Antropologia e Museus
Antropologia e Museus
Antropologia e Museus
Resumo: O presente artigo objetiva discutir e refletir sobre a noção de patrimônio cultural
enquanto construção social, bem como categoria educativa para a formação dos cidadãos,
através da política pública nacional idealizada pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional), denominada Educação Patrimonial. Assim, propõem-se alguns
questionamentos elementares para compreender os diferentes campos, agentes e interesses
vinculados ao Patrimônio Cultural Brasileiro, tais como: a noção de cultura para o senso comum
e para a Antropologia; o que vem a ser o Patrimônio Cultural; a contribuição da Antropologia no
campo patrimonial; o que é a Educação Patrimonial e qual o seu papel como ação educativa
para proteger e preservar o Patrimônio Cultural Material e Imaterial Nacional.
Abstract: This article aims to discuss and reflect about the notion of cultural heritage as social
construction, as well as educational category to formation of citizens, through the National Public
Policy idealised by Iphan (Historical and Artistical National Heritage Institute), called Patrimonial
Education. Thus, some elementary questionings are proposed in order to understand the different
fields, agents and interests that are linked to the Brazilian Cultural Heritage such as: the notion of
culture for common sense and for anthropology; the meaning of cultural heritage; the contribution
of anthropology into the patrimonial field; What heritage education is; and what is its hole as an
educational action to protect and preserve the tangible and intangible national cultural heritage.
1Cientista Social e Mestre em Sociologia pela Universidade Estadual Paulista - Júlio de Mesquita Filho. Faculdade
de Ciências e Letras. Campus de Araraquara/SP - (UNESP).
ANTROPOLOGIA, PATRIMÔNIO CULTURAL E
EDUCAÇÃO PATRIMONIAL
ANTROPOLOGIA E CULTURA
O significado etimológico da palavra Antropologia, segundo Araújo (2016), compreende a
união dos vocábulos gregos anthropos (homem) e logos (razão/estudo).
No geral, podemos definir a Antropologia como a ciência que estuda o ser humano em
suas esferas biológica, social e cultural. Para a realização de estudos sobre cada esfera citada,
faz-se necessário o domínio de conhecimento científico, além de objeto e métodos próprios.
A referida autora apresenta algumas definições das diferentes tipologias antropológicas: a
Antropologia Física estuda aspectos genéticos e biológicos relacionados ao ser humano; a
Antropologia Social dedica-se aos estudos referentes à organização social e política, questões
relacionadas ao parentesco, bem como às instituições sociais; já a Antropologia Cultural volta
suas pesquisas aos sistemas simbólicos, a religião e, também, ao comportamento em diferentes
culturas.
A Antropologia compartilha muitos estudos e pesquisas com a Arqueologia, ciência que se
dedica aos estudos das condições de existência dos agrupamentos humanos já extintos,
baseando-se em seus vestígios materiais.
Segundo Araújo (2016), desde a Antiguidade Clássica é possível identificar elementos do
que hoje compreendemos como pensamento antropológico. Pensadores e filósofos deste
período lançavam questões referentes ao ser humano e à vida partilhada. A Antropologia surgiu
como ciência no contexto do Iluminismo. Viagens com o objetivo de explorar e colonizar
chamaram a atenção dos europeus sobre outros povos e suas respectivas culturas. Durante o
século XV, cabia aos viajantes, missionários e cronistas observar, ouvir e registrar a maneira
como os diferentes povos viviam no mundo todo. No Brasil, não foi diferente, pois, de acordo
com Araújo (2016), o viajante e cronista alemão Hans Staden (1524-1576), em Duas viagens ao
Brasil (1557), descreveu a maneira de viver dos indígenas. O pintor, desenhista e viajante
francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848) registrou desenhos sobre indígenas, a flora, a fauna e
o relevo em sua obra Viagem pitoresca ao Brasil, elaborada entre 1834 e 1839.
Charles Darwin, durante o século XIX, contribuiu com a sistematização do pensamento
biológico na Antropologia, em A origem das espécies (1859). Émile Durkheim ao apresentar seus
estudos sobre os fatos sociais e sua proposta sobre o método sociológico acabou influenciando
o etnólogo francês Marcell Mauss (1872-1950) a pesquisar as representações primitivas do fato
social total, despertando o interesse de Mauss para estudos referentes às formas de magia.
isto sua capacidade de compreender ou organizar certos dados e situações. Cultura aqui é
Mas a grande descoberta antropológica, segundo Da Matta (1999), é que todo o mundo
apenas de um processo ou de certos traços de qualidade que podem ser achados, adquiridos,
ensinados ou perdidos, esquecidos e aprendidos, mas de um estado.
De acordo com Laraia (2003), a cultura é um tema ligado à Antropologia desde seus
primórdios e tem sido objeto de reflexões no decorrer de seu desenvolvimento enquanto ciência.
Muitas são as teorias sobre cultura, das clássicas às modernas, todas buscaram compreender o
conceito de cultura e à Antropologia Moderna coube a tarefa de reconstruir tal conceito.
A antropóloga americana Ruth Benedict, em O crisântemo e a espada (2011), escreveu
que a cultura é como uma lente através da qual o homem vê o mundo.
Devemos considerar que a cultura condiciona a visão de mundo do homem. Ainda de
acordo com Laraia (2003), homens de culturas diferentes usam lentes diversas e, assim,
apresentam visões diferentes e desencontradas sobre a maneira de viver em sociedade.
Além das pesquisas e reflexões acadêmicas para designar o termo cultura, encontramos,
também, órgãos oficiais de Estado, responsáveis pela salvaguarda da cultura material e
imaterial, em diversos países que procuram conceituar o que vem a ser cultura.
A Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural (2002), elaborada pela Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) com sede em Paris,
fundada em 4 de novembro de 1946 com o objetivo de contribuir para a paz e segurança no
mundo, compreende a cultura como o conjunto dos traços distintivos espirituais e materiais,
intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abrange, além
das artes e das letras, os modos de vida, as maneiras de viver juntos, os sistemas de valores, as
tradições e as crenças.
No Brasil, a Constituição Federal (1988), em seu artigo 216, entende por cultura: todas as
ações por meio das quais os povos expressam suas formas de criar, fazer e viver.
A NOÇÃO DE PATRIMÔNIO
Entende-
expressões, conhecimentos e técnicas junto com os instrumentos, objetos,
artefatos e lugares culturais que lhes são associados que as comunidades, os
grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu
patrimônio cultural. Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de geração
em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de
seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um
sentimento de identidade e continuidade e contribuindo assim para promover o
respeito à diversidade cultural e à criatividade humana. Para os fins da presente
Convenção, será levado em conta apenas o patrimônio cultural imaterial que seja
compatível com os instrumentos internacionais de direitos humanos existentes e com
os imperativos de respeito mútuo entre comunidades, grupos e indivíduos, e do
desenvolvimento sustentável. (Unesco, 2003: 4).
Figueira (2012) afirma que, no Brasil, a temática do patrimônio começou a ser considerada
politicamente, com o envolvimento do Estado, a partir da década de 1920. De acordo com
Fonseca (2009), tal prática deve priorizar sua análise à luz de dois fatos: o primeiro refere-se ao
movimento modernista, cujos intelectuais foram os protagonistas dos projetos patrimoniais por
ocuparem as direções dos órgãos nacionais criados para a gestão do patrimônio no Brasil. O
segundo fato refere-se à ambiência histórica do Estado Novo, à ditadura de Getúlio Vargas
(1937-1945), período fortemente marcado pela censura, mas, ao mesmo tempo, espaço aberto
para a realização de projetos.
Vale ressaltar, conforme Rotman e Castells (2007), que o afastamento entre material e
imaterial é impraticável, pois esses aspectos estão unidos e se articulam como expressão do
patrimônio cultural:
2 Intitulado: A Antropologia e o Patrimônio Cultural no Brasil, resultado das discussões no GT (Grupo de Trabalho)
Patrimônio Cultural da ABA (Associação Brasileira de Antropologia), em 2006.
3 Vale ressaltar que ano de destaque, seja para a referida associação, seja para o campo do patrimônio cultural, foi
2006, pois sob a presidência da Prof.ª Dr.ª Miriam Pillar Grossi (gestão 2004-2006), foi realizada a 25ª Reunião
Brasileira de Antropologia na cidade de Goiânia GO, no período de 10 a 13 de junho, congregando os associados
Oliveira e Grossi (2007) discorrem sobre uma das grandes contribuições da obra gestada
durante a edição da ABA em 2006, apresentando aspectos relevantes sobre a temática do
patrimônio, especialmente quando abordados sob a perspectiva antropológica. Três são os
aspectos:
(1) a articulação cada vez mais forte entre as noções de bens (inclusive os
imateriais), direitos e identidades nas discussões sobre patrimônio e sua relevância
para o exercício da cidadania na contemporaneidade; (2) a necessidade do diálogo
com outras disciplinas na definição do patrimônio e na elucidação de seus
significados, cujo caráter dinâmico não permite abordagens estáticas nem
classificações definitivas, dada à pluralidade de visões e de experiências do público-
alvo das políticas públicas nesta área; (3) o potencial de interação dos museus com
os cidadãos de uma maneira geral seja por meio de sua identificação com o
material exposto, seja pela possibilidade de contrastar sua visão de mundo e sua
identidade social com as de outros povos. Os três aspectos têm como pano de fundo
o significado da dimensão simbólica da vida social e a importância de atentar para o
ponto de vista nativo marca registrada da Antropologia na compreensão do
patrimônio. (OLIVEIRA e GROSSI; 2007: 8 e 9).
na comemoração dos vinte e cinco anos na realização de congressos e cinqüenta anos de existência da
associação. As discussões realizadas no decorrer do evento resultaram na publicação do livro Antropologia e
patrimônio cultural: diálogos e desafios contemporâneos, organizado por Manuel Ferreira Lima Filho, Jane Felipe
Beltrão e Cornelia Eckert. Nesta obra encontram-se artigos de especialistas brasileiros e estrangeiros quando o
assunto é Patrimônio Cultural.
Antonio Augusto Arantes Neto, orientado por Edmund Leach, defendeu, em 1978, na
Universidade de Cambridge/King´s College, Inglaterra, a tese Sociological aspects of
folhetos literature in Northeast Brazil; mais tarde, em 1984, ele publicou o livro
Produzindo o passado. No ano de 1989, registra-se a tese de doutorado de José
Reginaldo Gonçalves (UFRJ), intitulada Rediscoveries of Brazil: Nation and Cultural
Heritage as Narratives, defendida na Universidade da Virginia (EUA), orientada por
Richard Handler e transformada no livro A Retórica da Perda os discursos do
patrimônio cultural no Brasil (1996). Esses dois trabalhos podem ser considerados
marcos de uma reflexão antropológica sobre o patrimônio no Brasil. Um tema antes
tratado por arquitetos e historiadores passava a ser focalizado sob o viés da
Antropologia. (LIMA FILHO, 2007: 22)
Aqui, cabe indagar qual é o papel da etnografia no campo do patrimônio cultural. Para tal
reflexão, veremos, a seguir, a clássica pesquisa de Gilberto
Velho4, antropólogo brasileiro, publicada, em
O Tombamento do Terreiro de Candomblé Casa Branca Salvador (Bahia).
Em 1984, Gilberto Velho, antropólogo e membro do Conselho do Iphan, teve a
oportunidade de ser relator do tombamento do Terreiro de Candomblé Casa Branca, em
Salvador, na Bahia.
A referida decisão causou grande polêmica na instituição de preservação do patrimônio
nacional, como também na sociedade brasileira, uma vez que as opiniões dos conselheiros eram
divergentes a respeito do ato de tombar um terreiro (considerado por parte destes) um
4 A trajetória acadêmica de Gilberto Velho é vasta, podemos verificar na Plataforma Lattes: Graduou-se em Ciências
Sociais no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (1968). Obteve o
mestrado em Antropologia Social no Programa de Pós-graduação em Antropologia Social do Departamento de
Antropologia do Museu Nacional/ UFRJ (1970). Especializou-se em Antropologia Urbana e das Sociedades
Complexas na Universidade do Texas, em Austin (1971). Doutor em Ciências Humanas pela Universidade de São
Paulo (1975). Foi coordenador do Programa de Pós-graduação em Antropologia Social e chefe do Departamento de
Antropologia do Museu Nacional/ UFRJ. Ex-presidente da Associação Brasileira de Antropologia e da Associação
Nacional dos Programas de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais. Foi vice-presidente da Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência. Foi pesquisador Sênior do CNPq e membro da Academia Brasileira de
Ciências. Também foi membro do Conselho Deliberativo do CNPq, do Conselho do Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional e do Conselho Federal de Cultura. Atuou na área de Antropologia, com ênfase em Antropologia
Urbana, Antropologia das Sociedades Complexas e Teoria Antropológica. Considerado o antropólogo pioneiro nos
estudos sobre a Antropologia Urbana no Brasil. Faleceu em janeiro de 2012.
O antropólogo aponta que o terreiro de Casa Branca apresentava uma tradição de mais
de 150 anos e tinha um papel relevante na simbologia e no imaginário dos grupos ligados ao
mundo do candomblé e aos cultos afro-brasileiros em geral. Diz ainda: do ponto de vista dessas
pessoas o que importava era a sacralidade do te
Afirma Velho (2006): era a primeira vez que a tradição afro-brasileira obtinha o
reconhecimento oficial do Estado Nacional.
Vale ressaltar que os membros do Conselho do Iphan defendiam suas convicções
enraizadas em práticas voltadas para uma política de patrimônio que exaltava monumentos e
símbolos representantes da identidade nacional brasileira, chamada de elitista por vários
estudiosos da área patrimonial. Argumentou-se também que não era possível tombar uma
religião. Velho (2006) descreve que quase todos os presentes na reunião de Salvador
concordavam que era necessário proteger o terreiro, mas alguns insistiam em não se utilizar a
figura do tombamento.
No artigo, o antropólogo destaca que na reunião, sete membros estiveram ausentes e
entre eles, certamente, opositores ao tombamento. O placar final foi apertadíssimo: três
conselheiros votam a favor do tombamento, um contra, dois se abstiveram e um pediu o
adiamento da votação. Finalmente, coube ao Secretário de Cultura do Ministério da Educação,
Marcos Vinícios Vilaça, o voto de minerva e, assim, o tombamento foi aprovado. Velho (2006)
recomendou:
Neste contexto, podemos pensar sobre os interesses dos diferentes agentes sociais frente
à questão do patrimônio, este interpretado como um campo de constante negociação e conflito.
O autor atenta para a posição do cientista social, especialmente, do antropólogo, diante da
complexidade presente nas questões relativas ao patrimônio cultural no Brasil (principalmente
nas cidades) e defende que6:
Ao finalizar o artigo, o antropólogo diz estar convencido que proteger tombando o terreiro
de Candomblé Casa Branca, seja em função dos debates e das polêmicas foi:
5 VELHO, 2006: 4.
6 Ibidem, p. 4.
[...] uma decisão correta em termos de política cultural. Nem sempre temos essa
clareza, mas quando isso é possível devemos nos esforçar para compreender,
mesmo a posteriori, a complexidade das situações e dos conflitos.
Para Amâncio (2014), análises como a de Gilberto Velho mostram a relevância que a
etnografia assume no entendimento das dimensões críticas do patrimônio, das disputas, conflitos
e negociações que o campo do patrimônio encerra.
para os antropólogos, dos clássicos aos contemporâneos, a educação não está restrita ao
espaço formal da escola, ao contrário, mistura-se aos fenômenos da tradição, da transmissão da
cultura, das manifestações rituais, das formas de socialização etc. Assim, podemos considerar
que:
Carlos Rodrigues Brandão (2007: 146), psicólogo e antropólogo brasileiro, relata que
durante muito tempo a Antropologia deixou na penumbra quase tudo o que tem a ver com as
estruturas e relações de reprodução do saber através da socialização escolar de crianças e de
jovens. Isto é: a educação . Acrescenta que ainda hoje é pequeno o interesse da Antropologia
pelo campo educacional.
Para Rocha (2014: 03), a análise de Brandão é relevante frente à educação, porém,
amos para a história da Antropologia e passamos a relativizar o significado da
educação e o da escola no mundo contemporâneo, descobrim
O olhar antropológico sobre a Educação não se restringe ao universo do espaço escolar e,
neste sentido, a educação não-formal passa a ser objeto relevante de análise antropológica.
Carlos Rodrigues Brandão (1983: 9) menciona os processos de transmissão do saber popular no
antes de surgirem as escolas, são os lugares dos rituais os melhores
espaços de trocas de saber. Dançando se sabe e cantando se ensina o saber da história e dos
mitos da tribo
educação nas etnografias clássicas. Parece confirmar exatamente o contrário, ou seja, a sua
inscrição disseminada no cotidiano das sociedades primitivas e tradicionais.
Podemos verificar tal afirmação ao mencionarmos duas pesquisas antropológicas
referentes ao campo educacional: Margareth Mead, com seus estudos sobre a educação no
processo de formação da personalidade em culturas primitivas e contemporâneas, e Florestan
Fernandes, sobre a educação entre os tupinambás.
O antropólogo Gilmar Rocha (2014: 5 s
incomunicáveis, antropologia, educação e patrimônio cultural parecem, ao menos
, afinal,
recebem o título de Villes et Pays d Artet d Histoire, traduzido como Cidade ou país de arte e
história:
Em 1994, a Unesco criou o Young People s World Heritage Education Programme (WHE
Programme), com o objetivo) de incentivar e capacitar os jovens para participar da
conservação do patrimônio frente às constantes ameaças, seja em nível local, seja em nível
global.
De acordo com Oliveira (2011), o programa foi uma resposta ao artigo 27 da Convenção
sobre a Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural (Convenção do Patrimônio Mundial).
O referido programa apresentou uma abordagem mais ampla do que o patrimônio cultural,
abarcando também ecologia e biodiversidade. Seus principais objetivos:
No início dos anos 1980, é criado, pela Fundação Nacional Pró-Memória, o projeto
Interação entre a educação básica e os diferentes contextos culturais existentes no
país que procurava diminuir a distância entre a educação escolar e o cotidiano dos
a
escola. Isto implicava a utilização das artes em geral, assim como dos esportes, dos
museus e dos locais históricos, como ferramentas pedagógicas que
potencializassem o processo ensino-aprendizado. (LIMA FILHO, 2007: 82).
Maria de Lourdes Parreiras Horta, Evelina Grunberg e Adriana Queiroz Monteiro lançaram
o Guia Básico de Educação Patrimonial, publicação considerada pioneira, tornando-se o
principal material de apoio para ações educativas realizadas pelo Iphan.
De acordo com o guia:
O guia ainda é referência para a Educação Patrimonial, porém, com ressalvas por parte
de alguns profissionais atuantes no campo do patrimônio cultural, especificamente com relação à
questão metodológica.
Desde 2014, o Iphan apresentou uma nova perspectiva referente ao conceito e à
metodologia a ser aplicada na Educação Patrimonial, principalmente por esta ter se tornado uma
política pública nacional de preservação do patrimônio cultural material e imaterial.
A partir de debates institucionais, aprofundamentos teóricos e avaliações das práticas
educativas voltadas à preservação do Patrimônio Cultural, o Iphan apresenta a Educação
Patrimonial como:
[...] todos os processos educativos formais e não formais que têm como foco o
Patrimônio Cultural, apropriado socialmente como recurso para a compreensão sócio
histórica das referências culturais em todas as suas manifestações, a fim de
colaborar para seu reconhecimento, sua valorização e preservação. Considera ainda
que os processos educativos devem primar pela construção coletiva e democrática
do conhecimento, por meio do diálogo permanente entre os agentes culturais e
sociais e pela participação efetiva das comunidades detentoras e produtoras das
7 Ibidem; p. 6.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No trabalho ora apresentado, procuramos discutir e refletir sobre a noção de patrimônio
cultural enquanto uma construção social, bem como uma categoria educativa para a formação
dos cidadãos, através da política pública nacional idealizada pelo Iphan, denominada Educação
Patrimonial. Assim, buscamos alguns questionamentos elementares para compreender os
diferentes campos, agentes e interesses vinculados ao Patrimônio Cultural Brasileiro.
Apresentamos breve noção de cultura para o senso comum e para a Antropologia; o que vem a
ser o Patrimônio Cultural; a contribuição da Antropologia no campo patrimonial; o que é a
Educação Patrimonial e qual o seu papel como ação educativa para proteger e preservar o
Patrimônio Cultural Material e Imaterial Nacional.
Foi possível compreender que ao longo da história a noção de Antropologia, Patrimônio
Cultural e, mais recentemente, de Educação Patrimonial passou por mudanças conceituais e
metodológicas e, também, que o campo do patrimônio cultural e da Educação Patrimonial
encontram-se em constante construção, sem delimitações cerradas.
A partir da pesquisa publicada pelo antropólogo brasileiro Gilberto Velho (2010) sobre o
tombamento de um terreiro de candomblé, em Salvador, na Bahia, passamos a compreender
que o campo do patrimônio cultural é um espaço constante de negociação, de conflito e de valor.
Assim, podemos dizer que a Cultura, o Patrimônio Cultural e a Educação Patrimonial são
campos polissêmicos, de caráter interdisciplinar e político, uma vez que os diferentes agentes
sociais buscam realizar seus próprios interesses.
A Educação Patrimonial enquanto uma política pública nacional é defendida pelo Iphan
como: processos educativos formais e não formais que têm como foco o Patrimônio Cultural,
apropriado socialmente como recurso para a compreensão sócio-histórica das referências
culturais em todas as suas manifestações, a fim de colaborar para seu reconhecimento, sua
valorização e preservação
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