Dissertação Mestrado História 2004 Laércio Cardoso de Je

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Laércio Cardoso de Jesus

ERVA-MATE: O OUTRO LADO


A presença dos produtores independentes no antigo Sul de Mato Grosso
1870-1970

Dourados - 2004
LAÉRCIO CARDOSO DE JESUS

ERVA-MATE: O OUTRO LADO


A presença dos produtores independentes no antigo Sul de Mato Grosso
1870-1970

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


História da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
(Campus de Dourados) com vistas à obtenção do título de
Mestre em História.

Orientador: Prof° Dr. Paulo Roberto Cimo Queiroz.

Dourados – 2004

1
338.1737709817
J 58 e Jesus, Laércio Cardoso de
Erva-mate: o outro lado: a presença dos produtores
independentes no antigo Sul de Mato Grosso 1870-1970 /
Laércio Cardoso de Jesus. Dourados – MS: UFMS, CPDO,
2004.
190 p.

Orientador: Prof. Dr. Paulo R. Cimó Queiroz.


Dissertação (Mestrado em História) – Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul, Campus de Dourados.

1. Mato Grosso – Erva-mate – História econômica. 2.


Erva-mate – Produtores – Mato Grosso. 3. Erva-mate –
Produtores independentes – Mato Grosso. I. Título.

2
LAÉRCIO CARDOSO DE JESUS

ERVA-MATE: O OUTRO LADO


A presença dos produtores independentes no antigo Sul de Mato Grosso 1870-1970

COMISSÃO JULGADORA

DISSERTAÇÃO PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE

Presidente e orientador________________________________________________________
2º Examinador_______________________________________________________________
3º Examinador_______________________________________________________________

Dourados, __ de _______________ de 2004

3
DADOS CURRICULARES

LAÉRCIO CARDOSO DE JESUS

NASCIMENTO 11/12/1968 – DOURADOS – MS

FILIAÇÃO – Crispiliano Cardoso de Jesus – in memoriam


Flora Lima de Jesus

1992/1995 – Curso de Graduação Licenciatura Plena em História


Campus de Dourados / UFMS.

2002/2004 – Curso de Pós-Graduação em História, nível de Mestrado


pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, UFMS
Dourados / MS

4
AGRADECIMENTOS....

Devo primeiramente agradecer às Forças Divinas por ter me inspirado e, de certa


forma, permitido que o presente trabalho fosse realizado. Contudo, não posso deixar de
salientar alguns nomes de amigos que me deram força como a Cida Carli, Jocimar, Simone,
Suzana, Bettoni, Viro e Vera, colegas de turma como o Marcos Amorim, Odila, Sandra e
Rosely, bem como a diretoria do SIMTED, representada pela Eliza, Marlene, Jonas, Brumatti,
Sueli, Arlei, Stein, Emilio e outros. Agradecer também a Thaís, que cuida da secretaria do
Mestrado com muita propriedade e, às professoras do curso de história, Benícia e Ceres, que
foram minhas professoras na graduação e durante os anos de 2001 e 2002 tive a oportunidade
de trabalhar com elas no mesmo curso de história.
É necessário mencionar as participações dos professores Cláudio, coordenador do
Mestrado, João Carlos, Jerri, Marina, Damião, Eudes, Valdeir, Márcio, Mário Geraldini e os
colegas Jorge Eremites e Paulo Cimó (meu orientador), que foram imprescindíveis, no que
tange ao apoio e contribuição no fornecimento de documentos e outros materiais necessários
para a pesquisa.
Pessoas que contribuíram na pesquisa de campo como o professor Domingos do
Museu do Mate em Ponta Porá, Ramón Rolandi Torres do Archivo de Asunción, Luiz do
Centro de Documentação Regional da UFMT em Cuiabá, aos colegas do Arquivo Público de
Mato Grosso, Eliane, Iverso, Gislaine, Luzinete e principalmente ao Josino, que se deu ao
trabalho de carregar documentos antigos para microfilmagem até outra instituição com o fim
único de ajudar na pesquisa. Destacar o Arquivo Nacional, o Arquivo Público de Mato
Grosso do Sul, a Biblioteca Pública Municipal de Guairá/PR, a JUCEMS nas pessoas do
Nivaldo e Wilson, que facilitaram a consulta em seus arquivos. Destacar também Carlos
Jurgielewicz, o popular dr. Carlito que atua na área médica em Campo Grande, Militão
Viriato Baptista e Lila Fernandes de Iguatemi que foram muito pacientes ao fornecer as
informações necessárias para o trabalho, pois seus pais foram grandes produtores de erva-
mate.
A lista seria imensa, se fôssemos enumerar cada um, mas, não se pode deixar de
mencionar o pessoal do Núcleo de Tecnologia Educacional de Dourados – NTE, local onde
atualmente estou lotado pela Secretaria Estadual de Educação. Dentre essas pessoas, figuram
a Dani, Irene, Lucimeire, Queila, Reissoli, Santa, Valéria, e outros que tiveram colaboração
efetiva no trabalho.

5
À Maria José e aos nossos filhos
Renan e Débora...

6
A história do mate é uma história triste.
Por trás do prazer de saborear o
chimarrão gaúcho ou o chá adoçado
dos centros urbanos, está contida a
epopéia de milhares de homens
desafiadores da floresta e do trabalho
árduo na obtenção do caá...

(Alvanir de Figueiredo)

7
SUMÁRIO
RESUMO............................................................................................................................... 10
ABSTRACT........................................................................................................................... 11
LISTA DE ABREVIATURAS............................................................................................. 12
LISTA DE MAPAS................................................................................................................ 13
LISTA DE TABELAS........................................................................................................... 14
INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 15

CAPÍTULO I

OS ERVAIS DO SUL DE MATO GROSSO E A ATUAÇÃO DA MATE


LARANGEIRA...................................................................................................................... 23

1.1 – Localização dos ervais e origens do consumo......................................................... 23

1.2 – A presença da Companhia Mate Larangeira......................................................... 28


1.2.1 – Origem e transformação da empresa ............................................................................ 29
1.2.2 – Estrutura e funcionamento da empresa........................................................................ 35
1.2.3 – Arrendamentos............................................................................................................. 38
1.2.4 – Monopólios................................................................................................................... 42
1.2.5 – Trabalhadores.............................................................................................................. 45
1.2.6 - Força política................................................................................................................ 53

CAPÍTULO II

A PRESENÇA DOS PRODUTORES INDEPENDENTES NA ATIVIDADE


ERVATEIRA DE 1870 A 1937................................................................................................ 56

2.1 - Do final da Guerra do Paraguai até 1915 ................................................................ 56


2.1.1 – A porosidade e a mobilidade da fronteira econômica de Mato Grosso com o
Paraguai ....................................................................................................................... 59

2.1.2 – A migração gaúcha para o SMT..................................................................................... 63


2.1.3 – A Questão do Mate e a Lei Nº 725.................................................................................. 66

8
2.2 – Do reconhecimento do direito dos “posseiros” até o início do Estado Novo....... 69
2.2.1 – Legalização, demarcação, titulação das terras dos posseiros e novos conflitos
com a Companhia Mate Larangeira.............................................................................. 79

2.2.2 – A atividade dos ervateiros e seus problemas com a comercialização e os impostos........... 89


2.2.3 – A diminuição do volume de exportação de erva-mate para o mercado argentino............. 100

CAPÍTULO III

O FORTALECIMENTO DOS PRODUTORES INDEPENDENTES E O


DECLÍNIO DA ECONOMIA ERVATEIRA DE 1937 A FINS DA DÉCADA
DE 1960.................................................................................................................................. 103
3.1 – O novo governo brasileiro (pós-1930) e a economia ervateira do SMT................ 103
3.1.1 – Análise do governo sobre os problemas da fronteira – a Marcha para Oeste.................. 108
3.1.2 – As pressões sobre a Mate Larangeira.............................................................................. 111
3.1.3 - A criação do INM e das Cooperativas como apoio aos produtores independentes............ 113

3.2 – Os produtores independentes de 1938 a 1967: a ação das cooperativas no


mercado ervateiro do SMT......................................................................................... 116

3.3 - A fase final do declínio da atividade ervateira............................................................ 126

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................ 129

FONTES E BIBLIOGRAFIA............................................................................................... 131

ANEXOS................................................................................................................................. 135

9
RESUMO

O presente trabalho busca analisar alguns aspectos relevantes a respeito dos


produtores independentes da erva-mate no antigo Sul de Mato Grosso, no período que
corresponde principalmente à primeira metade do século XX. Definimos como produtores
independentes aqueles que não produziam a erva-mate diretamente para a Companhia Mate
Larangeira e sim para sua subsistência ou seu pequeno comércio, ainda que tivessem que
vender sua produção para essa Companhia.
No primeiro capítulo descrevem-se os ervais nativos da região e aborda-se a
atuação da Companhia Mate Larangeira, virtual monopolista da exploração ervateira na
região durante muitas décadas. Em seguida, a pesquisa enfatiza a presença dos produtores
independentes na atividade ervateira entre 1870 a 1937, demonstrando como estes sujeitos da
história tiveram participação ativa na economia ervateira do antigo Sul de Mato Grosso. No
último capítulo, far-se-á uma análise do fortalecimento dos produtores independentes frente
às oscilações do mercado, bem como o declínio vertiginoso das exportações. Dessa forma, a
pesquisa traz uma abordagem referente as imposições do mercado ervateiro e as tentativas dos
governos de reanimar o mercado, através da criação de órgãos, cujos objetivos, eram amparar
a classe produtora de erva-mate.

Palavras-chave. Erva-mate – produtores – Mato Grosso

10
ABSTRACT

The present work searches to analyze some relevant aspects about the independent
producers of Ilex Paraguariensis (erva-mate) in the old South of Mato Grosso, in the period
that corresponds mainly to the first half of century XX. We define as independent producers
those that did not produce directly Ilex Paraguariensis for the Company Mate Larangeira but
for their subsistence or small commerce, even though they had to sell their production for this
Company.
The first chapter describes the native Ilex Paraguariensis trees of the region and
approaches the performance of the Company Mate Larangeira, virtual monopolist of herbalist
exploration in the region during many decades. After that, the research emphasizes the
presence of the independent producers in the herbalist activity between 1870 and 1937,
demonstrating how these citizens of history had active participation in the herbalist economy
of the old South of Mato Grosso. In the last chapter, an analysis of the independent producers
strengthening front to the oscillations of the market, as well as the vertiginous decline of the
exportations. So that the research brings a referring boarding the impositions of the herbalist
market and the attempts of the governments to reanimate the market, through the creation of
agencies, whose objectives, were to support the producing class of Ilex Paraguariensis.

Key words. Ilex paraguariensis – producers – Mato Grosso

11
LISTA DE ABREVIATURAS

CAND – Colônia Agrícola Nacional de Dourados

CEPP - Coletoria Estadual de Ponta Porã

CML - Companhia Mate Larangeira

CPMPP – Cooperativa dos Produtores de Mate de Ponta Porã

FPMA – Federação dos Produtores de Mate Amambai Ltda.

LMC - Larangeira Mendes & Cia.

INM – Instituto Nacional do Mate

NOB – Ferrovia Noroeste do Brasil

SMT - Sul de Mato Grosso

SNBP - Serviço de Navegação da Bacia do Prata

12
LISTA DE MAPAS

MAPA 1 - Área de Ocorrência da Erva-Mate..................................................................... 25

MAPA 2 - Áreas de Concessões à Mate Larangeira no Antigo Sul de Mato Grosso..... 39

MAPA 3 - Rotas de migração para o antigo Sul de Mato Grosso, atual Mato Grosso
do Sul.................................................................................................................... 65

13
LISTA DE TABELAS

TABELA 1 - EXPORTAÇÃO DE ERVA-MATE DO PARAGUAI PARA O RIO


GRANDE DO SUL ENTRE 1856 E 1860........................................................ 27

TABELA 2 – RECEITAS ARRECADADAS PELO ESTADO DE MATO GROSSO


COM O IMPOSTO DE EXPORTAÇÃO – 1896............................................... 33

TABELA 3 - EXPEDIÇÃO DE TÍTULOS PROVISÓRIOS NO MUNICÍPIO DE


PONTA PORÃ ENTRE 1919 E 1925............................................................ 84

TABELA 4 - CUSTO DE PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO E PREÇO DE


MERCADO DA ERVA-MATE EM MATO GROSSO – 1920 E 1921
(em réis por arroba de 10 kg)........................................................................ 92

TABELA 5 - PRODUTOS EXPORTADOS POR MEIO DA COLETORIA ESTADUAL


DE PONTA PORÃ: QUANTIDADE, TAXA E VALOR DOS IMPOSTOS
DE JANEIRO A MAIO DE 1923.................................................................. 95

TABELA 6 - EXPORTAÇÃO DE ERVA-MATE DOS PRODUTORES


NDEPENDENTES VIA COLETORIA ESTADUAL DE PONTA PORÃ
EM DETERMINADOS MESES DOS ANOS DE 1922 A 1924..................... 96

TABELA 7 - PRODUÇÃO DE ERVA-MATE PELA MATE LARANGEIRA E


PELOS PRODUTORES INDEPENDENTES EM 1923................................. 97

TABELA 8 - PLANTAÇÃO DE ERVA-MATE NA ARGENTINA NA DÉCADA DE 1920.. 101

TABELA 9 - PRODUTORES DE MATE EM MATO GROSSO ENTRE 1952 E


1963 E RESPECTIVA PRODUÇÃO (EM KG)..................................................... 118

TABELA 10 - PRODUÇÃO DE ERVA-MATE EM KG NO TRIÊNIO 1951-1953 ............. 121

TABELA 11 – ERVAIS PLANTADOS NA ARGENTINA NAS DÉCADAS DE


1950 E 1960................................................................................................. 127

14
INTRODUÇÃO

Escrever sobre temas considerados “regionais” não é um trabalho fácil. Quem se


lança a escrever sobre determinado assunto, baseando-se em muitos memorialistas e dispondo
de escassos documentos como complemento, está arriscado a não compor de modo
satisfatório o cenário que se pretende mostrar. O que fazer, se o que nos apresentam são
simplificadamente parcos elementos de pesquisas? Como fazer uma pesquisa historicamente
correta dentro dos modelos propostos? Essas perguntas, e muitas outras surgem diante do
desenvolvimento das análises em uma pesquisa.
É claro que temos muitas dúvidas sobre essas questões, mas estas são passíveis de
mudanças, no sentido de saná-las, e se temos dúvidas, elas devem ser entendidas como parte
do escopo do trabalho, surgidas no afã de se contemplar um trabalho de investigação.
O termo história regional, já amplamente discutido por vários historiadores, pois
ainda não há um consenso sobre o assunto, nos induz a pensar que estamos fazendo um
trabalho de caráter local, portanto, um trabalho provinciano. Janaina Amado (1990), ao
abordar o assunto, considera a história regional como referente a uma área distante dos
centros nacionais. Ao que propõe Amado, a historiografia nacional ressalta as semelhanças,
enquanto a regional lida com as diferenças e a multiplicidade, e, quando emerge das regiões
economicamente mais pobres, muitas vezes ela consegue também retratar a história dos
marginalizados, identificando-se com a chamada História popular ou História dos vencidos.
Há ainda, segundo Amado, na história regional, a dificuldade de acesso aos
documentos que retratam o objeto que se pretende pesquisar. Temos que concordar
plenamente com esta proposição, uma vez que, ao solicitarmos algumas fontes escritas de
posse de pessoas ligadas ao assunto, estas se reservam o direito de privar-nos destes
documentos, essenciais no trabalho de investigação.
Queiroz (1993), ao tratar do assunto no texto História e região: desafio ou falso
problema, assinala uma espécie de obsessão pelo excesso de formalismo, nas discussões sobre
a definição de região. Queiroz afirma que não se pode definir aprioristicamente uma região,

15
pois, região é uma parte do espaço físico, que tanto pode ser entendida como grande centro
ou área periférica, contudo, o termo região depende do interesse de alguém, depende da
necessidade política daqueles que utilizam o termo para que de alguma forma se beneficiem.
Também Valmir Corrêa Batista (1994) aborda a questão indagando sobre a forma de pensar a
historiografia regional, no caso o Mato Grosso do Sul. Corrêa alerta que a história não é
simplista, ela faz-se diante de uma correlação de forças e os memorialistas não têm uma
preocupação em dizer dessas correlações gerais da história.
Pierre Bourdieu (1989) escreve que região é uma coisa construída e o discurso
regionalista é um discurso performativo, que tem em vista impor como legítima uma nova
definição de fronteiras e dar a conhecer e fazer reconhecer a região assim delimitada.
Bourdieu fala do cuidado que se deve ter ao aplicar idéias oriundas de um dado contexto
cultural a outros, apontando para as suas implicações como riscos de ingenuidade e
simplificação. Dessa forma, é um estigma entender a região como periférica.
Contribuindo com a historiografia de Mato Grosso do Sul, Zorzato (1998) afirma
que boa parte do trabalho de elaboração e enquadramento da memória que alimentou a
identidade mato-grossense foi feito por historiadores vinculados ao poder. Estes historiadores
tiveram o papel de construir para os mato-grossenses uma identidade que os unisse diante da
ameaça da chegada de estranhos. Procurava-se construir uma memória de consenso, onde
todos são apresentados como uma grande família, filhos do mesmo solo. Formar-se-ia, assim,
a noção de pertencimento.
Atentos às observações acima referidas, e imbuídos da vontade de esclarecer uma
parte do processo histórico, nos lançamos nessa tarefa, que esperamos venha beneficiar os que
urgem por conhecer alguns enfoques, ainda abstrusos, sobre a história de Mato Grosso do Sul.
Compreender a economia ervateira do sul do antigo Mato Grosso requer,
necessariamente, se aprofundar nas origens da planta de erva-mate, assim como, entender o
modo de vida dos sujeitos que viveram na região meridional do Brasil. Isto passa por abrir
mão dos chamados conhecimentos prontos, onde os indivíduos não precisam mais buscar o
conhecimento através da pesquisa e da análise. Entender a economia ervateira é se lançar num
mundo ainda obscuro, disposto a revelar sucessões de fatos que obviamente contribuirão para
o crescimento intelectual dos leitores.
Neste contexto, é importante saber das origens da erva-mate, e todo o aparato que
foi necessário para que viesse a se tornar objeto de muitas pesquisas, inclusive essa. Assim,
pretendemos fazer uma introdução fundamentada aos aspectos que efetivaram o meio
econômico e os pontos mais relevantes da produção de erva-mate no então Sul de Mato

16
Grosso. Discorreremos sobre o início da atividade econômica e a formação da Cia. Mate
Larangeira, seus conflitos e interesses, visando esclarecer as formas da produção e a
importância deste vegetal na economia e no trabalho, sempre envolvendo elementos que
fizeram parte deste processo.
O presente trabalho tem por finalidade esclarecer alguns aspectos a respeito da
economia ervateira no sul de Mato Grosso. Quando se trata da economia ervateira no antigo
Sul de Mato Grosso – SMT,1 a historiografia mato-grossense e sul-mato-grossense tende a
enfatizar a atuação e a presença da grande empresa historicamente conhecida como
Companhia Mate Larangeira.2
De fato, sabe-se que essa empresa, cuja origem remonta à iniciativa de Thomaz
Larangeira, entre as décadas de 1870 e 1880, exerceu um papel virtualmente monopolista na
economia ervateira sul-mato-grossense. É certo que a mesma historiografia, em suas
entrelinhas, aponta a presença de outros atores nessa economia, e não há dúvidas de que estes
são os que chamaremos produtores independentes. Entretanto, a ênfase costuma ser posta nos
esforços da Companhia para disciplinar e colocar sob seu domínio todos esses atores, que ela
considerava em geral como posseiros, intrusos, ladrões ou contrabandistas de erva
(changa’ys).
Por produtores independentes, entendemos aqueles produtores que não produziam
a erva-mate diretamente para a Mate Larangeira, como trabalhadores da empresa, e sim para
sua subsistência ou seu pequeno comércio, ainda que tivessem que vender a erva para a Cia.
Dentre estes produtores poderiam estar os posseiros, os pequenos arrendatários, os indígenas,
os clandestinos e até mesmo os pequenos produtores que exerciam a atividade anteriormente à
primeira concessão feita à CML.
A respeito da atividade desses ex-posseiros, convertidos em proprietários de
glebas de até 7.200 hectares, contendo ervais, há uma controvérsia na historiografia. Virgílio
Corrêa Filho (1925) enfatiza a independência desses produtores, em face da Companhia.
Gilberto Luiz Alves (1984), por outro lado, considera que esses novos proprietários
se transformaram praticamente em uma nova fonte de mão-de-obra para a Companhia, na
1
SMT, neste trabalho, tem o desígnio de referir-se ao antigo sul de Mato Grosso, isto é, quando o
Mato Grosso ainda era uno. Portanto, a sigla contempla também o atual sul de Mato Grosso do Sul.
2
A nomenclatura "Larangeira" deriva de nome familiar, por isso é grafada com a letra "g" no nome de
Thomaz Larangeira, e não com "j" como seria se derivado da fruta. No entanto, optamos pela letra “g”
ao tratarmos da Cia., haja vista que é um nome próprio proveniente de um sobrenome. Porém, muitos
autores não a definem, e também em muitos documentos oficiais da empresa encontramos a palavra
escrita tanto com “g” quanto com “j”.

17
medida em que eles se viam forçados a vender a ela sua produção – uma vez que não
dispunham de meios de transporte e comercialização de sua produção, sendo, portanto
obrigados a depender da estrutura da Companhia Mate.
O assunto rendeu muitos argumentos, e não foi diferente com Queiroz (1999), que
por sua vez, ao tratar da questão do mate, examinando os dados do transporte de erva-mate
pela ferrovia Noroeste do Brasil – NOB, a partir dos anos 1920, sugeriu que esses novos
produtores deviam ter tido, sim, certa possibilidade de comercializar sua produção
independentemente da Companhia – remetendo a erva, por carretas e depois por caminhões,
para estações da estrada de ferro (Aquidauana e Campo Grande), de onde ela seguia para
Porto Esperança e daí para a Argentina.
A partir da década de 1930, a economia ervateira do SMT passou por importantes
mudanças. Por um lado, houve uma diminuição do mercado consumidor, na medida em que
começaram a entrar em produção os ervais plantados na Argentina. Por outro lado, o governo
federal brasileiro começou a pressionar a Companhia Mate.
Desde o início da década, o governo Vargas manifestou preocupação com a
situação das fronteiras sul-mato-grossenses, devido à forte presença de estrangeiros
(sobretudo paraguaios) e devido ao fato de a Companhia Mate Larangeira ser considerada
também uma empresa estrangeira, vinculada a capitais e interesses argentinos. Depois do
golpe do Estado Novo, o contrato de arrendamento da Companhia (que vencia em dezembro
de 1937) não foi renovado pelo governo, que passou, por sua vez, a estimular a produção da
erva-mate por meio de cooperativas de produtores (pequenos e médios) independentes da
empresa.
É certo que o governo Vargas não conseguiu desalojar inteiramente a Companhia.
Mesmo assim, sua atividade foi abalada; as instalações de Guaíra, inclusive a ferrovia de
Guaíra a Porto Mendes, passaram ao controle do governo federal em 1944. Mesmo com o fim
do Estado Novo, e a volta das terras devolutas ao controle do governo estadual, a Companhia
não conseguiu renovar seus antigos arrendamentos. Assim, ao que tudo indica a Companhia
foi se retirando do negócio da erva. Em 1952 ela vendeu a fazenda Campanário, fundada em
1921, e daí para frente, até meados da década de 1960, ela continuou a explorar a erva em
umas poucas propriedades.
Enquanto isso, a julgar pelas informações de Athamaril Saldanha (1986), os
demais produtores, reunidos em cooperativas, passaram por um período de prosperidade – o
qual acabou, bruscamente, a partir da segunda metade da década de 1960, quando a Argentina
definitivamente encerrou suas importações de erva-mate sul-mato-grossense.

18
Segundo as informações de Alvanir de Figueiredo (1968), a indústria ervateira
mato-grossense sofreu sério revés com a concorrência dos ervais plantados na Argentina. As
importações do mercado argentino restringiram-se ao mínimo necessário à formação de
produtos tradicionais, de paladar mais acentuado, proporcionado pelo mate mato-grossense,
chegando à supressão violenta de importação por parte desse país no ano de 1967.
Muitos autores escreveram sobre a erva-mate no SMT (historiadores ou não), mas
nos pautamos principalmente em quatro deles para elaborar a pesquisa, uma vez que
acreditamos serem eles os que mais se aprofundaram no assunto. O primeiro deles foi Virgílio
Corrêa Filho, que escreveu muitos trabalhos envolvendo a atividade ervateira no SMT, dentre
eles o que nos interessou muito foi o que levou o título de À sombra dos hervaes
matogrossenses, de 1925. Este trabalho de Corrêa Filho foi desenvolvido no auge da
economia ervateira, portanto, tinha o autor vivido no período de efervescência do início da
atividade legalizada dos pequenos produtores de erva-mate. Outro ponto relevante foi que
Corrêa Filho foi diretor da Secretaria de Repartição de Terras em Cuiabá, tendo acesso a
diversos documentos, muitos deles citados em vários trabalhos do autor.
O segundo autor, não menos importante, utilizado na pesquisa foi Hélio Serejo,
um dos maiores escritores da literatura sul-mato-grossense envolvendo a erva-mate. Serejo
viveu nos ervais, por isso tinha conhecimento da realidade dos trabalhadores e também dos
meandros do poder envolvendo a atividade. Contemporâneo do período ervateiro da década
de 1940 até 1960, Serejo descreveu as minúcias da vida, bem como as dificuldades
enfrentadas pelos trabalhadores frente às adversidades da economia da erva-mate. Aprendeu
diversas linguagens faladas somente dentro dos ervais, envolvendo os paraguaios e os
indígenas, por isto, se não fossem seus trabalhos, talvez tivessem se perdido através do
esquecimento, e nós, deste período posterior, jamais teríamos conhecido um pouco da vida
cotidiana dos ervateiros.
O terceiro autor, Alvanir de Figueiredo, escreveu sua tese de doutorado em 1968,
com o título A presença geoeconômica da atividade ervateira. Figueiredo, geógrafo,
percorreu toda a extensão dos ervais que cobriam o sul do Brasil e parte dos demais países de
fronteira onde existiam os referidos ervais. Viveu o momento da grande crise que afetou a
indústria ervateira. Seu trabalho se pautou também em descrever as atividades ervateiras
controladas pelo Instituto Nacional do Mate (INM) e pelas cooperativas de mate, no período
de maior apreensão e ebulição a que estavam submetidos os produtores, não só no SMT, mas
ao mesmo tempo nos outros estados do sul do país, ou seja, no momento em que os ervais da
Argentina demonstravam sinais efetivos de grande produção.

19
Por último, apoiamo-nos nos dois trabalhos de Gilmar Arruda, recebendo a
contribuição e o entendimento do que foi a atividade ervateira no SMT. O primeiro deles foi
Heródoto, de 1986, que foi um trabalho vencedor num concurso de monografias sobre a erva-
mate, fazendo parte do livro Ciclo da erva-mate em Mato Grosso do Sul, produzido pelo
Instituto Euvaldo Lodi. O segundo trabalho de Arruda foi o livro Frutos da terra, de 1997
(que é a dissertação de mestrado do autor, defendida em 1989), onde é feita uma análise
sistemática dos trabalhadores ervateiros, principalmente aqueles que trabalhavam direta e
indiretamente para a Mate Larangeira. Acreditamos que os trabalhos de Gilmar Arruda
contemplam os vários períodos que se passaram no desenvolvimento dessa atividade, desde
os primórdios, porque o autor teve a condição de observar e refletir o todo, numa visão mais
ampla, para assim poder fazer os julgamentos necessários, o que não foi possível com os
outros autores.
No entanto, o que se nota, na historiografia atual, é a carência de estudos
dedicados especificamente aos produtores independentes da Companhia. Por isso, nos
lançamos na busca do conhecimento sobre esse tema. Assim, tentaremos identificar melhor
esses produtores independentes, buscando esclarecer quem eram, como produziam e
comercializavam sua produção, como se relacionavam com a Companhia e com o Estado etc.
O trabalho que ora se efetiva é um interesse despertado desde 1995, momento em
que realizávamos a graduação em História e tivemos que elaborar um trabalho referente ao
tema, não especificamente sobre os produtores independentes, mas sobre a Companhia Mate
Larangeira, o que certamente contemplou as necessidades da disciplina naquele momento.
As fontes documentais utilizadas neste trabalho foram arduamente conseguidas
através de pesquisas em vários museus e arquivos. O primeiro deles foi o Arquivo Nacional,
em março de 2002, onde tivemos acesso aos documentos da Companhia Mate Larangeira, os
documentos do INM, da Comissão de Faixa de Fronteiras, e outros que faziam análises dos
problemas da fronteira, e uma vez copiados, utilizamos nessa pesquisa. No mesmo período
pesquisamos na Biblioteca Nacional, mas no curto espaço de tempo que ficamos lá, não foi
possível identificar documentos que pudessem nos satisfazer diante de inúmeros títulos que
existiam e foram pesquisados. Em maio do mesmo ano, estivemos no Archivo Nacional de
Asunción e lá conseguimos material que falava da mobilidade econômica da fronteira
Brasil/Paraguai, no período correspondente ao da nossa pesquisa.
No ano de 2003, fizemos várias viagens com o fito de fazer entrevistas com ex-
produtores de erva-mate. Fomos até Ponta Porã, Iguatemi, Itaquiraí e Paranhos (antigo
Ipehum), e em cada uma dessas cidades, através das entrevistas (em que cada entrevistado

20
indicava outros), tivemos maior noção de como se montar o quebra-cabeça, no qual ainda
estão faltando peças. Somente em Ponta Porã, visitamos o Museu do Mate por três vezes, pois
o proprietário do museu é fonte viva da nossa pesquisa. Fomos até Guaíra, conhecer as antigas
instalações da Companhia, visitamos o museu lá existente, e de lá seguimos numa rodovia
com saída para Umuarama até chegar numa fazenda que até hoje ainda é de propriedade da
Companhia Mate Larangeira. Conversando com o responsável da fazenda, ele nos informou
que em nada podia contribuir, mas em Naviraí estava a sede geral das fazendas e somente lá
poderíamos conseguir algo. Contudo, não nos foi possível ir até essa fazenda.
Estivemos por duas vezes no Arquivo Público de Mato Grosso, em Cuiabá, a
primeira em dezembro de 2003 e depois em março de 2004. Neste arquivo encontramos as
referências de que precisávamos, ou seja, muitas notas de exportação de erva-mate dos
produtores independentes emitidas pela Coletoria Estadual de Ponta Porã, de 1919 até o
período final das exportações. Também encontramos outros documentos importantes e que
estão citados ao longo do nosso trabalho. Na segunda viagem a Cuiabá, em 2004, fomos até o
Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, tendo conseguido lá as exposições da
Companhia, em 1913, esclarecendo os motivos que a fizeram desistir dos pedidos que havia
apresentado, por conta do episódio conhecido como A Questão do Mate em 1912.
Estivemos ainda em 2003 na Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso
do Sul – FIEMS, onde conseguimos um relatório de todas as empresas que trabalham ou
trabalhavam com erva-mate desde final o final da década de 1960 até os dias atuais. Fomos
também à Junta Comercial de Mato Grosso do Sul – JUCEMS, e estivemos verificando
documentos de aberturas de empresas relativas ao comércio de erva-mate, tendo recebido a
maior atenção dos responsáveis por aquele órgão. Por último, em maio de 2004, estivemos
colhendo fontes no Arquivo Público de Mato Grosso do Sul, e observamos que lá se
encontram muitos documentos sobre a Companhia Mate Larangeira, doados por Fernando
Jorge Mendes Gonçalves, filho de um dos antigos donos da empresa. As marcas originais das
embalagens de erva-mate da Companhia, que se encontram nos anexos deste trabalho, são
partes daquele acervo.
Enfim, se não conseguimos, com esta dissertação, atingir todos os objetivos
esperados, que pudessem contemplar os anseios dos leitores, foi devido aos percalços
encontrados no andamento dos trabalhos. Entretanto, entendemos os obstáculos como sendo
trampolins para que alcancemos um patamar superior, de conhecimento, de maturação, que
nos faz refletir se estamos no caminho correto, para alcançarmos o êxito a que nos
propusemos.

21
O trabalho, dividido em três capítulos, visa atender às orientações do Programa de
Mestrado. O primeiro capítulo propõe uma análise historiográfica do início da atividade
ervateira no estado, suas imbricações no contexto político e econômico, bem como a fase de
surgimento e atuação da Companhia Mate Larangeira e suas relações de trabalho e domínio.
O segundo capítulo tratará do objeto propriamente dito, no caso, o início das
atividades dos produtores independentes de erva-mate no sul de Mato Grosso e suas
implicações com a Mate Larangeira, com o Estado, com diversos atores, enfim, entre 1870 e
1937.
No terceiro capítulo serão observadas as lutas e resistências deste grupo de
produtores de erva-mate, assim como o comércio frente às imposições e oscilações do
mercado consumidor, que dará um basta na aquisição da erva-mate na segunda metade da
década de 1960. Neste sentido, o terceiro capítulo tratará das relações econômicas existentes
entre os diversos setores que estavam engajados no fabrico da erva-mate, das análises do
governo sobre os problemas da fronteira, as pressões sobre a Mate Larangeira, assim como a
criação do INM e das cooperativas de mate como apoio aos produtores independentes. Dessa
forma, o terceiro capítulo tratará do fortalecimento dos produtores independentes e o declínio
da economia ervateira de 1937 a fins da década de 1960.

22
CAPÍTULO I

OS ERVAIS DO SUL DE MATO GROSSO E A ATUAÇÃO DA MATE


LARANGEIRA

1.1 – Localização dos ervais e origens do consumo

A erva mate é conhecida cientificamente como Ilex Paraguariensis ou Ilex


Paraguaiensis, mas pode ser entendida também como Ilex Matogrossensis, expressão usada
por alguns pesquisadores, uma vez que os melhores ervais estariam dentro do então sul de
Mato Grosso, o que delegaria a este a honra de dar o nome à erva-mate.
O uso da erva-mate já era praticado pelos nativos quando aqui chegaram os
conquistadores europeus. A erva era usada como estimulante, fonte de alimento ou cura a
várias doenças. Nas análises do pesquisador Moreau De Tours, a erva-mate é estimulante, em
particular das funções da inteligência e da motilidade (CORRÊA FILHO, 1925, p. 7, 9). A
mesma informação pode ser encontrada em Hélio Serejo, que cita as pesquisas de outro
cientista, francês, o Dr. Shunk de Goldelin, em que o mesmo demonstra que o mate, além de
estimulante dos músculos e dos nervos, também o é do cérebro, facilita a digestão sem afetar
o coração nem perturbar o sono, auxiliando o bom funcionamento do intestino e dos rins.
Concordando com as pesquisas dos cientistas, Serejo conclui:

Essa variedade arbórea [...] possuía inegavelmente, inúmeras propriedades,


tais como: descanso total para os músculos, atenuadora da fome, rica em
alcalóides, diurética, levantadora das forças alquebradas e... até poder

23
afrodisíaco. [...] Contendo a erva mate cálcio, magnésio, sódio, potássio e
partículas de ferro, é fácil de se compreender o valor nutritivo do
chimarrão, hoje, de uso quase que generalizado na América do Sul
(SEREJO, 1986, p. 30, 31).

A história econômica do mate é contada desde os primeiros tempos da chegada


dos conquistadores europeus na América. Temístocles Linhares (1960, p. 7), ao analisar a
história econômica do mate, situa com muita propriedade esta questão. Segundo ele, os
primórdios da atividade ervateira ocorreram no tempo em que o General Irala e seus soldados
não mediram esforços para fazer do Paraguai a colônia mais florescente da Espanha, na
medida em que expandissem seus limites. A partir de 1554, os soldados de Irala, dirigindo-se
ao Leste, alcançaram, na bacia do Paraná, as terras do Guairá, onde cerca de trezentos mil
guairenhos o receberam de braços abertos, com demonstração de grande hospitalidade. Os
conquistadores ficaram perplexos com o aspecto dos guairenhos, pois estes eram mais fortes
que os Guarani das margens do Rio Paraguai. Ainda cabiam a estes indígenas os adjetivos de
dóceis e alegres, pois eram dotados de hábitos incomuns que não existiam em outras tribos.
Assim, os soldados de Irala logo perceberam que havia o uso generalizado da
bebida feita de folhas fragmentadas ou trituradas, tomada numa cuia por meio de um canudo
de taquara. O mate era a bebida, ali denominada de caá-i (água de erva), que dava inspiração
e proteção à tribo. Os soldados compreenderam que o uso do mate, planta disseminada em
abundância pelas selvas da região, causava estímulos excitantes no corpo e no espírito
daqueles silvícolas. Do mesmo modo, os soldados passaram a experimentar e saborear o gosto
do mate. O resultado foi além das expectativas e o hábito da bebida ganhou incremento nos
costumes dos europeus, de maneira que o comércio se fez logo, através do contrabando para o
estuário do Prata, ainda no século XVI.3
A árvore do mate é conhecida como vegetal nativo, e sua área de abrangência
estende-se pelo sul do Brasil, norte da Argentina e Uruguai e leste do Paraguai (cf. Mapa 1).
No Brasil, os ervais estendiam-se nos estados de Mato Grosso (mais precisamente no antigo
sul de Mato Grosso), Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

3
LINHARES, Temístocles (1969, p. 8, 9). Linhares complementa dizendo que, em Assunção, Irala e
seus soldados difundiram o uso do mate, sendo que sua introdução nos lares coloniais tornou-se, em
pouco tempo, um negócio rendoso da maior importância no conjunto de relações econômicas.

24
MAPA 1

ÁREA DE OCORRÊNCIA DA ERVA-MATE

GOIÁS
MATO GROSSO DO SUL MINAS GERAIS

Campo Grande

Aquidauana Três Lagoas


SÃO PAULO
Bela Vista Dourados Presidente Epitácio
Presidente Prudente
Ponta Porã
Amambai São Paulo
Concepción PARANÁ
Guaíra
PARAGUAI
Foz do Iguaçú Curitiba
Assunción

SANTA CATARINA
Corrientes Posadas
Florianópolis

ARGENTINA S.Luiz Gonzaga


S.Borja

RIO GRANDE DO SUL Porto Alegre

URUGUAI

0 10 0 20 0 30 0 Km Erva-mate
FONTE: FIGUEIRED O (1968, p.83)
Org .: Laércio Cardoso d e Jesu s

25
Os ervais nativos da região sul de Mato Grosso apareciam de forma descontínua
desde a foz do rio Pardo no rio Paraná, por este até Sete Quedas, daí percorrendo a linha da
fronteira com o Paraguai até Ponta Porã e, pela Serra de Maracaju, até os limites atuais do
município de Sidrolândia, e daí pelo rio Pardo até o rio Paraná, isto se considerarmos a
fronteira política, pois os ervais estendiam-se pelo Paraguai por uma vasta área. Para Gilmar
Arruda, o conceito de fronteiras é muito fluido na região descrita (ARRUDA, 1997, p. 30).
A planta do mate tem um melhor desenvolvimento em altitudes acima de 400
metros em relação ao nível do mar, e esta região especificada apresenta tais características,
isto porque está compreendida a sua maior parte na confluência dos rios Paraguai e Paraná.
O uso da erva por diversas tribos nem sempre tornava os indígenas passivos e
hospitaleiros à presença de estranhos. O que se nota é que muitos grupos indígenas eram
hostis ao invasor, e esta hostilidade por vezes estava condicionada ao uso da erva-mate.
Hélio Serejo (1986, p. 30) deixa claro que o uso dessa folha tornava o índio,
considerado o dono das florestas, de espírito altamente belicoso, razão pela qual houve, em
princípio, a condenação de seu uso também pelos jesuítas. Contudo, logo estes perceberam
que as folhas da erva-mate, além de serem úteis ao homem, pois o tornavam mais resistente,
também poderiam incrementar e favorecer um comércio altamente lucrativo.
Assim, o plantio foi ensaiado pela primeira vez pelos próprios jesuítas
missioneiros do Guairá. A grande dificuldade residia na existência da dura casca das
sementes, que impedia sua germinação após a semeadura. Os jesuítas observaram os pássaros,
que, ao ingerirem as sementes, tornavam-nas mais vulneráveis quando as dejetavam. Ao que
se pensa, os padres faziam os indígenas engolir os frutos, imitando o papel das aves. Desta
forma, estes saíam espalhando seus dejetos juntos com as sementes prontas para a germinação
(FIGUEIREDO, 1967, p. 110).4
Pelas análises documentais, podemos afirmar que já a partir de 1833 o governo
regencial brasileiro decretou uma legislação florestal que recomendava a cultura da erva-mate
nas províncias do sul do Império. De acordo com a legislação, havia uma preocupação por
parte do governo imperial de se melhorar e aperfeiçoar este ramo da agricultura, indústria e

4
Sobre esse assunto ver também Virgílio Corrêa Filho, À sombra dos hervaes matogrossenses. 1925,
p. 8, 9.

26
comércio, bem como obter instruções acerca do preparo e fabrico para serem postas em
prática e poder assim, com pouca dificuldade, beneficiar esse importante ramo de comércio.5
A partir de 1850, os ervais mencionados necessitaram de regulamentação, por isso
o governo imperial procurou criar leis referentes ao desenvolvimento da economia ervateira.
As leis eram em função de punir, com multas, os infratores que comercializavam o chamado
mate viciado.6 Em 1873, o Império criou a Lei n° 349, que estabelecia o valor da multa em
dobro para quem tornasse o mate viciado.
No início da segunda metade do século XIX, era o Paraguai quem exportava erva-
mate para o Brasil. Conforme nos relata Athamaril Saldanha (1986, p. 454), grande parte da
produção paraguaia foi comercializada com comerciantes do Rio Grande do Sul. O Paraguai
recebia, como pagamento, armas e munições, que, segundo ele, eram provavelmente saldos da
Guerra dos Farrapos.
A Tabela 1 demonstra o volume da importação realizada pelo Rio Grande do Sul
durante a década de 1850.

TABELA 1

EXPORTAÇÃO DE ERVA-MATE DO PARAGUAI PARA O RIO GRANDE DO SUL


ENTRE 1856 E 1860

Ano Quantidade em kg
1856 985.000
1857 1.000.000
1860 2.000.000

Fonte: SALDANHA, 1986, p. 454.

5
Lei no 469, de 23 de Agosto de 1833. Legislação Florestal – (Legislação sobre o Mate de 1833 a
1935. Livro 100.13.861 de 1935 p. 02) Instituto Nacional do Mate – INM. Arquivo Nacional - Rio de
Janeiro.
6
Tipo de mate que continha impurezas ou outros tipos de ervas diferentes, misturadas à erva
oferecida pelo produtor.

27
Saldanha deixa transparecer que estas armas foram utilizadas para fortalecer os
exércitos paraguaios, de modo que, sem constrangimento nenhum, as armas foram utilizadas
na Guerra do Paraguai contra o Brasil na década seguinte.
Ao que tudo indica, o governo Imperial agiu prontamente contra esse comércio
ilícito, decretando o Aditamento nº 2, de 20 de maio de 1861, que concedia gratuitamente
para a exploração, as áreas de ervais nas terras devolutas da província do Rio Grande do Sul.
Este aditamento dava ciência da seguinte forma:

Foi presente a sua Majestade o Imperador o requerimento da Assembléia


Legislativa dessa Província, solicitando do Governo Imperial autorização,
para que sejão gratuitamente concedidas por distribuição aos actuais
cultores de herva mate, nos termos do art. 1o da Lei no 01 de 18 de Setembro
de 1850 as mattas da Nação na zona de 10 léguas da fronteira da mesma
província, onde existem abundantes hervaes...7

Sabemos que estas leis e resoluções não foram suficientes para a implementação
de um modo mais racional na exploração da erva-mate, mas com certeza incentivaram muitos
produtores de outros estados a fazerem da erva-mate a sua fonte de comércio e rendas.

1.2 – A presença da Companhia Mate Larangeira

A importância sócio-econômica e política do sul de Mato Grosso acentua-se, a


partir da primeira metade do século XIX, na medida em que ocorre a sistematização da
criação do gado, a posse da terra e a formação de vilas e de cidades; mais tarde,
concomitantemente a esses fatores, ocorre, entre fins do século XIX e inícios do XX, a
instalação da Companhia Mate Larangeira e logo depois a ligação ferroviária pela Estrada de
Ferro Noroeste do Brasil (NOB) entre o Sul de Mato Grosso e São Paulo, fortalecendo
também, econômica e politicamente, alguns dos grandes proprietários rurais da região.

7
Additamento no 2 - Agricultura, Commercio e Obras Públicas, - em 20 de maio de 1861. (Legislação
sobre o Mate de 1833 a 1935) Instituto Nacional do Mate – INM. Arquivo Nacional - Rio de Janeiro.

28
Conforme indica Fabrini (1995), nos primeiros anos de República a política
fundiária passou para a competência dos estados, o que significou transferência de poder às
oligarquias regionais, que passaram a decidir “sobre a sua propriedade dentro do domínio
estadual, monopolizando a sua posse e colocando em prática a política de concentração,
quando ocorre a transferência das terras devolutas do Estado através da venda e arrendamento
a grandes fazendeiros e empresas capitalistas que atuam neste setor” (FABRINI, 1995, p. 2,
apud ALBANEZ, 2003, p. 30; grifos nossos).

1.2.1 – Origem e transformação da empresa

A formação da Mate Larangeira teve início no período após a Guerra do Paraguai


(1864-1870), quando o governo imperial resolveu demarcar definitivamente as fronteiras com
a república paraguaia. Assim, em 1872 forma-se uma comissão encarregada de demarcar os
limites entre Brasil e Paraguai.
Nessa comissão, destacou-se Thomaz Larangeira, natural de Santa Catarina,
porém oriundo de Santa Maria, Rio Grande do Sul, onde atuava como comerciante. Ao andar
pela fronteira junto com a Comissão, fornecendo-lhe víveres, Larangeira observou, nas bacias
hidrográficas dos rios Iguatemi e Amambai, grandes ervais nativos. Os trabalhos
demarcatórios terminaram em 1874. No mesmo ano, Larangeira fundou uma fazenda de gado
no Mato Grosso e logo depois entrou no negócio do mate, ainda no Paraguai, pensando em
expandir para o Brasil logo que conseguisse terra (SEREJO, 1986, p. 90, 91).
Assim, a partir de 1877, Larangeira passou a explorar a erva-mate do SMT, na
clandestinidade, porém, seu negócio tornou-se um empreendimento rendoso a partir de 1878,
em Concepción, no Paraguai, quando deu início oficialmente aos trabalhos ervateiros,
inclusive com contratos assinados para esse fim. A dificuldade de Larangeira era evidenciada
pelas duras refregas contra os indígenas habitantes da região, principalmente pelos que
estavam na faixa dos rios Iguatemi e Pardo, local onde se encontravam os melhores ervais, e
também porque ainda não tinha a legalização da exploração no SMT (Idem, p. 107-109).
O porto de Concepción, no Paraguai, se as análises permitem-nos deduzir, foi
escolhido estrategicamente a fim de implantar a elaboração de erva-mate, pelo fato de ser

29
próximo aos ervais de Mato Grosso, bem como pela facilidade de escoamento da produção
pelo Rio Paraguai, para o mercado de destino (a região platina).
Não tardou e, logo se aproveitando de seus contatos políticos, Larangeira solicitou
a concessão da exploração dos ervais nativos da província de Mato Grosso. O objetivo era
legalizar a atividade extrativa, uma vez que já vinha realizando o trabalho antes, sem a devida
legalização. Em dezembro de 1882 o Governo Imperial concedeu a Thomaz Larangeira o
direito de explorar as terras devolutas pertencentes ao Império, com os ervais situados no cone
sul de Mato Grosso, nos limites dessa província com o Paraguai.
O que nos parece evidente é que, enquanto aos membros da Comissão de Limites
cabia devassar os sertões e demarcar as fronteiras, para tão logo voltar aos seus locais de
origem, Thomaz Larangeira examinava-os sempre procurando conhecer as possibilidades
econômicas da região para futuramente explorá-las.
Em uma carta de 24 de dezembro de 1879, Thomaz Larangeira comenta o fato de
ter encontrado ervais no sul de Mato Grosso a Enéas Galvão (Barão de Maracajú), então chefe
da Comissão demarcatória, da seguinte maneira:

“No anno de 74 povoei cerca de Dourados e immediações do Estrella uma


fazenda de criar", e, logo depois, “no anno de 77 encetei aqui no Paraguay o
trabalho de herva matte, pensando sempre em passar-me para o meu Paiz,
logo que se me concedessem hervaes” (LARANGEIRA, apud CORRÊA
FILHO, 1925, p. 15).

Assim, fica claro por esta carta que Thomaz Larangeira já produzia a erva-mate
no Paraguai antes da concessão, e viu a possibilidade de se transferir para o território
brasileiro na medida em que isso fizesse parte dos interesses do governo brasileiro.
A concessão correspondia a uma área de 10.000 hectares e foi editada pelo
decreto no 8799, de 9 de dezembro de 1882, conforme citação a seguir:

É concedida a Thomaz Laranjeira permissão por 10 annos para colher mate


nos hervaes existentes nos limites da Província de Matto Grosso com a
Republica do Paraguay, no perímetro comprehendido pelos morros do
Rincão e as cabeceiras do Iguatemy, ou entre os rios Amambay e Verde, e
pela linha que desses pontos for levada para o interior, na extensão de 40
kilometros.8

8
Decreto n° 8799 de 9 de Dezembro de 1882. (Legislação Sobre o Mate de 1833 a 1935. p. 13)
Instituto Nacional do Mate – INM. Arquivo Nacional - Rio de Janeiro.

30
Gilmar Arruda (1997) fala que Thomaz Larangeira, através destas concessões no
Sul de Mato Grosso, passou a explorar a erva economicamente. Apesar de ser o primeiro
concessionário legal, Larangeira não era o único a explorar os ervais daquela região. O
decreto de 1882 preservava o direito dos moradores que viviam da elaboração da erva na área
da concessão. A extração da erva-mate por outras pessoas, no SMT, mesmo antes do referido
decreto, era mencionada pelo presidente da província do Paraná, que se mostrava preocupado
com a concorrência desleal feita à erva paranaense no mercado argentino.
Entretanto, a legalização da atividade de Larangeira permitiu afastar seus
concorrentes no SMT, uma vez que não possuíam a lei ao seu lado. Tornou-se difícil a
possibilidade legal de concorrência ou de que estranhos se instalassem no espaço de interesse
ou domínio desta empresa ervateira (Arruda, 1997). Contudo, isso não significa que estas
pessoas desistiram de lutar para ocupar também os espaços ervateiros.
O que parece evidente é que houve um acirramento dos ânimos e um conflito de
interesses, sendo que desses conflitos dependia o estabelecimento econômico dos segmentos
envolvidos. Economicamente, era muito interessante, para o presidente da Província de Mato
Grosso, conceder a exploração dos ervais do sul, haja vista que muita coisa girava em torno
da especulação e do interesse. No relatório apresentado pelo vice-presidente da Província à
Assembléia Legislativa, em 1887, era patente a preocupação em garantir receita aos cofres do
Estado através dessa indústria extrativa.

A colheita e elaboração da herva-mate em Amambahy e Maracajú tem-se


desenvolvido, e constituído uma das maiores fontes de receita da Província
(FERREIRA, 1887).

Mesmo antes de se esgotar o prazo de concessão, Larangeira conseguiu novo


contrato, através do decreto n° 9692, de 31 de maio de 1886, prorrogando o prazo por mais 5
anos.
Ao tudo indica, a influência de Larangeira passou do Império para a República,
pois ele se tornou amigo pessoal de Joaquim Murtinho (médico particular do presidente da
República, Deodoro da Fonseca) e de Antônio Maria Coelho, primeiro presidente do Estado
de Mato Grosso.
O negócio do mate era rendoso, porém oscilante. Assim, segundo Bianchini,
Thomaz Larangeira se viu na necessidade de ter sócios que injetassem dinheiro no ramo.
Entre os anos de 1882 e 1890, a razão social da grande empresa de erva-mate levava o nome

31
do próprio concessionário, que foi Thomaz Larangeira, seu fundador e único dono. No início
da década de 1890, segundo a mesma autora, Larangeira propôs sociedade ao Banco Rio e
Mato Grosso, presidido por Joaquim Murtinho. O Banco aceitou, mas exigiu a transferência
da concessão. Acontece que o decreto de concessão proibia transferências. Para driblar a
exigência foi organizada uma nova companhia, tendo como sócios o Banco, o próprio
Thomaz Larangeira, Joaquim Murtinho (médico de Deodoro e também sócio do banco),
Francisco Murtinho (seu irmão), além de alguns empregados da Companhia com parcelas
irrisórias (BIANCHINI, 2000).9 Dos novos sócios vem o nome de Companhia Mate
Larangeira – CML, autorizada a funcionar pelo decreto nº 436, de 1891.
O lugar de embarque dos fardos de mate foi na fazenda Três Barras, onde
construíram um porto à margem esquerda do Rio Paraguai, chamado de Porto Murtinho em
homenagem ao sócio, muito importante, pois tornara-se o Ministro da Fazenda do governo
Campos Salles.10
Mais tarde, com a falência do Banco Rio e Mato Grosso, a Cia. mudou de nome.
Assim, a partir de 1902, a empresa passou a se chamar Larangeira, Mendes & Cia - LMC,
com participação ativa da família Murtinho, mas, tendo esta firma, através de seu novo sócio
Francisco Mendes Gonçalves, adquirido todos os bens pertencentes à Companhia Mate
Larangeira. Francisco Mendes Gonçalves já atuava na Argentina, no mesmo ramo, sendo o
principal comprador e exportador da erva-mate do sul de Mato Grosso naquele período.11
A importância da erva-mate para a economia estadual é atestada pela preocupação
do governo com a arrecadação dos respectivos impostos. De fato, no relatório apresentado
pelo presidente do Estado Antonio Corrêa da Costa à Assembléia, em 1896, há referência à
criação de uma guarda fiscal, a fim de policiar as áreas ervateiras do SMT:

Foi expedido [em 1895] o Dec. nº 66 regulamentando a exploração de


herva-mate e dando instruções que, observadas, garantirão a conservação
d’aquella nossa rica fonte de receita. Cumpre entretanto que as autoridades
9
A fonte destes dados é o livro de Corrêa Filho – À sombra dos hervaes matogrossenses (1925),
porém utilizamos o trabalho de Odaléa Bianchini (2000) por estar numa linguagem bem simples e de
fácil compreensão dos leitores.
10
Serejo (1986, p. 48) fez um comentário sobre Joaquim Murtinho, atribuindo a ele grande parte do
povoamento de Mato Grosso do Sul.
11
Para facilitar a compreensão dos leitores, neste trabalho nos referiremos a essa empresa sempre
como Mate Larangeira, englobando portanto, com esse nome, os vários períodos e denominações da
empresa. O que poderá discernir entre um período e outro, com certeza, será o contexto e as datas a
que nos referirmos.

32
policiaes estejam armadas de meios mais promptos para reprimir o abuso
com que, de certo tempo a esta parte, attentam os inimigos do bem público
contra as nossas riquezas naturais, incendiando e deixando consumir-se e
estancar pelo fogo essa fonte que tanto tem concorrido para avolumar a
nossa receita.12

No ano seguinte, ou seja, 1897, o mesmo presidente apresentou a Assembléia um


quadro demonstrativo da representação significativa da receita da erva-mate face aos demais
produtos que contribuíam para engrossar as rendas do Estado. Os dados da Tabela 2, a
seguir, mostram o peso que a erva-mate tinha na economia estadual naquele período, sendo
ela a primeira fonte de recursos em volume, a dar sustentação econômica ao Estado.

TABELA 2

RECEITAS ARRECADADAS PELO ESTADO DE MATO GROSSO COM O


IMPOSTO DE EXPORTAÇÃO – 1896

Produtos de exportação Arrecadação (em mil réis)


Erva-mate 250:000$000
Gado 41:000$000
Couro, pele e sola 39:986$000
Borracha 39:137$000
Ipecacuanha 22:018$000
Lingüiça seca, carne salgada e caldos 20:284$000
Fonte: COSTA, Antonio Corrêa da. Mensagem da 2ª Sessão Ordinária Aberta Apresentada à
Assembléia em 1º de fevereiro de 1897. (wwwcrl.uchicago.edu/collections/braziliangovernment).

A partir do início do século XX, a economia ervateira perdeu o 1º lugar na fonte de


rendas para a borracha em Mato Grosso. O 1º vice-presidente em exercício do Estado, Pedro
Celestino Corrêa da Costa, fez seu pronunciamento no Poder Legislativo, atentando para a
forma como vinha sendo tratada a economia ervateira no SMT, principalmente no que tange
12
COSTA, Antonio Corrêa da. Mensagem apresentada a Assembléia Legislativa em 1º de fevereiro de
1896. Cuyaba, Typographia do Estado, 1896.

33
ao favorecimento da Cia. Mate Larangeira nos impostos de arrendamentos, como também a
elaboração clandestina por terceiros.

Esta importante fonte da nossa receita conserva-se estacionária, sem que o


governo tenha podido conhecer com exactidão, até hoje, a quantidade de
herva produzida e exportada annualmente, apezar de esforçada tentativa
nesse sentido. A causa principal de tão prejudicial anomalia penso ser a
pratica seguida da arrematação, em hasta pública, dos respectivos impostos,
pela Empreza que monopolisa essa indústria, e que não dispõe de meios
para evitar a elaboração clandestina de hervas que são em grande parte
contrabandeadas por diversos pontos das nossas dilatadas fronteiras com o
Paraguay, de sorte que os algarismos por ella fornecidos ao Thesouro não
representam nem a quantidade approximada da exportação.13

No início da terceira década do século XX, a economia ervateira obteve uma maior
motivação, face ao consumo que se fazia sentir e permitia aos produtores o fôlego que antes
não tiveram. Pedro Celestino, presidente do Estado em 1923, na sua mensagem à Assembléia
afirmava que, depois da borracha, era a erva-mate a maior contribuinte da receita, prevendo
ele, de antemão, que a erva-mate ocuparia dentro em breve o primeiro lugar na fonte de
riqueza do Estado.

Estacionária até bem pouco tempo, novo surto de prosperidade se accentúa


por parte da Empresa Matte Laranjeira, que quase monopolizava a
exploração, quer pela dos pequenos industriaes que têm adquirido por
compra ao Estado innumeras glebas de pequenos hervaes, todos
estimulados por preços compensadores nos mercados de consumo, que se
dilatam da Argentina e do Chile para a Europa e Norte América, mercados
estes em que a procura da herva matte será cada vez maior, como bebida
destinada a substituir o álcool e o chá, por seu sabor e seus efeitos salutares
sobre o organismo humano.14

13
COSTA, Pedro Celestino Corrêa da. 1º Vice-Presidente do Estado de Mato Grosso. Mensagem
apresentada na 2ª Sessão da 8ª Legislatura da Assembléia 13 de maio de 1910. p. 14.
(wwwcrl.uchicago.edu/collections/braziliangovernment).
14
COSTA, Pedro Celestino Corrêa da. Presidente do Estado de Mato Grosso. Mensagem apresentada
à Assembléia 21 de maio de 1923. p. 3. (wwwcrl.uchicago.edu/collections/braziliangovernment).

34
1.2.2 – Estrutura e funcionamento da empresa

A Mate Larangeira, a partir da sociedade entre os irmãos Murtinho e Francisco


Mendes Gonçalves, em 1902, se expandiu quase sem concorrentes. Além da enorme
quantidade de terras, possuiu prédios, oficinas, carpintarias, serrarias e uma ferrovia de 22 km
de extensão, na região onde é hoje o município de Porto Murtinho.
Em 1924, o General Malan D’Angrogne percorreu as áreas dos ervais e fez um
relato da maneira como a Mate Larangeira havia feito o transporte da erva-mate de Ponta Porã
até o porto de embarque em Porto Murtinho, isto é, no momento em que a Cia. exportava a
erva-mate ainda via rio Paraguai com destino à Argentina.

O mate acondicionado em sacos (bolsas) era transportado em carretas por


trajetos ultrapassando 60 léguas, mas os veículos primitivos não podiam
vencer o trecho alagadiço, onde mesmo na seca, permanecem corixos,
valos, no terreno inconsistente, formando, embora diminuto o trânsito,
sumidouros e atoleiros de perigosa travessia. Era pelo Porto Murtinho que
se fazia toda a exportação de “Mate Laranjeira”; e a Companhia assegurava,
em seu proveito direto, a conservação da longa estrada carreteira que do
Patrimônio Caiuás, rumava Cabeceira do Apa, pelo divisor Dourados, Santa
Maria, descia a serra da limeira e, buscando o apartador das águas do Apa e
do Miranda, cruzava por Margarida – forte estância da Emprêsa e se
destinava à ferrovia S. Roque – Porto Murtinho (D’ANGROGNE, 1924,
apud CORRÊA FILHO, 1957, p. 72).

Tão logo os ervais mais densos tornaram-se mais distantes do porto construído na
fazenda Três Barras para o embarque da erva-mate, a Mate Larangeira procurou um lugar
mais ao sul, em Guaíra, às margens do Rio Paraná, para facilitar a exportação. O motivo
principal da mudança da bacia hidrográfica do rio Paraguai para a do rio Paraná, estava em
que, a erva-mate transportada de Ponta Porã até às margens do rio Paraguai, numa distância
aproximada de 360 quilômetros, acarretava enormes dispêndios para a Mate Larangeira, com
a manutenção de centenas de carretas, oficinas, pessoal e imensa tropa de bois, destinadas
para as viagens.
A necessidade de explorar os ervais mais próximos do rio Paraná, em substituição
daqueles cujo rendimento diminuíra assustadoramente, forçou a Mate Larangeira a apresentar
uma petição ao presidente do Estado, Pedro Celestino Corrêa da Costa, em 1909, que
publicou o decreto nº 232, cujo artigo 1º estipulou:

35
Fica concedida à Empresa Mate Laranjeira, de Laranjeira, Mendes e C.,
permissão para abrir um porto na foz do rio Iguatemi, no Alto Paraná, por
onde possa a dita empresa exportar os produtos dos ervais situados nas
proximidades do segundo desses rios, visto não poder, ela, como expôs em
sua petição, exportar esses produtos pelas estações fiscais de Porto
Murtinho e Ipeum, em razão da enorme distância que medeia entre estas e
os referidos ervais (CORRÊA FILHO, 1957, p. 72).

Dessa forma, a mudança do roteiro de exportação favoreceu grandemente a Mate


Larangeira, uma vez que os ervais estavam muito próximos do porto de exportação. Rubens
Aquino demonstra que a nova região destinada à Mate Larangeira viria a ser mais rentável, na
medida em que se utilizavam os rios como meios de escoamento da erva-mate.

Buscando a administração da Companhia outra via para a exportação do


produto, que fosse mais econômica, organizou a administração de Nhú-
Verá, sob a direção de Raul Mendes Gonçalves, e passou a transportar a
erva-mate em chatas, pelos canais navegáveis dos rios Amambai, Iguatemi,
Dourados, Brilhante e Ivinhema, que deságuam no Paraná. A erva era assim
levada a Guaíra, situada em frente ao mercado da Argentina. [...] Nessa fase
da sua administração, a Companhia fez construir rodovias, amplas
carreteiras nas matas, para dar acesso aos portos; construiu pontes de
madeiras para travessia dos rios, redes telefônicas [...] Em 1921, foi
inaugurada a administração de Campanário [...] foi edificada uma vila com
habitações higiênicas para todos os empregados. Foi construído o grupo
escolar, hospital, hotel, armazém, farmácia, jardim, campos esportivos. A
cidade foi dotada de telefone, luz elétrica, enfim, de todo conforto moderno
(AQUINO, 1986, p. 340).

Na opinião de Hélio Serejo (1986, p. 86), Guaíra se transformava em um centro


cosmopolita, tudo girando em torno da erva. Nada mais do que a erva a regular a
movimentação turística, com passageiros de todas as nacionalidades. Havia uma população
onde se falava uma infinidade de idiomas.
As estruturas de cidade, que tinham Campanário e Guaíra, causavam encanto
àqueles que por ali passavam, principalmente aos viajantes. Um deles foi Cezar Martinez
Prieto, o qual relatou que Campanário e Guaíra foram instituídas pela própria Mate
Larangeira como centros urbanos. Segundo Prieto, Guaíra era a maior cidade pertencente a
uma empresa, a maior e a mais completa, pois nada lhe faltava, nem mesmo um código de
posturas e um serviço de policiamento que proporcionassem asseio e ordem (apud GUILLEN,
2003, p.102).

36
Isabel Guillen colheu dados que possibilitaram dizer que Campanário e Guaíra
tinham tudo o que uma cidade deveria ter, isto é, foram planejadas para aparentarem-se
espaços citadinos. Tinha: água encanada, esgoto, luz elétrica, boas casas, além dos edifícios
da administração, padaria açougue e matadouro, curtume, hospital, escola, farmácia,
cemitério, hotel ou hospedaria, um cassino e um cinema em Campanário, quadras de esportes
e pistas de equitação. A Mate Larangeira também mantinha um grupo de chacareiros
encarregados da produção de verduras e legumes. Com a estrutura que tanto Campanário e
Guaíra tinham, evidencia-se que foram construídas visando à racionalização da produção
ervateira como um todo integrado e orgânico. Eram centros para os quais convergia a
produção (GUILLEN, 2003, p. 103, 108).
Assim, a Mate Larangeira era apresentada como um exemplo a ser seguido por
outras empresas, por ter edificado Guaíra e Campanário, empreendimentos que colocavam o
sertão nos trilhos da história, que, a partir da construção das cidades, passava a ter um novo
princípio. É nesse discurso que se constrói a imagem da cidade incrustada no sertão, uma vez
que está na base desse discurso a contraposição entre cidade, signo da modernidade, e sertão,
sinônimo de atraso. Entretanto, Guillen enfatiza que Campanário e Guaíra possuíam os
recursos que pudessem caracterizá-las como cidades, exceto o essencial, isto é, o espaço
público, destinado às manifestações públicas.

Ainda que tivessem traçado urbanístico não poderiam ser consideradas


como cidades, pois não eram constituídas de cidadãos que fizessem daquele
âmbito o seu lugar de manifestação em que transitassem livremente, pois
em Campanário e Guaíra não havia espaço propriamente público. A
autoridade era exercida pelos funcionários da Companhia, e as regras do
bem viver, do trabalho ao lazer, eram por eles determinadas (Idem. p. 105).

Dentre os empreendimentos que muitos consideravam cidade, Guillen (2003)


informa que Campanário foi a preferida pela Mate Larangeira, para fazer a propaganda de sua
atuação na região ervateira, onde a cidade Campanário era definida como um monumento ao
progresso e à civilização que a Companhia havia implantado no sertão de Mato Grosso.
O resultado de todo esse esplendor de Campanário não se concretizou em cidade
nas décadas seguintes a 1950. Por outro lado, a autonomia dada a Guaíra viria fazer da
mesma, uma cidade de fato, enquanto isso, Campanário arrefeceu e até hoje existe como sede
de fazenda-empresa.

37
1.2.3 – Arrendamentos

O crescimento da Empresa em menos de uma década foi muito grande, de modo


que a área de exploração ervateira, através do Decreto nº 436, de 4 de julho de 1891, atingiu
cerca de 1.500.000 hectares. O mesmo decreto, instituído por Deodoro da Fonseca, autorizou
o funcionamento da Companhia Mate Larangeira e aprovou seus estatutos. A criação da Cia.
veio reforçar o Decreto 520, de 1890, referente à concessão de exploração dos ervais.15
No Mapa 2 é possível observar todas as áreas das concessões referentes às
resoluções n° 8799, de 9 de dezembro de 1882, a nº 520, de 23 de junho de 1890 (que
englobava a anterior, de 1882), e a Resolução nº 26, de 1892. Deve-se considerar que em 13
de julho de 1894 foi editada nova Resolução, com o nº 76, em favor da Mate Larangeira. Esta
lei foi na verdade uma ratificação das anteriores, juntando numa única lei as áreas concedidas
para a exploração. Em 1895 foi editada nova resolução que abrangia a área entre os rios
Brilhante e Dourados, somando-se as demais resoluções. Sobre esta resolução trataremos
adiante.
Consta no trabalho de Corrêa Filho, quando ele trata dos arrendamentos, que, em
2 de agosto de 1894, a Companhia Mate Larangeira assinara um contrato, moldado na
Resolução legislativa nº 76, de 1894, pelo qual todos os ervais do Estado, compreendidos
entre o rio Ivinhema, o rio Paraná, a fronteira com o Paraguai e a Serra de Maracaju, seriam
arrendados a ela, num total de 1.600 léguas, até o ano de 1916. Assim, Corrêa Filho comenta:

Autorizada a exportar por Ipeun, no extremo sul da divisória, e Porto


Murtinho, a empresa pagaria apenas 800 réis por arroba de erva, com a
condição, porém, de produzir mais de 3.750.000 quilos, anualmente.
Garantidos os seus privilégios até julho de 1916, e sobranceira, nesse prazo,
a qualquer concorrente, forcejou a Empresa por intensificar a colheita da
erva-mate, além do mínimo a que se obrigara. E a consolidar o seu poderio,
não somente no sul de Mato Grosso, mas que ainda na política estadual
(CORRÊA FILHO, 1957, p. 60, 61).

15
Decreto nº 436 de 4 de julho de 1891. Estatutos da Companhia Mate Larangeira. (Período: 1891).
Arquivo Público de Mato Grosso.

38
MAPA 2

ÁREAS DE CONCESSÕES À MATE LARANGEIRA NO ANTIGO SUL DE MATO


GROSSO

+ + + + +
+
MATO GROSSO

+ MATO GROSSO DO SUL +


Coxim
BOLÍVIA GOIÁS

Corumbá MINAS +
+ GERAIS
Camapuã
Paranaíba

+
+ Aquidauana
Rio

Campo Grande
M
ira

Três Lagoas
nd
a
Rio Pa ra gua i

Bonito Nioaque
+
+
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Rio Brilhante
SÃO PAULO
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Porto Murtinho +
Rio I v

+ Dourados
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Rio Dourados
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n Amam ba i a +
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C Rio PARANÁ
I gu
at
em
Rio Igua tem i i
Paranhos

MundoNovo +
+
Lei n° 8799 de 1882
Lei n° 520 de 1890 FONTE: ARRUDA, 1986. p. 213-222
Lei n° 26 de 1892 O rg.: Laér cio Cardo so de Jesu s 0 30 60 90 Km
Lei nº 103 de 1895 Colab . Adem ir Terra
+
58º 30’ W
+
57º 00’ W
+
55º 30’ W
+
54º 00’ W
+
52º 30’ W
+
51º 00’ W

39
Contudo, conforme demonstra Arruda, a área de arrendamento concedida à Mate
Larangeira foi aumentada através da Resolução de no 103, de 15 de julho de 1895. A Cia
conseguiu a maior área arrendada, durante todo o período da exploração ervateira da região,
tendo ultrapassado 5.000.000 de hectares, tornando-se um dos maiores arrendamentos de
terras devolutas do regime republicano em todo o Brasil para um grupo particular (ARRUDA,
1986, p. 218).
Os objetivos da Mate Larangeira em manter seus inúmeros privilégios levaram-na,
em 1907, a colocar em discussão na Assembléia Legislativa de Mato Grosso, assuntos
relevantes que garantissem seus intentos. Dentre eles estavam:

• a prorrogação antecipada do monopólio por mais 14 anos, a partir de 1916, até 1930;
• permissão para organizar força policial, que ela julgasse conveniente para manutenção da
ordem;
• cumprimento da cláusula antecedente (que vedava a estranhos permanecerem nos ervais
sem autorização);
• defesa de outros interesses comuns às duas partes (Estado e Empresa).16

A Comissão que analisou o pedido da empresa foi a Comissão de Indústria, que


considerou o desenvolvimento da indústria extrativa do mate como sendo estacionária, face
aos privilégios outorgados à empresa até 1916. A Comissão avaliou que a taxa de
arrendamento oferecida pela Companhia era desvantajosa, e que a aquisição de latifúndio nas
terras mais ricas, por preço inferior ao legal, nenhuma conveniência apresentava, sendo
preferível esperar a extinção do prazo de contrato do arrendamento atual, para dispor de
maneira proveitosa das terras do SMT (Idem).
Manoel Murtinho ainda recorreu ao seu antigo oponente Generoso Ponce, então
presidente do Estado de Mato Grosso, a fim de que este intercedesse junto à Assembléia, na
tentativa de aprovar as propostas da Mate Larangeira.

Em primeiro lugar, não posso compreender como a orientação dos que têm
a responsabilidade da situação dominante esteja subordinada ao que
resolver a maioria dos amigos, como pretende inculcar, pois importaria
nivelarem-se todas as posições políticas, dando-se ao voto de cada
correligionário o mesmo peso na balança das deliberações partidárias. [...]

16
CORRÊA FILHO, 1957, p. 62. Este assunto será discutido também quando se tratar da Questão do
Mate.

40
Sendo, pois, assim, a meu ver, tão inconsistentes as razões do indeferimento
da petição da Companhia, não podia tal resultado deixar de susceptibilizar
aos que, cônscios das vantagens presentes e futuras que adviriam ao Estado
da organização da projetada emprêsa, recomendaram com o maior empenho
a proposta rejeitada. Cabendo-lhes grande soma de responsabilidade na
atual situação política do Estado, para o qual concorreram precípuamente, é
justo que sejam atendidos quando procuraram imprimir uma orientação
salutar na marcha dos negócios políticos. [...] O contrário será promover o
rompimento da indispensável solidariedade e serão incalculáveis os males
que daí provirão, pois nossa terra precisa, de vez, de ordem, e harmonia.
Varro, assim, minha testada e desejo que em minhas palavras nada veja de
magoar quem quer que seja, não passando de uma legítima expansão entre
amigos (MURTINHO, 1907, apud CORRÊA FILHO, 1957, p. 63).

Em muitos momentos da história política de Mato Grosso, deparamo-nos com


figuras importantes, fazendo defesas veementes de interesses de ordem privada, sempre com
o fito de favorecer seus amigos correligionários, de modo que, como nota Arruda (1997), a
esfera governamental confundia-se muito, e possivelmente acabava por embaralhar a relação
entre o público e o privado.
É relevante citar o caso de Generoso Ponce e Joaquim Murtinho, entre o final do
século XIX e início do século XX, representando os coronéis do sul de Mato Grosso e a Mate
Larangeira, respectivamente, os quais, quando não estavam do mesmo lado político-
partidário, confrontavam-se, no plano dos interesses e determinavam as posições políticas dos
governadores de Mato Grosso, que, ao sucederem-se uns aos outros, sempre representavam
um desses dois lados.
É evidente que, se a Mate Larangeira conseguisse a aprovação das propostas por
ela apresentadas à Assembléia, ficaria a empresa com atribuições efetivas de policiar a vasta
região ervateira, cabendo a ela o controle econômico da região, e principalmente não
permitindo que nenhum morador ali se estabelecesse. Queria ela que o Estado colocasse ao
seu serviço particular uma força militarmente organizada para esse fim. Ela não foi atendida
nesses anseios, pois sua proposta foi arquivada, nem chegando a ser apreciada pela
Assembléia. Mesmo assim, a Mate Larangeira continuou por muito tempo usufruindo
ilegalmente das prerrogativas que não lhe foram concedidas.
Em 26 de junho de 1912, a Mate Larangeira apresentou de novo sua proposta de
arrendamento, em termos semelhantes à anterior. Dentre os privilégios a serem concedidos,
segundo Corrêa Filho (1957, p. 64), estavam:

• a prorrogação do arrendamento por 22 anos, a começar em 1º de janeiro de 1913;

41
• pagamento de quantias invariáveis pelo presente arrendamento e pelos impostos de
exportação da erva-mate e outros produtos vegetais, industriais, agrícolas, florestais e
minerais.

Naquele momento não existia mais Generoso Ponce, como também Joaquim
Murtinho. O grande defensor político da Mate Larangeira passou a ser o senador Antônio
Azeredo, chefe inconteste da situação política em Mato Grosso. Estava iniciando naquele
momento seu mandato, como presidente do Estado, Joaquim Augusto da Costa Marques.
Um detalhe nessa nova proposta de contrato estava em que, a partir daquele
momento, poderia a Empresa extrair outros vegetais da área de arrendamento, como madeiras
de lei, por exemplo, item que era completamente vedado nos contratos anteriores. Mesmo sem
a permissão da extração de madeiras, a Mate Larangeira explorou as matas nativas do SMT,
principalmente na região que abrange o Vale do Ivinhema, onde existiam abundantes árvores
nativas com razoável espessura. Essa exploração se deve ao fato de a região ser banhada pelos
principais rios navegáveis utilizados pela Mate Larangeira no transporte da erva-mate com
destino aos seus portos de exportação. As provas da exportação de madeiras pela Mate
Larangeira eram de conhecimento da Coletoria de Ponta Porã – CPP (cf. Anexo II).
Entretanto, como veremos mais adiante, também esta proposta da Companhia foi
rejeitada, em meio a um acirrado debate conhecido como Questão do Mate.

1.2.4 – Monopólios

O Decreto 436, de 4 de julho de 1891, dava um caráter de exclusividade para o


uso dos ervais delimitados. Assim, a Empresa, com toda essa concessão, deveria ter o controle
e proibição da elaboração de mate por terceiros, que pareciam constituir uma ameaça para o
futuro monopólio da Cia, sendo a mesma absoluta na produção do mate, pois se achava
coberta por dispositivos contidos em sua concessão (SALDANHA, 1986, p. 453, 465).
A erva-mate nativa e a atividade extrativa fizeram com que os únicos
investimentos significativos de capital fossem realizados na constituição de infra-estrutura
como estradas de rodagem, ferrovias, carretas e lanchas, necessária para o escoamento da

42
produção para o exterior. Com tais recursos de transporte, essa Empresa monopolizou a
navegação pelo Rio Paraná, por onde, a partir do porto de Guaíra, escoava a produção de
erva-mate mato-grossense para a Argentina (ALVES, 1984, p. 43, 50).
Por certo, devemos usar com cautela a palavra monopólio, utilizada por muitos
historiadores e mesmo escritores que se lançaram e ainda se lançam a escrever sobre o grande
período da economia ervateira. Na acepção da palavra monopólio, encontramos, no dicionário
Houaiss, como sendo posse exclusiva, propriedade de um só; comércio abusivo que consiste
em um indivíduo ou grupo tornar-se único possuidor de determinado produto para, na falta de
competidores, poder vendê-lo por preço exorbitante; pretensão de exclusividade.17
Talvez este último item retrate bem a questão, havendo, então, uma pretensão ao
exclusivismo. Arruda (1997, p. 33) diz que as estratégias de controle da Mate Larangeira
objetivavam criar condições de domínio absoluto sobre os trabalhadores e moradores da
região dos ervais. Estabeleceu-se, assim, um “Estado dentro do Estado”,18 onde havia, na área
dos ervais, monitoração constante instituída pela empresa. No entanto, Arruda deixa
transparecer, em seu trabalho, que este domínio da Empresa não era completo:

O monopólio da produção, que sobreviveu integralmente até a década de 20


deste século, tem sua origem no fato de a empresa dominar a quase
totalidade dos ervais nativos, através dos arrendamentos e do controle
policial exercido não só pelo Estado, mas também e principalmente, pela
própria Empresa (ARRUDA, 1986, p. 229; grifo nosso).

Se houve um monopólio, talvez tivesse apenas ocorrido no aspecto da concessão,


mas jamais ocorreu um domínio absoluto da exploração de fato da erva-mate. É explícito,
como foi citado acima, que outros produtores de erva-mate também trabalhavam nos ervais. O
decreto 8799, de 1882, de autorização da primeira concessão à Larangeira, na sua cláusula VI,
assim rezava:

17
HOUAISS. Dicionário da Língua Portuguesa. Instituto Antônio Houaiss. Ed. Objetiva. 2001.
18
A expressão “Estado dentro do Estado”, citada por Arruda e outros autores, leva-nos a uma
interpretação de que a Cia tornara-se um Estado, mas adquire outra conotação no livro de Virgílio
Corrêa Filho (1925, p.47). A expressão em Corrêa Filho é “Estado no Estado”, e consta em uma carta
de Manoel Murtinho endereçada a Generoso Ponce em 25 de outubro de 1907, em que Murtinho
solicitava providências para barrar a entrada dos gaúchos na região ervateira de Mato Grosso,
alegando que estes estavam por formar um “Estado no Estado”.

43
O concessionário não poderá directa ou indirectamente impedir a colheita
de herva-mate aos moradores do território, de que trata a presente
concessão, que viverem de semelhante industria e della tirarem os
indispensáveis meios de subsistência.19

Não obstante, a tentativa de manutenção do espaço ervateiro praticamente vazio,


atendia a uma necessidade de vigilância e de controle sobre as pessoas que viviam na região.
Objetivando o domínio do espaço, que possibilitava maior vantagem na atividade ervateira, a
Mate Larangeira procurou impor o exercício do poder.

O poder público e o poder privado foram, na realidade, faces que se


somaram como estratégia de dominação sobre os trabalhadores e moradores
dos ervais. Pretendia eliminar qualquer possibilidade de resistência destes,
seja legal ou não, melhor dizendo com ou sem a “lei do 44” (ARRUDA,
1997, p. 46).

Isabel Guillen também comenta que a empresa arrendatária dos ervais do SMT
procurou manter a política de espaços vazíos, ou seja, impedir de qualquer forma que
houvesse a ocupação das terras sob seu domínio por pequenos proprietários ou posseiros. Tal
política possibilitava não só uma melhor organização da produção da erva-mate, mas também
visava impedir que os trabalhadores dos ervais se tornassem produtores independentes. No
entanto, a corrente migratória oriunda do Rio Grande do Sul (que será analisada adiante),
impulsionada para Mato Grosso não só pela concentração das terras, mas também pelo
imaginário do sertão, com sua fartura de terras férteis, iria representar uma fissura no poder
disciplinar da Cia. Mate Larangeira (GUILLEN, 1991).

19
Decreto nº 8799 de 9 de dezembro de 1882 (Legislação Sobre o Mate de 1833 a 1935, p. 3).
Instituto Nacional do Mate – INM. CODES. Arquivo Nacional - Rio de Janeiro.

44
1.2.5 – Trabalhadores

Tem sido unânime, entre os pesquisadores do assunto, que o braço paraguaio foi
fundamental para o desenvolvimento da atividade ervateira no SMT. Outro tipo de
trabalhador, segundo eles, não poderia suportar o árduo trabalho nas condições impostas pela
empresa arrendatária. Arruda (1997, p. 87) coloca que o saber-fazer dos paraguaios se
mostrou indispensável e insubstituível, prova cabal de que a tradição cultural dos paraguaios
revelava o seu conhecimento e sua prática como ervateiros.
Dessa forma, o desenvolvimento da extração do mate no sul de Mato Grosso
tornou-se possível utilizando a mão-de-obra de trabalhadores paraguaios, que nos períodos de
colheita atravessavam a fronteira para executar essa tarefa. Os paraguaios foram fonte de
mão-de-obra barata, e muitos deles eram utilizados em trabalhos forçados sob vigia dos
comitiveros (espécie de polícia da Mate Larangeira). A Mate Larangeira submetia esses
trabalhadores, chamados de mineros20, a duras condições de trabalho, utilizando sua milícia
privada na repressão aos insubordinados.
Defendendo, nesse caso, o ponto de vista da Cia., Serejo afirma que, entre as
inúmeras caravanas de pessoas destinadas aos trabalhos dos ervais do sul de Mato Grosso,
principalmente nas áreas de Amambai e Iguatemi, estavam muitos fora-da-lei, fugitivos e
assassinos de alta periculosidade. Estes indivíduos dificilmente se ambientavam nos ervais.
Assim, a Mate Larangeira utilizava os castigos duríssimos e implacáveis contra estes
elementos. Segundo o autor, muitos trabalhadores ordeiros não condenavam estes métodos de
disciplina, pois sabiam que seus familiares poderiam, em qualquer momento, ser vítimas
desses aventureiros perversos (SEREJO, 1986, p. 38, 39).
Ao que nos informa Arruda (1997), a migração paraguaia era, em larga medida,
conseqüência da ausência de alternativas de renda no Paraguai. A adaptação do paraguaio no
erval configurou uma tradição cultural que permeou os espaços por estes ocupados,
demonstrando o seu conhecimento e a prática nesta atividade. De fato houve uma tentativa de
adicionar nos ervais, junto aos paraguaios, outros trabalhadores vindos do Rio de Janeiro e
São Paulo, durante a década de 1930. Contudo, não foi possível, porque não se conseguiu que
esses trabalhadores se “adaptassem” aos tipos de serviços existentes.
20
Minero significa aqui o trabalhador de dentro dos ervais, pois a mata do erval era considerada mina.
A denominação caracterizava mais os trabalhadores que recortavam os galhos de erva-mate e
transportavam os raídos, isto é, os fardos com galhos e folhas de erva-mate (ARRUDA, 1997, p. 71).

45
Conforme salienta Gilmar Arruda, a recusa dos trabalhadores dos grandes centros
urbanos às ocupações ligadas diretamente à produção ervateira, nas condições da Mate
Larangeira, evidencia a situação de exploração em que viviam os trabalhadores paraguaios
envolvidos diretamente na elaboração ervateira no SMT.

A desclassificação do trabalhador nacional, através da divulgação de sua


suposta não adaptação às condições de trabalho exigidas nos ervais, revela
de um lado, a reais condições a que estavam submetidos os trabalhadores
paraguaios, de outro, a maneira encontrada pela Matte para continuar
recrutando mão-de-obra de origem paraguaia (ARRUDA, 1997, p. 20).

Desse modo, a Mate Larangeira conseguiu, através da “não-adequação” de outro


trabalhador que não o paraguaio aos tipos de serviços necessários à erva-mate, a continuação
da mão-de-obra até então utilizada. Coube então aos paraguaios a propagação de seu trabalho
e sua cultura no SMT. Assim:

A origem dos trabalhadores paraguaios e seu saber-fazer trouxeram certas


características culturais para a região ervateira do Brasil. Uma destas
características foi o predomínio do idioma guarani na região ervateira. O
guarani deu nome aos ranchos, a instrumentos de trabalho, aos tipos de erva
e obrigou aos “patrons”, a Matte ou quem quer que fosse o dirigente do
processo de produção e que necessitasse de recorrer aos paraguaios como
mão-de-obra, a falá-lo (ARRUDA, 1997, p. 88).

Havia diversas possibilidades concretas que obstruíam os trabalhos de elaboração


de erva-mate pela Mate Larangeira, mas, “ante as dificuldades de toda natureza, tendo sempre
em mira o lado econômico”, a Companhia “dividiu a imensa região arrendada, em zonas,
procurando levar a cada uma delas, por terra ou através dos cursos d’água, um meio de
comunicação, mais ou menos seguro, que facilitasse a localização dos ervais nativos e a
fixação de ranchos, com saída para a produção em qualquer época do ano” (SEREJO, 1986, p.
34).
Alguns desses ranchos, ao invés de serem administrados diretamente pela
empresa, eram dirigidos pelos habilitados21. O habilitado tinha a incumbência de administrar
o rancho, função essa que a Mate Larangeira concedia a alguns elementos de sua confiança. A
21
O habilitado “era aquele que, geralmente por simpatia dos mandões, conquistava o direito
temporário de fazer erva, para o que recebia as instruções devidas, mantimentos e... plata algunas
veses” (SEREJO, 1986, p. 163). Era, assim, uma espécie de empreiteiro.

46
este era a quem competia a contratação dos mineiros, seu pagamento, a administração geral
do rancho e o controle da produção. Um rancho ervateiro sempre se localizava às margens de
um rio, o que facilitava o escoamento da produção (ARRUDA, 1986, p. 231, 232).
Inúmeros habilitados da Mate se tornaram famosos, até mesmo em Buenos Aires,
pela qualidade da erva que entregavam, e entre eles, vários de Dourados, cujas ranchadas,
pela excelência do produto, mereciam, constantemente, referências mais elogiosas dos mais
exigentes compradores argentinos (SEREJO, 1986, p. 35).
Na atividade ervateira havia uma espécie de caderneta onde o habilitado fazia
todas as anotações da produção de erva-mate pelos trabalhadores, bem como o consumo de
mantimentos que estes retiravam das ranchadas.22 Os abusos praticados pelos habilitados nas
anotações dos produtos de consumo permitiam que estes tivessem lucros auferidos através da
dependência dos mineiros. Eles mantinham os mineiros presos ao serviço do mate; para isso,
adiantavam suprimentos alimentícios, sempre cobrando o maior valor pelo produto e
impedindo a saída do mineiro do árduo trabalho dos ervais.
De fato, as cadernetas utilizadas pelos administradores das ranchadas serviam para
registrar e, através das anotações, prender o trabalhador através daquilo que entendemos como
monopólio de fornecimento. Na verdade, essa era uma prática em várias regiões do Brasil
desde o fim da escravidão, onde o empregador, em face da falta de mão-de-obra para sua
propriedade, optava por meios coercitivos, de modo a “atrelar” o trabalhador de alguma forma
na sua propriedade.
Hernani Donato (1959), em seu livro Selva Trágica, coloca que, para “amenizar”
o sofrimento dos mineiros nos ervais, os capatazes ou aprovisionadores, chamados de
mayordomos, promoviam festas e bailes de ranchadas que tinham como objetivo a interação
social dos trabalhadores. Nestes bailes as mulheres presentes chegavam ao máximo a um
terço dos homens no local. Isso também gerava intrigas e lutas fatais entre os participantes.
Para resolver este descompasso, os organizadores convidavam as quilomberas (prostitutas),
ou seja, mulheres públicas. No entanto, mesmo essas mulheres ainda eram insuficientes para
acompanhar em número a quantidade de homens que participavam dos bailes.
O que fica claro, neste episódio do livro de Donato, é que tudo isso era
descontado dos salários dos ervateiros, tanto a comida quanto o uso das quilomberas. Isto
travava uma saída de independência em relação à Cia. Mate Larangeira. Os débitos nas
22
Uma ranchada constituía-se de uma clareira perto do erval, onde se construía a unidade de beneficiamento da
erva com o barbaquá, cilindro ou cancha e o depósito, além das moradias dos trabalhadores e outras
dependências. ARRUDA, 1997, p. 62, 63.

47
cadernetas eram maiores que os saldos a receber. Para se ter uma idéia do tipo de festa que
ocorria na região ervateira, as mulheres eram usadas pelos mineiros como se fossem
ferramentas de trabalho. Era imperdoável que uma mulher pudesse não comparecer à festa,
ainda que estivesse grávida ou fosse feia, velha ou doente. Durante as horas do baile, segundo
Donato, deixavam de funcionar todos os códigos de honra e de costumes de que se serviam
homens e mulheres.
O certo é que as bebidas consumidas nesse bailes podiam ser qualquer coisa que
provocasse embriaguez. A regra era: um homem sóbrio comprometia a alegria de todos; por
esse motivo todos tinham que beber, era obrigatório beber. Donato fala que aqueles que não
queriam beber eram obrigados a pegar no sono o quanto antes para não verem o que os outros
faziam com suas mulheres. Assim, os bailes, além de apaziguar os ânimos dos mineiros,
colocavam-nos na linha por muito tempo.23
Um dos trabalhos mais difíceis nos ervais era o do barbaquá.24 Alguns
trabalhadores experientes tinham que fazer a defumação do mate no barbaquá. A erva tinha
que ser mantida em fogo lento por até 48 horas a fio, sem descanso, para que não queimasse,
pois disso dependia a qualidade do mate. Depois deste período o ervateiro descansava 24
horas e enfrentava outras 48 horas sem dormir. O trabalhador era chamado de uru (que podia
também ser chamado de barbaquazeiro). Donato (1959) usou a expressão vivia cozido pelo
fogo, para caracterizar o tipo de trabalho exercido por este ervateiro. Desta forma, o
trabalhador, principalmente à noite, sentia muito frio nas costas, enquanto que o seu peito
queimava pelo calor que saia do barbaquá. Como dele dependia a qualidade do mate, era uma
pessoa importante, sendo chamado de "senhor" nos bailes. Em compensação morria antes de
atingir a velhice, devido aos problemas pulmonares derivados do tipo de trabalho que exercia.
Arruda (1997) escreve que:

23
Devemos considerar que o livro Selva Trágica, de Hernani Donato, escrito em 1959, é uma obra de
ficção, que faz parte da literatura sul-mato-grossense. Entretanto, Donato é um historiador que viveu
na região dos ervais por um longo período, por isso, acreditamos que o mesmo tem muita credibilidade
ao tratar da questão da erva-mate. Em 1964, o diretor de cinema Roberto Faria, realizou um filme
baseado no livro, onde retrata a história de Ponta Porã, tendo como protagonistas do filme vários
ícones do cinema nacional, dentre eles, Jofre Soares, já falecido, e Reginaldo Faria, que atua nas
telenovelas.
24
De acordo com Serejo (1986, p. 186), barbaquá era um jirau de forma côncava erguido sobre um
buraco, de onde vinha o calor de uma fogueira e no qual colocavam a erva-mate, para que secasse, não
deixando que esta perdesse a qualidade e adquirisse um gosto ruim. O nome vem de “boberacuá’: o
que brilha muito.

48
Devido a essa posição do uru e seu saber-fazer no processo de trabalho, a
tática adotada pelos “patrons” foi tentar cooptá-lo através da constituição de
uma “dignidade”, um reconhecimento da sua importância, diferenciando-o
dos outros trabalhadores. Ele seria o “rei do rancho” (ARRUDA, 1997, p.
92).

As condições rígidas para o trabalho e preparo do mate, somando-se à


insuficiência material dos trabalhadores, trazem à tona uma análise da mecânica de produção.
Alvanir de Figueiredo fez uma análise da questão envolvendo os trabalhadores.

A mão-de-obra atual guia-se freqüentemente por práticas já tradicionais e


intuitivas. O padrão de vida do ervateiro é dos mais baixos entre os
trabalhadores rurais, não havendo, em muitas áreas, sedentarização e
conseqüente possibilidade de especialização e melhoria da mão-de-obra
(FIGUEIREDO, 1968, p. 3).

O baixo padrão de vida do trabalhador ervateiro de Mato Grosso decorria das


incertezas dos mercados consumidores ervateiros e também da ausência de mercado de
trabalho alternativo. Isto levava as populações fronteiriças a aceitar as duras condições nos
ervais, restando a estas, refúgios ao embrenhar-se nas matas ervateiras, a fim de obter um
mínimo de possibilidades de sobrevivência.
Outro trabalhador dos ervais que com certeza contribuiu muito para a atividade
ervateira, desde os primeiros momentos, foi o indígena. Sua participação no processo
ervateiro remonta aos primórdios do período colonial, quando trabalhavam para os colonos
espanhóis, tendo de se afastarem mais de uma centena de léguas na penetração à procura dos
ervais. Isto obrigava à permanência do ervateiro por três a quatro meses longe de casa, o que
colocava os índios longe também dos jesuítas e trazia problemas para a manutenção dos laços
familiares.
O trabalho do mate, desde os primeiros tempos, surgiu como atividade capaz de
engajar as mais humildes populações. Não exigindo o emprego de capitais por parte dos
donos de ervais ou do próprio ervateiro, é o tipo de trabalho que pode ser feito por
empreitada. Os índios, habituados à vida no sertão, podiam manter-se durante os meses em
que ficavam à procura do mate. A troco de roupa, mantimentos e utensílios, trabalhavam para
receber ao fim da tarefa (FIGUEIREDO, 1968).

49
A América Espanhola, argumenta Alvanir de Figueiredo (1968), conheceu o
sistema de exploração denominado encomienda,25 em que o donatário recebia terras com
direito de emprego dos índios nelas existentes. O procedimento levou a uma escravidão
disfarçada e tornou-se normal o uso do braço indígena, indispensável na obra colonizadora.
Os indígenas dos ervais, distantes de Assunção, serviam a encomenderos que, em troca,
pagavam com utensílios e alimentos, que representavam muito pouco diante do valor
crescente da erva-mate.
O esforço sobre-humano realizado no transporte dos fardos de mate da Serra de
Maracaju, no Sul de Mato Grosso, até Assunção, causava as mortes dos índios, já citadas pelo
Padre Antonio Ruiz de Montoya, segundo o qual havia esqueletos caídos junto à carga pelos
caminhos que demandavam os ervais. Montoya, diz Figueiredo (1968, p. 17, 18), interpretava
tais mortes como decorrentes do uso, pelos indígenas, da erva, chamada de erva do diabo.
Como conseqüência, as missões foram instaladas próximas dos ervais, e os próprios padres ou
índios missioneiros, já conquistados pela fé cristã, passaram a comandar a exploração.

Montoya sempre reagiu ao uso do mate. Sua restrição parece prender-se ao


fato de que a erva mascada como estimulante, assemelhasse à coca peruana.
Afirmava o missionário que o mate causava uma série de malefícios,
embrutecendo os índios e levando-os à morte. O desconhecimento da planta
pelos indígenas das proximidades de Assunção, talvez se explique pela sua
inexistência nas partes próximas ao rio Paraguai e não pelo caráter recente
do uso (FIGUEIREDO, 1968, p. 16).

Em relação aos indígenas que poderiam ter trabalhado no fabrico de erva-mate no


SMT, encontramos referências em Hélio Serejo. Esse autor fala que havia lendas repletas de

maldições e desgraças, que refletiam bem a “alma vadia” do íncola que vivia no erval,
segregado da civilização, “traiçoeiro e esquivo”, numa luta de vida e de morte contra a
floresta bravia. Serejo menciona um certo Dela Cruz, um índio que tinha cicatrizes por todo o
corpo, em decorrência de uma luta contra um tigre (onça), e trazia o corpo de Carape-í, de 13
anos, e que fora picado por uma cobra que estava dentro do raído que carregava (SEREJO,
1946, p. 72, 103-104).
25
A encomienda foi um sistema criado pelos espanhóis, e consistia na exploração de um grupo ou
comunidade de indígenas por um colono, a partir da concessão das autoridades locais, enquanto o
colono vivesse. Em troca, o colono deveria pagar um tributo à metrópole e promover a cristianização
dos indígenas. Dessa forma o colono de origem espanhola era duplamente favorecido, na medida em
que utilizava-se da mão-de-obra e ao mesmo tempo, impunha sua religião, moral e costumes aos
nativos.

50
Hélio Serejo também nos mostra, em outro livro, a participação indígena quando
se refere aos Teis:

Foi com estes índios errantes e paraguaios idosos [...] que o ervateiro
Tomaz Laranjeira [....] levantou os seus primeiros ranchos e deu início à
elaboração da erva [...] contando com a valiosa ajuda dos índios – inclusive
as crianças que recebiam pequenas tarefas e os desempenhavam a pleno
contento [...] quando chegava o momento da mudança da ranchada, tudo era
feito com a maior facilidade, em virtude da tão decantada resistência física
do Teis (SEREJO, 1986, p. 71).

Serejo coloca que Thomaz Larangeira, em 1884, no início de sua atividade,


recorreu a Marcelino Pires (considerado um dos “pioneiros” de Dourados), na intenção de que
o ajudasse a contratar os indígenas para a elaboração da erva-mate, uma vez que estes
indígenas eram considerados mansos.

Com a descoberta de novos ervais, e ante a animação dos sócios – decididos


em tudo – Tomaz Laranjeira resolveu ensinar aos “bugres mansos e de bom
trabalho”, a lidarem com a erva. Onde, porém, achá-los? Lembrou-se do
paranaense Marcelino Pires [...] que trabalhava com lavoura de café, em sua
propriedade denominada Alvorada, e sabia por onde andavam os bugres
caçadores. [...] Marcelino Pires [...], no espaço de uns quarenta dias, fez
uma seleção rigorosa, entre os bugres não aldeados, portanto, livres para se
locomoverem de um ponto para outro e a qualquer momento (SEREJO,
1986, p. 110).

Os indígenas engajados no trabalho ervateiro em Mato Grosso, segundo Darcy


Ribeiro (1970), também foram aliciados pelos paraguaios, que, falando o idioma guarani,
conseguiam ensinar-lhes as técnicas de extração e o preparo da erva e acostumá-los ao uso de
ferramentas, panos, aguardente, sal e outros artigos, cujo fornecimento posterior era
condicionado à sua integração, como mão-de-obra, na economia ervateira. Esta forma de
trabalho, já no começo do século XX, dificultou sobremaneira a conservação do modo de vida
tribal de muitos grupos indígenas, cujo resultado foi o colapso de muitas tribos, pela
impossibilidade destes grupos conciliarem as exigências do trabalho individual assalariado
com a economia coletivista.26

26
Guillen (1998, p. 115) ressalta que a dificuldade em manter a economia coletivista e a organização
do tempo tribal acabou por desestruturar a vida cotidiana necessária para a preservação dos rituais
religiosos indígenas.

51
Para Antônio Brand, as concessões feitas à Cia. Mate Larangeira atingiram em
cheio o território dos Kaiowá/Guarani, havendo, em várias regiões do sul de Mato Grosso, o
engajamento desses índios na exploração da erva-mate. No relatório de trabalhos realizados
entre 1900 e 1901 pelo marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, em viagem pela região
ervateira, isto é, ainda antes da criação do Serviço de Proteção ao Índio - SPI, o mesmo
atestou que na barra do rio Brilhante achavam-se localizados os índios Kaiowá/Guarani, que,
por serem pacíficos, eram empregados na extração e fabrico da erva-mate (BRAND, 1997, p.
62, 76).
Brand ainda informa que a localização de várias reservas demarcadas até 1928 se
deve ao fato de serem acampamentos, ou locais de trabalho da Mate Larangeira. Dessa forma,
a Mate Larangeira, pelo fato de não estar diretamente interessada na propriedade da terra, e ao
manter controle sobre a entrada de outros colonizadores dentro da área arrendada, significou
importante elemento de proteção do território Kaiowá/Guarani, ao passo que, posteriormente,
a Colônia Agrícola Nacional de Dourados - CAND e a formação de fazendas representaram o
esparramo e a dispersão das aldeias, assim como o desmantelamento de famílias extensas
(Idem, p. 89). Assim, Antônio Brand sugere que, grosso modo, a Cia. Mate Larangeira teria
contribuído para a unidade das comunidades indígenas.
Isabel Guillen, por seu turno, afirma que, ainda que os índios provavelmente não
tenham sido engajados diretamente no trabalho ervateiro, a população Guarani como um todo
foi sendo arrastada para o mercado de trabalho regional, quer como peões de fazendas ou
mesmo ervateiros ocasionais, quer como fornecedores de excedentes alimentares de suas
roças, ainda que essa seja uma possibilidade mais remota. Há que ressaltar o impacto que o
contato deve ter causado em sua organização social.

O essencial é que o contato dos grupos indígenas com os trabalhadores


ervateiros, changadores e posseiros, ainda que esporadicamente a princípio,
teve conseqüências trágicas a longo prazo: grande depopulação,
desorganização social, dispersão das famílias e a perda de grande parte de
seu território (GUILLEN, 1998, p. 117).

O que fica evidente, tanto em Brand quanto em Guillen, é que o mercado de


trabalho regional, seja nas fazendas de gado, seja na economia ervateira, e principalmente no
processo de colonização, como foi o caso da CAND, ocasionou a fragmentação das tribos
indígenas, restando-lhe apenas pequenos redutos de seus sobreviventes.

52
Entretanto, Brand considera que a ausência de referências mais consistentes sobre
a participação indígena como mão-de-obra, durante esse importante período da história
econômica e social da região, talvez possa ser explicada pelo provável ocultamento destes
indígenas no meio dos paraguaios, que falavam a mesma língua e tinham costumes
aparentemente próximos, de modo que era dificultoso distinguir os dois grupos (BRAND,
1997, p. 72).
Isabel Guillen alerta que é necessário não só descobrir novas fontes documentais,
que permitam construir uma história dessa região tendo também os índios como sujeitos,
junto com trabalhadores e posseiros, mas incentivar a produção acadêmica que não
marginalize as diversas etnias, ao fazerem uma história dos sertões ou das fronteiras agrícolas
(GUILLEN, 1998, p. 106, 107).

1.2.6 - Força política

A influência nos meios políticos, principalmente pelas iniciativas dos sócios da


Mate Larangeira, que em muitos momentos estavam impregnados de poder nas esferas
estadual e mesmo federal, e cujo objetivo era fortalecer os alicerces de sua exploração
econômica, transformava a empresa num eficiente cabo eleitoral, não importando se essa
influência viesse a prejudicar quem quer que fosse. Serejo argumenta que a Mate Larangeira
virou força poderosa, com mando absoluto; havia contestações, mas eram tão inexpressivas
que se apagavam e caiam no esquecimento rapidamente.

A Empresa Mate tinha, nesse campo, uma máquina bem montada e como
comerciava, desta ou daquela forma, com uma legião imensa de sulinos,
fazendeiros, comerciantes, ervateiros proprietários de ervais, vendedores de
costo, pequenos industriais e agricultores, não lhe foi difícil formar um
eleitorado obediente e disciplinado. Um eleitorado da mais alta valia, que
cumpria cegamente ordens, não traindo nunca. [...] Passou a dominadora
organização industrial ervateira a indicar governador, vice, deputado
estadual, deputado federal e senador. [...] Removia e demitia funcionários,
nomeava autoridades, determinava acertos, punha por terras com apenas
algumas linhas “descabidas” pretensões de adversários ferrenhos, elegia
prefeitos com espantosa facilidade (SEREJO, 1986, p. 37).

53
É óbvio que esse poder todo da Mate Larangeira, citado por Hélio Serejo,
provocou discórdias. Essa demonstração de domínio gerou ódio e revolta daqueles que se
sentiram prejudicados nos seus intentos, mas o direito de defesa, por parte destes, pouco
comprometia os interesses da empresa. Virgílio Corrêa Filho (1945), ao ponderar sobre essa
questão, afirma que a magnitude da influência que a empresa exercia no Estado, classificava
os políticos em partidários da Empresa e seus inimigos:

Tão desproporcionadamente prosperou, em relação à economia


matogrossense, que, por fim, dispunha de recursos com que pudesse intervir
na política estadual, franca ou veladamente. Conseqüência fatal de tal
pujança, com o apoio fortalecia os governos amigos, do mesmo passo que
perturbava, com sérias hostilidades, as administrações ou partidos adversos.
Por isso, a opinião geral classificava os políticos em partidários da Empresa,
e seus inimigos (CORRÊA FILHO, 1945, p. 102).

Também se pode notar no livro de Umberto Puiggari, Nas fronteiras de Matto


Grosso, que esse poder exercido pela Mate Larangeira trazia consigo uma massa de eleitores
que votavam no candidato de interesse da empresa. Outros, contrários aos anseios da empresa,
optavam por estar do lado de quem fazia oposição a ela. Um caso dessa natureza ocorreu em
Juti, que na ocasião era um Distrito de Paz, então ligado a Ponta Porã, durante as eleições para
presidente do Brasil, no final da década de 1920:

Na cabala eleitoral, os dirigentes e amigos do peito da empresa Matte


Laranjeira, desenvolviam a maior actividade na propaganda do candidato
Getulio Vargas. Os que formaram ao lado do presidente Annibal de Toledo
ficaram com o dr. Julio Prestes. No acceso da lucta, porém, ninguém era por
Prestes ou por Vargas. O que se ouvia era isto: - Eu voto com a empresa. –
Eu voto com o Annibal (PUIGGARI, 1933, p. 80).

Puiggari acentua que a razão de a Mate Larangeira aplicar tamanha pressão sobre
os moradores de Juti foi o fato de que muitos haviam tomado posição francamente ao lado de
Annibal de Toledo, nutrindo pelo mesmo uma simpatia próxima do fanatismo. Daí a
campanha ferrenha pela busca de eleitores. Neste caso, a atitude da população de Juti, ao ficar
do lado do presidente do Estado de Mato Grosso, Annibal de Toledo, provocou forte reação
da Mate Larangeira, de modo que essa população passou a sofrer um controle maior por parte
da empresa.

54
A ironia do destino, assim como as conveniências nos meios políticos,
condicionaram as facções a mudar de lado, de modo que, a partir de 1940, Vargas
transformou-se num combatente na destituição do império em que se transformou a Mate
Larangeira, enquanto Annibal Benício de Toledo tornou-se, mais tarde (1956), o presidente da
empresa (cf. carta de Fernando Jorge Mendes Gonçalves a Annibal de Toledo – Arquivo
Público de Mato Grosso do Sul, Campo Grande).

55
CAPÍTULO II

A PRESENÇA DOS PRODUTORES INDEPENDENTES NA ATIVIDADE


ERVATEIRA - 1870 A 1937

2.1 - Do final da Guerra do Paraguai até 1915

A conclusão da Guerra do Paraguai deixou as populações do Paraguai em situação


econômica muito precária, levando à desestabilização na produção ervateira naquele país. Na
análise de Nelson Werneck Sodré (1990, p. 25), houve uma grande corrente emigracionista
que se fixou em território brasileiro, na zona fronteiriça. O braço paraguaio, conforme foi
explicitado, encaixou-se perfeitamente no trabalho com a erva-mate, uma vez que em seu
território também existiam extensos ervais.
Para explicar a formação de uma grande propriedade, na exploração da erva-mate,
Sodré argumenta que o desenvolvimento dessa exploração e a busca seqüente de mercado
consumidor importavam no emprego de grande capital individual, alicerçado na grande
propriedade. A ausência de iniciativa do Estado, além das condições demográficas, de certo
modo, facilitou, segundo o autor, tais empreendimentos. A baixa densidade demográfica no
sul de Mato Grosso é colocada por Sodré como o grande problema, pois as distâncias se
colocavam como hiatos enormes, que deprimiam os homens e tornavam difícil o contato das
populações – contatos esses que poderiam permitir-lhes uma consciência coletiva, que,
segundo o autor, era indispensável às organizações humanas (Idem, p. 21).
Essas questões referentes à ocupação da terra na fronteira de Mato Grosso com o
Paraguai foram abordadas por Valmir Batista Corrêa (1995), o qual argumenta também que o
Estado foi omisso nas suas funções, nas quais as autoridades faziam vistas grossas aos

56
negócios ilícitos ocorridos na fronteira; assim, aparentemente a região era caracterizada como
terra de ninguém, onde as leis e os códigos de ética praticamente inexistiam. As relações de
trabalho eram pagas com favores e obrigações pessoais.

A região de fronteira de Mato Grosso, configurou-se, portanto, como área


propícia às relações de violência, quer pela falta de controle do poder
estadual, quer pela intensa mobilidade de pessoas que a ultrapassavam sem
maiores dificuldades. Assim, a extensão da fronteira mato-grossense,
especialmente os seus limites internacionais na região extremo-sul do
estado com o Paraguai, jamais possibilitou um controle de maneira a coibir
o contrabando generalizado de mercadorias diversas, inclusive de armas, ou
de impedir fugas e/ou invasões de elementos envolvidos em banditismo ou
rebeliões políticas de ambos os lados da fronteira (CORRÊA, 1995, p. 61).

Outros produtores trabalhavam com a erva-mate antes do início das atividades de


Thomaz Larangeira, isto é, antes do final do século XIX. Da mesma forma que Larangeira
conseguiu a concessão, outro cidadão, chamado Antonio Joaquim Malheiros, recebeu, através
do Decreto no 9649, de 2 de outubro de 1886, permissão para também colher a erva-mate na
Província de Mato Grosso, porém com prazo de apenas cinco anos:

Attendendo ao que requereu Antonio Joaquim Malheiros, hei por bem


conceder-lhe permissão para colher herva-mate nos terrenos devolutos da
margem direita do rio Iguatemy, comprehendidos desde as cabeceiras até
sua confluência no rio Paraná e Rincão da Base da Serra de Maracajú, da
Província de Matto Grosso...27

Em 1888, foi decretada uma outra concessão para exploração ervateira em Mato
Grosso, por um período de 15 anos, ao Dr. Ernesto de Castro Moreira. Entretanto, em 1890,
atendendo ao que representou a influência do Dr. Manoel Murtinho, então presidente do
Estado de Mato Grosso, o chefe do Governo Provisório da República (Marechal Deodoro),
pelo Decreto n° 519, de 23 de junho de 1890, declarou caduca a concessão feita ao Dr.
Ernesto de Castro Moreira. Mas, em seguida, isto é, no mesmo dia, pelo Decreto nº 520, o

27
Decreto no 9649 de 2 de dezembro de 1886 (Legislação Sobre o Mate de 1833 a 1935, p. 1).
Instituto Nacional do Mate – INM. CODES. Arquivo Nacional - Rio de Janeiro.

57
mesmo chefe do Governo dava nova concessão de ervais a Thomaz Larangeira (MACHADO,
1940, p. 40).28
A partir de 1902, a Mate Larangeira, já com sociedade de Francisco Mendes
Gonçalves, da Argentina, tendo como padrinhos os irmãos Murtinho, passou a colocar
restrições efetivas ao comércio que se estabelecia na fronteira, de modo que, aqueles que
estavam envolvidos nas transações comerciais tiveram que suportar a fiscalização imposta a
eles. As refregas passaram a ocorrer na medida em que os pequenos comerciantes não mais
aceitaram as imposições da fiscalização, que, de forma escandalosa, agia
desproporcionalmente em favor da Mate Larangeira:

Suspeita de contrabando, essa corrente comercial, para provar que não


exercia, aceitou de bom grado a criação da guarda fiscal na fronteira, em
conseqüência do convênio firmado, a 6 de maio de 1902, pelo Ministro da
Fazenda, Joaquim Murtinho, e o representante de Mato Grosso, deputado
Lindolfo Serra. Acusada de cometer abusivas tropilhas, em benefício da
Empresa, a guarda fiscal sob chefia de César de Souza, foi destroçada a 2 de
setembro, pelo gaúchos, que Felipe de Brum e Bento Xavier comandavam
(CORRÊA FILHO, 1957, p. 61).

Os transportes da erva-mate, no início da produção ervateira no SMT, eram feitos


exclusivamente por carretas até Concepción, assim, essa cidade paraguaia tornou-se também
terra de ervateiros. Serejo (1986, p. 117) afirma que, de todos os recantos do extremo sul de
Mato Grosso, chegavam as tropas de carretas com erva-mate. Em vista disso, a Agência fiscal
de Mato Grosso instalou em Capivari, uma cidadezinha do Paraguai que servia de entreposto
e paragem aos carreteiros, um posto fiscal, cuja finalidade era cobrar os impostos de
exportação da erva-mate que se destinava a Concepción e a manter severa vigilância em
relação às mercadorias contrabandeadas.
Por esta exposição de Serejo, pode-se entender que não somente a Mate
Larangeira exportava erva-mate por Concepción, mas também muitos outros pequenos
produtores, uma vez que, de muitos lugares chegavam carretas de erva-mate até aquele porto.
Por isso havia uma preocupação do fisco em controlar as exportações.
A respeito do contrabando, foi praticamente impossível combatê-lo, haja vista que
muitos dos fiscais de rendas do Estado necessitavam das paragens da Mate Larangeira, que

28
A este respeito ver também Virgílio Corrêa Filho. À sombra dos hervaes matogrossenses. 1925, p.
18.

58
lhes forneciam hospedagem e mesmo transporte. Porém, em 1910, Pedro Celestino Correa da
Costa denunciou a falta de crescimento de receitas do Estado em função do contrabando de
erva-mate.29
A questão do mate envolveu grupos políticos organizados em Mato Grosso, e essa
oposição política passou então a advogar a fragmentação da região dos ervais em pequenas
propriedades, bem como o fim dos arrendamentos feitos à Cia Mate Larangeira. Como
veremos em detalhe mais adiante, em 24 de setembro de 1915, o presidente do Estado,
Caetano Manoel de Faria Albuquerque, publicou a lei n° 725, que limitou o vasto domínio da
Mate e abriu caminho para outros concorrentes, considerados até então como posseiros. Essa
lei restringiu e determinou que se demarcasse a área de arrendamento. O interesse em acabar
com o monopólio da exploração, somado à migração que ia aos poucos ocupando as terras
devolutas, foram os motivos que provocaram a resolução (ARRUDA, 1986, p. 219).

2.1.1 - A porosidade e a mobilidade da fronteira econômica de Mato


Grosso com o Paraguai

A economia da erva-mate expandia-se não somente pelo Brasil, mas havia lutas
de interesses entre os três principais países envolvidos: Argentina, Brasil e Paraguai.
De acordo com Juan Carlos Krauer (1984), a necessidade de conquistas dos
mercados nacionais entre esses países, e principalmente as pressões dos moinhos de erva-mate
argentinos, determinaram uma constante mobilidade da fronteira econômica da erva-mate.

Las unidades económicas regionales no están delimitadas a través del tiempo


por espacios físicos rígidos, sino que se expanden y diversifican en función de
las formas de explotación que establecen las empresas dominantes y, no
menos importante, en función de la disponibilidad de mano de obra
(KRAUER, 1984, p. 42).

29
Sobre este assunto ver CORREA DA COSTA, Pedro Celestino. Mensagem dirigida à assembléia
Legislativa, em 13 de maio de 1910. Cuyabá, Typografhia Official. 1910. p. 14, apud ARRUDA,
1986, p. 229.

59
Por um tratado assinado em 1883 entre Brasil e Paraguai, todos os produtos
paraguaios entravam em Mato Grosso livres de impostos. No entanto, produtos vindos da
Europa e do Rio da Prata entravam contrabandeados, como sendo mercadorias paraguaias,
isentas dos impostos, do mesmo modo que o gado vacum e a erva-mate iam para o Paraguai
também isentos. Isto gerou uma crise que levou o Paraguai a desfazer o tratado em 1897, com
o objetivo de:

Proteger a la indústria yerbatera paraguaya, seriamente amenazada por la


yerba de origen brasileño en los mercados del Rio de la Plata (KRAUER,
1984, p. 44).

Para Krauer, o problema maior estava na exploração de erva-mate por uma


companhia brasileira, no caso a Companhia Mate Larangeira, que exportava anualmente
500.000 arrobas de erva-mate, isentas de impostos no Paraguai, sendo que o Paraguai
exportava uma quantidade semelhante, na mesma época, pagando 14 centavos por arroba de
10 quilos.
O problema consistia também em que uma porção considerável de erva-mate
originada dos ervais do norte do Paraguai, extraída por meio de carretas de bois, era na
realidade exportada como sendo de origem brasileira. Neste caso, o Paraguai perdia dobrado
em termos fiscais.
A mobilidade que foi referida antes tornou a acontecer após a mudança do porto
de exportação de erva-mate pela CML, que saiu de Porto Murtinho, no Rio Paraguai, para
Guaíra, no Rio Paraná, e também com a construção da ferrovia Noroeste do Brasil, ferrovia
essa criada com o intuito evidentemente de aproximar a região oeste do Brasil com o litoral
atlântico.

No cabe duda de que esta redirección del tráfico afectó profundamente la


prosperidad del norte paraguayo. A ello se habría de sumar un golpe casi
con el inicio de la construcción del ferrocarril brasileño E. F. Noroeste en
1905 desde Bauru hasta Itapura, trecho inaugurado en 1910. Entre 1917-20
se completa la conexión con Porto Esperanza, integrándose
consecuentemente el Mato Grosso al litoral atlántico brasileño, y acelerando
la decadencia de la “via paraguaya” al Atlántico (KRAUER, 1984, p. 47).

O fato é que, apesar das perdas fiscais do Estado paraguaio, a região que
compreende o Nordeste do Paraguai (que o autor citado chama de norte), em especial a área
60
que engloba Concepción e São Pedro, prosperou muito no momento em que houve o grande
fluxo da economia ervateira, isto é, do fim do século XIX até o início do século XX, graças
aos efeitos derivados do tráfico de erva-mate e também do grande comércio com a introdução
do gado bovino brasileiro. Logo após a transferência da CML do rio Paraguai para o rio
Paraná, aquela região veio a seguir outras direções.30
Krauer comenta que fue precisamente el auge de la economia ganadera lo que
permitió aliviar em parte la perdida del tráfico de la yerba brasileña.
Essa mobilidade na fronteira foi denunciada pelo presidente do Estado, Joaquim
Augusto da Costa Marques, em 1913, pois, segundo o presidente, o comércio clandestino
estava acarretando a queda de receita, e deveria ser coibida urgentemente com a força do
poder público, já que a Mate Larangeira não dava conta da tarefa sozinha.

Affirmam os habitantes de Ponta Porã que n’essa fronteira, toda livre até
Ipehum, o contrabando só da erva mate, posto já reduzido, ainda ascende a
mais de 140 mil arrobas castellanas, ou seja 1.400.000 kilogramas e que são
os extractores clandestinos os que mais estragam os hervaes em toda zona
fronteiriça, derrubando a arvore e fazendo a póda de seis em seis mezes. A
erva contrabandeada segue em carretas para villa Concepción do Paraguay,
que dista de Ponta Porã umas 70 léguas. Viram alli, na povoação paraguaya,
alguns dos membros da minha comitiva grande deposito de erva
contrabandeada, que estava sendo despachada para villa Concepción. Essa
erva é quasi toda negociada por mercadorias procedentes da republica
visinha, as quaes tambem entram para o Brasil pelos mesmos processos. A
empreza arrendataria das terras e dos impostos, conforme declarou-me um
dos seus representantes, não tem podido evitar o contrabando da erva,
apezar de sua constante vigilancia, e queixa-se de lhe não dar o Estado o
auxilio da força publica.31

Ao referir-se aos produtores clandestinos de erva-mate, Gilmar Arruda (1997)


comenta que a impossibilidade da empresa arrendatária combater a elaboração clandestina de
erva-mate e o nível atingido pelo contrabando na fronteira (no mínimo outros 30% da erva

30
O que Juan Carlos Krauer propõe com seguir em outras direções é que o norte do Paraguai passou a
ser controlado economicamente, a partir de 1911 e 1912, por empresas estrangeiras como a norte-
americana Farquhar, que possuía uma extensa área para criação de gado na região do Chaco paraguaio
e outras propriedades florestais na região. Esta empresa possuía sob seu controle quase 22.000 milhas
quadradas, quase três vezes a superfície da Escócia.
31
MARQUES, Joaquim Augusto da Costa. Presidente do Estado de Mato Grosso. Mensagem da 2ª
Sessão Ordinária da 9ª Legislatura da Assembléia Legislativa do Estado em 13 de maio de 1913.
Cuyaba. Typ. Official. 1913. p. 14. (wwwcrl.uchicago.edu/collections/braziliangovernment).
(Também se pode encontrar essa mesma mensagem no ALBUM GRAPHICO, de 1914, p. 398).

61
produzida eram contrabandeados), revelado pelas próprias autoridades, evidenciam a
atividade dos "changa-ys"32. Isto deixa claro que a atividade dos changa-ys dependia
exclusivamente dos comerciantes paraguaios ou brasileiros que adquiriam a produção.
Hernani Donato (1959) fez referências aos changa-ys, ou seja, ervateiros
clandestinos. A Cia. era hostil a esses “ladrões de erva”, e seu objetivo era acabar com eles.
Estes homens não podiam fazer barulho e não podiam acender fogo, viviam do medo, pois se
a Cia. os descobrisse liquidava com eles e ainda ficava com a erva produzida. Eram utilizadas
lanchas para vigiar os rios. Contudo, por mais que a Companhia mantivesse vigia, sempre
havia uma trilha para os changa-ys ganharem o seu sustento.
Para termos uma dimensão do total de erva-mate fora do controle do Estado ou
da Mate Larangeira, o governador Joaquim Augusto da Costa Marques, na mensagem à
Assembléia no ano de 1913, avaliou o contrabando em mais de 140.000 arrobas castelhanas,
ou seja, 1.400.000 kg, como foi dito antes. Urgia naquele momento, segundo o Governador,
que o Estado tomasse providências no sentido de frear a ação destes contrabandistas,
assegurando, para tanto, os interesses da Mate Larangeira e do Estado.
No mesmo relatório, Costa Marques dava a entender que não era contra a
fragmentação dos ervais, pois diz que, em Ponta Porã, era admirável ver o pequeno erval
nativo nas margens das ruas e quintais cujas plantas já haviam sofrido algumas podas. O que
o deixava irado era o contrabando da erva-mate.33
Em 1915, o mesmo presidente profere outro discurso, e dessa vez foi enfático,
no intuito de chamar a atenção da Assembléia, que não havia concedido os arrendamentos
assim como queria a Mate Larangeira, o que, segundo ele, levava o Estado a perder receitas.

É preciso, portanto, Srs. Deputados, cogitar-se do meio de melhor acautellar


os interesses que o Estado tem na exploração dessa indústria, e de assegurar
os seus direitos a esse rico patrimônio, pois, com a terminação do praso do
arrendamento, que se approxima, e si não se fizer outro, a mesma entrará
num período de incertezas, de experiências e quiçá de luctas naquella zona,
visto a avidez dos que trabalham pelo seu esphacelamento para ver se
conseguem ao menos uma parcella de tão cubiçada riqueza pública.34

32
Changa-ys – “ladrão de erva”, denominação utilizada para aqueles que faziam erva em terras ou
ervais alheios.(ARRUDA, Gilmar. 1997, p. 35).
33
Este assunto consta da Mensagem de Costa Marques, que está transcrita no ÁLBUM GRÁPHICO
de 1914, p. 399.
34
COSTA MARQUES, Joaquim Augusto. Mensagem dirigida pelo Exm. Sr. Dr. Presidente do Estado
á Assembléa Legislativa ao installar-se a 1a. sessão ordinária da 10a. legislatura em 13 de maio de
1915. Cuiabá, manuscrita, 1915, p. 53, 54. APMT.
62
2.1.2 – A migração gaúcha para o SMT

Inegavelmente a erva-mate constituiu um estímulo para o povoamento do SMT


durante as décadas finais do século XIX e inícios do século XX. Processo semelhante havia
ocorrido também em Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná. Porém, em Mato Grosso o
fenômeno foi mais notável, em face da baixíssima densidade demográfica do Estado. A
migração mais expressiva que povoou o SMT nesse período, com certeza, foi a sul-rio-
grandense.
O conhecimento das paragens mato-grossenses já havia chegado ao Rio Grande
do Sul. Corrêa Filho traça de forma clara a forma de ocupação do SMT.

Certo, já saberiam alguns que lá prosperava na indústria ervateira um dos


seus conterrâneos, cujas pegadas seguiram. Bem acolhida a primeira
comitiva de retirantes do regime hostil, não tardaram outros, que entravam
pelo Paraguai, por terra, em demanda da fronteira mato-grossense.
Dispersavam-se de Bela Vista a Ponta Porã, penetrando a pouco e pouco o
interior, como onda invasora. Ambas as localidades fronteiriças ainda se
achavam em modesta fase de evolução (CORRÊA FILHO, 1957, p. 50).

Alvanir de Figueiredo também fez um paralelo aos argumentos de Corrêa Filho,


pois o mesmo sugere que a notícia de campos limpos devolutos e de erva-mate deve ter
chegado aos ouvidos de muitos que decidiram procurar por Mato Grosso. Com a Revolução
Federalista de 1893, inúmeros sul-rio-grandenses migraram para o SMT, provocando uma
corrente de povoamento. Assim:

Em vários municípios eram organizadas as comitivas, principalmente em


São Borja e São Luiz Gonzaga. Dezenas de pessoas formavam as comitivas.
Mais de cem, freqüentemente. A pé, a cavalo ou em carretas puxadas por
bois, depois de desfeitas as propriedades, os retirantes franqueavam o rio
Uruguai, entrando em Misiones, na Argentina, seguindo até Posadas.
Atravessavam, então o rio Paraná, alcançando Encarnación. A partir daí
variava o caminho a seguir. Uns seguiam pelo Paraná até Pôrto Adela.
Outros, a maioria seguia por terra, passando por Vila Rica e São Pedro,
entrando em Mato Grosso por Ipehun atualmente denominada Paranhos,
pequena vila do atual município de Amambai. Havia ainda os que seguiam
até Assunção e Conceição, avançando, então por terra, até Horqueta e

63
entrando na picada do Chiriguelo iam até Ponta Porã ou desviavam-se rumo
a Bela Vista (FIGUEIREDO, 1968, p. 220, 221).

Dessa forma, os migrantes fixaram-se próximos a Ponta Porã ou Dourados,


regiões com clima e paisagens semelhantes às do Rio Grande do Sul, muitos indo até
Miranda, Aquidauana ou Campo Grande. Estes passaram a apossar-se das terras devolutas,
pois a terras custava apenas a posse.
O “problema” consistia nos povos indígenas, muitos deles hostis ao invasor.
Também estava ali a Mate Larangeira, que foi o principal obstáculo à posse da terra pelos
migrantes, sendo que os conflitos ultrapassaram o século XIX e perduraram durante o início
do século XX. A grande arrendatária viu sempre com desconfiança e preocupação a chegada
das comitivas gaúchas, naturalmente desejosas de obter a posse em terras já confiadas à Cia.
pelo arrendamento.
No Extremo Sul de Mato Grosso as refregas políticas levaram às populações o
clima de caudilhismo, muito conhecido no Rio Grande do Sul. Mas a Mate Larangeira sentiu
o problema causado com o crescente povoamento decorrente da migração gaúcha. Mesmo
com a garantia de não-concessão de posse em território a ela arrendado, o fato é que os
conflitos de posse avolumavam-se e as vastas extensões ocupadas pela Mate Larangeira não
deixavam de interessar aos novos ocupantes.
As cidades de Bela Vista e Ponta Porã, na fronteira Sul de Mato Grosso, como nos
relata Corrêa Filho (1957, p. 50), estavam no dorso do divisor de águas, e haviam sido
transformadas em animados acampamentos de ervateiros, predestinados a desenvolver-se
gradativamente com a nova população.

Centenas de seus correligionários, mais ditosos, alcançam-na, decididos a


prosperar. Adquiriam a gleba proporcionada aos seus haveres ou à
capacidade dos seus esforços. A opulência dos ervais garantia o custeio nos
primeiros anos, de adaptação ao novo ambiente, que a muitos se afiguraria
transplantado de sua querência nativa. O êxito dos pioneiros atraia parentes
e amigos, cujas comitivas anuais contribuíam sobremaneira para breve
prazo apresentar índices expressivos do seu florescimento, aquilatado pelo
padrão mato-grossense de rala população e carência de capitais acumulados
(CORRÊA FILHO, 1957, p. 51).

De aliados da Companhia Mate Larangeira, no início do povoamento, argumenta


Corrêa Filho ( 1957, p. 51), os migrantes tornaram-se, em breve tempo, suspeitos à sua

64
MAPA 3

ROTAS DE MIGRAÇÃO PARA O ANTIGO SUL DE MATO GROSSO, ATUAL


MATO GROSSO DO SUL

GOIÁS
MINAS GERAIS
MATO GROSSO DO SUL

Campo Grande

Aquidauana Três Lagoas


SÃO PAULO
Bela Vista Dourados Presidente Epitácio
Presidente Prudente
Ponta Porã
Amambai São Paulo
Concepción PARANÁ
Guaíra
PARAGUAI
Foz do Iguaçú Curitiba
Assunción

SANTA CATARINA
Corrientes Posadas
Florianópolis

ARGENTINA S.Luiz Gonzaga


S.Borja

RIO GRANDE DO SUL Porto Alegre

URUGUAI
Migrações
Gaúchas
0 10 0 20 0 30 0 Km Mineiras e goianas
FONTE: FIGUE IR ED O, (1 96 8, p.2 2 0)
Paranaenses e paulistas
Org.: Laércio Cardoso de Jesus

65
administração, que não via com bom grado o aumento da legião de ocupantes, presumindo
que estes poderiam criar-lhe dificuldades.

Esse desenvolvimento gradual dos migrantes gaúchos, na região em destaque, de


fato ocorreu, havendo então a preocupação dos dirigentes da Companhia Mate
Larangeira, de maneira que em 1907, como já foi dito, a família Murtinho fez uma
forte pressão ao governo estadual na tentativa de impedir o fluxo migratório para a
região ervateira. Os contratos de arrendamento do governo com Larangeira não
permitiam o ingresso de “intrusos”.

Em resumo, como notou um autor,

Desde o início do século o domínio da Companhia sobre os ervais mato-


grossenses vinha sendo combatido, num processo que incluiu até mesmo
ásperas lutas armadas; propugnava-se pelo fracionamento dos ervais que
tornaria viável a emergência da pequena produção independente –
facilitando a exportação da erva, até então dependente de pesados
investimentos a que apenas a Mate parecia capaz de fazer face (QUEIROZ,
1999, p. 390).

Esse processo culminou com a edição da Lei estadual nº 725, em 1915, que
reconheceu o direito dos posseiros à aquisição de terras na área. Foi, então, concedida
preferência aos posseiros para a aquisição de um máximo de dois lotes, de extensão não
superior a 3.600 hectares cada lote, desde que comprovassem morada habitual e cultura
efetiva anterior a 1914.

2.1.3 – A Questão do Mate e a Lei Nº. 725

A Questão do Mate consistiu em uma série de situações políticas envolvendo os


poderes Executivo e Legislativo de Mato Grosso em relação aos arrendamentos dos ervais do
SMT, durante as primeiras décadas do século XX. O manifesto intitulado A Questão do Mate
foi elaborado em julho de 1912, pelos deputados João Cunha, Annibal Coelho, Avelino
Siqueira, João Pedro de Arruda, José Theodoro de Paula, Dr. Estevão Alves Corrêa, Candido

66
Teixeira Cardozo, Manoel Severiano Ferreira Marques, Joaquim Sulpicio de Cerqueira Caldas
e João Baptista de Oliveira Brandão Junior.
Para entendermos essa reação dos deputados, devemos entender, então, qual a
razão dessa reação. A seguir, sintetizamos algumas propostas da Companhia que ela julgava
necessárias para manter a produção ervateira com rentabilidade tanto para ela quanto para o
Estado.
No ano de 1907, como já foi visto no primeiro capítulo, a Mate Larangeira
apresentou aos deputados daquela legislatura uma proposta que incluía, entre outras coisas, a
antecipação da prorrogação de seu arrendamento. De fato, a empresa solicitava:

• prorrogação do prazo dos seus contratos de arrendamentos dos ervais e campos;


• aumento da área arrendada;
• direito à compra de terras devolutas por preços inferiores aos da tabela em vigor;
• contribuição anual de 60 contos de réis de 1907 até 1915; 70 contos de 1916 até 1920; 80
contos de 1921 até 1925; 90 contos de 1926 até 1930.35

Naquele ano de 1907, a Assembléia se negou a atender aos interesses da Mate


Larangeira, emitindo o parecer nº 33, de forma que contrariava os interesses da empresa,
motivo pelo qual, como já foi mencionado, Manoel Murtinho havia endereçado uma carta ao
então presidente do Estado, Generoso Ponce, para que o mesmo intercedesse a fim de que
fossem aprovadas as propostas da Cia.
Os defensores da Mate Larangeira se manifestaram de imediato, e no calor das
discussões na Assembléia estava o Deputado Henrique Augusto de Sant’Anna, que proferiu o
discurso da seguinte forma:

Illudem-se os que acreditam que a exploração parcellada dos hervaes possa


trazer conveniência ao Estado augmentando as suas rendas; a nosso ver, o
resultado será fatalmente negativo, porque semelhante systema acarretará o
36
anniquilamento da industria ora existente.

35
Parecer 33 de 1907. Sala das Commissões da Assembéa Legislativa em Cuyaba, 28 de setembro de
1907. A QUESTÃO DO MATE. Manifesto dos Deputados da Assembléia Legislativa de Mato
Grosso. Cuyaba, 1912 p. 45, 46.
36
Discurso do Deputado Augusto de Sant’Anna na Assembléa Legislativa em 9 de setembro de 1907.
A QUESTÃO DO MATE. Manifesto dos Deputados da Assembléia Legislativa de Mato Grosso.
Cuyaba, 1912 p. 55.

67
Passados alguns anos, ou seja, em 1912, a Companhia achou que era o momento
propício para de novo apresentar a proposta que não fora aprovada antes. Contudo,
conhecedores de toda a questão que envolvia a erva-mate, alguns deputados, contrários à Cia.,
trataram de obstruir, por meio da negação de quórum (ausentando-se do plenário), a
possibilidade de prorrogar, com privilégios, os arrendamentos solicitados.
O Presidente do Estado Joaquim Augusto da Costa Marques, por seu turno,
também não estava a favor dos arrendamentos da forma como se pretendia. Assim, expôs os
seguintes comentários em sua Mensagem Presidencial:

E para desdobrar uma perspectiva seductora, não perdem ensejo de repetir


que o Estado, concedendo o arrendamento vae gozar commodamente, sem
trabalhos, sem riscos, sem esforços, das quotas que a Companhia houve por
bem dispensar-lhe! De forma que emquanto a felizarda empreza se
locupleta com a nossa seiva e depaupera o nosso organismo, abarrotando os
seus cofres e fazendo opulencia dos seus accionistas, o proprietário do
manancial, conformado com a sua miserável condição de incapaz,
permanece adstricto a subvenção que lhe ministra a onmnipotente
empreza.37

O Presidente Costa Marques citou o caso do Paraná, em que seus pequenos


produtores tiveram um desenvolvimento tremendo depois da fragmentação dos ervais.

O Paraná comprehendeu a vantagem de dividir os seus hervaes em


pequenos lotes, que trabalhados com carinho dos seus proprietários, dão o
maximo de producção, conservando o vigor das plantas, constituindo ao
mesmo tempo um patrimônio do Estado e do particular que vê fructificar o
seu esforço que há de ser o arrimo seguro de seus descendentes. Alli o
governo sabe o que possue, conhece a cifra da producção e tem certeza de
que a riqueza vegetal com que foi dotado o território, faz a felicidade de um
avultado numero de famílias que desfructam o seu trabalho e prosperam sob
um regimen de harmonia e segurança (Idem, p. 75).

O deputado Severiano Marques, no ano de 1912, proferiu seu discurso criticando


atuação da Companhia, por ele considerada nefasta, e defendendo os produtores particulares,
isto é, independentes da empresa:

37
Mensagem do Presidente do Estado Joaquim Augusto da Costa Marques. A QUESTÃO DO MATE.
Manifesto dos Deputados da Assembléia Legislativa de Mato Grosso. Cuyaba, 1912 p. 69.

68
Os monopólios exercidos por particulares são, em these, hostilizados,
tolerando-se apenas aquelles que exigindo grandes capitaes correspondem
ao mesmo tempo a reaes interesses da collectividade. [...] Estará o
monopólio da Companhia Matte nessas condições? Que vemos na formosa
e rica região Sulista, séde da egoística Empreza Matte? Cerca de 1.600
léguas do opulento planalto do Amambahy reduzidas a uma criminosa
feitoria da firma Larangeira, Mendes & C.ª, que tem sob a humilhante
condição de aggregados perto de 20.000 brazileiros que para esta região da
pátria se deslocaram com famílias e haveres, na justa supposição de serem
acobertados por suas leis, quando, triste realidade! Vêem-se sob o guante
estrangeiro que em suas mãos não querem calçal-o, por aspirarem o
trabalho que dignifica e não a lucta brutal e humilhante que elle provoca.38

O deputado ainda sugeriu que a Mate Larangeira tinha o interesse de despovoar a


zona ervateira, para dilatar seu domínio, pois não queria competidores, ainda que fossem
pequenos, nem testemunhas dos crimes que praticava, a fim de que estes não pudessem
denunciá-la. Severiano Marques utilizou-se de linguagem figurada para caracterizar a ação da
Companhia:

E quem assiste este triste quadro de depauperamento continuo que vae


experimentando nossa terra, onde a Empreza como um cancro de mil
tentáculos, depois de absorver-lhe toda a seiva, nada deixará em seu lugar,
não poderá sopitar o grito de solemne protesto em pról de tão sagrado
patrimonio, que não deve constituir privilegio duma empreza, mas sim uma
das fontes destinadas a promover a felicidade da collectividade (Idem. p.
90).

Somado aos deputados contra as pretensões da Cia. estava o Coronel Pedro


Celestino, que publicou no jornal O Matto Grosso um artigo onde expôs suas idéias sobre a
Questão do Mate, alegando que o Estado sairia no prejuízo se fossem concedidos os
arrendamentos da forma como a Empresa queria. Assim, segundo o Coronel, seria
interessante que se esperasse o fim do contrato com a Empresa, que ia até 1916, para depois o
Estado dispor das terras da melhor forma que lhe conviesse, obtendo vantagens, uma vez que

38
Discurso do Deputado Severiano Marques. A QUESTÃO DO MATE. Manifesto dos Deputados da
Assembléia Legislativa de Mato Grosso. Cuyaba, 1912 p. 88.

69
havia uma supervalorização das terras ervateiras em função da construção da NOB,39 e
também um contingente de pequenos produtores querendo legalizar suas posses:

A valorisação dos hervaes devida à viação que lhes trouxe a Noroeste, é,


por assim dizer, proporcional à valorisação das terras daquella região, cujo
preço, as dos particulares, subio em menos de 5 annos, de um conto de réis
a légua quadrada a mais de 10 contos de réis, e desta circumstancia
favorável não deverá prescindir o governo, não só para tirar vantagens
razoáveis quanto aos hervaes propriamente ditos, como principalmente em
relação às terras publicas comprehendidas posteriormente no arrendamento,
em contracto supplementar. Essas terras devolutas são constituídas de
escellentes campos de criar e mattas avaliadas em mais de 1.500 leguas
quadradas, inclusive hervaes, as quaes arrendadas também à Empreza
Matte, tem permanecido incultas e despovoadas, excepto as que foram
occupadas anteriormente ao arrendamento e pelos intrusos (que são em
grande numero) que apenas aguardam a sua reversão ao domínio do Estado
para adquiríl-as legalmente. 40

A Mate Larangeira esperava, na nova concessão, conseguir privilégios maiores


que os obtidos nas concessões anteriores, mas a oposição a suas pretensões foi notável, devido
à condição do projeto que, como foi visto, alguns deputados não aceitavam, argumentando
que causaria prejuízos para o Estado. Nesse sentido, os deputados alertavam para a iminente
situação:

E não havia de ser aquelles que identificados com os princípios


democráticos e de são patriotismo, donde naturalmente resulta o respeito
aos interesses do povo, e como seus mandatários, que fossem concorrer para
serem suffocadas suas aspirações com prejuízo dos vitaes interesses do
Estado. Nessa situação premente de interesses oppostos aos interesses da
collectividade, empenharam-se na lucta aquelles que a representam,
convencidos da sua alta missão, afim de que não fosse se reflectir no Estado
as desastradas conseqüências duma acção prejudicial ao seu destino. 41

39
A referência que o Coronel Pedro Celestino fez à NOB seria referente ao trecho de Três Lagoas até
Corumbá, e não ao trecho que chegava até Ponta Porã, pois esse foi construído e inaugurado bem mais
tarde, em 1953.
40
Discurso de Pedro Celestino Corrêa da Costa em 28 de julho de 1912. A QUESTÃO DO MATE.
Manifesto dos Deputados da Assembléia Legislativa de Mato Grosso. Cuyaba, 1912 p. 34.
41
A QUESTÃO DO MATE. Manifesto dos Deputados da Assembléia Legislativa de Mato Grosso.
Cuyaba, 1912 p. 4.

70
A razão mais premente, pela qual os deputados estavam preocupados, era que a
Mate Larangeira, temendo perder garantias nos contratos, já não mais se dirigia à Assembléia
para a aprovação de suas concessões. Isto se verificou com o pedido de intervenção direta do
presidente do Executivo Estadual no Legislativo, e assim, aprovar o que fosse de interesse da
empresa. Essa atitude da Mate Larangeira provocou os deputados que reagiram prontamente
através do Manifesto.

Com effeito, a Companhia não procurou se dirigir a Assembléa, único poder


competente para deliberar a respeito, mas sim accordar com o Exm. Sr.
Presidente do Estado no estabelecimento das differentes clausulas do
Projecto, que teria de passar pela Assembléa sem sofrer a menor alteração.
A noticia do encaminhamento das negociações entre o Governo e a
Empreza, divulgou-se causando natural desgosto entre os membros do
Poder Legislativo, por verem neste acto uma indébita intervenção do
Executivo na sua esphera de acção máxime estando funccionando a
Assembléa que surpreza assistia a annulação de sua soberania (Idem.).

Criado o impasse, pela tática da obstrução, a Cia. viu-se forçada a desistir de seus
pedidos. Pesava sobre a Mate Larangeira o fato de que o Paraná, com uma área ervateira
semelhante à de Mato Grosso, gerava uma renda muito maior aos cofres do Tesouro. Mas a
dificuldade, em Mato Grosso, residia em que:

Relativamente a esta empreza ainda ocorre a circumstancia de ser ella a


única concurrente que se apresenta para arrematar o imposto de exportação
desse producto, ficando assim o Governo na contingência de acceitar a sua
proposta pelo facto de não ter-se ainda apparelhado para fazer a cobrança
administrativa como pela difficuldade de uma rigorosa fiscalização em tão
vasta zona na fronteira. Não obstante, devemos cogitar de um meio efficaz
que emancipe o Estado.42

Deixamos para abordar por último os pronunciamentos do deputado Brandão


Júnior, pois este foi um dos defensores mais contundentes da fragmentação dos ervais do
SMT. Brandão Júnior fez um discurso em 1912 no qual defendia que, se as áreas fossem
arrendadas ao domínio particular, haveria um melhor aproveitamento tanto para a população

42
A QUESTÃO DO MATE. Manifesto dos Deputados da Assembléia Legislativa de Mato Grosso.
Cuyaba, 1912 p. 10.

71
quanto para o Estado, haja vista que a população de Ponta Porã, naquele momento, atingia a
cifra de 20.000 pessoas, portanto, necessitava das áreas para o trabalho.

Não é lícito conceber-se [...] o município de Ponta Porã, tal como ele se nos
apresentava ao tempo da primeira concessão. Então, tínhamos simplesmente
uma longínqua região onde raros habitantes esparsos apenas denunciavam a
existência de riquezas susceptíveis de exploração. Atualmente, o Planalto
do Amambaí é habitado por uma população de 20.000 almas (BRANDÃO
JÚNIOR, 1912, apud CORRÊA FILHO, 1957, p. 52).

Para justificar o fracionamento, Brandão Júnior utilizou os exemplos das áreas


ervateiras dos estados do extremo sul do Brasil, onde a prosperidade reinava:

Os ervais do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, por estarem


sujeitos a êste regime, se encontravam em estado de prosperidade, em
contraste com a decadência dos nossos. Naqueles estados as pequenas
propriedades de ervais se apresentam o belíssimo aspecto dos laranjais bem
formados, que fazem a admiração de quem viaja pelo rio Paraná, entre
Corrientes e Goya, República Argentina. Mesmo aqui, no sul do Estado,
perto de Ponta Porã, são notados alguns pequenos ervais apresentando o
encantador aspecto de um pomar racionalmente plantado (Idem.).

O discurso do deputado Brandão Júnior, citado acima, foi publicado pelo Álbum
Graphico de Mato Grosso em 1914. Parece-nos que os organizadores do Álbum tinham
interesse em esclarecer o episódio da Questão do Mate, isto porque, é possível notar que o
objetivo do discurso do deputado era fragmentar a área ervateira. O texto, intitulado O
Planalto do Amambahy,43 informa que a extensão dos ervais era orçada em torno de
1.000.000 de hectares, que até aquela data tinham sido explorados exclusivamente por uma
empresa de acanhados moldes, ou seja, estacionária, isto porque a empresa tinha sua sede fora
do Estado.

Como é sabido, a empreza exploradora dos hervaes tem sua séde fóra do
território do Estado, sendo também residentes fóra os seus capitalistas. Esta
circumstancia, só por si, é muito contraria aos interesses econômicos do
Estado, porque a quase totalidade dos capitaes produzidos pelo nosso matte

43
Acreditamos que este pronunciamento do deputado Brandão Júnior, citado por Virgílio Corrêa
Filho, foi o mesmo feito à Assembléia e publicado pelo jornal O Mato-Grosso, que consta entre as
páginas 95 e 107 do Manifesto dos Deputados – A Questão do Mate, de 1912. O mesmo
pronunciamento também consta como artigo do Álbum Graphico de Mato Grosso, de 1914.

72
não tem entrada em Matto-Grosso, de modo que não é possivel a
capitalisação, e assim a nossa riqueza, longe de augmentar, vai
gradualmente diminuindo, na mesma medida do enfraquecimento dos
hervaes. De outro lado, a empreza exploradora prohibe o domicilio dos seus
trabalhadores na zona dos hervaes, attestando claramente o intuito de
manter o planalto do Amambahy inteiramente deserto, para melhor servir
aos interesses exclusivos da empreza e impedir o Estado movimentar suas
fontes de riqueza – em harmonia com a solução mais racional do seu
problema economico (BRANDÃO JÚNIOR, apud ALBUM, 1914, p. 425).

O deputado considerava perdoável que, nos 20 anos anteriores, os ervais não


houvessem recebido outro regime de exploração, além do estabelecido pelas concessões
privilegiadas à Mate Larangeira. Mas seria um crime continuar na prorrogação das
concessões, pelo motivo de que a região ervateira teria se transformado ao ser ocupada por
uma população que necessitava de terras para suas lides.
O fracionamento da propriedade territorial do SMT, segundo Brandão Júnior,
seria o maior benefício que os Poderes Públicos poderiam proporcionar ao Estado, no intuito
de servir aos interesses da coletividade.

Comprehende-se que o regimen do parcellamento dos hervaes, desde que


existem já no lugar os braços necessarios ao serviço de extracção do matte,
produzirá extraordinaria vantagem porque o mesmo pessoal que se
empregar n’essa industria , fará igualmente a lavra e a cultura da terra,
produzindo não só o necessario para a subsistencia propria, como para
alimentar fartamente as populações urbanas que se formarão,
inevitavelmente, sobre as melhores paragens das margens dos rios
Amambahy, Brilhante e seus affluentes (Idem, p. 426).

O artigo de Brandão Júnior, publicado no Álbum Graphico, considerava que o


domínio particular sobre os ervais, mediante um fracionamento convenientemente
estabelecido, não poderia ser considerado um mal: seria antes um benefício ao Estado, pela
garantia que resultaria do regime de livre exploração, em função da sua conservação e seu
revigoramento. Neste sentido, sua argumentação levou ao seguinte questionamento: que
obstáculos restam ainda ao fracionamento dos ervais?
Com os argumentos que Brandão Júnior utilizou, tentando justificar o
parcelamento dos ervais, o mesmo fez também uma previsão de que, imediatamente após a
aquisição dos lotes de ervais, os seus proprietários montariam o serviço de colheita e primeiro
beneficiamento do mate, ao mesmo tempo em que seriam fundados os estabelecimentos

73
destinados a aperfeiçoar a sua elaboração44. Para que estes estabelecimentos se formassem, os
Poderes Públicos deveriam animá-los, amparando-os no que fosse possível (Idem, p. 428,
429).
Todo esse movimento em torno dos arrendamentos das terras ervateiras do Sul de
Mato Grosso (o pleito da Companhia pela nova concessão, a fragmentação dos ervais, bem
como a reação dos deputados frente à possibilidade de nova concessão com privilégios à
Companhia, e a conseqüente desistência dessa) ficou conhecido como A Questão do Mate.
No ano de 1913, a Mate Larangeira publicou uma exposição de motivos
justificando a sua desistência dos pedidos por ela formulados. Segundo a Exposição, já seria
difícil para a arrendatária cumprir os contratos vigentes até o fim do prazo, isto é, 1916,
devido às circunstâncias ocorridas, e que eram adversas aos seus interesses. Para tanto, iria
abandonar a sua indústria.45
A resistência ao pedido da Cia. fora liderada pelo ex-presidente do Estado, Pedro
Celestino Corrêa da Costa, embora ele pertencesse ao partido governista, o PRC (Partido
Republicano Conservador). Entretanto, o desfecho do caso, segundo Valmir Corrêa,
“provocou também uma cisão política no Estado, com Pedro Celestino afastando-se dos
perrecistas e fundando o Partido Republicano Mato-Grossense – PRMG” (CORRÊA, 1995,
p. 105).
Nas eleições seguintes, o PRMG foi derrotado. Foi eleito para presidente do
Estado o general Caetano Manoel de Albuquerque, que, por sua vez, embora sendo do PRC,
manifestou divergências com relação à orientação partidária (cf. CORRÊA FILHO, 1957, p.
66). De fato, Albuquerque, ao tomar posse da presidência do Estado em 15 de agosto de 1915,
mostrou-se favorável ao projeto de fragmentar os ervais do SMT. Assim, patrocinou a
elaboração da Lei nº 725, aprovada pela Assembléia Legislativa em 24 de setembro de 1915.
Segundo Corrêa Filho, toda a discussão anterior, no ano de 1912, havia modificado a opinião
da maioria da Assembléia, o que permitiu a aprovação da referida lei (CORRÊA FILHO,
1925, p. 83).

44
De fato, nessa época, o mate a ser exportado era submetido apenas a um primeiro beneficiamento,
chamado “cancheamento”, em que a erva era secada no barbaquá e semi-triturada. Segundo Serejo
(1986, p. 187,) a cancha era um piso no qual a erva era batida para torna-la mais fina. O
beneficiamento final, destinado a tornar o produto apto ao consumo, era efetuado nos moinhos
argentinos.
45
Exposição apresentada ao Estado de Matto Grosso pela Empreza Larangeira, Mendes & C. 30 de
abril de 1913. (IHG – Mato Grosso. Nº 1027). Como sabemos, a Mate Larangeira não abandonou a
sua indústria após o fim do contrato. Na verdade, a partir de 1916 ela conseguiu novos arrendamentos.

74
A Lei 725 estabelecia que os arrendamentos poderiam ser contratados não
obrigatoriamente com a Mate Larangeira mas com qualquer outro que, nas mesmas condições
de idoneidade, oferecesse melhores vantagens, mediante concorrência pública. Ao que consta
nos escritos de Corrêa Filho, a área arrendada não poderia exceder 400 léguas, ou seja,
1.440.000 hectares, nem a exportação anual poderia ser inferior a 6.000 toneladas (CORRÊA
FILHO, 1925, p. 83, 84).
O artigo 31 da Lei 725 rezava que era direito dos posseiros adquirir as suas
respectivas áreas por compra depois de passados 2 anos a partir de 1916:

A cada um dos ocupantes de terras de pastagens e de lavoura situadas


dentro da área compreendida no contrato de arrendamento em vigor, será
garantida, dentro do prazo de dois anos, a contar de 27 de julho de 1916, a
preferência para aquisição de uma área nunca superior a dois lotes de três
mil e seiscentos hectares cada um, ainda mesmo que dentro dessas terras
existam pequenos ervais (CORRÊA FILHO, 1957, p. 67).

É importante observar que a mudança de posição do presidente Caetano de


Albuquerque, que se afastou do PRC para se aproximar do PRMG, teve como conseqüência o
início de violentas lutas armadas, num período que ficou conhecido como caetanada
(CORRÊA, 1995, p. 105, 107).
Os opositores de Albuquerque, partidários do senador Azeredo (PRC), pegaram
em armas, conforme cita Corrêa (1995): “em apoio aos deputados azeredistas, coronéis
perrecistas levantaram-se em armas em todo estado”, tanto no norte quanto no sul; ao mesmo
tempo, forças foram também mobilizadas ao lado do governo, em todo o Estado (CORRÊA,
1995, p. 107, 108). Nos confrontos armados, a vitória coube aos partidários de Caetano e do
PRMG. Essa luta, segundo Corrêa Filho, teve contornos sociais, uma vez que a vitória do
PRMG, no sul do Estado, só foi obtida devido ao apoio dos posseiros, que “constituíam a
maioria dos povoadores da região sulina”, e que, sentindo-se beneficiados pela Lei 725,
mostraram-se “decididos a sustentar, pelas armas, os princípios aniquiladores do monopólio
dos ervais” (CORRÊA FILHO, 1969, p. 608).
A mesma idéia é colocada por um autor citado por Valmir Corrêa: “Terminada a
revolução, com a vitória das forças contrárias ao predomínio da Empresa [Cia. Mate],
melhorou bastante a situação dos que queriam terras próprias para morar, porque já não havia
mais a célebre polícia da Empresa, comandada pelo Tenente Félix, que morreu em combate”
(apud CORRÊA, 1995, p. 109).

75
A penetração legalizada dos produtores independentes ou posseiros, nas áreas dos
arrendamentos, só era possível na medida em que estes satisfizessem ao requisito essencial da
Lei 725, ou seja, prova de cultura efetiva e morada habitual anterior ao ano de 1914,
conforme esclarece Corrêa Filho (1925). A Mate Larangeira, por seu turno, adquiriu através
de compra os ervais situados onde é hoje o município de Laguna Caarapã, próximos a
Caarapó e Amambai, com uma área de 34.153 hectares, onde formaria sua sede, mais
conhecida como Campanário.
Ao que tudo indica, Corrêa Filho supõe que a extração da erva-mate deixou de ser
centralizada através do controle da Mate Larangeira, passando a dispersar-se pelos pequenos
proprietários de ervais, que podiam, com maior eficiência, cuidar das árvores que lhe
pertenciam, sem desprezar as ocupações em outros tipos de culturas agrícolas.
Na conformidade da Lei 725, a Mate Larangeira conseguiu, em 1916, o
arrendamento da área equivalente a 1.440.000 hectares de ervais. O contrato dessas 400
léguas quadradas foi celebrado em 19 de maio de 1916, com vigência até 1926. Esse contrato
dava caráter exclusivo de escolha das melhores áreas ervateiras ao novo arrendatário. Neste
caso a Mate Larangeira poderia escolher a área dentro dos seguintes limites:

Os limites dessa zona dentro da qual será escolhida a área de quatrocentas


léguas quadradas de hervaes e pastagens, são os seguintes: desde as
cabeceiras do rio Santa Maria na serra de Amambahy, pelo mesmo rio e rios
Brilhante, Ivinhema e Paraná até a serra de Maracajú, e pela crista desta e
da serra de Amambahy até as referidas cabeceiras do rio Santa Maria (apud
ARRUDA, 1986, p. 289).

Após a escolha de sua área pela Cia., o restante poderia ser vendido pelo Estado
aos posseiros, nas condições já mencionadas. No contrato celebrado em 1916, estava que a
empresa arrendatária teria um prazo de dois anos, a partir da data do contrato, para escolher a
área. Acontece que no contrato, no item I da 1ª cláusula, estava que, depois de escolhida a
área pela empresa arrendatária, o Estado mandaria medir. No entanto, demorou-se muito mais
que isso, uma vez que, não se delimitando as 400 léguas quadradas, a Mate Larangeira
poderia então extrair erva de qualquer lugar sem que fosse incomodada.
Houve muita apreensão por parte dos produtores independentes, pois não podiam
solicitar a compra das áreas excedentes do Estado, uma vez que o engenheiro Fernando
Esquerdo, encarregado de fazer a medição da área, não delimitou no prazo previsto os ervais

76
da Mate Larangeira. Assim, os posseiros não tinham como requerer de imediato a compra, o
que veio a ocorrer somente por volta de 1920.

2.2 – Do reconhecimento do direito dos “posseiros” até o início do


Estado Novo

No relatório apresentado pelo 1º vice-presidente, Antonino Ferrari, ao então


presidente do Estado, D. Aquino Corrêa, por conta de uma viagem feita ao SMT em 1918,
Ferrari destacou a situação delicada da Mate Larangeira em relação aos posseiros, os quais
estavam amparados pela lei 725.

Os povoadores da Comarca de Ponta Porã, pretendentes a posse de terras,


amparados no novo contrato, estavam dispostos a promover uma revolução,
caso não fossem attendidos em suas pretenções, e, de outro lado, a
administração da Empresa se mostrava apreensiva e immensamente
prejudicada pelo contrabando, crescente e ameaçador, praticado por alguns
posseiros e várias pessoas intrusas, visto que as autoridades policiaes não
podiam pôr cobro a taes abusos e a Empresa indefesa não dispunha de
recursos para cohibil-os (FERRARI, 1918, p. 3).

O vice-presidente do Estado emitiu uma opinião a respeito do que fazer para


resolver esta questão tão aviltante que se instalara na região dos ervais:

Cumprir-se restrictivamente o contracto; executar-se a medição


immediatamente por commisão de engenheiros, sob a audiência de uma
autoridade superior do Estado, afim de manter-se um ambiente moral
imparcial na solução do litigios possíveis, durante essa medição. Não
convem prorogar o prazo das justificações, afim de evitar-se a persistência
desse fermento perigoso de agitação, numa zona de importantes interesses
econômicos do Estado. Aos legítimos posseiros serão concedidos os lotes,
com o maximo de 7.200 hectares, quando os campos occupados permittirem
esse maximo (FERRARI, 1918, p. 8).

Naquele momento, Ferrari atentava para a situação dos posseiros, exigindo uma
solução cuidadosa, imparcial e previdente. Os posseiros, afirmou Ferrari, eram brasileiros que

77
habitavam a comarca de Ponta Porã e quase todo o extremo sul de Mato Grosso; era uma
população boa, em todos os sentidos, laboriosa, afeiçoada ao solo, por isso, extremamente
interessada em legalizar as posses das terras que ocupavam.
Denota-se nesse relatório que o 1º vice-presidente tinha aparentemente conhecido
a situação dos posseiros, e acreditava ser importante a legalização das terras, na medida em
que todos os posseiros contavam, em cada propriedade ocupada, com numerosos filhos e
agregados, os quais constituíam verdadeiros grupos de povoadores. Havia necessidade, então,
de que o Estado não se desinteressasse pelo futuro destes posseiros, pois os mesmos
colonizaram o extremo sul de Mato Grosso sem dispêndio público. Essa última ressalva era
preponderante, alertou Ferrari.
Não é possível afirmar que o fracionamento dos ervais do SMT só aconteceu
porque se editou uma lei. O fracionamento foi editado em 1915 e reeditado através da
Resolução n° 911, de 22 de julho de 1924, que autorizava o Poder Executivo a arrendar em
concorrência pública, pelo prazo máximo de dez anos, uma área de um milhão de hectares das
terras ervateiras de propriedade do Estado (ARRUDA, 1986).46
Com a Lei 911, a Mate Larangeira sofreu nova restrição em ocupar a vasta área
dos ervais. Contudo, o vice-presidente em exercício do Estado de Mato Grosso, Estevão
Alves Corrêa, sancionou a Resolução n° 930, de 16 de julho de 1925, proibindo novos
contratos de arrendamentos dos ervais e reservando a partir de 1927 a venda dos lotes de
3.600 hectares (MACHADO, 1940, p. 32).
Mesmo com todas as oscilações do mercado ervateiro, durante toda a década de
1920, era possível notar um crescimento razoável, tanto no que se refere às exportações
quanto à arrecadação de impostos pelo Tesouro do Estado. Em 1930, Annibal de Toledo fez
um balanço do crescimento das receitas do Estado, comparando-o aos anos anteriores.

A industria da herva matte é uma das nossas mais seguras fontes de renda.
Vem num crescendo permanente, como se verifica [...]. De 352:108$854
arrecadados em 1919, a renda respectiva subiu a 872:684$658 em 1928,
attingindo a.... 1.096:824$717 em 1929. Esta industria, como se sabe, foi
sempre meramente extractiva. De alguns annos para cá, porém, a
Companhia arrendatária e alguns proprietários de terras hervateiras,
iniciaram a plantação regular da ilex, com resultados satisfactorios. O
Estado será beneficiado, si se conseguir ir transformando aos poucos essa
industria, um tanto nômade e errante, numa industria agrícola perfeitamente

46
È possível encontrar referências à lei 911 de 1924 em vários trabalhos de Virgílio Corrêa Filho,
dentre eles Ervais do Brasil e ervateiros, 1957, p. 68.

78
organizada. O governo deve tratar de animar e mesmo de auxilliar essa essa
patriótica iniciativa.47

2.2.1 – Legalização, demarcação, titulação das terras dos posseiros e


novos conflitos com a Companhia Mate Larangeira

Reações adversas à Lei 725 sempre existiram. Uma delas foi a do presidente do
Estado Mário Corrêa da Costa, que, ao dirigir sua mensagem à Assembléia no ano de 1926,
chegou a afirmar que essa lei prejudicara enormemente o Estado. Para Mário Corrêa, era
preferível que os ervais tivessem continuado nas mãos da empresa arrendatária, que tornava
uma indústria rentável para o Estado.

Creio ter sido bastante o prejuízo que já decorreu da clausula 1ª da


resolução n.º 725 de 24 de Setembro de 1915, que resolveu a chamada
“Questão do Mate” e garantiu aos posseiros anteriores a 1915 o direito de
acquisição de terras hervateiras até 7.200 hectares. Em virtude dessa
clausula desastrosa, o Estado se desfez de uma superfície de valiosíssimas
terras de hervaes pelo preço insignificante de 1$300 por hectare,
classificadas por lei como terras pastaes e lavradias. Tornaram-se então as
falsas justificações de posse uma industria rendosa contra o Estado.48

Por outro lado, já a partir de 1920, o jornal semanário ponta-poranense, O


Progresso, expressava opinião a respeito da Lei 725, no sentido de que a referida lei
beneficiou em certa medida a empresa arrendatária exploradora da erva-mate em detrimento
dos antigos posseiros. Segundo o jornal, com o novo contrato de 1916 entre a Mate
Larangeira e o Estado, esta ainda continuou com os privilégios de outrora, e aparentemente a
Lei 725 não veio satisfazer os anseios dos posseiros.

47
TOLEDO, Annibal. Presidente do Estado de Mato Grosso. Mensagem apresentada à Assembléia
Legislativa na abertura da 1ª Sessão Ordinária de sua 15ª Legislatura, em 13 de maio de 1930. Cuiaba.
Typ. Official. 1930. p. 25. (wwwcrl.uchicago.edu/collections/braziliangovernment).
48
COSTA, Mário Corrêa da. Presidente do Estado de Mato Grosso. Mensagem apresentada à
Assembléia Legislativa em 13 de maio de 1926. p. 88. Cuiabá. Typographia Official. 1926.
(wwwcrl.uchicago.edu/collections/braziliangovernment).

79
O legislador que elaborou o decreto 725 que privilegiou immensamente a
Empreza Matte Larangeira [...] não lembrou-se, que dentro deste município
existem hervaes, que além das quatrocentas léguas arrendadas àquela
Empreza, ainda dá para arrendar a outra qualquer empreza que queira
explorar esse negócio, tanto assim, que deu preferência de escolha à
empreza arrendatária, que bem poderia medir as quatrocentas léguas
arrendadas sem prejudicar um só posseiro.49

O semanário dá mostras de que não alimentava má vontade contra a empresa,


mas, por outro lado, era enfático na defesa dos posseiros, pois não queria vê-los coagidos e
ameaçados. A apologia do jornal aos posseiros evidencia a tensão do momento, uma vez que
os arrendamentos da Mate Larangeira tinham alcançado áreas dos antigos moradores. Para o
jornal, os posseiros eram um povo bom, ordeiro, desbravadores dos sertões, chegando a ser
heróis, muitos vindos do Rio Grande do Sul, principalmente nos anos de 1893, 1894 e 1895;
sendo eles filhos do mesmo país, tiveram dificuldades imensas com suas famílias para chegar
a Ponta Porã. Esperava-se do fiscal do governo junto à medição de terras, Brenno de
Mesquita, que conciliasse os interesses da Mate Larangeira com os dos posseiros.
No então distrito de Dourados, o problema não foi diferente. O mesmo jornal
publicou, em 13 de junho de 1920, uma matéria com o título O caso de Dourados, segundo a
qual a população local causava resistências à medição de terras arrendadas à Mate Larangeira,
pois muitos ocupantes das áreas ficariam sem a posse.

Há um grande número de habitantes de Dourados installados na zona a ser


reservada para a Empreza. Esses occupantes de terras na quasi totalidade
apropriados de pequenas glebas, ficarão literalmente sem recursos, privados
de tudo, pois não há quasi terras devolutas a serem requeridas ali. 50

O jornal ainda propunha, como forma pacificadora das aspirações exaltadas na


região, que fosse reservada uma zona para nela os ocupantes requererem a porção suficiente
para o estabelecimento de suas culturas, assim tudo ficaria sanado.
No lugar denominado Cedro (região de Ponta Porã), o fiscal do governo esteve
nas posses de Severo Leite dos Santos e Theodoro Ayres de Castro, que os mesmos haviam
requerido, tendo o fiscal observado os limites das ditas posses e os prejuízos que sofreram,

49
JORNAL O PROGRESSO. 14 de março de 1920. Número 4. ANNO 1. Ponta Porã – Mato Grosso.
50
JORNAL O PROGRESSO. 13 de junho de 1920. Número 17. ANNO 1. Ponta Porã – Mato Grosso.

80
sendo que em todas elas a Empresa havia tirado deles os cultivos e as aguadas existentes,
prejudicando-os enormemente.51 A esperança dos posseiros, representada pelo jornal, era que,
através do fiscal do governo junto à medição de terras arrendadas a Mate Larangeira, o
governo desse parecer favorável aos moradores da região.
Em agosto de 1920, O Progresso alertou as municipalidades sobre outras
concessões que existiam dentro do município de Ponta Porã, além da concessão à Mate
Larangeira, já referida anteriormente. A apreensão residia no fato de que as áreas destinadas
aos povoados de Dourados e Nhu-Verá, (atual Coronel Sapucaia), e suas respectivas áreas
indígenas, ainda permaneciam no seu estado primitivo, sem que medidas fossem tomadas para
regularizá-las, desde o decreto estadual de 1916. Desta forma, o alerta não mais era sobre a
Mate Larangeira, que poderia ocupar as áreas em questão, mas sobre os produtores
particulares:

Os particulares civilisados podem entretanto invadir a terra dos índios, ou


seja por ignorância ou por qualquer outro motivo – e isto é que se faz
preciso evitar, com medidas efficazes e urgentes.52

Assim, era necessário, de acordo com o jornal, que o município determinasse a


um profissional que levantasse e organizasse os lotes urbanos, de maneira que já fossem
cuidadas as perspectivas das futuras vilas ou cidades, a fim de evitar a ocupação do espaço
por outras pessoas que extrapolavam os limites das concessões que recebiam do governo do
Estado.
Outro ponto relevante, que já demonstrava a preocupação com um plano diretor
na formação das cidades, foi que o município de Ponta Porã ainda não havia adotado posturas
para as construções das casas e outros prédios dos povoados. As construções iam se
organizando à vontade dos seus proprietários. Pelo fato do município não tomar as medidas
convenientes a respeito das preocupações a que se refere o jornal, as cidades se tornariam
incompatíveis com os modelos de estética e progresso que Ponta Porã queria seguir.
Manifestações de protesto dos posseiros e ervateiros contra a Mate Larangeira
sempre existiram, porém a de Nazário de León merece destaque. Nazário Rosário de León,
um paraguaio, em 1918 justificou legalmente e requereu a compra de uma posse de terras

51
JORNAL O PROGRESSO. 21 de março de 1920. Número 5. ANNO 1. Ponta Porã – Mato Grosso.
52
JORNAL O PROGRESSO. 15 de agosto de 1920. Número 26. ANNO 1. Ponta Porã – Mato Grosso.

81
pastais e lavradias, com 1.800 há, na fazenda conhecida como Carapó (hoje município de
Caarapó).
Seu pedido foi deferido em 1923, ou seja, dentro dos parâmetros legais
estabelecidos pelo contrato de arrendamento das terras ervateiras de 1916, que garantia a
antigos posseiros o direito de compra de até dois lotes de 3.600 hectares. No entanto, seu
pedido foi cancelado em 1924, por pressão da Mate Larangeira, alegando-se que ele não teria
providenciado a extração do título provisório dentro do prazo estabelecido.
Quando Nazário de Leon teve um novo pedido de compra atendido, a Companhia
novamente protestou, entrando com uma ação de manutenção da posse contra o mesmo, em
1926, alegando que havia sido medida uma área muito superior à requerida e que fazia parte
de seu contrato de arrendamento. Segundo as alegações da Mate Larangeira, Nazário teria
abusado de um contrato de habilitação e requerido a compra das terras.53 De acordo com a
opinião de Guillen,

A política fundiária levada a efeito pela Companhia, e aplicada ao caso de


Nazario, visava impedir o estabelecimento de pequenos ervateiros na região
e a manutenção de seu monopólio na extração da erva-mate nativa. Apesar
de ter afirmado que se tratava de terras lavradias e de pastagem, a área
requerida por Nazario de León continha ervais, ainda que pequenos e não
economicamente lucrativos para a Companhia, e foi sua extração que
provocou a ação da Matte Larangeira. Ao que tudo indica, era bastante
comum as pessoas alegarem que as terras não continham ervais, quando iam
requerê-las para compra ao Estado, mesmo porque as terras ervateiras eram
muito mais caras (GUILLEN, 1999, p. 155; grifos nossos).

O que podemos entender da documentação é que Nazário desenvolvia em seu lote


a elaboração de erva-mate fora do controle da Mate Larangeira, bem como prometia fracionar
seu lote para outros pequenos produtores.
A Companhia Mate Larangeira não fazia distinção entre um changa-y e um
pequeno proprietário, mesmo que este último tivesse um título provisório. De toda forma,
tratava de impedir, através de ações judiciais, a ocupação da terra por aqueles que
ameaçassem seus interesses.
Nazário de León não continuou nessa briga, vendeu seus direitos ao lote a um
cessionário. Este era o Sr. Manoel de Azevedo e Souza, que adquiriu os direitos em 1928 por
53
Processo de requerimento e titulação de terras de Nazário de León. (Fundo: Comissão Especial de
Revisão das Concessões de Terras na Faixa de Fronteiras – Doc. nº.257 – Lata 234 - Arquivo
Nacional, RJ).

82
30:000$000 (trinta contos de réis). Em 5 de junho de 1931 a Diretoria de Domínio da União
deu um parecer contrário à expedição do título definitivo a Manoel de Azevedo e Souza,
indicando-o ao Poder Judiciário caso o requerente quisesse dar continuidade no processo.
Manoel continuou cobrando a posse definitiva até 1942, quando então, foi reservada a área
para a formação do município de Caarapó pela Comissão Especial de Revisão das Concessões
de Terras na Faixa das Fronteiras.
A Comissão de Faixa de Fronteiras alegou que Manoel de Azevedo e Souza já
possuía vários títulos definitivos de lotes na faixa de 150 km da fronteira. Quanto a Nazário
de León, houve um novo requerimento de terras em 1945 no lugar denominado Barreira.
Entretanto, por não haver disponibilizado os documentos solicitados pela Comissão de Faixa
de Fronteiras, esta indeferiu o pedido de Nazário, arquivando o processo em 194954.
Constata-se que a Companhia costumava armar bandos que moviam acirrada
perseguição e praticavam violências contra os que se postavam politicamente contra a Mate
Larangeira. Os posseiros, que tinham requerido a compra de terras ao Estado, sofriam
pressões para abandoná-las ou enfrentavam a morosidade da repartição de terras, como
informa o jornal O Matto Grosso:

Os requerimentos e justificações de posse dos particulares a que a empresa


trazia sempre que invariavelmente os seus protestos vieram mostrar desde
logo que não era de fácil solução o assunto, que ia exigir do governo o
maior escrúpulo e perfeito conhecimento de causa para resolver caso tão
intrincado. Os dois anos prescritos pela lei já se passaram; os requerimentos
dos pequenos posseiros existem hoje em uma verdadeira ruína na repartição
de terras sem ter tido até agora solução alguma (O MATTO GROSSO,
Cuiabá, 9 de março de1919, apud GUILLEN, 1999, p. 158).

Através da Tabela 3 é possível identificar o esforço dos posseiros para legalizar


suas glebas, apesar das imposições da Mate Larangeira com vistas a impedir que acontecesse
a titulação definitiva dos lotes.

54
Julgamos útil disponibilizar alguns documentos dos processos envolvendo Nazário de León e
Manoel de Azevedo e Souza no requerimento de terras no SMT. Para isto deixamos no Anexo III
partes dos documentos para possíveis consultas. O restante dos documentos se encontra no fundo
Comissão de Concessões de Terras na Faixa de Fronteira (lata 234 – Arquivo Nacional).

83
TABELA 3

EXPEDIÇÃO DE TÍTULOS PROVISÓRIOS NO MUNICÍPIO DE PONTA PORÃ


ENTRE 1919 E 1925

Ano Títulos Área (em hectares)


1919 19 65.300
1920 78 173.050
1921 27 64.900
1922 8 4.300
1924 129 200.962
1925 93 102.109
Fonte: GUILLEN, 1999, p. 159.55

Desses títulos provisórios, a área total, ao longo dos seis anos, foi de 610.621
hectares, enquanto a Mate Larangeira arrendava 1.815.905 hectares e era proprietária de mais
de 300.000 hectares. O problema do acesso às terras na região dos ervais continuava, bem
como os freqüentes litígios com a Companhia, que contestava os pedidos de compra de
glebas, alegando sempre que o lote pretendido estava dentro dos limites do arrendamento.
Nesse contexto, a história de Nazário de León não foi um caso único e raro, mas,
ao contrário, está inserida numa acirrada luta pela terra que determinava as feições da vida
social na região dos ervais sul-mato-grossenses, bem como configurava os tons da discussão
política local e estadual. Basta lembrar que um dos grandes opositores políticos da
Companhia Mate Larangeira na cidade de Ponta Porã, Batista de Azevedo, foi assassinado por
um dirigente da companhia, Heitor Mendes Gonçalves, e não resta dúvida de que o motivo foi
político, já que aquele era advogado dos posseiros. Alguns meses antes, Batista de Azevedo
tinha estado em Cuiabá, tratando de casos de posseiros, e conseguira a expedição de alguns
títulos provisórios de diversos lotes de terra (GUILLEN, 1999, p. 159).
Outra revolta de grande vulto ocorreu em 1932, quando João Ortt, filho de um
posseiro, vindo do Rio Grande do Sul, juntamente com alguns amigos revoltou-se contra a
Mate Larangeira. Tudo começou quando João Christiansen, pai de Ortt, ao chegar no Mato
Grosso, por volta de 1896, tomou posse de um campo devoluto na região conhecida como
55
Convém notar que os dados da tabela são fornecidos por Virgílio Corrêa Filho no momento em que
ele ocupava a direção da Secretaria de Repartição de Terras em Cuiabá – Mato Grosso.

84
Taquapiry, próxima a Ponta Porã. Lá, João Christiansen passou a cultivar diversos cereais
bem como construiu um barbaquá, utilizado na indústria extrativa da erva-mate. Após sete
anos no local, o posseiro

Tratou, então, de legitimar a posse de Taquapiry, conforme as leis do


Estado, em applicação na epocha. Foi quando começou da parte da Empresa
Matte Laranjeira uma lucta ferrenha contra o posseiro. Este, que tinha
direitos adquiridos sobre sua “posse”, não queria deixal-a. A Empreza,
porém, gozava de real influencia e usava do direito do mais forte
(PUIGGARI, 1933, p. 108, 109).

João Christiansen enfrentou várias perseguições da Mate Larangeira, mas a partir


de 1901, segundo Puiggari, a empresa tornou-se mais benigna, na administração de Antonio
Isnardi, propondo a Christiansen a troca da posse de Taquapiry pela invernada de Maracahy,
no atual município de Iguatemi. A partir de 1907, a Mate Larangeira voltou a intranqüilizar o
posseiro, abrindo passagens e colocando gado na invernada de Christiansen. No mesmo
período, o coronel Bento Xavier invadiu o território fronteiriço. João Christiansen se alistou
ao lado das forças do governo, dirigidas por José Deolindo, tendo morrido em combate. João
Ortt, filho de João Christiansen, tinha nove anos quando seu pai morreu, tendo continuado na
posse em que sua família havia se instalado; porém, as investidas da Mate Larangeira eram
freqüentes. Ortt tentou legalizar a posse, amparado pela Lei 725.

Em 1923, João Ortt, com um requerimento ao governo, procurou o remédio


jurídico para legalizar a “posse” creada por seu genitor em 1904, isto é,
dezenove annos antes. Nada conseguiu. Matto Grosso não se lembrava de
recompensar o filho daquelle que heroicamente dera sua vida pelo Estado
em 1907, em Passo Amambahy. Finalmente, fez nova tentativa em 1925,
allegando não estar Maracahy dentro das quatrocentas léguas quadradas,
arrendadas à Empresa (Idem, p. 111).

A questão em que o posseiro estava envolvido teve um despacho favorável em


1926, mas, através de uma reforma do contrato de arrendamento da Mate Larangeira, houve a
impugnação do pedido de Ortt. Contudo, o posseiro não abandonou a posse. Em 1931, o
governo criou em Ponta Porã uma Delegacia de Terras, com o fim de facilitar os negócios das
terras devolutas. Ortt, acreditando que seria atendido nos seus direitos, fez novo requerimento
para compra da posse ao Estado, mas foi surpreendido pela informação de que a posse

85
solicitada já havia sido deferida para outro requerente, indicado pela Mate Larangeira (Idem,
p.112).
Puiggari (1933, p. 113, 114) informa que, a partir de 1932, João Ortt entendeu-se
com alguns amigos e, conseguindo armas, saíram dispostos a enfrentar a poderosa empresa e
tomar Campanário. Porem, seu grupo foi se desarticulando em função de alguns fracassos que
tiveram nas tomadas de algumas ranchadas, e Ortt, antes mesmo de chegar na sede da
empresa, acabou desistindo do plano.
A Mate Larangeira não tardou em considerar o levante como uma revolução
comunista, tendo utilizado de repressão policial para acabar com o movimento, sendo que
João Ortt exilou-se no Paraguai e seus companheiros foram barbaramente assassinados (cf.
ARRUDA, 1997, p. 56-59).
De todo modo, o período posterior à Lei 725 foi uma via dolorosa para os
pequenos produtores, pois os pretendentes a alguns hectares de terras, tinham que provar que
estavam nas condições das exigências a que se referia a lei.
Os processos tramitavam em Cuiabá, de modo que se tornava muito difícil um
ingênuo posseiro conseguir um advogado que pudesse realmente atender aos anseios destes, ir
até Cuiabá e, através de testemunhas, garantir as posses. Uma outra angústia que atormentava
os posseiros estava em que, segundo denúncias, a Comissão Esquerdo (sob o comando do
engenheiro Fernando Esquerdo), encarregada de fazer as medições das áreas, pouco se
importava em fazer os trabalhos dentro das normas legais, havendo indícios de que esta
comissão media posses já tituladas provisoriamente, como também aquelas que não tinham
títulos. Tudo isto levava os posseiros a um grande risco, e ficar a ver navios.56
Ocorreram muitas ações efetivas na região dos ervais. Os atritos entre a
Companhia Mate Larangeira e os posseiros ultrapassavam os recintos da região ervateira. A
vigilância da Mate, tanto no espaço ervateiro como nas esferas governamentais, tinha por
objetivo evitar que os posseiros apropriassem-se de grandes áreas e viessem fazer-lhe
concorrência na exploração de erva-mate. Embora os contratos estabelecessem os limites do
arrendamento, na prática esses limites não foram respeitados pela Mate Larangeira, isto
porque a empresa, em muitos casos, cumpria somente as obrigações contratuais que lhe
fossem convenientes, e porque esses limites não haviam sido demarcados pelo Estado.

56
JORNAL O PROGRESSO. 19 de dezembro de 1920. Número 43. ANNO 1. Ponta Porã – Mato
Grosso.

86
Portanto, a falta de demarcação dos limites do arrendamento possibilitou à
Companhia usar de seus direitos contratuais, expulsando de “suas” áreas os posseiros que lhe
fossem inconvenientes.
A questão da ocupação das terras devolutas no sul de Mato Grosso deve ser
entendida como uma ramificação dos interesses políticos, ocorridos tanto no Sul como no
Norte do Estado. Assim, transparece, pela análise dos documentos, que o Sul também exercia
pressão sobre o Norte, contudo, em menor escala, já que o Sul era considerado, pelos
nortistas, como um apêndice de seus interesses.
Numa carta de resposta ao General Rondon, editada em 1934, alguns líderes
sulistas argumentavam que a divisão do Estado, com a separação do Sul de Mato Grosso, era
necessária, pois, segundo eles, era o Sul quem sustentava o Norte, e precisava ter também
autonomia política. Nessa carta, os representantes políticos do Sul de Mato Grosso
argumentavam que mais de 15 mil sulistas, para obter os títulos definitivos de posse da terra,
tiveram que pagar propinas aos intermediários da transação, tanto os advogados dos processos
como também os funcionários de Cuiabá. Além disso, a concessão de títulos, segundo a carta,

Foi uma arma terrível da política nortista. O funcionário, destacado por


estas bandas, tinha um gesto ameaçador: ou vota ou não obtém o título. E o
pobre homem do Sul tremia ante o título, que já lhe custava os olhos.57

Como já foi dito acima, a imprensa de Ponta Porã se manifestava em prol dos
posseiros, uma vez que os mesmos necessitavam dos títulos das posses já requeridas e
justificadas. O jornal O Progresso, datado de 21 de março de 1920, afirma que os posseiros já
haviam pago as respectivas importâncias, sem sequer ter a certeza da legitimação de suas
posses. A dificuldade, segundo o jornal, residia na demora de julgamento dos processos, e a
desorientação do governo em relação ao assunto.

O que acontece é que o Governo não estando bem orientado sobre este
assumpto, nada póde resolver e assim lembramos que, para evitar maiores
prejuízos na demora da legitimação das posses, julgamos que com mais um
pequeno esforço da parte dos posseiros, representados pelos seus
procuradores, poderiam resolver tudo dentre em breve tempo, fazendo uma
acção conjuncta, organisando os recursos necessários, especialmente para

57
DIVISÃO DE MATO GROSSO. Resposta ao General Rondon. Maracaju, 1934, p. 24.

87
enviarem um representante que possa tratar do assumpto junto ao Governo
do Estado, até terminar a legitimação.58

Apesar de tudo, a indústria extrativa da erva-mate entrou, a partir de 1922,


segundo o presidente do Estado, em fase de promissora prosperidade. A área “subtraída” da
Mate Larangeira fora subdividida também para os produtores particulares, na intenção,
segundo o Governo, de favorecer o aumento da produção. Pedro Celestino, na sua Mensagem
ao Legislativo em 1924, comentou:

Revertendo à posse directa do Estado a [área] excedente, calculada em 2


milhões de hectares, [...] vem sendo subdividida e alienada parcelladamente
a consideravel numero de adquirentes, de modo que actualmente se
estabeleceram dois factores de produção: o da Empresa e o dos
particulares.59

Corrêa Filho (1925) enalteceu a presença dos posseiros, pois, com sua legalização,
a partir da Lei 725 de 1915, segundo o autor, o ervateiro ficou “transfigurado”. Este
dispositivo que extinguiu o monopólio, de acordo com o autor, abriu nova era nos ervais,
permitindo a penetração dos pequenos posseiros. De certo modo, Virgílio Corrêa Filho criou
uma imagem muito favorável aos produtores e à produção, ao dizer que a partir da referida lei
o trabalhador não seria mais o devastador de outrora, e a partir de então cuidaria
carinhosamente do erval, esforçando-se para ampliar a produção e realizar uma colheita
racional dos ramos nos ervais.
Na concepção de Gilberto Luiz Alves (1984), estes pequenos posseiros passaram
a viver em função da Cia. Mate Larangeira, que fixava todos os preços dos produtos. Os
pequenos produtores não tinham meios de reagir, pois a Empresa dominava os transportes e,
como decorrência, o escoamento da produção. Isto porque estes produtores particulares
fixavam-se ao longo dos rios navegáveis controlados pela Empresa, e assim eram
transformados numa reserva de mão-de-obra explorada com regularidade.

58
JORNAL O PROGRESSO. 21 de março de 1920. Número 5. ANNO 1. Ponta Porã – Mato Grosso.
59
COSTA, Pedro Celestino Corrêa da. Presidente do Estado de Mato Grosso. Mensagem apresentada
à Assembléia 13 de maio de 1924. p. 77. Cuiaba, Typographia Official
(wwwcrl.uchicago.edu/collections/braziliangovernment).

88
Na perspectiva do pensamento de Corrêa Filho (1925), o pequeno produtor
tornara-se um homem consciente, em razão da necessidade de produzir a erva para seu
comércio próprio. Contudo, percebemos que estes produtores ainda dependiam de relações
comerciais, mesmo que não fosse com a Cia. seria com o governo ou outros comerciantes; em
resumo, suas relações econômicas não dependiam apenas de sua vontade. Portanto, tornaram-
se "livres", mas tiveram que suportar imensas pressões dos grupos que controlavam a
produção e circulação da referida erva.
Como já foi dito na Introdução, Queiroz, ao estudar o transporte ferroviário no
SMT, afirma, por sua vez, que os produtores independentes puderam exportar sua erva através
da ferrovia Noroeste do Brasil, enviando-a por via terrestre até Aquidauana ou Campo
Grande, de onde ela seguia até Porto Esperança e daí, por via fluvial, para a Argentina. O
mesmo autor sugere que esse esquema devia certamente envolver outros atores, especialmente
os comerciantes que adquiriam a erva, transportavam-na até a ferrovia e, na viagem de volta
de Aquidauana ou Campo Grande, traziam mercadorias para consumo na região ervateira
(QUEIROZ, 1999, p. 390).
De fato, através do exame das guias de exportação de erva-mate emitidas pela
Coletoria Estadual de Ponta Porã entre 1919 e fins da década de 1940, pudemos verificar que
os pequenos produtores encontraram outros meios para exportar a erva-mate, não
necessitando, portanto, somente da Companhia. Além da exportação via Porto Esperança,
observamos que exportavam via República do Paraguai, utilizando para esse fim as estradas
carreteiras de Ponta Porã até Concepción. Outros ainda despachavam sua erva para Buenos
Aires via porto de Santos, utilizando provavelmente a ferrovia Noroeste do Brasil (que
inaugurou, já em 1949, uma estação em Itaum, no ramal de Campo Grande a Ponta Porã) ou,
eventualmente, a Estrada de Ferro Sorocabana (cf. Anexo V).

2.2.2 – A atividade dos ervateiros e seus problemas com a


comercialização e os impostos

A instituição da Lei 725, de fato, propiciou a muitos povoadores, que se achavam


estabelecidos dentro da área antes arrendada pela Cia., a garantia da aquisição dessas terras

89
sempre que tivessem morada habitual, anterior a 1914, mesmo que elas possuíssem pequenos
ervais. Saldanha (1986, p. 465) informa que de imediato começaram a aparecer quantidades
de mate produzidas fora do controle da Mate Larangeira, sendo que esta nenhuma atitude
tomou contra esse fato, uma vez que, não adquirindo essa erva, ela não poderia ser exportada.
Neste caso, a fórmula encontrada por muitos produtores foi venderem sua produção a
comerciantes paraguaios, estabelecidos do outro lado da fronteira.
Muitos desenvolveram o trabalho ainda na clandestinidade, isto é, enquanto ainda
havia as incertezas das posses. Isto é possível ser afirmado, uma vez que o próprio presidente
do Estado, Pedro Celestino, questionava o fato de as receitas que entravam no Tesouro do
Estado estarem aquém dos volumes de erva-mate exportados, sendo que grande parte dessa
erva-mate circulava sem o conhecimento das coletorias de impostos.
Havia uma diferença entre exportação clandestina e elaboração clandestina de
erva-mate. A elaboração clandestina era feita pelos produtores que não tinham os títulos
provisórios de suas propriedades. Isto implicava necessariamente na exportação clandestina,
pelo motivo de os produtores não terem meios para justificar a origem da erva-mate para a
exportação. Por outro lado, a exportação clandestina poderia ser praticada por qualquer
produtor, mesmo aquele com títulos, e até mesmo a Mate Larangeira, que, fugindo das taxas e
impostos, exportavam sem o conhecimento das coletorias instaladas em pontos estratégicos.
O que mais incomodava os pequenos produtores era o imposto estadual de $800
(oitocentos réis), aplicado sobre cada arroba castelhana60 de erva-mate exportada. Segundo o
semanário O Progresso, de 1921, este imposto sufocava os pequenos produtores de erva-
mate.

A taxa de 800 réis por arroba de 10 kilos, que o Estado cobra pela
exportação de herva-matte, deixa aos que se dedicam a esse comércio, em
condições de falência, pois, accrescida dessa taxa exorbitante, o custo do
producto nos hervaes é sobrecarregado com o frete de condução, somente
um preço elevaddíssimo de venda no extrangeiro, poderá offerecer um lucro
aliás pouco remunerador.61

60
A arroba castelhana corresponde a 10 kg, enquanto que a arroba brasileira é igual a 15 kg. No trecho
citado, o jornal se refere à arroba de 10 kg, mas é possível encontrar, em outros documentos, dados
sobre a exportação de erva-mate em arrobas de 15 kg.
61
JORNAL O PROGRESSO. 23 de janeiro de 1921. Número 48. ANNO II. Ponta Porã – Mato
Grosso.

90
Pelo que relata o jornal, assim como o imposto estava, tornara-se proibitivo, e, via
de regra, o que se verificava era que muitos pequenos produtores, que se dedicavam ao
comércio da erva-mate, eram obrigados a entrar em “acordo” com os guardas do Estado, nos
pontos de fiscalização com destino à exportação, a fim de pagarem uma taxa reduzida, ou
mesmo que lhes facilitassem a exportação totalmente isenta deste tributo, de modo a poderem
salvar algum lucro nas transações comerciais.
Pelo que se percebe pela leitura do jornal O Progresso, a prática de exportação
clandestina de erva-mate podia resultar em entreveros armados, terminando até mesmo em
tragédias – o que, de certa forma, coincide com a idéia de que em Mato Grosso, e
especialmente na região de fronteira, valia a lei do 4462. Isso ficou evidente num interessante
episódio relatado pelo referido jornal, na região denominada Rincão de Julho. No dia 18 de
dezembro de 1920, registrou-se um conflito entre dois guardas estaduais e um grupo, chefiado
por um certo Francisco Cabral, que conduzia uma carreta de erva-mate, visando,
supostamente, passar a carga para o lado paraguaio. O jornal registra várias versões para o
conflito, do qual, de todo modo, resultou gravemente ferido a bala um dos peões que
conduziam a carreta, sendo essa, bem como sua carga, apreendida pelos guardas63. Esse
episódio teve ainda continuação no mês de janeiro seguinte, quando Francisco Cabral foi
assassinado, dentro de sua própria casa, com vários tiros disparados, segundo o depoimento
de sua esposa (que também ficou ferida), por um grupo do qual faziam parte os dois guardas
acima mencionados64.
No mesmo jornal, uma das versões indicava que a carga de erva-mate se
destinava, na verdade, a Álvaro Brandão, um dos produtores independentes de quem
falaremos adiante. No entanto, ao que nos parece, tratou-se aí de um caso típico de tentativa
de exportação clandestina da erva-mate.
A questão do contrabando aparece também no relatório do presidente do Estado
no exercício de 1923, Pedro Celestino, que, ao mesmo tempo em que considerava positiva a
presença dos produtores particulares no negócio do mate, enfatizava a defesa dos interesses
fiscais do Estado:

62
Nesse período a região mato-grossense era conhecida com terra sem lei, ou onde a única lei
existente obedecia ao artigo 44, ou seja, a lei com calibre 44, CORRÊA, 1995, p. 31.
63
JORNAL O PROGRESSO. 19 de dezembro de 1920. Número 43. ANNO 1. Ponta Porã – Mato
Grosso.
64
JORNAL O PROGRESSO. 9 de janeiro de 1921. Número 46. ANNO 1. Ponta Porã – Mato Grosso.

91
A contribuição por exportação dos particulares, si bem que melhorada, era
annullada por contrabando exercido em larga escala nas nossas fronteiras
com o Paraguay, contrabando que prejudicava tambem os interesses da
Empresa Matte, pela violação dos seus hervaes arrendados. Esse apreciavel
desvio das rendas publicas levou o governo a crear o corpo fiscal das
fronteiras, cujo commando foi confiado ao sr. Mario Gonçalves que muito
se tem esforçado por alcançar o objectivo da sua organização. A diferença
notada no augmento da exportação é sem duvida devida à acção desse
apparelho fiscal, embora, ainda falho de elementos que a experiencia vae
aconselhando corrigir. Apresenta-se, pois, a industria hervateira como das
principaes do Estado, reclamando, entretanto, ainda especial carinho do
poder publico para seu maior desenvolvimento. A cultura da herva, o seu
beneficiamento no Estado, a facilidade do seu transporte aos mercados, taes
são as medidas protectoras de que ella carece.65

Ainda pesavam sobre os pequenos produtores, além da taxa de exportação de 800


réis por arroba, também as incertezas de legitimação das posses, dados que certamente
constrangiam a vida destes produtores. O jornal faz uma comparação entre custo de produção
e preços de venda da erva-mate, e o que se constatava era a pequena margem de lucro,
conforme apresenta a Tabela 4 a seguir.

TABELA 4

CUSTO DE PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO E


PREÇO DE MERCADO DA ERVA-MATE EM MATO GROSSO – 1920 E 1921
(em réis por arroba de 10 kg)

Custo de produção Valor de venda no Valor de venda em Valor de venda em


Paraguai tempos de apuros tempos difíceis
Elaboração 3$000
Frete 1$000 5$000 4$500 4$000

Imposto $800
Total: 4$800
Fonte: O PROGRESSO, 1921.66

65
COSTA, Pedro Celestino Corrêa da. Presidente do Estado de Mato Grosso. Mensagem apresentada
à Assembléia 21 de maio de 1923, p. 3, 4. (wwwcrl.uchicago.edu/collections/braziliangovernment).
66
A tabela foi organizada a partir dos dados contidos no jornal. Os custos e despesas discriminados na
tabela exemplificam as dificuldades dos produtores em auferir lucros na comercialização da erva-mate.

92
O que se nota pela tabela acima é que, quando a exportação, principalmente para o
Paraguai, maior comprador da erva-mate dos pequenos produtores de Mato Grosso, tinha seus
dias de glória, os pequenos produtores auferiam apenas duzentos réis por arroba. No momento
em que a exportação não caminhava bem, como se vê, os produtores obtinham prejuízos nos
negócios, o que os levava ao desestímulo, sem muita capacidade de reação, pois muitos
viviam apenas do negócio da erva-mate.
A alegação, segundo o jornal, era que, se o negociante de erva-mate fosse pagar o
imposto na sua exatidão real, não lhe ficaria nada a ganhar de suas transações, o que quer
dizer que, naquele momento, só existia praticamente o comércio de erva-mate com o
Paraguai. Isto porque não se cobrava efetivamente o imposto, pois quase tudo girava em torno
dos conchavos entre os guardas e os condutores ou negociantes da erva-mate, por onde se
deduz que o Fisco do Estado era a maior vítima nestes casos.
Outro imposto sobre a erva-mate, que surgiu em Ponta Porã, foi um imposto
municipal, ao que denunciou o jornal:

Não bem tínhamos clamado contra a existência d’um imposto quase


inexeqüível como é o Estadoal, de 800 réis por arroba de herva secca
exportável, eis que surge um outro imposto municipal sobre o mesmo
producto, na razão de 700 réis por arroba que se elaborar no Município.
Além deste imposto que tende, podemos affirmar, a asfixiar a industria da
herva-matte...67

O semanário criticou muito o novo imposto municipal, afirmando que o tributo,


na razão em que foi lançado, era simplesmente impraticável. Para tanto, amparava-se na
Constituição Estadual e na Lei n° 22 (16 de novembro de 1892), que, em seu artigo 52,
determinava que a competência de cobrança do imposto sobre gêneros de produção, e aí se
inseria a erva-mate, era de responsabilidade tão-somente do Estado. Com esta lei nas mãos, o
jornal suscitava críticas ao município, e induzia os pequenos produtores a não fazer o
pagamento de tal imposto.

Não é que tenhamos em mente nenhum propósito de aconselhar o povo ao


não pagamento de impostos. Mas deixar de cumprir ordens illegaes é
também um direito, e, ahi está como aquelles que se dedicam ao commercio
do matte, podem eximir-se do pagamento de tão inicuo imposto. [...] Tenha

67
JORNAL O PROGRESSO. 30 de janeiro de 1921. Número 49. ANNO II. Ponta Porã – Mato
Grosso.

93
o povo mais um pouco de paciência e espere que sobre tudo isso se
manifeste o Governo do Estado e a Assembléia Legislativa Estadoal como
lhes compete, não só por determinação da nossa Constituição como também
em virtude da mesma Lei de Organisação Municipal art. 20, nº 2.68

Se, tanto o Estado como o Governo Federal faziam vistas grossas às dificuldades
enfrentadas pelos pequenos produtores, e não faziam nada que amenizasse seus sofrimentos,
alegava o jornal, pelo menos o município não devia entravar a marcha natural das coisas,
criando impostos que, além de absurdos, concorriam para a paralisação das iniciativas
voluntárias dos produtores.
Este tributo incidia também sobre as exportações da Mate Larangeira, tendo ela
apresentado uma ação contra ele, de modo que, em 17 de março de 1922, ou seja, um ano
após o município de Ponta Porã implantar o imposto, o mesmo foi cassado pela Assembléia
Legislativa do Estado, ficando deliberado que nenhum imposto fosse aplicado sobre a erva-
mate, além do que já existia.69

Nos documentos analisados, está claro que muitos comerciantes de erva-mate não
a produziam. Aqueles que a produziam, isto é, exploravam-na, e em seguida a vendiam para
os pequenos comerciantes, ou mesmo para empresas especializadas na exportação, eram
considerados exploradores de erva-mate; já aqueles que compravam dos pequenos
produtores, revendiam e exportavam eram os mercadores de erva-mate.
Além da Mate Larangeira, adquirente da produção de erva-mate dos pequenos
produtores, havia a empresa denominada Industrial Paraguaya, situada no território do
Paraguai, que também comprava e revendia para a Argentina. Uma outra empresa surgiu no
Paraguai, muito próxima a Nhu-Verá (atual Coronel Sapucaia), com o fim de comprar a erva-
mate brasileira. Segundo o jornal, seria mais um comércio comum se os sócios da nova
empresa não fossem antigos funcionários da Mate Larangeira e não tivessem a intenção de
comprar a erva-mate contrabandeada de Ponta Porã. A este respeito, exigia-se que o Estado
tomasse providências para que o Fisco não ficasse prejudicado com a evasão de produtos sem
os devidos impostos. Assim, o objetivo do jornal era

68
JORNAL O PROGRESSO. 13 de fevereiro de 1921. Número 51. ANNO II. Ponta Porã – Mato
Grosso.
69
JORNAL O PROGRESSO. 9 de abril de 1922. Número 111. ANNO III. Ponta Porã – Mato Grosso.

94
chamar a attenção das autoridades do fisco estadoal como federal, para a
necessidade de ser organisado um serviço perfeito de fiscalização da
importação e exportação de mercadorias visto como é provável que, com o
estabelecimento da nova casa, os nossos productos irão ter ali através de
muitos subterfugios dos contrabandistas, emquanto outros productos de
importação, por sua vez, terão larga entrada, com visiveis prejuizos para os
commerciantes que aqui estabelecidos recebem artigos de seu commercio
excessivamente onerados com os impostos pagos. É portanto uma
concurrencia séria, para os que se dedicam ao commercio e que lhes poderá
acarretar graves prejuizos. 70

Nos anos seguintes da década de 1920, muitos produtores independentes


despacharam erva-mate por meio da exportação legalizada para o Paraguai. Essa atividade era
do conhecimento da Mate Larangeira, mas esta nada podia fazer, isto porque, as ações dos
produtores correspondiam à lei. Parece patente que, para levar a erva-mate por via terrestre
até o Paraguai, os produtores utilizavam as mesmas estradas carreteiras que a Mate
Larangeira utilizara anteriormente.
No quadro demonstrativo de produtos exportados pela Coletoria de Ponta Porã
(exercício de 1923) há uma significação no crescimento da exportação da erva-mate pelos
produtores independentes. De fato, os dados que coletamos mostram que, durante todo o ano
de 1919, haviam sido exportadas, por meio da citada Coletoria, 102.860 arrobas de 15 kg. Já
em 1923, como mostra a Tabela 5, só até o mês de maio já haviam sido exportadas 60.504
arrobas.

TABELA 5

PRODUTOS EXPORTADOS POR MEIO DA COLETORIA ESTADUAL DE PONTA


PORÃ: QUANTIDADE, TAXA E VALOR DOS IMPOSTOS DE JANEIRO A MAIO
DE 1923

Produtos Quantidade Taxa Imposto em réis


Erva-mate 60.504 arrobas $800 3:226$877
Arroz pilado 2.195 arrobas 7% 61$000
Gado bovino 55 arrobas 12$ 660$000
Bebidas 26 caixas 7% 47$000
Fonte: Coletoria Estadual de Ponta Porã, balanço de 1923. Arquivo Público de Mato Grosso.

70
JORNAL O PROGRESSO. julho de 1921. Ponta Porã – Mato Grosso do Sul.

95
Nas guias de exportação da Coletoria de Ponta Porã, consta a origem da erva-mate
exportada, sendo interessante notar que, em algumas guias, aparece a região conhecida como
Rincão de Julho (área em que Larangeira obteve sua primeira concessão e de onde, no
período áureo da Mate Larangeira, saía muita erva-mate). Produtores como Honório Novaes,
Manoel Teixeira de Mattos e Homero Dutra, tiveram oportunidade de extrair a erva dessa
região em 1922. Outros tantos avizinhavam-se à cidade de Ponta Porã, em áreas como Sanga
Puitã, explorada por Alfredo Antunes, Galdino Palhano, Alberto Ratier, Delfino Vieira,
Floriano Espíndola e outros.
Na cidade de Ponta Porã, achavam-se empregados, no trato da erva-mate,
Francisco Serejo, Viúva Saldanha71 e outros como a firma Felisberto Prates e Cia., com
empreendimento semelhante ao da Viúva Saldanha. A relação de alguns destes produtores
independentes e mais outros que não estão aqui citados está no Anexo VI.
Na Tabela 6, temos um valor aproximado das exportações feitas pelos produtores
independentes (estimado, porque nos livros de conhecimentos das guias de exportação
estavam faltando páginas).

TABELA 6

EXPORTAÇÃO DE ERVA-MATE DOS PRODUTORES INDEPENDENTES VIA


COLETORIA ESTADUAL DE PONTA PORÃ EM DETERMINADOS MESES DOS
ANOS DE 1922 A 192472

Ano Nº de produtores que Nº de despachos Quant. despachada para


efetuaram despachos o Paraguai
1922 45 52 76.637 kg
1923 41 54 135.559 kg
1924 34 36 65.537 kg
Fonte: Guias de exportação da erva-mate. Coletoria Estadual de Ponta Porã. Exercícios de 1922 -
1924. Arquivo Público de Mato Grosso.73

71
A Viúva Saldanha tinha uma casa comercial em Ponta Porã, por isso, comprava a erva-mate,
trabalhando como mercadora, e a exportava para o Paraguai nos moldes a que já nos referimos antes.
72
Na documentação consultada, referente ao ano de 1922, os dados se referem apenas às exportações
feitas nos meses de janeiro e de outubro; já no ano de 1923, os dados se referem às exportações
exclusivamente do mês de maio. Quanto a 1924, os dados referem-se apenas ao mês de julho.
73
Nas tabelas colocadas em anexo, ao final do trabalho (Tabelas 2 e 3 do Anexo I), estão
discriminados alguns dos produtores de erva-mate. É possível constatar o nome de cada um deles bem
como a quantidade e o local de produção.

96
Os números da tabela acima não representam o total da erva-mate exportada nos
anos de 1922 a 1924, pois devem acrescentar-se, a esses dados, as exportações da Mate
Larangeira. Todavia, utilizamos estes dados para nos orientarmos sobre o quanto os
produtores independentes participavam ativamente do aspecto econômico no Sul de Mato
Grosso.
A Tabela 7 expõe a produção de erva-mate no ano de 1923.

TABELA 7

PRODUÇÃO DE ERVA-MATE PELA MATE LARANGEIRA E PELOS


PRODUTORES INDEPENDENTES EM 1923

Produtor Kg
Produtores independentes 1.330.730
Mate Larangeira 9.937.396
Fonte: ARRUDA, 1986, p. 207, 230.

Os indicadores revelam que, em 1923, a produção dos produtores independentes


representava 13,4% em relação à da Mate Larangeira. No total geral, a produção desses
independentes chegou a representar 11,8% do total do Estado.
O presidente do Estado, Pedro Celestino, não se conformava com os dados
apresentados e arrecadados para o Tesouro, pois chegara ele à conclusão de que a fonte de
riqueza do Estado não correspondia à verba com que a erva-mate deveria contribuir para a
despesa pública, nem os lucros auferidos pelos exploradores daquela indústria estavam
corretamente especificados. Pedro Celestino questionava os dados acima mencionados, uma
vez que não tinha ele, o governo, conhecimento das reais cifras apresentadas, pelo fato de não
lhe serem remetidos os balanços anuais.74
Ao levantar suspeitas acerca da proporção arrecadada com os impostos provindos
da economia ervateira, o presidente Pedro Celestino propôs, em 1924:

74
COSTA, Pedro Celestino Corrêa da. Presidente do Estado de Mato Grosso. Mensagem apresentada
à Assembléia em 13 de maio de 1924. p. 78. Cuiaba, Typographia Official
(wwwcrl.uchicago.edu/collections/braziliangovernment).

97
Estando prestes a extinguir se o prazo do arrendamento dos hervaes, torna-
se este assumpto digno de meditado estudo do governo e desta ilustre
corporação, de modo a ser adoptado um novo regimen que melhor assegure
não só a prosperidade desta industria, como a sua contribuição mais
eqüitativa para o desenvolvimento geral do Estado. [...] Si o imposto
cobrado pela exportação da herva matte não está em relação nem com os
lucros nem com o valor da quantidade exportada, menor é ainda a relação
entre a capacidade dos nossos hervaes e a produção que têm tido, o que
demonstra ter sido explorada somente uma pequena parte dessa fonte da
nossa receita. Um systema tributário mais razoável e um systema de
exploração que melhor assegure a progressão dessa industria, taes são os
pontos cardeaes que devem attrahir a nossa attenção (Idem, p. 79).

No final da década de 1920, quatro empresas polarizaram as exportações dos


produtores independentes, sendo elas a La Yerbatera Comercial, Juan Soto Beigbeder,
Aureliano Ayala e Irmãos Quevedo. Somente no ano de 1928, estas empresas exportaram
juntas aproximadamente 568.763 kg de erva-mate para o Paraguai, de onde o produto seguia
para a Argentina principalmente. Conforme as guias de exportação da Coletoria de Ponta Porã
a que tivemos acesso, a La Yerbatera Comercial exportou 150.794 kg, a Juan Soto 150.794
kg, a empresa de Aureliano Ayala exportou 104.930 kg e a Irmãos Quevedo 178.173 kg de
erva-mate.75
Devemos considerar que muitos produtores exportavam a erva-mate diretamente
para o Paraguai, isto é, sem entregá-la às empresas exportadoras.
Muitos produtores de erva-mate eram denominados também como mercadores,
possuindo estabelecimentos varejistas de secos e molhados, os quais serviam como válvula de
escape para estes comerciantes. Vários autores que escreveram sobre a história de Dourados
descreveram a forma das transações comerciais dos produtores na região.
Para Maria Goretti Dal Bosco (1995), o desenvolvimento das atividades ervateiras
possibilitou a participação, no comércio, de pessoas que tinham ervais nativos nos quintais de
suas casas, em que essa erva-mate caseira era vendida ou trocada por mercadorias de
pequenos comerciantes. Posteriormente, estes comerciantes trocavam também por
mercadorias, no atacado, nas regiões de maior incremento do comércio.
No livro Monografia do município de Dourados, de Ercília Pompeu, consta que a
indústria da elaboração da erva-mate não era somente oriunda da Mate Larangeira.
Geralmente, aqueles que tiveram suas posses requeridas tiveram direito a explorar a erva, com

75
Guias de exportações de erva-mate de 1923. Colectoria Estadual de Ponta Porã. Arquivo Público
Mato Grosso - Cuiabá.

98
real proveito para o comércio local. Pompeu refere-se também à região ervateira de Dourados,
assinalando que, na década de 1920, alguns trabalhadores da empresa extratora, em sua
maioria paraguaios, trocavam a erva caseira em pequenas quantidades por produtos
alimentícios.
Os donos dos estabelecimentos da região, considerados mercadores de erva-mate,
armazenavam a erva, até atingir uma determinada quantidade, e depois a mandavam a Campo
Grande, Aquidauana ou Bela Vista, sendo que, no retorno, os condutores traziam
carregamentos de mercadorias de todos os gêneros para abastecer seus armazéns (POMPEU,
1985).
A documentação consultada mostra, de fato, que muitos mercadores de erva-mate
eram do Patrimônio de Dourados, que, a partir de 1935, tornou-se município de Dourados.
Dentre estes produtores ou mercadores estavam os Irmãos Milan, Manoel Rasselen,
Vlademiro Müller do Amaral, João Cândido Câmara, João Rosa Góes, João Vicente Ferreira,
Antonio Vicente Azambuja, Cyro de Mello, Álvaro Brandão e outros (no Anexo IV pode-se
identificar alguns desses nomes).
Álvaro Brandão, que foi prefeito de Dourados e coletor em Ponta Porã, foi
também produtor de erva-mate. O caso de Vlademiro do Amaral, que tinha uma sociedade
com João Cândido Câmara em Dourados, parece ser semelhante ao de outros tantos dessa
região ervateira. Segundo depoimentos de Borges Álvares (conhecido no meio ervateiro,
naquela época, como Neguinho Paim, e que trabalhou para esta sociedade, carregando erva-
mate em carroças de Juti até Dourados), a Mate Larangeira, através de acordos, concedeu uma
área para Vlademiro do Amaral e João Câmara. Assim, a erva chegava até Dourados, e de
Dourados até Campo Grande era levada de caminhão pelo Sr. Vlademiro do Amaral. Essa
atividade ocorreu durante a segunda metade da década de 1930, conforme informou Borges
Álvares, afirmando que essa prática ocorreu com muitos mercadores e exploradores de erva-
mate.76

76
ÁLVARES, Borges, entrevista concedida em 26 de junho de 2003 em Dourados. O Sr. Álvares, no
ato da entrevista, tinha 87 anos, gozando de perfeita saúde.

99
2.2.3 – A diminuição do volume de exportação de erva-mate para o
mercado argentino

A década de 1930 apresentou evidentes sinais de declínio no que tange à produção


de erva-mate. O fator principal foi o começo da auto-suficiência argentina, que passara a obter
colheitas de seus ervais plantados em Misiones e Corrientes. A Revista Del Litoral, de Buenos
Aires, publicou em 1927 uma matéria sobre a grande plantação de erva-mate em território
argentino. Desse modo, a revista atentava para os dois grandes países produtores, Brasil e
Paraguai, que em breve ficariam sem mercados de consumo da erva-mate:

A medida que se aproxima de la solución del problema de la yerba mate, en


su aspecto puramente argentino, gracias al enorme desarrollo de los
yerbales, durante los últimos años, en las fecundas tierras de Misiones,
crece la inquietud de los otros dos grandes paises productores: Brasil y
Paraguay, ante la prevista perdida de un importante mercado de consumo. A
Argentina consume normalmente 80.000 toneladas anuales de yerba, una
gran parte de la cual importa de las dos repúblicas vecinas. Pero gracias a la
sana propaganda del gobierno nacional, a su apoyo efectivo a los
plantadores y colonos y a la conviención, que se va haciendo como en la
opinión general, de que bastan cinco años de trabajo en los yerbales
misioneros para conquistar una posición independiente, la producción crece
en proporciones que no se puede igualar el consumo, y bastarán, en plazo
breve para cubrir la demanda del mercado interno. Y una vez logrado esse
objectivo, que harán los productores del Paraguay y del Brasil?77

Como podemos observar, a revista utilizou-se de um tom irônico, sem contudo


deixar de mostrar o lado sombrio e sinistro do problema, que, neste caso, veio para preocupar
ainda mais os produtores de erva-mate do Brasil e Paraguai. O problema já havia sido previsto
numa Mensagem de 1922, quando o então Presidente do Estado, Pedro Celestino Corrêa da
Costa, denunciou o fato:

Os notáveis esforços empregados pelos platinos no desenvolvimento dos


hervais do território argentino das missões, ensombram o futuro da nossa
indústria extractiva de mate...78

77
REVISTA DEL LITORAL, apud JORNAL O PROGRESSO. 10 de julho de 1927. Número 281.
ANNO VIII. Ponta Porã – Mato Grosso.
78
CORRÊA DA COSTA, Pedro Celestino. Mensagem... 1922, p. 37, apud ARRUDA, 1986, p.248.

100
A Tabela 8 permite-nos saber a quantidade de árvores de erva-mate plantadas no
território argentino.

TABELA 8

PLANTAÇÃO DE ERVA-MATE NA ARGENTINA NA DÉCADA DE 1920

Ano Área cultivada em hectares Número de plantas


1922 5.510 4.500.000
1923 9.033 8.128.000
1924 10.626 9.000.000
1925 20.450 18.135.452
Fonte: ARRUDA, 1986, p. 248.

De fato, no final da década de 1920 e início da de 1930, já era possível notar a


previsão anteriormente ressaltada. Houve uma diminuição da exportação para Argentina, mas
ainda nada que comprometesse a fundo a produção no Brasil. A auto-suficiência argentina
não aconteceu naquele momento, uma vez que a erva-mate produzida naquele país era de
condição muito inferior à produzida no Brasil, isto é, era fraca, pois não tinha sofrido o
processo natural de maturação, o que acontecia após alguns anos de produção. Assim, a erva
argentina precisava ser misturada à de Mato Grosso, que era de gosto forte. Restava então, a
Mato Grosso, uma certa margem para suprir aquele mercado com sua erva de especial
qualidade.
Contudo, houve naquele momento, na imprensa local de Ponta Porã, a denúncia
de imposição dos interesses dos moinhos argentinos sobre os produtores mato-grossenses,
chegando aqueles a formar um trust. Por isso, o semanário sugeria ao governo estadual que,
para resolver os problemas referentes à superlotação no estoque de erva-mate, adquirisse a
produção até que se normalizasse o mercado:

A premência em que se encontra o commercio local e o da visinha cidade,


com alargamento de stocks, não compatíveis com o meio consumidor, o que
lhes obriga a desfazerem se de partidas consideráveis de seus depósitos para
a manutenção do crédito, operações estas effectuadas num momento em que

101
a praça maior consumidora do matte, não tinha maiores necessidades...[...]
Com poucos mil contos, o governo poderia adquirir toda a herva que vai ter
a Buenos Ayres, provinda de particulares aqui na fronteira, até que, os que
necessitam do producto, em Buenos Ayres viessem procurál-o pagando o
valor compensativo.79

A conseqüência da diminuição da exportação da erva-mate recaiu diretamente


sobre os pequenos produtores, enquanto, por outro lado,

A Empresa Matte Laranjeira, ainda não tinha sofrido abalo visível, pois
tinha a compra de sua produção assegurada pelo ramo argentino, ao
contrário dos pequenos produtores, que muitas vezes dependiam da própria
empresa para exportar sua produção, que em um momento de diminuição da
procura do mercado argentino, deixava de comprar, ou fazendo por preços
abaixo do mercado, prática desastrosa, em ambos os casos para os pequenos
produtores (ARRUDA, 1986, p. 249).

Em 1933, aconteceu em Ponta Porã o Congresso da Herva Mate, cujo principal


fator foi revelar a preocupação dos produtores e, neste sentido, obter ajuda, para que de
alguma forma se solucionasse o problema que os afligia.
No próximo capítulo continuaremos a analisar a situação dos produtores de erva-
mate mato-grossenses na década de 1930.

79
JORNAL O PROGRESSO. 4 de setembro de 1927. Número 289. ANNO VIII. Ponta Porã – Mato
Grosso.

102
CAPÍTULO III

O FORTALECIMENTO DOS PRODUTORES INDEPENDENTES E O


DECLÍNIO DA ECONOMIA ERVATEIRA DE 1937 A FINS DA
DÉCADA DE 1960

3.1 – O novo governo brasileiro (pós-1930) e a economia ervateira


do SMT

No início da Era Vargas, o sul de Mato Grosso ainda sofria a influência e um forte
poder de controle na extração da erva-mate nativa pela CML.
Se em 1924 as receitas do Estado, no governo de Pedro Celestino Corrêa da
Costa, orçavam por volta de cinco mil contos de réis, a disparidade com a Cia. Mate
Larangeira era absurda, chegando esta empresa a ter suas receitas orçadas em mais de trinta
mil contos de réis. Athamaril Saldanha (1986, p. 465) vai mais além, afirmando que os lucros
(na verdade, seriam as receitas) auferidos pela Cia. representavam dez vezes mais que o
orçamento estadual.
A influência da Mate Larangeira, no ano de 1926, deixou patente que o Estado
tornara-se débil diante da grande empresa arrendatária. A demonstração é clara, como se vê
no contrato feito entre a Mate Larangeira e o Estado, conforme citação a seguir.

A Empresa fará ao Estado um empréstimo da quantia de 3.000.000$000


(três mil contos de réis) mediante os juros de 8% (oito por cento) ao anno,
capitalizado semestralmente... 80 (apud ARRUDA, 1986, p. 246).

80
Contrato firmado em 26.10.1926, entre o Estado de Mato Grosso e a Empresa Matte Larangeira
S/A.

103
No livro Resenha Histórica de Mato Grosso, Pedro Ângelo da Rosa também
reforça as afirmações acima descritas, pois, segundo ele, a Cia. teve uma ascendência muito
forte na economia e na política de Ponta Porã e mesmo de Mato Grosso, chegando a
contribuir com um terço da arrecadação do Estado. Rosa faz um balanço das contribuições e
perdas que a Companhia Mate Larangeira causou para a região.

É incontestável que a Empresa Mate desbravou zonas inóspitas, abriu


estradas e portos para o transporte da erva-mate, e que hoje estão entregues
ao domínio público. Foi ela uma poderosa fonte de recursos, que de muito
serviu a muitos que a procuraram. Mas, a sua zona de arrendamento,
ultrapassava de muito, a área que devia ocupar; constituía naqueles tempos
um vasto monopólio, abrangendo os limites do atual município de Ponta
Porã, até às margens do rio Paraná. Sua longa ocupação muito entravou o
povoamento do sul de Mato Grosso (ROSA, 1962, p. 26, 27; grifos nossos).

Mesmo assim, muitos fatores contribuíram para a decadência da produção


ervateira por parte da Cia., dentre eles, o crescimento constante da população mato-grossense,
engrossada pelos novos contingentes de imigrantes, aliados ao fator político (pressões do
governo), e principalmente mais um elemento colaborador na destruição do império do mate:
o plantio de ervais na Argentina, que foi o golpe decisivo na significação comercial do
produto, mas cujos efeitos se fizeram sentir apenas a partir da década de 1930
(FIGUEIREDO, 1968, p. 232, 236).
Entre os fatores de crise da economia ervateira, Saldanha coloca a presença de
representantes dos moageiros argentinos mais próximos dos centros de produção, isto é, em
Ponta Porã, com o fim de adquirir a produção. A presença de muitos intermediários, segundo
esse autor, atuava no sentido da baixa dos preços pagos aos produtores, “de tal forma que no
ano de 1931, já não era possível produzi-lo [o mate]. Somente a Companhia Mate produzia e
exportava seu produto, em virtude de ser destinado aos seus próprios moinhos na Argentina”.
Para os produtores independentes (que Saldanha chama de “particulares”), tornava-se quase
impossível produzir o mate, uma vez que os preços de venda eram “verdadeiramente
escorchantes, 40% do valor dos preços anteriores e a maioria das vezes, recebiam em
pagamento pelo menos 50% do valor em mercadorias” (SALDANHA, 1986, p. 466). Um dos
motivos dessa pressão sobre os preços era que os produtores tinham que depender da moagem

104
argentina, e os mercadores argentinos sabiam que eram o principal mercado dos produtores
“particulares” do sul de Mato Grosso.81
Desse modo, houve uma diminuição na produção e conseqüentemente no envio de
mate aos moinhos argentinos, o que, em função da lei da oferta e da procura, fez com que os
preços reagissem, na medida em que os moinhos haviam sentido a falta da erva-mate em seus
estoques. Mesmo assim, ainda segundo Saldanha, ocorreram, em 1936, “novas especulações
em prejuízo dos produtores”, de tal forma que dois produtores “particulares” em Ponta Porã
(Aral Moreira e Waldomiro Silveira), já a partir de 1937, organizaram um pequeno
“sindicato” assim como existia nos estados do Sul, em defesa dos interesses dos produtores.82
A Companhia Mate Larangeira, por seu lado, foi defendida em 1937 pelo próprio
Interventor federal no Estado, Manoel Pires, que elogiou a atuação da Cia., analisando a
situação de mercado e fazendo reclamações contra o Conselho Nacional do Mate. A
reclamação era contra as medidas tomadas em desfavor da exportação da erva meramente
cancheada.83
Neste período, entre início e final da década de 1930, houve uma crescente
formação de empresas exportadoras de erva-mate, dentre elas a de Juan B. Vierci, José Brum,
Abib Possik e José Bacha, La Yerbatera Comercial, Aureliano Ayala e outras com
estabelecimentos tanto em Ponta Porã como em Campo Grande (algumas dessas empresas
constam nos documentos da Coletoria Estadual de Ponta Porã, que estão no Arquivo Público
de Mato Grosso, em Cuiabá – cf. Anexo VII).
Como visto, as empresas exportadoras se encarregaram de exportar a erva-mate de
muitos produtores durante as oscilações do mercado. No entanto, outros produtores
independentes se desenvolveram paralelamente às tentativas de organizar a produção ervateira
no SMT. Ataliba Viriato Baptista foi um produtor independente e seu nome foi citado no

81
Há necessidade de esclarecer os leitores que, em 1927, foi instalado o primeiro moinho de erva-mate
em Ponta Porã, com capacidade para moagem de dois mil quilos diários, em dois tipos de erva-mate.
O moinho, com razão social Correa & Mendes, poderia industrializar uma quantidade maior, se não
fosse o consumo nacional da erva quase nulo. Entretanto, estamos na espreita de saber as razões
efetivas por que o moinho não prosperou, levando os pequenos produtores a dependerem dos moinhos
argentinos.
82
Athamaril Saldanha (1986, p. 466) nos dá indícios de que este sindicato, organizado a partir dos
interesses dos produtores particulares, de imediato trouxe algumas vantagens, principalmente na
questão dos preços.
83
Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa [pelo Cap. Manoel Ary da Silva Pires, interventor
federal no Estado de Matto-Grosso] e lida na abertura da 3ª sessão ordinária da sua 1ª Legislatura [13
de junho de 1937]. Cuiabá : Typ. Official, 1937, p. 28, 32.

105
relatório feito pelo diretor do Departamento Nacional de Imigração, Dulphe Pinheiro
Machado, quando transitava pela região sul de Mato Grosso em 1940. Esse relatório refere-se
à exploração dos ervais mato-grossenses por pessoas estranhas à Cia. Mate Larangeira, isto é,
aquelas que denominamos produtores independentes (MACHADO, 1940).
Ataliba Viriato Baptista, em 1935, abriu um estabelecimento comercial com seus
filhos no Patrimônio União (atual Amambai), então município de Ponta Porã, para a
“exploração de secos e molhados”. Embora o estabelecimento tenha sido aberto em janeiro de
1935, só foi registrado em dezembro de 1937, sob o nome Ataliba Batista y Filhos. Ao
colocarem, no contrato social, o item exploração de secos e molhados, os proprietários se
habilitavam a comercializar também erva-mate (cf. Anexo X). Até 1941 a firma tinha três
sócios; a partir daí houve ingresso de mais dois sócios, e o contrato de sociedade rezava que o
estabelecimento poderia fazer o comércio de mercadorias em geral.84 O que acabou
acontecendo com Ataliba também foi semelhante ao caso de muitos outros que formaram seus
estabelecimentos comerciais com o mesmo fim.
Ao longo da pesquisa trabalhamos com algumas entrevistas dirigidas, não com a
preocupação de fazer a história de vida dos entrevistados, ou seja, história oral, mas apenas
colher algumas informações importantes. Uma entrevista muito relevante foi a do Sr.
Hamilton Serejo Baptista, de 95 anos, morador em Iguatemi, irmão de Ataliba Viriato
Baptista e primo de Hélio Serejo. Ele foi produtor de erva-mate em Iguatemi e nos ajudou a
compreender muitas das características dos processos que abordamos neste trabalho.85
Na tentativa de observar e entender todas as questões possíveis envolvendo os
produtores independentes, visitamos também algumas empresas atuais do ramo da erva-mate
no extremo sul de Mato Grosso do Sul. Uma delas foi a empresa Erva-Mate Vô Chico, em
Iguatemi. Apesar de tê-la fundada no início do ano de 2003 (aliás com apoio fiscal do governo
estadual), seu proprietário é neto de Francisco Fernandes Filho, um dos produtores
independentes da região na primeira metade do século XX. Tanto é que a marca do produto
dessa empresa leva a foto de Francisco estampada na embalagem, com os dizeres: Esta é uma
homenagem a um dos pioneiros da erva-mate Mato Grosso do Sul no ano de 1935, Francisco
Fernandes Filho (cf. Anexo XI).

84
Contrato de Sociedade sob os Registros Nº 21 e 33, de 23 de dezembro de 1937. Coletoria Estadual
de Ponta Porã. (Livro N° 1 Arquivo da Junta Comercial – JUCEMS) Campo Grande - Mato Grosso do
Sul.
85
Entrevista concedida em 28 de julho de 2003 em Iguatemi – Mato Grosso do Sul.

106
A história de Francisco Fernandes Filho se confunde com a de muitos outros
migrantes na região do SMT. Ele veio do Rio Grande do Sul em 1906, com sua família, com
13 anos de idade, para a Vila Sacarão (antigo nome da cidade de Iguatemi). Em 1921,
Francisco montou um bolicho (armazém), comprando mercadorias diversas em Ponta Porã e
revendendo-as na vila. Logo se associou com Ataliba Viriato Baptista, por um breve período,
mas Ataliba continuou comerciando com Francisco até 1925. Lila Fernandes,86 filha de
Francisco, expressou em seu livro De Sacarão a Iguatemi, o seguinte depoimento a respeito
das atividades de seu pai:

Em 1935, deixou o comércio e começou a trabalhar com erva-mate. Ele


entregava 4.000 arrobas por mês (1 arroba castelhana era igual a dez quilos)
de erva-mate para a Companhia Matte Larangeira. Essa parceria durou até
1952. Tinha erval próprio e arrendados, como também comprava erva-mate
de outros produtores. A erva-mate extraída era levada em carretas até o
Porto Lindo, nas margens do Rio Iguatemi. Em cada carreta cabiam vinte
sacas de erva-mate, com cinqüenta quilos cada uma. A carreta era puxada
por seis juntas de bois. A erva-mate tinha que ser bem selecionada, pois a
Companhia Matte Larangeira era extremamente exigente. As chatas,
puxadas por rebocadores, vinham de Porto Guairá, atravessando o rio
Paraná e subindo o rio Iguatemi (WALOSZEK, Lila Fernandes, 2003, p. 42,
43).

Waloszek (2003) ainda teceu alguns comentários sobre a erva-mate da


Companhia Mate, dizendo que era de altíssima qualidade e embalada com o nome respeitável
de Cruz de Malta, nome referido antes através das etiquetas (cf. Anexo VIII). Lila Fernandes
Waloszek informou que o lucro com a erva-mate não era muito, a produção constituía-se
numa das únicas formas de trabalhos rentáveis que a região oferecia. Contudo, o dinheiro
dava para manter a família e ainda requerer, legitimar ou comprar glebas de terras, muito
embora as terras ervateiras fossem as mais valorizadas da região.
Segundo a autora, Francisco Fernandes Filho utilizou parte do dinheiro obtido
com o comércio da erva-mate para compra e requerimento de várias propriedades, dentre elas
a compra da Fazenda Piray, com 1.339 hectares (cujo nome foi posteriormente mudado para
Fazenda Portão), além da legitimação da Fazenda Esperança e das glebas Jaguatirica, Santa

86
Lila Fernandes Waloszek foi vereadora em Iguatemi. Ela nos concedeu uma entrevista em 27 de
julho de 2003, aos 84 anos, sempre demonstrando sinais lúcidos de conhecimentos que evidenciam a
presença dos pequenos produtores de erva-mate no SMT. Sinais estes nos quais até o momento o
tempo não ousou interferir, razão pela qual utilizamos seu trabalho nessa pesquisa.

107
Tereza, Santa Lídia e Santa Joana. Francisco mudou-se de volta para a cidade de Iguatemi em
1965, tendo vivido ali até 1986, quando ocorreu o seu falecimento.

3.1.1 – Análise do governo sobre os problemas da fronteira – a


Marcha para o Oeste

O crescimento da pequena produção de erva-mate tornou-se evidente na medida


em que a política de Getúlio Vargas, durante o Estado Novo, procurou dar continuidade às
leis 725, 911 e 930 e, a partir daí, fragmentar os extensos latifúndios existentes no sul de Mato
Grosso. Nesta ocasião, Vargas implantou uma política de ocupação dos extensos territórios,
utilizando o slogan Marcha para Oeste. A ocupação e povoamento de levas de migrantes,
oriundos do Sudeste e principalmente do Nordeste, para essas regiões com baixa densidade
demográfica, se deu também em outros estados como Goiás, Paraná e Amazonas. O objetivo
de tal política, segundo Alcir Lenharo (1985), era desafogar os grandes centros urbanos e
povoar as vastas áreas desabitadas. Essa política terminou por desfazer o contrato de
arrendamento das terras devolutas do Estado com a Mate Larangeira.
A atividade ervateira, com predomínio quase que absoluto por parte da Mate
Larangeira, de 1882 até o final da década de 1930, levou a que uma grande extensão de terras
permanecesse inacessível à apropriação como propriedade individual e vazia de elementos
estranhos à Mate Larangeira (ARRUDA, 1997, p. 17). Segundo Arruda, esta região, tida
como vazia, foi um dos alvos da política de colonização do Estado Novo, que procurava o
espaço para aplicação do projeto.

Nesse sentido o sul de Mato Grosso era facilmente tido como um espaço
ideal para a ação da “Marcha...” uma vez que era “vazio”, continha uma
população estranha, de todas as origens e sem história. A “Marcha...” teria
de integrar aquela região e sua população na história da nação brasileira,
deveria disciplina-los e nacionaliza-los (Idem, p. 19).

Nos discursos elaborados pelos teóricos do Estado Novo com o fim de ocupar o
SMT, a Companhia Mate Larangeira foi apresentada como inimiga do projeto de colonização

108
e nacionalização da fronteira, na medida em que obstaculizava o avanço da Marcha
(GUILLEN, 1999, p. 76).
Assim, em 1941, Vargas negou autorização para que se renovasse o contrato de
arrendamento dos ervais; era também recomendado que se estabelecesse um regime de "livre
exploração dos ervais" e "colonização racional", devendo ainda serem oficializados os
povoados criados pela Companhia no interior de seus domínios. A mesma autora ainda cita
que em 1943, o governo Federal criou os Territórios Federais de Ponta Porã e Iguaçú,
respectivamente no sul de Mato Grosso e oeste do Paraná (GUILLEN, 1996, p. 41).
Jocimar Albanez (2003) fez referências à questão dos Territórios Federais, e para
tanto citou o trabalho de Joe Foweraker, segundo o qual as diferenças entre o grau de
violência percebido nas experiências de fronteiras do sudoeste do Paraná e do SMT se
explicam pela interferência política precoce do poder central, em condições mais favoráveis
ao último caso:

No Paraná, o Território tocou apenas levemente na complexidade da


história legal da região; em Mato Grosso, o resultado principal da
intervenção federal foi liberar as terras já havia tanto tempo arrendadas para
a companhia de mate Laranjeiras, e assim prenunciar a corrida pela terra no
sul. Até esse ponto, diversos desenvolvimentos distinguiram a história legal
do Sul de Mato Grosso da do Oeste do Paraná, fazendo-a mais pacífica e
menos sujeita aos conflitos de modo geral. Uma razão para essa relativa
ausência de conflito foi precisamente o monopólio da Mate Laranjeiras e da
força policial da companhia, que manteve fora os colonos
(reconhecidamente pelo uso da violência); outro, foi o ritmo relativamente
lento do povoamento e, como já observado, também a falta de concessões
de terras litigiosas a empresas ferroviárias; e ainda outra foi simplesmente
quantidade de terra. A terra sendo abundante, era barata, havendo poucos
motivos para se lutar por ela (e ninguém suspeitava que subiria de valor tão
rapidamente). Esses mesmos argumentos aplicam-se quase com igual vigor
a outra fonte potencial de conflito, esta entre o Governo Federal e o
Estadual, a respeito da terra na faixa de fronteira (FOWERAKER, 1982, p.
135, 136, apud ALBANEZ, 2003, p. 56).

O ex-Território de Ponta Porã foi devolvido oficialmente a Mato Grosso em


fevereiro de 1947, mediante escritura pública lavrada em cartório. Logo o governo de Mato
Grosso designou um representante para dirigir-se a Ponta Porã e lá receber o acervo do ex-

109
Território, para assim, estudar as deficiências causadas com a extinção do Território e resolver
os seus principais problemas.87
A Mate Larangeira não ficou omissa frente à política de Vargas. Jocimar Albanez
citou em seu trabalho que uma carta foi dirigida ao general Góes Monteiro, em 16 de agosto
de 1938, pelo dirigente da Companhia Mate Larangeira Heitor Mendes Gonçalves, onde o
mesmo se mostrava ciente de que o Conselho de Segurança Nacional ouviria o Instituto
Nacional do Mate (INM) sobre os arrendamentos dos ervais mato-grossenses, e, antecipando-
se, saiu em defesa dos interesses da Companhia. A carta buscava demonstrar a importância da
presença dessa Empresa na região e justificar a extensão da área arrendada. Segundo Heitor, a
área

Pode ser excessiva para uma produção de 9.000.000 de kilos. Mas tal não
acontece, porque os hervaes, além de esparsos, são rarefeitos. Medeiam
entre um e outro dezenas e dezenas de kilometros de campos onde não se
encontra uma só herveira. A Companhia propõe tomar o arrendamento de
toda a área e não somente dos hervaes individuados pelos respectivos
limites para evitar que intrusos se localisem nos campos de permeio ou á
beira das estradas que vão ter aos portos de embarque e ahi estabeleçam
bolichos para venda de cachaça ao pessoal dos transportes, o que traria a
desorganisação completa dos serviços. Accresce que dentro da área posta
em concurrencia já ha muitos hervaes de propriedade particular dentre os
quaes os da Companhia. Os hervaes do Estado contidos nessa área não
produzem por si sós mais de 6.000.000 de kilos. A Companhia para exportar
9.000.000 precisa contar com a producção propria e até mesmo precisa ás
vezes comprar herva de outros productores fóra da zona arrendada (lata 233,
fl 34, AN/CEFF, apud ALBANEZ, 2003, p. 58, 59).

Segundo Albanez, de posição defensiva, o representante da empresa passa, na


seqüência, a contra-atacar, quando da acusação de que a erva mato-grossense, ao ser
exportada cancheada, era misturada à erva argentina para valorizá-la e fazer concorrência à
erva brasileira de outros estados:

Essa accusação póde ser feita á herva dos outros exportadores de Matto-
Grosso, mas não á Matte Larangeira cuja herva não se mistura sendo moida
e beneficiada pelos moinhos da empresa do mesmo nome em Buenos Aires
e vendida com a declaração bem visivel nos envases de procedencia
mattogrossense (GONÇALVES, 1938, apud ALBANEZ, 2003, p. 59).
87
MENSAGEM apresentada pelo Governador do Estado de Mato-Grosso [Dr. Arnaldo Estevão de
Figueiredo] à Assembléia Legislativa e lida na abertura da 2ª sessão ordinária de sua 1ª legislatura [13
de junho de 1948] p. 26, 27.

110
O fato é que, a partir do projeto de Vargas, os antigos posseiros, assim como a
nova leva de migrantes oriundos principalmente do sudeste e do nordeste, tiveram maiores
possibilidades em legalizar suas posses. Em um relatório apresentado ao presidente Getúlio
Vargas pelo Interventor no Mato Grosso, em 1940, fica claro, no item que trata das “vendas
de terras devolutas”, que, durante o ano de 1939, se manifestou sensível movimento de
procura de terras por parte de particulares, de todos os municípios do Estado, tendo a venda
respectiva atingido a sua culminância.88 Assim, é possível afirmar que os produtores
independentes, ou podem ser entendidos como produtores particulares, tinham seus negócios
comerciais na região de fronteira desde o primeiro período varguista.

3.1.2 – As pressões sobre a Mate Larangeira

O jornal do Rio de Janeiro intitulado O Radical, de 25 de agosto de 1938,


escancarou o antagonismo aos interesses da Mate Larangeira, visto que o mesmo divulgou
uma matéria solicitando atitude enérgica do Ministro da Agricultura Fernando Costa contra a
Cia., demonstrando a razão pela qual se deveria acabar com os privilégios até então
permitidos à Mate Larangeira:

Lá o governo não é governo e a lei não é lei. As geographias dizem que


Campanário e Guayra e toda a immensa area de hervaes onde cabem paizes
da Europa ficam no Brasil. Senhora da fronteira tyranna de populações que
vivem martyryzadas sob um regimen de escravidão, a Matte Laranjeira
desmente as geographias é ela um novo Estado - a Matte. Território
trancado, onde a Justiça nunca penetra e a palavra direito só se pronuncia
em surdina, com medo de represálias, o feudo de Mendes Gonçalves é
aberração inexplicavel numa nação soberana. Inexplicavel por certo, não
era, ao tempo em que corrilhos politicos retalhavam a Pátria, vendendo-a a
varejo no mercado do suborno.89

88
Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Getúlio Vargas, Presidente da República, pelo Bel. Julio
Strübing Müller, Interventor Federal em Mato Grosso : 1939-1940. Rio de Janeiro : Ed. José
Olympio, [1940 p.33]
89
O RADICAL, Jornal - Rio de janeiro - 25 de Agosto de 1938. Arquivo Nacional – Rio de Janeiro.

111
Ao que consta, o alarde do jornal visava a questão da segurança nacional, a qual
estaria sendo ameaçada pela entrega de zonas fronteiriças a uma empresa estrangeira. Ainda
pesava sobre a empresa a acusação, há pouco mencionada, de que um produto extraído em
terra brasileira era vendido com rótulo que o apresentava como estrangeiro (argentino), ou
que pelo menos não definia sua origem (cf. Anexo VIII).
O jornal deixa transparecer que a Mate Larangeira passou a sofrer críticas
veementes sobre seus atos referentes às questões políticas. A desaprovação derivava das ações
que exercia diante dos poderes do Estado, assim como das grandes ocupações de terras no
SMT.

A Matte Laranjeira criava leaderes, elegia deputados, fazia senadores,


indicava governadores de Estado, todos empreitados para assegurar, junto
ao governo central, a inviolabilidade da sua capitania. E como
representantes do povo, vinham para as casas do Congresso e iam para os
palácios de governo, mercenários do falso Estado que se criara à sombra da
pusilanimidade de (vós) e da inconsciente displicencia de outros. Enquanto
dominassem políticos, leiloeiros dos interesses nacionaes, a Matte
Laranjeira teria a certeza de não ser demovida no seu poderio. Assim se
acostumava pelo hábito da corrupção, a dominar - nunca pensando que um
dia aquelles escravos brancos veriam, ao seu lado, pronunciar-se o nome
do Brasil, como palavra libertadora, pela acção energica e immediata do
governo central, apoiado pelas forças armadas.90

No ataque às posições da Mate Larangeira estava Diniz Junior, presidente do


Instituto Nacional do Mate, que, junto ao processo, apresentava um relatório contrário à
prorrogação dos arrendamentos, com críticas ácidas também em relação à política estadual
que, até então, segundo ele, teria sido irresponsável no que tange à colonização/ocupação da
região de fronteira. É um documento que transportava alguns tópicos da justificação que
acompanhou o projeto de lei nº 51, de 1936, de sua autoria, que dispunha sobre a colaboração
entre os Estados-Maiores de Exército e da Armada e os poderes públicos com relação às
concessões territoriais de áreas públicas. Mas o mais interessante é que revelava o ideário do
Estado Novo, quanto às políticas que estavam por vir. Albanez (2003) assinalou em sua
dissertação que a política de nacionalização das fronteiras do Estado Novo, por exemplo,
estava bem representada em algumas dessas linhas, escritas por Diniz:

90
O RADICAL, Jornal - Rio de janeiro - 25 de Agosto de 1938. (Comissão Especial de Faixa de
Fronteiras – Lata 252. Doc. 647/1941). Arquivo Nacional – Rio de Janeiro.

112
O caso de concessões territoriais a estranjeiros, ou seus prepostos, sem
prévia consulta ao E.M.E. [Estado-Maior do Exército], por exemplo, tem
produzido embaraços, que podem rumar para dissídios internacionais. Justo
é, pois, que concessões dessa órdem, [...] só devem ser dadas mediante
entendimento com aquêle órgão central do sistema defensivo de
nacionalidade (lata 233, fl. 36-7 - AN/CEFF. ALBANEZ, p. 59).

3.1.3 - A criação do INM e das Cooperativas como apoio aos


produtores independentes

Em 13 de abril de 1938, durante o Estado Novo, foi criado o Instituto Nacional do


Mate – INM91, a pedido dos próprios exportadores e comerciantes, a fim de não haver mais
problemas com as oscilações na produção e preço do mate. O INM era um órgão federal e
tinha por meta a defesa dos produtores, para que estes tivessem proteção e um impulso no
negócio do mate contra os atos que pudessem perturbar o mercado nacional. O INM foi
regulamentado com a seguinte organização:

• I – Órgão orientador e controlador:


Junta Deliberativa
• II - Órgão executivo:
a) Diretoria
b) Presidência
• III – Órgãos auxiliares:
a) Consultoria Jurídica
b) Divisão Econômica
c) Divisão Administrativa
d) Delegacias Regionais
e) Agências no Exterior. 92

91
O Decreto-lei n° 375 de 13 de abril de 1938 cria o INM, já pelo decreto 3.128 de 5 de outubro do
mesmo ano foi aprovado o regulamento do INM com sua junta deliberativa, órgãos executivos e
auxiliares. (SALDANHA, 1986, p. 467)
92
FIGUEIREDO, 1968, p. 357.

113
As agências e as delegacias foram criadas em vários Estados e fora do país, com o
intuito de divulgar o produto. As agências deveriam ser obedientes às instruções da
presidência do INM, e as delegacias deveriam representar o Instituto no sentido de cumprir e
fazer cumprir instruções e a legislação em geral, executando vários serviços e coordenando a
ação das cooperativas de mate (FIGUEIREDO, 1968, p. 365).
Só era legalmente considerado produtor aquele que estivesse registrado pelo
Instituto Nacional do Mate. Entretanto, havia a produção ocasional, que escapava ao esquema
traçado pela legislação. Dessa forma, havia os produtores que eram mateicultores, e também
os que eram simplesmente donos de propriedades que tinham ervais nativos.
No caso do antigo Sul Mato Grosso, a política cooperativista do Instituto Nacional
do Mate terminou com a possibilidade de existência de grandes produtores, exceto a Mate
Larangeira, favorecendo o surgimento dos pequenos produtores cooperados.
Uma das primeiras medidas adotadas pelo INM foi a de classificar a erva-mate
produzida, sendo, portanto, a do tipo MB1 destinada à exportação, produzida sob o mais
rigoroso controle de qualidade, desde as impurezas existentes até a sua umidade; e a do tipo
MB2, reservado exclusivamente ao mercado estadual, pois esta não necessitava do controle
absoluto do INM, e tinha como principais protagonistas, na produção, os produtores
particulares.
Durante os primeiros anos que se seguiram, na década de 1930, houve de fato uma
melhora significativa no comércio da erva-mate. Mas, no início da década seguinte, ou seja,
em 1941, a imprensa local de Ponta Porã denunciou a inutilidade do Departamento Regional
do Mate, órgão do INM. O próprio prefeito municipal de Ponta Porã, Pedro Manvailer, em
seu relatório anual ao Interventor Federal no Estado, o Sr. Júlio Strubing Müller, alegava que
esse departamento não conseguia atender às necessidades dos ervateiros, pois, até àquele
momento, não havia tomado nenhuma medida em benefício da classe ervateira, que contribuía
anualmente com 650:000$000 contos de réis. O prefeito afirmava que o descontentamento era
geral, e uma medida urgente seria liberar o câmbio.

O Município atravessa, presentemente, uma fase angustiosa de sua vida


econômica com a crise de exportação da herva-mate. Em todos os setores de
atividade desta zona nota-se a paralisação dos negócios e,
consequentemente a deficiência de arrecadação das repartições fiscais da
União, Estado e Município. Uma medida de emergência se impunha, com a

114
liberação do câmbio para a herva-mate, a exemplo do que se fez com outros
produtos de exportação, em ocasiões idênticas.93

Entre 1941 e 1952, o INM, através de uma agência implantada na Argentina,


controlou as exportações derivadas do Brasil. A finalidade foi fazer um rateio de cotas de
exportação aos Estados brasileiros que produziam a erva-mate, determinando, assim, que cada
Estado pudesse exportar sem que os demais se sentissem prejudicados (SALDANHA, 1986,
p. 471, 472).
Houve de fato, durante os primeiros anos da década de 1940, uma melhora na
atividade ervateira, mas havia ainda uma insatisfação do lado dos produtores, pois os preços
não tiveram os resultados almejados. Esse descontentamento, conforme afirma Saldanha,
levou-os a criarem as cooperativas de produtores de mate. As cooperativas foram formadas
exclusivamente por produtores particulares (independentes), e sua diretoria, segundo o autor,
era constituída pelos próprios produtores, aqueles que sentiam diretamente a falta de
assistência efetiva (Idem.).
As cooperativas já haviam sido previstas muito antes da criação do INM. Em 19
de dezembro de 1932 houve o Decreto n° 22.239, modificado em 1° de agosto de 1938, pelo
Decreto nº 581, autorizando a criação das cooperativas do mate. A primeira delas criada no
sul de Mato Grosso foi a Cooperativa dos Produtores do Mate de Ponta Porã, em 20 de julho
de 1942.94 Logo em seguida foram criadas as de Amambai, Dourados95 e Iguatemi. As
cooperativas passaram a ser subordinadas diretamente ao Ministério da Agricultura,
adquirindo uma competência maior no controle da atividade ervateira.
As cooperativas do mate tiveram, então, praticamente o mesmo poder que tinha o
INM, pois tanto elas quanto o INM tiveram como tutor, a partir do momento de sua criação
estatutária, o Ministério da Agricultura, ressalvadas as devidas responsabilidades de cada

93
Memorial do Prefeito Municipal de Ponta Porã ao Interventor Federal Júlio Strubing Müller em 4 de
agosto de 1941. Arquivo Público de Mato Grosso.
94
Registro dos Estatutos da Cooperativa de Produtores do Mate de Ponta Porã, sob o Registro nº 37 de
20 de julho de 1942. Coletoria Estadual de Ponta Porã. (Livro Nº 1 – Arquivo da Junta Comercial -
JUCEMS. Campo Grande – Mato Grosso do Sul)
95
No Anexo XIII encontra-se a reprodução de uma nota de entrega de sacaria, por parte da
Cooperativa de Dourados, ao produtor associado Ataulpho Alves Stein. Segundo pudemos apurar, essa
Cooperativa de Dourados funcionava num grande galpão de alvenaria até hoje existente, na esquina
das ruas Presidente Vargas e Major Capilé.

115
órgão. As funções que cada cooperativa deveria exercer para atender às exigências do
Ministério estavam assim descritas:

• obter empréstimos e financiamentos;


• financiar a entressafra aos seus associados, adiantamento por conta do mate recebido;
• vender e entregar o mate cancheado em condições de embarque;
• dar assistência aos associados, etc.

Restava ao INM, então, determinar as cotas de produção cabíveis para cada


produtor, além de fixar os preços do mate nos centros industriais.96
O fracionamento dos ervais, a inserção de outros produtores na área, além da
desestruturação da Cia. Mate Larangeira em relação aos ervais, permitiram aos novos
produtores viver, grosso modo, sob a tutela do INM. Isto garantiu o fortalecimento destes
produtores até 1967, quando ocorre a extinção do Instituto.

O Instituto Nacional do Mate, até sua extinção, fiscalizou a circulação do


produto, recorrendo ao uso de notas de contrôle e de uma burocracia, que
nem sempre pôde funcionar completamente, à falta de recursos, que
pudessem manter extensa máquina fiscalizadora (FIGUEIREDO, 1968, p.
271)

3.2 – Os produtores independentes de 1938 a 1967: a ação das


cooperativas no mercado ervateiro do SMT

Para filiar-se à Cooperativa e assim entrar no gozo pleno dos seus direitos, o
produtor deveria pagar a quantia de vinte mil réis (20$000). Para que cada associado tivesse o
controle da entrega da sua produção e venda à Cooperativa, recebia uma caderneta, na forma
de título nominativo, assinada pelo associado e pelo presidente da Cooperativa. Esta caderneta

96
Sobre as responsabilidades das cooperativas de mate e o INM, ver SALDANHA, 1986, p. 472.

116
continha o texto integral dos estatutos, além de certo número de páginas para nelas ser
lançada a respectiva conta corrente do capital e lucros.97
Ainda na década de 1940 foi criada a Federação das Cooperativas de Produtores
de Mate “Amambaí” Ltda., como órgão representativo da classe ervateira mato-grossense,
reunindo as várias cooperativas já existentes.
A necessidade de garantir mercado consumidor da erva-mate, tanto externo
quanto interno, era a preocupação do INM. O jornal O Estado de Mato Grosso, de 24 de
fevereiro de 1950, publicou uma matéria refletindo o interesse do Instituto em expandir o
consumo da erva-mate no mercado interno. Em 1950 o então presidente do órgão, Generoso
Ponce Filho, foi até Belo Horizonte – Minas Gerais, promover uma campanha de expansão
nacional do consumo do mate, bem como negociar a instalação de uma de Casa do Mate,
assim como já ocorria em São Paulo e Rio de Janeiro. Os primeiros passos o presidente do
INM já havia dado um ano antes, 1949, quando fez um pronunciamento na Sociedade Mineira
de Agricultura; cabia naquele momento efetivar os negócios anteriormente mencionados. A
argumentação de Ponce Filho era que a erva-mate de Mato Grosso, quer como chá, quer como
bebida refrigerante, seria capaz de competir com qualquer outro similar, e podendo ser
consumida em casa, pois a simples infusão do chá de mate gelado e batido dava excelente
bebida.98
Escrevendo na década de 1960, Figueiredo (1968, p. 262) nota que cerca de 80%
dos produtores de erva-mate do SMT tinham menos de 5.000 hectares, contrastando com os
grandes latifúndios existentes no restante do estado e também com a grande extensão de terras
anteriormente utilizadas pela Mate Larangeira. O mesmo autor demonstra que o latifúndio
tipicamente ervateiro deixara de existir, em razão da precariedade do mercado.
Permaneceram, então, as pequenas propriedades ervateiras, nas quais eram extraídas em
média de 3.000 a 5.000 quilos de erva-mate por ano.

Na Tabela 9 pode-se observar que, a partir do início da década de 1950, a


Federação dos Produtores de Mate passou a superar o volume de exportações feitas pela Mate
Larangeira. Esta situação continuou até a liquidação das exportações, no final da década

97
Artigo 42 do Estatuto da Cooperativa de Produtores do Mate de Ponta Porã, sob o Registro Nº 37 de
20 de julho de 1942. Coletoria Estadual de Ponta Porã. (Livro Nº 1 – Arquivo da Junta Comercial -
JUCEMS. Campo Grande – Mato Grosso do Sul).
98
PONCE FILHO, Generoso. Presidente do Instituto nacional do Mate. (Jornal O ESTADO DE
MATO GROSSO, de 24 de fevereiro de 1950. Ano XI, nº 1866) – Arquivo Público de Mato Grosso -
Cuiabá

117
seguinte. Também é possível notar que no ano de 1954 não houve registros pelo INM das
vendas no SMT, mas, isso não significa que não houve exportação. Acredita-se que o volume
tenha sido próximo ao apresentado no ano de 1955.

TABELA 9

PRODUTORES DE MATE EM MATO GROSSO ENTRE 1952 E 1963 E


RESPECTIVA PRODUÇÃO (EM KG)

Ano Federação Mate Sociedade Hildebrando José Pinto Indústria Sociedade


Cooperativa Hervê Mato-
Larangeira Caá Costa Brasileira
do Mate grossense
Amambai do Mate do Mate
Ltda.
1952 1.848.900 3.632.944 --- --- 30.000 1.027.800 612.000

1953 4.155.840 2.325.608 --- --- 60.00 445.200 ---

1954 ? ? ? ? ? ? ?

1955 6.095.400 2.313.672 --- --- 54.400 42.000 ---

1956 5.026.080 4.546.658 --- 95.000 --- --- ---

1957 6.590.472 4.130.000 300.000 --- --- --- ---

1958 10.065.000 2.800.000 90.000 --- --- --- ---

1959 5.802.000 1.800.000 --- --- --- --- ---

1960 8.865.000 2.800.000 --- --- --- --- ---

1961 10.353.360 2.420.000 --- --- --- --- ---

1962 5.659.920 1.360.000 --- --- --- --- ---

1963 4.699.960 1.920.000 380.000 --- --- --- ---

Fonte: FIGUEIREDO, 1968, p. 172.

Diante dos dados apresentados, Figueiredo (1968) afirmou que os pequenos


produtores desenvolveram-se paralelamente ao declínio da Cia. Mate Larangeira. Contudo,
muitos produtores, no início da década de 1950, continuavam a produzir, ainda que
precariamente, em atividades consideradas não regulares pelo Instituto Nacional do Mate,

118
órgão federal que exigia o registro dos produtores e notas de controle para circulação do
produto.
A Federação de Produtores de Mate Amambai – FPMA controlava cerca de 95%
dos produtores de erva-mate, representados pelos pequenos proprietários e suas respectivas
cooperativas:

Com a presença de inúmeros produtores – organizados em quatro


cooperativas federadas [...] o produto dos cooperados é entregue às
cooperativas que pagam parte do preço cotado [...] Parte da produção tem
sido encaminhada para engenhos regionais, com exemplos em Campo
Grande e Dourados, que produzem a MN 1 para consumo interno
(FIGUEIREDO, 1968, p. 269).

O trabalho concreto da Federação era verificado na medida em que era possível


constatar o destino do mate do Sul de Mato Grosso. A Federação exportava o mate das
cooperativas de Ponta Porã, Dourados e Amambaí via rio Paraguai, quer pela NOB e pelo
Porto Esperança, quer, mais tarde (no início da década de 1960), pelo porto paraguaio de
Concepción. Já a cooperativa de Iguatemi, por estar muito distante dessa via de exportação,
exportava a erva-mate pelo Rio Paraná, através de um entendimento entre a Federação e o
Serviço de Navegação da Bacia do Prata - SNBP, visando o mesmo mercado consumidor, isto
é, o mercado argentino. É de se notar que as instalações ferroviárias que ligavam Guaíra a
Porto Mendes haviam sido desapropriadas da Companhia Mate Larangeira durante a década
de 1940.
Apesar de a FPMA levar o nome de Amambai, sua sede situava-se em Ponta Porã.
A razão evidente era que Ponta Porã estava ligada, por estradas de razoável conservação, a
Concepción, no Paraguai, o que facilitava o transporte até aquela cidade. A Federação chegou
a ter 572 associados, o que indica que o setor estava organizado pela necessidade de se manter
ativo no ramo ervateiro. A sua organização estava distribuída conforme consta no Anexo IX.
A Companhia Mate Larangeira, com uma produção insuficiente, derivada da
perda da posse de grande parte de suas antigas áreas, as quais passaram a ser de controle dos
produtores particulares, e devido à criação da Colônia Agrícola Nacional de Dourados,
também em território que antes era de produção, teve que comprar erva-mate da Federação
para completar a sua produção.
Athamaril Saldanha deixa claro que, com a existência das cooperativas, a região
ervateira do sul de Mato Grosso gozou de uma “viva prosperidade”, permitindo que o

119
município de Ponta Porã fosse desmembrado em outros, os quais, por sua vez, foram também
subdivididos.

A prosperidade dos proprietários de ervais era visível, pois que além da


garantia do recebimento dos preços mínimos, recebiam os cooperativados,
anualmente, grandes somas de retorno,99 provenientes dos lucros auferidos
com a exportação (SALDANHA, 1986, p. 473; grifos nossos).

Entretanto, em 1954, o governador de Mato Grosso, Fernando Corrêa da Costa,


proferiu uma mensagem atestando o declínio relativo da atividade ervateira, em face das
novas realidades econômicas do Estado, isto é, o aparecimento do fenômeno das frentes
pioneiras. De fato, no ano anterior (1953) o mesmo governador já fazia uma apologia aos
novos ocupantes das terras do Estado, atribuindo a eles o espírito altamente empreendedor,
relembrando os tempos da ocupação pioneira paulista no século XVIII.

O território mato-grossense constitui, de fato, um convite para uma


deslocação da fronteira, à espera de novos bandeirantes dotados do espírito
de iniciativa, aparelhados de capitais e métodos modernos. É convite, cuja
força de atração se está fazendo sentir intensamente, pois, esses novos
pioneiros, já penetram, se instalam na nossa terra e começam a trabalhar,
procurando anular ‘os séculos de evolução que separam S. Paulo de Mato
Grosso. [...] Pretendemos incentivar o processo rápido de povoamento e
exploração do nosso solo que estamos presenciando. [...] Apesar das
dificuldades existentes, dada nossa precária organização policial, não há de
faltar, no nosso vasto e deserto hinterland, a presença vigilante e
asseguradora da autoridade. E por todos os outros meios de que a
administração dispuser, para facilitar a penetração do trabalhador rural e das
empresas de colonização, bem como a sua fixação à terra, lutaremos no
sentido de propiciar o crescimento da nossa população e o aumento da
nossa produção pecuária e agrícola, com a conseqüente valorização do
nosso território.100

99
Entende-se aqui por “retorno” as verbas provenientes do balanço anual, sobras, perdas e fundos de
exportação da erva-mate dos produtores particulares das cooperativas, onde a Federação das
Cooperativas do Mate retinha uma parte dos lucros de exportação, por conta de eventuais despesas que
pudessem ocorrer. Como a Federação não tinha como objetivo o lucro, como ocorria com muitos
estabelecimentos comerciais, esta devolvia os lucros às Cooperativas que, por seu turno, devolviam
aos seus associados somas consideradas como retorno, que muitas vezes demoravam a chegar aos
associados, mas quando chegavam eram quantias valiosas para estes exportadores do mate.
100
MENSAGEM à Assembléia Legislativa, apresentada pelo Governador do Estado [Fernando Corrêa
da Costa] por ocasião da abertura da sessão legislativa de 1953. Cuiabá : [Imprensa Oficial?], 1953.
p. 5.

120
Desse modo, em 1954, o governador assinalava a desvantagem em que ficava a
economia ervateira, em face das novas culturas de cereais, e mostrava-se preocupado pelo fato
de em Mato Grosso não haver um grande consumo interno de erva-mate, como nos estados do
Sul, e isto era um dos fatores do declínio dessa atividade:

A melhor remuneração que a atividade na cultura dos cereais proporciona


aos lavradores e aos trabalhadores agrícolas tem concorrido para o
desinteresse que se observa pela extração do mate nos ervais nativos, fonte
outrora de intenso labor na zona do Sul do Estado e uma das bases em que
se amparava a nossa economia. Reduzida a exportação para os mercados do
seu consumo, que era o argentino, em virtude da produção nacional que
passou a receber favores fiscais e as preferências locais, e não tendo se
conseguido afeiçoar a massa da nossa população ao seu uso, não há
mercado de absorção para o mate que aqui e noutros Estados do Sul se
produz. Daí a decadência que se vem acentuando na indústria ervateira, tão
próspera noutros tempos. A Comissão de Planejamento da Produção
financiou com Cr$ 800.000,00 a Federação das Cooperativas dos
Produtores de Mate do Amambai Ltda., no propósito de incrementar e
manter as atividades dos nossos ervateiros.101

O Governador apresentou dados especificando a quantidade de erva-mate


produzida em vários municípios do SMT, sendo eles ligados a FPMA, conforme Tabela 10
abaixo.

TABELA 10

PRODUÇÃO DE ERVA-MATE EM KG NO TRIÊNIO 1951-1953

Municípios 1951 1952 1953


Amambai 3.000.000 1.505.250 13.392.555
Dourados 400.000 555.000 600.000
Maracaju 45.000 22.500 19.500
Ponta Porã 6.685.947 5.197.276 4.886.584
TOTAL 10.130.947 7.280.026 18.898.639
Fonte: COSTA, Fernando Corrêa da. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa de Mato
Grosso em 1954. Cuiabá : Imprensa Oficial, 1954, p. 87, 88.

101
Mensagem à Assembléia Legislativa, apresentada pelo Governador do Estado (Fernando Corrêa da
Costa) por ocasião da abertura da sessão legislativa de 1954. Cuiabá : Imprensa Oficial, 1954. p.
87//88

121
O mesmo governador abriu a primeira sessão ordinária da Assembléia Legislativa,
em 1955, proferindo um discurso em que comunicava aos deputados que o Instituto Nacional
do Mate não estava conseguindo atender às necessidades dos produtores, e repetia que estava
havendo uma tendência de desvio das atividades ervateiras para outros tipos de culturas mais
lucrativas. Contudo, constatava certa reanimação da economia ervateira:

Até agora, malgrado os esforços do Instituto do Mate, não se conseguiu


aumentar substancialmente o consumo interno na proporção de absorver a
produção nacional. Em Mato Grosso há ainda a desviar da atividade
ervateira os braços que lhe eram dedicados, outras ocupações mais
compensadoras e novos e diversos empreendimentos, além do despertar de
outras culturas mais rendosas. Entretanto, como os nossos ervais são
nativos, não criando despesas outras que a da colheita e o seu preparo, tem-
se mantido a sua elaboração. Os ervateiros organizaram-se em
Cooperativas, de que resultou a Federação das Cooperativas dos Produtores
de Mate do Amambai, que vem liderando as suas atividades e, mesmo,
incrementando a sua produção. A essa útil e eficiente organização não tem
faltado o amparo do nosso Governo, proporcionando-lhe auxílios e até
financiamentos. Com os convênios internacionais celebrados pelo Instituto
do Mate, que permitiram uma melhora da exportação, e com a fixação do
preço mínimo para o produtor, reanimaram-se os ervateiros e a sua
economia.102

No mesmo ano de 1955, o jornal O Progresso (nessa época editado em Dourados)


publicou uma matéria com o título O mate e seus recursos, em que tratava da sessão de
encerramento da primeira reunião da Junta Deliberativa do INM naquele ano, onde um
representante do Ministério da Agricultura declarou que o mate não era problema somente
desse Ministério, nem dos estados diretamente interessados na sua economia, mas do país. Ele
salientou que o Governo Federal acompanhava com a maior atenção o desenvolvimento da
produção ervateira, mas lamentou que a Secretaria que dirigia naquele momento não dispunha
de maiores recursos e de técnica mais aprimorada para servir aos produtores.103
Já em 1956, o sucessor de Fernando Corrêa da Costa no governo do Estado, João
Ponce de Arruda, fez um discurso solicitando ajuda mútua entre o Estado e o INM para o
melhor desenvolvimento da atividade ervateira. O novo governador falou da necessidade de
incremento de moinhos e construções de estradas visando o apoio à atividade ervateira:

102
Mensagem à Assembléia Legislativa, apresentada pelo Governador do Estado [Fernando Corrêa da
Costa] por ocasião da abertura da sessão legislativa de 1955. Cuiabá : Imprensa Oficial, 1955, p. 81.
103
Jornal O PROGRESSO, de 10 de abril de 1955, p. 3.

122
Providências coordenadas com o INM já estão sendo estabelecidas,
também, para a montagem de moinhos destinados ao beneficiamento na
região, bem como para construções rodoviárias que facilitem a saída da
erva-mate produzida no Estado pelos portos do rio Paraná.104

Este apoio aos produtores de erva-mate em Ponta Porã realmente foi colocado em
prática, se bem que depois de quase quatro anos após o discurso do Governador, pois, em
maio de 1960, foi feito em Ponta Porã um contrato de sociedade de um moinho de erva-mate,
com o nome Moinho Brasília de Erva-Mate Limitada, de responsabilidade de três produtores:
Ivalim Alves Monteiro, Luís Freire e João Portela Freire, todos proprietários e ervateiros,
tendo a sociedade, como fim, beneficiar, industrializar e comercializar erva-mate.105
A sociedade do moinho de erva-mate em Ponta Porã de fato veio corresponder aos
anseios dos produtores da região. A constatação é evidente, pois, dois anos após a
implantação deste moinho, ou seja, em 1962, foi necessário fazer uma alteração do contrato
social anteriormente elaborado, uma vez que o crescimento do empreendimento exigiu a
participação de novos sócios. Além dos três primeiros proprietários do moinho, também se
tornaram sócios: José Carpes, João Manoel Cardinal, Ary Alves Monteiro, Aristeu Almeida
Silva, Antonio de Azevedo Pereira, Carlos Fernando, Carlos Alberto Capanema, José Isso,
José Lorentz de Carvalho, Olavo Armando Ramos, Nery Alves de Azambuja, Augusto Zanin,
Juvenal Fróes, Arno Ormay, Manoel Ramos, José Benitez Cardeñas e Ubiratan
Vendramini.106
Dentro desse grupo existiam dois estrangeiros, sendo Manoel Ramos, argentino, e
José Benitez Cardeñas, paraguaio. Este último é o fundador e atualmente proprietário,
juntamente com seus filhos, da empresa de erva-mate Santo Antonio, no município de Ponta
Porã, pessoa com quem tivemos a oportunidade de conversar. A empresa foi registrada pela
Federação das Indústrias no Estado em 1969, mas, segundo seus proprietários, ela teria sido
fundada três anos antes, ou seja, em 1966.

104
Mensagem apresentada pelo Governador do Estado, Dr. João Ponce de Arruda em 13 de junho, por
ocasião da abertura da sessão legislativa de 1956. Cuiabá : Imprensa Oficial, 1956, p. 20.
105
Contrato de Sociedade sob o Registro nº 134, de 11 de maio de 1960. Coletoria Estadual de Ponta
Porã. (Livro Nº 2 – Arquivo da Junta Comercial - JUCEMS. Campo Grande – Mato Grosso do Sul)
106
Alteração do Contrato de Sociedade sob o Registro nº 160, de 10 de março de 1962. Coletoria
Estadual de Ponta Porã. (Livro Nº 2 – Arquivo da Junta Comercial - JUCEMS. Campo Grande –
Mato Grosso do Sul)

123
Atente-se que este ano coincide com o choque do encerramento das exportações
para a Argentina. Depreendemos, no entanto, que seu proprietário e fundador foi um dos
poucos produtores independentes que se capitalizaram, transformando sua atividade de
comércio em empresa lucrativa após o referido choque. Além disso, a empresa construiu, em
Ponta Porã, com recursos próprios, o Museu do Mate, aberto ao público.
Outro contrato de sociedade referente à produção de erva-mate foi lavrado pela
Inspetoria Comercial de Ponta Porã em 1966, observe-se bem, no mesmo ano em que a
Argentina suspendeu a importação de erva-mate do Brasil. A sociedade foi feita por Wilfrido
Brizueña e Elfrido Nicolas Brizueña, ambos comerciantes e industriais, residentes em Sanga
Puitã, distrito de Ponta Porã. A empresa, com o nome Erva-mate Globo Ltda, visava a
produção e comércio de erva-mate em Ponta Porã, e foi fundada com um capital social de
CR$ 8.000.000 (oito milhões de cruzeiros).107
As evidências que se afiguram no transcorrer do trabalho induzem-nos a
descrever algumas possibilidades de assertivas quanto ao tema tratado. As análises levam-nos
a crer que os produtores de erva-mate que se situavam na região Leste do SMT, como
Iguatemi e outros, escoavam a erva-mate através dos rios navegáveis direto para a Mate
Larangeira, isto porque os meios de transporte favoreciam a saída da erva pelo rio Paraná. Por
outro lado, os produtores que se situavam no Centro-Sul, isto é, próximos à cidade de Ponta
Porã, canalizavam a produção pelo município do mesmo nome, utilizando para esse fim as
estradas que iam até Aquidauana ou Campo Grande e consequentemente utilizavam a NOB e
a navegação pelo rio Paraguai para escoar o produto até os grandes centros consumidores.
Também havia o trajeto até Concepción, por carretas de bois e caminhões, conforme já foi
esclarecido.
Todavia, a erva-mate exportada pelos produtores independentes do lado Leste,
através da Mate Larangeira, ainda era insuficiente, principalmente entre as décadas de 1940 e
1950. Portanto urgia, para a Mate Larangeira, o complemento com a erva-mate das regiões
mais próximas de Ponta Porã, a fim de satisfazer a demanda dos seus importadores.
Contudo, mesmo com todo esse aparato que se encaixava para facilitar a
exportação, não foi possível manter o mercado ervateiro estável, sendo que o declínio da
exportação era perceptível e preocupava muito os produtores.

107
Contrato de Sociedade sob o Registro nº 284 de 16 de abril de 1966. Mesa de Renda - Coletoria
Estadual de Ponta Porã. (Livro nº 3 – Arquivo da Junta Comercial - JUCEMS. Campo Grande – Mato
Grosso do Sul).

124
Uma nova tentativa de reanimar o mercado ervateiro em Mato Grosso foi instalar
uma fábrica de mate solúvel, a Matex (cf. Anexo XII). A fábrica foi montada em Ponta Porã,
com condições de oferecer ao mercado uma grande quantidade de subproduto do mate, e
assim, abrindo novas possibilidades de expansão de consumo. Seus primeiros dirigentes
definiram a fábrica como uma vanguarda na produção do mate.

A inauguração desta Fábrica não deve ser encarada, apenas como ato
marcante de pioneirismo e coragem, de valor e trabalho. É mais do que isso,
pelos seus aspectos sociais, econômicos e políticos, que se firmam nesta
longínqua região extrema de nosso país. É a vitória clara e definitiva do
espírito cooperativista, que, depois de muitos anos de lutas, através da
“Federação das Cooperativas de Produtores de Mate Amambaí Ltda.”,
atingiu o mais alto grau de conceito como exportadora de matéria-prima. E
daí, o indestrutível elo de harmonia entre os seus filiados e a indispensável
confiança para enfrentarem, unidos, esta nova etapa, e já agora no campo da
indústria. Sem medir esforços, dificuldades e sacrifícios de tôda espécie, a
construção desta Fábrica para a industrialização do mate, sob a forma mais
avançada que é a do “solúvel”, pode ser considerada, pela sua técnica e
volume de produção, como a mais moderna, maior e única do gênero. As
análises mais categorizadas provam que o “Matex”, além de conservar
íntegras as maravilhosas propriedades da erva-mate, apresenta muitas delas
com índices ainda mais acentuados do que o produto “in natura”, e isso
pelos processos de condensação empregados no seu fabrico. Ao lado da
justificável alegria com que chegamos a êste resultado, compreendemos,
também, as enormes responsabilidades que assumimos, para a conquista dos
mercados interno e externo. Mas, mercê de Deus, havemos de vencer, pela
excelência do produto e pela tenacidade dos cooperativados da
“Amambai”.108

A Federação das Cooperativas dos Produtores do Mate – FPMA foi quem instalou
a Matex, movida principalmente pela preocupação com as flutuações do mercado externo
argentino, consumidor da erva-mate de Mato Grosso. A capacidade inicial da fábrica foi
programada para 1.200 quilos de erva-mate diários, contudo, a falta de mercado não permitiu
que a Matex utilizasse toda sua capacidade, uma vez que, trabalhando apenas três meses por
ano, já acarretava uma grande produção. Com menos de 30 pessoas, a fábrica fornecia mais
mate solúvel do que o mercado tinha condições de absorver. Ademais, o sabor do mate
solúvel não era idêntico ao do mate natural, pois apresentava um amargor que mesmo o
açúcar não conseguia tirar (FIGUEIREDO, 1968, p. 371-373).

108
Discurso de Inauguração da Matex, Fábrica de Mate Solúvel – Federação dos Produtores de Mate
Amambai Ltda. Documento fornecido pelo Museu do Mate de Ponta Porã, através do Professor
Domingos, responsável pelo Museu.

125
3.3 - A fase final do declínio da atividade ervateira

Fazendo um paralelo entre o declínio da produção e exportação da borracha com o


da erva-mate em Mato Grosso, parece ter ocorrido um processo semelhante. Por volta de
1910, a exportação da borracha declinou vertiginosamente, uma vez que no Oriente passou se
também a plantar a seringueira, fonte da borracha, determinando um aumento da produção e
conseqüentemente a queda dos preços.

No caso da erva-mate, o fenômeno ocorreu meio século mais tarde, isto é, em


meados da década de 1960, quando o principal mercado comprador, a Argentina, encerrou a
importação.

Os sinais veementes da perda do mercado argentino aconteceram quando em 1937


os argentinos atingiram uma superprodução. Naquele ano a Argentina havia produzido mais
erva-mate que Brasil: 106.330 toneladas, enquanto o Brasil produziu 96.544 e o Paraguai
17.840 toneladas. Apesar da superprodução, a Argentina ainda teve que importar do Brasil
35.842 toneladas para completar seu consumo (cf. FIGUEIREDO, 1968, p. 321). Segundo
Figueiredo, a Argentina também passou a ser exportadora de erva-mate, o que foi considerado
como fato novo no mercado ervateiro. Outro componente prejudicial à economia ervateira no
Brasil foi a posição do Paraguai como produtor de mate de excelente qualidade, de paladar
forte, que teve condições de ampliar sua produção.

De todo modo, a suspensão das compras pelos argentinos significou um golpe rude
na atividade ervateira, principalmente em Mato Grosso, uma vez que muito o Estado dependia
desse mercado.

Apesar de toda a luta pela sobrevivência da indústria ervateira, o INM foi extinto.
A extinção estava diretamente ligada ao mercado de exportação para a Argentina, já que em
1967 a Argentina havia cancelado todos os contratos de importação de erva-mate.109 A
Tabela 11, que se segue, traz dados sobre as plantações na Argentina nos últimos anos antes
da paralisação de sua importação.

109
Em 28 de fevereiro de 1967, por Decreto nº 281, foi extinto o Instituto Nacional do Mate, passando
as suas atribuições ao Ministério da agricultura, que nada conseguia fazer pelo que restava da
produção ervateira. (SALDANHA, 1986, p. 504, 505).

126
TABELA 11

ERVAIS PLANTADOS NA ARGENTINA NAS DÉCADAS DE 1950 E 1960

Ano Área em hectares


1952 63.858 h
1960 118.000 h
1966 200.000 h
Fonte: SALDANHA, 1986, p.502

Um autor citado por Figueiredo assinala a dependência da economia da erva-mate


do Brasil em relação ao mercado externo platino, o que deixava os preços susceptíveis aos
interesses dos adquirentes da produção. Tão logo foi suprimida essa demanda externa, surgiu
a decadência profunda daquilo que muitos consideravam ciclo ervateiro.

Mais uma vez pudemos comprovar que todo desenvolvimento da economia


ervateira se fez sempre em função da situação do comércio exterior e das
necessidades dos grandes centros consumidores no mercado internacional; a
expansão da produção, a alteração da tecnologia e a defesa da qualidade do
produto decorrem das exigências da procura externa (SOUZA ARANHA,
1965, p. 50, apud FIGUEIREDO, 1968, p. 280).

Para o fecho deste capítulo, nos apropriamos de uma matéria feita pelo jornal O
Estado de São Paulo, publicado no ano de 1997, sobre a simbologia da erva-mate. O trabalho
foi feito por Luiz Carlos Ramos no sítio do Sr. Jary, um dos poucos produtores de erva-mate
atualmente em Caarapó (MS).

127
“Símbolo na Academia

A erva-mate tem tudo para enfrentar os refrigerantes com enorme vantagem",


analisa Jary Carvalho Maciel, um dos grandes estudiosos e defensores dessa planta em Mato
Grosso do Sul. "A infusão de mate é uma bebida brasileira que faz bem para o corpo e para a
mente." Ele mantém mais de 13 mil pés dessa planta em seus nove alqueires do Sítio
Guaicurus, no município de Caarapó (MS), a 45 quilômetros de Dourados (MS) e a 1.060 de
São Paulo.

O próprio Jary cuida de sua plantação, da qual retira folhas e galhos para fazer o
trabalho de trituração de modo artesanal. Num galpão do sítio, ele armazena inúmeras sacas
de erva-mate, que são vendidas para empresas especializadas em comercializar o produto em
supermercados e lojas de Campo Grande, Dourados, Corumbá, Ponta Porã e outros
municípios do Estado. Em sua casa, no sítio, Jary mostra três livros que contam a história da
erva-mate no Brasil, enquanto prepara tereré para tomar durante o dia.

O chimarrão, apreciado pelos gaúchos, é uma infusão quente, colocada em cuias e


tomada por meio de bombinha metálica. No caso do tereré, muda a temperatura do líquido,
que pode até ser gelado, e passa a ser usado um recipiente de chifre de boi, de acordo com a
tradição do campo. Nas cidades, há quem prefira a utilização de copos de vidro.

Dois anos atrás, Jary contribuiu para acabar com uma polêmica em Dourados,
onde levantou-se dúvida sobre a introdução de dois ramos de erva-mate no logotipo da
Academia Douradense de Letras. Muita gente alegava que esse tipo de vegetação já não existe
na região. Então, uma comissão da Academia, integrada por poetas, contistas e jornalistas,
visitou o sítio de Jary, tranqüilo município de 25 mil habitantes, ficando impressionada com
os inúmeros arbustos de erva-mate. Todos ouviram as explicações do produtor e tomaram
tereré. Na volta a Dourados, decidiram não mexer no desenho da Academia, em que os ramos
de erva-mate ficam em torno de uma pena e de um pergaminho.”110

110
RAMOS, Luiz Carlos. Símbolo na Academia. Jornal O Estado de São Paulo. (Suplemento
Agrícola). 3 de setembro de 1997.
128
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A intenção deste trabalho, com certeza sem outra pretensão, foi evidenciar a
participação dos produtores independentes na atividade ervateira do SMT no momento em
que ela era uma das fontes de renda mais segura para o Estado de Mato Grosso. A história
econômica do antigo Sul de Mato Grosso ainda está por ser melhor estudada. Isto fez com
tivéssemos curiosidade e necessidade de conhecer esta história. Assim, várias questões foram
suscitadas e nos induziram a procurar saber a história destes produtores de erva-mate. Dentre
os diversos, porém incompletos documentos analisados da Coletoria Estadual de Ponta Porã,
chegamos à conclusão de que a erva-mate moveu profundamente a economia do extremo sul
de Mato Grosso.
Não foi nossa pretensão aqui citar todos os produtores de erva-mate, mesmo
porque isso não seria possível. Não daríamos conta de descrever cada um deles, haja vista que
não se encontram documentos que comprovam a participação de todos estes agentes nessa
atividade, uma vez que muitos deles não deixaram registros capazes de dar conta de sua
participação no processo estudado. Contudo, citamos aqui alguns desses produtores, pois
sabemos que a maioria dos moradores trabalhava com a erva-mate no período. Temos, então,
depoimentos verbais, dando conta do tipo e da forma de trabalho que muitos exerciam, mas,
além disso, nossas referências foram amparadas por documentos.
O que propusemos neste trabalho foi mostrar a complexidade do universo
ervateiro. A historiografia mato-grossense e sul-mato-grossense sempre deu ênfase maior ao
que se refere à Mate Larangeira: parece que a economia ervateira só existiu quando a Cia.
estava bem. Mas não foi bem assim. É relevante ressaltar que o desinteresse da Mate
Larangeira pela atividade ervateira não significou o fim da atividade por parte dos demais
produtores do mate.
A economia ervateira era bem mais ampla que a Cia. Devemos ver a questão
por um novo prisma, um novo foco, temos que tornar claro que a economia ervateira ia além
dos interesses da Companhia Mate Larangeira. Essa economia ervateira mobilizou milhares
de habitantes da fronteira, sendo que muitos deles jamais trabalharam diretamente para a

129
referida empresa. Do que tínhamos de esclarecimento sobre esse mundo do mate, na grande
maioria, o foco era dirigido para a Companhia. Precisamos desfocar a Mate Larangeira e
desviar as luzes para o outro lado, o oculto.

O que procuramos demonstrar aqui é que tivemos no SMT processos


históricos importantes e que serviram em larga medida para compor o cenário nacional. A
diferença é que nem sempre temos conhecimento destes processos. Não procuramos entrar na
questão da “história regional” ser ou não periférica, pois o termo regional deve ser entendido
como referente a espaço físico, e não algo considerado menor em relação aos grandes
centros. Temos a consciência de que os sujeitos simples também foram importantes para
interpretações acerca do conhecimento histórico e, neste sentido, a recuperação das ações dos
sujeitos que viveram e pensaram sua própria existência, buscando saídas para sua
sobrevivência, devem ser evidenciadas pelo pesquisador.

As análises historiográficas demonstram as falhas e as lacunas da história,


principalmente no que se refere aos aspectos que envolveram estes sujeitos históricos que até
então estavam ocultos, à margem do foco do conhecimento.
Em resumo, a intenção deste trabalho foi também contribuir para o debate do
conhecimento, do ofício do historiador. Para Maria do Pilar Vieira (...), deve-se atentar para
as reflexões presentes, por entender a história como um permanente fazer-se e a investigação
histórica como uma busca aberta às múltiplas possibilidades. Isto passa por abrir mão da
teoria pronta e acabada, passa pela busca das formas surdas de resistências, passa pela
reflexão sobre a necessidade do diálogo com outros sujeitos sociais cujo viver produz outras
interpretações (o que evidencia o caráter incompleto do conhecimento histórico), passa por
abrir mão da teoria e das certezas como algo dado que norteia o trabalho de investigação.
Acreditamos piamente que a pesquisa, que ora foi desenvolvida com muito
empenho, avança em relação ao que temos de escrito sobre o assunto. Temos a clareza de que
ela não vai contemplar todos os anseios dos interessados, mas acreditamos que vai contribuir,
e essa contribuição foi a razão de todos os esforços dedicados na pesquisa.

130
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Concessões de Terras na Faixa de Fronteiras. Doc. 1677, nov. 1940. 212p. (Arquivo
Nacional - RJ)

MENDONÇA, Rubens de. História do Comércio de Mato Grosso. Goiania, 1974.

POMPEU, Ercília de Oliveira. Monografia do Município de Dourados. Secretaria Municipal


de Educação, 1985.

PUIGGARI, Umberto. Nas Fronteiras de Matto Grosso.Terra Abandonada. Editora Casa


Mayença. São Paulo, 1933.

QUEIRÓZ, Paulo Roberto Cimó. As curvas do trem e os meandros do poder: o nascimento


da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (1904-1908). Campo Grande: Ed. UFMS, 1997.

___________________________ História e região: desafio ou falso problema. Dourados,


1993. Datilografado.

___________________________ Temores e Esperanças: o antigo sul de Mato Grosso e o


Estado nacional brasileiro. Dourados, 2002. 21 p. (datilografado)

___________________________ Uma Ferrovia Entre dois Mundos: a E. F. Noroeste do


Brasil na Construção Histórica de Mato Grosso (1918-1956). São Paulo, 1999. 559p.

RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1970.

SALDANHA, Athamaril. Capataz Caatí. In: CICLO da erva-mate em Mato Grosso do Sul
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SEREJO, Hélio. Caraí. In: CICLO da erva-mate em Mato Grosso do Sul 1883 –1947.
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133
______________. Homens de Aço: a luta nos ervais de Mato Grosso. São Paulo, 1946, 119 p.

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Editora Arquivo do Estado, 1990.

SOUZA ARANHA, Luiz Fernando de. Estudo comparativo entre as geoeconomia do trigo e
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VIEIRA, Maria do Pilar de Araújo. PEIXOTO, Maria do Rosário da Cunha.KHOURY, Uara


Maria Aun. A pesquisa em História. Série Princípios. Ed. Atica. 1991.

ZORZATO, Osvaldo. Alicerces da Identidade Mato-Grossense. In. Revista do IHGB. Rio de


Janeiro. jul/set. 2000. p. 418-435

_________________ Anotações Sobre História Oral Universidade de São Paulo, 1992.

WALOSZEK, Lila Fernandes. De Sacarão a Iguatemi. Iguatemi – Mato Grosso do Sul.


2003. 169 p.

ARQUIVOS E ACERVOS

AN – Arquivo Nacional. Fundos: Comissão de Faixa de Fronteiras e Instituto Nacional do


Mate,

APMS - Arquivo Público de Mato Grosso do Sul. Acervo da Companhia Mate Larangeira.

APMT - Arquivo Público de Mato Grosso. Guias de exportação de erva-mate, entre 1919 e
1950. Balancetes da Coletoria Estadual de Ponta Porã.

ARCHIVO DE ASUNCIÓN. Paraguai. Livro que trata da história econômica da erva-mate.

JUCEMS – Junta Comercial do Estado de Mato Grosso do Sul - Arquivo da Junta. Livros
de números 1, 2, 3, 4, com registros de produtores de erva-mate pela Coletoria
Estadual de Ponta Porã entre 1927 e 1965.

MUSEU DO MATE – Ponta Porã. Relação de produtores de erva-mate ligados às


cooperativas e Federação dos Produtores.

134
ANEXOS

135
ANEXO I
TABELA 1
PRODUÇÃO DA ERVA-MATE MATO GROSSO
ANO QUANTIDADE EM KGs VALOR DA EXPORTAÇÃO (1) IMPOSTO DE EXPORTAÇÃO (1)

1882 -- -- --

1883 -- -- --

1884 -- -- --

1885 505.624 (2) 337.083$000 16.854$150

1886 1.203.690 (2) 481.476$000 40.123$000

1887 -- -- --

1888 -- -- --

1889 -- -- --

1890 -- -- --

1891 -- -- --

1892 -- -- --

1893 3.741.000 (3) -- 200:000$000

1894 4.125.000 (3) -- 220:000$000

1895 4.687.500 (3) -- 250:000$000

1896 4.687.500 -- 274:676$381

1897 -- -- 251:002$800

1898 -- -- 252:070$263

1899 -- -- 250:277$123

1900 -- -- 250:012$277

1901 4.649.099 3.919:280$000 250:000$000

1902 4.468.578 3.574:862$000 250:000$000

1903 4.204.835 3.363:868$000 250:000$000

1904 4.280.000 3.424:000$000 250:786$554

1905 4.332.556 3.466:045$000 250:000$000

1906 4.772.094 3.817:675$000 250:000$000

1907 5.655.321 4.524:257$000 250:000$000

1908 5.468.061 4.374:449$000 290:000$000

1909 5.090.505 4.072:409$000 291:493$920

1910 5.681.745 4.545:397$000 303:026$469

1911 6.007.180 4.087:347$000 320:489$800

1912 5.558.707 2.801:536$000 330:000$000

1913 6.012.402 3.160:000$000 320:000$000

1914 5.370.041 2.857:567$900 300:000$000

1915 4.584.786 4.185:888$400 300:000$000

1916 5.569.305 3.192:513$500 310:544$361

1917 5.552.271 3.856:589$700 300:194$400

1918 6.641.426 4.648:998$200 330:315$410

1919 7.100.204 4.970:842$887 352:108$854

136
continuação
1920 6.521.632 4.758:992$650 339:144$490

1921 7.549.813 5.568:273$350 393:932$961

1922 8.732.950 6.572:243$350 427:533$568

1923 9.937.396 11.374:150$500 483:745$139

1924 7.806.707 7.806:707$075 422:949$295

1925 8.426.012 8.426:012$673 484:808$500

1926 -- -- 600:243$870

1927 -- -- 661:384$703

1928 -- -- 822:684$658

1929 16.387.000 19.666:000$000 1.096:824$717


1930 14.320.000 17.183:000$000 955:000$000
1931 12.230.000 14.676:000$000 815:000$000
1932 11.117.000 13.341:000$000 741:000$000
1933 9.388.000 11.262:000$000 626:000$000
1934 7.673.000 9.224:000$000 511:000$000
1935 9.569.000 11.545:000$000 642:000$000
1936 8.483.365 12.651:000$000 568:315$500
1937 12.309.000 12.371:000$000 760:000$000
(1)– valores em contos de réis
(2)– valor calculado tomando como base o imposto de $500 por arroba de 15 kg.
(3)- valor calculado tomando como base o imposto de $800 por arroba de 15 kg.
Fontes: Corrêa Filho – Mato Grosso, Álbum Gráfhico, Mensagens presidenciais de 1887-1937. Apud Gilmar Arruda, 1986,
p. 309, 310)

TABELA 2

PRODUTORES INDEPENDENTES QUE EXPORTARAM ERVA-MATE PARA O PARAGUAI EM 1922

Nome Despachos Local Quantidade Data


1. Adolpho Justi 1 Rincão de Julho 1005 kg 28/1/1922
2. Alberto Ratier 5 S. Puitã e P. Pacury 5.827 kg Jan e out de 1922
3. Alfredo Antunes 1 Sanga Puitã 30154 kg 7/1/1922
4. Alfredo Brandão 1 Porteira Pacury 1005 kg 9/1/1922
5. Alfredo Nafal 1 Ponta Porã 1010 kg 26/10/1922
6. Atilho P. Torraca 1 Porteira Pacury 1005 kg 28/10/1922
7. Constancio Antonio da Silva 1 Rincão de Julho 1005 kg 20/1/1922
8. Delfino Vieira 1 Sanga Puitã 1005 kg 6/1/1922
9. Elias Marques 1 Ponta Porã 2010 kg 25/10/1922
10. Elpidio Pereira da Rosa 1 Rincão de Julho 1005 kg. 26/1/1922
11. Emeterio Vieira 1 Sanga Puitã 1005 kg 24/1/1922
12. Felisberto Prates & Cia. 1 Ponta Porã 995 kg 30/1/1922
13. Floriano Espíndola 1 Sanga Puitã 1005 kg 6/1/1922
14. Francisco Martins 1 Rincão de Julio 1005 kg 3/1/1922
15. Francisco Serejo 2 Ponta Porã 4.020 kg 12 e 14/1/1922
16. Galdino Palhano 1 Sanga Puitã 1005 kg 6/1/1922
17. Homero Dutra 1 Rincão de Julho 200 kg 11/12/1922
18. Honório Novaes 1 Rincão de Julho 34 @ 4/1/1922
19. Ignácio de Castro 1 Ponta Porã 134 @ 30/1/1922
20. João B. Espinosa 1 Ponta Porã 3015 kg 16/1/1922
21. João Fernandes Pereira 1 Ponta Porã 1965 kg 20/10/1922

137
22. João Rossatt 1 Ponta Porã 1005 kg 31/1/1922
23. João S. Brandão 1 Ponta Porã 3015 kg 2/10/1922
24. João Vicente 1 Porteira Ortiz 2010 kg 5/10/1922
25. Joaquim de Matos 1 Ponta Porã 1200 kg 31/10/1922
26. Joaquim Roriz 1 Porteira Ortiz 2010 kg 18/10/1922
27. José Alves da Silveira 1 Ponta Porã 1005 kg 2/10/1922
28. Leopoldo Villate 1 Porteiro Pacury 2010 kg 17/1/1922
29. Manoel Baptista Sobrinho 1 Ponta Porã 2010 kg 19/1/1922
30. Manoel Capilé 1 Porteira Ortiz 2010 kg 5/10/1922
31. Manoel Dias de Pinho 1 Ponta Porã 2010 kg 2/10/1922
32. Manoel Teixeira de Mattos 1 Rincão de Julho 1005 kg 10/1/1922
33. Manoel Teixeira de Mattos 1 Rincão de Julho 1005 kg 12/1/1922
34. Marciano Novaes 1 Ponta Porã 640 kg 31/1/1922
35. Marcolino Azzalini 1 Ponta Porã 2010 kg 4/10/1922
36. Mario da Costa 1 Porteira Ortiz 3015 kg 30/10/1922
37. Nicacio Franco 1 Porteira Ortiz 225 kg 20/10/1922
38. Orcyrio Freire 1 Rincão de Julho 1005 kg 19/1/1922
39. Oscar Portela 1 Rincão de Julho 1005 kg 6/1/1922
40. Ozório Nunes de Siqueira 1 Porteira Ortiz 3015 kg 24/10/1922
41. Pedro Antunes Marques 1 Ponta Porã 1005 kg 3/10/1922
42. Portela & Irmãos 1 Ponta Porã 2010 kg 2/10/1922
43. Raymundo Maciel 1 Ponta Porã 1005 kg 7/1/1922
44. Victorino Marques 1 Ponta Porã 2010 kg 7/10/1922
45. Virgulino Marques da Silva 1 Ponta Porã 2010 kg 11/10/1922
46. Viúva Saldanha & Cia 2 Ponta Porã 2.850 kg 14/1 e 20/10/1922
Nota: @ = arrobas
Fonte: Coletoria Estadual de Ponta Porá – Arquivo Público de Cuiabá – Mato Grosso

TABELA 3
PRODUTORES QUE EXPORTARAM ERVA-MATE PARA O PARAGUAI EM 1923

Nome Nº Local Quantidade Data


despachos
1. Alberto Ratier 2 Ponta Porã 2.010 kg 18/5 e 30/5/1923
2. Alaydes Teixeira 1 Ponta Porã 1.005 kg 12/6/1923
3. Alfredo Antunes 1 Ponta Porã 1.005 kg 9/5/1923
4. Alfredo Nafal 2 Ponta Porã 8.040 kg 7/5 e 22/6/1923
5. Álvaro J. Brandão 1 Ponta Porã 19.620 kg 14/6/1923
6. Antonio Vicente de Azambuja 1 Ponta Porã 2.010 kg 26/6/1923
7. Antonio Russo 1 Ponta Porã 1.620 kg 27/6/1923
8. Arnaldo Espíndola 1 Ponta Porá 1.005 kg 23/5/1923
9. Arthur Pereira da Silva 1 Ponta Porá 3.015 kg 14/5/1923
10. Augustin de Vedia & Cia 2 Ponta Porá 11.790 kg 22/5 e 23/6/1923
11. Cerillo Rossatti 1 Ponta Porá 2.010 kg 9/5/1923
12. Corina Maldonado 1 Ponta Porã 500 kg 18/6/1923
13. Constancio Antunes da Silva 2 Ponta Porá 2.010 kg 28/5 e 30/6/1923
14. Cyro deMello 1 Port. Ortiz 2.10 kg 20/6/1923
15. David Silva 1 Ponta Porá 4.020 kg 23/5/1923
16. Domingos Bittar 1 Ponta Porã 700 kg 7/6/1923
17. Edmundo Quevedo 1 Ponta Porá 2.010 kg 29/5/1923
18. Ellias Milan 1 Ponta Porá 2.515 kg 21/5/1923
19. Emilio D. Brandão e Cia. 3 Ponta Porá 7.035 kg 30/5,15/6 e 20/6/1923
20. Francisco Pinheiro 1 Ponta Porã 1.005 kg 1/6/1923
21. Francisco Rodrigues 2 Ponta Porã 4.020 kg 12/6 e 29/6/1923
22. Inocente Vianna 1 Ponta Porá 444 kg 19/5/1923
23. Isa Ihahim 2 Ponta Porã 4.020 kg 9/6 e 23/6/1923
24. João Baptista dos Santos 1 Ponta Porá 130 @ 8/5/1923
25. João Padilha 1 Ponta Porá 1.005 kg 14/5/1923
26. João S. Brandão 3 Ponta Porá 11.055 kg 16/5, 18/5 e 22/6/1923
27. João Vicente Ferreira 1 Ponta Porá 2.010 kg 7/5/1923
28. Joaquim Silveira dos Santos 1 Ponta Porã 1.005 kg 30/1/1923

138
29. José Alves da Silveira 1 Ponta Porá 1.005 kg 9/5/1923
30. José Ribeiro da Rocha 2 Ponta Porá 2.875 kg 18/5 e 14/6/1923
31. Manoel Rasselen 1 Ponta Porá 2.010 kg 18/5/1923
32. Marcolino Dauria 1 Ponta Porá 1.005 kg 18/5/1923
33. Marcos Vieira 1 Ponta Porá 2.010 kg 23/5/1923
34. Portela & Irmãos 1 Ponta Porá 2.010 kg 9/5/1923
35. Rodolpho Schmidt 1 Ponta Porá 3.015 kg 16/5/1923
36. Saad & Abdenour 1 Ponta Porá 1.800 kg 19/5/1923
37. Seveliano Daurisburgo 2 Ponta Porã 2.010 kg 1/6 e 21/61923
38. Solano Vilas-Boas 1 Ponta Porã 1.400 kg 14/6/1923
39. Verdulino Badeco 1 Port. Ortiz 2.010 kg 31/5/1923
40. Victor Marques 1 Ponta Porã 900 kg 11/5/1923
41. Viúva Saldanha 3 Ponta Porã 13.065 kg 1/6, 5/6 e 12/6/1923
Nota: @ = arrobas
Fonte: Coletoria Estadual de Ponta Porá – Arquivo Público de Cuiabá – Mato Grosso

TABELA 4
A EXPORTAÇÕES NACIONAIS ENTRE 1938 A 1980
Ano Toneladas Valor em Mil Cruzeiros
1938 94.216 41
1939 93.383 46
1940 83.815 43
1941 84.474 50
1942 80.954 39
1943 72.351 47
1944 66.272 61
1945 72.941 77
1946 62.582 75
1947 72.541 92
1948 65.772 105
1949 73.473 104
1950 60.321 92
1951 64.796 109
1952 60.288 101
1953 56.641 163
1954 66.383 281
1955 67.149 316
1956 71.193 407
1957 81.121 620
1958 95.482 792
1959 101.179 940
1960 110.676 1.223
1961 131.664 2.164
1962 136.026 3.162
1963 125.051 4.561
1964 127.770 10.400
1965 123.325 16.405
1966 122.834 19.719
1967 106.460 18.718
1968 97.272 21.159
1969 100.535 27.171
1970 111.470 39.901
1971 --- ---
1972 --- ---
1973 101.287 71.676
1974 86.136 118.068
1975 94.636 101.428
1976 86.538 265.040
1977 94.655 430.111
1978 85.481 463.353
1979 84.035 1.280.792
1980 105.004 3.931.054
Fonte: Ministério da Agricultura. Apud SALDANHA, 1986, p.484

139
ANEXO II

140
ANEXO III

141
142
143
144
145
146
147
148
149
150
151
152
153
154
155
156
ANEXO IV

157
158
159
160
161
162
ANEXO V

163
ANEXO VI

GUIAS DE EXPORTAÇÃO DE ERVA-MATE

164
165
166
167
168
169
170
171
172
ANEXO VII

GUIAS DE EXPORTAÇÃO DE ERVA-MATE

173
174
175
176
177
178
179
180
181
182
ANEXO VIII

ES
ESTTAMP
AMPAS
AS DE
DEEEMBALAGE
MBALAGENS
NS DA
DEMAT E LARANGE
ERVA-MATE IRA

Rquivo Público de Mato


Fonte: GrossoPdo
Arquivo Sul de Mato Grosso do Sul
úblico
Org.: La é rcio Ca rdoso de Je sus
ANEXO X

183
ANEXO IX

DIRETORIA DA FEDERAÇÃO DOS PRODUTORES DE MATE AMAMBAI LTDA.

FONTE: Documento fornecido pelo Professor Domingos, responsável pelo Museu do Mate em Ponta
Porá – Mato Grosso do Sul

184
ANEXO X

185
ANEXO XI

Embalagem de erva-mate de uma fábrica em Iguatemi – Mato Grosso do Sul

186
ANEXO XII

MATEX

187
ANEXO XIII

ATHAULPHO ALVES STEIN

Athaulpho Alves Stein (foto ao lado) veio


da Argentina em 1902 para o Antigo Sul de
Mato Grosso. Foi um produtor de erva-
mate em Dourados, Stein comprou uma
fazenda de 250 hectares na região
conhecida como Guassú em 1951 para
trabalhar com erva-mate. Seu nome fazia
parte dos associados da Cooperativa de
Mate de Dourados, da qual retirava sacos
(nota acima) para armazenar a erva que se
colhia. A Cooperativa de Dourados era
ligada à Federação dos Produtores de Mate
Amambaí, que tinha sua sede em Ponta
Porá.

Fonte: Entrevista concedida por Dalmácio


França Stein, filho de Athaulpho em
23/08/2003; Athaulpho Alves Stein Neto, filho
de Dalmácio, forneceu os documentos deste
anexo.

188
ANEXO XIV

GUIA DE EXPORTAÇÃO DE ERVA-MATE PELA DA MATE LARANGEIRA

189
ANEXO XV

Ilmo Sr.
Laércio Cardoso de Jesus

Conforme contato telefônico, estou lhe enviando alguns dados referentes à pessoas jurídicas
que no passado tinham a finalidade de fomentar a atividade da produção da erva-mate. Não estou
enviando dados da Cia Mate Laranjeira, conforme havia dito, haja vista que encontrei registros de
instituições, às quais acredito estarem mais aproximadas ao seu interesse. Que são:

COOPERATIVA DE PRODUTORES DE MATE DE PONTA PORÃ


Registra nesta JUCEMS, sob № 5440000139-4;
Situação: Cancelada conforme dispõe o Art. 60 da lei 8.934/94

Ata manuscrita, nos termos iniciais:

Aos oito dias do mês de julho de um mil novecentos e quarenta e dois, às 101/2 horas, foi apresentado á esta Sub
Inspetoria Comercial para ser registrado os “Estatutos da Sociedade Cooperativa do Produtores de Mate de Ponta
Porã”, de teor seguinte: Instituto Nacional do Mate – Estatuto da Cooperativa de Produtores de Mate de Ponta
Porã.
Capítulo I – Denominação, sede e duração.
Art 10 .

FEDERAÇÃO DAS COOPERATIVAS DE PRODUTORES DE MATE AMAMBAI LTDA


Registra nesta JUCEMS, sob № 5440000093-2.
Situação: Extinta.

Ata manuscrita, nos termos iniciais:

Aos vinte e três dias do mês de fevereiro do ano de um mil novecentos e sessenta e três, nesta cidade de Ponta
Porã, Estado de mato Grosso, me foi entregue um contrato de seguinte teor: Federação das Cooperativas de
Produtores de Mate “Amambaí” Ltda. Cópia autenticada da Ata da Assembléia Geral Extraordinária. Aos vinte e
nove de novembro de 1957, às nove e meia horas, na sede desta Federação das Cooperativas de Produtores de
Mate Amambaí, reuniram-se em Assembléia Geral Extraordinária, nos termos dos respectivos edital, e em última
convocação os Delegados das Cooperativas Federadas que assinam o livro de presença e a presente Ata, em
número de onze (11)...

Isto posto, esclareço que os dados supramencionados, foram por mim digitados, conforme
descritos, e visam apenas atender à vossa solicitação a respeito de produtores independentes de
erva-mate, com fins de desenvolver trabalho universitário.
Outrossim, esclareço que se houver interesse de V.Sa., a JUCEMS, poderá fornecer,
mediante requerimento e recolhimento das custas, cópia autenticada do acervo das mesmas.
Sem mais para o momento, colocamo-nos á vossa disposição para maiores informações.

Campo Grande MS 06 de dezembro de 2001

Wanderley Lopes Bambil


Gestor Dep. Informática/JUCEMS

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