No Jardim Das Feras - Erik Larson
No Jardim Das Feras - Erik Larson
No Jardim Das Feras - Erik Larson
Sobre a obra:
Sobre nós:
TÍTULO ORIGINAL
In the Garden of Beasts
DESIGN DE CAPA
Whitney Cookman
ADAPTAÇÃO DE CAPA
Julio Moreira
FOTO DE CAPA
@ The Art Archive/Marc Charmet
FOTO DO AUTOR
Benjamin Benschneider
PREPARAÇÃO
Clara Diament
REVISÃO
Milena Vargas
Taís Monteiro
REVISÃO DE EPUB
Juliana Latini
GERAÇÃO DE EPUB
Intrínseca
E-ISBN
978-85-8057-179-0
»
Para as meninas, e os próximos vinte e cinco
(e em memória de Molly, uma boa cadela)
SUMÁRIO
Das Vorspiel
PARTE V Apreensão
Fontes e agradecimentos
Notas
Bibliografia
No meio da jornada de nossa vida, me vi perdido numa floresta escura,
longe do caminho verdadeiro.
DANTE ALIGHIERI
A divina comédia: Canto I
Das Vorspiel
Era uma vez, na alvorada de uma época muito sombria, dois americanos, pai e
filha, que de repente se viram transportados de sua confortável casa em Chicago
para o coração da Berlim de Hitler. Ali permaneceram por quatro anos e meio,
mas é o primeiro deles que serve de assunto para a história contada a seguir, pois
a data coincide com a ascensão de Hitler de chanceler a tirano absoluto, quando
tudo era precário e instável, e nada era certo. Aquele primeiro ano foi uma
espécie de prólogo, no qual foram apresentados todos os temas da grande
epopeia de guerra e assassinatos que estava por vir.
Sempre tive curiosidade de saber o que sentiria um estrangeiro que
testemunhasse em primeira mão a formação das trevas do domínio de Hitler.
Que aspecto tinha a cidade, o que se ouvia, via e cheirava, e como diplomatas e
outros visitantes interpretavam os eventos à sua volta? A visão que se tem hoje é a
de que, durante aquele período delicado, o curso da história poderia ter sido
facilmente alterado. Por que, então, ninguém o fez? Por que se levou tanto tempo
para reconhecer o perigo real representado por Hitler e seu regime?
Como a maioria das pessoas, formei minha ideia inicial daqueles tempos a
partir de livros e fotografias que me davam a impressão de que o mundo de
então não tinha cor, apenas variações de preto e cinza. Meus dois protagonistas,
entretanto, depararam com a realidade em carne e osso, ao mesmo tempo que
viviam a rotina das obrigações da vida diária. Todas as manhãs, caminhavam por
uma cidade repleta de imensas bandeiras em vermelho, branco e preto;
sentavam-se em cafés ao ar livre também frequentados por esguios integrantes
das SS em seus uniformes pretos e, de vez em quando, vislumbravam o próprio
Hitler, um homem pequeno num grande Mercedes conversível. Mas também
passavam todos os dias por casas cujas sacadas exibiam exuberantes gerânios
vermelhos; faziam compras nas vastas lojas de departamento da cidade;
ofereciam chá aos amigos e respiravam com volúpia as fragrâncias de
primavera do Tiergarten, o principal parque de Berlim. Conheceram socialmente
Goebbels e Göring, com quem jantavam, dançavam e gracejavam — até que,
ao fim do primeiro ano, ocorreu um evento que se mostraria altamente
significativo, por revelar o verdadeiro caráter de Hitler e por lançar a pedra
fundamental da década seguinte. Para o pai e para a filha, aquilo mudou tudo.
Esta é uma obra de não ficção. Como é de hábito, tudo o que estiver entre
aspas provém de carta, diário, texto biográfico ou outro documento histórico.
Nestas páginas, não fiz o menor esforço para escrever outra grandiosa história
daquela época. Meu objetivo era mais intimista: revelar aquele mundo do
passado por meio das experiências e percepções de meus dois personagens
principais, pai e filha, que, ao chegarem a Berlim, embarcaram numa viagem de
descoberta, de transformação e, finalmente, do mais profundo desgosto.
Não há heróis aqui, pelo menos daquela variedade que figura em A lista de
Schindler, mas há lampejos de heroísmo e pessoas que se comportam com
inesperada elegância. Há sempre nuances, embora por vezes tenham natureza
perturbadora. Este é o problema da não ficção. É preciso deixar de lado aquilo
que todos nós — agora — sabemos ser verdade e tentar seguir meus dois
inocentes pelo mundo tal qual o conheceram.
Eram pessoas complicadas, movimentando-se numa época complicada,
antes que os monstros revelassem sua verdadeira natureza.
ERIK LARSON
Seattle
1933
O homem por trás da cortina
Meio de fuga
O telefonema que mudou para sempre a vida da família Dodd, de Chicago, veio
ao meio-dia de 8 de junho de 1933, uma quinta-feira, quando William E. Dodd
estava sentado à sua mesa na Universidade de Chicago.1
Diretor do Departamento de História, ele era professor na universidade desde
1909, reconhecido nacionalmente por sua obra sobre o Sul dos Estados Unidos e
pela biografia de Woodrow Wilson. Aos 64 anos, com 1,72 metro de altura, olhos
azul-acinzentados e cabelo castanho-claro, Dodd estava em boa forma. Embora
seu rosto tendesse a dar uma impressão de severidade, a rigor ele era espirituoso,
irônico, e tinha um senso de humor afiado. Casado com Martha, que todos
conheciam como Mattie, tinha dois filhos, ambos na casa dos vinte anos. A filha,
também chamada Martha, estava com 24; o filho, William Jr. — Bill —, com 28.
Tudo indica que formavam uma família feliz e unida. Longe de serem ricos,
tinham uma vida confortável, apesar da depressão econômica que então
subjugava o país. Viviam numa grande casa, na Blackstone Avenue, 5.757, no
bairro de Hy de Park, em Chicago, a poucos quarteirões da universidade. Dodd
também era proprietário de uma pequena fazenda, da qual cuidava durante o
verão, em Round Hill, Virgínia. De acordo com registros do condado, tinha 158
hectares, “mais ou menos”, e era onde Dodd, democrata jeffersoniano do
primeiro time, sentia-se mais em casa, andando entre suas novilhas Guernsey ;
seus quatro cavalos castrados, Bill, Coley, Mandy e Prince; seu trator Farmall; e
seus arados Sy racuse puxados a cavalo.2 Ele preparava café numa lata de
Maxwell House sobre o velho fogão a lenha. A mulher não apreciava o lugar na
mesma medida, e ficava muito feliz quando ele ia passar temporadas sozinho no
local, enquanto o restante da família permanecia em Chicago. Dodd deu à
fazenda o nome de Stoneleigh, por causa das rochas espalhadas pela vastidão, e
falava dela do jeito que outros homens falam do primeiro amor. “Os frutos são
tão lindos de se ver, quase perfeitos, vermelhos e suculentos, as árvores ainda
curvadas sob seu peso”, escreveu ele, uma bela noite, durante a colheita de
maçãs.3 “Tudo isso me encanta.”
Apesar de não ser, em geral, dado a clichês, Dodd descreveu o telefonema
como uma “surpresa que caiu do céu”.4 Mas havia nisso algum exagero. Nos
meses anteriores, seus amigos vinham comentando que a qualquer hora
receberia uma ligação como aquela. O que o deixou surpreso e perturbado foi a
natureza precisa da chamada.
***
JÁ FAZIA ALGUM TEMPO que Dodd estava insatisfeito com seu posto na
universidade. Embora adorasse ensinar história, gostava ainda mais de escrevê-
la, e trabalhava, havia anos, naquilo que esperava ser o relato definitivo dos
primórdios da história do Sul, uma série de quatro volumes chamada The Rise
and Fall of the Old South (Ascensão e queda do velho Sul). Com frequência,
porém via seu progresso frustrado pelas demandas do emprego. Apenas o
primeiro volume estava próximo da conclusão, e ele chegara a uma idade em
que temia ser enterrado junto com o trabalho incompleto. Negociara um horário
reduzido com o departamento, mas, como costuma acontecer com esses
arranjos artificiais, não havia funcionado como ele esperava. A saída de pessoal
e as pressões financeiras dentro da universidade, relacionadas à Depressão,
faziam-no trabalhar tanto quanto antes. Tinha que lidar com funcionários,
preparar palestras e atender às necessidades avassaladoras dos estudantes de pós-
graduação. Numa carta para o Departamento de Prédios e Terrenos da
universidade, datada de 31 de outubro de 1932, ele suplicava que seu escritório
fosse aquecido aos domingos, para que pudesse dedicar pelo menos um dia da
semana a seus escritos interrompidos.5 A um amigo, descreveu sua posição
como “constrangedora”.6
Além disso, ele achava que deveria ter avançado mais na carreira, e isso
aumentava sua insatisfação. O que o impedira de ir mais longe e mais depressa,
queixava-se à mulher, fora o fato de não ter sido criado em condições
privilegiadas e, pelo contrário, ter sido obrigado a trabalhar muito para chegar até
ali, diferentemente de outros da sua área, que tinham progredido com mais
rapidez. De fato, ele alcançara aquela posição na vida da maneira mais difícil.
Nascido em 21 de outubro de 1869, na casa dos pais no pequeno vilarejo de
Clay ton, na Carolina do Norte, Dodd veio ao mundo como parte do estrato
inferior da sociedade branca sulista, que ainda observava as convenções de
classe de antes da Guerra Civil. O pai, John D. Dodd, era um agricultor de
subsistência que mal sabia ler; a mãe, Evely n Creech, descendia de uma
linhagem mais nobre da Carolina do Norte, e era criticada por ter se casado com
alguém de posição social inferior. O casal cultivava algodão em terra cedida pelo
pai de Evely n e mal conseguia ter o suficiente para sobreviver. Nos anos que se
seguiram à Guerra Civil, com o grande aumento da produção de algodão e a
consequente queda dos preços, a família endividou-se cada vez mais no
armazém da cidade, de propriedade de um parente de Evely n que era um dos
três homens mais importantes de Clay ton — “homens duros”, como dizia Dodd:
“(…) comerciantes e senhores aristocráticos de seus dependentes!”7
Dodd era um entre sete filhos e passou a juventude trabalhando nas terras da
família. Apesar de considerar honrado aquele trabalho, não queria passar o resto
da vida como agricultor, e reconhecia que a única forma de um homem de
origem humilde driblar o destino era adquirindo instrução. Lutou para abrir seu
caminho, por vezes concentrando-se com tal empenho nos estudos que os colegas
o apelidaram de “Monge Dodd”.8 Em fevereiro de 1891, ingressou na Faculdade
Agrícola e Mecânica da Virgínia (posteriormente conhecida como Virginia
Tech). Ali também foi uma presença sóbria, concentrada. Outros alunos
entregavam-se a brincadeiras como pintar a vaca do reitor da faculdade e
encenar duelos falsos para convencer os calouros de que tinham matado os
adversários.9 Dodd só estudava. Obteve o diploma de bacharel em 1895 e o
mestrado em 1897, aos 26 anos.
Encorajado por um respeitado professor, e com o empréstimo de um
bondoso tio-avô, Dodd partiu em junho de 1897 para a Alemanha, para a
Universidade de Leipzig, a fim de iniciar um curso de doutorado. Levou sua
bicicleta. Decidiu concentrar sua dissertação na figura de Thomas Jefferson,
apesar da óbvia dificuldade de encontrar documentos americanos do século
XVIII na Alemanha. Dodd fez tudo o que era preciso fazer em sala de aula e
descobriu arquivos de materiais relevantes em Londres e Berlim. Além disso,
viajou muito, quase sempre de bicicleta, cada vez mais espantado com a
atmosfera de militarismo que impregnava o país. A certa altura, um de seus
professores preferidos propôs uma discussão sobre o tema “Até que ponto os
Estados Unidos ficariam indefesos se fossem invadidos por um grande exército
alemão?”.10 Essa belicosidade prussiana incomodava Dodd, que escreveu:
“Havia uma predisposição excessiva para a guerra em toda parte.”11
Dodd voltou para a Carolina do Norte no final do outono de 1899 e, depois de
meses de procura, conseguiu emprego como professor na Faculdade Randolph-
Macon, em Ashland, Virgínia.12 Também retomou sua amizade com a jovem
Martha Johns, filha de um abastado proprietário de terras que vivia perto da
cidade natal de Dodd. A amizade desabrochou em romance e, na véspera do
Natal de 1901, eles se casaram.
Em Randolph-Macon, Dodd logo se meteu em encrenca. Em 1902, publicou
um artigo no Nation atacando a bem-sucedida campanha movida pelo Grand
Camp of Confederate Veterans (Associação de Veteranos da Guerra Civil) para
banir da Virgínia um livro didático de história que seus integrantes consideravam
uma afronta à honra sulista. Dodd acusou os veteranos de acreditarem que as
únicas versões válidas da história eram aquelas que afirmavam que o Sul “estava
totalmente certo em querer se separar da União”.
A reação foi violenta e imediata. Um advogado de destaque no movimento
dos veteranos lançou uma campanha para expulsar Dodd de Randolph-Macon. A
faculdade deu total apoio a Dodd. Um ano depois, ele voltou a atacar os
veteranos, dessa vez num discurso perante a Sociedade Histórica Americana, no
qual condenava seus esforços para “tirar das escolas todos os livros que não
correspondam a seu modelo de patriotismo local”. Afirmou com veemência que
“ficar calado era completamente impossível para um homem forte e honesto”.
A importância de Dodd como historiador cresceu, assim como sua família. O
filho nasceu em 1905; a filha, em 1908. Reconhecendo que precisava de um
aumento de salário e que as pressões de seus inimigos sulistas não diminuiriam,
Dodd candidatou-se a um cargo na Universidade de Chicago. Conseguiu o
emprego e, no frígido janeiro de 1909, aos 39 anos, ele e a família partiram para
a cidade, onde permaneceriam pelos 25 anos seguintes. Em outubro de 1912,
sentindo a influência de suas raízes e a necessidade de estabelecer sua própria
credibilidade como genuíno democrata jeffersoniano, comprou a fazenda.13 O
penoso trabalho que tanto o desgastara na infância agora se tornava uma diversão
capaz de redimir a alma e um romântico retorno ao passado americano.
Ele descobriu também que tinha um interesse duradouro pela vida política,
despertado em agosto de 1916, quando se viu no Salão Oval da Casa Branca para
um encontro com o presidente Woodrow Wilson.14 O episódio, segundo um
biógrafo, “alterou profundamente sua vida”.
Dodd sentia-se profundamente incomodado com os sinais de que os Estados
Unidos se inclinavam cada vez mais a intervir na Grande Guerra que estava
sendo travada na Europa. Sua experiência em Leipzig não lhe deixara dúvida de
que a Alemanha tinha sido a única responsável pela guerra, para satisfazer os
anseios de seus industriais e aristocratas, os Junkers, que ele comparava à
aristocracia sulista de antes da Guerra Civil americana. Agora via a mesma
soberba despontar nas elites industriais e militares dos Estados Unidos. Quando
um general do exército tentou incluir a Universidade de Chicago numa
campanha nacional destinada a preparar o país para a guerra, ele empinou o
nariz e foi queixar-se diretamente ao comandante em chefe.
Queria apenas dez minutos do tempo de Wilson, mas conseguiu bem mais, e
ficou encantado como se tivesse tomado uma poção mágica num conto de fadas.
Passou a achar que Wilson tinha razão ao defender a intervenção norte-
americana na guerra. Para Dodd, Wilson tornou-se a encarnação moderna de
Thomas Jefferson. Nos sete anos seguintes, os dois tornaram-se amigos; Dodd
escreveu a biografia do presidente. Quando Wilson morreu, em 3 de fevereiro de
1924, Dodd mergulhou em luto profundo.
Com o tempo, passou a ver em Franklin Roosevelt um homem à altura de
Wilson e participou ativamente de sua campanha à presidência em 1932, falando
e escrevendo em sua defesa sempre que tinha oportunidade. Mas, se tinha
esperança de tornar-se membro do círculo mais próximo de Roosevelt, logo
ficou desapontado, preso às obrigações acadêmicas cada vez menos satisfatórias.
***
ELE AGORA ESTAVA COM 64 anos, e a forma que encontrara de deixar uma
marca no mundo era contar a história do velho Sul, que também era algo que
todas as forças do Universo pareciam determinadas a impedir, incluindo a
política da universidade de não ligar o aquecimento nos prédios aos domingos.
Estava cada dia mais decidido a trocar a universidade por algum cargo que
lhe deixasse tempo livre para escrever, “antes que seja tarde demais”.15 E
ocorreu-lhe a ideia de que o emprego ideal talvez fosse um posto não muito
exigente no Departamento de Estado, quem sabe como embaixador em Bruxelas
ou Haia. Ele se julgava suficientemente conhecido para ser considerado, apesar
de sua tendência a se imaginar muito mais influente em assuntos nacionais do
que de fato era. Escrevera com frequência a Roosevelt para dar conselhos sobre
questões econômicas e políticas, antes e imediatamente depois de sua vitória. E
com certeza irritou-se ao receber da Casa Branca, logo depois da eleição, uma
resposta-padrão declarando que, embora o desejo do presidente fosse responder
de imediato à totalidade das cartas que chegavam ao seu gabinete, seria
impossível cuidar de todas pessoalmente em tempo oportuno, por isso pedira a
seu secretário que o fizesse.
Dodd tinha, porém, bons amigos que eram íntimos de Roosevelt, incluindo o
novo secretário de Comércio, Daniel Roper. Os filhos de Dodd eram para Roper
como sobrinhos, suficientemente chegados para que Dodd não sentisse nenhum
pudor em usar o rapaz como intermediário e perguntar se o novo governo
acharia adequado designá-lo para um posto na Bélgica ou na Holanda. “São
postos onde o governo precisa ter alguém, mas o trabalho não é cansativo”, disse
Dodd ao filho.16 E confessou que o que realmente desejava era terminar sua
obra sobre o velho Sul. “Não quero nenhuma nomeação de Roosevelt, mas estou
muito preocupado em não falhar num projeto de vida.”
Em suma, Dodd queria uma sinecura, um emprego que não lhe exigisse
demais, mas lhe rendesse respeito, um bom salário e, o mais importante, tempo
suficiente para escrever — isso apesar de reconhecer que a função de diplomata
não combinava muito bem com o seu caráter. “No que diz respeito à alta
diplomacia (Londres, Paris, Berlim), não é para mim,” escreveu à mulher no
começo de 1933.17 “Isso me aflige por sua causa. Simplesmente não sou do tipo
dissimulado, de duas caras, tão necessário para a tarefa de ‘mentir lá fora em
nome do país’. Se eu fosse, poderia ir a Berlim e ajoelhar-me diante de Hitler —
e reaprender alemão.” Mas, acrescentou, “por que perder tempo com esse
assunto? Quem desejaria viver em Berlim pelos próximos quatro anos?”.
Fosse devido à conversa do filho com Roper ou a outra combinação de
forças, o fato é que logo se cogitou o nome de Dodd. Em 15 de março de 1933,
durante uma temporada em sua fazenda na Virgínia, ele passou por Washington
para conversar com o novo secretário de Estado de Roosevelt, Cordell Hull, com
quem estivera em várias ocasiões. Hull era alto e grisalho, com covinha no
queixo e maxilares fortes.18 Por fora, parecia a encarnação de tudo o que um
secretário de Estado devia ser, mas aqueles que o conheciam melhor sabiam
que, quando se zangava, tinha a não diplomática e pouco política tendência a
verter torrentes de impropérios. Tinha um defeito de fala que transformava seus
erres em dáblius, como o personagem de desenho animado Hortelino Troca-
Letras — traço de que Roosevelt de vez em quando zombava, como quando se
referiu aos seus “twade tweaties” (trade treaties, tratados comerciais). Hull, como
sempre, tinha quatro ou cinco lápis vermelhos no bolso da camisa, sua
ferramenta predileta para assuntos de Estado. Aventou a possibilidade de uma
nomeação para a Holanda ou para a Bélgica, exatamente o que Dodd pretendia.
Mas agora, obrigado de repente a imaginar a realidade diária desse tipo de vida,
ele hesitava. “Depois de considerável exame da situação”, escreveu Dodd em
seu pequeno diário de bolso, “eu disse a Hull que não poderia aceitar o cargo.”19
Mas seu nome continuou em circulação.
E, naquela quinta-feira de junho, seu telefone pôs-se a tocar. Quando levou o
fone ao ouvido, escutou uma voz que reconheceu de imediato.
CAPÍTULO 2
Ninguém queria o emprego.1 O que parecia ser uma das tarefas menos
desafiadoras entre aquelas a serem enfrentadas por Franklin D. Roosevelt como
novo presidente se transformara, em junho de 1933, numa das mais
intransponíveis. Em comparação com outras embaixadas, a de Berlim tinha tudo
para ser muito concorrida — não chegava a ser como um posto em Londres ou
em Paris, é claro, mas ainda assim se tratava de uma das grandes capitais da
Europa e no centro de um país que passava por mudanças revolucionárias sob a
liderança do recém-nomeado chanceler, Adolf Hitler. Dependendo do ponto de
vista, a Alemanha vivia um grande renascimento ou mergulhava num período de
trevas. Com a ascensão de Hitler, o país sofrera um brutal espasmo de violência
com a condescendência do Estado. O exército paramilitar de camisas-marrons, a
Sturmabteilung, ou SA — as Tropas de Assalto —, estava fora de controle,
prendendo, espancando e, em alguns casos, até matando comunistas, socialistas e
judeus. As Tropas de Assalto improvisaram celas e salas de tortura em subsolos,
galpões e outras instalações. Só em Berlim havia cinquenta desses bunkers, como
eram chamados. Dezenas de milhares de pessoas foram presas e colocadas sob
“custódia protetora” — Schutzhaft —, um eufemismo risível. De quinhentos a
setecentos prisioneiros morreram na prisão; outros foram submetidos a
“afogamentos e enforcamentos simulados”, segundo uma declaração da polícia.
Uma prisão perto do Aeroporto de Tempelhof tornou-se especialmente notória:
Columbia-Haus, que não deveria ser confundida com o novo e moderno prédio
no centro de Berlim chamado Columbushaus. A sublevação levou um líder judeu,
o rabino Stephen S. Wise, de Nova York, a comentar com um amigo: “As
fronteiras da civilização foram transpostas.”
Roosevelt fez a primeira tentativa de preencher o posto de Berlim em 9 de
março de 1933, menos de uma semana depois de assumir a presidência e no
exato momento em que a violência na Alemanha atingia o auge da ferocidade.
Ele o ofereceu a James M. Cox, que em 1920 fora candidato a presidente, com
Roosevelt como companheiro de chapa.
Numa carta recheada de lisonjas, Roosevelt escreveu: “Não é apenas pela
minha afeição por você, mas também por achá-lo singularmente apto para essa
posição-chave, que eu gostaria muito de submeter seu nome ao Senado para
designá-lo embaixador americano na Alemanha. Espero que aceite, depois de
conversar com sua adorável mulher, que, a propósito, seria perfeita como
embaixatriz. Mande-me um telegrama dizendo que sim.”2
Cox disse que não: as exigências de seus muitos negócios, que incluíam vários
jornais, o obrigavam a recusar.3 Não fez menção nenhuma à violência que
grassava a Alemanha.
Roosevelt deixou o assunto de lado para enfrentar a grave crise econômica do
país, a Grande Depressão, que naquela primavera já subtraíra o emprego de um
terço da força de trabalho não agrícola do país e reduzira o produto interno bruto
à metade; só voltou a pensar no problema um mês depois, quando ofereceu o
cargo a Newton Baker, ex-secretário de Guerra de Woodrow Wilson e agora
sócio de um escritório de advocacia em Cleveland.4 Baker também recusou. O
mesmo fez Owen D. Young, destacado homem de negócios. Roosevelt tentou em
seguida Edward J. Fly nn, figura importante do Partido Democrata e um de seus
grandes aliados. Fly nn conversou com a mulher, “e decidimos que, devido à
pouca idade de nossos filhos, seria impossível honrar tal compromisso”.
A certa altura, Roosevelt comentou, em tom de piada, com um membro da
família Warburg: “Sabe de uma coisa, Jimmy, aquele sujeito, Hitler, ia ficar
muito feliz se eu mandasse um judeu para Berlim como embaixador. O que acha
desse emprego?”5
Agora, com a chegada de junho, o prazo tornava-se apertado. Roosevelt
estava mergulhado numa exaustiva batalha para aprovar sua Lei de Recuperação
da Indústria Nacional, peça central do New Deal, em face da fervorosa oposição
de um grupo poderoso de republicanos. No começo do mês, com o Congresso a
poucos dias do recesso de verão, o projeto de lei parecia prestes a ser aprovado,
mas ainda sofria ataques de republicanos e de alguns democratas, que lançaram
uma salva de propostas de emendas e obrigaram o Senado a realizar uma
maratona de sessões. Roosevelt achava que quanto mais tempo a batalha se
arrastasse, maior seria a probabilidade de o projeto fracassar ou ficar
severamente esvaziado, em parte porque qualquer prorrogação da temporada
legislativa poderia provocar a ira dos congressistas, ansiosos por sair de
Washington para as férias de verão. Todo mundo estava ficando rabugento. Uma
onda de calor no fim da primavera tinha elevado as temperaturas a níveis
inéditos em todo o país, ao custo de mais de uma centena de vidas. Washington
exalava vapor; os homens cheiravam mal. Uma manchete em três colunas na
primeira página do New York Times dizia: “ROOSEVELT AJUSTA PROGRAMA
PARA APRESSAR O FIM DA TEMPORADA; VÊ SUAS POLÍTICAS
AMEAÇADAS”.6
E este era o conflito: o Congresso precisava confirmar e aprovar as verbas
para novos embaixadores. Quanto mais cedo os congressistas entrassem em
recesso, maior a pressão sobre Roosevelt para escolher um novo homem para
Berlim. Assim, ele se via na situação7 de ter que levar em conta candidatos que
fugiam ao perfil das indicações habituais, como os reitores de pelo menos três
faculdades e um ardoroso pacifista chamado Harry Emerson Fosdick, pastor
batista da Igreja Riverside em Manhattan. Nenhum deles, porém, parecia ideal; a
nenhum o cargo foi oferecido.
Na quarta-feira, 7 de junho, faltando poucos dias para o recesso, Roosevelt
reuniu-se com alguns dos seus assessores mais próximos e manifestou a
frustração de não conseguir achar um novo embaixador.8 Um dos presentes era
o secretário de Comércio Roper, a quem Roosevelt de vez em quando se referia
como “Tio Dan”.
Roper pensou um pouco e fez uma nova sugestão, o nome de um velho amigo
seu:
— O que acha de William E. Dodd?
— Não é má ideia — disse Roosevelt, apesar de não deixar claro se era no
que, de fato, ele acreditava no momento. Sempre afável, Roosevelt era propenso
a prometer coisas que não tinha necessariamente intenção de cumprir. — Vou
pensar — prometeu.
***
DODD ERA TUDO MENOS o candidato típico para um posto diplomático. Não
era rico. Não era influente, do ponto de vista político. Não era amigo de
Roosevelt. Mas falava alemão e, aparentemente, conhecia bem o país. Um
problema em potencial era sua antiga ligação com Woodrow Wilson, cuja
crença em juntar-se a outros países no palco mundial era uma heresia para o
crescente número de americanos que insistiam que os Estados Unidos deveriam
evitar o envolvimento com assuntos de outras nações. Esses “isolacionistas”,
liderados por William Borah, de Idaho, e Hiram Johnson, da Califórnia,
tornavam-se cada vez mais barulhentos e poderosos. Pesquisas mostravam que
95% dos americanos queriam que os Estados Unidos evitassem qualquer guerra
estrangeira.9 Roosevelt, embora fosse a favor do comprometimento
internacional, mantinha em segredo suas opiniões sobre o assunto, para não
atrapalhar o andamento de sua agenda interna. Parecia improvável, no entanto,
que Dodd despertasse fortes reações dos isolacionistas. Era um historiador de
temperamento sóbrio, e seu conhecimento de primeira mão da Alemanha tinha
um valor evidente.
Berlim, além disso, ainda não era o posto de alta pressão que viria a se tornar
dentro de um ano. A impressão que se tinha, naquela época, era de que o governo
de Hitler não teria condições de durar muito. O poderio militar da Alemanha era
limitado — seu exército, o Reichswehr, contava apenas com cem mil homens, e
não era páreo para as forças militares da vizinha França, muito menos para o
poderio combinado de França, Inglaterra, Polônia e União Soviética. E o próprio
Hitler começava a parecer um ator mais moderado do que seria de se prever
diante da violência que varrera a Alemanha no começo do ano. Em 10 de maio
de 1933, o Partido Nazista queimou livros que considerava indesejáveis — obras
de Einstein, de Freud, dos irmãos Mann e de muitos outros — em grandes
fogueiras, mas sete dias depois Hitler se declarou empenhado na promoção da
paz, a ponto de prometer desarmamento total, se outros países fizessem o
mesmo. O mundo reagiu com alívio. Em comparação com os amplos desafios
que Roosevelt enfrentava — depressão global, outro ano de seca nefasta —, a
Alemanha era, mais que qualquer outra coisa, uma fonte de irritação. Para
Roosevelt e o secretário Hull, o problema alemão mais urgente era a dívida de
US$ 1,2 bilhão a credores americanos, compromisso que o regime de Hitler
parecia cada vez menos disposto a saldar.
Ninguém parecia se preocupar com o tipo de personalidade necessário para
lidar efetivamente com o governo de Hitler. O secretário Roper achava “que
Dodd seria astuto no desempenho de seus deveres diplomáticos e, quando as
conferências se tornassem tensas, ele viraria a mesa citando Jefferson”.10
***
***
***
A escolha
Diante da crise econômica do país, o convite de Dodd não poderia ser aceito
levianamente. Martha e Bill tinham a sorte de estar empregados — Martha como
editora assistente da seção de literatura do Chicago Tribune, Bill como professor
de história, iniciando uma carreira acadêmica —, muito embora, até então, o
filho demonstrasse tão pouco entusiasmo que chegava a preocupar seu pai.
Numa série de cartas para a mulher em abril de 1933, Dodd deu livre curso às
suas preocupações em relação a Bill. “William é ótimo professor, mas tem
horror a trabalho duro de qualquer espécie.”1 Era disperso demais, escreveu
Dodd, especialmente se houvesse um automóvel por perto. “Não seria bom para
nós manter um carro em Chicago, se quisermos ajudá-lo a progredir nos
estudos”, escreveu Dodd.2 “A existência de um veículo com rodas é uma
tentação grande demais.”
Martha se saíra muito melhor do ponto de vista profissional, para grande
satisfação de Dodd, mas ele se preocupava com a turbulência de sua vida
pessoal. Apesar de amar profundamente os dois filhos, Martha era seu grande
orgulho. (A primeira palavra que ela pronunciou na vida, de acordo com registros
familiares, foi “papai”.3) Com 1,60 metro de altura, loura, com olhos azuis e um
largo sorriso, a moça tinha uma imaginação romântica e um jeito coquete, o que
despertou paixões em muitos homens, jovens e não tão jovens.
Em abril de 1930, com apenas 21 anos, ela ficou noiva de um professor de
inglês da Universidade Estadual de Ohio chamado Roy all Henderson Snow.4 Em
junho, o noivado foi desfeito. Ela teve um breve caso com o romancista W. L.
River, que anos antes publicara Death of a Young Man (Morte de um jovem). Ele
a chamava de Motsie e declarava seu amor em cartas compostas de frases
extraordinariamente longas, uma das quais se estende por 74 linhas escritas à
máquina em espaço simples. Naquela época, isso era tido como prosa
experimental. “Não quero nada da vida, só você”, escreveu ele.5 “Quero estar
com você para sempre, trabalhar e escrever para você, viver onde você quiser
viver, não amar nada, ninguém, a não ser você, amá-la com a paixão do mundo,
mas também acima dos elementos mundanos, com um amor mais eterno e
espiritual (…)”
Ele não realizou seu intento. Martha apaixonou-se por outro, um homem
natural de Chicago chamado James Burnham, que escrevia sobre “beijos suaves,
leves como o roçar de uma pétala”.6 Ficaram noivos. Dessa vez, ela parecia
disposta a ir em frente, até uma noite em que todas as fantasias que tecera sobre
seu iminente casamento viraram de pernas para o ar. Seus pais organizaram uma
reunião na casa da família, na Blackstone Avenue, e um dos convidados era um
veterano da Grande Guerra, então vice-presidente de um banco em Nova York.
Seu nome era George Bassett Roberts. Os amigos o chamavam simplesmente de
Bassett. Morava com os pais em Larchmont, subúrbio ao norte da cidade. Era
alto, de lábios grossos, e bonito. Um colunista de jornal, escrevendo sobre sua
promoção, observou com admiração: “Seu rosto é bem barbeado. A voz é suave.
A fala, um tanto lenta (…) Nada nele sugere o banqueiro à moda antiga,
intransigente, ou o estatístico seco como pó.”7
De início, enquanto ele se misturava aos outros convidados, Martha não o
achou tão atraente, mas, já mais para o final da noite, deparou com Bassett
sozinho. Levou “um choque”, como escreveu depois. “Foi uma dor e uma
doçura, como uma flecha no ar, quando voltei a vê-lo, longe dos outros, na
entrada da nossa casa. Isso parece ridículo, mas, juro, foi exatamente assim, a
única vez na vida em que experimentei o amor à primeira vista.”8
Bassett também ficou tocado, e eles iniciaram um romance a distância, cheio
de energia e paixão. Numa carta de 19 de setembro de 1931, ele escreveu:
“Como foi divertido na piscina aquela tarde, e como você foi graciosa comigo
depois que tirei minha roupa de banho!”9 E poucas linhas adiante: “Sim, meu
Deus, que mulher, que mulher!” Como disse Martha, ele a “deflorou”.
Chamava-a de “benzinho” e “benzinho meu”.
Mas ele a confundiu. Não se comportou da maneira que ela se acostumara a
esperar de um homem. “Nunca antes amei e fui amada tanto sem que houvesse
propostas de casamento em pouco tempo!”, escreveu-lhe ela anos depois.10
“Por isso fiquei profundamente magoada e acho que ervas daninhas
envenenavam minha árvore do amor!” Ela foi a primeira a falar em casamento,
mas ele tinha dúvidas. Ela usou de artifícios. Continuou noiva de Burnham, o que,
é claro, deixou Bassett enciumado. “Ou você me ama ou não me ama”,
escreveu ele, de Larchmont, “e, se me ama, e tem juízo, não pode casar com
outro.”11
Com o tempo, os dois cederam e acabaram se casando, em março de 1932,
mas o fato de guardarem segredo sobre a união até para os amigos dá uma ideia
das dúvidas que continuavam abrigando. “Eu o amei desesperadamente, e tentei
‘fisgá-lo’ durante muito tempo, mas depois, talvez devido ao cansaço causado por
tal esforço, o próprio amor se exauriu”, escreveu Martha.12 E então, no dia
seguinte ao casamento, Bassett cometeu um erro fatal. Já era ruim o fato de ele
ter de voltar para Nova York e seu emprego no banco, mas o pior foi não ter lhe
mandado flores — um erro “banal”, como ela depois reconheceu, mas
emblemático de algo mais profundo.13 Logo depois Bassett viajou para Genebra
para assistir a uma conferência internacional sobre o ouro, e ao fazê-lo cometeu
outro erro desse teor, deixando de ligar para ela antes de partir para “demonstrar
algum nervosismo sobre nosso casamento e sobre a iminente separação
geográfica”.14
Passaram o primeiro ano de casamento afastados, com encontros periódicos
em Nova York e Chicago, mas a separação física aumentava as pressões sobre a
relação. Ela reconheceu, mais tarde, que deveria ter ido morar em Nova York
com ele e transformado a viagem a Genebra numa lua de mel, como Bassett
sugerira.15 Mas mesmo então Bassett parecia inseguro. Durante uma ligação, ele
se perguntou, em voz alta, se o casamento não teria sido um erro. “Aquilo foi a
gota d’água”, escreveu Martha.16 Àquela altura, ela começou, segundo suas
próprias palavras, a “flertar” com outros homens e a manter um caso com Carl
Sandburg, velho amigo de seus pais, que conhecia desde os 15 anos.17 Ele lhe
mandou rascunhos de poemas escritos em tirinhas de papel fino, cortadas de
forma estranha, e dois cachos de seu cabelo louro, atados com linha preta. Num
bilhete, proclamava: “Eu a amo mais do que poderia dizer com gritos de
Shenandoah e sussurros de débil chuva azul.”18 Martha deixava pistas suficientes
para atormentar Bassett. Como lhe disse posteriormente, “eu me preocupava em
sanar minhas feridas e feri-lo com Sandburg e outros”.19
Todas essas forças se juntaram um dia no jardim da casa de Dodd na
Blackstone Avenue. “Sabe o verdadeiro motivo por que nosso casamento não deu
certo?”, escreveu ela. “Porque eu era imatura e nova demais, mesmo aos 23,
para querer deixar minha família! Senti uma dor no coração quando meu pai me
disse, enquanto fazia qualquer coisa no nosso jardim, pouco depois de você se
casar comigo: ‘Quer dizer então que minha menina querida quer deixar seu velho
pai.’”20
Agora, em meio a todo esse torvelinho pessoal, o pai lhe aparecia com um
convite para juntar-se a ele em Berlim, e, de repente, ela se viu obrigada a
escolher: Bassett e o banco e, no fim, inevitavelmente, uma casa em Larchmont,
filhos, um gramado — ou seu pai, Berlim e sabe-se lá o quê.
O convite do pai era irresistível. Ela disse mais tarde a Bassett: “Tive de
escolher: ele e a ‘aventura’ ou você. Não pude deixar de fazer a opção que fiz.”21
CAPÍTULO 4
Temor
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DODD TERIA PREFERIDO PASSAR os dois dias seguintes com a família, mas o
departamento fazia questão de que, ao chegar a Nova York, ele participasse de
reuniões com executivos de bancos, para tratar da questão da dívida da
Alemanha — assunto pelo qual tinha pouco interesse —, e de encontros com
líderes judeus. Ele temia que as imprensas americana e alemã deturpassem o
caráter dessas reuniões, comprometendo a objetividade que esperava aparentar
em Berlim.42 Mas obedeceu, e o resultado foi um dia de encontros que lembrava
a série de visitas de fantasmas de Um conto de Natal, de Dickens. A carta de um
destacado ativista judeu avisou a Dodd que na noite de segunda-feira, 3 de julho,
ele receberia a visita de dois grupos de homens, devendo o primeiro chegar às
oito e meia e o segundo às nove.43 As reuniões aconteceriam no Century Club, a
base de Dodd em Nova York.
Primeiro, porém, ele encontrou-se com os banqueiros nos escritórios do
National City Bank de Nova York, que anos depois passaria a se chamar Citibank.
Dodd ficou surpreso ao saber que o National City Bank e o Chase National Bank
tinham mais de cem milhões de dólares em títulos da dívida alemã, papéis que a
Alemanha, àquela altura, propunha pagar à taxa de trinta centavos por dólar.
“Houve muita conversa, mas o único entendimento foi que eu deveria fazer o
possível para impedir que a Alemanha desse um calote explícito”, escreveu
Dodd.44 Ele nutria pouca simpatia por banqueiros. A perspectiva de receber altas
taxas de juros sobre os títulos da dívida alemã cegara-os para o risco evidente de
que um país arrasado pela guerra, e politicamente volátil, poderia se tornar
inadimplente.
Naquela noite, os líderes judeus chegaram na hora prevista, entre eles Felix
M. Warburg, importante financista que tendia a defender a tática mais silenciosa
do Comitê Judaico Americano, e o rabino Wise, do mais ruidoso Congresso
Judaico Americano. Dodd escreveu no diário: “Durante uma hora e meia, a
discussão prosseguiu: os alemães estão matando judeus o tempo todo; a
perseguição chega a tal ponto que o suicídio é comum (consta que houve casos
desses na família Warburg); e todas as propriedades de judeus estão sendo
confiscadas.”45
Durante a reunião, Warburg parece ter mencionado o suicídio de dois
parentes idosos, Moritz e Käthie Oppenheim, em Frankfurt, cerca de três
semanas antes.46 Warburg escreveu posteriormente: “Não há dúvida de que o
regime de Hitler transformou suas vidas em um flagelo, e eles ansiavam por dar
cabo de seus dias.”
Os visitantes insistiram para que Dodd pressionasse Roosevelt a intervir
oficialmente, mas ele hesitou. “Afirmei que o governo não poderia fazer uma
intervenção oficial, mas assegurei aos membros da conferência que exerceria
toda a influência pessoal possível contra o tratamento injusto de judeus alemães
e, é claro, protestaria contra maus-tratos infligidos aos americanos.”47
Em seguida, Dodd pegou o trem das 11 da noite para Boston. Ao chegar, no
começo da manhã seguinte, 4 de julho, foi conduzido em carro com motorista à
casa do coronel Edward M. House, um amigo que era conselheiro íntimo de
Roosevelt, para um encontro durante o café da manhã.
Em meio a assuntos variados, Dodd descobriu quanto estava longe de ser a
primeira opção de Roosevelt. A novidade foi humilhante.48 Dodd anotou em seu
diário que ela acabou com qualquer inclinação de sua parte em “inchar
excessivamente o ego” por conta da nomeação.
Quando a conversa se voltou para a perseguição dos judeus na Alemanha, o
coronel House insistiu com Dodd para fazer tudo o que pudesse “para amenizar
seu sofrimento”, mas acrescentou uma ressalva: “Os judeus não devem ter
permissão para dominar a vida econômica ou intelectual de Berlim como
fizeram por tanto tempo.”49
Nesse particular, o coronel House expressou um sentimento muito difundido
nos Estados Unidos, de que os judeus da Alemanha eram ao menos parcialmente
responsáveis por suas dificuldades. Dodd deparou com uma manifestação mais
raivosa desse sentimento ainda naquele dia, depois de voltar para Nova York,
quando ele e a família foram jantar, em Park Avenue, no apartamento de
Charles R. Crane, filantropo de 75 anos cuja família enriquecera vendendo
material hidráulico. Crane era um arabista que, segundo se dizia, tinha influência
em certos países do Oriente Médio e dos Bálcãs, e era um generoso patrocinador
do departamento de Dodd na Universidade de Chicago, onde financiava uma
cátedra para o estudo da história e das instituições russas.
Dodd já sabia que Crane não era amigo dos judeus. Quando o filantropo
escrevera-lhe, anteriormente, para cumprimentá-lo pela nomeação, dera-lhe um
conselho: “Os judeus, depois de ganharem a guerra, galopando a passo rápido,
tomaram a Rússia, a Inglaterra e a Palestina, foram flagrados no ato de tentar
tomar a Alemanha também e, deparando com a primeira rejeição de verdade,
ficaram loucos e estão inundando o mundo — em especial a tranquila América
— com propaganda antialemã, por isso eu o aconselho, veementemente, a
resistir a qualquer convite social.”50
Dodd concordava em parte com a ideia de Crane de que os judeus também
deveriam ser responsabilizados pelos apuros que viviam.51 Escreveu a Crane,
depois de chegar a Berlim, que, apesar de não “aprovar a brutalidade aplicada
aos judeus aqui”, achava que os alemães tinham válidos motivos de queixa.
“Quando tenho oportunidade de manter conversas informais com alemães
eminentes, digo com muita franqueza que eles têm um problema sério, mas que
parecem não saber como resolvê-lo”, escreveu. “Os judeus ocuparam muito
mais posições estratégicas na Alemanha do que aquelas a que seu número e seus
talentos lhes dariam direito.”
Durante o jantar, Dodd ouviu Crane manifestar grande admiração por Hitler,
e descobriu também que seu anfitrião não fazia objeção à forma como os
nazistas tratavam os judeus na Alemanha.
Enquanto Dodd e sua mulher se despediam, naquela noite, Crane deu-lhe
mais um conselho: “Deixe Hitler fazer o que quiser.”52
***
Primeira noite
Martha chorou, intermitentemente, a maior parte dos dois dias seguintes — “de
forma copiosa e sentimental”, como ela mesma disse.1 Não era por ansiedade,
pois não lhe importava muito saber como seria a vida na Alemanha de Hitler. Ela
chorava por tudo o que deixava para trás, as pessoas e os lugares, os amigos e o
trabalho, o conforto familiar da casa da Blackstone Avenue, seu adorável Carl,
tudo o que compunha a vida “inestimavelmente preciosa” que levara em
Chicago. Se precisasse de um lembrete de tudo o que ia perder, a disposição das
cadeiras em sua festa de despedida seria suficiente. Ela sentara-se entre
Sandburg e outro amigo íntimo, Thornton Wilder.
Aos poucos, a tristeza cedeu. O mar estava calmo e os dias, claros. Ela e o
filho de Roosevelt andavam juntos, dançavam, tomavam champanhe.
Examinaram os passaportes um do outro — o dele o identificava sucintamente
como “filho do presidente dos Estados Unidos”, o dela, um pouco mais
pretensioso, dizia: “filha de William E. Dodd, embaixador extraordinário e
plenipotenciário dos Estados Unidos na Alemanha”. O pai exigia que ela e o
irmão fossem a seu camarote, de número A-10, e ali ficassem pelo menos uma
hora por dia para ouvi-lo ler em voz alta em alemão, a fim de se familiarizarem
com a sonoridade da língua. Ele demonstrava uma solenidade atípica e Martha
percebia um nervosismo incomum.
Para ela, entretanto, a perspectiva de aventura logo afastou a ansiedade. Ela
conhecia pouco sobre política internacional, e, como era a primeira a admitir,
não fazia ideia da gravidade do que ocorria a Alemanha. Via Hitler como “um
palhaço parecido com Charles Chaplin”.2 Como muitos outros naquela época nos
Estados Unidos, e em outras partes do mundo, não imaginava que ele pudesse
durar tanto tempo ou fosse levado a sério. Martha era ambivalente com relação à
situação dos judeus. Como aluna da Universidade de Chicago, fora exposta a
uma “propaganda sutil e subliminar entre os universitários” que induzia à
hostilidade contra os judeus.3 Descobriu “que até muitos professores da
faculdade se ressentiam do brilhantismo de colegas e alunos judeus”.
Considerava-se “um pouquinho antissemita neste sentido: aceitava a ideia de que
os judeus não eram fisicamente tão atraentes quando os gentios, e eram menos
desejáveis do ponto de vista social”.4 Também assimilara a opinião de que eles,
apesar de serem geralmente brilhantes, eram ricos e agressivos. Nesse
particular, refletia a atitude de uma surpreendente parcela de americanos, como
revelaram nos anos 1930 os militantes da recente arte da pesquisa de opinião
pública. Uma pesquisa mostrou que 41% dos entrevistados achavam que os
judeus tinham “poder demais nos Estados Unidos”; outro levantamento revelou
que um quinto deles queria “expulsar os judeus dos Estados Unidos”.5 (Uma
pesquisa feita décadas depois, em 2009, mostraria que o total de americanos que
achavam que os judeus tinham poder excessivo encolhera para 13%.6)
Uma colega descrevera Martha como Scarlett O’Hara e “uma feiticeira —
voluptuosa e loura, com luminosos olhos azuis e uma pele pálida e translúcida”.7
Ela se considerava escritora e esperava fazer carreira com seus contos e
romances. Sandburg a encorajara. “A personalidade está toda em você”,
escreveu ele.8 “Tempo, solidão, labuta são os requisitos que diferenciam você;
você tem praticamente tudo para fazer o que quiser como escritora.” Logo
depois da partida da família para Berlim, Sandburg instruiu-a a tomar nota de
tudo e “atender a todo sinal para escrever breves impressões de coisas, súbitas
frases líricas, para as quais você tem um dom”.9 Acima de tudo, insistiu ele,
“descubra de que é feito esse homem Hitler, o que vira sua cabeça, de que são
feitos seus ossos e seu sangue”.10
Thornton Wilder também lhe deu um conselho de despedida.11 Recomendou
que Martha se abstivesse de escrever para jornais, porque esse “trabalho
repetitivo” destruiria a concentração necessária para redigir coisas sérias. Disse
que mantivesse um diário de “como eram as coisas — os boatos, as opiniões de
pessoas durante uma época política”. No futuro, escreveu ele, um diário como
esse seria “do maior interesse para você e — Deus meu — para mim”. Alguns
amigos de Martha achavam que ela também mantinha um envolvimento
romântico com Wilder, embora, na verdade, ele tivesse outras preferências.
Martha guardava uma foto dele no armário.12
***
***
***
O CONSELHEIRO GORDON pôs Martha num carro com um jovem secretário
do protocolo designado para acompanhá-la ao hotel onde a família ficaria até
encontrar uma casa adequada para alugar. Os pais viajaram separadamente,
com Gordon, Messersmith e a mulher. O carro de Martha seguiu para o sul,
passando pelo Spree e entrando na cidade.
Ela viu longos e retos bulevares que lembravam a rígida planta de Chicago,
mas as semelhanças terminavam aí.33 Em vez da paisagem de arranha-céus por
onde caminhava para o trabalho diariamente em Chicago, ali os prédios eram, na
grande maioria, de pouca estatura, em geral com cinco andares, o que
aumentava a sensação de que a cidade era baixa e achatada. A maior parte
parecia muito velha, mas alguns destoavam pela novidade, com paredes de
vidro, telhados chatos e fachadas curvilíneas, criações de Walter Gropius, Bruno
Taut e Erich Mendelsohn, todos condenados pelos nazistas como decadentes,
comunistas e, inevitavelmente, judeus. A cidade vibrava de cor e energia. Havia
ônibus de dois andares, trens S-Bahn e bondes vivamente coloridos, cujas
catenárias produziam brilhantes faíscas azuis. Automóveis baixos passavam
vibrando, na maioria pretos, mas também vermelhos, creme e azul-escuros,
muitos de design desconhecido: o adorável Opel 4/16 PS, o Horch, com seu letal
enfeite de capô em arco e flecha, e o onipresente Mercedes, preto, baixo, com
acabamentos cromados. O próprio Joseph Goebbels lograra capturar em prosa a
energia da cidade, expressa numa das mais populares avenidas comerciais, a
Kurfürstendamm, embora o fizesse num ensaio destinado não a louvar, mas a
criticar, chamando-a de “o abscesso” da cidade. “As campainhas dos bondes
soam, os ônibus barulhentos buzinam, sempre cheios de gente e mais gente; táxis
e extravagantes carros particulares zunem no asfalto luzidio”, escreveu.34 “A
fragrância de perfumes fortes impregna o ar. Meretrizes sorriem com rostos nos
tons pastéis e artificiais das mulheres da moda; supostos homens passeiam para lá
e para cá com seus monóculos faiscantes; pedras falsas e preciosas cintilam.”
Berlim era, escreveu ele, um “deserto de pedra” cheio de pecado e corrupção e
habitado por um populacho “que caminha para o túmulo com um sorriso”.
O jovem funcionário do protocolo mostrou-lhe vários marcos. Martha fazia
perguntas e mais perguntas, sem se dar conta de que abusava da paciência do
rapaz. No começo da viagem, eles passaram por uma praça dominada por um
imenso edifício de arenito silesiano, com torres de noventa metros de altura em
cada um dos quatro cantos, construído num estilo que os famosos guias turísticos
de Karl Baedeker chamavam de “renascentista italiano adornado”. Era o
Reichstagsgebäude, no qual o poder legislativo da Alemanha, o Reichstag, se
reunira antes do incêndio que acontecera quatro meses antes. Um jovem
holandês — um comunista não praticante chamado Marinus van der Lubbe —
fora preso e acusado da autoria do incêndio, junto com mais quatro suspeitos
identificados como cúmplices, embora um boato amplamente aceito como
verdadeiro afirmasse que o fogo fora orquestrado pelo próprio regime nazista
para provocar temores de um levante bolchevique e, com isso, ganhar o apoio
popular para a suspensão das liberdades civis e a destruição do Partido Comunista
na Alemanha. O julgamento iminente era o assunto dominante em Berlim.
Mas Martha ficou perplexa. Ao contrário do que as notícias faziam supor, o
prédio lhe pareceu intacto. As torres continuavam de pé, e não havia marcas nas
fachadas. “Oh, eu pensava que tinha sido destruído pelo incêndio!”, exclamou,
quando o carro passou pelo prédio. “A mim parece perfeito. Conte o que
aconteceu.”35
Depois dessa e de outras manifestações que Martha reconheceria terem sido
imprudentes, o funcionário do protocolo inclinou-se para ela e sussurrou: “Psiu!
Minha jovem, precisa aprender a ser vista sem ser ouvida. Não pode falar tanto,
nem fazer tantas perguntas. Não estamos nos Estados Unidos, e você não pode
dizer tudo o que pensa.”36
Ela calou-se pelo resto da viagem.
***
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A FAMÍLIA INSTALOU-SE.41 Bill Jr. e o Chevrolet não deveriam chegar tão
cedo. Dodd recolheu-se no quarto com um livro. Martha achava tudo difícil de
entender. Cartões de boas-vindas continuavam a chegar, acompanhados de ainda
mais flores. Ela e a mãe sentiram-se abismadas com o luxo à sua volta,
“imaginando, desesperadas, como aquilo tudo seria pago sem hipotecarmos a
alma”.
Mais tarde, a família reuniu-se e desceu para jantar no restaurante do hotel,
onde Dodd desenferrujou seu alemão, depois de décadas de desuso, e, no seu
jeito irônico, tentou gracejar com os garçons.42 Estava, escreveu Martha, “de
magnífico humor”. Os garçons, mais acostumados com o comportamento
imperial dos dignitários do mundo e das autoridades nazistas, não sabiam bem
como responder e adotaram uma atitude cortês que Martha achou quase servil. A
comida era boa, mas pesada, em sua opinião, classicamente alemã, e pedia uma
caminhada depois do jantar.
Na rua, os Dodd dobraram à esquerda e percorreram a Bellevuestrasse, em
meio às sombras das árvores e à penumbra da iluminação pública. A luz mortiça
fez Martha lembrar-se da sonolência das cidades rurais dos Estados Unidos bem
tarde da noite. Não viu soldados, nem polícia. A noite era suave e adorável; “tudo
era pacífico, romântico, estranho, nostálgico”, escreveu.
Continuaram até o fim da rua e atravessaram uma pequena praça para
chegar ao Tiergarten, o equivalente berlinense do Central Park. O nome,
literalmente, significa “jardim dos animais” ou “jardim das feras”, o que
remonta a seu passado mais longínquo, quando fora uma reserva de caça da
família real. Naquele momento, tinha 255 hectares de árvores, pistas, trilhas para
cavalgar e esculturas que se espalhavam para o oeste, do Portão de
Brandemburgo ao rico distrito residencial e comercial de Charlottenburg. O
Spree corria ao longo dos seus limites setentrionais; o famoso zoológico da cidade
ficava no canto sudoeste. À noite, o parque era especialmente atraente. “No
Tiergarten”, escreveu um diplomata britânico, “as pequenas lâmpadas tremulam
entre as pequenas árvores, e o gramado cintila com os vaga-lumes de mil
cigarros.”43
Os Dodd entraram na Siegesallee — Avenida da Vitória —, ladeada por 96
estátuas e bustos de antigos líderes prussianos, entre eles Frederico o Grande,
outros Fredericos menores e luminares de outrora como Alberto o Urso,
Henrique o Menino e Oto o Preguiçoso. Os berlinenses chamavam-nos de
Puppen — bonecas. Dodd dissertou sobre a história de cada um, demonstrando o
minucioso conhecimento da Alemanha que adquirira em Leipzig trinta anos
antes. “Tenho certeza de que aquela foi uma das noites mais felizes que passamos
no país”, escreveu Martha. “Estávamos cheios de alegria e de paz.”44
O pai amava a Alemanha desde sua temporada em Leipzig, quando todos os
dias uma jovem levava violetas frescas para seu quarto. Agora, naquela primeira
noite, enquanto caminhavam pela Avenida da Vitória, Martha também sentia
uma onda de afeição pelo país. A cidade, a atmosfera em geral, em nada se
parecia com aquilo que os jornais nos Estados Unidos a levaram a esperar.
“Achei que a imprensa tinha caluniado o país, e eu queria apregoar o calor e a
afabilidade das pessoas, a suave noite de verão com sua fragrância de árvores e
flores, a serenidade das ruas”.45
Era 13 de julho de 1933.
Procurando
PARTE II uma
casa no Terceiro Reich
Embaixador Dodd à sua mesa
CAPÍTULO 6
Sedução
***
A VISÃO OTIMISTA DE MARTHA era partilhada em larga escala por
estrangeiros em visita à Alemanha, especialmente a Berlim. O fato era que,
quase todos os dias e em quase todos os bairros, a cidade tinha a aparência de
sempre e funcionava como sempre. Os vendedores de charuto na porta do Hotel
Adlon, na Unter den Linden 1, continuavam a vender charutos (e Hitler
continuava a evitar o hotel, preferindo o vizinho Kaiserhof). Todas as manhãs,
alemães afluíam em massa ao Tiergarten, muitos a cavalo, enquanto outros
milhares viajavam para o centro da cidade, de trem e de bonde, procedentes de
bairros como Wedding e Onkel Toms Hütte. Homens e mulheres bem-vestidos
sentavam-se no Romanisches Café para tomar café e vinho, fumar cigarros e
charutos e exercitar o espírito aguçado pelo qual os berlinenses eram famosos —
o Berliner Schnauze, ou “focinho de Berlim”.9 No cabaré Katakombe, Werner
Finck continuava a ridicularizar o novo regime, apesar do risco de ir para a
prisão. Durante um show, alguém na plateia o chamou de “judeu nojento”, e ele
respondeu: “Não sou judeu. Só pareço inteligente.”10 A plateia riu à larga.
Os dias bonitos ainda eram bonitos. “O sol brilha”, escreveu Christopher
Isherwood em The Berlin Stories, e “Hitler é o dono desta cidade. O sol brilha, e
dezenas de amigos (…) estão na cadeia, possivelmente mortos”.11 A
normalidade era sedutora. “Vejo o meu rosto no espelho de uma loja, e com
espanto me dou conta de que estou sorrindo”, escreveu Isherwood. “Impossível
não sorrir, num dia tão lindo assim.” Os bondes iam e vinham como sempre,
assim como os pedestres nas ruas; tudo à sua volta tinha “um ar de curiosa
familiaridade, de notável semelhança com algo do nosso passado de que nos
lembramos como normal e agradável — como uma fotografia muito boa”.
Sob a superfície, porém, a Alemanha passara por uma rápida e devastadora
revolução, que atingira profundamente o tecido da vida diária. Ocorrera em
silêncio, e não era muito fácil de notar. Seu núcleo era uma campanha do
governo chamada Gleichschaltung — ou melhor, “Coordenação” — para alinhar
os cidadãos, os ministérios, as universidades e as instituições culturais e sociais
com as crenças e atitudes dos nacional-socialistas.12
A “Coordenação” ocorreu com espantosa rapidez, mesmo em setores da vida
não diretamente visados por leis específicas, enquanto os alemães se submetiam
voluntariamente ao domínio nazista, num fenômeno que ficou conhecido como
Selbstgleichschaltung, ou “autocoordenação”.13 A mudança na Alemanha se
passou com tal rapidez e atingiu uma gama tão ampla de aspectos que os
cidadãos alemães que saíram do país em viagens de negócios ou turismo
encontraram tudo alterado na volta, como personagens de um filme de terror que
descobrem que aqueles que um dia foram seus amigos, clientes, pacientes e
fregueses tinham de repente se tornado diferentes de maneiras difíceis de
discernir. A socialista Gerda Laufer escreveu que ficou “profundamente abalada
com o fato de que pessoas que eu considerava amigas, que eu conhecia de longa
data, se transformaram de uma hora para outra”.14
Vizinhos tornaram-se rudes; pequenas invejas davam origem a denúncias às
SA — Tropas de Assalto — ou à recém-fundada Geheime Staatspolizei, que
começava a ser conhecida pelo acrônimo Gestapo (GEheime STAatsPOlizei),
cunhado por um empregado dos correios em busca de uma forma menos
complicada de identificar o órgão.15 A reputação da Gestapo como onisciente e
malévola resultou da confluência de dois fenômenos: um clima político no qual a
mera crítica ao governo poderia levar à prisão e a existência de um populacho
ansioso para entrar na linha e se coordenar, e também disposto a usar as
suscetibilidades nazistas a fim de satisfazer necessidades individuais e remediar
invejas. Um estudo de registros nazistas revelou que, de uma amostra de 213
denúncias, 37% tiveram como fundamento conflitos particulares, e não genuínas
crenças políticas, sendo deflagrados quase sempre por motivo banal.16 Em
outubro de 1933, por exemplo, o empregado de uma mercearia denunciou uma
freguesa rabugenta que insistira em receber três pfennig de troco.17 O
empregado a acusou de sonegação de impostos. Os alemães denunciavam uns
aos outros com tanto entusiasmo que altos funcionários nazistas pediram ao povo
para examinar com mais discernimento as circunstâncias que pudessem
justificar um relatório à polícia. O próprio Hitler reconheceu, num comentário ao
seu ministro da Justiça: “Estamos vivendo num mar de denúncias e mesquinharia
humana.”18
Um elemento central da Coordenação foi a inclusão, na lei do servidor
público da Alemanha, da “cláusula ariana”, que, para todos os efeitos, bania os
judeus do serviço público. Regulamentos adicionais e animosidades locais
dificultavam severamente a prática da medicina pelos judeus, assim como seu
acesso à profissão de advogado. Apesar de onerosas e dramáticas para os judeus,
essas restrições não causavam grande impressão aos turistas e outros
observadores casuais, em parte porque poucos judeus viviam na Alemanha. Em
janeiro de 1933, apenas cerca de 1% dos 65 milhões de alemães era constituído
por judeus, e a maioria morava em grandes cidades, com uma presença
insignificante no resto do país.19 Quase um terço — um pouco mais de 160 mil
— vivia em Berlim, mas representava menos de 4% dos 4,2 milhões de
habitantes da cidade, e muitos moravam em bairros que normalmente não
faziam parte do itinerário de visitantes.
Mas mesmo muitos dos judeus que viviam no país tinham dificuldade de
captar o verdadeiro significado do que acontecia naquele momento. Cinquenta
mil perceberam e deixaram a Alemanha semanas depois da ascensão de Hitler a
chanceler, mas a maioria ficou.20 “Quase ninguém achava que as ameaças
contra os judeus eram para ser levadas a sério”, escreveu Carl Zuckmay er,
escritor judeu.21 “Muitos judeus pensavam que as selvagens declarações
antissemitas dos nazistas não passavam de mero recurso de propaganda, uma
linha de ação que seria abandonada tão logo chegassem ao governo e
assumissem responsabilidades públicas.” Apesar de uma canção muito popular
entre as Tropas de Assalto se intitular “Quando sangue judeu esguicha da minha
faca”, na época em que os Dodd chegaram a violência contra os judeus
começava a diminuir. Os incidentes eram esporádicos, isolados. “Era fácil ficar
tranquilo”, escreveu o historiador John Dippel, num estudo sobre os motivos que
levaram muitos judeus a permanecer na Alemanha.22 “Na superfície, a vida
diária era praticamente a mesma de antes de Hitler assumir. Ataques nazistas a
judeus eram como tempestades de verão, que chegavam e iam embora
rapidamente, deixando em seu rastro uma calma sinistra.”
O sinal mais visível da campanha de Coordenação foi o súbito aparecimento
da saudação de Hitler, ou Hitlergruss. Era tão nova para os estrangeiros que o
cônsul-geral Messersmith dedicou um despacho inteiro ao assunto, datado de 8 de
agosto de 1933. A saudação, escreveu ele, não tinha precedente no mundo
moderno, exceto a continência, de exigência muito mais restrita, dos soldados
diante de oficiais.23 O que tornava a prática excepcional era que se esperava que
todos a fizessem, mesmo nos encontros mais banais. Nas lojas, vendedores
saudavam fregueses. As crianças tinham de saudar os professores várias vezes
por dia. Ao término das apresentações teatrais, um novo costume mandava as
plateias se levantarem e fazerem a saudação, enquanto cantavam, primeiro, o
hino nacional alemão, “Deutschland über Alles”, e depois o hino das Tropas de
Assalto, “Horst Wessel Lied”, ou “Canção de Horst Wessel”, nome do seu
compositor, um assassino das SA morto pelos comunistas e que a propaganda
nazista transformou em herói. Os alemães em geral adotaram a saudação com
tamanha avidez que, de tão frequente, o ato se tornou quase cômico,
especialmente nos corredores de prédios públicos, onde todos, do mais humilde
contínuo ao mais altivo funcionário, saudavam uns aos outros com um Heil,
transformando uma simples ida ao banheiro numa tarefa cansativa.
Messersmith recusava-se a fazer a saudação, limitando-se a ficar em posição
de sentido, mas compreendia que para os alemães comuns isso não bastava. Às
vezes, ele mesmo se sentia quase obrigado a ceder. No encerramento de um
almoço a que compareceu na cidade portuária de Kiel, todos os convidados se
levantaram e, braço direito estendido, cantaram o hino nacional e a “Canção de
Horst Wessel”. Messersmith levantou-se, em sinal de respeito, como teria feito
nos Estados Unidos para ouvir “Star-Spangled Banner”. Muitos dos convidados,
incluindo alguns membros das Tropas de Assalto, olharam para ele, furiosos,
cochichando entre si, como se tentassem adivinhar sua identidade. “Senti que foi
muita sorte o incidente acontecer dentro de casa e entre pessoas, no geral,
inteligentes”, escreveu, “pois, se tivesse sido numa aglomeração de rua, ou numa
manifestação ao ar livre, ninguém perguntaria quem eu era, e não há dúvida de
que eu teria sido tratado com rudeza.”24 Messersmith recomendava que os
visitantes americanos tentassem prever o momento em que as canções e as
saudações seriam exigidas, para se retirarem a tempo.
E não achava graça nenhuma quando o embaixador Dodd, de vez em
quando, lhe fazia uma saudação de brincadeira.25
***
***
A LIGAÇÃO DE MARTA com Sigrid Schultz logo começou a dar frutos. Schultz
organizou uma festa de boas-vindas para Martha em 23 de julho de 1933 e
convidou alguns de seus amigos mais próximos, entre eles outro correspondente,
Quentin Rey nolds, que escrevia para a agência de notícias internacional Hearst
News Service. Martha e Rey nolds ficaram amigos na mesma hora. Ele era
grande e alegre, com cabelos ondulados e olhos que davam a impressão de uma
gargalhada iminente, embora tivesse também a reputação de ser teimoso, cético
e esperto.
Voltaram a se encontrar cinco dias depois, num bar do Esplanade, na
presença do irmão, Bill. Como Schultz, Rey nolds conhecia todo mundo, e
conseguira fazer amizade com muitas autoridades nazistas, incluindo Ernst Franz
Sedgwick Hanfstaengl, confidente de Hitler. Filho de mãe americana e formado
em Harvard, Hanfstaengl era conhecido por tocar piano para Hitler tarde da
noite, para acalmar os nervos do ditador.30 Nada de Mozart ou Bach. Quase
sempre Wagner e Verdi, Liszt e Grieg, às vezes Strauss e Chopin.
Martha queria conhecê-lo; Rey nolds sabia de uma festa que seria dada por
um colega correspondente para a qual Hanfstaengl estava convidado, e
ofereceu-se para levá-la.
CAPÍTULO 7
Conflito oculto
***
UMA DAS PRIMEIRAS TAREFAS que Dodd se atribuiu foi a de avaliar com
clareza os talentos e as deficiências dos diplomatas da embaixada, conhecidos
como primeiros e segundos secretários, e dos diversos funcionários
administrativos, estenógrafos e outros empregados da chancelaria. Desde o
início, achou que seus hábitos de trabalho deixavam muito a desejar. Os mais
graduados chegavam à hora que queriam, e de vez em quando desapareciam
para caçar ou jogar golfe. Quase todos eram membros de um clube de golfe no
distrito de Wannsee, no sudoeste de Berlim. Muitos tinham fortuna pessoal, dentro
da tradição do Serviço Exterior, e gastavam dinheiro com desenvoltura, o deles e
o da embaixada. Dodd ficou particularmente assustado com quanto gastavam
com telegramas internacionais. As mensagens eram longas e desconexas, e, por
isso, desnecessariamente onerosas.
Em anotações para um relatório pessoal, ele fez breves descrições das
pessoas mais importantes.9 Observou que a mulher do conselheiro Gordon tinha
“uma grande renda” e que Gordon era um tanto temperamental. “Emocional.
Hostil aos alemães (…) suas irritações foram muitas, e exasperantes.” No
rascunho sobre um primeiro secretário, também rico, Dodd anotou,
taquigraficamente, que ele “adora falar da cor de meias masculinas”. Observou
ainda que a encarregada da recepção, Julia Swope Lewin, estava na função
errada, por ser “muito antigermânica”, o que “não era bom para receber
visitantes alemães”.
Dodd também descobriu os contornos da paisagem política para além dos
muros da embaixada. O mundo dos despachos de Messersmith ganhava vida fora
da sua janela, sob o céu brilhante de um dia de verão. Havia bandeiras em toda
parte, num notável arranjo de cores: fundo vermelho, círculo branco e sempre
uma audaciosa “cruz quebrada” negra, ou Hakenkreuz, no centro. A palavra
“suástica” ainda não era de uso corrente na embaixada. Dodd descobriu o
significado das várias cores usadas pelos homens com quem cruzava em suas
caminhadas. Uniformes marrons, que pareciam estar em toda parte, eram
usados pelas Tropas de Assalto das SA; pretos, por uma força de elite menor
chamada Schutzstaffel ou SS; azuis, pela polícia comum. Dodd descobriu
também o crescente poder da Gestapo e de seu jovem chefe, Rudolf Diels. Era
um homem esbelto, moreno e considerado bonito, apesar das muitas cicatrizes no
rosto, acumuladas quando, como estudante universitário, travara os duelos à faca
praticados então por jovens alemães desejosos de provar sua masculinidade.
Apesar da aparência sinistra como a de um vilão de filme B, Diels até então —
de acordo com Messersmith — demonstrara ser íntegro, prestativo e racional, o
que seus superiores, Hitler, Göring e Goebbels, certamente não eram.
Em muitos outros sentidos, também, esse novo mundo se revelava muito mais
matizado e complexo do que Dodd supusera.
Profundas falhas sísmicas dividiam o governo. Hitler era chanceler desde 30
de janeiro de 1933, quando foi nomeado pelo presidente Hindenburg como parte
de um acordo firmado por líderes políticos conservadores que se imaginavam
capazes de controlá-lo, noção que, na época da chegada de Dodd, já se mostrava
ilusória. Hindenburg — conhecido como o Velho Senhor — permanecia como o
último contrapeso ao poder de Hitler, e dias antes da partida de Dodd ele fizera
declarações públicas de desgosto com a tentativa do chanceler de suprimir a
Igreja protestante. Declarando-se “cristão evangélico”, Hindenburg, em carta
aberta a Hitler, advertira contra a crescente “apreensão pela liberdade interna da
Igreja”, afirmando que, a continuar as coisas como estavam, “haverá graves
danos para o nosso povo e a nossa pátria, assim como prejuízo para a unidade
nacional”.10 Além de ter a autoridade constitucional para designar um novo
chanceler, Hindenburg contava com a lealdade do exército regular, o
Reichswehr. Hitler sabia que, se o país voltasse a mergulhar no caos, Hindenburg
poderia sentir-se obrigado a trocar o governo e impor a lei marcial. Também
reconhecia que a mais provável fonte de instabilidade eram as SA, comandadas
por seu amigo e aliado de longa data, o capitão Ernst Röhm.11 Hitler via as SA,
cada vez mais, como a força indisciplinada e radical que sobrevivera a seus
objetivos. Röhm tinha outra visão: ele e suas Tropas de Assalto tinham sido
fundamentais para a revolução nacional-socialista e, como recompensa, queriam
assumir o controle de todas as forças armadas do país, inclusive do Reichswehr.
O exército abominava a ideia. Röhm era gordo, rude, homossexual confesso,
dissoluto, e nada tinha da postura de soldado, tão reverenciada pelo exército.12
Mas comandava uma legião de mais de um milhão de homens que crescia
rapidamente. O exército regular tinha apenas um décimo desse contingente, mas
era mais bem treinado e mais bem armado. O conflito cozinhava em fogo
brando.
Noutras partes do governo, Dodd julgava ter detectado uma tendência nova e
decididamente moderada, pelo menos em comparação com Hitler, Göring e
Goebbels, que ele chamava de “adolescentes no grande jogo da liderança
internacional”.13 Era no escalão imediatamente inferior, entre os ministros, que
ele via motivo de esperança. “Esses homens querem acabar com a perseguição
aos judeus, cooperar com o que resta do liberalismo alemão”, escreveu.14 E
acrescentou: “Desde o dia da nossa chegada, esses grupos têm brigado entre si.”
A avaliação fora provocada, em boa parte, por um encontro com o ministro
das Relações Exteriores da Alemanha, Konstantin Freiherr von Neurath, que
Dodd, pelo menos por enquanto, identificava como membro do grupo moderado.
Em 15 de julho, um sábado, o embaixador fez uma visita a Neurath em seu
ministério, na Wilhelmstrasse, um bulevar que corria paralelamente à divisa
oriental do Tiergarten. Havia tantos escritórios do Reich nessa rua que a
Wilhelmstrasse passou a ser sinônimo de governo alemão.
Neurath era um homem bonito, a quem os cabelos prateados, olhos castanhos
e bigode grisalho bem aparado davam um ar de ator especializado em
representar figuras paternais. Martha logo o conheceria também,
impressionando-se com sua capacidade de mascarar emoções: “Seu rosto”,
escreveu ela, “era totalmente inexpressivo — o proverbial rosto de jogador de
pôquer.”15 Como Dodd, Neurath adorava fazer caminhadas, e sempre
começava o dia com um passeio pelo Tiergarten.
Neurath se via como uma força moderadora no governo e achava que
poderia ajudar a controlar Hitler e seu partido. Como disse um colega seu: “Ele
tentava adestrar os nazistas e transformá-los em parceiros realmente úteis num
regime nacionalista moderado.”16 Mas Neurath também julgava provável que o
governo de Hitler acabasse cometendo suicídio. “Ele sempre acreditou”,
escreveu um dos seus assessores, “que, se permanecesse no cargo, cumprisse
suas obrigações e preservasse os contatos externos, um belo dia acordaria e
descobriria que os nazistas tinham sumido.”17
Dodd o achou “muito agradável”, julgamento que confirmava sua resolução
de ser o mais objetivo possível com relação ao que ocorria na Alemanha.18
Supunha que Hitler deveria ter outros funcionários do mesmo calibre. Em carta a
um amigo, escreveu: “Hitler acabará se comportando como esses homens mais
sensatos e aliviando uma situação tensa.”19
***
NO DIA SEGUINTE, aproximadamente às 13h30 em Leipzig, a cidade onde
Dodd obtivera seu doutorado, um jovem americano de nome Philip Zuckerman
fazia um passeio dominical com sua mulher alemã, o sogro e a cunhada. Por
serem judeus, isso talvez fosse uma imprudência, especialmente naquele fim de
semana, quando cerca de 140 mil membros das Tropas de Assalto tomaram a
cidade para uma das frequentes orgias de marchas, exercícios e,
inevitavelmente, bebedeiras. Naquele domingo à tarde, um desfile gigantesco
começou a tomar forma desde o centro da cidade, sob bandeiras nazistas
vermelhas, brancas e pretas que pareciam tremular em cada prédio. Às 13h30,
uma companhia de homens das SA separou-se da formação principal e virou na
esquina da avenida Nikolaistrasse, onde os Zuckerman passeavam.
Quando o destacamento das SA passava, um grupo de homens na retaguarda
da coluna decidiu que os Zuckerman e seus parentes só podiam ser judeus e, sem
nenhum aviso, cercou-os, derrubou-os e lançou sobre eles um cataclismo de
chutes e murros furiosos. Depois, seguiu em frente.
Zuckerman e a mulher ficaram gravemente feridos, a ponto de precisarem
ser hospitalizados, primeiro em Leipzig e depois em Berlim, onde o consulado dos
Estados Unidos acabou se envolvendo. “Não é improvável que [Zuckerman]
tenha sofrido graves lesões internas das quais talvez jamais se recupere
totalmente”, escreveu o cônsul-geral Messersmith, num despacho para
Washington a respeito do ataque.20 Ele avisou que os Estados Unidos poderiam
sentir-se compelidos a pedir indenização monetária para Zuckerman, mas disse
que nada poderia ser feito oficialmente pela mulher, que não era americana. E
acrescentou: “É interessante notar que ela foi obrigada, como resultado do ataque
que também sofreu, a ir para um hospital, onde precisou interromper sua
gravidez de alguns meses.”21 Em consequência da cirurgia, escreveu, a Sra.
Zuckerman nunca mais poderia ter filhos.
Supunha-se que ataques dessa natureza tivessem acabado; decretos do
governo haviam recomendado comedimento. Pelo visto, as Tropas de Assalto
não deram atenção.
Noutro despacho sobre o caso, Messersmith escreveu: “Um dos passatempos
prediletos dos homens das SA tem sido atacar judeus, e não se pode deixar de
dizer claramente que eles não gostam de ser privados de sua caça.”22
Era sua compreensão desse e de outros fenômenos da nova Alemanha que o
deixava tão frustrado com a incapacidade de outros visitantes apreenderem o
verdadeiro caráter do regime de Hitler. Muitos turistas americanos voltavam para
casa perplexos com a dissonância entre os horrores relatados pelos jornais de
suas cidades — os espancamentos e prisões da primavera anterior, as piras de
livros e os campos de concentração — e os momentos agradáveis que tinham
vivido durante a viagem pela Alemanha. Um desses visitantes foi um
comentarista de rádio chamado H. V. Kaltenborn — nascido em Milwaukee com
o nome de Hans von Kaltenborn — que logo depois da chegada de Dodd passou
por Berlim com a mulher, a filha e o filho. Conhecido como o “decano dos
comentaristas”, ele trabalhava para a Columbia Broadcasting Service e ficara
famoso nos Estados Unidos, tanto que chegou a fazer breves aparições,
representando a si mesmo, no filme A mulher faz o homem e no thriller de ficção
científica O dia em que a Terra parou. Antes de viajar para a Alemanha, passara
pelo Departamento de Estado, onde lhe permitiram ler despachos do cônsul-geral
Messersmith. Achou-os exagerados. Depois de quatro ou cinco dias em Berlim,
ele disse a Messersmith que mantinha sua opinião original e descreveu os
despachos como “inexatos e sem fundamento”.23 Sugeriu que Messersmith
certamente se baseava em fontes equivocadas.
Messersmith ficou atônito. Não duvidava da sinceridade de Kaltenborn, mas
atribuiu a opinião do comentarista ao fato de que ele “era de origem alemã e não
conseguia acreditar que os alemães pudessem ser responsáveis pelo que
acontecia todos os dias, todas as horas, em Berlim e no restante do país”.24
Era um problema que Messersmith já notara incontáveis vezes. Quem vivia
na Alemanha e prestava atenção dava-se conta de que algo fundamental havia
mudado, e que uma escuridão pairava sobre a paisagem. Os visitantes não
conseguiam vê-la. Em parte, escreveu Messersmith num despacho, isso
acontecia porque o governo iniciara uma campanha “para influenciar os
americanos que vêm à Alemanha a formarem uma opinião favorável dos
acontecimentos no país”.25 Ele viu uma prova disso no curioso comportamento
de Samuel Bossard, um americano atacado em 31 de agosto por membros da
Juventude Hitlerista.26 Bossard preenchera de imediato uma declaração no
consulado dos Estados Unidos e relatara com raiva o incidente para
correspondentes em Berlim. Então, de súbito, parou de falar. Messersmith
chamou-o antes de seu retorno para os Estados Unidos para saber se estava bem
e descobriu que ele não queria discutir o incidente. Desconfiado, Messersmith fez
uma investigação e soube que o Ministério da Propaganda levara Bossard para
um passeio por Berlim e Potsdam, cumulando-o de cortesias e atenções. O
esforço dera resultado, observou Messersmith. Ao chegar a Nova York, segundo
os jornais, Bossard declarou “que, se americanos na Alemanha sofrem algum
tipo de ataque, só pode ser por causa de mal-entendidos (…) Muitos americanos
parecem não compreender as mudanças ocorridas na Alemanha e, por inépcia,
comportam-se de maneira a provocar ataques”.27 E prometeu voltar à
Alemanha no ano seguinte.
Messersmith sentiu que havia uma mão especialmente hábil por trás da
decisão do governo de cancelar o banimento dos Rotary Clubs na Alemanha. Os
clubes não só podiam continuar; o mais notável era que tinham permissão de
manter seus membros judeus. O próprio Messersmith pertencia ao Rotary de
Berlim. “O fato de judeus terem permissão para continuar membros do Rotary
está sendo usado como propaganda no mundo inteiro”, escreveu.28 A realidade
subjacente era que muitos desses membros judeus tinham perdido o emprego ou
sofriam severas limitações no exercício de sua profissão. Em seus despachos,
Messersmith reprisava constantemente um tema: como era difícil para visitantes
informais compreenderem o que realmente se passava na nova Alemanha. “Os
americanos que vêm à Alemanha se veem cercados por influências do governo,
e seu tempo é tomado por diversões tão agradáveis que praticamente não têm
oportunidade de perceber a situação real.”29
Messersmith insistiu para que Kaltenborn conversasse com alguns
correspondentes americanos em Berlim, capazes de fornecer ampla
confirmação dos seus despachos.
Kaltenborn descartou a ideia. Disse que conhecia muitos desses
correspondentes. Eram preconceituosos, alegou, assim como Messersmith.
E continuou sua jornada, mas em pouco tempo seria obrigado, da maneira
mais contundente, a reavaliar suas opiniões.
CAPÍTULO 8
Com a ajuda de Sigrid Schultz e de Quentin Rey nolds, Martha não tardou a se
inserir no tecido social de Berlim. Inteligente, coquete e bonita, tornou-se querida
dos jovens funcionários do corpo diplomático, muito solicitada para festas
informais, reuniões descontraídas e noites de cervejada, realizadas depois do
expediente. Também se tornou presença assídua nos encontros noturnos de um
grupo com cerca de vinte correspondentes estrangeiros que se reunia num
restaurante italiano, o Die Taverne, de propriedade de um alemão e sua mulher
belga.1 O restaurante reservava sempre uma grande mesa redonda num canto
para o grupo — uma Stammtisch, ou seja, uma mesa para fregueses habituais —,
cujos membros, incluindo Schultz, costumavam chegar por volta das dez da noite
e às vezes ficavam até as quatro da manhã. O grupo gozava de certa fama.
“Todos no restaurante olham para eles e tentam ouvir o que dizem”, escreveu
Christopher Isherwood em Adeus a Berlim. “Se alguém tem uma notícia para
algum deles — os detalhes de uma prisão ou o endereço de uma vítima cujos
parentes poderiam ser entrevistados —, um dos jornalistas levanta-se da mesa e
anda com o informante pela rua, para cima e para baixo.”2 A mesa costumava
atrair visitas rápidas de primeiros e segundos secretários de outras embaixadas e
de funcionários da imprensa nazista, e, de vez em quando, até do chefe da
Gestapo, Rudolf Diels. William Shirer, membro tardio do grupo, via em Martha
uma participante respeitável: “bonita, viva, poderosa argumentadora”.3
Naquele novo mundo, o cartão de visita era uma moeda crucial.4 O caráter
de um cartão de visita refletia o caráter do indivíduo, sua percepção de si
mesmo, ou de como gostaria de ser visto pelo mundo. Os líderes nazistas
invariavelmente tinham os maiores, com os títulos mais imponentes, quase
sempre impressos em negrito, em letras góticas. Louis Ferdinand, filho do
príncipe herdeiro da Alemanha, jovem de temperamento doce que trabalhara
numa montadora da Ford nos Estados Unidos, tinha o menor de todos os cartões,
no qual estavam escritos apenas seu nome e título. Já o pai tinha um grande
cartão com uma foto sua num dos lados, em trajes de gala completo, e o outro
em branco. Os cartões eram versáteis. Bilhetes rabiscados em cartões serviam
de convite para jantares ou coquetéis, ou compromissos mais urgentes. Bastava
riscar o sobrenome para que um homem ou uma mulher comunicassem
amizade, interesse, até mesmo intimidade.
Martha colecionava dezenas de cartões, e guardava-os. Cartões do príncipe
Louis, que logo se tornaria seu admirador e amigo; de Sigrid Schultz, é claro; e de
Mildred Fish Harnack, presente na plataforma da estação ferroviária quando
Martha e os pais chegaram a Berlim. Um correspondente da United Press, Webb
Miller, escreveu no cartão: “Se não tiver nada mais importante a fazer, por que
não janta comigo?”5 E informou o nome do seu hotel e o número do quarto.
***
ATÉ QUE, POR FIM, ela conheceu seu primeiro nazista importante. Como
prometido, Rey nolds levou-a à festa na casa do amigo inglês, “um evento
suntuoso e regado a álcool”.6 Ela já tinha chegado havia um bom tempo quando
um homem imenso, com bastos cabelos negros, entrou na sala — “de maneira
sensacional”, diria Martha posteriormente — distribuindo seu cartão aqui e ali,
com ênfase especial nas mulheres jovens e bonitas.7 Com mais de 1,90 metro,
era pelo menos uma cabeça mais alto do que a maioria dos homens presentes e
pesava, facilmente, uns 115 quilos. Certa vez, uma mulher o descreveu como “de
aparência desajeitada de uma forma suprema — uma enorme marionete com
os cordões frouxos”.8 Mesmo em meio ao ruído da festa sua voz se destacava
como um trovão sobre a chuva.
— Este é Ernst Hanfstaengl —, disse Rey nolds a Martha.
Oficialmente, como informava seu cartão de visita, era o Auslandspressechef
— chefe de imprensa estrangeira — do Partido Nacional-Socialista, muito
embora se tratasse, na verdade, de um título inventado, sem autoridade real, um
agrado feito por Hitler em reconhecimento à amizade de Hanfstaengl, que
datava dos primórdios, quando Hitler costumava frequentar sua casa.
Ao ser apresentado, Hanfstaengl disse a Martha: “Pode me chamar de Putzi.”
Era seu apelido de infância, usado universalmente por amigos e conhecidos e por
todos os correspondentes da cidade.
Aquele era o gigante de quem Martha tanto ouvira falar — ele mesmo, com
seu sobrenome impossível de se pronunciar e soletrar, adorado por muitos
correspondentes e diplomatas, odiado por tantos outros que desconfiavam dele,
como George Messersmith, que dizia “ter antipatia instintiva” pelo homem.9 “É
totalmente falso, e não se deve acreditar numa palavra do que diz”, escreveu a
ele. “Finge ser o melhor amigo daqueles que, ao mesmo tempo, tenta
enfraquecer, ou que talvez esteja atacando diretamente.”10
Rey nolds, amigo de Martha, de início gostou de Hanfstaengl. Diferentemente
de outros nazistas, o homem “fazia o possível e o impossível para ser cordial com
os americanos”, disse.11 O gigante oferecia-se para arranjar entrevistas que, de
outra maneira, seriam impossíveis de conseguir, e apresentava-se aos
correspondentes como se fosse um deles, “informal, calorosamente amistoso,
gracioso”. Mas a afeição de Rey nolds por Hanfstaengl um dia esfriou. “Era
preciso conhecer bem Putzi para não gostar dele. Essa parte”, observou ele,
“vinha depois.”12
Hanfstaengl falava um belo inglês. Em Harvard, fora membro do Hasty
Pudding Club, um grupo teatral, e conquistara irremediavelmente a plateia
quando aparecera em cena vestido de mulher, no papel de uma moça holandesa
chamada Gretchen Spootsfeiffer.13 Em sala de aula, conheceu Theodore
Roosevelt Jr., filho mais velho de Teddy Roosevelt, e tornou-se visitante assíduo
da Casa Branca. Circulava uma história de que tinha tocado piano no subsolo da
casa do presidente com tal entusiasmo que rompera sete cordas.14 Já adulto,
dirigiu a galeria de arte da família em Nova York, onde conheceu a mulher com
quem se casaria. Depois de se mudar para a Alemanha, o casal se aproximou de
Hitler e o convidou para ser padrinho do filho recém-nascido, Egon. O menino o
chamava de “Tio Dolf”.15 Às vezes, quando Hanfstaengl tocava para Hitler, o
ditador chorava.
Martha gostou de Hanfstaengl. Não era, nem de longe, o que ela esperava
que fosse um alto funcionário nazista, “proclamando tão descaradamente seu
charme e seu talento”.16 Era grande, cheio de energia, com gigantescas mãos de
dedos longos — mãos que Bella Fromm, amiga de Martha, descreveria como
“de dimensões quase assustadoras” — e uma personalidade que oscilava
facilmente entre extremos.17 Escreveu Martha: “Ele tinha maneiras suaves,
insinuantes, uma bela voz que usava com um talento consciente, às vezes
sussurrando baixa e suavemente, logo em seguida berrando e estilhaçando a
sala.”18 Dominava qualquer ambiente social. “Era capaz de cansar qualquer um,
com pura perseverança, gritar mais alto ou sussurrar mais baixo do que o
homem mais forte de Berlim.”19
Hanfstaengl também gostou de Martha, mas não ficou impressionado com o
pai. “Era um modesto professorzinho de história sulista, que administrava a
embaixada com um orçamento muito limitado e provavelmente tentava
economizar o dinheiro do salário”, escreveu Hanfstaengl em suas memórias.20
“Num momento em que era necessário um robusto milionário para competir
com a extravagância dos nazistas, ele titubeava de um lado para outro, como se
ainda estivesse no campus da faculdade.” Hanfstaengl referia-se a ele,
desdenhosamente, como “Papa” Dodd.21
“O melhor de Dodd”, escreveu ainda, “era sua atraente filha loura, Martha,
que conheci muito bem.”22 Hanfstaengl a achava graciosa, vibrante, e
claramente uma mulher de grande apetite sexual.
O que lhe deu uma ideia.
CAPÍTULO 9
Morte é morte
Dodd procurava manter sua postura objetiva, apesar dos encontros que tivera
com visitantes que experimentaram uma Alemanha bem diferente do ambiente
alegre e ensolarado onde ele caminhava todas as manhãs. Um desses visitantes
foi Edgar A. Mowrer, na época o mais famoso correspondente em Berlim, no
centro de um torvelinho de polêmicas. Além de fazer reportagens para o Chicago
Daily News, Mowrer tinha escrito um best-seller, Germany Puts the Clock Back
(A Alemanha atrasa o relógio), que enfurecera as autoridades nazistas, a ponto de
os amigos de Mowrer acharem que sua vida estava em risco. O governo de
Hitler desejava expulsá-lo do país. Mowrer queria ficar e foi pedir a Dodd que
intercedesse em seu nome.
Mowrer era alvo antigo da ira nazista. Nas reportagens que mandava da
Alemanha, conseguia ver por baixo da pátina de normalidade para registrar
eventos em que era difícil acreditar, e usava novas técnicas de reportagem para
fazê-lo. Uma de suas principais fontes de informação era seu médico, um judeu
filho do grão-rabino de Berlim.1 A cada 15 dias, mais ou menos, Mowrer
marcava consulta, para todos os efeitos para tratar de um persistente problema
de garganta. Durante a visita, o médico lhe entregava um relatório datilografado
sobre os últimos abusos nazistas, método que funcionou até que começou a
suspeitar que Mowrer estivesse sendo seguido. Os dois combinaram um novo
ponto de encontro: todas as quartas-feiras, às 11h45, num banheiro público no
subsolo da Potsdamer Platz. Ficavam em mictórios adjacentes. O médico
deixava o mais recente relatório e Mowrer o recolhia.
Putzi Hanfstaengl tentou destruir a credibilidade de Mowrer espalhando o
boato de que suas reportagens traziam críticas tão agressivas porque, na
realidade, ele seria um judeu “secreto”.2 A rigor, Martha pensara a mesma
coisa. “Eu me inclinava a achar que ele era judeu”, escreveu; ela “julgava que
sua animosidade era provocada por sua consciência de raça”.3
Mowrer espantava-se com a incapacidade do restante do mundo de
apreender o que de fato se passava na Alemanha. Descobriu que até o irmão
começara a duvidar da veracidade de suas reportagens.
Ele convidou Dodd para jantar em seu apartamento com vista para o
Tiergarten e tentou dar-lhe pistas sobre certas realidades ocultas. “Inutilmente”,
escreveu. “Tinha outras ideias.”4 Nem mesmo os ataques periódicos a
americanos pareciam comover o embaixador, lembrou Mowrer: “Dodd
anunciou que não tinha intenção de se meter em assuntos alemães.”
De sua parte, Dodd concluiu que Mowrer era “à sua maneira quase tão
veemente quanto os nazistas”.5
As ameaças contra Mowrer aumentaram. Dentro da hierarquia nazista,
falava-se em infligir danos físicos ao correspondente. O chefe da Gestapo,
Rudolf Diels, chegou a advertir a embaixada dos Estados Unidos de que Hitler
ficava furioso à menção do nome de Mowrer.6 Diels temia que algum fanático
pudesse matar o jornalista, ou “eliminá-lo do cenário”, e afirmou ter designado
homens “de responsabilidade” da Gestapo para vigiar discretamente o
correspondente e sua família.
Quando o chefe de Mowrer, Frank Knox, proprietário do Chicago Daily News,
soube das ameaças, resolveu tirar seu correspondente de Berlim. Ofereceu-lhe a
sucursal em Tóquio. Mowrer aceitou, com relutância, ciente de que, cedo ou
tarde, seria expulso da Alemanha, mas insistiu em ficar até outubro, em parte
para mostrar que não se curvava à intimidação, mas principalmente porque
queria cobrir o espetáculo anual do Partido Nazista em Nuremberg, previsto para
1º de setembro. Esse comício, o “Dia da Vitória do Partido”, prometia ser o
maior de todos.
Os nazistas queriam que ele fosse embora imediatamente. Membros das
Tropas de Assalto apareceram em frente a seu escritório. Seguiram seus amigos
e fizeram ameaças contra a equipe da sucursal. Em Washington, o embaixador
da Alemanha nos Estados Unidos notificou ao Departamento de Estado que,
devido à “justa indignação do povo”, o governo já não tinha esperança de
impedir que Mowrer fosse agredido.7
Nessa altura, até seus colegas correspondentes ficaram preocupados. H. R.
Knickerbocker e outro repórter procuraram o cônsul-geral Messersmith para lhe
pedir que convencesse Mowrer a ir embora. Messersmith relutou. Conhecia bem
o jornalista e respeitava a coragem com que enfrentava as ameaças nazistas.
Temia que o outro encarasse sua interferência como traição. Apesar disso,
concordou em tentar.
Foi “uma das conversas mais difíceis que já tive”, escreveu Messersmith
posteriormente.8 “Quando ele viu que eu me juntava aos outros amigos para
tentar convencê-lo a ir embora, seus olhos se encheram de lágrimas, e me
lançou um olhar de reprovação.” Apesar disso, Messersmith achava que era sua
obrigação convencê-lo a partir.
Mowrer desistiu, “com um gesto de desespero”, e saiu do escritório de
Messersmith.
Levou seu caso diretamente ao embaixador Dodd, que também achava que
ele deveria ir embora, não só por sua segurança, mas porque suas reportagens
acrescentavam uma camada de tensão a um ambiente diplomático que por si só
já era muito difícil.
Disse-lhe Dodd: “Se você não estivesse sendo transferido por seu jornal, eu
iria até o fim nessa questão (…) Você não fará isso para evitar complicações?”9
Mowrer por fim cedeu. Concordou em partir em 1º de setembro, o primeiro
dia do comício de Nuremberg que ele tanto gostaria de cobrir.
Martha escreveu mais tarde que Mowrer “jamais perdoou meu pai por esse
conselho”.10
***
ENTRE OS PRIMEIROS VISITANTES de Dodd esteve, como o próprio
embaixador escreveu, “talvez o químico número um da Alemanha”. Mas o
homem não aparentava sua importância.11 Era franzino, calvo como um ovo,
com um fino bigode grisalho acima dos lábios grossos. De tez amarelada, tinha o
ar de um homem bem mais velho.
Chamava-se Fritz Haber. O nome era bem conhecido e reverenciado por
qualquer alemão, ou pelo menos fora assim até o advento de Hitler. Haber
dirigira, até pouco tempo, o famoso Instituto Cáiser Guilherme de Físico-
Química. Era herói de guerra e Prêmio Nobel. Na esperança de romper o
impasse nas trincheiras durante a Grande Guerra, inventara o venenoso gás
clorídrico. Criou o que ficou conhecido como regra de Haber, uma fórmula
elegante em sua letalidade, C × t = k: uma baixa exposição ao gás por um longo
período teria resultado igual ao de uma longa exposição por um curto período.12
Também inventou um meio de distribuir seu gás venenoso na frente de batalha, e
esteve presente em 1915, quando foi usado pela primeira vez contra os franceses
em Ypres. Num nível pessoal, aquele dia em Ypres lhe custou caro.13 Sua
mulher Clara, então com 32 anos, sempre condenara seu trabalho, classificando-
o de desumano e imoral, e exigia que ele parasse, mas para essas preocupações
ele tinha uma resposta pronta: morte é morte, fosse qual fosse a causa. Nove dias
depois do ataque de gás em Ypres, ela cometeu suicídio. Mesmo com o clamor
internacional contra suas pesquisas de gás venenoso, Haber foi agraciado com o
Prêmio Nobel de Química de 1918, por ter descoberto um meio de garimpar
nitrogênio do ar, o que permitia a fabricação de fertilizantes fartos e baratos — e,
é claro, de pólvora.
Apesar de sua conversão ao protestantismo antes da guerra, Haber foi
classificado, de acordo com as novas leis nazistas, como não ariano, mas uma
exceção aberta a veteranos de guerra lhe permitira continuar como diretor do
instituto. Muitos cientistas judeus de sua equipe, porém, não se qualificaram para
a exceção, e em 21 de abril de 1933 ele recebeu ordem para dispensá-los. Haber
resistiu à decisão, mas encontrou poucos aliados. Até mesmo o amigo Max
Planck ofereceu um morno consolo. “Neste profundo abatimento”, escreveu
Planck, “meu único conforto é que vivemos numa época de catástrofe, própria
de todas as revoluções, e que devemos suportar muito do que acontece como se
fosse um fenômeno da natureza, sem nos atormentarmos com a ideia de que as
coisas poderiam ter sido diferentes.”14
Haber não pensava assim. Em vez de encabeçar a demissão de seus amigos e
colegas, demitiu-se.
Naquela sexta-feira, 28 de julho de 1933 — dispondo de poucas opções, foi
ao gabinete de Dodd pedir ajuda, com uma carta de Henry Morgenthau Jr.,
chefe do Conselho Federal de Agricultura de Roosevelt (e futuro secretário do
Tesouro). Morgenthau era judeu e defensor de refugiados judeus.
Ao contar sua história, Haber “tremia da cabeça aos pés”,15 segundo
escreveu Dodd em seu diário, considerando seu relato “a mais triste história de
perseguição de judeus que já ouvi”.16 O cientista tinha 65 anos, problemas
cardíacos, e agora via negada a pensão que lhe fora garantida pelas leis da
República de Weimar, que antecedera o Terceiro Reich de Hitler. “Ele queria
saber quais eram as possibilidades nos Estados Unidos para imigrantes com feitos
notáveis em ciência”, escreveu Dodd.17 “Tudo o que pude lhe dizer foi que a lei
não permitia nada, pois a cota estava preenchida.” Dodd prometeu escrever para
o Departamento do Trabalho, que administrava as cotas de imigração, para
perguntar “se alguma decisão favorável poderia ser tomada com relação a essas
pessoas”.
Trocaram um aperto de mãos. Haber pediu a Dodd que tivesse o cuidado de
não falar de seu caso para outras pessoas, “pois as consequências poderiam ser
ruins”. E então saiu, um pequeno químico grisalho que um dia fora um dos mais
importantes patrimônios científicos da Alemanha.
“Pobre velho”, Dodd lembrou-se de ter pensado — antes de se dar conta de
que Haber era apenas um ano mais velho do que ele. “Esse tratamento”,
escreveu em seu diário, “só pode trazer mal para um governo que pratica
crueldades tão terríveis.”
Dodd descobriu, tarde demais, que o que tinha dito a Haber era incorreto. Na
semana seguinte, em 5 de agosto, Dodd escreveu para Isador Lubin, chefe do
Escritório de Estatísticas do Trabalho dos Estados Unidos: “O senhor sabe que a
cota já foi preenchida e provavelmente se dá conta de que um grande número de
pessoas verdadeiramente excepcionais gostaria de migrar para os Estados
Unidos, ainda que tenha de sacrificar suas propriedades para fazê-lo.”18 Diante
disso, Dodd queria saber se o Departamento do Trabalho descobrira alguma
maneira de permitir que “pessoas de maior mérito pudessem ser admitidas”.
Lubin encaminhou a carta de Dodd para o coronel D. W. MacCormack,
diretor do setor de imigração e naturalização, que em 23 de agosto respondeu a
Lubin e lhe disse: “O embaixador parece estar mal informado a esse respeito.”19
De fato, apenas uma pequena fração dos vistos destinados à cota alemã fora
emitida, e a falha, MacCormack deixou claro, se devia ao Departamento de
Estado e ao Serviço Exterior e à sua entusiástica aplicação da cláusula que
barrava a entrada de pessoas “passíveis de se tornar encargo público”. Nada nos
documentos de Dodd explica por que ele se convenceu de que a cota havia sido
preenchida.
Tudo isso chegou tarde demais para Haber. Ele foi para a Inglaterra ensinar
na Universidade de Cambridge, aparentemente uma boa solução, mas ali se
sentiu perdido numa cultura estrangeira, arrancado do seu passado, e sofrendo os
efeitos de um clima inóspito.20 Seis meses depois de ter deixado o gabinete de
Dodd, durante um período de convalescença na Suíça, ele sofreu um ataque fatal
do coração, e sua morte não foi lamentada pela nova Alemanha. Em uma
década, porém, o Terceiro Reich descobriria uma nova utilidade para a regra de
Haber e para um inseticida que ele inventara em seu instituto, composto em parte
de cianureto, usado em geral para fumigar estruturas de armazenagem de grãos.
Chamado inicialmente de Zy klon A, seria transformado pelos químicos alemães
numa variante mais letal: o Zy klon B.21
***
APESAR DESSE ENCONTRO, DODD continuou convencido de que o governo
ficava mais moderado e que diminuíam os maus-tratos dos nazistas aos judeus.
Foi o que disse em carta ao rabino Wise, do Congresso Judaico Americano, que
conhecera no Century Club, em Nova York, e que fora seu companheiro na
viagem de navio para a Alemanha.
O rabino Wise ficou perplexo. Numa resposta que escreveu de Genebra em
28 de julho, disse: “Como eu gostaria de partilhar seu otimismo! Mas devo lhe
dizer que tudo, cada palavra dita por incontáveis refugiados em Londres e Paris
nas últimas duas semanas, me leva a sentir que, longe de ter havido, como você
acredita, uma melhora, as coisas ficam mais graves e mais opressivas para os
judeus alemães a cada dia. Estou certo de que minha impressão será confirmada
pelos homens que você conheceu na pequena conferência no Century Club.”22
Ele lembrava a Dodd a reunião em Nova York a que Wise, Felix Warburg e
outros líderes judeus tinham comparecido.
Em particular, numa carta à filha, Wise escreveu que estavam “contando
mentiras” para Dodd.23
O embaixador manteve seu ponto de vista. Numa carta a Wise, rebateu
dizendo que “as muitas fontes de informação disponíveis aqui no escritório me
parecem indicar um desejo de mitigar o problema judaico. É claro, muitos
incidentes de caráter bastante desagradável continuam a ser relatados. Acho que
são ressacas da agitação anterior. Apesar de não estar, em sentido nenhum,
disposto a desculpar essas condições, estou convencido de que os principais
elementos do governo se inclinam a adotar uma política mais branda assim que
possível”.24
E acrescentou: “Você sabe, é claro, que nosso governo não pode intervir
nesses assuntos internos. Tudo o que se pode fazer é apresentar o ponto de vista
americano e ressaltar as infelizes consequências da política adotada.” Disse ainda
a Wise que se opunha ao protesto explícito. “É minha opinião (…) que a maior
influência que podemos exercer em favor de uma política mais gentil e humana
deve ser aplicada não oficialmente, e por meio de conversas com homens que já
conseguem ver os riscos implícitos.”
Wise estava tão preocupado com a evidente incapacidade de Dodd para
apreender o que de fato ocorria que se ofereceu para ir a Berlim, e, como disse à
filha, Justine, “dizer-lhe a verdade que Dodd, de outra forma, não ouviria”.25
Naquela época, Wise viajava pela Suíça. De Zurique, “mais uma vez supliquei a
Dodd, por telefone, que possibilitasse minha viagem aérea para Berlim”.
O embaixador recusou. Wise era muito conhecido na Alemanha e odiado
demais. Sua foto aparecia no Völkischer Beobachter e no Der Stürmer com muita
frequência. Como contou Wise num texto biográfico, Dodd temia que “eu
pudesse ser reconhecido, particularmente devido a meu inconfundível
passaporte, e causasse um ‘incidente desagradável’ num lugar de aterrissagem
como Nuremberg”.26 O embaixador não aceitou a sugestão de Wise de que um
funcionário da embaixada o encontrasse no aeroporto e ficasse de olho nele
durante toda a viagem.
Enquanto esteve na Suíça, Wise assistiu à Conferência Judaica Mundial em
Genebra, onde propôs uma moção recomendando um boicote mundial ao
comércio alemão. A moção foi aprovada.
***
***
Tiergartenstrasse 27a
Martha e a mãe decidiram alugar uma casa para poderem deixar o Esplanade —
fugir de sua opulência, na opinião de Dodd — e levar uma vida mais estável. Bill
Jr., enquanto isso, matriculou-se num curso de doutorado na Universidade de
Berlim. Para melhorar seu alemão o mais rapidamente possível, fez um arranjo
para morar, durante a semana, com a família de um professor.
O alojamento de um embaixador norte-americano em Berlim havia se
tornado uma questão constrangedora. Anos antes, o Departamento de Estado
comprara e reformara um grande e suntuoso prédio, o Blücher Palace, na
Pariser Platz, atrás do Portão de Brandemburgo, para dar ao embaixador uma
residência e consolidar, num único lugar, todos os outros escritórios diplomáticos
e consulares espalhados pela cidade. A medida também pretendia tornar a
presença física dos Estados Unidos mais parecida com a da Grã-Bretanha e da
França, que havia tempos abrigavam suas embaixadas em majestosos palácios
na praça. No entanto, pouco antes de o antecessor de Dodd, Frederic Sackett,
mudar-se, um incêndio destruíra o prédio. Desde então, ele não passava de uma
lamentável ruína, obrigando Sackett, e depois Dodd, a procurar alojamentos
alternativos. No plano pessoal, isso não deixava Dodd infeliz. Embora criticasse o
desperdício de dinheiro gasto no palácio — o governo, escreveu ele, pagara um
preço mas, “exorbitante” pelo prédio, mas, “como se sabe, era 1928 ou 1929, e
todos estavam enlouquecidos” —, ele gostava da ideia de ter uma casa fora da
embaixada.1 “Pessoalmente, eu preferiria que minha residência ficasse a meia
hora de caminhada da embaixada, e não no Palácio”, escreveu.2 Reconhecia
que ter um prédio grande o suficiente para abrigar funcionários menos graduados
seria uma coisa boa, “mas qualquer de nós que precisa receber gente veria que a
residência ao lado dos escritórios nos tiraria toda a privacidade — o que às vezes
é essencial”.
Martha e a mãe percorreram os adoráveis bairros residenciais da Grande
Berlim e descobriram que a cidade tinha numerosos parques e jardins, e que
havia jardineiras e flores praticamente em todas as sacadas. Nos distritos mais
afastados, viram o que julgaram ser minúsculas fazendas, talvez justamente
aquilo que o pai de Martha procurava. Encontraram pelotões de jovens
uniformizados marchando e cantando com alegria, e formações mais sinistras de
Tropas de Assalto com homens de todos os tamanhos em uniformes mal
ajustados, cuja peça principal era uma camisa marrom de corte terrível. Mais
raramente, viam os integrantes das SS mais esbeltos e bem-vestidos, de uniforme
preto com detalhes em vermelho, parecendo certas espécies de melro de
tamanho descomunal.
Os Dodd puderam escolher entre muitas propriedades, e de início não
estranharam que tantas mansões antigas e grandiosas estivessem disponíveis para
alugar, e mobiliadas de uma forma tão completa e luxuosa, com mesas e
cadeiras trabalhadas, pianos resplandecentes e vasos, mapas e livros raros ainda
no lugar.3 Uma área que lhes agradou particularmente foi o distrito que ficava
logo ao sul do Tiergarten, no caminho de Dodd para o trabalho, onde
descobriram jardins, muita sombra, uma atmosfera de sossego e uma série de
lindas residências. Uma propriedade nesse distrito acabara de ser oferecida para
aluguel, segundo informou o adido militar da embaixada, que soubera da
disponibilidade da casa diretamente por seu dono, Alfred Panofsky, o rico
proprietário de um banco privado e um dos muitos judeus — cerca de 16 mil, o
equivalente a quase 9% dos judeus de Berlim — que moravam na região. Muito
embora eles estivessem sendo expulsos de seus empregos em toda a Alemanha,
o banco de Panofsky continuava em operação e, de forma surpreendente,
contava com beneplácito oficial.
Panofsky prometeu que o aluguel seria razoável. Dodd, já um tanto
arrependido mas ainda assim disposto a cumprir o juramento de viver com seu
salário, ficou interessado e, no fim de julho, foi dar uma olhada.
***
***
***
Seres estranhos
Eles seguiram de carro para o sul por adoráveis paisagens rurais e aldeias
pequenas e limpas, tudo muito parecido com o que era 35 anos antes, quando
Dodd fizera aquele caminho, com a notável exceção de que em todas as cidades
as fachadas dos edifícios públicos tinham bandeiras com a insígnia vermelha,
branca e preta do Partido Nazista: a inevitável cruz quebrada no centro. Às 11
horas, chegaram à primeira parada, a Schlosskirche, ou Igreja do Castelo, em
Wittenberg, em cuja porta Martinho Lutero pregara suas “95 Teses” e dera início
à Reforma. Quando estudante, Dodd tinha viajado de Leipzig para Wittenberg e
assistira a serviços religiosos, sentado no interior da igreja; dessa vez, encontrava
as portas trancadas. Uma parada nazista percorria as ruas da cidade.
O grupo ficou uma hora em Wittenberg, depois seguiu para Leipzig, onde
chegou à uma da tarde, indo diretamente para um dos mais famosos restaurantes
da Alemanha, o Auerbachs Keller, reduto favorito de Goethe, que o usou como
cenário para um encontro entre Mefistófeles e Fausto, no qual o vinho de Mefisto
se transforma em fogo. Dodd achou a comida ótima, especialmente o preço: três
marcos. Não bebeu vinho nem cerveja. Já Martha, Bill e Rey nolds consumiram
canecas e mais canecas.
Ali o grupo dividiu-se. Os jovens foram de carro para Nuremberg; Dodd e a
mulher hospedaram-se num hotel, descansaram algumas horas e foram jantar,
outra boa refeição por um preço ainda melhor: dois marcos. Continuaram o
passeio no dia seguinte e tomaram o trem de volta para Berlim, onde chegaram
às cinco horas e pegaram um táxi para sua nova residência, na Tiergartenstrasse
27a.
***
***
***
Brutus
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***
***
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Pratos de
jantar 27cm
Pratos de
sopa 24cm
Pratos de
entrada
24cm
Pratos de
sobremesa
Pratos de
salada 13cm
Pratos
pão/manteiga
15cm
Chávenas
9cm
Pires 14cm
Tigelas para
caldo 9cm
Pires 14cm
Xícaras para
depois do
jantar 6cm
Pires 12cm
Travessas
para servir
carnes
Travessas,
de vários
tamanhos
Cálices
Taças
grandes para
sorvete
Taças
pequenas
para sorvete
Copos
pequenos
Copos
Copos
grandes
Tigelas para
lavar os
dedos
Pratos para
lavar os
dedos
“Não usaremos travessas de prata, nem serviremos rios de vinho, nem haverá
mesas para jogar cartas em toda parte”, afiançou Dodd a Hull.28 “Haverá
sempre um esforço para trazer um acadêmico, um cientista ou um literato para
que haja alguma conversa proveitosa; e fica entendido que nos recolhemos entre
dez e meia e 11 horas. Não fazemos propaganda disso, mas é sabido que não
continuaremos aqui se descobrirmos que não é possível pagar as despesas com o
dinheiro do salário.”
Em carta a Carl Sandburg, escreveu: “Jamais me adaptarei ao hábito de
comer demais, beber sete variedades de vinho e não dizer nada, ainda que
falando muito, por três longas horas.”29 Temia ser uma decepção para seus
funcionários menos graduados e mais ricos, que davam festas por conta própria.
“Eles não me entendem”, escreveu, “e eu tenho pena deles.” Desejou a
Sandburg que terminasse o mais rapidamente possível seu livro sobre Lincoln,
depois lamentou: “Meu Old South, que está na metade, provavelmente será
enterrado comigo.”
E encerra a carta em tom pesaroso. “Mais uma vez: saudações de Berlim!”
Pelo menos sua saúde era boa, apesar das costumeiras crises de febre do
feno, indigestão e transtornos intestinais. Mas, como se prefigurasse o que viria
pela frente, seu médico em Chicago, Wilber E. Post — que tinha consultório,
apropriadamente, no People’s Gas Building —, enviou a Dodd um memorando
que escrevera depois do último check-up, dez anos antes, para que Dodd o usasse
como base de referência, a fim de comparar os resultados de futuros exames.
Dodd tinha um histórico de enxaquecas, escreveu Post, “com ataques de dor de
cabeça, tontura, fadiga, desânimo e irritabilidade do trato intestinal”, condição,
esta última, cujo melhor tratamento era “praticar exercício físico ao ar livre e
evitar tensão nervosa e fadiga”.30 Sua pressão arterial era excelente, de dez por
seis, mais próxima da de um atleta que da de um homem de meia-idade. “A
característica clínica mais notável é que a saúde do Sr. Dodd é boa quando ele
tem a oportunidade de praticar atividades físicas ao ar livre e de manter uma
dieta amena, com consumo moderado de carne.”
Numa carta anexa ao relatório, o médico escreveu: “Espero que não precise
usar isto, mas pode ser útil se precisar.”
***
Martha divertia-se nas recepções que tanto cansavam seu pai. Como filha do
embaixador americano, adquiriu de imediato uma aura especial, e logo se viu
disputada por homens de todos os níveis, idades e nacionalidades. O divórcio do
marido bancário, Bassett, ainda estava pendente, mas faltavam apenas
formalidades jurídicas. Ela se considerava livre para fazer o que bem quisesse, e
para revelar ou não a situação legal de seu casamento. Descobriu que o sigilo era
uma ferramenta útil e cativante: por fora, ela parecia a própria jovem
americana virgem, mas conhecia e amava o sexo; apreciava especialmente o
efeito que provocava num homem quando ele descobria a verdade. “Acho que
tapeei bem o corpo diplomático não indicando que eu era uma mulher casada
esse tempo todo”, escreveu.1 “Mas admito que gostava muito de ser tratada
como uma donzela de 18 anos, sabendo qual era o meu segredo sombrio.”
Teve muitas oportunidades de conhecer homens. A casa da Tiergartenstrasse
estava sempre cheia de estudantes, funcionários alemães, secretários de
embaixada, correspondentes e homens do Reichswehr, das SA e das SS. Os
oficiais do Reichswehr comportavam-se com élan aristocrático e lhe
confessavam suas secretas esperanças de restauração da monarquia alemã. Ela
os julgava “extremamente agradáveis, bonitos, corteses e desinteressantes”.
Martha chamou a atenção de Ernst Udet, ás da aviação da Grande Guerra,
que desde então ficara famoso na Alemanha como aventureiro dos ares,
explorador e piloto de acrobacias. Ela foi caçar falcões com outro ás da aviação,
como Udet, Göring, em sua vasta propriedade, Carinhall, batizada com o nome
de sua falecida mulher sueca. Martha teve um breve caso com Putzi
Hanfstaengl, ou, pelo menos, foi o que disse depois o filho dele, Egon.2 Ela era
francamente sexual, aproveitou bem a casa, tirando proveito do hábito dos pais
de irem para a cama cedo. Teve um caso amoroso com Thomas Wolfe quando o
escritor visitou Berlim. Wolfe diria posteriormente a um amigo que ela era
“como uma borboleta rodeando meu pênis”.3
Um dos seus amantes foi Armand Berard, terceiro secretário da embaixada
da França — 1,98 metro de altura e “incrivelmente belo”, lembrava Martha.
Antes de convidá-la para sair, ele pediu permissão ao embaixador Dodd, gesto
que Martha achou gracioso e divertido. Ela não lhe contou do casamento e, em
consequência, para seu secreto deleite, ele a tratou como se fosse sexualmente
ingênua. Sabia que tinha um grande poder sobre ele, e que mesmo um gesto ou
comentário casual poderia levá-lo ao desespero. Em seus períodos de
afastamento, ela se encontrava com outros — e fazia questão de que ele
soubesse.
“Você é a única pessoa no mundo que pode acabar comigo”, escreveu-lhe
ele a certa altura, “e como tem certeza disso, e como parece gostar de fazê-lo.”4
Suplicou que não fosse tão dura. “Não aguento”, escreveu. “Se soubesse como
sou infeliz, teria pena de mim.”
Para um de seus admiradores, Max Delbrück, jovem biofísico, a lembrança
de sua capacidade de manipulação permaneceu fresca na memória por décadas.
Era esbelto, tinha um queixo bem esculpido e uma massa de cabelos negros,
rigorosamente penteados, para obter uma aparência que lembrava a do jovem
Gregory Peck. Estava destinado à grandeza, incluindo o Prêmio Nobel que lhe
seria concedido em 1969.
Numa troca de cartas mais adiante na vida, Martha e Delbrück relembraram
o tempo que passaram juntos em Berlim. Ela recordava-se da inocência de
ambos, sentados numa das salas de recepção, e quis saber se ele também
lembrava.
“Claro que me lembro do salão de damasco verde ao lado da sala de jantar
em Tiergartenstrasse”, escreveu ele. Mas suas recordações eram um pouco
diferentes: “Não ficamos sentados ali recatadamente.”5
Com um pouco de empoeirado ressentimento, ele lembrou-lhe o encontro no
Romanisches Café. “Você chegou terrivelmente atrasada e começou a bocejar e
explicou que bocejava porque se sentia descontraída em minha presença, e
aquilo era um elogio para mim.”
E acrescentou, não sem uma razoável dose de ironia: “Fiquei entusiasmado
com a ideia (depois de ter me aborrecido), e tenho bocejado para meus amigos
desde então.”
Os pais de Martha lhe davam total independência, sem restringirem suas idas
e vindas. Não era raro que ficasse até de manhã com os mais variados
acompanhantes, mas apesar disso a correspondência da família é
surpreendentemente livre de reprovações.
Outros, porém, reparavam e reprovavam, entre eles o cônsul-geral George
Messersmith, que manifestou seu desgosto ao Departamento de Estado, jogando
mais lenha na fogueira da campanha que silenciosamente se formava contra
Dodd. Messersmith sabia do caso de Martha com Udet, o ás da aviação, e
acreditava que ela se envolvera em casos românticos com outros nazistas
graduados, incluindo Hanfstaengl. Numa carta “pessoal e confidencial” a Jay
Pierrepont Moffat, chefe de assuntos da Europa Ocidental, escreveu que esses
namoros tinham se tornado combustível para fofocas. Achava-os, na maioria,
inofensivos — exceto o caso com Hanfstaengl. Temia que as relações de Martha
com Hanfstaengl, e sua aparente falta de discrição, levassem diplomatas e outros
informantes a hesitar antes de contarem qualquer coisa a Dodd, com medo de
que suas confidências chegassem aos ouvidos do alemão. “De vez em quando
tenho vontade de tocar no assunto com o embaixador”, disse Messersmith a
Moffat, “mas é uma questão muito delicada, e me limito a deixar bem claro que
tipo de gente Hanfstaengl realmente é.”6
A opinião de Messersmith sobre o comportamento de Martha consolidou-se
com o tempo. Num texto biográfico inédito, ele escreveu que “ela se havia
conduzido mal de muitas maneiras, especialmente levando-se em conta a
posição ocupada pelo pai”.7
O mordomo dos Dodd, Fritz, expressou sua crítica sucintamente: “Aquilo não
era um lar, mas uma casa de má fama.”8
***
A VIDA AMOROSA DE Martha deu uma guinada sombria quando ela foi
apresentada a Rudolf Diels, o jovem chefe da Gestapo. Diels movia-se com
facilidade e confiança, mas, ao contrário de Putzi Hanfstaengl, que invadia uma
sala, ele entrava com discrição, infiltrando-se como uma névoa maléfica. Sua
chegada a uma festa, escreveu Martha, “criava um nervosismo e uma tensão
que nenhum outro homem poderia criar, mesmo quando as pessoas não sabiam
de sua identidade”.9
O que mais chamou a atenção de Martha foi a torturada visão do seu rosto,
descrito por ela como “a face mais sinistra, mais marcada por cicatrizes, que já
vi”.10 Uma longa e rasa cicatriz, em forma de “V”, marcava-lhe a face direita;
outras lhe corriam por baixo da boca e pelo queixo; uma especialmente profunda
formava uma meia-lua na parte inferior da bochecha esquerda. No geral sua
aparência era marcante, uma espécie de Ray Milland avariado — uma “beleza
cruel, destruída”, nas palavras de Martha.11 Era o oposto da boa aparência
insossa dos jovens oficiais do Reichswehr, e ela se sentiu atraída imediatamente
por ele, por seus lábios “adoráveis”, seus “abundantes cabelos cor de azeviche” e
seus olhos penetrantes.
Ela não era a única a sentir essa atração. Dizia-se que Diels tinha grande
charme e era sexualmente talentoso e experiente. Quando estudante, adquirira a
reputação de bebedor e mulherengo, de acordo com Hans Bernd Gisevius,
homem da Gestapo que estudara na mesma universidade. “Envolvimento com
mulheres era rotina para ele”, escreveu Gisevius num texto autobiográfico.12 Os
homens também reconheciam seu charme e seus modos. Quando Kurt Ludecke,
um dos primeiros parceiros de Hitler, foi preso e convocado ao escritório de
Diels, achou o chefe da Gestapo inesperadamente cordial. “Senti-me à vontade
com aquele jovem alto, esbelto e polido, e sua consideração me reconfortou de
imediato”, escreveu Ludecke.13 “Foi uma ocasião em que as boas maneiras,
sem dúvida, fizeram toda a diferença.” E acrescentou: “Voltei para minha cela
achando que preferia ser fuzilado por um cavalheiro a ser espancado por um
troglodita.” Apesar disso, Ludecke acabou preso, sob “custódia protetora”, num
campo de concentração em Brandenburg an der Havel.
O que Martha também achava atraente em Diels era o fato de todo mundo
ter medo dele. Diels costumava ser chamado de “Príncipe das Trevas”, e, como
Martha descobriu, não se importava nem um pouco com isso. “Ele se divertia
cruelmente com suas maneiras mefistofélicas e queria sempre provocar silêncio
com sua entrada melodramática.”14
Desde cedo Diels se aliara estreitamente a Göring e, quando Hitler se tornou
chanceler, Göring, como novo ministro prussiano do Interior, recompensou sua
lealdade entregando-lhe a chefia da recém-criada Gestapo, apesar de Diels não
ser membro do Partido Nazista. Göring instalou a agência numa velha escola de
arte na Prinz-Albrecht-Strasse 8, mais ou menos a duas quadras do consulado dos
Estados Unidos na Bellevuestrasse. Quando Dodd chegou a Berlim, a Gestapo já
era uma presença aterradora, muito embora não fosse, como se imagina, a
entidade que tudo sabia e que tudo via. Seu rol de empregados era “notavelmente
pequeno”, de acordo com o historiador Robert Gellately.15 Ele cita o exemplo da
filial da agência em Düsseldorf, uma das poucas de que ainda se tem registros
minuciosos. Contava com 291 empregados responsáveis por um território onde
viviam quatro milhões de pessoas. Seus agentes, ou “especialistas”, não eram os
sociopatas da visão popular, como Gellately descobriu. “Na grande maioria, não
eram malucos, dementes ou super-homens, mas terrivelmente comuns.”16
A Gestapo reforçava a imagem mantendo suas operações e suas fontes de
informação em segredo. De repente, do nada, as pessoas recebiam cartões-
postais solicitando que comparecessem para responder a perguntas. Esses
interrogatórios eram especialmente assustadores. Apesar da forma prosaica, as
convocações não poderiam ser descartadas ou ignoradas. Punham os cidadãos na
situação de terem de comparecer ao mais aterrador dos edifícios, para responder
a acusações de crimes sobre os quais não faziam a menor ideia, com a
possibilidade — geralmente imaginária, mas em muitos casos bastante real —
de, no final das contas, acabarem num campo de concentração, sob “custódia
protetora”. Essa acumulação de incógnitas era o que tornava a Gestapo tão
temível. “Não se pode escapar de um perigo que não se sabe qual é”, escreveu o
historiador Friedrich Zipfel, “mas uma polícia que opera nas sombras torna-se
misteriosamente inquietante. Ninguém se sente seguro em parte alguma. Embora
não seja onipresente, ela pode aparecer, fazer buscas, prender. O cidadão
preocupado não sabe mais em quem confiar.”17
Sob o comando de Diels, no entanto, a Gestapo desempenhou um papel
complexo. Nas semanas que se seguiram à nomeação de Hitler como chanceler,
a Gestapo de Diels atuou como freio contra uma onda de violência das SA,
durante a qual as Tropas de Assalto arrastaram milhares de vítimas para suas
prisões provisórias. Diels encabeçou incursões para fechá-las e encontrou
prisioneiros em condições miseráveis, espancados e terrivelmente contundidos,
com membros quebrados, quase mortos de inanição, “como massa de barro
inanimado”, escreveu ele, “fantoches absurdos de olhos mortiços, queimando de
febre, os corpos flácidos”.18
O pai de Martha gostava de Diels. Para sua surpresa, descobriu que o chefe
da Gestapo era prestativo como intermediário para tirar estrangeiros e outros
presos de campos de concentração e para pressionar autoridades policiais fora de
Berlim a encontrar e punir milicianos das SA responsáveis por ataques a
americanos.
Porém Diels não era um santo. Durante sua chefia, milhares de homens e
mulheres foram presos, muitos torturados, alguns mortos. Na gestão dele, por
exemplo, um comunista alemão chamado Ernst Thälmann foi preso e
interrogado na sede da Gestapo. Thälmann deixou um vívido relato. “Mandaram-
me tirar as calças, e dois homens me agarraram pela nuca e me puseram num
banquinho. Um oficial uniformizado da Gestapo com um chicote de couro de
hipopótamo na mão chicoteou-me as nádegas com golpes ritmados.
Enlouquecido de dor, eu gritava com todas as forças dos pulmões.”19
Na opinião de Diels, a violência e o terror eram ferramentas valiosas para a
preservação do poder político. Numa reunião de correspondentes estrangeiros na
casa de Putzi Hanfstaengl, Diels disse aos repórteres: “O valor das SA e das SS,
do ponto de vista do inspetor-geral responsável pela supressão de tendências e
atividades subversivas, está no fato de que elas espalham o terror. É uma coisa
saudável.”20
***
A morte de Boris
***
DIAS DEPOIS, BORIS APARECEU. Foi de carro até a casa dos Dodd,
apresentou-se a Fritz, o mordomo; depois subiu as escadas para o andar principal
levando um buquê de flores do outono e um disco fonográfico. Não lhe beijou a
mão, o que era bom sinal, pois esse ritual alemão a aborrecia. Depois de um
rápido preâmbulo, entregou-lhe o disco.
— Você não conhece música russa, conhece, gnädiges Fräulein? Já ouviu “A
morte de Boris”, de Mussorgsky ?
E acrescentou:
— Espero que não seja a minha morte que vou tocar para você.
Ele riu; ela não achou graça. Pareceu-lhe um “presságio” de algo sombrio
que viria.
Ouviram a música — a cena da morte da ópera de Modest Mussorgsky Boris
Godunov, cantada pelo famoso baixo russo Fy odor Chaliapin — e depois Martha
mostrou-lhe a casa, terminando na biblioteca. De um lado ficava a mesa do pai,
imensa e escura, as gavetas sempre trancadas. O sol de fim de outono entrava
pelos vitrais em dobras de luz matizada. Ela o conduziu a seu sofá predileto.
Boris estava encantado.
— Este é o nosso canto, gnädiges Fräulein! — exclamou. — Melhor do que
qualquer outro.
Martha sentou-se no sofá; Boris puxou uma cadeira. Ela chamou Fritz e lhe
pediu que trouxesse cerveja e um cardápio informal de pretzels, cenoura e
pepinos em fatias e pedaços de queijo quente, coisas que sempre pedia ao
receber visitas não oficiais.
Fritz trouxe a comida, pisando de leve, quase como se quisesse escutar. Boris
supôs, corretamente, que o mordomo tinha raízes eslavas. Os dois homens
trocaram amabilidades.
Aproveitando a descontração de Boris, Fritz gracejou:
— Vocês, comunistas, incendiaram mesmo o Reichstag?
O convidado sorriu-lhe, piscando.
— É claro que sim — disse. — Você e eu, nós dois juntos. Não se lembra da
noite em que estivemos na casa de Göring e alguém nos mostrou a passagem
secreta para o Reichstag?
Era uma alusão à teoria bastante difundida de que uma turma de incendiários
nazistas tinha secretamente passado do palácio de Göring para o Reichstag por
um túnel subterrâneo entre os dois edifícios. Esse túnel, de fato, existia.
Os três riram. Aquele arremedo de cumplicidade no incêndio do Reichstag se
tornaria uma piada entre Boris e Fritz, repetida nas formas mais variadas, para
grande deleite do pai de Martha — muito embora o mordomo fosse, “quase com
certeza, agente da polícia secreta”.
Fritz voltou com vodca. Boris serviu-se de uma grande dose e engoliu-a num
trago. Martha instalou-se no sofá. Dessa vez, ele sentou-se a seu lado. Bebeu uma
segunda dose de vodca, que pareceu não fazer efeito.
— Desde que a vi pela primeira vez — começou ele. Hesitou, e disse: —
Pode ser, me pergunto?
Ela compreendeu o que ele tentava dizer, e a rigor também sentia uma
atração instantânea e poderosa, mas não estava inclinada a ceder tão depressa.
Lançou-lhe um olhar inexpressivo.
Ele ficou sério. Submeteu-a a um longo interrogatório. Que fazia em
Chicago? Como eram seus pais? Que pretendia fazer no futuro?
As perguntas mais pareciam uma entrevista do que uma conversa de
primeiro encontro. Martha achou um pouco constrangedor, mas respondeu com
paciência. Pelo que sabia, era assim que os homens soviéticos se comportavam.
“Eu jamais tinha conhecido um comunista de verdade, ou um russo”, escreveu,
“e imaginei que devia ser assim que eles conheciam alguém.”
Durante a conversa, ambos consultaram dicionários de bolso. Boris sabia
algum inglês, mas não muito, e conversava basicamente em alemão. Martha não
sabia russo, por isso usava uma mescla de alemão e inglês.
Apesar de custar-lhe um bom esforço, ela contou a Boris que seus pais
vinham de antigas famílias sulistas de proprietários de terras, “cada um tão rico
de ancestrais quanto o outro, e quase puramente britânicos: escoceses-irlandeses,
ingleses e galeses”.
Boris riu.
— Não é tão puro assim, não é?
Com uma nota de orgulho inconsciente na voz, ela acrescentou que ambas as
famílias tiveram escravos:
— A de minha mãe, uns 12. A de meu pai, cinco ou seis.
Boris ficou calado. Sua expressão adquiriu um súbito ar de tristeza.
— Martha — disse ele —, você certamente não sente orgulho de seus
ancestrais terem sido donos de outros seres humanos.
Segurou-lhe as mãos e olhou-a nos olhos. Até aquele momento, o fato de seus
ancestrais terem possuído escravos sempre lhe parecera apenas um elemento
interessante de sua história pessoal, testemunho de suas profundas raízes
americanas. Agora, subitamente, ela o via pelo que era: um triste capítulo a ser
lamentado.
— Não quis contar vantagem — disse ela. — Acho que lhe dei essa
impressão. — Pediu desculpas e imediatamente teve raiva de si mesma por isso.
Ela admitiu que era uma “moça combativa”. — Mas temos uma longa tradição
nos Estados Unidos — falou. — Não somos recém-chegados.
Boris achou hilariante sua atitude defensiva, e riu com gosto.
No instante seguinte, adotou uma expressão e um tom de voz que ela se
lembrava de ter achado “solenes ao extremo”.
— Parabéns, minha nobre, graciosa, pequena Martha! Eu também sou de
linhagem antiga, ainda mais do que a sua. Sou descendente direto do homem de
Neandertal. E puro? Sim, puramente humano.
Eles se atiraram um contra o outro, às gargalhadas.
***
***
O “problema judaico”
***
Um pedido secreto
***
***
A escapada de Lúcifer
Com a vinda do outono, o desafio que representava para Martha lidar com seu
séquito de admiradores tornou-se um pouco menos intimidador, embora por uma
razão inquietante. Diels desapareceu.
Uma noite, no começo de outubro, ele trabalhava tarde da noite em seu
escritório na Prinz-Albrecht-Strasse 8 quando, mais ou menos à meia-noite,
recebeu um telefonema da mulher, Hilde, que parecia muito angustiada. Como
ele mesmo contou posteriormente em Lucifer Ante Portas (Lúcifer ao Portão),
um texto autobiográfico —, sua mulher lhe disse que uma “horda” de homens
armados, em uniformes negros, invadira o apartamento, trancara-a num quarto e
fizera uma busca agressiva, juntando diários, cartas e outras pastas que Diels
guardava lá. Ele correu para casa e conseguiu reunir informações suficientes
para identificar os invasores como um pelotão das SS, sob o comando de certo
capitão Herbert Packebusch. Packebusch tinha apenas 31 anos, escreveu Diels,
mas já demonstrava uma “dureza e uma insensibilidade inscritas profundamente
no rosto”.1 Diels o descreveu como “o protótipo e a imagem dos comandantes de
campo de concentração que viriam depois”.
Apesar de a invasão de Packebusch ter surpreendido Diels por sua insolência,
ele sabia quais eram as forças que estavam por trás do episódio. O regime
fervilhava de conflitos e conspirações. Diels pertencia, basicamente, ao grupo de
Göring, com Göring detendo o poder de polícia em Berlim e no território
circundante da Prússia, o maior dos estados alemães. Mas Heinrich Himmler,
encarregado das SS, rapidamente assumia o controle de agências da polícia
secreta no restante da Alemanha. Göring e Himmler se detestavam mutuamente
e brigavam por influência.
Diels agiu com rapidez. Ligou para um amigo encarregado da delegacia da
polícia de Berlim em Tiergarten e reuniu um destacamento de policiais
uniformizados, armados com metralhadoras e granadas de mão. Conduziu-os a
um reduto das SS na Potsdamer Strasse e mandou os homens cercarem o prédio.
Os milicianos que guardavam a entrada não sabiam o que se passara, e levaram
Diels e o contingente de polícia obsequiosamente ao escritório de Packebusch.
A surpresa foi total. Ao entrar, Diels viu Packebusch à mesa, em mangas de
camisa, a jaqueta negra do uniforme pendurada na parede, junto com o cinto e a
pistola no coldre. “Ele estava sentado, debruçado sobre os documentos
espalhados na mesa, como um acadêmico que vira a noite trabalhando”,
escreveu Diels. Estava furioso. “Eram meus documentos que ele examinava e,
como logo descobri, desfigurava com anotações ineptas.” Diels soube que
Packebusch enxergava o mal até na maneira como Diels e a mulher tinham
decorado o apartamento. Numa anotação, o capitão rabiscara a frase “mobília
ao estilo de Stresemann”, uma referência ao falecido Gustav Stresemann,
adversário de Hitler dos tempos de Weimar.
— Você está preso — disse Diels.
Packebusch ergueu os olhos abruptamente. Num minuto ele lia os
documentos pessoais de Diels, e no minuto seguinte Diels estava em pé à sua
frente. “Packebusch não teve tempo de se recuperar da surpresa”, escreveu
Diels. “Olhou para mim como se eu fosse uma aparição.”
Os homens de Diels agarraram Packebusch. Um policial tirou a pistola do
capitão das SS do cinto na parede, mas pelo visto ninguém se preocupou em
revistar com mais cuidado o próprio Packebusch. Policiais percorreram o prédio
para prender outros homens que Diels suspeitava terem participado da invasão do
apartamento. Todos os suspeitos foram levados para o quartel-general da
Gestapo; Packebusch foi conduzido ao escritório de Diels.
Ali, nas primeiras horas da manhã, Diels e Packebusch sentaram-se frente a
frente, ambos lívidos. O cão-lobo alsaciano — naquela época, o nome oficial dos
pastores-alemães — de Diels estava perto, atento.
Diels jurou botar Packebusch na cadeia.
Packebusch acusou Diels de traição.
Furioso com a insolência de Packebusch, Diels saltou da cadeira num acesso
de raiva. Por sua vez, Packebusch soltou uma torrente de palavrões e puxou uma
pistola oculta no bolso de trás da calça. Apontou-a para Diels, dedo no gatilho.
O cachorro do chefe da Gestapo entrou em cena, saltando em cima de
Packebusch, segundo o relato de Diels. Dois policiais uniformizados agarraram o
capitão e lhe tomaram a arma. Diels ordenou que ele fosse levado para a prisão
da Gestapo, no subsolo.
Rapidamente Göring e Himmler foram envolvidos, e chegaram a um acordo.
Göring tirou Diels da chefia da Gestapo e o nomeou comandante de polícia
assistente em Berlim. Diels reconheceu que a nomeação era um rebaixamento
para um cargo sem poder real — pelo menos sem o tipo de poder de que
precisaria para enfrentar Himmler, se o chefe das SS resolvesse buscar mais
vingança. Mas aceitou o arranjo, e assim as coisas permaneceram até certa
manhã, no fim do mês, em que dois leais empregados fizeram sinal para que
parasse o carro em que ia para o trabalho. Disseram-lhe que agentes das SS o
esperavam no gabinete com um mandado de prisão.
Diels fugiu. Em suas memórias, ele afirma que sua mulher lhe recomendou
que levasse uma amiga, uma americana, “que poderia ser útil na hora de
atravessar fronteiras”. Ela morava num “apartamento na Tiergartenstrasse”,
escreveu ele, e gostava de correr riscos: “Eu conhecia o seu entusiasmo pelo
perigo e pela aventura.”
A insinuação faz pensar imediatamente em Martha, mas ela não menciona
essa viagem em suas memórias, ou em qualquer outro escrito.
Diels e sua companheira seguiram para Potsdam, depois na direção sul até a
fronteira, onde ele deixou o carro numa garagem. Levava um passaporte falso.
Atravessaram a fronteira da Tchecoslováquia e rumaram para a estação de
águas de Carlsbad, onde se hospedaram num hotel. Diels também levava consigo
alguns documentos mais sensíveis, a título de segurança.
“De seu retiro na Boêmia”, escreveu Hans Gisevius, o memorialista da
Gestapo, “ele ameaçou fazer revelações constrangedoras, e cobrou alto preço
para manter a boca fechada.”2
***
***
Aviso de amigo
Martha tornava-se cada vez mais confiante no seu apelo social, o bastante para
organizar seu próprio salão vespertino, seguindo o modelo dos chás e dos grupos
de discussão da amiga Mildred Fish Harnack. Ofereceu também uma festa em
seu aniversário. Mas os eventos desenrolaram-se de forma acentuadamente
diferente do que ela esperava.
Ao selecionar os convidados para o seu salão, ela usou os próprios contatos,
assim como os de Mildred. Convidou dezenas de poetas, escritores e editores,
com a finalidade aparente de conhecer um editor americano em visita à cidade.
Martha esperava “ouvir conversas divertidas, estimulantes trocas de opiniões,
pelo menos uma conversa num plano mais elevado do que aquele a que nos
habituamos no serviço diplomático”.1 Mas os convidados levaram uma
companhia inesperada.
Em vez de formar um grupo animado e vibrante com ela ao centro, os
convidados fragmentaram-se, formando um grupinho aqui, outro ali. Um poeta
sentou-se na biblioteca, com vários convidados. Outros cercaram estreitamente o
convidado de honra, demonstrando o que Martha chamou de “patético afã de
saber o que estava acontecendo nos Estados Unidos”. Os convidados judeus
pareciam especialmente pouco à vontade. A conversa esmoreceu; o consumo de
comida e de álcool aumentou. “Os demais convidados espalharam-se, bebendo
muito e devorando pratos de comida”, escreveu Martha. “Provavelmente muitos
eram pobres, mal alimentados, e os outros estavam nervosos e ansiosos para
esconder esse sentimento.”
Em resumo, escreveu Martha, “foi uma tarde chata e, ao mesmo tempo,
tensa”. O convidado penetra era o medo, que assombrou a reunião. As pessoas,
escreveu ela, estavam “tão tomadas de frustração e miséria (…), de tensão,
ânimo alquebrado, coragem malfadada ou trágica e odiosa covardia que jurei
que jamais voltaria a reunir aquele grupo em minha casa”.
Em vez disso, ela se resignou a ajudar os Harnack com seus saraus e seus
chás. Eles tinham um dom para reunir amigos leais e interessantes, e aproximá-
los. A ideia de que, um dia, esse dom poderia matá-los teria parecido a Martha,
naquela época, absolutamente ridícula.
***
***
DODD TAMBÉM APRENDIA RAPIDAMENTE a avaliar as espinhosas
suscetibilidades da época. Nenhum evento deixou isso mais claro do que um
discurso que proferiu na filial berlinense da Câmara Americana de Comércio, no
feriado do Dia de Colombo, 12 de outubro de 1933. Sua palestra causou furor não
apenas na Alemanha, mas também, para consternação de Dodd, dentro do
Departamento de Estado e entre os muitos americanos que prefeririam evitar
que o país se imiscuísse em questões europeias.
O embaixador acreditava que era uma importante parte de sua missão
exercer uma silenciosa pressão a favor da moderação ou, como escreveu numa
carta para o advogado de Chicago Leo Wormser, “continuar a persuadir e a
rogar aos homens daqui que não sejam seus piores inimigos”.5 O convite para
falar pareceu-lhe uma oportunidade ideal.
Seu plano era usar a história para fazer uma crítica ao regime nazista, mas de
forma oblíqua, para que apenas as pessoas da plateia com bons conhecimentos
de história antiga e moderna compreendessem a mensagem subjacente. Nos
Estados Unidos, um discurso dessa natureza pareceria tudo menos heroico; no
clima de opressão cada vez mais intensa do domínio nazista, foi, decididamente,
ousado. Dodd explicou seus motivos numa carta para Jane Addams. “Foi por ter
visto tanta injustiça e tantos pequenos grupos autoritários, e por ter ouvido as
queixas de tantas das melhores pessoas do país, que me arrisquei a ir o mais
longe que minha posição permitia, e, com analogias históricas, adverti os
homens, tão solenemente quanto possível, a não deixarem líderes não muito
instruídos conduzirem países à guerra.”6
Deu à palestra o título inócuo de “Nacionalismo Econômico”. Ao citar a
ascensão e queda de César e episódios das histórias francesa, inglesa e norte-
americana, Dodd procurou advertir contra os perigos do governo “arbitrário e
minoritário”, sem mencionar claramente a Alemanha contemporânea. Não era
algo que um diplomata convencional teria feito, mas Dodd viu no discurso a
oportunidade de cumprir a determinação original de Roosevelt. Ao defender-se,
mais tarde, escreveu: “O presidente me disse expressamente que queria que eu
fosse o representante e o porta-voz (quando necessário) dos ideais e da filosofia
americanos.”7
Ele falou num salão de banquete do Hotel Adlon para uma grande plateia,
que incluía numerosos altos funcionários do governo, entre eles o presidente do
Reichsbank, Hjalmar Schacht, e dois homens do Ministério da Propaganda de
Goebbels. Dodd sabia que estava prestes a entrar em terreno muito sensível.
Compreendia muito bem, dada a presença de correspondentes estrangeiros, que
a palestra receberia ampla cobertura da imprensa na Alemanha, nos Estados
Unidos e na Grã-Bretanha.
Quando começou a ler, sentiu uma silenciosa empolgação tomar conta da
sala. “Em tempos de grande tensão”, iniciou, “os homens ficam propensos
demais a abandonar os dispositivos sociais do passado e penetrar fundo em
território desconhecido. E a consequência sempre é a reação, por vezes o
desastre.”8 Mergulhou no passado distante para começar sua alusiva jornada
com os exemplos de Tibério Graco, um líder popular, e Júlio César. “Estadistas
com pouca cultura de hoje se afastam violentamente do propósito ideal do
primeiro Graco e julgam que encontrarão a salvação para seus atormentados
companheiros nos modos arbitrários do homem que se tornou presa fácil dos
artifícios baratos da lasciva Cleópatra.” Esquecem-se, continuou, de que “os
césares tiveram êxito apenas por um breve momento quando medidos pelo teste
da história”.
Descreveu momentos parecidos nas histórias inglesa e francesa e citou o
exemplo de Jean-Baptiste Colbert, o poderoso ministro das Finanças de Luís XIV.
Numa aparente alusão às relações entre Hitler e Hindenburg, contou aos ouvintes
que Colbert “recebeu poderes despóticos. Destituiu centenas de grandes famílias
de novos-ricos, entregou suas propriedades à Coroa, condenou milhares à morte
por lhe terem resistido (…) A recalcitrante aristocracia de proprietários de terras
foi subjugada em toda parte, os parlamentos não tinham permissão para se reunir
em assembleia”. O governo autocrático persistiu na França até 1789, o início da
Revolução Francesa, quando, “com um baque e um estrondo”, desmoronou.
“Governos do topo fracassam tão frequentemente quanto governos da base, e
cada grande fracasso provoca uma triste reação social, milhares e milhões de
homens desamparados depondo sua vida no infeliz processo. Por que os estadistas
não estudam o passado e evitam tais catástrofes?”
Depois de mais algumas alusões, veio o epílogo. “Para concluir”, disse ele,
“pode-se afirmar com segurança que não seria pecado se um estadista
aprendesse história o suficiente para perceber que nenhum sistema que implique
controle da sociedade por caçadores de privilégios jamais teve outro fim que não
o colapso.” E deixar de aprender com os “erros do passado” era acabar seguindo
a trajetória para “outra guerra e para o caos”.
O aplauso, disse Dodd em seu diário, “foi extraordinário”. Ao descrever o
momento para Roosevelt, Dodd comentou que até Schacht “aplaudiu de forma
exagerada”, como “todos os demais alemães presentes. Nunca vi aprovação
mais unânime”.9 Escreveu ao secretário Hull: “Quando terminou, quase todos os
alemães presentes apareceram e expressaram um tipo de aprovação que
transmitia o pensamento: ‘Você disse tudo aquilo que nos foi negado dizer.’”10
Um funcionário do Deutsche Bank ligou para manifestar sua aprovação. Ele disse
a Dodd: “A Alemanha silenciosa, mas ansiosa, sobretudo a Alemanha comercial
e universitária, está inteiramente de acordo com o senhor, e muito grata que
esteja aqui e possa dizer o que não podemos.”11
Era evidente que os ouvintes compreenderam a verdadeira intenção do
discurso de Dodd. Quando ele terminou de falar, Bella Fromm, a colunista social
do Vossische Zeitung, que rapidamente se tornava amiga da família Dodd, disse-
lhe: “Adorei todas as indiretas contra Hitler e o hitlerismo.”12
Dodd deu um sorriso maroto. “Eu não tinha ilusões sobre Hitler quando fui
designado para o cargo em Berlim”, respondeu. “Mas esperava pelo menos
encontrar algumas pessoas decentes ao redor dele. Fiquei horrorizado ao
descobrir que todo o bando não passa de uma horda de criminosos e covardes.”
Depois Fromm repreendeu o embaixador da França na Alemanha, André
François-Poncet, por ter perdido o discurso. Sua resposta sintetizou um dilema
fundamental da diplomacia tradicional. “A situação é muito difícil”, disse ele,
com um sorriso.13 “É preciso ao mesmo tempo ser diplomata e ocultar os
sentimentos. É preciso agradar aos superiores, em casa, e não ser expulso daqui,
mas também me deixa muito feliz o fato de Sua Excelência, o Sr. Dodd, não se
deixar subverter por bajulações e altas honrarias.”
Dodd sentiu-se estimulado pela resposta da plateia. E disse a Roosevelt:
“Minha interpretação é que toda a Alemanha liberal está conosco — e mais da
metade da Alemanha é, no fundo, liberal.”14
A resposta noutros lugares foi decididamente menos positiva, como o
embaixador não tardaria a descobrir. Goebbels impediu a publicação do discurso,
embora três grandes jornais tenham divulgado trechos de qualquer maneira. No
dia seguinte, sexta-feira, Dodd chegou ao gabinete do ministro do Exterior,
Neurath, para um encontro que já estava marcado, mas foi informado de que o
alemão não poderia recebê-lo — uma clara violação do costume diplomático.
Em um telegrama a Washington aquela tarde, Dodd disse ao secretário Hull que
o ato de Neurath parecia “constituir uma séria afronta a nosso governo”.15 O
embaixador finalmente conseguiu falar com Neurath às oito horas daquela noite.
Ele alegou que estava ocupado demais para recebê-lo durante o dia, mas Dodd
sabia que o ministro estava tão livre de obrigações urgentes que tivera tempo de
almoçar com um diplomata menos importante. Em seu diário, escreveu que
suspeitava que o próprio Hitler talvez tivesse forçado o adiamento “como uma
espécie de represália ao discurso de ontem”.16
Para sua surpresa ainda maior, também sentiu uma onda de críticas vinda dos
Estados Unidos, e tomou providências para se defender. Imediatamente, enviou a
Roosevelt uma transcrição e explicou ao presidente que o fazia por temer “que
algumas interpretações constrangedoras possam ter sido divulgadas em nosso
país”.17 Naquele mesmo dia, enviou uma cópia também para o subsecretário
Phillips, “na esperança de que o senhor, informado de todos os precedentes,
possa explicar ao secretário Hull — isto é, se ele ou outra pessoa no
departamento achar que causei algum dano a nossa causa aqui”.18
Se ele esperava que Phillips se levantasse em sua defesa, estava enganado.
Phillips e outros altos funcionários do Departamento de Estado, incluindo
Moffat, o chefe dos assuntos da Europa Ocidental, estavam cada vez mais
insatisfeitos com o embaixador. Esses membros graduados do “excelente clube”
de Hugh Wilson aproveitaram o discurso de Dodd como mais uma prova de que
ele era o homem errado para o posto. Em seu diário, Moffat comparou o
desempenho de Dodd ao do “mestre-escola que repreende seus alunos”.19
Phillips, mestre na arte dos rumores palacianos, regozijou-se com o desconforto
de Dodd. Ignorou diversas cartas nas quais o embaixador pedia conselho oficial
sobre se deveria aceitar futuros convites para falar em público. Finalmente,
respondeu, desculpando-se e explicando que “estava em dúvida se alguma
palavra [sua] poderia servir de ajuda ou orientação para o senhor, que vive num
mundo tão completamente diferente daquele da maioria dos embaixadores”.20
Apesar de cumprimentar Dodd pela “elevada arte” que demonstrara na
preparação de um discurso que lhe permitiu dizer o que pensava sem ofender
diretamente, Phillips também lhe fez uma serena repreensão. “Em resumo,
minha impressão é que um embaixador, hóspede privilegiado do país no qual está
acreditado, deve ter o cuidado de não dar expressão pública a nada de natureza
crítica ao país que o adota, porque, ao fazê-lo, perde, ipso facto, a confiança dos
próprios funcionários públicos cuja boa vontade é tão importante para o êxito de
sua missão.”
Dodd parecia ainda não ter se dado conta, mas diversos membros do
Excelente Clube tinham começado a intensificar sua campanha contra ele, com
o propósito final de alijá-lo de suas fileiras. Em outubro, seu velho amigo, o
coronel House, lhe enviou uma serena advertência. Primeiro veio a boa notícia.
House acabara de se encontrar com Roosevelt. “Foi um prazer ouvir o presidente
dizer que está felicíssimo com o trabalho que você está fazendo em Berlim.”21
Mas depois House visitou o Departamento de Estado. “Digo-lhe em estrita
confiança que eles não se referem a você com o mesmo entusiasmo do
presidente”, escreveu. “Insisti em algo concreto, mas tudo o que consegui saber
foi que você não os mantém bem informados. Conto-lhe isto para que possa se
orientar no futuro.”
***
***
Alcoviteiro
O beijo do Führer
Dodd subiu a ampla escada para o gabinete de Hitler, deparando a cada volta
com homens das SS de braço levantado “ao estilo de César”, como descrevera o
embaixador. Ele respondia com uma vênia, e finalmente entrou na sala de espera
do chanceler. Depois de alguns momentos a porta negra e alta do gabinete se
abriu. O ministro do Exterior, Neurath, saiu para receber Dodd e levá-lo a Hitler.
O gabinete era uma sala imensa, pelos cálculos de Dodd tinha 15 metros por 15,
com paredes e teto elaboradamente decorados. Hitler, “elegante e ereto”,
trajava um terno comum de trabalho.1 Dodd notou que ele tinha uma aparência
melhor do que as fotografias de jornal indicavam.
Mesmo assim, o ditador não chamava atenção como figura marcante. Isso
raramente acontecia. No início de sua ascensão, era facilmente descartado como
uma nulidade qualquer por aqueles a quem acabava de ser apresentado. Tinha
raízes plebeias e não conseguira destacar-se em nada, fosse na guerra, no
trabalho ou na arte, apesar de, nessa última área, se julgar um grande talento.
Tinha fama de indolente. Acordava tarde, trabalhava pouco e vivia cercado pelas
figuras menos luminosas do partido, entre as quais se sentia mais à vontade, um
entourage de pseudointelectuais que Putzi Hanfstaengl apelidou,
depreciativamente, de “Chauffeureska”, constituído de guarda-costas, ajudantes
e um chofer.2 Ele amava o cinema — King Kong era um de seus filmes
preferidos — e adorava a música de Richard Wagner.3 Vestia-se mal. Além do
bigode e dos olhos, seus traços faciais eram indistintos e desinteressantes, como
se feitos de barro que não chegou a ser cozido. Recordando sua primeira
impressão de Hitler, Hanfstaengl escreveu: “Ele parecia um cabeleireiro de
subúrbio em dia de folga.”4
Contudo, o homem tinha a notável habilidade de se transformar em algo
muito mais interessante e convincente, sobretudo quando falava em público, ou
quando, nos encontros privados, um tópico provocava a sua fúria. Tinha também
um talento especial para projetar uma aura de sinceridade que ofuscava, aos
olhos dos espectadores, suas verdadeiras motivações e crenças, embora Dodd
ainda não tivesse avaliado plenamente esse aspecto do seu caráter.
Primeiro, o embaixador abordou o assunto dos muitos ataques contra
americanos.5 Hitler foi cordial e contrito, e assegurou que todos os culpados
seriam “punidos com a maior severidade”. Prometeu também divulgar
amplamente seus decretos que isentavam estrangeiros de fazer a saudação de
Hitler. Depois de uma conversa insossa sobre as dívidas da Alemanha a credores
americanos, Dodd passou para o tópico que lhe ocupava a mente, a “questão
onipresente do raio lançado pela Alemanha no último sábado” — a decisão de
Hitler de retirar-se da Liga das Nações.
Quando Dodd lhe perguntou por que tirara a Alemanha da Liga, Hitler ficou
visivelmente zangado. Atacou o Tratado de Versalhes e a determinação da
França de assegurar a superioridade militar sobre a Alemanha. Protestou contra
a “indignidade” de manter a Alemanha numa situação de desigualdade, incapaz
de se defender dos vizinhos.
O súbito acesso de fúria de Hitler surpreendeu Dodd. Ele tentou parecer
imperturbável, menos um diplomata do que um professor que lidava com um
aluno agitado. Disse o chanceler: “Há evidente injustiça na atitude francesa; mas
a derrota na guerra é sempre seguida por injustiça.” Citou o exemplo dos efeitos
da Guerra Civil americana e o “terrível” tratamento do Sul pelo Norte.
Hitler fitou-o. Depois de um breve silêncio, a conversa foi retomada, e, por
alguns momentos, os dois homens se envolveram no que Dodd chamou de “troca
de amenidades”. Mas então Dodd perguntou se “um incidente na fronteira
polonesa, austríaca ou francesa, que trouxesse o inimigo para dentro do Reich”,
seria suficiente para Hitler declarar guerra.
— Não, não — insistiu Hitler.
Dodd continuou sondando. Suponhamos, disse ele, que um incidente
envolvesse o Vale do Ruhr, região industrial sobre a qual os alemães eram
particularmente sensíveis. A França havia ocupado o Ruhr de 1923 a 1925,
provocando grandes distúrbios econômicos e políticos dentro da Alemanha. No
caso de outra incursão dessa natureza, perguntou Dodd, a Alemanha responderia
militarmente, por conta própria, ou pediria uma reunião internacional para
resolver o assunto?
— Essa seria a minha intenção — disse Hitler —, mas talvez não
conseguíssemos conter o povo alemão.
— Se o senhor esperasse e convocasse uma conferência, a Alemanha
reconquistaria sua popularidade no exterior — ressalvou Dodd.
O encontro terminou logo depois. Durara 45 minutos. Apesar de ter sido uma
sessão difícil e estranha, Dodd saiu da chancelaria convencido de que Hitler era
sincero no que dizia respeito a querer a paz. Mas receava que, mais uma vez,
tivesse violado as leis da diplomacia. “Talvez eu tenha sido franco demais”,
escreveu, depois, a Roosevelt, “mas eu precisava ser honesto.”6
Às seis da tarde daquele dia, ele enviou um telegrama de duas páginas para o
secretário Hull descrevendo o encontro, e terminou dizendo: “O efeito geral da
entrevista foi mais favorável, do ponto de vista da manutenção da paz mundial,
do que eu esperava.”7
Dodd transmitiu suas impressões também para o cônsul-geral Messersmith,
que em seguida enviou ao subsecretário Phillips uma carta — de 18 páginas,
caracteristicamente longa — na qual parecia empenhado em minar a
credibilidade de Dodd. Ele contestou a avaliação de Hitler pelo embaixador. “As
promessas do chanceler foram tão satisfatórias e inesperadas que acho que são
boas demais para serem verdadeiras”, escreveu Messersmith. “Devemos ter em
mente, acho eu, que, quando diz qualquer coisa, Hitler se convence, no momento,
de que aquilo é verdade. Ele é, basicamente, sincero; mas é, ao mesmo tempo,
um fanático.”8
Messersmith recomendava ceticismo quanto aos protestos pacifistas de Hitler.
“Acho que, por enquanto, ele genuinamente quer a paz, mas é uma paz à sua
maneira, e com forças armadas cada vez mais efetivas de reserva, para impor
sua vontade quando isso for essencial.” Reiterou sua crença em que o governo de
Hitler não deveria ser visto como uma entidade racional. “Há tantos casos
patológicos envolvidos que seria impossível dizer o que vai acontecer de um dia
para outro, assim como o guardião de um hospício não saberia dizer o que seus
pacientes vão fazer daqui a uma hora ou no dia seguinte.”
Recomendava cautela, a rigor advertindo Phillips a não se fiar na convicção
de Dodd de que Hitler desejava a paz. “Acho que por ora (…) devemos evitar
qualquer otimismo indevido que possa advir das declarações aparentemente
satisfatórias do chanceler.”
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EM WASHINGTON, O SECRETÁRIO Hull e outros altos funcionários, incluindo
o subsecretário Phillips, passaram a primeira metade do mês entregues ao
planejamento da iminente visita de Maxim Litvinov, o comissário soviético de
Negócios Exteriores, que deveria iniciar discussões com Roosevelt com vistas ao
reconhecimento da União Soviética pelos Estados Unidos. A ideia era
profundamente impopular entre os isolacionistas, mas Roosevelt via importantes
benefícios estratégicos, como abrir a Rússia a investimentos americanos e ajudar
a controlar as ambições japonesas na Ásia. As “conversações Roosevelt-
Litvinov”, em geral difíceis e frustrantes para ambas as partes, acabaram
resultando no reconhecimento formal da União Soviética por Roosevelt em 16 de
novembro de 1933.
Sete dias depois, Dodd mais uma vez pôs fraque e cartola para sua primeira
visita oficial à embaixada soviética. Um fotógrafo da Associated Press pediu
para tirar sua foto ao lado do colega soviético. O russo queria, mas Dodd pediu
que o dispensassem, temendo que “certos jornais reacionários nos Estados
Unidos exagerassem a notícia da minha visita e repetissem os ataques a
Roosevelt por causa de seu reconhecimento”.12
CAPÍTULO 25
O Boris secreto
Agora Martha e Boris sentiam-se livres para revelar seu namoro ao mundo,
apesar de ambos reconhecerem que a discrição ainda era necessária, devido às
contínuas censuras dos superiores de Boris e dos pais dela. O caso tornava-se
cada vez mais sério, apesar dos esforços de Martha para manter o assunto leve e
descomprometido. Ela continuava a ver Armand Berard, da embaixada da
França, e possivelmente Diels, e a aceitar convites de novos admiradores, o que
deixava Boris louco de ciúme. Ele lhe enviava uma chuva de bilhetes, flores e
músicas, e telefonava sem parar. “Eu só queria amá-lo de leve”, escreveu
Martha, num relato inédito; “tentava tratá-lo tão casualmente quanto os outros
amigos. Obrigava-me a ser-lhe indiferente durante uma semana; então, na
seguinte, tornava-me estupidamente ciumenta. Eu me esquecia dele, depois ele
me absorvia. Era uma contradição insuportável, penosa e frustrante para nós
dois.”1
Martha ainda estava empenhada em ver o melhor lado da revolução nazista,
mas Boris não tinha ilusões quanto ao que ocorria à sua volta. Para irritação dela,
estava sempre à procura dos motivos ocultos que governavam as ações dos
líderes nazistas e das diversas figuras que visitavam a embaixada dos Estados
Unidos.
— Você vê sempre as coisas ruins — disse ela, com raiva. — Devia tentar
ver o que há de positivo na Alemanha, e em nossos visitantes, em vez de estar
sempre suspeitando dos seus verdadeiros motivos.2
Ela sugeria que ele às vezes também era culpado de ocultar seus motivos:
— Acho que você tem ciúme de Armand — disse ela —, ou de qualquer
outro que me chame para sair.
No dia seguinte, ela recebeu um pacote de Boris. Dentro havia três macacos
de cerâmica e um cartão com os dizeres: “Não Ver Nada, Não Ouvir Nada, Não
Falar Nada.” Boris concluiu com a frase: “Te amo.”3
Martha riu. Em troca, mandou-lhe a pequena estátua de madeira de uma
freira, junto com um bilhete dizendo que estava seguindo as ordens dos macacos.
Por trás de tudo, havia a pergunta assustadora: onde iria parar a relação dos
dois? “Eu não conseguia pensar no futuro, com ou sem ele”, escreveu ela.
“Amava minha família, meu país, e também não queria encarar a possibilidade
de separação.”4
A tensão levava a mal-entendidos e tristeza. Boris sofria.
“Martha!”, escreveu ele numa carta cheia de dor.5 “Estou tão triste que não
consigo achar as palavras para tudo o que aconteceu. Perdoe-me se fui
mesquinho ou mau com você. Não tive intenção. Compreendo-a, mas não
totalmente, e não sei o que faço. Que devo fazer? Adeus, Martha, seja feliz sem
mim, e não pense mal de mim.”
Sempre voltavam. Cada separação parecia aumentar a atração que sentiam,
mas também ressaltava os momentos de desentendimento e raiva — até um
domingo à tarde, no fim de novembro, quando a relação entre eles sofreu uma
mudança material. Ela se lembraria de tudo minuciosamente.
Um dia desolado, o céu como uma mancha de carvão, o ar frio, mas não frio
a ponto de fazer Boris levantar a capota do Ford.6 Eles saíram com destino a um
acolhedor restaurante que ambos adoravam, localizado numa garagem de
barcos, sobre palafitas, num lago no distrito de Wannsee. Uma fragrante floresta
de pinheiros protegia a orla.
Acharam o restaurante quase vazio, mas ainda assim encantador. Mesas de
madeira cercavam uma pequena pista de dança. Quando a jukebox não estava
tocando, ouvia-se claramente o barulho da água batendo nas estacas lá fora.
Martha pediu sopa de cebola, salada e cerveja. Boris escolheu vodca, shashlik
e arenque com creme de leite azedo e cebola. E mais vodca. Boris adorava
comer, observou Martha, mas jamais parecia ganhar ein Pfund.
Depois do almoço, dançaram. Boris tinha melhorado, mas ainda tratava
dançar e andar como fenômenos intercambiáveis. Em dado momento, quando
seus corpos se juntaram, ambos ficaram parados, lembrou-se Martha; ela sentiu-
se de súbito radiante de calor.
Boris afastou-se de forma abrupta. Pegou-a pelo braço e levou-a para um
deque de madeira que se projetava sobre a água. Ela olhou para ele e viu dor —
sobrancelhas contraídas, lábios comprimidos. Parecia agitado. Debruçaram-se
na amurada, observando uma esquadra de cisnes brancos.
Ele virou-se para ela, com expressão quase sombria. “Martha”, disse, “eu te
amo.” Confessou que se sentia assim desde a primeira vez que a vira no
apartamento de Sigrid Schultz. Segurou-a diante de si, as mãos firmemente
presas aos cotovelos. A louca alegria desaparecera.
Deu um passo para trás e olhou-a.
— Não brinque comigo, querida — disse. — Du hast viele Bewerber. — Você
tem um monte de pretendentes. — Não deve se decidir ainda. Mas não me trate
com leviandade. Eu não suportaria.
Ela desviou os olhos.
— Amo você, Boris. Sabe disso. E sabe como me esforço para não amá-lo.
Boris voltou a contemplar a água.
— Sim, eu sei — disse com tristeza. — Para mim também não é fácil.
Boris nunca conseguia ficar quieto por muito tempo. O sorriso reapareceu —
aquele sorriso explosivo.
— Mas — disse ele — seu país e o meu são agora oficialmente amigos, e isso
torna tudo melhor, torna tudo possível, não acha?
Sim, mas…
Havia outro obstáculo. Boris guardava um segredo. Martha sabia qual era,
mas ainda não lhe dissera que sabia. Agora, diante dele, falou com grande
serenidade.
— Além disso — disse ela —, você é casado.
Mais uma vez Boris deu um passo para trás. A cor da pele, já ruborizada pelo
frio, ficou perceptivelmente mais vermelha. Ele foi até a amurada e reclinou-se
apoiado nos cotovelos. Sua longa figura formava um arco esbelto e gracioso.
Nenhum dos dois falou.
— Lamento — disse ele. — Eu deveria ter-lhe dito. Achei que soubesse.
Desculpe.
Ela disse que de início não sabia, até Armand e os pais dela lhe mostrarem os
dados sobre Boris na lista diplomática publicada pelo Ministério do Exterior da
Alemanha. Ao lado do nome de Boris havia uma referência à sua mulher, que
estava “abwesend”. Quer dizer, ausente.
— Ela não está ‘ausente’ — disse Boris. — Somos separados. Não éramos
felizes juntos havia muito tempo. A próxima lista diplomática não terá nada nesse
espaço. — Revelou ainda que tinha uma filha, que adorava. Disse que era só por
intermédio da menina que tinha contato com a mulher.
Martha notou lágrimas em seus olhos. Ele já tinha chorado em sua presença,
e ela sempre achara comovente, mas perturbador. Um homem chorando — isso
era novidade para ela. Nos Estados Unidos, homens não choravam. Ainda não.
Até então ela tinha visto lágrimas nos olhos do pai apenas uma vez, na morte de
Woodrow Wilson, que ele considerava um bom amigo. Haveria outra ocasião,
mas esta só viria dentro de poucos anos.
Voltaram ao restaurante, para a mesa. Boris pediu outra vodca. Parecia
aliviado. Eles seguraram as mãos um do outro em cima da mesa.
Martha fez uma revelação.
— Também sou casada — disse.
A intensidade da reação de Boris assustou-a. A voz dele tornou-se baixa e
sombria.
— Martha, não! — Ele continuou a segurar-lhe as mãos, mas o rosto adquiriu
uma expressão de perplexidade e dor. — Por que não me disse?
Ela explicou que seu casamento tinha sido um segredo desde o início para
todos, exceto a família — que seu marido era bancário em Nova York, que ela o
amara, e muito, mas agora estavam legalmente separados, restando apenas
pequenas questões técnicas para resolver o divórcio.
Boris deixou a cabeça cair sobre os braços. Disse em voz baixa qualquer
coisa em russo. Ela passou-lhe a mão pelos cabelos.
Ele se levantou bruscamente e saiu. Martha permaneceu sentada. Momentos
depois, Boris voltou.
— Ach, meu bom Deus — disse ele. Riu. Beijou-lhe a cabeça. — Em que
confusão nos metemos. Uma mulher casada, um bancário, a filha de um
diplomata estrangeiro — … acho que não poderia ser pior. Mas vamos dar um
jeito. Os comunistas estão acostumados a fazer coisas impossíveis. Mas você
precisa me ajudar.
Era quase a hora do pôr do sol, e eles saíram do restaurante iniciando a
viagem de volta para a cidade, a capota ainda abaixada. O dia tinha sido
importante. Martha iria se lembrar dos menores detalhes — o vento que lhe
soltara o coque na nuca, e Boris dirigindo com o braço repousando em seus
ombros, a mão em concha sobre o seio, como era seu costume. As densas
florestas ao longo da estrada escureciam à luz mortiça, exalando uma forte
fragrância outonal. O cabelo dela voava para trás em cachos de ouro.
Embora nenhum dos dois o dissesse, ambos sabiam que algo fundamental
acabara de ocorrer. Ela se apaixonara profundamente por aquele homem, e já
não podia tratá-lo como tratava suas outras conquistas. Não queria que isso
acontecesse, mas aconteceu, e por um homem que o restante do mundo achava
extremamente inadequado.
CAPÍTULO 26
***
OS CONVIDADOS ENTRARAM no hotel, passando primeiro por elegantes salas
onde eram servidos coquetéis e aperitivos, depois para o salão com jardim de
inverno, obscurecido por milhares de crisântemos de estufa. O ambiente estava
sempre “penosamente lotado”, como disse Schultz, mas a tradição exigia que o
baile fosse realizado no Adlon.2 O costume também recomendava que os
convidados chegassem em traje formal, mas “sem nenhuma exibição de ordens
ou hierarquia oficial”,3 como escreveu Fromm em seu diário, apesar de alguns
convidados, ansiosos para demonstrar seu entusiasmo pelo Partido Nacional-
Socialista, usarem o marrom pardacento das Tropas de Assalto. Um deles, um
duque chamado Eduard von Koburg, comandante das Forças Motorizadas das
SA, andava com uma adaga que lhe fora presenteada por Mussolini.
Os convidados foram conduzidos a seus lugares em mesas de uma espécie a
que os organizadores de banquete de Berlim costumavam dar preferência — tão
dolorosamente estreitas que os convivas de um lado podiam tocar com a mão os
convivas do outro. Essa proximidade criava incômodas situações sociais e
políticas — colocando, digamos, a amante de um industrial frente a frente com a
própria mulher —, de modo que os convidados de cada mesa, com a ajuda de
funcionários do protocolo, faziam questão de certificar-se de que seus lugares
estavam corretos. Mas simplesmente não havia como evitar algumas
justaposições. Os mais importantes funcionários alemães tinham de ficar não
apenas na mesa principal, naquele ano patrocinada pelos correspondentes
americanos, mas também perto dos cabeças da mesa, Schultz e Louis Lochner,
chefe da sucursal da Associated Press em Berlim, e da figura americana de
maior destaque, o embaixador Dodd. Assim, o vice-chanceler Papen acabou
sentado de frente para Schultz, apesar de ser fato sabido que Papen e Schultz não
se gostavam.
A Sra. Dodd também ficou em lugar de destaque, como o secretário de
Estado Bülow e Putzi Hanfstaengl; Martha e Bill Jr. e outros convidados
completaram a mesa. Fotógrafos circulavam tirando fotos e mais fotos, com o
brilho dos flashes iluminando espirais de fumaça de charuto.
Papen era um homem bonito — parecia o personagem Topper, representado
na televisão anos depois pelo ator Leo G. Carroll. Mas tinha a desagradável
reputação de oportunista e de não ser digno de confiança, e era visto por muitos
como extremamente arrogante. Bella Fromm chamava-o de “O Coveiro da
República de Weimar”, em referência ao papel desempenhado por ele no
planejamento da nomeação de Hitler para o cargo de chanceler.4 Papen era
protegido do presidente Hindenburg, que o chamava carinhosamente de
Fränzchen, ou Franzinho. Com Hindenburg do seu lado, Papen e outros
conjurados achavam que podiam controlar Hitler. “Conto com a confiança de
Hindenburg”, jactou-se certa vez.5 “Dentro de dois meses, empurraremos Hitler
para um canto, de tal maneira que ele vai guinchar.” Foi, provavelmente, o maior
erro de cálculo do século XX. Como bem o disse o historiador John Wheeler-
Bennett: “Só quando fecharam as algemas nos próprios punhos eles perceberam
quem capturou e quem tinha sido capturado.”6
Dodd também via Papen com antipatia, mas por razões relacionadas a um
tipo de traição mais concreto. Pouco antes de os Estados Unidos entrarem na
guerra mundial anterior, Papen servira como adido militar à embaixada da
Alemanha em Washington, onde planejara e ajudara a realizar vários atos de
sabotagem, incluindo ataques a bomba contra linhas férreas. Fora preso e expulso
do país.
Já com todos acomodados, pipocaram conversas em vários pontos da mesa.
Dodd e a Sra. Papen conversaram sobre o sistema universitário americano, cuja
excelência ela elogiou: durante a missão do marido em Washington, o filho do
casal frequentara a Universidade de Georgetown. Putzi comportava-se com a
turbulência de sempre. Mesmo sentado, era bem mais alto do que os outros
convidados à sua volta. Um silêncio tenso ocupava a brecha de toalhas de mesa,
cristais e louças que separava Schultz e Papen. Era óbvio para todos que havia
um clima de frieza entre os dois. “Quando ele chegou, foi suave e polido como
sua reputação exigia”, escreveu Schultz, “mas durante os primeiros pratos do
jantar o cavalheiro ignorou[-me] com notável consistência.”7 E mais: “Isso não
foi fácil, porque a mesa era estreita e eu me sentei na frente dele, a um metro de
distância.”
Ela fez o que pôde para envolver Papen na conversa, mas era sempre
rejeitada. Prometera a si mesma que “tentaria ser a anfitriã perfeita e evitar
temas polêmicos”, mas quanto mais o vice-chanceler a ignorava, menos
inclinada ela se sentia a fazê-lo. Sua resolução, escreveu ela, “não se sustentou
diante da óbvia falta de educação de Papen”.
Depois do quarto prato, quando não conseguiu mais aguentar, ela olhou para
Papen e, naquilo que descreveu como “o tom mais ingênuo” que pôde adotar,
disse:
— Senhor Chanceler, há algo no livro de memórias do presidente Hindenburg
que tenho certeza de que o senhor poderá esclarecer para mim.
Papen ficou atento. As pontas de suas sobrancelhas se ergueram como penas,
conferindo ao seu olhar o frio foco de uma ave de rapina.
Schultz manteve a expressão angelical e prosseguiu:
— Ele se queixa de que na última guerra, em 1917, o Alto-Comando Alemão
nunca ouviu falar a respeito das propostas de paz do presidente Wilson e que, se
tivesse sido informado, a perigosa campanha submarina jamais teria sido
iniciada. Como foi possível uma coisa dessas?
Apesar da serenidade da voz, de repente todos à mesa, a uma distância que
permitia ouvir, ficaram calados e atentos. Dodd observava Papen; o secretário de
Estado Bülow inclinou-se para escutar, com o que Schultz descreveu como “um
lampejo de travessura nos olhos”.
Papen disse bruscamente:
— Nunca houve proposta de paz feita pelo presidente Wilson.
Bobagem dizer aquilo, pensou Schultz, levando em conta a presença do
embaixador Dodd, especialista em Wilson e no período em questão. Serena mas
firmemente, a voz impregnada das névoas linguísticas da Carolina do
Norte — “um cavalheiro sulista da cabeça aos pés”, como se lembrava Schultz
—, Dodd olhou para Papen e falou:
— Houve sim, com certeza. — E citou a data precisa.
Schultz deliciou-se. “Os longos dentes cavalares de Papen ficaram ainda
maiores”, escreveu. “Ele nem sequer tentou imitar o tom sereno do embaixador
Dodd.”
Em vez disso, Papen “apenas grunhiu” uma resposta:
— Seja como for, nunca entendi por que os Estados Unidos e a Alemanha se
enfrentaram naquela guerra. — Olhou para os rostos em redor, “triunfantemente
orgulhoso da arrogância do seu tom”, escreveu Schultz.
No instante seguinte, Dodd conquistou a “admiração e a gratidão
imorredouras” de Schultz.
***
***
PARA DODD, O COMENTÁRIO de Papen era um dos mais idiotas que ouvira
desde que chegara a Berlim. E já ouvira muitos. Uma estranha espécie de
pensamento fantástico parecia ter ofuscado a Alemanha, até os mais altos
escalões do governo. No começo do ano, por exemplo, Göring afirmara, com a
maior gravidade, que trezentos germano-americanos haviam sido assassinados
em frente ao Independence Hall, na Filadélfia, no início da última Grande
Guerra.10 Messersmith, em um despacho, comentou que mesmo alemães
inteligentes e viajados eram capazes de “sentar-se e contar os mais
extraordinários contos de fadas”.11
E ali estava o vice-chanceler do país alegando que não compreendia por que
os Estados Unidos tinham entrado na guerra mundial contra a Alemanha.
Dodd olhou para Papen:
— Isso eu posso lhe explicar — disse ele, a voz tão serena quanto antes. — Foi
por causa da perfeita e total estupidez dos diplomatas alemães.12
Papen ficou atordoado. Sua mulher, de acordo com Sigrid Schultz, parecia
estranhamente satisfeita. Fez-se novo silêncio à mesa — não um silêncio
expectante, como anteriormente, mas um silêncio de vazia tensão — até que de
repente todos tentaram preencher o precipício com salpicos de conversa para
desviar a atenção.
Em outro mundo, e outro contexto, teria sido um incidente menor, uma
explosão de gracejos cáusticos logo esquecida. No clima de opressão e
Gleichschaltung da Alemanha nazista, porém, foi algo mais importante e mais
simbólico. Depois do baile, como já era de costume, um grupo seleto de
convidados foi para o apartamento de Schultz, onde sua mãe tinha preparado
pilhas de sanduíches. Ali a história da esgrima verbal de Dodd foi narrada com
grande e, sem dúvida, embriagado floreio. Dodd não estava presente, inclinado,
como era, a sair dos banquetes o mais cedo que pudesse sem quebrar o protocolo
e encerrar a noite em casa, com um copo de leite, uma tigela de pêssegos em
calda e o conforto de um bom livro.
***
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Ó Tannenbaum
Era quase Natal. O sol de inverno, quando brilhava, subia apenas parcialmente no
céu meridional, lançando sombras crepusculares na metade do dia. Ventos
frígidos vinham das planícies. “Berlim é um esqueleto que o frio faz doer”,
escreveu Christopher Isherwood, descrevendo os invernos que passou durante sua
temporada em Berlim nos anos 1930: “É meu próprio esqueleto que dói. Sinto nos
ossos a dor aguda do gelo nas vigas da estrada de ferro suspensa, no ferro das
sacadas, nas pontes, nas linhas de bonde, nas lâmpadas padronizadas, nas latrinas.
O ferro lateja e se encolhe, a pedra e os tijolos doem monotonamente, o reboco
fica entorpecido.”1
A tristeza era um tanto temperada pelo jogo de luzes nas ruas molhadas —
lâmpadas de calçada, fachadas de loja, faróis de automóvel, o interior
calidamente iluminado de incontáveis bondes — e pelo jeito como a cidade
costumava abraçar o Natal. Velas apareciam em todas as janelas, e grandes
árvores iluminadas com lâmpadas elétricas enfeitavam praças, parques e as
esquinas mais movimentadas, refletindo uma paixão pela temporada que nem
mesmo as Tropas de Assalto conseguiram abafar, e da qual, a rigor, tiravam
proveito financeiramente. As SA monopolizavam o comércio de árvores de
Natal, vendendo-as em estações ferroviárias, para todos os efeitos em benefício
da Winterhilfe — literalmente, Ajuda Natalina —, a instituição de caridade das
SA dedicada aos pobres e aos desempregados, que, na opinião dos berlinenses
mais incrédulos, servia para financiar as festas e os banquetes das SA, já
lendários pela opulência, pela devassidão e pelo volume de champanhe
consumido.2 Militantes iam de porta em porta, com caixas vermelhas, para
recolher donativos. Os doadores recebiam pequenas insígnias para espetar na
roupa e mostrar que tinham dado dinheiro; depois, faziam questão de usá-las,
indiretamente pressionando as almas corajosas ou imprudentes que não tinham
contribuído.
Outro americano entrou em conflito com o governo, devido a uma denúncia
feita “por pessoas ressentidas com ele”, de acordo com um relatório do
consulado.3 Foi um momento que, nas décadas seguintes, se repetiria como tema
de filmes sobre a era nazista.
Aproximadamente às quatro e meia da madrugada de terça-feira, 12 de
dezembro de 1933, Erwin Wollstein, cidadão americano, estava numa plataforma
ferroviária em Breslau esperando o trem para Oppeln, na Alta Silésia, onde
planejava abrir algum negócio. Partia tão cedo porque esperava voltar ainda no
mesmo dia. Em Breslau, dividia um apartamento com o pai, que era cidadão
alemão.
Dois homens de terno se aproximaram e o chamaram pelo nome.
Identificaram-se como oficiais da Gestapo e intimaram-no a acompanhá-los ao
posto de polícia situado na própria estação.
“Recebi ordem para tirar o sobretudo, o casaco, os sapatos, as polainas, o
colarinho e a gravata”, escreveu Wollstein num depoimento. Os agentes
revistaram-no e a seus objetos pessoais. Levaram quase meia hora. Encontraram
seu passaporte e fizeram perguntas sobre sua cidadania. Ele confirmou que era
cidadão americano e pediu que notificassem o consulado em Breslau sobre a sua
prisão.
Os agentes levaram-no de carro para a Delegacia Central de Polícia de
Breslau e o enfiaram numa cela. Deram-lhe um “café da manhã frugal”. Ele
permaneceu nove horas no cárcere. Enquanto isso, o pai foi preso e o
apartamento, revistado. A Gestapo confiscou sua correspondência pessoal e
comercial e outros documentos, incluindo dois passaportes americanos expirados
e cancelados.
Às 17h15, os dois agentes da Gestapo levaram Wollstein para o andar de cima
e finalmente leram para ele os crimes de que era acusado, citando denúncias de
três pessoas de suas relações: sua senhoria, uma segunda mulher e um
empregado que limpava seu apartamento. A Srta. Bleicher, acusava-o de ter dito
dois meses antes: “Todos os alemães são cachorros.” O empregado, Richard
Kuhne, acusava Wollstein de ter declarado que, se houvesse outra guerra
mundial, lutaria contra a Alemanha. A terceira pessoa, certa Srta. Strausz, acusou
Wollstein de ter emprestado ao marido “um livro comunista”. O livro, como se
veria, era Oil! (Petróleo!), de Upton Sinclair.
Wollstein passou a noite na cadeia. De manhã, teve permissão para enfrentar
seus denunciantes cara a cara. Acusou-os de terem mentido. Sem a proteção do
véu do anonimato, os denunciantes vacilaram. “As próprias testemunhas
pareciam confusas, sem saber onde pisavam”, declarou em seu depoimento.
Enquanto isso, o cônsul americano em Breslau comunicava a prisão ao
consulado em Berlim. O vice-cônsul Ray mond Geist, por sua vez, queixou-se ao
chefe da Gestapo, Rudolf Diels, e pediu um relatório completo sobre a prisão de
Wollstein. Naquela noite, Diels telefonou e disse a Geist que mandara soltá-la.
Em Breslau, os dois agentes da Gestapo mandaram Wollstein assinar uma
declaração afirmando que jamais “seria inimigo do Estado alemão”. O
documento incluía uma oferta magnânima: dizia que, se alguma vez ele se
sentisse ameaçado, poderia pedir para ser colocado sob custódia protetora.
E então foi solto.
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Hitler e Röhm
CAPÍTULO 28
Janeiro de 1934
Em 9 de janeiro, o principal réu do caso Reichstag, Marinus van der Lubbe, foi
informado pelo promotor público de que seria decapitado no dia seguinte.
— Obrigado por me avisar — disse Van der Lubbe. — Amanhã nos
veremos.1
O verdugo trajava cartola e fraque e, num toque particularmente meticuloso,
luvas brancas. Usou uma guilhotina.
A execução de Lubbe ofereceu um fechamento claro, embora sangrento, à
saga do incêndio do Reichstag, estancando, com isso, uma fonte de turbulência
que agitara a Alemanha desde fevereiro do ano anterior. Agora, qualquer pessoa
que sentisse a necessidade de um desfecho poderia citar uma ação de Estado:
Van der Lubbe ateara fogo, e Van der Lubbe estava morto. Dimitrov, ainda vivo,
deveria ser levado de avião para Moscou. O caminho para a restauração da
Alemanha estava limpo.
No início do ano, em um nível superficial, o país parecia ter ficado mais
estável, para frustração de observadores e diplomatas estrangeiros que ainda
alimentavam a crença de que pressões econômicas poderiam levar o regime de
Hitler ao colapso. Ao fim do seu primeiro ano como chanceler, Hitler parecia
mais racional, quase conciliador, e chegou ao ponto de insinuar que poderia
apoiar alguma forma de pacto de não agressão com a França e a Grã-Bretanha.
Anthony Eden, lorde do Selo Privado britânico, viajou à Alemanha para se
encontrar com ele, e, como Dodd, saiu impressionado com a sinceridade de
Hitler em seu desejo de paz. Sir Eric Phipps, embaixador da Grã-Bretanha na
Alemanha, escreveu em seu diário: “Herr Hitler parecia sentir uma genuína
simpatia pelo Sr. Eden, que certamente conseguiu trazer para a superfície desse
estranho ser determinadas qualidades humanas que, para mim, até o momento,
permaneciam obstinadamente latentes.”2 Numa carta a Thornton Wilder,
Martha escreveu: “Hitler está definitivamente melhorando.”3
Esse senso de normalidade iminente era claro em outras esferas também. O
cálculo oficial de trabalhadores desempregados mostrava um rápido declínio, de
4,8 milhões em 1933 para 2,7 milhões em 1934, apesar de boa parte dessa
redução resultar de medidas como dar a dois homens o emprego destinado a um
só e de uma agressiva campanha de propaganda para desencorajar o trabalho
feminino.4 Os campos de concentração “bárbaros” tinham sido fechados, graças
em parte ao chefe da Gestapo, Rudolf Diels. Dentro do Ministério do Interior do
Reich falava-se em acabar de uma vez por todas com a custódia protetora e com
os campos de concentração.5
Até Dachau parecia ter-se tornado civilizado. Em 12 de fevereiro de 1934,
um representante dos quacres, Gilbert L. MacMaster, foi visitar o campo depois
de obter autorização para ver um detento, um ex-deputado do Reichstag de 62
anos chamado George Simon, preso por ser socialista. MacMaster pegou um
trem para Munique e meia hora depois saltava na aldeia de Dachau, que
descreveu como “vilarejo de artistas”. De lá, andou mais meia hora para chegar
ao campo.
Ficou surpreso com o que viu. “Houve mais relatórios de atrocidades sobre
esse campo do que sobre qualquer outro na Alemanha”, escreveu. “A aparência
exterior, porém, é melhor que a de qualquer outro que já vi.”6 A antiga fábrica
de pólvora onde se encontravam as instalações tinha sidoconstruída durante a
guerra mundial anterior. “Havia boas casas para químicos e funcionários; as
barracas dos trabalhadores eram mais estáveis, e toda a fábrica era aquecida a
vapor”, escreveu MacMaster. “Isso faz Dachau parecer melhor equipada para o
conforto dos prisioneiros, especialmente no tempo frio, do que um campo
provisório numa velha fábrica ou fazenda. A rigor, a aparência geral é mais a de
uma instituição permanente do que a de um campo.”
O detento, Simon, logo foi levado à guarita de segurança para se encontrar
com MacMaster. Usava uniforme cinza de prisioneiro e parecia bem. “Não tinha
queixas”, escreveu MacMaster, “além de que estava sofrendo muito de
reumatismo agudo.”
Mais tarde, MacMaster conversou com um policial que lhe disse que o campo
abrigava dois mil prisioneiros. Apenas 25 eram judeus, e esses, insistiu o policial,
estavam no campo por crimes políticos, não por causa de sua religião. Mas
MacMaster ouvira relatos de que havia pelo menos cinco mil prisioneiros ali,
quarenta a cinquenta deles judeus, dos quais apenas “um ou dois” tinham sido
presos por crimes políticos; outros haviam sido presos em decorrência de
denúncias de pessoas “que queriam prejudicá-los em seus negócios, ou eram
acusados de se associarem com mulheres não judias”. Ficou surpreso quando o
policial lhe disse que via os campos como “temporários e esperava o dia em que
fossem abandonados”.
MacMaster achou que Dachau tinha até certa beleza. “Era uma manhã muito
fria”, escreveu. “Na noite anterior, tinha havido um nevoeiro tão denso que tive
dificuldade para encontrar meu hotel. Naquela manhã havia um perfeito céu
azul, as cores bávaras eram o branco das nuvens e o azul do céu, e o nevoeiro da
noite anterior cobria as árvores de uma espessa geada.” Uma camada de renda
brilhante de cristais de gelo estendia-se sobre tudo, dando ao campo uma
aparência etérea, como de uma paisagem de fábula. Ao sol, as bétulas da
charneca circundante tornavam-se espirais de diamante.
Mas, como em tantas situações na nova Alemanha, a aparência exterior de
Dachau era enganosa. A limpeza e a eficiência do campo tinham pouco a ver
com o desejo de tratar os detentos de forma humana. Em junho do ano anterior,
um oficial das SS chamado Theodor Eicke assumira o comando de Dachau e
redigira um conjunto de regulamentos que posteriormente seria adotado como
modelo para todos os campos. Divulgadas em 1º de setembro de 1933, as novas
regras codificavam as relações entre guardas e prisioneiros, tirando o ato de
punição do terreno do impulso e do capricho para inseri-lo num plano em que a
disciplina se tornava sistemática, desapaixonada e previsível. Agora, pelo menos,
todos conheciam as regras, mas as regras eram duras e aboliam, explicitamente,
qualquer margem para a piedade.
“Tolerância significa fraqueza”, escreveu Eicke na introdução das regras.7
“À luz desse conceito, o castigo será implacavelmente executado sempre que os
interesses da pátria o exigirem.” Delitos menores eram punidos com bastonadas
e confinamento na solitária. Mesmo a ironia custava caro. Oito dias de solitária e
“25 bastonadas” eram reservados para “qualquer um que faça comentários
depreciativos ou irônicos a um membro das SS, omitindo deliberadamente os
sinais de respeito estipulados, ou que demonstre, de qualquer outra forma,
relutância em submeter-se a medidas disciplinares”. Uma cláusula abrangente, o
Artigo 19, tratava das “punições incidentais”, que incluíam reprimendas, castigos
físicos e “atamento em estacas”. Outra seção estabelecia as regras para
enforcamento. A morte era a pena prescrita para qualquer um que, “com
objetivos de agitação”, discutisse política ou fosse flagrado reunindo-se com
outros. Até mesmo coligir “informações falsas ou verdadeiras sobre o campo de
concentração”, ou receber tais informações, ou comentá-las com outros, poderia
levar um detento à forca. “O prisioneiro que tentar fugir será alvejado sem
aviso.” Tiros eram também a resposta prevista para as rebeliões de presos.
“Tiros de advertência”, escreveu Eicke, “estão proibidos por princípio.”
Eicke tomava providências para que todos os novos guardas fossem
devidamente doutrinados, como um dos seus estagiários, Rudolf Höss, afirmaria
posteriormente. Höss tornou-se guarda em Dachau em 1934 e disse que Eicke
martelava repetidamente a mesma mensagem: “Qualquer demonstração de
piedade com ‘inimigos do Estado’ era indigna de um homem das SS. Não havia
lugar nas fileiras das SS para homens de coração mole, e quem pertencesse a
esse tipo faria melhor se fosse para um convento. Ele só podia usar homens duros
e determinados, que obedecessem implacavelmente a todas as ordens.”8 Aluno
dedicado, Höss acabou se tornando comandante em Auschwitz.
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***
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Ataque malicioso
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Premonição
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“COMO PODERIA EU DIZER-LHE”, escreveu ela, “que foi uma das noites
mais estranhas que já passei na vida?” Um mau presságio neutralizava sua
alegria. Indagava-se se Boris, ao se envolver tanto com ela — criando seu canto
Martha na embaixada e ousando levá-la a seus alojamentos particulares —, não
teria, de alguma forma, transgredido uma proibição não escrita. Sentia que
algum “olho malévolo” tinha reparado. “Foi”, disse ela, “como se um vento
sombrio invadisse o quarto.”
Tarde da noite Boris levou-a para casa.
CAPÍTULO 31
Terrores noturnos
A vida dos Dodd sofreu uma sutil mudança. Até então se sentiam livres para
dizer o que quisessem dentro de casa, mas agora havia um obstáculo novo e
desconhecido. Nesse particular, a vida deles refletia o miasma mais amplo que
impregnava a cidade para além dos muros do jardim. Uma história comum
começara a circular: um homem telefona para outro e, durante a conversa,
pergunta: “Como vai tio Adolf?”1 Logo depois a polícia secreta bate à porta e
exige que ele prove que de fato tem um tio chamado Adolf, e que a pergunta não
era uma referência em código a Hitler. Os alemães não queriam mais ficar em
alojamentos coletivos nas estações de esqui, com medo de falarem dormindo.
Adiavam cirurgias, temendo os efeitos dos anestésicos que soltam a língua.
Sonhos refletiam a ansiedade ambiente. Um alemão sonhou que um homem das
SA vinha à sua casa, abria a porta do forno, que repetia todos os comentários
negativos feitos na casa contra o governo.2 Depois de conhecer a vida na
Alemanha nazista, Thomas Wolfe escreveu: “Ali estava um país inteiro (…)
infestado pelo contágio de um medo sempre presente. Era uma espécie de
paralisia progressiva que distorcia e deteriorava todas as relações humanas.”3
Para os judeus, é claro, essa experiência foi mais intensa. Um levantamento,
realizado de 1993 a 2001 pelos historiadores sociais Eric A. Johnson e Karl-Heinz
Reuband, revelou que 33% deles sentiam “medo constante de ser preso”.4 Entre
os que moravam em cidades pequenas, mais da metade se lembrava de ter essa
sensação. A maioria dos cidadãos não judeus, entretanto, dizia ter sentido pouco
medo — em Berlim, por exemplo, apenas 3% descreveram o medo de ser preso
como constante —, mas não se sentia inteiramente à vontade. Na verdade, a
maioria dos alemães vivia uma espécie de eco da normalidade. Aos poucos
foram reconhecendo que a capacidade de levar uma vida normal “dependia de
aceitar o regime nazista, manter a cabeça baixa e não chamar muita atenção”.
Se andassem na linha e concordassem em ser “coordenados”, estariam em
segurança — apesar de a pesquisa também ter revelado uma surpreendente
tendência entre os berlinenses não judeus a, vez por outra, sair da linha. Cerca de
32% lembravam-se de ter contado piadas antinazistas, e 49% diziam ter escutado
transmissões radiofônicas ilegais da Grã-Bretanha e de outros países.5 No
entanto, só ousavam cometer essas infrações em particular, ou entre amigos
confiáveis, pois sabiam que as consequências poderiam ser fatais.
Para os Dodd, de início, tudo era tão novo e improvável que chegava a ser
cômico. Martha riu a primeira vez que a amiga Mildred Fish Harnack insistiu
para irem ao banheiro conversar. Mildred achava que, por serem escassamente
mobiliados, era mais difícil equipar os banheiros com aparelhos de escuta do que
as atulhadas salas de espera. Mesmo assim, “sussurrava de modo quase
inaudível”, escreveu Martha.6
Foi Rudolf Diels quem primeiro transmitiu a Martha a realidade nada
engraçada da emergente cultura da espionagem na Alemanha. Um dia, ele a
convidou para ir a seu escritório e, com evidente orgulho, mostrou-lhe uma
grande variedade de equipamentos usados para gravar conversas telefônicas.7
Ele a levou a acreditar que aparelhos de escuta tinham sido instalados na
chancelaria da embaixada dos Estados Unidos e em sua residência. Acreditava-
se que agentes nazistas ocultavam microfones em telefones para ouvirem as
conversas nos cômodos vizinhos. Certa noite, já bem tarde, Diels pareceu
confirmar essa suposição. Martha e ele tinham saído para dançar. Depois,
chegando em casa, ele acompanhou-a à biblioteca para tomar um drinque.
Estava inquieto e queria falar. Martha pegou uma grande almofada, depois
atravessou a sala em direção à escrivaninha do pai. Diels, perplexo, perguntou-
lhe o que era aquilo. Ela lhe disse que ia colocar a almofada sobre o telefone.
Diels concordou lentamente com a cabeça, lembrava-se ela, e “um sorriso
sinistro cruzou-lhe os lábios”.8
No dia seguinte, Martha contou ao pai. Dodd ficou surpreso com a novidade.
Embora aceitasse como fato consumado a interceptação de correspondência, os
grampos em telefones e linhas telegráficas e a probabilidade de escuta na
chancelaria, ele jamais teria imaginado que houvesse um governo tão descarado
a ponto de instalar microfones na residência particular de um diplomata. Mas
levou a sério. O que já vira de inesperado no comportamento de Hitler e de seus
sequazes o convencera de que qualquer coisa era possível. Martha se lembrava
de que ele encheu uma caixa de papelão com chumaços de algodão e passou a
usá-la para cobrir seu telefone sempre que uma conversa na biblioteca
enveredava por território confidencial.9
Com o tempo, os Dodd viram-se face a face com uma amorfa ansiedade,
que se infiltrava no dia a dia e aos poucos alterava seu jeito de viver. A mudança
foi lenta, e veio como uma névoa pálida que penetrava em cada fenda. Todo
mundo que vivia em Berlim parecia senti-la. Começava-se a pensar duas vezes
sobre quem era a pessoa com quem se saía para almoçar, e também sobre qual
restaurante escolher, porque havia boatos sobre estabelecimentos que seriam os
prediletos dos agentes da Gestapo — como, por exemplo, o bar do Adlon. Ficava-
se um pouco mais para checar se os rostos vistos na esquina anterior tinham
reaparecido. Nas circunstâncias mais informais, falava-se com cuidado,
prestando uma atenção inédita nas pessoas ao redor. Os berlinenses aprenderam
a praticar o que se tornou conhecido como “olhar alemão” — der deutsche Blick
—, uma olhadela rápida em todas as direções, quando alguém encontrava um
amigo ou conhecido na rua.10
A vida na casa dos Dodd ficou cada vez menos espontânea. Passaram a
desconfiar especialmente do mordomo, Fritz, que tinha o dom de mover-se sem
fazer barulho. Martha suspeitava que ele prestava atenção redobrada quando ela
tinha amigos ou amantes em casa. Sempre que ele aparecia no meio de uma
conversa de família, o assunto murchava, perdia o nexo, numa reação quase
inconsciente.11
Depois de viagens de férias ou nos fins de semana, a volta era sempre
anuviada pela probabilidade de que, na sua ausência, novos aparelhos tivessem
sido instalados e os velhos, substituídos. “Não há no mundo como descrever, na
frieza das palavras sobre o papel, o que esse tipo de espionagem pode fazer com
um ser humano”, escreveu Martha.12 Os discursos de rotina eram suprimidos —
“as conversas de família e a liberdade de expressão e ação eram tão limitadas
que perdemos qualquer vestígio de semelhança com uma família americana
normal. Quando queríamos falar alguma coisa, precisávamos olhar para os
cantos e atrás das portas, ter cuidado com o telefone e falar aos sussurros”. A
tensão teve seus efeitos sobre a mãe de Martha. “À medida que o tempo passava,
e o horror crescia”, escreveu a filha, “sua graça e cortesia para com os
funcionários nazistas com quem era obrigada a se encontrar, e a quem tinha de
receber, ou ao lado de quem tinha de sentar-se, transformaram-se em um fardo
tão pesado que ela mal conseguia tolerar.”13
Martha acabou usando códigos rudimentares em comunicações com os
amigos, prática cada vez mais comum em toda a Alemanha.14 Sua amiga
Mildred usava um código ao escrever cartas para casa, que consistia em redigir
frases que significavam o oposto do que as palavras indicavam.15 Era difícil para
quem estava fora compreender por que essas práticas se tornaram comuns e
necessárias. Um professor americano amigo dos Dodd, Peter Olden, escreveu ao
embaixador em 30 de janeiro de 1934 para informar que tinha recebido uma
carta do cunhado na Alemanha, na qual ele descrevia um código que pretendia
usar em comunicações futuras. A palavra “chuva”, em qualquer contexto,
significava que ele teria sido levado para um campo de concentração. A palavra
“neve”, que estava sendo torturado. “Parece inacreditável”, disse Olden a Dodd.
“Se você acha que isso tudo é uma brincadeira de mau gosto, gostaria que me
escrevesse numa carta.”16
A cuidadosa resposta de Dodd era uma aula de omissão deliberada, muito
embora o sentido fosse claro. Ele disse acreditar que até mesmo a
correspondência diplomática era interceptada e lida por agentes alemães. Uma
questão que o preocupava muito era o grande número de empregados locais
trabalhando no consulado e na embaixada. Um deles, particularmente, tinha
chamado a atenção da equipe consular: Heinrich Rocholl, empregado antigo, que
ajudava a preparar relatórios para o adido comercial americano, cujos
escritórios ficavam no primeiro andar do consulado na Bellevuestrasse. Em suas
horas de folga, Rocholl tinha fundado uma organização pró-nazista, a Associação
de Ex-Alunos Alemães na América, que divulgava uma publicação chamada
Rundbriefe. Rocholl fora apanhado recentemente tentando “descobrir o conteúdo
de relatórios confidenciais do adido comercial”, de acordo com um memorando
enviado pelo cônsul-geral interino Geist para Washington.17 “Além disso, teve
conversas com outros alemães da equipe, que ajudam a preparar relatórios, e
deu a entender que o trabalho tinha que ser, em todos os sentidos, favorável ao
regime atual.” Numa edição de Rundbriefe, Geist encontrou um artigo no qual
“eram feitas alusões depreciativas ao embaixador e ao senhor Messersmith”.
Para Geist, foi a gota d’água. Citando o “ato explícito de deslealdade a seus
chefes”, demitiu Rocholl.
Dodd percebeu que a melhor maneira de ter uma conversa realmente
particular com alguém era marcar um encontro no Tiergarten para um passeio,
como costumava fazer com seu colega britânico, Sir Eric Phipps. “Vou dar uma
caminhada às onze e meia na Hermann-Göring-Strasse, ao longo do Tiergarten”,
disse Dodd a Phipps durante um telefonema, certa manhã, às dez horas.18 “Você
poderia me encontrar para conversarmos um pouco?” E Phipps, em outra
ocasião, enviou a Dodd um bilhete escrito à mão perguntando: “Poderíamos nos
encontrar amanhã ao meio-dia na Siegesallee, entre a Tiergartenstrasse e a
Charlottenburger Chaussee, do lado direito (de quem vai daqui)?”19
***
Alerta de tempestade
Dodd já se preparava para entrar de licença quando sua doce expectativa foi
estragada por duas demandas inesperadas. A primeira veio na segunda-feira, 5
de março de 1934, quando foi convocado ao gabinete do ministro do Exterior
Neurath, que, furioso, lhe exigiu que tomasse uma providência para impedir um
julgamento simulado de Hitler marcado para dois dias depois, no Madison Square
Garden, em Nova York. O julgamento fora organizado pelo Congresso Judaico
Americano, com apoio da Federação Americana do Trabalho e de mais duas
dezenas de organizações judaicas e antinazistas. Hitler ficou tão furioso com o
projeto que ordenou a Neurath e a seus diplomatas em Berlim e Washington que
fizessem alguma coisa para acabar com aquilo.
Um dos resultados foi uma sequência de protestos oficiais, respostas e
memorandos que, além de revelarem a sensibilidade da Alemanha à opinião
pública externa, mostraram que as autoridades americanas estavam dispostas a ir
longe para evitar críticas diretas a Hitler e seu partido. O nível de coação teria
sido cômico se não houvesse tantos interesses em jogo, e deixou uma pergunta:
por que o Departamento de Estado e o presidente Roosevelt relutavam em
expressar em termos francos o que realmente achavam de Hitler, numa época
em que manifestações dessa natureza poderiam ter tido poderoso efeito sobre seu
prestígio no mundo?
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ELE FALOU PARA UMA PLATEIA que incluía Hull, Moffat, Phillips, Wilbur
Carr e Sumner Welles. Diferentemente do discurso do Dia de Colombo em
Berlim, nesse Dodd foi duro e direto.
Os dias do “estilo de Luís XIV e Victoria” tinham passado, disse ele.10 Os
países estavam falidos, “incluindo o nosso”. Chegara a época de “acabar com as
apresentações em grande estilo”. Citou um funcionário consular americano que
despachara móveis em quantidade suficiente para mobiliar uma casa de vinte
cômodos — apesar de sua família ser constituída de apenas duas pessoas.
Acrescentou que um simples assessor seu “tinha chofer, porteiro, mordomo,
camareiro, dois cozinheiros e duas empregadas”.
Todo funcionário, disse ele, deveria ser instado a viver dentro das
possibilidades do seu salário, fossem os três mil dólares anuais dos menos
graduados ou os 17.500 dólares que ele próprio recebia como embaixador, e
dever-se-ia exigir que todos conhecessem a história e os costumes do país
anfitrião. Só deveriam ser mandados para o exterior aqueles “que pensam nos
interesses do seu país, não tanto em usar uma roupa diferente todos os dias ou
sentar-se em jantares alegres mas tolos e neles ficar todas as noites até uma da
manhã”.
Dodd sentiu que esse último argumento tivera efeito. Anotou em seu diário:
“Sumner Welles contorceu-se um pouco: dono de uma mansão em Washington
que supera a Casa Branca em alguns sentidos e que deve ser do mesmo
tamanho.” A mansão de Welles, que alguns chamavam de a “casa dos cem
cômodos”, ficava na Massachusetts Avenue, perto de Dupont Circle, e era
famosa pela opulência.11 Welles e a mulher também tinham uma propriedade
rural de 104 hectares nos arredores da cidade, Oxon Hill Manor.
Quando Dodd concluiu seus comentários, a plateia o elogiou e aplaudiu. “Mas
não me deixei enganar, depois de duas horas de fingido consenso.”
A rigor, seu discurso serviu apenas para agravar os sentimentos de rancor do
Excelente Clube.12 Na época em que ele fez a palestra, alguns membros, em
especial Phillips e Moffat, começavam a manifestar, privadamente, franca
hostilidade.13
Dodd fez uma visita ao gabinete de Moffat. Mais tarde, ainda naquele dia,
Moffat redigiu uma sucinta avaliação do embaixador em seu diário: “Ele não é
(…), de forma alguma, um pensador claro. Manifesta a maior insatisfação com
uma situação e em seguida rejeita qualquer proposta para remediá-la. Não gosta
de ninguém da sua equipe, mas não quer que nenhum funcionário seja
transferido. Suspeita, alternadamente, de quase todos com quem entra em
contato, e é um tanto invejoso.”14 Moffat chamou-o de “um infeliz desajustado”.
Dodd parecia não se dar conta de que podia invocar forças capazes de pôr
em risco sua carreira. Em vez disso, sentia prazer em espicaçar as sensibilidades
clubistas de seus adversários. Com inegável satisfação, contou à mulher: “Seu
principal protetor” — ao que tudo indica, uma referência a Phillips ou Welles —
“não está nem um pouco perturbado. Se atacar com toda a certeza não vai ser
abertamente.”15
CAPÍTULO 36
A salvação de Diels
O medo que Diels sentia ficou mais pronunciado, a ponto de, em março, ele
voltar a pedir ajuda a Martha, dessa vez na esperança de usá-la para conseguir
assistência da própria embaixada norte-americana. Foi um momento carregado
de ironia: o chefe da Gestapo buscando a ajuda de funcionários americanos. De
alguma forma, Diels tomara conhecimento de um plano de Himmler para
prendê-lo, possivelmente naquele mesmo dia. Não tinha ilusões. Himmler o
queria morto.
Diels sabia que tinha aliados na embaixada, como Dodd e o cônsul-geral
Messersmith, e achava que eles talvez pudessem lhe oferecer alguma segurança,
manifestando ao regime de Hitler interesse em seu contínuo bem-estar. Mas
Dodd, como ele sabia, estava de licença. Diels pediu a Martha que conversasse
com Messersmith, que já tinha voltado da sua licença, e visse o que ele podia
fazer.
Apesar de inclinada a ver Diels como melodramático, Martha dessa vez
acreditou que ele de fato enfrentava perigo mortal. Foi procurar Messersmith no
consulado.
Ela estava “obviamente num estado de grande perturbação”, Messersmith
iria se lembrar.1 Desabou em lágrimas e lhe disse que Diels seria preso naquele
dia “e era quase certo que seria executado”.
Ela se recompôs, e suplicou a Messersmith que fosse ver Göring de imediato.
Usou de lisonja, chamando Messersmith de o único homem capaz de interceder
“sem pôr em risco a própria vida”.
Messersmith não se abalou. Àquela altura, tinha franca antipatia por Martha.
Achava seu comportamento — seus muitos casos românticos — repugnante.
Devido à sua suposta relação com Diels, não surpreendeu a Messersmith que ela
fosse ao seu gabinete “naquele estado histérico”. Disse-lhe que nada poderia
fazer, “e, depois de muita dificuldade, consegui tirá-la do meu escritório”.
Depois que ela saiu, porém, Messersmith reconsiderou o caso. “Comecei a
pensar no assunto e percebi que ela tinha razão ao dizer que Diels, afinal de
contas, era um dos melhores do regime, assim como Göring, e que, caso algo
acontecesse a ele e Himmler subisse, a posição de Göring ficaria enfraquecida,
da mesma forma que a dos elementos mais razoáveis do partido.” Se Himmler
dirigisse a Gestapo, acreditava Messersmith, ele e Dodd teriam muito mais
dificuldade para tratar de futuros ataques contra americanos, “pois Himmler era
conhecido por ser ainda mais insensível e impiedoso do que o Dr. Diels”.
Messersmith tinha programado ir a um almoço aquela tarde no Herrenklub,
um clube masculino conservador patrocinado por dois destacados generais do
Reichswehr, mas, reconhecendo que uma conversa com Göring seria bem mais
importante, entendeu que teria de cancelar o compromisso. Ligou para o
gabinete para marcar um encontro e soube que ele acabara de sair para um
almoço… no Herrenklub. Messersmith não sabia até aquela altura que Göring
seria o convidado de honra no almoço dos generais.
Deu-se conta de duas coisas: primeiro, que a tarefa de falar com Göring de
repente ficara muito mais simples, e segundo, que o almoço era um marco:
“Seria a primeira vez, desde que os nazistas chegaram ao poder, que os mais
altos oficiais do Exército alemão (…) se sentariam à mesa com Göring, ou com
qualquer outro alto funcionário do regime nazista.” Ocorreu-lhe que o almoço
talvez fosse um sinal de que o exército e o governo cerravam fileiras contra o
capitão Röhm e suas Tropas de Assalto. Se fosse isso, era um mau sinal, pois era
pouco provável que Röhm abrisse mão de suas ambições sem luta.
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Observadores
Enquanto tudo isso ocorria, espiões de outro país passaram a interessar-se pelos
Dodd. Em abril, as relações entre Martha e Boris tinham chamado a atenção de
seus superiores no NKVD. Eles viram uma oportunidade rara. “Diga a Boris
Winogradov que queremos usá-lo para executar um projeto de nosso interesse”,
escreveu um deles em mensagem ao chefe da agência de Berlim.1
De alguma forma — provavelmente por intermédio de Boris — Moscou tinha
compreendido que a paixão de Martha pela revolução nazista começava a
murchar.
Dizia ainda a mensagem: “Tem a ver com o fato de que, segundo as
informações que temos, os sentimentos de sua conhecida (Martha Dodd)
amadureceram plenamente para que seja recrutada de uma vez por todas e
venha trabalhar para nós.”
CAPÍTULO 38
Tapeado
O que mais perturbou Dodd durante sua licença foi a sensação de que seus
adversários no Departamento de Estado ficavam cada vez mais agressivos.
Preocupava-se com o que lhe parecia um padrão de divulgação de informações
confidenciais destinada a enfraquecer sua posição. Um incidente perturbador
ocorreu na noite de sábado, 14 de abril, quando saía do jantar anual no Clube
Gridiron, em Washington.1 Um jovem funcionário do Departamento de Estado,
que ele não conhecia, aproximou-se e deu início a uma conversa durante a qual
abertamente contestou a avaliação de Dodd sobre as condições na Alemanha,
citando um despacho confidencial que o embaixador mandara de Berlim. O
jovem era bem mais alto do que Dodd, e chegou muito perto dele, de um modo
que o embaixador considerou fisicamente intimidante. Numa carta furiosa que
tencionava entregar pessoalmente ao secretário Hull, Dodd descreveu o encontro
como “uma afronta intencional”.
Mais inquietante para Dodd, porém, era a questão de saber como o jovem
tivera acesso ao despacho. “Minha opinião”, escreveu ele, “é que existe um
grupo no departamento que pensa em si mesmo e não no país e que, ao mais leve
esforço de qualquer embaixador ou ministro para economizar, começa a juntar-
se para desacreditá-lo e derrubá-lo. Essa é a terceira ou quarta vez que
informações totalmente confidenciais que enviei são tratadas como boatos — ou
transformadas em boatos. Não estou em busca de nenhum ganho e/ou status
pessoal ou social; estou pronto para fazer o possível para melhorar o trabalho e a
cooperação; mas não quero trabalhar sozinho, nem ser objeto de constantes
intrigas e manobras. Não renunciarei, porém, em silêncio, se esse tipo de coisa
continuar.”2
Dodd decidiu não entregar a carta a Hull. Ela acabou arquivada com
documentos que ele identificou como “não entregues”.
O que aparentemente ainda não sabia era que ele e outros 15 embaixadores
tinham sido tema de uma importante reportagem na edição de abril de 1934 da
revista Fortune. Apesar da repercussão da matéria, e do fato de ela certamente
ter sido assunto de raivosas conversas no Departamento de Estado, Dodd só
tomou conhecimento de sua existência muito mais tarde, depois de voltar para
Berlim, quando Martha levou para casa um exemplar recebido durante uma
consulta a seu dentista berlinense.3
Intitulada “Suas Excelências, Nossos Embaixadores”, a reportagem
identificava os embaixadores e indicava a fortuna pessoal de cada um com o
símbolo do dólar ao lado do nome.4 Jesse Isidor Straus — embaixador na França
e ex-presidente da R. H. Macy & Company — era identificado como “$$$$
Straus”. Dodd tinha um único “¢” [símbolo do centavo] ao lado do nome. O
artigo zombava de sua abordagem sovina da diplomacia e sugeria que, ao alugar
a casa em Berlim, com desconto, de um banqueiro judeu, ele buscara obter
vantagem com as agruras dos judeus da Alemanha. “Desse modo”, afirmava o
artigo, “os Dodd conseguiram uma bela casinha, por preço bem baixo, e
conseguiram administrá-la com apenas alguns empregados.” A reportagem dizia
ainda que ele levara seu velho e cansado Chevrolet para Berlim. “O filho deveria
dirigi-lo para o embaixador à noite”, disse o autor. “Mas o filho queria ir a lugares
e fazer coisas que os filhos costumam fazer, e isso deixou o Sr. Dodd sem chofer
(apesar da cartola) em seu Chevrolet.” Dodd, afirmava a reportagem, tinha de
pedir carona a funcionários menos graduados da embaixada, “os mais sortudos
deles com limusines e choferes”.
O autor chamava Dodd de “um quadrado acadêmico num círculo
diplomático”, prejudicado por sua relativa pobreza e falta de desenvoltura
diplomática. “Moralmente uma pessoa muito corajosa, é tão intelectual, tão
divorciado dos seres humanos ordinários, que fala por meio de parábolas, como
um cavalheiro e erudito fala com outro; e os irmãos de camisa marrom de
sangue e aço não conseguem entendê-lo nem mesmo quando se dão o trabalho
de tentar. Por isso, Dodd ferve por dentro, e, quando tenta ser duro, ninguém lhe
presta muita atenção.”
Dodd não teve a menor dúvida de que um ou mais funcionários, no
Departamento de Estado e talvez até mesmo na embaixada em Berlim, tinham
revelado minúcias de sua vida na Alemanha. Queixou-se ao subsecretário
Phillips. A reportagem, escreveu ele, “revela uma atitude estranha e mesmo
antipatriótica, no que diz respeito a meu histórico e a meus esforços aqui na
Alemanha. Em minha carta de aceitação eu disse ao presidente que era preciso
entender que eu viveria apenas do meu salário. Como e por que tamanha
discussão sobre esse fato tão simples e óbvio para mim?”5 Citou diplomatas na
história que tinham vivido de forma modesta. “Por que essa condenação toda por
eu seguir tais exemplos?” Dodd disse a Phillips que suspeitava que pessoas dentro
da própria embaixada vazavam informações, e citou outras reportagens que
continham relatos distorcidos. “Por que todas essas histórias falsas e nenhuma
referência aos serviços reais que tentei prestar?”
Phillips demorou quase um mês para responder. “Com relação à reportagem
da Fortune”, escreveu, “eu não pensaria mais nela. Não consigo imaginar de
onde vieram as informações a que o senhor se refere não mais do que consigo
imaginar como a imprensa ouve rumores (geralmente errados) com relação a
mim e a outros colegas seus.”6 E pedia a Dodd: “Não deixe que este assunto
particular o perturbe nem um pouco.”
***
***
DODD AINDA FEZ MAIS uma visita à fazenda, que o alegrou mas que também
tornou sua partida mais dolorosa. “Era um belo dia”, escreveu em seu diário, no
domingo, 6 de maio de 1934. “As árvores em botão e as macieiras em flor
estavam lindas, especialmente porque eu tinha de ir embora.”12
Três dias depois, o navio de Dodd zarpou de Nova York. Ele achava que tinha
sido uma vitória conseguir que os líderes judeus diminuíssem a intensidade dos
protestos contra a Alemanha, e esperava que seus esforços resultassem em mais
moderação da parte do governo de Hitler. Essas esperanças esfriaram, porém,
quando no sábado, 12 de maio, enquanto atravessava o oceano, ele foi
informado, pelo telégrafo sem fio, de um discurso que Goebbels acabara de
pronunciar, no qual o ministro da Propaganda chamava os judeus de “a sífilis de
todos os povos europeus”.13
Dodd sentiu-se traído. Apesar das promessas nazistas sobre mandados de
prisão e do fechamento do presídio de Columbia-Haus, estava claro que nada
tinha mudado. Ele temia que agora parecesse ingênuo. Escreveu a Roosevelt a
respeito de seu abatimento, depois de todo o trabalho que tivera com os líderes
judeus americanos. O discurso de Goebbels reacendera “todas as animosidades
do inverno anterior”, escreveu, “e fiquei na situação de ter sido tapeado, o que de
fato fui”.14
Chegou a Berlim na quinta-feira, 17 de maio, às 22h30, e encontrou uma
cidade alterada. Durante os dois meses de ausência, a estiagem tinha queimado a
paisagem de um jeito que nunca vira, mas havia algo mais. “Era uma satisfação
estar em casa”, escreveu, “mas a atmosfera tensa revelou-se de imediato.”15
Berlim ao anoitecer
PARTE VI
O quarto de Göring em Carinhall
CAPÍTULO 39
Jantar perigoso
A cidade parecia vibrar com o zumbir do perigo ao fundo, como se uma imensa
linha de alta tensão tivesse sido estendida em seu centro. Todas as pessoas do
círculo de Dodd o sentiam. Em parte, a tensão vinha do inusitado clima de maio e
dos temores concomitantes de uma safra fracassada, mas o principal gerador de
ansiedade era a discórdia cada dia mais intensa entre as Tropas de Assalto do
capitão Röhm e o exército regular. Uma metáfora popular usada na época para
descrever a atmosfera em Berlim era a de uma tempestade que se aproximava
— a sensação de ar carregado e em suspensão.
Dodd teve pouca chance de retomar seu ritmo de trabalho.
No dia seguinte à sua volta dos Estados Unidos, ele se viu diante da
possibilidade de oferecer um gigantesco banquete para Messersmith, que
finalmente conseguira assegurar para si um cargo de maior proeminência,
embora não em Praga, seu alvo original. A competição por esse posto tinha sido
vigorosa, e, apesar de Messersmith ter feito ativa campanha e convencido aliados
de todos os matizes a escreverem cartas para aumentar suas possibilidades, no
fim o cargo ficou com outra pessoa. Em vez disso, o subsecretário Phillips
oferecera a Messersmith outro cargo vago: Uruguai. Se Messersmith ficou
desapontado, não o demonstrou. Já se considerava feliz por estar deixando para
trás o serviço consular. Mas sua sorte foi ainda maior. O cargo de embaixador na
Áustria vagara de repente, e Messersmith era a escolha óbvia.1 Roosevelt
concordou. Agora Messersmith estava verdadeiramente satisfeito. E Dodd
também, por vê-lo pelas costas, embora tivesse preferido que ele fosse para o
outro lado do mundo.
Houve muitas festas para Messersmith — por um momento parecia que todos
os jantares e almoços em Berlim eram em sua homenagem —, mas o banquete
de 18 de maio na embaixada dos Estados Unidos foi o maior e o mais oficial.
Enquanto Dodd estava fora, a Sra. Dodd, com a ajuda dos especialistas em
protocolo, supervisionara a preparação de uma lista de convidados de quatro
páginas, em espaço simples, que parecia incluir todo mundo que importava,
exceto Hitler.2 Para qualquer um que conhecesse a sociedade de Berlim, o mais
fascinante não era saber quem estaria presente, mas quem não estaria. Göring e
Goebbels apresentaram suas desculpas, assim como o vice-chanceler Papen e
Rudolf Diels. O ministro da Defesa, Blomberg, foi, mas Röhm, o chefe das SA,
não.
Bella Fromm compareceu, assim como Sigrid Schultz e vários amigos de
Martha, como Putzi Hanfstaengl, Armand Berard e o príncipe Louis Ferdinand.
Essa mistura por si só acrescentou uma aura de tensão à sala, pois Berard ainda
amava Martha e o príncipe Louis consumia-se por ela, apesar de a adoração da
moça permanecer totalmente fixa em Boris (ausente, curiosamente, da lista de
convidados). O belo agente de ligação com Hitler, Hans “Tommy ” Thomsen,
estava presente, assim como sua acompanhante costumeira, a sombria e
exuberantemente bela Elmina Rangabe, mas houve um tropeço naquela noite —
Tommy levou a mulher. Havia calor, champanhe, paixão, ciúme e aquela
sensação de fundo de que algo desagradável se formava no horizonte.
Bella Fromm conversou rapidamente com Hanfstaengl e registrou o encontro
em seu diário.
— Não sei por que fomos chamados hoje — disse ele. — Toda essa comoção
sobre os judeus. Messersmith é um deles. Roosevelt também. O partido detesta-
os.3
— Dr. Hanfstaengl — disse Fromm —, já discutimos isso. O senhor não
precisa vir com essa encenação para cima de mim.
— Está bem. Ainda que eles fossem arianos, ninguém jamais diria, a julgar
por suas ações.
Naquele momento, Fromm não se sentia particularmente preocupada com a
boa vontade dos nazistas. Duas semanas antes, sua filha, Gonny, partira para os
Estados Unidos, com a ajuda de Messersmith, deixando Fromm triste mas
aliviada. Uma semana antes, o jornal Vossische Zeitung — “Tia Voss”, onde ela
trabalhara anos — tinha fechado. Cada vez mais, ela sentia que fazia parte de
uma época que havia chegado ao fim.
Disse a Hanfstaengl:
— É claro que, se a gente abandona o certo e o errado e os substitui pelo
ariano e não ariano, as pessoas com noções antiquadas de certo e errado, de
decente e obsceno, ficam sem saber muito onde pisar.
Ela conduziu a conversa de volta a Messersmith, que descreveu como um
homem tão reverenciado pelos colegas “que é visto praticamente como se
tivesse status de embaixador”, comentário que teria irritado sobremaneira Dodd.
Hanfstaengl baixou a voz.
— Tudo bem, tudo bem — disse. — Tenho um monte de amigos nos Estados
Unidos, e todos estão do lado dos judeus, também. Mas como se insiste nisso no
programa do partido… — Ele se deteve numa espécie de dar de ombros verbal.
Enfiou a mão no bolso e tirou um pequeno pacote de dropes de fruta.
Lutschbonbons. Bella os adorava quando criança.
— Pegue um — disse Hanfstaengl. — São feitos especialmente para o
Führer.
Ela tirou um. Antes de enfiá-lo na boca, viu que havia nele uma suástica em
alto-relevo. Até dropes de fruta tinham sido “coordenados”.
A conversa voltou-se para a guerra política que causava tanta inquietação.
Hanfstaengl disse-lhe que Röhm cobiçava o controle não apenas do exército
alemão, mas também da força aérea de Göring.
— Hermann está possesso! — disse Hanfstaengl. — Pode-se fazer o que
quiser com ele, menos mexer com sua Luftwaffe, e ele seria capaz de matar
Röhm a sangue-frio. — E perguntou: — Você conhece Himmler?
Fromm fez que sim com a cabeça.
— Era um criador de galinhas, quando não estava espionando para o
Reichswehr — continuou Hanfstaengl. — Expulsou Diels da Gestapo. Himmler
não tolera ninguém, menos ainda Röhm. Agora todos se juntaram contra Röhm:
Rosenberg, Goebbels e o criador de galinhas. — O Rosenberg a que se referia
era Alfred Rosenberg, fervoroso antissemita e chefe do escritório estrangeiro do
Partido Nazista.
Depois de registrar a conversa em seu diário, Fromm acrescentou: “Não há
ninguém na elite do Partido Nacional-Socialista que não cortasse alegremente a
garganta de todas as outras autoridades só para subir mais rápido.”
***
O NOVO CLIMA DE BERLIM era tão estranho que outro jantar, inteiramente
inócuo, teria consequências muito letais. O anfitrião foi um rico banqueiro
chamado Wilhelm Regendanz, amigo dos Dodd, apesar de eles por sorte não
terem sido convidados nessa ocasião.4 Ele ofereceu o jantar numa noite de maio
em sua luxuosa vila em Dahlem, na parte sul da grande Berlim, região conhecida
pelas belas casas e pela proximidade do Grunewald.
Regendanz, que tinha sete filhos, era membro da Stahlhelm, ou Capacetes de
Aço, organização de antigos oficiais do exército de tendência conservadora.
Gostava de reunir homens das mais diversas áreas para refeições, discussões e
palestras. Nesse jantar em particular, tinha dois convidados importantes, o
embaixador francês François-Poncet e o capitão Röhm, que já tinham estado na
casa noutras ocasiões.
Röhm chegou acompanhado por três jovens oficiais das SA, entre eles um
ajudante louro, de cabelos ondulados, que fora apelidado de “Conde Lindo”, era
secretário de Röhm e, diziam os boatos, seu amante ocasional. Hitler descreveria
esse jantar, posteriormente, como um “jantar secreto”, muito embora os
convidados não tentassem de forma alguma esconder sua presença.
Estacionaram seus carros na frente da casa, à vista de quem passasse pela rua,
com as placas reveladoras plenamente expostas.
Os convidados eram ecléticos. François-Poncet não gostava do chefe da SA,
como deixou claro em suas memórias, The Fateful Years (Os anos decisivos).
“Por ter sempre nutrido a mais intensa repugnância a Röhm”, escreveu ele, “eu
o evitava ao máximo, apesar do papel de destaque que ele interpretava no
Terceiro Reich”. Mas Regendanz “implorara” a François-Poncet que
comparecesse.
Mais tarde, em carta à Gestapo, Regendanz tentou explicar sua insistência em
juntar os dois homens. Ele atribuiu a iniciativa do jantar a François-Poncet, que,
segundo afirmou, manifestara frustração por não conseguir se encontrar com
Hitler e pedira a Regendanz que falasse com alguém próximo a ele para
comunicar seu desejo de ter um encontro com o chanceler. Regendanz sugeriu
que Röhm talvez pudesse ser um bom intermediário. O anfitrião afirmou que na
época do jantar não sabia da disputa entre Röhm e Hitler — “pelo contrário”,
disse ele à Gestapo, “supunha-se que Röhm fosse o homem que contava com a
absoluta confiança do Führer e fosse seu seguidor. Em outras palavras,
acreditava-se estar informando ao Führer quando se informava a Röhm”.
Para o jantar, reuniram-se aos homens a Sra. Regendanz e um filho, Alex,
que estudava para se tornar advogado internacional. Depois da refeição, Röhm e
o embaixador francês recolheram-se à biblioteca de Regendanz, para uma
conversa informal. Röhm falou de questões militares e negou que tivesse
qualquer interesse em política, declarando que se via apenas como um soldado,
um oficial. “O resultado dessa conversa”, disse Regendanz à Gestapo, “foi
literalmente nenhum.”
A noite chegou ao fim — misericordiosamente, na opinião de François-
Poncet. “A comida era péssima, a conversa, insignificante”, recordaria ele.
“Achei Röhm sonolento e pesado; só acordava para queixar-se da saúde e do
reumatismo que esperava poder tratar em Wiessee”, referência a Bad Wiessee,
onde Röhm planejava passar uma temporada à beira do lago em busca de cura.
“Ao voltar para casa”, escreveu François-Poncet, “amaldiçoei nosso anfitrião
pela chatice da noite.”
Como a Gestapo foi informada do jantar e dos convidados, não se sabe, mas
àquela altura certamente Röhm era vigiado de perto. As placas dos automóveis
estacionados na frente da casa de Regendanz teriam dado a qualquer observador
uma pista sobre a identidade dos homens lá dentro.
O jantar tornou-se infame. Posteriormente, em meados do verão, o
embaixador da Grã-Bretanha, Phipps, comentaria em seu diário que, das sete
pessoas que se sentaram para jantar na mansão aquela noite, quatro tinham sido
assassinadas, uma fugira do país sob ameaça de morte e outra fora mandada
para um campo de concentração.
Escreveu Phipps: “A lista de baixas de um simples jantar era de fazer inveja
a um Bórgia.”
***
E HOUVE ISTO:
Na quinta-feira, 24 de maio, Dodd foi a pé a um almoço com um alto
funcionário do Ministério do Exterior, Hans-Heinrich Dieckhoff, descrito pelo
embaixador como “um equivalente do secretário de Estado adjunto”.5
Encontraram-se num pequeno e discreto restaurante na Unter den Linden, o
amplo bulevar que segue para leste a partir do Portão de Brandemburgo, e ali
tiveram uma conversa que Dodd achou extraordinária.
A principal razão para o embaixador querer conversar com Dieckhoff era
manifestar sua consternação por ficar com a pecha de ingênuo graças ao
discurso em que Goebbels comparou os judeus à sífilis, depois de tudo o que tinha
feito para acalmar os protestos nos Estados Unidos. Ele lembrou a Dieckhoff que
o Reich anunciara a intenção de fechar Columbia-Haus e exigir mandados para
todas as prisões efetuadas, e que fizera outras declarações afirmando que a
Alemanha “estava reduzindo as atrocidades contra judeus”.
Dieckhoff foi receptivo. Confessou que tinha uma opinião desfavorável de
Goebbels e disse a Dodd que esperava que Hitler não demorasse a ser derrubado.
Dodd escreveu em seu diário que Dieckhoff “ofereceu o que considerava bons
sinais de que os alemães não tolerariam por muito tempo o sistema no qual
estavam sempre fazendo exercícios e passando fome”.
Aquela franqueza surpreendeu-o. Dieckhoff falou tão livremente como se
estivesse na Inglaterra ou nos Estados Unidos, observou Dodd, a ponto de
manifestar a esperança de que os protestos dos judeus nos Estados Unidos
continuassem. Sem eles, disse Dieckhoff, a possibilidade de derrubar Hitler seria
bem menor.
Dodd sabia que mesmo para um homem na alta posição de Dieckhoff uma
conversa daquele tipo era perigosa. Escreveu: “Preocupa-me profundamente ver
um alto funcionário arriscar assim a vida criticando o regime existente.”
Quando saíram do restaurante, os dois caminharam para o leste, pela Unter
den Linden, rumo à Wilhelmstrasse, a principal artéria governamental.
Despediram-se, escreveu Dodd, “com tristeza”.
Dodd voltou para seu gabinete, trabalhou algumas horas, depois fez uma
longa caminhada pelo Tiergarten.
CAPÍTULO 40
Retiro de um escritor
***
ELES SAÍRAM NA MANHÃ de domingo, 27 de maio, para a viagem de três
horas até a fazenda de Fallada em Carwitz, na região lacustre de Mecklenburg, ao
norte de Berlim. Boris dirigiu seu Ford e, é claro, baixou a capota. A manhã era
fria e suave, as estradas estavam praticamente sem tráfego. Fora da cidade,
Boris acelerou. O Ford corria pelas estradas campestres ladeadas de castanheiros
e acácias, o ar impregnado da fragrância da primavera.
Na metade do caminho, a paisagem escureceu. “Pequenas linhas agudas de
luz iluminavam o céu”, lembrava-se Martha, “e a cena era selvagem e violenta,
com cores, intensos verdes e violetas eletrizantes, púrpura e cinza.” Uma chuva
súbita fazia explodir bolas de água de encontro ao para-brisa, mas mesmo assim,
para alegria de todos, Boris manteve a capota abaixada. O carro corria numa
nuvem de salpicos.
Abruptamente o céu clareou, deixando no ar um vapor atravessado por
colunas de sol e cores súbitas, como se eles dirigissem através de uma pintura. O
aroma de terra recém-molhada inundava o ar.
Já perto de Carwitz, entraram numa região de colinas, pradarias e lagos azuis
brilhantes, interligados por trilhas arenosas. As casas e os celeiros eram caixas
simples, com telhados inclinados. Estavam a apenas três horas de Berlim, mas o
lugar parecia remoto e oculto.
Boris parou o Ford numa velha casa de fazenda, à beira do lago. A casa
ficava na base de uma língua de terra chamada Bohnenwerder, que se projetava
sobre o lago e era muito acidentada.
Fallada emergiu da casa seguido de um menino de cerca de quatro anos e de
uma mulher loura e robusta, sua esposa, com o segundo filho, um bebê, nos
braços. Um cachorro pulou para fora também. O escritor era um homem
atarracado, de cabeça quadrada, boca larga e maçãs do rosto tão redondas e
duras que bem podiam ser bolas de golfe implantadas na pele. Seus óculos
tinham armações escuras e lentes redondas. Ele e a mulher fizeram um rápido
passeio com os recém-chegados para lhes mostrar a fazenda, que tinham
comprado com o dinheiro de Zé Ninguém. Martha ficou impressionada com o
evidente contentamento dos dois.
Foi Mildred quem fez as perguntas que estavam no ar desde a chegada do
grupo, embora tivesse tido o cuidado de disfarçá-las com nuanças. Enquanto
caminhava com Fallada para o lago, de acordo com o relato minucioso de um
biógrafo do escritor, ela falou de sua vida nos Estados Unidos e de como gostava
de andar pela praia do lago Michigan.
— Deve ser difícil para você viver num país estrangeiro, especialmente
quando seu interesse é literatura e línguas — disse Fallada.
É verdade, respondeu ela, “mas também deve ser difícil viver no nosso
próprio país quando nosso interesse é literatura”.
Fallada acendeu um cigarro.
Falando muito lentamente, ele disse:
— Eu jamais conseguiria escrever noutra língua, nem viver noutro lugar que
não fosse a Alemanha.
Mildred retrucou:
— Talvez, Herr Ditzen, onde se vive seja menos importante do que como se
vive.
Fallada nada disse.
Depois de um instante, Mildred perguntou:
— Pode-se escrever o que se quer aqui, hoje em dia?
— Depende do ponto de vista — disse ele. Havia dificuldades e exigências,
palavras a serem evitadas, mas no fim a língua perdurava, disse ele. — Sim,
acho que ainda é possível escrever aqui, nesta época, desde que se observem os
regulamentos necessários e se ceda um pouco. Não nas coisas importantes, é
claro.
Mildred perguntou:
— O que é importante e o que não é importante?
***
***
***
***
Os brinquedos de Hermann
Em meio aos rumores de uma reviravolta iminente, era difícil para Dodd e seus
pares do corpo diplomático imaginarem que Hitler, Göring e Goebbels pudessem
durar muito tempo. Dodd ainda os via como adolescentes ineptos e perigosos —
“de 16 anos”, como agora dizia — que se viam às voltas com um acúmulo de
problemas assustadores. A seca ficava ainda mais severa. A economia mostrava
poucos sinais de melhora, além do ilusório declínio do desemprego. A briga entre
Röhm e Hitler parecia ter-se agravado. E continuava a haver momentos —
momentos estranhos, ridículos — que sugeriam que a Alemanha era apenas o
palco preparado para alguma comédia grotesca, não um país sério numa época
séria.
Domingo, 10 de junho de 1934, ofereceu um desses episódios, quando Dodd,
o embaixador francês François-Poncet e o embaixador britânico Sir Eric Phipps,
junto com mais trinta convidados, compareceram a uma espécie de open house
na grande propriedade de Göring, uma hora de carro ao norte de Berlim.1 Ele a
batizara com o nome de Carinhall, em homenagem à falecida mulher, Carin, a
quem venerava; mais adiante, naquele mês, planejava exumar o corpo do lugar
onde jazia na Suécia, transportá-lo para a Alemanha e sepultá-lo num mausoléu
nas terras da propriedade. Naquele dia, entretanto, Göring queria apenas exibir
suas florestas e seus novos cercados para bisões, onde esperava reproduzir esses
animais antes de soltá-los na propriedade.
Os Dodd chegaram atrasados em seu novo Buick, que os traíra no caminho
com uma pequena falha mecânica, mas ainda assim conseguiram chegar antes
do próprio Göring. As instruções que tinham recebido diziam-lhes para irem de
carro até determinado ponto da propriedade. Na intenção de evitar que os
convidados se perdessem, Göring distribuíra homens pelos cruzamentos, para os
orientarem. Dodd e a mulher encontraram os outros convidados reunidos em
volta de um orador, que dissertava sobre aspectos da propriedade. Os Dodd
foram informados de que estavam perto do cercado dos bisões.
Finalmente Göring chegou, dirigindo velozmente, sozinho, o que Phipps
descreveu como um automóvel de corrida. Usava um uniforme que era em
parte roupa de aviador, em parte traje de caçador medieval. Calçava botas de
borracha e trazia no cinto uma faca de tamanho considerável.
Göring tomou o lugar do primeiro orador. Usava microfone, mas falava tão
alto que produzia um efeito destoante com o lugar, no mais muito silvestre. Falou
do seu plano de criar uma reserva florestal que reproduzisse as condições da
Alemanha primitiva, na qual não faltassem animais primitivos, como o bisão que
estava parado, indolentemente, a certa distância. Três fotógrafos e um operador
de “cinematógrafo” capturavam o momento em filme.
Elisabetta Cerruti, a bela judia húngara que era mulher do embaixador
italiano, contou o que ocorreu em seguida.
— Senhoras e senhores — disse Göring —, em poucos minutos os senhores
verão um raro espetáculo da natureza em ação. — Fez um gesto na direção de
uma jaula de ferro. — Naquela jaula há um poderoso bisão macho, um animal
quase desconhecido no continente (…) Ele se encontrará aqui, diante dos nossos
olhos, com uma fêmea da espécie. Por favor, façam silêncio e não tenham
medo.
Os empregados abriram a jaula.
— Ivan, o Terrível — disse Göring — eu lhe ordeno que saia da jaula.
O animal não se mexeu.
Göring repetiu a ordem. Mais uma vez o animal o ignorou.
Os empregados tentaram estimulá-lo com aguilhoadas. Os fotógrafos se
prepararam para o lascivo ataque que certamente viria.
O embaixador britânico Phipps escreveu em seu diário que o bisão saiu da
jaula “com a maior relutância e, depois de examinar as fêmeas, com certa
tristeza, tentou voltar para dentro”. Posteriormente, Phipps descreveu o episódio
num memorando para Londres, que ficaria célebre no serviço exterior britânico
como “o despacho do bisão”.
Em seguida, Dodd, Mattie e os demais convidados subiram em trinta
pequenas carruagens para duas pessoas conduzidas por camponeses e partiram
para um longo e tortuoso passeio por florestas e pradarias. Göring ia na
carruagem da frente, puxada por dois grandes cavalos, com a Sra. Cerruti à sua
direita. Depois de uma hora, a procissão parou perto de um pântano. Göring
saltou da carruagem e fez outro discurso, este sobre as glórias dos pássaros.
Mais uma vez os convidados subiram nas carruagens e, depois de outro longo
passeio, chegaram a uma clareira onde seus carros os esperavam. Göring enfiou
o maciço corpo no seu automóvel e disparou em alta velocidade. Os outros
convidados seguiram mais devagar e vinte minutos depois chegaram a um lago à
beira do qual se erguia um imenso e recém-construído alojamento, que parecia
deliberadamente planejado para evocar a morada de um senhor medieval.
Göring os aguardava usando um traje inteiramente diferente, “uma esplêndida
roupa nova branca de verão”, escreveu Dodd — tênis brancos, calças de lona
brancas, camisa branca e jaqueta de caça de couro verde, em cujo cinto
aparecia a mesma faca de antes. Numa das mãos segurava um longo apetrecho
que parecia um cruzamento de vara de pastor com arpão.
Eram quase seis horas, e o sol da tarde transformara a paisagem num
agradável âmbar. Vara na mão, Göring conduziu seus convidados para dentro da
casa. Uma coleção de espadas pendia logo depois da entrada. Ele mostrou-lhes
os salões “ouro” e “prata”, a sala de jogos, a biblioteca, o ginásio e o cinema.
Dezenas de chifres projetavam-se das paredes de um corredor. Na principal sala
de visitas havia uma árvore de verdade, uma imagem de Hitler e um espaço
ainda desocupado no qual Göring tencionava instalar uma estátua de Wotan, o
deus teutônico da guerra. Göring “exibia sua vaidade a todo momento”, observou
Dodd. Ele percebeu que alguns convidados trocavam olhares divertidos, mas
discretos.
Então o anfitrião levou o grupo para fora, onde todos foram instruídos a
sentar-se a mesas dispostas a céu aberto para uma refeição orquestrada pela atriz
Emmy Sonnemann, que Göring apresentou como sua “secretária particular”,
embora fosse voz corrente que ela e Göring tinham um envolvimento amoroso.
(A Sra. Dodd gostou de Sonnemann e, nos meses seguintes, como notou Martha,
ficaria “muito ligada a ela”.)2 O embaixador Dodd sentou-se a uma mesa com o
vice-chanceler Papen, Phipps e François-Poncet, entre outros. O resultado o
desapontou. “A conversa não valeu nada”, escreveu — apesar de ele ter-se
envolvido um pouco quando a discussão se voltou para um novo livro sobre a
marinha alemã na Primeira Guerra Mundial, durante a qual declarações
excessivamente entusiásticas levaram Dodd a dizer: “Se as pessoas conhecessem
a verdade da história, jamais haveria outra grande guerra.”
Phipps e François-Poncet riram pouco à vontade.
E fez-se silêncio.
Instantes depois, a conversa foi retomada: “Voltamo-nos”, escreveu Dodd,
“para outros assuntos, menos arriscados.”
Dodd e Phipps supunham — esperavam — que uma vez terminado o jantar
pudessem pedir desculpas e começar a viagem de volta para Berlim, onde
ambos tinham de comparecer a recepções noturnas, mas Göring informou que o
clímax do passeio — “essa estranha comédia”, nas palavras de Phipps — ainda
estava por vir.
Göring levou os convidados para outra parte do lago, a cerca de quinhentos
metros, onde se deteve diante de um túmulo à beira da água. Ali Dodd deparou
com “a mais elaborada estrutura desse tipo que já vi”. O mausoléu concentrava-
se em dois grandes carvalhos e seis enormes blocos de arenito que lembravam
Stonehenge. Göring foi até um dos carvalhos e plantou-se diante dele, pernas
abertas, como um gigantesco duende da floresta. A faca ainda estava no cinto, e
mais uma vez ele segurava seu bastão medieval. Dissertou sobre as virtudes da
falecida mulher, sobre o cenário idílico do túmulo e sobre seus planos de
exumação e novo sepultamento, o que deveria ocorrer dez dias depois, no
solstício de verão, dia a que a ideologia pagã dos nacional-socialistas atribuía
importância simbólica. Hitler deveria comparecer, assim como legiões de
homens do exército, das SS e das SA.
Por fim, “cansados do curioso espetáculo”, Dodd e Phipps juntaram-se para
dar adeus a Göring. A Sra. Cerruti, visivelmente à espera de uma oportunidade
para partir, foi mais rápida. “Lady Cerruti percebeu nosso movimento”,
escreveu Dodd, “e levantou-se rapidamente, de um jeito que não permitia que
ninguém a ultrapassasse em sua luta para ser a primeira em qualquer ocasião
concebível.”
No dia seguinte, Phipps escreveu em seu diário sobre a recepção na casa de
Göring. “O procedimento todo foi tão estranho que por vezes provocava uma
sensação de irrealidade”, escreveu; mas o episódio lhe oferecera uma valiosa
compreensão da natureza do regime nazista. “A principal impressão foi a da mais
patética ingenuidade do general Göring, que nos mostrou seus brinquedos, como
um menino grande, gordo e mimado: suas florestas primitivas, seus bisões e
pássaros, seu alojamento de caça, seu lago, sua praia de banho, sua ‘secretária
particular’ loura, o mausoléu da mulher, os cisnes, as pedras de arenito (…) E eu
então me lembrei de que havia outros brinquedos, menos inocentes mas dotados
de asas, e que estes podem um dia vir a ser lançados em sua missão assassina
com o mesmo espírito infantil, e com a mesma satisfação infantil.”
CAPÍTULO 43
Fala um pigmeu
Aonde quer que fossem, Martha e o pai ouviam rumores e especulações de que o
colapso do regime de Hitler talvez fosse iminente. A cada dia quente de junho, os
boatos ganhavam detalhes. Em bares e cafés, fregueses entregavam-se ao
decididamente perigoso passatempo de compor e comparar listas de quem
formaria o novo governo. Dois ex-chanceleres eram mencionados com
frequência: o general Kurt von Schleicher e Heinrich Brüning.1 Segundo um
boato, Hitler continuaria como chanceler, mas mantido sob o controle de um
gabinete novo e forte, com Schleicher como vice-chanceler, Brüning como
ministro do Exterior e o capitão Röhm como ministro da Defesa. Em 16 de junho
de 1934, a um mês do primeiro aniversário de sua chegada a Berlim, Dodd
escreveu ao secretário de Estado Hull: “Em qualquer lugar que eu vá, fala-se de
resistência, de possíveis putsches em grandes cidades.”2
E então ocorreu algo que até aquela primavera teria parecido impossível,
devido às potentes barreiras à dissidência estabelecidas sob o governo de Hitler.
No domingo, 17 de junho, o vice-chanceler Papen deveria fazer um
pronunciamento em Marburg, na universidade do mesmo nome, que ficava a
uma curta viagem de trem a sudoeste de Berlim. Ele só viu o texto quando já
estava a bordo do trem, devido a uma conspiração entre o redator dos seus
discursos, Edgar Jung, e seu secretário, Fritz Gunther von Tschirschky und
Boegendorff. Jung era um importante conservador que se opunha tão
profundamente ao Partido Nazista que chegou a pensar em matar Hitler. Até
então ele mantivera suas opiniões antinazistas fora dos discursos de Papen, mas
achou que o conflito agravado dentro do governo oferecia uma rara
oportunidade. Se o próprio Papen falasse contra o regime, imaginava Jung, seus
comentários poderiam finalmente levar o presidente Hindenburg e o exército a
tirar os nazistas do poder e esmagar as Tropas de Assalto, em nome do
restabelecimento da ordem no país. Jung tinha repassado o texto cuidadosamente
com Tschirschky, mas ambos o mantiveram deliberadamente longe de Papen até
o último minuto, para que ele não tivesse outra escolha senão proferi-lo. “O
discurso levou meses para ser escrito”, diria Tschirschky posteriormente. “Foi
preciso encontrar a ocasião apropriada para proferi-lo, e depois tudo teve de ser
preparado com o maior cuidado possível.”3
Agora, no trem, enquanto Papen lia as palavras pela primeira vez,
Tschirschky viu uma expressão de medo perpassar-lhe o rosto. É uma indicação
do incerto estado de espírito então reinante na Alemanha — a percepção
generalizada de que uma mudança drástica talvez fosse iminente — o fato de
Papen, personalidade sem nenhum heroísmo, ter imaginado que pudesse seguir
em frente, proferir o discurso e sobreviver. Não que tivesse muitas possibilidades
de escolha. “Nós, a bem dizer, o obrigamos a fazer aquilo”, disse Tschirschky.
Cópias já tinham sido distribuídas para correspondentes estrangeiros. Ainda que
Papen relutasse no último minuto, o discurso continuaria a circular. Estava claro
que alusões sobre seu conteúdo já tinham vazado, pois quando ele chegou ao
salão houve um murmúrio de expectativa. Sua ansiedade com toda a certeza
aumentou quando notou que alguns lugares estavam ocupados por homens de
camisa marrom e faixa com a suástica no braço.
Papen dirigiu-se à tribuna.
“Dizem-me”, começou, “que minha participação nos eventos da Prússia e na
formação do atual governo” — uma alusão ao papel que desempenhou na
indicação de Hitler como chanceler —, “tiveram efeitos tão graves no desenrolar
dos acontecimentos na Alemanha que é minha obrigação vê-los de modo mais
crítico do que a maioria das pessoas.”4
Os comentários que se seguiram teriam rendido a qualquer homem de menor
estatura uma viagem para o cadafalso. “O governo”, disse Papen, “está bem
ciente do egoísmo, da falta de princípios, da insinceridade, do comportamento
nada cavalheiresco, da arrogância que se propagam sob o disfarce da revolução
alemã.” Se o governo esperava estabelecer uma “relação intensa e amistosa
com o povo”, advertiu ele, “então sua inteligência não deve ser subestimada, sua
confiança deve ser correspondida, e não deve haver uma contínua tentativa de
intimidá-lo”.
O povo alemão, disse ele, seguiria Hitler com absoluta lealdade, “desde que
tivesse participação na tomada e na execução de decisões, desde que cada
palavra de crítica não fosse interpretada imediatamente como maldosa, e desde
que patriotas em desespero não fossem rotulados de traidores”.
Chegara a hora, proclamou ele, “de calar os fanáticos doutrinários”.
A plateia reagiu como se tivesse esperado muito tempo para ouvir aquele tipo
de comentário. Quando Papen terminou o discurso, a multidão se levantou. “O
estrondo dos aplausos”, disse Papen, sufocou os “furiosos protestos” dos nazistas
de uniforme.5 O historiador John Wheeler-Bennett, que na época morava em
Berlim, escreveu: “É difícil descrever a alegria com que ele foi recebido na
Alemanha.6 Foi como se um fardo de repente tivesse sido tirado da alma alemã.
Quase se podia apalpar a sensação de alívio. Papen verbalizara o que milhares e
milhares de compatriotas traziam trancado no coração, com medo dos terríveis
castigos, caso falassem.”
***
***
***
A mensagem no banheiro
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***
A SEXTA-FEIRA, 29 DE JUNHO DE 1934, trouxe a mesma atmosfera de
tempestade iminente que caracterizara as semanas anteriores. “Foi o dia mais
quente que tivemos aquele verão”, lembrou Elisabetta Cerruti, mulher do
embaixador italiano. “O ar era tão pesado de umidade que mal se conseguia
respirar. Nuvens negras apareciam no horizonte, mas um sol implacável ardia
sobre nossas cabeças.”8
Naquele dia, os Dodd ofereceram um almoço em casa, para o qual tinham
convidado o vice-chanceler Papen e outras figuras do corpo diplomático e do
governo, incluindo os Cerruti e Hans Luther, o embaixador da Alemanha nos
Estados Unidos, que se achava em Berlim.
Martha também estava presente, e viu quando seu pai e Papen se afastaram
dos outros convidados para uma conversa particular na biblioteca, diante da
lareira agora inativa. Papen, escreveu ela, “parecia confiante e suave, como
sempre”.9
Em certo momento, Dodd percebeu que Papen e Luther se aproximavam um
do outro numa “atitude muito tensa”. O embaixador conseguiu intervir e conduzi-
los ao adorável jardim de inverno, onde outro convidado aderiu à conversa.
Referindo-se às fotos de jornal tiradas durante a corrida de cavalos, Dodd disse a
Papen: “Você e o doutor Goebbels pareciam muito amigos em Hamburgo outro
dia.”10
Papen riu.
Durante o almoço, a Sra. Cerruti sentou-se à direita de Dodd, e Papen sentou-
se de frente para ela, perto da Sra. Dodd. A ansiedade da primeira era palpável,
mesmo para Martha, que observava de longe. Martha escreveu: “Ela sentou-se
ao lado de meu pai num estado de quase colapso, falando pouco, pálida,
preocupada e nervosa.”11
A Sra. Cerruti disse a Dodd: “Senhor embaixador, algo terrível vai acontecer
na Alemanha. Sinto no ar.”12
Um boato posterior afirmava que ela de alguma forma soubera de antemão o
que estava para acontecer. Ela achou isso incrível.13 O comentário que fez a
Dodd, jurou, anos depois, referia-se apenas ao clima.
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Noite de sexta-feira
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“Atirem! Atirem!”
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Armas no parque
Boris e Martha ficaram o dia todo na praia, retirando-se para a sombra quando o
sol esquentava demais, para depois retornar. Passava das cinco quando
arrumaram as coisas e, relutantemente, começaram a viagem de volta para a
cidade, “a cabeça rodando”, lembrava-se Martha, “e o corpo ardendo do sol”.1
Viajavam o mais devagar possível, sem querer que o dia terminasse, ainda
saboreando a inconsciência da luz do sol na água. O dia esquentara, com o chão
devolvendo calor acumulado de volta para a atmosfera.
Atravessaram uma paisagem bucólica, abrandada pela névoa de calor que se
erguia dos campos e florestas ao redor. Ciclistas passavam por eles, alguns
levando crianças pequenas em cestas sobre o para-lama dianteiro ou em
carrinhos laterais. Mulheres carregavam flores e homens com mochilas
entregavam-se à paixão alemã por uma boa e rápida caminhada. “Foi um dia
simples, quente e amistoso”, escreveu Martha.
Para pegar o sol do fim da tarde e as brisas que passavam pelo carro aberto,
Martha suspendeu a barra da saia até o alto das coxas. “Eu estava feliz”,
escreveu, “satisfeita com meu dia e meu companheiro, cheia de simpatia pelo
sério, simples, bondoso povo alemão, tão obviamente fazendo uma merecida
pausa para caminhar ou descansar, desfrutando de forma tão intensa de si
mesmo e de seus campos.”
Às seis horas entraram em Berlim. Martha sentou-se reta e puxou a barra da
saia, “como convém à filha de um diplomata”.
A cidade tinha mudado. Eles perceberam aos poucos, à medida que se
aproximavam do Tiergarten. Havia menos gente nas ruas do que seria
considerado normal, e as poucas pessoas tendiam a juntar-se em “grupos
curiosamente estáticos”, como disse Martha. O trânsito era lento. Quando Boris
estava prestes a entrar na Tiergartenstrasse, o fluxo de carros praticamente
parou. Eles viram caminhões do exército e metralhadoras, e de repente se deram
conta de que as únicas pessoas em volta eram homens de uniforme, a maioria
com o uniforme negro das SS e o verde da força policial de Göring. Estavam
perceptivelmente ausentes os uniformes marrons das SA. O que parecia mais
estranho era que o quartel-general das SA e a casa do capitão Röhm ficavam
muito perto.
Chegaram a um posto de controle. A placa do carro de Boris indicava status
diplomático. A polícia acenou para que passassem.
Boris avançou lentamente por uma paisagem que se tornara sinistra. Em
frente à casa de Martha, ao lado do parque, havia uma fila de soldados, armas e
caminhões militares. Mais adiante na Tiergartenstrasse, no ponto de interseção
com a Standartenstrasse — a rua de Röhm —, eles viram mais soldados e uma
barreira de corda indicando que a rua estava fechada.
Havia uma sensação sufocante. Caminhões verde-oliva bloqueavam as vistas
do parque. E havia o calor. Era bem depois das seis da tarde, mas o sol ainda
estava alto, e quente. Para Martha, o sol, antes tão atraente, agora “fervia”. Os
dois se despediram. Ela correu para a porta da casa e entrou rapidamente. A
súbita escuridão e o ar resfriado pelas pedras do vestíbulo foram tão chocantes
que ela se sentiu tonta, “meus olhos ficaram momentaneamente cegos pela falta
de luz”.
Subiu a escada para o andar principal e lá encontrou o irmão. “Estávamos
preocupados com você”, disse ele. Depois contou que o general Schleicher tinha
sido baleado. O pai fora à embaixada preparar uma mensagem para o
Departamento de Estado. “Não sabemos o que está havendo”, disse Bill. “Há lei
marcial em Berlim.”
No primeiro momento, o nome “Schleicher” não lhe disse nada. Depois ela
se lembrou: Schleicher, o general, homem de porte e integridade militares, ex-
chanceler e ministro da Defesa.
“Sentei-me, ainda confusa e terrivelmente aflita”, lembrou Martha. Não
conseguia compreender por que o general Schleicher teria sido baleado.
Lembrava-se dele como “cortês, atraente, esperto”.
A mulher de Schleicher também fora baleada, disse Bill. Ambos atingidos
pelas costas, no jardim; ambos baleados várias vezes. A história mudaria nos dias
seguintes, mas o fato irrevogável era que os dois Schleicher estavam mortos.
A Sra. Dodd desceu. Ela, Bill e Martha foram para uma das salas de
recepção. Sentaram-se juntos e conversaram em voz baixa. Perceberam que
Fritz aparecia com uma frequência inusitada. Fecharam todas as portas. Fritz
continuou a avisar sobre novos telefonemas de amigos e correspondentes.
Parecia com medo, “branco e apavorado”, escreveu Martha.
A história que Bill contou era assustadora. Apesar da névoa de boato que
toldava cada nova revelação, certos fatos eram claros. A morte dos Schleicher
fazia parte das dezenas, talvez centenas, de assassinatos oficiais cometidos
naquele dia, e a matança continuava. Dizia-se que Röhm estava preso, seu
destino, incerto.
Cada novo telefonema trazia mais notícias, algumas absurdas demais para
serem verdadeiras. Pelotões de assassinos estariam percorrendo o país, à caça de
alvos. Karl Ernst, chefe das SA de Berlim, fora arrancado e arrastado do navio
em que faria a viagem de lua de mel. Um destacado líder da Igreja católica fora
morto em seu escritório. Outro general do exército também tinha sido ferido à
bala, assim como o crítico de música de um jornal. As mortes pareciam
aleatórias e arbitrárias.
Houve um momento de perversa comicidade. Os Dodd receberam uma
resposta concisa do escritório de Röhm, dizendo que “para sua grande
consternação” ele não poderia comparecer ao jantar na casa marcado para a
próxima sexta-feira, 6 de julho, “porque estará de férias em busca de cura para
uma doença”.2
“Em vista da incerteza da situação”, escreveu Dodd em seu diário, “talvez
tenha sido melhor que ele não tivesse aceitado.”3
***
Os mortos
***
***
***
HITLER VOLTOU A BERLIM aquela noite. Mais uma vez, Gisevius foi
testemunha. O avião de Hitler apareceu “contra o pano de fundo de um céu
vermelho-sangue, detalhe teatral que ninguém preparara”, escreveu.8 Quando o
avião pousou, um pequeno exército de homens adiantou-se para saudar Hitler,
entre eles Göring e Himmler. Hitler foi o primeiro a sair da aeronave. Usava
camisa marrom, jaqueta de couro marrom-escuro, gravata-borboleta preta,
botas pretas de cano alto. Tinha uma aparência pálida e cansada, a barba por
fazer, mas, fora isso, parecia despreocupado. “Estava claro que o assassinato de
seus amigos não lhe custara absolutamente nada”, escreveu Gisevius. “Não tinha
sentido nada; apenas dera vazão à sua raiva.”
Numa mensagem radiofônica, o chefe da propaganda Goebbels tranquilizou
a nação: “Na Alemanha”, disse ele, “agora reinam a paz e a ordem absolutas. A
segurança pública foi restaurada. O Führer nunca foi tão senhor da situação. Que
um destino favorável nos abençoe, para que possamos levar nossa grande tarefa
a seu término com Adolf Hitler!”9
Dodd, entretanto, continuava a receber relatos indicando que o expurgo
estava longe de terminar. Ainda não havia notícias concretas sobre o paradeiro de
Röhm e de Papen. Tiros de armas de fogo continuavam a ressoar em ondas no
pátio de Lichterfelde.
CAPÍTULO 50
Entre os vivos
A manhã de domingo foi fria, ensolarada, com uma brisa persistente. Dodd ficou
impressionado com a ausência de marcas visíveis de tudo o que tinha ocorrido
nas últimas 24 horas. “Foi um dia estranho”, escreveu, “apenas com notícias
corriqueiras nos jornais.”1
Papen, ao que se dizia, estava vivo, mas sob prisão domiciliar com a família
em seu apartamento. Dodd esperava usar qualquer pequena influência que
tivesse para ajudar a mantê-lo vivo — se as notícias de que sobrevivera fossem
corretas. Corriam boatos de que o vice-chanceler estava marcado para
execução, e que isso poderia ocorrer a qualquer momento.
Dodd e Martha pegaram o Buick da família para se dirigirem ao edifício de
apartamentos de Papen. Passaram pela entrada muito lentamente, com a
intenção de que os guardas das SS vissem o carro e reconhecessem a sua
procedência.2
O rosto pálido de Papen logo apareceu numa janela, parcialmente escondido
pelas cortinas. Um oficial das SS que montava guarda à entrada do prédio mirou
raivosamente quando o carro passou. Ficou claro para Martha que o oficial
reconhecera que a placa do carro pertencia a um diplomata.
Aquela tarde, Dodd esteve novamente no prédio, mas dessa vez parou e
deixou um cartão de visita com um dos guardas, no qual estava escrito: “Espero
que logo possamos fazer-lhe uma visitinha.”
Embora reprovasse as maquinações políticas e seu comportamento anterior
nos Estados Unidos, Dodd gostava dele e tinha prazer quando discutiam, desde o
confronto durante o jantar no Pequeno Baile da Imprensa. Agora o que motivava
Dodd era a repulsa à ideia de que homens pudessem ser executados por capricho
de Hitler, sem ordem judicial ou julgamento.
Dodd voltou para casa. Mais tarde, o filho de Papen lhe diria como ele e a
família eram gratos por aquele Buick simples ter aparecido em sua rua naquela
tarde letal.
***
***
DURANTE O FIM DE SEMANA, Dodd soube que uma nova frase circulava por
Berlim, a ser pronunciada quando se encontrava um amigo ou conhecido na rua,
de preferência com um irônico erguer de sobrancelha: “Lebst du noch?”, que
significa: “Você ainda está entre os vivos?”7
CAPÍTULO 51
O fim da simpatia
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***
OS DODD DESCOBRIRAM QUE Wilhelm Regendanz, o rico banqueiro que
oferecera o fatídico jantar ao capitão Röhm e ao embaixador francês François-
Poncet em sua casa em Dahlem, tinha conseguido fugir de Berlim no dia do
expurgo e seguir, a salvo, para Londres. Agora temia não poder retornar. Pior,
sua mulher ainda estava em Berlim e o filho adulto Alex, que também estava
presente no jantar, fora preso pela Gestapo. Em 3 de julho, Regendanz escreveu
uma carta à Sra. Dodd perguntando se ela poderia ir a Dahlem verificar se a
mulher e os filhos mais novos estavam bem e “transmitir a ela as mais calorosas
saudações”.6 Escreveu ele: “Parece que agora sou suspeito, porque tantos
diplomatas estiveram em minha casa e porque eu também era amigo do general
Von Schleicher.”
A Sra. Dodd e Martha foram de carro a Dahlem ver a Sra. Regendanz. Uma
empregada recebeu-as à porta, de olhos vermelhos. Logo a própria Sra.
Regendanz apareceu, lúgubre e magra, os olhos profundamente tristes e modos
vacilantes e nervosos. Conhecia Martha e Mattie e ficou espantada por vê-las em
sua casa. Levou-as para dentro. Depois de alguns momentos de conversa, as
Dodd falaram à Sra. Regendanz sobre a mensagem do marido. Ela pôs as mãos
no rosto e chorou discretamente.
A Sra. Regendanz contou como a casa fora revistada e seu passaporte,
confiscado. “Ao falar sobre o filho”, escreveu Martha, “perdeu o controle e ficou
histérica de medo.”7 Não tinha ideia de onde Alex se encontrava, nem sabia se
estava vivo ou morto.
Pediu a Martha e à mãe que localizassem Alex e o visitassem, lhe levassem
cigarros, qualquer coisa para mostrar que ele chamara a atenção da embaixada
dos Estados Unidos. As Dodd prometeram tentar. A Sra. Dodd e a Sra. Regendanz
combinaram que esta usaria um codinome, Carrie, sempre que entrasse em
contato com os Dodd ou com a embaixada.
Nos dias que se seguiram, os Dodd falaram com amigos influentes,
diplomatas e funcionários do governo sobre a situação. Se sua intercessão ajudou
ou não é difícil saber, mas Alex foi solto depois de um mês de cárcere. Deixou a
Alemanha imediatamente, pelo trem noturno, e juntou-se ao pai em Londres.
Com a ajuda de conhecidos, a Sra. Regendanz conseguiu obter outro
passaporte e sair da Alemanha por via aérea. Quando ela e os filhos também já
estavam em Londres, mandou um cartão-postal para a Sra. Dodd: “Chegamos a
salvo. Profundamente grata. Com amor, Carrie”.8
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Só os cavalos
Mas, como aparentemente todo mundo em Berlim, Dodd também queria ouvir o
que Hitler tinha a dizer sobre o expurgo. O governo anunciou que ele faria um
pronunciamento na noite de sexta-feira, 13 de julho, durante um discurso perante
os deputados do Reichstag em sua sede temporária, a vizinha Ópera Kroll. Dodd
decidiu não comparecer e ouvir pelo rádio. A perspectiva de estar lá em pessoa
para ouvir Hitler justificar o assassinato em massa, enquanto centenas de
sicofantas estiravam os braços, era odiosa demais.
Naquela noite de sexta-feira, ele e François-Poncet combinaram um
encontro no Tiergarten, como já tinham feito outras vezes para evitar que
alguém os ouvisse. Dodd queria saber se François-Poncet tencionava assistir ao
discurso, mas temia que, se visitasse o embaixador francês, espiões da Gestapo
observassem a sua chegada e concluíssem que ele conspirava para que as
grandes potências boicotassem o discurso, como, aliás, era fato. Dodd tinha feito
uma visita a Sir Eric Phipps na embaixada britânica no começo da semana e
ficara sabendo que ele também planejava esquivar-se. Duas visitas como aquela
a grandes embaixadas, num prazo tão curto, certamente chamariam a atenção.
O dia estava fresco e ensolarado, e por isso o parque enchera-se de gente, na
maioria pedestres, mas havia alguns cavaleiros andando lentamente pela sombra.
De vez em quando o ar era cortado por risadas e latidos de cães e embaçado
pelos fantasmas de charutos que sumiam lentamente na calmaria. Os dois
embaixadores caminharam por uma hora.
Antes de se separarem, François-Poncet tomou a iniciativa: “Não devo
assistir ao discurso.”1 Depois fez uma observação que Dodd nunca esperou ouvir
de um diplomata moderno numa das grandes capitais da Europa. “Eu não me
surpreenderia se levasse um tiro a qualquer momento nas ruas de Berlim”, disse.
“Por isso minha mulher fica em Paris. Os alemães nos odeiam tanto e seus
líderes são tão loucos…”
Às oito daquela noite, na biblioteca da Tiergartenstrasse 27a, Dodd ligou o
rádio e ouviu Hitler subir à tribuna para falar ao Reichstag. Estavam ausentes 12
deputados, mortos no expurgo.
A Ópera ficava a uma caminhada de vinte minutos pelo Tiergarten, de onde
Dodd estava sentado ouvindo. Do seu lado do parque, tudo era paz e quietude, e a
noite, fragrante do cheiro das flores noturnas. Mesmo pelo rádio, Dodd ouvia a
plateia frequentemente levantar-se e saudar com Heils.
— Deputados — disse Hitler. — Homens do Reichstag alemão!2
Hitler deu detalhes sobre o que chamou de complô do capitão Röhm para
usurpar o governo ajudado por um diplomata estrangeiro, que não identificou.
Disse que ao ordenar o expurgo agira apenas no interesse da Alemanha, para
salvar o país da baderna.
— Só uma repressão feroz e sangrenta poderia cortar a revolta pela raiz —
disse ele à plateia. Ele próprio comandara o ataque em Munique, enquanto
Göring, com seu “punho de aço”, fizera o mesmo em Berlim. — Se alguém me
perguntasse por que não usamos os tribunais regulares, eu responderia: no
momento, sou responsável pela nação alemã; consequentemente, eu sozinho,
durante aquelas 24 horas, fui a Suprema Corte de Justiça do povo alemão.
Dodd ouviu o clamor, enquanto os ouvintes ficavam de pé, encorajando,
saudando e aplaudindo.
Hitler continuou:
— Ordenei que os líderes dos culpados fossem mortos. Também ordenei que
os abscessos causados por nossos venenos internos e externos fossem
cauterizados até queimar a carne viva. Também ordenei que qualquer rebelde
que tentasse resistir à prisão fosse morto imediatamente. O país precisa saber que
sua existência não pode ser impunemente ameaçada por ninguém, e que quem
levantar a mão contra o Estado morrerá.
Ele citou a reunião do “diplomata estrangeiro” com Röhm e outros supostos
conspiradores e a subsequente declaração do diplomata de que o encontro fora
“inteiramente inofensivo”. Era uma clara alusão ao jantar a que François-Poncet
comparecera em maio na casa de Wilhelm Regendanz.
— Mas — continuou Hitler —, quando três homens capazes de alta traição
organizam uma reunião na Alemanha com um estadista estrangeiro, um
encontro que eles próprios caracterizam como “reunião de trabalho”, quando
despacham os empregados, e dão ordens estritas para que eu não seja informado
da reunião, mando matar esses homens, mesmo que durante essas conversas
secretas os únicos assuntos discutidos sejam o tempo, moedas antigas e objetos
semelhantes.
Hitler reconheceu que o custo do expurgo “foi alto” e mentiu para os
ouvintes, dando um total de 77 mortos. Tentou amenizar mesmo essa contagem
alegando que duas das vítimas se mataram e — nesse ponto, risivelmente — que
o total incluía três homens das SS mortos por “maltratar prisioneiros”.
E concluiu:
— Estou pronto, perante a história, para assumir a responsabilidade pelas 24
horas das mais amargas decisões que tomei na vida, durante as quais o destino
mais uma vez me ensinou a aferrar-me com todo o meu pensamento à coisa
mais preciosa que possuímos — o povo alemão e o Reich alemão.
O salão ressoou com uma trovoada de aplausos e vozes maciças cantando o
Horst Wessel Lied. Se Dodd estivesse presente, veria duas moças darem buquês
de flores a Hitler, trajando uniformes da Bund Deutscher Mädel, a ala feminina
da Juventude Hitlerista, e veria Göring adiantar-se decididamente para a tribuna
a fim de apertar a mão de Hitler, seguido por uma onda de funcionários
desejosos de cumprimentá-lo.3 Göring e Hitler ficaram juntos e fizeram pose
para as dezenas de fotógrafos que os cercavam. Fred Birchall, do Times, foi
testemunha: “Ficaram de frente um para o outro na tribuna durante quase um
minuto, mão na mão, olhos nos olhos, enquanto flashes espocavam.”4
Dodd desligou o rádio. Do seu lado do parque, a noite era fresca e serena. No
dia seguinte, sábado, 14 de julho, mandou um telegrama codificado para o
secretário Hull: “NADA MAIS REPULSIVO DO QUE VER O PAÍS DE
GOETHE E BEETHOVEN REVERTER AO BARBARISMO DA INGLATERRA
DOS STUART E DA FRANÇA DOS BOURBON…”5
No final da tarde, dedicou duas horas sossegadas ao seu Old South, perdendo-
se noutra época, mais cavalheiresca.
***
***
***
Julieta nº 2
Boris tinha razão. Martha incluiu coisas de mais em seu roteiro e, como resultado,
achou a viagem tudo menos edificante. Suas excursões deixaram-na mal-
humorada e crítica, de Boris e da Rússia, que lhe pareceu uma terra sem graça e
enfadonha. Boris ficou desapontado. “Deixa-me muito triste saber que você não
gosta de tudo na Rússia”, escreveu-lhe, em 11 de julho de 1934. “Você precisa
examiná-la com olhos totalmente diferentes daqueles com que vê os Estados
Unidos. Não deve contentar-se com uma impressão superficial (como roupas e
comida ruins). Por favor, querida senhorita, olhe ‘para dentro’, um pouco mais de
profundidade.”1
O que mais incomodou Martha, de forma injusta, foi o fato de que Boris não
viajou com ela, apesar de também ter ido à Rússia logo em seguida, primeiro a
Moscou e depois a um balneário no Cáucaso, em férias. Numa carta de 5 de
agosto, enviada do balneário, Boris lembrou-lhe: “Foi você quem disse que não
deveríamos nos encontrar na Rússia.”2 Ele admitiu, entretanto, que outros
obstáculos também tinham surgido, embora fosse vago com relação à sua
natureza. “Eu não poderia passar minhas férias com você. Não foi possível por
várias razões. A mais importante delas: eu tive de ficar em Moscou. Minha estada
em Moscou não foi muito feliz, meu destino não está resolvido.”
Ele dizia-se magoado com suas cartas. “Você não deveria me escrever cartas
com tanta raiva. Não mereço. Eu já estava triste em Moscou, depois de receber
algumas cartas suas, pois a sentia tão distante e inatingível… Mas depois de sua
carta raivosa estou mais do que triste. Por que faz isso, Martha? Que aconteceu?
Não pode ficar dois meses sem mim?”
Assim como brandira outros amantes para magoar o ex-marido Bassett, ela
deu a entender a Boris que poderia retomar seu caso com Armand Berard, da
embaixada da França. “Ameaçando imediatamente com Armand!”, escreveu
Boris. “Não posso lhe ditar ou sugerir nada. Mas não cometa uma estupidez.
Acalme-se e não destrua as boas coisas que temos juntos.”
A certa altura da viagem, emissários da NKVD, a polícia secreta soviética,
abordaram Martha com a intenção de recrutá-la como fonte de informações
confidenciais.3 É provável que Boris tenha recebido ordens para ficar afastado e
não interferir no processo, embora ele também tenha desempenhado sua parte
no recrutamento, de acordo com registros da inteligência soviética revelados e
postos à disposição de estudiosos por um destacado especialista em história da
KGB (e ex-agente), Alexander Vassiliev. Os superiores de Boris acharam que ele
não fora suficientemente enérgico na formalização do papel de Martha.
Transferiram-no de volta para Moscou e depois para um cargo na embaixada
em Bucareste, que ele detestou.
Enquanto isso, Martha retornava a Berlim. Amava Boris, mas os dois
permaneceram separados; ela saiu com outros homens, incluindo Armand
Berard. No outono de 1936, Boris foi transferido de novo, dessa vez para
Varsóvia. A NKVD encarregou outro agente, o camarada Bukhartsev, de retomar
os esforços para recrutar Martha. Um relatório a esse respeito nos arquivos da
NKVD diz o seguinte: “Toda a família Dodd odeia os nacional-socialistas. Martha
tem interessantes ligações que usa para obter informações para o pai. Mantém
relações íntimas com alguns desses conhecidos.”4
Apesar da separação e das batalhas emocionais, e de Martha periodicamente
brandir Armand e outros amantes, o caso com Boris prosseguiu, a ponto de, em
14 de março de 1937, numa segunda visita a Moscou, ela pedir a Stalin,
formalmente, licença para casar.5 Se Stalin a recebeu alguma vez, ou se
respondeu ao pedido, não se sabe, mas a NKVD era ambígua com relação ao
romance entre os dois. Embora os chefes de Boris afirmassem não fazer objeção
ao casamento, por vezes pareciam decididos a tirá-lo de cena, para melhor se
concentrarem em Martha. Em certo momento, a agência ordenou que ficassem
seis meses separados, “por ser melhor assim para o negócio”.6
Boris, por coincidência, estava mais relutante do que Martha jamais
imaginou. Num ressentido memorando para seus superiores em Moscou, datado
de 21 de março de 1937, ele reclamou: “Não entendo por que os senhores se
interessaram tanto por nosso casamento. Pedi aos senhores que mostrassem a ela
que é impossível, em geral, e que, de qualquer forma, não se realizará nos
próximos anos. Os senhores falaram com mais otimismo sobre esse assunto e
ordenaram uma demora de apenas seis meses ou um ano.”7 Mas o que
aconteceria então?, perguntava. “Seis meses vão passar logo, e quem sabe? Ela
pode produzir uma conta que os senhores não vão pagar, nem eu. Não é melhor
abrandar levemente a clareza das promessas que lhe fizeram, se realmente as
fizeram?”
No mesmo memorando, ele se refere a Martha como “Julieta nº 2”, alusão
que Vassiliev e Allen Weinstein, especialistas na KGB, em seu livro The Haunted
Wood, veem como indicação de que havia outra mulher em sua vida, uma
“Julieta nº 1”.8
Martha e Boris tiveram um encontro amoroso em Varsóvia, em novembro de
1937, depois do qual ele enviou um relatório a Moscou. O encontro “foi bem”,
escreveu. “Ela estava de bom humor.”9 Continuava decidida a casar e “aguarda
o cumprimento de nossa promessa, apesar da advertência dos pais de que não vai
dar em nada”.
Mas outra vez Boris manifestou definitiva falta de interesse em se casar com
ela. E fez uma advertência: “Acho que ela não deveria continuar sem saber qual
é a situação real, pois, se a enganarmos, pode ficar zangada e perder a confiança
em nós.”
CAPÍTULO 54
Um sonho de amor
***
A ALEMANHA CONTINUAVA EM sua marcha cada vez mais acelerada para a
guerra, e intensificou a perseguição aos judeus, aprovando um conjunto de leis
segundo as quais os judeus deixavam de ser cidadãos, não importando há quanto
tempo suas famílias vivessem na Alemanha ou a bravura com que tivessem
lutado pelo país na Grande Guerra. Agora, em suas caminhadas pelo Tiergarten,
Dodd via que alguns bancos foram pintados de amarelo para indicar que eram
reservados aos judeus. Os outros, os mais desejáveis, eram de uso exclusivo de
arianos.
Dodd assistiu, com uma sensação de total impotência, à ocupação da Renânia
pelas tropas alemãs, em 7 de março de 1936, sem encontrar resistência. Viu
Berlim transformar-se para as Olimpíadas, enquanto os nazistas poliam a cidade
e removiam as faixas contra os judeus, só para intensificarem a perseguição
assim que as multidões de visitantes estrangeiros deram as costas. Viu a estatura
de Hitler crescer e atingir a de uma divindade dentro da Alemanha. Mulheres
choravam quando ele passava; caçadores de suvenir arrancavam pedaços de
terra do chão onde ele pisara. Na convenção do partido, em setembro de 1936,
em Nuremberg, à qual Dodd não compareceu, Hitler levou a plateia quase à
histeria: “Terem vocês me encontrado (…) entre tantos milhões é o milagre de
nosso tempo!”, disse aos berros. “E eu ter encontrado vocês é a sorte da
Alemanha!”7
Em 19 de setembro de 1936, em carta identificada como “pessoal e
confidencial”, Dodd escreveu ao secretário Hull falando sobre sua frustração por
ver os eventos se desenrolarem à sua frente sem que ninguém ousasse interceder.
“Com os exércitos aumentando em tamanho e eficiência todos os dias, com
milhares de aviões prontos para, num instante, lançar bombas e espalhar gases
venenosos sobre grandes cidades, ninguém se sente seguro em parte alguma”,
escreveu. “Quantos erros e desatinos desde 1917, especialmente nos últimos 12
meses — e nenhum povo democrático faz nada, sejam sanções econômicas ou
morais, para deter o processo!”8
A ideia de se demitir ganhou forte apelo para Dodd. Escreveu a Martha: “Não
conte a ninguém, mas não vejo como poderia continuar nessa atmosfera além da
primavera que vem. Não posso prestar serviço algum ao meu país, e a tensão é
grande demais para continuar sem fazer nada.”9
Enquanto isso, seus oponentes no Departamento de Estado intensificavam a
campanha para removê-lo. Seu velho antagonista Sumner Welles assumiu a
Subsecretaria de Estado, em substituição a William Phillips, que em agosto de
1936 se tornara embaixador na Itália. Mais perto dele, surgiu outro antagonista,
William C. Bullitt, também escolhido a dedo por Roosevelt (embora formado em
Yale), que saiu do seu posto como embaixador na Rússia para chefiar a
embaixada em Paris. Em carta a Roosevelt datada de 7 de dezembro de 1936,
Bullitt escreveu: “Dodd tem muitas qualidades admiráveis e simpáticas, mas está
quase idealmente despreparado para seu cargo atual. Odeia tanto os nazistas que
não faz nada com eles, nem tira nada deles. Precisamos de alguém em Berlim
que possa pelo menos ser gentil com os alemães e fale alemão
perfeitamente.”10
A firme recusa de Dodd em assistir aos comícios do Partido Nazista continuou
a irritar os inimigos. “Pessoalmente, não consigo entender por que ele é tão
suscetível”, escreveu Moffat em seu diário.11 Numa alusão ao discurso proferido
por Dodd no Dia de Colombo, em outubro de 1933, perguntava: “Por que é pior
para ele ouvir os alemães investirem contra nossa forma de governo se ele
mesmo resolveu, na Câmara do Comércio, investir perante uma plateia alemã
contra uma forma autocrática de governo?”
Um padrão de vazamento persistia, aumentando a pressão pública pelo
afastamento de Dodd. Em dezembro de 1936, o colunista Drew Pearson, autor,
com Robert S. Allen, de uma coluna da United Features Sy ndicate chamada
“Carrossel de Washington”, publicou uma dura investida contra Dodd, “atacando-
me violentamente, dizendo que sou um fracasso total aqui, e dando a entender
que o presidente é da mesma opinião”, escreveu Dodd em 13 de dezembro. “Isso
é novidade para mim.”12
O ataque de Pearson feriu Dodd profundamente. Ele passara a maior parte
dos últimos quatro anos esforçando-se para cumprir a determinação de Roosevelt
de servir como modelo dos valores americanos e acreditava ter feito tão bem
como qualquer outro homem poderia esperar fazê-lo, dada a estranha, irracional
e grosseira natureza do governo de Hitler. Se renunciasse agora, temia dar a
impressão de que fora obrigado a fazê-lo. “Minha posição é difícil, mas, diante
de tantas críticas, não posso renunciar, como planejava, na primavera que vem”,
escreveu no diário. “Desistir do meu trabalho aqui, nessas circunstâncias, me
colocaria numa posição defensiva e absolutamente falsa nos Estados Unidos.”13
Reconheceu que sua renúncia “seria vista, de imediato, como uma confissão de
fracasso”.
Decidiu adiar a partida, muito embora soubesse que era hora de exonerar-se.
Enquanto isso, pediu outra licença nos Estados Unidos, para descansar um pouco
na fazenda e encontrar-se com Roosevelt. Em 24 de julho de 1937, Dodd e a
mulher fizeram a longa viagem de carro até Hamburgo, onde o embaixador
embarcou no City of Baltimore, e às sete da noite começou a lenta descida pelo
Elba rumo ao mar.
***
DEIXAR DODD A BORDO do navio foi penoso para a mulher. Na noite do dia
seguinte, domingo, ela lhe escreveu uma carta que ele receberia ao chegar. “Fiz
o caminho de volta para Berlim pensando o tempo todo em você, meu querido, e
fiquei muito triste e sozinha, especialmente por vê-lo partir sentindo-se tão mal,
tão miserável.”14
Ela insistiu para que ele relaxasse e tentasse aliviar as persistentes “dores de
cabeça de origem nervosa” que o afligiam nos últimos dois meses. “Por favor,
por favor, para seu próprio bem, se não para o nosso, cuide melhor de si mesmo
e viva com menos tensão, menos exigência.” Se ficasse bem, disse ela, ainda
teria tempo de fazer o que queria — ao que tudo indica, uma referência à
conclusão do seu Old South.
Ela temia que toda aquela tristeza, toda aquela tensão, durante os quatro anos
em Berlim, fossem culpa sua. “Talvez eu tenha ambicionado demais por você,
mas isso não quer dizer que eu o ame menos”, escreveu. “Não consigo evitar
(…) as ambições que alimento por você. É uma coisa inata.”
Mas tudo isso passara, disse-lhe ela. “Decida o que for melhor para você, o
que mais deseja, e ficarei satisfeita.”
Sua carta adquiriu um tom sombrio. Ela descreveu a volta para Berlim aquela
noite. “A viagem se desenrolou bem, mas passamos por muitos caminhões do
exército — carregando aqueles horríveis instrumentos de morte e destruição.
Ainda sinto um arrepio pelo corpo quando os vejo e outros tantos sinais da
catástrofe que se avizinha. Não haverá um jeito possível de impedir que homens
e países se destruam uns aos outros? É horrível!”
Isso foi quatro anos e meio antes de os Estados Unidos entrarem na Segunda
Guerra Mundial.
***
***
***
MARTHA VIAJOU DUAS SEMANAS antes, mas antes ela e Boris tiveram um
encontro de despedida em Berlim. Para isso, escreveu ela, Boris deixou o posto
em Varsóvia sem permissão. Foi um interlúdio romântico e penoso, pelo menos
para ela. Mais uma vez, Martha declarou seu desejo de casar com ele.
Foi o encontro final. Boris escreveu-lhe em 29 de abril de 1938, da Rússia:
“Vivo até agora com a lembrança do nosso último encontro em Berlim. Pena que
só durou duas noites. Eu queria estender esse tempo pelo resto da nossa vida.
Você foi tão gentil e boa comigo, querida. Nunca me esquecerei disso (…) Como
foi a travessia do oceano? Um dia ainda cruzaremos juntos esse oceano, e juntos
observaremos as ondas eternas e sentiremos nosso amor eterno. Eu a amo. Sinto-
a e sonho com você e conosco. Não me esqueça. Seu Boris.”26
De volta aos Estados Unidos, fiel à sua natureza, se não a Boris, Martha
conheceu outro homem, por quem logo se apaixonou: Alfred Stern, um nova-
iorquino de inclinações esquerdistas. Dez anos mais velho, tinha 1,77 metro de
altura, era bonito e rico, tendo recebido parte polpuda ao divorciar-se de uma
herdeira do império da Sears Roebuck. Ficaram noivos e, num prazo
surpreendente, casaram-se em 16 de junho de 1938, embora notícias de jornal
informem que houve uma segunda cerimônia, mais tarde, na fazenda de Round
Hill, Virgínia.27 Ela usava vestido preto de veludo com rosas vermelhas.
Escreveria anos depois que Stern foi o terceiro e último grande amor de sua vida.
Ela contou a Boris sobre o casamento numa carta de 9 de julho de 1938:
“Você sabe, amor, que para mim você foi mais importante do que qualquer outra
pessoa. Sabe também que, se precisar de mim, estarei pronta para ir quando for
chamada.” E acrescentou: “Olho para o futuro e o vejo na Rússia novamente.”28
Quando a carta chegou à Rússia, Boris estava morto, executado, um dos
incontáveis agentes da NKVD vitimados pela paranoia de Stalin. Martha soube
depois que Boris fora acusado de colaborar com os nazistas. Ela repudiou a
acusação, classificando-a de “insana”. Mais tarde, se indagaria se seu
relacionamento com ele, especialmente aquele encontro final, não autorizado,
em Berlim, não teria contribuído para selar seu destino.
Ela jamais soube que a última carta de Boris, na qual ele dizia sonhar com
ela, era uma fraude, escrita por ordem da NKVD pouco antes de sua execução,
para impedir que sua morte destruísse a simpatia dela pela causa soviética.29
CAPÍTULO 55
Uma semana antes de viajar para casa, Dodd fez um discurso de despedida
durante um almoço na Câmara Americana de Comércio em Berlim, onde pouco
mais de quatro anos antes atiçara a ira nazista com suas alusões a ditaduras
antigas. O mundo, disse ele, “precisa encarar o triste fato de que, numa época na
qual a cooperação internacional deveria ser a palavra-chave, os países nunca
estiveram tão distantes uns dos outros”.1 Disse aos ouvintes que as lições da
Grande Guerra tinham sido ignoradas. Elogiou os alemães por serem
“basicamente democráticos e bondosos entre si”. E disse: “Duvido que qualquer
embaixador na Europa desempenhe adequadamente suas obrigações ou mereça
o salário que ganha.”
Dodd adotou um tom diferente ao chegar aos Estados Unidos. Em 13 de
janeiro de 1938, num jantar em sua homenagem no Waldorf-Astoria em Nova
York, declarou: “A humanidade corre sério risco, e os governos democráticos
parecem não ter ideia do que fazer. Mas, se nada fizerem, a civilização ocidental,
as liberdades religiosa, pessoal e econômica estarão em grave perigo.”2 Suas
observações provocaram protesto imediato da Alemanha, mas o secretário Hull
respondeu que Dodd era agora um cidadão como outro qualquer, e podia dizer o
que bem entendesse. Antes, porém, houve um debate entre funcionários do
Departamento de Estado sobre se seria o caso de haver um pedido de desculpas
com uma declaração na linha de que “sempre lamentamos qualquer coisa que
possa provocar ressentimentos no exterior”. A ideia foi rejeitada, graças à
oposição de ninguém menos que Jay Pierrepont Moffat, que escreveu em seu
diário: “Pessoalmente achei, com a maior convicção, que, por mais que eu
antipatize com o Sr. Dodd, e o desaprove, ele não deveria pedir desculpas pelo
que disse.”3
Com esse discurso, Dodd iniciou uma campanha para soar o alarme contra
Hitler e seus planos, e para combater a tendência cada vez maior dos Estados
Unidos ao isolacionismo; mais tarde ficaria conhecido como a Cassandra dos
diplomatas americanos. Fundou o Conselho Americano contra a Propaganda
Nazista e tornou-se membro dos Amigos Americanos da Democracia Espanhola.
Num discurso que proferiu em Rochester, Nova York, em 21 de fevereiro de
1938, perante uma congregação judaica, advertiu que, se Hitler assumisse o
controle da Áustria — o que parecia iminente —, a Alemanha continuaria
buscando expandir sua autoridade para outras áreas, e que a Romênia, a Polônia
e a Tchecoslováquia corriam perigo. Previu, além disso, que Hitler estaria livre
para perseguir suas ambições, sem encontrar resistência armada de outras
democracias europeias, que tinham preferido fazer concessões a ir à guerra. “A
Grã-Bretanha”, disse, “está terrivelmente exasperada, mas também
terrivelmente ansiosa pela paz.”4
***
***
***
O MODO COMO OS COMPATRIOTAS de Dodd julgavam sua carreira de
embaixador parecia depender, em grande parte, do lado do Atlântico em que
estivessem.
Para os isolacionistas, ele foi desnecessariamente provocador; para seus
oponentes no Departamento de Estado, um dissidente, que se queixava demais e
não esteve à altura dos padrões do Excelente Clube. Roosevelt, em carta a Bill Jr.,
foi irritantemente evasivo. “Sabendo da sua paixão pela verdade histórica e sua
rara capacidade de iluminar o significado da história”, escreveu, “seu
passamento é uma verdadeira perda para a nação.”20
Para aqueles que conheceram Dodd em Berlim e que testemunharam em
primeira mão a opressão e o terror do governo de Hitler, ele seria sempre um
herói. Sigrid Schultz dizia que Dodd foi “o melhor embaixador que tivemos na
Alemanha” e respeitava imensamente sua disposição de defender os ideais
americanos mesmo em face da oposição do seu próprio governo.21 Escreveu:
“Washington negou-lhe o apoio devido a um embaixador na Alemanha nazista,
em parte porque muitos homens do Departamento de Estado eram fãs
apaixonados dos alemães e em parte porque muitos dos mais influentes homens
de negócios de nosso país achavam que ‘se podia negociar com Hitler’.” O rabino
Wise escreveu em suas memórias, Challenging Years (Anos desafiadores):
“Dodd estava anos à frente do Departamento de Estado na apreensão das
implicações políticas, assim como morais, do hitlerismo, e foi punido por essa
compreensão ao ser praticamente removido do cargo por ter tido a decência e a
coragem, únicas entre os embaixadores, de recusar-se a comparecer à
comemoração anual de Nuremberg, uma glorificação a Hitler.”22
Mais para o fim da vida, até mesmo Messersmith aplaudiu a clareza de visão
de Dodd. “Costumo pensar que poucos homens perceberam o que acontecia na
Alemanha mais completamente do que ele, e com certeza poucos homens
perceberam mais do que ele as implicações do que acontecia no país para o resto
da Europa, para nós e para o mundo inteiro.”23
O mais alto elogio veio de Thomas Wolfe, que durante uma visita à
Alemanha na primavera de 1935 se envolveu num breve caso amoroso com
Martha. Ele escreveu para seu editor, Maxwell Perkins, que o embaixador Dodd
ajudara a invocar nele “um orgulho e uma fé renovados nos Estados Unidos e
uma crença em que, de alguma forma, nosso grande futuro ainda subsiste”.24 A
casa dos Dodd na Tiergartenstrasse 27a, disse ele a Perkins, “é um porto livre e
destemido para pessoas de todas as opiniões, e pessoas que vivem e caminham
aterrorizadas têm podido respirar ali sem medo, e dizer o que pensam. Sei que
isso é verdade, e sei também que ver a irônica, sincera e humilde
despreocupação com que o embaixador observa a pompa, o brilho, os adornos e
o barulho dos passos de homens em marcha faria bem a seu coração”.
O sucessor de Dodd foi Hugh Wilson, diplomata à antiga, de quem Dodd
costumava queixar-se com veemência. Foi Wilson, na verdade, quem primeiro
descreveu o serviço exterior como “um excelente clube”. A máxima de Wilson,
cunhada por Talley rand antes dele, não era exatamente emocionante: “Acima de
tudo, nada de excesso de zelo.”25 Como embaixador, Wilson procurou ressaltar
os aspectos positivos da Alemanha nazista e fez uma campanha solitária de
apaziguamento. Prometeu ao novo ministro do Exterior da Alemanha, Joachim
von Ribbentrop, que se a guerra começasse na Europa ele faria o possível para
manter os Estados Unidos fora. Wilson acusava a imprensa americana de ser
“controlada pelos judeus” e de cantar “um hino de ódio enquanto aqui são feitos
esforços para construir um futuro melhor”.26 Elogiou Hitler como “o homem
que tirou seu povo do desespero moral e econômico, levando-o à situação de
orgulho e evidente prosperidade de que agora desfruta”.27 Admirava
particularmente o programa nazista Força pela Alegria, que oferecia a todos os
trabalhadores alemães férias e outras diversões sem custos. Wilson o via como
poderosa ferramenta para ajudar a Alemanha a resistir aos avanços comunistas
e suprimir as demandas dos trabalhadores por salários mais altos — dinheiro que
os trabalhadores desperdiçariam “em geral com coisas idiotas”.28 Via essa
abordagem como algo que “será benéfico para o mundo todo”.
William Bullitt, em carta de Paris com data de 7 de dezembro de 1937,
elogiou Roosevelt por escolher Wilson, declarando: “Acho que as chances de paz
na Europa aumentaram definitivamente com a nomeação de Hugh para Berlim,
e agradeço-lhe profundamente.”29
No fim, é claro, nem a abordagem de Dodd nem a de Wilson tiveram muita
importância. Enquanto Hitler consolidava seu poder e intimidava seu povo, só um
gesto extremo de desaprovação dos Estados Unidos poderia ter tido efeito, talvez
a “intervenção violenta” sugerida por Messersmith em setembro de 1933. Um
ato desses, entretanto, teria sido impensável politicamente com os Estados Unidos
sucumbindo cada vez mais à fantasia de que podia evitar o envolvimento nas
disputas da Europa. “Mas a história”, escreveu o amigo de Dodd Claude Bowers,
embaixador na Espanha e depois no Chile, “registrará que num período em que
forças de tirania se mobilizavam para o extermínio da liberdade e da democracia
em toda parte, em que uma política equivocada de ‘conciliação’ abastecia os
arsenais do despotismo, e em que em muitos altos círculos sociais, e alguns
políticos, o fascismo era moda e a democracia, anátema, ele defendeu sem
rodeios nosso estilo de vida democrático, lutou a boa luta e foi fiel, e quando a
morte o atingiu sua bandeira continuava hasteada.”30
E de fato temos que nos perguntar: para o Der Angriff de Goebbels chegar ao
ponto de atacar Dodd enquanto ele jazia prostrado num leito de hospital, teria ele
sido mesmo tão ineficaz como seus inimigos acreditavam? No final, Dodd
acabou se revelando exatamente o que Roosevelt desejava: um farol solitário da
liberdade e da esperança americanas numa terra onde as trevas se avolumavam.
EPÍLOGO
O estranho pássaro no exílio
POR ALGUM TEMPO DEPOIS de deixar Berlim, Martha continuou seu flerte
secreto com a inteligência soviética. Seu codinome era “Liza”, muito embora
isso tudo sugira mais drama do que os registros existentes permitem. Sua carreira
como espiã parece ter consistido basicamente em conversas e possibilidades,
apesar de a perspectiva de uma participação menos brumosa certamente ter
intrigado funcionários da inteligência soviética. Um telegrama secreto de Moscou
para Nova York, em janeiro de 1942, chamava Martha de “mulher talentosa,
esperta e instruída”, mas ressaltava que “requer controle constante de seu
comportamento”.7 Um agente soviético bem mais puritano não se deixou
impressionar. “Ela se considera comunista e diz aceitar o programa do partido.
Na realidade, ‘Liza’ é uma representante típica da boemia americana, uma
mulher sexualmente corrompida e pronta para dormir com qualquer homem
bonito.”8
Graças aos esforços de Martha, o marido também se alinhou com a KGB —
seu codinome era “Louis”. Martha e Stern eram muito explícitos no que dizia
respeito a seu interesse pelo comunismo e pelas causas esquerdistas, e em 1953
chamaram a atenção do Comitê da Câmara contra Atividades Antiamericanas,
presidido então pelo deputado Martin Dies, que os intimou a depor.9 Eles fugiram
para o México, mas, quando as pressões das autoridades federais aumentaram,
mudaram-se mais uma vez, estabelecendo-se em Praga, onde levaram um estilo
de vida nada comunista, numa mansão de três andares e 12 cômodos, servidos
por empregados. Compraram um novo Mercedes preto.10
De início a ideia de ser fugitiva internacional teve forte apelo para Martha,
com seu persistente senso de que era mulher de assumir riscos, mas, com o
passar do tempo, o cansaço a abateu. Durante os primeiros anos do casal no
exílio, o filho apresentou sinais de severa agitação física e foi diagnosticado como
esquizofrênico. Martha tornou-se “obcecada” — termo usado pelo marido —
pela ideia de que a comoção de sua fuga e das subsequentes viagens provocara a
doença de Robert.11
Martha e Stern achavam Praga um lugar estranho, com uma língua
insondável. “Não dá para dizer que gostamos daqui, falando honestamente”,
escreveu ela a um amigo. “Naturalmente, preferiríamos voltar para casa, mas
nossa casa ainda não nos receberia (…) É uma vida de consideráveis limitações,
do ponto de vista intelectual e criativo (e não falamos a língua; uma grande
desvantagem), e nos sentimos isolados e muitas vezes solitários.”12 Ela passava o
tempo cuidando da casa e do jardim: “Árvores frutíferas, lilases, hortaliças,
flores, pássaros, insetos (…) apenas uma cobra em quatro anos!”
Martha descobriu nessa época que um dos seus ex-amantes, Rudolf Diels,
tinha morrido, e de um modo totalmente inesperado para um homem tão
apegado à sobrevivência. Após dois anos em Colônia, ele se tornara comissário
regional em Hanover, para ser logo demitido por excesso de escrúpulos
morais.13 Arranjou emprego como diretor de transporte fluvial de uma empresa
civil, mas foi preso na ampla operação de caça que se seguiu ao atentado contra
Hitler em 20 de julho de 1944. Diels sobreviveu à guerra e durante os
julgamentos de Nuremberg foi testemunha de acusação. Mais tarde, tornou-se
alto funcionário do governo da Alemanha Ocidental. A sorte o abandonou
bruscamente em 18 de novembro de 1957, durante uma caçada. Quando tirava
um rifle do carro, a arma disparou, matando-o.
***
“Conversa à mesa”
***
Capítulo 3: A escolha
1. Dodd para a Sra. Dodd, 20 de abril de 1933, Caixa 2, Documentos de Martha
Dodd.
2. Dodd para a Sra. Dodd e Martha Dodd, 13 de abril de 1933, Caixa 2,
Documentos de Martha Dodd.
3. “Álbum do Bebê”, 1908-c. 1916, Caixa 1, Documentos de Martha Dodd.
4. Chicago Daily Tribune, 25 de abril de 1930.
5. W. L. River para Martha Dodd, c. 1927, Caixa 8, Documentos de Martha
Dodd.
6. James Burnham para Martha Dodd, sem data, Caixa 4, Documentos de
Martha Dodd.
7. Cincinnati Times-Star, sem data, mas provavelmente 13 de janeiro de 1932,
Caixa 8, Documentos de Martha Dodd.
8. Martha para Bassett, 19 de fevereiro de 1976, Caixa 8, Documentos de Martha
Dodd.
9. Bassett para Martha, 19 de setembro de 1931, Caixa 8, Documentos de Martha
Dodd.
Adoro essas cartas, em grande parte porque estão impregnadas de prosa no
estilo do ator Jimmy Stewart. Nessa carta, Bassett usa a saudação “honeybuncha
mia”. A primeira frase diz: “Recebi de você a carta de amor mais bacana hoje
de manhã.” E eu, pessoalmente, tive o momento mais bacana lendo todas essas
cartas. Para citar mais uma vez Bassett: “Sim, pode apostar.”
10. Martha para Bassett, 1º de novembro (“mais ou menos”, escreve ela), 1971,
Caixa 8, Documentos de Martha Dodd.
11. Bassett para Martha, 21 de fevereiro de 1932, Caixa 8, Documentos de
Martha Dodd.
A essa altura, as coisas tornavam-se um pouco tensas. Bassett começa essa
carta com o mais sóbrio “queridíssima Martha”. Os dias de “honeybuncha mia”
já tinham ficado para trás.
Três dias depois (Bassett para Martha, 24 de fevereiro de 1932) ele voltou a
tentar: “Certamente você não se sente obrigada a ir em frente e casar-se com
alguém que não ama só por causa de uma promessa equivocada, quando nós dois
sabemos como estamos profunda e irrevogavelmente ligados um ao outro.”.
Abriu essa carta com a saudação “Mais querida das mulheres”. Como
endereço para devolução ele escreveu: “O Banco”.
Honestamente, nós, homens, às vezes somos muito sutis.
12. Martha para Bassett, 19 de fevereiro de 1976, Caixa 8, Documentos de
Martha Dodd.
13. Ibid.
14. Ibid.
15. Martha para Bassett, 1º de novembro de 1976, Caixa 8, Documentos de
Martha Dodd.
16. Ibid.
17. Ibid.
18. Carl Sandburg para Martha, sem data, Caixa 63, Documentos de W. E. Dodd.
19. Martha para Bassett, 1º de novembro de 1971, Caixa 8, Documentos de
Martha Dodd. A saudação nessa carta: “Minha querida Ex.”
20. Martha para Bassett, 19 de fevereiro de 1976, Caixa 8, Documentos de
Martha Dodd.
21. Ibid.
Capítulo 4: Temor
1. Dodd, Diary, 4-5.
2. Ibid, 5.
3. Breitman e Kraut, 18, 92; Wise, Servant, 180; Chernow, 388; Urofsky, 271.
4. Urofsky, 256; Wise, Challenging Years, 238-39; Wise, Servant, 226.
5. Wise, Personal Letters, 221.
6. Chernow, 372-73; Leo Wormser para Dodd, 30 de outubro de 1933, Caixa 43,
Documentos de W. E. Dodd.
7. Chernow, 373.
8. Citado em Breitman e Kraut, 227.
9. Ibid, 230.
10. Ibid, 12-15.
11. Phillips, Diário, 20 de abril de 1935.
12. Phillips, Diário, 10 de agosto de 1936; Breitman e Kraut, 36-37.
Breitman e Kraut são bem diretos em sua descrição de Phillips. Escrevem, na
página 36: “Phillips odiava judeus.”
13. Gellman, 37.
14. Breitman e Kraut, 32.
15. Gellman, 37.
16. Carr, Diário, 22 de fevereiro de 1934, Documentos de Carr.
17. Ibid., 23 de fevereiro de 1934.
18. Breitman e Kraut, 36.
19. Wilbur Carr fornece uma discussão fria e detalhada da “cláusula LPC” e de
outras regras de imigração em seu memorando “The Problem of Aliens Seeking
Relief from Persecution in Germany ” (O problema dos estrangeiros que buscam
refúgio contra a perseguição na Alemanha), de 20 de abril de 1933, Documentos
de Carr.
20. Wolff, 89.
21. Breitman e Kraut, 15.
22. Proskauer para Phillips, 18 de julho de 1933, volume 17, p. 35, Archives of the
Holocaust (Arquivo do Holocausto).
23. Phillips para Proskauer, 5 de agosto de 1933, volume 17, p. 40, Archives of the
Holocaust.
A troca de cartas entre Phillips e Proskauer, páginas 32-46, é leitura
estimulante, tanto pelo que é dito como pelo que não é dito. De um lado,
apresentando estatísticas e prosa desapaixonada, está Phillips, que, como vimos,
não gostava de judeus. De outro, Proskauer, um juiz, cuja prosa cuidadosa
parece claramente mascarar um grito de angústia.
24. Dippel, 114; Proskauer para Phillips, 18 de julho de 1933, volume 17, p. 36,
Archives of the Holocaust.
Proskauer diz a Phillips: “O fato conhecido de que apenas um número
desprezível de vistos da cota dos Estados Unidos foi emitido nos últimos anos, e,
segundo se acredita, provavelmente será emitido, a não ser para aqueles que são
parentes de cidadãos americanos, impede que pedidos sejam apresentados por
judeus alemães, por acreditar-se de antemão que é inútil (…).”
25. Breitman e Kraut, 14.
26. Dodd, Diary, 5.
27. Ibid.
28. Ibid.
29. Dallek, 191; Stiller, 33, 36-37; Kershaw, Hubris, 473-74.
30. Stiller, 5.
Jay Pierrepont Moffat, chefe de assuntos da Europa Ocidental, deixou a
seguinte anotação em seu diário para os dias 6 e 7 de outubro de 1934: “Sábado à
tarde, estando frio e chuvoso, sentei-me em casa para ler as últimas cartas
pessoais de Messersmith (não parece trabalho de uma tarde inteira, mas me
tomou quase duas horas) (…)”
31. Messersmith para Hull, 12 de maio de 1933, Documentos de Messersmith.
32. Ibid., 15. Ver também Messersmith para Hull, 19 de junho de 1933, Arquivo
Messersmith.
Em seu despacho de 19 de junho, Messersmith escreveu: “Os líderes
principais, sob a influência moderadora da responsabilidade, tornaram-se
decididamente mais comedidos em quase todas as suas opiniões e têm, de muitas
maneiras, tentado traduzir essa moderação em atos.”
33. Messersmith para Phillips, 26 de junho de 1933, Documentos de
Messersmith.
34. Diário, 15 de junho de 1933, Documentos de Carr.
35. Weil, 41.
36. Moffat, Diário, 15 de junho de 1933.
37. Phillips, “Reminiscences”, 3, 50, 65, 66, 99; Phillips, Ventures, 4, 5, 183.
Em “Reminiscences” (Reminiscências), a transcrição de uma entrevista oral,
Phillips declara (nas páginas 2-3): “A Boston em que cresci era limitada a amigos
que viviam no Hill e no distrito de Back Bay. A comunidade girava em torno de si
mesma — vivíamos cercados por primos, tios e tias e não havia incentivo para
discutir assuntos nacionais ou internacionais (…) Devo dizer que era um lugar
muito agradável para se crescer, mas era uma vida muito fácil e tolerante. Não
víamos sinais de pobreza (…) Éramos, a rigor, uma ilha de bem-estar (…)”
38. Weil, 47.
39. Dodd para John D. Dodd, 12 de junho de 1933, Caixa 2, Documentos de
Martha Dodd.
40. John D. Dodd para Dodd, 15 de junho de 1933, Caixa 2, Documentos de
Martha Dodd.
41. Dodd, Diary, 8.
42. Dallek, 194; Floy d Blair para Jay Pierrepont Moffat, 28 de junho de 1933,
Caixa 40, Documentos de W. E. Dodd.
43. George Gordon Battle para Dodd, 1º de julho de 1933, Caixa 40, Documentos
de W. E. Dodd. Ver também telegrama, Battle para Dodd, 1º de julho de 1933,
Caixa 40.
44. Dodd, Diary, 9.
45. Ibid.
46. Chernow, 374-75, 388.
47. Dodd, Diary, 9.
48. Ibid., 10.
49. Ibid., 10.
50. Crane para Dodd, 14 de junho de 1933, Caixa 40, Documentos de W. E.
Dodd.
51. Dodd para Crane, 16 de setembro de 1933, Caixa 40, Documentos de W. E.
Dodd.
52. Dodd, Diary, 11.
53. Ibid., 11.
54. Ibid., 7.
55. Dodd, Embassy Eyes, 17.
PARTE V: APREENSÃO
Capítulo 28: Janeiro de 1934
1. Tobias, 284.
2. Phipps, 40.
3. Martha para Thornton Wilder, 14 de dezembro de 1933, Documentos de
Wilder.
4. Fritzsche, 57; Miller, 66-67, 136.
5. Krausnick et al., 419.
Outro sinal de normalidade foi o modo como o governo lidou com um ataque
contra um americano ocorrido em 15 de janeiro de 1934. Naquela fria segunda-
feira encharcada de chuva, um cidadão americano chamado Max Schussler, que
trabalhava em Berlim como senhorio, entrou aos tropeções no consulado na
Bellevuestrasse “sangrando profusamente”, de acordo com relato de Ray mond
Geist, que atuava como cônsul-geral interino enquanto Messersmith estava nos
Estados Unidos. Schussler era judeu. Na manhã seguinte, depois de consultar
Dodd, Geist foi à sede da Gestapo e formalizou um protesto diretamente com
Rudolf Diels. Em 48 horas o agressor foi preso, julgado e condenado a sete
meses de prisão. Mais ainda, a notícia da prisão e do castigo recebeu ampla
divulgação pelo rádio e pelos jornais. Geist informou a Washington: “É muito
gratificante ver a prontidão com que as autoridades alemãs agiram (…) Acho
que esses ataques agora vão acabar definitivamente.” Estava enganado, como
ficaria claro com o passar do tempo, mas naquele momento pelo menos parecia
haver um novo esforço do governo para conquistar a boa vontade dos Estados
Unidos.
Houve um elemento malsão na última conversa de Geist com Diels. O chefe
da Gestapo queixou-se de que Schussler e outros americanos vítimas de abusos
eram “um bando no geral não muito desejável”, como Geist se lembrava de ter
ouvido Diels comentar. A insinuação era clara, e Geist perdeu a paciência: “Eu
lhe disse”, escreveu ele, “que jamais levaríamos em conta nada que não fosse o
fato de a vítima ser um cidadão americano, que a questão de raça ou origem não
tinha absolutamente nada a ver com o caso, e que qualquer cidadão americano
tinha direito à total proteção do governo americano.” Geist para Hull, 16 de
janeiro de 1934, FP 362.1113 Schussler, Max/1, State/Decimal; Geist para Hull,
18 de janeiro de 1934, 362.1113 Schussler, Max/8 GC, State/Decimal.
6. Gilbert L. MacMaster para Clarence E. Pickett, 12 de fevereiro de 1934, vol. 2,
pp. 58-59, Archives of the Holocaust.
Deschner, em sua biografia de Reinhard Hey drich, escreve que naqueles
tempos iniciais “judeus não eram presos em Dachau em virtude de serem
judeus, mas porque tinham sido adversários politicamente ativos do nacional-
socialismo, ou comunistas, ou jornalistas hostis ao NS, ou ‘reacionários’”.
Deschner, 79.
7. Noakes e Pridham, 284-86.
8. Krausnick et al., 433.
9. Memorando, David Schweitzer para Bernhard Kahn, 5 de março de 1934, vol.
10, pp. 20-30, Archives of the Holocaust.
10. Dippel, 114; Breitman e Kraut, 25.
11. Depoimento de Ray mond Geist, Nazi Conspiracy and Agression, vol. 4,
Documento nº 1759-PS, Avalon Project, Yale University Law School.
O esforço supostamente secreto de rearmamento da Alemanha em violação
ao Tratado de Versalhes não era, para os berlinenses, segredo, como ficou
evidente no surgimento de uma piada muito popular. Dizia mais ou menos o
seguinte:
Um homem se queixa a um amigo de que não tem dinheiro para comprar
um carrinho para seu bebê. O amigo trabalha numa fábrica de carrinhos e se
oferece para surripiar uma quantidade suficiente de peças para que o novo pai
construa seu próprio carrinho de bebê. Quando os dois se encontram novamente,
o pai ainda carrega o bebê nos braços.
O amigo da fábrica, perplexo, pergunta por que não está usando o carrinho de
bebê recém-construído.
— Bem, veja só — responde o pai —, sei que sou lento e não entendo muito
de mecânica, mas montei a coisa três vezes, e de cada vez o resultado foi uma
metralhadora! — Wheeler-Bennett, Nemesis, 336.
12. John Campbell White para Jay Pierrepont Moffat, 27 de novembro de 1933,
Documentos de Carr.
13. Gallo, 7-8; Gisevius, 171. Gallo e Gisevius apresentam duas traduções
ligeiramente diferentes da saudação a Hitler. Preferi a de Gallo, mas por
nenhuma razão particular.
14. Diels, 385-89; Diels, Declaração, em Stackelberg e Winkle, 133-34; Wheaton,
439; Metcalfe, 235-36.
15. Kershaw, Myth, 63.
16. Diagrama indicando os lugares para as pessoas se sentarem, 23 de fevereiro
de 1934, “Invitations”, Caixa 1, Documentos de Martha Dodd.
EPÍGRAFE FINAL
1. Isherwood, Visit, 308.
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Zweig, Stefan. O mundo que eu vi. Rio de Janeiro: Guanabara, 1943.
CAMINHEI PELA PLANURA NEVADA do Tiergarten — uma estátua
despedaçada aqui, uma arvorezinha recém-plantada ali; o Brandenburger Tor,
com sua bandeira vermelha ondulando contra o céu azul de inverno; e no
horizonte as grandes costelas de uma estação de trem estripada, como o
esqueleto de uma baleia. Na luz da manhã tudo era tão tosco e franco como a voz
da história que nos diz para não nos iludirmos; isso pode acontecer com qualquer
cidade, com qualquer pessoa, conosco.1
— CHRISTOPHER ISHERWOOD,
Down There on a Visit
Sobre o autor
ERIK LARSON é autor de best-sellers como The Devil in the White City.
Jornalista, ele trabalhou para o Wall Street Journal e a revista Time. Mora em
Seattle com a mulher e três filhas.
Sumário
Capa
Folha de Rosto
Créditos
Mídias sociais
Dedicatória
Sumário
Epígrafe
Das Vorspiel
1933
O homem por trás da cortina
Parte I - Mato adentro
Capítulo 1: Meio de fuga
Capítulo 2: Aquela vaga em Berlim
Capítulo 3: A escolha
Capítulo 4: Temor
Capítulo 5: Primeira noite
Parte II - Procurando uma casa no Terceiro Reich
Capítulo 6: Sedução
Capítulo 7: Conflito oculto
Capítulo 8: Encontro com Putzi
Capítulo 9: Morte é morte
Capítulo 10: Tiergartenstrasse 27a
Parte III - Lúcifer no jardim
Capítulo 11: Seres estranhos
Capítulo 12: Brutus
Capítulo 13: Meu segredo sombrio
Capítulo 14: A morte de Boris
Capítulo 15: O "problema judaico"
Capítulo 16: Um pedido secreto
Capítulo 17: A escapada de Lúcifer
Capítulo 18: Aviso de amigo
Capítulo 19: Alcoviteiro
Parte IV - Como dói o esqueleto
Capítulo 20: O beijo do Führer
Capítulo 21: O problema com George
Capítulo 22: A testemunha usava coturnos
Capítulo 23: Boris morre outra vez
Capítulo 24: Como arrancar votos
Capítulo 25: O Boris secreto
Capítulo 26: O Pequeno Baile da Imprensa
Capítulo 27: Ó Tannenbaum
1934
Parte V - Apreensão
Capítulo 28: Janeiro de 1934
Capítulo 29: Ataque malicioso
Capítulo 30: Premonição
Capítulo 31: Terrores noturnos
Capítulo 32: Alerta de tempestade
Capítulo 33: “Memorando de uma conversa com Hitler”
Capítulo 34: Diels, com medo
Capítulo 35: Em choque com o Clube
Capítulo 36: A salvação de Diels
Capítulo 37: Observadores
Capítulo 38: Tapeado
Parte VI - Berlim ao anoitecer
Capítulo 39: Jantar perigoso
Capítulo 40: Retiro de um escritor
Capítulo 41: Problema na casa do vizinho
Capítulo 42: Os brinquedos de Hermann
Capítulo 43: Fala um pigmeu
Capítulo 44: A mensagem no banheiro
Capítulo 45: A angústia da Sra. Cerruti
Capítulo 46: Noite de sexta-feira
Parte VII - Quando tudo mudou
Capítulo 47: “Atirem! Atirem!”
Capítulo 48: Armas no parque
Capítulo 49: Os mortos
Capítulo 50: Entre os vivos
Capítulo 51: O fim da simpatia
Capítulo 52: Só os cavalos
Capítulo 53: Julieta nº 2
Capítulo 54: Um sonho de amor
Capítulo 55: Enquanto a noite caía
Epílogo: O estranho pássaro no exílio
Coda: “Conversa à mesa”
Fontes e agradecimentos
Notas
Créditos das fotos
Bibliografia
Epígrafe final
Sobre o autor
Sumário
Capa
Folha de Rosto
Créditos
Mídias sociais
Dedicatória
Sumário
Epígrafe
Das Vorspiel
1933
O homem por trás da cortina
Parte I - Mato adentro
Capítulo 1: Meio de fuga
Capítulo 2: Aquela vaga em Berlim
Capítulo 3: A escolha
Capítulo 4: Temor
Capítulo 5: Primeira noite
Parte II - Procurando uma casa no Terceiro Reich
Capítulo 6: Sedução
Capítulo 7: Conflito oculto
Capítulo 8: Encontro com Putzi
Capítulo 9: Morte é morte
Capítulo 10: Tiergartenstrasse 27a
Parte III - Lúcifer no jardim
Capítulo 11: Seres estranhos
Capítulo 12: Brutus
Capítulo 13: Meu segredo sombrio
Capítulo 14: A morte de Boris
Capítulo 15: O "problema judaico"
Capítulo 16: Um pedido secreto
Capítulo 17: A escapada de Lúcifer
Capítulo 18: Aviso de amigo
Capítulo 19: Alcoviteiro
Parte IV - Como dói o esqueleto
Capítulo 20: O beijo do Führer
Capítulo 21: O problema com George
Capítulo 22: A testemunha usava coturnos
Capítulo 23: Boris morre outra vez
Capítulo 24: Como arrancar votos
Capítulo 25: O Boris secreto
Capítulo 26: O Pequeno Baile da Imprensa
Capítulo 27: Ó Tannenbaum
1934
Parte V - Apreensão
Capítulo 28: Janeiro de 1934
Capítulo 29: Ataque malicioso
Capítulo 30: Premonição
Capítulo 31: Terrores noturnos
Capítulo 32: Alerta de tempestade
Capítulo 33: “Memorando de uma conversa com Hitler”
Capítulo 34: Diels, com medo
Capítulo 35: Em choque com o Clube
Capítulo 36: A salvação de Diels
Capítulo 37: Observadores
Capítulo 38: Tapeado
Parte VI - Berlim ao anoitecer
Capítulo 39: Jantar perigoso
Capítulo 40: Retiro de um escritor
Capítulo 41: Problema na casa do vizinho
Capítulo 42: Os brinquedos de Hermann
Capítulo 43: Fala um pigmeu
Capítulo 44: A mensagem no banheiro
Capítulo 45: A angústia da Sra. Cerruti
Capítulo 46: Noite de sexta-feira
Parte VII - Quando tudo mudou
Capítulo 47: “Atirem! Atirem!”
Capítulo 48: Armas no parque
Capítulo 49: Os mortos
Capítulo 50: Entre os vivos
Capítulo 51: O fim da simpatia
Capítulo 52: Só os cavalos
Capítulo 53: Julieta nº 2
Capítulo 54: Um sonho de amor
Capítulo 55: Enquanto a noite caía
Epílogo: O estranho pássaro no exílio
Coda: “Conversa à mesa”
Fontes e agradecimentos
Notas
Créditos das fotos
Bibliografia
Epígrafe final
Sobre o autor