Doutorado Sobre Gênero Na Didática Alexandre
Doutorado Sobre Gênero Na Didática Alexandre
Doutorado Sobre Gênero Na Didática Alexandre
FEVEREIRO
2017
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
FEVEREIRO
2017
1
AGRADECIMENTOS
Lista de Tabelas
Resumo
A tese “Relações de Gênero nos Clássicos da Didática: reflexões possìveis acerca da ideia de
masculinidade” tem como objetivo central discutir o projeto de masculinidade no interior do
pensamento pedagógico clássico. A compreensão das questões de gênero e da violência
contra as mulheres enquanto históricas nos levam a tentar compreender que modelos de
masculinidade se tornaram hegemônicos e quais as possibilidades de transformá-los. Para
tanto, percorre o conceito de gênero a partir de intelectuais reconhecidos internacionalmente
e o conceito de masculinidade na sociedade do conhecimento, apontando as novas
masculinidades alternativas como resposta aos anseios políticos de uma relação mais
solidária entre homens e mulheres em diferentes contextos. Por meio de pesquisa
bibliográfica, apresenta o pensamento de Comênio, Rousseau, Pestalozzi, Herbart, Dewey,
Ferrer i Guàrdia, Makarenko e Paulo Freire, pensadores clássicos da educação que esboçam,
além de preceitos pedagógicos, projetos de masculinidade ancorados em seus pressupostos
teóricos e políticos. Na busca de elementos teóricos que possam contribuir para a construção
de práticas pedagógicas igualitárias e comprometidas com a não violência contra as mulheres
ressaltamos as características de cada autor e salientamos, quando presentes, seus aspectos
transformadores.
Abstract
The text "Gender Relations in Didactics Classics: possible reflections on the idea of
masculinity" has the main objective to discuss the project of masculinity within the classical
pedagogical theory. Understanding gender issues and violence against women as historical
leads us to try to understand what models of masculinity have become hegemonic and what
are the possibilities of transforming them. To do so, it traverses the concept of gender from
internationally recognized intellectuals and the concept of masculinity in the knowledge
society, pointing to the new alternative masculinities as a response to the political aspirations
of a more solidary relationship between men and women in different contexts. By means of a
bibliographical research, it presents the thought of Comenius, Rousseau, Pestalozzi, Herbart,
Dewey, Ferrer i Guàrdia, Makarenko and Paulo Freire, classic thinkers of education who
outline, besides pedagogical precepts, masculinity projects anchored in their theoretical and
politicians. In the search for theoretical elements that can contribute to the construction of
pedagogical practices egalitarian and committed to non-violence against women we highlight
the characteristics of each author and highlight, when present, their transforming aspects.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 9
INTRODUÇÃO
1 Pode-se facilmente perceber a prevalência de mulheres na docência, sobretudo na educação infantil e nas
séries iniciais do ensino fundamental, assim como a maior participação das mães de estudantes nos espaços de
participação das famílias na escola.
2 ERIC é a plataforma do Instituto de Ciências da Educação, vinculado ao Ministério da Educação dos Estados
Unidos. A base de dados ERIC é a maior fonte de informação existente na área de educação. Ela contém mais
de 950.000 resumos de documentos e artigos de periódicos científicos de prática e pesquisa em educação. A
base de dados ERIC é atualizada mensalmente e pode ser encontrada em sua versão impressa no periódico
"Resources in Education and Current Index To Journals in Education".
10
3 A plataforma Scielo é o banco de dados de artigos científicos mais importante no Brasil, esta biblioteca
eletrônica reúne os periódicos nacionais de maior impacto e relevância.
4 Comunidade de Pesquisa em Excelência para todos/as (tradução livre).
5 A pesquisa de Oriol Ríos resultou na tese de doutorado “Socialització de Gènere: la construcció de la
masculinitat a l'escola” defendida em 2010 e será apresentada e discutida durante este trabalho.
6 O livro de Gómez apresenta a centralidade do amor e das relações amorosas, a partir das teorias de atração e
eleição, para a construção de relações igualitárias. Este livro também será apresentado e discutido ao longo
deste trabalho.
11
experiência e a leitura deste livro que me ajudaram a sistematizar a questão que se delineia
nesta pesquisa: compreender como é abordada a questão da masculinidade nos autores e
obras clássicas da educação, ou, ainda, que projeto de masculinidade está delineado nestes
trabalhos.
O estudo da masculinidade enquanto objeto de análise teórica e conceitual
significa uma perspectiva inovadora, pois a problematização do conceito e suas implicações
sócio históricas encontram-se ainda dispersas no interior dos estudos de gênero, como
podemos perceber no levantamento dos artigos nas bases de dados ERIC e Scielo, já citadas
anteriormente. Para Welzer-Lang (2008), a ausência e a dispersão dos estudos sobre a
masculinidade podem ser compreendidos por dois fatores complementares: de um lado a
afirmação de que os movimentos intelectuais de mulheres estão comprometidos com a
própria autonomia, de outro, a questão sobre o desinteresse dos homens pesquisadores em
desvendar as artimanhas da sua própria dominação, ou, ainda, “la volonté des hommes
dominants ne pas divulguer leurs secrets?”7 (WELZER-LANG, 2008, p. 08)
Segundo análise de Giffin (2005), a ideia da existência de um arquétipo da
masculinidade patriarcal afastou os intelectuais homens dos estudos de gênero, ao mesmo
tempo em que o feminismo os afastou de seu círculo. Trata-se de uma lacuna conceitual
sobre a masculinidade que foi compreendida, a priori, como a consolidação de uma
permanência ao invés de uma construção possível de ser problematizada.
A presente tese tem como objetivo a problematização do conceito de
masculinidade nas obras de alguns pensadores clássicos da educação e, a partir da crítica,
anunciar perspectivas promissoras. Podemos indicar inicialmente que o estudo da
masculinidade é campo de pesquisa multidisciplinar e isso complexifica o conceito e torna
sua formalização muito delicada.
Desde o século XIX a masculinidade tem sido abordada a partir de ideias
naturalistas que a compreendem enquanto consequência biológica. Nestes estudos,
predominam o modelo sexual delimitado pela „posse‟ ou não do aparelho reprodutor
masculino. Esta afirmação, da masculinidade centrada no sexo, está aportada em discurso
técnico-científico que assegurava uma estrutura natural e social inquestionável.
A partir da segunda metade do século XX, a ferrenha crítica feminista à
concepção essencialista toma forma, e a compreensão dos comportamentos de gênero e da
sexualidade no interior das relações culturais se estabelecem na ideia da construção social de
7 “A vontade dos homens dominantes de não divulgar os seus segredos?” (Tradução livre).
12
gênero. Neste ponto, a diferenciação entre sexo e gênero se torna central nas discussões
feministas e tem grande impacto também na compreensão da masculinidade, agora entendida
no interior do constructo histórico-social.
Para Giffin (2005), a inserção dos homens nos estudos de gênero,
masculinidades e, sobretudo, nos estudos feministas gerou grande polêmica; as feministas os
consideravam beneficiários do sistema social, por isso deveriam ser afastados da abordagem
feminista que pretendia dar voz à mulheres. Segundo a autora, os estudos sobre
masculinidade, residuais nas décadas de 50 e 60, se difundem a partir da década de 70 do
século passado e ganham relativo destaque na década de 80, especialmente nos países anglo-
saxões. Giffin (2005) aponta que neste momento há um sentimento de culpa e
arrependimento que atravessa o conceito de masculinidade, no qual ao homem é imposta a
condição de opressor nas relações de gênero e poder. Nas palavras da autora:
pelas ciências que emergem, como a sociologia (IANNI, 1989). A razão passa a responder
por mistérios atribuídos a milagres, os cultos foram substituídos pela racionalidade, as
pessoas passaram a ser o centro de sua própria sociedade. O surgimento deste Mundo
Moderno, europeizado, urbanizado e 'civilizador', como nos lembra Ianni (1989), transforma
paisagens e mentalidades, revolucionando o modo de vida e a cultura.
A modernidade se enfrenta com seus próprios limites, provoca nos sujeitos a
racionalidade, possibilita transformações, novas possibilidades. A modernidade está em
disputa e é neste lugar que se encontra esta pesquisa, na busca pela compreensão da
historicidade do conceito de masculinidade, na sua relação com a educação e no anúncio de
formas mais igualitárias de sermos homens.
Partimos do pressuposto que as ideias pedagógicas hegemônicas, que ao longo
do tempo se tornaram clássicas, defendem um modelo de masculinidade e o projetam. Para
tanto, esta tese se divide em 8 seções:
1. Metodologia: os significados da masculinidade: aqui apresentamos a
metodologia e os procedimentos metodológicos adotados na pesquisa. Além disso definimos
os parâmetros de escolha dos autores analisados a partir da ideia de clássicos.
2. O conceito de gênero e os estudos feministas: nesta seção apresentamos
um apanhado teórico dos estudos de gênero e sua conceitualização, o desenvolvimento
histórico do feminismo, suas diferentes correntes teóricas e a construção do Feminismo
Dialógico.
3. Masculinidades: a construção do conceito e alternativas teóricas: nesta
seção apresentamos um apanhado geral das discussões sobre o conceito de masculinidades e
a perspectiva teórica adotada na presente pesquisa, destacando a possibilidade
transformadora de práticas dialógicas e solidárias na busca de relações igualitárias.
4. Masculinidade e o nascimento das ideias pedagógicas modernas: nesta
seção apresentamos as contribuições de João Amus Comênio (1592-1670), considerado o
fundador da didática moderna com seu clássico “Didática Magna” (1657), o contexto
histórico no qual é forjada sua obra e analisamos o seu projeto de masculinidade.
5. Masculinidade e as ideias pedagógicas Iluministas: nesta seção
apresentamos o contexto do Iluminismo e sua profunda influência na educação, para isso
lançamos mão das obras de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), Johann Heirinrch
Pestalozzi (1746-1827) e Johann Freidrich Herbart (1776-1841). No interior de suas ideias
buscaremos focalizar a construção da masculinidade pretendida por estes autores.
6. Masculinidade e as ideias pedagógicas da Escola Nova: nesta seção
15
8 Esta abordagem metodológica é descrita nos artigos e livros consultados a partir de práticas de pesquisas
empíricas, no entanto, extraímos da Metodologia Comunicativa Crítica seus princípios fundantes, uma vez que
compartilhamos do mesmo e o assumimos como referencial teórico.
9 Tradução livre: A Metodologia Comunicativa Crítica é orientada para a construção de uma ciência social da
possibilidade. Pesquisadores/as que utilizam esta metodologia visam identificar tanto elementos que
reproduzem as desigualdades quanto os elementos que as transformam.
18
10 Tradução livre: Ao contrário de muitas pesquisas sobre exclusão social – que permanecem fechadas em
críticas estéreis às estruturas sociais opressivas – o objetivo da Metodologia Comunicativa Crítica não é apenas
descrever e explicar a realidade objetiva, mas identificar elementos que possam contribuir para superá-los.
19
11 A ideia de modernidade que adotamos é confluente com as formulações de Habermas e Ianni, já discutidas
na Introdução deste trabalho.
22
podem ser sempre revistas, reanalisadas e complementadas com novas informações, fruto de
novas leituras e análises.
Podemos afirmar que a Pesquisa Bibliográfica, embora tenha um caráter
ensaístico, necessita de caminhos não-aleatórios e uma constante vigilância epistemológica.
A escolha dos procedimentos metodológicos exige critérios claros e definidos a partir do
objetivo proposto. É importante ressaltar que a Pesquisa Bibliográfica contribui para estudos
futuros à medida em que se constitui como fundamento teórico para o objeto de estudo, e,
portanto, “difere da revisão bibliográfica uma vez que vai além da simples observação de
dados contidos nas fontes pesquisadas, pois imprime sobre eles a teoria, a compreensão
crìtica do significado neles existente” (LIMA, MIOTO, 2007, p. 43).
Concluímos que a Pesquisa Bibliográfica é um procedimento metodológico
importante para a produção do conhecimento científico em Ciências Humanas, sobretudo em
temas pouco explorados, que podem ser utilizados como ponto de partida para novas
incursões analíticas. Neste trabalho, acreditamos que a metodologia adotada nos auxilia a
lançar, mesmo em autores muito estudados e analisados, o olhar sobre uma temática ainda
não discutida no interior de suas obras, o seu projeto de masculinidade.
Na próxima seção localizamos os estudos da masculinidade no interior dos
estudos de gênero, pois nos parece fundamental apresentar esta discussão para que possamos
analisar os autores selecionados, ou seja, ir aos clássicos para compreender a masculinidade
e voltar à masculinidade pela compreensão dos clássicos.
23
não se trata de perceber apenas corpos que entram em relação com outro. É
a totalidade formada pelo corpo, pelo intelecto, pela emoção, pelo caráter
do EU, que entra em relação com o outro. Cada ser humano é a história de
relações sociais, perpassadas por antagonismos e contradições de gênero,
classe e raça/etnia. (p. 210)
12 Tradução livre: O progresso das pesquisas mostra o contrário: o cérebro fabrica sem parar novas conexões
entre os neurônios em função da aprendizagem e das experiências vividas. Estas propriedades de plasticidade
cerebral, descobertas há vinte anos, revolucionaram nossas concepções do funcionamento do cérebro. Nada é
fixo ou programado desde o nascimento.
27
do que isso, a autora afirma que apenas 10% das conexões cerebrais estão presentes ao
nascimento, os 90% restantes são construídos progressivamente ao longo da vida (VIDAL,
2015).
Ao discutir a falsa ideia de que as meninas não possuem um cérebro
'preparado' para a matemática, Vidal (2012) apresenta diversificados exemplos de pesquisas
científicas que demonstram a fragilidade desta premissa. Segundo Vidal (2012), em uma
pesquisa realizada com 500.000 jovens entre 14 e 16 anos de 69 países, a partir da aplicação
de testes matemáticos, não se encontraram diferenças substanciais entre os resultados dos
meninos e das meninas.
Por outro lado, a discrepância entre os diferentes países é notável, mais do que
isso, a autora aponta que existe uma correlação entre a pontuação obtida nos testes e a
situação de emancipação das mulheres: quanto maior a escolarização das meninas, maior a
participação no mercado de trabalho, maior a quantidade de leis (legalização do aborto,
autorização do divórcio, etc), maior a expectativa de vida e maior a representação feminina
nos espaços políticos, melhores são os resultados nos testes matemáticos; tanto para homens
quanto para mulheres. Em suma, “plus le contexte politique est favorable à l'égalité hommes-
femmes, plus obtiennent de bons scores”13 (VIDAL, 2012, p. 16-17).
Parece-nos claro a partir dos estudos apresentados por Vidal (2012), sobretudo
a plasticidade do cérebro diante das aprendizagens e das experiências, que os argumentos
que evocam postulados biológicos para justificar qualquer superioridade dos homens diante
das mulheres caem por terra. Trata-se, na verdade, de um debate que toca profundamente os
valores de liberdade e democracia. Neste contexto, convida Vidal, é necessário que os/as
pesquisadores/as, de todas as áreas, se engajem em divulgar conhecimentos científicos de
qualidade e que contribuam com a construção de uma cultura de igualdade entre homens e
mulheres.
É na relação com o mundo objetivo e com as pessoas neste mundo que vamos
constituindo o “quem somos”, cada indivíduo, no interior das relações sociais, configura sua
identidade, uma história e um projeto de vida. O pertencimento a um gênero ou outro confere
referências singulares, a identidade é colocada no campo do gênero na medida em que nascer
menino ou menina pressupõe determinadas características, tanto do sujeito quanto do
entorno.
Ciampa (1990) nos lembra que existe uma expectativa de acordo com as
13 Tradução livre: Quanto mais o contexto político é favorável para a igualdade entre homens e mulheres,
melhor são os resultados.
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predicações de cada sujeito social, desta forma pressupomos uma identidade para cada
pessoa a partir de seu sexo, sua origem familiar, sua classe social, sua cor, sua nacionalidade,
etc. Ainda segundo Ciampa (1990), esta identidade erroneamente pressuposta retira dos
sujeitos sua historicidade, aproximando a construção identitária da noção de mito,
prescrevendo as condutas e reproduzindo as desigualdades sociais.
A perspectiva histórica de Ciampa (1990) nos coloca um destaque importante,
uma vez que as imposições de condutas e normas em forma de mito não são assimilações
tranquilas e vividas pacificamente pelos indivíduos, muito pelo contrário. À medida que são
impostos, conflitos e resistências vão sendo construídos diante de limites concretos impostos
pela violência e pela resignação.
Na constituição da identidade o conceito de gênero detona uma diferenciação.
A lógica binária do pensamento ocidental se organiza na prevalência de opostos
contraditórios: masculino x feminino, homem x mulher, macho x fêmea; deste ponto de
vista, o ser humano, ao nascer, é imediatamente classificado em um, e apenas um, dos postos
do binarismo (masculino ou feminino), assim o sexo (definição biológica) é utilizado como
marcador sociocultural.
A complexidade da constituição da identidade e da sexualidade tem aberto nos
últimos anos profícuos debates sobre as múltiplas possibilidades identitárias, a exemplo dos
transexuais e transgêneros, rompendo com a dicotomia entre o masculino e o feminino.
Giddens (1993) define da seguinte maneira a questão:
14 Laerte Coutinho é um renomado cartunista brasileiro que desde de 2010 assumiu sua transexualidade e tem
participado ativamente do movimento em defesa dos transexuais, co-fundador da ABRAT – Associação
Brasileira das Transgêneras.
15 Cantora Conchita Wurst é um personagem do austríaco Tom Neuwirth, superou obstáculos e venceu o
Eurovision Song Contest, show de talentos musicais na Europa. Sua aparência feminina misturada à barba
masculina de Tom chocou o público, mas sua vitória refletiu, de certa forma, a aceitação da mistura de gêneros
incorporada por Conchita.
30
Esse tropo hegeliano, que continua com Adorno, supõe que essas teorias
16 Como afirma Butler neste mesmo artigo, não se pode chamar o pós-modernismo ou as teorias pós-
estruturalistas de movimento teórico, ele não se caracteriza como tal, por isso fazemos a escolha de denominá-
lo como “não-movimento”.
31
podem ser substituídas umas pelas outras porque são sintomas variados de
uma preocupação estrutural comum. Contudo, essa suposição não pode
mais ser feita, pois o suposto hegeliano de que há uma síntese disponível
desde o início é precisamente o que tem sido contestado de várias formas
por algumas das posições alegremente unificadas sob o signo do pós-
modernismo. (BUTLER, 1998, p. 15)
17 Palavra que significa originalmente em inglês: estranho, esquisito, ridículo, extraordinário. Na linguagem
coloquial é utilizada na língua inglesa para denominar pessoas com comportamentos sexuais fora do padrão
heterossexual.
36
Para Butler (1999), estes sujeitos têm sua existência ameaçada, são colocados à margem, em
nome da afirmação de uma sociedade saudável e perfeita.
Nesta direção, Louro (2008) afirma que a figura 'eleita' do homem branco
heterossexual ao longo da história transformou as diferenças em desvios, por meio de
territórios discursivos. O foco de Louro está justamente na compreensão das diversas formas
de gênero e sexualidade que se projetam na sociedade atual, mais uma vez nos lembrando da
intrínseca relação entre gênero e sexualidade:
Scott (1995) aponta que foi apenas no século XX que a categoria de gênero
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apareceu nas investigações sobre as mulheres e as relações sociais. Até então poucas teorias
analisaram a situação de exploração da mulher, a partir de outros arcabouços conceituais,
fortemente marcados pela diferenciação entre os sexos e suas consequências biológicas.
Mesmo ganhado força e atravessando o século XX para o XXI, o conceito de
gênero ainda apresenta dificuldades no que tange à sua inclusão em sistemas teóricos pré-
existentes. Este embate político tem levado as feministas a construir um arcabouço teórico
próprio, criando mecanismos de análise que estão além dos paradigmas científicos pré-
estruturalistas (SCOTT, 1995).
O campo que surge com pensamento feminista apresenta epistemologia
própria e se articula com o conceito de gênero, compreendendo-o na sua estreita relação com
a individualidade e a organização social. Esta compreensão, muito próxima das ideias de
Foucault, apresenta a realização da identidade e o sentido humano enquanto um esforço, uma
das forças que compõem o poder.
complexidade precisam lançar luz sobre a definição de masculino e feminino para além da
ideia vazia de oposição entre dois polos. A relação entre homens e mulheres só pode ser
compreendida no interior das relações sociais concretas, na análise crítica do contexto social
e na constituição de sujeitos históricos atuantes. Compreender esta relação implica no
levantamento de novas hipóteses e novos questionamentos sobre a construção do
conhecimento, implica perguntar sobre o papel das relações de gênero em contextos mais
amplos e dissonantes, como, por exemplo, na construção de discursos e práticas educativas,
objetivo deste trabalho.
A construção de um campo de conhecimento que tem a categoria de gênero
como atravessador histórico promove a reflexão de novas formas e estratégias no sentido das
relações igualitárias, da solidariedade, do diálogo e da transformação social. Este é o cerne
dos estudos feministas e para os compreender traçamos a seguir o seu desenvolvimento e
suas principais abordagens.
enquanto na Europa e nos Estados Unidos o cenário era muito propício para
o surgimento de movimentos libertários, principalmente àqueles que
lutavam por causas identitárias, no Brasil o que tínhamos era um momento
de repressão total da luta política legal, obrigando os grupos de esquerda a
irem para a clandestinidade e partirem para a guerrilha. Foi no ambiente do
regime militar e muito limitado pelas condições que o país vivia na época,
que aconteceram as primeiras manifestações feministas no Brasil na década
de 1970. (PINTO, 2010, p. 32)
feminista não estava descolada das lutas conjuntas pela liberdade no Brasil, mas que somente
as mulheres poderiam ser protagonistas de suas próprias reivindicações (PINTO, 2010).
A luta contra a Ditadura, como não poderia ser diferente, marca fortemente o
Movimento Feminista a partir de 1964, isso em um contexto no qual a moral e a família
tradicional são alçadas enquanto estruturas fundantes do regime autoritário. Para Sarti
(2004), a influência do marxismo nos grupos de esquerda brasileiros, organizados
clandestinamente, também deixa suas marcas no feminismo deste período. Embora o
feminismo não se caracterize enquanto um movimento homogêneo e comporte uma
pluralidade de concepções, o contexto violento da Ditadura, o exílio e a clandestinidade dos
movimentos sociais e partidários, dotou o movimento feminista de características militantes.
O feminismo militante no Brasil da década de 1970, influenciado também
pelo feminismo francês e pelo norte-americano, tinha como uma de suas bandeiras a luta
contra a ditadura. No interior das discussões sobre a condição da mulher na sociedade e a
opressão da tradicional hierarquia de gênero, o movimento feminista se aliava a movimentos
de resistência ao poder autoritário dos militares, estando as mulheres presentes na luta
armada e em organizações clandestinas.
Sarti (2004) aponta para o fato de que a participação das mulheres em
movimentos transgressores era em si uma resistência ao papel social esperado delas; muitas
vezes sem uma proposta feminista explícita, as mulheres guerrilheiras transformaram a luta
nas guerrilhas em emancipação. No entanto, afirma a mesma autora, os movimentos nos
quais as mulheres se engajavam tinham fortes traços sexistas sob a retórica da igualdade. Por
outro lado, são explícitas as ações violentas contra as mulheres militantes quando capturadas
pelos militares.
A volta das mulheres exiladas no começo dos anos 1980 delineou novos
parâmetros no feminismo brasileiro. O encontro entre as mulheres que viveram e militaram
em outras realidades com as que permaneceram na luta no Brasil provocou reflexões muito
aprofundadas em ambas. As feministas brasileiras radicadas sobretudo na Europa trouxeram
na bagagem a tradição do pensamento feminista e as problemáticas das mulheres em
sociedades com sistemas políticos mais consolidados.
A reabertura democrática no Brasil favoreceu o desenvolvimento de uma
pluralidade de movimentos sociais, novos partidos, novos grupos com diferentes
reivindicações. O movimento feminista encontrou neste terreno fértil possibilidade de
consolidação de suas ideias e debates; a sociedade brasileira se modernizava e novas
demandas democráticas surgiam, as mulheres conseguiram neste contexto inserção em
diferentes espaços como sindicatos, partidos e associações, legitimando e fortalecendo a
mulher enquanto sujeito político.
O início dos anos 1980 marca também um salto na produção acadêmica
feminista. Diversos trabalhos são publicados e surgem as primeiras revistas feministas, com
destaque para a Mulherio, publicada inicialmente pela Fundação Carlos Chagas sob a
supervisão de Fúlvia Rosemberg, que tinha como característica central o caráter acadêmico e
panfletário.
A abertura política, fruto da luta contra a ditadura, provocou reflexões na
45
O feminismo teve que se enfrentar, ainda, com o fato de ser uma ideologia
que tem marcas sociais precisas, sensibilizando mulheres profissionais,
com educação universitária, pertencendo a camadas sociais com alguma
experiência de vida cosmopolita, associadas ao exílio político ou à
formação educacional e profissional. Pressupõe, assim, recursos de ordem
simbólica não acessíveis a todas as mulheres, sobretudo na sociedade
brasileira, marcada por profundas desigualdades sociais. (p. 53)
A crítica que faz Sarti (2001) é muito clara, ao dizer que à medida que o
feminismo se estrutura enquanto campo de pesquisa e tem sua atuação política demarcada no
âmbito acadêmico, acaba incorporando valores e ideais distantes das mulheres reais, das
classes populares e das mulheres do campo. Embora o feminismo seja reconhecido enquanto
movimento que, genericamente, representa todas as mulheres, seu escopo de atuação e
reflexão está imbricado nas fortes marcas culturais de quem atua nele, o que gera um
descompasso entre as mulheres 'feministas' e as 'outras mulheres' 18.
A compreensão deste contexto e o distanciamento das 'outras mulheres' faz
surgir, a partir de uma concepção crítica e híbrida do movimento, diferentes feminismos. A
pluralidade das mulheres, seus diferentes arranjos sociais, seus interesses e seu universo
cultural configuram o feminismo enquanto espaço de disputa ideológica, ou seja, enquanto
movimento político com sentido histórico.
Da dicotomia entre movimento social e vida privada, além do distanciamento
entre as intelectuais e as 'outras mulheres', surge outra temática fundamental: a relação no
interior do feminismo entre o público e o privado. Grande impacto sobre esta questão teve o
sociólogo Anthony Giddens, sobretudo a partir de “A transformação da Intimidade:
sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas” lançado em 1992. Neste livro
18 O termo 'outras mulheres' é cunhado por Lídia Puigvert, teórica espanhola que formula o feminismo
dialógico, perspectiva teórica que adotamos e apresentaremos ao longo deste trabalho.
47
Giddens defende a ideia de que o âmbito pessoal é também político e que a transformação
das relações pessoais resulta em transformações políticas profundas, segundo o autor:
a luta pela igualdade com o homem, sufrágio universal, acesso à escolarização, equiparação
de salários, etc. Esta primeira onda tem papel fundamental na conquista de direitos pelas
mulheres e deve ser reconhecida como revolucionária.
O caráter transformador destes movimentos sociais e políticos que se
estabelecem com a Modernidade estão imbricados nas ideias de igualdade natural de todas as
pessoas. No entanto,
las relaciones entre géneros son mejores en la actualidad que en el pasado, lo que ha sido un
legado del feminismo pionero” (PUIGVERT, 2001b, p. 34).
A segunda fase do feminismo identificada por Puigvert (2001b), o feminismo
da diferença, é fruto de uma complexa estrutura filosófica e social. A falência da
Modernidade Tradicional e de seus princípios fundantes se consolidaram historicamente na
perpetuação da desigualdade e, no que tange à questão de gênero, na manutenção da
masculinidade enquanto força dominante.
A constatação desta modernidade perpetuadora de grupos privilegiados em
contradição com aos ideais modernos provocou fortes oposições no campo político e
filosófico e resultou em um processo de destruição de todas as ideias e práticas que
contivessem algum tipo de ligação com a Modernidade. É importante salientar que este
processo de desconstrução da Modernidade Tradicional é fruto de seu próprio alicerce na
racionalidade, que provocou um movimento de autoanálise. Desta crise podemos apontar
dois caminhos distintos, o pensamento pós-moderno, base do feminismo da diferença, e a
Modernidade Dialógica (FLECHA, et. al. 2001).
A superação de uma filosofia centrada no sujeito, proposta pelo pensamento
pós-moderno, é a base do feminismo da diferença. Este feminismo pressupõe a crise da
subjetividade e a prevalência da subjetivação por meio do discurso, tornando impossível o
estabelecimento de categorias universalistas racionais e, consequentemente, a possibilidade
do acordo e do diálogo. Segundo Puigvert (2001b), um dos teóricos fundamentais desta
abordagem é Michel Foucault (1926-1984) que, inspirado em Nietzsche, elabora uma
filosofia sem-razão.
Foucault se interessa sobremaneira pela negação da Modernidade naquilo que
a caracteriza, não por acaso desenvolve sua trajetória intelectual a partir dos sujeitos
excluídos e 'desprovidos' de razão, como os loucos e os delinquentes. Foucault (1999)
argumenta que os sujeitos não iluminados, os que não tiveram sua história contada no
percurso histórico, tem sua racionalidade negada, estão colocados nesta situação na relação
'poder-saber' que deslegitima seus discursos.
Esta formulação teórica resulta na inexistência da subjetividade, uma vez que
a linguagem antecede a construção do sujeito. Nesta direção, as contribuições de Foucault
tomam a linguagem e o discurso como centralidade, ordenando nossa experiência com o
mundo e construindo nossa ilusão de subjetividade (PUIGVERT, 2001b, p. 39). Daí a
necessidade pós-moderna de construir um discurso sobre o excluído a partir da transgressão,
da negação e da contestação das experiências racionais.
51
vai além do 'estar junto', pressupõe que todas as pessoas são igualmente capazes,
independentemente de sua origem social, escolarização, idade ou etnia, de defender posições
políticas racionais e reflexivas. Diversos movimentos sociais têm nos mostrado o impacto
transformador destas ações e as 'outras mulheres' já estão coletivamente transformando suas
vidas por meio de cooperativas e grupos de mulheres.
e a participação efetiva das “outras mulheres” nos espaços de discussão e decisão são
fundamentais para as transformações sociais no que tange os direitos de todas as mulheres.
Segundo a autora, as mulheres historicamente forçadas a aceitar posições hierarquicamente
inferiores, tanto no mundo do trabalho quanto na vida privada, ao se organizarem alteram as
relações sociais, desenvolvendo práticas dialógicas que geram dinâmicas transformadoras.
Segundo Puigvert e Muñoz (2012), a luta das mulheres por seu
empoderamento tem sido uma constante ao longo da história e resulta na necessidade de
transformar os espaços e os processos de decisão incorporando as vozes de todas as
mulheres. Esta mudança de paradigma, para as autoras, se coloca na modernidade enquanto
pressuposto prioritário se se deseja a transformação social e, ao mesmo tempo, contribuir
para o debate teórico internacional.
Não é difícil constatar que no atual contexto social cada vez mais mulheres
reivindicam espaços igualitários e dialógicos, basta observar as manifestações recentes na
Argentina contra a violência de gênero e o aumento significativo nos grupos feministas,
dentre eles destaco as estudantes secundaristas durante as ocupações de escolas no Brasil em
2015 e 2016. Estes novos movimentos têm como característica a defesa de todas as
mulheres, como nos lembram Puigvert e Muñoz (2012): “A lo largo de los últimos 25 años,
las asociaciones formadas por estas 'otras mujeres' no han parado de surgir y de crecer y han
logrado hacer oír sus voces em diferentes espacios públicos” (p. 6).
Podemos observar que estes coletivos de mulheres têm se organizado
localmente e pautado políticas públicas voltadas para suas demandas de reorganização dos
serviços sociais. Estas ações, como por exemplo as Promotoras Legais Populares, são
fundamentais para o processo de democratização das relações sociais locais e,
consequentemente, para a transformação da realidade objetiva que cerca estas mulheres.
Todavia, Puigvert e Muñoz (2012) nos alertam para o fato de que estas conquistas não têm
sido fáceis, ao contrário, uma rede conservadora impõe barreiras das mais diferentes ordens
(familiares, econômicas, culturais, etc.).
Podemos, a partir dos estudos do feminismo dialógico, afirmar que uma das
grandes metas, e provavelmente a central, das “outras mulheres” é a reconquista de espaços
que foram historicamente renegados às mulheres, espaços nos quais as mulheres foram
silenciadas e ignoradas. É justamente neste contexto que Puigvert e Muñoz (2012) afirmam a
validade científica do feminismo dialógico; inserido nos debates internacionais com autores
e autoras de impacto e com diferentes teorias, o feminismo dialógico reforça sua orientação
tanto inclusora para todos os coletivos situados à margem quanto libertadora das opressões
56
19 Como exemplos desta perspectiva, apontados/as na Seção 2.1, temos: Judith Butler, Guacira Louro, Richard
Miskolci, Daniel Welzer-Lang e, em certa medida, Joan Scott.
20 Como exemplos da perspectiva estruturalista temos Heleieth Saffioti e as feministas materialistas francesas,
com destaque para Christine Delphy.
59
a relação exclusiva com pessoas do sexo oposto. Grossi (2005) nos dá um claro exemplo
desta plasticidade:
21 O artigo de Welzer-Lang publicado no Brasil pela Revista de Estudos Feministas em 2001, que tem como
tradutora a professora Miriam Pilar Grossi, apresenta como correspondente à “chez-des-hommes” a expressão
“casa-dos-homens”, no entanto, na lìngua francesa, a preposição 'chez' se refere a lugar de pertencimento,
podendo estar relacionado, além da própria casa, ao país de nascimento, ao local de trabalho, etc. Neste sentido,
compreendemos que não se trata de um conceito que se refere ao espaço privado da casa, mas à organização
dos espaços dos homens, privados e públicos. Portanto, utilizaremos nesta tese o termo em francês.
61
2008) nos faça à primeira vista imaginar uma categoria analítica 'homens', o autor nos alerta
que esta categoria não existe. Isso porque para a compreensão de fenômenos diversos e para
a construção de teorias mais gerais, na realidade, ao falarmos de homens estamos nos
referindo diretamente à categoria masculinidade ou masculino.
Para Welzer-lang (2008), os elementos que constituem os homens em suas
diversas masculinidades podem variar socialmente e possibilitam a transformação da
masculinidade tradicional. Dito de outra forma, o autor afirma que características como a
virilidade e o patriarcado são decorrentes de um tipo de socialização masculina construída
historicamente e reafirmada nas relações sociais.
Lembra-nos Grossi (2005) que outro elemento constitutivo da masculinidade é
a questão da honra, e neste ponto faz clara referência ao comportamento da mulher que deve
manter a honra dos homens. A manutenção da honra pelas mulheres, filhas e companheiras,
significa ter um comportamento sexual e materno apropriado aos padrões patriarcais. A filha
não pode estabelecer relações sexuais antes do casamento e a esposa não pode trair o marido.
Aqui as mulheres assumem certo poder diante da masculinidade e se tornam sua protetora.
A honra pode também ser analisada a partir da óptica econômica, pois o
homem honrado é o que consegue com seu labor não apenas prover a família, mas mostrar-se
capaz de tal atividade. Este ponto é fortíssimo nas sociedades ocidentais e é revelado,
inclusive, nas “chez-des-hommes” citadas acima.
A masculinidade é uma das questões centrais no interior do feminismo e sua
compreensão teórica passa a ser mais explicita a partir da década de 1970, com a ideia de
uma universalidade da dominação masculina. Nestas primeiras reflexões, os homens eram
colocados como aqueles que dominavam as mulheres em todos os sentidos: simbolicamente,
economicamente e politicamente (GROSSI, 2005). Atualmente este modelo de dominação
masculina tem sofrido uma série de questionamentos, tanto no plano teórico quando nas
relações cotidianas.
O trabalho é outro tema nodal na conceitualização da masculinidade, uma vez
que o advento da Revolução Industrial, no século XIX, associou o homem ao trabalho fabril
e a mulher ao trabalho doméstico. Mesmo que em diferentes culturas esta divisão não seja
clara e tão bem definida, o padrão burguês se espalhou como modelo. Vale aqui ressaltar que
este modelo atinge apenas as classes burguesas, uma vez que nas classes populares é comum
mulheres e crianças estarem sujeitas ao trabalho de maneira bastante contundente.
A divisão social do trabalho, tema central nas discussões de gênero, constitui
um eixo analítico ao distinguir atividades apropriadas para homens e mulheres. O trabalho,
62
seja ele industrial ou camponês, passa a ser associado diretamente à força física masculina,
ao corpo masculino. No entanto, este ideal de trabalho vem, aos poucos, sendo substituído
pela competência, característica do mundo moderno e da modernização da produção. Por
outro lado, o trabalho doméstico e do cuidado com os filhos se associa ao feminino que, para
as mulheres trabalhadoras, configura uma dupla jornada.
Associado ao trabalho, a questão do desemprego masculino tem gerado
interessantes debates e pesquisas. Os homens veem no desemprego um empecilho para a
manutenção de sua masculinidade por conta de temas já discutidos, como a atividade, o
sustento do lar e a questão da honra. A divisão tradicional do trabalho (homens na esfera
pública e mulheres no mundo privado) transforma a situação do desemprego e a subsequente
dependência financeira dos homens em conflito para a masculinidade tradicional.
Além da atividade, da honra, da virilidade e do trabalho, a identidade
masculina está centrada também na questão das emoções. A forma como os homens negam
suas emoções constitui o modelo de masculinidade tradicional. Vale ressaltar que, neste
sentido, os sentimentos e comportamentos masculinos não são algo dado naturalmente, mas
aprendidos por meio da socialização.
Afirmações como “chorar é coisa de menina” ou “meninos são fortes”
permeiam toda a socialização dos meninos e revelam a necessidade masculina de negar seus
sentimentos ou não os extravasar. O controle das emoções e o não compartilhamento das
mesmas é incentivado nos meninos, as motivações para o sofrimento ou para a alegria
masculina são ensinadas por mecanismos sociais carregados de ações normativas e, muitas
vezes, violentas.
Grossi (2005) se esforça em nos mostrar que as lágrimas e o choro são
constituídos historicamente e tem sua origem com o romantismo:
romântico, oriundo do amor cortês, como a relação afetiva que se baseia na ideia da pureza
na relação, na monogamia e na permanência; assim o amor romântico é o amor eterno,
passivo e linear.
Giddens (1993) defende que o ideal do amor romântico tem se alterado para o
que ele chama de amor plástico ou confluente, que é mais libertário porque se desprende das
amarras do amor romântico à medida que está livre de valores como a permanência e as
atribuições estereotipadas de gênero. Para Giddens, o amor confluente é exercido em sua
essência entre os casais homoafetivos, por estarem distantes do ideal de casamento e não
reproduzirem o modelo ambivalente do masculino versus o feminino.
A construção da masculinidade é muito complexa e fruto de uma gama de
relações sociais expressas na socialização tanto de meninas quanto de meninos, de modo que
a constituição do conceito de masculinidade toma como base estes processos de socialização.
Um autor central para o desenvolvimento e a compreensão do conceito de masculinidade é o
sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002) que, com o lançamento de “A dominação
masculina” (1992), iniciou um novo debate no campo dos estudos de gênero ao descrever, a
partir de um estudo etnográfico, os mecanismos da dominação simbólica de homens sobre
mulheres.
Não é difícil compreender que a masculinidade e a feminilidade são
construções socioculturais e históricas; no entanto, um elemento que parece se repetir é a
relação de poder entre os homens e as mulheres em diferentes contextos. Esta é a questão
que norteia o trabalho de Bourdieu (1992) sobre masculinidade: compreender a forma e os
mecanismos de manutenção da dominação masculina.
Para Bourdieu (1992), a produção dos gêneros e as relações de dominação se
dão a partir do habitus, um sistema socialmente constituído que constrói nosso modo de ser e
nossa subjetividade. O habitus, conceito desenvolvido por Bourdieu para justificar o fracasso
escolar das classes populares, é fundamental para a compreensão de gênero e dominação
masculina na obra do autor. Trata-se de um aparato social e ideológico que dá corpo e
estrutura internamente as posturas socialmente aceitas e valorizadas.
Bourdieu (1992) defende a ideia da subjetividade de gênero corporificada em
posturas masculinas e femininas, uma experiência histórica e individual que se desenvolve
paralelamente. Os complexos mecanismos do habitus de gênero são, nesta perspectiva, fruto
da socialização e da educação informal, nas quais um “trabalho pedagógico psicossomático
de dominação” (BOURDIEU, 1992, p. 57), introjeção e incorporação contìnua, se utiliza de
variadas estratégias de diferenciação entre homens e mulheres.
64
22 Pesquisadora australiana, Robert Willian Connell, ao assumir a transexualidade passou a assinar seus
trabalhos como Raewyn Connell, nome que adotaremos quando a autora for citada. No entanto, encontramos
nas referências bibliográficas trabalhos assinados com o nome Robert W. Connell.
69
parâmetro aspectos éticos, polìticos e de justiça, já que “en nuestro sistema educativo y en
nuestros medios la ciencia tiene una hegemonìa definitiva” (CONNELL, 2003, p. 19)
Connell (2003) critica radicalmente as tentativas teóricas essencialistas que
definem traços de comportamento como núcleos definidores da masculinidade. Para a autora,
Freud cometeu o erro de se aproximar dos essencialistas quando relacionou a masculinidade
com a atividade, em contradição à passividade feminina (CONNELL, 2003, p. 68). No
entanto, a psicanálise freudiana influencia o pensamento de Connell, que rejeita a forma
arbitrária e não relacional de diferenciação da masculinidade e da feminilidade.
Assim como Bourdieu, Connell (2003, 2013, 2012) afirma que existe no senso
comum uma ideia da diferenciação entre homens e mulheres por meio de explicações físicas
e biológicas. Para a autora, a centralidade da virilidade e da força na compreensão do
masculino nos leva a categorizar comportamentos por meio da cultura de gênero. Connell
não concorda com a ideia do corpo enquanto máquina natural produtora das diferenças de
gênero; para ela a ideia de programa genético masculino, com diferenças hormonais esconde
a falsa prerrogativa da superioridade física masculina. Para a autora, a biologização do
gênero desemboca em limites na ação dos sujeitos, revelados em frases como 'o homem
naturalmente não cuida de crianças'. A perspectiva de Connell (2003, 2013) vai ao encontro
dos estudos feministas que, ao criarem o conceito de gênero, imbricaram nele a negação das
explicações biológicas na diferenciação entre homens e mulheres; mais do que isso, criaram
caminhos analíticos para compreender as relações entre a formação dos corpos e os
processos sociais.
Nesta direção, a construção do gênero e da sexualidade se torna o produto
sempre inacabado de uma longa relação social e discursiva, por vezes conflituosa. Para
Connell (2003) a masculinidade é uma complexa construção social que influencia o corpo
dos homens e suas práticas corporais por meio de uma cultura generalizadora.
homens em uma questão que nos parece central. Para Connell, não se trata de elencar
características negativas e comportamentos violentos que definem o poder, mas alcançar em
nível prático as ações sociais dos homens e sua consequente dominância, sendo essas ações
positivas ou negativas. Como exemplo, Connell e Messerschmidt (2013) afirmam que a
paternidade e a redistribuição das tarefas domésticas, entendidas positivamente, se
apresentam enquanto característica da masculinidade hegemônica na modernidade ocidental.
A masculinidade hegemônica se vale de diferentes significados e não está
posta na sociedade como algo fixo e acabado, ela é produto das relações sociais; não existe
uma formulação ou adesão completa e irrestrita dos homens a esta masculinidade; em cada
contexto os homens se utilizam de maneiras diferentes das múltiplas masculinidades.
Consequentemente, masculinidade hegemônica não expressa um tipo específico de homem,
mas a forma como os homens se apresentam no campo do discurso.
Connell e Messerschmidt (2013) se esquivam das explicações simplistas sobre
a relação entre homens e mulheres. Para elas, a dominação dos homens e a subordinação das
mulheres não é um sistema que se auto reproduz linearmente. Connell compreende as
relações de gênero como um processo histórico que pode ser contestado e exige dos sujeitos
esforços para, contraditoriamente, sua manutenção e contestação.
grupos subalternos são também agência, ou seja, tem possibilidade de ação no mundo. Esta
perspectiva, segundo as autoras, mais holística, reconfigura a hierarquia de gênero e
compreende as diferentes masculinidades e feminilidades diante do quadro histórico das
relações sociais, complexificando a análise.
Na obra de Connell (2003, 2012, 2013), um dos aspectos mais interessantes é
a discussão da geografia da masculinidade. A partir desta ideia Connell analisa as
construções locais da masculinidade hegemônica, relacionando-as com os efeitos da
globalização, que teoricamente cria uma masculinidade transnacional. Para Connell e
Messerschmidt (2013), o mundo globalizado tem transformado a “masculinidade corporativa
transnacional”, representada pela figura dos grandes empreendedores, em modelo
hegemônico.
A relação entre a masculinidade globalizada e a masculinidade local adentra o
debate da mesma forma que as masculinidades subordinadas; a relação entre a localidade e
os novos parâmetros da masculinidade mundializada é de conflito e disputa. Como
ferramenta para compreender esta questão, Connell (2012) apresenta três níveis de análise:
(a) local, compreensão das relações familiares e das comunidades imediatas; (b) regional,
análise da cultura e do estado-nação por meio das políticas regionais; (c) global, explicitação
das relações transnacionais, das políticas mundiais, da mídia e da globalização. Estes três
níveis se influenciam mutuamente:
sobre a territorialidade, mesmo sendo inegável o crescente impacto das novas configurações
socioeconômicas sobre a masculinidade e a feminilidade (CONNELL; MESSERSCHMIDT,
2013, p. 268).
A constante tensão que caracteriza a construção da masculinidade diante de
valores modernos como a igualdade com as mulheres, a valorização da sensibilidade em um
mundo cada vez mais competitivo, gera nos homens, mesmo nos que não buscam a
hegemonia, conflitos profundos. A convivência com práticas de dominação e práticas mais
solidárias representam uma lacuna fecunda para a transformação.
O conceito de masculinidade hegemônica desvenda a complexidade da
socialização masculina, para além dos reducionismos da maldade masculina e da vitimização
feminina. A ideia trabalhada por Connell nos coloca interessantes elementos analíticos,
sendo possìvel compreender que a masculinidade não é um “entorpecente cultural”
(CONNELL, MESSERSCHMIDT, 2013), mas um processo ativo no interior das relações de
gênero, vistas como arenas de tensão.
valores (y si es necesario rechazarlos) que tienen las personas que tanto nos
pueden atraer, de forma que si éstos son negativos optemos por no hacer en
sus brazos. (p. 86)
Flecha, Puigvert e Ríos (2013) tem mostrado com evidências científicas que o
amor romântico impede a violência. Ao contrário do que anunciam os meios de
comunicação, relacionamentos estáveis e prolongados tem incidência menor de violência
contra as mulheres. Assim, é um equívoco pensar que a violência contra as mulheres é
gerada nas relações permanentes; ela é mais recorrente em relacionamentos esporádicos e,
sobretudo, com mulheres jovens.
De toda maneira, a violência contra as mulheres não é diretamente
proporcional ao tempo do relacionamento, mas ao relacionamento com homens violentos,
assim como relacionamentos livres de violência também não tem periodicidade demarcada.
Neste sentido, tentativas de combater a violência de gênero a partir da negação do amor
romântico não alcançam êxito por não compreenderem que a violência está associada à
masculinidade dominante tradicional, grupo que nega a possibilidade do amor.
Como exemplo, podemos citar os contos de fadas, muitas vezes questionados
pelos modelos que assumem; estas histórias têm sido acusadas de, ao descrever o amor
romântico, gerar a dependência das mulheres em relação aos homens, levando à violência.
No entanto, não existem evidências de que a dependência tenha correlação com a violência e,
mais do que isso, os múltiplos elementos que configuram as relações de gênero nos levam a
crer que a violência está ancorada na masculinidade tradicional dominante,
independentemente do tipo de relação que se estabelece, o formato ou a durabilidade.
Como alternativa à violência de gênero, Flecha, Puigvert e Ríos (2013)
propõem o desenvolvimento de novas masculinidades alternativas, para isso, o contexto da
desigualdade exige a construção de espaços sociais que valorizem concepções solidárias e
igualitárias. Por outro lado, o desenvolvimento deste novo tipo de masculinidade não se dá
por meio de práticas compensatórias, mas pelo questionamento dos modelos de atração.
Giddens (1993) nos pergunta: "por que um bom homem não pode ser sexy, por que não pode
um sexy homem ser bom?” (p. 156).
A questão formulada pelo renomado sociólogo britânico nos coloca diante de
um dilema central para a discussão da violência de gênero já anunciada nesta seção: a
relação entre a linguagem da ética e a linguagem do desejo. O grande desafio das novas
masculinidades é, portanto, aliar práticas livres de violência com o exercício da atração.
Autores e autoras como Flecha, Ríos, Gómez, Padrós e Puigvert têm,
sistematicamente, apontado que os valores relacionados à violência têm se sobressaído diante
de valores igualitários. Isso significa dizer que as pessoas são socializadas para se sentirem
atraídas e desejar os sujeitos que explicitam uma posição de poder nas relações afetivo-
83
sexuais. Por outro lado, os mesmos autores e autoras, admitem que relações baseadas na
bondade, solidariedade e equidade são descritas como pouco atrativas e amorosamente
menos interessantes.
Ríos e Christou (2010), ao relatarem uma pesquisa realizada com adolescente,
discutem a partir dos relatos comunicativos utilizados na metodologia, a forma como os/as
jovens relacionam a linguagem da ética e do desejo. Desta forma,
23 Tradução livre: Ao vincular igualdade e atratividade, as novas masculinidades alternativas tornam-se mais
desejáveis para começar um relacionamento afetivo e sexual. Nesta direção, temos identificado como a
linguagem do desejo é comumente utilizada para descrever as novas masculinidades alternativas em diferentes
momentos e espaços da vida cotidiana.
85
base para a análise crítica dos clássicos da educação, suas ideias pedagógicas e seus projetos
de masculinidade, objeto das seções que seguem.
90
sempre foi e será, e não será vão o trabalho iniciado em nome do Senhor” (2010, p. 51). A
instrução, neste sentido, se torna uma virtude religiosa, uma redenção após o pecado.
Ontologicamente, o homem comeniano é bíblico, é a imagem e semelhança de
Deus e, neste sentido, o entende “como voz da natureza e universal providência de Deus”
(COMÊNIO, 2012, p. 52). De certa maneira, o sujeito de Comênio tem aptidão para aprender
todas as coisas justamente por ser descendente direto de Deus e ter sido dotado por ele de
todas as capacidades e sentidos para compreender o mundo.
Utilizando-se da metáfora da semente, Comênio acredita que o homem
carrega em sua mente a chave para o conhecimento, assim como a semente que carrega a
árvore mesmo antes de germiná-la, a mente humana tem em suas raízes as possibilidades
para conhecer tudo o que se possa imaginar. Nesta perspectiva, o homem nada recebe do
exterior, ele apenas expande e desenvolve sua própria natureza. Comênio aponta que este
espírito conhecedor não foi desenvolvido em todos os homens e que a conjuntura histórica
das transformações acabou aniquilando o desejo de aprender, sendo fundamental em uma
Didática Magna, reconstituir esta vocação humana.
Para Comênio, o ensino é fundamental para resgatar as possibilidades da
mente humana; resgatando a tábua rasa de Aristóteles, o autor desenvolve a ideia de que no
espírito do homem tudo pode ser escrito e que se por algum motivo o homem não reconhecer
o que lhe “escreveram” como um conhecimento seu a ineficiência se deu no processo de
ensino. A prevalência do ensino está em consonância com o desenvolvimento da ciência
moderna e com o ideário racionalista do século XVI, uma vez que aponta o conhecimento
enquanto algo estático, mensurável e experimentalmente comprovado. Podemos dizer que
esta epistemologia do conhecimento que Comênio defende está ancorada em preceitos
sensoriais, justamente pela necessidade de comprovação da ciência; o conhecimento é
apreendido por meio dos sentidos que são inquestionáveis. O que vemos, o que tocamos, o
que cheiramos é a comprovação empírica de nossas experiências.
Deste princípio do empirismo, Comênio deriva sua ideia de didática geral que
tem a natureza como modelo, uma natureza marcada pela presença divina, já que o Deus
cristão é responsável pela criação e “aqueles que educam a juventude tem apenas a tarefa de
espalhar as sementes das ciências nos espíritos, e de irrigar cuidadosamente as plantas de
Deus” (COMÊNIO, 2010, p. 54). Ao mesmo tempo, a partir da providência divina se
desenvolve no pensamento comeniano a concretude do pensamento pedagógico, uma vez
que não basta 'plantar a semente de Deus', é preciso saber cultivá-la.
Este ofício, o de ensinar, comparado ao do jardineiro, exige um conhecimento
95
Como até hoje o método de educar tem sido tão vago que só uns poucos
têm coragem de dizer: “conduzirei esta criança até este ponto em tantos e
tantos anos, e a instruirei deste e daquele modo”, será preciso estudar como
essa arte da plantação espiritual pode ser edificada sobre fundações tão
sólidas que nunca possa falhar, mas apenas prosseguir com segurança.
(COMÊNIO, 2010, p. 97)
A criança não pode ser instruída enquanto é pequena demais, porque a raiz
da inteligência ainda está escondida. Instruir o homem na velhice é tardio
demais, pois a inteligência e a memória começam a arrefecer; na idade
madura isso é difícil porque é trabalhoso reunir as forças da mente, que
estão dispersas nas várias ocupações. (COMÊNIO, 2010, p. 54)
Que qualquer língua, ciência ou arte seja ensinada no início apenas por
meio de rudimentos simples, de modo que delas se tenha uma ideia geral
para depois se aprimorar o estudo por meio de regras e exemplos, e, em
terceiro lugar, por meio de sistemas completos, incluindo as
irregularidades; finalmente, se necessário, que sejam incluídos comentários.
Na verdade, quem compreende uma coisa desde seus fundamentos não
precisa de comentários, aliás pouco depois poderá fazê-los por conta
própria. (COMÊNIO, 2010, p. 75)
Desejamos que o método de ensino seja levado a tal grau de perfeição que
entre a forma de instrução comum, até agora usada, e a nova forma haja
diferença idêntica à que se observa entre a técnica usada antigamente para
transcrever livros à mão e a arte tipográfica depois descoberta e agora em
uso. (COMÊNIO, 2010, p. 92)
duplamente, por ser um dos clássicos da educação que inauguram o pensamento pedagógico
e por estar no interior de transformações sociais muito importantes para o pensamento
moderno.
A passagem da sociedade medieval para a sociedade moderna, com a
formação dos Estados nacionais, a criação das instituições específicas, as transformações no
modo de produção e o surgimento das ideias burguesas mudam radicalmente o curso da
história. Segundo Oliveira (2004), este momento histórico marca também os
comportamentos masculinos ocidentais, ou seja, preconizam um novo modelo de
masculinidade.
A masculinidade comeniana está certamente vinculada ao homem protestante,
o homem da reforma e, acima de tudo, o homem industrial e urbano que começa a surgir no
século XVII. Os novos valores e ideais de seu tempo o faz repensar o modelo educativo para
formar este novo homem, que tudo pode conhecer e que, a exemplo da tipografia, se torna
cada vez mais eficiente. Nos lembra Piaget (2010) que a ideia central em Comênio é, sem
dúvida, o paralelismo entre o homem e a natureza, e desta relação também decorre um tipo
de masculinidade forjada nos processos educativos preconizados por Comênio.
No que tange aos desejos e afetos, Comênio (2010) afirma que a eles não se
deve atribuir um peso excessivamente grande, ao contrário, a razão deve ser a responsável
por limitar os movimentos e promover o equilíbrio entre as ações e as paixões (p. 60).
Retomando o que salienta Oliveira (2004), nos parece que o surgimento da masculinidade
moderna está relacionado ao pensamento comeniano na medida em que está baseado na
reclusão dos sentimentos e na prevalência da razão, características típicas da masculinidade
tradicional descritas, dentre outros/as, por Gómez (2004) e Grossi (2005).
Comênio foi um defensor da educação enquanto bem universal e para todos,
foi ele um dos primeiros autores a organizar um sistema didático que atende meninos e
meninas. O autor, mesmo defendendo a educação de ambos os sexos, preconizou algumas
diferenças explicitas entre a educação dos homens e das mulheres. Com a formulação de
quatro tipos de escolas (maternal, vernácula, latina e as acadêmias), Comênio afirma que
apenas as duas primeiras estão reservadas para homens e mulheres:
racionalidade chegam ao seu auge com as ideias iluministas, levando a cabo a Revolução
Francesa de 1789. Inspirada na liberdade, na fraternidade e na igualdade, a classe emergente,
que se tornaria hegemônica, busca o fim das práticas feudais e dos regimes absolutistas. Para
Aranha (2006), Rousseau ocupa lugar central na filosofia política, e suas obras antecipam a
Revolução Francesa por sua crítica ao absolutismo baseada nos fundamentos da doutrina
liberal.
Para Gadotti (2003), o século XVIII foi por excelência político-pedagógico,
pois pela primeira vez as camadas populares reivindicaram educação laica e gratuita
oferecida pelo Estado:
Rousseau (2003) reconhece que a construção deste contrato social exige uma
nova educação para homens e que é preciso encontrar uma forma de associação que defenda
e proteja o bem comum e os bens de cada pessoa. Como se pode perceber, a construção do
contrato social preconizado por Rousseau está em pleno acordo com os ideais da burguesia
emergente.
A vontade geral, conceito fundamental na compreensão do contrato social, é
apresentada por Rousseau como um elemento central na construção da liberdade civil. A
construção desta vontade geral está no cerne da sociedade moderna e independe dos desejos
individuais, é elaborada tendo a clareza de que a vontade geral garante as liberdades
individuais.
conhecimento. Esta educação, que o próprio Rousseau (2004) classifica como negativa, se
contrapõe ao método catequético e aos estudos enciclopédicos, afirmando a necessidade de
ensinar coisas úteis, vivenciadas a partir da prática, condenando os livros e valorizando o
“saber perder tempo”.
O tratado de Rousseau sobre educação, além de preconizar o afastamento da
criança da sociedade, inaugura uma nova concepção de ensino: “Um meio mais seguro do
que tudo isso é aquele que sempre é esquecido: o desejo de aprender. Dai esse desejo à
criança, e depois qualquer método lhe servirá” (ROUSSEAU, 2004, p. 135). E mais adiante:
“A falta de hábito da infância de pensar suprime a faculdade de fazê-lo para o resto da vida”
(p. 136).
A centralidade de Emílio no processo educativo confere ao preceptor um
papel novo, como se ele fosse uma mão invisível; na medida em que a criança deseja e
experimenta, o preceptor prevê cada um desses passos, deixando a criança dona de suas
vontades, mas atento aos devaneios de seus caprichos:
Fazendo sempre apenas o que lhe convém, logo ele só fará o que deve
fazer, quando se tratar de seu interesse presente e sensível vereis toda a
razão de que é capaz desenvolver-se bem melhor e de uma maneira bem
mais apropriada a ela do que em estudos de pura especulação.
(ROUSSEAU, 2004, p. 140-141)
Ele tem braços, saúde, é moderado, tem poucas necessidades e tem como
satisfazê-las. Tem crescido em meio à absoluta liberdade, o maior dos
males que pode conceber é a servidão. Ele tem pena dos miseráveis reis,
escravos de todos os que lhe conhecem; tem pena dos falsos sábios,
acorrentados a sua vã reputação; tem pena dos ricos tolos, mártires de seu
luxo. (ROUSSEAU, 2004, p. 339)
desenvolvimento, uma vez que este primeiro encantamento logo acarretará em outras paixões
que merecem zelo e cuidado para não desviar Emílio da busca pela virtude.
A compreensão rousseauniana de gênero se apresenta de forma naturalista e
binária, na qual o homem está em contraposição à mulher e a mulher ao homem, assim, “um
sexo é extraìdo pelo outro, eis o movimento da natureza” (ROUSSEAU, 2004, p. 290). Esta
lógica sobre as relações de gênero faz com que Rousseau denote ao amor um status de
sentimento superior que acomete apenas as pessoas que já são capazes de analisar
racionalmente os próprios instintos.
Esses juízos fazem-se sem que nos demos conta, mas nem por isso são
menos reais. Diga-se o que disser, o verdadeiro amor sempre será honrado
pelos homens, pois, embora seus arroubos nos desorientem, embora não
exclua do coração que o sente qualidades odiosas, e até mesmo as produza,
ele no entanto dispõe sempre de qualidades estimáveis, sem as quais o
homem não estaria em condições de senti-lo. (ROUSSEAU, 2004, p. 291)
Para Rousseau, o amor não é oposto à razão, uma vez que para os homens
desprovidos de racionalidade todas as mulheres seriam iguais e, portanto, amáveis. Não é o
caso de Emílio, porque para ele o amor nasce da sabedoria, da possibilidade de escolha das
mulheres que mais o agradam, as mais amáveis. Mas Emílio e Sofia não compartilham do
mesmo privilégio de escolha, ele e ela são na verdade complementares; se ele é provido da
razão, ela não a possui. Esta dicotomia entre ele e ela não se esgota em questões de
racionalidade, estão postas em todas as dimensões:
mulheres não pode recair sobre os homens, porque as mulheres são educadas por elas
mesmas e sua educação, cheia de amenidades, é justamente o que atrai os homens. As
mulheres, para Rousseau, devem estar bem vestidas, bonitas e sedutoras para que se pareçam
cada vez menos com os homens, caso contrário deixam de exercer sobre eles o
encantamento.
Sofia anuncia um projeto de feminilidade muito próximo do que definiram e
criticaram autoras como Grossi, Butler, Puigvert e Safiotti, uma imagem de mulher revelada
pela bondade, pela ausência de força e repressão masculina. É para esta mulher que o
preceptor entrega Emìlio: “Sofia é apenas uma boa ìndole numa alma comum”
(ROUSSEAU, 2004, p. 595). E com certo pesar admite:
Emílio ama Sofia; quais são, porém, os primeiros encantos que o atraíram?
A sensibilidade, a virtude, o amor pelas coisas honestas. Ao amar este amor
em sua amada, tê-lo-ia ele mesmo perdido? Por sua vez, que preço atribuiu
Sofia a si mesma? O de todos os sentimentos que são naturais ao coração de
seu namorado: a estima dos verdadeiros bens, a frugalidade, a simplicidade,
o desinteresse generoso, o desprezo pelo luxo e pelas riquezas. Emílio já
tinha essas virtudes antes que o amor lhe impusesse. (ROUSSEAU, 2004,
p. 636)
Quanto ao selvagem, é outra coisa: não estando ligado a nenhum lugar, não
tendo tarefa prescrita, não obedecendo a ninguém, sem outra lei que não sua
vontade, ele é forçado a raciocinar a cada ação de sua vida; não faz um
movimento, não dá um passo sem ter antecipadamente considerado as
consequências. Assim, quanto mais seu corpo se exercita, mais seu espírito
se ilumina; sua força e sua razão crescem juntas e se ampliam uma à outra.
(ROUSSEAU, 2004, p. 137-138)
anunciava nos séculos anteriores, uma nova sociedade se configura e com ela são necessários
novos valores. O feudalismo já não tem defensores e sua estrutura social marcada pela
teocracia perde cada vez mais espaço em nome do antropocentrismo. Rousseau tem papel
fundamental neste processo. Enquanto Comênio formulava alterações educacionais para um
futuro incerto, Rousseau já tem diante de seus olhos a sociedade burguesa consagrada.
O projeto de masculinidade de Rousseau é a reconfiguração de toda uma
sociedade, Emílio antecipa valores morais, éticos e estéticos de um novo homem, um homem
poderoso, livre, bom e sobretudo capaz de romper as últimas amarras da aristocracia feudal.
Podemos dizer que a masculinidade projetada por Rousseau legitima o poder masculino e a
opressão de gênero, basta olharmos para Sofia.
Ainda no século XVIII, outro pensador influencia sobremaneira o pensamento
educacional por meio de sua Pedagogia Intuitiva, Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827)
construiu uma proposta pedagógica cuja característica básica é oferecer dados sensíveis à
percepção e observação dos alunos. Suas principais ideias serão apresentadas no tópico
seguinte.
“Eu creio que não se possa pretender obter, em geral, um progresso na instrução do povo, até que
não se tenha encontrado formas de ensino que, ao menos durante todo o período da instrução
elementar, façam do professor um mero instrumento mecânico de um método, cujos resultados
devem provir da natureza de seus processos e não da habilidade de quem o pratica.”
Johann Heinrich Pestalozzi
Assim como toda a sociedade, a escola também passa a ser revista e tem sua
função social reelaborada a partir de novos princípios, princípios estes baseados em uma
nova ideologia e relações de poder próprias do sistema burguês que se inaugura. Pestalozzi
produziu sua obra neste momento, o da ascensão burguesa, que, por sua vez, passou a ver a
educação como uma ferramente da manutenção da nova condição social (ARCE, 2002).
Nesta direção, a educação burguesa se esforçou em educar os seus enquanto profissionais
capazes de reafirmar o espírito burguês e a manutenção do novo sistema produtivo.
Por outro lado, a educação para as classes populares ganha um novo contorno,
se esta parcela da população estava fora dos bancos escolares, agora é necessário formá-la
enquanto mão-de-obra. A educação desta nova ordem revolucionária não deixa de lado um
aspecto fundante dos sistemas educativos modernos, a concepção religiosa. Dito de outra
forma, a educação, mesmo diante de transformações tão significativas como a revolução
burguesa, reafirma dogmas religiosos transfigurados pela leitura protestante do cristianismo.
Mesmo no âmbito de pensadores Iluministas como Rousseau e Pestalozzi, a influência de um
poder divino se faz presente, ao mesmo tempo em que se esforçam para construir um
pensamento baseado principalmente na racionalidade.
Na Apresentação do livro Johann Pestalozzi, presente na Coleção Educadores
publicada pelo Ministério da Educação do Brasil em 2010, o professor Michel Soëtard da
Universidade de Lille (França), afirma que existe um equivoco na leitura comumente
divulgada sobre Pestalozzi. Para o professor francês, a ideia de um pensador “de coração
maternal” ou “pai dos homens pobres” esconde a profundidade e a abrangência das
contribuições de Pestalozzi para a educação. Nas palavras de Soëtard (2010), “Pestalozzi foi
um pensador e sobretudo um apaixonado homem de ação” (p. 11).
É justamente na ação, na ideia fixa de uma prática pedagógica vinculada à
experiência que residem os fundamentos educativos de Pestalozzi. Inspirador de pensadores
como Fröbel e Herbart, Pestalozzi elaborou uma obra inacabada e escrita em diferentes
estilos (cartas, romances, pequenos textos), o que dificulta a sua apreensão sob o espírito
cartesiano (SOËTARD, 2010).
São conhecidas as experiências filantrópicas de Pestalozzi com jovens e
crianças de classes populares em pequenas propriedades, é por meio destas tentativas que o
pensador suíço estabelece os primeiros tratados de seu pensamento pedagógico. A ideia de
auto-sustentação das escolas por meio do trabalho dos estudantes e a vinculação do trabalho
pedagógico com a dimensão histórica se materializaram nestas experiências.
Pestalozzi, enquanto homem de seu tempo, rapidamente compreendeu que as
113
transformações sociais do final do século XVIII e início do XIX não deixariam ilesas as
estruturas educacionais. O suìço se aliou inicialmente ao movimento de “cristianismo
prático” na tentativa de viver a religiosidade para além do verbalismo das igrejas e de suas
imposições dogmáticas, se aproximando assim dos pensadores Iluministas, principalmente
Rousseau (SOËTARD, 2010).
Preocupado com a educação das classes populares, Pestalozzi em seus
empreendimentos educacionais promovia a formação de pessoas do campo a partir de
princípios industriais, segundo o autor, a liberdade reside na própria condição dos
campesinos, ou seja, o instrumento de libertação está na educação intuitiva e em consonância
com os valores industriais. Não é por acaso que suas experiências educativas iniciais tinham
como atividade central a fiação e a tecelagem do algodão, atividades tradicionais que se
modernizaram com a revolução industrial e se tornaram símbolo do novo modelo de
produção. Nas palavras de Soëtard (2010), a tentativa educativa de Pestalozzi
de Pestalozzi se deu por meio de sua intrínseca relação com o seu tempo, associando o
processo educativo ao pensamento industrial.
Na “Sexta Carta” (PESTALOZZI, 2010), o autor explicita claramente suas
ideias pedagógicas, este texto é fundamental para compreendermos sua pedagogia intuitiva.
Nas palavras de Pestalozzi:
Dizia a mim mesmo: cada linha, cada medida, cada palavra é um resultado
do intelecto que vem produzido pela intuição junto com o amadurecimento
e que deve ser concebido como meio a uma clarificação sucessiva dos
nossos conceitos. E cada ensinamento, na sua essência, não é mais que isto;
por isso os seus princípios devem ser extraídos de sua forma originária
imutável da evolução do espírito humano. (2010, p. 67)
Nesta carta, Pestalozzi afirma que sua experiência enquanto educador lhe
mostrou que o conhecimento está para além de etapas pré-definidas. Mesmo com um método
esquematizado, o pensador defende a ideia de uma educação capaz de relacionar o particular
ao global, ou seja, para Pestalozzi, o conhecimento escolar deve se dar da mesma maneira
que o conhecimento materno, associando saberes científicos aos saberes intuitivos.
Desta forma, Pestalozzi defende, por exemplo, que os conceitos aritméticos
não podem ser ensinados fora de sua utilização aplicada e que o conhecimento das letras
depende do conhecimento da linguagem como um todo, em sua complexidade.
Como natureza dotada de vida física, você não é mais que os teus cinco
sentidos; pois da clareza ou obscuridade dos teus conceitos depende
absolutamente e essencialmente da aproximação ou afastamento na qual os
objetos externos venham a atingir os seus sentidos, isto é, você mesmo, ou
seja, o centro no qual as tuas representações se unificam. (PESTALOZZI,
2010, p. 68)
resumo: “nada pode ser mais claro do que a clareza desse princìpio, que o conhecimento da
verdade procede, no homem, do conhecimento de si mesmo” (PESTALOZZI, 2010, p. 69).
No que tange os aspectos metodológicos, Lara (2009) afirma que o mais
notável em Pestalozzi é seu método de educação intelectual que se resume à doutrina da
“intuição”. Não são poucas as passagens nos escritos de Pestalozzi em que o mesmo se
dedica à explicitação de sua compreensão sobre a intuição enquanto instrumento pedagógico
aprofundada na base dos três elementos: número, forma e linguagem.
Assim, para conhecer o mundo, Pestalozzi defende que os sujeitos precisam,
necessariamente, das seguintes faculdades:
A arte didática deve, então, fixar como lei imutável do ensino aquela de
partir deste tríplice fundamento da seguinte forma:
1. Ensinar as crianças a considerar cada objeto do qual temos consciência
como unidade, isto é, como distinto daquele que se parecem unidos.
2. Ensiná-las a reconhecer a forma de cada objeto, isto é, as suas medidas e
proporções.
3. Torná-las, o mais rápido possível, familiares com as palavras e os nomes
dos objetos por eles reconhecidos. (PESTALOZZI, 2010, p. 70)
sempre objeto de suas propostas educativas. Concordamos com Cambi (1999) quando afirma
que Pestalozzi é o pai da pedagogia romântica,
maior foi o de formular leis gerais que propiciassem o desenvolvimento das crianças em
perspectiva integral, articulando dimensões intelectuais, profissionais e morais
(PESTALOZZI, 1946).
Para Pestalozzi (1946), a intuição, central no processo educativo, não se
limitava à contemplação passiva dos objetos, pelo contrário, incluía em si a atividade
intelectual por meio da qual seria possível chegar ao saber. Nesta direção, a educação
profissional, o aprender trabalhando, ganha força e relaciona o conhecimento às atividades
práticas, ou seja, da mesma forma que o intelecto exige o exercício da mente, as habilidades
industriais exigem o exercício dos sentidos e dos membros.
Como podemos perceber, o pensamento de Pestalozzi está em consonância
com a sociedade que surge no século XVIII, uma sociedade que reconfigura a ideia de
trabalho e produção.
A sociedade industrial burguesa que se consolida entre os séculos XVIII e
XIX, como afirma Hobsbawm (2015), foi a maior transformação da história humana desde
os tempos remotos da invenção da agricultura, da metalurgia, da escrita, da cidade e do
Estado. As revoluções que eclodem entre 1789 e 1848 transformaram o mundo e continuam
a influenciá-lo.
Entre tudo quanto pude ver, o quadro mais agradável foi o de uma mulher
pobre que irradia ao seu redor um espírito de alegria calada, mas risonha,
que é para seus filhos manancial perene de nobres sentimentos, dando-lhes
exemplo de como pode afastar-se tudo aquilo capaz de ofender o gosto de
uma pessoa acostumada a mover-se em um ambiente cultivado. E observei
isto inclusive em algumas circunstâncias tão difíceis que parecia isso
impossível. Estou firmemente persuadido de que só se pode chegar a isto
graças a um autêntico espírito de amor maternal. Este sentimento, do qual
nunca repetirei o bastante que é capaz de uma elevação só concedida aos
sentimentos humanos mais nobres, se acha em conexão intima com um
afortunado instinto que levará a um caminho situado a igual distância da
indiferença e da preguiça que do refinamento artificial. (PESTALOZZI,
2010, p. 94)
“Uma observação mais precisa da finalidade da educação depara com o fato de que, nem de longe,
todo o nosso comportamento em relação às crianças é motivado por intenções em relação a elas,
mas antes por intenções respeitantes ao enobrecimento da sua existência espiritual.”
Johann Friedrich Herbart
A articulação do ensino permite também aqui, e mais uma vez nos seus
elementos mais pequenos (que correspondem aos primeiros anos), um
estímulo à exigência para passar à ação. São estes estímulos, que em anos
futuros, em que atua simultaneamente a formação do caráter, conduzem à
firme exigência, que dá origem às ações. (HERBART, 2010, p. 108)
[…] partindo do princìpio que uma boa cabeça encontra o seu melhor
mestre na sua autossuficiência, na sua participação e no seu gosto, para em
determinada altura, ser capaz de se acomodar às convenções da sociedade,
conforme quiser. (HERBART, 2010, p. 42)
cada sujeito tem com o mundo. O pensador alemão é direto ao afirmar que não existe
educação sem ensino e, complementarmente, ensino que não eduque (HERBART, 2010, p.
43).
Nesta direção, ao contrário de Pestalozzi para quem mesmo as pessoas menos
instruídas poderiam se ocupar da educação, Herbart (2010) salienta a necessidade da ciência
e da capacidade intelectual para a plena educação através do ensino, assim os educadores
devem ser capazes de considerar e representar a realidade como um fragmento da
complexidade real. Dito de outra forma, Herbart acredita que a educação não se dá de
maneira livre e sem controle sobre a formação, ao contrário, a educação é um trabalho
contínuo no qual é necessário percorrer de um extremo ao outro (da instrução à moral).
Conclui o pensador:
Por isso, a educação é uma questão para homens novos, que estão nos anos
em que é maior a impaciência em relação à crítica pessoal e em que é, na
verdade, uma grande ajuda ter perante si, voltando-se os olhos para uma
idade mais jovem, o manancial intacto das capacidades humanas, impondo-
se como missão tornar realidade o possível e, juntamente com o jovem,
educar-se a si próprio. Esta impaciência só pode desaparecer com o andar
dos tempos, quer por terem acontecido suficientes coisas ou por se ter
perdido a esperança e urgirem as ocupações. Com a impaciência desaparece
a força e a tendência para educar. (HERBART, 2010, p. 45)
Ficariam então a saber, que de uma experiência nada se aprende, tal como
nada se aprende de observações dispersas, que, antes pelo contrário, é
necessário repetir vinte vezes o mesmo ensaio de vinte formas diferentes até
se chegar a um resultado e que, de resto, as teorias mais contraditórias
explicam cada uma à sua maneira. Ficariam ainda a saber que não se pode
falar de experiência antes de se terminar o ensaio, em especial antes de se
ter examinado e pesado com precisão. (HERBART, 2010, p. 133)
24 Grifos meus.
129
Claro está que o ensino dos nossos dias está ligado ao estado atual (o que
não quer dizer só dos nossos dias, mas também do passado) das ciências,
das artes e da literatura. Tudo depende do máximo aproveitamento do
existente, um aproveitamento que se pode ainda melhorar sem fim. No
entanto, durante a educação vai-se de encontro a milhares de desejos que
ultrapassam a pedagogia, ou antes que tornam perceptível, que o interesse
pedagógico não é nada de isolado e que resulta menos naqueles espíritos
que só aceitam o ensino e toleram o convívio das crianças. (HERBART,
2010, p. 50)
atributos masculinos e femininos, mais do que isso, definem a esfera pública como espaço
masculino e a privada como feminino.
No que tange a família burguesa, percebemos que Herbart diferencia o
homem da mulher ao afirmar que “os homens não são capazes de imitar o estilo feminino”
(2010, p. 20), sendo assim, as funções sociais tanto de um quanto de outra se tornam
claramente distintas. Esta divisão entre homens e mulheres revelada na obra herbartiana e a
sua construção semântica em torno de uma moral relacionada, invariavelmente, a valores
públicos, nos faz acreditar que é na masculinidade, e apenas nela, que reside a moralidade; às
mulheres resta a passividade.
É preciso, aqui, explicitar o que Herbart entende como moral. Moral, fim
último da instrução educativa, é a capacidade de controlar os desejos, decidir
autonomamente pelo bom, belo e justo, racionalizar os ímpetos 'naturais' e, pelo intelecto,
construir o caráter. Podemos considerar, então, que a moral herbartiana corresponde à ideia
de masculinidade tradicional de Welzer-Lang (2008) e Grossi (2005), assim como a
masculinidade hegemônica de Connell (2003) e Connell e Messerschmidt (2015) ou ainda
com a masculinidade dominante de Flecha, Puigvert e Ríos (2013).
Como exemplos desta associação entre a moral e a tipificação da
masculinidade dominante, podemos citar alguns trechos que definem com clareza o projeto
herbartiano.
O primeiro deles é a valorização da juventude e do jovem enquanto modelos
de força e beleza. O poder juvenil, sua capacidade de aprender e sua necessidade de controlar
os desejos mais profundos, são tidos por Herbart como características almejáveis e
superiores à inocência infantil e à fraqueza adulta.
25 No Brasil, o termo mais encontrado nos manuais de História da Educação é “Escola Nova”, por isso, esta
denominação será adotada neste trabalho.
135
No interior destas disputas, como não poderia ser diferente, estava a educação.
De toda maneira, é preciso salientar que, tanto um polo quanto outro (capitalistas e
socialistas) apresentaram modelos educativos arrojados e transformadores. Nesta seção nos
dedicaremos aos intelectuais da Escola Nova, representantes do pensamento liberal em
educação. Daremos destaque, inicialmente, ao mais profícuo teórico de seus quadros: John
Dewey.
Desta forma, não creio que as escolas possam ser, literalmente, construtoras
da nova ordem social. No entanto, as escolas, decerto, participarão,
concretamente e não idealmente, na construção da ordem social do futuro à
medida que se forem aliando com este ou aquele movimento, no seio das
forças sociais existentes. (DEWEY, 2001, p. 192)
Teixeira (2010) afirma que a educação para Dewey tem como objetivo
imediato melhorar a inteligência por meio da qualidade das experiências, favorecendo o
desenvolvimento pleno das pessoas. De acordo com tal visão, a educação era, por natureza,
processo de reconstrução da experiência, e não produto. O fim da educação se encontraria
nela mesma, não existe um objetivo exterior a ser atingido; a educação se confunde com o
próprio processo de viver.
O pensamento pedagógico de Dewey criticou com dureza o ensino tradicional
e abriu portas para uma educação menos centrada na figura do/a professor/a e mais atenta
aos interesses das crianças. Sua obra influenciou iniciativas por todos os cantos do mundo.
Não seria demais admitir que Dewey é um dos filósofos mais lidos entre os/as educadores/as
e que suas propostas têm, ainda hoje, contribuído para as reflexões no campo da educação.
O mundo que Dewey viveu o levou a elaborações teóricas que, assim como os
seus antecessores, o colocam na vanguarda do pensamento ocidental. O filósofo americano
sintetizou uma abordagem pedagógica que resinificou o sentido da educação.
No Brasil sua influência foi fortemente marcada no Movimento da Escola
Nova, que tem como documento maior o Manifesto dos Pioneiros de 1932. Por outro lado,
os/as educadores/as brasileiros/as mais alinhados ao pensamento marxista tecem duras
críticas à Dewey, classificando-o como defensor maior de um projeto educacional neoliberal.
Para além das divergências sobre o pensamento de John Dewey, que não são
objeto desta tese, certo é que ele foi capaz de construir uma filosofia da educação
abrangente, um pensamento crítico que revela, dentre outras coisas, um projeto de sociedade
democrática nos limites do reformismo capitalista. A sociedade democrática de Dewey
também almejou a formação de um novo homem e uma nova masculinidade, tema que
trataremos no tópico a seguir.
“cuando asoma una idea, consagrada como verdad en el pensamiento científico, no se la puede
dejar ni cortos lapsos de tiempo en estado contemplativo. Esto se evita penetrando de sentimiento la
idea, comunicándole amor, que cuando se apodera de ella no para, no la deja hasta convertirla en
echo de vida.”
Francesc Ferrer i Guàrdia
26 É comum encontrarmos o nome do autor grafado como Francisco Ferrer y Guardia, mas neste trabalho
respeitaremos a origem catalã do nome Francesc Ferrer i Guàrdia.
147
e operárias estavam cada vez mais distantes do produto final de uma produção
completamente alienante, fragmentada e exploratória. Diante de um cenário bastante
desfavorável, os trabalhadores e trabalhadoras, ao se deslocarem da zona rural para os
centros urbanos, se depararam com péssimas condições de vida, moradias sem saneamento,
baixos salários, etc. (HOBSBAWN, 1998).
A não concretização dos ideiais da modernização, uma vida industrial, urbana
e promissora, fez com que muitos/as trabalhadores/as começassem a se organizar em torno
de ideias críticas ao sistema capitalista, tais como o marxismo, o socialismo francês e o
anarquismo (GONÇALVES, 2009). Aos poucos, sujeitos a forte controle dos patrões e do
Estado, nascem os primeiros movimentos em defesa dos direitos operários.
O fim do século XIX marca o expansionismo industrial e, consequentemente,
a alteração das relações de trabalho e a acumulação desenfreada do capital, exige dos/as
trabalhadores/as a submissão ao modelo exploratório. A centralidade do progresso
representado pela indústria, retira da classe operária a autonomia, uma vez que a mesma não
teria condições para produzir por conta própria. Nesta nova situação, o trabalhador e a
trabalhadora passam a ser propriedade da classe burguesa e seu valor será definido pela
relação de oferta e procura (ENGELS, 1985).
Enquanto a Inglaterra, a França, o norte da Itália e a Alemanha sofrem
diretamente os impactos da grande indústria burguesa, alguns países, mesmo na Europa,
acompanham de longe este desenvolvimento. Permanece, na Espanha, por exemplo, uma
estrutura monárquica ainda distante do processo industrial e basicamente centrada na
agricultura. Tragtenberg (1978) afirma que a situação espanhola é resultado da ordoxia em
torno da Igreja Católica vinculada à nobreza monarquica, excluindo deste poder hegemônico
o povo e a burguesia.
É neste contexto de profundas transformações em alguns países da Europa,
mas de uma Espanha atrelada à Igreja e a nobreza que nasce, na Catalunha, Francesc Ferrer i
Guàrdia, educador que deu suporte às ideias pedagógicas do movimento arnaquista. Segundo
Gonçalves (2009), a educação recebida por Ferrer i Guàrdia foi bastante tradicional,
razão, vontade, desejo e afeto, não podendo a educação negligenciar nenhum destes aspectos.
Ao idealizar sua escola, Ferrer i Guàrdia compreendia que os esforços estatais
também estavam dirigidos à alfabetização da população. Para ele, instruir as pessoas
significava para a classe dominante formar os/as trabalhadores/as para servir à industria e
ampliar a competitividade da burguesia local. Porém, não era este o homem e a mulher que
Ferrer i Guàrdia queria formar, a Escuela Moderna tinha outra meta: “La misión de la
Escuela Moderna consiste en hacer que los niños y las niñas que se le confíen lleguen a ser
personas instruidas, verìdicas, justas y libres de todo prejuicio” (1912, p. 21).
Nesta direção, Ferrer i Guàrdia necessitava de uma escola diferente da estatal,
uma escola laica, completamente separada da Igreja e do Estado e independente
financeiramente. Era preciso começar algo completamente novo, por isso, até mesmo os
livros utilizados foram impressos em gráfica criada para este fim.
Gonçalves (2009) afirma que outro aspecto importante para a Escuela
Moderna eram as atividades extracurriculares, marcadamente as visitas à fábricas, museus,
parques, etc. Segundo a autora, estas visitas estavam relacionadas aos temas tratados nas
aulas e debates entre os professores e os/as estudantes.
A escola de Ferrer i Guàrdia reconhecia a necessidade de formar os/as
professores/as e promovia espaços de reflexão e discussão, garantindo sempre a liberdade e a
iniciativa docente. Gussinyer (2003) aponta que o movimento racionalista atribuìa “grande
importância à pesquisa em ciências da educação, mas uma pesquisa absolutamente articulada
à prática pedagógica e, de certo modo, subsidiária dela” (p. 43).
Ferrer i Guàrdia teve profundas inspirações no pensamento de Rousseau. O
ideal de liberdade do genebrino encantou o catalão e foi um dos argumentos para uma
educação livre da Igreja e do Estado; a ausência de normas autoritárias, a descoberta
individual e as experiências fariam parte de seu aparato pedagógico. No entanto, Gallo
(2013) nos alerta que, diferentemente dos liberais que utilizaram Rousseau para desenvolver
uma pedagogia individualista, Ferrer i Guàrdia defendeu uma educação libertária, criticando
as relações capitalistas, com claras noções de coletivo.
Ferrer i Guàrdia se mostrara convencido de que a existência de uma classe
dominante exigia mecanismos de manutenção e controle, dentre eles a escola:
meio deles que as crianças podem expressar seus sentimentos e anseios. Neste sentido, os
jogos e brincadeiras têm a função de ajudar os professores e professoras a conhecer melhor
as individualidades dos/as estudantes, além de ser um ótimo instrumento para que as crianças
aprendam a conviver com as diferenças e em solidariedade.
Podemos perceber que Ferrer i Guàrdia estabelece uma relação bastante
profícua entre os jogos e a aprendizagem, para ele, é pelas brincadeiras que as crianças
aprendem como “fazem os grandes”:
El estudio de los juegos de los niños demuestra su gran semejanza con las
ocupaciones más serias de sus mayores. Los niños combinan y ejecutan sus
juegos con un interés y una energía que sólo abate el cansancio. Trabajan
por imitar cuantas cosas pueden concebir que hacen los grandes.
Construyen casas, hacen pasteles de barro, van a la ciudad, juegan a la
escuela, dan baile, hacen de médico, visitan muñecas, lavan la ropa, dan
funciones de circo, venden frutos y bebidas, forman jardines, trabajan en
minas de carbón, escriben cartas, se hacen burla, discuten, pelean, etc.
(FERRER I GUÀRDIA, 1912, p. 27)
27 O julgamento de Ferrer i Guàrdia guarda elementos históricos bastante interessantes, sugerimos sobre este
tema os artigos de Gonçalves (2009) e Gallo (2013).
154
libertária e livre de dogmas religiosos. Nesta direção, o catalão foi pioneiro também ao
defender que as mulheres deveriam receber os mesmos conhecimentos, quantitativamente e
qualitativamente, como os homens. Nas palavras do autor,
princípio libertário. Assim, a cada novo menino matriculado na Escuela Moderna, Ferrer i
Guàrdia (1912) questionava a família se não havia meninas em casa em idade escolar (p. 16).
A ideia de coeducação no autor está intimamente ligada ao conceito de
aprendizagem, uma vez que para ele, meninos e meninas estudando juntos e juntas, teriam a
oportunidade de aprender mais e melhor. Sabia Ferrer i Guàrdia que a socialização de cada
um e cada uma, antes do ingresso na escola, era diferente e essa diversidade de experiência
poderia ajuda-los/as a compreender melhor a vida em sociedade.
Ferrer i Guàrdia, tanto as características naturais dos homens quanto as das mulheres devem
ser moldadas na direção da verdade e da ciência, uma vez que ambas podem ser direcionadas
para ações transformadoras ou conservadoras.
Neste contexto de diferenças naturais entre homens e mulheres, Ferrer i
Guàrdia acredita que a educação é fundamental para ambos, mas os motivos podem variar,
no caso das mulheres, para que
Ao concluir sua defesa sobre coeducação, Ferrer i Guàrdia (1912) nos brinda
com uma reflexão bastante interessante. Segundo o autor, os processos revolucionários
dependem de dois elementos fundamentais: a ciência e o sentimento; para transformar a
sociedade é preciso dominar o conhecimento científico na mesma medida em que é preciso
estar tocado pelo amor. Em outras palavras, é o sentimento que move nossos conhecimentos
na direção das transformações sociais.
159
A situação material encontrada por Makarenko na colônia que iria dirigir era
peculiar. Após a revolução, o prédio que já era utilizado como reformatório para jovens,
162
havia sido saqueado pela população do entorno, como lembra o autor, foi necessário
reconstituir as estruturas mínimas para receber os novos internos (MAKARENKO, 1985).
Com a chegada dos jovens, em dezembro de 1920, o primeiro problema
enfrentado por Makarenko foi o da disciplina, tema recorrente em sua obra. Segundo
Luedemann (2002), Makarenko rapidamente compreendeu que era preciso constituir um
sentido de comunidade, organizando um forte núcleo de atividades. Para tanto, formou entre
os próprios colonos uma guarda para vigiar as estradas e estabeleceu uma rotina de reforma
do prédio, a ideia era fazer com que os internos se sentissem parte fundamental da colônia.
Para estes jovens, Makarenko criou uma proposta integral, vinculada à prática
política e econômica, sua pedagogia não estava pautada na abstração e na teorização, mas na
concretude e na busca de soluções para os problemas cotidianos. Assim, articulava
diariamente os interesses sociais aos individuais dos seus educandos. Foi na prática que criou
condições materiais para que os colonos participassem da organização da vida escolar e
produtiva, gerando laços de colaboração, respeito, autoridade e disciplina, características
almejadas na nova sociedade socialista.
A busca por uma formulação da educação comunista enquanto modelo
educativo, baseou-se na vinculação com o trabalho, ou seja, a escola deveria incorporar os
princípios da ciência e do trabalho criativo, fazendo dela um ato consciente. Em suma, a
escola deveria eliminar a divisão social do trabalho e a distinção entre trabalho manual e
intelectual. Nas palavras de Makarenko, “na educação soviética não há diferenças
fundamentais entre trabalho físico e trabalho intelectual. A organização do esforço, seu lado
verdadeiro, humano, são aspectos tão importantes em um como em outro” (1985, p. 180).
Nesta direção, o fazer educativo proposto por Makarenko previa a reflexão e a
ação, podendo levar as massas a desenvolverem plenamente suas potencialidades físicas e
intelectuais, instrumentos pelos quais seria possível questionar a exploração capitalista.
Objetivava-se, portanto, uma formação que permitisse a apropriação dos bens culturais e
materiais produzidos na sociedade socialista.
O início da elaboração destes princípios educacionais comunistas levou
Makarenko a se opor a qualquer método, prática e teoria pedagógica que exaltasse o ensino
individualista. Um dos elementos centrais na colônia Gorki era justamente o de promover a
escola enquanto comunidade, dado que a educação tinha como fim último a implementação
definitiva do comunismo.
Filonov (2010) afirma que o pensamento pedagógico de Makarenko só
alcançou a amplitude e profundidade devido sua perfeita compreensão da essência das
163
relações morais na nova sociedade socialista. Desta maneira, lembra Filonov, Makarenko
conseguiu sintetizar na prática pedagógica preceitos impares para o desenvolvimento da
mentalidade revolucionária. Nas palavras de Filonov, Makarenko “lutou por uma pedagogia
digna deste nome, que construísse o homem e fosse responsável perante a sociedade pelos
resultados da educação” (2010, p. 14-15). Assim, a força da educação, na sociedade
socialista, está na inclusão da psicologia, da biologia, da medicina e de todas as ciências,
utilizadas na organização da prática do processo educativo e na pesquisa pedagógica.
Makarenko (1985) afirma que a educação é um processo social no sentido
stricto do termo e a pedagogia, por ocupar-se dela, é a ciência mais dialética. Esta
compreensão da educação revela as duras críticas feitas pelo autor ao pensamento
pedagógico centrado na experiência exclusiva do/a estudante com o ambiente.
A dialética da ação pedagógica é tão grande que nenhum meio pode ter
efeito positivo se toda uma série de outros meios não é posta em prática
simultaneamente. Em si, todo meio pode ser bom ou mau, sendo o elemento
decisivo não a ação isolada, mas a de um conjunto de meios
harmonicamente organizados. (MAKARENKO, 1985, p. 258)
ocupar de uma só criança, mas transformar as aptidões desta criança em produto de uma
personalidade singular no interior da coletividade (MAKARENKO, 2010).
Nas colônias que dirigiu, Makarenko explicitou seu método pedagógico, o
ensino baseava-se na organização das atividades da vida comunal visando o bem coletivo.
Trabalhar na subsistência da colônia, produzir manufaturas e a manutenção predial são
exemplos destas atividades que, para o educador, tinham a função de formar nos homens
soviéticos qualidades estéticas, éticas e políticas.
Diante desta organização das colônias, os professores assumiam um papel
político importante, eram os responsáveis pela formação do cidadão russo, deveriam ser
modelo para a colônia, deveriam ser construtores ativos do comunismo, lideranças
revolucionárias (MAKARENKO, 1985). O trabalho educativo exigia dedicação e
compromisso, não apenas com o coletivo, mas com toda a revolução; o êxito do comunismo
passava pelas mãos dos professores.
Para educar a responsabilidade e o sentido de dever, Makarenko fazia uso de
estratégia própria do pensamento educacional socialista, colocava as crianças em contato
direto com a produção e o trabalho. Acreditava que por meio do mundo real transformado
em fazer pedagógico, formaria o espírito de colaboração e solidariedade, abandonando o
egoísmo e o interesse pessoal.
Makarenko buscou a formação de uma personalidade disciplinada e atenta aos
interesses coletivos, uma formação, acima de tudo, política, onde cada colono tornado
comunista defenderia suas ideias por meio da palavra e da ação. Para Rodrigues (2009), a
ideia de coletivo propagada por Makarenko era, ao mesmo tempo, meio e fim da educação,
ou seja, um conjunto de indivíduos ligados entre si pela responsabilidade compartilhada
sobre e no trabalho.
Em resumo, a escola na perspectiva de Makarenko, não era apenas a
transmissora de conhecimentos, era, sobretudo, socializadora de uma concepção política e
cultural. Nas colônias as crianças aprendiam os conteúdos escolares, mas principalmente
aprendiam a serem soviéticas. Na pedagogia de Makarenko a escola e a fábrica se encontram
e compartilham o mesmo objetivo: a formação do cidadão socialista, militante ativo e
consciente do comunismo.
A União Soviética nasce no início do século XX e transforma radicalmente
uma estrutura social arcaica e baseada no poder do Czar. A luta do povo, a revolução, as
disputas internas, a guerra, a vida, tudo se organiza na direção da utopia socialista: construir
uma sociedade mais justa e coletiva. É nesta direção que os esforços de Makarenko estão
166
28 A Coleção Educadores foi editada pelo Ministério da Educação no Brasil em 2010; vários autores discutidos
nesta tese tem um exemplar dedicado à sua obra.
168
O amor é o sentimento mais sublime que, em geral faz milagres, que gera
pessoas novas, que cria grandiosos valores humanos...
Se tivéssemos que definir mais exatamente nossa conclusão, diríamos
simples e abertamente: o carinho, como o jogo e a comida, exige dosagem.
Ninguém pode se gabar de ter comido bem depois de engolir 10 quilos de
pão. O carinho também exige dosagem, necessita ser medido.
(MAKARENKO, 2010, p. 86-87)
contexto que chega ao poder Getúlio Vargas, inicialmente promulgado como governo
provisório, com a missão de apaziguar os fortes impasses sociais antagônicos: a burguesia
industrial, os latifundiários e os movimentos populares. Vargas se manteve no poder até
1945 por meio de instrumentos ditatoriais, apoiado pelos militares, e fez prevalecer os
interesses da burguesia emergente, frustrando os desejos dos movimentos populares e os
interesses da oligarquia agrária.
Em Jaboatão, lugar da primeira infância de Freire, o contexto de pobreza,
fome e escassez, o sofrimento causado pela morte do pai e a dificuldade financeira da família
é o mesmo das alegrias e criancices:
onde entrou em contato pela primeira vez com a educação de pessoas adultas, experiência
que marcou suas reflexões.
Já em 1952, Paulo Freire é nomeado professor interino de História e Filosofia
da Educação na Escola de Belas Artes de Recife. Para Ana Maria de Araújo Freire 29, é nesta
instituição que Paulo Freire aprofunda sua leitura crítica do mundo, lá
29 Ana Maria de Araújo Freire, Nita, foi a segunda esposa de Paulo Freire e grande colaboradora de sua obra.
Depois da morte do educador, em 1997, Nita se tornou a responsável legal do legado de Freire. Em razão do
mesmo sobrenome, neste trabalho adotaremos “Freire, A.” quando formos citá-la.
175
A vida de Paulo Freire foi marcada por rupturas, amorosidade e luta, entre o
nordeste brasileiro e a infância pobre em Jaboatão, o exílio e os contextos de empréstimo, a
África e as africanidades, a universidade e o partido. Tudo isso fez com que sua obra também
se transformasse ao longo do tempo, ganhando criticidade. Do primeiro livro, “Educação e
Atualidade Brasileira”, ao último publicado em vida, “Pedagogia da Autonomia”, os
conceitos freireanos foram ganhando profundidade epistemológica. Os livros que escreveu
em parceira com grandes pensadores como Donaldo Macedo, Sérgio Guimarães, Frei Betto,
revelam a disponibilidade para o diálogo e a construção coletiva do pensamento.
Paulo Freire foi um homem de seu tempo e por isso sua obra acompanhou o
desenvolvimento histórico na tentativa de colaborar com elementos capazes de promover a
transformação social, objetivo primeiro de sua vida enquanto intelectual e militante.
Exemplo disso é seu primeiro livro, “Educação e Atualidade Brasileira” (2002), escrito em
um Brasil ainda assolado pelo analfabetismo, por índices gritantes de miséria e pela
exclusão.
Freire (2002) analisou um Brasil desigual, cheio de contradições e conflitos,
um nordeste empobrecido. Por outro lado, já demonstrava o otimismo crítico de suas
reflexões, genuinamente democráticas e transformadoras, impondo um novo paradigma para
a teoria e a prática educacional. Mesmo sendo “Educação e Atualidade Brasileira” um dos
seus primeiros escritos, já desponta como ponto fundante de sua obra a libertação das
consciências colonizadas, o engajamento político e consciente, a luta diante de uma
sociedade cheia de contradições e antagonismos:
representadas por três elementos: o diálogo, a participação e a relevância cultural que, juntos,
são capazes de ajudar os sujeitos a superar a falsa consciência e autodeterminar seus
destinos. Estes três princípios se opõem radicalmente ao centralismo, ao anti-diálogo, ao
autoritarismo e ao assistencialismo; frutos da inexperiência democrática da sociedade
brasileira e do desinteresse das classes dominantes. Como forma de superação à estes
preceitos negativos, a educação para Paulo Freire está vinculada organicamente ao contexto
social, possibilitando reflexão e ação por parte dos/as estudantes. Neste contexto, a
transformação social exige uma mudança da consciência ingênua para a consciência crítica
no processo que mais tarde Freire (2008) chamará de conscientização.
A contradição existente entre o diálogo e o anti-diálogo pode ser considerada
como ponto nevrálgico na obra de Freire. Em linhas gerais o diálogo deve ser o balizador de
uma educação que se pretende libertadora, enquanto que o anti-diálogo transforma as
relações humanas em práticas autoritárias e aprisionadoras. Assim, no encontro com a
própria essência humana, o ser humano é apresentado como:
aproximação crítica da realidade que gera ações transformadoras, não se dá fora da ação-
reflexão-ação, por isso, uma ação praxiológica:
todos e todas, da construção coletiva, não sendo um fato histórico dado, mas uma utopia pela
qual devemos lutar; é a construção de “inéditos viáveis” (FREIRE, 2003a).
Enquanto seres inacabados, forjados na história e agentes dela, os professores
e professoras progressistas não devem se omitir, precisam reconhecerem-se enquanto
sujeitos ativos nos processos de transformação social, assumir a função de ensinar dentro dos
princípios igualitários. Para Freire,
Como podemos perceber nesta citação, Freire rebate aos críticos que pregaram
a ele a marca de um educador do senso comum, exaltando a necessidade de aprofundamento
científico do conhecimento das classes populares, não como um degrau para se tornarem
melhores, mas como um direito que lhes foi negado historicamente. A defesa de Freire pela
radicalidade das transformações sociais se revela na explicitação das diferenças de classes e
das relações econômicas, mas não ignora a capacidade crítica que tem o sujeito de, em
comunhão, conscientizar-se e lutar.
Outro conceito que julgamos fundamental na obra de Freire e que merece
destaque é a solidariedade, o educador a entende como um paradigma necessário se se deseja
estar no mundo com os/as outros/as democraticamente. Para estar no mundo com os/as
outros/as é fundamental que uma postura curiosa e crítica seja ferramenta do pensamento
consciente que forma pessoas com uma visão ampliada da realidade objetiva, a partir da
empatia e compreensão do outro enquanto sujeito legítimo.
Segundo o autor, é preciso superar a visão mecanicista da educação enquanto
adaptadora ao suporte, o homem e a mulher são entendidos/as como sujeitos dotados de
capacidades intelectuais que os/as transformam em atores/atrizes ativas no mundo, podendo
transformá-lo. Assim, a relação dos homens e mulheres com o mundo se dá conscientemente,
não pode ser compreendida como um mero reflexo da materialidade objetiva da realidade
(FREIRE, 2005).
184
Freire nos apresenta uma prática docente na qual o professor/a não é superior
ao/à educando/a pôr dominar conhecimentos que eles e elas não dominam, mas é com os/as
estudantes, participante do mesmo processo de construção da aprendizagem. Essa afirmação,
no entanto, não significa, em hipótese alguma, que o professor ou a professora, por estarem
em posição igualitária com o alunado, abandonem o rigor metodológico e intelectual que
marcam a profissão.
Freire encara o educador e a educadora como pesquisadores, sujeitos que têm
na curiosidade a fundamentação epistemológica de seu fazer, que buscam o saber de forma
crítica, não ingênua, questionando-o, e que orientam seus/suas educandos/as também no
rigor metodológico, rigor necessário a quem deseja curiosamente aprender. Essa forma de
conhecer o mundo, relacionando o conhecimento adquirido com a realidade social, com a
vida, com a cidade é, para Freire, a forma mais libertadora da aprendizagem. Por isso “não
há ensino sem pesquisa nem pesquisa sem ensino” (1996, p. 32).
Ensinar, na perspectiva freireana, significa aceitar os riscos desafiadores do
novo, do inovador, do enriquecedor e rejeitar qualquer forma de discriminação que separa as
pessoas por qualquer argumento (raça, classe, gênero, idade, etc.). Ensinar é saber-se parte
de um processo inconcluso, com seres inconclusos e, por isso, capazes de interferir na
realidade a fim de transformá-la autonomamente.
Freire sistematiza da seguinte forma essas questões:
indispensável aos seres humanos. Para Freire, enquanto especificidade humana, a educação é
inerente ao movimento histórico, explicita controvérsias e contribui para a construção crítica
dos conhecimentos, politizando o saber, dito de outra forma, o conhecimento vai se
constituindo em ferramenta pedagógica ao mesmo tempo em que se desvela em ato político.
O pensamento de Paulo Freire marca a história da educação, a participação
ativa dos/as oprimidos/as no processo educativo, a busca por relações democráticas, pela
superação das desigualdades sociais, pela solidariedade, são características de um
pensamento comprometido com os/às mais pobres. Sua proposta educativa, carregada de
esperança, lança no campo da educação as preocupações do Sul, como ele mesmo gostava de
dizer. É uma pedagogia nordestina, latino-americana, amorosa e transformadora.
Paulo Freire deixou um imenso legado: a educação enquanto ação política
baseada no diálogo; suas ideias explicitam um modelo solidário de gente que pode e tem o
direito de ser mais. Passaremos agora a analisar como seu pensamento filosófico-educacional
nos ajuda a pensar um projeto de masculinidade dialógica.
Podemos afirmar que, para Paulo Freire, não é possível pensar uma educação
libertadora com e para as classes populares sem pensar conjuntamente nas questões de
gênero, raça, regionalismo e idade. No que tange especificamente às questões de gênero, a
189
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Iniciamos esta análise com João Amus Comênio, tido como o fundador da
didática moderna. O pensamento de Comênio inaugura uma nova forma de pensar a
educação; sob o lema do “ensinar tudo a todos”, que não pode se efetivar no século XVII,
mas que abre caminho para a consolidação da ideia de uma escola para todos e todas. O
caráter universalista de Comênio revela sua temporalidade na transição para a modernidade,
além disso, representa o idealismo de um conhecimento finito e imutável.
Comênio é defensor da racionalidade, fruto das profundas transformações de
seu tempo, as reformas protestantes, a racionalidade como elemento de explicação da
natureza, a construção de máquinas e a tipografia, representantes de um pensamento
orientado para a máxima eficiência. Estas ideias, que estão no seio da transição de uma
organização social medieval para a sociedade moderna, fazem com que Comênio projete
uma masculinidade ancorada em dois pontos: o modelo cristão protestante e o modelo
burguês emergente, ambos no campo da masculinidade dominante tradicional.
O segundo autor analisado é, provavelmente, um dos filósofos mais
importantes do pensamento ocidental, influenciando não apenas a educação, mas as ciências
sociais como um todo. Jean-Jacques Rousseau nos apresenta as bases do pensamento
iluminista, nesta direção a educação se volta para a formação do novo homem, educado
desde sua própria natureza. A bondade natural do homem, sua vinculação com a experiência
natural, enfim, uma pedagogia naturalista, marca a proposta pedagógica de Rousseau.
Emílio, o exemplo educativo rousseauniano, revela claramente uma
masculinidade audaciosa: portador da razão, homem bom, virtuoso e forte, modelo que se
torna o paradigma da Modernidade. O projeto de masculinidade representado por Rousseau
marca não apenas os ideais iluministas, mas a nova ideia burguesa de família na figura de
195
No campo da Escola Nova, elegemos como autor para análise John Dewey,
pensador do pragmatismo norte-americano. Dewey criticou veementemente o ensino
tradicional e propagou e ideia de uma educação menos centrada na figura do professor e da
professora e mais atenta aos interesses e experiências das crianças. Dewey defendeu uma
educação capaz de, nos limites do capitalismo, formar pessoas que almejassem um projeto de
sociedade mais democrática.
Para nós, a pedagogia de Dewey centrada nas experiências individuais
enquanto premissa não seria capaz de confirmar a sua tese democrática, isso por que ignora
as diferenças fundantes da sociedade capitalista; não se pode promover uma educação para a
igualdade em condições completamente desleais e que se revelam cruelmente no
individualismo e na meritocracia. Nesta direção, o projeto de masculinidade de Dewey se
coloca no seio do pensamento liberal, da competitividade, da individualidade e da
competição, valores caros ao neoliberalismo.
Para além dos Iluministas e da Escola Nova, que muitas vezes corroboram
com ideais dominantes e com masculinidades tradicionais, esta tese analisou também
pensadores que se alinham com a crítica radical ao status quo e ao pensamento burguês.
Dentre eles destacamos Frances Ferrer i Guàrdia, anarquista catalão, e Anton Makarenko,
representante do pensamento socialista.
As contribuições de Ferrer i Guàrdia para a educação são inúmeras. O
pensador anarquista, com sua Escola Moderna, em uma Espanha excluída dos avanços do
capitalismo industrial, propôs um modelo de organização escolar livre das amarras da Igreja,
baseado na liberdade, na crítica e na inclusão de todos e todas. O pensador catalão é o
primeiro a incluir as mulheres diretamente no processo educativo conjuntamente com os
homens em turmas mistas. A intencionalidade transformadora da obra de Ferrer i Guàrdia
tinha como objetivo a cooperação e o racionalismo científico enquanto instrumentos para a
transformação social.
Mesmo diante de ideais transformadores, Ferrer i Guàrdia não estava
completamente liberto dos pensamentos tipificados do comportamento masculino e
feminino, muitas vezes classificando estes como sentimentalistas e aqueles como
racionalistas. No entanto, existe no autor catalão a compreensão de complementariedade
entre a razão e o sentimento, sendo os dois elementos fundantes dos processos
revolucionários.
Representante do pensamento socialista, neste trabalho, Anton Makarenko
buscou a formação do homem socialista e revolucionário por meio da educação. Nas
197
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