Caos Criatividade e Ambientes de Aprendizagem
Caos Criatividade e Ambientes de Aprendizagem
Caos Criatividade e Ambientes de Aprendizagem
Resumo – Nesse trabalho procuramos tematizar as seguintes perguntas: Existe diferença entre
ambientes e comunidades de aprendizagem? Como essas diferenças se instituem? Porque a
cooperação é tão importante no contexto de ambientes de aprendizagem? Como as tecnologias
podem ser mais eficientemente utilizadas no suporte aos ambientes de aprendizagem? Os
ambientes de aprendizagem necessitam de gerentes, orientadores ou mediadores? Qual o impacto
que as tecnologias de informação podem provocar no ambiente organizacional das instituições?
Em que medida as tecnologias de informação podem auxiliar gerentes, orientadores e mediadores
de ambientes de aprendizagem? Como planejar ambientes de aprendizagem? Como constituir
ambientes de aprendizagem? As reflexões apresentadas no texto, assim como outras questões
emergentes, constituem a síntese, mesmo que provisória, de uma série de diálogos estabelecidos
entre os autores assim como a fundamentação teórica da lógica rizomática de ambientes de
aprendizagem. Essa lógica é produto da conexão das lógicas do terceiro incluído e da
complexidade e sua compreensão pode ser facilitada segundo a ótica do caos. Esse trabalho
busca estimular outras pessoas a continuarem na busca de respostas para essas perguntas em
suas próprias mentes e com seus grupos de referência.
Introdução
Quando conjuntos de dados são observados e um comportamento
óbvio/conhecido não pode ser identificado, esses dados são classificados como
caóticos. Em geral, esses dados projetam formas que possibilitam identificar um
atrator caótico (modelo de comportamento) e bifurcações (transformações radicais
de comportamento). Assim, se analisarmos o tempo segundo a ótica do caos, o
tempo é um múltiplo topológico sobre o qual fluem os eventos, em cuja superfície
a novidade constitui um atrator. O atrator puxa as coisas para si, mas não ao
longo de uma trajetória direta. Elas precisam seguir o curso do múltiplo topológico
do tempo; têm que entrar no labirinto, nos intrínsecos do vir-a-ser a fim de
alcançar o atrator.
O problema da flecha do tempo sempre fascinou nosso espírito. No nível
microfísico, ela caracteriza-se pela irreversibilidade do tempo. Por outro lado, o
nível macrofísico caracteriza-se pela reversibilidade do tempo, ou seja, um filme
rodado no sentido inverso produz as mesmas imagens que quando rodado no
sentido correto. Independente do nível micro/macrofísico considerado, a flecha do
tempo está associada à entropia e, portanto, ao crescimento da desordem.
Se considerarmos a flecha do tempo associada à variação da quantidade
de informação através dos tempos, constatamos uma alternância entre momentos
de alta e baixa entropia. Nos momentos em que o volume de inovação é alto, o
grau de entropia aumenta, a informação é degradada, a novidade se perde e há
uma tendência recidivista. Geralmente, esses momentos são seguidos por outros
onde o grau de entropia cai abruptamente e isso ocorre ao longo da esteira do
tempo até atingir um marco de estabilidade (ou marco zero). Então, a ordem se
restabelece, as coisas se estabilizam e grupamentos sociais emergem com
estados superiores de ordem devido à intensa sinergia necessária para superar
esses momentos. A superfície temporal fractal associada a essa flecha do tempo
define um múltiplo topológico que possibilita visualizar essa alternância de
momentos.
Ambientes de aprendizagem baseados em Tecnologias de Informação e
Comunicação (TICs) são naturalmente associados a uma estrutura organizacional
aberta em rede, onde o enfoque está na formação do ser humano enquanto
participante de grupos sociais. Neste ponto, a problematização fundamental que
se apresenta é a concepção da existência do outro, pois implica em mudanças do
próprio modo de funcionamento da subjetividade, já que inclui o questionamento
de uma certa concepção de mundo, de homem, de educação. A construção dessa
estrutura, assim como sua utilização, necessita de aportes bem específicos os
quais inclui o uso de uma superfície fractal temporal para auxiliar na compreensão
da alternância de momentos de alto e baixo grau de entropia. A alternância de
momentos é descrita por trajetórias cuja lógica é a lógica do terceiro incluído1, a
qual é capaz de promover a conciliação de opostos (Basarab, 1999). Para
compreender essa lógica é necessário admitir que existe mais de um nível de
Realidade, ou seja, os termos (A, não-A, T) são representados pelos ângulos de
um triângulo, onde um dos ângulos situa-se em um dos níveis de Realidade e os
outros dois em outros níveis de Realidade.
Segundo a lógica do terceiro incluído os opostos não são contraditórios; a
tensão entre os contraditórios promove uma Unidade mais ampla que os inclui.
Essa lógica não elimina a lógica clássica, ou seja, a lógica do terceiro excluído2
apenas limita sua validade, pois existem situações relativamente simples como,
por exemplo, o sentido permitido/proibido para circulação de veículos numa
1 A lógica do terceiro incluído baseia-se em três axiomas: (1) axioma da identidade: A é A; (2) axioma da
não-contradição: A não é não-A; (3) axioma do terceiro incluído: existe um terceiro termo T que é ao mesmo
tempo A e não-A.
2 A lógica do terceiro excluído baseia-se em três axiomas: (1) axioma da identidade: A é A; (2) axioma da
não-contradição: A não é não-A; (3) axioma do terceiro excluído: não existe um terceiro termo T que é ao
mesmo tempo A e não-A.
estrada que ninguém pensa em introduzir um terceiro sentido; e situações mais
complexas como, por exemplo, no campo social ou político no qual a lógica do
terceiro excluído age com uma verdadeira lógica de exclusão: direita ou esquerda,
homens ou mulheres, bem ou mal, certo ou errado. As limitações provenientes da
lógica clássica se originam da premissa de que o tempo é representado por um
vetor – flecha do tempo – onde os pontos representam sucessiva e
indefinidamente os momentos passados, presentes e futuros. O tempo torna-se
assim um simples parâmetro (da mesma maneira que uma posição no espaço)
que pode ser facilmente compreendido pelo pensamento e perfeitamente descrito
no plano matemático cartesiano. Essa simplificação ocorre à luz da hipótese de
existência de um único nível de Realidade e produz a impressão de que pares
antagônicos (A, não-A) são mutuamente exclusivos e, portanto, não podem existir.
O extraordinário da lógica do terceiro incluído é que tudo se esclarece
quando consideramos o papel do tempo, pois ela é capaz de promover a
conciliação dos opostos enquanto a lógica clássica é incapaz de fazê-lo. Os
opostos não são contraditórios; a tensão entre os contraditórios promove uma
Unidade mais ampla que os inclui.
Nesse texto, apresentamos o registro da trajetória percorrida pelos autores
na busca por ambientes de aprendizagem, que estimulem a participação e a
intervenção, ofereçam a possibilidade de ações independentes e cooperativas,
estimulem processos de pensamento, fomentem o pensar sobre o próprio
processo de aprendizagem, estimulem a resolução individual e coletiva de
problemas e, mais do que isso facilitem a aprendizagem para lidar com o
inusitado, com a instauração permanente de questões, pois mais do que
responder importa saber perguntar, levantar hipóteses, investigar e criar caminhos
que possibilitem o exercício de estratégias de convívio no mundo virtual. Esse
registro tem como cenário a superfície temporal fractal com seus múltiplos
topológicos associada à estrutura organizacional aberta em rede de ambientes
suportados pelo uso de tecnologias de informação e comunicação.
3 Software projetado para permitir que grupos, eletronicamente conectados, organizarem suas atividades. Essa
conexão pode ocorrer através da Intranet (operação provada de Internet de acesso restrito a uma organização e
cujos protocolos de comunicação são os mesmos da Internet), de uma Internet ou de uma Extranet (redes de
computadores com dispositivo de segurança/senha que possibilita a comunicação apenas entre os membros de
um grupo restrito). Esse software facilita a organização de encontros e a alocação de recursos; contatos
Cooperative Work)4 e CSCL5 (Computer-Supported Collaborative Learning). A
coordenação desses ambientes baseia-se na percepção de informações que
fluem entre os participantes e isso só ocorre quando um processo de comunicação
se estabelece através de uma plataforma de groupware (comunicação
síncrona/assíncrona mediada por computador). O conceito de CSCW é utilizado
para agregar ao ambiente a possibilidade de trabalho cooperativo, no qual a
informação gerada é coletada e apresentada para ao grupo através de
mecanismos de comunicação e cooperação – comunidade virtual. A possibilidade
de transposição do modelo de ambiente centrado em atividades (ambiente de
ensino) para modelo de ambiente centrado em processos (ambiente de
aprendizagem) ocorre através do uso do conceito de CSCL, baseado na teoria
sociocultural (Vygotsky); do reconstrutivismo6, construtivismo7 e da auto-regulação
da aprendizagem; da cognição e aprendizagem baseada em superação de
problemas, focando-se na aprendizagem de lidar com questionamentos, com o
engendramento de questões outras que nos façam avançar para outros
patamares, platôs; da flexibilidade cognitiva (Salomon); da cognição distribuída –
que vem a configurar, em sua multiplicidade, uma comunidade virtual de
aprendizagem.
através de correio eletrônico; distribuição de arquivos e proteção com senha de documentos que serão
compartilhados.
4 Rede de computadores planejada para suportar o trabalho em grupo, onde o foco das atenções está nas
estratégias de comunicação.
5 Redes de computadores planejadas para suportar o trabalho simultâneo de vários grupos, cada um dos quais
com objetivos bem definidos, e cujo foco das atenções está no que está sendo comunicado.
6 Monteiro( ), Ibanez Garcia ( ) afirmam...
7 ...
o grupo a fim de desencadear ações (tentativa para "garantir" a ação significativa
dos sujeitos) nas quais, também está imerso. Nessa transitividade, o papel de
sujeito transversaliza-se entre os participantes. Assim, sua ação visa: provocar,
dispor e interagir.
8. Considerações finais
Nesse trabalho, falamos de um local que pressupõe a constituição de uma
cultura de utilização de TICs na realidade educacional brasileira. É desse lugar,
dessa plataforma, desse ângulo que falam os autores deste trabalho. É também
na linha defendida por Azevedo (2001) ao apresentar processos e pressupostos
na constituição de ambientes de aprendizagem de cursos na modalidade a
distância. Os mitos, preconceitos e as certezas tão arraigadas numa relação de
ensino presencial ficam tensionados quando se penetra no universo virtual que, o
qual possui outros regimes de sentido, potencializa práticas (e seus pressupostos)
que fazem parte do dia-a-dia da profissão docente face as problematizações e
campos de existência presentes na modalidade de educação a distância. Muito
mais que buscar soluções para problemas, importa-nos a criação de dilemas,
problematizações e práticas, acontecimentos que emergem no cotidiano
(Foucault, 2000; Cardoso, 2001).
A vivência dessa proposta têm-nos possibilitado considerar a idéia de
Maturana e Varela (1995), quando dizem: “aquilo que acontece em um sistema,
num dado momento, depende de sua estrutura nesse momento”. O enfrentamento
das contradições, das ambigüidades, das dúvidas, das certezas, expostas em nós
mesmos e as situações paradoxais com que nos deparamos, nas minúcias do
cotidiano, nos fazem experienciar um processo de auto-produção no qual somos,
ao mesmo tempo produtor e produto.
Mas, onde queremos chegar apresentando processos de apropriação
tecnológica, entendimentos sobre ambientes de aprendizagem, bases
organizacionais não usuais associadas a lógicas não convencionais, enfoques
distintos sobre cooperação? Bem, talvez a um espaço neutro de forças cósmicas
ou a uma dobra temporal onde co-habitem Gaia, Caos e Eros – enquanto
conceitos de terra, céu e espírito, respectivamente – possibilitando a reconciliação
entre ciência e espírito através da revolução de nossa visão sobre como as
Tecnologias de Informação e Comunicação podem contribuir para a revolução da
educação. Ou quem sabe, introduzir, assim como Henri Bergson (1992), o
conceito de evolução como criatividade, como criação em movimento
potencializado pelas Tecnologias de Informação e Comunicação. Não existe
resposta única para essa pergunta, pois à semelhança dos princípios quânticos,
segundo os quais o tempo é uma sucessão de resultados diferentes e maleáveis,
buscamos apenas lembrar a todos de que as possibilidades de uso de tecnologias
são, na verdade, determinadas por escolhas coletivas e que ao tomarmos juntos a
mesma decisão, muitos indivíduos ampliam seu efeito, aceleram seu resultado e
criam outras potências, sempre políticas, sempre carregadas de intenções, assim
como de limiares de tensões.
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