ANARQUISMO e Socialismo pt3
ANARQUISMO e Socialismo pt3
ANARQUISMO e Socialismo pt3
E SOCIALISMO
Parte III
1
TEXTOS
46 – Estado e Anarquia. Joaquim Gonçalves 191
47 – Espanha e Rússia. Mário da Silveira 193
48 – Comunismo anárquico. Mário da Silveira 194
49 – Raios de luz. Ângelo Lasheras 199
50 – Passo livre. Ângelo Lasheras 200
51 – O pensamento revolucionário. Ângelo Lasheras 202
52 – “Revolução de massas”. Ângelo Lasheras 203
53 – Em defesa da Anarquia. Clemente Vieira dos Santos 207
54 – Maximalismo e Anarquismo. Fábio Luz 210
55 – Definindo atitudes. Carlos Bittencourt (Francisco Cianci) 215
56 – Centralismo e federalismo. Arsênio Palácios 217
57 – Liberdade. Martins Garcia 220
58 – Misérias do capitalismo. Martins Garcia 223
59 – Fascismo. Martins Garcia 225
60 – O fascismo, filho dileto da igreja
e do capital. Maria Lacerda de Moura 228
61 – Previsões do mundo.
Perigo da hegemonia da Rússia. Isabel Cerruti 230
62 – A tendência humana para a liberdade. Martins Garcia 232
63 – Nacionalismo e internacionalismo. Martins Garcia 235
64 – O hitlerismo. Martins Garcia 238
65 – O hitlerismo. (Conclusão). Martins Garcia 240
66 – Em tempo de eleições. Martins Garcia 241
67 – O Estado totalitário. Martins Garcia 243
68 – Refutando as Afirmações Mentirosas do Grupo Comunista 246
2
12 Estado e Anarquia106
106
GONÇALVES, Joaquim. O Libertário. Ano 01 – Nº 02 – São Paulo – SP. 15.01.1922.
3
O Comunismo é absolutamente antagônico com a propriedade privada. A
Anarquia é a completa antítese da autoridade. Esta transforma o indivíduo
num verdadeiro autômato, asfixia nele todas as faculdades de iniciativa, e
os seus discricionários poderes servem apenas para oprimir e tiranizar os
escravizados de todo o mundo. Aquela, pelo contrário, procura restituir ao
indivíduo toda a sua autonomia, desenvolver-lhe as faculdades de
raciocínio e assimilação, e o seu próximo advento fará brilhar em toda a
imensidade terrestre o rutilo clarão vermelho da Libertação Proletária.
Entre estas duas forças está travada uma luta homérica, sem precedentes,
na qual a Anarquia sairá triunfante, fazendo baquear o Império das
desigualdades sociais, para substituí-lo por uma causa nobre e justa,
prenhe de amor e de Justiça.
O comunismo libertário tem sido divulgado em todos os tempos por uma
falange de puros idealistas, os quais, com o brilhar fulgurante das suas
inteligências, o tem sabido impor à consideração de toda a humanidade,
conseguindo dele fazer o querido evangelho das massas oprimidas.
Por todo o Universo perpassa neste momento a mais forte rajada
libertadora que tem assolado o velho mundo, e como um violento furação
arrasta, na sua passagem devastadora, Repúblicas e Monarquias,
barretes frígios e testas coroadas.
O velho edifício burguês encontra-se periclitante.
Os seus alicerces fragmentam-se pouco a pouco, atingidos em pleno pelas
vigorosas machadadas da nossa propaganda redentora.
A sociedade capitalista agoniza ao sopro vivificador dos modernos ideais.
De toda esta podridão imunda que se estadeia ignobilmente ante os
nossos olhos, exalam-se emanações fétidas que corrompem e envenenam
o ambiente.
É necessário purificar toda esta montureira abjeta pelo fogo sagrado dos
nossos fachos reivindicadores.
Que na hora inevitável e grandiosa da derrocada, cada um de nós saiba
encarnar o espírito rutilante do Ideal Anarquista, e a emancipação do povo
far-se-á pela ação direta das massas espoliadas, livres da influência
daninha e perniciosa dos modernos “comissários do povo”.
Nesse momento a Humanidade será livre e feliz, porque, finalmente
abatidos privilégios e preconceitos, na Terra será instituída uma nova
moral, baseada no Bem, na Igualdade e na Liberdade, acabando por se
esquecer na imensidade dos tempos a exploração odiosa e humilhante do
homem sobre o homem.
4
13 - Espanha e Rússia107
107
SILVEIRA, Mario da. O Libertário. Ano 01 – Nº 02 – São Paulo – SP. 15.01.1922.
5
— :: —
Belo! Não é verdade? Belo, muito belo! Ah, Lênin! Tzar dos tzares, hiena
insaciável de ódios e vinganças; poltrão feito herói de carrossel; tu, na tua
ambição de aparecer, galgaste os degraus do povo com tuas botas de
aldeão, mas esse povo que te tem sustentado, há de saber cumprir com
seu dever e mandar-te fazer companhia a Nicolau II.
— :: —
14 – Comunismo anárquico108
194
proletariado. Afirmam esses camaradas, entre outras coisas, o seguinte:
que os trabalhadores não estão aptos para se governarem de per si e lhes
falta os conhecimentos técnicos necessários para dar andamento aos
diversos trabalhos indispensáveis à vida da coletividade. Afirmam mais;
afirmam ser indispensável, no primeiro período, que poderá durar um ou
mil anos, (o indispensável para todos terem uma elevada cultura moral,
intelectual e profissional) haver uma junta, comitê, comissão ou coisa que
o valha para dirigir os destinos da sociedade assim como os trabalhos
manuais.
Estudemos desapaixonadamente esta questão.
Em primeiro lugar, toda comissão ou que título tiver será composta por uma
minoria, os escolhidos, os “eleitos, pelo povo,” serão os mais incapazes e
atrevidos e que jamais saberão fazer qualquer coisa em ordem. Mas, que
recaísse a escolha em verdadeiras capacidades técnicas, intelectuais ou
inerentes ao serviço para que foram nomeados; estes indivíduos
acabariam por se irem “habituando” a dirigir os serviços e amanhã, haviam
de fazerem os maiores absurdos, mandando fabricar discos de
gramofones, quando o pedido era de rodas de locomotivas. Não é que eles
deixaram de serem as mesmas capacidades, é que como homens, como
trabalhadores do músculo ou do pensamento, eram e são verdadeiros
mestres, mas como mandantes, saem-nos verdadeiros mandões. A culpa
não é eles, e do cargo que ocupam.
Todo governo ou junta dirigente tem a estrita obrigação de se fazer
respeitar; caso isto não faça, as suas ordens serão dadas no deserto e,
deixará, mui naturalmente, de existir; ora para fazer-se respeitar é
necessário ter uma grande dose de cultura, ser verdadeiros adivinhos para
deixar a multidão à que dirigem, boquiabertos a sua imensa capacidade, e
assim serem pela multidão, respeitados sem haver necessidade de
empregar a força. Mas, como os componentes das comissões são homens
e como errar é próprio do homem, dia chegará em que uma ordem dada
pela comissão, não será bem acolhida, mas como é necessário que essa
ordem seja cumprida... que se faz? O único remédio é empregar a força.
Emprega-se a força; principia o abuso e fica constituído o estado
autoritário.
São estas lições tiradas de todos os movimentos revolucionários. Vimos à
revolução francesa do 93, vimos a comuna do 71, e inda recordamos o que
pensavam os republicanos da barricada da rue Chauvrier descrita por
Victor Hugo. Vemos a república da social democracia alemã; e nos
preocupa imenso a república dos sovietes. Em todas encontramos o
mesmo sinal, o mesmo estysma109: o
109
N. do Org.: A palavra está desta maneira. Evidentemente é um erro gráfico. SISTEMA me
parece ser a palavra correta.
195
autoritarismo. Seja a sociedade implantada, após a revolução, dirigida por
socialistas, republicanos, monarquistas ou anarquistas, mas tendo as
funções de chefes ou governantes, como se os queira chamar, hão de
sempre ser tiranos para com os governados, e esta tirania necessária, no
dizer desses camaradas é a que há de levar, como a todos os outros
sistemas sociais que se hão implantado, a falência da doutrina primitiva.
Diziam os velhos espanhóis: la letra con sangue entra110. Este aforismo
está demonstrado ser um erro crasso. Recordamos estes versos dos
estudantes Alsacianos.
110
N. do Org.: numa tradução literal a frase diz: a letra com sangue entra. Esta máxima justifica
o uso de expedientes violentos como favorável à aprendizagem.
196
convencermos ser necessário eliminar os governos para poder reinar a
verdadeira liberdade.
No nosso ver, todos os que hão tomado a chefia dos sistemas saídos das
revoluções realizadas até nossa época, hão errado desde o berço do
mesmo sistema. Uma das questões que preocupa a todo revolucionário é
manter o estado social saído da revolução e para isso recorrem ao
racionamento, e requisitam todos os gêneros de primeira necessidade.
Estes gêneros são mal distribuídos ou açambarcados pelos encarregados
da distribuição deixando, assim, uma grande parte, (a maior) da população
em completa miséria. – Quase sempre quem sofre este mal advindo do
pouco escrúpulo ou falta de capacidade, são os camponeses que se vêem
despojados de seus produtos sem recompensa alguma. – Ora sabendo
nós que o homem, por desprendido que seja, ao se tratar do estômago,
reivindica seus direitos, saberemos também, ser mais do que certo o
camponês defender os seus produtos, seja escondendo-os, seja não os
produzindo. É neste ponto, onde principia a decair a obra da revolução
graças a sabotagem exercida pelos produtores. Que fazer para remediar
esse mal?
Os camaradas que adotam a ditadura responderão: castigar os que não
produzem ou não querem entregar o fruto de seu labor, porque estão a
fazer obra anti-revolucionária. Nós, respondemos: incentivar pelo exemplo
o camponês a produzir; entregar-lhe todas as ferramentas, sementes e
adubos que entulham os armazéns das cidades, e, pelo exemplo, fazer
compreender ao excesso de habitantes dos grandes e pequenos centros,
a irem para os campos produzir.
É o camponês quem há de sustentar a revolução e não os vermelhos
ditadores. Esses fazem seu Castelo sobre areia-movediça: as baionetas.
Quando estas principiarem a enferrujar, o regime desapareceu.
O medo da contra revolução só o pode ter àqueles que se sentem culpados
ante o povo e que estão convencidos de que no instante em que o poder
baionetas deixe de ser eficaz o povo se revoltará contra o seu governo ou
estado social. Nós outros não temos esse medo porque não queremos a
revolução para nós; fazemo-la para os outros e como tal a eles compete
defende-la e, governarem-se. Se agirem bem, estaremos com eles; se
agirem mal, estaremos contra eles.
Não acreditamos ser necessário um centro governativo. Julgamos, e disto
estamos convencidos, ser mais próprio para dirigir os destinos da
sociedade, as reuniões por classes ou afinidades, dos diversos habitantes
de uma comuna.
Por exemplo: São Paulo, possuidor de uma população superior a
quatrocentos mil habitantes, seria dividido em distritos ou pequenas
comunas onde haveriam lugares apropriados para se poderem reunir os
197
da localidade, cujos poderão ter (e -------- -----111 acreditamos) duas
espécies de reuniões: as técnicas e as de assuntos gerais: questão
econômica e questão social.
Nestas reuniões é que se trataria das necessidades da coletividade ficando
algum encarregado de se comunicar com as outras comunas os quê mister
se fazia recorrer; mas esse alguém teria o poder único e exclusivo de se
comunicar com a outra comuna relatando o resolvido.
As doutrinas anarquistas procuram fornecer ao homem a sua mais ampla
felicidade; esta reside na satisfação de todos os desejos materiais e
sociais.
(Não falamos nos morais por não ser isso da alçada dos sistemas
econômicos sociais.)
Para satisfazer esses desejos, “desde já”, não é necessário que o indivíduo
seja uma (capacidade) uma celebridade, como o querem nossos
camaradas; o que é necessário é que ele, indivíduo, goze de toda a
liberdade que o limite da liberdade de outro, lhe concede.
Os camaradas falam em governar como se isso fosse coisa séria ou do
outro mundo.
Quem é quem governa? Quem se sente capaz de governar? Os
anarquistas?! Mas se somos nós quem, num governo havíamos de fazer
os maiores disparates! Depois, o governo é uma mentira.
O governo não governa coisa alguma ainda que seja um governo de
anarquistas. O muito que poderá fazer é salvaguardar seus interesses
individuais, ditando leis que imporá por intermédio do exército a seu dispor.
Quanto a governar, não sabemos como se arranjariam.
Alega-se ser necessária uma junta para estar em relações com o exterior.
Muito bem.
Mas esta junta pode muito bem ser nomeada nas assembléias que citei
acima e dar por terminado o trabalho no instante de se comunicar com
quem tinha de se comunicar. Que necessidade há de estarem dois ou mais
indivíduos improdutivos desde o instante que não tem mais a fazer?
Resumindo: Se os anarquistas vão esperar que a maioria ou totalidade do
povo pense anarquicamente, jamais verão seus esforços coroados de
êxito, por não ser possível estarem dois indivíduos de acordo com uma
coisa qualquer, em todos seus pontos; e não podem por seus sistemas
sanguíneos e nervosos não o permitirem.
O medo da contra revolução por falta de cultura do povo.
(Creio cegamente, não serem só os trabalhadores, como muitos
camaradas crêem, quem hão de fazer a revolução e aderir ao novo
regime.)
198
É próprio dos cândidos que inda crêem nas almas do outro mundo. Dê-se
liberdade e intensifique-se a produção, não deixando o novo regime cair
num estado de miséria, e tereis assegurado o triunfo da revolução.
A segurança de uma sociedade está no grau de liberdade e bem estar
econômico, que a mesma possa fornecer aos seus componentes.
15 – Raios de luz112
112
LASHERAS, Angelo. A Plebe. Nova Fase. Ano 01 – N.º 03 – São Paulo – SP.
03.12.1932.
199
nossas reivindicações, se não fossem estes, qual seria o nosso fim: o des
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duma civilização.
É preciso que nos convençamos da necessidade de acabar com o
OBSCURANTISMO, FATOR PRINCIPAL de degenerescência e ao qual o
Estado nos sujeita com as suas mil e quinhentas religiões que se veneram
na terra, derivadas de cinco ou seis, as quais surgiram de um
incompreensível: o absoluto.
Torna-se necessário transformar esta sociedade mal organizada por outra,
na qual a arte e a ciência possam desenvolver-se com liberdade,
conseguindo assim a felicidade a que todos temos direito.
O que entendemos por arte?
Por arte se entende, o que é fiel reflexo da natureza e das relações
humanas, e que responde a tudo o que é belo e justo.
Genial é o artista que não se submete a outra lei que não seja da natureza,
revoltando-se contra todas as instituições opostas ao desenvolvimento
normal da humanidade.
O homem livre ou anarquista é aquele que está diretamente ligado às
manifestações da arte e das ciências e aos progressos, das sociedades
humanas.
As obras de maior elevação moral e social devem-se a estes.
Acompanhando-as nos seus estudos, nos convencemos de que é preciso,
destruir o mal pela raiz para instituir o bem-estar sobre bases sólidas, a fim
de que o homem seja livre sobre a terra livre.
Deixemos os pusilânimes, os vencidos da vida e lutemos pelo porvir.
16 – Passo livre114
113
N. do Org.: Palavra ilegível na fotocópia digitalizada consultada.
114
LASHERAS, Angelo. A Plebe. Nova Fase. Ano 01 – N.º 06 – São Paulo – SP.
31.12.1932.
200
*
* *
Muita calma, nada de nervosismos. Já sabeis que nós aparelhamos as
grandes máquinas de aço, e um sem fim de instrumentos de alta precisão,
aptos a simplificar o trabalho. Além disso, nós respeitaremos os
incapacitados de mente e braços, e construiremos casas de saúde para a
cura dos anêmicos morais, de forma a torná-los os mais úteis, mais dignos
de viver, entre gentes que anseiam o livre direito à vida.
A palavra Anarquia é derivada do grego A, e an significam não, sem.
Cracia e Arquia significam poder, mando, governo, direção política.
Assim, pois, os vocábulos anarquia e acracia equivalem a não governo
de escravizadores do povo, e sim governo de cada um, e de iguais para
iguais em comunas livres e de afinidade, sem comarca, sem fronteiras, e
com o único fim de unir a todos os habitantes da terra e
levá-los a viver em paz e harmonia.
A família dignificar-se-á por não mais exercer coação de espécie alguma,
entre os seres que se unam pelo amor livre, ou seja, pela atração de um
para outro, desaparecendo então a prostituição, tal como sucede hoje onde
a animalidade inconsciente apodera-se em alto grau dos indivíduos, causa
vícios do meio ambiente.
A criança só então receberá o carinho, não só dos pais como o de toda a
humanidade, no que respeita à alimentação, higiene e educação,
tornando-se possivelmente uma individualidade superior no terreno das
artes e das ciências, até atingir o máximo grau de perfeição humana.
A velhice por sua vez, não constituirá um tormento como sucede hoje, onde
o ancião é atirado para um canto como um ser desprezível, mas o
descanso daquele que produziu durante toda sua vida em beneficio próprio
e da coletividade.
*
* *
Eis em síntese o que é o que querem os anarquistas. Portanto, é dever de
todo homem bem intencionado, cultivá-lo e estudá-lo, para que possamos,
em breve, elevar sobre as ruínas da burguesia, a paz e os direitos
universais da humanidade.
Portanto, passagem livre ao clarão que avança, à Anarquia!...
201
17 – O pensamento revolucionário115
115
LASHERAS, Angelo. A Plebe. Nova Fase. Ano 01 – N.º 59 – São Paulo – SP.
09.09.1933.
202
esforça para arranjar um cantinho no banquete da vida, mas que não
consegue e não conseguirá nunca, em quanto existir o ouro maldito que
lhe desvaloriza o trabalho em noventa e cinco por cento do seu valor real?
E que dizer dos tubarões dourados que vivem em faustosos palácios, e
que lá do alto, trêmulos como folhas verdes ao vento, nos escarram ao
rosto a nós os que estamos por baixo? E por que tremem? Tremem porque
sabem que nós os trabalhadores constituímos o símbolo de progresso e
da civilização, e que contra o pensamento não há baionetas que possam;
e que o castelo em que se encerram, mais dia ou menos dia ruirá
fragorosamente; que quanto mais eles martirizam ao povo mais este
investe porque existe o espírito de conservação que caracteriza a todas as
espécies.
Portanto não percam tempo senhores governantes: mandai, mandai contra
o povo os vossos últimos recursos: Bolchevistas, Fascistas, e todos os
cães da fila prontos a vos servir.
Um dia, uma hora mais de vida, sempre é vida! Estais no vosso direito se
assim o julgais; porém, não vos assusteis quando esse povo cansado de
tanto sofrer, despedaçar as correntes e sair à rua reivindicar os direitos que
lhes foi arrebatado pela força bruta, e qual leão ferido, mostrar os dentes e
arremeter contra os velhos e vetustos templos da mentira, do engano e da
hipocrisia aos gritos de liberdade, aos vivas à Revolução Social!...
18 – “Revolução de massas”116
116
LASHERAS, Angelo. A Plebe. Nova Fase. Ano 03 – Nº 80. São Paulo – SP. 19.01.1935.
203
“Comunismo”, mas dentro de um principio autoritário que não se coaduna
com os sentimentos de liberdade das coletividades humanas.
Mikhail Bakunin, o genial pensador russo, que contraditou com ele, deixou
bem esclarecido o ponto de vista libertário, deixando-nos como herança o
mais amplo conceito de liberdade.
O homem não deve sujeitar-se à palavra de ordem lançada a esmo por
indivíduos sem escrúpulos, cujos efeitos desastrosos constituem a causa
de que a humanidade siga por caminhos tortuosos e sofra, assim, as
conseqüências dos choques sanguinolentos sem resultados práticos. Dia
a dia, esses choques acentuam-se mais, até chegarmos a uma guerra civil
em que tomarão parte a maioria dos povos, cuja carnificina difícil nos será
prever, dado o grande confusionismo reinante entre as classes proletárias
que seguem a orientação dos que se arvoram em pastores para arrancar
o último fio de lã dos infelizes que vivem do trabalho.
Como a principio íamos dizendo, o “Marxismo” tem por fim:
204
ficar certos de que nunca conseguirão a nossa co-participação nas suas
tramas políticas, porque os anarquistas não se prestam em absoluto a
servir de arma traidora contra os humildes; lutaremos sempre contra todas
as formas de fascismo, venha ela de onde vier. Hoje como ontem, toda e
qualquer idéia de tirania será por nós combatida, porque a revolução dos
anarquistas visa dar ao povo a liberdade dos seus destinos, acabando com
as explorações dos aproveitadores ocasionais do descontentamento das
massas.
Essa idéia, que na Espanha revolucionária mantém o fogo aceso da
revolução, acabará por iluminar o próprio povo russo e fará com que o
império das tiranias tombe por terra.
Os trabalhadores, antes de abraçar qualquer credo político ou filosófico,
devem analisar bem as causas das suas desventuras, habituarem-se ao
confronto das idéias e dos fatos, não se deixando arrastar cegamente pela
demagogia do primeiro aventureiro que se lhes apresente para dominá-los
e dirigi-los.
205
ANEXO II
206
19 – Em defesa da Anarquia117
117
SANTOS, Clemente Vieira dos. O Libertário. Ano 01 – Nº 01 – São Paulo – SP. 01.01.1922.
118
N. do Org.: Palavras ilegíveis na cópia digitalizada consultada.
207
“proletária”, deixando de propagar os seus credos de integral emancipação
humana para facilitarem e coadjuvarem o desenvolvimento das idéias
comunistas autoritárias, isto é, o triunfo de um partido que, conquanto
prometendo, uma vez senhor das redes do mando, inclinar-se para a
supressão gradual do seu predomínio, fazendo as populações, a toque de
corneta e de comando, evoluir para um sistema francamente comunista e
francamente libertário – não deixará, com certeza, de rigorosamente fazer
cumprir as suas determinações e as suas vontades indiscutíveis,
inspiradas no autoritarismo dos 21 pontos de Moscou. Terá um Estado,
governos, tropa fandanga e um sistema jurídico a justificar as prisões e os
carrascos... Depois, para que hão de os anarquistas deixarem-se hoje
absorver pelos acordos, compromissos e disciplina de um partido meio
revolucionário, para amanhã terem de romper com tudo isso? Os
anarquistas, os que são e que salientam a vantagem de ninguém nem ser
mandado, teriam, logo ao primeiro dia da vitória da nova modalidade
autoritária, de se insurgir contra o despotismo vermelho.
Criticando os preconceitos e as religiosidades diversas; investindo contra
os poderes do Estado e dos governos; indicando ao povo a necessidade
da sua radical eliminação; contribuindo com a nossa ação, em toda a parte
onde se possa patentear, para a diminuição patronal e para o
enfraquecimento das instituições burguesas – fazem, incontestavelmente,
revolução. Pode levar mais tempo, porque é indispensável modificar a
opinião do povo para o sentido da verdadeira liberdade, igualdade e
fraternidade, de modo que compreenda bem estes princípios ideológicos
para, prática e ideologicamente também, segui-los, perfilhá-los e exercê-
los consciente e autonomamente. Se a revolução anarquista se
fundamenta num processo de ditaduras, de governos centralistas, muito
naturalmente essa revolução seria bem mais fácil; bastar-nos-ia reunir uma
força material suficiente para derribar um governo e colocarmo-nos em seu
lugar. Um golpe de mão, um golpe de Estado, uma transmissão de
poderes, de que nós usaríamos para conduzir o proletário a nosso
contento.
Mas a nossa revolução é muito diferente: tendendo para estabelecer uma
sociedade fundada no acordo mútuo entre os indivíduos, no qual ninguém
possa impor a sua vontade sobre o seu semelhante, o seu igual, mas onde
todos tenham facilidades de viver a seu modo e depois de,
voluntariamente, concorrem para o bem-estar geral – é preciso
desenvolver a consciência, a vontade e a iniciativa das camadas
populares. E cada “golpe vibrado nas instituições da propriedade e do
governo, cada elevação da consciência popular, cada igualamento de
condições, cada porção de atividade humana subtraída à fiscalização da
autoridade, cada aumento de espírito de solidariedade
208
e de iniciativa, é um passo para a anarquia, isto é, para a Revolução
organizada entre as camadas proletárias, agindo por si mesmas.
De resto, os anarquistas estão sempre dispostos a cooperarem nas
insurgências, nas revoltas, em todos os movimentos que tendam a
impulsionar a humanidade para frente, mas sempre no seu campo de
honra.
Como, porém, não têm compromissos, continuarão no seu movimento de
Liberdade, em busca de verdadeira Justiça e da verdadeira Igualdade,
lutando contra o Estado e contra os “controles" da administração política
dos partidos. “O que é, com efeito, a Revolução senão uma diminuição
constante da autoridade em proveito da Liberdade e a destruição
progressiva do poder em benefício da emancipação dos indivíduos?” O
fato de termos a certeza da, na Revolução de amanhã, ainda não
conseguirmos uma completa sociedade anárquica, não nos inibe, no
entanto, de, por ella, a todos os momentos e a todas as horas,
trabalharmos com afã e com entusiasmo, prosseguindo na nossa humana
tarefa para elevar a liberdade ao seu mais alto grau, reduzindo o governo
a zero. “O objetivo ulterior que a Revolução procura atingir – já o diria De
Paepe – é a anulação de todo poder. É, depois de transformada a
sociedade, a diminuição da política e o advento da economia social; é a
organização governamental substituída pela organização industrial”, pela
organização do trabalho, “não por uma força estranha, mas organizando-
se por si próprio”, nas federações livres de produtores voluntariamente
associados nos grupos autônomos por afinidades, pela reciprocidade das
conveniências e das simpatias – tornando por ponto de partida as
necessidades do indivíduo que nos levam ao comunismo, “vista sintética
do consumo, da produção e da troca”.
Eis o nosso caminho, e seguindo-o sem nos mesclarmos com posturas e
teorias diversas, procedemos conforme os anarquistas de 89 e 93 e os de
1871, os quais, embora combatendo, de armas na mão, os primeiros
contra a Realeza e o Feudalismo e os segundos contra a Burguesia, jamais
deixaram de propagar os seus ideais de liberdade integral – contra a
autoridade duns tantos homens organizados em maquinismo diretivo...
209
54– Maximalismo e Anarquismo119
119
LUZ, Fábio. O Libertário. Ano 01 – Nº 01 – São Paulo – SP. 01.01.1922.
210
escolas especiais para ensinar a lesar, com as leis na mão, o direito alheio.
Os nossos sertanejos sentem da República somente o peso das leis
criminais e penais; no mais, a instituição é deles desconhecida. Talvez por
isso, sua liberdade e felicidade estão mais garantidas que as dos
habitantes da cidade.
Contou-me um distinto médico, que fez parte da comissão de estudos do
planalto central do Brasil, que de uma feita, tendo lhe fugido a montaria,
pediu a um campônio, que se achava perto, que a fosse buscar,
prometendo-lhe boa gorjeta. Nada demoveu o sertanejo do propósito de
lhe não prestar o serviço. Não era preguiça, disse-me o doutor; mas por
não ter para ele valor a moeda, aumentasse tanto quanto pudesse o preço
da gorjeta. Não era, igualmente, por não querer prestar um serviço a um
estranho; mas porque ele se julgava com razão igual ao outro, e pensava
que aquele que não tem aptidão para andar pelos matos e descampados
não se mete nessas funduras. O trabalho de lavoura desse sertanejo, tipo
que representa uma população, lhe dá o necessário para alimentar-se e o
excedente ele permuta pelos objetos de maior necessidade, instrumentos
de campo, que, mediante vales, o comerciante próximo lhe fornece. O
algodão tecido em domicílio dá-lhe a roupa, bem como o couro das rezes
que abate para seu consumo; o milho, o feijão produzem trezentos por
cento. Em que escola se educou essa alma, para a liberdade? As aves, os
animais necessitam de mestres e instrução para gozar e saber fruir os
benefícios da vida livre?
Estou a ouvir a objeção de que isto é a volta à barbárie, ao homem primitivo
das cavernas; que é a negação do progresso e da civilização. Eu poderia
responder, perguntando se a guerra, os gazes asfixiantes, a miséria das
trincheiras, as traições e emboscadas, o canibalismo das sortidas, a
destruição das cidades, a inutilisação das obras de arte, o bombardeio
aéreo de cidades desarmadas, a morte de mulheres e crianças fracas e
inermes, não são atestados veracíssimos de retrogradação à barbárie a
mais cruel?
Mas direi somente que o que é possível entre os homens simples; o que é
possível entre os pequenos povoados; o que já é realidade no grande
comércio, com os encontros de contas e o pagamento feito em espécie,
remessas de gêneros sendo cobertas pelas remessas de gêneros de igual
valor; o que já se faz por meio de créditos bancários em relação à moeda,
pode ser tentado em relação a tudo o mais.
O papel dos sindicatos de classes, com o fim educativo de preparar essas
permutas e a abolição da propriedade, é que nos há de levar à perfeição
do verdadeiro reinado da liberdade. Não creio que pelo autoritarismo
excessivo do Estado socialista, centralista por excelência, se venha algum
dia a chegar à anarquia.
211
O poder tem fascinações. Já modificações se fazem no regime bolchevista,
com aproximação do industrialismo capitalista. O Estado há de sempre
precisar da força para manter-se, o que prova ser uma coerção à liberdade,
repelida pelo povo. Os exércitos vermelhos se apresentam em parada,
com os mesmos “tics”, as mesmas continências aos chefes, as mesmas
luvas brancas de sempre, os mesmos esgares disciplinares, a mesma
hierarquia. As horas de trabalho impostas por decreto, a exigência de
obrigatoriedade de múltiplos serviços mostram que está longe ainda e
muito longe a liberdade que nós anarquistas aspiramos. De uma
organização social baseada na violência ditatorial, não chegamos a uma
liberdade sem peias, à Justiça sem magistrados, à moral sem Deus.
O Estado provisório é uma burla, uma chave para reabrir a porta à reconstituição
de conhecido e verdadeiro Estado, um novo Estado que automaticamente
deverá tornar-se maior do que qualquer outro, violento e repressivo, pisando e
sufocando, por sua concentração, a força popular da revolução. – disse Borghi.
212
Tolerar os jornais burgueses significa deixar de ser socialista...
Por esses simples atos vê-se bem como a República dos sovietes respeita
a liberdade de pensamento, “talqualmente” a polícia do Sr. Desembargador
Geminiano, e o governo Epitácio.
Nas repartições públicas a liberdade de pensamento está nas mesmas
condições. O serviço dos Correios e Telégrafos como todos os outros não
admite díscolos.
Aviloff, comissário, publicou um aviso:
Crê ou morre.
Diz-nos um professor da Universidade de Petrogrado (Boris Nolde) que a
ditadura do proletariado é de fato a ditadura pessoal:
213
a idéia principal do Soviete está desvirtuada. O que podia e devia ser a base de
uma verdadeira sistematização revolucionária libertária, se transformou por
imposição de um partido em uma armadilha governamental para a consolidação
de um novo governo.
A ditadura do proletariado, apresentada como emanação de regime sovietista,
na prática se transformou em ditadura dos chefes do partido socialista
comunista, que organizaram seu governo... Os que protestaram contra a
perpetuação do Estado provisório foram considerados por Lênin – “contra-
revolucionários”.
O fetichismo pelo Estado chegou a ponto de exigirem do velho, sereno e
inimitável precursor – Kropotkin – que amputasse sua obra, dela retirando tudo
o que se referisse à Sua Majestade o Estado, se a quisesse ver reeditada por
conta da República Comunista. O honesto e impertérrito velho recusou,
terminantemente, formar compromisso, no fim da vida, de defender seu inimigo
de todos os tempos – o Estado.
Tenho dito.
214
55 – Definindo atitudes120
*
* *
Estudando Marx e Bakunin, e entre estes dois, preferimos o último, por ser
o verdadeiro expoente da Liberdade.
Marx não soube abandonar os seus preconceitos autoritários, que estão
em contrastes com os princípios Libertários.
E nós, que pretendemos a nossa completa emancipação do Estado e de
todos os princípios autoritários, é porque sabemos que, onde existe a
Autoridade não pode haver Liberdade.
Somos e seremos contra os princípios de Karl Marx, e nos esforçamos
para que, entre os trabalhadores, nossos companheiros de lutas e de
sofrimentos, se forme uma idéia bem clara do que queremos, e o caminho
que devemos seguir.
É preciso definir atitudes, e que cada qual assuma o lugar que lhe compete.
Queremos clareza quando se exponham Idéias para que se não faça
confusionismo. O fato de alguém que outrora militando entre nós se
dissesse Anarquista, e que hoje defende os princípios autoritários,
120
BITTENCOURT, Carlos. A Voz da União. Ano 01 – Nº 03 – São Paulo – SP. Páginas 01 e
02. 01.07.1922.
215
demonstra que as nossas teorias, não foram compreendidas, ou foram mal
interpretadas por esse mesmo indivíduo.
Isto nos obriga a sermos mais claros, mais coerentes com os nossos
princípios anarquistas.
Precisamos que, cada Indivíduo que se tornar um rebelde das injustiças
sociais, se torne um elemento consciente e convicto, sabendo,
verdadeiramente, tomar parte na vanguarda do movimento revolucionário,
sabendo conscientemente o que quer e o fim onde se quer alcançar.
É preciso – e o repito – definir atitudes, e tomar com mais paixão e energia
a propaganda das nossas Idéias.
Propagar os princípios autoritários como fim ou como meio é fazer obra
demolidora dos nossos princípios, é iludir e enganar o proletariado.
O Estado, a autoridade, para se manter no poder precisa de canhões, de
baionetas, de cárceres, de polícia, de secretas, e de toda uma burocracia
de funcionários inúteis, que vivem parasitariamente constituindo-se em
classes privilegiadas e exploradoras.
E é para destruir o Estado com seus canhões, com suas baionetas, as
cadeias, a polícia, os parasitas, os exploradores que nós lutamos e nos
sacrificamos.
A nossa fórmula libertaria é: A cada um segundo as suas
NECESSIDADES! De cada qual segundo as suas forças. Outras fórmulas
não servem, não se prestam a nossa qualidade de Libertários.
O Comunismo Anárquico define-se por um principio básico; a negação
completa de toda autoridade.
Conciliar Marx com Bakunin é utópico, é absurdo.
Nós, os anarquistas, devemos conservar a nossa intransigência neste
ponto; transigir seria desclassificar Bakunin para defender Marx, e neste
caso seria abdicar. Pois foi este um dos pontos principais em que deu lugar
a que surgissem da Internacional, duas tendências: uma Libertaria, e
autoritária outra; as duas bem divergentes.
Será possível a realização do Comunismo Libertário logo após a
revolução? Como organizar o trabalho? E a falta de competência de parte
do proletariado?
Eis as perguntas que nos fazem, às quais não respondemos hoje por nos
faltar espaço, mas que prometemos responder nos próximos números.
Por enquanto podemos afirmar que a realização do Comunismo Anárquico,
será realizável se a próxima revolução se apresentar com caráter
Anárquico.
Não será realizável se fizermos propaganda da ditadura.
216
56 – Centralismo e federalismo121
121
PALÁCIOS, Arsênio. A Voz da União. Ano 01 – Nº 06 – São Paulo – SP. 01.10.1922.
217
homens” nada pode haver que justifique a organização estatal –
organização artificial – pois que, o objetivo desta não é a permuta de
interesses comuns a todos, nem é a garantia da liberdade e da justiça.
Portanto, é a força manejada pelas minorias privilegiadas impostas às
maiorias produtoras despojadas de todos os recursos úteis à existência
social. E destarte, se solidifica este critério centralista em concretização
predominante na política, no consumo e na troca.
Demonstra-se como este fenômeno social, fenômeno porque se manifesta,
ainda que discutível por sua negação, não é uma tendência, o fato de, até
“não haver existido o Estado” era o federalismo a única forma de
organização entre os diversos grupos de homens.
A união das tribos no período selvagem, as federações das comunas rurais
nas épocas bárbaras, as milhares de corporações e agremiações no tempo
da Idade Média. TODAS ERAM FUNDADAS SOBRE UMA BASE
FEDERALISTA. Cada organização era autônoma em suas resoluções e
tinham sua própria administração. Os interesses e as aspirações comuns
uniam às distintas corporações em maiores ou menores federações para
poderem levar de vencida empresas maiores, em a que todos estavam
interessados e na que nenhuma organização podia realizar sem ajuda das
demais. De maneira que a federação era a única corrente orgânica de
organizações únicas para um fim determinado.
Eis então, porque, o centralismo, preconizador de um novo regime
ditatorial, que veio substituir o federalismo primitivo, não é senão, por
consequência de uma infeliz interpretação histórica, quem deu e dá lugar
ao privilégio e ao poder. Por isso, que não há diferença nenhuma da atual
organização social burguesa. Haverá dessemelhança em grau de forças,
mas não nas suas consequências e na sua estrutura íntima, e fazendo-se
notar, que quanto mais novo é um poder, tanto mais se multiplica o seu
vigor e pujança.
Estamos, por tanto, em definir efeitos de causas contraproducentes.
Centralismo, pois, significa simplificar a consciência espontânea e natural
dos homens que se converterão em organismos puramente mecânicos, e
que, como a nau, o piloto guiará conforme o seu capricho, não podendo
nunca saber o que é responsabilidade individual.
Centralizar, disciplinar à vontade de indivíduos, vontades individuais, e por
onde coletivas, é um processo de fatais resultados para a associação dos
homens. Não será por estes guindastes que se conseguirá uma sociedade
livremente organizada, onde possam deliberar iniciativas, acometer
empresas pelo livre entendimento, sem canonizações, sem sanções, sem
ódios, sem indefinidas obras. Nunca poderá alcançar-se uma sociedade
sob o império naturalismo da
218
sinceridade mútua e das afeiçoes recíprocas, entanto badalem os sinos do
centralismo.
Batamos sempre que o centralismo é uma doutrina autoritária- antinatural
– impedindo o desenvolvimento do federalismo que é uma doutrina
racional-natural. Aquele coloca o Estado por cima dos homens, da família,
da sociedade e até das religiões, como acontece nos países em que o
Socialismo ditatorial está constituído, e imprime por meio de ditados
legislados, os gozos dos cidadãos, dos produtores das cidades, dos
camponeses, dos mineiros, etc., princípios como se vêm diametralmente
opostos aos princípios de liberdade e de justiça integral.
E aqui, como consequência da organização social ferreamente centralista,
resulta um antagonismo de interesses, isto é, o ferimento entre o “fato” e o
“direito”. O fato que parte do código, da constituição, das leis codificadas,
que significa o ataque dos de cima contra os de baixo, e o direito que se
origina nas camadas populares resistindo ao privilegio detentor do poder,
do trabalho, do capital, da terra, dos meios úteis à produção, da ciência,
etc., pois que o privilégio tudo possui porque pode e manda, dada a
estrutura social do regime centralista e autoritário.
Em oposição ao “fato” brutal, codificado e real faz lembrar belíssimas
considerações que se repetem constantemente, mas que, são sempre, de
oportuna atualidade:
219
regime federalista, porque tudo seria de todos e para todos. E note-se bem
que o centralismo só origina poder e autoridade.
Pode-se seguir adiante enumerando outros fatos importantes que conclui
todo regime centralizador e os efeitos da propaganda do mesmo. A
reunião de indivíduos não pode ser feita nunca numa “unidade”.
Arregimentar as “unidades-indivíduos”, para formar uma “quantidade” que
não se entende, é o produto da organização centralista.
O simples fato de arregimentar, tem como fim a perda da susceptibilidade
de despertar no indivíduo a vontade e a tendência da liberdade. Em lugar
de “arregimentar”, de “disciplinar”, deve-se abrir caminho à livre iniciativa e
fazer consciências ativas, estabelecendo-se os princípios livremente,
semeando-se a idéia e não a impondo a ferro e a fogo que se poderá atingir
o alvo da humanidade social.
O triunfo definitivo da liberdade depende da liberdade do indivíduo, e de
este para a coletividade, e vice-versa, e o indivíduo, como disse Grave, só
poderá ser livre quando ele se resgatar por auto-iniciativa.
57 – Liberdade122
122
GARCIA, Martins. A Voz da União. Ano 01 – Nº 10 – São Paulo – SP. 01.01.1923.
220
A moral libertária, como a igualdade econômica e política, está
diametralmente oposta a toda a concepção histórica de moral e de
liberdade: burguesa, cristã e socialista autoritária, porque, para arquitetar
um sistema de ética social, coadjuvamos e consubstanciamos a liberdade
integral como meio indispensável de todo princípio de ordem moral e
social. O princípio de moral somente pode ser predicado por todos aqueles
que se sentem libertários, isto é, livres de qualquer preconceito religioso
ou político. Daí que os históricos moralistas, sempiternos subjugadores da
dignidade humana, não possuam um princípio de moral só. Os escravos
nada podem fazer em bem da moralidade humana, porque lhes falta a
soma de liberdade: seu princípio de moral é tão estreito e reduzido, como
é a sua condição social e política.
Logo, não gozando da respectiva liberdade espiritual e social, sua
concepção de moral forçosamente tem que ser uma moral escrava, e
nunca uma moral superior, livre. Portanto, os únicos habilitados para
pregar a moral, são os libertários anarquistas; pois, é a característica
libertária, que reduz a pó o negro convencionalismo histórico, assim como
simboliza com sua personalidade individual toda uma consciência de moral
universal.
Para satisfazer as necessidades mais apremiantes do nosso organismo
físico, e nutri-lo de conformidade com suas próprias exigências,
proclamamos em seguida a liberdade no consumo; e quando procuramos
saturar uma tendência puramente artística ou científica, que preencha
integralmente essas necessidades do espírito, anelamos a ampla
liberdade de podermos dispor esses meios a nossa inteira vontade.
Esquadrinhando profundamente todos os problemas que afetam ao
dinamismo social, por mais simples que se nos apresente, sempre
encontramos a solução na liberdade. Reduzidos todos os sentimentos a
uma questão de liberdade integral, sinceramente podemos interrogar: – É
ou não é a liberdade o fundamento essencial da dinâmica humana e
social? Se a liberdade é o veículo propulsor, o arcano que propicia à
mortalidade do Homem, todos os meios necessários e imprescindíveis à
boa e harmônica relação dos componentes do agregado social, o princípio
de moral é o fim propriamente dito e sentido. Logo, a moral está em razão
direta da liberdade: são duas entidades tão consubstanciadas que uma
não pode subsistir sem a outra. Falar de moral equivale liberdade; predicar
a liberdade é interpretação de moral. Onde houver autoridade não pode
haver moral; esta é peculiaridade da liberdade; aquela da escravidão.
Acaso a autoridade não é um impositivo incongruente que restringe o
pensamento e reduz a dignidade do Homem a uma simples expressão
biológica, a uma mofa insignificante? O que não se realiza por
221
espontânea vontade, não se fará por meio da autoridade. Ao contrário: este
princípio só serve para corromper os sentimentos nobres e altruísticos dos
indivíduos, e fustigar o instinto de conservação a um princípio de
extermínio mútuo.
A moral religiosa ou de outra seita qualquer, é tão viciada e deficiente, que
não exclui de seus básicos princípios a autoridade. Consideram a
autoridade, seja espiritual ou temporal, como uma consequência lógica de
humana necessidade. Aberração esta que só é compreendida e sentida
por todo aquele que não possui firmeza de caráter, nem dignidade pessoal.
Daí que a solidez das teorias anarquistas derruba totalmente todo principio
de moral histórica, e proclama como única lei moral: – a liberdade integral.
E, para colimar nossas aspirações universais, para edificar um sistema
filosófico de ordem libertário-anarquista, que restitua a felicidade à
humanidade toda e que tenha como finalidade social a Anarquia,
queremos:
A liberdade econômica: que cada qual satisfaça suas necessidades
materiais de acordo com as próprias exigências orgânicas, e que produza
segundo suas forças.
A liberdade política: que todos os indivíduos gozem de ilimitada liberdade
para acionar os seus atos de acordo com o seu próprio critério, e não por
meio de obrigações sancionadas ou legalizadas.
A liberdade no amor: amar conforme nossas mais puras atrações, e
cristalizar mutuamente nossas aspirações amorosas, livre de qualquer
férula e de todo convencionalismo.
A liberdade nas ciências: educar nosso pensamento, e dar asas a nosso
espírito, conforme suas tendências.
A liberdade social: que o individuo não esteja subordinado à coerção
social, e que seus atos sejam de harmonia com seu próprio sentir.
Queremos em fim: a liberdade em todos os terrenos do organismo social,
como único meio de atingir o elevado estado de ética social, de humana
moral.
Sem a liberdade a moral é um mito; a solidariedade, uma quimera; a paz,
uma mentira.
222
58 – Misérias do capitalismo123
123
GARCIA, M. A Plebe. Nova Fase – Ano 01 – N.º 47 – São Paulo – SP. 18.11.1933.
223
invade os lares proletários, disseminando seus membros, como verdadeira
calamidade apocalíptica.
Em S. Paulo, cognominado o maior centro industrial da América do Sul, a
miséria é familiar às classes produtoras. Nos bairros industriais dispensa-
se o binóculo para enxergar o estado deplorável em que se encontram os
produtores da riqueza social. Famílias numerosas vivem e proliferam em
reduzidos e imundos quartos, sem higiene, sem luz e muitas vezes até sem
água. Cortiços insalubres são habitados por centenas de famílias
proletárias. Os ergástulos industriais estão movimentados por crianças e
mulheres. Fator preponderante no acúmulo de capital do senhor industrial.
O fim justifica o meio, dizem os defensores do regime capitalista. Por
conseguinte, sendo a finalidade capitalista amontoar pilhas de dinheiro, de
forma alguma pode ter escrúpulos na maneira de conseguir esse valor
monetário. A questão é amontoá-lo. Os meios para consegui-los é uma
questão de escrúpulo e nada mais. Daí que os conceitos de justiça e de
equidade social estejam bem longe da mentalidade capitalista.
As guerras, com todo seu cortejo de crimes e de misérias, também é uma
consequência do sistema capitalista, de produção e de câmbio. O meio
social em que vivemos faculta ao homem as possibilidades de enriquecer-
se, sempre que contribua para a manutenção do Estado, isto é, que pague
os tributos legais de acordo com o regulamentado da lei. Nestas condições,
pode qualquer indivíduo, desenvolver suas atividades industriais ou
comerciais. Adulterar os produtos de primeira necessidade é uma indústria
rendosa no sistema capitalista. Estando de acordo com a lei – simples
fórmula jurídica para embaucar os ingênuos – pode, como fazem os
Matarazzos, misturar na farinha de trigo tudo quanto era resíduo farináceo:
arroz, milho, feijão, etc. Quem não possui escrúpulo para envenenar o
povo, também não o terá para fabricar armas e munições, nem regateará
louvores à “valentia” do povo, para, em tempo oportuno, atirá-lo em luta
fratricida, como verdadeiros inimigos. Os destroços nos campos de
batalha, tanto de material bélico como humano, é a maior satisfação do
capitalista; pois, além de ser uma fonte rendosa de capitais, lhes tira do
convívio social uma infinidade de indivíduos que poderiam, mais tarde,
embargar sua ação açambarcadora. Eis porque, os entronados no sistema
capitalista, não regateiam aplauso às iniciativas guerreiras. Até contribuem
direta e indiretamente na fermentação do espírito patriótico entre o povo.
Atualmente está-se desenvolvendo, nas altas esferas do capitalismo, um
grande plano guerreiro que, caso seja realizado, será o maior desastre
para a humanidade. Aí entrarão em jogo os últimos aperfeiçoamentos da
indústria de matar gente: os gazes asfixiantes, as últimas descobertas da
química, da mecânica, etc.
224
A política de desarmamento é uma mentira. Todas as nações aumentam o
arsenal de material bélico, isso indica que estamos em véspera de uma
formidável chacina humana.
Ao povo compete analisar e por em pratos limpos essas arapucas que os
altos paredros do capitalismo estão arquitetando. Se assim não o fizer, terá
que sofrer suas consequen- (sic) a historia da humanidade jamais
registrou.
Os milhões de desocupados que perambulam por todo o mundo; o
sacrifício adrede dos animais comestíveis; a queima dos gêneros de
primeira necessidade; a rebelião das massas que se pronuncia
atualmente; os preparativos guerreiros, e a decadência da convencional
moral burguesa, indicam que não se trata de crises de governos nem de
homens: trata-se da crise do regime capitalista, do sistema monetário,
porque está longe de corresponder às necessidades humanas.
Evitar que o capitalismo faça sua derradeira carnificina universal, é o dever
dos povos modernos. E para evitar este mal estar social, econômico e
moral, é necessário, é imprescindível derrubar a pedra angular do sistema
capitalista e da escravidão humana: a propriedade privada. Eis ai o fator
fundamental da desarmonia social. Acabar com esse sistema de
propriedade, é terminar com todas essas loucuras guerreiras, essas
explorações bárbaras do homem pelo homem, da miséria em todas suas
manifestações, com os desocupados; enfim, estabelecer sobre a terra a
verdadeira justiça social: um por todos e todos por um.
59 – Fascismo124
124
GARCIA, M. A Plebe. Nova Fase – Ano 01 – N.º 49 – São Paulo – SP. 09.12.1933.
225
enfim, a miséria social em suas múltiplas manifestações. A solução do
pavoroso problema social é, em síntese, a finalidade do Estado fascista.
Mas, solucioná-lo, como? Centralizando em mãos do Estado todas as
atividades humanas! Pode o Estado, monopolizando ou controlando a vida
de relação social e econômica, estabelecer normas jurídicas ou políticas,
capazes de garantir e harmonizar, manter em perene equilíbrio a
sociedade humana? Eis, em suma, o que precisamos elucidar.
Por sua estrutura orgânica vê-se que o sistema fascista tem por mira
concentrar no Estado e submeter ao seu controle direto ou indireto todas
as atividades humanas: econômicas, culturais e sociais. Ora, estando a
vontade humana superditada às prescrições do Estado, como pode o
indivíduo ou as coletividades desenvolver suas múltiplas manifestações de
vida? De forma alguma. Aí o indivíduo perde a sua dignidade pessoal:
passa a ser um simples instrumento incondicional do Estado; uma
expressão impessoal. Logo, nestas condições, o Estado é um obstáculo
ao desenvolvimento integral do indivíduo e um estorvo à marcha regular
das relações da coletividade.
Propõe-se o Estado corporativista (fascista) “salvar” a “família”, a “pátria”,
a “propriedade privada” e a “religião”. Casualmente as instituições que
defendem são as que deram margem a que no seio do organismo social
se desenvolvesse e frutificasse tudo quanto de bárbaro e anti-humano
existe. Devido ao sistema vigente da propriedade privada e particular é que
o egoísmo individual se desenvolve de forma tal que não reconhece
qualidades humanas em seus semelhantes. Daí que a desconfiança mútua
seja um fator de desequilíbrio social. Onde há interesses individuais e
privados, não pode haver relações de livre acordo e de ajuda mútua. Os
interesses criados estão acima de todo e qualquer conceito de justiça
social. Logo, querer corrigir o efeito sem ofender a causa, é o mesmo que
fazer um furo na água. Dizendo isto, cremos que é uma grotesca pretensão
fascista salvar a “família” do caos em que se encontra. De fato, a “família”
só existe na imaginação de meia dúzia de estúpidos moralistas e nos
códigos de jurisprudência. Na realidade, tudo isso não passa de simples
norma jurídica e religiosa que vem iludindo a humanidade através de
milênios de anos. Apesar dos rigores da lei e das sugestões
“moralizadoras” dos religiosos, os cárceres estão abarrotados de
“delinquentes”, na maioria das vezes, purgando crimes consumados entre
irmãos consangüíneos. A verdade é que, nestes casos excepcionais está
em jogo a marcha normal da sociedade; os interesses criados e os
preconceitos morais são os fatores preponderantes. Logo, o que realmente
existe é uma instituição jurídica que tem como base a propriedade privada.
De resto, são aparências. E todas as manifestações políticas que se
fizerem nesse sentido serão falsas e tendenciosas, pois o que se procura
salvar não é
226
propriamente a “família”, senão a instituição que esta representa: a
propriedade privada, com todo seu cortejo de crimes e horrores
imagináveis.
Esta fora de dúvida que a crise que atualmente sacode o sistema
capitalista não é, como imaginam os economistas burgueses, simples
“depressões” econômicas e que uma “sábia” orientação política poderá
solucionar facilmente. Não. Trata-se de crise de regime que não satisfaz
as necessidades gerais da espécie humana. A situação real do sistema
capitalista é semelhante ao moribundo que lhe prolongam a vida à força
de balões de oxigênio. O Estado fascista, neste caso, é o balão de oxigênio
que trata de amortizar aos prenúncios virulentos de um organismo em
franca decomposição. Portanto, pretender harmonizar o que não se
harmoniza é próprio de mentalidades ancestrais, ignaras e sectárias. As
manifestações desta tendência rotineira, aliás, bárbara e sectarista,
encontramo-las abundantemente neste último decênio. O arsenal dos
conhecimentos humanos foi atacado impiedosamente pelas novas hordas
que pretendem governar o mundo. Milhares de volumes, do que melhor
tem produzido o intelecto do homem, foram queimados em praça pública,
nas cidades da Itália mussolínica e da Alemanha hitlerista, em louvor à
“salvação” da “pátria”, da “família” e da “religião”.
Se a civilização tem como base a cultura moral, intelectual e artística do
povo, porque esse bárbaro atropelo, destruindo tudo quanto é produto do
cérebro humano? Deveras, este procedimento fascístico nada tem de
comum com a civilização e menos com a tendência libertária da
humanidade. Os pólos do mundo social são antípodas. De um lado está à
liberdade e de outro a autoridade, isto é, o fascismo (expressão máxima
da autoridade capitalista) e o anarquismo (expressão máxima da liberdade
humana). Portanto, o que o Estado fascista pretende restaurar é a
escravidão como nos tenebrosos tempos medievais.
Hitler e Mussolini são simples instrumentos do capitalismo internacional,
com sede em Nova Iorque, Londres, Paris e na cidade do Vaticano.
Quando falam em “família”, subentende-se esse grupo de financistas que
logram diariamente com a vida da humanidade, e não dessa família,
universalmente conhecida como proletária, que tudo produz e nada possui.
O adventício nacionalismo que os próceres do corporativismo fascista nos
apresentam como uma necessidade iniludível para solucionar
determinados problemas internos de ordem econômica e moral, é uma das
tantas maquinações que ensaiam para melhor iludirem o povo e lançá-lo
oportunamente numa tremenda luta fratricida para salvação do
capitalismo. De acordo com o movimento circulatório do capital, cada vez
mais estreito, inicia-se a guerra tarifária de Estado
227
contra Estado. Enquanto esse movimento nacionalista se opera,
preparam-se material bélico em abundância e adestra-se o povo para a
defesa na hipótese de um provável ataque do “inimigo”, que está além da
“fronteira”.
A toda esta arrancada fascista que fundam na autoridade organizada
discricionariamente, sucede-lhe um despertar dos preconceitos e prejuízos
que desenvolve a humanidade através da história. O mundo capitalista
ufana-se desse reviver histórico-psicológico dos povos, porque se
enquadra nos moldes exigidos pelo regime para perpetrar a escravidão
humana. O antigo poder imperialista de Roma ergue-se novamente ao
calor das hordas mussolínicas, assim como o reviver sangrento e bárbaro
da extinta raça ariana encontra eco no fundo dantesco de Hitler e seus
sequazes, ameaçando destruir as maiores riquezas do pensamento livre
da humanidade: os livros. Em lugar da claridade, a obscuridade, da razão
a fé e da justiça a caridade: eis ai o lema dos que pretendem governar o
mundo.
Parodiando ---------125, podemos dizer, que assistimos a uma nova cruzada
da invasão vertical dos bárbaros.
125
N. do Org.: Palavra ilegível na cópia digitalizada consultada.
126
MOURA, Maria Lacerda de. A Plebe. Nova Fase. Ano 02 - Nº 61 – São Paulo – SP.
28.04.1934.
228
A escola falsifica a história, e, cautelosamente, oculta os crimes, o cinismo,
a libertinagem, a cupidez e a voracidade do clero em violar a alma humana.
A mulher, apaixonada, exaltada, emotiva, domesticada até o servilismo –
é a intermediária entre o padre e a sociedade, entre a Igreja e a criança, e
a sua missão consiste em estar a serviço da ignorância, do crime, da
superstição, do fanatismo, da intolerância obstinada a irredutível, e, por
fim, prestar-se a esmoler, a mendigar, para encher os cofres fortes da
Igreja, toda poderosa, mascarada de pobreza e humildade.
Toda gente conhece a história do exército sagrado das crianças
inquisidoras, formado por Savanarola – para a observância dos bons
costumes em Florença.
As mãos ocupadas com a cruz vermelha e os ramos de oliveira e
estandartes – atiravam à “fogueira das vaidades” – as obras de arte dos
palácios assaltados pelo exército sagrado, livros, estátuas, quadros, – tudo
quanto constituía vaidade, heresia, frivolidades, anátemas... Obras de
sábios e artistas. Ídolos e pensadores – eram as crianças que decidiam,
infalivelmente, o que era bem ou mau, inspiradas pelo Espírito Santo!
No palácio Médicis, as marteladas quebravam mármores: o que não podia
ser queimado era mutilado, deformado pelas crianças, por inspiração
divina.
Voavam os livros e as obras de arte pelas janelas e as carroças se
entupiam com os livros dos sábios e as belezas da Arte. Iluminuras e
encadernações magníficas, trabalhos fantásticos e pacientes, beleza e
pensamento – tudo ia para alimentar a fogueira da vaidade. A Leda de
Leonardo, Aristófanes, manuscritos preciosos – era uma civilização inteira
que se queimava.
Agora, na Alemanha cristã-nazista – a juventude queima 20.000 volumes
de pensadores, cientistas, filósofos e artistas, num Auto de Fé do exército
sagrado dos inquisidores modernos.
Frutos da educação cristã. Ontem como hoje. A Igreja se regozija neste
momento em silêncio.
O Cristianismo inaugurou a ofensiva através dos processos nacional-
imperialistas de Mussolini e Hitler.
Vê, com alegria, os Autos de Fé retomar o seu lugar privilegiado no novo
ciclo da civilização.
Enquanto os primeiros ensaios inquisitoriais se verificam e o mundo os vê
escandalizados – mas nada faz para impedí-los – a Igreja aguarda a
oportunidade de poder assar vivos os homens e as mulheres, em vez de
queimar apenas os livros.
229
Será possível que a covardia humana nos avilte a ponto de consentirmos
de novo em tal degradação?
Fascismo, nazismo... o Estado moderno é profundamente cristão, católico
ou protestante, é impérico-nacional – é o pão endurecido dos séculos de
educação clerical.
Quando aprendemos que a Igreja perseguiu mártires e a Giordano Bruno,
a Copérnico, Kepler, Galileu, Descartes, Newton, longe estávamos de
supor que hoje, agora, neste momento, Hitler persegue, exila, confisca os
bens de Einstein – o maior cientista vivo – põe a prêmio a sua cabeça, essa
cabeça notável que revolucionou toda a matemática e abriu novos
caminhos às concepções da mecânica celeste. É ainda o Cristianismo,
ainda é a Igreja Romana, mesmo na alma protestante, é o ódio cristão ao
judeu, mas também é ainda mais – o ódio à ciência, o ódio à heresia que,
através das investigações da ciência pura, estabelece princípios e
descobre leis naturais – contra os dogmas absurdos da infalibilidade,
contra a prepotência da força bruta e contra o despotismo da violência
religiosa ou política do Crê ou Morre127.
127
N. do Org.: máxima jesuíta.
128
CERRUTI, Isabel. A Plebe. Nova fase. Ano 02 – Nº 61 – São Paulo – SP. 28.04.1934.
129
N. do Org.: Erro gráfico.
230
Mais tarde o camarada Oiticica fez uma belíssima exposição pública sobre
o assunto, esclarecendo muito a questão. Vi, então, que as minhas dúvidas
não eram destituídas de fundamento.
Os camaradas comunistas, entretanto, não querem concordar com o que
parece mais lógico aos que se batem pela causa dos trabalhadores:
Devemos fazer obra exclusivamente proletária ao invés de fazer
propaganda nacionalista.
Quero insistir no meu ponto de vista pessoal: a minha previsão do mundo,
pelo que observo – das manobras políticas da Rússia, com os seus
tratados até com o vaticano, seus preparativos militares, convencendo o
seu povo, inerme, da necessidade de se preparar militarmente e se armar
até ao extremo, com os mais engenhosos processos e maquinarias de
guerra, para mim, anarquista desde os meus verdes anos de mocidade, é
que a Rússia com essa tática “proletária”, não obedece a outro escopo que
o de futuramente exercer a sua hegemonia sobre os demais países.
Ou mesmo, quem sabe, se o ardor patriótico dos estadistas russos, na sua
extrema ambição nacionalista, não os leve a um plano de fazer prevalecer
o povo russo sobre os demais povos?
Nós sabemos de que processos se valem os governantes astutos para
infiltrar no ânimo do povo ignaro e humilde as idéias que lhes convém,
criando uma mentalidade e mesmo uma psicologia coletiva favorável aos
mais audaciosos planos de ambição.
Sabemos, igualmente, de quanto são capazes os patrioteiros convencidos
de que o mundo deve permanecer retalhado e nominado conforme as
conveniências do capitalismo.
Sabemos como eles procuram dividir os povos, desvirtuando o amor que
se sente pelo país onde se nasce.
Ora, considerando tudo isso, não pode haver o perigo de que os
comunistas, levados por um caminho errado, favoreçam a hipótese de um
plano de supremacia do povo russo sobre os demais povos?
E que seria de um povo considerado inferior, como o nosso, taxados os
seus habitantes de jecas pelos seus próprios patrícios intelectuais
burgueses?
Na melhor das hipóteses ficaríamos escravizados, no trabalho, sob o tacão
do povo “eleito” – que, no caso em apreço, seria o povo russo.
É bem possível que de todas essas táticas da Rússia, admirada pelos seus
idólatras comunistas, resulte o seu domínio universal e daí advenha o
grande sindicato do capitalismo unido sob uma única bandeira, com a
esfinge da foice e do martelo, apontando o dever para os trabalhadores e
o direito para os senhores.
Eles, lá em cima, vadiando e ordenando. Nós, cá em baixo, obedecendo e
trabalhando sob o tacão ditatorial.
231
Regime comunista para os senhores gozarem a vida. E regime, também
comunista, para os escravos desbravarem a terra e produzirem o
progresso.
Essas são as minhas previsões do mundo.
Contudo, continuo sendo anarquista. E creio mesmo que alguns
camaradas comunistas, bem intencionados, já começaram se recear do
“olho de Moscou”.
Ainda é bom que existam esses bem intencionados, atentos e prontos a
dar o alarme, para que as massas se precavenham a tempo contra o perigo
que as ameaça.
A hora que atravessamos é de toda a cautela. É bom que estejamos
atentos e em guarda, embora as nossas convicções nos saturem da fé
inabalável de que a Rússia de Kropotkin e de outros mestres do
anarquismo há de romper o círculo de ferro da ditadura e proclamar a
internacional dos trabalhadores irmanados no regime libertário. Todos com
os mesmos deveres e todos com os mesmos direitos. Sem comandantes
e sem comandados. Obedecendo apenas, todos indistintamente, à lei
imperiosa da necessidade do trabalho e do direito à vida.
130
GARCIA, Martins. A Plebe. Nova fase. Ano 02 – Nº 61 – São Paulo – SP. 28.04.1934.
232
destruir os princípios básicos da sociedade, jurídica e religiosamente
organizada?
Em toda e qualquer manifestação da vida, por ínfima que seja sua
expressão, o princípio de liberdade é o fator preponderante. As
instituições históricas, fundamentadas no princípio da autoridade, seja este
religioso, jurídico ou político, decaem ou se timo131 da humanidade é
refratário a toda e qualquer organização autoritária. A mentalidade
humana, embora sujeita às prescrições bárbaras e absurdas de uma
estúpida e convencional civilização de cinco mil anos, nem por isso está
moldada e petrificada. O respeito às instituições históricas é mais aparente
de que real. A não ser assim, como se explica as diversas fases da
história? As instituições religiosas, assim como as políticas, jurídicas e
econômicas, a cada minuto da história, se transformam ou decaem
definitivamente. Não há fórmula política ou religiosa que prevaleça
incólume através da história. Em todas as épocas houve reformas e
transformações de vulto. Isso indica que o cérebro humano não se amolda
nem agüenta pensar somente as condições de vida legadas por seus
antepassados: quer viver de acordo com o seu modo de ver e apreciar as
coisas; nunca como pensaram e viveram os ascendentes. Daí que os
governantes contemporâneos, em vista da formal desobediência do povo
a tudo quanto é arcaico e retrógrado, se vejam na necessidade, – para
conservar seus interesses criados, – de manietar e inventar os mais
variados sistemas de compressão individual e coletiva. O regime tirânico e
bárbaro – o fascismo – que atualmente se manifesta em diversas partes
do mundo, é a prova mais eloqüente e convincente de que o povo não tem
o mínimo respeito à lei e muito menos à moral dogmática das instituições
religiosas.
O pensamento agita o cérebro do homem de tal forma que já não se
conforma com nada que não seja produto de sua época. Despreza o
passado; vê o presente. Rompe os últimos anéis da corrente que o
amarrava ao tronco do passado e proclama, bem alto, o direito à
existência. Quer ser livre; quer ser feliz: outro objetivo não o move na vida.
A liberdade e a felicidade são conceitos que se exprimem separadamente
por conveniência de exposição; mas nunca porque sejam concepções
diferentes; pois, não se compreende como pode haver felicidade onde não
haja liberdade. Ambos os conceitos possuem um centro comum de
irradiação. Ambos partem do mesmo ponto, e formando um só corpo
cruzam a existência. Daí não concebermos que haja felicidade, mesmo
restrita, dentro de um sistema social que tenha como base o principio da
autoridade.
131
N. do Org.: Erro gráfico.
233
A maquinaria do atual organismo social que usa como principal lubrificante
o dinheiro, não pode, de forma alguma, afirmar-se, porque a função
específica do dinheiro é regularizar uma situação puramente convencional,
mas nunca um fator de equilíbrio social. Ainda mais: na procura do
dinheiro, o homem vê-se obrigado a empregar o melhor de suas energias
físicas e intelectuais. Resulta dessa carreira o descuido pelas coisas que
lhe são mais caras na vida: a liberdade. Torna-se um escravo do dinheiro.
Na sua frente vê só o valor da moeda e esquece-se de que seus
semelhantes são homens com ele e que possuem o mesmo direito à vida.
Haverá quem afirme o contrário e tratará de demonstrar que o dinheiro é
um veículo de felicidade; mas é insofismável e indemonstrável de que as
paixões humanas desbordam por causa desse fetiche.
As cadeias e os hospitais estão abarrotados de vítimas que imaginaram
encontrar a felicidade rendendo igualdade; durm-? Oda ria132 poderes culto
ao metal carimbado. A desigualdade social, com todo seu cortejo de
misérias e crimes; as guerras, que em menos de nada produzem milhares
de vítimas, sacrificando, em holocausto à “pátria”, a fina flor da juventude,
são também produto da concorrência que os homens se fazem na luta pelo
dinheiro. Enfim: como atribuir ao dinheiro princípio de ordem social e de
harmonia humana quando se sabe positivamente da influência perniciosa
que exerce no seio da sociedade? É de ilusos ou de pedantes sustentar a
tese de que o dinheiro é um fator de equilíbrio social. Ele é a ruína moral
da humanidade.
O egoísmo humano descamba para o terreno puramente individual porque
o sistema monetário oferece perspectivas de acúmulo de capital. Este
acúmulo de capital, importa, para quem o amontoa, um grau relativo de
felicidade. Logo, a felicidade e o bem-estar individual estão na razão direta
do monte de capital armazenado. Que isto dizer, que quanto mais
quantidade de dinheiro juntar mais feliz será. Ora, como o dinheiro não é
fruto de uma planta que se cultiva em qualquer quintal, resulta que quanto
mais se acumula por um lado maior escassez haverá por outro. Daí que a
felicidade de um importa na infelicidade dos demais. È mal comum ouvir-
se, entre o povo, este provérbio que bem retrata o estado atual da
sociedade baseada na especulação do capital: vales tanto quanto tens.
Por ai pode-se calcular o estado da mentalidade humana sujeita à
mesquinha especulação monetária.
A liberdade e a felicidade são meras abstrações que formulamos para
manifestarmos a nossa incompatibilidade com o meio social em que
vivemos. Na realidade, tudo o que se produz na Natureza é
132
N. do Org.: Erro gráfico.
234
fenomenal; nada está determinado; nada está legislado; – tudo é obra de
sucessivas reações químicas.
Assim como o indivíduo é homem e produto de múltiplas associações de
micro organismos que se unem por afinidade, por simples atração natural,
as grandes aglomerações humanas, que não são nenhuma exceção à
regra, também são efeito da mesma causa; pois as partículas individuais
que integram essas aglomerações são chamadas a colaborarem em
comum porque a existência de uma explicação é a supervivência da outra.
A associação é produto do indivíduo; assim como o indivíduo é produto da
associação.
Partindo deste principio de que os seres se unem por afinidade e em
comum repartem as agruras e os prazeres da vida, cabe-nos salientar, que
poder algum, por melhor organizado que estiver, nunca corresponderá aos
anseios e aos sentimentos de bem-estar que almeja o conglomerado
humano. O mais que pode fazer um Estado autoritário é destruir esse
princípio de solidariedade natural que é a chave da supervivência das
espécies e colocar um sistema de vida artificial de sorte a prejudicar
miseravelmente a boa marcha das relações de convivência social. O
Estado atual da organização social é uma amostra flagrante da
incompatibilidade do regime autoritário com a tendência libertária da
humanidade.
A desordem, a tirania e a libertinagem, são frutos de regimes autoritários.
A ordem, a paz e a solidariedade universal são predicados de um regime
de ampla e ilimitada liberdade.
A liberdade e a felicidade são sinônimos de harmonia social. Eia,
pois, pela liberdade integral.
63 – Nacionalismo e internacionalismo133
133
GARCIA, M. A Plebe. Nova Fase – Ano 02 – N.º 66 – São Paulo – SP. 07.07.1934.
235
portanto, não é justo e humano que se introduzam costumes diferentes.
Neste caso cometer-se-ia um atentado flagrante à soberania do
agrupamento étnico.
Assim sendo, o nacionalismo desclassifica-se por si mesmo; pois, as
centenas de tribos que existem na América Meridional e Setentrional, que
proliferam em terreno por elas cultivado, sofrem a invasão bárbara da
catequese nacionalista.
E, depois diga-se que o nacionalismo respeita o patrimônio alheio!... Os
aglomerados indígenas, que tem como patrimônio a própria natureza e
não obedecem à outra lei que não seja os seus próprios impulsos,
estão em constante litígio com esse estreito e convencional
nacionalismo que se engendra e arquiteta nos gabinetes.
Como se explica este contraste? Se o nacionalismo propugna pela
conservação incólume do patrimônio que é comum a determinado grupo
étnico, porque esse atropelo bárbaro contra o patrimônio alheio? Porque
pretender amarrar ao carro do Estado grupos étnicos de gente que nunca
precisou desse instrumento para viver e proliferar?
Na verdade, esse nacionalismo não passa de uma vil manobra para
esmagar os que não se sujeitam à internacional invasão clerical-
capitalista. O capitalismo e a religião são entidades internacionais que não
reconhecem fronteiras para sua expansão. O universo é pouco para seus
domínios, e no planeta terra não há lugar em que os terríveis tentáculos
desses polvos não estejam incrustados.
O capital e a religião dominam totalmente na superfície terrestre. Não há
mercado que não esteja sujeito ao fluxo e refluxo da especulação bancária:
todos gravitam dentro do sistema capitalista e, como tais, todos têm que
sofrer as contrações e depressões do regime, tanto na ordem econômica
como na ordem política. Daí que esse despertar nacionalista não seja mais
do que a consequência imediata da saída dos capitais da circulação, e que
deixará atrás de si um rastro de miséria e desolação.
O controle direto que o Estado nacionalista exerce sobre a entrada e a
saída do ouro, significa que esse metal está-se recolhendo
sistematicamente aos cofres de Nova York, Londres e Paris, e, também,
no Vaticano. Trata-se, pois, por todos os meios, impedir que o capital
transponha as fronteiras.
Para isso recalcam-se os impostos alfandegários à importação e
restringem-se os envios de valores particulares. É a guerra tarifária que o
nacionalismo inicia e que bem pode ser o prenúncio de uma guerra de
extermínio mútuo. Tudo é possível dentro do regime capitalista, mormente
na época presente em que seus alicerces estão bamboleantes e prestes a
ruir.
236
Nunca a humanidade foi sacudida tão violentamente pelo nacionalismo
como o está sendo atualmente; sempre procurou internacionalizar seus
conhecimentos sobre a indústria, a agricultura, a arte e todas as
manifestações do intelecto humano.
Ao internacionalismo clerical-capitalista impõe-se o nacionalismo clerical-
capitalista. Mussolini, Hitler, Stalin são nacionalistas. Mas com isso
conseguiram acabar com a desigualdade social e com a miséria
econômica? Mesmo o problema dos desocupados foi solucionado? Nada
disso foi resolvido! Tudo ficou como dantes. Ainda pior, o povo morre de
fome e não tem direito a gritar: tudo lhe é negado, até o direito de
manifestar-se contra a infame exploração de que é vítima.
Em câmbio, a política nacionalista, para encobrir, à vista do povo, sua
baixa paixão, procura intensificar a produção de armamentos de guerra
que servirão, brevemente, para o aniquilamento mútuo dos povos. Outra
não é a visão do nacionalismo a não ser patrocinar a guerra internacional.
Para isso, todos os Estados, a sua primeira preocupação é o orçamento
destinado à preparação de material bélico. Eles bem claro dizem quais são
suas intenções. Querem manter a paz do mundo, armando-se até aos
dentes. Nós todos sabemos qual é a paz e a tranquilidade dessa louca
corrida armamentista. Por enquanto, as relações internacionais dos
Estados são cada vez mais tensas e continuarão a esticarem-se à medida
que os arsenais de guerra aumentem seus estoques. Atualmente já há
Estados nacionalistas que estão febricitantes por não terem tido início as
operações militares.
Outros estadistas, quiçá menos nacionalistas e mais psicólogos, acham
que é cedo para iniciar a matança universal. Em resumidas contas, os
destinos da humanidade, salvo força maior, estão nas mãos dos
internacionalistas capitalistas de ontem e dos “nacionalistas” de hoje.
O nosso internacionalismo que em nada se assemelha ao do capitalismo,
fundamenta-se em que a natureza é universal e patrimônio comum a todos
os seres viventes. Todos os indivíduos, pela simples razão de terem vindo
ao mundo, possuem os mais amplos direitos à existência. Negar-se-lhe é
cometer um crime, se por crime se entende coartar a liberdade de seu
semelhante.
O retalhamento juridicamente estabelecido da superfície terrestre é um ato
antinatural e inumano, pois, sendo a natureza livre, não se explica que seja
humano e justo apoderar-se dela para uso e gozo de um punhado de
indivíduos.
Qual é a razão dessa apropriação? Qual é o motivo que justifica a posse
individual de um patrimônio que por sua natureza é comum a toda a
humanidade? Não há argumentação possível para justificar essas
237
injustiças. Tudo é produto do sistema capitalista que tanto tem de absurdo
como de bárbaro.
Toda a engrenagem do sistema capitalista gira de forma a multiplicar os
interesses privados, tornando a própria natureza cativa das ambições
pessoais.
Até a própria água dos mares está sendo juridicamente repartida.
Enfim, o “nacionalismo” não é mais do que uma particular expressão do
capitalismo internacional, que assenta suas bases no roubo e no crime em
contraposição ao internacionalismo racional e científico que tem seu
fundamento lógico na própria natureza, onde todos os seres são livres para
viverem e se multiplicarem.
64 – O hitlerismo134
134
GARCIA. M. A Plebe. Nova Fase – Ano 02 – N.º 67 – São Paulo – SP. 21.07.1934.
238
fábulas e superstições, não é tarefa fácil de concretizar-se, porquanto os
povos modernos, todos, com maior ou menor intensidade, estão saturados
de cruzamentos. Hoje em dia, nos países "civilizados" não há pureza racial,
isto é, grupos étnicos que descendam de uma única árvore genealógica.
Mesmo a raça germânica, que habitava as margens do Reno e do Danúbio,
sofreu a influência do cruzamento quando invadiram o território do Império
Romano. Até muitos prejuízos espirituais perderam os germanos quando
se converteram ao cristianismo.
Ora, o hitlerismo, quando iniciou a concretização de suas mastodônticas
teorias, não analisou os fatores fundamentais que precederam à atual
conformação psicofísica e sem mais nem menos, com o fim de pretender
"regenerar" a raça, pôs em funcionamento o célebre machado decapitador.
E como consequência de preconceitos espirituais, os judeus sofreram os
horrores dessa tremenda cruzada de intolerância religiosa.
A miséria moral a que está revertido o regime capitalista manifesta- se em
seus melhores sustentáculos. Assim, Hitler, desafiando os prejuízos
religiosos do povo alemão, arvora-se em mentor nacionalista e procura,
dessa forma, conquistar a simpatia desse povo "vencido"
capitalisticamente nas trincheiras. Por um lado invoca-lhe o
"nacionalismo"; por outro, sua fé religiosa.
E com esse arsenal de preconceitos religiosos e patrióticos, fácil lhe foi a
Hitler escalar o cume do poder. Entusiasmou, pelo patriotismo, a mocidade
alemã com a revisão do "humilhante" tratado de Versalhes; com a
pretensão de salvar o capitalismo que se debatia a braços com a
vanguarda da revolução social expropriadora, conquistou a simpatia dos
reis da indústria pesada. Dai por diante nada lhe faltou para alcançar a
posição que atualmente ocupa. Arregimentou a guarda de assalto por meio
do ouro que o sindicato católico, chefiado pelo magnata Tyssem, lhe
forneceu.
A campanha movida pelo hitlerismo contra o judaísmo, além de possuir um
cunho essencialmente capitalista, tem profundas raízes raciais e
espirituais.
239
65 – O hitlerismo135
(CONCLUSÃO)
135
GARCIA, M. A Plebe. Nova Fase – Ano 02 – N.º 68 São Paulo – SP. 04.08.1934.
240
capital estará garantido pelos estadistas.
Para socializar a propriedade é necessário eliminar o capital, o que
importaria na completa derrocada do regime capitalista, porque o sistema
burguês está baseado no acúmulo interminável do capital. Por
conseguinte, falar em socialismo, em comunizar a propriedade e governar
ao mesmo tempo não é mais do que empregar um grosseiro sofisma com
o fim de cativar a simpatia do povo.
O fascismo, o hitlerismo e o stalinismo são produtos do socialismo
autoritário. Todos convergem para um mesmo fim: aniquilar a liberdade
individual.
As experiências do socialismo stalinista, de Mussolini e de Hitler são
suficientes para demonstrar de como se retorna aos bárbaros regimes da
escravatura medieval.
Cabe, agora, lutar pelo advento da Revolução Social, a única capaz de por
fim a este mísero estado de coisas.
66 – Em tempo de eleições136
136
GARCIA, M. A Plebe. Nova Fase – Ano 02 – Nº 70 – São Paulo – SP. 01.09.1934.
241
a miséria perambula de uma maneira apavorante. Isso quer dizer que o
socialismo autoritário não passa de uma doutrina de panacéia e que seus
partidários, como os partidários de todos os partidos políticos, exceção
feita dos que, iludidos pela lábia demagógica dos oradores, crêem que a
política pode resolver a questão social, um bando de arrivistas com olhos
voltados para o erário público.
Não precisamos ir muito longe para justificar as nossas asserções: Neste
recanto do planeta, temos o exemplo. Senão vejamos.
O Partido Socialista Brasileiro diz, por intermédio de um boletim- programa
que anda sendo espalhado profusamente pelas ruas desta Capital, o
seguinte: "Partido sem prestígio do poder CAPITALISTA e que se
conservará longe dele até MELHORES DIAS".
Compreenda-se bem: que ficará longe do poder capitalista até melhores
dias. Isto quer dizer que não são pela extinção do regime capitalista; ao
contrário, são pela sua conservação, e que, mediante algumas reformas,
poderá esse mesmo regime continuar indefinidamente a imperar sobre a
superfície terrestre. Mais adiante o mesmo manifesto faz declarações
categóricas, como estas: - TODOS: – homens e mulheres, são concitados
a se organizarem em frente única em torno de seu PARTIDO, cujo
programa consubstancia-se nas teorias MARXISTAS. Por ai se vê que o
marxismo é a bandeira de combate do Partido Socialista Brasileiro. Ora,
resumindo, num só tópico, as afirmações que são MARXISTAS e que se
manterão longe do capitalismo até MELHORES DIAS, dão-nos a entender
que tanto o Partido Socialista Brasileiro, como as doutrinas marxistas, não
são tão perigosas ao capitalismo, como à primeira vista parecem. Ao
contrário. Por ai se vê que o capitalismo tem sua vida assegurada no
marxismo. E outra não poderá ser a conclusão, uma vez que o marxismo
concretiza todas as suas esperanças no Estado totalitário, isto é, reduz
todas as atividades humanas a uma simples fórmula estatal. Para
conseguir esta existência efetiva, o Estado tem que empregar meios que
não são alheios ao capitalismo, como seja a desigualdade de salário entre
os produtores. A não ser assim, isto é, admitindo a igualdade de salários
para todas as profissões, o Estado poderia subsistir? De forma alguma.
Uma vez que as condições de vida fossem iguais para todos os indivíduos,
isto é, que não houvesse privilégios de espécie alguma, não se pode
conceber que o princípio de autoridade frutifique, não só porque não
haveria quem tratasse de dominar os outros, senão porque não haveria
quem obedecesse.
Daí que o sistema do salário, implantado pelo capitalismo continue
imperando para sustentar o estatismo. De outra forma não se explica a
existência do Estado. Logo, o marxismo, que é o endeusamento do Estado,
para conservar-se tem que forçosamente manter a escala de
242
salários, e por conseguinte, todas as consequências dessa desigualdade
social.
Não é sem razão que nós, os anarquistas, advertimos aos trabalhadores
que não se ismicuam em questões políticas e que não se iludam com as
frases altissonantes e refinadas dos políticos que aparecem na arena da
luta social com o único intuito de suprir ambições pessoais. Os fatos
demonstram que os socialistas autoritários, ao contrário do que eles
afirmam, estão mais pertos do capitalismo do que dos produtores.
Por isso, o proletariado revolucionário, que sempre se manteve alheio às
questões políticas, não deve dar vazão a que seu esforço seja empregado
para satisfazer apetites de indivíduos que vêem na política um alto e
rendoso negócio.
É necessário que o proletariado, que é o alvo visado pelos políticos,
enxergue bem quais as manobras e processos empregados por essa casta
parasitária. É necessário que não se iluda com essa velha cantiga de
reivindicar seus direitos à vida por intermédio de outrem.
O Partido Socialista Brasileiro, à semelhança do argentino ou boliviano,
está impregnado de marxismo, o que equivale dizer: imperialismo estatista.
E outra não é a sua missão senão governar; e para governar é
imprescindível a existência do capital e a desigualdade no salário. De outra
maneira não se explica a existência do Estado nem a exploração bárbara
do homem pelo homem.
Portanto, proletários, cuidado com a política em geral, que pretende
resolver a questão social pela burla eleitoral, uma forma de tapeação para
melhor escravizar as classes produtoras.
Cuidado com os políticos de qualquer espécie, que, como os camaleões,
usam as cores de acordo com o ambiente em que se encontram.
67 – O Estado totalitário137
243
desgastadas democracias. É de iludidos ou de pedantes o propagar uma
fórmula política liberal capaz de restituir o poder aquisitivo do povo. Para
restabelecer esse poder aquisitivo é necessário mexer em uma das peças
fundamentais da engrenagem capitalista: o liberalismo comercial e a livre
especulação bancária, político-econômica, que a mentalidade burguesa
não tolera. Daí a necessidade de um Estado forte, capaz não somente de
refrear a insaciabilidade do capitalista, mas também de reter e subjugar
qualquer manifestação antipolítica do povo. Pode-se argumentar de modo
contrário; a realidade, porém, é que nenhum Estado se consegue sustentar
sem o capital, seja privado ou estatal. De qualquer forma é o sistema da
propriedade privada que o Estado trata de perpetuar. A não ser assim, não
se explicaria a existência desse organismo. Os grandes latifundiários
podem ser retalhados ou incorporados ao Estado, as indústrias, as minas
e os transportes, nacionalizados ou estatizados, mas isto não quer dizer
que se acabe com o imperialismo capitalista. O mais que se conseguirá
será substituir o imperialismo internacional do capitalismo pelo
imperialismo do capitalismo nacional. O stalinismo, na Rússia, o hitlerismo
na Alemanha e o mussolinismo, na Itália, são expressões de nacionalismos
capitalistas e de Estados totalitários. Todos esses Estados procuram
alargar a esfera de suas atividades; não estão satisfeitos com o que
possuem; Mussolini ambiciona a Abissínia, Hitler a Áustria e Stalin a
Mongólia. É inútil afirmar-se que o nacionalismo não é capitalista nem
imperialista.
A expansão capitalista atingiu ao auge de sua evolução. A técnica
industrial e agrícola, transporte e exploração do subsolo, aperfeiçoaram-
se de tal maneira que já o braço humano quase se torna desnecessário.
Os 200 milhões de desempregados são testemunhas da perfectibilidade
da mecânica industrial. A máquina produz conforme a exigência do seu
possuidor “legal” e não de acordo com as necessidades da coletividade.
Disso resulta o descontentamento do povo que tanto acabrunha aos
senhores governantes. A especulação cambial também está sofrendo um
tremendo colapso porque os capitais não podem circular livremente, com
lucros fabulosos, como nos outros tempos da expansão capitalista. Os
“cracks” americanos evidenciam a extensão do fenômeno contrátil do
capital. Isso quer dizer que já não há mercados novos para conquistar.
América, África e Austrália estão integradas no domínio do capitalismo, e
em cada país há uma indústria mais ou menos desenvolvida. Pode-se dizer
que está tudo feito. O emprego do capital já não se justifica. Portanto, o
capital a mais que se encontra circulando está sendo chamado pelas
“burras” de Nova York, Paris e Londres. Os “cracks” são uma
consequência da contração do capital. Esse fenômeno é uma
demonstração evidente do desequilíbrio orgânico do regime capitalista.
244
Nestas condições não é possível, dentro do regime capitalista,
restabelecer o poder aquisitivo do povo. Esse poder de aquisição só
poderá ser uma realidade quando o povo se resolver a eliminar o capital-
moeda e fundar instituições populares que visem satisfazer às múltiplas
necessidades da coletividade. Doutra forma não encontramos solução
para o problema. Só as comunidades livres, onde os indivíduos consumam
livremente de acordo com suas necessidades e produzam livremente de
acordo com suas energias, é que se poderá encontrar solução para o
magno problema da produção e consumo. Não é com fórmulas
governativas, por mais democráticas que sejam, que se há de por
paradeiro a este estado de misérias econômicas, políticas e morais. Não.
Todo e qualquer governo tem como base o capitalismo; não se evita,
portanto, a exploração do homem pelo homem nem se eliminam as classes
sociais. O mais que se conseguirá, dentro do regime estatal, será a criação
de uma instituição específica – burocrática, por excelência, – que tratará,
de acordo com a função que desempenha, de salvar, não os interesses da
coletividade, mas os interesses da instituição que representa. O exercício
de uma determinada função traz, como consequência, a formação de um
organismo. Se a função é burocrática e autoritária, de forma alguma se
pode criar um órgão libertário. Quem manda quer ser obedecido, e procura
conservar seu lugar hierárquico, embora com o sacrifício dos seus
semelhantes. A esta lei ninguém escapa. Por mais liberal que seja um
indivíduo, quando esteja investido de qualquer uma função burocrática,
terá que desempenhar o seu papel.
Aí já não é mais ele quem delibera, mas a instituição que representa. Nada
que venha dos poderes constituídos pode ser salutar ao povo. Ao contrário.
O governo só trata de governar, pouco se importando com a vida mísera
de seus governados. Por isso o povo, principalmente o produtor, não deve
iludir-se com esta ou aquela fórmula política, porque todas são falsas e
tirânicas. Todos os partidos políticos, para galgar ao cume do poder,
prometem mares e fundos. Todos os oferecimentos são poucos quando se
trata de conquistar a simpatia popular, mas quando conseguirem escalar
as alturas da governança tornam-se simples instrumentos do capitalismo,
dispostos a defendê-lo com unhas e dentes, sacrificando ao próprio povo
que os colocou no poder. Há milhares de exemplos que confirmam esta
asserção. A história da humanidade é uma contínua solução autoritária.
Todas as formas de governo foram experimentadas pelo povo. Desde as
férreas ditaduras teocráticas até a pretensa ditadura proletária, os povos
vêm desfiando um rosário de tiranias. No seio mesmo da família vêem- se
os efeitos dissolventes do autoritarismo. Todos os membros da família
autoritária querem mandar e ninguém se entende. O mesmo
245
acontece com os governantes. A única diferença entre uma e outra família
é que a [ira] autoritária dos burocratas é descarregada implacavelmente
sobre o lombo do povo. Este é quem paga por todas as consequências
desastrosas de uma organização falsa. Por isso, já é tempo de acabar com
o princípio da autoridade. A liberdade é o reverso do autoritarismo. Onde
não há liberdade não há organização e muito menos harmonia. O que não
se fizer pelo livre acordo não se fará jamais pela coação. E o Estado, que
é uma fórmula autoritária, tenha ele a expressão que tiver – constitucional
ou ditatorial – nunca pode ser um veículo de felicidade. Ao contrário,
constrangido pelas contrações do regime capitalista vê-se na emergência
de totalizar todas as energias humanas para fazer delas o que bem
entende. Em resumo: o Estado totalitário é um reviver bárbaro e
sanguinolento dos antigos impérios asiáticos.
***
138 A
COMISSÃO da União dos Operários em Construção Civil. Refutando as afirmações
mentirozas do Grupo Comunista. Rio de Janeiro; 16.03.1922.
246
Sobre ele se manifestou quem quis, como sempre acontece, sobre
qualquer assunto, sendo que todos os que se manifestaram o fizeram em
sentido contrário às pretensões do G. C., aconselhando a assembleia a
não aceitar, na luta que se ia travar pela liberdade do camarada preso, a
colaboração dos partidários da Ditadura moscovita. Cada orador expôs,
dum modo mais ou menos claro, as razões da sua atitude. Em síntese,
todos afirmaram “que o G. C. era uma instituição política, aderente à III
Internacional de Moscou, e que a Construção Civil não podia, sem
tergiversar, proceder para com os da política bolchevista diferentemente
do modo como tem procedido para com os da política republicana ou
monárquica. Se alguma concessão se podia e devia fazer, aceitando o
concurso que acaso oferecessem em contingências tais, era aos
anarquistas, a quem se deve a prosperidade acentuadamente
revolucionária das organizações sindicalistas e cuja orientação tem guiado
a U. O. C. C. nas lutas tremendas em que se tem empenhado nestes
últimos cinco anos”.
A assembleia, por sinal numerozíssima, (estavam presentes cerca de 500
pessoas) quando o camarada que presidia os trabalhos pediu que se
manifestasse a respeito, foi unânime em rejeitar o apoio do G. C.
– “Por quê?”
O secretário do G. C. sabe perfeitamente porquê – como todos os outros
membros do Grupo também sabem. E ao publicar o manifesto que
dirigiram aos operários em Construção Civil, eles, os do Grupo, bem
sabiam que “falseavam a verdade insofismável”, dizendo que tal
deliberação obedeceu ao critério dum “grupelho” e não ao da coletividade.
Na U. O. C. C. não há grupelhos
247
O que se passou a respeito do G. C. era esperado pelo próprio Grupo. No
Rio de Janeiro – melhor, no Brasil inteiro, – são conhecidas as tendências
libertárias da U. O. C. C. A orientação de nossa associação, repetimos, é
devida à influência dos anarquistas. É devida, em parte, a alguns dos
“mentores” do G. C.. Estes, quando estavam com os anarquistas, diziam,
pela imprensa e em conferências, “que os trabalhadores deviam organizar-
se para conquistar a sua independência política e econômica, e que, para
conquistar tal liberdade deviam começar por exercê-la dentro do sindicato,
não se sujeitando à vontade de outro. O próprio sindicato, ao federar-se,
devia conservar a sua autonomia”. Porque, incoerentemente, defender
agora a centralização de poderes? Porque preconizam a sujeição do
individuo ao grupo e do grupo à Federação?
Verificada essa incoerência, os operários em Construção Civil, como os
das outras indústrias, só podiam fazer uma coisa: recordar os fatos ligados
à Coligação defunta... e a exemplo do que fizeram então, repelir, senão os
adeptos do novo organismo, a orientação que este adota e deseja infiltrar
nas organizações operárias.
Foi o que a Construção Civil fez. E fê-lo conscientemente e coletivamente,
afirmando mais uma vez a convicção de que “de messias, deuses, chefes
supremos, nada podemos esperar...”
E os ditadores consideram-se messias...
Está esclarecido, portanto, que o G. C. não tem pela sua frente a oposição
dum “pequeno grupo” de operários desta associação: está em oposição
aberta contra o G. C. a U. O. C. C. aquela “poderosa associação” que tão
doces esperanças revolucionárias proporcionou, em tempos idos... a
alguns do G. C.
Tal oposição contradiz com os dispositivos das bases de acordo da nossa
associação, como alega o G. C.? Pois bem. A U. O. C. C. exulta pelo passo
dado à frente, para o terreno da ideologia! Estamos num período
agudíssimo do problema social. Mais do que ontem – oh! Muito mais! –
hoje se impõe a todos os indivíduos e agrupações o dever de definir sua
atitude, de tomar uma posição clara. Já lá vão cinco longos anos de lutas
contra o capitalismo em particular. Desde que se
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reorganizou, a U. O. C. C. tem procurado respeitar o mais possível as suas
bases de acordo no ponto que determinam a atitude em face do lado
político da questão social. Hoje, porém, na convicção de que continuando
a lutar por simples melhorias econômicas não alcançará nunca a meta que
deseja atingir, – que é a destruição do capitalismo, a abolição do salariato,
numa palavra o arrasamento do Estado, proletário ou burguês, estamos
resolvidos a só aproveitar das nossas bases de acordo o que elas
contenham de bom.
Isto, pensamos, é ainda uma afirmação da nossa consciência
revolucionária. Não é, notem os comunistas, um “pequeno grupo de
autocratas” quem marca esta atitude, mas a U. O. C. C., provando, dum
modo independente e categórico, o aperfeiçoamento iniludível da sua
mentalidade.
O G. C., querendo dizer “o que é e o que pretende”, fez publicar que... “Só
por ignorância ou má fé, ou por consciente calúnia poderiam afirmar –
“afirmar” mas não “provar” – que há no Grupo Comunista cavadores e
vivedores”...
Nós podíamos deixar de nos referir a este ponto do seu manifesto. Mas, já
que o G. C., caluniosamente e premeditadamente, publicou a afirmação de
que o apoio que ofereceu à U. O. C. C. não foi repelido por esta associação
mas por “pretensos mentores” da classe, por “uma dúzia de pequenos
autocratas mentais”, queremos provar que se discordamos do G. C. e se
lhe movemos campanha o fazemos dignamente, não “mentindo”, não
“injuriando”, nem “caluniando”...
Esta associação não pode ser responsabilizada pelos excessos de
linguajem que alguns dos seus membros pratiquem. Se isso pudesse
acontecer, nós teríamos o direito – com que, aliás, não nos julgamos – de
responsabilizar o G. C. pelos erros e pelas infâmias praticadas,
isoladamente, por alguns dos seus membros, dos mais retintamente
comunistas. (?)
Até hoje, a U. O. C. C. não fez a afirmação de que no G. C. há “cavadores”
e “vivedores”. E não podíamos afirmar tal coisa sem provas inconcussas.
Mas o que é fato é que algumas razões assistiam aos que acusaram os
comunistas de “cavadores” e “vivedores”. Esse fato, a
249
nosso ver, deve ser o que resulta desse amálgama de que fazem parte
elementos que até ontem eram considerados inimigos do proletariado,
pelos próprios “mentores” do G. C., e que hoje fazem parte dos partidos da
III Internacional.
Mas vejamos:
250
O G. C. confessa que não é “uma agrupação especifica de assalariados”.
Nós todos sabemos disso: sabemos que o G. C. é uma instituição política
que aspira governar! É porque o conhecemos bem que o combatemos.
Mas se o G. C. se conhece a si mesmo e se se propôs combater “todos os
desvios e todas as deturpações” no seio dos organismos sindicais, por que
deturpa assim as claras e evidentíssimas manifestações antipolíticas
desses organismos, indo ao seu seio semear o “germe da dissolução”?
Cartas na mesa!
O G. C. o que quer é a vitória das suas ideias. Nada mais natural que isso.
Mas para essa vitória há necessidade duma “frente única", e ele, o Grupo,
batalha para que se forme essa “frente” “sob a bandeira revolucionária da
Internacional Sindical Vermelha”, isto é, sob a orientação ditatorial do
Partido Comunista Russo.
Não lhe negamos esse direito. Mas se para essa “frente única" é
necessário que concorram, misturando-se, sindicatos obreiros e partidos
políticos, nós, que somos contrários à política, declaramo-nos também
contrários a essa “frente” à frente da qual pontifica o Partido Comunista
que sustenta a ditadura na Rússia.
O que a U. O. C. C. deseja
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oposição à Ditadura, e aos ditadores. Ademais, essa foi sempre a
atitude da U. O. C. C., depois da sua reorganização.
Tem havido “excesso”, nas palavras e ações, dalguns membros desta
associação?
É possível. Mas isso, repetimos, não reflete, de modo algum o
critério coletivo.
Nós desejamos a Revolução expropriadora e libertadora, mas de
expropriação e libertação absolutas!
Eis tudo.
Desejamos ardentemente o advento do comunismo anárquico, e é para
esta espécie de comunismo triunfar sobre os escombros da sociedade
capitalista que havemos de fazer convergir todos os nossos esforços.
252
Últimas palavras
Rio, 16 – 3 – 922
A Comissão
253
Uma Breve Apresentação da Imprensa Marginal
www.anarcopunk.org/imprensamarginal
254