Dura Europos Como Estudo de Caso para As Comunidades
Dura Europos Como Estudo de Caso para As Comunidades
Dura Europos Como Estudo de Caso para As Comunidades
Juliana B. Cavalcanti1
PPGHC-IH/UFRJ
LHER-IH/UFRJ
http://lattes.cnpq.br/6770181406770057
Resumo: Dura Europos foi escavada na década de 1930 pela Universidade de Yale
e a Escola Francesa de Letras. Nesta cidade, situada na região da Síria, foram
localizadas três casas-templos respectivamente: uma casa-siganoga, uma casa-
igreja e uma casa mitrática. Em todos os casos o que se observou é que a estrutura
interna da edificação passou por pequenas adaptações para abrigar as necessidades
e demandas de cada culto.
Neste sentido, a partir da evidência material é possível propor paralelos sócio-
arquitetônicos entre as três e perceber que os rituais de iniciação e manutenção
das comunidades paleocristãs paulinas estão interagindo muito mais com o seu
entorno religioso do que sendo uma ‘invenção’ das lideranças locais.
Palavras-Chave: Dura Europos – Cristianismos – Relações Batismais
Abstract: Dura Europos was excavated in the 1930s by Yale University and the
French Language School. In this city, located in the region of Syria, it was located
three houses temples respectively: a home Synagogue, a house Church and home
Mithraism. In all cases what is observed is that the internal structure of the building
has undergone minor adjustments to accommodate the needs and demands of each
service.
In this sense, from the material is possible evidence propose socio-architectural
parallels between the three and realize that the rituals of initiation and maintenance
of the Pauline early Christian communities are interacting more with their religious
surroundings than being an 'invention' of local leaders.
KeysWord: Dura Europos – Christianities – Relations Baptisms
1
Juliana Batista Cavalcanti Miranda Tavares. Mestre em História Comparada pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduada pela mesma universidade. Coordenadora na área de Cristianismos no
Laboratório de História das Experiências Religiosas (LHER). Email: [email protected]
RJHR IX: 17 (2016) – Juliana B. Cavalcanti
2
Autores como Theodor Mommsen e Francis Haverfield afirmaram que a única contribuição romana para
a região foi o aumento populacional. A dificuldade em um diálogo com Roma estaria no fato de que o
processo de romanização só foi possível em áreas que desconheceram o helenismo. Essas colocações
ainda vigoram na atualidade, sendo decisivos trabalhos recentes como de Lidewijde Jong (2007), Susan
Downey (1998, 2000) e Beate Dignas e Engelbert Winter (2007) que demonstram que do ponto de vista
textual e arqueológico há pouco a dizer sobre o período helenístico. Mas quando nos voltamos para o
período romano é possível a acessar uma série de documentações e mesmo a pensar em políticas de
resistência, no âmbito cultural, à dominação romana.
3
Lisa Brody (2011: 17-18) nos conta que a descoberta foi feita pelo capitão Murphy e que rapidamente
escreveu para o seu comandante, o tenente-coronel Gerard Leachman, descrevendo a mesma e solicitando
assistência arqueológica.
4
A cidade foi fundada por macedônios gregos em aproximadamente 300 AEC e ficou completamente
abandonada entre a sua destruição por volta do ano de 256 EC pelos sassânidas e sua eventual
redescoberta em início do século XX.
134
RJHR IX: 17 (2016) – Juliana B. Cavalcanti
5
A principal base para afirmação se encontra no fato de terem sido encontrados moedas que datam do
período asmoneu. Contrariando assim, uma antiga suspeita de que a comunidade judaica teria chegado
apenas no período da dominação romana. Ver: Stefanos, 2001: 4-5.
6
Arnaldo Momigliano (1971: 148-149) já ponderava em seu livro “O limites da helenização” que os
romanos estabeleceram um culto mitraico distinto do culto persa. Ele afirmou:
“O Mitraísmo romano, com seu sistema de colégios e hierarquia de iniciados, a provável ausência de
sacerdotes, a ênfase na luta e vitória e sua intelectual crueza, era exatamente o oposto da refinada
decepção helenística grega praticada sobre si mesma por cultivarem o Zoroastrismo. Foi um verdadeiro
culto e reforçamento a lealdade por parte dos soldados, funcionários e comerciantes ao Império Romano.
No Egito Romano há uma abundância de evidências para o novo culto de Mitra, mas no Egito ptolemaico,
tanto quanto eu saiba a única evidência para uma prática autenticamente Mazdeísta é do terceiro século
AEC [...] Se Mitra, de acordo com Lucio (Deorum Concil. 9), não falava grego, ele certamente falou
latim.”.
135
RJHR IX: 17 (2016) – Juliana B. Cavalcanti
7
Muito embora a edificação seja datada do século II EC, e a adaptação para abrigar a comunidade cristã
seja do século III EC. Ver: Kraeling, 1967: 19-20.
136
RJHR IX: 17 (2016) – Juliana B. Cavalcanti
8
Como veremos mais adiante em Dura-Europos encontra-se também o mais antigo batistério que se tem
notícia.
137
RJHR IX: 17 (2016) – Juliana B. Cavalcanti
Figura 3: Plantas Isométrica, sentido AA’ (Horizontal), da Casa em Dura-Europos sinalizando os estágios
anterior e posterior a reforma. Fonte: WHITE, L. The Social Origins of Christian Architecture.
Building God’s House in the Roman World: Architectural Adaptations among Pagans, Jews and
Christians (Vol 1). Valley Forge: Trinity Press International, 1990.
II. Assim, a cultura material nos evidencia o quão importante era para as
comunidades paleocristãs o ritual batismal, sendo o exemplo mais antigo existente
de arquitetura batismal o quarto-batistério de Dura-Europos (Figura 4). O quarto
localizado ao norte da casa foi transformado em um salão batismal, contendo uma
fonte retangular em sua extremidade oeste, com medições (1.6 x 1x 1) m. Tendo
sido colocada em um nicho coberto por um arco.
Este arranjo tem semelhanças com o arco recesso (arcosolium) ao longo de
um sarcófago em uma catacumba romana. Nesta instância a fonte substituiu o
túmulo retangular ou sarcófago. Ambos os cofre do arco e do teto da sala são
pintados com estrelas brancas em um campo azul. O arco em si tem uma faixa
decorativa de romãs, uvas e trigo. A luneta sob o arco mostra uma imagem de um
pastor com as suas ovelhas e ainda Adão e Eva em ambos os lados uma árvore.
Uma serpente desliza pelo chão entre eles.
138
RJHR IX: 17 (2016) – Juliana B. Cavalcanti
Os registros das pinturas das outras paredes (sul, norte e leste) foram em
grande parte destruídos, mas as cenas restantes foram identificadas. Na parede sul
temos a mulher samaritana no poço e Davi e Golias. Na parede norte está Jesus
curando o paralítico, andando sobre a água, e acalmando a tempestade e, abaixo
destas iconografias, vemos três mulheres9 transportando tochas em direção a uma
estrutura retangular com um telhado pontiagudo, com as estrelas a cada canto.
Figura 4: Batistério, Dura Europos, leste da Síria, ca. 240. Foto: Yale University Art Gallery, Dura-
Europos Collection. Fonte: JENSEN, R. Living Water. Images, Symbols, and Settings of Early
Christian Baptism. Boston: Brill, 2011.
A parede sul da sala tinha duas portas e uma abertura para um pátio central e
outro em um quarto ocidental que pode ter servido como um espaço privado para a
preparação dos candidatos ao batismo. Esta sala de ligação levou para o que tem
sido assumido como sendo um espaço conjunto para a comunidade na parte sul da
casa (JENSEN, 2011: 182-183).
Os dois dados mais relevantes que o batistério em Dura-Europos nos traz é
que: (1) o batismo era originalmente um ritual administrado em um lugar com
água corrente/nascente. Um bom exemplo disto está no relato do batismo de Jesus
ou ainda o batismo de um etíope registrado em Atos dos Apóstolos (At 8: 36-40).
9
Os estudiosos discordam sobre se esta pintura mostra a três mulheres a chegar ao túmulo vazio na
manhã de Páscoa (cf. Marcos 16: 1), ou (em alternativa) três dos cinco virgens prudentes aproximando o
do noivo tenda (cf. Mt 25: 1-13).
139
RJHR IX: 17 (2016) – Juliana B. Cavalcanti
10
As primeiras representações pictóricas de batismo apareceram na catacumbas romanas. Estas pinturas
de parede subterrâneas pertencem a um limitado repertório de imagens que sobreviveram principalmente
por serem em local subterrâneo, escapando assim de demolições causadas por reformas urbanas. No
entanto, a sua definição sepulcral contribuiu não só para a sobrevivência destas pinturas, mas também
para a sua seleção e conteúdo. Embora os estudiosos suponham que os cristãos produziram arte não
fúnebre desde muito cedo (sendo a maior parte perdida), a ocorrência destas cenas num contexto de
enterro sugere que tinham alguma relação especial com as crenças cristãs sobre a morte ou a vida após a
morte.
Uma descrição de batismo é especialmente apropriada para um túmulo, porque o batismo serve
tanto como o ritual cristão de associação, como para significar a passagem do antigo para novo estágio,
decretando morte espiritual do indivíduo e seu renascimento. Além disso, o batismo é o meio pelo qual
um membro reivindica a promessa de salvação em sua vida após a morte. Cenas de batismo na catacumba
geralmente incluem certos detalhes distintivos, a saber: um jovem nu ou a criança em pé na ou sob uma
corrente de água, tendo um homem vestido com a mão direita sobre a cabeça do jovem, e uma pomba que
paira acima de ambas as figuras. Às vezes árvores ou rochas indicam um letreiro, slogan. As variações
são relativamente mínimas; alterações no vestuário de quem batiza ou da pomba nem sempre é aparente.
Ocasionalmente, um terceiro está ao lado de quem batiza (JENSEN, 2011: 5).
11
Mas não apenas elementos neo e veterotestamentários. É possível perceber um profundo diálogo com a
cultura helenística. Dois exemplos podem ser rapidamente acionados. O primeiro deles é o pastor com o
cordeiro que está no frontão do batistério. No caso em específico, esse pastor é Jesus e podemos afirmar
isso quando levamos em consideração a quantidade enorme de representações do bom pastor encontradas
em catacumbas e construções cristãs. Contudo, esse modelo de o bom pastor já foi na Bacia
Mediterrânica para pensar Hermes, Apolo e mesmo Hércules. Há algumas diferenças, Jesus aparece
sempre com um rapaz de feições finas e jovens, enquanto que Hermes e Hercules, por exemplo, sempre
musculosos. Essas variações estéticas devem ser colocadas lado a lado e entendidas como rivais. É como
se disséssemos: quem é maior? O jovem Jesus ou o deus (ou semideus) Hermes/Apolo/Hercules?
(MATHEWS, 1995 (1993): 8)
Esses padrões estéticos vão diretamente ao encontro com o segundo exemplo, as imagens de Jesus
andando sobre as águas e curando um paralítico. Em ambas as situações Jesus não tem barba, é um
jovem. Além de parecer ser privilegiado os momentos de cura de Jesus, isso implica diretamente nas
leituras dessa comunidade sobre Jesus. O Jesus dos cristãos duranos é o curandeiro ou um homem divino
(theios aner) e não um deus.
140
RJHR IX: 17 (2016) – Juliana B. Cavalcanti
12
Mais conscientemente, o Espírito fala através do possuído fazendo barulhos incompreensíveis. Sintoma
que, segundo Smith, pode ser comparado à esquizofrenia. Lewis (1971: 221-253) buscou analisar a
possessão e o êxtase de diferentes culturas com o material descrito e analisado pelos psiquiatras. A
conclusão apontada é: (1) o xamã ou aquele que está em estado de possessão é um psicótico controlado;
(2) a sociedade abre espaço para estes indivíduos, pois eles são parte integrante do sistema total e ideias e
suposições religiosas para aquela sociedade e (3) os cultos de possessão periférica representam uma
resposta de não aceitação ao padrão de normalidade vigente, buscando outras realidades como forma de
escapismos.
13
Barth (2008b: 464-468) sugere que todo o capítulo 4 da carta aos Efésios seria um credo de forma a
reforçar determinados aspectos e regimentos do convívio e manutenção da assembleia.
141
RJHR IX: 17 (2016) – Juliana B. Cavalcanti
Referências Bibliográficas.
1. Fontes.
1.1. Documentação Textual.
BÍBLIA. Novo Testamento. 1 Coríntios. Português. Bíblia de Jerusalém. Nova
Edição, Revista e Revisada, São Paulo: Paulus, 2002.
BÍBLIA. Novo Testamento. Atos dos Apóstolos. Português. Bíblia de Jerusalém.
Nova Edição, Revista e Revisada, São Paulo: Paulus, 2002.
BÍBLIA. Novo Testamento. Efésios. Português. Bíblia de Jerusalém. Nova Edição,
Revista e Revisada, São Paulo: Paulus, 2002.
142
RJHR IX: 17 (2016) – Juliana B. Cavalcanti
KRAELING, C. The Christian Building. New Haven: Yale University Press, 1967.
Excavations at Dura-Europos. Final Report Volume VIII, part. 2.
2. Trabalhos Teóricos.
DETIENNE, M. Comparar o incomparável. Aparecida: Ideias & Letras, 2004.
GINZBURG, C. Mitos, Emblemas e Sinais. São Paulo: Companhia das Letras,
1990.
GINZBURG, Carlo. Medo, Reverência, Terror. São Paulo: Companhia das Letras,
2014.
LEWIS, I. Êxtase Religioso. São Paulo: Editora Perspectiva, 1971.
THOMPSON, E. A Miséria da Teoria ou um Planetário de Erros. Uma Crítica ao
Pensamento de Althusser. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981.
THOMPSON, E. Costumes em Comum. Estudos sobre a Cultura Popular
Tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
4. Textos Específicos.
BRODY, L. “Yale University and Dura-Europos: from Excavation to Exhibition”. In:
BRODY, L. and HOFFMAN, G. Dura Europos. Crossroads of Antiquity.
Boston: McMullan Museum, 2011.
HARTMAN, L. 'Into the Name of the Lord Jesus' Baptism in the Early Church.
Edinburgh: T&T Clark, 1997.
HUMPHRIES, M. Material Evidence (1): Archaeology. In: HARVEY, S. e HUNTER, D.
(Ed.) Early Christian Studies. New York: Oxford University Press, 2008.
JENSEN, R. Face to Face. Portraits of the Divine in Early Christianity.
Minneapolis: Augsburg Fortress, 2005.
JENSEN, R. Living Water. Images, Symbols, and Settings of Early Christian
Baptism. Boston: Brill, 2011.
MATHEWS, T. The Clash of Gods. A Reinterpretation of Earlu Christian Art.
Princeton: Princeton University Press, 1995 (1993).
MOMIGLIANO, A. Alien Wisdom. The Limits of Helenization. Cambridge:
Cambridge University Press, 1971.
SMITH, M. The Secret Gospel: The Discovery and Interpretation of the
Secret Gospel According to Mark. Dawn Horse Press; 3th edition, 2005.
143
RJHR IX: 17 (2016) – Juliana B. Cavalcanti
144