Monografia - Rascunho Bernardo
Monografia - Rascunho Bernardo
Monografia - Rascunho Bernardo
Departamento de História
MANAUS
2023
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
Departamento de História
Manaus
2023
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo a elucidação das estruturas políticas partidárias que
formavam Cuba logo após o triunfo dos revolucionários da Sierra Maestra entre 1959 e 1965,
do triunfo revolucionário bem como da organização de um partido de vanguarda aos moldes
leninistas. De igual modo buscamos compreender as particularidades do processo do
socialismo cubano, bem como suas implicações de caráter política sobre a população e de que
modo se deu a inserção das massas no processo de defesa da Revolução, buscando, sobretudo,
rebater algumas ideias há muito propagadas acerca do processo revolucionário no que
concerne à democracia exercida pela população.
Palavras-chaves: Democracia; Revolução Cubana; Partido Comunista Cubano; Massas;
Socialismo; Comitês de Defesa da Revolução.
ABSTRACT
The present work aims to elucidate the political party structures that formed in Cuba
immediately after the triumph of the revolutionaries of the Sierra Maestra between 1959 and
1965, as well as the revolutionary triumph and the organization of a vanguard party following
Leninist principles. Likewise, we seek to understand the particularities of the Cuban socialist
process, as well as its political implications for the population and how the masses were
involved in the defense of the Revolution, aiming, above all, to refute long-held ideas about
the revolutionary process concerning the democracy exercised by the population.
Keywords: Democracy; Cuban Revolution; Cuban Communisty Party; Mass; Socialism;
Committees for the Defense of the Revolution.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
1. INTRODUÇÃO.................................................................................................................................7
2. “DEMOCRACIA” COMO CONCEITO HISTÓRICO............................................................................13
2.1 SERIA A DEMOCRACIA BURGUESA A FORMA PERFEITA DE GOVERNO?...................................14
3. GUERRA FRIA, REVOLUÇÃO E “TOTALITARISMO” COMO IDEOLOGIA..........................................17
4. A POLÍTICA REVOLUCIONÁRIA......................................................................................................22
4.1 O PRIMEIRO GOVERNO REVOLUCIONÁRIO..............................................................................22
4.2 O APROFUNDAMENTO DA REVOLUÇÃO...................................................................................28
5. OS COMITÊS DE DEFESA DA REVOLUÇÃO.....................................................................................31
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................................35
7. REFERÊNCIAS................................................................................................................................37
1. INTRODUÇÃO
Se após o triunfo da Revolução Bolchevique na Rússia, onde o que se via era país de
estrutura arcaica e de exploração de vidas dos homens em prol de uma guerra que só havia
sentido para os capitalistas, após a Segunda Guerra Mundial o mundo passa a existir sob
novas relações e novas dinâmicas, o dito “terceiro mundo” já não era tido mais como vítima
passiva do sistema de exploração capitalista em seu nível mais elevado, imperialista. A reação
em cadeia desses países refletia o descontentamento com diversas políticas voltadas às
questões nacionais, sobretudo no campo econômico cuja exploração se dava por agentes
externos, dos EUA ou da Europa.
Contudo boa parte desses países tiveram suas revoluções nacionalistas esmagadas pelo
terror branco patrocinado pelos EUA às forças reacionárias, principalmente lideradas por
militares dos exércitos locais. Exemplos muito conhecidos como o do guatemalteco Jacobo
Arbenz e o pouco abordado historicamente como do indonésio Sukarno foram suprimidos,
7
ainda que não fossem comunistas, e esmagados por forças reacionárias que assassinaram
cerca de 200.000 e de 500.000 à 1.000.000,00 de pessoas respectivamente, no lastro
anticomunista deixado pelos regimes ditatoriais.
Assim a condição material imposta pelos países capitalistas do primeiro mundo aos
países em subdesenvolvimento impedia qualquer alcance a nível de desenvolvimento
econômico dos centros capitalistas, fazendo com que a “periferia” fosse dependente não só
economicamente, mas através do uso da violência política perpetrado principalmente pelo
exército, vale ressaltar que sem anuência da burguesia o uso de tal força seria impensável.
Marti, com propriedade previu o que estava ou quem estava ao norte e suas ações, se a
luta anticolonial foi ativa contra a Espanha, outro ator esteve presente e “contribuiu” na
independência da ilha que ao conquista-la sentiu certo amargor. Os EUA que cooperaram na
conquista da independência de Cuba, na verdade se autoproclamou “tutor” e na prática
recolonizou o país através de políticas militares, mas sobretudo no campo da economia, onde
industrias norte-americanas como a United Fruits Company que dominaram a economia
açucareira do país, tal qual fizeram o mesmo com a indústria do cobre chileno e a própria
economia açucareira de interesse da United Fruit na Guatemala, que culminou no golpe sobre
Arbenz.
Com a aprovação da Emenda Platt em 1902 essa tutela passou a ser lei, cuja imposição
se deu de um país o outro, os EUA que no discurso objetivava agir em defesa de Cuba de
possíveis invasões práticas impôs à ilha uma situação de protetorado, onde sua economia, seu
exército e seus políticos eram na prática subordinados a um país que podiam intervir quando
8
bem entendessem, trocando em miúdos, Cuba virou neocolônia dos EUA, assim como outros
países da América Central e do Caribe, e através dessa política externa os EUA defendia
militarmente não somente seu país, mas construía uma economia cuja exploração sobre países
vizinhos foi fundamental no seu processo de afirmação hegemônica.
Entrementes, Cuba viu-se até 1959 em uma situação de relações políticas totalmente
estremecidas, sobretudo desde o governo de Gerardo Machado quando diversas manifestações
irromperam a ilha levando à sua derrubada. Posteriormente, Céspedes e San Martin
assumiram provisoriamente a presidência, o primeiro posto no poder pelos próprios
estadunidenses e o segundo pelo Diretório Estudantil Universitário, o qual obviamente não
fora reconhecido pelo governo americano. Desse modo San Martin não durou muito no cargo,
Fulgêncio Batista que nesse momento se tornara chefe do estado-maior pôs no poder alguns
presidentes títeres que na prática pouca diferença fazia já que era ele quem comandava o país.
A emenda Platt em 1933 deixa de existir, ao menos na condição jurídica, já que na prática os
EUA continuavam a intervir na política cubana e sobretudo na economia já que a dependência
de Cuba da exportação do seu açúcar pelo vizinho do norte era sua base e o sufocamento ou
não da mesma era questão de “boa vontade” dos americanos.
1
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. De Martí a Fidel: A Revolução Cubana e a América Latina. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1998 P. 62
9
Desde então diversos partidos que herdaram o passado revolucionário de Martí se
envolveram no lamaçal político cuja corrupção era dominante, o próprio Partido Comunista
Cubano se envolveu no primeiro governo Batista, atraído pela suposta abertura política
conduzida pelo general e com isso desgastou-se diante da população.
Desse modo diferente de boa parte do restante da América Latina que contou com o
bonapartismo no seu projeto de desenvolvimento nacional e um líder que centralizasse através
do nacionalismo a política do país. Cuba, apesar de contar com um líder que controlasse o
poder, a questão nacional não foi um dos pontos fundamentais de Batista, já que como se
sabe, suas estreitas relações o fizeram como ditador mantenedor da relação de exploração
entre EUA e Cuba.
10
Diante do contexto internacional de opostos ideológicos se digladiando, sobretudo, no
campo econômico Cuba viu-se em um cenário de agitação política onde o materialismo
histórico não deixou de se sentir presente já que o cenário era obra de um passado que seguia
em construção, mas não totalmente em mãos dos próprios cubanos.
Seria impossível, por exemplo, a chegada ao poder pela via democrática liberal de um
presidente aos moldes do que acontecera no Chile em 1970 com o discurso adotado pelo
socialista Salvador Allende, de nacionalizações. Não só por que o mercado e a economia
impediam qualquer ação nesse sentido, mas por que a política em Cuba estava muito mais
amarrada aos EUA do que a maioria dos países da América Latina. Assim a democracia na
ilha era de fachada e nunca teve representação de fato popular, a história de Revolução
Cubana é uma história de um legado revolucionário desde a luta pelo fim da colonização se
antes lutava-se pela libertação da colonização, no século XX a luta foi em prol da democracia
e da soberania do povo cubano.
Assim o que aconteceu em Cuba, não foi um simples levante popular por conta dos
desmandos de governantes “democraticamente” ao longo de sua história, o que ocorreu numa
ilha até então em certo nível insignificante pro resto do mundo, senão para os EUA que via
nela apenas um espaço de exploração, foi a elevação ao extremo das contradições entre
classes não só no plano nacional, mas global, cujo legado revolucionário deixado por Martí
bem explicitava ao advertir sobre os EUA:
“Nossa América está correndo outro risco que não vêm de dentro, mas surge da
diferença em origens, métodos e interesses entre as duas metades do continente (...).
O desprezo do nosso terrível vizinho que nos desconhece, é o maior perigo para a
nossa América (...). Por sua ignorância ele pode nos cobiçar”2
Assim, é evidente que as relações entre Cuba e EUA, se encontrava no plano também
da luta de classes, afinal as empresas empregadas pelo capital norte-americano apropriaram-se
do uso de mão de obra cubana, a questão agrária, ponto fundamental da Revolução Cubana
também encontra nesse caráter dialético as relações e os embates entre as classes. Outrossim,
2
CHOSMKY, AVIVA. História da Revolução Cubana. São Paulo: Veneta, 2015. p. 26.
11
tais questões servem como base para compreender que democracia em Cuba ultrapassava os
limites da simples representação política aos moldes liberais e desembocava na participação
popular, democratização de terras, dentre outros temas essenciais para compreender o que
representou historicamente no campo democrático a Revolução Cubana.
Centrar o presente trabalho nos debates acerca da democracia em Cuba significa entrar
em um campo pantanoso, onde as paixões e o ódio reverberam de igual modo, é fato que o
discurso hegemônico tende a criminalizar a revolução em Cuba como uma simples ditadura,
consequentemente um regime autoritário, deve-se tal discurso ao lastro anticomunista gestado
nas últimas décadas por regimes verdadeiramente autoritários que, tinham como base a
eliminação dos militantes socialistas e comunistas.
12
conceitos antigos observados por Aristóteles em sua “politia” e presentes na democracia (que
para Aristóteles equivalia à deformação de seu conceito) ateniense sofreram modificações
assim como conceitos básicos permanecem presentes.
Não devemos nos ater à conceituação de classe aristotélica, é claro que para nosso
ponto de partida é fundamental compreender brevemente esse conceito em sua gênese. Ao
longo da história tivemos, é claro, uma diversidade de sistemas políticos desde a democracia
aristotélica até a democracia moderna, é claro que dentre esses distintos modelos há
geralmente épocas até certo ponto definidos, o período monárquico que perdura desde os
tempos medievais e em certo nível é presente na sociedade contemporânea via no estado uma
13
entidade abstrata que deveria através de seus “eleitos” por Deus impor limites às sedições dos
pecadores, ou seja, sua conotação era negativa. 3
Assim o Estado era também vinculado não só à realidade material, mas a questões
fundamentalmente religiosas, nesse contexto há uma divisão se não entre, necessariamente,
classes, mas entre castas “designadas” por Deus, onde aqueles que estavam acima do Estado
eram destinados a dirigirem a sociedade enquanto o grupo subalterno, ou em termos mais
apropriados, servos, eram o grupo a ser controlado.
Com Maquiavel (1996), a divisão entre três distintos modelos de governo que pensara
Aristóteles se transforma em apenas dois: principados e repúblicas, ou seja, reinos e
democracia ou aristocracia, de modo que obviamente os reinos se submetem ao poder de um
único individuo enquanto as republicas, em suas diversas variações, estão sob tutela de um
determinado número de membros. Toda e qualquer forma de governo que fuja a essas duas
classificações é, para Maquiavel, uma deformação fadada ao fracasso.
Não iremos nos alongar no debate histórico acerca do conceito de democracia pré-
burguesas, tampouco nas teorias da forma de governo, pois ao longo da mesma essa sofreu
diversas alterações conceituais, que, como bem se sabe se adequou a diversos contextos e
momentos políticos distintos. O fato é que a democracia burguesa representou um salto diante
dos antigos modelos políticos e é, portanto, de nosso interesse compreender
fundamentalmente o espaço tomado pela democracia burguesa, sobretudo, no século XX.
3
BOBBIO, Norberto. A teorias das formas de governo. Trad. Sérgio Bath, 9. ed. Brasília: Editora da UnB, 1997. p.
78.
4
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo: Martins Fontes. p. 119.
14
revoluções burguesas esse quadro se altera e o indivíduo do modo produção capitalista pode
inserir-se no corpo de funcionários do Estado.
Desse modo a democracia dos antigos que tinha participação mais direta, ressurge sob
novos princípios e com participação popular indireta, com as revoluções burguesas o princípio
democrático estava em escolher seus representantes a fim de que esse possibilitasse a
realização de anseios do povo.
5
BOBBIO, Noberto. Liberalismo e Democracia. São Paulo: Brasiliense. p. 34.
15
revoluções, elas não seriam possíveis sem o uso direcionado da violência, era necessário para
que a quebra com o antigo regime de fato ocorresse e não somente simples medidas
reformistas, contudo essa violência só pôde ser assumida, por exemplo, na França
revolucionária, pelas classes mais baixas com anuência da burguesia, fato é que após o
alcance do terreno da nova sociedade essa violência assumida pelo povo cessou e seguiu
apenas na mão da burguesia. Segundo a burguesia compreendia plenamente a capacidade
exercida pela violência em seu processo de conquistar por isso ao constituir seu ordenamento
jurídico, conforme cedeu direitos na contramão impôs limites estritos. Sobre tal questão
Florestan Fernandes (1979), esclarece de forma clara
“o que nos interessa é a conquista dos direitos civis. Eles constituem uma faca de
dois gumes. Armam as classes trabalhadoras da capacidade de transcender ao seu
status de afirmar-se dentro da sociedade capitalista em nome de uma pretensão
legítima (não importa quão formal ela poderia ser, em dadas condições) de liberdade
e de igualdade (primeiro, perante a “ordem jurídica”, mais tarde dentro da ordem
política). Ao mesmo tempo, essa mesma condição histórica articula as classes
trabalhadoras à ordenação e aos processos de mudança da sociedade capitalista. Em
suma ao afirmar sua liberdade e sua igualdade dentro da ordem e nos limites da
classe dominante, a classe oprimida se escraviza à hegemonia burguesa. Não só a
ideologia burguesa; também aos interesses da classe burguesa e ao seu aparelho de
Estado, ou seja, à sua dominação de classe e ao seu poder político”6
Caso muito semelhante aos países do dito terceiro mundo, excetuando-se as condições
raciais impostas a esses países. Era de se esperar que uma revolução que derrubasse a classe
dominante não só fosse admirada pela classe proletária de todo o mundo, mas que se
repetissem sob condições internas em diversos países que se viam em condições similares.
Quando do fim da Segunda Guerra, diversos países do terceiro mundo viam diante de
si a oportunidade ideal de avançar rumo à sociedade que desejavam, principalmente, pelo fato
de surgirem questões pós-guerra que questionavam o imperialismo da Europa e dos EUA,
esses países e, sobretudo, o governo estadunidense, se indispuseram a “permitir” que os países
7
MARX, Karl. O 18 de brumário de Luiz Bonaparte, p. 25.
17
subdesenvolvidos seguissem um caminho soberano com direito à livre escolha de ideologia,
cultura, política e econômica.
Para além do campo militar, político e econômico que já foi exaustivamente debatido
pelas mais diversas matizes de historiadores e cientistas políticos, há necessidade de
debatermos, para prosseguimento do presente trabalho, acerca da ideologia, não de forma
vulgar como é tido para algumas pessoas quando abordamos o assunto mas travestido de
discursos que compôs o debate político da segunda metade do século XX onde se acirravam o
debate entre capitalismo e socialismo principalmente quando não se têm claro, ou que se diz
“cientifico” e aceito pela comunidade acadêmica como conceito fixo.
“As ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias da classe dominante,
isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade, é ao mesmo tempo
sua força espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios de
produção material dispõe também dos meios de produção espiritual, de modo que a
ela estão submetidos aproximadamente ao mesmo tempo os pensamentos daqueles
aos quais faltam os meios da produção espiritual. As ideias dominantes não são nada
mais do que a expressão ideal das relações sociais dominantes, são a expressão das
relações que fazem de uma classe a classe dominante, são as ideias de sua
dominação” 8
Não pode ser mais claro o pensamento marxiano, a ideologia é nesse sentido uma
arma na manutenção da hegemonia burguesa, que não tem seu fim somente na condição
material, mas da consciência e do ser, é o que transforma a práxis em ação consciente e não
arbitrária. Não é o objetivo desse trabalho debater o que é ideologia, tampouco estabelecer
8
MARX, K. e ENGELS, F. A ideologia alemã: Crítica da mais recente filosofia alemã em seus representantes
Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas. São Paulo: Boitempo, 2007.
p. 47.
18
conceitos há tempos difusos em trabalhos de diversos autores, o que nos interessa é
compreender como a ideologia permeou o embate socialismo versus capitalismo no ocidente,
onde concentra-se o objeto de nosso estudo, Cuba.
Após a Segunda Guerra, o enfoque que se deu à Alemanha hitlerista passou a ter novo
protagonista como inimigo a ser combatido, sobretudo no Ocidente. Dessa vez lutava-se
contra os bolcheviques, não tardou que surgissem obras e autores que equiparassem Nazismo
e Comunismo como irmãos gêmeos e um conceito difundiu-se e perdura até hoje em diversos
debates, sobretudo, políticos, o conceito de “Totalitarismo”.
Como dito, não vamos nos aprofundar nesse debate, mas é de fundamental
importância compreender como essa ideia intercedeu no debate acerca da experiência cubana
no sentido de perpetuar contra Cuba a ideia de um regime autoritário e com supressão de
todas as liberdade7s.
Assim sendo, é importante destacarmos esse fator, sobretudo pelo fato de constante
propaganda realizada pelos EUA por todo o globo contra o socialismo soviético, é de pouco
conhecimento, por exemplo, que obras de Orwell foram difundidas em diversos países como
propaganda anticomunista, como no caso indonésio. 9
Arendt buscou em sua obra não apenas conceituar a ideia de totalitarismo, mas
aproximar os distintos polos Nazismo e Comunismo, que são inimigos naturais, como sendo
intimamente ligados, no que viria ser denominado de “Teoria da Ferradura”. Em “As Origens
do Totalitarismo” há a divisão entre três conteúdos que descreveriam um estado Totalitário, o
antissemitismo, imperialismo e o totalitarismo em si.
9
BEVINS, Vincent. O Metódo Jacarta: a cruzada anticomunista e o programa de assassinatos em massa que
moldou o nosso mundo. São Paulo: Autonomia Literária, 2022. p. 94.
19
Antes de tudo, as duas primeiras bases de um estado totalitário não se inserem no caso
da experiência soviética, não podemos classificar a URSS como um Estado antissemita
tampouco imperialista. Afinal, quais foram as atuações dos soviéticos em intervenções à
países para explorar sua economia? Quantas empresas soviéticas dominavam industrias em
países dependentes economicamente? O próprio Lênin denunciou o imperialismo em
“Imperialismo, fase superior do capitalismo”, pois era evidente que a Rússia Czarista era
dominada pelo capital estrangeiro.
Obviamente a autora alemã repatriada nos EUA, não dedica nesses dois capítulos
críticas tão contundentes como as realizada no último que aborda, de fato, o totalitarismo.
Para começar, devemos nos ater ao fato de que ao início do terceiro capítulo a primeira parte
inicia-se com o título “uma sociedade sem classes”. Bom na Alemanha nazista as classes não
se alteraram elas permaneceram e se reforçaram sobretudo em relação aos capitalistas das
indústrias pesadas em vantagem devido ao contexto da guerra. Obviamente esse título recorre
em negativar as ideias socialistas.
Algumas das descrições feitas por Arendt (1989) para definir um estado totalitário
concentram-se no fim do multipartidarismo, na existência de um partido único, bem como o
fim do ser enquanto indivíduo que possa exprimir qualquer sensação 10. Essa segunda está
diretamente relacionada ao apontamento que fazemos em relação ao título abordado no
parágrafo acima, Arendt relaciona o fim da sociedade sem classe com o fim do indivíduo,
assim sendo que a forma única de não haver totalitarismo, segundo Hortmann (2022), é que a
divisão entre classes não seja abolida11. Não precisamos ir a fundo para concluir que essa ideia
de Arendt é descabida, o fim da sociedade de classes não significa o fim do indivíduo.
O que nós objetivamos é expor uma visão, no mínimo contraditória da autora alemã
que apesar de expor em seus dois primeiros capítulos a questão antissemita (racial, por assim
dizer) bem como o imperialismo, ignora na terceira etapa da análise, as duas primeiras partes
em prol de uma análise artificial que aproximem distintos modelos políticos como se a
emancipação classe trabalhadora e o nazismo fossem de fato semelhantes.
10
ARENDT, Hannah. As Origens do totalitarismo. São Paulo: Cia das Letras, 1989. p. 357-358
11
HORTMANN. Carlos. Ideologia do totalitarismo: as armadilhas do como se fosse, 2022. p. 129.
20
teórica, a sociedade totalitária era irracional, logo uma sociedade não totalitária tinha
de ser (negativamente) racional. Isso significa que o ocidente liberal-capitalista é
racional e, portanto, uma sociedade não-totalitária. Ela não apresenta quais são as
determinações concretas da irracionalidade e, detém-se a repetir que as sociedades
totalitárias são atomizadas (ou amorfas) porque não têm classes sociais (falsa
premissa) por que não têm classes sociais (falsa premissa). Esse modelo de
argumentação circular manifesta-se noutros momentos”. 12
Não iremos alongar tal discussão o que nos interessa aqui é expor como o debate foi
tomado nas últimas décadas, sobretudo após o acirramento entre as distintas potências, de
forma ideológica. Não estamos aqui negando a ideologia, tampouco impondo a ciência a um
processo de neutralidade que inexiste. Mas como a ideologia se sobrepujou a qualquer aspecto
analítico dentro da história, filosofia ou ciência política. A história em sua materialidade foi
negada e a autora de modo intencional ou não, se sobressaiu na abordagem do tema e
dominou os espaços de discussões ao longo das décadas. Isso refletiu na conceituação de
diversos países senão como totalitários, como autoritários, como o caso cubano que seguiu o
caminho marxista-leninista, tal qual os soviéticos, claro adaptando-o às suas particularidades.
Mas afinal, onde queremos chegar com a presente exposição? De forma simples,
primeiramente expor a condução do debate realizado ao longo da segunda metade do século
XX e que permeia ainda as discussões quando se trata das experiências socialistas desse
período e segundo, demonstrar que a posição assumida pelos autores e, sobretudo, por
Hannah Arendt, não são meros estudos científicos embasados em extensas pesquisas, não
negamos a contribuição da filosofa alemã aos estudos sobre totalitarismo tampouco sobre o
nazismo alemão, mas é possível compreender que sua obra perpassa por diversas questões
invisíveis aos olhos de quem lê, sobretudo de caráter ideológico, o que não quer dizer que sua
obra seja um panfleto ideológico intencionalmente mas assume tal caráter e foi apropriado
12
Ibid., p. 130.
13
FERNANDES, Florestan. Apontamentos sobre a “teoria do autoritarismo”. São Paulo: Expressão Popular,
2019. p.42.
21
pelos liberais, conservadores e neoliberais no contexto de disputas ideológicos e hoje é tido
como teoria fixa acerca do tema.
4. A POLÍTICA REVOLUCIONÁRIA
Antes de tudo temos que compreender que diante da realidade histórica da então
sociedade cubana, muito se questionara o sistema político cubano, que de forma sistemática
estava envolvida em uma estrutura política subserviente e corrupta. Obviamente as
representações moldadas pela política burguesa pouco se identificava com os anseios da
população cubana e passavam mesmo que de maneira indireta pelo crivo do governo
estadunidense.
Não vamos nos ocupar inteiramente da abordagem feita na introdução, senão de forma
breve, a respeito da perspectiva histórica anterior à revolução, o que nos interessa é
compreender o desenvolvimento embrionário da política socialista da revolução e a inserção
da população à política cubana.
Quanto a renda per capita, o autor prossegue: “A renda per capita média anual dos
trabalhadores cubanos entre 1950 e 1954, de acordo com números apresentados por Leo
Huberman e Paul Sweezy, era de aproximadamente US$ 312, o equivalente a US$ 6 por
semana.”16 Quanto a economia, Cuba estava entre os países que menos cresciam nesse sentido
com um índice de 1,5% ao ano.17
Arboleya (2007) destaca ainda que Cuba era um caso típico de subdesenvolvimento
estrutural onde a capital era um polo privilegiado enquanto os interiores viviam à mingua e à
exploração:
15
PERICÁS, Luiz Bernardo. Che Guevara e o debate econômico em Cuba. 2.ed. São Paulo: Boitempo, 2018. p.
21.
16
IBID, p.21
17
IBID, p.21
18
ARBOLEYA, Jesús. La revolucion del otro mundo: Cuba y Estados Unidos en el horizonte del siglo XXI.
Bogotá: Ocean Sur, 2007. p. 164.
23
ensino básico não avançavam em níveis pré-universitários, segundo o censo de 1953 somente
3,5% chegavam a esse nível, enquanto apenas 1% estavam no ensino superior.19
Porém não foi somente no campo que a revolução buscou democratizar o acesso à
população, nas cidades os aluguéis tiveram cortes pela metade, as taxas de energia também
sofreram reduções.
Bom, o que de fato se procedia após o sucesso dos revolucionários de Sierra Maestra é
que as instituições básicas do Estado preexistentes teriam de ser destruídas. “Qualquer que
19
IBID, p. 22.
20
PERICÁS, Luiz Bernardo. Che Guevara e o debate econômico em Cuba. 2.ed. São Paulo: Boitempo, 2018. p.
24.
24
seja a posição teórica tomada diante da questão do Estado, uma coisa é óbvia: o Estado
democrático burguês precisar ser destruído”21
De forma clara a revolução buscará romper com as antigas estruturas, porém em seu
princípio não seguia uma linha teórica e política clara, seus anseios baseavam-se no anseio
geral da população: reforma agrária, educação, saúde e demais demandas básicas. Assim a
Revolução deixou a Sierra Maestra
Desde las ultimas reuniones en la Sierra, en las que participaron los dirigentes
civiles y militares de la Dirección Nacional del Movimiento 26 de Julio y el ya
designado presidente provisional por el Conjuto de Instituiciones Cívicas, Manuel
Urrutía, Fidel Castro, estableció que el rol de los comandantes revolucionários en la
nueva República no sería político o administrativo. Los jefes revolucionários decian
haber derrocado una dictadura para devolver al pueblo la soberania nacional. El
nuevo Gobierno tenía el encargo de restablecer el orden constitucional, decretar el
conjunto leyes revolucionarias anunciadas en el programa de Monacada y convocar
elecciones legislativas y presidenciales. Ése era el mandato que habia recebido del
Conjunto de Instituiciones Cívicas, del Frete Cívico-Revolucionario y de los propios
jefes militares de la Sierra Maestre, el juez Urrutia. 22
21
FERNANDES, Florestan. Da guerrilha ao socialismo: A Revolução Cubana. São Paulo: Expressão Popular, 2007.
p. 263
22
ROJAS, Rafael. Historia mínima de la Revolución Cubana. México: Colégio de México, 2015. p. 96.
25
estranhamento e desconfiança aos EUA (que desde o princípio lutou contra a guerrilha através
de Batista), mas que na verdade evidenciavam o caráter democrático da revolução.
De forma clara esse governo inicial foi montado sobre uma base ideológica moderada,
sem grandes alterações no curso da política cubana era baseada
23
ROJAS, Rafael. Historia mínima de la Revolución Cubana. México: Colégio de México, 2015,p. 74.
24
HARNECKER, MARTA. Fidel: a estratégia política da vitória. São Paulo: Expressão Popular, 2000. p. 91-92.
26
De forma óbvia esse programa não comporta a teoria socialista, era estritamente ligado
à forma política liberal-burguesa e não abria de forma mais explicita à participação popular
para além da forma tradicional de eleição de representantes, claro proporcionar direitos
básicos dos trabalhadores, como a livre eleição sindical, reforma agrária (que se tornou mais
radical com Fidel no poder), dentre outras propostas básicas que perpassavam, sobretudo, pela
ideologia dos guerrilheiros.
A partir de então a relação entre os dois torna-se cada vez mais complexa, Urrutia
dava declarações públicas de infiltração comunista no governo revolucionário e, por outro
lado, Urrutia não parecia querer avançar em políticas que, no mínimo, reformistas para
avanço da sociedade cubana. Tentou-se avançar o processo de liberação nacional incluindo
25
ROJAS, Rafael. Historia mínima de la Revolución Cubana. México: Colégio de México, 2015,p. 79.
27
setores nacionalistas da burguesia, esse processo não pôde avançar por contradições internas e
pelo contexto da guerra fria.26
É a partir do segundo governo revolucionário que muitas das reformas e das políticas
se aprofundam no sentido de romper com as estruturas do antigo regime. Apesar de já gozar
de enorme popularidade, é nesse período que os revolucionários que tomam a vanguarda do
poder em Cuba. O problema, contudo, surge, na falta de uma organização política que
direciona as tomadas de decisão.
“A ausência de um partido revolucionário que educasse e organizasse politicamente
essa massa, dava origem a muitos problemas graves. O castrismo ficava preso em
um plano, a compromissos unitários de uma oposição relativamente amorfa (se se
excetuam o próprio Movimento 26 de Julho, o Diretório Revolucionário ou o
Partido Social Popular). E, no outro ganhava uma grande liberdade, pois não se
prendia ao dogmatismo de uma “linha revolucionária de partido”, embora tivesse de
acompanhar as propensões revolucionárias mais ou menos espontâneas” 27
Diferentemente do que ocorrera revolução de outubro, onde Lênin tinha sua teoria
revolucionária bem estruturada em princípios também práticos, a Revolução em Cuba adequa-
26
ARBOLEYA, Jesús. La revolucion del otro mundo: Cuba y Estados Unidos en el horizonte del siglo XXI. Bogotá:
Ocean Sur, 2007. p. 167.
27
FERNANDES, Florestan. Da guerrilha ao socialismo: A Revolução Cubana. São Paulo: Expressão Popular, 2007.
p. 133.
28
se à ideologia socialista conforme evolui seu sentido político e luta contra um inimigo maior
que o segrega politicamente na região.
“era preciso extrair da “crista política” desta situação uma solução política
adaptativa, que fosse suficientemente elástica para integrar exclusiva e para eliminar
riscos de dispersão, de oportunismo ou de consolidação reformista. A solução
natural (e, por conseguinte a mais fácil) consistia em unificar as várias organizações
revolucionárias provadas na luta contra Batista e propensas a defender o caráter
socialista de revolução. Assim se constituíram as Organizações Revolucionárias
Integradas (ORI), compostas pelo Movimento 26 de Julho, Partido Social Popular
(antigo Partido Comunista de Cuba) e Diretório Revolucionário (ex-Diretório
Estudantil Revolucionário). Ao que parece Fidel falou pela primeira vez dessas
organizações (em 26 de julho de 1961) depois que elas se achavam em plena
atividade. Sua constituição só foi divulgada em 8 de março de 1962; sua direção
nacional era composta de 13 membros do 26 de Julho, 10 do PSP e 2 do DR. [...]
Em termos estratégicos, a solução visava a dois objetivos (claramente delineados por
Fidel Castro). Primeiro, produzir forças políticas da revolução, Já que era
impraticável acelerar a história “por baixo”, por falta de liames institucionais entre a
classe revolucionária no poder, cumpria avançar depressa na articulação das forças
revolucionárias que podiam agir, construtivamente, através do governo e das ORI,
de cima para baixo. Segundo, abrir caminho, com apoio nas ORI, para a constituição
do Partido Unido da Revolução Socialista (PURS), o partido da revolução. 28
O responsável pela organização das ORI era Ernesto ‘Che’ Guevara, que buscava uma
organização centralizada em que seus quadros eram estritamente selecionados, mas acima de
tudo ligado às massas. Buscava-se, sobretudo, deixar as táticas de guerrilha na Sierra e aplicar
políticas centralizadas sem improvisos políticos próprios do período da guerrilha. Esse
período não existe, claro, sem contradições e é justamente nos membros do PSP que se
encontram os problemas. Havia no PSP uma tradição marxista anterior à revolução, isso
significava que seu quadro político era longevo e muitos marxistas históricos faziam parte de
sua composição, com isso era esperado, visto que Fidel ainda não havia assumido o caráter
socialista da revolução, é de se supor que muitos dos marxistas do PSP viam-se como
verdadeiros representantes do socialismo cubano, com isso o sectarismo começou a tornar-se
evidente. Segundo Harnecker,
“o marxista deve ser o melhor, mais capaz, o mais completo dos seres humanos,
mas, sempre, acima de todas as coisas, um ser humano; um militante de um Partido
que vive e vibra em contato com as massas; um orientador que materializa em
diretivas concretas os desejos às vezes obscuros das massas; um trabalhador
incansável que entrega tudo ao seu povo.”32
29
HARNECKER, Martha. Cuba: democracia ou ditadura? São Paulo: Global Editora, s/d. p. 13-15.
30
HARNECKER, Martha. Cuba: democracia ou ditadura? São Paulo: Global Editora, s/d. p. 17
31
Ibid., p.17
32
Ibid., p.18
30
ligação com as massas e do centralismo democrático, bem como avançar ainda mais rumo ao
socialismo, aprofundar e combater os idealismos e sectarismos do antigo PSP. A fundação do
PCC marca um avanço histórico rumo ao socialismo e rumo à nova sociedade que se criava
em Cuba, superando desvios do passado, mas isso não quer dizer que ao longo do processo,
não tenham surgido contradições bem como erros e acertos.
O PC Cubano foi essencial ao unir forças de forma centralizada aos moldes marxista-
leninistas, modelo seguido pelos revolucionários, no qual o centralismo democrático de fato
se propunha através de um partido de vanguarda que direcionava a revolução, o Partido
Comunista Cubano, tornava-se assim, o partido oficial da Revolução Cubana.
Apesar de nosso recorte histórico não nos levar a uma compreensão mais longeva do
processo revolucionário em Cuba senão no pequeno espaço que compreende a afirmação do
caráter socialista do então processo em marcha na ilha, algumas perguntas sempre foram
pertinentes não só em torno da ilha, mas naqueles que demonstram o mínimo interesse no
passado histórico do socialismo cubano, tanto aqueles que manifestam apoio quanto aqueles
que se opõe raivosamente: por que o socialismo cubano não cai?
Essa pergunta requer, acima de tudo, uma resposta que não pode ser explicada
tampouco resumida, mas ao menos iremos destrinchar um dos fatores que fora base inicial da
que leva à sustentação da Revolução Cubana, ao menos no seu ciclo inicial: a participação das
massas.
31
que veio realmente existir apenas na década de 1970, mas de um arranjo orgânico que foi
fundamental na afirmação do socialismo em Cuba.
Recorrendo à obra de José Antonio Gell Noa (2007), “Cronologia para la História de
los CDR”, que ressaltemos, foi um dos fundadores do comitê bem como é militante do PCC,
ou seja, torna a fonte “oficial” do governo cubano, podemos compreender alguns aspectos
importantes da necessidade do surgimento dos CDR na sustentação da Revolução. Segundo
Noa, o discurso de Fidel definia três questões importantes:
Isso pode criar uma questão de via dupla. Primeiro, representa, é claro, a inserção das
massas ativamente nas atividades políticas e de sustentáculo do novo governo através de um
organismo vivo e participativo do aprofundamento do socialismo cubano, entretanto, em
segundo lugar, isso corresponde a possíveis supressões de manifestações contrárias à
revolução, tidas como objeções contrarrevolucionárias. É importante ressaltar, porém que
diante de um contexto de profunda instabilidade em uma sociedade ‘embrionária” onde
objetiva-se a destruição das antigas estruturas coloniais, a diferença se dá na alteração da
dinâmica da repressão, antes ela era organizada burocraticamente visando impor o
pensamento burguês às massas. Na nova dinâmica, na democracia socialista ou ditadura
proletária, objetivava-se a vanguarda proletária, onde a violência exercida se estabelecesse
contra às antigas elites que mantinham as estruturas arcaicas e a dependência ao capitalismo
estadunidense.
34
NOA, José Neto Antonio. Cronologia para la historia de los Comites de Defensa de la Revolucion: Tomo I
(1959-1961). La Habana: Editora Política, 2007. pg.
33
através da organização dos cederistas, que contavam com cerca de 8.000 membros.35 Por volta
de 1500 contrarrevolucionários foram derrotados em menos de 72 horas, a ação dos membros
da organização civil foi fundamental no sentido de impedir que os planos de irradiação de
ações golpistas por toda ilha pudessem se alastrar além de auxiliar o exército revolucionário
antes, durante e depois da derrota dos conspiracionistas.
As estruturas dos comitês eram bem delineadas, segundo Harnecker, os CDR eram
representados por um presidente eleito pelo povo, também possuíam secretário de
organização, que estabelecia o funcionamento dos trabalhos a serem realizados. “A estrutura
organizativa corresponde à divisão territorial, política e administrativa do Estado e do Partido,
embora conte com dois níveis mais: a zona e o quarteirão”. 37 A nível nacional conta ainda
com um “Coordenador, um Organizador e um responsável de Prevenção social e de Serviços
de Relações Externas”38
35
SANTOS. Rhenan Pereira. A participação popular na transição socialista em Cuba através dos Comités de
Defensa de La Revolución (1960-1975). AEDOS, Porto Alegre, v. 12, n. 26, ago. 2020, p. 566.
36
SANTOS. Rhenan Pereira. A participação popular na transição socialista em Cuba através dos Comités de
Defensa de La Revolución (1960-1975). AEDOS, Porto Alegre, v. 12, n. 26, ago. 2020, p. 566.
37
HARNECKER, Martha. Cuba: democracia ou ditadura? São Paulo: Global Editora, s/d. p. 146.
38
Ibid. p. 146.
34
toda a ilha. Devido à escassez de produtos de primeira necessidade em determinados períodos,
sobretudo após a radicalização da revolução, quando os EUA começaram a aplicar os
embargos econômicos sobre a ilha, as ações da organização foram fundamentais no combate à
especulação e ao mercado negro de alimentos.
Erradicar en un solo año el terrible mal del analfabetismo era, por su magnitud,
profundidad e importancia incuestionable para el desarrollo futuro de la Revolución,
una tarea que solo podía hacerse realidad si en ella participaba en forma activa y
masiva todo el pueblo. Los CDR cumplieron con la responsabilidad que se les
encomendó de colaborar en esta campaña, aportando miles de alfabetizadores,
quienes enseñaron a leer y a escribir a más de un millón de compatriotas.39
Indo além os CDR foram fundamentais nas campanhas de saúde (vacinações, doações
de sangue), de caráter cultural, desportivo, socioeconômico e até mesmo jurídicos através da
instituição de juízes populares 40. Os CDR tornaram-se parte fundamental da revolução, apesar
de inicialmente não se constituírem parte burocrática do governo, aos poucos foram inserindo-
se e serviram como uma das bases de sustentação do PCC.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
39
NOA, José Neto Antonio. Cronologia para la historia de los Comites de Defensa de la Revolucion: Tomo I
(1959-1961). La Habana: Editora Política, 2007. pg. 66.
40
HARNECKER, Martha. Cuba: democracia ou ditadura? São Paulo: Global Editora, s/d. p. 148.
35
Acompanhado da ruptura da sociedade burguesa era necessário a criação da nova
sociedade, contudo as implicações da Revolução em Cuba foram complexas sob as massas,
gerando contradições. Cuba não era socialista em seu começo, aliada à ideologia e, sobretudo,
dada as relações com seu vizinho de quem era dependente economicamente não faltou
resiliência ao longo dos anos na ilha.
É comum afirmar-se, baseado sobretudo na tese arendtiana, que Cuba seria de tipo
totalitário-autoritário, pois é a norma quando se trata de sociedades socialistas, pois estas
carecem de democracia, bem como possuem uma estrutura política de partido único, ora, há
alguma sociedade capitalista que permita que sua configuração burguesa se torne de tipo
socialista? Não, a sociedade burguesa sempre defendeu, ainda que de forma subjetiva, sua
ideologia, através das mais diversas formas, cientifica, cultural, mas, sobretudo política.
36
Quando um político que evita o economicismo, propõe salutar problemas sociais básicos, os
mercados reagem de forma a boicotar suas proposições, isso não é agir de forma ideológica?
7. REFERÊNCIAS
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BEVINS, Vincent. O Metódo Jacarta: a cruzada anticomunista e o programa de assassinatos
em massa que moldou o nosso mundo. São Paulo: Autonomia Literária, 2022.
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Editora da UnB, 1997.
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_______________. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. 3ªed.
São Paulo: Editora Unesp, 2012.
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37
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FUKUYAMA, Francis. O fim da história e o último homem. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.
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__________________. Fidel: a estratégia política da vitória. São Paulo: Expressão Popular,
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__________________. Viva la Revolucion: a era das utopias na América Latina. São Paulo:
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39