1 Cap
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Sobre esses dados da carga horária, desses 40%, devem estar inclusos como
componentes obrigatórios Língua Portuguesa e Matemática, que são os únicos dessa
categoria de formação geral da disciplina tidos como obrigatórios no currículo. Com
relação aos 60% do currículo, ficam a cargo dos chamados itinerários informativos, que
são temas relacionados às disciplinas que serão aprofundados nesses itinerários. Como é
possível perceber, esse tipo de reforma está voltado para uma formação de apenas ler e
escrever, basicamente, reduzindo espaço para uma formação integral. Dessa maneira,
voltando para o conceito de código disciplinar de Schmidt, onde ela classifica a crise do
ensino de História no momento que a disciplina desaparece em forma de outras, com essa
reestruturação do ensino médio, poderíamos pensar em uma nova crise do código
disciplinar do ensino de História?
Importa salientar que não se pretende realizar aqui um estudo pormenorizado sobre
o novo ensino médio. Trata-se de poder fazer uma reflexão em torno desse problema pelo
fato dele prejudicar a aplicação de trabalhos desenvolvidos pelos professores de história,
especialmente os vinculados ao ProfHistória, pois a razão da interrogação anterior é que a
disciplina sofreu novamente uma anulação de sua autonomia no currículo, de modo que os
únicos componentes obrigatórios são Língua Portuguesa e Matemática. O ensino de
História fora suprimido, transformando-se em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, ao
lado de Geografia, Filosofia e Ciências Sociais. Nesse sentido, essa reforma se torna um
óbice à concessão de uma natureza emancipatória ao campo do ensino de História, pelo
fato de sua autonomia estar comprometida com a supressão de sua carga horária no espaço
escolar.
Portanto, considerando todo esse contexto explanado, o presente trabalho concorda
com as ideias do autor Dave Hill, a respeito de ser necessário buscar uma forma de
resistência à deformação da educação provocada por essas reformas de viés neoliberal, que
são os espaços educacionais, através, essencialmente, do trabalho dos trabalhadores
culturais, quais sejam, os professores, aliados com toda a comunidade escolar integrada.
Isso significa impor resistência a essa forma de supressão da formação crítica e consciente
dos estudantes.
Por isso, este trabalho destaca a existência histórica das escolas anarquistas
mencionadas pelo fato delas serem um símbolo de luta e resistência contra o sistema
excludente que não considerava os menos favorecidos e não se preocupava com o acesso à
educação de todos. Com isso, estamos novamente diante de um sistema que se pretende
dominante no sentido de diminuir a justiça social e econômica dos menos favorecidos,
utilizando-se da educação como forma de dar hegemonia ao sistema de ideias do capital
opressor, buscando formar uma classe trabalhadora ainda mais precarizada e com menos
consciência social e crítica.
1.2 O contexto social do bairro de Mãe Luiza e suas possíveis implicações na vida dos
alunos da Escola Dinarte Mariz.
O local de investigação, a Escola Estadual Dinarte Mariz, encontra-se localizada no
bairro de Mãe Luiza, Zona Leste de Natal. Esse bairro é caracterizado como região
periférica, e é um espaço tomado por graves problemas sociais, ocasionados pela pobreza
da região, acarretando o agravamento de outros problemas, como os conflitos entre o
tráfico de drogas, principalmente, e a atuação policial no bairro, que é repressiva de um
modo geral. Inicialmente, é pertinente apresentarmos um pouco da história de surgimento
do bairro, assim como algumas de suas características geográficas e sociais, para ambientar
o local de investigação, onde se encontra a escola a ser tratada neste trabalho, pois como
será explanado, não é possível desvencilhar o contexto da escola com a realidade do bairro.
Nesse sentido, Mãe Luiza possui limites geográficos com os bairros Tirol,
Petrópolis e Areia Preta, que são localidades de alta valorização imobiliária da capital. Mãe
Luiza circunscreve-se à margem da Via Costeira que possuía como vegetação e paisagem
originários do tipo de dunas. No entanto, foram tomados pela urbanização turística do
mercado, que aliás, tenta a todo custo, juntamente com o poder público, tomar o espaço do
morro para especulações imobiliárias, objetivando a expulsão da população residente.
Contudo, os moradores, desde muito tempo, resistem contra as tentativas opressoras de
tirá-los do bairro, por isso o autor Edmilson Lopes Júnior caracteriza essa localidade de
“paisagem da resistência” (1997, p. 70).
O poder municipal passa a reconhecer Mãe Luiza como bairro a partir de 23 de
janeiro de 1958, pois “a Câmara de Municipal de Natal aprovou o Projeto de Urbanização
do bairro de Mãe Luiza, que para lá tinha sido enviado em 23 de dezembro de 1957, pelo
então prefeito Djalma Maranhão” (ARAÚJO, 2005, p. 19). Sobre Djalma Maranhão, ele
ficou conhecido como um político popular que foi perseguido na época da Ditadura
Militar. Assim, “Foi ele o responsável pela ligação de Mãe Luiza com a Avenida Hermes
da Fonseca (continuação da Salgado Filho, antiga Parnamirim Road), pela criação de
escolas e construção de praças na então favela.” (LOPES JÚNIOR, 1997, p. 71).
Na cultura popular, o processo de criação da região de Mãe Luiza, opera-se em
meados de 1930, segundo Késia Araújo, e que a ideia de “mãe Luiza” surgiu do imaginário
de que,
(...) teria sido uma parteira de nome Joana Luíza Pirangi, que atendia
pessoas de outras localidades da então província natalense; outros
afirmam que ela seria lavadeira, que prestava serviços aos soldados do
quartel do Exército. Assim, vai sendo gestada a imagem de Mãe Luiza,
que para muitos outros era rezadeira, costureira, mulher de pescador,
xangozeira e, talvez, uma invencionice dos mais velhos. (ARAÚJO,
2005, p. 20)
Nossa escola, em 2019 passou por uma ampla reforma em sua infraestrutura,
possuindo, de fato, atualmente um espaço físico muito agradável de se trabalhar. Ela possui
funcionamento pelos turnos matutino e noturno. Pela manhã, funcionam as turmas do
ensino fundamental e ensino médio e a noite, funciona a educação de jovens e adultos. Há
uma positiva comunicabilidade entre a equipe de professores junto com a coordenação
pedagógica e a gestão escolar, atuando juntos na construção de trabalhos culturais,
buscando a integração dos alunos e com a comunidade.
A título de caracterização geral do alunado, os discentes apresentam uma certa
resistência em atividades que envolvem interpretação de textos, imagens ou atividades para
expressar opinião. Observa-se a existência de baixa autoestima, percebida através da
crença que eles mesmos expressam de que não são capazes de fornecer um ponto de vista a
respeito de alguma questão, ou que irão falar algo em que sentirão vergonha, expressando
um comportamento de insegurança. (alguma referência sobre a insegurança social e a
aprendizagem ajudaria aqui)
Essa juventude é vítima da discriminação social existente sobre os moradores da
comunidade, sendo real o olhar preconceituoso sobre o local de moradia, fazendo do aluno,
dentro desse contexto apresentado, a principal vítima da controversa atuação policial,
reforçando o processo de relegação social desses jovens. Este processo é consolidado
através do imaginário da população sobre o morador comum da comunidade,
especialmente em relação a esses jovens, vistos, automaticamente como delinquentes, pelo
fato de viverem na periferia, locus de maior incidência de violência, sendo que essa
violência é também provocada pela forma de atuação das forças de segurança do Estado,
contribuindo assim, para a intensificação, daquilo que a autora TAKEUTI chama de
“patologização social” dos grupos moradores das comunidades excluídas, pois “(...) trata-
se de uma produção de saber que só tende a reforçar os discursos sociais da delinquência
juvenil comumente associada à pobreza e à miséria (...)”(TAKEUTI, 1998, P. 171).
Observa-se com isso, que todos aqueles moradores da periferia, incluindo os jovens,
mesmo que estudantes, são direcionados para a categoria de marginais, não importando a
forma que se externam no espaço público, ou seja, se são infratores, trabalhadores ou
estudantes.
Somado a essa questão, temos como exemplo da exteriorização desse olhar
discriminatório, o ano de 2019, quando a Escola Dinarte Mariz se encontrava em reforma,
foi preciso a continuidade das atividades escolares em outra instituição educacional, qual
seja, o Atheneu Norte-Riograndense, estabelecimento de ensino, localizado no bairro de
Petrópolis, considerado local imobiliário valorizado, área típica da classe média alta da
capital potiguar. Na época, haviam relatos de alunos que ao saírem do estabelecimento de
ensino, eram abordados por policiais no referido bairro, não importando estarem trajando o
uniforme da escola, isso ocorre porque o imaginário social já construiu uma “aparência de
favela”, corroborando com a existência do preconceito social.
Nessa época, uma aluna de aproximadamente 14 anos, do 9º ano, relatou que se
sentia triste nesta escola, pois os alunos desta, tratavam os alunos da Escola Dinarte Mariz,
com preconceito, em decorrência do lugar de moradia deles, associando o fato de morar em
Mãe Luiza com a ideia de praticar crimes. Fora relatado que os alunos da escola receptora,
procuravam andar afastados dos alunos recebidos, fazendo comentários negativos sobre
eles, configurando uma situação de exclusão. (aqui você poderá usar depoimentos dos
alunos para sustentar e dar visibilidade ao preconceito social experimentado)
Além disso, uma aluna do 1º B, relatou que já sofreu preconceito por parte da
polícia ao ser revistada quando fora realizar a compra de um perfume que ela já costumava
comprar, e segundo ela, o motivo era por ser moradora de Mãe Luiza.
Compreende-se assim, a necessidade de trabalhar e debater esse assunto no
ambiente escolar, pois a predominância desse estigma, exerce influência no bem estar dos
alunos, e consequentemente altera o desempenho escolar, pois alguns alunos, inclusive,
começam a aceitar essa imagem de que se é morador de Mãe Luiza, deve ser uma pessoa
perigosa. Nesse sentido, observo que esse tratamento hostil e de retaliação por parte da
sociedade em geral contra esses jovens não é sempre recebido sem contraprestação, quer
dizer, alguns alunos externam as reações em forma de agressividade. Isso já foi
demonstrado, quando um aluno do ensino fundamental, falou para a coordenadora da
escola para que ela tivesse cuidado, pois ele era de Mãe Luiza, na tentativa de intimidá-la.
Em vista disso, é relevante refletir sobre o que esses alunos, moradores da periferia,
sentem a respeito da forma que são tratados e vistos pela população em geral, resultando
como consequência, na prática de violência não legítima por parte da polícia. Então,
importa refletir a respeito desses jovens que:
Assim, estando o aluno dentro desse contexto, a vida escolar acaba se tornando
uma realidade mais distante para ele, no caso de a escola ser vista apenas como uma mera
instituição formal e sem significados, sendo difícil o desenvolvimento de uma identidade
escolar que é importante para se ter interesse nos estudos, pois não se verifica um
sentimento de pertencimento nesses alunos no meio ambiente escolar, sentimento este
importante para conquistar essa identidade escolar.
Dessa maneira, concorda-se então com TAKEUTI, no sentido de que a dificuldade
de desenvolver essa identidade escolar está relacionada com o que a autora chama da
existência de “crise ou fragilização das identidades”, pois segundo ela, essa realidade de
exclusão social é resultante do fracasso do modelo ideal de sociedade produzido pelo
sistema neoliberal, frustrado pela complexidade de inserção social, situação esta
privilegiada e relegada para poucos, de modo que esses jovens e moradores da periferia, a
eles é imposto pela sociedade estigmatizante, a identidade de delinquentes, chamada pela
autora de, “identidade social virtual”, qual seja, a imagem atribuída é a que se espera ter de
acordo com a expectativa social.
Em contraposição, há a “identidade social real”, sendo os atributos reais do
indivíduo, que podem ser usados como mecanismos verificáveis sobre o exato modo de ser
da pessoa no mundo. Logo, esta ideia faz sentido para o contexto da sala de aula, pois
enquanto professora, eu percebo o potencial real dos meus alunos da Escola Dinarte Mariz
em pequenos detalhes quando eles externam seus talentos artísticos para desenho,
grafitagem, dança e música, fugindo diametralmente daquela imagem estigmatizadora de
associar a periferia com a ideia de criminalidade.
No entanto, esses talentos são desperdiçados, quando o conjunto da escola
demonstra mais preocupação em reproduzir o modelo de educação bancária, conceito este
criado por Paulo Freire, em que o professor é visto como aquele que deposita o conteúdo e
o aluno deve ser apenas o depositário do assunto. Assim, esse modelo enrijece a relação
professor/aluno de uma maneira como se o estudante não pudesse produzir suas próprias
reflexões sobre qualquer questão da vida, tendo que apenas aceitar o que é repassado e
disciplinado pelo professor, ou seja, as qualidades apresentadas pelos alunos não são
levadas em consideração.
Dessa maneira, encontramos o problema de a escola ser vista como mera instituição
sem significados e longe de produzir o sentimento de pertencimento. Por isso, é importante
trabalhar com o modelo de educação libertadora e problematizadora defendida por Paulo
Freire, pois se trata de um ato cognoscente e de superação da contradição educador-
educandos, sendo que esta superação seria feita, através da relação dialógica (FREIRE,
1987, p.44). Além disso, de acordo com Freire, para que seja possível a construção desse
diálogo é importante a fé no ser humano e na sua capacidade de criar e recriar, que não é
um privilégio de poucos e sim um direito de todos (FREIRE, 1987, p. 52), daí a
importância da humanização do educador.
É nesse sentido, que eu enquanto professora de história quero realizar este trabalho
a ser aplicado na prática da sala de aula, através da provocação de reflexões, pois eu
acredito na capacidade do aluno de construir suas próprias ideias reflexivas em torno de
um dado objeto cognoscível, estando a sala de aula como espaço oferecido para a
edificação da relação dialógica entre o educador e educando, de modo que estes dois
possam proporcionar conhecimentos para aprendizado de ambos.
Então, é nesse caminho de buscar a voz do aluno morador da periferia, que
costumeiramente é negligenciado pela sociedade e pelo poder público, este representado
pela atuação da polícia militar na comunidade, que esta professora pretende trabalhar, no
sentido de oferecer o espaço e a oportunidade para os sujeitos, tidos como invisíveis,
exercerem seu direito de expressão.
Dessa maneira, é importante apresentar alguns dados da Escola Dinarte Mariz no
que se refere ao rendimento escolar dos alunos. Nesse sentido, de acordo com informações
do site SIGEDUC, no ano de 2022, haviam 636 alunos matriculados, não havendo aumento
de matrículas com relação a 2021. Desse total, houve uma diminuição de aprovações com
relação a 2021, ou seja, 27% a menos, totalizando 298 aprovados. Sobre as evasões, houve
o quantitativo de 283 alunos, correspondendo um aumento de 34% em relação a 2021,
havendo também um aumento de 358% de reprovações. Importa salientar que o ano de
2021 faz parte do auge da pandemia, nesse momento, por ordem da Secretaria de
Educação, os professores não deveriam efetuar reprovações, senão em decorrência de
evasões, havendo então, esse aumento tão exorbitante no percentual do ano seguinte.
Por conseguinte, é importante também observar os dados antes do período da
pandemia, pois em 2019, a disciplina de História ficou em primeiro lugar no número de
reprovações da escola aqui em questão, com 13.3% de um total de 587 alunos
matriculados, totalizando 177 reprovações na escola, sendo 159 apenas em História. Diante
dessa realidade, esses dados evidenciam baixa autoestima, assim como ausência de
estímulo para permanecer na escola, influenciando no aprendizado.