139
Diagnóstico físico-ambiental da cafeicultura...Coffee Science, Lavras, v. 7, n. 2, p. 139-151, maio/ago. 2012
DIAGNÓSTICO FÍSICO-AMBIENTAL DA CAFEICULTURANO ESTADO DE MINAS GERAIS – BRASIL
Tiago Bernardes
1
, Maurício Alves Moreira
2
, Marcos Adami
3
, Bernardo Friedrich Theodor Rudorff
4
(Recebido: 10 de agosto de 2010; aceito 20 de abril de 2012)
RESUMO:
O estado de Minas Gerais é o maior produtor de café no Brasil, onde a cultura está distribuída sob diferentes condiçõesde ambiente e cultivo. O conhecimento de variáveis ambientais favorece a implantação e definição do tipo de manejo adequado aocultivo do café. Objetivou-se, neste trabalho, avaliar em termos espaciais e quantitativos a ocupação da cafeicultura em Minas Geraise propor um modelo de ocupação das áreas cafeeiras com relação às variáveis do meio físico: altimetria, declividade, orientação devertentes e solos. Utilizaram-se dados de sensoriamento remoto para mapear o café e para derivar os dados de altimetria, declividadee orientação de vertentes. Os mapas gerados, juntamente com um mapa de solos, foram sobrepostos ao mapa de áreas cafeeiras,utilizando-se operadores estatísticos zonais para espacialização do café em relação a estes temas. As classes mais favoráveis ao cultivodo cafeeiro foram consideradas para definição de um ambiente mais apto à cultura. Os resultados demonstram que o parque cafeeiroestá distribuído em altitudes variando entre 500 e 1.200 m. São encontradas lavouras em praticamente todas as faixas de declividade, porém há um predomínio de lavouras em declividades entre 5 e 15%.A orientação de vertentes não parece influenciar na distribuiçãoespacial das lavouras de café uma vez que a proporção de lavouras é parecida em todas as classes de orientação. No entanto, a proporção de lavouras em faces orientadas a oeste é ligeiramente inferior. Com relação ao tipo de solo foi observado que 80% doscafezais encontra-se em Latossolos e Argissolos. Cerca de 70% do parque cafeeiro distribui-se adequadamente quando todas asvariáveis são analisadas simultaneamente, ou seja, sob condições favoráveis de altimetria, declividade, orientação de vertentes e solo.
Termos para indexação:
Sensoriamento remoto, cafeicultura, relevo, classes de solos.
PHYSIC-ENVIRONMENTAL DIAGNOSIS OF COFFEE CROPIN THE STATE OF MINAS GERAIS, BRAZIL
ABSTRACT:
The State of Minas Gerais is the major coffee producer in Brazil. The crop is spread over different environments as wellas different management systems. Knowledge about environmental variables helps to establish and define appropriate management practices for the coffee crop. The objective of this study was to access spatially and quantitatively the occupation of coffee crop in MinasGerais and to elaborate a land use model for coffee crop in the state taking into account variables such as soil type, altitude, slope and aspect. We have used remote sensing data to map coffee areas and to derive relief data (altitude, slope and aspect). The relief data and a digital soil map were overlapped with the coffee area map in order to access the prevailing relationships. We have also considered the most favorable classes of each theme to determine the most suitable environment for coffee crop. Results show that the crop isdistributed within altitudes varying from 500 to 1.200 m. There are coffee fields in all classes of slope but slopes up to 15% predominate. The aspect does not seem to influence the occurrence of coffee since the proportions of coffee fields are about the samein all classes. However, we have found a slightly smaller proportion of coffee placed in west-facing slopes. In relation to soil types, Latossolos and Argissolos are the most occupied with coffee, that is, up to 80% of coffee fields are placed in those soils. About 70%of coffee fields are spread in appropriate environments over the best classes of soil, altitude, slope and aspect.
Index terms:
Remote sensing, coffee crops, relief, soil classes.
1
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais/INPE - Avenida dos Astronautas - 1758 - Jd. Granja - 12.227-010 - São José dosCampos - SP - bernati2004@gmail.com
2
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais/INPE - Avenida dos Astronautas - 1758 - Jd. Granja - 12.227-010 - São José dosCampos - SP - mauricio@dsr.inpe.br
3
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais/INPE - Avenida dos Astronautas - 1758 - Jd. Granja - 12.227-010 - São José dosCampos - SP - adami@dsr.inpe.br
4
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais/INPE - Avenida dos Astronautas - 1758 - Jd. Granja - 12.227-010 - São José dosCampos - SP - bernardo@dsr.inpe.br
1 INTRODUÇÃO
O estado de Minas Gerais é responsável por 50% da produção total de café do Brasil seguido doestado do Espírito Santo que participa com 26% da produção. As duas espécies cultivadas no país são aArábica
(Coffea arabica
L.
)
e a Robusta (
Coffeacanephora
Pierre ex A. Froehner). A espécie Arábicacorresponde a 73% da produção brasileira e apresentaum grande número de cultivares enquanto que a
BERNARDES, T. et al.
140
Coffee Science, Lavras, v. 7, n. 2, p. 139-151, maio/ago. 2012
espécie Robusta corresponde aos 27% restantes,sendo a cultivar Conillon a mais cultivada(COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO -CONAB, 2010).A boa produção de café depende, em grande parte, de tratos culturais adequados e de fatoresfisiológicos e ambientais favoráveis aodesenvolvimento da cultura. Dentre os fatoresambientais, o clima exerce um papel primordial, umavez que a temperatura e a disponibilidade hídrica, particularmente durante certos estádios fenológicos,interferem diretamente na produtividade da cultura(ASSAD et al., 2004; PICINI et al., 1999).Evangelista, Carvalho e Sediyama (2002) utilizaramgeotecnologias para fazer o zoneamento climático noestado de Minas Gerais associado ao potencial produtivo da cultura do café. O mesmo foi realizadocom maior detalhamento por Nunes et al. (2007) paraa mesorregião do Vale do Rio Doce, em Minas Gerais.Os aspectos do meio físico auxiliam na definição deterritórios distintos, o que pode ser de grande utilidade para:
i)
definição de práticas de manejo adequadas;
ii)
planejamento de atividades de extensão, particularmente no que diz respeito à atuação juntoaos pequenos e médios produtores;
iii)
adoção de práticas conservacionistas apropriadas;
iv)
monitoramento de danos do meio ambiente; e
v)
atividades de planejamento e tomada de decisão dosagentes do poder público.Variáveis do relevo influenciam na ocorrência demicroclimas específicos em função da incidência deradiação e de ventos, bem como do acúmulo de massasde ar frio. A orientação de vertentes desempenha papelimportante sobre a evapotranspiração e o decorrente balanço hídrico (VALERIANO, 2003). Em estudosrealizados no hemisfério norte, Diodato, Ceccarelle eBellocchi (2010) encontraram valores deevapotranspiração significativamente menores emvertentes orientadas a norte em relação às vertentessul. Entretanto, no hemisfério sul o fenômeno ocorre demaneira inversa (menor evapotranspiração nas vertentesorientadas ao sul), e com mais intensidade nas maioreslatitudes, ou seja, quanto mais distante do equador maior a diferença de evapotranspiração entre as vertentesnorte e sul. Alzugaray e Alzugaray (1984) recomendamo plantio de café em áreas com vertentes orientadas para o norte, noroeste ou nordeste, pois recebem maior quantidade de energia solar em relação àquelasimplantadas em outras faces do terreno que recebemmenores quantidades de energia, ficando mais sujeitasà ocorrência de ventos frios e de geadas. A declividadeé outra variável do relevo que atua na distribuição de processos hidrológicos e erosivos do solo(VALERIANO; GARCIA, 2000), além de condicionar a possibilidade de mecanização agrícola (ZAMBOLIM,2001). A altitude é importante na definição dos processosde alteração das temperaturas do ar (CARGNELUTTIFILHO et al., 2006) e afeta na qualidade da bebida docafé. Barbosa et al. (2011) observaram que cafés commelhor qualidade de bebida ocorrem preferencialmenteem altitudes mais elevadas. Condições adequadas dealtitude e exposição de vertentes também foram relatadas por Avelino et al. (2005) como condicionantes daqualidade sensorial da bebida do café. Para o estado deMinas Gerais, Sediyama et al. (2001) não recomendamo plantio de café Arabica em altitude inferior a 500 m ousuperior a 1.200 m devido às condições de temperaturasdesfavoráveis.As características físico-químicas dos solosinterferem no desenvolvimento da cultura do café enas práticas de manejo como adubações, irrigação econservação do solo. Wadt (2005) relatou relaçõesentre classes de solos e o estado nutricional decafeeiros.Uma análise das relações da cultura com omeio físico pode ser feita por meio de um Sistema deInformação Geográfica (SIG), alimentado por dadosobtidos de imagens de satélites, como por exemplo, omapeamento sistemático da cultura do café degrandes extensões territoriais (ADAMI et al., 2009;MOREIRA et al., 2007, 2010) e dados da missãoamericana SRTM (
Shuttle Radar Topography Mission
) para derivar variáveis do meio físico, comoaltimetria, declividade e orientação de vertentes. Asinformações contidas nesses mapeamentos podemser agregadas a outras informações como variáveisderivadas do relevo e tipo de solo para seremanalisadas no SIG.A caracterização de fatores que definem umambiente favorável ao cultivo do cafeeiro, associadaa uma distribuição espacial das lavouras obtida por meio de imagens de satélite, para todo estado de MinasGerais, ainda está por ser feita. Essa caracterização pode favorecer ações de planejamento bem comoservir de material básico para futuras pesquisas.Objetivou-se, no presente trabalho, elaborar uma
141
Diagnóstico físico-ambiental da cafeicultura...Coffee Science, Lavras, v. 7, n. 2, p. 139-151, maio/ago. 2012
modelagem ambiental do parque cafeeiro de MinasGerais em relação às variáveis morfométricas(altimetria, declividade e orientação de vertentes) eaos tipos de solo.
2 MATERIAL E MÉTODOS
A área de estudo compreende todo o estadode Minas Gerais, localizado na região sudeste doBrasil, entre os paralelos de 14º 14’ e 22º 54’ de latitudesul e os meridianos de 39º 51’ e 51º 02’ de longitude aoeste de Greenwich.O mapa de áreas cafeeiras correspondente aoano de 2007 foi obtido a partir de imagens do sensor TM do satélite Landsat 5 por Moreira et al. (2010).O modelo digital de elevação (MDE) gerado peloSRTM em fevereiro de 2000, conforme relatado emRabus, Eineder e Bamler (2003), foi utilizado paraobter os dados de relevo. No presente trabalho,empregou-se a terceira versão dos dados(CONSULTATIVE GROUP FOR INTERNATIONALAGRICULTURE RESEARCH-CONSORTIUMFOR SPATIAL INFORMATION - CGIAR-CSI,2007) na qual foram corrigidas imperfeições nos dadosde altimetria causadas por valores anormalmente altose baixos (RABUS; EINEDER; BAMLER, 2003).Utilizou-se, ainda, uma base de solos do estadode Minas Gerais, em escala nominal 1:1.000.000(AMARAL et al., 2004). A base em questão constituiuma compilação de todos os levantamentos de solosdisponíveis para o Estado, o que resultou num grandenúmero de classes, nomeadas pela antigaclassificação de solos. Essas classes foram entãoagrupadas e renomeadas conforme o SistemaBrasileiro de Classificação de Solos (EMPRESABRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA -EMBRAPA, 2005).As análises foram realizadas por mesorregião,conforme os limites vetoriais disponibilizados peloPRODENGE (1998). Porém, as mesorregiões com pouca expressividade em termos de cultivo de caféforam agrupadas num único grupo denominado deGrupo 1, composto por: Central Mineira,Metropolitana de Belo Horizonte, Noroeste, Norte deMinas e Vale do Mucuri. Esse grupo responde por cerca de 3% da área de café do Estado (MOREIRAet al., 2007). Os materiais utilizados são listados naTabela 1. Na Figura 1, ilustra-se o fluxo de processamento dos dados para obter as áreasfavoráveis para a cafeicultura no Estado com relaçãoàs variáveis consideradas.A base inicial de dados SRTM com os valoresde altitude foi convertida em dados de declividade eorientação de vertentes. As outras bases externasutilizadas foram o mapa de solos e o mapa de áreascafeeiras. Foram obtidas então as estatísticas zonaissobre os temas altitude, exposição de vertentes,declividades e solos dentro de cada polígono de café.O parâmetro estatístico utilizado foi a moda, que indicao valor ou classe mais freqüente dentro de cada polígono de café.Para cada polígono de café mapeado foiatribuído o valor mais frequente de altitude (valor modal) dentro do polígono a partir da grade altimétricaSRTM. Foram estabelecidas as seguintes classesaltimétricas para agrupamento dos polígonos: a) < 500m; b) 500 a 700 m; c) 700 a 800 m; d) 800 a 900 m; e)900 a 1000 m; f) 1000 m a 1200 m e; g) > 1200 m. Aestratificação dessas classes foi definida a partir doslimites superior e inferior sugeridos por Sediyama etal. (2001).
TABELA 1
– Materiais utilizados e fonte dos dados.
*Companhia de Tecnologia da Informação do Estado de Minas Gerais
DESCRIÇÃO ESCALA/RESOLUÇÃO FONTE
Limite - Macrorregiões 1:1.500.000 PRODEMGE* (1998) Mapa da área de Café 1:100.000 Moreira et al. (2010) SRTM - Altimetria Resolução 90 m CGIAR-CSI (2007) Aplicativo SPRING - Camara et al. (1996) Mapa de solos 1:1.000.000 Amaral et al. (2004)
BERNARDES, T. et al.
142
Coffee Science, Lavras, v. 7, n. 2, p. 139-151, maio/ago. 2012
A declividade, definida como a taxa devariação do valor da elevação em uma dada direção,foi obtida a partir da mesma grade altimétrica SRTM,conforme a Equação 1, expressa em graus. Em umSistema de Informação Geográfica o cálculo érealizado por filtragem (janela de 3 x 3 pixels),explorando-se a função de derivação na vizinhançade cada célula da grade. A maior variação destaderivação, em relação ao pixel central da máscara,é definida como o valor de declividade no pixel quecorresponde ao centro da máscara. Os valores maisfrequentes de declividade (valor modal), para cada polígono de café, foram calculados a partir da gradede declividade. Após a definição da declividade predominante a cada polígono esses foramagrupados nas seguintes classes: a) 0 a 5%; b) 5 a10%; c) 10 a 15%; d) 15 a 20%; e) 20 a 30%; f) 30a 45% e; g) acima de 45%.físico mais favorável. Esse ambiente foi definido pela interseção das classes mais adequadas aodesenvolvimento do cafeeiro Arabica e aplicaçãode manejo mecanizado. Na Tabela 2, apresentam-se as classes mais adequadas de cada variávelutilizada na definição do ambiente favorável para ocultivo do café e as bases dos critérios para escolhadessas classes.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO3.1. Classes de altitude, declividade eorientação de vertentes
Na Figura 2, apresenta a proporção dedistribuição das classes de altitude (a), declividade(b) e orientação de vertentes (c) em relação a todoestado de Minas Gerais.Minas Gerais possui altitudes que variam entre40 e 2.785 m, sendo que mais de 80% da área doEstado tem altitudes entre 500 e 1.200 m. Altitudes <500m correspondem a cerca de 15% da área do Estado(Figura 2a), as quais são concentradas nasmesorregiões do Vale do Mucuri, Vale do Rio Docee Zona da Mata. Altitudes >1.200 m correspondem aapenas 3% e se localizam na Mesorregião Sul deMinas.As declividades de 0 a 15% predominam noEstado, com aproximadamente 70% em área (Figura2b). As maiores declividades ocorrem na MesorregiãoSul/Sudoeste e em todas as Mesorregiões situadasno setor leste do Estado.As faces de orientação de vertentes ocorremem proporções similares em todo o Estado,conforme visualizado na Figura 2c. Nesse caso éimportante ressaltar que o algoritmo de geraçãodos ângulos de orientação das vertentes semprederiva algum ângulo, mesmo em áreas quase planas. Apenas áreas correspondentes a grandesrepresas e reservatórios de água resultam em áreas planas e correspondem a menos de 1% da área doEstado (Figura 2c).
3.2. Distribuição das lavouras de café comrelação à altimetria
Pela Tabela 3, apresentam-se os resultados daárea de café (MOREIRA et al., 2010), por intervalode classe de altimetria para as mesorregiões e todoEstado.
22
arctan
y z x z D
em que D refere-se à declividade,
z
à altimetria,
x
àlatitude e
y
à longitude.A orientação de vertentes é a direção na qualfoi obtida a maior declividade no pixel central da janelade 3 x 3 pixels, utilizando-se a Equação 2. Os valoresmodais de vertentes, de cada lavoura de café, foramcalculados a partir da grade de vertentes que, por sua vez foi estratificada nos seguintes intervalos deexposição: a) 0
o
a 22,5
o
e de 337,5
o
a 360
o
(norte); b)22,5
o
a 67,5
o
(nordeste); c) 67,5
o
a 112,5
o
(leste); d)112,5
o
a 157,5
o
(sudeste); e) 157,5
o
a 202, 5
o
(sul); f)202,5
o
a 247,5
o
(sudoeste); g) 247,5
o
a 292,5
o
(oeste);h) 292,5
o
a 337,5
o
(noroeste)
(1)
O y z x zO
,/tan
(2)
em que
O
refere-se à orientação de vertentes,
z
àaltimetria,
x
à latitude e
y
à longitude. No caso do mapa de solos também foiassociada a cada polígono de café a classe queocupava a maior parte do mesmo.Todas as variáveis consideradas nestetrabalho foram integradas num SIG visandoquantificar a situação do parque cafeeiro , comrelação a cada variável isoladamente e ao ambiente