CAPITULO4
CAPITULO4
Na verdade, a fim de criar é preciso desequilibrar, sempre e de novo, para poder reequilibrar, sempre
e de novo. É como o acrobata na corda bamba, com cada passo desequilibrando-se e novamente
Fayga Ostrower
De fato, se você desenhar uma linha côncava, terá desenhado também uma linha convexa.
Steve Hagen
I.
estão inseridas num contexto mais amplo de relações sociais. O mesmo é válido
Dewey (1959), que defendeu uma educação estruturada na ação dos alunos,
que, conforme salientou Freire (1985, p. 53), o sistema escolar almeja, segundo uma
nem se pergunte e pouco saiba mais além da tarefa rotineira que a produção em
ensino. Uma vez que as diretrizes de tais práticas não se encontram submetidas, de
que não prioriza a estruturação do pensamento dos alunos constitui outro entrave à
ainda muito comuns na época atual, apesar de toda crítica desenvolvida contra os
1
O prólogo da primeira edição alemã do livro de Kerschensteiner, Essência e valor do ensino
científico natural (Wesen und Wert des naturwissenschaftlichen Unterrichts), datada de 1913.
141
devam corresponder-se”.
seu mais alto grau, de modo que a objetividade consiste em persistir duvidando até
Antes de mais nada: existem ou não valores verdadeiros, valores gerais e necessários,
valores absolutos? Em minha opinião, existem. Acho, por exemplo que “pensar” é um desses
valores. Cogito, ergo sum. Era esse o ponto de partida da filosofia cartesiana.
[...] não há dúvida de que deverão ser cultivados com maior atenção todos os setores do
ensino que mais poderosamente possam desenvolver no aluno essa capacidade de pensar
[...].
acordo com Altet (1994 apud GAUTHIER et. al., 1998, p. 135):
peculiaridade do professor realizar sua formação num lugar similar àquele em que
atuará, mas no qual ocupa o papel, enquanto licenciando, de aluno. De acordo com
básica (BRASIL, 2001, p. 30): “deve haver coerência entre o que se faz na formação
[...] a necessidade de que o futuro professor experiencie, como aluno, durante todo o
processo de formação, as atitudes, modelos didáticos, capacidades e modos de organização
que se pretende venham a ser concretizados nas suas práticas pedagógicas.
defendida por Sacristán (1995). De acordo com ele, há práticas educativas que se
aninham nos diversos níveis: social, educativo, escolar, da sala de aula, em virtude
2
O termo isomorfismo se refere à similaridade de modelos. Por exemplo, de um negativo fotográfico e
sua cópia, assim como de um mapa e a região que ele representa, pode-se dizer que são isomorfos
em ambos os casos (ASHBY, 1970). Para Epstein (1986), o isomorfismo diz respeito a uma operação
de correspondência biunívoca (um a um) entre os elementos de dois ou mais sistemas, preservando-
se as características funcionais e operacionais desses elementos.
3
Diz-se, matematicamente, que duas figuras planas são homólogas quando se correspondem ponto
por ponto e segmento por segmento. No contexto da anatomia comparada, homologia designa “a
semelhança de estrutura entre dois ou mais órgãos devido a terem origem comum” (LOBO, 1979).
Por exemplo, as barbatanas da baleia e as extremidades dos mamíferos restantes são órgãos
homólogos. A noção de analogia adquire um sentido diferente ao se referir à “semelhança externa
existente entre os órgãos por estes realizarem funções idênticas, mas que não procede de uma
origem comum” (LOBO, 1979). Por exemplo, as barbatanas dos peixes e as da baleia são análogas.
Desse modo, nota-se que o conceito de homologia é heuristicamente mais significativo que o de
analogia.
144
Daí a importância profissional da origem social dos professores, que fazem parte de um
mundo cultural onde existem múltiplas referências aos conteúdos e aos métodos de
educação. A profissão docente é socialmente partilhada, o que explica a sua dimensão
conflituosa numa sociedade complexa na qual os significados divergem entre grupos sociais,
econômicos e culturais.
FUTURO DA
Licenciando e seus alunos
FORMAÇÃO
numa relação educativa problematizadora
Homologia pressuposta
PRESENTE
Professor formador e licenciando
DA FORMAÇÃO numa relação educativa problematizadora
Homologia vicária
futuros professores.
coerência com a concepção freireana de que o ato educativo deve ser um momento
professores de física.
Para efeito do relato, adoto uma linha de pesquisa qualitativa4 que, em linhas
professor como elemento fundamental para a significação dessa ação durante o seu
transcurso, assim como na pesquisa que constrói seu objeto no curso da experiência
4
Conforme Tochon (1992 apud GAUTHIER, 1998), os critérios da pesquisa qualitativa se baseiam
em sua veracidade e transferibilidade, ou seja, na adequação entre a descrição realizada e a
experiência vivida e numa possível adaptação da pesquisa a contextos diversos, a partir da
identificação que o relato pode produzir no leitor.
146
educacional e, posteriormente, como reflexão sobre a mesma. Para Gauthier et. al.
(1998, p. 162):
Ainda com relação ao propósito desse relato, considero que ele está para o
alma interior e outra exterior ao homem. Esta última se manifesta de fora para dentro
alma exterior consistia na imagem pública do alferes. Quando se viu numa situação
de isolamento social durante vários dias, Jacobina sentiu-se desprovido de sua alma
Vesti-a, aprontei-me de todo; e, como estava defronte do espelho, levantei os olhos, e... não
lhes digo nada; o vidro reproduziu então a figura integral; [...] era eu mesmo, o alferes, que
achava, enfim, a alma exterior. [...] Cada dia, a uma certa hora, vestia-me de alferes, e
sentava-me diante do espelho, lendo, olhando, meditando; no fim de duas, três horas, despia-
me outra vez. Com este regímen pude atravessar mais seis dias de solidão, sem os sentir
6
[...].
5
Trata-se, ainda, segundo Gauthier et al., de uma perspectiva fenomenológica da pesquisa.
6
Trecho extraído do conto O espelho de Machado de Assis (1996, p. 109-110).
147
licenciandos.
II.
7
Tomarei a liberdade de denominar, doravante, o componente curricular “mecânica aplicada” como
“curso”.
8
A licenciatura em física em questão é oferecida pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de
São Paulo desde o segundo semestre de 2001. Sua duração total é de oito semestres letivos. Desde
o início do curso até o final do primeiro semestre de 2003, além de atuar como docente, fui seu
coordenador pedagógico. Também participei na elaboração curricular do curso, na sua
implementação, e ministrei outros componentes curriculares como: Introdução à ciência experimental,
no primeiro semestre; Laboratório de termodinâmica, no terceiro semestre; Epistemologia e ensino da
ciência, no quarto semestre e Oficina de projetos de ensino-I no quinto semestre.
9
No caso da licenciatura em física do CEFETSP, as suas diretrizes curriculares gerais estão voltadas
à consecução da formação docente segundo as seguintes características principais atribuídas ao
futuro professor:
• Concepção e promoção de práticas educativas compatíveis com os princípios da sociedade democrática, a difusão e
aprimoramento de valores éticos, o respeito e estímulo à diversidade cultural e a educação voltada à construção do
pensamento crítico do aluno.
• Compreensão da inserção da escola na realidade social e cultural contemporânea e das práticas de gestão do
processo educativo voltadas à formação e consolidação da cidadania.
• Domínio de conteúdos disciplinares específicos, da articulação interdisciplinar, multidisciplinar e transdiciplinar dos
mesmos, tendo em vista a natureza histórica e social da construção do conhecimento e sua relevância para a
compreensão do mundo contemporâneo.
148
docente10.
formular e testar hipóteses, construir modelos teóricos que fazem uso dos
• Condução da atividade docente a partir do domínio de conteúdos pedagógicos aplicados às áreas e às disciplinas
específicas a serem ensinadas, da sua articulação com temáticas afins e da gestão e avaliação do processo ensino-
aprendizagem.
• Atitude de auto-julgamento e aprimoramento da prática docente a partir do domínio dos processos de investigação
pedagógica.
10
Uma imagem da idéia do “currículo fractal” é a figura de Sierpinski formada de um padrão composto
por um triângulo equilátero rodeado por três outros triângulos equiláteros menores, sendo tal padrão
reproduzido em diversas escalas.
dos temas tratados, segundo uma estruturação do tempo de sala de aula que
[...] a fixação de uma cadeia linear de marcos temáticos que devem ser percorridos
seqüencialmente, expressando passos necessários no caminho do que é considerado mais
simples ao mais complexo. Se a cadeia for, digamos A → B → F → G → X → S → ..., então a
não abordagem do tema G impossibilitaria o tratamento do tema X, retendo-se o aluno no
ponto G até que o mesmo seja aprendido.
11
Segundo Astolfi (1993 apud PERRENOUD, 1999) e Astolfi et al. (1997 apud PERRENOUD, 1999),
algumas das características das situações-problemas incluem a organização das mesmas com a
proposta de que os alunos superem um obstáculo previamente identificado e que os mobilizem no
investimento de seus conhecimentos prévios, na representação e questionamento desses saberes e
na elaboração de idéias novas.
150
sem limitar-se a eles”. Não se trata da mera aplicação dos conhecimentos, mas da
Com relação aos atos intuitivos, Bruner (1998) considera ser possível que
numa percepção implícita da totalidade do problema, ainda que esta não possa ser
Mas, uma vez que o pensamento intuitivo nem sempre produz ações eficazes,
considerá-lo, nesse caso típico do ensino, uma competência, ao menos nos termos
da definição de Perrenoud.
uma educação por competências nos níveis dos ensinos fundamental e médio e na
e sua possível aplicação ao ensino. Trata-se de uma situação desfavorável e que foi
entanto, se torna crítica e reflexiva como curiosidade epistemológica. Esse foi o caso
ponteiro de uma bússola, pois ele apontava sempre para a mesma direção.
da experiência.
resultados” (FREIRE, 2004). Portanto, o relato que faço das atitudes dos educandos,
152
na resolução dos problemas que lhes propus, tem o desejo de refletir sobre o
de outro docente, ambos permanecendo na mesma sala de aula com uma única
turma de alunos13, eram oferecidas, ainda, mais duas aulas semanais do mesmo
curso, ministradas por um terceiro docente. Essas aulas tinham caráter mais teórico
todo o seu peso, qualquer que seja a posição que ele ocupe com respeito à Terra.
horizontalmente.
plana. Arquimedes (287-212 a.C.) foi criterioso a esse respeito ao postular que, em
12
Cada aula com duração de quarenta e cinco minutos.
13
Trata-se do professor Bortolli, com o qual dividi as aulas nas quatro versões do curso. A interação
que pude manter com ele e as reflexões que fizemos conjuntamente poderiam, perfeitamente,
constituir objeto de uma profícua pesquisa educacional em defesa do trabalho compartilhado de
professores numa mesma sala de aula.
14
Essa parte do curso foi ministrada pelo Professor Sarkis Melconian, autor de uma das referências
bibliográficas adotadas, o livro Mecânica técnica e resistência dos materiais.
15
Pappus (1982, p. 815) escreveu: “[...] le centre de gravité de chaque corps est un certain point situé
à l’interérieur de celui-ci, tel que, si on imagine le grave suspendu à ce point, il reste en repos tout en
étant sollicité et conserve sa position initiale”.
154
qualquer figura cujo contorno é côncavo “em uma e mesma direção”, o centro de
equilíbrio dos planos16, Arquimedes (19--, p. 190) enuncia o seguinte postulado: “Em
nas imediações do seu contorno. O segmento de reta formado pelo fio e por sua
intersecção de dois ou mais eixos de gravidade da figura plana e poderá ser obtido
como esse foi descrito por Simon Stevin (1548-1620) em sua obra De la statique18.
Arnheim (1990) ao centro dinâmico de uma figura plana. Para ele, tal idéia de centro
existência de um centro geométrico da figura. Tal energia pode ser representada por
16
Nesse livro, Arquimedes se dedica à obtenção dos centros de gravidade de polígonos tais como
paralelogramos, triângulos e trapézios. O livro II é dedicado à obtenção de centros de gravidade de
um segmento parabólico e de uma porção dele limitado por linhas paralelas à sua base.
17
De acordo com nossa tradução para o português da tradução inglesa dos trabalhos de Arquimedes
realizada por Thomas Heath: “In any figure whose perimeter is concave in (one and) the same
direction the centre of gravity must be within the figure”. Heath, na introdução de The works of
Archimedes (19--, p. clxxxv), ao se refeir à terminologia arquimediana, associa a utilização da idéia da
concavidade expressa por “concave in the same direction” com outras como “in the same direction as”
e “in the same direction as the vertex of the cone”.
18
Os primeiros trabalhos de Stevin sobre estática foram publicados em 1586 sob o título de De
Beghinselen der Weegconst sendo traduzidos para o francês por Albert Girard em 1634.
155
corpo humano sentir a atração gravitacional da Terra, algo que lhe é externo, como
triângulo qualquer como o seu “centro”. Para Arnheim (1990, p. 34): “como origem
ou destino de uma ação dinâmica, qualquer objeto visual é um centro”. Poderá esse
esteja localizado externamente a ela? Uma situação dessas será verificada mais
adiante.
Nas duas primeiras versões do curso, comecei propondo aos alunos que
irregular sem que, no entanto, eles pudessem manipular a figura recortada de uma
região plana delimitada pelo gráfico da função y = 43,38 x1/3 e pelas retas {(x,y): y =
gravidade da figura irregular. Observei, ainda, que os alunos não fizeram uso de um
das figuras componentes, embora estivessem trabalhando com uma folha que lhes
19
O qualificativo “ad hoc” (expressão latina com o significado de “para este caso”) designando os
modos de resolução da situação-problema se refere à adoção de procedimentos particulares sem a
explicitação de um princípio geral ou teoria a subsidiá-los. No entanto, é possível se observar a
utilização de processos heurísticos que articulam a vivência experencial, as concepções
“espontâneas” e os conhecimentos prévios dos alunos, ainda que de modo fragmentário ou parcial.
157
a figura irregular, segundo uma linha reta, em duas outras equivalentes, ou seja,
20
O grupo de pesquisa era constituído pelos alunos: Ademir dos Santos, Clayton Ferreira dos Santos
e Frederik Curtz Palacio.
21
O centro de gravidade do triângulo localiza-se no encontro de suas medianas. Uma demonstração
desse fato foi desenvolvida por Stevin em La statique de 1586 e encontra-se discutida no apêndice 1.
Em Carvalho (1958), o “centro” de um triângulo qualquer é associado ao encontro de duas de suas
158
figura irregular por integração da função que descreve o trecho curvo da figura ou,
retangulares.
figura irregular a partir da sua divisão em duas outras equivalentes, apresentei aos
alunos uma outra figura plana constituída por dois retângulos equivalentes dispostos
verificam que o segmento de reta localizado na junção dos dois retângulos não
respeito daquele ponto de equilíbrio. Então, um deles respondeu: “se você desenhar
uma linha através daquele ponto e cortar a figura a partir dela, ambos os lados terão
o mesmo peso” (DRIVER, 1983, p. 46). Ao observar que muitos alunos concordavam
bissetrizes. Esse “centro”, portanto, não coincide com o conceito físico do centro de gravidade de uma
figura triangular plana.
159
produziu um círculo com um longo “braço” acoplado. Esse exemplo foi suficiente
Ao ser questionado pelo professor sobre os motivos que o levou a imaginar tal
forma, o aluno tomou uma forma retangular e a equilibrou sobre o seu dedo,
22
No original, em inglês: “Evidence and data can be discovered but an interpretive framework is a
construction of the mind and has to be invented”.
160
iniciar com as hipóteses que eles próprios formulam. A fonte primária de tais
23
O aluno citado é o licenciando Ricardo Fukui.
24
Uma modelagem geométrica do padrão que o barbante formaria no interior do círculo pode ser
obtida pela construção de uma pseudo espiral de dois centros (pontos A e B) formada pela operação
de concordância de semicircunferências de raios crescentes, traçadas, alternadamente, a partir dos
dois centros A e B e localizadas em lados opostos de um segmento de reta que contém os seus
centros.
161
Sobre o equilíbrio dos planos e segundo os quais, quando figuras planas iguais e
nas figuras que são similares, porém não iguais, os centros de gravidade estarão
Uma vez que dois círculos quaisquer são figuras semelhantes26 e, desde que
25
A operação de homotetia é, por sua vez, uma homologia entre figuras, que preserva a semelhança
das mesmas dispondo-as de maneira que seus lados homólogos, para o caso de polígonos, fiquem
paralelos. Lima (1991, p. 37) define a homotetia como uma transformação que satisfaz os critérios a
seguir:
Sejam O um ponto do plano Π (ou do espaço E) e r um número real positivo. A homotetia de centro O e razão r é a
função σ: Π→Π (ou σ: E→E) definida do seguinte modo: σ(O) = O e, para todo ponto X ≠ O, σ(X) = X’ é o ponto da
semi-reta OX tal que OX’ = r.OX.
26
Assim como são semelhantes todos os quadrados, polígonos regulares e polígonos convexos com
o mesmo número de lados, sendo que esses últimos necessitam, adicionalmente, que seus vértices
possam ser numerados de modo que os ângulos de mesmo índice sejam iguais e os lados de
mesmos índices sejam proporcionais. Com relação a homotetia entre os quadrados, tal operação é
historicamente denominada “transformação gnomônica” uma vez que, na tradição pitagórica dos
números figurados, números ímpares de pontos (2n+1, com n=0,1,2,3,4,...) dispostos na forma de “L”
e sucessivamente adicionados eram chamados de gnomons (HEATH, 1960). A organização do
número impar de pontos num padrão “L” é semelhante ao formato do gnomom, o instrumento
astronômico para medida do tempo. Adicionalmente, ao padrão correspondente à somatória dos
2
sucessivos números ímpares de pontos, Σ(2n+1), eram associado os números “quadrados”, n .
original e aquelas que vão sendo delineadas pelo barbante no interior da primeira,
ou seja, não se vai gerando, por esse procedimento, figuras semelhantes entre si. O
intuído pelo aluno não constitui uma solução geral para a localização do centro de
produzir soluções inventivas que superam o modo analítico de pensar. Para ele, o
analítico de cada um” (BRUNER, 1998, p. 70). Desse modo, a intuição é mobilizada
pela tentativa de ordenar e significar a realidade como algo evidente, mas que, por
pelos professores, Bruner (1998) menciona uma reação instintiva dos docentes no
intuitivo.
27
Os procedimentos heurísticos são fartamente utilizados na elaboração de programas
computacionais. De acordo com Hillis (2000, p. 86): “Alguns dos comportamentos mais
impressionantes dos computadores são resultado de heurísticas, não de algoritmos”. Um exemplo
típico é a programação de um computador para jogar xadrez. Nela, o computador deve “avaliar” as
jogadas do oponente, reduzindo o cálculo de todas as jogadas possíveis.
28
Perrenoud (1999, p. 55) propõe aos professores “aceitar a desordem, a incompletude, o aspecto
aproximativo dos conhecimentos mobilizados como características inerentes à lógica da ação”.
164
figura plana por integração, tradicionalmente abordado nos cursos de física em nível
podem ser descritas por uma função matemática30. Segundo tal algoritmo, as
coordenadas cartesianas (x,y) de uma figura plana, como a que foi proposta, são
b b b
x = 1/A ∫ xdA e y = 1/A ∫ ydA ; A = ∫ y(x)dx
a a a
Com a figura plana limitada por y(x) definida no intervalo [a,b] e pelas retas:
{(x,y): y = 0}; {(x,y):x = a} e {(x,y):x = b}
29
De acordo com Bruner (1998, p. 32), “apreender a estrutura de uma disciplina é compreendê-la de
um modo que permita que muitas outras coisas com ela significativamente se relacionem. (grifo
nosso).
30
No apêndice 1 encontra-se uma solução do problema proposto aos alunos fazendo uso de técnicas
do cálculo integral. São discutidos, também, outras abordagens geométricas e processos heurísticos
utilizados na determinação do centro de gravidade de figuras planas.
165
problemas propostos.
posição do centróide de uma figura mais simétrica, a forma “,”, tendo ela todos os
paralelos entre si. Desse modo, ao se considerar que a figura “T” pode ser
imaginada como o formato “,” sem um dos seus “braços”, então o centro de
O grupo era formado pelos alunos: Arnon Lima, Ezequiel da Silva, Otávio Castor de Abreu Júnior e
31
Reinaldo Ferreira.
166
n n
x = Σ Aixi / Σ Ai e y = Σ Aiyi / Σ Ai
i=1 i=1
com (xi,yi) sendo as coordenadas cartesianas dos centros de gravidade das n partes
componentes e Ai as áreas das mesmas.
que lhe corresponde. Com um dos grupos que fez uso do algoritmo, localizando
direção paralela ao seu lado maior. Observei uma dificuldade dos alunos na
equilíbrio dos momentos das partes, quando uma delas tem a sua área aumentada.
centro de gravidade num ponto eqüidistante daqueles dos centros de gravidade dos
32
O componente curricular Gravitação e leis de conservação ministrado, também, no segundo
semestre letivo do curso.
167
me levou a pensar numa quarta figura plana a ser proposta como situação-problema,
ilustrada nesta página. A seguir, foram traçados segmentos de retas pelos pontos 1
33
Na figura em forma de “T” proposta, as dimensões dos lados de cada um dos retângulos que a
compunham eram 30 cm e 10 cm. Desse modo, o centro de gravidade da figura “T”, composta por
tais retângulos, localiza-se sobre o seu eixo de simetria, a uma distância de 25 cm da base da figura.
Uma vez que os centros de gravidade dos retângulos “vertical” e “horizontal” localizam-se,
respectivamente a 15 cm e a 35 cm da base da figura, a média aritmética dessas distâncias é
(15+35)/2 = 25 cm, igual à localização do centro de gravidade da própria figura. Nota-se, ainda, que
esse ponto não se encontra sobre o segmento de reta localizado na junção dos dois retângulos, como
foi sugerido por alguns alunos, mas 5 cm “abaixo” deste.
34
Para a situação proposta em que os “braços” da figura em forma de “L” mediam, ambos, 30 cm de
comprimento e 10 cm de espessura, as coordenadas (x,y) do centro de gravidade, para um sistema
de referência cartesiano tomado a partir das retas perpendiculares que constituem os lados maiores
do polígono “L”, são (11, 11) – medidas em cm. Portanto, estão localizadas num ponto exterior à
figura.
35
O mesmo grupo de alunos descrito na nota 31, p. 165.
168
centro de gravidade da figura “L”. Também foi traçado o eixo de simetria da figura, o
que indica que o grupo esperava obter o centro de gravidade do “L” localizado sobre
este eixo.
científica foi defendida por Feyerabend (1977). Ele considera que a argumentação
de Galileu a favor das idéias de Copérnico teria sido baseada em hipóteses ad hoc
36
O “argumento da torre” utilizado pelos aristotélicos à época de Galileu pretendia comprovar a
imobilidade da Terra considerando o caráter absoluto de todo movimento e a partir do fato de que um
corpo em queda livre mantém-se numa trajetória vertical e perpendicular à superfície terrestre.
Argumentando em termos da relatividade do movimento e admitindo a “inércia circular”, Galileu
considerou que o observador fixo na Terra e o planeta partilham de parte do movimento da pedra. A
percepção da queda livre da pedra pelo observador terrestre é devida à componente do movimento
que esta não compartilha com o planeta e com o observador. Assim, uma experiência que parece
contradizer o movimento da Terra é utilizada por Galileu para comprová-lo. Para Feyereband (1977,
p. 245):
Galileu, convencido da verdade da doutrina copernicana e sem acompanhar a comum, mas não universal, crença em
uma experiência assentada, buscou novos tipos de fatos [por exemplo, a realidade apenas do movimento relativo],
suscetíveis de dar apoio a Copérnico, mas que fossem de aceitação geral.
37
Os aristotélicos do século XVII consideravam a distinção entre os corpos celestes e terrestres.
Desse modo, havia motivos para supor que o telescópio interferia com aquilo que observava no céu.
Além do mais, o telescópio ampliava a imagem da Lua, mas não a das estrelas. Assim, segundo
Feyereband (1997), Galileu teria aceitado a validade do que viu pelo telescópio em virtude dessas
observações se ajustarem à doutrina copernicana.
169
cientistas, mas lhe atribui um papel mais restrito. Segundo ele, a utilização dessas
conhecimento.
38
Popper concebe uma assimetria entre a verificabilidade e a falseabilidade de uma teoria,
considerando apenas a validade dedutiva da falsidade dos enunciados universais contraditados por
enunciados singulares que sejam validados experimentalmente.
170
o equilíbrio dos planos que pesos iguais a distâncias iguais de um mesmo ponto de
acordo com Mach (1942), quando o observador se localiza no plano de simetria, que
39
O princípio da razão suficiente, nesse caso, se refere à inexistência de razões para a ocorrência de
rotação do sistema num ou noutro sentido, em virtude do arranjo simétrico inicial de todo o sistema.
40
Heath (1960, p. 75) resume as proposições 6 e 7 do livro I de Sobre o equilíbrio dos planos: “duas
magnitudes, sejam comensuráveis ou incomensuráveis, se equilibram em distâncias reciprocamente
proporcionais às magnitudes”.
171
os princípios da Gestalt41. Para ele, essa situação corrobora o caráter estrutural que
simétrica, elas tendem a focalizar o seu ponto central. Ao trabalhar com barras não
homogêneas, uma atitude experimental das crianças do tipo “tentativa e erro” as leva
mesmas, por exemplo, ao pintar suas metades com cores diferentes. Consideram-
se, ainda, dois grupos distintos de crianças: um no qual o limite das regiões pintadas
41
De acordo com Köhler (1980) o substantivo alemão “gestalt” tem os significados de “forma” ou
“feitio” atribuído às coisas, assim como o de uma unidade concreta per se com a forma como uma de
suas características. Exemplos de tais unidades ou produtos de organização são as qualidades:
“simples”, “complicado”, “regular”, “harmonioso”, “simétrico” etc. Para Wertheimer (19--), a
preocupação principal dos gestaltistas era com o pensamento, questões filosóficas e a aprendizagem
e não apenas os problemas da percepção.
172
coincidissem com o limite entre as regiões pintadas com cores diferentes seriam
crianças?
42
Wertheimer (1959) ilustra sua concepção da relação “ρ” com o processo de estimativa da área de
um retângulo adotado por uma criança. A obtenção da área, A, relaciona-se à apreensão da forma
retangular composta de colunas com igual número, a, de pequenos quadrados. O comprimento de um
dos lados do retângulo coincidente com o número de quadrados compondo a coluna. A área
retangular é o número de quadrados em cada coluna vezes o número de colunas, b. Assim, a x b
como a área, A, do retângulo constituiu um produto entre duas grandezas funcionalmente diferentes e
estruturalmente articuladas pelo “todo”, ou seja, a forma do retângulo.
43
O associacionismo na psicologia relaciona-se à abordagem do fenômeno mental em termos da
interligação ou soma total de seus elementos componentes. Assim, na associação por contigüidade,
as idéias sobre eventos simultâneos tendem a se correlacionar na mente. As idéias, por sua vez, são
remanescentes da percepção. Um desdobramento dessa concepção é o comportamentalismo
(WERTHEIMER, 19--).
173
das idéias [...] orientam o pensamento na sua elaboração para uma ‘boa forma’”.
imaginação, o senso estético, a simetria etc. Pois esses valores originaram, segundo
O fato de seu profundo irracionalismo não ter jamais prejudicado, mas ao contrário, seu poder
heurístico parece indicar que o espírito humano está ainda longe de se encontrar à altura da
lógica que ele criou e que continua sendo ainda estranha para ele, como um produto artificial:
rigor e abstração acham-se entre os produtos mais refinados da civilização.
figuras planas.
Uma figura é dita simétrica com respeito a um eixo se, para qualquer ponto
dessa figura existe um outro, também sobre a figura, tal que uma linha unindo
44
Ao modo mitopoético de pensamento, Moles (1998) associa uma lógica primitiva de racionalização
que ele considera como fonte arquetípica de todos os demais sistemas de pensamento. Ela
comporta, dentre outras características, um encadeamento lacunar de idéias, uma suspensão do
princípio de não-contradição ou de dicotomia (terceiro excluído) e submete-se a uma psicologia
profunda do corpo social. É a primeira modalidade de coerção racional.
174
centróide localiza-se sobre tal eixo, ou seja, o eixo de simetria também é um eixo de
com a coordenada equivalente negativa. Disso segue que a integral ∫ xdA ou ∫ ydA
também será nula, indicando que o centróide está localizado sobre o eixo de simetria
em consideração.
equivalentes, o que não corresponde a afirmar que qualquer figura dividida em duas
gravidade que coincide com o segmento de reta que a dividiu. Talvez, os alunos
Figuras que apresentam dois ou mais eixos de simetria têm o seu centro de
gravidade localizado na interseção dos mesmos. É o caso dos círculos, das elipses,
Há, ainda, figuras tidas simétricas com respeito a um centro. Nesse caso,
para cada elemento de área, dA, de coordenadas (x,y) existe um outro elemento,
175
dA’, com coordenadas (-x,-y). Desse modo, ambas as integrais ∫ xdA e ∫ ydA se
gravidade dos retângulos componentes, havia deixado dúvidas sobre uma possível
generalização desse procedimento pelos alunos. Considerei que uma figura não
irregular como ocorrido nas duas primeiras versões do curso. A descrição por Driver
(1983) da situação escolar envolvendo o círculo com um longo “braço” acoplado foi
seguinte figura:
45
É interessante notar que uma figura com centro de simetria não possui, necessariamente, eixos de
simetria (por exemplo, a forma “N”) enquanto uma outra que possui dois ou mais eixos de simetria
não possui, necessariamente, um centro de simetria (por exemplo, um triângulo equilátero). Apenas
quando uma figura possui dois eixos de simetria perpendiculares entre si, o ponto de interseção
desses eixos é o centro de simetria da figura (por exemplo, na forma “H”).
46
O procedimento executado sobre a figura, dividindo-a em dois triângulos, um retângulo e dois semi-
círculos, foi desenvolvido pelo grupo de pesquisa formado pelos alunos: Alisson Pongeluppe, Rômulo
Ferreira, Leandro Morales e Washington Gomes.
176
opostas da figura e com metade das circunferências que delimitam tais círculos se
da figura, suposta uma “maçaneta” simétrica com relação ao seu eixo longitudinal,
estaria localizado no ponto médio (p.m.) do segmento de reta que une os centros
dos dois círculos de áreas iguais. Uma vez que os círculos “visualizados” devem ter
diferença dos raios dos círculos, (R-r), medida esta estimada de modo ad hoc pelo
grupo.
47
O grupo em questão era composto pelos alunos Alex de Souza Braga, Daniel Correa, Fradman
Sampaio e Marcelo Muniz.
177
deslocamento (R-r) em relação ao p.m. alegado pelo próprio grupo. Por outro lado,
R e r (com R > r) e cujos centros estão separados por uma distância L, o centro de
da sua área total, também aplicável à estimativa do momento de uma figura plana.
48
A divisão de figuras em um número infinito de retas como procedimento antecipatório das técnicas
de integração é devido a Bonaventura Cavalieri (1598-1647) e John Wallis (1616-1703) dentre outros.
Para Blaise Pascal (1623-1662), um semicírculo, por exemplo, é constituído pela soma de um número
indefinido de retângulos formado por cada ordenada e por pequenas porções iguais no qual o
diâmetro é dividido. Uma figura plana constituída desse modo difere, em área, da do semicírculo por
menos que qualquer quantidade desejada (BARON,1985).
178
trabalho.
pensar.
179
Utilização de procedimentos ad hoc na determinação dos centros de gravidade das diversa figuras planas.
49
Como a decomposição da figura em retângulos de larguras iguais e alturas proporcionais,
respectivamente, às ordenadas locais da função que delimita a parte curva da figura irregular e a
operacionalização do problema segundo as coordenadas cartesianas da geometria analítica.
180
específico.
Por outro lado, a educação dialógica não se constrói sem tensões com
virtude de uma longa vivência escolar pautada por um currículo escolar concebido e
alegando que ela não otimiza o tempo e o aprendizado. Essas atitudes dos
dos casos, é possível reverter esse quadro de expectativa dos licenciandos a partir
sentido, partilhar com os alunos as apreensões acerca dos seus próprios atos
cognitivos, heurísticos, das suas dificuldades e das soluções que obtiveram, é uma
181
conhecimento.
À parte essas dificuldades, Freire (1985) explicita sua crença numa educação
que se faz com os educandos e não para eles ou sobre eles. Assim, o relato dos
educador que ocorre no ato educativo. Não é pressuposto que o relato se reporte a
grandes desafios intelectuais para o educador. De acordo com Freire (1985, p. 44):
[...] é o próprio processo de ensinar que o ensina [o professor] a ensinar. [...] ele aprende com
aquele a quem ensina, não apenas porque se prepara para ensinar, mas também porque
revê o seu saber na busca do saber que o estudante faz.
educação, segundo o qual, o educador não deve se negar a propor questões aos
educandos, assim como não pode se recusar a discutir aquilo que propôs. Do
cognitiva e intelectual como aporte para a vida prática dos alunos mas, segundo
182
uma perspectiva dos valores da educação, como uma construção de juízos acerca
deter apenas nas qualidades mentais dos pretendentes a futuros professores, mas
que apelasse aos seus corações e a outras vísceras. De acordo com ele:
Estas escolas exigem professores que não só dominem a matéria e não sejam meros
gramofones técnicos, mas requerem também homens decididos, vivos, ardentes, verdadeiros
artistas capazes de aproveitar o momento propício para o ensino, educadores que saibam
cativar o aluno mesmo quanto este dá mostras de indiferença ou desatenção pela matéria.
São desafios à educação dialógica que ainda persistem nos dias atuais.
50
Em corroboração a tal perspectiva, é apresentada no apêndice 2, uma seleção de situações-
problemas colhidas em livros de divulgação científica e em obras clássicas referentes à localização
do centro de gravidade de figuras planas. Elas foram selecionadas em função de suas formulações
imaginativas e criativas, verdadeiras “curiosidades epistemológicas”, ao estimularem a reflexão e a
problematização do tema, favorecendo a significação dos conceitos científicos pela atividade do
pensamento.