida parece uma interminável
maré de má sorte.
Respiro fundo e direciono minha atenção para a voz que eu
amei no passado, e mesmo que meu coração partido tenha se
curado, é duro vê-lo com outra pessoa. Na verdade, é uma barra vê-
lo com a pessoa com quem ele me traiu. Será que ele a trai
também?
Catarina e eu nunca nos demos bem e no fundo, eu tinha
razão de ter um pé atrás com ela, já que estava fodendo com o meu
namorado enquanto eu fazia planos para casar e quem sabe,
construir uma família com o embuste.
— A vida só pode estar de brincadeira comigo — Catarina
fala, levantando os óculos de sol para me observar.
— Olha o jeito que você fala, piranha — Beatrice diz ao se
aproximar com Ananda, e eu quase consigo sorrir. Ela sempre foi
meio esquentada e começou a odiar Caleb depois do meu par de
chifres.
— Ele é o Caleb? — Henrique pergunta e eu lembro da sua
presença. Sem esforço, ele se aproxima de mim, encarando com
desdém meu ex-namorado traidor. — Sério?
— Não quero falar sobre isso — é só o que eu digo.
— Quem é esse cara? — Caleb rebate, o nariz empinado e
tão cheio de marra, que me dá nojo. — O que você está fazendo
aqui, Sol?
— Não é da sua conta — Ananda rebate e minhas amigas
começam a discutir com Caleb e Catarina.
E eu me sinto ridícula por não conseguir me defender. Caleb
sempre fez eu me sentir assim, impotente e odeio tanto isso, que
me deixa quase sem ar. É como se a mulher que eu sou de verdade
se escondesse sempre que esse traidor está por perto.
Foi assim quando ele terminou comigo, não é? Fiquei em
choque, não consegui dizer nenhuma palavra. Não foi muito
diferente quando o peguei com Catarina e descobri que os dois
estavam juntos há dois anos. A merda de dois anos.
— Ei — Henrique me chama e devagar, levanto os olhos para
encará-lo e noto que está muito próximo de mim. Muito próximo
mesmo. — Esquece esse cara. Traidores são os piores.
Sinto as bochechas queimarem de vergonha.
— Eu te contei isso, né? — murmuro.
— Sim.
Eu tinha uma vaga lembrança sobre ter mencionado Caleb
para Henrique na noite do litro de rum, mas não sabia o quanto tinha
contado. E pelo visto, eu contei muito. Que humilhante, na hora eu
devo ter parecido desesperada.
— Isso não combina com você — ele diz, me fazendo unir as
sobrancelhas em confusão.
— O quê?
— Parece que alguém chutou seu cachorro. Essa cara... não
combina com você — provoca e eu giro os olhos, incrédula. — Foi
mal, é que eu só conheço o seu lado agressivo e bêbado — emenda
com um tom zombeteiro.
Eu rio e acabo tendo vontade de me desculpar pelo que
aconteceu antes de cairmos da piscina. Ele é um idiota, mas está
fazendo uma viagem sozinho por algum motivo que não sei e não é
justo acabar com a diversão dele só porque transamos.
Se ele é um cafajeste, o problema não é meu.
— Me desculpe por ter dito que você era meu ex-marido —
digo e mesmo que eu esteja tentando soar séria, começo a rir de
novo. — Desculpe, estou arrependida de verdade. Não serei mais
uma empata na sua vida.
Henrique respira fundo.
— Além de empata trânsito, você é minha empata foda
também — rebate e os lábios esticam em um sorriso maroto.
Estou prestes a abrir a boca para falar alguma coisa, quando
um instrutor pede para sairmos da piscina, porque é proibido entrar
de tênis. Caminho até a escadinha e saio, enquanto Henrique caça
minhas sandálias e chapéu que estavam flutuando na água.
— Obrigada — murmuro e só então noto que minhas amigas
e meu ex-traidor sumiram. — Aproveite a sua viagem, sei lá.
Ele assente e em seguida gesticula com o queixo para a frase
tatuada abaixo da minha barriga. Fiz ela quando completei dezoito
anos. Enchi a cara com Ananda e Beatrice e depois fomos em um
estúdio de tatuagem do pai de um amigo nosso. Foi um dia e tanto.
Encher a cara sempre me fez agir como se o céu fosse o limite.
Pelo menos, disso eu não me arrependi. Já a noite com
Henrique... sim, não é? Eu me arrependi de ter transado com ele?
Sim, claro. Com certeza. Definitivamente, sim. Ou será que não?
— Carpe diem... é sexy — diz, olhando de maneira atrevida
minha barriga exposta. — Tem um piercing aí também... gostei.
Onde mais tem? Além do umbigo e da boca? — acrescenta de um
jeito presunçoso.
Suspiro e seguro a vontade de revirar os olhos.
— Já deve saber que não tenho nenhum piercing íntimo. E
nós podemos fingir que aquela noite nunca aconteceu?
— Por quê? Foi memorável. Pelo menos para mim — retruca,
sorrindo com deboche. — Agora é sério, precisamos conversar
sobre o que aconteceu...
— Foi um erro — digo entre os dentes, interrompendo
Henrique.
— Tem certeza? — ele me provoca, me fazendo respirar
fundo e sem paciência. Jogo as sandálias sem salto no chão e as
calço, em seguida, enfio o chapéu enxarcado em cima da minha
cabeça.
— O navio é grande, vamos fazer o possível pra não nos
esbarrarmos, certo?
Os lábios dele se curvam em um pequeno sorriso.
— Se você não continuar sendo uma empata foda, pra mim já
tá ótimo — contesta, me deixando irritada, mas decido ser superior
e ir embora sem falar nada. O que não dá certo, dou dois passos
para frente e recuo de novo, ficando cara a cara com Henrique, que
tem um sorriso presunçoso estampado no rosto. — Esqueceu algo?
— Sim, isso.
Depois de falar, eu o empurro com tudo para dentro da
piscina de novo e em vez de ele ficar bravo comigo, o babaca
começa a rir e eu acabo rindo também antes de girar nos
calcanhares e ir embora.
Depois do incidente na piscina e o ex-traidor, passei o resto
do dia sem ver Marisol. O que eu deveria achar excelente, certo?
Certo. Mas não é exatamente assim que me sinto. Eu devo estar
louco, mas sinto falta de toda a confusão que ela causa na minha
vida.
Seu nome deveria ser Marisol Confusão em vez de Marisol
García.
Meu celular vibra dentro do bolso, varrendo meus
pensamentos para longe. Quando vejo o nome da minha mãe
saltitando na tela, recuso a ligação. Não quero ter que falar que
estou fugindo da Nissa.
É uma merda, mas não sou exatamente um livro aberto e
quando meu casamento deu errado, não contei a ninguém sobre o
que aconteceu de verdade. Meus pais e irmãos acham que acabou
porque nós dois queríamos coisas diferentes.
Bom, Joaquim sabe a verdade, mas é outra história.
Ainda hoje não sei como fazer isso, ser sincero sobre o ano
do meu divórcio. Mas como eu faria isso? Minha família adora a
Nissa e eu teria que dizer que aquele maldito acidente de carro
acabou com a minha vida, já que além de perder o filho que
ninguém sabia que Nissa carregava no ventre, em vez de superar a
dor da perda juntos, eu caí de cabeça no trabalho e a minha ex foi
procurar consolo nos braços do meu melhor amigo.
Ainda lembro como se fosse ontem, eu cheguei de uma
viagem de negócios mais cedo e peguei Nissa fazendo um boquete
no meu melhor amigo no sofá da sala. Foi tão estranho e eu me
senti um ridículo por não ter notado que ela me traía.
Traidores... são os piores.
Claro que meu humor mudou muito depois da Nissa. Eu já era
um tremendo de um rabugento, mas ficou tudo pior. Não conseguia
mais confiar em ninguém e mesmo depois de tanto tempo, eu fujo
de relacionamentos como o diabo foge da cruz. Não pretendo deixar
outra mulher dominar meu coração e passar por aquela merda de
novo.
E não quero magoar ninguém como ela fez comigo e nem ser
magoado outra vez. Coração partido é ridículo, parece coisa de
adolescente, mas dói igual em todo mundo. Dói pra caralho.
Meu celular vibra de novo, dessa vez é uma mensagem do
Gabriel. Depois de mim, ele é o mais velho.
Gabriel: Socorro, o CEO sumiu.
Gabriel: Sério, aonde você tá? A mamãe tá pirando.
Gabriel: Joaquim comentou sobre a Nissa. Não seja
dramático, Henrique, porque esse sou eu, não você. Dê notícias.
Suspiro e desligo o celular antes de colocar em cima do
balcão do bar. Faz um pouco mais de meia hora que estou aqui,
decidindo para onde ir. Existe tanta coisa para se fazer em uma
viagem de cruzeiro, mas estou sem ânimo para nada.
Talvez amanhã quando pararmos em Búzios, eu procure
Eliza, uma amiga que mora longe, mas sempre que nos vemos
acabamos transando. Preciso descarregar toda a minha frustração
em uma foda.
Eu preciso de sexo. E o fato de me imaginar passando as
mãos pela pele bronzeada e macia de Marisol não tem ajudado.
Muito menos fantasiar aquele metal do piercing da língua dela
tocando a cabeça do meu pau.
— Sozinho?
Ao ouvir a voz feminina que para ao meu lado, levanto as
vistas para observar. É uma mulher bonita. Tem cabelo loiro
comprido e pele clara, olhos verdes e os lábios finos estão pintados
de vermelho. Está usando uma calça jeans justíssima e uma blusa
bem decotada. Ela tem seios grandes, bem grandes, que
dependendo do ângulo que se olha parece uma bunda redonda.
— Sim.
Os lábios se esticam em um sorriso de canto.
— Posso te fazer companhia?
— Claro — dou uma resposta curta.
Ela desliza para a banqueta e apoia o cotovelo no balcão,
sem tirar os olhos curiosos de mim.
— Solteiro?
— E entediado — digo, roubando uma risadinha estridente
dela.
— Qual é o seu nome?
— Henrique, e o seu?
— Vitória.
Finjo um sorriso e assinto. Não estou interessado nela, mas a
mulher é bonita e os seios são tão grandes, que dá até vontade de
meter o pau entre eles e fazer movimentos de dentro e fora. E sei
que se eu quiser, posso fazer isso. Ela está me dando mole, mas
por que não estou me preparando para atacar e levá-la para minha
suíte?
Transar... não é exatamente disso que eu preciso no
momento?
Para minha surpresa, na ponta do bar, vejo Marisol e as
amigas. Elas estão rindo de alguma coisa, mas no momento em que
a minha empata oficial cruza os olhos com os meus, o rosto dela
fica amuado. Os olhos que têm cor de chocolate derretido focalizam
a mulher ao meu lado, depois voltam para mim de novo. Ela não
parece feliz. Por que será? Hoje cedo Marisol disse que não seria
mais uma empata foda.
Droga. Tudo que eu quero no momento é que ela venha até
aqui e empate minha possível foda com a loira de seios grandes.
Que aja daquele jeito irritante e me tire do sério.
O que está acontecendo comigo? Quando exatamente eu
passei de: Marisol é uma insuportável para: quero essa mulher na
minha cama?
Passo os próximos minutos trocando encaradas intensas com
Marisol e respondendo perguntas da Vitória. Ela já começou a tocar
meus braços quando ri, apesar de eu ter certeza que as palavras
que estão saindo da minha boca não sejam engraçadas.
Quando levo o copo de cristal até a boca, noto que está vazio.
Peço outra dose de conhaque ao barman e concordo com algo que
Vitória diz. Ela ri de novo e se continuar assim, daqui para o final da
noite, vou achar que tenho vocação para ser comediante.
Sinto um gosto amargo na garganta ao ver três homens se
aproximarem das garotas. Cada um trata de focar a atenção em
uma delas e Ananda é a primeira a negar com a cabeça e mostrar o
dedo com anel de noivado. Ele parece decepcionado, mas não se
afasta.
Olhando para mim, Marisol conversa com seu pretendente e
isso me deixa furioso. Por quê? Ele é ousado o suficiente para tocar
o ombro nu dela e aproximar seu rosto para lhe dizer algo no pé do
ouvido, em seguida, apoia o corpo no balcão, me impedindo de ver
Marisol.
Bebo o conhaque que o barman serviu de uma vez e jogo
algumas notas de dólares[6] em cima do balcão. Corto Vitória sobre
um assunto que não faço a mínima ideia do que seja e desejo boa
noite antes de deixá-la sozinha.
Confiante, me aproximo das garotas e odeio o fato do homem
que está tentando comer Marisol continuar tocando nela agora.
Dou uma batida forte no ombro dele e quando se vira para
mim, eu digo:
— Vaza daqui.
Ele une as sobrancelhas, confuso.
— O quê?
— Ela não está interessada em você — falo ao apontar para
Marisol, que fica me encarando impassível. — Ela é noiva —
acrescento ao gesticular com a mão na direção de Ananda. — E
ela... — Não sei o que dizer, então fico encarando Beatrice, que
sorri e movimenta os lábios para articular “Não faz o meu tipo.” —
Você não faz o tipo dela.
— Desculpe, garotos. — Ananda zomba e dá de ombros.
Para meu alívio, os três predadores vão embora. Sorrio satisfeito e
me acomodo na banqueta, chamando o barman para me servir mais
uma dose de conhaque.
Agora vou beber com as meninas.
— Passou o dia sumido. O que você fez? — Beatrice quer
saber.
— Trabalho.
Ao ouvir minha resposta, ela torce a boca e o nariz, fazendo
uma careta engraçada.
— Quem faz uma viagem de cruzeiro e passa o dia enfurnado
no quarto trabalhando? — Beatrice questiona.
— Aparentemente, eu.
Ananda suspira e balança a cabeça, como se estivesse com
pena de mim. Eu decido ignorá-las e focar a atenção em Marisol,
que está me encarando com uma ruga fina na testa. Hoje ela está
usando um macacão curto e uma espécie de blusa com mangas
bufantes, mas que deixam os ombros expostos.
Linda.
Gostosa.
Quente.
— Por que desistiu da loira? — ela pergunta ao gesticular
com o queixo na direção de algo atrás de mim. Dou uma olhadela
por cima do ombro e noto que Vitória está no mesmo lugar, olhando
para nós com uma cara de quem comeu e não gostou.
— Por que estava olhando pra mim? — devolvo.
Ela se endireita na banqueta e pisca devagar. Abre a boca
para falar, mas não diz nada e me dá uma visão da bolinha prateada
na língua. Nossa. Qual a sensação de chupar essa língua com
piercing?
— Não sei.
— Sabe sim.
— Henrique! — ela me repreende e eu sinto os cantos da
minha boca se curvarem em um sorriso. — Pode voltar pra sua loira.
Não precisava ter espantado o meu pretendente, não está nos meus
planos ir pra cama com outro babaca.
— É... hum... nós vamos ao banheiro — Beatrice fala e
Ananda fica em pé no mesmo segundo. Marisol faz uma cara de
quem está implorando para não ser deixada para trás, mas as
amigas vão embora sem ela.
O barman serve minha bebida e eu agradeço. Marisol pega a
Margarita que pediu ao se aprumar no balcão e toma um gole
pequeno. Fico contemplando os lábios carnudos por uma fração de
segundo e quando sinto ondas eletrizantes indo na direção do meu
pau, eu desvio os olhos.
— Nós não transamos — falo de uma vez, fazendo suas
sobrancelhas se unirem ao me fitar.
— O quê?
— Parece decepcionada. Por quê? Queria ter transado
comigo?
— Então, a gente não transou? — ela pergunta, decidindo
ignorar o que acabei de dizer.
— Não, embora você tenha insistido. E insistiu muito, Marisol.
As suas bochechas coram e eu sorrio. É bom saber que
posso desestabilizar esse pedaço de mau caminho rabugento e
cheio de curvas deliciosas. Na verdade, quero fazer bem mais do
que apenas desestabilizá-la. Ela e eu não nos damos tão bem, mas
não posso negar a atração e bem, quero muito essa mulher na
minha cama. Fico pensando qual deve ser a sensação de estar
dentro dela ou dessa língua com piercing tocando meu pau e me
dando prazer.
— Mas eu estava usando uma blusa sua naquela manhã.
— Você sujou seu vestido com vômito. Aliás, vomitou no meu
sapato também. Não foi muito bonito de se ver.
Ela enruga o nariz, fazendo careta.
— Desculpa.
— E eu escovei seus dentes, porque segundo você, não
consegue dormir sem escovar os dentes.
Os olhos dela só faltam saltar do rosto com a nova
informação. Marisol passa as mãos nos cabelos longos, fazendo
com que o cheiro de shampoo me atinja como um soco no nariz, e
em seguida, deixa os ombros caírem.
— Tá bom, já entendi, me desculpa. Agora volta pra loira e
me deixa em paz — resmunga.
Bebo um gole de conhaque, sem tirar os olhos dela.
— É isso que você quer? Que eu volte pra Vitória e a leve pro
meu quarto? Ela está doida para que eu faça isso.
Marisol pisca devagar, mas tem a respiração acelerada.
— Não me interessa o que vai fazer com ela.
Ela fica em pé num solavanco, mas a impeço de ir para longe
quando seguro seu pulso. Marisol tem a respiração ofegante e os
olhos estão vidrados em mim, mas não está fazendo esforço para
se soltar e fugir.
Desço com as vistas para as nossas mãos e devagar, faço
círculos com o polegar. Noto os pelos dos seus braços se
arrepiarem com o meu toque. Lentamente, a trago para mais perto e
a encaixo entre as minhas pernas.
Marisol engole em seco.
— O que está fazendo?
— Agora? Nada.
— Eu odeio você, não vai rolar — murmura, os olhos fixados
na minha boca. — Só estando muito bêbada pra transar com você
— emenda, o peito arfando e sinto o seu corpo tremer.
Meu coração fica inquieto dentro do peito. Saber que sou eu
quem a está deixando assim é bom e é tão excitante, que deixa meu
pau pulsando de desejo.
— Também não sou o seu fã... mas você é tão gostosa. Não
podemos fazer um esforço e nos dar bem?
— Não — responde.
— Por quê?
— Porque você é um babaca e quase me atropelou na
semana passada — ela murmura e subo com a mão pelo seu braço
até o ombro nu, depois envolvo no pescoço, os dedos roçando na
nuca.
Ela não recua.
Levo a mão livre até a sua cintura e a trago para mais perto
de um jeito insano. O cheiro floral dela me deixando louco e os seus
lábios carnudos implorando para serem chupados com força.
Aproximo meu rosto e sem dizer nada, cubro a sua boca com
a minha. Ela me quer também, porque não tem resistência da sua
parte, Marisol abre os lábios e a minha língua ávida a invade
procurando pela sua.
Ela solta um gemido gostoso quando aprofundo o beijo e isso
me faz apertá-la contra mim, fazendo-a sentir minha ereção
dolorida. O metal frio do piercing contra o calor da minha língua é
algo surpreendente e muito melhor do que eu imaginava. Meu corpo
inteiro se arrepia ao sentir as mãos de Marisol no meu ombro, me
apertando com força, como se não quisesse desabar.
Chupo o lábio inferior com vontade e ela solta outro gemido
sexy, que me deixa louco de tesão. Se não estivesse em público, eu
não demoraria nada para despi-la e me enfiar entre as suas pernas
para sentir o seu gosto.
— Henrique... — ela murmura ofegante ao se afastar.
Abro meio sorriso ao notar o lábio inferior inchado e vermelho.
Preciso me segurar para não envolver Marisol em outro beijo só
para tê-lo entre os meus dentes e ouvi-la soltar gemidos de rendição
enquanto a minha língua se enrosca na sua.
— Vem cá, linda, eu quero mais.
Ela coloca as mãos espalmadas em cima do meu peito e de
leve, impulsiona para trás, se afastando de mim.
— Eu preciso ir — é o que me diz antes de girar nos
calcanhares e me deixar sozinho e de pau duro.
Cacete.
Eu preciso possuir essa mulher.
Fugir de Henrique se tornou minha missão desde ontem à
noite.
O que foi aquilo? Eu não o suporto, ele é tão babaca,
rabugento, irritante, mas quando me beijou, eu me senti derreter na
sua boca e para o meu bem, eu tive que ir embora. Henrique me
deixou toda molhada só por ter enfiado aquela língua sorrateira
dentro da minha boca.
Por que não consegui resistir? E merda, por que não paro de
pensar nele?
— Pronta? — Ananda fala ao entrar na suíte acompanhada
de Beatrice.
O navio parou no nosso primeiro destino, Búzios, e nós
vamos fazer um mergulho na Ilha da Âncora. Eu tinha acordado
cedo e me arrumado, mas não tive coragem de sair para tomar café
da manhã com as meninas. Não queria estragar minha missão de
continuar fugindo de Henrique. Não sei o que pode acontecer se eu
ficar cara a cara com ele.
— Até quando vai continuar fugindo dele? — Beatrice quer
saber. — O cara te deu um beijo daqueles, por que não aproveita?
Ele é meio idiota, eu sei, mas é gato e gostoso.
É claro que minhas amigas viram o beijo desentupidor de pia
que Henrique me deu. E mesmo que eu quisesse negar, não teria
como. Meu lábio inferior ficou inchado com a intensidade com que
ele chupou.
Nossa. Só de lembrar disso, sinto espasmos percorrerem meu
corpo e se alojando entre as minhas pernas. Respiro fundo. Dios
mío, eu preciso de sexo. De repente, meus paus de silicones não
parecem suficientes ou interessantes.
— Vamos logo. Sair do navio vai me impedir de vê-lo.
Levanto do sofá, o lugar onde fiquei por quase quarenta
minutos esperando as meninas voltarem do café da manhã, e pego
a bolsa, passando a alça pelo braço e colocando um sorriso no rosto
enquanto tento fingir que o coração não bate acelerado igual uma
batedeira planetária.
Minha vida não colabora comigo...
É a primeira coisa que penso ao sair da suíte e dar de cara
com Henrique no corredor estreito. Engulo o coração no meio da
garganta e ergo o queixo, tentando mostrar que a presença dele não
me abala em nada.
— Ei, Henrique, o que vai fazer agora? — Beatrice pergunta,
me olhando de rabo de olho por um milésimo de segundo.
— Tomar café da manhã — ele responde e olha para mim. —
Vão sair do navio?

— Vamos fazer o nosso batismo de mergulho[7] na Ilha da


Âncora — é Ananda quem diz, e eu a odeio por estar falando o que
vamos fazer.
— Sério? Eu sou um mergulhador credenciado — comenta,
me fazendo encará-lo. Por algum motivo, a minha mente viaja e eu
imagino Henrique com roupa de mergulho e na minha cabeça é tão
sexy, que quase me deixa sem ar.
— Quer vir com a gente? — Beatrice convida.
O canto esquerdo da boca dele se repuxa em um sorriso
maroto e ele me encara com uma sobrancelha erguida, esperando
que eu exploda e seja do contra.
— Não acho que Marisol gosta da ideia — ele retruca,
estudando minhas expressões.
— Exatamente. — Eu me ouço falando. — Não queremos
estragar seus planos de tomar café, então tchau e bom dia.
— Ótimo, eu vou — é o que Henrique diz, me fazendo respirar
fundo.
É claro que não quero que ele vá comigo, mas em
contrapartida, imaginar esse homem usando uma roupa apertada de
mergulho que vai marcar os seus músculos me deixa ansiosa e
confusa.
Tentando esconder os sorrisinhos, minhas amigas dão as
costas para nós e vão caminhando na direção do elevador,
enquanto eu não consigo sair do lugar. E pelo visto, nem Henrique.
— E o seu café da manhã?
— Posso comer depois.
Solto um suspiro.
— Para de ficar no meu pé — resmungo, irritada por me sentir
vulnerável e excitada na mesma medida perto dele.
Sem pedir permissão, ele toca o meu cotovelo, enviando uma
onda quente para minha espinha. Quando nota que estou
estremecida, um sorriso arrogante se estampa na cara bonita. Os
cabelos estão molhados e penteados de um jeito despojado e sexy,
a barba ralinha foi recém-feita e tem cheiro de loção pós-barba.

Mierda![8]
Eu quero que ele me beije de novo.
A mão dele vai direto para o meu rosto, o polegar roçando no
maxilar e os restos dos dedos na nuca, me arrepiando e já me
deixando molhada, tensa, com tesão, irritada e querendo mais
dessa intensidade dele.
O polegar roça no meu lábio inferior e um gemido involuntário
escapa da minha boca. Parece que gemer como se fosse uma gata
manhosa é a única coisa que sei fazer quando estou perto de
Henrique.
Ele desce os dedos longos por uma das minhas tranças
boxeadoras sem tirar os olhos da minha boca. Mas para meu
desgosto, nada acontece. O homem me dá uma última encarada
antes de ficar de costas para mim e caminhar na direção do
elevador.
O que foi isso? Ele vai me fazer implorar por um beijo agora?
Que otário. Tá bem, então, senhor engomadinho de terno, vamos
ver até que ponto você consegue resistir sem grudar essa boca
arrogante na minha.
Espera aí, o quê? Marisol, pelo amor de Deus, se
recomponha e mantenha distância de Henrique. Mas mantenha
distância depois, porque agora você vai entrar no elevador
minúsculo e ficar pertinho dele.
Droga.
Oito horas e cinquenta minutos, o barco ancora no ponto de
mergulho na Ilha da Âncora. E mesmo que tenha feito um esforço
danado para não ficar olhando Henrique com roupa de mergulho, foi
difícil, já que ele sentou de frente para mim e de vez em quando
sentia o calor dos olhos azuis queimando minha pele.
O que foi ruim, porque o instrutor de mergulho estava dando a
aula teórica e eu fiquei fazendo perguntas como uma aluna
indisciplinada que não presta atenção direito nas palavras que saem
da boca do professor.
Contando com os dois instrutores e nós, estamos em doze
pessoas. E para o mergulho, nós vamos em duplas. É claro que as
meninas armaram para eu fazer dupla com Henrique e mesmo que
no começo eu tenha tentado ficar chateada, não tive sucesso.
Depois de ajeitar todo o equipamento de mergulho das
minhas amigas, o instrutor pula no mar e as meninas fazem o
mesmo, visivelmente animadas. Henrique que ainda está sentado
de frente para mim, observa as sutis ondas do oceano.
Eu sei que vou me arrepender disso, mas caminho até o
balcão do barco que está com algumas comidas. Pego sanduiche,
banana e uma garrafinha de suco e vou sentar ao lado de Henrique.
Sem dizer nada, entrego o sanduiche e o suco para ele, que fica me
olhando como se fosse impossível uma boa ação sair de mim.
Qual é, quando ele me conheceu eu estava tentando resgatar
um cachorro.
— Obrigado — ele diz, pegando a comida das minhas mãos e
roçando os dedos propositalmente nos meus.
Como minha banana em silêncio e evito olhar para ele. Não
estou confiando muito em mim no momento, ainda mais porque ele
está gato demais e tão cheiroso, que é quase impossível não ficar
secando.
O celular dele começa a tocar e de rabo de olho, noto o nome
“mãe” saltitando na telinha colorida, mas ele recusa a ligação e para
minha surpresa, desliga o aparelho. Não devia me intrometer nos
assuntos dele, mas, às vezes, sou mais curiosa do que inteligente.
— Por que está evitando sua mãe?
Ele me olha.
— Não quero dizer onde estou ou o que estou fazendo.
Simples assim.
Bufo.
— Que amargo.
— É mais do que isso.
— É o que, então? — Arrisco, erguendo as sobrancelhas e
algo passa pela minha cabeça. Vou provocá-lo. Claro que o melhor
é não fazer isso, mas eu disse que às vezes minha curiosidade
ultrapassa a inteligência. — Eu te dou um beijo se responder.
Ele solta uma risada, que me faz rir também.
— Um beijo pra cada resposta?
Assinto, sem ter certeza.
— Mas não aqui — falo rápido e ele parece decepcionado,
mas concorda com um aceno de cabeça também. — Então, temos
um trato?
Onde eu estou me metendo? Não faço ideia, mas não quero
voltar atrás.
— Temos um trato.
Sorrio e estendo a mão livre para o cumprimento, o que rouba
outra risada dele e faz meu coração acelerar. Tento ignorar esse
sentimento e me concentro nas perguntas que farei para Henrique.
Tenho quarenta minutos até as meninas voltarem, depois disso, é a
nossa vez de mergulhar.
— Por que está viajando sozinho?
Ele abre um sorriso maroto.
— Já te respondi isso, mas você estava bêbada demais para
lembrar.
— Ah — murmuro.
— Estou fugindo da minha ex.
— Por quê?
— Se eu responder essa serão dois beijos. — Lembra e eu
reviro os olhos, mas o incentivo a continuar. — Eu fui casado,
aconteceu um monte de merda no meu relacionamento, ela me traiu
e terminamos.
Engulo em seco, sem saber o que dizer. Não esperava por
esse tipo de resposta. Ele já foi casado? Uau. Isso é algo que não
imaginava. Henrique tem uma cara de que não pode ver um rabo de
saia.
— Sinto muito — digo, por fim.
— Já passou.
— Por que não atende sua mãe?
Ele respira fundo e desenrosca a tampa da garrafinha para
beber um gole de suco de laranja. Em seguida, torna a me encarar e
algo no olhar dele me faz sorrir. Droga. Eu me sinto uma idiota.
— Ela não sabe o que minha ex fez e não quero ter que falar
o porquê eu simplesmente sumi.
Assinto.
— O que você faz?
— Está contando?
Reviro os olhos.
— Sim — retruco, mal-humorada.
— Sou CEO da Renova Dupont, uma empresa que faz
produtos de beleza. Talvez você já tenha usado algum dos meus
produtos. A marca é bem famosa no sul.
Semicerro os olhos por alguns segundos, fingindo refletir.
— Talvez sim.
— Mais alguma pergunta?
— Há quanto tempo está divorciado? — pergunto antes que
meu cérebro filtre as palavras. Não era exatamente isso que eu
estava planejando falar, mas agora, estou curiosa demais para
saber a resposta.
— Três anos.
— Hum, já faz um tempinho.
— Me deve cinco beijos — é o que ele diz, me fazendo
desviar os olhos por alguns instantes. — Vou cobrar.
A fim surpreendê-lo, me inclino para frente e aproximo meu
rosto do seu, sem aviso prévio, dou cinco selinhos rápidos e depois
me afasto para voltar a comer minha banana.
Henrique enruga a testa e torce a boca.
— Pronto.
— Nem pense que isso pagou alguma coisa — retruca,
carrancudo. — Sou um homem de negócios e conheço os meus
direitos.
Ao ouvi-lo, começo a rir.
— Conversamos depois sobre os seus direitos — cantarolo e
saio de perto de Henrique, indo sentar no meu lugar de antes, de
frente para ele.
Sem conseguir me conter, levanto o rosto e o encaro. Ele tem
os olhos predadores em cima de mim e parece estar meio bravo,
daquele tipo que pode me agarrar aqui mesmo e me dar um beijo
selvagem que vai me fazer derreter em seus braços.
Henrique segura a minha câmera aquática para que eu me
concentre no mergulho. Eu não sabia que ele podia ser tão fofo e
gentil, mas gostei dessa versão. Depois de arrumarmos o
equipamento, pulamos no mar de água cristalina azul antes do
instrutor.
Os quarenta minutos parecem pouco para aproveitar o
momento debaixo da água, que gira em torno de quase quinze
metros de profundidade. Apesar de ser a primeira vez aqui, eu sinto
que a Ilha da Âncora é um lugar que nunca deixa de surpreender.
Nós nadamos acima dos recifes de corais e fomos deslizando
através dos cardumes tropicais e coloridos. Mesmo sem conseguir
falar, Henrique me encoraja a explorar uma pequena caverna e vem
junto comigo. O instrutor não parece satisfeito com a ousadia dele,
mas na verdade, eu estou gostando. Depois nós vamos admirar as
grandes tartarugas verdes e os corais moles.
Quando o nosso mergulho acaba e voltamos à superfície, o
instrutor dá um sermão sobre não seguir os seus comandos e se
aventurar pela caverna pequena. As palavras dele entram em um
ouvido de Henrique e saem pelo outro. Com certeza, esse CEO não
faz o tipo que recebe ordens. Muito pelo contrário.
Tiramos as nadadeiras enquanto o instrutor se prepara para
levar a próxima dupla para o mergulho. Henrique me entrega a
câmera aquática e eu agradeço por ter filmado o nosso passeio
debaixo d’água.
Minhas amigas se aproximam de nós.
— O que os pombinhos aprontaram? — Beatrice quer saber.
Ela tem um sorrisinho travesso desenhado no rosto.
— Nada, só Henrique arriscando minha vida no fundo do mar
— zombo.
— Não é pra tanto. O instrutor que é chato demais — ele
retruca, a cara toda amarrada, mas que é tão linda também.
— É o trabalho dele.
Ao me ouvir, Henrique suspira e ergue uma sobrancelha
grossa para mim, como quem pergunta se vou continuar querendo
discutir com ele sobre isso ou quem diz “não aja como se não
tivesse se divertido lá embaixo”.
— Mas foi incrível também, graças a você. Obrigada —
admito, fazendo um sorriso debochado esticar a sua boca atrevida.
— Vamos almoçar depois daqui? Tem um restaurante na praia
que parece incrível. O que me dizem? — Ananda pergunta,
sugestiva.
De rabo de olho, observo Henrique, esperando que ele se
manifeste sobre a proposta de Ananda. Eu sei, ele é irritante, mas
estou descobrindo que é bom também passar o tempo ao lado dele
quando não está sendo um babaca de terno e gravata.
— Vai te irritar muito se eu for com vocês? — ele questiona,
no pé do meu ouvido. A voz quente e grossa leva uma onda
fenomenal para o meio entre as minhas pernas e sinto o coração
dar um salto duplo dentro do peito.
— Sim — é o que eu respondo, só porque sei que ele adora
me contrariar.
— Então, eu vou.
Mordo o lábio inferior para esconder o sorriso.
Pai: Onde você está? Henrique, não pode simplesmente
sumir desse jeito. Você é um homem de negócios, tem
responsabilidades.
Pai: E sua mãe está pirando.
Pai: Volte para casa, ela ameaçou ir à polícia dizer que você
desapareceu ou foi sequestrado. Ainda não sei qual dos dois.
Mãe: Espero que seu pai tenha conversado com você. Não
estou brincando, Henrique. Quero meu filho de volta. Onde você
está?
Penso em digitar alguma mensagem para acalmar os ânimos
da minha mãe, mas eu a conheço bem e sei que não vai acreditar
se eu disser que simplesmente decidi tirar uns dias de férias. E
então, vou ter que entrar no assunto que estou fugindo.
Minha mãe sempre gostou da Nissa, a viu crescer e a tratou
como se fosse uma filha. Não quero ter que partir o seu coração
com os problemas fodidos do meu casamento fracassado. Não
quero ver minha mãe sofrer por causa disso também.
De nada adianta ficar ruminando o passado. Isso só nos deixa
mais quebrados e eu estou cansado de me sentir assim. Mesmo
que eu não sinta nada pela minha ex-mulher, às vezes parece que
meu coração ainda está despedaçado.
Talvez seja pelo filho que eu perdi e não pude fazer nada para
salvá-lo. Quando soube que Nissa tinha perdido o bebê que eu nem
sabia que esperava foi como um soco na boca do estômago. Eu
chorei tanto pela morte de alguém que eu nem sabia que existia,
mas foi assim que eu descobri que eu já o amava, mesmo sem
saber da sua existência.
Deprimido, estressado, começo a responder meus e-mails e
mando uma mensagem para Heloísa. Ela está fazendo um ótimo
trabalho em não dizer nada para minha família e isso é bom.
Vou voltar para casa e quando isso acontecer, invento uma
desculpa que convença todo mundo. E claro, preciso arrumar um
jeito de me livrar de Nissa. Não quero conversar ou olhar na cara
dela, mas preciso resolver essa situação.
— Ui, tão sério.
Ao ouvir as palavras, levanto as vistas e me deparo com
Beatrice. Ela está segurando um prato com frutas e um sanduíche
natural. Sem pedir permissão, coloca em cima da mesa onde estou
e abre um sorriso para mim.
Ainda não são oito horas da manhã, mas já estou aqui no
restaurante desde as cinco. Precisava trabalhar e ocupar a cabeça.
Desde o mergulho na Ilha da Âncora e o almoço com as garotas, eu
passei o resto do dia de ontem sem vê-las.
E eu me peguei tantas vezes pensando em Marisol que fiquei
meio que de mau humor. Eu a conheço há pouco tempo, mas
parece que ela resolveu tomar conta dos meus pensamentos e só
consigo pensar nela. Nela todinha e naquela boca insolente, nos
olhos de chocolate que parecem sempre me julgar.
— Vou buscar um suco. Quer um café? — Beatrice pergunta,
apontando para minha xícara vazia em cima da mesa.
— Sim, obrigado.
— Com açúcar ou sem?
— Café com leite e com bastante açúcar — respondo e ela
me olha de um jeito esquisito. — O que foi?
— É que você tem cara de quem gosta de café preto e sem
açúcar, mas surpreendentemente, gosta de café com leite e
bastante açúcar.
Sem esperar que eu diga alguma coisa, ela gira nos
calcanhares e vai buscar o seu suco e o meu café. Um minuto
depois, Beatrice está de volta e eu agradeço a gentileza. Tomo um
gole generoso da minha bebida quente e pondero se devo perguntar
sobre Marisol.
— Ela está dormindo. Ananda também — responde, como se
tivesse lido meus pensamentos. — Acordei cedo porque precisava ir
à academia.
— Ah.
— E você? Por que já está acordado?
— Trabalho.
Para minha surpresa, ela passa os próximos minutos em
silêncio, aproveitando o seu café da manhã e eu foco no meu
trabalho. Na verdade, no que posso fazer estando longe do
escritório.
Foi uma loucura ter cancelado minha agenda sem mais e nem
menos e ter entrado em um navio para uma viagem de cruzeiro,
mas até que estou gostando, mesmo que minha caixa de e-mail
esteja sempre lotada.
— Posso falar com você? — Beatrice indaga depois de ter
comido o último morango do seu prato.
Paro de digitar o e-mail para um dos meus fornecedores e
levanto os olhos para prestar atenção em Beatrice. É a primeira vez
que a vejo séria. Ela é sempre muito sorridente e zombeteira, mas
não parece que vai me contar uma piada e me fazer rir.
— Sim.
Ela apoia os cotovelos em cima da mesa e olha dentro dos
meus olhos, me fazendo sentir estranho.
— A Sol é difícil às vezes, meio casca grossa, mas ela é uma
boa pessoa. Eu não devia estar te contando isso, mas ela já foi
muito machucada. Sem entrar em muitos detalhes, a mãe morreu
quando ela era novinha, sofreu na escola por ter pais gays e teve o
cretino do Caleb. Por isso que ela não merece ter o coração partido
de novo.
Fecho o notebook e solto uma lufada de ar.
— O que está tentando dizer?
— Pra você ter cuidado e não brincar com a minha amiga. —
Abre meio sorriso. — Eu sou a maior incentivadora do sexo sem
compromisso e nossa, eu queria que ela se soltasse e fizesse uma
loucura dessas, no entanto, eu vejo como ela fica perto de você e
não quero ver a Sol sofrendo de novo.
Assinto.
— Então, você é aquele amigo que vai quebrar minha cara se
eu fizer sua amiga sofrer?
— Eu sou a amiga que vai cortar suas bolas se isso acontecer
— retruca e me dá uma piscadela. — Não estou querendo te
espantar, mas se você quer apenas uma noite de sexo selvagem,
seja sincero com ela.
Assinto mais uma vez, ciente de que vai ser impossível
chegar na Marisol e falar que quero sexo sem compromisso. Ela me
daria um tapa na cara e me mandaria ficar longe dela. Uma noite de
sexo com ela? Claro que eu quero, mas porque parece tão errado
pensar assim? Como se não fosse certo ser apenas isso entre nós.
E eu sinto que não é.
Tudo isso é uma loucura. Eu não sei muita coisa sobre ela,
mas se fosse apenas uma trepada, eu já teria uma mulher diferente
na minha cama toda noite até chegar a vez de ser Marisol. Mas
acontece que desde que ela esbarrou em mim no corredor desse
navio, as coisas mudaram sem eu me dar conta.
E agora não consigo tirar Marisol da cabeça.
Não sei exatamente o que eu quero com ela, mas parte de
mim sabe que é mais do apenas uma foda.
— Eu gosto das minhas bolas, então tomarei cuidado — é o
que digo, arrebatando uma risada de Beatrice, que fica em pé e
segura a bandeja vazia de café da manhã.
— Ótimo. Nos vemos por aí, Henrique.

Eu tinha parado de contar, mas já foram muitas notas de


dólares engolidas pela máquina de caça-níquel e ainda não tinha
ganhado nada em troca. Ou o cassino foi algo feito para ser perder
muito dinheiro ou eu sou azarado pra caralho.
Talvez seja um pouco dos dois.
Foi uma péssima ideia seguir o conselho que Heloísa me deu
há duas horas sobre ir me divertir no cassino. Todo dia ela fala
comigo, checando se estou aproveitando a viagem, e acaba me
atualizando das coisas na empresa e da minha família. Segundo
minha secretária, Joaquim tinha revirado meu escritório atrás de
alguma pista que indicasse onde eu estou.
Mas agora, estou aqui no cassino, não ganhei nenhum
centavo, mas não consigo parar de desperdiçar dinheiro.
Cansado e vários dólares perdidos depois, desisto do caça-
níquel e me aproximo de uma mesa com roleta. Tem pelo menos
meia dúzia de pessoas e estou cogitando a possiblidade de arriscar
mais dinheiro para nada quando reconheço Caleb.
Eu não gosto desse cara. Não só porque ele é um imbecil,
mas porque odeio traidores. E só de imaginar o quanto ele fez
Marisol sofrer, o meu lado protetor atiça em um nível absurdo e
tenho vontade de quebrar o nariz dele sem mais e nem menos.
— Eu conheço você — ele fala ao me ver parar perto da
roleta. Eu devia dar meia volta e ir embora, certo? Certo. Porém,
não é exatamente isso que eu quero fazer.
— Não conhece, você me viu por aí. Existe uma grande
diferença entre essas duas coisas.
Caleb suspira, enruga a boca e o nariz ao contrair o músculo
da mandíbula. Ótimo! Ele não gosta de mim e nem eu dele. Talvez
eu deva abrir uma garrafa de champanhe para comemorar.
— Qual é a tua com a Sol?
Não gosto de assumir esse fato sobre mim, mas eu sou
ciumento e ouvi-lo chamá-la de “Sol” mexe com comigo e me faz
querer responder com um soco certeiro no seu queixo. Marisol não
é minha, mas também não é dele, então por que esse imbecil ainda
continua agindo como se fosse?
Para piorar a situação, as pessoas ao redor da mesa chamam
a atenção de Caleb porque ele acabou de ganhar a aposta. Não
devia, mas fico puto. Entrei nessa merda de cassino há quase duas
horas e não ganhei nada. Além de traidor, esse monte de merda é
sortudo? A vida não é justa.
Ele se vira para pegar as fichas e três segundos depois,
retorna a atenção para mim.
— Não respondeu minha pergunta. O que você é da Sol?
— Para de chamá-la assim. É Marisol pra você.
Caleb bufa, debochado.
— Eu a conheço desde o ensino médio e vou chamá-la do
que eu quiser — retruca, um sorriso desdenhoso tomando conta do
seu rosto, que está por um triz de ser arrebentado por mim. — Fica
longe dela.
Rio seco antes de retrucar.
— Como é que é?
Caleb parece ter se dado conta do que acabou de dizer,
porque parece meio confuso. Ele abre a boca, mas não diz nada. Só
o que me falta é ele perceber que fez merda e agora a quer de volta.
Droga. É isso, não é? É claro que sim.
É como eu vivo dizendo... traidores são sempre os piores.
— Não vou te dar satisfação sobre o que nós temos ou que
somos, mas vou avisar só uma vez... é melhor você ficar longe dela,
seu traidor de merda.
Nós não somos nada, mas ele não precisa saber desse
detalhe importante.
Ele estreita os olhos para mim.
— O que disse?
— Traidor de merda — repito.
Caleb vem para cima de mim e me segura pela gola da
camisa, fazendo o dealer[9] ficar em prontidão para separar uma
possível briga. Com força, retiro as mãos sujas dele de mim e o
empurro para trás. Ele cambaleia, mas infelizmente, não cai no
chão.
Antes que ele possa se recompor para tentar me acertar um
soco, uma mulher se aproxima dele e pergunta o que está
acontecendo. Não sei o seu nome, mas a reconheço do dia do
incidente na piscina e pelo jeito que o está tocando, sei que são um
casal. O que me irrita mais ainda. Ele tem alguém e vem me mandar
ficar longe da Marisol?
Eu nunca me considerei um bom exemplo de irmão mais
velho ou um apaziguador. Fui aquele tipo que ensinou os mais
novos a se defenderem e atacarem para não levarem desaforo para
casa ou um soco na cara. Quando tinha dezesseis anos, quebrei o
nariz de um moleque de quinze, por ter zombado de Joaquim na
escola.
E é por isso que eu me aproximo de Caleb e lhe acerto um
soco no queixo. Não vou mentir e falar que isso não me fez sentir
melhor, porque fez e muito. E eu teria acertado mais um golpe
certeiro na sua cara feia, se não fosse Marisol me impedindo de
continuar.
A programação da nossa noite é cassino e karaokê, talvez
ainda dê para ver uma comédia stand-up depois da meia-noite.
Gastamos algumas notas no cassino, mas além de azarada
no amor, sou no jogo também. Ananda não é muito diferente de
mim, já Beatrice consegue ganhar alguma coisa. Estamos zanzando
pelo lugar, na tentativa de encontrar outro jogo para gastar dinheiro,
quando nos deparamos com Henrique e Caleb.
Os dois parecem dois galos de briga e meu ex está
segurando Henrique pela gola da camisa, mas é empurrado para
trás com força. Catarina se aproxima e acontece tudo num piscar de
olhos.
Henrique acerta um soco no rosto de Caleb.
As meninas e eu corremos para perto deles, e eu seguro o
braço do esquentadinho, o impedindo de continuar brigando. Não
que me importe com meu ex, mas também não quero que os dois
saiam rolando aos socos pelo navio.
— Ei, fica calmo.
Ele prende os olhos aos meus ao me ouvir e teria dito alguma
coisa, se não fosse cortado por Catarina.
— É melhor pedir pro seu namorado ficar longe do meu — ela
resmunga, fazendo Caleb ficar irritado e se soltar dos braços dela
com certa brutalidade e se afastar de nós segurando o queixo.
Quando vejo um dos seguranças do cassino se aproximando
de nós, puxo Henrique pelo pulso e nós atravessamos o lugar,
sendo seguidos pelas minhas amigas. Só paro de andar e o solto
quando entramos em um bar todo colorido.
Ele se acomoda na banqueta e eu faço o mesmo, mas as
meninas ficam em pé, analisando Henrique e tentando entender o
que acabou de acontecer. Confesso que estou morrendo de
curiosidade para saber o motivo de eles estarem se bicando, mas
por alguma razão, não me sinto corajosa para perguntar.
Graças a Deus, Beatrice é uma desbocada, então ela é a
primeira a questionar.
— O que aconteceu lá?
— Por que estavam brigando? — Ananda também quer
saber.
Para meu desgosto, ele ignora as perguntas das minhas
amigas e pede uma dose de uísque sem gelo para o barman e
quando é servido, toma a bebida de uma vez. Depois, pede outra e
só então começa a falar, mas infelizmente, não é muito.
— Longa história.
— Sei.
Beatrice rosna e cruza os braços na altura dos seios ao
erguer uma sobrancelha interrogativa, mas Henrique não parece se
abalar com isso. Contrariada, ela vem se acomodar ao meu lado e
Ananda ocupa o seu lugar, enquanto eu fico encarando Henrique e
tentando entender o que aconteceu.
— Por que tá me olhando assim?
Reviro os olhos.
— Nada.
— Tá fugindo de mim? Não te vejo desde ontem.
Desvio a atenção dele e chamo o barman para pedir cerveja.
Não quero ter que responder, porque é óbvio que sim. Ainda não
entendo como a nossa relação passou de cão e gato para: eu vou te
dar um beijo para cada pergunta que você me responder.
Henrique é tão intenso, que é fácil me perder nele e esquecer
que não posso ficar assim por um cara de novo. E o fato de ele me
fazer esquecer o motivo por eu estar solteira há pouco mais de um
ano me assusta muito.
— Olha pra mim, Marisol.
Não sei se ele está pedindo ou mandando, mas a voz me
atinge com uma onda de calor que atravessa meu corpo e arrepia
os pelinhos do meu braço e decide se acomodar entre as minhas
pernas.
Bebo um gole pequeno de cerveja, na tentativa inútil de me
refrescar e só então, bem devagar, levo os olhos até ele. Droga. O
homem é tão lindo e intenso, que só de encará-lo assim, eu sei que
ele faz o tipo de quem vai me matar de prazer se eu pedir.
E faz tanto tempo que um homem não me deixa assim,
estremecida, abalada, inquieta. E é por isso também que estou
fugindo, se ficar muito perto vou me entregar de corpo e alma.
E não posso fazer isso.
— Não estou fugindo.
— Mentirosa.
— Por que estava brigando com Caleb? — pergunto antes
que o cérebro filtre as palavras.
— Vai me dar um beijo se eu responder?
Como em modo automático, minhas vistas caem até os lábios
dele e eu fico com água na boca. Dios mío! Por que fui inventar
esse negócio de um beijo por resposta? Henrique parece uma
criança cobrando presente de Natal, e mesmo fugindo dele, eu
quero ser aquela que vai fazer o que ele quer.
— Vamos lá pra sala de karaokê, eu paguei caro por ela —
Ananda fala ao descer da banqueta e parar perto de nós. — Quer vir
também? Tem um minibar lá dentro, mas bebida alcoólica não está
inclusa — fala para Henrique, que olha para mim, mas eu desvio e
fixo a atenção na minha amiga.
— Parece que tá me chamando só pra bancar as bebidas de
vocês — ele retruca, debochado.
— Também — Ananda responde, rindo.
Elas vão na frente e eu abro minha bolsa para pagar minha
cerveja, mas Henrique é mais rápido e faz isso por mim e me dá
uma piscadinha, que quase me arrebata um sorriso.
— Obrigada, não precisava.
Nós rumamos na direção da saída do bar, caminhando lado a
lado, nossos passos sincronizados com as batidas desenfreadas do
meu coração.
— E sua dívida só aumenta comigo.
Paro de caminhar.
— Eu já paguei minha dívida. Te dei cinco beijos ontem —
rebato, ficando de frente para ele e quando o noto cortando a nossa
distância e ficando tão perto, que me deixa embriagada com o seu
cheiro de loção pós-barba, eu sei que foi uma péssima ideia
paralisar meus passos. — Não estou devendo nada — emendo com
um sussurro.
Sem aviso prévio, ele enfia a mão no meu cabelo e eu deixo
escapar um gemido involuntário, que parece ser suficiente para
Henrique tomar mais uma iniciativa e romper toda a distância que
separa nossos rostos. A outra mão vai na minha cintura e ele gruda
a boca na minha, mergulhando a língua em mim.
Demoro um segundo para entender o que acabou de
acontecer, mas assim que compreendo, sinto meu corpo queimar
como se estivesse ardendo no inferno e é tão bom, que deveria ser
um atentado ao pudor.
Mesmo que eu queira resistir, não consigo. Quando sua
língua encontra a minha de uma maneira necessitada e sedenta, eu
levo as mãos até os cabelos de Henrique e puxo com força, me
entregando ao beijo feroz.
Ele rosna na minha boca e a mão que antes estava na minha
cintura, vai descendo até a minha bunda, que ele aperta com
vontade e eu sinto a parte mais sensível do meu corpo pingando por
causa da excitação.
Ainda aos beijos, Henrique me faz recuar e me encosta em
algo duro, que deve ser uma parede ou uma coluna, não sei. E
estou ocupada demais para me preocupar com isso ou se estamos
sendo indecentes em público.
Henrique pressiona o próprio quadril contra mim e eu sinto o
quanto ele está duro. Ai, nossa. É tão bom senti-lo assim, que acho
que estou a um triz de perder as estribeiras e me entregar a um
sexo selvagem aqui mesmo.
Quando um gringo grita para procurarmos um quarto,
Henrique afasta o rosto de mim, mas ainda impõe a ereção contra a
minha barriga. Em meio à pouca luz, os olhos claros encontram os
meus e noto que estou ofegante.
— Agora você me deve quatro beijos — murmura, o polegar
roçando no meu lábio inferior e me deixando ainda mais
estremecida.
Meu mecanismo de defesa acorda de repente e quando me
dou conta, já dei uma bofetada no rosto de Henrique, que contrai o
maxilar, mas não parece nem um pouco menos excitado.
— O que foi isso?
— Quem você pensa que é pra sair me beijando desse jeito?
— é o que resmungo ao girar nos calcanhares e sair do bar.
Apreensiva, lambo os lábios e sinto o gosto de metal, com certeza
consequência do beijo selvagem.
Pra falar a verdade, dizer que estávamos nos beijando é
muito suave. Aquilo foi mais que um beijo. Foi um ato animalesco,
que infelizmente, eu gostei muito.
A sala de karaokê não é grande, mas acomodaria fácil umas
dez pessoas. No minipalco de frente para o sofá de couro e mesa
com tampa de vidro, Ananda e Beatrice já tinham subido três vezes
para cantar. Agora, as duas dividem estrofes de “Girl From Rio” da
Anitta, enquanto eu estou no balcão do bar, bebericando minha
terceira cerveja e fingindo que Henrique não existe. Ou tentando. O
que é difícil, ele não tira os olhos de mim.
E para piorar toda a situação, ele se aproxima do bar,
segurando o copo de cristal com uma bebida cara e me olhando
com um sorriso malicioso desenhado no rosto.
— Melhor parar de beber antes que você fique alcoolizada
demais e me peça pra te comer — ele fala sem vergonha nenhuma
na cara.
Dios mío, a mesma vontade que tenho de beijar essa boca
bonita, eu tenho de acertar outra bofetada.
Já que ele está cutucando a onça com vara curta, vou
provocar também.
— É, só estando muito bêbada mesmo pra dar pra você.
Ele solta uma risada gostosa.
— Não foi o que pareceu meia hora atrás.
Respiro fundo e olho para ele, tentando transparecer todo o
meu desgosto por ficar excitada com as coisas que ele diz ou faz.
Claro que não dá certo, ele está sorrindo igual uma criança que
ganhou doce antes do jantar. Na verdade, ele vem sorrindo muito
ultimamente, não parece em nada com aquele babaca de terno e
gravata dirigindo sua BMW pelas ruas de Florianópolis.
— Quando foi que as coisas mudaram tanto entre nós?
— Acho que foi naquela noite em que você ficou bêbada e eu
escovei os seus dentes — fala, me deixando sem jeito.
— Não tá a fim de mim de verdade, Henrique. Eu não faço o
seu tipo.
Por que eu disse isso? Não faço a mínima ideia, mas quando
olho para ele, o vejo com uma mulher como Ananda, magrinha,
cabelo loiro e olhos claros. Não com uma garota com descendência
espanhola de bunda grande, lábios muitos carnudos e pele morena.
Os olhos de Henrique recaem sobre o meu corpo. Começam
inspecionando o meu colo, depois vão descendo até o meu decote
em forma de coração e mais ainda até chegarem nas minhas coxas
expostas. A minha pele queima como brasa e fico irritada comigo
mesma por não controlar meu corpo traiçoeiro, que parece implorar
para ser tocado por Henrique.
— Para de me olhar assim.
— Assim como?
— Como se estivesse me despindo.
A boca dele se curva em um sorriso e eu sei que estou
perdida, porque sinto vontade de beijá-lo de novo. Merda. Quero
que ele me beije daquele jeito de novo, que roce a ereção contra
mim e me deixe molhada mais uma vez.
Eu preciso de sexo...
Pego a minha cerveja e bebo todo o líquido de uma vez, na
tentativa inútil de me recompor. O que nem de longe vai acontecer
enquanto Henrique estiver por perto.
Ele tateia o bolso da calça jeans até encontrar o celular e eu
noto o quanto está lindo hoje. Henrique usa uma blusa branca,
jaqueta de couro por cima e calça jeans combinado com o All Star.
Ele facilmente combina com o estilo homem de negócios
arrogante/gostoso e o modelo lindo/sexy.
Meu aparelho vibra dentro da bolsa, espantando meus
pensamentos. Apanho o celular e me deparo com uma notificação
de mensagem no WhatsApp.
Henrique: Você não quer que eu pare.
— Como você conseguiu o meu número? — questiono sem
olhá-lo. Eu tinha salvado o seu número no meu aparelho, mas
nunca mandei mensagem para ele.
Deslizo o dedo sobre a tela, descobrindo que Ananda e ele
andaram conversando no dia em que fiquei bêbada, e que foi ela
quem mandou mensagem para ele primeiro. Estava tão ocupada
com tudo que aconteceu nos últimos dias, que não respondi
nenhuma das mensagens dos meus pais.
Dios mío, eles devem estar pirando.
— Que surpresa ela deixou na sua galeria? — pergunto
enquanto digito uma mensagem no grupo da nossa família de três.
— É segredo.
Bufo, mas decido ignorá-lo e tiro uma selfie sorrindo para
enviar aos meus pais. Depois aponto a câmera do celular para as
meninas em cima palco cantando e até tiro uma foto de Henrique, o
pegando de surpresa e mando para eles. A foto ficou tão linda, que
decido admirá-la mais tarde.
E talvez seja o álcool começando a fazer efeito, mas eu
resolvo enviar a foto que Beatrice tirou hoje na piscina. Sou eu,
olhando para o lado, mas exibindo meu corpo cheio de curvas em
um biquíni amarelo. Depois que encaminho a foto, bate o
arrependimento, mas ele esfregou o pau duro em mim. Uma foto de
biquíni não é nada comparado a isso.
O smartphone dele vibra e eu sinto meu coração galopear
forte dentro do peito. Quando ele checa a mensagem, fica com os
dois olhos presos na telinha do celular e em silêncio por um
momento muito longo.
Meu aparelho vibra.
Henrique: Linda.
Henrique: Mas você precisa se decidir, porque uma hora tá
me deixando te beijar, depois bate em mim e agora me manda uma
foto toda gostosa.
Marisol: Só pra você admirar.
Henrique: Manda mais.
Marisol: Não quero.
O susto que eu tomo quando ele arrasta minha banqueta para
perto dele, quase me faz derrubar o celular no chão. Engulo em
seco ao sentir o hálito quente dele sobre a minha pele e os olhos
intensos esquadrinhando meu rosto.
— O que você quer de mim, Henrique?
Os seus lábios abrem e ele está prestes a falar, mas é
interrompido por Ananda, que me chama pelo microfone para sentar
no sofá e prestar atenção no show delas. Escorrego da banqueta e
peço mais uma cerveja ao barman antes de me acomodar no sofá
de microfibra.
Pela visão periférica, percebo Henrique sentar ao meu lado e
eu faço um esforço tremendo para não ficar olhando para ele.
— Agora, vamos cantar a minha música e do Fernando —
Ananda diz, meio alta e me rouba um sorriso. É a primeira vez
desde que entramos nesse navio que ela se permite beber de
verdade.
Os acordes de “Addicted To You” da Shakira preenchem a
sala e Beatrice e Ananda começam a dançar de um jeito engraçado
e divertido em cima do palco. Henrique ri, mas não ri delas, ele ri
com elas e isso faz meu coração acelerar.
A nossa noiva é bem desafinada, mas ela nem parece se
importar com isso. Solta o vozeirão como se estivesse participando
de uma competição de música e fosse a coisa mais importante da
noite. Já Beatrice, tem uma voz linda e forte, talento nato. Na
verdade, além de uma ONG para animais abandonados, ajudar a
mãe com a floricultura, ela canta em um barzinho aos finais de
semana.
Por que a música é da Ananda e do Fernando e eu estou
sentindo que é minha e do Henrique também?
“Deve ser o perfume que você usa ou a água com que você
toma banho, mas cada pequena coisa que você faz, eu acho uma
façanha. Me beijou esta noite como se fosse o único dia da tua
boca.”
Sem conseguir resistir, olho para ele, que tem atenção voltada
para minhas amigas. Ele tem uma perna em cima da outra, cruzada
de um jeito descontraído e o pé balança com as batidas da música,
mas acho que nem está prestando atenção na letra.
Ele entende alguma coisa em espanhol? Acho que não...
“Toda vez que eu me lembro, eu sinto no meu peito o peso de
uma rocha. São seus olhos castanhos, com essa veia saltando, seu
rosto de criança e aquele riso nervoso.”
Henrique olha para mim.
Desvio de imediato e fixo as vistas em Beatrice, que continua
cantando, animada e balançando o corpo.
“Estou viciada em você, porque a sua pele é um vício. Baby,
estou viciada em você. Quero que você me deixe te querer.”
As meninas continuam a playlist da Shakira e eu amo. Se
estivéssemos sozinhas, eu não estaria tão paranoica e com os
sentimentos confusos. Quando Ananda e Beatrice começam a
cantarolar “Rabiosa”, eu engulo em seco.
— Essa música combina com você.
Ao ouvir as palavras de Henrique, viro o rosto e o encaro de
cenho franzido.
— O que disse?

— Você com certeza é uma rabiosa[10] — fala, o espanhol


soando tão sexy dos lábios dele, que eu preciso engolir em seco e
respirar fundo para não cair na tentação de me jogar em cima dele.
E algo estala dentro da minha cabeça. Arregalo os olhos e a
boca, chocada.
— Ai, meu Deus...
— Isso mesmo, entendi todas as vezes que me xingou em
espanhol. Por isso, repito... rabiosa.
Ele ergue uma das mãos e pega uma mecha de cabelo caída
sobre o meu rosto e prende detrás da minha orelha, focalizando
meus olhos. A voz de Beatrice continua cantando e deixando o
clima intenso.
“Ei, papi, me deixa louca, me arranha as costas e me morda a
boca.”
— Por que quer me levar pra cama? — pergunto, mas nem o
deixo responder. — Você pode ter qualquer mulher nesse navio, por
que está no meu pé?
— Porque às vezes parece que eu não posso ter você e eu
quero — murmura, fazendo meu peito subir e descer por causa dos
batimentos acelerados.
— Não faço o tipo de sexo sem compromisso. No último ano,
eu venho me satisfazendo com vibradores.
Tudo bem, eu não precisava ter dito isso a ele, mas a cara
que ele faz ao ouvir a informação, me diz que ele gostou e que ficou
animadinho ao pensar em mim com meus vibradores, buscando me
satisfazer sozinha.
— Se você conseguir dizer com toda a honestidade que não
sente nenhum interesse por mim, eu vou te deixar em paz, Marisol,
mas precisa ser muito honesta, porque eu vejo como você
estremece quando eu te toco.
Respiro fundo.
— Não quero ter o coração partido de novo e você tem cara
que vai fazer isso comigo — sou sincera.
Minhas palavras parecem um banho de água fria nele. É isso,
Henrique quer apenas sexo sem compromisso. Quer me foder de
todo jeito na cama e depois sumir como se nada tivesse acontecido.
E mesmo que eu aceite isso, me entregar a ele por uma noite
inteira, tentando manter os pés bem firmes no chão, eu sinto que
não é uma coisa simples, como se fosse impossível proteger meu
coração desse homem intenso e todo cheio de si.
— Na verdade, não sei o que está acontecendo entre nós e
tenho certeza de que não sou a melhor pessoa do mundo, mas eu
jamais partiria seu coração.
— Depois do Caleb, eu jurei nunca mais me entregar a
ninguém. Eu preciso proteger meu coração, Henrique, e você é
intenso demais. Eu nunca baixei a guarda com nenhum outro cara e
perto de você, faço isso sem perceber.
Ele solta um suspiro pesado e passa a língua no lábio inferior.
As meninas ainda continuam no palco e agora cantam uma música
que não conheço. Henrique direciona a atenção para elas e fica
assim por um minuto muito longo antes de voltar a falar.
— Eu bati no Caleb porque ele teve a audácia de me mandar
ficar longe de você — diz, me fazendo unir as sobrancelhas,
confusa. — Me deixou irritado o fato de ele ter agido como se você
ainda fosse dele.
— Ele é louco.
Henrique prende os olhos aos meus.
— Depois da minha ex, eu me fechei e não tinha pretensão
de me envolver emocionalmente com nenhuma outra mulher, e não
entendo o que isso significa, mas não consigo tirar você da minha
cabeça.
Sinto um friozinho no estômago e a sensação é tão boa, que
me deixa mexida, um pouco irritada e feliz também. Eu não sabia
que ele podia ser tão sincero com os sentimentos, mesmo sem
entendê-los.
Não parece que ele vai partir meu coração, mas não posso
arriscar.
— Henrique... — é o que murmuro.
— Vamos passar um tempo juntos — ele fala, olhando para
mim e levando a mão até o meu rosto, me deixando toda
estremecida. — E a gente vê o que acontece.
— Eu posso aceitar isso... passar um tempo com você, mas
não vamos transar e quando digo isso, estou me referindo a todas
as formas de sexo. Você consegue aguentar?
Ele fecha os olhos por uma fração de segundo e volta a me
encarar. Devagar, ele assente e meu coração acelera em resposta.
— Sim.
— Mas vai querer transar com outras mulheres no navio? —
retruco, semicerrando os olhos.
Tudo bem, não vou confessar isso em voz alta, mas sou
ciumenta. E se ele acha que vai passar o tempo comigo e dar de
bandeja o meu orgasmo para outra mulher, Henrique está redondo e
completamente enganado.
— Você vai passar o seu tempo com outros caras também?
— ele rebate, todo carrancudo.
Bufo e reviro os olhos.
— Faz um pouco mais de um ano que não transo com
ninguém, acha que vou perder meu tempo com qualquer
playboizinho que me cantar nesse navio?
— Ótimo. — Um sorriso debochado toma conta da sua cara
bonita. — Minha cama vai continuar vazia até o final da viagem.
— Acho muito digno da sua parte.
Ele ri com o meu tom sarcástico e aproxima o rosto de mim,
fazendo menção de quem vai me beijar, mas a única coisa que
acontece é Henrique sussurrando no pé do meu ouvido antes de
mordiscar o lóbulo da minha orelha.
— Rabiosa.
O que vem acontecendo com Marisol ainda é novo para mim.
Ou talvez só esteja há um bom tempo sem me envolver
emocionalmente com alguém. Eu sei que ela tem suas ressalvas,
também tenho as minhas. Não pretendo partir o coração de Marisol,
mas nada garante que ela não vai partir o meu também. No entanto,
eu não consegui fazer diferente ontem à noite. De uma forma ou de
outra, era para acontecer.
Agora, eu estou tão emputecido por não poder desembarcar
do navio e aproveitar Salvador com ela. Aconteceu um imprevisto
com as embalagens dos brindes da linha de produtos do meu
lançamento e eu preciso fazer uma conferência com a minha equipe
de marketing e resolver o problema.
Mesmo antes do meu casamento fracassado, eu tratei o
trabalho como religião. Meu pai foi um homem de negócios e com
ele aprendi a gostar também. Porém, a última coisa que eu quero
lidar no momento é com isso: meu negócio. Só consigo pensar em
Marisol, andando pelas ruas de Salvador, ganhando olhadelas
generosas de algum surfista bronzeado e isso me deixa com o
humor ácido.
Da varanda da minha suíte, eu só consigo ver o mar. É uma
visão linda, tranquila, mas nem isso consegue me deixar menos
irritado.
Recebo uma mensagem de texto de Heloísa, avisando que
todos estão na sala de conferência. Ajeito o notebook em cima da
mesinha de centro da varanda e faço a chamada de vídeo.
Passo a próxima hora tentando encontrar uma solução para
as embalagens dos brindes que foram impressas incorretamente.
Não tem como pedirmos para a fábrica imprimir de novo, porque são
muitas embalagens e com certeza não conseguirão entregar a
tempo, e esperar por eles é quase como uma sentença de atraso
para o lançamento da minha linha de produtos sustentável.
— Não podemos imprimir adesivos? — a estagiária do
marketing fala. É a primeira vez que abre a boca. — Vai dar
trabalho, mas podemos anexá-los nas embalagens.
— Brilhante! — digo, mais animado do que eu gostaria. Estou
louco para encerrar a chamada de vídeo e fazer alguma coisa que
não envolva trabalho. — Veja com a fábrica se conseguem imprimir
os adesivos — ordeno para a equipe, que assente e começam a
recolher os papéis em cima da mesa.
Estou prestes a fechar o notebook e encerrar a reunião,
quando Joaquim entra na sala, me surpreendendo. Heloísa vem
logo atrás, quicando o salto alto no chão de granito.
— Ele roubou minha agenda — ela fala mal-humorada, e só
então noto que meu irmão está segurando a agenda de Heloísa.
— Onde você está? — Joaquim pergunta, estreitando os
olhos para mim e tentando ver alguma coisa.
A imagem dele treme e fica paralisada por quase cinco
segundos, o que até me faz sorrir. Eu passei a reunião reclamando
do pacote de internet que comprei no navio, porque ela travava em
dez e dez muitos, mas agora nunca estive tão grato.
— Tá me ouvindo? — ele insiste, olhando para mim. É
ridículo, mas eu fico parado, tentando dar a impressão que a
conexão ruim com a internet travou a nossa chamada de vídeo mais
uma vez. — Seu cabelo tá voando, sei que tá fingindo, gênio.
Deixo os ombros caírem e bufo.
Antes de sentar na cadeira de frente para mim, meu irmão
estica o braço para entregar a agenda de Heloísa, e em seguida,
ouço barulho de salto alto quicando no chão de granito e um bater
de porta.
— Ela é leal.
— Eu dei um aumento pra Heloísa ficar calada — contesto.
— Tudo explicado — resmunga e se remexe na cadeira. — A
mãe trocou a fechadura do seu apartamento.
— O quê?
— É, ela levou um chaveiro e entrou. Estava preocupada,
porque você simplesmente sumiu. Sabe, foi muito difícil convencê-la
a não envolver a polícia. Afinal, onde você tá?
— Salvador — sou sincero. Não faz diferença ele saber de
qualquer forma. Antes das dezoito horas o navio sairá daqui a
caminho de Fortaleza. — Precisava de férias.
— Precisava ficar longe da sua ex.
— É a mesma coisa.
— Quando você volta?
— Daqui uns cinco dias.
— Tá bem, eu...
— Não diga nada à mamãe. Ela me conhece, sabe como eu
sou e que não costumo sumir assim de repente e simplesmente tirar
férias. Ela vai querer entender o que aconteceu e eu não quero
partir o coração dela por causa da Nissa.
Joaquim assente de lábios fechados. É evidente que não
concorda comigo em esconder da nossa mãe as coisas ruins que
fizerem meu casamento acabar, mas decide não me contrariar.
— Fica bem aí — murmura e sem dizer nada, encerro a
videochamada com meu irmão. Meu celular vibra em cima da mesa
ao lado do notebook e sinto o coração inquieto ao ver a notificação
de uma mensagem de Marisol. Ela me mandou uma foto do Farol da
Barra. [11]
Marisol: Vamos subir lá no farol e depois descer até a praia :)
Marisol: Tudo certo no trabalho?
Antes de responder, abro o mapa do celular e vejo a nossa
distância. Fico frustrado. Mesmo pegando um Uber vai demorar em
torno de quarenta e cinco minutos até chegar no Farol da Barra.
Henrique: Tudo certo no trabalho.
Henrique: O que vão fazer depois daí?
Marisol: Vamos na praia de Ondina. Ananda tem família por
aqui. Vamos visitar :)
É claro que fico decepcionado, a resposta de Marisol
basicamente me diz que só vamos nos ver quando ela voltar do
passeio. Ou seja, no final da tarde.
Henrique: Aproveitem o passeio.
Marisol: Não trabalhe o dia todo.
Como não vou explorar a cidade de Salvador sozinho,
trabalhar é a única coisa que me resta, e embora tenha vontade de
fazer uma chantagenzinha com ela, fico quieto. Tiro o notebook de
cima da mesa para apoiar meus pés e coloco o aparelho em cima
das pernas e tento me concentrar em responder e-mails.

Durante o resto do dia, a expectativa de ver Marisol me


consumiu por completo. Não lembrava que esperar alguém era algo
tão angustiante. Mandei algumas mensagens, mas nenhuma foi
respondida.
Bom, até agora.
Dezessete e meia e o celular notifica uma mensagem dela.
Marisol: Chegamos agora, vamos descansar um pouco. A
gente se vê de noite :)
A frustação vem como um soco certeiro no estômago. Acho
que ela não entendeu quando eu pedi para passarmos um tempo
juntos, porque é exatamente o contrário que essa mulher vem
fazendo.
Marisol está passando um tempo longe de mim e não comigo.
Eu posso estar desapontado, mas não vou transparecer isso
e parecer um maluco possessivo, mesmo que eu me sinta assim, às
vezes ou na maior parte do tempo. Então o que envio para ela é:
Henrique: Tudo bem :)
Alguns segundos depois, vejo “digitando...” na tela do celular
e espero, mas não vem nada. Os pontinhos voltam a aparecer, no
entanto, param de novo. Marisol desistiu no meio do caminho de me
mandar a mensagem.
Solto um suspiro longo, me sentindo mais frustrado do que
um minuto atrás. Deito na cama e ligo a tevê, na tentativa inútil de
preencher o espaço vazio do meu tempo. O celular vibra de novo e
quando verifico a notificação, sinto o desejo fumegante querendo
acordar meu pau.
É uma foto de Marisol, ela está de frente para o espelho,
usando uma blusa bem curtinha e transparente, e uma calcinha de
renda lilás. O piercing no umbigo e a tatuagem são tão sexys, que
eu me imagino passando a língua por cima deles e roubando
gemidos dela.
Marisol: Estou indo tomar banho.
Henrique: Vem tomar banho aqui na minha suíte, prometo me
comportar.
Marisol: Não, mas obrigada.
Henrique: Quando tirar a roupa, manda mais foto.
Marisol: Jamais, tenho os meus limites e mandar foto pelada é
ultrapassar eles, mas espero que aproveite a foto anterior.
Henrique: Vou aproveitar, com toda certeza.
Desligo a tevê e fico admirando a foto de Marisol, e só fazer
isso é o suficiente para me deixar duro e excitado pra cacete. Ainda
deitado, coloco o pau duro para fora e começo a massageá-lo
enquanto me imagino passando a língua na barriga bronzeada,
descendo com a boca até a zona do paraíso e a sentindo
estremecer com o meu toque. Na minha cabeça, ela geme e é como
combustível para o meu pau. Dou intensidade na pegada e aumento
o ritmo, sentindo o meu corpo vibrar ao gozar forte pensando nela.
Caralho. Não lembro qual foi a última vez que gozei tão
gostoso pensando em uma mulher.
— Então, você vai levar acompanhante?
Ao ouvir a pergunta de Ananda, saio do banheiro que está
com a porta aberta só para encará-la brevemente. Desde que contei
sobre o que aconteceu com Henrique na última noite, ela vem
colocando pilha para eu levá-lo para o seu casamento.
— Quem garante que isso não vai terminar com a viagem de
cruzeiro?
Beatrice faz careta ao me ouvir. Ela está colocando um
vestidinho super sexy e matador para curtir a noite no cruzeiro,
enquanto eu ainda estou de roupão, tentando decidir o que vestir.
Pelo menos já fiz minha maquiagem.
— Credo, que mau agouro — ela resmunga e eu suspiro. —
Deixa rolar. Você disse que não queria sexo e ele aceitou. Não fica
colocando os bois na frente da carroça.
Ananda e eu começamos a rir.
— É colocar a carroça na frente dos bois, amiga — digo e
Beatrice paralisa por um segundo, depois abre a boca para soltar
um grande “aaaaaaaah” e dá risada junto com a gente.
— Não vou pressionar sobre levá-lo ao meu casamento, mas
Beatrice tá certa. Não seja tão pessimista, tá bem? Deixa rolar.
Assinto e sorrio, pensando se conto para minhas amigas que
estou deixando rolar bem, já que mais cedo mandei uma foto bem
provocante para o Henrique. Fui clara quando disse que não íamos
transar, mas isso não significa que ele não possa se divertir
pensando em mim.
Será que ele já usou minha foto para fazer alguma
indecência?
Espero que sim.
Hum... sinto o meio das minhas pernas latejar só de imaginar
isso. Merda. Eu quero sexo. Muito. Com ele, principalmente. Mas
quem garante que ele não vai sumir logo depois de entrar nas
minhas pernas?
O que eu faço?
— Vamos deixar vocês curtirem a noite sozinhos hoje —
Ananda diz, chamando minha atenção.
— Hãm? O quê?
Beatrice vem até mim, na soleira do banheiro, e passa as
mãos entre meus cabelos secos e limpos, abre um sorriso malicioso
e me dá uma piscadela.
— Aproveita, amiga. Beija muito aquela boca — ela me
aconselha.
— Exatamente — Ananda concorda.
— Não podem me deixar sozinha hoje. Não com ele... é
perigoso — falo a meu favor e cruzo os braços na altura dos seios.
É muito perigoso ficar sozinha com Henrique, porque eu posso
simplesmente abrir as pernas para ele.
— Perigoso... uhum, tá bem. — Beatrice faz pouso caso, e só
de imaginar ficando sozinha com Henrique daqui a pouco, meu
coração dispara. — Relaxa, amiga — acrescenta com um sussurro.
Esse é o problema... se eu relaxar, vou me entregar e ainda
não sei a imensidão do que acontece entre nós. Tudo pode dar
certo, mas também pode dar incrivelmente errado.
— Saia pra jantar, conversar, não sei — Ananda começa a
falar caminhando até mim. — Se achar que tá muito difícil, vamos
estar na festa tropical. Aparece lá e prometo que manteremos suas
pernas bem fechadas pro Henrique.

Henrique e eu saímos das nossas suítes ao mesmo tempo e


quando ele me olha com intensidade, sem saber o motivo, me sinto
tímida, o que raramente acontece. Mas Henrique consegue me
deixar assim sem fazer esforço. É tão confuso. Tenho vontade de
correr até ele e me jogar em seus braços e também tenho vontade
de girar nos calcanhares e evitá-lo até o fim da viagem.
Ele para na minha frente, mantendo uma distância segura e
os olhos claros dançam pelo meu corpo sem pudor algum, quase
como se sua visão fosse de raio x. Com um passo, Henrique corta a
nossa distância e a mão grande vai direto na minha nuca, roçando
de leve os dedos nos cabelos.
— Linda.
— Eu sei — balbucio e ele ri.
Sem pedir permissão, Henrique puxa um pouco a minha
cabeça para trás antes de devorar minha boca com um beijo
sedento. Até passa pela minha cabeça resistir, mas é quase como
tentar nadar em um tsunami. E mesmo assim, meu corpo é um
traidor, fica mole com o toque dele, então, eu derreto em seus
braços e o beijo com muita vontade também.
Ainda segurando minha nuca, ele encerra o beijo e se afasta
um pouco.
— Não vou apanhar hoje? — questiona, o hálito quente de
hortelã vibrando contra os meus lábios.
— Hoje não.
Henrique abre um sorriso malicioso e entrelaça os dedos nos
meus para caminharmos até os elevadores. Descemos até o quinto
andar do navio e seguimos rumo ao restaurante italiano. Na
recepção, ele diz o seu nome e a hostess nos leva até uma área
mais reservada e nos acomoda em uma mesa perto das janelas de
vidro com vista para o oceano. Ela anota os nossos pedidos antes
de desaparecer e nos deixar sozinhos.
Abro a boca para falar, mas fecho logo em seguida. Caleb e
Catarina se acomodam em uma mesa próxima de nós. Não preciso
dizer que estão olhando para mim de cara feia, não é? Ao perceber
minha inquietação, Henrique se vira e os olhos encontram o casal
de traidores.
— Ignora.
— Vou tentar — retruco. — É tão estranho, sabe? Tenho
vontade de ir lá e falar um monte de merda por tudo o que ele fez
comigo, mas sei que no momento em que ficar de frente com ele,
vou perder a voz e me sentir ridícula de novo.
— Quer que eu dê um soco nele de novo?
Rio ao ouvir Henrique.
— Não, mas obrigada.
— Olha pra mim — Henrique ordena e assim, eu faço. — Se
fizer isso vai esquecer que eles estão aqui, eu te garanto.
— Você é tão convencido.
— Porque eu posso, linda.
Reviro os olhos.
— Para de ficar me chamando de linda.
— Quer que eu chame de que, então? Rabiosa? Certo, vou
chamar assim agora.
Rio de novo e noto que vem sendo cada vez mais fácil rir com
Henrique. Tudo está acontecendo tão depressa entre nós. Estamos
viajando faz poucos dias, mas tenho a sensação de que se
passaram meses.
Tudo isso por causa dele?
Acho que tô ferrada.
A garçonete serve a entrada de bresaola e queijo de cabra ao
mesmo tempo em que o sommelier traz o vinho tinto e enche as
nossas taças com elegância. Agradecemos e ele deixa a garrafa em
cima da nossa mesa. Faço uma nota mental de beber bem pouco
hoje, não posso correr o risco de transar com Henrique.
— Antes de mais nada — falo depois de bebericar o vinho. É
bem gostoso e dá vontade de beber muito mais, mas tento me
controlar. — Precisa saber algumas coisas sobre mim.
Ele assente, sério.
— Eu tenho dois pais — começo, e ele não desvia os olhos
de mim. — E se você é um idiota homofóbico que não vai respeitar
o amor deles ou a minha família, não tem a mínima chance de
acontecer alguma coisa entre nós. Na verdade, tem sim, eu chutar o
seu saco.
Henrique não parece surpreso.
— Não se preocupe, minha mãe me criou bem. Não vou
desrespeitar seus pais ou a sua família, Marisol.
— Ótimo.
— Como eles são?
— Incríveis, basicamente. — Sorrio. — Eles me ensinaram
que família significa muito mais do que apenas um laço de sangue.
— E é mesmo.
— Minha mãe biológica nasceu na Espanha, mas eu nasci
aqui. Não sei o porquê tô te contando isso — falo rápido demais e
sinto as bochechas formigarem. Tomo um gole generoso de vinho.
Ele abre um sorriso sincero.
— Porque eu tenho um rosto bonito — Henrique zomba, me
fazendo bufar.
— Quer ver eles? — Eu me ouço perguntando, o coração na
garganta. Por que estou tão ansiosa?
— Claro.
Procuro o celular dentro da bolsa e assim que o encontro, vou
na minha galeria de fotos e mostro uma foto de nós três. Ele fica
encarando a foto e devagarzinho, noto os seus lábios se esticarem
em um sorriso sincero.
— Esse aqui é o Helano — falo, apontando para o careca de
um metro e noventa e seis, cheio de músculo, todo tatuado e cara
de bravo. — Ele tem uma academia e trabalha como instrutor
também.
— Eu sinto que ele não vai gostar de mim.
Sorrio.
Se ele soubesse que esse pai é o que chora em filmes de
cachorro não estaria dizendo isso, mas não vou entregar as coisas
assim para o Henrique. Vou deixá-lo pensar que meu pai é capaz de
acabar com ele com apenas um olhar mortífero.
— Esse aqui é o Davi, ele é advogado.
Aponto para o homem de cabelo branco platinado e olhos
claros. Ele parece inofensivo, mas é o único que consegue me dizer
não e puxar minha orelha quando é preciso.
— E essa é você — ele conclui sozinho ao apontar para a
garota na foto.
Eu tinha dezesseis anos e ainda usava aparelho, mas estou
com um sorriso largo, porque sempre fui muito feliz com os meus
pais. Com certeza, os dois foram uma das melhores coisas que
aconteceram na minha vida.
— Tenho três irmãos e eu sou o mais velho. Nós somos muito
unidos, embora eu tenha vontade de matá-los às vezes — zomba.
— São todos rabugentos como você?
Os lábios dele repuxam em outro sorriso de canto.
— São rabugentos como você — rebate. — O que você faz?
— Quer saber.
Coloco um dos cotovelos na mesa e seguro o queixo,
analisando Henrique ao perguntar:
— O que você acha que eu faço?
— Não sei. É dançarina? — rebate, me fazendo franzir o
cenho.
— Como é?
Ele dá de ombros.
— Naquela noite em que você ficou bêbada, você fez uma
dança maluca da minhoca pra mim. Achei que fosse dançarina
profissional.
As minhas bochechas formigam de vergonha e eu endireito
os ombros. Tinha uma vaga lembrança de como dancei para
Henrique naquele dia e no fundo, queria que ele tivesse esquecido,
mas pelo visto, o momento parece bem vivo dentro da cabeça dele.
— Sou publicitária. Ananda e eu abrimos uma agência faz
três anos.
— Tem certeza que não é dançarina? — ele insiste e eu não
consigo segurar o riso. — Tem talento pra isso.
— O que você faz quando não está atropelando mulheres
pelas ruas de Florianópolis?
— Trabalho.
— E?
— Vou na academia.
— Sério? Só isso? Você não faz mais nada da vida?
Ele se remexe na cadeira e antes de beber um gole generoso
de vinho, me olha com intensidade.
— Os últimos anos foram complicados..., mas eu me diverti,
só não acho que seja apropriado falar sobre isso no momento.
Levanto as sobrancelhas e sinto um gosto amargo na
garganta. Eu sei como ele se divertiu nos últimos anos e na real,
não quero saber por onde andou enfiando esse pau, que deve ser
muito gostoso, então decido mudar de assunto.
— Como é a sua mãe?
Henrique une as sobrancelhas, confuso.
— Hãm?
— Naquele dia do atropelamento...
— Quase atropelamento — ele me interrompe, cheio de si.
— No dia do quase atropelamento, eu perguntei se ela tinha
te ensinado a ser babaca e você ficou furioso. Tinha uma veia
saltando do seu pescoço e pela reação, achei que ela tivesse
morrido.
Engraçado como aquela manhã parece ter acontecido há
meses, mas não faz mais de duas semanas. Lembro também que
ele ficou tão gato e quente, que até dá vontade de deixá-lo furioso
só para ver aquela veia no pescoço saltando.
— Minha mãe é incrível e não aprova meu temperamento. E
com certeza ainda deve estar surtando porque eu sumi, mas vai
sobreviver.
Sorrio.
— Meu pai chorou no dia que me levou no terminal portuário
de Balneário. Ele é muito, muito protetor.
Algo estala dentro de Henrique. Ele se inclina um pouco para
frente e abre um sorriso largo. O homem é lindo demais, preciso me
controlar para não esticar a mão e tocar a barba cerrada.
— Eu lembro.
— Do que você tá falando?
— Eu vi o seu pai chorando... no terminal portuário. Sabia que
reconhecia aquela bunda bonita de algum lugar — acrescenta em
um sussurro.
Enrugo o nariz.
— Tá falando da bunda do meu pai?
Ele ri de leve.
— Tô falando da sua bunda empinada. Dei uma boa olhada
quando você estava no chão tentando pegar o cachorro.
— Que romântico.
— Nos peitos também — continua falando e os olhos descem
até o meu decote quadrado. — Não consigo vê-los bem hoje, mas
são lindos.
Antes que possa retrucar, a garçonete serve o nosso jantar.
Eu pedi risoto milanês e Henrique fettuccine com molho marzano.
No fundo, eu estou grata por ele ter escolhido um restaurante
italiano, porque posso fazê-lo comer muita massa e ficar tão
estufado, que não vai pensar em transar depois daqui.
A verdade é que não estou muito confiante em ficar sozinha
com Henrique. Parte de mim sabe que se ele pressionar e tocar nos
lugares certos do meu corpo, vou ceder rapidinho e ir direto para a
cama dele. Não lembro qual foi a última vez que eu me senti tão
incomodada, inquieta e excitada com a mesma intensidade por
causa de um homem.
Começamos a comer e eu sinto que quem vai sair estufada
daqui sou eu. Meu prato está delicioso.
— Você trouxe seus vibradores? — pergunta de repente, me
fazendo engasgar. Agarro a taça de vinho e tomo um gole e depois
o encaro.
— É uma pergunta muito íntima pra se fazer assim, sem mais
e nem menos.
— Eu estava falando da sua bunda empinada e dos seus
peitos. Vibradores são o complemento.
Giro os olhos.
— Não trouxe.
— É uma pena.
— Não poderia usar de qualquer forma. Estou dividindo o
quarto com as minhas amigas.
— Pode usar o meu quando estiver se sentindo sozinha —
devolve, todo malicioso e com um sorriso lascivo desenhado no
rosto.
— Sua mãe sabe que você é um taradão?
Henrique levanta as mãos em rendição.
— Colocando minha mãe no meio desse tipo de conversa?
Pegou muito pesado, Marisol.
Solto uma risada.
— Podemos conversar sobre outra coisa que não envolva
bunda, peitos e vibradores? — questiono bem na hora que um casal
de idosos passa por nós. A mulher de cabelo branco para por
alguns segundos em frente a nossa mesa e olha para mim, depois
para Henrique, e abre um sorriso toda animadinha.
— Acho que aquela senhora discorda de você.
Observo o casal de idosos se acomodar em uma mesa
próxima do Caleb e Catarina, e me dou conta de que não prestei
atenção neles por muito tempo.
— Foi presunçoso quando disse que eu me esqueceria
deles... — Gesticulo de maneira sutil na direção do casal de
traidores. — Mas tinha razão. — Sorrio para Henrique.
Ele sorri também.
— Com o tempo você se acostuma.
— Me acostumo com o quê?
— Com o fato de eu sempre estar certo.
Reviro os olhos, debochada. Já fiz isso tantas vezes, que
daqui para o final do jantar, meus olhos estarão doloridos.
— Que charme — sussurro com desdém.
— É de família.
Sua resposta me rouba uma risada.
— Modesto.
— E você é linda.
Henrique é um pedaço sexy e delicioso de mau caminho. Às
vezes, rabugento e irritante, no entanto, incrivelmente sedutor
também. É difícil não ficar atraída por ele, o homem tem um sorriso
cativante e de covinhas que parece querer invadir as portas
trancadas do meu coração. Tem um cheiro incrível e delirante. E
mesmo que até agora não o tenha visto sem camisa, dá para ver
que é dono de um corpo todo torneado e gostoso.
Ainda não sei o que ele tem que causa tantas sensações em
mim, do tipo que me deixa triste e com tesão, mas parece cada vez
mais impossível ficar longe dele.
Preciso proteger meu coração de Henrique, mas a verdade é
que não sei como fazer isso.
— Vamos comprar algo pra sua mãe? — Marisol pergunta
depois que Beatrice e Ananda saem atrás de castanhas de caju e
uma cachaça artesanal.
Faz uns dez minutos que chegamos ao Mercado Central de
Fortaleza. E se não fosse por Marisol, eu não saberia para onde ir.
O prédio é enorme e segundo o motorista do Uber que nos trouxe
aqui, tem mais de quinhentos boxes vendendo artesanatos, couro,
sandálias, rendas, roupas bordadas e artigos para decoração.
— O que eu levo? Não quero ser aquele cara que vai comprar
um imã de geladeira pra ela — falo antes do cérebro filtrar as
palavras.
Marisol ri.
— Vem.
De maneira natural, ela entrelaça a mão na minha e eu sorrio.
Sem dificuldade, ela me conduz até o terceiro andar. Aqui está bem
mais vazio do que o primeiro e tem várias lojinhas vendendo roupas
e chapéus, carteiras e sandálias de couro.
— Você já veio aqui antes?
— Sim, no tempo do ensino médio, duas vezes com os meus
pais, Ananda e os pais da Beatrice. A mãe dela é natural daqui —
comenta ao parar em frente a uma loja pequena que vende roupas e
sandálias coloridas. E eu não consigo tirar as vistas de Marisol. —
Na verdade, Beatrice nasceu aqui, mas se mudou com os pais pra
Floripa quando tinha dez anos.
— Ah, entendi.
— Como é a sua mãe?
— Como assim?
— O que ela gosta de vestir?
— Roupas? — retruco zombeteiro, fazendo-a girar os olhos.
Não sei o que acontece, Marisol atiça meu lado infantil e é sempre
tão bom provocá-la. — Ela gosta muito do verão e de caminhar na
praia. Serve?
Concorda com um aceno de cabeça.
— O que acha dessa?
Ela pega um par de sandálias com tiras grossas e coloridas,
tem um salto de plataforma baixo e parece muito confortável. Até
consigo imaginar minha mãe usando para fazer uma caminhada no
final da tarde.
— Acho que ela vai gostar.
— Qual é o número dela? — pergunta e quando respondo,
ela fala com a vendedora, que tem um sotaque forte e muito
acolhedor. — Vamos levar um vestido praiano também?
— Claro.
Admiro Marisol. Ela está bem concentrada e empenhada na
sua missão de escolher um vestido bonito para a senhora Dupont.
Sem entender muito bem, isso me deixa feliz. Talvez pelo fato de se
importar com a minha mãe sem nem ao menos conhecê-la.
Depois de comprar o vestido, Marisol e eu andamos mais um
pouco pelas lojas e ela compra presentes para os pais e claro,
decidiu me dar um imã de geladeira em formato de chapéu de
cangaceiro.
Meia hora mais tarde, encontramos as garotas no andar do
estacionamento e paramos em uma banquinha que faz sucos com
frutas típicas do Nordeste. Escolho suco de cupuaçu e me
surpreendo com o sabor. É muito bom e refrescante.
Ainda com os sucos nas mãos, entramos no Uber que
Ananda chamou e vamos direto para um restaurante do tio de
Beatrice, que fica na praia do Porto das Dunas. O trânsito de cidade
grande é ruim em todo lugar, por isso demoramos um pouco mais
de quarenta minutos para chegar na praia, mas vale muito a pena.
É lindo, areia bem branquinha e o mar aquela mistura
magnífica de azul e esverdeado, ondas espumantes quebrando com
força. E o mais incrível? O lugar não está lotado de turistas e
banhistas.
O restaurante praiano do tio de Beatrice fica na orla e ao
contrário do que imaginei, não existe outros quiosques por perto. E
mesmo com música ao vivo, é tudo bem tranquilo e aconchegante.
Há mesas dentro do restaurante, que é todo amplo e com
telhado de palha e várias outras com guarda-sol na areia. Enquanto
Beatrice vai atrás do tio, nós nos acomodamos em uma mesa na
praia.
Marisol está prestes a tirar o vestido e ficar só de biquini
quando é interrompida por Beatrice e o tio. Claro que fico
decepcionado, mas finjo bem. Ele cumprimenta as meninas com um
abraço apertado e diz que sentiu saudade delas, depois olha para
mim.
— E esse? É o noivo? — questiona.
— Não, não. Ele é da Marisol — Ananda se apressa em dizer
e noto que a rabiosa arregala os olhos, mas não diz nada.
— Henrique Dupont. — Estendo a mão em cumprimento. — É
um prazer.
— Primeira vez aqui?
— Sim.
— Seja bem-vindo.
Sem aviso prévio, ele me puxa para um abraço gentil. Já no
Mercado Central eu tinha percebido que o pessoal daqui é muito
acolhedor. Gostei disso, de sentir que sou bem-vindo em uma
cidade que não conheço ninguém.
Ele mesmo anota os nossos pedidos e antes de voltar ao
restaurante, dá um beijo na bochecha de Beatrice, que tira a parte
de cima da blusa, revelando o biquíni preto. Encaro Marisol, ansioso
para que faça o mesmo, mas infelizmente, ela não faz.
Para minha surpresa, Beatrice puxa Marisol contra o próprio
corpo e as duas começam a dançar ao som da música ao vivo. É
uma espécie de forró romântico, que eu não conheço, mas estou
adorando ver as duas dançarem.
Marisol, principalmente.
Ela rebola a bunda e as pernas de um jeito surreal e Beatrice
sabe conduzir muito bem os passos das duas e cantarola também.
"(...) Se você me ama, me leva pra cama, acende essa chama
de amor e querer. Só nós dois em nosso ninho, testemunhas para
quê? Nossos corpos coladinhos, suadinhos de prazer.
Amor, me leva faz de mim o que quiser. Me usa, me abusa
pois o meu maior prazer é ser tua mulher.”
Ok, gostei dessa música.
— Sabe dançar forró? — Ananda quer saber.
— Não sei dançar nada. Não tenho talento pra isso, mas
gosto de observar — murmuro as últimas palavras.
Ela sorri.
— É uma pena, você poderia estar dançando com ela agora
— comenta e eu a olho, só para depois voltar a atenção para as
garotas, que começaram a roubar atenção dos homens ao redor.
É uma pena mesmo. Se eu soubesse, teria o corpo de Marisol
roçando em mim agora e talvez, os homens não olhassem tanto. Ou
talvez sim. Teriam inveja de eu estar me esfregando nela em vez
deles.
— Eu também não sabia dançar, mas Beatrice me ensinou. A
mãe dela quando morava aqui tinha uma banda de forró. Talento
deve ser genético.
— Sério?
— Sim. Foi assim que os pais delas se conheceram. O pai
dela é britânico, estava de férias no Ceará e ela cantava aqui, nesse
restaurante mesmo.
— E nunca mais foi embora... — concluo sozinho.
— Na verdade foi, mas voltou — fala, me fazendo rir. — Amor
faz as pessoas fazerem loucuras, né? Como mudar de país.
— Ou casar.
— Ei, eu vou me casar, não deveria estar dizendo isso pra
uma noiva.
Sorrio sem jeito.
— Casamento é uma loucura também, Ananda. Não digo isso
pra te desanimar, mas conviver com outra pessoa é um desafio.
Tem que existir muita confiança. Você se doa, mas infelizmente, às
vezes, a outra pessoa não faz o mesmo.
— Você passou uma barra com o seu casamento, né? —
pergunta, me olhando, mas eu dou de ombros, sem vontade de
conversar sobre isso. — Às vezes foi ruim porque você casou com a
pessoa errada.
— Você acha que vai casar com a pessoa certa?
— Eu não acho, tenho certeza.
— Tem sorte então.
— Obrigada.
As duas dançam mais algumas músicas que eu não conheço,
mas já estou começando a amar o ritmo. Ainda mais se toda vez
que eu escutar esse tipo de música, Marisol rebolar o quadril desse
jeito.
Forró... meu estilo de música favorito a partir de hoje.
O garçom traz caipirinhas de limão para nós e uma porção de
mandioca frita na manteiga de garrafa. Beatrice solta Marisol para
beber um gole da bebida, depois chama Ananda para dançar.
— Tira esse vestido. — Aponto para o tecido florido que cobre
o corpo sensacional de Marisol.
— Assim?
Ela pergunta e bem devagar, desfaz o laço na lateral do
vestido e passa o tecido pelos ombros, revelando um biquíni lilás,
que dá um contraste perfeito com a pele bronzeada. Ele tem alças
bem finas e realça bem os seus seios, a calcinha é fio dental e tem
uns babados nas laterais. É sexy pra cacete.
Respiro fundo e passo a mão no topo da cabeça.
— É, assim.
Ela se aproxima de mim e estende a mão.
— Vem.
Seguro a mão de Marisol e levanto, deixo os chinelos perto da
mesa e permito que ela me conduza. Paramos perto de onde as
ondas quebram e a água morna toca meus pés, é bem gostosa. Ela
solta minha mão e fica de frente para mim.
— Tira essa blusa.
Abro meio sorriso.
As mãos dela deslizam pela barra da camisa e eu a ajudo a
puxar para cima até passar pela cabeça. Os seus olhos recaem
sobre o meu abdômen e ficam presos ali por quase uma eternidade.
— Tá gostando da vista?
Marisol me olha por cima dos cílios e isso causa uma onda de
excitação pelo meu corpo que vai direto para o pau.
— Você sabe que é lindo.
— E você tá gostosa demais nesse biquíni. Porra.
Sou ousado o suficiente para passar o indicador entre a pele
e a alça fina do sutiã. Suspiro quando vejo a marquinha de biquini.
Eu não sabia que isso me excitava tanto. É preciso muita força de
vontade para não devorá-la com a boca de maneira indecente no
meio da praia.
— Eu gosto de lilás, combina com a cor da minha pele.
— Agora é a minha cor preferida.
Ela ri ao ouvir meu comentário e depois focaliza os meus
olhos de modo profundo.
— Henrique...
— Hum?
— Me dá um beijo.
Desde que ela aceitou passar um tempo comigo, eu tenho me
esforçado em não ultrapassar os limites. Claro que é difícil não
devorar a boca dela sempre que vejo o pontinho de metal brilhoso
na sua língua quando fala ou sorri, mas estou tentando.
E acredito que estou fazendo um bom trabalho.
Pelo menos, até agora. Ela está me pedindo um beijo, então,
não é ultrapassar os limites, certo?
Espero que não.
Marisol morde o lábio inferior e isso é como munição para os
meus instintos mais primitivos. Corto a nossa pequena distância e
deixo a minha camisa cair no chão para segurar seu rosto com as
duas mãos. Ela passa os braços ao redor meu pescoço e me puxa
para mais perto, colando nossos corpos.
Minha boca encontra a de Marisol e no momento em que seu
piercing toca a minha língua, meu pau desperta com vontade. Ao
sentir minha ereção contra a barriga, ela solta um gemido que eu
engulo com o beijo.
Ela morde meu lábio inferior e chupa logo em seguida,
causando espasmos fascinantes por todo o meu corpo. Sinto que eu
gozaria se Marisol simplesmente resolvesse roçar a mão no meu
pau duro.
Mordisco o seu queixo e ela inclina a cabeça para o lado, me
dando acesso ao pescoço, onde passo a língua na curvatura e
roubo gemidos que me fazem ficar mais excitado. Volto a grudar
nossas bocas, com um desejo louco tomando conta de mim.
Não lembro de ter me sentido assim por uma mulher alguma
vez, mas Marisol entrou na minha vida para me deixar louco de
todas as maneiras possíveis. E eu quero tanto me afundar nela, vê-
la nua na minha cama enquanto eu a faço gozar com a boca, mãos,
pau. Tudo.
Baixo as mãos até a sua cintura fina e desço mais uma pouco
até o cóccix, mas antes que possa dar uma pegada firme no seu
rabo delicioso, ela me impede ao colocar as mãos no meu peito e
me afastar um pouco.
— Vamos com calma — murmura, arfante.
— Não vejo a hora de pegar nessa bunda.
— Você já pegou antes.
— Eu sei, mas foi rápido. Quero de novo.
Ela abre um sorriso de lado.
— É melhor dar um jeito nisso — fala ao apontar para minha
ereção bem visível. — Não pode voltar pra mesa assim.
Dito isso, ela gira nos calcanhares e volta para a mesa. Olho-
a por cima do ombro e admiro a bunda em formato de coração e
empinada.
Droga. Marisol precisa ser minha ou eu vou ficar louco. Louco
e cheio de tesão... é basicamente como me sinto desde que a vi
dançando na primeira noite na viagem de cruzeiro.
Dia seguinte...
— Isso é tão bom... — Beatrice murmura entre um gemido e
outro.
Ananda concorda com um suspiro e eu fico quieta,
aproveitando a massagem no spa. Nos primeiros minutos, eu tive a
brilhante ideia de fantasiar Henrique me fazendo massagem e
comecei a gemer igual a Beatrice. Precisei de muita força de
vontade para expulsar essa ideia da cabeça.
Se eu tivesse um pênis, com certeza ele estaria duro.
O homem que aperta meus ombros de uma maneira firme e
ao mesmo tempo deliciosa, têm mãos grandes e consegue mandar
embora toda a tensão do meu corpo. E eu fico me perguntando o
motivo de não ter vindo no spa do navio antes.
Isso é tão bom.
A sala do spa é grande e as três macas estão perto uma da
outra, mas com espaço suficiente entre elas para os massagistas
trabalharem. As paredes são decoradas com uma espécie de
bambu e o lugar é todo iluminado com uma luz amarela leve,
deixando o clima bem aconchegante e relaxante.
Enquanto o massagista se doa para relaxar meu corpo com
as mãos poderosas e eficazes em desmanchar os nódulos das
minhas costas, eu tiro um cochilo gostoso. Só desperto quando o
sinto colocar pedras quentes em cima da minha pele, os olhos
pesam e eu apago mais uma vez.
Uma hora mais tarde, com o corpo mais leve e relaxado,
vamos para detrás das cortinas que separam a sala do paraíso e o
espaço onde deixamos nossas roupas e bolsas. As meninas tinham
dormido um pouco também. Beatrice está com o rosto amassado e
Ananda não para de bocejar.
— Eu preciso de um homem assim disponível pra mim todo
dia. Onde vende? — Ananda brinca e boceja de novo.
Nós rimos.
— Se eu fosse você, obrigaria o Fernando a fazer um curso
de massagista — falo sugestiva.
— Não é uma má ideia — Ananda concorda.
— Você pode retribuir as massagens com boquetes —
Beatrice comenta, nos fazendo rir.
Depois do spa vamos a uma loja específica em busca de
roupas para a festa no estilo anos oitenta de hoje à noite. Em meio a
polainas, peças ousadas e coloridas, ombreiras e muitas lantejoulas
e brilhos, nós conseguimos compor o nosso look.
Ao passar na seção masculina, paro em frente a uma arara
cheia de jaquetas charmosas e fico pensando se Henrique tem
roupa para hoje à noite. Mas logo chego à conclusão de que com
certeza não.
— Henrique? — Ananda pergunta ao parar ao meu lado e
olhar na mesma direção que eu.
— Sim, é bem provável que ele não tenha o que vestir.
— Definitivamente, ele não faz o tipo que vai ter uma coisa
dessas na mala — é Beatrice quem fala ao se juntar a nós e pegar
um colete bem espalhafatoso de náilon na cor laranja.
Nós rimos.
— Vamos montar o look completo pra ele? — Ananda
pergunta sugestiva.
Balanço a cabeça de um lado para o outro, negando.
— Vai ser difícil fazer aquele cabeça dura usar — digo, já me
perdendo entre as roupas das araras.
— Mas você pode convencê-lo, Marisol — Beatrice diz, se
enganchando no meu braço. — Vamos escolher algo bem colorido e
você joga um charminho, que tal? Vai ser divertido.
— Ela tem razão. — Ananda entra na onda. Sorrindo, ela
junta as mãos em oração e começa a implorar.
E eu sei que sou uma péssima pessoa, porque concordo com
as minhas amigas e acabo escolhendo uma roupa aeróbica dos
anos oitenta para Henrique. Ele vai detestar, mas vai ficar lindo com
as pernas de fora.

As roupas dos anos oitenta ficam melhores em mim do que


eu esperava. As meninas e eu parecemos um arco-íris ambulante.
Leggings coloridas e coladíssimas ao corpo, polainas, salto alto e
blusa tomara que caia. Fora os brincos enormes pendurados na
orelha, que parecem pesar um quilo, mas são bem levinhos.
Ao sair da nossa suíte, vamos direto para a porta de Henrique
e esperamos. É óbvio que ele enrugou o nariz e falou que não
vestiria o que compramos, mas minhas amigas estavam certas, foi
preciso pouco para eu conseguir convencê-lo.
É, ele quer mesmo me levar pra cama...
Ele abre a porta.
Henrique não parece feliz, mas isso não muda o fato de ele
estar muito lindo todo colorido. Jaqueta de náilon na cor azul e
detalhes amarelo, camiseta branca por baixo e as meias até metade
das canelas ficaram uma graça, mas as pernas musculosas de fora
são um charme e deixam minhas partes sensíveis inquietas.
— Tem certeza que não tinha outra roupa na loja? Não me
sinto confortável saindo assim — ele resmunga.
— Era a única — Beatrice diz, séria.
— Por que não consigo acreditar em vocês?
— Porque você é inteligente — Ananda rebate, me fazendo
rir.
— Falta um pequeno detalhe — falo, me aproximando dele.
Os olhos azuis focalizam os meus e sinto as bochechas formigarem.
De dentro da bolsa, tiro a bandana elástica na cor amarela e com
cuidado para não bagunçar muito os cabelos, coloco em cima da
sua cabeça. — Agora ficou perfeito.
— É sério isso, Marisol?
— Muito sério — murmuro, me segurando para não rir.
Ele suspira.
— O que eu faço com você?
— Muitas coisas — murmuro, fixando os olhos nos dele. —
Mas agora vamos dançar um pouco, porque a noite é uma criança.
— Eu não sei dançar.
— Então, terei que dançar pra você.
Os lábios dele se repuxam em um sorriso de canto cheio de
malícia, e embora eu tenha tentado controlar a minha imaginação
fértil, é impossível não me perder em pensamentos quentes quando
Henrique sorri assim para mim.
É, eu quero muito que ele me leve pra cama...
Eu me sinto ridículo todo colorido e com as pernas de fora,
mas desde que entramos no salão de festas todo decorado no estilo
anos oitenta, estou recebendo olhares de algumas mulheres e isso
transformou os lábios carnudos de Marisol em um bico bonito.
Rabiosa.
Ela está com ciúme de mim e eu meio que gosto disso.
— Minhas pernas estão fazendo sucesso — murmuro depois
de aproximar o rosto da sua orelha. Ela me olha de rabo de olho e
resmunga algumas coisas que fogem aos meus ouvidos, mas sorrio
mesmo assim. — Vai, dança pra mim.
— Não.
— A culpa não é minha se tenho pernas lindas e irresistíveis
— provoco, sorrindo.
Marisol tenta não rir, mas não tem sucesso. E acabo
percebendo que gosto de quem eu sou quando estou com ela. É
uma versão mais leve, descontraída e que sorri com muita
facilidade. E claro, adoro que ela não tenha mais tanta resistência
em relação a mim e abra um sorriso para cada idiotice que eu falo.
Não sei o que ela está fazendo comigo. Na verdade, eu sei sim. É
loucura, mas ela está tomando conta do meu coração de um jeito
tão rápido e intenso, que não vejo como fugir.
Sendo sincero comigo e os meus sentimentos, eu gosto de tê-
la ao meu lado.
Tomo um susto ao sentir uma mulher deslizar para o meu lado
no sofá. Ela veste roupas aeróbicas também e igual a mim, tem as
pernas do lado de fora. Ao contrário de Marisol, a maquiagem está
bem-marcada e parece ter saído direto de um filme dos anos
oitenta.
— Você é gay? — pergunta e em seguida bebe um gole da
cerveja meio cheia que está segurando. — Meu amigo ali no bar...
— De forma destrambelhada, ela gira o corpo para apontar para um
cara no bar. — Meu amigo quer o seu número se você for gay. Nós
apostamos dinheiro. Eu não acho que você é gay, mas ele tem
certeza que sim — fala tudo com a língua meio enrolada.
Marisol e as meninas começam a rir.
Respiro fundo.
— Nada contra, mas eu não sou gay.
A mulher aproxima bem o rosto de mim e eu preciso recuar
um pouco para trás, na tentativa de evitar qualquer contato por
acidente. Ela semicerra os olhos para mim e sem pedir permissão,
segura meu queixo, me analisando.
— Tem certeza?
Com educação, retiro as mãos dela de mim.
— Absoluta.
— É solteiro? — Quer saber.
— Indisponível — Marisol fala, encarando a mulher bêbada e
eu fico quieto observando. — É melhor voltar pro seu amigo e pegar
o seu dinheiro — sugere, fazendo a mulher suspirar e assentir ao
mesmo tempo.
Quando a bêbada vai embora, olho Marisol, pronto para
provocar, mas o que acontece em seguida é muito melhor. Ela cola
os lábios nos meus e lança a língua com piercing para dentro da
minha boca, causando vibrações incríveis no meu corpo.
Envolvo a mão na sua cintura e a puxo para mais perto no
instante em que a sinto querer se afastar de mim. Ela geme, me
deixando louco. Agarro seu emaranhado de cabelo e continuo
devorando sua boca com um beijo sedento e cheio de vontade.
— Dorme comigo hoje. — Eu me ouço falando. Na verdade,
acho que estou implorando, o que é novidade. Não lembro de ter
implorado para estar dentro de alguma mulher alguma vez na minha
vida.
— Não.
Marisol coloca a mão espalmada no meu peito e se afasta um
pouco de mim, mas mantém os olhos presos aos meus.
— Por que não? Do que você tem medo, Marisol?
Ela abre a boca para responder, mas fecha ao perceber que
não vai conseguir dizer nada. Fico frustrado. Eu sei que ela tem
medo de se envolver por causa do ex idiota, mas o que pensa que
vou fazer? Traí-la também? Eu já fui traído e é uma coisa que nunca
faria com outra pessoa. Muito menos com alguém com quem me
importo. E merda, eu me importo de verdade com ela.
— Vamos com calma.
Assinto ao ouvi-la, mas não tenho vontade de falar alguma
coisa. Noto que fica desapontada e estou prestes a tentar mudar
isso quando Marisol se afasta de mim e vai beber com as meninas
que começaram a dançar em algum momento da nossa pegação.
Dou uma respirada funda e tateio o bolso da jaqueta atrás do
aparelho celular, e o desgosto é grande ao ver que Nissa conseguiu
meu número. Minha vida me odeia, é isso. Não tem explicação.
“Nós precisamos conversar. É um assunto sério e do seu
interesse.”
Decido salvar seu número como “Cobra Cascavel”. É infantil e
ridículo? É sim, lógico. Mas a partir do momento em que você chega
em casa cansado depois de um dia de trabalho e pega a sua mulher
chupando o pau do seu melhor amigo... coisas assim são aceitáveis.
Henrique: Me esquece.
Cobra Cascavel: Por favor, me dá só uma chance. Eu sei que
errei, mas não pode esquecer isso por um minuto?
Henrique: Não.
Cobra Cascavel: Não mudou nadinha, ainda é cabeça dura.
Isso é meio que irritante.
Henrique: Tchau.
E bloqueio o seu número.
Eu posso ser cabeça dura, mas Nissa nunca teria me flagrado
chupando alguma amiga ao chegar mais cedo em casa. Sou chato,
resmungão, imbecil e às vezes sou idiota o suficiente para
descontar o meu mau humor em quem não tem culpa, mas não sou
um traidor.
Também não sou idiota e nem devo nada a Nissa.

— Por que tá com essa cara de bravo? — Marisol pergunta


ao enroscar os braços no meu pescoço. Ela está bêbada e falta bem
pouco para ficar daquele jeito que vai me pedir para levá-la para
cama. — Eu gosto.
— De me ver bravo?
— Da sua cara — retruca, rindo.
As bochechas estão coradas e os olhos dilatados. Assim,
Marisol parece tão entregue a mim. É uma pena isso acontecer só
quando está muito alcoolizada. É verdade que não tem tanta
resistência como antes, mas ela ainda não confia em mim.
E para ser sincero, isso meio que mexe comigo. Por quê?
Porque eu quero que ela confie em mim.
— Eu amo essa música — ela fala de repente e se levanta
meio cambaleante para dançar. Já faz quase uma hora que o DJ
parou de tocar música dos anos oitenta e começou com as mais
atuais.
Apoio-me no encosto do sofá e observo Marisol. É preciso de
muita força de vontade para não rir, porque ela está mexendo o
corpo de forma desengonçada e nada atraente. É incrível, mas
bêbada, a mulher perde todo o gingado.
— Tá gostando do que vê? — Marisol quer saber.
— Sim, continue.
Ela abre meio sorriso e se doa de corpo e a alma para sua
dança maluca, que por mais estranho que seja, me faz gostar ainda
mais dela. Pego o meu celular e filmo esse momento histórico, que
com certeza me renderá boas risadas no futuro.
Uma hora e meia mais tarde, surpreendentemente, quem está
sóbria hoje é Beatrice e ela carrega Ananda, enquanto eu dou conta
de Marisol. No elevador, as duas bêbadas estão entrosadas em uma
conversa sobre quem teria coragem de fazer sexo com alienígena.
É, isso mesmo. Sexo com alienígenas.
— Você faria sexo com uma alienígena, Henrique? — Ananda
quer saber. Ela está com a expressão tão séria, que penso que
pode me bater se eu não responder.
— Se a alienígena for parecida com a Marisol, por que não?
Acredito em todas as formas de amor.
— Você não pode ver um rabo de saia alienígena — Marisol
resmunga ao enrugar a testa.
Beatrice e eu rimos.
Quando a minha vida mudou tanto? Antes minhas noites
eram preenchidas com uma boa taça de vinho e sexo sem
compromisso, agora, ela é preenchida por Marisol, as amigas e o
papo sobre transar com alienígenas.
No nosso corredor, em frente à cabine das meninas, espero
Beatrice abrir a porta para deixá-la sozinha com as bêbadas. Estou
prestes a me afastar, quando Marisol me impede ao segurar meu
braço.
— Espera, não vai — murmura.
Beatrice puxa Ananda que resmunga algo que não entendo e
se agarra ao batente da porta para não entrar na suíte. Com
bastante esforço, Beatrice consegue domar a fera embriagada de
cabelos loiros.
Seguro seu rosto com as duas mãos e respiro fundo ao
focalizar seus olhos, mas não digo nada.
— Ainda quer dormir comigo? — pergunta, a voz soando bem
baixa. — Digo, não vamos transar, mas podemos dormir de
conchinha.
Começo a rir.
— Vai lembrar disso amanhã?
Ela dá de ombros.
— Isso importa? — questiona e nem me deixa responder,
entrelaça as nossas mãos e me arrasta até a porta da minha suíte.
— Abre.
Encaro Marisol por um segundo muito longo. É claro que eu
quero dormir com ela, mesmo que seja de conchinha, coisa que
nem gosto. Na verdade, odeio. Mas por que tenho vontade de
dormir assim com ela? Como se meu corpo necessitasse do seu
cheiro impregnado na minha cama e roupas.
Foda-se.
Meto a mão no bolso e tiro o cartão de bordo, abro a porta da
suíte e ela é a primeira a se lançar para dentro. Marisol vai logo
tirando os saltos e senta na cama, olhando em volta.
— Preciso de ajuda pra tirar as calças — fala e então os olhos
castanhos se prendem ao meus.
Isso não pode ser sério. Mas Deus, é sim. Marisol está
usando uma calça super justa ao corpo e só muito sóbria para tirar
uma roupa dessas. Tiro a bandana da cabeça e respiro fundo,
reunindo toda a minha força de vontade em prol de um bem maior.
Ela abre o zíper da calça e a única coisa que faz depois disso
é se deitar. Começo a puxar a roupa, que parece ter sido colada na
pele dela. Porra, que negócio é esse? Marisol começa a rir e não faz
nenhum esforço para me ajudar.
Continuo puxando a calça com força e no momento em que
consigo passar pelas suas coxas, respiro fundo, quase aliviado.
Mais um pouco de esforço e consigo deixar Marisol apenas de blusa
tomara que caia e uma calcinha de tecido macio.
É a primeira vez que me esforço para tirar a roupa de uma
mulher sem pretensão de me afundar nela a noite inteira.
— Obrigada.
— Não por isso.
Ela sorri.
Jogo a calça de Marisol em cima do sofá e procuro uma
camisa limpa dentro do guarda-roupa. Ao pegar a peça de roupa
que ofereço, ela corre para o banheiro e eu aproveito para me
trocar.
Depois de cinco minutos, ela volta, falando que já escovou os
dentes e se deita na minha cama, me fazendo notar que estou
ansioso para dormir de conchinha. Me sinto um idiota, mas estou
tentando não pensar nisso no momento.
Na pia do banheiro, lavo o rosto com água fria. Estou pronto
para colocar creme dental na minha escova de dente quando noto
que Marisol a usou. Sem saber muito bem o porquê, sorrio. Sempre
achei que a intimidade é algo que se conquista aos poucos, é uma
linha que você não pode ultrapassar de qualquer jeito. Marisol
acabou de mandar todo esse negócio de limites à merda ao usar
minha escova de dente e eu gostei que tenha feito isso.
Volto para o quarto e deito na cama, fazendo Marisol se
mexer e soltar um gemido. Deslizo para perto dela e de forma
natural, um braço vai para debaixo do travesseiro e o outro encontra
a sua cintura para formar a conchinha que eu tanto odeio, mas que
parece tão interessante no momento.
Os cabelos negros contra o meu nariz me dão uma sensação
estranha, mas ao mesmo tempo de paz. O seu cheiro é bom, doce e
suave e por alguma razão inexplicável, faz o meu coração acelerar.
O que é isso?
Não sei, mas quero me sentir assim todos os dias.
Acordo com algo duro cutucando a minha bunda. Depois de
abrir os olhos, demoro alguns segundos para me dar conta de que
estou na suíte de Henrique e que estamos de conchinha.
Meu coração acelera.
Eu estava bêbada ontem, mas não como na noite do litro de
rum. Apenas bêbada daquele jeito que deixa a gente corajosa e com
vontade de fazer tudo o que quer. E foi o que aconteceu, eu quis
dormir de conchinha com Henrique e cá estamos nós.
Algo duro cutuca minha bunda de novo.
Devagar, tento sair dos braços dele, mas o homem resmunga
ao acordar.
— Não queria te acordar, mas tem algo me cutucando... —
Minha frase morre ao perceber que Henrique está duro. Muito
mesmo. — Ah, é isso.
— Impossível controlar, ainda mais quando passei a noite
toda com a sua bunda roçando em mim.
— Hum...
Ele tira os braços de mim e se espreguiça na cama. Meus
olhos curiosos fixam na ereção matinal e meu corpo todo incendeia,
como se precisasse desesperadamente senti-lo dentro de mim.
Engulo em seco e subo com as vistas, focando no seu
abdômen definido, trincado e cheio de gominhos, com certeza é
resultado de muitas horas na academia. Não é a primeira vez que o
vejo sem camisa, mas parece que ele ficou ainda mais lindo e
gostoso desde a última vez. Ele é uma tentação e isso se intensifica
a cada minuto que passamos juntos.
Sinto as mãos formigarem para tocá-lo, sentir sua pele contra
os meus dedos. Eu não devia fazer isso, mas decido não pensar
muito e levo a mão até o tanquinho delicioso e toco de leve a pele
clara e perfeita. Henrique observa em silêncio. Minha mão e os
olhos descem até o caminho da alegria, onde os pelos descem até
se esconderem na calça moletom e sobem de novo até o tronco.
Dios mío, ele é muito gostoso.
No momento em que arrisco descer os dedos de novo até o
elástico do moletom, Henrique pega meu pulso. Um toque firme,
sedento e que faz minhas estranhas se contorcerem.
— Se você continuar, não vou te deixar sair desse quarto tão
cedo... — fala, a voz soando em um tom de ameaça sexy e uma
promessa secreta que vai me matar de prazer.
Suspiro e engulo o caroço salgado na garganta.
Antes que as coisas esquentem demais, saio da cama,
recolhendo minhas roupas e salto alto.
— É melhor fugir mesmo — provoca, paralisando meus pés e
a mão na maçaneta da porta. Viro para trás e o olho. Deus. Ele todo
duro e deitado na cama, é quase um pecado capital.
Para de olhar, Marisol.
Não consigo.
Henrique levanta da cama e vem até mim, me fazendo
prender a respiração por alguns intermináveis segundos. As mãos
grandes e certeiras encontram a minha cintura por debaixo da blusa
e no momento em que sinto a sua ereção contra as costas, eu gemo
e deixo meus saltos caírem no chão.
Ele cheira o meu pescoço e a única coisa eu consigo fazer é
jogar a cabeça para o lado, aproveitando o toque. As mãos de
Henrique sobem até os meus seios e apertam, deixando todo o meu
corpo em chamas.
— Você é muito gostosa — murmura no pé do meu ouvido e
morde o lóbulo da minha orelha. — Se entrega pra mim, Marisol.
E eu teria me entregado, se não fosse por alguém batendo na
porta. Assustada, dou um passo para trás e acabo caindo de bunda
no chão, mas não sem antes levar Henrique junto comigo.
Batidas na porta de novo.
É Beatrice.
— Nós vamos sair daqui a meia hora, é melhor vocês se
apressarem — é o que diz, me trazendo de volta para realidade.
Fico de pé e recolho minhas roupas e sapatos jogados no
chão. Sem olhar para Henrique, saio da suíte, fugindo dele como um
gatinho acuado.

Chegamos na praia de Pajuçara[12] no horário combinado com


o senhor Zezinho Jangadeiro. Ananda tinha encontrado o contato
dele em uma das andanças no tripadvisor.[13] Segundo as pessoas
do site, ele é o melhor do ramo, muito carismático, atencioso e
simpático.
Como Henrique não estava no pacote em que fechamos,
Ananda conversa com ele e explica a situação. Ela é muito
persuasiva e o senhor Zezinho não parece alguém capaz de dizer
não à Ananda, que agora é uma mulher com uma missão. E a
missão dela é não deixar Henrique de fora do nosso passeio.
Mordo o lábio inferior e observo. Os dois estão perto do
senhor Zezinho, conversando e acertando o valor do nosso passeio.
Não consigo tirar os olhos dele. Meu Deus, nós estivemos muito
perto de transar. Muito mesmo. E ao mesmo tempo que isso me
deixa animada, me deixa inquieta também.
Quando transarmos... o que acontece entre nós vai acabar.
Na verdade, no momento em que a viagem de cruzeiro terminar é o
fim para nós. Por que isso me deixa tão triste? E por que me deixa
excitada também?
Graças a Deus eu não tenho um pênis.
Depois de tudo resolvido, o senhor Zezinho entrega os
nossos coletes e por alguma razão inexplicável, tenho dificuldade de
colocá-lo em mim. Talvez se eu parar de ficar encarando Henrique,
eu consiga me concentrar e vestir a merda do colete.
— Calma, o colete não fez nada pra você.
Levanto os olhos ao ver Henrique se aproximar. Sem que eu
tenha pedido, ele me ajuda e isso faz meu coração acelerar e eu me
dou conta de que nem adianta mais tentar proteger meu coração
dele, porque no fundo, eu sei que esse homem intenso já tomou
conta de mim.
— Obrigada.
Ele sorri e prende uma mecha de cabelo atrás da minha
orelha, mas não diz nada, apenas me dá uma piscadinha, que me
dá vontade de puxá-lo contra o meu corpo e beijá-lo até os lábios
incharem.
Respiro fundo e tento me recompor.
Henrique ajuda as meninas a subirem na jangada e depois
segura minha mão para fazer o mesmo. Ignoro a onda de calor que
percorre todo o meu corpo e decide se alojar no meio das minhas
pernas.
Tem três banquinhos de dois lugares na jangada e é claro que
as meninas se sentam juntas. Elas são tão sutis, para não dizer o
contrário. Acomodo-me no banquinho e o coração dá um salto duplo
dentro do peito quando ele se acomoda ao meu lado.
O senhor Zezinho é muito comunicativo e enquanto nos leva
até as piscinas naturais de Pajuçara, explica sobre a maré, cor e
profundidade da água. É claro que entra tudo em um ouvido e sai
pelo outro. É quase impossível me concentrar em alguma coisa
quando tenho um homem tão gostoso e cheiroso ao meu lado.
Sem pedir permissão, Henrique leva os dedos até a minha
coxa e traça círculos, arrepiando o meu couro cabeludo. Levanto os
olhos para encará-lo e fazer cara feia, mas sou impedida ao senti-lo
esfregar o nariz na curvatura do meu pescoço.
— Tá me deixando louco — murmura, me fazendo suspirar.
— O que você tá fazendo comigo, Marisol?
Não consigo responder e também não recuo. Para falar a
verdade, é muito bom ter Henrique tão pertinho assim. É sexy e ao
mesmo tempo tão puro e romântico.
Demora cerca de vinte minutos para atravessarmos os dois
quilômetros que separam a praia dos recifes. Ao chegarmos aos
bancos de areia, o senhor Zezinho ancora ao lado de outras
jangadas e noto que algumas servem de bar com bebidas e
petiscos. Que louco e incrível. Mesmo no meio do mar, tem garçom
e mesinhas adaptadas de isopor.
O lugar é perfeito. A água das piscinas naturais de Pajuçara
é cristalina e é protegida pelos corais. É tudo tão lindo. Quem mora
em Maceió e tem a chance de fazer passeios assim com frequência
tem muita sorte.
Descemos da jangada e entramos na água, que bate na
minha cintura e tem uma temperatura agradável. O senhor Zezinho
nos dá rações para atrair os peixes coloridos. É tão bobo e tão
incrivelmente gostoso ver um peixinho comendo na minha mão, que
eu começo a rir como uma criança.
Henrique se junta a mim, colocando a mão espalmada com
ração dentro da água e quando outro peixe se aproxima dele, os
lábios bem desenhados se transformam em um sorriso lindo.
— Obrigado.
Franzo a testa ao escutá-lo.
— Por quê?
— Sem vocês, eu estaria enfurnado no navio, só esperando
voltar pra casa — comenta, sem olhar para mim.
Sorrio e sinto um quentinho no coração.
Ficamos em silêncio e alimentando os peixes por quase uma
eternidade, mas não é ruim ou constrangedor de modo algum. É
muito bom, na verdade. Ainda mais quando levanto os olhos e o
vejo olhando para mim, como se estivesse me admirando.
Ai, Henrique, você vai acabar comigo.
As meninas se juntam a nós e gastamos mais alguns minutos
alimentando os peixes, depois vamos alugar máscaras de snorkel.
Henrique é o único nadador credenciado entre nós quatro, então
com toda paciência do mundo, ele nos ajuda a mergulhar e a
intensificar o nosso passeio.
É estranho pensar que quando nos esbarramos pela primeira
vez no corredor do navio, eu tive a sensação de que ele estragaria
toda a nossa viagem de cruzeiro. Mas agora não consigo imaginar
como teria sido se Henrique e eu não tivéssemos encontrado um ao
outro.
Nunca acreditei nessa coisa de destino traçado, porque seria
cruel demais pensar que tudo de ruim que aconteceu comigo já
estava premeditado, escrito em uma linha reta, apenas esperando o
momento certo para o meu mundo ruir.
Mas aqui e com Henrique, eu fico com aquela coceirinha atrás
da orelha. Será que eu estive errada esse tempo todo em não
querer acreditar no destino? Ou são apenas as escolhas que fiz uns
dias antes de quase ser atropelada por ele? Lembro que tinha visto
um comercial na tevê falando da importância de andar de bicicleta
para o meio ambiente e tomei uma decisão de me tornar uma
ciclista amadora. Foi um fiasco, já que na primeira manhã que
resolvi pedalar, eu quase fui atropelada, porque vi um cachorrinho
implorando por socorro na rua.
E dias depois, aquele babaca de terno e gravata, todo
arrogante e cheio de si, que me tirou do sério e quase me fez chutar
sua bunda, acabou embarcando na mesma viagem que eu e as
minhas amigas.
Destino ou coincidência?
E por que parte de mim quer que seja destino? Talvez por
parecer ser algo mais forte, como se o mundo quisesse que
entrássemos na vida um do outro.
Destino pode parecer triste e cruel, mas pela primeira vez
quero acreditar que tenha um lado bom também.
Dia seguinte...
Quando me despeço do Henrique para entrar na suíte com as
meninas, sinto o coração apertar de um jeito doloroso. Ele, as
meninas e eu fomos jantar juntos, depois curtimos um show de
comédia stand-up e para fechar com chave de ouro, bebemos
alguns drinks em um bar temático enquanto escutávamos música e
jogávamos conversa fora.
E foi isso. É a nossa última noite aqui e amanhã chegaremos
em Balneário Camboriú, de volta para nossa realidade.
Preciso admitir que Henrique é muito paciente e ele levou a
sério o negócio de passar o tempo comigo sem sexo. Apesar de
senti-lo me despir com os olhos, não forçou a barra e me deu vários
daqueles beijos que molharam minha calcinha.
Eu devia estar feliz por ele ter respeitado isso, certo? No
entanto, não é exatamente assim que estou me sentindo. Parece
que quando a viagem acabar, o que aconteceu entre nós também
vai ficar para trás. Isso me deixa angustiada e tensa.
Estou com uma tensão muscular nos ombros e uma sensação
ruim no estômago desde o nosso passeio de ontem em Maceió. O
que esse cara está fazendo comigo?
Vai com calma, Marisol. Proteja o seu coração, garota.
Vai com calma, Marisol.
Proteja o seu coração.
Marisol. Vai. Com. Calma.
Rolo na cama várias vezes e várias vezes até que sonolenta,
Ananda resmunga alguma coisa que não entendo e vira o corpo
para o rumo de Beatrice. Deslizo para fora da king size e na ponta
do pé, caminho até a varanda, mas antes pegando meu celular em
cima da cômoda. A telinha colorida mostra que são duas e quarenta
e cinco da manhã. Será que Henrique está dormindo?
Marisol: Acordado?
Bloqueio a tela do celular e o coloco em cima da mesinha de
centro. Abraço o corpo por causa do vento forte e admiro o oceano
escuro. É tão lindo, intenso e devastador. É como me sinto em
relação ao Henrique. Foi tão rápido e eu me perdi nele tantas vezes,
na maioria delas, sem perceber.
Vai com calma, Marisol. Não esqueça de proteger o seu
coração...
O aparelho notifica uma mensagem.
Henrique: Sim. Sem sono.
Marisol: Quer conversar? Ajuda a ficar cansado e é mais fácil
pegar no sono.
Henrique: Tenho um jeito mais interessante de ficar cansado e
pegar no sono.
Marisol: Você só pensa com a cabeça de baixo?
Henrique: Difícil pensar com a cabeça certa quando estou
imaginando você nua.
Ok, o que eu faço com essa informação? Se ele está
pensando em mim nua, com certeza deve estar se satisfazendo de
algum jeito, não é? Deveria ficar ofendida? Não parece certo ficar
assim.
Para ser sincera, fico excitada em imaginar Henrique se
tocando enquanto pensa em mim.
Com o celular nas mãos, saio da varanda e calço meus
chinelos, pego o cartão de bordo e sem fazer barulho, saio da suíte.
Conto os passos até Henrique, são dez bem largos e mais ou
menos quinze passos curtos. Eu sei disso porque recobrei o juízo
assim que cheguei em frente à sua porta e voltei para minha suíte,
mas antes de entrar, criei coragem de novo e voltei para porta de
Henrique.
Respiro fundo e dou duas batidas firmes. Ele não demora
muito em abrir a porta para mim e ao fazer isso, preciso segurar o
ar. O homem está sem camisa, apenas usando uma calça moletom,
os pés descalços e o cabelo despenteado de um jeito super sexy e
quente.
— Oi.
Ele abre um sorriso maroto e abre espaço para que eu entre.
Caminho para dentro da suíte com o coração palpitando rápido.
— Quer conversar? — ele pergunta.
— Sim.
Viro para olhá-lo e noto que Henrique está duro. Engulo em
seco, tento desviar, mas meus olhos parecem encantados com o
volume ali, que meu Deus, é exuberante. Fico com água na boca.
Tô perdida. Louca. Excitada.
— Você tá...
— Duro — ele me interrompe.
— Por quê? O que estava fazendo?
A minha pergunta é meio óbvia, eu sei. Mas nossa, quero
ouvi-lo dizer que estava buscando um orgasmo enquanto me tinha
em sua cabeça, dominando seus pensamentos. Quero que ele diga
que estava buscando a satisfação enquanto pensava em mim.
Quero isso. Muito.
Em passos lentos, mas firmes, ele vem até mim e sem saber
o motivo, eu recuo até encostar o corpo na porta de correr do
guarda-roupa. Henrique apoia o braço no material de madeira, por
cima da minha cabeça e focaliza meus olhos. Suas pupilas estão
dilatadas e está tão lindo, que estou a um triz de derreter.
— Você sabe, Marisol, mas não sei se está pronta pra ouvir.
Estou sim, desembucha.
— Fala — peço.
Os dedos de Henrique enrolam em uma mecha de cabelo e
bem lentamente, vão descendo até o meu colo e em seguida,
desenham traços invisíveis no decote de renda do meu baby doll.
Fico feliz por ter escolhido dormir com ele hoje em vez do conjunto
com estampa de gatinho que eu trouxe.
— Tá tão linda... — murmura ao descer com a mão entre os
meus seios e pousá-la na minha barriga, por debaixo da seda. —
Branco. Combina muito com você — acrescenta com um sussurro
sexy.
— Me diz o que você estava pensando.
— Em você nua, me fazendo delirar enquanto passava o
piercing no meu pau e me chupava.
Uau.
Suspiro.
— Hum...
Ele sorri.
— O que veio fazer aqui, Marisol? — questiona, tirando a mão
que repousava em cima da minha cabeça para prender uma mecha
de cabelo atrás da orelha. — É perigoso ficar aqui comigo.
A mão aperta minha cintura e eu gemo.
— O que você tá fazendo comigo?
— Agora? Nada.
— Não agora, mas durante todo o tempo. Henrique, você me
deixa confusa. Não sei se gosto disso.
— Você faz eu me sentir do mesmo jeito. Não consigo te tirar
da minha cabeça.
O rosto dele vem de encontro ao meu, mas não me beija,
apenas morde o lóbulo da minha orelha, fazendo minhas pernas
estremecerem e um gemido entrecortado escapar da garganta.
Antes que seja tarde demais, empurro Henrique, mas ele é
bem mais alto e todo duro, então não vai para muito longe. Nossos
corpos ainda estão bem próximos.
— Preciso ir embora — digo, revelando a verdadeira medrosa
que eu sou.
— Me deixa te fazer gozar antes — murmura com a voz sexy
e rouca, acelerando meu coração.
Ah, droga. Me fazer gozar antes de ir? Que proposta
maravilhosa, mas me dá tanto medo também. Um orgasmo nunca
foi tão complicado na minha vida.
— Não posso.
Ao me ouvir, noto confusão nos seus olhos azuis.
— Por que não?
— Quem garante que não vai sumir depois de se satisfazer?
— rebato, a voz quase falhando. — Se eu me entregar, você... —
Não consigo terminar de falar.
Ele sorri.
Bem devagarinho, os dedos da mão esquerda de Henrique
descem da minha barriga e vão até o elástico do short do meu baby
doll, me arrepiando toda.
— Marisol, te fazer gozar vai me deixar satisfeito, mas nem de
longe será o suficiente pra me fazer sumir da sua vida, porque eu
quero tanto lamber cada pedaço do seu corpo, quero me afundar
em você e te foder de todo jeito. Quero fazer isso muitas vezes.
Ouvir as palavras de Henrique me derrete igual um cubo de
gelo contra o sol. Não tenho forças para lutar ou impedi-lo de me
tocar. Na verdade, eu quero tanto isso, que meu corpo dói e anseia
por ele.
A sua mão continua no elástico do meu short, mas os olhos
estão presos aos meus de jeito tão intenso e arrebatador, que eu
não consigo dizer nenhuma palavra, mas assinto de leve. Ele
entende no mesmo segundo e bem devagar, a mão vai descobrindo
o meu caminho da felicidade.
Por cima da calcinha, ele roça os dedos de leve na parte mais
sensível e pulsante do meu corpo e eu preciso envolver meu braço
em seu pescoço para não cair no chão. Estou encharcada e não
lembro a última vez que fiquei tão excitada assim.
Henrique afunda o rosto na curvatura do meu pescoço e abro
um pouco mais as pernas, o que ele aprova. O indicador e o médio
arredam minha calcinha para o lado e então, ele começa a me tocar.

Gemo.
É tão bom.
Por que eu estava resistindo mesmo? Não sei...
Os dedos deslizam para minha fenda úmida e ele solta um
grunhido ao me sentir toda molhada. A massagem no meu clitóris
começa de mansinho, fazendo todo meu corpo arrepiar e ficar
estremecido com esse tesão intenso.
Suspirando pesado, ele começa a mordiscar meu pescoço e o
lóbulo da orelha, e os movimentos precisos e deliciosos continuam
ao mesmo tempo em que ele impõe a ereção contra a minha coxa.
Deixo escapar um gemido quando o sinto penetrar um dedo dentro
de mim, depois outro e começarem a fazer um movimento de
vaivém.
— Henrique...
A sua boca procura a minha para um beijo necessitado. É tão
bom senti-lo chupar meu lábio inferior, que o aperto e o trago para
mais perto de mim, choramingando por mais. Passo as unhas nas
costas largas de Henrique, o fazendo gemer no pé do meu ouvido.
E nossa.
Ele gemendo assim é quente e gostoso pra caramba.
Aumenta meu tesão de um jeito absurdo.
— Henrique? — chamo.
— Não me pede pra parar... — ele murmura, me fazendo
morder o lábio inferior. — Tô ficando louco, Marisol.
— Eu sei.
Ele focaliza meus olhos, mas não para de me tocar.
— Quer que eu pare?
— Não. Me chupa, Henrique.
Um brilho devasso toma conta dos seus olhos azuis e meu
coração acelera em antecipação.
Ele retira a mão de mim e os dedos vão de encontro com a
lateral do meu do short do baby doll e então, ele desce o tecido até
os meus pés e depois, devagar e sem tirar os olhos dos meus, tira a
calcinha ao mesmo tempo em que fica de joelhos na minha frente.
Sem dizer nada, Henrique eleva minha perna esquerda e
coloca em cima do seu ombro enquanto eu engulo em seco. Uma
onda de prazer começa a se espalhar pelo meu corpo quando o
sinto lamber e mordicar a parte interna da minha coxa.
Devagar e com intensidade, ele vai fazendo uma trilha de
beijos quentes até a minha barriga, onde ele lambe a tatuagem e
brinca de leve com o meu piercing no umbigo, me roubando
gemidos.
Observo Henrique voltar com a boca para a minha coxa e
nossa, é fascinante ver um homem desse tamanho e todo cheio de
si empenhado em me satisfazer. Deixo escapar um suspiro arfante
quando ele mordisca a minha virilha.
— Henrique — choramingo.
Sem pressa e olhando nos meus olhos, ele vai caminhando
com a língua até a minha abertura molhada. Fecho os olhos e jogo a
cabeça para trás, sentindo um tremor ardente quando Henrique
encontra o meu clitóris.
Caramba.
Ele me chupa com vontade e eu gemo alto. Levo uma das
mãos até os meus seios e aperto com força, mordendo meu lábio
inferior e arqueando os quadris, implorando por mais, inebriada com
a sensação da sua língua me tocando.
Henrique suga meu clitóris e eu choramingo. É tão intenso,
que me deixa sem forças e eu não sei como consegui resistir a ele a
viagem inteira.
— Seu gosto é tão bom — sussurra contra meu clitóris.
Dois dedos me penetram de forma certeira e a única coisa
que consigo fazer é puxar seu cabelo sedoso, bagunçando tudo.
Estou muito perto de ter um orgasmo, mas o quero dentro de mim.
— Henrique — murmuro ao envolver o rosto entre as mãos e
puxá-lo para cima. Noto confusão nos seus olhos, mas antes que
possa questionar, eu digo: — Quero sentir você dentro de mim.
— Porra, Marisol.
De modo feroz, ele toma a minha boca e me prende em um
beijo sedento. As mãos descem até a minha cintura e não demoram
para encontrar a minha bunda, que ele aperta com força.
E é assim que eu percebo que ele estava se segurando.
— Não sabe como eu estava com vontade de fazer isso —
murmura, mordendo o meu ombro e me fazendo gemer.
Henrique me conduz até a cama e tira a minha blusa para
abocanhar um mamilo enrijecido. Ele suga de leve e em seguida, vai
fazendo movimentos circulares com a língua, me fazendo inclinar os
quadris contra ele. A boca sobe para o meu colo e vai até o pescoço
enquanto uma das mãos desce e encontra meu clitóris inchado.
— Quero muito sentir meu pau dentro de você, mas antes
quero te ver gozar — é o que fala, descendo com os beijos quentes
até entre os seios e mais um pouco até encontrar minha barriga.
Henrique abre bem as minhas pernas e se encaixa de modo
perfeito entre elas. Olhando para mim, ele usa a língua para me dar
prazer. O corpo contrai quando ele mexe toda a língua lentamente
de cima para baixo, por toda a minha vagina. Levo as mãos até a
sua cabeça e puxo os cabelos, enquanto gemo seu nome. Henrique
enfia um dedo, depois outro e começa a movê-lo de dentro para
fora, olhando para mim.
— Goza pra mim, linda — ele murmura, a voz vibrando contra
o meu clitóris e me deixando louca.
Ai, caramba.
Jogo a cabeça para trás e fecho os olhos, sentindo a onda de
prazer causada pela língua certeira de Henrique. Meu coração
acelera, as pernas tremem e sinto o couro cabeludo se arrepiar. E
então, deixo que o orgasmo me atinja e me entrego com força a ele.
Ele sai de entre as minhas pernas e mesmo estremecida com
o orgasmo, o observo sob o meu véu de luxúria. Henrique tira a
calça moletom junto da cueca e eu engulo em seco. Uau. Muto
melhor do que eu imaginava. É grande, grosso e só de imaginá-lo
dentro de mim, minhas entranhas se contorcem.
Arrasto-me até a beirada da cama quando o vejo abrir a
primeira gaveta da cômoda e pegar um pacote de preservativo.
Enquanto ele rasga a embalagem, eu agarro seu pau com as duas
mãos e aliso devagar, paralisando o homem.
Sorrio.
De mansinho, coloco a língua para fora e no momento em
que Henrique vê o meu piercing, seus olhos brilham. Inclino-me para
frente e ele deixa escapar um gemido do fundo da garganta quando
lambo a glande.
— Caralho — grunhe, fazendo meu íntimo latejar.
Sorrio e lambo toda a lubrificação, molhando bem o seu pau
antes de colocá-lo todo dentro da boca e começar a sugá-lo, de leve
primeiro e depois dando mais intensidade. Ele leva a mão livre até o
meu cabelo, mas me deixa ditar o ritmo, e eu gosto de vê-lo
estremecer por minha causa. Passo a língua por toda extensão do
seu pau e volto a chupar com vontade, roubando gemidos roucos
dele.
Antes que possa fazê-lo gozar, Henrique me interrompe ao
segurar meu rosto.
— Preciso muito entrar em você.
Dito isso, as mãos ágeis deslizam a proteção sobre o pau e
num movimento hábil, ele senta na cama e com força segura minha
cintura, me colocando em cima dele. Quando nossos corpos se
encaixam e ele afunda dentro de mim, Henrique fecha os olhos e
entreabre a boca.
A sensação de ser penetrada por ele é muito melhor do que
eu esperava. Ele me preenche por completo, com força e causa
sensações incríveis na minha pele.
Jogo as mãos em volta do seu pescoço e encosto meus seios
enrijecidos contra o seu peito duro e trincado. Para liderar o nosso
compasso, Henrique coloca as mãos nos meus quadris e aperta
com tanta vontade, que eu gemo, e só então, começa a me guiar
nos movimentos de baixo para cima, que são intensos e rápidos.
Henrique aperta minha bunda e morde meu ombro enquanto
cavalgo nele com todo o tesão que andei reprimindo desde que o
conheci. Ele crava os olhos nos meus de um jeito quase hipnótico
por um longo segundo antes de inclinar a cabeça para frente e
chupar meu lábio inferior.
Gemo o seu nome e isso é o suficiente para ele aumentar o
ritmo e me penetrar cada vez mais fundo, o que arrepia todo o meu
corpo. Uma das mãos passeia pelas minhas costas e vai subindo
até encontrar minha nuca, onde ele entrelaça os dedos nos meus
cabelos e puxa.
— Porra, Marisol... você é uma delícia — murmura, a
respiração irregular. — Tão gostosa. — Cola a boca na minha e
morde meu lábio inferior.
Com a mão na minha cintura e outra no cabelo, ele faz algo
que achei que fosse impossível, aumenta ainda mais o nosso
compasso. E uau, eu gosto da força impiedosa que ele coloca na
hora de afundar o pau dentro de mim. Gosto do jeito que ele me
aperta e me morde. É intenso e me faz querer derreter em seus
braços.
— Henrique, eu acho que eu vou... — Nem consigo terminar
a frase. Sinto o orgasmo se aproximando com muita força, os
espasmos tomam conta de mim e os meus músculos começam a se
contrair em torno dele.
Quando Henrique sente o meu orgasmo chegando, também
se entrega ao seu. Olhando nos meus olhos, ele me segura firme e
continua flexionando o quadril contra mim, penetrando mais fundo e
com uma intensidade absurda, depois deixa escapar um gemido
rouco ao explodir e alcançar o clímax.
Henrique enfia o rosto no meu pescoço e beija a curvatura
algumas vezes, me fazendo sorrir. Ainda permanece dentro de mim
e faz alguns movimentos suaves, enquanto tento me recuperar do
meu orgasmo.
Com delicadeza, ele me deita na cama e beija minha testa
antes de sair de dentro de mim, e eu percebo que sinto falta de ser
preenchida por ele. Henrique dá um jeito na camisinha e vem se
acomodar ao meu lado, me puxando contra o seu peito largo e
musculoso.
Respiro fundo.
— Tá satisfeito agora? — pergunto, e seu peito treme no
momento em que ri.
— Marisol... — ele fala ao levar a mão grande até o meio das
minhas pernas e solto um gemido involuntário. Engulo o nó na
garganta. Eu acabei de ter dois orgasmos incríveis, por que ainda
quero mais dele? Nossa e eu quero muito. — Preciso de muito
ainda pra ficar satisfeito.
— É?
— Uhum.
— E como você vai resolver isso?
— Me afundando em você até eu cansar — murmura,
mordiscando o meu pescoço e começando com os toques sutis no
meu clitóris, mas quando penso que vai continuar, ele para.
— O que foi?
— Quero que passe um tempo comigo fora desse navio
também. — De maneira doce, a mão vai até o meu rosto e prende
uma mecha atrás da orelha. — Quer tentar?
— Ficar com você fora daqui?
— Sim.
Meu coração acelera e eu me sinto uma adolescente.
Sempre fui o tipo de mulher que tem a resposta na ponta da língua e
nunca levou desaforo para casa, mas por que não consigo
responder a uma pergunta simples de Henrique? Ele me deixa sem
palavras, não de um jeito ruim, mas ainda não sei como me sentir
em relação a isso.
É possível a gente se apaixonar tão rápido assim?
Cansado de esperar por uma resposta em voz alta, Henrique
cobre a minha boca com a sua e mergulha a língua em mim, me
envolvendo em um beijo calmo e apaixonado, que vibra direto no
meu coração.
— Vou te ver fora daqui de qualquer jeito.
Enrugo o nariz.
— Ah, é? Por quê?
Henrique abre um sorriso convencido.
— Eu te devo uma bicicleta.
Ter Marisol na minha cama pela manhã é algo incrível e com
certeza fácil de me acostumar. Melhor ainda é acordar com ela me
tocando, querendo sexo matinal. Ela tem um fogo capaz de
incendiar o quarto inteiro, e eu adoro isso.
Foi difícil sair de dentro dela para organizar minhas coisas
para desembarcar do navio. Ela tinha passado a noite comigo e eu
me afundei nelas tantas vezes, que nem lembro o momento exato
em que dormimos, porque estávamos exaustos, mas mesmo assim,
já estou sentindo falta dela.
Minha vontade é de levá-la direto para o meu apartamento e
ficar com ela o resto do dia, o que não aconteceu. Marisol precisa
ver os pais e eu preciso voltar para o trabalho. Meu celular não para
de notificar mensagens de Joaquim, perguntando se já cheguei.
— Como foi a viagem? — Heloísa pergunta. Ela veio me
buscar no terminal portuário e está com uma aparência ótima. Acho
que tirar férias de mim fez bem para ela também.
— Muito boa.
— O senhor parece diferente — comenta ao parar em um
sinal vermelho e olhar para mim. — Por acaso, o senhor conheceu
alguém?
Meu celular vibra, me salvando de Heloísa. Mesmo que não
queira responder meu irmão, é melhor do que falar sobre a minha
vida amorosa como ela.
Henrique: Cheguei. Vou passar no meu apartamento e depois
vou pro escritório.
Joaquim: Vou avisar todo mundo.
Henrique: Não. Depois do trabalho vou lá em casa, acalmar a
fera.
Joaquim: Corajoso. Tem minha admiração.
Reviro os olhos ao ler a última mensagem do meu irmão, mas
sorrio. Bloqueio a tela do celular e enfio o aparelho no bolso de
novo.
— Uau. O senhor está sorrindo... essa viagem foi muito boa
mesmo — Heloísa comenta, me encarando de rabo de olho.
Desfaço o sorriso no exato momento em que ela fecha a boca, me
inclino para frente e ligo o som do carro, depois viro o rosto para a
janela e fico em silêncio o resto do caminho.
Quase duas horas mais tarde, estou enfiando a chave na
fechadura da porta do meu apartamento, mas ela não abre. Começo
a soltar um monte de resmungos e me dou conta do que Joaquim
disse uns dias atrás sobre a nossa mãe ter trazido um chaveiro aqui.
Respiro fundo e tateio o bolso atrás do celular, mas antes que
possa discar o número do meu irmão, a porta do apartamento se
abre e do lado de dentro, meus olhos encontram uma cabeça loira
de olhos meigos.
— Mãe...
Ela sorri e recua um passo para que eu possa entrar. Deixo a
mala e a mochila no hall de entrada antes de encarar a mamãe.
Para minha surpresa, ela envolve os braços em volta do meu
pescoço e me prende em um abraço apertado, me fazendo respirar
fundo. Ela tem um cheiro tão bom e familiar, por um momento, é
como se nada de ruim pudesse alcançar minha vida.
— O que deu em você pra sumir desse jeito? Quase me
deixou louca.
— Eu precisava de férias.
Ela estreita os olhos para mim.
— Não me venha com essa, eu te conheço. Senta essa
bunda no sofá e me fale o que realmente aconteceu — ordena e por
um milésimo de segundo, viajo para o passado e vejo aquele
garotinho de dez anos, encabulado por ter feito algo de errado e a
mãe pronta para lhe dar um sermão, ensinando o que é certo e
errado. — Henrique, você sempre foi responsável e nunca sumiu
desse jeito. Eu sei que aconteceu alguma coisa.
— Joaquim falou que eu estava voltando? — é o que eu
pergunto, fazendo minha mãe enrugar o nariz pequeno.
— Isso não vem ao caso.
É claro que foi ele.
— Mãe, é uma longa história e eu preciso passar lá no
escritório, podemos ter essa conversa depois?
— Nissa veio me procurar — ela comenta e eu sinto meu
corpo inteiro enrijecer. — O que aconteceu? Ela disse que precisava
falar com você, é sobre...
— Não quero falar dela — interrompo, parecendo uma criança
mimada e eu odeio me sentir assim.
Minha mãe passa as mãos nos cabelos loiros e respira fundo,
contrariada.
— O que aconteceu entre vocês?
— Mãe...
— Sei que tem coisa aí, eu sou sua mãe e sinto isso. Achei
que fosse melhor esperar até você se abrir, mas nunca aconteceu.
Três anos, Henrique. O que aconteceu de verdade no seu
casamento? E não me diga que se separaram porque Nissa queria
morar fora do país, porque é mentira.
— Mãe, eu cheguei de viagem agora, não podemos ter essa
conversa depois?
— Não.
Depois de falar, ela caminha de maneira majestosa até o sofá
macio e se senta, cruzando as pernas e me fazendo olhar seus pés
calçando sapatilhas confortáveis. Será que é a hora certa para eu
lhe dar os presentes que comprei em Fortaleza? Quando ela ergue
uma sobrancelha loira para mim, eu sei que não. Melhor esperar o
seu aniversário, ele já está chegando de qualquer forma.
Sento-me ao seu lado.
— É tão complicado, mãe. Não sei nem por onde começar.
— Comece me dizendo o motivo de ter fugido desse jeito.
Respiro fundo e penso em mentir.
A mamãe sempre foi muito amorosa, mas firme com a mesma
intensidade. Ela não nasceu em berço de ouro e por isso meus
irmãos e eu tivemos uma educação forte. Com ela, eu aprendi a dar
valor ao que tínhamos, à nossa família, e claro, a não mentir. No
entanto, não consegui ser sincero com a minha mãe nenhuma vez
depois do término do meu casamento.
Ela ficará muito decepcionada comigo? Com certeza, e
mesmo que vá partir seu coração, acho que ela não quer ouvir
mentiras.
Mentiras... para começo de conversa foi isso que destruiu
minha relação com a Nissa.
— Não queria ver a Nissa. Fiquei doido, mal-humorado e
decidi embarcar em uma viagem de cruzeiro.
Ela assente, digerindo a informação.
— Quando você se separou, disse que foi um divórcio
amigável, por que não consigo acreditar nisso?
— Porque eu menti.
— Certo. O que aconteceu?
Meus olhos focalizam os dela e eu sinto como se um peso no
peito me impedisse de respirar. Mamãe sempre deu muito valor a
família e essas coisas, como ela vai se sentir depois de ouvir o que
tenho a dizer?
— Henrique. — Ela coloca sua mão enrugada contra a minha
e aperta. — Sou sua mãe, é meu dever cuidar de você e dos seus
irmãos. Mas além disso, é o que eu gosto de fazer... cuidar dos
meus meninos. Então, fala comigo.
Suspiro e deixo os ombros caírem.
— Nissa estava grávida e perdeu o bebê naquele acidente de
carro, e estou ciente da minha parcela de culpa. Ela era uma garota
brilhante, merecia mais, morar em outro país e viver de arte, como
sempre quis, não sei. Mas eu nunca quis sair daqui e ela achou que
pudesse me fazer mudar de ideia. Então, a gente brigou feio
naquela noite, eu disse coisas que me arrependo e talvez ela
também. Depois da nossa discussão, ela pegou o carro e saiu. E
mãe, eu estava tão irritado que não fui atrás. Quando recebi a
ligação, corri pro hospital e lá, fiquei sabendo que ela estava grávida
de sete semanas e que o bebê não resistiu.
— Querido... — ela murmura, os olhos brilhando por conta
das lágrimas contidas. — Sinto muito.
Balanço a cabeça de um lado para o outro, meio atordoado.
— Foi cruel o que aconteceu e eu achei que pudéssemos
superar, mas com o passar dos dias, meu casamento foi por água
abaixo. — Olho para minha mãe e sinto o meu peito subir e descer
com a respiração pesada. E doer também. Ele dói como se alguém
tivesse me apunhalado. — Eu me joguei no trabalho e Nissa foi
procurar consolo nos braços do Leandro. Foi por isso que nos
separamos, mãe, porque eu falhei de tantas maneiras com ela. Eu
sei que joguei Nissa nos braços de outro homem e pensar nisso me
irrita. Eu tenho raiva dela, porque na verdade, eu tenho raiva de mim
também — falo, sentindo meus olhos arderem.
No fundo, eu sei que nunca contei nada para minha mãe,
porque tenho vergonha de mim. Eu não lutei pelo meu casamento,
eu não fiquei ao lado da Nissa quando perdemos o bebê, eu só me
joguei de cabeça no trabalho e deixei as coisas acontecerem. E elas
aconteceram, do jeito mais errado e dramático possível. Ela me traiu
com meu melhor amigo e eu passei a odiá-los.
E talvez a verdade seja bem simples, eu me odeio muito
também.
— Eu sinto muito, mãe.
Sem dizer nada, ela envolve os braços em mim e me puxa
para um abraço. Mamãe chora um pouco e eu me sinto a pior
pessoa do mundo por estar roubando lágrimas de alguém tão
incrível como ela.
— Henrique, eu sou sua mãe — começa a falar ao se afastar
de mim. — Você devia ter me contado... ou devia ter superado a
morte do bebê junto da sua esposa e não se afogando no trabalho.
Sinto o coração doer.
— Eu sei.
— No entanto, você não tem culpa de ser traído. E a culpa do
casamento ter acabado não é só sua, é da Nissa também. Vocês
deviam ter conversado, não se trancando em mundos diferentes. O
casamento serve pra isso, compartilhar as alegrias e tristezas, é
uma aliança entre duas pessoas que se amam.
— Talvez a gente não se amasse de verdade.
Ela suspira e com as costas das mãos, limpa as lágrimas que
continuam escorrendo de seus olhos claros.
— Vocês se amavam sim, mas não o suficiente para viverem
juntos em um casamento.
— Muito decepcionada comigo?
Em meio a sua tristeza, ela abre um sorriso meigo.
— Não. Todos nós erramos, Henrique. Eu mesma já cometi
muito erros sendo mãe e esposa.
— Impossível, a senhora é perfeita — sussurro, e ela me puxa
para mais um abraço e eu me permito ser consolado pela minha
mãe.
— Não sou, querido. — Passa as mãos entre meus cabelos e
ficamos assim por um minuto muito longo. — E como foi a sua
viagem? — pergunta, tentando mudar de assunto e eu agradeço em
silêncio por isso.
— Foi boa.
— Só isso?
Afasto-me dela e hesito por alguns instantes, pensando se
devo ou não falar de Marisol. Talvez eu deva, já que ela foi a única
mulher que me fez querer mais do que apenas sexo sem
compromisso depois do meu casamento fracassado. Quero tantas
coisas com Marisol, que me assusta um pouco. Como ela conseguiu
se tornar importante pra mim em tão pouco tempo? Pareço um
daqueles adolescentes que se apaixonam fácil.
— Conheci alguém.
Ela arregala os olhos, surpresa.
— E se está me dizendo isso, significa que ela é importante,
não é? — questiona, mas não sei o que responder, então, minha
mãe continua: — Você sempre foi muito discreto, Henrique. Tem
trinta anos e só me apresentou uma garota como namorada, a
Nissa. E eu acho que nem conta, porque eu a conheço desde que
era uma criança. Você só a levou em casa e disse... mãe, nós
estamos namorando. — Brinca, e eu sorrio. E eu me dou conta de
que não lembro a última vez que sorri em uma conversa envolvendo
o nome da minha ex.
— É, acho que não sou exatamente um livro aberto.
— Como ela é?
— Parece um furacão... raivoso.
Uma verdadeira rabiosa. O pensamento me faz sorrir.
— Como é?
Rio.
— Você vai gostar dela, mãe. Ela é meio rabugenta, mas não
diga isso a ela, porque ela acha que não é.
Minha mãe começa a rir também.
— Deve combinar com você, então — comenta e leva a mão
até o meu rosto para fazer carinho. — Espero que não demore em
me apresentar essa garota.
Suspiro.
— Ainda é cedo. — Eu me ouço dizendo. É cedo, mas tenho
a sensação de que vivemos uma vida juntos. E já estou com tanta
saudade dela, que me sinto ridículo. Marisol deve ter jogado algum
feitiço em mim...
— É cedo, mas você já está apaixonado.
Quando entro na casa dos meus pais, sou recebida por uma
bola de pelo caramelo. Não demoro nem três segundos para
reconhecer o cachorrinho que resgatei há quase três semanas. Ele
está diferente, limpo, saltitante e gordinho. Incrível como o amor faz
bem aos animais... às pessoas também.
Tá bom, Marisol, para de viajar na maionese.
— Alguém me explica o que aconteceu?
Meu pai chorão passa as mãos na careca brilhante e abre um
sorriso largo, enrugando todo o rosto que eu tanto amo.
— Ele precisava de um lar. — Ele se explica e dá de ombros.
Agacho-me para pegar o cachorro no colo e lanço uma
olhada para meu outro pai, que suspira e me encara de volta com
uma cara de quem diz “nem tente entender”. Tiro as sandálias, me
jogo no sofá e apoio os pés na mesinha de centro com tampa de
vidro.
— Qual o nome?
— Cenoura — os dois falam ao mesmo tempo, me fazendo rir.
— É que ele adora o legume. — Meu pai chorão explica.
— Cenoura — murmuro e começo a fazer carinho na pança
fofa dele. — Combina, eu acho.
Meus pais se acomodam no sofá, um de cada lado e me
abraçam apertado, fazendo um sanduíche de mim. Meu careca
preferido me enche de beijos e fica falando para nunca mais eu
viajar e passar tantos dias longe.
— Passou rápido, pai.
— Pra você, não pra mim — resmunga.
— Você sofre daquele problema.... como é o nome mesmo?
Ah, sim. Transtorno de ansiedade de separação. — Brinco.
— Ah, com certeza ele sofre disso. Falou de você todos os
dias e por isso foi lá na ONG adotar o cachorro.
Olho para o meu pai chorão e levo a mão até a sua careca e
aliso, rindo ao lembrar de quando entrei na vida deles e comecei a
chamá-los de pai, eu falava “o pai careca” e o “pai com cabelo”.
Como eu, eles adoravam isso.
— Já voltei, não precisa mais sofrer, tá bem?
Ele ri, mas assente.
— Vamos almoçar? Eu mesmo cozinhei hoje e fiz aquele
pudim de leite que você adora — meu pai fala ao levantar do sofá e
caminhar na direção da cozinha, me deixando sozinha com o
Cenoura e o careca.
— Quem é aquele rapaz?
Além de careca e chorão, ele é curioso também.
— Que rapaz?
— Você mandou foto dele no grupo da família. Mas quando
perguntei quem era, você se fez de desentendida.
Engulo em seco.
— Ah, aquele rapaz.
Claro que tinha me arrependido de ter mandado a foto de
Henrique para os meus pais. Na verdade, quando perguntaram
quem era, eu respondi “ah, sei lá, achei no bar” e achei que tivesse
sido suficiente, mas pelo visto não foi.
— Querida... — meu pai fala depois que fico muda pelo
minuto mais longo da história.
— É o idiota da BMW.
— O que quase te atropelou? Seu pai falou por alto.
— É, acho que a gente tá... saindo — digo, me sentindo
estranha. Falar que estamos saindo parece raso, mas em
contrapartida, não sei como rotular Henrique sem parecer que estou
desesperada por ele.
— Parece bem mais que isso.
Levanto os olhos e encaro meu pai. Ele é o que podemos
dizer “as aparências enganam”. O homem é todo musculoso, cheio
de tatuagem e quando está sério, a cara carrancuda assusta
qualquer um, mas é um ursinho de pelúcia por dentro, chorão e
também muito romântico. Na verdade, foi ele quem pediu meu outro
pai em casamento, com direito a declaração melosa e tudo, que me
faz chorar sempre que vejo o vídeo do jantar. Sim, ele tem tudo
filmado. Não só isso, mas desde que nos tornamos uma família de
três, ele vive filmando almoços de domingo, passeios, aniversários,
natais e essas coisas. É um romântico incorrigível.
— Ainda não sei, tenho medo.
— Por causa do Caleb?
Assinto.
Caleb foi uma barra. Ele fez muito esforço para entrar no meu
coração, investiu muito tempo em me fazer confiar nele. E vou
sincera, quando o conheci, eu estava quebrada.
Eu amo os meus pais de forma incondicional, eles foram a
melhor coisa que aconteceu na minha vida, mesmo assim, eu não
conseguia deixar de pensar na minha mãe e em como a vida foi
injusta comigo ao tirá-la de mim. Fiquei remoendo isso por muito
tempo, até que percebi que não valia a pena tentar entender a vida.
Quando estava me erguendo, descobri que crianças podem ser
cruéis também. Sofri muito na escola por ter dois pais. Bati em muito
menino escroto por desrespeitar os dois homens maravilhosos que
entraram na minha vida. Foi assim que aprendi que tinha que ser
firme, não abaixar a cabeça e desestabilizar qualquer homem
babaca que ofendesse minha família.
E Caleb apareceu, com muito esforço, conseguiu entrar no
meu coração e não vou mentir e dizer que não fomos felizes, porque
nós fomos. Mas enquanto eu sonhava em construir uma família, ele
comia a melhor amiga e esmagava meu coração.
É tão difícil me entregar para outra pessoa de novo. Eu
estava vivendo bem sozinha. Meu coração estava seguro, eu estava
feliz, mesmo que me sentisse incompleta algumas vezes.
Mas agora, eu não consigo olhar para frente, porque tenho
medo. Não sei se Henrique vai estar lá e seja qual for a resposta,
vai me deixar apavorada. Se ele não estiver é porque não deu certo.
Se ele estiver é porque deu certo e se tornou tão importante para
mim, que ainda permanece na minha vida, mas isso ainda não
garante que meu coração esteja seguro.
— Antes de conhecer seu pai, eu me decepcionei muito, filha.
— Isso é pra me animar ou desanimar de vez?
Ele ri com a minha pergunta.
— É pra te fazer entender que você vai escolher a pessoa
errada até encontrar a certa. Seu coração vai doer, vai parecer que
a dor é insuportável, mas você vai se recuperar e começar a amar
de novo. Não pode trancar as portas do seu coração e esperar a
pessoa certa sentada, querida. Seu coração vai errar até encontrá-lo
e tá tudo bem, não tem problema.
— Parece fácil, pai.
— Não se preocupe, filha. Vou sempre catar os pedacinhos
do seu coração e ajudá-lo a se curar.
Sinto os olhos arderem e a garganta amargar. Não posso
chorar, porque se isso acontecer, ele vai chorar também e às vezes,
é impossível fazê-lo parar.
— Seu pai tem razão, meu amor — meu outro pai diz ao me
abraçar por trás e noto que o Cenoura está nos observando curioso.
— E eu também vou cuidar do seu coração. Vou curá-lo com muitos
beijos e pudim de leite.
Ah, droga.
Começo a chorar.
— Obrigada por tudo. Obrigada por serem meus pais — falo
com a voz embargada e tento limpar as lágrimas.
Meu pai careca começa a chorar e em meio ao choro, eu rio.
Lanço um braço em cada um deles e os puxo contra o corpo,
envolvendo os dois em um abraço apertado e desajeitado. Cenoura
lambe o meu rosto e nós três rimos.
Talvez eu não esteja livre de ter o coração partido e pode ser
que isso ainda aconteça muitas vezes, mas ficarei bem enquanto
tiver meus pais comigo.
Quando a minha conferência internacional acaba, afrouxo o
nó da gravata, aliviado. Cheguei no escritório às seis horas da
manhã e já são quase cinco da tarde. Passei o dia enfurnado no
escritório e resolvi todos os problemas que surgiram enquanto eu
estava viajando.
Ficar o dia ocupado não foi o suficiente para não pensar em
Marisol. Na verdade, eu divaguei muito na minha conferência e do
nada comecei a rir ao lembrar do momento em que rolamos escada
abaixo no navio.
Louco.
Eu estou ficando louco.
E meio ansioso também. Daqui a duas semanas vou viajar
para Madrid por causa do lançamento da minha linha de produtos
sustentáveis e só de pensar em ficar longe de Marisol, me sinto
angustiado.
Será que minha mãe tem razão sobre eu estar apaixonado?
Entro na minha sala, arrancando a gravata e me jogando no
sofá. Antes que possa conferir minhas notificações no celular,
Heloísa bate na porta e entra. As sobrancelhas se unem em
confusão ao me ver tão relaxado.
— Quem é você e o que fez com o meu chefe?
Reviro os olhos.
— Se eu passo o dia estressado você reclama, se fico
relaxado também? Precisa se decidir, Heloísa.
— Minha saúde mental agradece se o senhor permanecer
assim — fala, endireitando os óculos de grau ao sentar na cadeira
de frente para à minha mesa, e eu continuo deitado. — Preciso sair
mais cedo hoje...
— Tudo bem — interrompo Heloísa.
— Sério?
— Eu também estou quase saindo.
Todo o rosto de Heloísa se enruga e ela confere as horas no
relógio de pulso.
— Mas ainda são dezesseis horas e cinquenta e três minutos.
O senhor nunca saiu do escritório antes das dezenove. Tá tudo
bem?
— Tudo ótimo.
Minha secretária me encara com desconfiança palpável.
— Tem certeza?
— Melhor você ir antes que eu me arrependa e te faça ficar
aqui até as dezoito — resmungo e num solavanco, Heloísa fica em
pé. Abre um sorriso largo para mim e antes de sair diz que sou o
melhor chefe do mundo.
Sozinho de novo, confiro o celular e não tem nenhuma
mensagem da Marisol. Conversamos um pouco hoje de manhã. Um
pouco? Aquilo foi quase nada. Ela estava na casa dos pais, mandou
foto do cachorro caramelo, que agora se chama Cenoura e me
desejou um bom-dia e fim.
Digito uma mensagem para ela.
Henrique: Ainda está trabalhando?
Ela demora uns cinco minutos para mandar algo de volta.
Marisol: Sim, e você?
Henrique: No momento não. Vamos jantar hoje?
Marisol: Já quer me ver?
Henrique: Não é óbvio?
Marisol: É sim :P
Henrique: O que você gosta de comer?
Marisol: Muita coisa. E você?
Henrique: Meu novo prato preferido é você.
Marisol: Muito romântico, Henrique.
Henrique: Vou cozinhar pra você. Diga o que quer comer.
Marisol: Vai cozinhar? Isso quer dizer que tá me chamando
pra ir na sua casa?
Henrique: Sim. Meu quarto é mais perto da cozinha do que se
a gente for em algum restaurante.
Marisol: Hum, então, eu sou a sobremesa.
Henrique: Exatamente.
Marisol: Que horas?
Henrique: Às sete e meia?
Marisol: Combinado. Pode cozinhar qualquer coisa, não sou
tão exigente.
Rio ao ler a última mensagem. Não é tão exigente? A mulher
tem cara de ser a exigência em pessoa.
Henrique: Não vou te deixar voltar pra casa.
Marisol: Amanhã eu trabalho.
Henrique: Eu te levo no trabalho.
Marisol: Não sei, vou pensar.
Henrique: Rabiosa...
Marisol: Você gosta.
Henrique: Tem razão, eu gosto mesmo.
Levanto do sofá e vou para minha mesa, ligo o monitor e
começo a pesquisar o que fazer para o jantar. Sempre gostei de
cozinhar e me dou muito bem entre as panelas, mas isso não
significa que eu esteja apto a participar do masterchef. Isso é pedir
demais para as minhas capacidades culinárias.
Depois das minhas andanças nos sites de receitas, escolho
algumas e faço uma lista bem grande com os ingredientes. Visto o
terno e arrumo minhas coisas, pronto para sair do escritório, quando
dou de cara com Joaquim.
— Opa, opa, qual nome desse furacão?
Marisol.
— Preciso ir, tenho compromisso.
Ele estreita os olhos, me analisando por alguns instantes,
depois passa a mão em cima da minha cabeça, na tentativa de
ajeitar meu cabelo revolto.
— Eu vim aqui perguntar como você está, mas já tenho uma
resposta. Estranhamente feliz e meio irritadiço, um pouco
apreensivo e levemente eufórico.
Fecho os olhos por uma fração de segundo.
— Você devia ter se formado em psicologia. Tem talento,
Joaquim — retruco com sarcasmo. — Eu tô bem.
Meu irmão abre um sorriso largo.
— É, irmão, eu tô vendo. Marisol, né?
— A mãe já te contou? Meu Deus, vocês dois não conseguem
ficar de boca fechada — resmungo e ele ri.
— Vai lá, depois a gente conversa — fala e bate no meu
ombro, me incentivando a ir embora e eu não hesito em sair.
Apressado, vou até o elevador e o chamo, ansioso para fazer
minhas compras no supermercado.
Paro por um segundo. Ansioso para fazer compras no
supermercado? Marisol, olha o que você está fazendo comigo.
Já no estacionamento, deslizo para o banco do motorista e
dirijo até o supermercado mais próximo do escritório Dupont, que
fica na principal avenida da cidade, a Beira Mar Norte. E talvez eu
esteja mesmo de bom humor, porque pela primeira vez em muito
tempo reparo na vista e percebo que é linda e o cheiro do mar é
bom.
Com a minha lista, entro no supermercado. Não tinha
exatamente decidido qual das receitas fazer, então compro tudo.
Ingredientes para risoto e escondidinho de camarão, espaguete à
carbonara e alcatra ao vinho, e como não manjo de sobremesa,
pego um pote de sorvete.
Passo as compras no caixa e volto para o carro num pulo. O
caminho até o meu apartamento é meio lento por causa do trânsito,
mas nem isso consegue estragar o meu dia. No caso, não vai
conseguir estragar minha noite.
Já no prédio onde moro, antes de subir para o apartamento,
aviso ao porteiro que vou receber visita e que Marisol pode subir
sem ser anunciada. Coloco as compras em cima da ilha da cozinha
e digito uma mensagem para ela com o meu endereço.
Tomo uma ducha fria, só assim para apagar o fogo que essa
mulher causa em mim. Visto roupas confortáveis e de pés
descalços, caminho para a sala, pegando o controle remoto ao ir na
direção da cozinha. Meu apartamento tem todo um conceito aberto,
então de onde estou, consigo ver a televisão. Ligo-a a e conecto no
Youtube. Como não decidi o que cozinhar, vejo vídeos de receita até
escolher o que será o nosso jantar.
Em algum momento da minha vida, o relógio decidiu que as
coisas para mim não serão fáceis e as horas passam voando.
Dezenove horas e eu ainda não sei o que cozinhar. Opto pela
alcatra ao vinho e começo os meus preparos. Não lembro a última
vez que cozinhei para alguém. Espero que esteja à altura da Sra.
Não Sou Tão Exigente.
A campainha toca quando estou prestes a fritar o alho e a
cebola. Desligo o fogão e limpo as mãos antes de abrir a porta. Meu
coração bate mais forte no momento em que meus olhos pousam
em cima dela e eu vejo como está linda. Perfeita.
O cabelo solto está diferente, cheio de cachos suaves e
gostei muito de vê-los assim. Ela está usando um vestido curto,
branco e florido, marca bem a cintura fina e é solto na parte das
coxas. É bem diferente da Marisol que eu via no navio todo dia, que
estava sempre vestida de jeito provocante e sedutor. Agora, é como
se ela tivesse ficado mil vezes mais bonita com esse visual meigo e
ainda assim, muito sexy.
Controlando o meu lado primitivo, respiro fundo e recuo um
passo, convidando Marisol para entrar. Quando passa por mim e me
entrega a garrafa de vinho que trouxe, o cheiro de perfume doce me
atinge como um soco no nariz.
Caralho.
Vai ser difícil me controlar até depois do jantar.
— Seu cabelo... — comento, tentando manter minha cabeça
ocupada. — Gostei deles assim.
Ela sorri.
— Obrigada. É ele natural.
— É perfeito.
Com a garrafa na mão, vou até a cozinha com Marisol na
minha cola. Pego duas taças de dentro do armário e sirvo o vinho.
Passo o copo de cristal para ela e quando os seus dedos roçam no
meu, eu sei que vai ser quase impossível me controlar.
— Mora aqui há muito tempo? — ela pergunta depois de
beber um gole pequeno de vinho. — E por favor, não diga que essa
era a casa onde você e sua ex viviam. Não quero sentar no sofá e
descobrir que vocês transaram lá — zomba, me fazendo rir.
— Moro aqui há pouco mais de dois anos e meio e pode ficar
tranquila. Sem recordações desse tipo.
Ela ergue o queixo e endireita os ombros.
— Ótimo.
Bebo todo o vinho da minha taça de uma vez e volto para
detrás do fogão. Melhor começar com esse jantar logo de uma vez.
Não vejo a hora de saborear a minha sobremesa de pele morena
bronzeada.
Concentro toda a minha atenção no jantar que nem percebo o
que Marisol está fazendo. Nem tenho oportunidade de colocar o bife
na frigideira quente, porque ela me chama com uma voz sedutora.
Ao olhá-la, sinto o meu mundo parar.
Marisol tirou o vestido. Os cabelos com cachos suaves
cobrem os seios redondos e empinados e ela está usando apenas
uma calcinha de tecido macio. Ondas incríveis vão direto para o
meu pau e ele pulsa quando o desejo toma conta de mim.
— Marisol...
A manteiga na frigideira começa a queimar e é isso que me
fez acordar do êxtase. Desligo o fogo e despejo tudo na pia, meio
atordoado com a visão desse furacão nua ao meu lado.
— Podemos começar pela sobremesa? — murmura,
mordendo o lábio inferior. — Senti falta de você.
Faz apenas setenta e duas horas desde a última vez que eu a
vi, mesmo assim, senti falta dela também. Tanta, que mal consegui
dormir de noite ou me concentrar no meu trabalho.
Avanço na direção da Marisol e as minhas mãos voam direto
na sua cintura, apertando contra o corpo e a ereção completamente
ereta, que está latejando e ameaçando explodir contra a calça
jeans. Minha boca encontra a sua e a língua passa entre os lábios
sem cerimônia. Quando sinto o metal do piercing na minha boca,
fico louco de tesão.
Afasto-me um pouco, apenas o suficiente para conseguir
descer com o rosto e abocanhar um seio. Ela geme assim que
minha boca toca o mamilo enrijecido. Marisol enterra os dedos nos
meus cabelos e puxa com força à medida que o prazer vai
aumentando.
— Henrique — geme.
— Me diz o que você quer — falo, a voz soando baixa e
autoritária.
Estou louco para ouvir Marisol me pedindo para chupá-la de
novo. Escutar isso na outra noite foi como uma injeção de tesão. Foi
tão sexy e só de lembrar, me sinto agitado e mil vezes mais
excitado.
Sem dizer nada, ela passeia com as mãos pelo meu abdômen
e aos poucos vai descendo até o zíper da minha calça jeans, que
ela puxa para baixo, olhando dentro dos meus olhos. De repente,
Marisol se abaixa e libera meu pau, fazendo meu coração bater forte
e rápido.
Caralho.
Ela pisca devagar e de forma sexy, ainda sem falar nenhuma
palavra, Marisol desliza a língua com o piercing em torno da pele
molhada do meu pau. Sinto o corpo inteiro arrepiar e espasmos
tomando conta de mim. Ela faz um círculo demorado com a língua
na glande, para então, engoli-lo inteiro até quase engasgar. Jogo a
cabeça para trás, rendido ao prazer.
Puta que pariu.
À medida que ela engole o meu pau inteiro e os lábios voltam
para a cabeça, num movimento ritmado e firme, sinto o corpo
querendo explodir em um orgasmo incrível. Nossa, quero muito
gozar nessa boca carnuda e sexy.
Levo as mãos até os seus cabelos, mas deixo-a ditar o
compasso. Ela sabe o que faz e cacete, é bom pra caralho. Preciso
de muita força de vontade para não gozar igual um adolescente com
problema de ejaculação precoce.
— Marisol — murmuro, a voz soa rouca. — Vai com calma ou
eu vou gozar — acrescento, admirando-a.
Os olhos de chocolate encontram os meus e ouvir minhas
palavras serve como combustível para ela, pois Marisol aumenta o
ritmo e me faz gemer. Meu corpo está a um triz de desabar.
— Marisol... se continuar assim, eu vou gozar — murmuro,
mas ela me ignora. E caralho, ainda bem, porque está tão bom que
não vejo um fim diferente para o momento. Eu vou gozar gostoso
nessa boca e vê-la engolir até a última gota da minha porra.
O corpo todo começa a estremecer com a aproximação do
orgasmo, então, solto os cabelos de Marisol, fecho os olhos e inclino
a cabeça para trás, deixado as sensações tomarem conta de mim e
eu explodo com força na sua boca quente.
E cacete, é bom. Muito bom.
Mesmo depois de gozar, ela continua me chupando e passa a
língua com piercing uma última vez no meu pau antes de ficar em
pé de novo.
— É isso que eu queria — murmura e gruda a boca na minha,
e eu a beijo com vontade e sinto uma necessidade absurda de me
afundar dentro dela.
Agarro a sua cintura com força e a coloco em cima da ilha da
cozinha. Abro as suas pernas e com os dedos massageio a abertura
úmida por cima da calcinha, fazendo-a gemer e arquear o quadril na
direção da minha mão.
Inclino-me sobre ela e com os dentes, vou descendo o tecido
até a metade das coxas e depois passo pelos seus pés enquanto
Marisol me observa extasiada. Meu rosto se enterra de maneira
perfeita na sua boceta e ela puxa meus cabelos quando sente
minha língua.
Lambo de uma ponta a outra e em seguida, minha língua se
enfia na sua abertura úmida. Seu gosto é tão doce e ela está tão
molhada. O mais incrível é que está pigando em excitação por
minha causa.
Afasto os seus joelhos para abrir mais as pernas. Continuo
chupando, me deliciando com o sabor de Marisol. Ela começa a
impulsionar o quadril contra mim e as pernas tremem, as mãos vão
para minha cabeça e puxam meus cabelos com força ao mesmo
tempo em que geme alto.
— Henrique — ela choraminga.
Levanto uma mão e toco a sua barriga, empurrando para que
se deite na ilha. Sem resistência, ela faz o que eu quero. Mantenho
minha mão no seu corpo, impedindo que se levante de novo.
Continuo chupando, lambendo e enfiando a língua nela ao
mesmo tempo em que a faço delirar de prazer, eu sinto o meu pau
pulsar que nem louco para estar dentro dela. Quando o orgasmo se
aproxima, Marisol puxa meu cabelo, enquanto as pernas tremem em
torno de mim.
Sugo o seu clitóris, fazendo-a gemer e gritar meu nome. Enfio
dois dedos na abertura úmida e quente e faço movimento para
frente e para trás. E então, ela flexiona o quadril contra mim e
começa a gozar de maneira intensa na minha boca.
Puxo-a para sentar de novo e vejo que ela está ofegante, toda
estremecida do orgasmo. Em um movimento rápido, passo a blusa
pela cabeça e me aproximo de Marisol. Seguro meu pau e brinco
um pouco com ele na abertura úmida e só depois, me lanço para
dentro dela com vontade.
Ela geme, se agarrando toda em mim.
Devoro a boca de Marisol conforme aumento a intensidade
das minhas investidas. Saio e entro nela, sentindo as ondas
entorpecentes percorrerem meu corpo. Ela mexe os quadris para
encontrar minhas estocadas precisas e ritmadas, recebendo todo o
meu pau e me fazendo grunhir.
— Você me deixa louco — murmuro, enfiando as mãos nos
seus cabelos e puxando para trás. — Tá acabando comigo. —
Mordisco a sua mandíbula e depois pescoço.
— Você tá acabando comigo também, mas eu gosto — fala
baixinho, com os braços em volta do meu pescoço. — Ah... vem
mais forte, Henrique — pede, me fazendo perder as estribeiras.
Ela fecha os olhos e abre a boca, deixando escapar gemidos
arfantes do fundo do seu íntimo. Sem conseguir me conter, vou com
tudo e fodo mais forte. É verdade que venho tentando me conter,
mas Marisol gosta do meu lado bruto e eu amo apertá-la com força,
então enfio meu pau bem fundo e sinto que estou perto de gozar de
novo.
— Ah, Henrique — ela chama por mim, suplicando.
Seguro os seus quadris com as duas mãos e continuo com as
investidas fortes e rápidas enquanto ela geme alto. Sinto-a apertar
os músculos em volta de mim e eu percebo que Marisol está perto
de outro orgasmo. Não paro com o vaivém e não demora muito para
ela gozar tremendo todo o corpo e gritando meu nome com prazer.
Afundo-me mais nela até encontrar o meu próprio clímax,
gozando dentro de Marisol, com o pensamento de que ela é minha
internalizando em mim. Só diminuo a velocidade quando sinto meu
pau descarregar a última gota de gozo.
Com a respiração pesada, enterro o rosto no seu pescoço
suado e beijo de leve, roubando um sorriso de Marisol.
— Isso foi intenso — ela fala ao segurar meu rosto entre as
duas mãos. — E eu nunca transei sem camisinha antes.
Ao ouvi-la, me dou conta de que nem pensei nisso na hora,
só fui entrando atrás do lugar quente e prazeroso que esconde entre
as pernas.
— Caralho.
— Bom, eu voltei com o anticoncepcional faz dois dias.
Assinto. Eu devia estar preocupado com a possibilidade de ter
jogado um pequeno Dupont para dentro de Marisol, certo? Certo,
mas não me sinto assim. Estou tranquilo demais para alguém que
pode ter engravidado uma bela morena cheia de curvas deliciosas.
— Eu tô limpo e não costumo fazer sexo sem proteção —
falo, encostando minha testa na dela. — Mas gostei demais de
entrar em você sem nada.
Ela revira os olhos, mas sorri.
— Ainda vai cozinhar pra mim ou vamos ter que pedir
comida?
— Vamos pedir comida e eu posso aproveitar o resto do
tempo pra saborear minha sobremesa preferida.
Agarro a bunda dela e trago contra o meu corpo, Marisol
entrelaça as pernas na minha cintura e envolve os braços em torno
do meu pescoço, sorrindo, toda linda e suada depois dos orgasmos.
E eu pretendo proporcionar muito mais a ela hoje à noite.
É, com certeza amanhã vou trabalhar muito exausto, mas
feliz. E agora, vou permanecer dentro de Marisol pelo tempo que eu
aguentar.
Ananda está uma pilha por causa do casamento. Desde que
chegamos, a realidade veio à tona e ela está surtando com os
detalhes que ainda não foram resolvidos. Minha amiga sempre foi
muito tranquila e dona de uma leveza que sempre admirei, mas
agora parece o Demônio da Tasmânia.
Por causa do seu humor duvidoso, eu recebo os nossos
possíveis novos clientes, sozinha. É um casal dono de um
restaurante vegetariano que tem planos de expandir o negócio pelo
estado. Eles precisam de uma repaginada na logo e estratégias
para criar conexão com o público-alvo. Depois de uma hora
conversando sobre os que eles querem e o que é preciso fazer, nós
assinamos contrato.
Acompanho o casal até a saída e sorrio quando eles falam
que é uma pena não terem conhecido Ananda por causa do
problema de saúde.
Estresse pode ser considerado problema de saúde? Porque
se sim, eu falei a verdade ao contar o motivo de ela não aparecer na
reunião.
Volto para o escritório e assim que coloco os pés na minha
sala, o celular vibra em cima da mesa. Com o coração ansioso, me
aproximo para pegar o aparelho. Desde que Henrique entrou na
minha vida, parece que meu peito virou uma batedeira.
Henrique: O que você vai fazer amanhã?
Marisol: Amanhã é sexta, vou trabalhar e não sei, sair pra
dançar à noite com as meninas. Ananda está uma pilha por causa
do casamento.
Henrique: Interessante, você pode dançar no meu colo.
Marisol: Tentador.
Henrique: É aniversário da minha mãe e ela vai fazer um
jantar. Quer vir comigo?
Leio a mensagem várias vezes, mas não consigo digitar
nenhuma resposta. Dios mío! Henrique está me convidando para
conhecer a família dele? O que eu faço? Paralisada com o celular
nas mãos, me sobressalto quando vejo o nome dele saltitando na
tela.
O homem está me ligando.
Engulo o caroço salgado na boca e atendo.
— Oi.
— Tá com medo?
— O quê? Não. Ananda entrou na sala agora e eu precisei
resolver um problema do trabalho — minto na maior cara de pau. —
Eu disse, ela está nervosa por causa do casamento.
— Uhum.
— Você disse que é aniversário da sua mãe, né? Tem certeza
que é uma boa ideia me levar? Não vai parecer muito precipitado?
Sei lá, a gente mal se conhece — digo e me arrependo um segundo
depois.
Henrique suspira do outro lado da linha.
— Você não quer ir, eu entendi.
Fico calada.
— Tudo bem, Marisol. Tenho uma reunião agora, a gente se
fala depois — e desliga.
Jogo-me no sofá de forma dramática e fecho os olhos,
bufando. Eu sou uma idiota. E sim, ele tem razão, estou com medo.
Conhecer a família dele é um passo e tanto no nosso
relacionamento... espera, podemos falar que isso é um
relacionamento?
Ai, droga.
Samuel entra na minha sala correndo e pula em cima de mim,
me fazendo rir e me tirando do meu estado quase depressivo. Faço
carinho no seu cabelo preto e aperto as bochechas gorduchinhas.
Larissa entra logo em seguida. Parece meio abalada, tem
olheiras vermelhas em volta dos olhos e o cabelo está preso em um
coque malfeito e com certeza emagreceu alguns quilos.
— Tudo bem?
Ela respira fundo e senta no sofá ao meu lado, colocando a
mochila de Samuel na mesinha de centro. A creche dele fica perto
da agência e sempre que dá, os dois dão uma passadinha aqui
antes do almoço.
— O pai do Samuel piorou. Eu acho que ele não dura até o
próximo aniversário dele — murmura com a voz embargada e leva a
mão até aos cabelos do filho que está no meu colo.
— Sinto muito.
Larissa e o pai do Samuel não estão mais juntos, na verdade,
eu acho que o relacionamento durou apenas durante a gravidez,
mas pelo que ela contou, eles sempre se deram bem e criam o filho
juntos. É bem triste que uma criança tão pequena vá crescer sem o
pai.
— Mas e você? Por que tá com essa cara?
Respiro fundo e olho nos olhos de Samuel. São tão lindos e
meigos. Não existe maldade alguma neles e consegue aquecer o
meu coração.
— Eu conheci um cara no cruzeiro — falo e olho minha
amiga. — Ele é um homem muito intenso e toda vez que estamos
juntos, sinto que me perco nele, mas eu gosto, só que tenho medo.
— E o que mais?
Ergue uma sobrancelha para mim e eu deixo os ombros
caírem.
— Ele me convidou pra ir jantar com a família dele...
— E como uma covarde, você recuou. — Ela me interrompe e
depois abre meio sorriso. — Eu te acho tão forte e independente,
mas por que agora você parece um filhote de gato indefeso?
— Porque sou a merda de uma medrosa — resmungo.
— Merda de uma medrosa — Samuel repete minhas palavras
com aquela voz fofa e eu começo a rir, mas quando Larissa
pigarreia, eu olho para ela e digo:
— Me desculpa.
— Não pode falar essa palavra, Samuel. Tá bem? É uma
palavra feia — ela diz, chamando a atenção do filho. — Combinado?
Ele assente e eu sorrio.
— Obedeça a mamãe, tá certo?
O garotinho concorda de novo.
— Sobre o seu problema... — ela começa a falar de novo, me
encarando. — É melhor você se arrepender de ter caído de cabeça
do que o contrário. O cara quer te levar pra jantar com a família, não
me parece ser o tipo de homem que vai brincar com você.
— Não parece mesmo — Ananda diz, entrando na sala.
Samuel sai de cima de mim e corre para ela, que sorri. Só esse
gorduchinho fofo para aliviar o seu mau humor. — Ele tá caidinho
por ela.
— Foi tudo muito rápido. — Eu me ouço dizendo e me sinto
uma idiota por tentar encontrar motivos para afastar Henrique.
Ontem quando fui jantar na casa dele, não aguentei vê-lo tão lindo e
vestido casualmente, fui logo tirando a roupa e me oferecendo como
sobremesa.
— Com Fernando também foi, você não lembra? Começamos
a namorar rápido e sou muito feliz com ele — Ananda comenta sem
olhar para mim.
— Levanta essa bunda do sofá e vai resolver as coisas com
esse cara — Larissa fala em um tom repreensivo.
— Bunda! — Samuel repete, nos fazendo rir, mas a mãe logo
fica séria e conversa sobre palavras feias que não podem ser ditas
de novo.
Sorrio. Ela é uma ótima mãe.
Oscilo os olhos de Larissa para Ananda e tomo minha
decisão. Levanto a bunda do sofá e decido ir atrás de Henrique.
Viver com medo é uma droga e não vou deixar que isso me impeça
de viver um novo amor.
Novo amor...
Ai, droga, acho que estou muito ferrada.

Levo uns vinte minutos da agência até o escritório Dupont.


Estaciono o carro no canteiro em frente ao prédio e antes de descer
do veículo, sinto o coração na garganta e o sangue do rosto
fervendo.
Na entrada, o porteiro me barra perguntando se tenho hora
marcada. Eu sei que ele está fazendo apenas o seu trabalho, mas
fico meio irritada. Já estou ansiosa para resolver essa situação e
ainda sou impedida de continuar o meu trajeto.
Ergo o queixo e peço para que ligue para o Henrique Dupont
e diga que estou aqui.
Ele vai me atender até se estiver ocupado em uma reunião...
— Senhorita, não é assim que...
— Ligue — interrompo o homem. — Ou ligo eu — falo já
vasculhando o celular dentro da minha bolsa. — Não sei se o
senhor sabe, mas ele é meio mal-humorado, vai ser pior se eu ligar.
O porteiro assente e faz a bendita ligação antes de me deixar
passar. Agradeço e ele enruga o nariz para mim, mas decido ignorá-
lo. Segundo a placa no saguão, a Renova Dupont ocupa o nono e
décimo andar inteiros.
Entro no elevador e aperto o botão de número dez. Cruzo os
braços na altura dos seios e espero, pensando no que vou falar para
esse CEO temperamental. Nada parece ser suficiente, porque eu fui
meio que idiota com ele. As portas de metal se abrem e a primeira
coisa que vejo é uma placa preta com dizeres brancos: Renova
Dupont.
O meu coração falha algumas batidas.
O lugar é dez vezes maior que a minha agência e da Ananda
e com certeza deve custar uma fortuna, a decoração é muito
elegante. E tem todo um conceito aberto, com paredes de vidro que
vão do chão ao teto e exibem a vista do mar, muitas pessoas bem-
vestidas andando para lá e para cá.
Aproximo-me do balcão e sou recebida com um sorriso
simpático.
— Eu vim me encontrar com Henrique Dupont — é o que
falo.
Diferente do porteiro, a balconista concorda logo de primeira
com um leve aceno de cabeça.
— Fica naquela direção — diz sem tirar o sorriso do rosto e
aponta para o outro lado do salão.
Agradeço mais uma vez e passo por ela, caminhando por um
corredor largo e encontrando a secretária do Henrique. Ela é bem
bonita, um cabelo grosso e loiro, usa óculos de armação moderna e
tem a boca pintada de gloss.
— Quero falar com o Henrique.
A mulher arregala os olhos e a boca, em choque. Em
seguida, dá uma boa analisada em mim, seus olhos curiosos
passeiam pelo meu corpo de baixo para cima. Fico tão incomoda,
que preciso morder a língua para não repreendê-la por isso. Parece
que hoje muitas pessoas resolveram testar o limite da minha
paciência.
— Qual é o seu nome?
— Marisol García.
Sem dizer mais nada, ela pega o telefone e faz uma breve
ligação. Ela mal coloca o telefone no gancho e o Henrique abre a
sua porta e olha para mim, surpreso. Caminho até ele e sinto a sua
mão grande e quente nas minhas costas, me incentivando a entrar
na sala.
O escritório é bem maior que o meu e como o resto do andar,
muito elegante também. Tem janelas de vidro que vão do chão ao
teto, um sofá confortável de microfibra e em um lugar mais afastado,
tem espaço com poltronas e mesa, que poderia muito bem ser
usado para tomar um café da tarde.
Em silêncio, sento no sofá fofo que fica de frente para um
armário feito sob medida.
— O que aconteceu? — ele pergunta ao se acomodar ao meu
lado e uma onda inebriante de perfume me atinge e a primeira coisa
que faço é puxá-lo para um beijo necessitado.
— Não tô reclamando, mas por que isso? — ele sussurra com
os lábios colados aos meus.
— Sim, eu estou com medo de ir jantar com a sua família,
porque eu... eu tenho medo de nós — digo de uma vez e parece
que tirei um peso das costas. — Mas eu vou amanhã com você.
Henrique sorri e prende uma mecha de cabelo atrás da minha
orelha.
— Tem certeza?
— Não — respondo, o fazendo rir. — Mas eu vou assim
mesmo.
— Minha família não morde, eu prometo — diz, aproximando
o rosto de mim de novo e depositando beijos quentes na curvatura
do meu pescoço. — Mas preciso avisar que meus irmãos são...
únicos.
— Uhum — é a única coisa que consigo dizer, porque de
repente a voz decidiu deixar o meu corpo. Talvez seja por causa dos
beijos quentes de Henrique. — Ah... — gemo quando ele morde o
lóbulo da minha orelha.
— Já que você veio aqui, podemos aproveitar um pouco?
— Não sei se vale a pena. O que vai fazer pra eu mudar de
ideia?
Dito isso, mordo o lábio inferior e encaro Henrique, sentindo o
meio das minhas pernas se contorcer de tanto tesão. É incrível, o
homem me deixa acesa em questão de segundos.
Henrique com certeza é minha perdição.
Sem falar nada, ele se afasta de mim e liga para sua
secretária, ordenando que não seja interrompido pela próxima hora.
Em seguida, tranca a porta e vem para o sofá de novo, já tirando o
meu sapato de salto alto.
— Você tá com muita roupa, Marisol, e tá tão quente hoje...
Sorrio.
— É? Então, tira.
Os olhos dele brilham de um jeito devasso e as mãos grandes
pousam na minha coxa antes de subirem o tecido do vestido até a
cintura e aos poucos, passar pela minha cabeça.
— Você é linda demais.
— Tira a roupa também, quero te ver.
Como se o seu habitual fosse ser um homem obediente, ele
fica de joelhos no sofá e sem tirar os olhos de mim, arranca a
gravata, depois desabotoa os botões da manga e por fim, os botões
da frente, revelando o peito trincado e delicioso.
Caramba, o homem é gostoso demais.
— Tá gostando da visão?
— Sim. Você é gostoso pra caramba e tá me deixando louca
— murmuro e o puxo para mim, colando os nossos corpos ávidos
um pelo outro. A boca dele vai até o meu ombro e morde com
vontade, me roubando suspiros arfantes.
— Preciso muito te comer com força agora, Marisol.
— Isso, por favor — choramingo, excitada.
Ao me ouvir, Henrique deixa escapar um gemido sexy e rouco
do fundo da garganta e agarra firme a minha cintura, me fazendo
montar em cima dele ao mesmo tempo em que gemo, me
derretendo nos seus braços.
— Me fala mais sobre a sua família — Marisol pede no
momento em que estaciono em frente à casa dos meus pais. Passei
o caminho de Cacupé até aqui falando dos meus pais e irmãos, mas
acho que não foi suficiente.
— Relaxa, linda.
Ela suspira e encara a caixa de presente no colo. Marisol e os
pais passaram a tarde de ontem procurando um presente para
minha mãe. É claro que isso deixa meu coração inquieto e sorrindo
feito bobo.
— Tudo bem, vamos.
Em um solavanco, Marisol abre a porta do carro e desce,
erguendo os ombros e o queixo. Sorrio. Tenho certeza que minha
mãe vai adorá-la. Saio do veículo e antes de ir ao seu encontro,
abro a porta do banco traseiro e tiro os presentes que comprei em
Fortaleza.
Beijo seu rosto de leve ao segurar sua mão pequena.
— Vamos.
Meus pais são aposentados e agora gastam boa parte do
tempo livre fazendo viagens e curtindo a vida, mas a família é algo
muito importante para eles, por isso sempre arrumam um jeito de
nos reunir aqui, na casa onde meus irmãos e eu crescemos e
tivemos uma infância incrível.
Nós entramos no casarão da família Dupont e somos
recebidos pelo meu pai, que me prende em um abraço forte e dá
tapinhas nas minhas costas.
— Não invente de sumir daquele jeito de novo — fala,
passando a mão no meu cabelo e assanhando um pouco, me
deixando sem jeito. — E quem é essa bela moça?
— Marisol García — ela fala, estendendo a mão e abrindo um
sorriso lindo para o meu pai.
— Minha namorada — digo, estudando a reação dela. As
bochechas da garota ficam coradas, mas os olhos brilham ao me
ouvir.
— Seja bem-vinda, querida — meu pai fala, puxando a minha
Marisol para um abraço apertado.
— Obrigada, o senhor é muito gentil.
Meu coração só falta sair do peito. Droga, se eu não voltei a
ser um adolescente apaixonado e com os hormônios a mil, não sei o
que está acontecendo comigo.
A mamãe nos intercepta antes de chegarmos à sala, o rosto
se ilumina ao ver a garota ao meu lado. Sem dizer nada de início,
ela envolve Marisol em um abraço carinhoso e depois passa a mão
no cabelo levemente encaracolado da minha garota.
Minha garota... posso me acostumar com isso.
— Então, esse é o furacão chamado Marisol? — mamãe fala,
me fazendo pigarrear.
— Sim, acho que sou eu sim — ela diz, supreendentemente,
rindo. — Trouxe pra senhora. Meus pais me ajudaram a escolher.
Feliz aniversário. — Marisol entrega a caixa grande embrulhada
com um laço vermelho.
— Que gentileza, querida. Muito obrigada.
Mamãe a envolve em um abraço de novo e eu sorrio,
observando as duas, que logo se entrosam em uma conversa
amigável. Meu pai joga o braço no meu pescoço e bate com a mão
espalmada no meu peito e me arrasta casa adentro e é por um triz
que não esqueço de entregar o presente à senhora Dupont.

Na sala, eu me junto aos meus dois irmãos, Miguel[14], o


caçula, ainda não chegou, e minha mãe permanece com Marisol por
mais alguns minutos e eu rezo em silêncio para que nenhuma esteja
falando mal de mim.
— E finalmente o CEO sumido retorna — Gabriel fala
zombeteiro e dá um soquinho no meu peito enquanto reviro os
olhos.
— Então, esse é o furacão — Joaquim diz, jogando o braço
em volta do meu pescoço e abrindo um sorriso de covinhas. —
Agora tudo faz sentindo sobre como você vem agindo nos últimos
dias.
— Ela é linda, né?
— Muito — Joaquim concorda.
Depois que mamãe libera minha garota, ela se junta a nós e
eu apresento meus irmãos. Marisol não se deixa intimidar com eles
e logo estão fazendo piadas idiotas e fazendo-a revirar os olhos e
resmungar palavrões em espanhol.
Gosto de como ela se dá bem como a minha família. É claro
que ontem eu dei uma surtada quando Marisol deu a entender que
não queria vir. Por um momento, pareceu que ela não estava me
levando a sério e foi por pouco que não reconstruí aquela barreira
que Nissa me fez erguer no passado. Mas agora, vendo como ela
se encaixa com a minha família, eu sei que é o certo.
Ela é a coisa certa para mim.
Nosso caçula chega e traz uma garota toda colorida e de
cabelo rosa. Sorrio, de um jeito estranho, os dois combinam e muito.
E ele parece mais leve e feliz, o que me deixa aliviado. Miguel
passou uma barra por causa da ex e foi difícil ver meu irmão sofrer
sem poder fazer muita coisa.
Quando se aproxima o envolvo em um abraço apertado,
como eu fazia quando éramos crianças. Parece mentira, ele
trabalha no andar em cima do meu, mas desde que voltei da viagem
de cruzeiro, ainda não tínhamos nos encontrado. Pensando bem,
ele deve ter ficado muito ocupado com a garota de cabelo cor-de-
rosa.
O resto da noite é incrível. Cici, a garota toda colorida que
meu irmão trouxe, e Marisol se dão superbem e conversam
animadas, como se fossem amigas de longa data. E é bom saber
que aquele medo que ela sentiu antes de vir no jantar comigo ficou
no passado e não tem mais importância agora.
— As garotas que você e seu irmão trouxeram são incríveis
— meu pai fala, abrindo um sorriso grande e feliz.
— É, eu sei.
— Sua mãe me contou o que aconteceu com a Nissa.
Suspiro.
— Ela e Joaquim têm um sério problema em manter segredos
— zombo, fazendo meu pai semicerrar os olhos e erguer as
sobrancelhas. — Desculpe.
— Não devia ter guardado isso, Henrique.
— Agora eu sei que não.
— Mas fico feliz que esteja tentando de novo — murmura,
apertando meu ombro com força, como se quisesse me passar
algum tipo de apoio. — Ela não parece fácil.
Rio.
— E não é, pai. Acredite, não é. É rabugenta igual...
— Igual a você? — Ele me interrompe, me fazendo enrugar o
nariz.
— É, acho que sim.
Meu pai começa a rir também e noto que pela primeira vez
em muito tempo, eu me sinto feliz de verdade. As coisas estão nos
lugares certos e os problemas que aconteceram no meu casamento
fracassado, parecem ter sido com outra pessoa.
O Henrique que casou com a Nissa morreu. Agora, eu sou o
Henrique que Marisol me faz ser, ainda meio irritadiço e um pouco
ranzinza, não posso negar, mas muito mais feliz e completo.
É, minha mãe tem razão, eu estou apaixonado.
Desde o jantar de aniversário da senhora Dupont, eu não saí
do lado do Henrique. É claro que meus planos iniciais eram voltar
para casa, na verdade, passar o final de semana com meus pais e o
Cenoura, o novo membro da nossa família, mas esse homem
consegue ser persuasivo.
E nossa, nem de longe é ruim ter a boca dele entre as minhas
pernas, como agora nesse exato momento. Essa língua trabalha
muito bem e talvez eu tenha que lhe dar um prêmio depois.
Desde que voltamos da casa dos seus pais em Jurerê
Internacional, ele está mais intenso, não sei explicar. Não consegue
manter as mãos longe de mim, o que particularmente, eu amo e me
deu muitos orgasmos. Muitos mesmos e foram todos incríveis.
— Goza pra mim, Marisol — ele fala com a voz rouca,
afastando a boca por um milésimo de segundo do meu sexo úmido.
Nossa, é impossível resistir quando Henrique fala assim. Abro
mais as pernas, passando as mãos em seus cabelos revoltos,
gemendo seu nome e me entregando de cabeça a mais um
orgasmo surreal.
O telefone dele começa a tocar, mas ele não para de
movimentar a língua deliciosa no meu clitóris inchado. Caramba, eu
vou gozar. O telefone começa a tocar de novo, porém, ele continua
ignorando e eu também, é claro. Mas quando a música ressoa no
quarto pela terceira vez, ele sai de entre as minhas pernas, me
roubando um choramingo.
Estico o braço na direção da cômoda e pego o seu aparelho
celular para entregar a Henrique, de relance, vejo o nome “mãe”
saltitando na telinha colorida. De jeito sexy ele passa as mãos nos
cabelos rebeldes e vem para cima de mim, apoiando o rosto na
minha barriga.
Sorrio.
— Oi, mãe — ele diz e escuta em silêncio. De repente, o seu
rosto bonito se fecha em uma expressão séria e vincos se
desenham na testa. — Tá bem, não se preocupe, estou indo agora
— murmura ao sair de cima de mim e ficar em pé num solavanco.
— O que foi? — pergunto depois que ele encerra a ligação,
mas Henrique está tão concentrado em procurar roupas limpas que
nem me escuta. — O que aconteceu? — questiono de novo, a voz
soando um tom mais alto.
Ele paralisa com as portas do guarda-roupa abertas e respira
fundo antes de virar para mim e falar o que aconteceu.
— Miguel e Cici sofreram um acidente de carro. Preciso ir ver
meu irmão.
Os olhos azuis de Henrique ficam mais escuros e a boca
prensada em uma linha reta. Não sabia que me doeria tanto vê-lo
triste, mas é isso. Dói demais, como se fosse comigo.
— Eu vou com você.
Levanto da cama e vou até ele, envolvo meus braços em seu
pescoço e o prendo em um abraço apertado, o deixando afundar o
rosto no meu pescoço e respirar fundo e pesado.
— Obrigado.
— Vai ficar tudo bem — é o que eu digo, mesmo sem ter
certeza.
As horas no hospital passam bem devagar e é como se uma
nuvem carregada de tristeza tivesse se acomodado em cima da
família Dupont. Henrique e os irmãos não falam muito, quase nada,
na verdade, mas continuam de prontidão em frente ao quarto de
Miguel, que ainda está inconsciente.
Cici está na UTI e a irmã grávida está aqui no hospital desde
que chegamos. Ela está arrasada e inquieta. Já levantou do banco
umas quatro vezes, caminhou pelo corredor e voltou para o mesmo
lugar.
Quando Henrique entra no quarto de Miguel com os irmãos e
os pais, eu fico do lado de fora com Luciana, que parece nem ter
percebido que a família Dupont saiu de perto. Afasto-me dela e vou
buscar um café na lanchonete do hospital, volto alguns minutos
depois com dois copos.
— Pra você, é descafeinado.
Ela levanta os olhos e encara o copo na minha mão. Meio
hesitante, pega o café que eu trouxe, balbucia um obrigado e volta a
ficar muda.
— Gabriel falou que você tá grávida.
— É, eu tô.
— Sinto muito pela sua irmã.
Ela bebe um gole da bebida quente e limpa uma lágrima que
ousou escapar dos seus olhos. Luciana respira fundo e os ombros
caem, demonstrando o quanto o estado da irmã acaba com o seu
emocional.
— Ela é tudo o que minha mãe e eu temos, a gente não pode
perder a Cici.
Abro um sorriso triste.
— Ela vai ficar bem. Eu a conheci faz alguns dias, mas a Cici
é uma garota forte. Tem muita garra, sei que vai sair dessa e voltar a
colorir a vida de vocês.
Luciana sorri.
— Ela colore mesmo, a vida de todo mundo, sabe? Minha
irmã é uma garota incrível.
— E faz bolos deliciosos.
— Já comeu os bolos dela?
Assinto.
— Uma das minhas melhores amigas adora pedir bolo pra
nossa agência, depois de conhecer a Cici, eu descobri que eram os
bolos dela.
Luciana solta uma risada leve e eu fico feliz de tê-la feito rir
em um momento tão difícil e triste.
— São perfeitos, né? Ela tem muito talento.
— Tem sim.
Passamos mais um tempo conversando sobre várias coisas e
ela acaba me contando o que o idiota do namorado fez depois de
engravidá-la, e eu conto o que aconteceu com Caleb.
Resmungamos mais um pouco sobre os homens canalhas e os
irmãos Dupont saem do quarto de novo.
Henrique se acomoda ao meu lado, colocando a mão em
cima da minha e entrelaçando os nossos dedos, depois a leva até a
boca e deposita um beijo cheio de ternura, que consegue deixar
meu coração quentinho.
— Vou te levar pra casa.
— Agora? E você?
— Vou voltar pra cá depois de te deixar em casa.
— Não, vou ficar aqui com você — digo, e ele envolve o braço
no meu pescoço, me puxando para um abraço meio de lado.
Aproveito para depositar um beijo em seu pescoço e ele abre um
meio sorriso triste, olhando para mim.
— Não sabia que você podia ser tão carinhosa.
— Não me provoque — resmungo, e ele encosta os lábios no
topo da minha cabeça.
Mais horas se passam e não temos novidades. Assim como
todo mundo, estou exausta, mas não quero deixar Henrique passar
por isso sozinho. Por alguma razão, eu sinto que ele faria o mesmo
por mim.
É loucura, não é? Mas eu sinto que ele faria.

Um novo dia amanhece e a gente nem se dá conta, no


entanto, uma coisa maravilhosa acontece, Miguel acorda. Quando
abre os olhos, estamos todos no quarto, aliviados por ele estar bem
de novo. Infelizmente, nós só fomos agraciados com uma notícia
boa, Cici ainda continua na UTI inconsciente.
— Você precisa descansar, vou te levar pra casa — Henrique
fala depois que Miguel foi com Gabriel ver a Cici na UTI.
— Você precisa descansar também.
Ele passa uma das mãos no cabelo revolto e penteia com os
dedos, soltando uma lufada de ar. Henrique está exausto, mas
mesmo assim, ainda é o homem mais lindo que eu conheço.
— Eu sei, mas vou passar um tempo aqui com o meu irmão.
— Tudo bem, eu volto sozinha. Posso pedir um Uber.
O homem balança a cabeça de um lado para o outro,
negando. Segura meu rosto entre as duas mãos e me dá um beijo
calmo e sereno, cheio de sentimentos não revelados.
— Vou te deixar em casa e depois volto pra cá. Só preciso
pegar um café antes.
Henrique vai falar com os pais e eu me despeço de todos
antes de segurar a sua mão e ir no rumo dos elevadores. Na
lanchonete, pedimos dois cafés e estamos caminhando na direção
do estacionamento, quando uma voz familiar me chama.
— Marisol, o que você tá fazendo aqui?
Viro para trás e encontro Larissa e Samuel, que corre para
agarrar minhas pernas. Passo a mão em sua cabeça fofa e aos
poucos, sinto minhas energias renovadas.
— Larissa, tudo bem com vocês? — pergunto, mas ela não
responde, está encarando Henrique de olhos arregalados. — Ah,
esse é o Henrique, meu...
— Nissa — ele fala entre os dentes, me deixando confusa.
— Nissa? Vocês já se conhecem? — pergunto. Sem saber o
motivo, sinto o meu coração tão pequeno, que é até difícil de
respirar.
— Os amigos do tempo da escola me chamam de Nissa, é o
apelido que meu pai me deu — ela explica.
— Ah, certo. Vocês estudaram juntos, então? Que mundo
pequeno.
— Ela é minha ex-mulher — Henrique diz e as palavras me
atingem como um soco no estômago.
Ex-mulher?
Larissa é aquela com quem ele se casou e foi traído? Minha
amiga é a mulher que partiu o seu coração e o deixou amargurado?
Sinto o meu próprio coração na garganta e não sei o que
falar. Para ser sincera, eu acho que não devo dizer nenhuma
palavra no momento.
— Nós precisamos conversar, Henrique.
Ouvir o que Larissa/Nissa fala não torna as coisas mais
fáceis. Me incomoda um pouco, na realidade. Eles tiveram uma
história e eu sei que Henrique não gosta dela, mas o jeito que
Larissa olha para ele, me diz que o sentimento não é recíproco.
— Eu já disse que não temos nada o que conversar, Nissa.
— Henrique, por favor. — Larissa se aproxima dele e o
segura pelo pulso, ele não se afasta. — Nós precisamos, tem muita
coisa acontecendo que você precisa saber.
— Não quero falar com você.
Henrique se solta dela e segura minha mão, me puxando e
fazendo Samuel cambalear para trás. Só agora ele nota o menino e
parece que o seu mundo parou mais uma vez. Fica encarando o
garotinho rechonchudo por quase uma eternidade e depois olha
Larissa com as narinas infladas.
Não pode ser. Será? Não, não pode ser. Repasso a conversa
que tive com Henrique na Ilha da Âncora, tentando lembrar há
quanto tempo ele está divorciado, mas não consigo lembrar. Dios
mío...
— Marisol, você pode deixar a gente conversar?
— Hãm? — murmuro, levando os olhos até Larissa. — O que
disse?
— Marisol não vai a lugar nenhum — Henrique retruca.
— Marisol. — Larissa o ignora. — Nós dois tivemos uma
história, quatro anos de casados e nos conhecemos praticamente a
vida inteira. Eu preciso falar com ele, você pode nos dar licença?
Ouvi-la me faz sentir uma intrometida, então eu me solto de
Henrique, que para de alternar as vistas entre Samuel e Larissa e
me encara, atordoado. Sinto os meus olhos arderem, mas não
choro. Nem sei o porquê estou assim.
Eu devia ficar feliz com a probabilidade de Henrique ser o pai
de Samuel, porque vai ser bom para o menino, ele vai perder um
pai, mas vai ganhar outro. No entanto, me machuca um pouco
também, porque eu sei que ele amou a Larissa. Eles ficaram juntos
por quatro anos, você precisa amar muito para viver uma vida a
dois, e eles casaram, mais um motivo que justifica o amor.
De repente, eu começo a imaginar Henrique e Larissa, juntos,
transando, rindo, tendo uma vida feliz, com filhos, o casal perfeito...
Meu coração acelera tanto que eu tenho dificuldade de
respirar, mas dou as costas e caminho na direção do
estacionamento. Sou impedida de continuar quando sinto bracinhos
agarrarem minhas pernas, olho Samuel e tenho vontade de chorar,
mas a única coisa que faço é me agachar e abraçá-lo antes de
continuar andando.
No estacionamento, não sei para onde ir e estou tão nervosa,
perdida em pensamentos de Henrique tendo uma vida feliz com
Larissa, transando de tudo que é jeito, que não consigo pedir um
Uber. As mãos estão tremendo e eu não consigo fazer nada, além
de andar sem rumo pelos carros.
— Marisol — uma voz masculina grita e quando me viro na
direção dela, fico decepcionada quando não vejo Henrique.
É Joaquim.
Passo as costas das mãos no rosto para limpar as lágrimas
que ousaram cair. Eu me sinto ridícula, por que estou chorando?
Talvez pela possibilidade de Henrique voltar para Larissa.
Dios mío, Marisol, para de pensar nisso.
— Vou te levar pra casa, Henrique pediu.
— Não precisa, eu vou... — Nem consigo terminar a frase.
— Anda, meu carro tá aqui perto.
Ele toca meu cotovelo e me guia até o carro, abre a porta e
eu deslizo para dentro, em silêncio. Joaquim se acomoda no banco
do motorista e antes de pisar no acelerador, olha para mim.
— Você vai ficar bem?
Assinto, sem vontade de dizer nada.
— Pra onde eu te levo?
— Pra casa dos meus pais, por favor — peço, segurando as
lágrimas.
Passo o endereço e ele não coloca no GPS, porque sabe
mais ou menos onde fica. Vamos o caminho inteiro em silêncio e eu
agradeço por não me forçar a falar. Mas é ruim ficar quieta, porque
sem pedir permissão, minha cabeça viaja em momentos em que
Henrique e Larissa são muitos felizes.
— Chegamos.
Olho para o prédio onde meus pais moram e respiro fundo,
depois viro meu rosto para Joaquim. Ele é tão bonito, bem parecido
com o irmão. Na verdade, os quatro são bem parecidos, o que
diferencia Joaquim é que ele tem cabelo loiro como os da dona
Ingrid.
— Obrigada.
Tiro o cinto de segurança e estou prestes a descer do carro,
mas ele me impede, segurando meu braço com firmeza, sem me
machucar.
— Não se preocupa tanto, não tem a mínima chance dos dois
voltarem, Marisol — fala, como se lesse meus pensamentos. Aos
poucos, os dedos vão afrouxando em volta do meu braço. — Não
vou mentir pra você, Henrique amou a Nissa, mas isso passou. Ela
o traiu com o melhor amigo e meu irmão ficou arrasado quando
pegou os dois. Embora ele tenha escondido o verdadeiro motivo da
separação pros nossos pais, ele odeia mentiras, traição... e a Nissa
quebrou toda a confiança que ele tinha nela, em relacionamentos e
essas coisas. Mas aí ele te conheceu e mudou, todo mundo
percebeu isso, então, não fica sofrendo antecipadamente, tá bem?
Meu irmão gosta de você, Marisol. Muito.
Engulo o choro e assinto, prensando os lábios por um longo
segundo antes de falar:
— Obrigada, Joaquim.
— Fica bem.
— Vocês também.
Ele tem razão, não tem motivo para eu ficar sofrendo
antecipadamente. Mas por que me sinto tão estranha? Como se
existisse um buraco no meu coração?
Saio do carro e entro no prédio dos meus pais,
cumprimentando o porteiro antes de entrar no elevador. Tento
segurar as lágrimas o máximo que eu posso, porque na verdade,
nunca fui uma chorona. Sempre fui forte, sempre enfrentei tudo de
cabeça erguida e peito estufado. No entanto, no momento em que
meus pais abrem a porta do apartamento para mim, eu desabo em
lágrimas, me sentindo ridícula.
Talvez esteja chorando por tudo de ruim que me aconteceu
nos últimos anos.
Ou talvez eu goste tanto de Henrique, que só o pensamento
de perdê-lo... acaba comigo.
Fui obrigado a escutar Nissa e nenhuma palavra que saiu da
sua boca, me fez sentir melhor. Muito pelo contrário, eu estou
arrasado. E agora que estou olhando Leandro, meu coração dói.
É verdade que o odiei por muito tempo por ter me traído, mas
nunca desejei uma vida assim para ele, tão debilitada. Leandro não
tem mais cabelo e está tão magro, que não parece em nada com
aquela pessoa que cresceu comigo, sorrindo e conquistando
garotas.
Eu me sento na poltrona e observo Leandro, que está
dormindo. O câncer acabou com ele de um jeito tão cruel e triste,
tirou toda a vida e alegria que sempre existiu no meu amigo. Sinto
minha garganta amargar e o coração diminuir dentro do peito.
— Você é amigo do meu papai? — o menino pergunta, me
fazendo olhá-lo. Quando o notei pela primeira vez, fiquei paralisado.
O pensamento de ele ser meu... me deixou sufocado, mas não acho
que Nissa faria isso comigo. Se esse garoto fosse o meu filho, ela já
teria jogado na minha cara, não é?
Sim, com certeza.
Ele não é o meu filho.
— Acho que sim, não sei.
Ele enruga o nariz de um jeito engraçado, como se quisesse
me entender.
— É complicado, Samuel — Nissa fala, chamando o menino
para perto, mas ele não se afasta de mim.
É estranho, Samuel é tão novo, mas mesmo sem dizer muito,
ele parece alguém ingenuamente forte. Não é justo que a vida
esteja levando o seu pai. Eu sei que Leandro errou comigo, mas
droga, o cara não merece morrer.
— Quer bolo? — pergunta, de repente.
— Hãm?
Ele abre a mochila que eu nem tinha percebido, mas estava
em suas costas e de dentro, tira uma lancheira com estampa de
carros. Abre e pega um potinho de plástico com colher e me
entrega.
É um gesto tão simples, mas faz os meus olhos arderem.
Droga, desde quando sou tão emotivo?
— Obrigado.
Engulo o caroço na garganta e respiro fundo. Encaro o pote
de plástico na mão e meu coração dói tanto, que é difícil levar ar até
os pulmões. Fico de pé e passo uma mão no seu emaranhado de
cabelo antes de sair do quarto de Leandro.
Nissa vem atrás de mim.
— Você tá bem?
— Droga, Nissa, por quê? Eu não tenho mais nada a ver com
vocês, por que me contar sobre o estado do Leandro? — disparo,
fazendo-a prensar os lábios.
— Ele pediu — murmura, os olhos enchendo de lágrimas. —
Leandro quer te pedir perdão, Henrique.
Minha visão fica embaçada e eu seguro o pote de plástico
com força, controlando a vontade de jogá-lo do outro lado do
corredor.
— Vocês foderam tudo, Nissa.
— Eu sei e sinto muito. — Ela se aproxima de mim, mas eu
recuo, no entanto, a mulher é persistente e vem na minha direção
de novo, segurando minha mão. — Sinto muito por ter partido o seu
coração.
— É tarde pra dizer isso — falo entre os dentes.
— Não quero justificar nada, mas não foi porque eu não te
amava. Eu traí, porque estava confusa e magoada com a vida e não
soube superar da forma certa. A culpa não é sua e eu me arrependo
muito de ter destruído o nosso casamento.
— Para de falar isso, Nissa.
— Leandro e eu não estamos juntos — ela diz, me fazendo
contrair a mandíbula. — Ficamos juntos só pelo período da minha
gravidez, mas não nos amávamos o suficiente, então não deu certo.
Solto-me dela, me sentindo estranho.
— Esse garoto... — não consigo nem falar o que se passa na
minha cabeça.
— Não é seu.
— Ótimo, porque eu não quero ter nada a ver com isso.
— Ele é um bom pai — murmura e deixa as lágrimas fazerem
caminho até a bochecha. — Leandro não é uma pessoa ruim, então,
você pode perdoá-lo? Ou fingir que sim? Eu sei que ele errou... nós
erramos com você, mas ele merece morrer em paz, Henrique. Por
favor, não o prive disso.
Desvio dos olhos de Nissa e pisco rápido, na tentativa de
impedir minhas próprias lágrimas.
— Eu preciso sair daqui — é o que digo ao girar nos
calcanhares e levar comigo o pote de plástico com bolo que Samuel
me deu.

Depois de me ouvir, minha mãe passa uma das mãos no meu


cabelo e faz carinho. Não estava nos meus planos falar o que
aconteceu, mas quando me viu, sabia que tinha algo de errado
comigo e só sossegou quando eu disse o que estava me deixando
aflito.
— Nunca tinha entendido o motivo de você ter se afastado do
Leandro e agora eu sei que é porque estava magoado — começa a
falar, me fazendo suspirar. — E sei que deve ser difícil perdoá-lo,
mas as pessoas são assim, meu filho, elas erram o tempo todo. Eu
acredito que quando deixar essa ferida cicatrizar de verdade, as
coisas vão melhorar.
— Não existe mais ferida, já cicatrizou tudo, mãe.
Ela sorri.
— Não seja bobo, Henrique. Se as feridas estivessem
saradas, você não teria demorado tanto tempo pra se abrir comigo.
— Não sinto nada pela Nissa.
— Não estou dizendo que sente, mas isso não significa que
não doa aqui — fala baixo e leva uma mão até o meu peito, em cima
do coração e faz uma leve massagem. — Converse com Leandro e
resolva as coisas. Não quero que se arrependa no futuro.
— Obrigado, mãe.
— Vá pra casa, esfrie a cabeça e depois volte — ela ordena e
a única coisa que faço é assentir.
Mamãe levanta do banco ao meu lado e vai checar como
Miguel está, ele ainda não saiu do lado da Cici, o que me faz pensar
em Marisol. Depois do episódio com Nissa de hoje cedo, eu ainda
nem tive cabeça para falar com ela.
Contrariando a ordem da minha mãe, eu volto para a ala de
oncologia, especificamente para o quarto de Leandro. Não vejo
Nissa e Samuel em lugar nenhum, mas para minha surpresa, ele
está acordado.
Como um covarde, penso em dar meia volta e ir embora, mas
forço meus pés e entro no quarto, ainda segurando o pote de
plástico com colher que Samuel me entregou. Sob o olhar cansado
de Leandro, sento na poltrona ao lado do leito e respiro fundo.
— Ela conseguiu falar com você — diz, a voz tão fraca que
me deixa nauseado.
— Sim.
— Você tá bem?
— Sim.
Mesmo fraco, Leandro ri.
— Não seja tão monossilábico — retruca, mas nem me deixa
falar alguma coisa. — Eu sei que é difícil pra você... estar aqui.
— Não esperava te encontrar nessa situação — sou sincero.
— Eu sei e nem quero falar sobre a merda desse câncer que
me mata a cada minuto.
Balanço a cabeça, assentindo.
— Tudo bem.
— Sinto muito, Henrique. Eu sinto muito por ter magoado
você e ter jogado a nossa amizade no lixo. E eu sinto mais ainda por
ser um idiota e não ter procurado você antes pra me desculpar.
— Não tem problema — minto.
— Você sempre foi um péssimo mentiroso.
— Você se arrepende? — Eu me ouço perguntando.
— Sim e não — murmura, esquadrinhando meu rosto. —
Você viu meu garoto? Não tem como me arrepender disso,
Henrique. Ele foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida. Mas,
sim, me arrependo de ter feito você sofrer e de como você descobriu
tudo.
Sim, eu descobri tudo quando peguei Nissa com a boca no
seu pau...
Balanço a cabeça, na tentativa de expulsar o pensamento e
não agir como um cretino com um homem doente que está prestes
a morrer. Até que algo estala dentro de mim e eu me dou conta de
uma coisa.
— Se não está arrependido... não é você que quer o meu
perdão.
Ele tosse.
— Nissa acredita que vou morrer em paz se você me perdoar.
— Mas você não acredita nisso.
— É claro que quero o seu perdão, mas como isso é possível
se eu faria tudo igual, Henrique? Não consigo imaginar uma vida
onde Samuel não exista. — Leandro balança a cabeça e abre um
sorriso melancólico. — Meu pai sempre foi um lixo, mas eu consegui
ser diferente. Mesmo em pouco tempo, eu consegui ser alguém
diferente para o meu filho e isso é a melhor coisa que aconteceu
comigo.
Desvio dos olhos sem vida de Leandro e coloco o pote com
bolo em cima da cômoda pequena ao lado da cama.
— Ele parece ser um garoto incrível.
— Me desculpe, Henrique. Por ter errado com você de tantas
formas e ainda continuar errando.
Respiro fundo.
— Eu fico feliz que esteja vivendo sua vida sem
arrependimentos — digo com sinceridade.
— Quando se tá morrendo, a gente passa a enxergar as
coisas de um jeito diferente — zomba, mas não consigo rir.
— Eu sinto muito por isso.
— Por eu estar morrendo? Tudo bem, eu já me acostumei.
Não tenho mais raiva da vida.
— Nunca desejei algo assim pra você.
— Eu sei, você é bom, meio razinza, mas bom.
Sorrio.
— Mesmo que não esteja em busca do meu perdão, eu
tentarei te perdoar por tudo que aconteceu entre nós. Você também
não é uma pessoa ruim. E não queria que nos encontrássemos em
uma situação tão triste assim.
Os olhos dele se enchem de lágrimas, mas nenhuma ousa
cair. Samuel entra no quarto correndo e se joga nos braços dele
enquanto grita:
— Papai, papai, o senhor acordou.
Observo os dois por quase uma eternidade e sinto os lábios
repuxarem em um sorriso. Por mais fodida que seja toda a situação,
agora eu entendo o porquê ele não se arrepende.
Leandro construiu uma família e se tornou um ótimo pai, e os
dois se amam muito para viver uma vida cheia de arrependimentos.
E talvez, as coisas aconteceram do jeito que tinha que ser. É triste
imaginar sua vida diferente. Se ele não tivesse se envolvido com
Nissa, provavelmente, estaria passando por isso sozinho, sem filho.
E pensar dessa forma me deixa com um gosto amargo na boca e o
coração inquieto.
E agora, existe Marisol na minha vida.
A vida é uma eterna briga e nem sempre será justa. E ainda
assim, às vezes, ela pode ser boa.
Dias depois...
— Caramba! — Beatrice exclama. — Que doideira. Então,
quer dizer que a Larissa é a ex do Henrique? Gente, que mundo
pequeno.
Mundo pequeno mesmo. Tão pequeno, que me sinto
sufocada desde a minha descoberta. E confesso que ando meio
triste também. Passei cinco dias enfurnada na casa dos meus pais e
segui os conselhos que me deram. Dei espaço ao Henrique para
resolver toda a situação que envolve Larissa e Leandro, mas isso
não significa que eu esteja bem com o fato de não estarmos nos
falando.
— Não sei o que dizer — Ananda comenta, me olhando com
tristeza.
Dou de ombros e cutuco meu pote de sorvete com a colher de
plástico, como se ele fosse culpado dos últimos acontecimentos.
— Se meu nome fosse Marisol Mercedes, eu já podia
protagonizar um dramalhão mexicano — faço piada e as minhas
amigas riem.
A fim de sair do meu casulo, sem dar muitos detalhes da
minha trágica vida amorosa, eu arrastei Beatrice e trouxe o Cenoura
para tomar banho em um pet shop que fica perto de onde Ananda
mora, no bairro de Coqueiros[15]. Enquanto esperamos ele ficar
limpo e cheiroso, estamos em uma sorveteria próxima falando sobre
os últimos acontecimentos.
— O que vai fazer? — Beatrice pergunta antes de lamber a
sua bola de sorvete de morango.
— Continuar dando espaço pro Henrique — é o que eu digo,
torcendo para que alguma das meninas me aconselhe a não fazer
isso e ir conversar com ele, mas antes que uma delas tenha a
oportunidade falar, o meu celular notifica a chegada de uma
mensagem do pet shop. Cenoura está pronto.
Ainda com os sorvetes nas mãos, saímos da sorveteria e
caminhamos até o estabelecimento para pegar o pequeno de quatro
patas. Como a minha vida não pode ser fácil, eu encontro Caleb na
recepção. É uma droga, mas ele mora nesse bairro e parece que
decidiu justo hoje levar o seu cachorro para banho e tosa.
— Sol.
— Vamos fingir que não nos conhecemos — resmungo e
depois o ignoro para falar com a moça atrás do balcão. Faço o
pagamento e me afasto do embuste para esperar o Cenoura.
Enquanto ele entrega o próprio cachorro para o banho,
minhas amigas o fuzilam, irritadas com a coincidência. Caleb não
tem um pingo de vergonha na cara, pois se aproxima de mim e abre
a boca para falar, mas é interrompido por Cenoura que está tão feliz
em me ver, que começa a latir e abanar o rabo.
Agacho-me para abraçá-lo e ganho uma lambida generosa no
rosto e por um triz que ele não enfia a língua atrevida no meu
potinho de sorvete. Pego a coleira e agradeço o homem que deu
banho no Cenoura.
— Sol — Caleb fala ao agarrar meu braço e me faz derrubar o
sorvete no chão. — Podemos conversar?
— Não.
Desvencilho-me dele, mas o idiota tem o dobro do meu
tamanho e força, então me agarra de novo, me impedindo de sair do
pet shop.
— É melhor você ir soltando esse braço aí. — Beatrice ativa o
modo protetora e encara Caleb com desdém.
— Não se mete, garota — ele retruca, ranheto.
— Não se meta você na minha vida — digo e me solto dele
de novo. Dessa vez, Cenoura começa a latir para Caleb e diferente
de minutos atrás, não parece nada feliz e sim, bravo.
É isso mesmo, garoto. Esse cara é um embuste. Pode morder
as bolas dele...
— Só quero conversar... sobre nós.
— Caleb, vê se me esquece — resmungo e puxo Beatrice
que tem os olhos azuis afiados para partir para cima do meu ex-
traidor. Ela sempre foi assim, esquentada e boa de briga. Tem o
senso de justiça muito forte e isso já nos colocou em maus lençóis
no ensino médio, mas confesso que amo esse jeitão dela.
— É melhor você cair fora — Ananda aconselha com a maior
paciência do mundo, e se eu fosse ele, escutaria a loira.
Saímos do pet shop, mas infelizmente, Caleb vem junto, me
irritando e deixando Beatrice e Cenoura alterados. Se minha amiga
fosse um cachorro, ela seria um pinscher sem sombra de dúvidas.
— Sol, me escuta — ele pede ao parar na minha frente e
colocar as mãos ousadas nos meus ombros nus.
— O que você quer? — pergunto, fazendo o homem arregalar
os olhos.
— Quer que eu fale aqui?
Reviro os olhos e tiro as mãos dele de cima de mim.
— Sim, desembucha.
Sem dizer nada, ele olha por cima da minha cabeça,
encarando minhas amigas. Suspiro e endireito os ombros, entrego a
coleira do Cenoura para Beatrice e peço que esperem perto do meu
carro, que está estacionado em frente ao pet shop.
— Você estragou minha viagem de cruzeiro com a Catarina.
Sinto o sangue do meu rosto ferver de raiva.
— Como é que é? É isso que você quer falar? — retruco,
alterada.
— Sim. — Ele passa a mão em cima do seu cabelo castanho
e focaliza meus olhos. — Trair você com a Catarina foi um erro, eu
não sei o que tinha na cabeça. Me desculpa se demorei tanto tempo
pra ver isso, mas sinto muito.
— Você me traiu porque é um babaca. Resolvi seu problema
de não saber o que tinha na cabeça enquanto me dava um par de
chifres?
Ele ignora o que digo e continua soltando asneiras para cima
de mim.
— Quando te vi lá no navio, eu senti isso, que a gente não
devia ter terminado. Foi um erro ter largado você. — Ao ouvir,
arqueio uma sobrancelha, cética. — Eu acho que ainda...
— Não se atreva a dizer isso — interrompo Caleb, sentindo o
meu coração acelerar.
— Sol, eu acho que ainda gosto de você — fala e o imbecil
abre um sorriso para mim, como se sorrir fosse solucionar todos os
nossos problemas.
— Vai à merda, Caleb!
— O quê? Você não sente nada por mim?
— Vai à merda, Caleb! — repito, furiosa. — Você me fez
passar por idiota quando te pedi em casamento e estava fodendo a
Catarina enquanto me fodia. Agora vem com esse papo pra cima de
mim? O que acha que vai acontecer? Que como uma idiota, vou
voltar pra você? Cai na real, cara.
— Você tá brava, né? Isso é porque ainda se importa comigo,
com a gente...
— Cala essa maldita boca — interrompo Caleb mais uma vez.
— Eu tô brava porque você é um imbecil e tá me deixando nervosa
de um jeito que é bem perigoso pra você.
— Vamos conversar em outro lugar.
Ele dá um passo para frente e eu dou um para trás.
— Eu não me importo com você, Caleb. Na verdade, eu te
odiei por muito tempo, mas superei. Superei essa merda me
apaixonando por outro cara. É isso mesmo e é melhor você sair do
meu pé, porque ele não é do tipo muito amigável.
— Você tá falando daquele otário do navio?
— Volta pra Catarina e me esquece.
— Não, nós terminamos.
— E o problema é de quem? É, exatamente, não é meu.
Bufando, giro nos calcanhares e me aproximo das minhas
amigas, que com certeza, ouviram toda a merda da conversa. Eu
não fui tão delicada, estava berrando com Caleb. Acho que depois
de um ano, consegui gritar com esse imbecil.
— Sol, espera.
Viro-me rápido e quando Caleb chega perto o suficiente,
acerto o seu rosto com uma bofetada firme.
— Eu tô cansada de traidores como você. Então, é melhor
você me esquecer ou vou soltar o Cenoura e mandar ele morder as
suas bolas — ameaço e como se tivesse entendido minhas
palavras, meu guardião começa a latir desesperado na direção do
traidor.
— Sinto muito.
— Pois sinta lá da sua casa, a mil metros de distância de
mim.
Destravo a porta do carro e entro, minhas amigas fazem o
mesmo e só quando saio de frente do pet shop que Cenoura para
de latir. Meu coração está acelerado, mas me sinto bem. Muito bem,
na verdade.
Um ano.
A merda de um ano em silêncio. A merda de um ano sem
conseguir dizer nada sobre ele ter me traído. A merda de um ano
com um caroço entalado na garganta. Agora, eu consegui colocar
tudo para fora.
Superei Caleb de verdade e para sempre.
— Estamos orgulhosas de você — Ananda, que está sentada
no banco do carona fala, sorrindo.
— Aquela é a Sol que eu conheço desde o ensino médio —
Beatrice fala e eu a olho pelo retrovisor quando paro no semáforo
vermelho. Cenoura está lambendo sua bochecha saliente. — Mas
Cenoura estava prontinho para arrancar algumas bolas cheia de
pentelhos, né?
Como se entendesse, ele late, nos fazendo rir.
— Mas então... quer dizer que você está apaixonada? —
Ananda questiona, fazendo minhas bochechas formigarem.
Quando falei aquilo para o Caleb, as palavras saíram da
minha boca antes que meu cérebro tivesse chance de filtrá-las, mas
elas vieram do coração. É isso mesmo, estou apaixonada pelo
Henrique e não acho que isso tenha mais volta.
— O que você tá fazendo? — pergunto ao alcançar Miguel no
estacionamento. Cici finalmente acordou, mas em vez de ficar com
ela, meu irmão está fugindo.
Miguel desvia dos meus olhos.
— Não posso passar por isso de novo — é o que diz e eu não
preciso fazer esforço para entender o que ele quer dizer. — Não
consigo.
Quando Miguel perdeu a Dani, ele ficou arrasado e eu sei
como é amar alguém e depois acabar. O que aconteceu comigo
nem se compara com o que houve com Miguel e Dani, mas Nissa
destruiu o meu mundo também e me fez ser amargo e me fechar
para outros relacionamentos.
— Não seja tão pessimista, Miguel. Ela precisa de você.
Ele passa a mão no topo da cabeça e recua um pouco, meio
atordoado. Algo me diz que dentro da sua cabeça teimosa, meu
irmão está revivendo aqueles dias difíceis de novo e de novo.
— Eu sinto muito por você e Leandro e Nissa, a mãe me
contou — comenta, saindo do seu problema e jogando o meu contra
o ventilador.
Suspiro.
— Ela não consegue ficar calada.
— Cadê a Marisol?
Passo a língua no lábio inferior e não respondo. A verdade é
que eu não sei. Ela deve estar em casa, me odiando por ter ficado
sem dar notícias. Os últimos dias foram estranhos, eu fiquei com
Nissa, Leandro e Samuel na ala de oncologia. Eu não conseguia
simplesmente ignorar o cara que foi meu melhor amigo durante a
vida inteira, mesmo que ele tenha me traído e engravidado minha
ex.
E também sou um imbecil por não ter entrado em contato com
Marisol.
Porra.
— Eu sei que está certo sobre a Cici, mas não consigo fazer
isso. No entanto, a sua Marisol também precisa de você. Por que
ela não está com você? — pergunta e leva uma mão até a minha
nuca, onde dá um tapinha de leve antes de girar o corpo e ir
embora.
Eu devia arrastar o meu irmão e fazê-lo voltar para Cici, mas
não consigo. As palavras de Miguel me deixaram paralisados. Ele
tem razão. O que eu estou fazendo? Dedicando o meu tempo para
minha ex-esposa e a sua família? Que situação fodida. Marisol deve
estar pensando tanta merda sobre mim.
Desesperado com a possibilidade de Marisol não querer mais
falar comigo, tateio o bolso da calça jeans e procuro o celular, mas
antes que possa discar o seu número, encontro Nissa no saguão do
hospital com Samuel.
— Ele tá queimando em febre e vomitou muito hoje de manhã
— ela fala, me fazendo olhar o garoto. Ele parece bem abatido e
fraco. — Pode me ajudar? Por favor, Henrique...
Penso em ser um imbecil e recusar o pedido de Nissa, mas
ao olhar de novo o garoto, sinto o meu peito apertar. Ele não tem
culpa de a mãe ter me traído no passado, então guardo o celular e
me agacho para pegar Samuel no colo. De maneira natural, deita a
sua cabeça no meu ombro, o que me dá uma sensação estranha no
peito.
Levo os dois até a ala pediátrica e depois de quase uma
eternidade, Samuel é atendido. Penso em ir embora, mas o menino
me pede para ficar. Não sei se está delirando ou realmente quer
isso, mas acabo ficando com os dois.
Ele está com uma intoxicação alimentar, o que causou
desidratação, baixa concentração de sais minerais e líquidos no
corpo. O médico pediatra pediu que ele ficasse em observação no
hospital e ele passa as próximas horas tomando soro na veia.
— Obrigada por estar aqui — Nissa murmura, mas nem me
dou ao trabalho de olhá-la. Fico observando Samuel que parece
ainda menor na cama de hospital. — Ele gosta de você.
— Ele é um bom garoto.
Sem aviso prévio, ela se aproxima de mim e envolve as mãos
no meu braço, suspirando. Olho-a por um segundo longo antes de
me afastar em um solavanco. Nissa fica constrangida com o meu
gesto.
— Me desculpe, estou meio abalada com tudo que vem
acontecendo.
— Estou tentando perdoar o Leandro por tudo e isso inclui
perdoar você também, Nissa. Mas isso não muda o fato de que eu
não quero você na minha vida.
Os olhos dela brilham.
— Mas você ficou com a gente nos últimos dias. Achei que...
— Achou o quê? — interrompo-a. — Estou aqui, porque sou
um idiota e me sinto mal pelo Leandro e eu gosto desse garoto... —
Aponto para Samuel na cama. — Ele não tem culpa do que os pais
fizeram.
Nissa prensa os lábios.
— Me desculpa, Henrique. Se eu pudesse, faria diferente.
Não teria ficado com Leandro e ainda estaríamos casados.
Ouvir aquilo me deixa com um embrulho no estômago. Foi
mais fácil quando Leandro disse que não se arrependia por causa
de Samuel, mas Nissa, ela faria tudo diferente?
Levo os olhos até Samuel e meu coração aperta.
— Eu amo o meu filho — Nissa se apressa em dizer e vem
com tudo para cima de mim, colocando as mãos nos meus braços.
— Mas às vezes eu penso que poderia ter sido diferente. Se você
fosse o pai do Samuel, não estaria feliz?
Solto-me dela.
— O que você quer de mim?
Nissa pisca devagar e as lágrimas começam a fazer caminho
nas suas bochechas.
— Uma segunda chance.
— Não tem como isso acontecer.
— Por causa da Marisol?
O seu nome faz o meu peito doer mais ainda e eu me sinto
um idiota por estar aqui e não tentando resolver as coisas com ela.
— Sim.
Dito isso, me afasto de Nissa e olho Samuel mais uma vez
antes de sair do quarto. Ela vem correndo atrás de mim e para bem
na minha frente, segurando minhas mãos, os olhos transbordando
lágrimas.
No fundo, eu não sei se ela está sendo sincera ou fingindo.
— Fica aqui com a gente. Samuel vai gostar de acordar e te
ver aqui.
— Traga o Leandro aqui depois que o garoto acordar. Eu vou
viajar amanhã de manhã e quero ficar com a minha namorada essa
noite — digo, fazendo Nissa contrair a mandíbula. — Espero que
Samuel melhore.
São mais de dezenove horas quando chego ao prédio de
Marisol em Cacupé. Ela não atende ao celular e nem ao interfone,
mas o porteiro garantiu que a viu chegar há duas horas.
Depois de várias insistências, ela atende o interfone e o
homem libera minha entrada. Já estava ficando aflito e pensando
em invadir o condomínio para falar com Marisol.
Dentro do elevador, me sinto ansioso e não consigo ficar
parado. Por sorte, estou sozinho, então ninguém reclama de eu ficar
para lá e para cá no espaço minúsculo. As portas de metal se abrem
no seu andar e eu caminho corredor adentro. É a primeira vez que
venho aqui e eu não sabia nem o número do seu apartamento, mas
por sorte, o homem na guarita foi muito simpático e me ajudou.
Em frente à porta dela, aperto a campainha e espero.
Em menos de dez segundos, meus olhos encontram a mulher
mais linda que eu conheço. Ela tem os cabelos molhados, está
usando um roupão grande e tem os pés descalços. Os olhos que
parecem feitos de chocolate estão arregalados e noto um lampejo
de preocupação passarem por eles.
— Henrique, aconteceu alguma coisa? Seu irmão tá bem? A
Cici acordou?
A única coisa que faço é avançar para dentro do apartamento
e segurar o rosto dela entre as duas mãos enquanto grudo as
nossas bocas. Não tem nenhuma resistência da parte de Marisol, o
que me deixa aliviado.
— Oi — murmuro, arrebatando um sorriso dela.
Marisol se afasta de mim por um segundo e vai trancar a
porta.
— Você não vai viajar amanhã? O que veio fazer aqui?
— Sim, mas eu precisava te ver.
Ela assente.
— Tá tudo bem? — pergunta e morde o lábio inferior.
Bom, eu vim aqui para conversar, pedir desculpas e
esclarecer as coisas, mas é difícil me concentrar nisso quando ela
está usando apenas um roupão e fica mordendo essa boca carnuda.
— O que você estava fazendo?
— Tomando banho.
Aproximo-me dela de novo, sem pedir permissão, desfaço o
nó do roupão e ela não me impede de continuar. Passo o tecido
grosso pelos ombros e deixo cair no chão, revelando o corpo meio
molhado e nu de Marisol.
— Você veio aqui pra me ver nua, é isso?
Sorrio ao ouvir a pergunta.
— Também.
Agarro o braço de Marisol e a vejo estremecer no momento
em que meus dedos roçam a palma da sua mão. Puxo-a para mim e
deslizo com os dedos na pele macia até eles estarem na lateral do
seio.
— Henrique — ela sussurra.
Coloco a mão livre na sua cintura e devagar, vou tocando seu
corpo e quando me dou conta, estou acariciando o mamilo
enrijecido com o polegar. Sem que eu tenha pedido, ela se aproxima
mais ainda e me encara por cima dos cílios.
— É injusto — Marisol diz.
— O quê?
— Você tá com muita roupa.
Ela agarra a barra da minha camisa e puxa com força até me
fazer recuar um passo e passar o tecido pela cabeça. Quando volto
para perto de Marisol de novo, cubro a sua boca com a minha e
sugo sua língua enquanto minhas mãos vão direto para a bunda
empinada e deliciosa.
Engulo um gemido de Marisol com o beijo e a sinto tentando
tirar o meu cinto. Afasto-me um pouco para tirar minha calça jeans e
tênis e quando estou apenas de cueca boxer, ela me empurra até
que eu esteja deitado no sofá. Nua e linda, vem para cima de mim e
se encaixa de modo perfeito em cima da minha ereção.
Não consigo manter as mãos longe dela, então toco o seu
corpo e a observo arfar quando as minhas mãos passeiam pelas
suas curvas.
— Quer saber o que eu estava fazendo antes de tomar
banho?
— O quê? — pergunto, sentindo a cabeça viajar em um
mundo impuro e erótico.
Sem dizer nada de início, ela pega a minha mão e leva até o
meio das suas pernas e meus dedos tocam a abertura úmida e
quente ao mesmo tempo em que sinto o meu pau latejar contra a
cueca.
Deixo escapar um gemido rouco do fundo da garganta.
— Porra. Você tá toda molhada.
— Eu estava me tocando enquanto pensava em você.
— Marisol — murmuro, louco de tesão. Desgrudo as costas
do sofá sem tirar a mão dela, então é minha vez de fazê-la deitar e
ficar por cima. Meus dedos deslizam pela fenda encharcada antes
de massagear o clitóris inchado. — Assim?
Ela morde o lábio inferior e sorri.
— É, assim — responde, arfante.
Enquanto a toco, abaixo a cabeça e coloco um mamilo na
boca e começo a sugar. Sinto uma das mãos de Marisol nos meus
cabelos e o quadril se flexionando contra os meus dedos. Com a
língua, toco o outro mamilo e chupo à medida que ela vai gemendo
meu nome e pedindo mais. Ela puxa meu cabelo de leve enquanto
faço movimentos circulares no mamilo entumecido.
Tiro a mão da parte mais sensível do corpo dela e a ouço
choramingar, o que me faz sorrir. Gosto de saber que ela quer
minhas mãos tocando o seu corpo. Faço uma trilha de beijos
quentes da parte macia da orelha até a nuca, depois descendo mais
entre os seios e chegando na barriga, em cima da tatuagem.
Olho-a por cima dos cílios e a vejo mordendo o lábio inferior e
apertando um dos seios. A imagem é sexy pra caralho e me deixa
louco. Afasto um pouco as pernas e dobro uma delas até estar cima
do sofá, deixando-a totalmente aberta para mim.
Fico de joelhos e cubro a sua boceta com a minha boca,
roubando gemidos altos de Marisol. O toque da minha língua a faz
estremecer por inteira, o que me deixa ainda mais excitado. Lambo
de cima para baixo, sugando o seu clitóris e aproveitando o seu
gosto e a ouvindo suplicar por mais.
Enfio um dedo nela, depois outro e enquanto a chupo, faço
movimentos ritmados de vaivém. Marisol agarra minhas orelhas,
chamando meu nome repetidas vezes, mas não me deixa fazê-la
gozar, pois me puxa para cima e enfia a sua língua na minha boca,
me envolvendo em um beijo sedento.
— Preciso sentir você dentro de mim.
— Caralho, sim — murmuro.
Fico em pé e tiro a cueca boxer, expondo meu pau duro e
quente, o massageio um pouco antes de deitar no sofá. Marisol vem
com tudo para cima de mim e em uma sentada certeira, a sua
boceta molhada engole todo o meu cacete, me fazendo abrir a boca
e deixar escapar um gemido do fundo do meu íntimo.
Minhas mãos voam para seus quadris e ela se inclina para
mim, os braços contornam o meu pescoço por alguns instantes
enquanto me beija.
— Não se segura, Henrique. Vem com tudo — murmura antes
de se afastar um pouco.
Ouvir Marisol é quase como puxar uma alavanca de algo
proibido. E se algum dia, eu tive a preocupação de ela não gostar da
minha força na hora do sexo, tudo terminou agora.
Ainda agarrando o seu quadril, eu me deixo levar e a conduzo
no ritmo forte e incansável de sobe e desce. Ela cavalga em mim
com vontade também, gemendo meu nome e cravando as unhas no
meu peito.
Marisol aproxima o rosto do meu e me beija, demorado e
sensual, com a língua explorando a minha boca e fazendo meu pau
latejar dentro dela.
— Você é minha, Marisol — grunho, enquanto a sinto rebolar
em cima de mim sem perder o ritmo forte e sedento das minhas
estocadas. — Só minha. Quero ouvir de você que é minha — digo,
metendo forte.
Gemendo, ela prende os olhos enevoados aos meus.
— Eu sou sua, Henrique.
Aumento ainda mais o nosso compasso e estoco com força,
com tudo, apertando a sua bunda enquanto meu pau se enfia todo
dentro dela. Marisol se agarra a mim, colando os seios de mamilos
enrijecidos contra o meu peito e gemendo no meu ouvido.
Em um movimento hábil, sento no sofá e sem perder o ritmo,
continuo com o sobe e desce.
— Abre os olhos e olha pra mim — ordeno e não demora para
ela me obedecer. Uma Marisol obediente, eu posso me acostumar
com isso. — Quero gozar olhado pra você.
Minhas investidas ficam cada vez mais vigorosas e eu sei que
depois de gozar, vou precisar de alguns minutos para recuperar o
fôlego. As mãos vão subindo até a sua cintura fina e param ali por
alguns instantes, guiando o ritmo de cavalgada da Marisol, depois
sobem até os seus seios redondos e empinados e aperto, roubando
gemidos sexys dela.
— Eu acho que vou gozar... — ela choraminga, olhando para
mim e me deixando louco.
Sinto os meus músculos tensionarem e o corpo inteiro
arrepiar com a aproximação do meu orgasmo. Deixo escapar um
gemido rouco do fundo da garganta, mas é ela quem goza primeiro,
chamando meu nome, sem tirar os olhos de mim.
E isso é o suficiente para me permitir explodir também. Então,
eu gozo dentro de Marisol, de forma intensa e feroz.
Gozar dentro dela é sempre tão bom. Acho que isso está se
tornando a minha perdição.

Nós perdemos mais algum tempo debaixo do chuveiro. Eu


não consigo tirar as mãos ou sair de dentro de Marisol. Estou
ficando louco só de pensar que ficarei longe dela por uma semana
inteira.
Depois de mais uma rodada incansável de sexo na cama, ela
se joga ao meu lado, respirando pesado.
— Que horas é o seu voo amanhã? Você precisa dormir.
Olho para o relógio pequeno e de design moderno em cima
da cômoda ao lado da cama e confiro as horas.
— Na verdade, é hoje. Às sete horas.
— Hoje?
Ela se inclina por cima de mim e confere com os próprios
olhos. Duas e vinte da madrugada. É, acho que aproveitei bem o
tempo com ela, mas confesso que estou exausto. Mas foi tão bom,
que gastaria minhas horas fodendo com Marisol de novo.
Levo uma mão até o seu rosto e prendo uma mecha de
cabelo atrás da orelha pequena.
— Me desculpe por ter sumido — digo. Ainda não tínhamos
falado sobre o que aconteceu e eu precisava ser sincero com ela. —
Eu fui um idiota.
— Eu te dei tempo pra resolver as coisas com a Larissa.
— Não existe mais nada pra resolver com ela.
Marisol prensa os lábios e assente.
— É uma loucura ela ser minha amiga — comenta, me
fazendo sentir estranho.
Não sei se Nissa é sincera em relação a essa amizade como
Marisol pensa. Acho que minha ex não hesitaria nem um pouco em
tirá-la do caminho.
— Tem certeza que ela é sua amiga?
Marisol senta na cama, puxando o edredom para cobrir os
seios. Tento puxar, porque gosto de vê-la nua, mas ela agarra com
força o tecido perto dos seios.
— Aconteceu algo, não é?
Engulo em seco e suspiro, pensando que é uma péssima
hora para contar tudo o que aconteceu no meu casamento
fracassado, mas com a sensação de que não vou conseguir ficar em
paz se não disser tudo.
Então, eu conto.
No final, Marisol fica chocada.
— Vocês tiverem um filho?
— Não. Ele... ele...
— Sinto muito, Henrique.
Ela se joga contra o meu peito e me abraça, fazendo o meu
coração acelerar com o cheiro de fruta do seu cabelo. É um cheiro
tão bom, que me faz sentir em casa, seguro. Estou completamente
apaixonado por essa garota.
— Passou.
— Hoje... quer dizer, ontem, Ananda recebeu uma mensagem
da Larissa, dizendo que não ia mais no casamento. Beatrice tirou as
próprias conclusões.
— Sobre o quê?
— Que ela quer você de volta e por isso vai se afastar da
gente.
Bufo e reviro os olhos.
— Não existe a menor chance de isso acontecer.
— Tem certeza?
Pela primeira vez na vida, ouço insegurança na voz de
Marisol e isso me deixa meio desesperado. Sento na cama e ela faz
o mesmo. Seguro seu rosto entre as mãos e beijo seus lábios de
leve antes de voltar a falar.
— Não existe a mínima possibilidade de eu te deixar pra ficar
com outra mulher, Marisol.
Os lábios dela se esticam em um sorriso.
— É melhor mesmo, porque agora, eu tenho um guardião que
está louco pra morder algumas bolas — fala com um leve tom de
sarcasmo e olho para o meu pau, que está coberto com uma parte
do edredom.
— Guardião?
— O Cenoura. É o cachorro que resgatei no dia em que nos
conhecemos.
— Acho que devo minha vida a ele.
Marisol enruga a testa.
— Por quê?
— Sem ele, eu jamais teria te conhecido — murmuro e ela me
joga para trás, deitando por cima de mim de novo e focalizando
meus olhos. — E sabe de uma coisa?
— Não, o quê?
— Talvez seja cedo pra dizer uma coisa dessas, mas eu
preciso de você na minha vida, Marisol. Meus dias não têm mais
sentindo sem você.
— Henrique — ela sussurra, me beijando de maneira lenta e
apaixonada. — Faz amor comigo.
Não sabia que eu precisava fazer amor com Marisol até ouvi-
la me pedindo.
Uma semana depois...
Não tinha noção de que seria tão torturante ficar longe de
Henrique até realmente passar por isso. Eu sentia falta dele, do
cheiro, da presença, de tudo.
Eu estou ferrada, mas completamente apaixonada.
O que me salvou da abstinência foram os preparativos do
casamento de Ananda. Ficar ocupada com os problemas dela me
impediu de ficar sentindo a falta de Henrique durante o dia.
Outra pessoa que sinto falta também é de Samuel, mas
Larissa está fazendo um esforço enorme para nos evitar. Mesmo
que seja triste, talvez seja melhor. Não sei se saberia lidar com o
fato de que provavelmente, toda vez que eu olhasse Larissa, eu a
imaginaria nua e em cima de Henrique. Meu lado masoquista é um
sacana e acho que não tenho controle sobre ele.
Por causa do casamento amanhã, liberamos toda a nossa
equipe antes do almoço. Ananda tem horário marcado com a
manicure e eu também, mas acho que agora, Henrique já deve ter
chegado da viagem e eu preciso vê-lo antes de pintar as unhas.
Despeço-me de Ananda no estacionamento subterrâneo e
dirijo na direção da minha casa antes de ir ao apartamento dele. Eu
passei a semana pensando em como podia surpreendê-lo quando
voltasse de viagem. E pelo que conheço desse CEO
temperamental, intenso e safado, é fácil deixá-lo de queixo caído.
Duas peças de roupa pequenas e eu sei que o tenho nas minhas
mãos.
Já no meu apartamento, tomo um banho e me seco, me
lambuzo de creme hidratante com cheiro de flores e coloco a
lingerie que comprei dias atrás. Para finalizar, salto alto e um
sobretudo preto. Com certeza estou me destacando por usar um
casaco desses no verão, mas vai valer a pena.
Dentro do meu carro de novo, faço o caminho até o
apartamento de Henrique, que fica na avenida Beira Mar Norte. O
trânsito não me ajuda muito e eu demoro mais do que gostaria para
chegar ao meu destino, e quando checo a hora no relógio, sei que
não tem a menor chance de eu chegar a tempo para fazer as unhas
com a manicure de Ananda.
Ao me ver, o porteiro abre a porta e não anuncia a minha
chegada. Sorrio para ele e agradeço. Gosto do fato de poder entrar
aqui e sair quando eu quiser. Abraço o corpo e corro para entrar no
elevador vazio, ansiosa para ver Henrique.
Assim que as portas de metal se abrem, estufo o peito antes
de começar a caminhar, rebolando os quadris até o seu
apartamento. Aperto a campainha e desfaço o nó do sobretudo,
sentindo o sangue do corpo ferver.
No momento em que ele abre a porta, eu seguro nas abas do
casaco e estico para os lados, mostrando o corpo e deixando o
homem paralisado com a visão da lingerie de renda sexy.
— Marisol — ele fala depois de uma eternidade, os olhos com
um brilho devasso que eu adoro.
— Marisol? Ela veio também?
Ao escutar a dona Ingrid, sinto o rosto formigar e fecho o
sobretudo, amarrando rápido. Ela surge na porta alguns segundos
depois e eu só consigo agradecer em silêncio por ela não ter me
visto quase nua, tentando seduzir o seu filho.
— Querida, entre, venha.
Henrique não tira os olhos de mim, mas não diz nada ao
recuar um passo para que eu entre. Dona Ingrid me abraça antes de
alcançarmos a sala e passa a mão no meu cabelo, fazendo carinho.
— Já que está aqui, podemos almoçar os três juntos, o que
acha?
Engulo em seco.
— Almoçar?
— Sim, tem um restaurante no centro que eu adoro. Uma
comida caseira e muito saborosa. Aposto que deve estar com
saudade dele também, por isso veio.
Sim, com tanta saudade que apareci aqui para fazer uma
surpresa safada...
Sorrio sem jeito e me sento no sofá, cruzando as pernas e me
odiando um pouco por ter tido a ideia de aparecer quase pelada na
porta de Henrique. No entanto, nós passamos a última semana
fazendo sexo pelo telefone e trocando fotos provocantes. Eu
precisava ficar com ele ou meu corpo endoidaria.
— Querida, tire esse casaco, tá um calor terrível.
Ah, droga.
Não posso fazer isso.
Não posso mesmo.
De jeito nenhum!
— Ah, é que eu estou com frio. Não ando me sentindo muito
bem.
No momento que fecho a boca, me sinto uma idiota. Que
mentira esfarrapada é essa? Meus pais sempre me disseram que eu
sou uma péssima mentirosa, mas agora sei disso com certeza
absoluta.
— Você disse que só me veria de noite — Henrique fala, me
observando. E pela forma que seus olhos estão em cima de mim,
sei que está imaginando o meu corpo com lingerie por debaixo do
sobretudo.
— Aconteceu um pequeno imprevisto, por isso, eu vim —
explico.
A Dona Ingrid alterna os olhos de mim para o filho e eu finjo
vários sorrisos para não entregar o fato de que sou uma safada e
estou morrendo de vergonha.
— Minha mãe já estava de saída — ele fala, ainda me
encarando.
Direciono a atenção para a mãe de Henrique, que une as
sobrancelhas, completamente confusa.
— Como assim, eu estou de saída? Acabei de dizer que
vamos almoçar juntos.
Levanto de uma vez, chamando a atenção dela.
— Na verdade, eu que já estou de saída. Nós...
— Senta essa bunda no sofá — Henrique fala, todo mandão e
mesmo que nunca tenha feito o estilo muito obediente, meu primeiro
instinto é sentar.
— Filho, que modos são esses? — a dona Ingrid pergunta
com um tom repreensivo na voz.
— Me desculpe. Marisol, você pode, por favor, continuar com
a bunda sentada no meu sofá? — o CEO pede, me roubando uma
risada.
Dona Ingrid também ri.
— Acho que sei o que está acontecendo aqui — diz ao ficar
de pé e colocar a alça da bolsa tiracolo nos ombros. — Nós
podemos almoçar depois.
— Não — protesto, me levantando também. — Podem ir
almoçar juntos, eu... sei lá, Henrique e eu nos vemos de noite. Não
quero estragar os planos de vocês.
Sorrindo, ela leva uma mão até o meu rosto e faz carinho na
minha bochecha.
— Fique, querida. Não se preocupe — é o que fala ao girar
nos calcanhares e caminhar na direção da porta. Henrique vai atrás
dela e eu espero em pé, perto do sofá.
Quando ele volta, já vai logo com as mãos salientes em cima
de mim, tentando tirar o meu sobretudo, mas eu bato de leve em
sua mão, o impedindo de continuar com o processo de me despir.
— O que foi?
— Não tô mais no clima. Sua mãe acabou de sair daqui.
Droga, eu devia ter ligado antes, mas queria fazer surpresa.
— Quero minha surpresa.
Sorrio, fazendo o homem suspirar.
— Não tô mais no clima.
— Me dá cinco minutos e eu te coloco no clima de novo.
— Convencido.
Ele abre um sorriso cafajeste.
— Senti falta de você, Marisol. Achei que fosse ficar louco de
tanto que você me fez falta.
— Também senti saudade.
— Então, me deixa ver direito o que tem por baixo desse
sobretudo.
Sorrio, mas nego com a cabeça.
— Me diz como foi a sua viagem. Como foi o lançamento do
seu produto lá na Europa? Deu tudo certo?
— Sim, deu tudo certo. Agora, não quero mais falar de
trabalho. Quero te ver. Pelada.
Respiro fundo.
— Você é tão romântico.
— Obrigado — murmura, com um sorriso maroto estampando
a cara bonita de novo. — Anda, me deixa te ver.
— Você ia almoçar com a sua mãe. Nossa, eu me sinto
péssima. O que ela vai pensar de mim?
— Que você tá cuidando bem do filho dela — responde
rápido, me fazendo gargalhar.
— Cuidando como? Acabei de atrapalhar o almoço de vocês.
— Ela entendeu, não se preocupe. Mesmo assim, tô prestes a
almoçar agora. Vou comer você.
Rio de novo.
— Você é um cretino.
— Eu sei que você gosta.
Dito isso, ele coloca as mãos no meu quadril e me vira num
solavanco, puxando a minha bunda contra a ereção bem evidente e
leva ondas de calor para o meu corpo, se alojando bem no meio das
minhas pernas.
— Olha o jeito que eu tô, Marisol. Não tá nem um pouco
comovida? — questiona, a voz soando com um leve tom de
sarcasmo.
Começo a rir de novo, mas paro no momento em que
Henrique afunda o rosto no meu pescoço e roça os dentes de leve,
enquanto continua me pressionando contra a ereção.
— Me dá cinco minuto pra te colocar no clima de novo.
Prometo que não vai se arrepender.
Ele morde o lóbulo da minha orelha, me fazendo gemer.
Cinco minutos? Mal começou e eu sinto que já me rendi. Sem
esperar por respostas, Henrique me vira de novo e dessa vez,
desfaz o nó do meu sobretudo e passa o tecido pesado pelos meus
braços, admirando o meu corpo com malícia.
— Caralho, você é gostosa demais — murmura, lambendo o
lábio inferior e passeando com os olhos predadores pelo meu corpo.
Dios mío, esse homem é um safado de carteirinha, mas eu
amo.
— Como você me quer, Henrique?
Ao me ouvir, a atenção dele sobe até o meu rosto e encontra
os meus olhos por uma fração de segundo.
— De quatro na minha cama — é o que diz antes de devorar
a minha boca com um beijo intenso, fazendo minhas entranhas se
contorcerem.
Mesmo que Ananda e eu não sejamos melhores amigos, eu
aceitei o convite para acompanhar Marisol no casamento. E que
bom que eu fiz isso, a mulher está linda, usando um vestido azul
turquesa, com decote profundo e as costas nuas. Foi preciso muito
esforço para não ficar babando que nem um cachorro faminto perto
dela. Na verdade, nem tanto. Os pais de Marisol são meio que
assustadores e o careca tatuado não para de me olhar. Sinto que
ele pode acabar comigo com apenas um soco certeiro se notar que
estou olhando a bunda bonita da sua filha.
Depois da cerimônia na catedral metropolitana de
Florianópolis, vamos direto para o salão de festas. Marisol vem no
meu carro e os seus pais, com o veículo colado na minha traseira.
— Seu pai me odeia. O grandão.
Ela ri.
Nós três ainda não fomos apresentados. Não deu tempo,
quando chegamos na igreja, eles já estavam lá e na hora dos noivos
saírem, foi aquela confusão de pessoas em volta.
Esse foi um péssimo jeito de conhecer os pais da minha
garota.
— Acho difícil, meu pai não costuma odiar ninguém.
— Mas tenho quase certeza de que ele me viu olhando a sua
bunda.
Marisol ri de novo.
Talvez ele tenha me visto olhando o decote também.
É complicado não ficar admirando Marisol, ela está gostosa
demais com esse vestido e eu não vejo a hora de arrancá-lo e me
esbaldar nesse corpo cheio de curvas sinuosas.
— É, então ele te odeia mesmo — retruca, zombeteira.
Quase quinze minutos depois, chegamos em frente ao salão.
Nós e os pais dela descemos ao mesmo tempo. Marisol segura
minha mão e nós esperamos os dois se aproximarem.
É agora.
— Henrique, esses são os meus pais. Helano e Davi — ela
fala e aponta para cada um, respectivamente.
Estendo a mão em cumprimento.
Eu sou alto, sempre me gabei por isso. Mas Helano, o pai
tatuado de Marisol, com certeza, deve ter mais de dois metros e
pesar no mínimo, cem quilos. Ele é músculo puro, mas o aperto de
mão firme é do pai com cabelo platinado, o Davi. Daquele tipo “vou
quebrar a tua cara se fizer a minha filha sofrer”.
— É melhor você cuidar bem da minha garota — Davi fala,
fazendo Marisol sorrir. — Ou eu posso pedir pro meu marido
quebrar a sua cara — emenda, me fazendo assentir.
Helano ri.
— Não seja tão dramático. Quer assustar o garoto?
Garoto? Tudo bem, nem de longe sou um garoto, mas não
sou eu que vai discordar. Faço uma nota mental de nunca discordar
dos pais da Marisol. É para o meu bem-estar.
Ela segura minha mão e juntos, entramos no salão de festas.
Sinto o calor dos olhos dos pais de Marisol na nuca e calafrios
passam pelo meu corpo. Não lembro de ter ficado tão acuado assim
alguma vez na minha vida.
— Com o tempo, meu pai vai gostar de você. Ele só quer
colocar medo — Marisol fala no pé do meu ouvido ao sentarmos em
uma mesa perto da pista de dança com palco e instrumentos
musicais.
É claro que vamos dividir a mesa com os pais dela. Fico
aliviado quando vejo Beatrice e um casal mais velho se juntar a nós,
o que não dura nem um minuto inteiro. No navio, ela ameaçou cortar
minhas bolas se eu partisse o coração da sua melhor amiga.
— Cadê a minha garota? — uma voz masculina fala, fazendo
Marisol levantar e se jogar nos braços de um homem mais velho e
todo sarado.
Fico observando os dois com um gosto amargo na boca. Vê-
lo com as mãos na cintura de Marisol é mais do que meu ciúme
pode suportar, mas o Davi está me olhando, então preciso me
manter no controle.
Ele cumprimenta todo mundo na mesa e só então, olha para
mim, uma sobrancelha levemente erguida.
— E quem é esse?
— Meu namorado, Henrique. Henrique, esse é Adriano, um
amigo — Marisol fala e eu me levanto para cumprimentá-lo. Sou um
imbecil, mas é isso, aperto bem forte a mão dele, descontando toda
a minha irritação/ciúmes.
— Hum... aperto de mão forte.
Assinto e finjo um sorriso, mas não digo nada.
— Não se preocupe, garoto — ele fala, me fazendo contrair o
maxilar. Por que de repente todo mundo insiste em me chamar de
garoto? — Eu sou gay. Depois de algumas cervejas, pode ser que
eu acabe dando em cima de você — acrescenta e bate no meu
ombro, me deixando sem jeito e fazendo todo mundo rir.
— Ele está falando sério. Você faz o tipo dele — Marisol
comenta, na tentativa inútil de segurar o riso.
Antes que possa resmungar alguma idiotice, ela gruda a boca
na minha e me dá um selinho demorado, que consegue me fazer
relaxar de novo.
Beatrice não fica na mesa por muito tempo, depois de
acomodar os pais, ela se afasta de nós e sobe no palco, pegando o
microfone do tripé para animar a noite. Canta algumas músicas
agitadas e muda para algo romântico quando anunciam a entrada
de Ananda e Fernando.
As pessoas fazem fila para parabenizar Ananda e Fernando,
mas eu fico no lugar, observando.
— Isso te lembra o seu casamento?
Ao ouvir a pergunta de Marisol, olho para ela.
— Não mesmo — sou sincero.
Não vou dizer isso a Marisol, mas eu casei mal-humorado. Eu
queria algo simples e mais íntimo, mas Nissa quis esbanjar muito
dinheiro, então, foi um casamento grande e cheio de pessoas que
eu não fazia a mínima ideia de quem eram.
Eu não estava feliz como Ananda e Fernando.
— É bom saber que casamentos não te trazem lembranças
ruins.
Abro meio sorriso.
— Por muito tempo trouxe, mas mudou recentemente — falo
e dou uma piscadela para ela, roubando um sorriso de lábios
prensados.
— Não me olha assim.
— Por que não?
— Você me faz querer ir embora do casamento da minha
amiga mais cedo.
Fico animado ao ouvi-la e estou prestes a abrir a boca para
falar uma sacanagem, quando o Davi pigarreia, visivelmente
incomodado e com os olhos fixos em mim. É, ele estava ouvindo
toda a nossa conversa. Ainda bem que não abri a boca para chamar
Marisol de gostosa.
Quase meia hora mais tarde, Marisol se levanta e vai para a
pista de dança. De onde estou, tenho uma visão significativa dela e
posso admirá-la rebolando o corpo sem parecer um completo
tarado. Para minha surpresa, os pais dela ficam de pé e se juntam à
filha. Os três dançam de um jeito engraçado, que me faz rir.
— Isso é um teste — a mãe de Beatrice fala, me fazendo unir
as sobrancelhas, confuso. — Davi é superprotetor e vai te
incomodar a noite toda, se você aguentar, vai passar no teste.
Sorrio, assentindo.
— Ah, sim, claro.
— Marisol é tudo pra eles — comenta, olhando a pista de
dança. Direciono a atenção para o mesmo lugar, onde os três se
divertem com a dança maluca e riem felizes.
Tenho a sensação de que ela é tudo para mim também.

Acho que estou ficando velho...


Duas horas da manhã e eu quero ir para casa, mas Marisol
está animada demais dançando. Já tirou os saltos e praticamente os
jogou em cima de mim. De CEO a segurador oficial de bolsa e salto
alto. Ela pegou o microfone algumas vezes para cantar, a voz não é
tão afinada como a de Beatrice, mas ela cantou e riu como uma
criança.
— Cuide da minha filha — Davi fala, visivelmente bêbado. A
mãe de Beatrice tinha razão, ele passou a noite me incomodando,
mas agora não parece com alguém que vai me matar. — Ela é
minha garotinha.
— Vou cuidar.
— Ela já foi muito machucada. Não quero que aconteça de
novo.
— Eu sei, não vou partir o coração dela.
— É melhor mesmo. Eu já disse que meu marido pode
arrebentar a sua cara? — ele fala, quase gritando e fazendo Helano
rir.
— O senhor já falou sim — digo, me segurando para ficar
sério.
Ele bate forte no meu ombro, impulsionando todo o meu
corpo para frente. É uma situação ridícula e eu me sinto um
adolescente pedindo permissão para namorar, mas não posso
mentir e dizer que odeio a situação.
É estranhamente divertida.
— Ótimo.
— Querido, senta aqui e deixa o Henrique em paz — Helano
fala, me fazendo suspirar e agradecer com um aceno de cabeça.
Meu celular vibra dentro do bolso do terno e ao pegá-lo, vejo
nome de Nissa preencher a tela colorida. Pondero se devo ou não
atender, mas depois da nossa última conversa, é a primeira vez que
ela está me ligando e são mais de duas horas, algo sério deve ter
acontecido.
Deslizo o dedo sobre a tela para atender a ligação e levo o
aparelho até o ouvido para escutá-la dizer:
— Henrique... o Leandro morreu.
A vida é instável.
O que começou com uma noite linda e cheia de alegria,
terminou com uma notícia trágica. Eu sabia que o pai de Samuel
estava doente, mas não esperava a morte dele tão rápido.
Henrique não disse nenhuma palavra desde que entrou no
carro. Leandro e ele não eram mais melhores amigos, mas pelo que
me contou, cresceram juntos e a dor de perder alguém que fez parte
da sua vida deve ser a mesma. Não importa se eles se afastaram
por causa dos erros ou não, ainda assim, dói.
Quando chegamos no hospital, vamos direto para a ala de
oncologia e me surpreendo ao ver Samuel acordado e usando
pijama. Ele tem os olhos vermelhos e o nariz inchado. Tenho outra
surpresa quando Larissa se joga nos braços de Henrique, chorando.
Engulo o meu ciúme e pego Samuel no colo, que começa a
chorar ao ver a mãe em prantos.
— Vai ficar tudo bem, querido — murmuro e ele joga os
bracinhos gordos em volta do meu pescoço e descansa a cabeça no
meu ombro, ainda chorando e me deixando de coração partido.
Consolo Samuel e tento não ficar olhando Larissa e Henrique,
mas é difícil desviar os olhos ou impedir meu coração de doer
quando vejo os dois abraçados. Na verdade, ele não está
abraçando de volta, mas também não consegue se afastar.
Finalmente, Larissa recua e limpa os olhos com as costas das
mãos.
— Marisol, você pode levar Samuel pra casa e ficar com ele
essa noite? — ela me pede e mesmo que estejamos em um
momento difícil, no fundo do peito, eu sinto que é apenas um
pretexto para me fazer ficar longe de Henrique.
— Não. Vá você com o garoto e eu resolvo tudo por aqui — é
o que Henrique fala. Larissa não parece gostar da ideia, mas
também não diz nada.
— Tia Sol... sono — Samuel fala, fungando no meu cabelo.
— Eu vou pedir um Uber e levá-lo pra casa dos meus pais —
digo. É claro que não quero sair de perto de Henrique, mas eu amo
o garotinho que está nos meus braços e não vou fazê-lo ficar aqui
no hospital só porque estou com ciúme da mãe dele com o meu
namorado.
Henrique se aproxima de mim.
— Tem certeza?
— Ele é só uma criança.
De testa franzida, ele assente.
— Vá para o meu apartamento. Depois de resolver tudo aqui,
eu vou pra lá te encontrar — diz e beija meus lábios de leve, me
fazendo sorrir.
— Vou pra casa dos meus pais e você me encontra lá, tudo
bem?
Henrique suspira, mas acaba concordando com um aceno de
cabeça e me envolve em um beijo de novo, fazendo Larissa respirar
pesado. Ela parece bem incomodada com a minha presença, o que
me deixa meio irritada. Nós erámos amigas, ou pelo menos eu
pensei que fôssemos.
Pego o meu celular dentro da bolsa e chamo um Uber.
Samuel acaba adormecendo em meus braços e eu fico me
perguntando como posso amar uma criança que nem é minha.
— Tia Sol — ele murmura depois de um tempo, sonolento e
chamando minha atenção.
— Oi, querido. Tô aqui.
— Meu papai...
Engulo em seco e sinto os olhos arderem.
— Shii, dorme, querido — falo baixinho e passo a mão na sua
cabecinha, tentando com todo o meu coração consolar Samuel.
Coloquei Samuel para dormir no meu antigo quarto e troquei
de roupa. Meus pais chegaram e um está completamente fora de si,
bêbado. Questiona o motivo de eu ter ido embora mais cedo.
— Vou cuidar do Davi, já volto — meu pai fala e eu assinto,
me jogando no sofá e segurando o celular que não mostra nenhuma
notificação. Fico tentada a mandar mensagem para Henrique, mas
me controlo. Não quero parecer desesperada, mesmo que eu esteja
me roendo de ciúmes.
Meia hora mais tarde, meu pai volta, tirando a gravata e
levantando meus pés do sofá para sentar.
— Não que eu esteja reclamando, mas o que Samuel está
fazendo aqui?
Sento no sofá e me inclino para próximo do meu pai,
passando a mão de leve na sua careca brilhante. Não estou nem
um pouco a fim de conversar sobre isso, mas ao mesmo tempo,
sinto que vou pirar se ficar guardando para mim.
— Larissa me pediu pra cuidar dele.
— Onde está Henrique?
— Com ela.
Ele esquadrinha o meu rosto.
— E você tá bem?
— Quer saber se eu estou com ciúmes? — retruco e ele só
assente em resposta. — Estou, mas Samuel estava tão cansado. Eu
não podia deixá-lo lá só porque me sinto insegura quando Henrique
está perto de Larissa.
Ele abre um sorriso franco.
— Seu pai e eu te criamos bem — fala, me fazendo rir.
— Sim, muito bem.
Meu pai se aproxima de mim e deposita um beijo terno na
minha testa.
— Não se preocupe, querida — diz e leva a mão até o topo
da minha cabeça e faz carinho. — Henrique aturou o seu pai a noite
toda sem reclamar. E eu sei que você não consegue ver o jeito que
ele te olha, mas aquele homem está apaixonado por você.
Prenso os lábios e em seguida, assinto.
— Obrigada, pai.
Ele me puxa para um abraço apertado e eu deito a cabeça no
seu peito forte, suspirando e tentando entender o motivo das
palavras do meu pai não terem aliviado a angústia do meu coração.
Por que estou com tanto medo de perder Henrique?
Na mesa de café da manhã, pondero se devo ou não comprar
roupas para Samuel. Ontem eu o trouxe usando apenas pijama e
como ninguém veio buscá-lo, não sei por quanto tempo ficará aqui.
Tento não ficar pensando em Henrique e me concentro em
responder as perguntas bobas do garoto, o que parece impossível.
Estou uma pilha de nervos. Fiquei acordada até quase cinco horas
da manhã e já são oito e meia e não tive nenhuma notícia dos dois.
E claro, quando preguei os olhos, tive um sonho conturbado que
deixou meu coração mais inquieto ainda.
A campainha toca e eu levanto rápido, caminhando na direção
da porta. Torcendo para ser Henrique ao mesmo tempo que não
quero que seja ele. É ridículo, mas acordei brava por causa do meu
sonho.
Abro a porta e dou de cara com o CEO temperamental que
entrou na minha vida no último mês e bagunçou tudo.
Ele tem o cabelo bagunçado e ainda está usando as mesmas
roupas de ontem.
— Ei, você tá bem?
— Sim, e você?
— Bem, eu vim buscar o Samuel.
— Cadê a Larissa?
— Esperando no carro.
Respiro fundo e engulo o caroço salgado no meio da
garganta.
— Ele está tomando café, pode esperar um pouco?
Henrique concorda com um leve aceno de cabeça e em
seguida, passa os dedos entre os cabelos revoltos. Ele parece tão
cansado e triste, que me faz querer arrastá-lo para dentro da casa
dos meus pais e consolá-lo de alguma forma.
— Me desculpa, Marisol — ele fala, me deixando em alerta.
Fecho a porta do apartamento dos meus pais de uma vez e
dou um passo para frente, fazendo Henrique recuar um pouco.
— Desculpa pelo quê? Por acaso você teve um momento de
fraqueza e ficou com a Larissa? É por isso que você está se
desculpando? — disparo, irritada.
Ele une as sobrancelhas e torce a boca, visivelmente confuso.
— Como é que é? O que você disse?
Respiro fundo e cruzo os braços na altura dos seios ao
arquear uma sobrancelha interrogativa.
— Você ficou com a Larissa?
— O quê? Marisol, pelo amor de Deus, claro que não. De
onde você tirou esse absurdo?
Desvio dos olhos claros e intensos, mas ele segura meu
queixo com as pontas dos dedos e me faz encostar na parede do
corredor. Quando nossos olhos se encontram, eu prendo a
respiração por alguns segundos, pensando se conto a verdade ou
invento uma mentira esfarrapada, mas lembro que sempre fui uma
péssima mentirosa.
— Conversa comigo. O que aconteceu? — ele fala, a voz
soando baixa e rouca ao mesmo tempo que é doce e compreensiva.
— Eu tive uma noite ruim, só isso. Sonhei que você e a
Larissa voltavam e eu tinha que fugir da cidade. Por que eu fugiria
da cidade, Henrique? Não tem lógica, eu não fiz nada de errado —
digo de uma vez, fazendo o homem rir. Fico mais irritada ainda e
bato em seu peito, tentando afastá-lo de mim, mas não consigo. —
Vou buscar o Samuel, me deixa passar.
Ele me ignora.
— Eu pedi desculpas por não ter ligado. Larissa acabou
passando mal, acho que ficou nervosa, sei lá.
— Você passou a noite com ela? — questiono e faço muito
esforço para esconder o ciúme na voz. Não sei se consigo, porque
ele me olha com uma sobrancelha levemente erguida.
— Não aconteceu nada. Eu praticamente larguei a mulher no
quarto de hospital e fui resolver... — A frase dele morre.
Fecho os olhos por uma fração de segundo, tentando engolir o
meu ciúme mais uma vez.
— Tudo bem, eu entendo.
E entendo mesmo. Leandro morreu e apesar dos erros do
passado, eles foram melhores amigos. Eu fico pensando em mim,
mas deve ser difícil para ele também. Ficar ao lado da ex e do filho
que foi fruto de uma traição.
— Para de ficar pensando besteira, Marisol. Confia em mim,
não vou te trair, porque eu já fui traído e sei como essa merda acaba
com a gente.
— Tá bem, só tô meio abalada com tudo.
— Eu sei e sinto que a culpa é minha.
Dou um soquinho no seu peito e nego com a cabeça,
roubando meio sorriso dele. Henrique leva uma mão até a minha
nuca e envolve os dedos no meu cabelo, me puxando para mais
perto e me envolvendo em um beijo lento e apaixonado.
— Prometo que serei compreensiva.
— Você já é.
— Nem tanto — admito. — Depois do sonho que eu tive, eu
estava te odiando — retruco, puxando Henrique para mais perto e
colando nossas bocas de novo.
Ele ri com os lábios colados aos meus e eu acabo me
rendendo e rindo junto. Com as duas mãos agarro o seu cabelo
rebelde e puxo de leve ao respirar fundo. Nós ficamos assim, nos
olhando por quase uma eternidade até que Henrique fala:
— Hoje eu percebi uma coisa.
— O quê? — pergunto sem tirar as mãos dele ou me afastar.
— A vida é curta demais.
— Infelizmente é.
— É egoísta, mas quando foi embora, eu só conseguia pensar
que queria você do meu lado e tive inveja de um garotinho por estar
com você.
Sorrio ao ouvi-lo.
— E ele ainda dormiu na minha cama — retruco, arrebatando
uma risada dele. — Não se preocupe, eu dormi no quarto de
hóspedes.
Henrique segura meu rosto entre as mãos e encosta os lábios
de leve nos meus.
— É cedo pra dizer isso, mas a gente não sabe o que pode
acontecer amanhã, então vou dizer logo.
— O quê?
— Eu te amo, Marisol.
Meu coração acelera com a declaração de Henrique e a
respiração fica ofegante, e mesmo que tenha gostado muito de ouvir
as palavras que saíram da sua boca, não consigo dizer nada. Então,
apenas mantenho os nossos olhos presos um no outro.
Ele me ama?
Caramba.
Eu também sinto o mesmo?
Sim, eu também o amo. Por isso que dói tanto quando passa
pela minha cabeça a possibilidade de que ele e Larissa voltem e se
tornem uma família feliz. Mas por que não consigo dizer as palavras
de volta?
Alguém abre a porta e quando olhamos para o lado, vejo a
cabeça platinada do meu pai. Henrique se afasta de mim. Nossos
corpos estavam próximos de um jeito quase indecente.
— Bom dia, seu Davi — ele fala, ajeitando a postura e
estendendo a mão em cumprimento na direção do meu pai.
— Bom dia. Não quer entrar e tomar café da manhã com a
gente?
— Ele não pode — falo antes que meu cérebro processe as
palavras. — Ele veio buscar o Samuel.
Dito isso, entro no apartamento para buscar o garoto, que já
havia terminado de comer. Estendo a mão para ele e digo que a sua
mãe está esperando lá embaixo. Volto para a soleira e entrego o
menino para Henrique, sentindo meu coração na garganta.
Por que estou tão nervosa?
Meu pai entra e me deixa sozinha com ele de novo.
— A gente se vê depois.
— Tá bem.
Antes de segurar a mãozinha pequena de Samuel, ele se
inclina para frente e me beija de leve e então, gira nos calcanhares
e caminha na direção do elevador. Fecho a porta e dou uma
respirada funda, depois começo a me amaldiçoar por ter agido como
uma idiota.
Abro a porta de novo e enfio a cabeça para fora, na esperança
de encontrar Henrique no corredor, mas infelizmente, ele já foi
embora. Sem pedir permissão, o momento de minutos atrás invade
minha cabeça de novo e ao ouvir a voz dele dizendo que ama, me
faz sorrir.
Que loucura.
Foi preciso dois anos para Caleb conseguir entrar na minha
vida e fazer eu me apaixonar por ele. Já Henrique, bastou quase me
atropelar, cairmos juntos da escada no navio e me irritar para
conseguir entrar no meu coração e me fazer amá-lo também.
Se tem uma coisa que eu não suporto, são enterros. Odeio
despedidas e o clima tenso e triste, não consigo lidar com isso.
Talvez tenha a ver com o fato de eu ter perdido minha mãe quando
ainda era criança.
E mesmo assim, eu fiz muito esforço para ir ao enterro de
Leandro, mas quando cheguei em frente ao cemitério, recuei e
decidi esperar no apartamento de Henrique, o que foi por água
abaixo. Não tenho a chave, então tive que ficar aguardando na
recepção.
Pondero se devo ou não mandar mensagem avisando que
estou aqui, mas acabo enviando algo.
Marisol: Estou aqui no seu prédio, mas não precisa se
apressar. Leve o tempo que precisar.
Quase meia hora mais tarde, o vejo entrando na recepção do
prédio. Ele vem direto para mim, segurando meu rosto entre as duas
mãos e beijando de leve a minha boca, e isso faz o meu coração
saltitar dentro do peito.
Eu o tinha visto ontem, mas já estava com tanta saudade.
— Eu fui lá, mas não consegui entrar. Desculpa.
— Não precisa se desculpar, vamos.
Em silêncio e de mãos dadas, nós entramos no elevador e
percorremos o caminho até o seu apartamento do mesmo jeito.
Henrique está tão triste, que me deixa angustiada.
Ao entramos no apartamento, ele vai logo tirando os sapatos,
o terno e a gravata, se joga no sofá e massageia as têmporas.
Coloco a bolsa na mesinha de centro e me acomodo ao seu lado.
Entrelaço os dedos no seu cabelo e começo a fazer carinho. Ele
fecha os olhos e respira fundo, relaxando os ombros por alguns
instantes.
— Você tá bem?
— Não — ele responde o óbvio.
— Sinto muito.
— Eu não disse a ele... que o perdoava por tudo. Agora ele
morreu e isso me faz sentir estranho, como... sei lá, parece que tem
algo errado.
— Ele sabia.
Henrique inclina o corpo para frente e apoia os cotovelos nas
pernas para segurar a cabeça.
— Quando eu penso no passado, não sinto nada. Não tenho
raiva dele.
— Não se preocupe, Leandro sabia disso.
O peito de Henrique sobe e desce com a respiração funda e
assente antes de ficar de pé. Desabotoa a camisa social e eu
engulo em seco com a visão do abdômen trincado. Mesmo triste, o
homem é um pedaço de mau caminho.
Não devia estar pensando nisso no momento, mas quero ser
dele e quero que ele seja meu daquela forma íntima que me faz
tremer as pernas e revirar os olhos de prazer.
— Vou tomar banho. Fica à vontade, tá bem?
Dito isso, Henrique se inclina sobre mim e deposita um beijo
terno no topo da minha cabeça, me fazendo sentir uma impura por
estar pensando em sexo. Ele entra no quarto e eu fico de pé,
zanzando pela casa e mexendo em gavetas que não me dizem
respeito.
Já estive aqui algumas vezes, mas é a primeira vez que
reparo de verdade na decoração industrial. Henrique é um homem
muito organizado, os livros na estante estão tão limpos, que dá
receio de pegar e sujar. Os títulos vão de coisas sobre economia até
livros de terror e suspense.
Amplio as minhas buscas por sei lá o que e vou para o quarto.
Sem remorso, abro as gavetas das cômodas, mas não encontro
nada demais. Ele é um homem... como posso falar? Transparente.
Não esconde nada.
Tiro os sapatos e me jogo na cama, esperando Henrique. Não
demora muito para ele sair do banheiro usando apenas uma toalha
amarrada na cintura e o corpo todo molhado. As gotículas de água
escorrem pelo abdômen e a visão é coisa de outro mundo.
Henrique é gostoso demais.
Meu celular toca na sala, me obrigando a sair da cama e
atender a ligação.
É Ananda.
— Não deveria estar me ligando — é a primeira coisa que
resmungo.
— Fiquei preocupada. Como tá tudo por aí?
— É a sua lua de mel, aproveita com o seu marido. Nós
estamos nos virando bem e não precisamos de um casal recém-
casado preocupado com nada além de sexo.
— Hum... tá bem, então. Qualquer coisa me liga.
— Certo.
— Não vai me ligar, né?
— Não — retruco, fazendo minha amiga rir. — Aproveite bem
a sua lua de mel. A gente se fala depois.
Ananda concorda e em seguida, encerra a ligação. Quando
me inclino para colocar o celular em cima da mesinha de centro,
noto Henrique se aproximando. Suspiro ao notar que está apenas
usando calça moletom e tem o peito de fora. Sem dizer nada, ele
me faz deitar no sofá e se encaixa entre as minhas pernas,
descansando a cabeça na minha barriga.
— Obrigado por ter vindo, estou tendo um péssimo dia hoje.
Abro um sorriso melancólico e ele contorna a minha cintura
com os braços, me apertando. Minha posição não é lá muito
confortável, mas é tão bom tê-lo assim, pertinho de mim e pedindo
consolo mesmo sem dizer explicitamente.
E mesmo que isso não vá fazer diferença agora e talvez nem
seja o momento certo, preciso dizer que eu o amo.
— Henrique?
— Huh?
Fico pensando em formas de me desculpar por ter agido como
uma idiota ontem, mas nada sai da minha boca, então ele se afasta
de mim para fitar meus olhos. Ainda em silêncio, dobro o meu corpo
para frente e grudo as nossas bocas por alguns instantes.
— Não consegui dizer isso ontem — murmuro contra os seus
lábios e o sinto envolver as mãos na minha nuca, me puxando para
um beijo de novo e me fazendo sorrir. — Mas eu te amo. Eu não
queria me entregar pra um cara tão cedo, mas você entrou na minha
vida e não me deu escolha.
Ele ri com a boca pregada na minha.
— Não achei que pudesse ser feliz de novo até você aparecer,
Marisol.
— Então quer dizer que esse CEO consegue falar coisas
românticas de verdade? — retruco, e ele me puxa contra o corpo,
deitando no sofá logo em seguida e apertando minha cintura.
— Eu te amo.
Sorrio.
— Eu também te amo, Henrique.
A boca dele vem ao encontro da minha de novo e a língua me
invade de forma precisa, acendendo uma chama intensa entre as
minhas pernas. Insinuo o meu corpo contra ele e em questão de
pouco tempo, sinto a ereção me cutucar.
Deixo escapar um gemidinho no momento em que ele me
senta no sofá e as mãos vão direto na cintura, por debaixo do tecido
da blusa. Monto em cima dele e quando levanta, entrelaço as
pernas na sua cintura.
Ele e eu já tínhamos sido um do outro algumas vezes, mas
agora é diferente, porque sabemos do amor que existe entre nós.
Eu nunca fui de um homem como eu sou de Henrique e isso
com certeza pode ser minha ruína, mas não consigo fazer nada
além de amá-lo. É isso, ele me tem de corpo e alma e acho que
nossa história está acontecendo do jeito que tem que ser.
Destino ou coincidência?
Não faço a mínima ideia, mas eu quero ficar com ele do
mesmo jeito.
Ao chegarmos no quarto, ele senta na cama comigo ainda em
seu colo. De mansinho, Henrique desabotoa a minha blusa que tem
os botões na frente e passa o tecido pelos meus braços, depois leva
as mãos até as minhas costas e abre o sutiã, expondo meus seios
com os mamilos enrijecidos.
Ele me olha enquanto me alisa de maneira sensual e me
rouba suspiros entrecortados. Sem dizer nada, se inclina sobre mim
e encosta a língua no meu mamilo e faz movimentos circulares
antes de abocanhá-lo inteiro. Enquanto uma mão está firme na
minha cintura, a outra aperta meu seio livre, e a única coisa que
consigo fazer além de gemer, é arquear meu corpo contra ele.
Levo as mãos até os seus cabelos molhados e o observo me
chupar. É bom ver um homem desses tão empenhado em me dar
prazer.
Quando sinto a ereção contra as minhas pernas, colo mais
meu corpo ao dele, sentindo uma necessidade absurda de ter
Henrique dentro de mim.
A sua boca vai fazendo uma trilha quente de beijos entre os
meus seios e logo subindo até o meu pescoço, não demorando
muito para alcançar a parte macia da minha orelha, onde ele morde
e me faz chamar seu nome.
De repente, Henrique me coloca de pé e abre o zíper da
minha calça e desce o jeans até os meus pés. Os olhos brilham
como fogos de artifício ao ver minha calcinha de renda preta e sem
tirar a peça, ele toca nas minhas partes sensíveis, me fazendo ficar
na ponta dos pés.
Bem de mansinho, vai roçando os dedos na minha abertura
por cima da renda enquanto me olha e estuda minhas expressões.
Sem pressa, ele arrasta a calcinha para o lado e um dedo me
invade de forma lenta e gostosa.
— Caralho, você tá muito molhada — fala ao recolher os
dedos e levar até a boca e chupar com vontade. — E tem um gosto
tão bom.
— Henrique...
— O que você quer, Marisol?
— Me chupa — peço, e aquele brilho devasso que acaba
comigo, toma de conta dos seus olhos.
Henrique enfia os dedos indicadores e médios nas laterais da
calcinha e puxa para baixo. Estou passando o tecido pelos pés,
quando o vejo inclinar a cabeça para frente e me lamber.
É tão bom e ele me chupa com tanta vontade...
Sem mais e nem menos, ele para e se deita na cama, mas
antes que possa questionar, meu CEO fala:
— Vem aqui.
Sem dificuldade, agarra meu pulso e me faz montar nele, mais
do que isso, as mãos descem até o meu quadril e ele me puxa para
sentar no seu rosto.
No momento em que faço isso e a língua inteira encontra a
minha parte úmida, percorrendo o meu sexo excitado, solto um
gemido alto. Não sabia que precisava de sexo oral assim até
acontecer, mas caramba, é bom vê-lo me chupar enquanto me olha.
É excitante demais.
Enquanto usa a língua inteira para me dar prazer, a mão
grande desliza sobre a minha cintura e sobe até o meu seio, onde
ele aperta com força, me fazendo revirar os olhos de tesão.
Meu clitóris começa a latejar e eu sinto que estou bem perto
de desabar.
Saio de cima do rosto de Henrique e o homem grunhe para
mostrar a insatisfação, me fazendo sorrir. Vou me arrastando até
sair da cama e ele senta, abrindo a boca para protestar, mas desiste
ao me ver ficar de joelhos e puxar a calça moletom junto da cueca
boxer e liberar o pênis ereto.
Henrique respira pesado e me olha, coloco a língua para fora
e passo o piercing de leve na glande, o fazendo estremecer. Adoro a
forma como ele perde as estribeiras sempre que faço isso. Lambuzo
bem o pênis antes de colocá-lo todo dentro da boca e chupá-lo.
As suas mãos vão para minha nuca, me arrepiando e
devagarinho, ele me ajuda no ritmo, que não é forte, mas é intenso
e o faz fechar os olhos e entreabrir a boca enquanto deixa escapar
gemidos do fundo da garganta.
Com uma pegada firme, seguro seu membro e escorrego com
a mão de cima para baixo ao mesmo tempo em que passo a língua
no comprimento do pênis antes de voltar a cobri-lo com a boca.
Faço movimentos de subir com os lábios até o topo e sugar a
cabeça, depois voltar o engolindo inteiro, sentindo o gosto dele.
Nem me deixa fazê-lo gozar, pois toma meu rosto com as
duas mãos e me faz levantar por alguns instantes, me virando de
costas ao me arrastar para o seu colo de novo. Olho-o por cima do
ombro e o vejo segurando o pênis grosso e duro com uma das mãos
e a outra vai parar na minha cintura, e então se encaixa dentro da
minha entrada escorregadia.
Gemo.
— Adoro quando você geme assim.
Henrique comanda o nosso compasso, me fazendo subir e
descer de forma deliciosa e precisa. Toca meus seios, me puxando
contra ele para dar mais força às investidas e mordisca os meus
ombros.
Jogo a cabeça para trás, completamente entregue. Arfo ao
sentir dois dedos firmes tocando o meu clítoris inchado e dolorido.
Com a mão livre, ele segura o meu queixo e vira o meu rosto,
esmagando os meus lábios com um beijo feroz, enfiando a língua
dentro da minha boca.
Ele continua impulsionando o pau para dentro de mim, num
ritmo incessante e vigoroso. Levo as mãos até os cabelos molhados
e agarro, começo a rebolar no seu colo, sincronizando os nossos
movimentos e recebendo tudo dele.
— Marisol — ele fala no pé do meu ouvido, a voz soa rouca e
forte.
Assim que morde o lóbulo da minha orelha, gemo muito
excitada, bem perto de ir à loucura, sentindo cada terminação
nervosa do meu corpo sendo tomada por Henrique.
Com mais intensidade, continuo com o sobe e desce em cima
dele e não demora para entender o que eu quero, então aperta
minha cintura e continua com as carícias no meu clitóris, e logo
começa a entrar e sair de dentro mim de um jeito selvagem e
impetuoso que só ele sabe fazer.
— Henrique...
— Isso, goza no meu pau, Marisol. Goza pra mim, vai — fala
com a voz rouca e me faz perder a estrutura.
Totalmente cheia de Henrique, levo os braços para trás e
enrosco em seu pescoço. A onda de calor e prazer vem como um
espiral, subindo do dedão do pé até o meu couro cabeludo.
Aproveito o momento de entrega total tanto da minha parte
quanto da dele, e me perco no orgasmo incrível. Meu corpo
estremece por inteiro e eu chamo por Henrique ao alcançar o meu
clímax.
Ele continua com as estocadas fortes até alcançar o seu
prazer. No meu ouvido, Henrique geme o meu nome ao chegar lá e
é algo tão incrível e inexplicável ver um homem desses rendido a
mim, que meu coração acelera rápido e forte.
— Eu te amo — murmura, ainda dentro de mim.
— Também te amo.
Devagar, ele vai saindo de dentro de mim e com as mãos na
minha cintura, me faz deitar na cama e se acomoda ao meu lado.
Subindo e descendo, passeio com os dedos sobre o peito forte e
cheio de gominhos deliciosos.
O CEO me puxa contra si e eu descanso a cabeça em cima
do seu peito, perto do coração.
— É bom ficar assim — admito.
— Eu sei.
Henrique me aperta contra o corpo e me faz sorrir.
— Mas sabe de uma coisa? — ele murmura.
— Não, o quê?
— Eu prefiro ficar dentro de você.
Penso em revirar os olhos e resmungar algo, mas a verdade é
que gosto disso também, de tê-lo dentro de mim, daquele jeito forte
e intenso.
De supetão, eu o trago para cima de mim, é preciso fazer
muito esforço e um pouco da sua ajuda, porque o homem é pesado
e grande demais. Rindo, prende uma mecha de cabelo atrás da
minha orelha e fica fitando minha boca.
— O que tá esperando?
— Hãm?
— O que tá esperando pra ficar dentro de mim de novo? —
devolvo, fazendo meu CEO suspirar antes de me beijar com paixão.
A Nissa é completamente maluca.
Quando cheguei no escritório hoje cedo, Samuel estava na
recepção me esperando. Segundo Heloísa, minha ex deixou o
garoto aqui, porque tinha uma entrevista de emprego e ninguém
disponível para ficar com ele.
Não que me importe de ficar com Samuel, mas eu sou babá
por acaso?
Assim que me viu, ele correu para abraçar minhas pernas e
sorriu, me fazendo sentir uma inquietação no peito e não consigo
esquecer isso de jeito nenhum. Agora, estou aqui, tentando
trabalhar enquanto ele está debruçado sobre a mesinha de centro
desenhando.
— Não era pra você estar estudando ou algo do tipo? —
questiono, curioso. Ele olha para mim por uma fração de segundo e
não fala nada. Talvez esteja de férias, não sei e não parece que vai
me dar alguma resposta satisfatória.
Volto a atenção para os meus papéis em cima da mesa e
tento trabalhar, mas a cada brecha, direciono meus olhos para
Samuel e fico imaginando como seria se eu fosse pai. De repente,
imagino Marisol grávida e balanço a cabeça de um lado para o
outro, espantando a imagem.
Ela já deu um pequeno surto quando eu disse que a amava.
Se eu falar que quero ter filhos, ela pode fugir de mim como o diabo
foge da cruz. Nossa diferença de idade não é grande, sou apenas
quatro anos mais velho, mas não acho que Marisol queira ser mãe
agora.
E merda, por que estou pensando nisso?
É preciso de muito esforço para não ficar encarando o garoto
pequeno e me imaginar sendo pai, mas consigo me dedicar ao meu
trabalho. Por incrível que pareça, Samuel é um garoto comportado,
então fica quieto desenhando.
— Tio, tô com fome — ele fala depois de quase uma hora e
meia quieto.
Pigarreio.
— Tio?
Ele me olha, mas não diz mais nada.
Assinto e respiro fundo. Fico em pé, confiro as horas no
relógio e noto que passa das onze. Marisol e eu combinamos de
almoçar juntos. Espero que ela não se importe de termos
companhia, porque não posso simplesmente largar o garoto aqui e
deixá-lo almoçar sozinho.
Samuel vem até mim, cutucando minha perna de um jeito fofo.
— Vamos almoçar com a Mari... — Minha frase morre e eu
lembro de Samuel a chamando de tia Sol, então falo: — Vamos
almoçar com a tia Sol.
O garoto abre um sorriso largo e concorda com um aceno
animado de cabeça. De repente, ele entrelaça os dedos nos meus,
me fazendo engolir em seco. Estico o braço livre para pegar o terno
no cabideiro e de mãos dadas com Samuel, caminho até os
elevadores.
Joaquim me intercepta no corredor.
Os cantos dos olhos se franzem e ele encara Samuel,
intrigado, depois torna a atenção para mim e arqueia uma
sobrancelha interrogativa.
— Não me diga que esse garoto é...
— Não. — Eu o interrompo. — Nissa o deixou aqui, porque
acha que tenho cara de babá — resmungo.
— Ah, sim. Uma babá bem temperamental.
Reviro os olhos e as portas do elevador se abrem. Entramos
os três e eu observo meu irmão de rabo de olho.
— O que você veio fazer no meu andar?
— Só checando você.
— Tô bem, não preciso de ninguém me checando — falo
rápido e depois de me dou conta de algo. — A mãe pediu pra você
ver como eu estou, não é?
— Ela está preocupada.
— Diga que estou bem e até que me tornei babá. — Depois
de fechar a boca, nego com a cabeça. — Na verdade, não diga isso.
Deixe esse garoto de fora.
Joaquim olha Samuel por um longo e interminável minuto e
respira fundo, franzindo a testa.
— Ele tem quantos anos?
— Não é meu filho — é o que digo, fazendo Joaquim assentir
e enfiar as mãos no bolso da calça social.
Olho para o garoto que tem a mão entrelaçada na minha e
repito mentalmente: ele não é meu filho. Nissa disse que não e eu
sei que ela não seria tão megera a ponto de esconder isso de mim.
Não, ele não é meu filho.

Quando Marisol entra no carro, os olhos vão direto para a


cadeirinha no banco de trás e o sorriso animado de Samuel.
— Tia Sol.
— Oi, querido.
— Espero que não se importe — falo, analisando o rosto dela.
— Cheguei no escritório e ele estava lá. Minha secretária disse que
Nissa tem uma entrevista de emprego e precisava de alguém pra
ficar com ele.
Marisol assente de lábios prensados, parecendo triste e me
deixando preocupado.
— Acho que não somos mais amigas.
— O que quer dizer com isso?
— Geralmente, quando Larissa precisava, Samuel ficava com
a gente na agência e eu adorava tê-lo por perto — murmura e pisca
rápido, como se quisesse expulsar da cabeça algumas lembranças.
— Me desculpe.
— Por quê?
— Eu sinto que tudo isso é culpa minha.
— Não é. — Sacode a cabeça de um lado para o outro e
coloca o cinto de segurança. — Mas posso te pedir um favor?
— Sim, qual?
— Para de chamar a Larissa de Nissa, faz parecer que vocês
são íntimos e eu não gosto dessa sensação — resmunga, me
fazendo assentir.
— Anotado, senhora.
Ela começa a rir.
— Perfeito. Agora, onde vamos almoçar? — pergunta e de
forma amorosa, olha para Samuel no banco de trás.
Já faz uma semana desde a morte de Leandro e a última vez
que vi Larissa foi no hospital, o que acaba de mudar, porque ela
está me esperando no estacionamento subterrâneo, perto do meu
carro.
Na medida do possível, as coisas estão indo bem e tudo está
no lugar, mas agora tenho a sensação de que a vida vai me dar uma
rasteira daquelas.
— Podemos conversar?
Embora eu tenha vontade de dizer não, acabo aceitando e
recuo alguns passos, caminhando na direção do elevador para
irmos ao meu escritório. Digito uma mensagem para Beatrice e
aviso que Larissa apareceu na agência e por isso vou me atrasar
para o nosso encontro.
Larissa fica em silêncio o caminho todo até o escritório e só
respira fundo e pesado quando senta no sofá da minha sala, me
olhando com certa tristeza. Passo a mão no meu rabo de cavalo e
escoro a bunda na mesa, esperando que ela comece a falar.
— Marisol, eu gosto de você — fala, mas não consigo
acreditar de verdade nas palavras, então, a única coisa que faço é
assentir. — É por isso que estou aqui.
Ela olha para mim ao mesmo tempo em que fica de pé e dá
alguns passos na minha direção, me fazendo endireitar os ombros e
ficar tensa. Não queria sentir raiva de Larissa, porque nós erámos
amigas e eu amo o seu filho, mas ela se afastou de mim
completamente desde que descobriu que Henrique e eu estamos
juntos.
Ainda não sei como lidar com essa situação e agora, ela tem
cara de quem vai partir o meu coração.
— Eu preciso te contar uma coisa.
— O quê?
— Quero te dizer, que faço isso por causa do meu filho. No dia
que você for mãe, entenderá que nós fazemos tudo por eles.
Respiro fundo e sinto o coração doer.
— O que você quer, Larissa?
— Ainda não contei pro Henrique, estou esperando o
momento certo pra ele e Samuel — diz. Meus olhos ardem e a
garganta amarga, mas me mantenho firme, encarando a mulher à
minha frente. — Marisol, você precisa deixar o Henrique.
— O quê?
— Ele é pai do Samuel — fala, me fazendo prender a
respiração por alguns segundos.
Henrique é pai do filho da Larissa?
— Não devia ter escondido, mas Leandro ficou doente logo
depois que eu tive Samuel e eu precisei mentir, porque ser pai foi o
que fez ele lutar contra o câncer e durar um pouco mais.
Levo ar até os pulmões e desvio a atenção dela, tentando
assimilar tudo enquanto ela continua falando.
— Meu filho precisa de um pai e Henrique precisa disso
também. Você não o conhece como eu, Marisol. Eu sei tudo sobre
ele, sobre a família e sei também que quando eu perdi o nosso
filho... foi a ruína dele.
— Para de falar, por favor — murmuro, mas ela me ignora.
— Preciso tentar isso de novo. Toda vez que olho pro
Henrique, eu sinto como se nada tivesse mudado entre nós. Ele
precisa de mim e do Samuel, só não sabe ainda.
— Vai embora, Larissa.
De repente, ela segura uma das minhas mãos e me faz olhá-la
nos olhos.
— Pode fazer isso pelo Samuel? Ele precisa de um pai, de
uma família e se você continuar com o Henrique, meu filho não terá
isso.
— Eu não posso fazer o que está me pedindo.
— Sim, pode sim. — Larissa começa a chorar e abre um
sorriso melancólico, mas ainda não sei se está sendo sincera
comigo. Talvez esteja, mas o que acabou de me pedir me machuca
tanto, que quero acreditar que ela é uma mentirosa. — Faça isso
pelo Samuel e Henrique. Eles merecem ter uma vida juntos.
Ela me solta e vasculha a bolsa até encontrar o celular, e
mexe na tela antes de me entregar. É uma foto dele com Samuel no
colo, em frente ao prédio onde meus pais moram. O menino está
usando pijama, tem a cabeça no ombro de Henrique e os dois estão
meio que sorrindo.
É uma foto bonita, pura, e não entendo o motivo de ela ferir
meu coração.
Devolvo o celular, sentindo o peito doer.
— Larissa, você não pode me pedir isso.
— No dia que você for mãe, vai entender o porquê eu estou
aqui, implorando pra você deixar o pai do meu filho. Eu preciso dar
uma família pro Samuel e você é a única pessoa que me impede de
fazer isso.
As lágrimas irrompem dos meus olhos sem permissão e
Larissa é ousada o suficiente para levar a mão até o meu rosto e
secá-las.
— Vai doer agora, mas vai passar, porque vocês não se amam
— murmura e suspira. — Faça a coisa certa, Marisol. — São as
suas últimas palavras antes de ir embora e me deixar sozinha.
De súbito, meu estômago embrulha e eu só tenho tempo de
chegar até o banheiro e vomitar. Não lembro de ter me sentindo tão
mal alguma vez na minha vida. Lavo a boca e o rosto depois de
alguns minutos e volto para a sala, sentindo as costas doerem.
Sei que é egoísta pensar assim, mas o que eu tenho a ver
com os problemas da Larissa? Como abrir mão do homem que eu
amo é a coisa certa a se fazer? Por que eu? Por que eu tenho que
fazer algo?
Choro em silêncio.
Que merda.
Por que a vida não pode ser fácil? Conhecer um cara bacana,
me apaixonar, transar e ser feliz? Parece um carma ruim que me
persegue a vida toda.
Irritada, reúno toda a minha força e dou um chute na mesa e
machuco o pé. Mancando, me aproximo do sofá e sento, chorando
mais ainda. Não sei se pelo pé machucado ou toda a situação de
merda que minha vida se encontra.
— O que aconteceu? — Beatrice pergunta ao entrar na minha
sala. — Eu senti que algo estava errado. Larissa vindo te procurar?
Não pareceu coisa boa.
— Ai, Beatrice. O que eu faço? — choramingo.
— Primeiro me conta o que aconteceu.

Fiz muito esforço para evitar Henrique. Dei uma desculpa


atrás da outra para não vê-lo. Acho que estou me tornando uma
ótima mentirosa, porque ele não pareceu desconfiar de nada.
Ananda já voltou da lua de mel e junto de Beatrice, tentaram
fazer minha cabeça para eu esquecer o que Larissa pediu e viver
minha vida. Mas como posso fazer isso? Toda vez que fecho os
olhos, eu penso em Samuel crescendo sem pai e isso mexe comigo
de um jeito que nem eu entendo.
No entanto, ainda não me sinto corajosa o suficiente para
fazer o que Larissa pediu. Deixar Henrique... parece tão cruel e
triste. Não sei se sou capaz de fazer uma coisa dessas.
Não estava nos meus planos contar aos meus pais o que
aconteceu, mas minhas amigas têm uma boca grande, então eles
ficaram sabendo e agora inventaram de fazer uma intervenção.
Estou sentada na poltrona da minha sala, meus pais no sofá,
Ananda está em pé e Beatrice no chão. Até Cenoura resolveu
participar da reunião, mas não deu muita bola e resolveu ir dormir.
— Não quero conversar sobre isso — falo pela milésima vez e
como antes, todos me ignoram.
A cabeça careca do meu pai vem até mim e passa a mão nos
meus cabelos antes de ficar de cócoras e nivelar o rosto com o meu.
— Ele pode ser um bom pai mesmo não estando junto da
Larissa, querida. E você não faz o tipo de madrasta má.
— Seu Helano tem razão. Meus pais não são casados e os
dois participaram da minha vida — Ananda diz, cruzando os braços
na altura dos seios.
Reviro os olhos, exausta. Sei que todos querem o meu bem,
mas não suporto que meus problemas estejam em pauta. Eu não
sou mais criança e tenho direito de tomar minhas próprias decisões
sem precisar de intervenção.
— Sei o que está pensando — Beatrice começa a falar. —
Mas estamos aqui, porque não queremos que se arrependa depois.
E quem começou com esse negócio de intervenção foi você, lá no
ensino médio quando Ananda queria largar a escola pra ir morar
com o namorado em outra cidade.
— Se arrependimento matasse — resmungo, fazendo meus
pais e as meninas começarem a rir.
— Ai, por favor, né? Se não fosse aquela intervenção, eu nem
estaria aqui — Ananda fala, me roubando meio sorriso.
Mesmo que eu não tenha vontade de ouvir, cada um abre a
boca para falar sobre o que é fazer a coisa certa e nenhuma delas
termina comigo deixando Henrique. Confesso que é bom ouvir isso,
mas ainda não consigo tirar da cabeça que estou destruindo a
possibilidade de uma criança crescer com o pai.
Depois de algumas horas, cansadas de tentarem me fazer
mudar de ideia, as meninas vão embora e meus pais ficam no meu
apartamento comigo. Enquanto meu pai chorão brinca com o
Cenoura no sofá para fazê-lo gastar energia, eu ajudo meu outro pai
a preparar o nosso jantar.
— Não gosto de te ver assim — fala, parando de lavar os
legumes na pia e me encarando.
— Eu tô bem, pai — minto.
— Ainda não sabe mentir — fala com o tom zombeteiro e eu
penso em Henrique. Tudo que venho fazendo com ele nos últimos
dias é inventar mentiras para não vê-lo. Acho que se meu pai
soubesse a verdade, não pensaria a mesma coisa.
— Não se preocupe comigo, já tem muitos cabelos brancos.
Ele me olha sério.
— Eu pinto.
Sorrio.
— Vou ficar bem, pai.
— Não complique tanto a sua vida, querida. Deixar Henrique
para que ele fique com a Larissa é burrice e eu sei que você sabe
disso.
Suspiro e deixo os ombros caírem.
— Não consigo parar de pensar no Samuel. Ele merece ter
uma família e um pai presente.
— Eu sei, mas Henrique pode ser um pai presente mesmo
que não more com a mãe dele. Não acredita nisso?
— Acredito... eu acho.
— Então? Larissa está manipulando você, porque sabe que é
rabugenta, mas tem bom coração.
Faço bico.
— Não sou rabugenta.
Meu pai me olha com uma sobrancelha erguida e eu dou de
ombros, o fazendo rir. Ele tem razão em tudo que disse, Henrique
pode ser um pai presente mesmo não voltando para a Larissa, mas
por que não consigo parar de pensar que estou privando Samuel de
uma família feliz?
Eu só quero o meu final feliz, mas no momento, ele parece
impossível.
— Sabe o que você tem que fazer? — meu pai pergunta, me
fazendo olhá-lo e negar com a cabeça. — Conversar com Henrique.
Isso é assunto dele também.
— Acho que ele ainda não sabe que é pai do Samuel e eu não
me sinto no direito de contar.
— Tudo bem, eu entendo, mas não pode terminar com ele
sem mais e nem menos. Não acha que Henrique merece uma
explicação ou saber o que está acontecendo?
Prenso os lábios e assinto, mas não consigo dizer nada. Claro
que ele merece saber a verdade, mas como jogar essa bomba nele?
Mesmo que doa muito admitir, a relação dele com a Larissa não me
diz respeito.
— Podemos mudar de assunto? Não quero temperar a comida
com as minhas lágrimas. — Brinco, na tentativa de aliviar o clima.
—Tá bom, mas precisa saber que ignorar os problemas não
farão com que eles se resolvam sozinhos.
— Prometo que vou resolver tudo da forma mais sábia
possível.
Meu pai enruga o nariz.
— Por que será que isso não me deixa tranquilo?
— Para de se preocupar ou vão começar a aparecer cabelos
brancos de verdade — retruco, passando a mão na sua cabeleira
platinada e o fazendo rir de novo. Finjo um riso também e começo a
tagarelar sobre outras coisas.
Não pensar no meu problema não vai fazê-lo sumir, mas vai
me dar mais tempo e coragem para tomar a decisão certa.
Não sou idiota.
Ela está me evitando, mas não sei o motivo. É o terceiro dia
que Marisol inventa uma desculpa para não me ver. No começo, eu
tentei compreender. Mulheres são enigmas e às vezes precisam de
espaço, mas mandar mensagem falando que não vai poder jantar
comigo porque o Cenoura está com diarreia é mais do que minha
inteligência pode suportar.
Marisol está me subestimando, é isso.
Coloco o celular em cima da mesa e passo as mãos nos
cabelos, puxando com força à medida que a irritação vai tomando
conta de mim. Pego o aparelho de novo e disco o seu número,
chama até cair na caixa postal e a mulher não me atende.
O que eu fiz?
Repasso na cabeça a última semana e não lembro de ter sido
um babaca com ela.
Porra.
O que eu fiz?
Alguém bate na porta e ao levantar as vistas, me deparo com
Joaquim e Beatrice na soleira. Pisco rápido, tentando entender o
que os dois estão fazendo juntos, mas nada faz sentindo.
— Preciso falar com você — Beatrice diz, me fazendo
assentir.
— Ela foi parar no meu andar — Joaquim explica e recua um
pouco para que a garota entre e em vez de ir embora, se escora no
batente da porta e fica olhando Beatrice.
— Obrigado, Joaquim e tchau — digo, fazendo Beatrice olhá-
lo.
— Obrigado por ter me trazido... Joaquim — fala e abre um
sorriso pequeno para ele.
Meu irmão dá um soco de leve na porta antes de fechá-la e ir
embora. Saio detrás da mesa e faço um gesto com a mão para que
Beatrice sente no sofá e quando ela faz isso, eu me acomodo
também.
— O que aconteceu?
— Muitas coisas.
— Marisol tá me evitando e eu tô tentando ser um cara legal,
mas tá difícil.
Ela respira fundo e morde o lábio inferior antes de começar a
falar.
— Não posso te contar tudo, caso contrário, Sol vai me matar.
Na verdade, ela vai me matar de qualquer jeito, mas não sou o tipo
de pessoa que vê as coisas erradas e fica quieta.
Concordo com um aceno de cabeça, me sentindo ansioso.
Ansioso? Eu sinto que meu coração está a um triz de sair pela boca.
— O que aconteceu? — repito minha pergunta de antes.
— Larissa aconteceu.
Fecho os olhos por uma fração de segundo e contraio a
mandíbula, me sentindo irritado.
— O que aquela louca fez?
— Pediu pra Sol largar você, porque Samuel precisa de um
pai — é o que fala, me fazendo respirar fundo e pesado. — Vai
conversar com a Larissa e depois vai atrás da minha amiga.
Beatrice se levanta e eu ergo os olhos para encará-la. Ela não
pode já estar indo embora. Preciso saber mais, o que ela disse e
nada é quase a mesma coisa.
— Não vou te deixar ir embora assim — resmungo. — Me
conta mais — ordeno, fazendo-a arquear uma sobrancelha de modo
desafiador.
A contragosto e xingando, ela senta de novo e cruza as
pernas, me olhando de cara feia.
— Não fale comigo assim de novo. Não sou sua funcionária
ou coisa do tipo.
Reviro os olhos, mas ela faz um estalo com a língua em
reprovação e eu me vejo assentindo ao mesmo tempo em que
murmuro um pedido de desculpas. Beatrice respira fundo e prende
os cabelos negros em um rabo de cavalo.
— Por que Larissa pediu isso pra Marisol?
— Não é óbvio? Ela quer você de volta e existe outra coisa,
mas não posso contar.
— Sem essa.
— Não posso contar. Não vai querer saber por mim, por isso
vou falar de novo. Vá conversar com a Larissa e depois resolva as
coisas com a Sol.
Levanto do sofá e começo a andar de um lado para o outro.
Nada disso faz sentindo, mas não parece que Beatrice vai me
contar as coisas importantes. Que merda. Larissa é um atraso de
vida e sempre está tentando arranjar um jeito de foder com tudo.
— Marisol tá pensando em terminar comigo? — pergunto
assim que me dou conta de toda a situação e fico tão irritado com
Larissa e Marisol, que fecho as mãos em punho para me controlar.
Beatrice fica em pé de novo.
— Converse com a Larissa, depois disso vai entender toda a
situação. Vai entender o motivo por ela ter pedido pra minha amiga
terminar com você.

Depois que Beatrice vai embora do escritório, irritado e


nervoso, pego o carro e dirijo até o apartamento de Larissa, que fica
em Itacorubi[16]. É claro que parte de mim quer fazer exatamente o
contrário, dar meia volta e ir atrás de Marisol, mas Beatrice pareceu
tão obstinada sobre eu conversar com a minha ex primeiro, que
decido fazer o que ela disse.
Ao chegar no meu destino, confiro as horas no relógio e meu
coração parar por um segundo quando vejo as mensagens de
Marisol. Essa garota só pode estar de brincadeira com a minha
cara.
Marisol: Acho melhor a gente parar por aqui. Eu me enganei,
não amo você.
Marisol: Me desculpa, não devia estar falando isso por
mensagem, mas não acho que sou capaz de falar isso
pessoalmente.
Marisol: Eu sou uma idiota, me desculpa. Mas por favor, não
me procura hoje, não quero conversar ainda.
Marisol: Tchau, Henrique.
Que merda Larissa falou para a Marisol?
Com o celular na mão, desço do carro e vou até o prédio dela,
pedindo para o segurança interfonar no apartamento da louca da
minha ex. Não demora nem dois minutos para minha passagem ser
autorizada.
Furioso e respirando pesado, caminho até o elevador e aperto
o botão do andar de Larissa. Enquanto espero, releio as mensagens
de Marisol e tenho vontade de mandar um “nem a pau você vai
terminar comigo”, mas decido ter um pouco de paciência e descobrir
que merda essa mulher colocou na cabeça da minha garota para
fazê-la mandar esse monte de asneira para mim.
As portas de metal se abrem e ando rápido até o apartamento
de Larissa, por incrível que pareça, antes que eu tenha a chance de
apertar a campainha, a mulher abre a porta, toda sorridente e
usando um vestido bem curto.
— Henrique, que surpresa.
— Não vem com essa — retruco com todo o mau humor que
existe em mim e entro no apartamento sem que ela tenha me
convidado.
— Aconteceu algo?
Viro-me para encará-la.
— Me diz você. Que merda falou pra Marisol?
Larissa engole em seco e passa as mãos nos cabelos longos.
— Eu não fiz nada.
— Não me irrita, Larissa. Fala logo.
— Larissa? — repete e prensa os lábios ao desviar os olhos
de mim. — Você nunca me chama assim. Eu sou a Nissa pra você,
não a Larissa.
Com a mão livre, massageio as têmporas e tenho vontade de
berrar com ela, mas lembro que Samuel deve estar em algum
cômodo do apartamento e não quero assustar um garotinho por
causa da mãe irritante que ele tem.
— Vou perguntar de novo. O que disse pra Marisol?
Noto seu rosto se transformar numa expressão arrogante de
nariz empinado.
— Você não precisa dela.
— Porra — grunho, tentando manter o nível da voz. — Quem
é você pra dizer que não preciso dela? Não sabe nada sobre mim,
Larissa.
— Para de me chamar de Larissa — ela grita, mas depois olha
para uma porta fechada, provavelmente onde Samuel se encontra.
— Como quer que eu te chame? De louca? Megera?
Sem aviso prévio, ela levanta a mão e acerta o meu rosto em
uma bofetada cheia e certeira, mas não sinto nada. Estou bravo
demais para sentir alguma coisa. Como não reajo, ela me bate de
novo e começa a chorar.
— Me desculpa, tô nervosa.
Suspiro.
— O que disse pra Marisol? É só isso que eu quero saber.
— Eu pedi pra ela te deixar, porque sabia que era impossível
você fazer isso — murmura, ainda chorando. No entanto, nada
desse teatro me comove. Larissa se afasta e vai sentar no sofá
pequeno, enterrando o rosto nas mãos. — Eu fiz isso pro bem do
Samuel.
— O que o menino tem a ver com isso?
— Nós podemos ficar juntos de novo, Henrique. Podemos ser
uma família.
Deixo escapar uma risada seca.
— Você ficou louca, é isso.
— Eu sei que você ainda sente algo por mim. Tem que sentir
— fala ao ficar em pé e se aproximar de mim, me segurando pelo
terno. — Nós ficamos juntos por quatro anos, mas antes disso, nós
estivemos do lado um do outro a vida inteira. Eu te conheço a vida
inteira. Um amor assim não pode morrer.
Solto-me dela.
— O amor morreu quando eu te peguei com o pau do Leandro
na boca.
— Esquece isso, foi um erro.
— Você tá me achando com cara de otário ou o quê?
Ela começa a espernear e bater no meu peito, me deixando
furioso. Porra. Preciso de toda a minha força de vontade para não
gritar com Larissa e mandá-la sumir da minha vida de uma vez por
todas.
— Ele é seu filho...
Pisco devagar, tentando assimilar o que ela acabou de dizer.
— O quê?
— Samuel é seu filho, mas não conta pra ele ainda. Vai ser
muito confuso.
Atônito, me permito sentar no sofá. Passo as mãos no rosto e
ergo os olhos para encará-la, esperando que me diga que isso é
uma brincadeira de mau gosto, mas a única coisa que faz é se
acomodar ao meu lado e segurar minhas mãos.
— Fica comigo e com o Samuel, Henrique, a gente precisa de
você. Somos sua família — sussurra e abre um sorriso ao levar a
mão para tocar meu rosto, mas me desvencilho.
— Ele é meu filho? — pergunto e ela assente, sem dizer nada
em voz alta. — Você escondeu isso de mim por três anos? — Tenho
a reação mais inesperada possível, começo a rir.
Larissa fica irritada.
— Acha isso engraçado?
— Sim, eu acho, porque você me traiu com o meu melhor
amigo e escondeu um filho de mim por três anos. Aí,
milagrosamente, acha que vou esquecer tudo e voltar pra você?
— Precisa aprender a perdoar.
— Droga, eu tô tentando, mas você não ajuda — grito.
— Fala baixo, Samuel tá dormindo.
Olho para a porta do quarto fechado e sinto meu coração
acelerar. Ele é meu filho mesmo? Por que não consigo acreditar
nisso? Porque Larissa já mentiu antes. Não é fácil acreditar nas
palavras que saem da boca dela.
— Vamos fazer o teste de paternidade. — Eu me ouço
falando. — Preciso da confirmação — é o que digo.
Parece errado expor Samuel a isso, mas a sua mãe não é lá
uma pessoa muito confiável. Se eu for mesmo o pai do garoto,
assumirei minhas responsabilidades e darei o meu melhor, serei um
ótimo pai, mas isso não significa que vou voltar com Larissa.
— Não.
— Como é?
— Não vou sujeitar meu filho a isso. Nosso filho. Samuel é
seu, é só fazer as contas.
— Eu quero o teste de paternidade — retruco entre os dentes.
— E eu já disse que não. Não vamos fazer.
Passo as mãos nos cabelos de novo e respiro fundo.
— Espera que eu acredite que ele é meu filho só porque está
me dizendo?
— Sim — ela fala e tenta se aproximar de mim, mas eu recuo.
— Não estou mentindo. Não mentiria sobre isso.
— Eu quero o teste de paternidade.
— Não! — ela grita, me fazendo perceber que Samuel não é
meu filho. Isso é apenas mais uma mentira. — Ele não precisa
passar por isso.
— Ele não é meu filho.
— Henrique...
— Se ele fosse, você não hesitaria em fazer o teste. O que
você quer de mim? Por que não me deixa em paz? Por que não vive
a sua vida e me esquece?
— Me desculpe por ter traído você.
— Se eu te desculpar vai me deixar em paz?
Ela começa a chorar.
— Quero você de volta. Eu sempre quis, mas não podia fazer
isso com o Leandro, porque ele estava morrendo e Samuel era tudo
o que ele tinha.
— Me diz a verdade sobre o Samuel. Pelo menos uma vez na
sua vida, seja sincera comigo.
Chorando, ergue os olhos e me encara.
— Samuel não é o seu filho — murmura e morde o lábio
inferior.
É estranho ouvir a verdade, acho que por um momento, eu
quis acreditar nas mentiras de Larissa e ser pai do Samuel. Mas
com essa mulher sempre será assim, mentiras e mais mentiras.
— Eu gosto do garoto, Larissa. Ele não tem culpa de ter uma
mãe como você. Eu sou idiota o suficiente pra te ajudar em qualquer
coisa que esteja relacionado ao Samuel. Então, se precisar de algo,
me procure.
Passo por ela e caminho na direção da porta, mas sou
impedindo quando a sinto segurar meu pulso.
— Eu queria que ele fosse seu filho. Sempre quis.
— Isso não muda nada.
Larissa chora mais ainda.
— Não pode me amar de novo?
— Não, porque eu amo a Marisol.
Irritada e contraindo a mandíbula, ela me solta e eu giro nos
calcanhares. Sem olhar para trás, vou embora, sentindo o coração
acelerado ao mesmo tempo em que aliviado. É verdade o que disse
sobre Samuel, vou ajudá-lo no que precisar, não vou dar as costas
para ele, mas é apenas isso. Não existe nenhuma possibilidade de
Larissa e eu voltarmos, isso soa errado de tantas maneiras.
Respiro fundo e fecho os olhos. O rosto que preenche a minha
cabeça é o de Marisol, o que me faz bater os cílios e reler as
mensagens que ela me mandou. Pondero se devo enviar uma
resposta dramática do tipo “sofri um acidente, pode vir me ver?”,
mas desisto. É melhor ir à casa dela e surpreendê-la de uma vez.
Até parece que vou aceitar um término por mensagem de
celular.
Sem tirar os olhos do celular em cima da mesinha de centro,
ando de um lado para o outro. Por um breve momento, eu me deixei
levar pela estupidez e enviei mensagens para o Henrique
terminando tudo.
E depois de quase uma hora e meia, eu não tive nenhuma
resposta. Será que ele levou a sério?
É claro, Marisol, você disse que tinha se enganado e não
amava o cara.
Furiosa, sento no chão de frente para a mesinha e encaro com
afinco o meu aparelho, pensando em como resolver a situação.
Será que posso voltar atrás?
Sim, posso.
Mas voltar atrás significa que vou ser aquela pessoa que vai
impedir uma criança inocente de crescer sem o pai.
Mierda!
Sem saber o que fazer, encosto a testa na mesinha de centro
e fico encarando o chão através do vidro transparente. Deixo me
levar pelo ataque iminente de raiva e puxo meu cabelo com força,
choramingando logo em seguida.
A campainha toca, impedindo da minha situação ficar ainda
mais lamentável e me salvando de arrancar todos os cabelos da
cabeça.
Respiro fundo e levanto, caminho até a porta e abro sem olhar
no olho mágico. Arregalo os olhos ao ver Henrique do outro lado. Os
cabelos estão molhados, ele usa roupas casuais e tem cheio de
loção pós-barba.
Tão lindo...
Engulo em seco.
— Como tá o Cenoura? Melhorou da diarreia?
— Ah, sim.
— Cadê ele?
— Hãm?
— Você disse que ele estava com você — dispara, arqueando
uma sobrancelha interrogativa.
Desvio dos olhos intensos e dou de ombros, como se não
fosse nada demais.
— Ah, teve uma súbita melhora e meus pais o levaram pra
casa.
— Entendo. Não vai me convidar pra entrar?
Depois de ouvi-lo, recuo um passo e faço um gesto com a
cabeça para que entre. Eu tinha avisado na portaria que Henrique
podia entrar quando quisesse e não precisava ser anunciado, mas
agora não sei como me sentir em relação a isso.
Não estava pronta para vê-lo.
E bem, estou toda descabelada e frustrada.
Passo as mãos nos cabelos e tento dominar a juba. Preciso
pelo menos parecer decente na frente desse homem bonito e
gostoso. Falando em gostoso, a bunda está uma delícia nessa calça
de linho.
Foco, Marisol.
— Você recebeu minhas mensagens? — pergunto, porque ele
não faz o tipo de homem que ficaria de boa com o fato de eu ter
rompido o nosso relacionamento por mensagem de texto.
Henrique me olha.
— Aquela que você fala que se enganou e não me ama e que
é melhor pararmos por aqui?
Engulo em seco.
— Me desculpe.
— Por que quer terminar?
— Porque eu te amo. — É a minha resposta e ela escapa tão
rápido dos meus lábios, que me assusta e o faz respirar fundo.
— Precisa se decidir. Me ama ou não? — rebate, me fazendo
fechar os olhos por um segundo. — Hein?
— É complicado.
— Samuel não é meu filho — dispara, me fazendo esbugalhar
os olhos, surpresa e confusa. Ele já falou com a Larissa? — Ela
mentiu, como sempre.
— Tem certeza?
— Ela não aceitou fazer o teste de paternidade, depois
acabou assumindo que mentiu.
— Ah.
— O que você pensou? Que me deixando eu voltaria correndo
pra Larissa, me casaria com ela e seríamos uma família feliz de
comercial de margarina?
Cruzo os braços na altura dos seios.
— Mais ou menos isso.
— Mesmo que ele fosse meu filho, isso nunca aconteceria. Eu
seria o pai dele, mas não voltaria com ela.
— Eu só queria que vocês fossem felizes — admito. — Não
queria destruir uma futura família de comercial de margarina.
— Se Samuel fosse meu filho, ele seria minha família mesmo
que não estivéssemos morando juntos. Não existiria nada no mundo
que poderia apagar isso.
— Achei que fosse o melhor pra vocês... eu sair de cena.
Ele suspira e leva os dedos até os cabelos molhados,
penteando por alguns instantes.
— Que coisa idiota de se dizer — ele resmunga, irritado.
— Achei que estava fazendo o certo, tá legal? — retruco,
também irritada e quase gritando.
— Da próxima vez, você conversa comigo e não tenta resolver
tudo sozinha ao tomar decisões estúpidas — fala ao se aproximar
de mim de um jeito todo mandão e bravo. Toca meus cotovelos e
embora tente não demonstrar o quanto meu corpo estremece, não
consigo. — E não invente mais mentiras ridículas pra ficar me
evitando.
— Sabia que eu estava mentindo?
— Claro. Primeiro você disse que a calopsita do vizinho tinha
fugido e todos do prédio estavam em busca dela, depois que
apareceu uma gata grávida no estacionamento e todos estavam se
revezando para cuidar da nova mãe e a diarreia severa do Cenoura
porque comeu papel higiênico.
Abaixo os olhos, envergonhada. Eu jurava que estava sendo
convincente em todas as minhas desculpas, mas parece que eu
estive enganada esse tempo todo.
— Ouvindo agora, eu sei que foram péssimas mentiras.
— Não minta mais pra mim. Nunca mais.
— Não tá mais bravo comigo?
— Claro que sim, mas eu sei que fez besteira porque tem um
coração bom.
Respiro fundo e relaxo os ombros.
— Já tinha me arrependido de ter enviado aquelas
mensagens. Não quero terminar com você. Não mesmo.
Ele desliza as mãos dos meus cotovelos até os ombros,
depois segura o meu rosto, com parte dos dedos na nuca e roçando
os polegares no meu maxilar.
— Promete uma coisa?
— O quê?
— Vamos sempre conversar, sobre todas as coisas. Resolver
tudo com diálogos. Tá bom?
Assinto e contorno a sua cintura com os braços, apoiando a
cabeça em seu peito, pensando em como cheguei a cogitar a
possibilidade de que posso viver sem ele.
— Só diga que não me ama, quando realmente não sentir
mais nada por mim — ele fala, me fazendo recuar e tento imaginar
um mundo em que nós não estejamos mais apaixonados e parece
tão triste e cinzento.
— Você acha isso possível?
— O quê?
— Eu não te amar mais?
— Espero que nunca deixe de me amar, porque eu te amo
tanto, que às vezes sinto que vou ficar louco.
Sorrio.
— Eu nunca pensei que diria isso pra um cara, mas acho que
não consigo viver sem você.
— É bom ouvir isso — fala, convencido e cortando todo o
clima romântico. Dou um soco no seu peito e ele começa a rir, me
puxando para perto de si. — Agora quero te fazer pagar por ter me
evitado durante três dias inteiros.
Giro os olhos, desdenhosa e do nada, sinto uma batida forte
na minha bunda.
— Você acabou de bater na minha bunda?
— Sim e eu gostei — murmura, me alisando sem pudor
algum. — O que achou?
— Não sei ainda.
— As coisas podem ficar mais interessantes.
— Como?
— Tira a roupa pra mim.
— Isso é um pedido ou uma ordem?
Ele abre um sorriso cafajeste.
— Como eu sei que você é uma garota que adora me
contrariar, é uma ordem.
— Você veio aqui só pra me ver sem roupa?
— Te ver sem roupa é o meu brinde — devolve, com outro
sorriso maroto estampado no rosto. — Vai, tira a roupa pra mim.
— Por que você mesmo não vem tirar? — pergunto,
provocando e correndo para o meu quarto, mas antes mesmo de
chegar lá, tiro a blusa e mostro os seios desprovidos de sutiã.
— Três dias sem você e parece que foi uma vida inteira —
fala, passeando com os olhos pelo meu corpo.
— Vem aqui, vou te recompensar por ter te feito sofrer.
Henrique morde o lábio inferior e ao se aproximar de mim, vai
logo puxando a própria camisa pela cabeça e assanhando todo o
cabelo.
— Adoro recompensas.
Depois de dizer isso, agarra minha cintura e me joga na cama,
me roubando uma risada e me deixando bem excitada, pronta para
fazê-lo feliz e ser feliz pelas próximas três horas.
Ou mais.
É sempre uma maratona intensa e incansável com o meu
CEO.
Eu nunca fui o tipo de homem apressado, mas depois que
Marisol entrou na minha vida, me fez pensar diferente.
A pressa não parece ser algo ruim.
Hoje é o seu aniversário, minha rabiosa está completando
vinte e sete anos e bem, eu queria fazer algo mais íntimo e ter
apenas nós dois no meu apartamento, mas foi impossível fazer algo
assim quando precisei da ajuda dos meus sogros.
Davi é um cozinheiro de mão cheia e eu queria um jantar
excelente, mas feito por mim mesmo, então, ele veio até aqui e me
deu várias dicas e me ensinou algumas coisas para o meu jantar
especial. Pedi para Cici, a namorada do Miguel, um bolo com
bastante glacê colorido. Com o tempo, aprendi que Marisol é
rabugenta, mas não resiste a um bolo muito doce e cheio de creme.
Ananda e Beatrice já estão aqui, esperando Helano, que ficou
de trazer Marisol. Enquanto esperamos, eu preparo o Cenoura para
minha cartada final e rezo em silêncio para ser romântico o
suficiente para emocioná-la.
— Isso é brega, mas é lindo — Beatrice fala, me observando
agachado no chão e prendendo a caixinha de veludo preta no
pescoço do Cenoura.
— Por favor, pode não dizer isso na frente do Helano? Foi
ideia dele — Davi avisa, fazendo Beatrice passar o dedo indicador e
polegar na boca como se fosse um zíper.
É verdade. Quando eu pedi ajuda aos pais de Marisol, não
esperava a animação surreal de Helano. Com muito cuidado e
carinho, eu fui recusando as suas ideias sobre hoje. Não queria que
ele me odiasse, mas não estava a fim de ter a cidade de
Florianópolis como plateia na hora de fazer um pedido que vai
mudar as nossas vidas.
Helano é... muito criativo e adora filmes de comédia
romântica. Por ele, eu organizaria algo parecido com um flash mob,
apareceria na frente de Marisol em uma limusine e um microfone na
mão, cantando “No One” da Alicia Keys com uma dança
sincronizada. Além de não ter nada a ver comigo, eu não sei dançar.
Se eu não o conhecesse, não seria capaz de adivinhar que ele
faz o estilo romântico enlouquecido.
Foi meio difícil chegarmos a um acordo, mas Davi fez o
marido perceber que esse momento é meu e da Marisol e que tem
que ser a nossa cara. E bem, tudo começou com o Cenoura e nada
será mais perfeito do que ele iniciando um novo ciclo da nossa vida.
— Helano mandou mensagem, já estão subindo — Davi avisa.
— Cadê os petiscos? — Ananda quer saber e eu vou pegar
um pote cheio deles no armário da cozinha e entrego a ela, que
pega e atrai o cachorro até o meu quarto e depois volta. Só espero
que o Cenoura aguente um pouquinho, fique bem quieto e continue
escondido.
Marisol tem a chave do meu apartamento, mas decido esperá-
la de porta aberta. Sim, eu tenho os quatro pneus arriados por ela.
Não demora muito para meu apartamento ser invadido pelo perfume
de flores e meus lábios se esticarem em um sorriso largo ao vê-la.
Apenas nove meses que nos conhecemos e tenho a sensação
de que já vivemos uma vida longa juntos. E quero muito mais disso
com ela.
— Feliz aniversário, meu amor — falo ao envolver meus
braços na sua cintura fina e puxá-la contra o meu corpo e enterrar o
nariz no pescoço delicado da minha garota. — Tá tão linda...
gostosa também — murmuro as duas últimas palavras, roubando
uma risada contagiante dela.
— Espera só pra ver o que tô usando por debaixo desse
vestido — retruca baixinho e me dá uma piscadela.
Marisol passa por mim e eu não consigo evitar de olhar a sua
bunda empinada no vestido vermelho e curto e fantasiar a lingerie
que existe por debaixo do tecido.
— Nervoso? — Helano pergunta, chamando minha atenção e
me fazendo desviar o olhar do rabo da sua filha.
— Um pouco.
— Fique tranquilo, vai dar tudo certo — diz e dá uma batida de
leve no meu peito antes de se juntar aos outros na sala.
Com a ansiedade a mil, me aproximo deles também e ajudo o
Davi a servir vinho nas taças. A aniversariante sorri feliz o tempo
todo, rodeada da sua família nada convencional e deixando o meu
coração aquecido.
Todos se renuem à mesa e antes de começar a servir o jantar,
eu levanto e vou buscar o Cenoura no quarto e noto que Ananda
exagerou e jogou no chão um monte de petisco, por isso ele estava
tão quieto e silencioso.
— Olha quem veio te dar os parabéns também — digo ao
retornar à sala com o cachorro nos braços.
— Cenoura! — Marisol exclama, animada.
Coloco-o no chão e como se fosse ensaiado, ele corre para os
braços da minha garota, com o rabinho abanando e a língua de fora.
Todos nós sorrimos e não demora nem dez segundos para ela notar
a caixinha pendurada em seu pescoço.
— O que é isso? — questiona, me olhando por cima dos cílios
e em seguida, retira a caixinha do pescoço do Cenoura. —
Henrique...
Marisol começa a tremer e eu espero que seja de felicidade.
Aproximo-me dela e fico de joelhos, Cenoura fica entre nós, com as
patas nas pernas dela e a língua grande para fora.
Não era exatamente assim que me imaginei pedindo Marisol
em casamento, mas não posso impedir meus lábios de sorrirem.
Pego a caixinha das suas mãos e abro, retiro de dentro o anel
com diamante e seguro a mão pequena e delicada, respirando
fundo.
— Eu nunca fui um cara apressado, mas você me faz assim.
Tenho pressa de te tornar minha pra sempre, de acordar com você
na minha cama, de fazer todas essas coisas de casais, de ter uma
vida junto de você. Antes de te conhecer, eu não sabia que era
capaz de amar tanto alguém como eu amo você, Marisol. Então,
quer casar comigo? Eu não prometo um casamento perfeito, mas
prometo todo o meu amor, ser fiel, ficar ao seu lado, te fazer sorrir e
te dar o meu melhor todos os dias.
Caramba, eu aprendi direitinho. Sou um romântico. Acho que
acabei de falar os meus votos. Faço uma nota mental de procurar
papel e caneta depois e anotar o que acabei de falar.
Ela começa a chorar e não me responde.
— Espero que essas lágrimas sejam de felicidade.
— Henrique...
— Huh?
Chora de novo, mas dessa vez ela esconde o rosto com a
mão e o Cenoura começa a latir, confuso. Eu também estou confuso
e droga, isso está me deixando nervoso.
— Me desculpe...
— Você não quer casar comigo? — pergunto de uma vez,
sentindo o desespero tomando conta do meu corpo.
— Não é isso. — Ela funga e limpa os olhos com as costas
das mãos. — Eu tinha uma coisa pra te contar hoje.
Respiro fundo, mas ainda não me sinto aliviado.
— Você ia me pedir em casamento ou algo do tipo? — zombo,
fazendo as meninas rirem.
Que bom que a minha situação parece divertida para elas.
— Não exatamente.
— Então, o que é? Meu joelho já tá doendo — falo e ela sorri,
mas ao notar os seus pais me encarando, me apresso em dizer: —
Não que isso seja um problema, eu ficaria de joelhos a vida toda por
você — exagero, fazendo Davi bufar e rir.
É bom ver todo mundo rindo com o meu pedido de casamento
visivelmente fracassado.
— Ah, sim, sim — ela diz.
Franzo o cenho.
— O quê?
— Sim, eu quero me casar com você.
Respiro fundo e abaixo a cabeça por um milésimo de
segundo, tão aliviado, que teria dado um pulo no ar se não estivesse
tão apressado em enfiar o anel com diamante no dedo de Marisol.
Depois de selar o nosso noivado, eu seguro seu rosto entre as
mãos e colo os nossos lábios, fazendo Cenoura protestar e se
afastar de nós.
— Eu te amo.
— Eu também te amo — ela sussurra, sorrindo. — Agora
senta, preciso te contar algo.
— Ah, claro.
Fico em pé e me acomodo ao lado de Marisol, que levanta e
vai até o sofá pegar algo dentro da bolsa. Ela volta segurando uma
caixa pequena e com um laço branco, sem dizer nada, me entrega.
— O que você tá aprontando? — Quero saber, as meninas
sorriem animadas. Na verdade, Helano e Davi parecem felizes
também, como se soubessem de algo que eu não sei.
Com o coração acelerado, desfaço o laço e abro a caixa. Ao
ver o que tem dentro, fico sem palavras e sinto os olhos arderem.
Eu nunca fui aquele cara que se emociona fácil, mas caralho, não
sei nem o que dizer.
— Fala alguma coisa, Henrique.
De dentro da caixa, retiro o par de sapatinhos brancos e fico
imaginando como isso pode caber no pé de alguém. É tão pequeno
e me deixa com o coração acelerado.
— Isso é sério?
— Uhum, estou grávida de seis semanas.
Emocionado, eu sorrio e me inclino para envolvê-la em um
abraço apertado e de repente, todo mundo começa a comemorar,
chamando a minha atenção. Afasto-me um pouco dela e observo
seus pais e as meninas que se abraçam.
— Eles já sabiam?
— Sim.
— Te contaram sobre o pedido de casamento?
— Não, isso não. Foi uma surpresa pra mim — fala e encara o
anel no dedo. — É tão lindo.
— Você é mais.
Marisol sorri.
— Eu te amo tanto.
— Eu sei, eu também te amo.
Nossas bocas se encontram para um beijo calmo e tão
apaixonado, que eu me sinto completo e feliz. Para falar a verdade,
eu nunca estive tão feliz na minha vida. Agora, vou casar com a
mulher que eu amo e caralho, vou ser pai.
Interrompendo o nosso momento, os pais de Marisol me
puxam para um abraço e me dão os parabéns. Pela primeira vez,
sinto que faço parte de uma família que não é a minha e isso é bom.
Gosto de sentir que faço parte de algo tão especial e incrível, como
as pessoas em volta de Marisol.
— Quem diria... — ela começa a falar, voltando para os meus
braços e depositando beijos no meu pescoço.
— O quê?
— Que aquele engomadinho de terno e gravata se tornaria o
homem que daria sentindo a minha vida.
Sorrio ao contornar o corpo de Marisol com o meu braço.
Quem diria que aquela mulher louca na avenida, que torrou
minha paciência em questão de segundos, me chamou de babaca e
me desdenhou, seria a mulher da minha vida.
Ao chegar na recepção da maternidade onde todos esperam,
tiro a touca cirúrgica da cabeça e penteio os cabelos com os dedos.
— É menino — falo, chamando a atenção de todos que
estavam esperando. Estão todos aqui, meus irmãos, a Cici que
também está grávida, Ananda e Beatrice, e os pais da minha
esposa.
Minha mãe é a primeira a levantar e correr até mim, me
envolvendo em um abraço e sorrindo comovida ao me dar os
parabéns. Ela deve estar muito feliz mesmo, acabou de ganhar um
neto e já tem outro chegando...
Todo mundo se aproxima, comemorando a chegada do novo
membro e eu sinto como se ainda estivesse sonhando. Sou pai de
um menino. Estou me sentindo melhor do que eu imaginava que me
sentiria.
Marisol e eu tínhamos decidido não saber o sexo do bebê, o
que foi difícil no começo, mas incrivelmente gratificante saber
apenas na hora do nascimento. É uma emoção sem explicação e
me encheu de alegria.
Depois de algum tempo, eu e os pais de Marisol vamos ao
berçário. Bernardo, é o nome que escolhemos. Seria Maria Clara se
fosse menina. Pensando bem, podemos ter uma garotinha ainda.
Gostei de toda essa emoção pré-parto.
— Ele é tão pequeno — Helano fala ao olhar o neto pelo
berçário, e é claro que ele está emocionado. Não posso culpá-lo,
desde que Marisol entrou em trabalho de parto, eu sinto que tem
areia nos meus olhos.
— Nem acredito que é meu filho — comento.
Davi apoia a mão no meu ombro e aperta com força, me
fazendo suspirar, mas sorrir.
Todo mundo tem a chance de ver Bernardo e ficar admirando
o bebê um pouquinho no berçário. E não sei se é a emoção dentro
do peito, mas cada vez que olho meu filho, eu sinto que o amo mais
um pouco.
— É a coisa mais linda que eu já vi na vida — Beatrice
murmura, admirando o bebê através do vidro do berçário.
— Pra mim parecem todos iguais — Joaquim retruca e como
em modo automático, Beatrice dá um beliscão no braço dele, que
resmunga de dor e faz uma enfermeira vir até nós reclamar do
barulho.
— O que pensa que tá fazendo, garota?
— Se você abrir a boca mais uma vez, vai ser outra coisa que
eu vou beliscar — a mulher ameaça, fazendo meu irmão levar as
mãos até o saco.
— É o bebê mais lindo que eu vi em toda a minha vida —
Joaquim comenta, abrindo um sorriso largo e falso.
— Muito bem, você aprende rápido — ela elogia, batendo de
leve nas costas dele e voltando a atenção para o berçário.
Algumas horas mais tarde, Bernardo é levado para a mãe.
Sento na poltrona ao lado da cama e observo o seio lindo e grande
de Marisol para fora enquanto amamenta nosso menino.
Ele está fazendo o que eu tive vontade de fazer nos últimos
meses...
— É tão pequeno... — Marisol fala baixinho enquanto passa
os dedos de leve na cabecinha de Bernardo.
— Na verdade, é o maior bebê do berçário. — Eu me gabo,
fazendo minha esposa sorrir.
— Você tá feliz? — Marisol quer saber. Os olhos que têm cor
de chocolate derretido se direcionam para mim e me prendem em
uma conexão intensa. — O que achou de ser menino?
— Feliz não chega nem perto de como estou me sentindo. —
Levanto e me inclino para frente, depositando um beijo no topo da
sua cabeça. — Mas podemos tentar fazer a Maria Clara depois.
Marisol começa a rir.
— Eu sabia que você diria isso.
— Me conhece bem.
— Obrigada.
— Pelo quê?
— Por ter aumentado minha família e por me fazer feliz — ela
fala, me fazendo abrir um sorriso maroto e beijar de leve os seus
lábios. — Ah... e me desculpa por ter puxado o seu cabelo.
Rindo, eu assinto.
Foi dessa forma dramática que Marisol me acordou para falar
que estava sentindo as dores do parto, puxando o meu cabelo com
força. Foi tão forte, que por um momento, eu achei que o mundo
estivesse acabando, mas era só o nosso menino louco para vir ao
mundo.
Mas a verdade é que não esperaria algo diferente da minha
rabiosa.
A seguir reservei dois bônus especais para você. O bônus 1 é
do primeiro livro da série Irmãos Dupont, Socorro, o CEO é virgem,
que foi escrito pela Graci Rocha. Ele já está disponível aqui na

Amazon! E o bônus 2 é do Mais de Você – Entregue ao CEO, o meu


penúltimo romance lançado.

Boa leitura!
Socorro, o CEO é virgem – Graci Rocha

Já reparou como sempre tem algum babaca que acha que está
arrasando só por dar uma secada na sua bunda e depois fazer um
comentário super machista? Fico me perguntando o que passa na

cabeça de um idiota desses. Se bem que não tenho tempo para


isso. Depois de erguer o dedo do meio para o imbecil que gritou
“hummm, bundinha gostosa, hein”, viro as costas e tomo o meu

caminho.

Sinceramente, tem dias que a gente nem deveria levantar da

cama. Só hoje, já deixei cair um bolo no chão, esqueci a chave da

minha biz e tive de voltar na loja da cliente pra buscar e agora isso,
um babaca lambedor de beiços falando da minha bunda para todo

mundo ouvir.

Vai se ferrar seu escroto, é o que eu deveria ter dito, mas

estava ocupada no celular, me desculpando com a cliente do bolo


que deixei cair no chão quando tropecei no cordão da calçada, logo

que saí de casa.

Para minha sorte, tenho um bolo reserva que vai me salvar, um


não, dois, mas o segundo já tem destino certo.

Certifico-me de que a caixa da moto está bem trancada,


porque não quero ter outro incidente nesse dia que já está para lá

de estressante, então me preparo para sair em disparada pelas ruas

de Florianópolis. Imagina estar cruzando a ponte e descobrir que


deixei um rastro de cupcakes. Melhor olhar de novo.

Fechada, vamos nessa.

Levo o bolo reserva para a cliente que está com uma cara

irada quando me vê, na verdade, não era um bolo reserva, mas sim
uma encomenda de outra cliente que cancelou de última hora,

depois que teve uma emergência familiar. O que acabou salvando a

minha pele, porque seria vergonhoso demais não entregar um


pedido por conta de um tropeço que me deixou com o dedinho
doendo.

Peço um zilhão de desculpas, mas a cliente só fica satisfeita

quando dou um desconto de vinte por cento. E olha que o bolo

reserva era mais caro do que a encomenda original dela. Ah, que se

dane, só quero entregar esse bolo e ir embora.

Que dia de merda.

Depois de me acertar com a mulher, enfio o dinheiro no bolso

do meu jaleco e vou para minha biz[17].

Sim, eu sou uma confeiteira boa, só um pouco desmemoriada,

porque posso jurar que esqueci de novo a chave da moto. Merda.

Merda. Merda.

Não, espera, tá no pescoço. Ufa.

Ligo a biz e saio de volta à ilha. Florianópolis é um lugar lindo,

mas dá trabalho transitar pela cidade durante a semana, ainda mais

nos horários de pico, então, termino de entregar o que falta pelo

centro e vou em direção à empresa onde minha irmã está


trabalhando nos últimos três meses.

O escritório da Dupont fica em um edifício de uns quinze

andares, na região mais nobre da principal avenida da cidade, a


Beira Mar Norte. A vista é linda, o cheiro do mar, apesar de não ser

um mar limpo, é bom. Estaciono a biz do lado de fora do prédio,


perto de um canteiro, passo a corrente e bato o cadeado, depois

caminho até o prédio.

O porteiro que me recebe tem um olhar engraçado focado nos

meus cabelos cor de rosa. Ele dá uma inspecionada na minha roupa


colorida por baixo do jaleco e faz uma careta. Ah, qual é? Hoje em

dia todo mundo se veste como quer. Grande coisa eu estar com um
top amarelo florescente por baixo do jaleco, e que o jaleco tem

desenho de um monte de bolos, rosquinhas e brigadeiros.


Propaganda é a alma do negócio, afinal.

Entrego minha identidade e ele bufa.

— Que que foi? — encaro-o, pronta para o embate. Meu dia já


foi uma merda, não estou a fim de aturar mais nada de ninguém. —

Pode ver aí que tenho autorização do décimo segundo andar.

— Você está liberada — ele diz, devolvendo meu documento.

— Que coisa feia, julgar a pessoa pela roupa — resmungo,

olhando-o nos olhos. O homem fica vermelho, mas não retruca.

Saio sem esperar por uma resposta. Hoje minha paciência já


foi testada mais de uma vez e se eu ficar encarando outro babaca
que acha que pode me julgar pela minha aparência vou acabar

chutando a bunda de alguém.

Entro no elevador e aperto o botão de número doze. Dá pra


acreditar que o prédio inteiro é da família Dupont? Eles são um tipo

de Conglomerado e parece que cada irmão tem sua cota de


andares, minha irmã Lu já me explicou mais ou menos como
funciona, mas não prestei muito a atenção. É difícil coordenar o

papo quando se está de frente para uma vista como a que tem aqui.

Pra falar a verdade, nunca estive lá em cima, toda vez que


venho esperar minha irmã é ela quem desce. Mas não hoje, hoje ela

está precisando do meu bolo de conforto.

Pra encurtar a história, minha irmã descobriu há uma semana

que está grávida e até aí tudo bem, ela sempre cuidou bem de mim
e com certeza vai fazer um ótimo trabalho com o bebê, o problema

está no fato de que esta manhã ela voltou para casa com todas as
suas coisas, chorando, porque o cretino do namorado sumiu no

meio da noite e ainda roubou todo o dinheiro que ela tinha


reservado para as contas do mês, além de ter levado a televisão e o
DVD. Filho da puta.
A nossa casa é muito simples. Sempre fomos nós três, minha
irmã Luciana, eu e a nossa mãe Noeli. Sempre demos um jeito e
agora não será diferente. Vou fazer o que puder por ela e o bebê. A

família Perloni vai ter outro membro, mal posso esperar.

Enquanto o elevador sobe, repasso mentalmente o que


planejei, se eu dobrar minha produção de bolos consigo ajudar
minha irmã com o bebê, não só com o enxoval, pois teremos de

arrumar mais um quarto em casa. Assim que a criança nascer ela


vai precisar do quarto que sempre dividimos e não temos uma sala

propriamente dita onde eu possa jogar um colchão e dormir, então


preciso fazer um espacinho pra mim. Cabendo uma cama e um

guarda-roupa tá mais do que bom, ou construir uma extensão onde


possa acomodar ela e a criança com mais conforto. Seria muito
bom.

Afasto os pensamentos quando as portas se abrem, deixando

o ar fresco afundar no meu peito. O lugar é simplesmente de tirar o


fôlego. Chique não chega nem perto de explicar a visão.

O ambiente é grande, em um tipo moderno de conceito aberto,


com as salas feitas de paredes de vidro. Pessoas elegantes

circulam por aqui e por ali, mas ninguém se importa com a minha
presença. E olha que eu destoo bem nesse lugar fino. É como se eu
fosse um quadro impressionista pintado com purpurina e todo
restante fosse só imagem de paisagens nubladas.

Dou alguns passos inseguros para um tipo de ilha circular que


fica na direção das portas de elevador. Olho por cima do balcão e

uma garota com cara de top model ergue os olhos do telefone e


abre um sorrisinho simpático.

— Vim fazer uma entrega para Luciana Perloni, secretária

principal — digo e ela acena concordando, depois aponta com a


cabeça para um outro lado do enorme salão.

Passo pela ilha, absorvendo o requinte do andar principal da

Dupont e caminho até a mesa onde provavelmente minha irmã


trabalha. Começo a me preparar para sentar num sofá que fica

encostada numa grande parede de cimento queimado. Só esse sofá

deve valer mais do que a minha casa toda. Com certeza. O som de
algo se quebrando me faz virar na direção da sala que fica logo à

frente.

E o meu mundo parece paralisar.

Um homem absurdamente lindo, jovem, mas lindo, está

gritando.
O ar foge dos meus pulmões quando o vejo se virar de

relance. Apesar da fúria ele é, uau, delicioso, barba cerrada, pele e


olhos claros, cabelo escuro e bagunçado, terno com corte perfeito. É

a visão do paraíso. Um paraíso furioso e sexy. Babando, minha

mente já consegue imaginar a voz, o sorriso...

Mas então percebo com quem ele está berrando e sinto

imediatamente o meu sangue ferver. Ele está gritando com a minha

irmã grávida que acabou de ser roubada e abandonada pelo pai do


seu bebê.

Sem pensar, invado a sala do homem. Ele para quando me vê,


um olhar de confusão brotando no rosto lindo e brutal.

— Quem você pensa que é? — grito.

— Como é? — ele soa confuso, olhando-me de cima a baixo.

Luciana vem na minha direção, mas estou furiosa demais para


me conter e nem olho pra ela, se olhar e der de cara com o que

imagino que é sua expressão nesse momento, vou quebrar tudo que

estiver ao meu alcance. Ninguém mexe com meu sangue e sai

impune, ainda mais hoje.

— Você ouviu. Quem você pensa que é para tratá-la assim?

— Cici... não — Lu tenta, mas a ignoro.


— Cici? — ele pergunta para minha irmã que percebo que está

tremendo e isso me deixa mais furiosa. — Você conhece essa

doida?

— Doida? Você vai ver doida — digo, e faço a única coisa

doida o bastante para lidar com esse babaca. Num minuto ele está

me encarando confuso, no seguinte, estou atacando.

Com passos rápidos paro diante dele e antes que o

homenzarrão tenha qualquer reação, ergo minhas mãos, tiro a


tampa da embalagem do bolo e o lanço direto na cara dele. Bem no

meio da fuça do babaca que maltratou minha irmã. Se tivesse

mirado com calma provavelmente não teria me saído melhor.

Meu lindo bolo de conforto acaba de se tornar um bolo de

confronto.

Uma mistura de cabelo, glacê cor de rosa e pele. É nisso que o

chefe da minha irmã acaba de se transformar. E ele fica sem

qualquer reação.

O creme e a massa de bolo correm do rosto para a camisa e o

terno. Ele abre os braços para, só então, compreender o que acabo

de fazer.
Suas mãos fortes vão para os olhos e rosto, tentando se livrar

do meu lindo e destruído bolo de chocolate. Seu rosto e sua roupa


se transformam numa confusão de cores e sabores, mas não dou a

mínima, a sorte dele é que eu estava segurando um bolo e não um

machado ou uma arma. Eu acabaria atrás das grades, mas ele


certamente mereceria.

— Mas que porra é essa? — o cara grita e minha irmã cobre a

boca com a mão, assustada. Foi tudo tão rápido que acho que
peguei todo mundo desprevenido.

Viro para ele e o encaro com fúria. Por dentro, tenho que
confessar, estou com um pouco de vontade de rir. Ele é lindo e está

muito bagunçado por causa do meu ataque, mas isso não muda o

que ele fez. Mordo a língua pra me impedir de amolecer e com uma

expressão de brava o encaro de frente. Ergo meu dedo indicador e


miro na sua cara.

— Só porque você é rico não significa que tem o direito de


tratar as outras pessoas como lixo. A minha irmã é uma ótima

pessoa e uma secretária incrível, seu idiota — dito isso, vou até

minha irmã e a puxo para fora da sala. — Vamos, de jeito nenhum

você vai continuar trabalhando aqui.


— Mas Cici... — ela tenta. — Não posso.

— Vamos embora, Lu. Não posso deixar esse cara maltratar

você, ninguém tem esse direito.

O babaca bonitão vem na nossa direção e parece pronto para

briga. Talvez eu precise mesmo lançar mão de algum golpe ninja


que aprendi nos filmes. Ele não perde por esperar, não faz ideia do

quanto posso ser boa com as pernas, já corri muito nessa vida e já

chutei muitos idiotas nos países baixos.

— Vou chamar a polícia — ele pega o celular, e agora estou

mesmo considerando partir para as vias de fato.

— Faça isso, vamos ver o que eles terão a dizer quando

souberem que você estava aterrorizando uma mulher grávida. O

nome disse é assédio moral.

Então ele para e seus olhos correm direto para a barriga da

minha irmã. Sua expressão é um misto de confusão e descrença,

mas ao vê-la colocar a mão no ventre ele recua, atordoado.

— Eu... eu não sabia.

— Agora você sabe, então fique longe de nós.


Mais de Você – Entregue ao CEO – Brenda Ripardo

Encostado na grade do primeiro andar, segurando minha


cerveja, admiro intrigado uma loira com seios grandes dançar. Sinto
que a conheço de algum lugar, mas não sei de onde. Ou estou

apenas começando a ficar bêbado e imaginando coisas.

Ela tem pele clarinha, tatuagens pelos braços, colo e coxas, e


está usando vestido bem curtinho. Tem um estilo diferente, meio

rebelde. Não curto, mas algo dentro das minhas calças acorda
quando a loira pula e os seios se mexem de maneira sexy.

Isso deve ser consequência da falta de sexo. A loira é linda e

eu estou na seca faz algumas semanas. Olho-a de novo e balanço a


cabeça de um lado para o outro e prenso os lábios. Acho que ficaria
interessado nela mesmo que não tivesse nesse estado. O que é

estranho. Quando comecei a me interessar por mulheres assim?

— Seu estilo mudou — Simon fala ao apoiar os braços na

grade e observar a loira na pista de dança. — Interessante.

— Intrigante — é o que digo.

Sem falar mais nada a Simon, desço as escadas, a fim de me


sentar na banqueta do balcão e admirá-la mais de perto. Não vou

cruzar a linha e dar em cima dela, mas se ela me notar, aproveitarei

a oportunidade.

Não demora muito, ela meio alta, se joga no balcão, pedindo

bebida e sorri como se hoje fosse o dia mais feliz da sua vida.

Mesmo com pouca luz noto que as bochechas dela estão coradas e
os cabelos estão começando a grudar na testa por causa do suor.

E sem conseguir conter os meus instintos, olho para o decote

dela e as tatuagens delicadas no colo. É um pássaro, uma rosa

vermelha e uma lua rodeada de borboletas. É sexy pra caralho.

Ela percebe meus olhares. Eu deveria me sentir

desconcertado por ter sido pego no flagra, mas não me sinto

culpado. Nem um pouco, pra falar a verdade. Em vez disso, abro um

sorriso para a loira tatuada, que não sorri de volta.


Ela fica apenas me olhando de forma intensa, como se eu
fosse uma miragem. E inconsciente ou não, umedece os lábios com

a língua, me hipnotizando com o gesto.

Para minha surpresa, ela ajeita a postura e se aproxima de

mim.

— Qual é o seu nome? Eu te conheço de algum lugar? —


pergunta, semicerrando os olhos, como quem busca algo dentro da

memória.

— Sou Zach. Engraçado, tenho a impressão que conheço

você também — respondo, bebendo um gole de cerveja, sem tirar

os olhos da loira.

— Zach como Zachariah? — fala, rindo sozinha e eu enrugo o

nariz. — Ou Zach como Zachary?

— É Zach como Zachary, mas me chame apenas de Zach. É

moderno e não me faz sentir um velho.

Ela assente, sorrindo. O barman traz a bebida e a loira bebe


tudo em um gole só e bate o copo de cristal com força em cima da

mesa e pede outra. Parece que está na missão de beber até não

aguentar ficar de pé.


— Zach... — sussurra e eu a olho. — Você é solteiro? —

pergunta de repente. Antes que possa responder, a loira joga os


braços no meu pescoço, ficando entre as minhas pernas e fixa as

vistas na minha boca.

Ela é quente e tem cheiro bom.

— Você é solteira? — devolvo.

— Agora? — retruca e fecha um dos olhos enquanto faz um

bico cativante. — Tecnicamente, sim.

Sorrio.

Pouso as mãos na sua cintura e a puxo para mais perto,

roubando um gemido entrecortado dela. Apesar da vontade de


explorá-la com as mãos, fico quieto. Não quero parecer um

completo tarado, mesmo que no fundo, eu seja um completo tarado.

A loira envolve as mãos entre meus cabelos e aproxima o


rosto do meu, devorando minha boca com um beijo intenso. Nossas
línguas se envolvem, me fazendo sentir o seu gosto doce misturado

com álcool. Aperto-a contra o corpo à medida que sinto a ereção


crescer e latejar.

Antes que possa aproveitar mais, ela se afasta de repente,


parecendo acordar de um sonho.
— Eu sinto muito.

É o que diz ao dar as costas e ir para a pista de dança.

Sem conseguir pensar direito e querendo mais daquela boca

colada na minha, levanto-me rápido e a alcanço. Seguro seu braço


com gentileza e a puxo para mim. Ela se vira e arfa, quando nossos
olhos se encontram, noto que tem a respiração ofegante, mas não

se afasta de mim.

Agora sou quem vai beijá-la.

— Me desculpe.

— O quê? — ela pergunta, confusa.

E eu a envolvo em um beijo suculento, que me dá vontade de

levá-la até o banheiro e explorar o corpo dela com a boca. A loira


corresponde ao me puxar contra o corpo e agarrar meu pescoço.

De súbito, ela é arrancada dos meus braços. E antes que eu


possa me dar conta do que está acontecendo, um homem velho

tenta me acertar um soco, que eu consigo desviar sem grandes


problemas.

— O que seu pai está fazendo aqui?

— O que você está fazendo aqui? — a loira indaga incrédula,


encarando o velho.
— Pra sua informação. — Ele me encara com ódio irradiando
dos olhos. — Não sou o pai dela. Sou o namorado.

— Ex-namorado — a loira o corrige.

— Vamos, meu amor. O que está fazendo? Olhe ao seu redor,


este lugar é podre e não é pra você.

— Você me seguiu?

O velho pega com delicadeza o braço dela e a olha nos olhos,


tentando fazer algum tipo de conexão que não dá certo.

— Não, claro que não. Vamos pra casa.

— Ela não vai a lugar nenhum com você. — Uma versão mais
nova da Krysten Ritter intervém e fica entre os dois. — Brian, vá

embora. Por favor. Vá embora enquanto ainda estou sendo


educada.

Dou alguns passos para trás e me afasto da loira. Eu nem a

conheço, só estivemos juntos por alguns minutos e quase ganhei


um soco no rosto. Ainda bem que meu reflexo é um dos melhores.

Volto ao balcão e peço outra bebida. Não posso evitar de


observar as duas garotas discutirem com o velho na pista de dança.

Ele é vencido pelo cansaço e vai embora resmungando. Breves


minutos depois, as duas se retiram também.
— Noite difícil?

Encaro a ruiva que se senta ao meu lado. É uma mulher linda,

mas sei lá, depois de quase ter levado um soco, não estou
interessado em ninguém, mesmo que queira sexo no momento,

prefiro ir para casa desacompanhado.

— Está sozinho? — ela insiste quando fico quieto.

— Estou indo pra casa. — Antes que ela possa se animar


demais, acrescento: — Sozinho.

A ruiva abre um sorriso azedo e noto que revira os olhos, mas

isso não faz nenhuma diferença para mim.

Pago a conta e vou embora.

Só quando chego em frente ao carro, me dou conta de que

Simon ainda está lá dentro. Pego o celular de dentro do bolso da

calça jeans para avisar que estou caindo fora e vejo que ele me

mandou mensagem faz uns dez minutos.

“Encontrei alguém, estou indo embora. Se divirta, porque eu

vou.”
Oi!

Espero que você tenha gostado de Socorro, o CEO sumiu,

Henrique e Marisol são um casal intenso, sexy e temperamental,


mas que conquistam a gente com sua paixão avassaladora.

Em breve o terceiro livro da série Irmãos Dupont será


lançamento, então se prepare para a próxima aventura, haha.

Se você ainda não leu outras histórias minhas, dá uma

passadinha na minha página da Amazon ou no Insta. E se quiser


acompanhar mais sobre os meus lançamentos e tudo que rola nos
bastidores da minha escrita, venha interagir comigo em:

FACEBOOK: https://www.facebook.com/autorabrendaripardo

INSTAGRAM: @brenda.ripardo /

https://www.instagram.com/brenda.ripardo/

Beijossssss!!!
IMPOSTORA: https://amz.run/4w6K
O HOMEM DA MÁFIA: https://amz.run/4rIw
NAS GARRAS DA MÁFIA: https://amz.run/4w6I

O SENHOR DA MÁFIA: https://amz.run/5BDp


SINOPSE:

“— Então, você é o tipo de homem que acha que o dinheiro

pode resolver tudo? — a loira pergunta e me olha de baixo para

cima, me julgando. Por algum motivo inexplicável, o calor dos olhos


dela no meu corpo me dá uma sensação estranha e começa a

querer acordar algo dentro das minhas calças. Ela transforma os

lábios vermelhos em um sorriso debochado. — Típico. Tão

previsível — emenda como se fosse um xingamento.”

"Acho que perdi completamente o juízo, parece que quanto

mais falo que Miguel é a encarnação do perigo para alguém como

eu, mais meu corpo se rende às investidas dele. E, Jesus amado,

aquele homem é mais quente que o inferno no verão."


Serena Cook é uma garota de 25 anos, linda, decidida, dona
de si e independente. Depois de ser traída pelo namorado e romper

o relacionamento de quase 5 anos, ela resolve seguir os conselhos

da melhor amiga e jogar a poeira pra cima e curtir a vida.

Zach Richards é um CEO de uma das clínicas médicas mais

renomadas de Nova Iorque. Ele vem de uma família de médicos,

tem uma mãe super controladora e por isso se formou em medicina


também, e agora divide as horas da semana em cuidar de

processos administrativos e clinicar.

Ela quer apenas curar o coração partido e seguir em frente. Se

envolver com um CEO intenso e sacana não faz parte dos seus

planos, mas é difícil resistir quando o destino parece sempre querer


cruzar o caminho dos dois.

Ele não está procurando compromisso sério, apenas se divertir

e pegar uma mulher bonita, o que se torna impossível depois de

conhecer Serena, a garota linguaruda e atrevida.

Os dois estão em sintonias diferentes e não têm nada em


comum, mas é impossível negar a química e a paixão ardente que

existe entre eles.

Link: https://amz.run/51P5
SINOPSE:

Miguel Dupont é o caçula de 4 irmãos. Com 24 anos e um


coração partido, ele se fechou para os relacionamentos, se tornando
um cara muito rabugento e meio babaca (traduza por MUITO

BABACA).

Mas esse garoto malvado que gosta de gritar com as


secretárias tem muito que aprender e vai contar com uma ajuda

inesperada para vencer o desafio de voltar a se relacionar e quem


sabe perder a virgindade.

Sim, você não leu errado, nesse livro a virgem não é a


mocinha e sim o CEO malvadão e lindo.
Cici é cheia de vida e toda colorida. Não tem medo de dizer o

que pensa e está sempre por aí fazendo suas entregas e


apreciando a cidade linda onde mora.

Mas não se engane, a nossa linda garota de língua afiada

carrega suas próprias dores e preocupações e tudo o que ela


menos quer nesse momento é se apaixonar pelo babaca que cruzou
seu caminho num dia ruim.

Link: https://amz.run/51P2

[1]
Referência ao filme norte-americano de 1998, dos gêneros comédia e fantasia.
Dr. Dolittle é um homem que fala com animais domésticos e selvagens .
[2]
Gíria em espanhol que quer dizer: filho da mãe, corno, safado, fdp etc., usado
como xingamento.
[3]
Ponto de reunião no deck, atribuído à tripulação e passageiros, onde eles
devem se reunir de acordo com a lista de reunião quando o alarme
correspondente for disparado ou anúncio feito para treinamento de emergência.
[4]
Meu Deus, em espanhol.
[5]
Desculpe, foi mal, em inglês.
[6]
A moeda oficial de cruzeiros é o dólar.
[7]
Batismo de mergulho é o termo utilizado aqui no Brasil para o mergulho
realizado com quem não tem um curso de mergulho, mas gostaria de
experimentar a experiência de respirar embaixo d’água.
[8]
Merda, em espanhol.
[9]
O dealer é um profissional responsável pelo desenrolar das diferentes partidas
e dos pagamentos das apostas em um cassino. Ele precisa saber administrar
corretamente a mesa de jogo e as apostas que são feitas.
[10]
Raivosa, em espanhol.
[11]
O Farol da Barra, ou Farol de Santo Antônio, localiza-se na antiga ponta do
Padrão, atual Ponta de Santo Antônio, em Salvador, no litoral do estado da Bahia,
no Brasil. O farol primitivo foi o segundo existente em todo o continente
americano, antecedido somente pelo farol do antigo Palácio de Friburgo no
Recife.
[12]
A praia de Pajuçara fica situada no bairro nobre de Pajuçara, em Maceió. É
uma das praias mais famosas do estado de Alagoas. As águas calmas, as
piscinas naturais e os passeios de jangada costumam atrair muitos turistas ávidos
pelo litoral nordestino.
[13]
É um site de viagens que fornece informações e opiniões de conteúdos
relacionados ao turismo.
[14]
Protagonista de Socorro, o CEO é virgem, primeiro livro da série Irmãos
Dupont.
[15]
Localizado na parte continental de Florianópolis, junto ao estreito que separa a
Ilha do Continente, o bairro Coqueiros é um dos bairros mais charmosos e com a
mais bela vista da Baía Sul da Ilha de Santa Catarina. Distante apenas 4 km do
Centro, Coqueiros é dono de uma das melhores infraestruturas urbanas da
cidade.
[16]
O Itacorubi é um bairro da cidade brasileira de Florianópolis, capital do Estado
de Santa Catarina. Está situado aproximadamente na região central da porção
insular do município.
[17]
Moto Honda Biz.

Você também pode gostar