Historias Que Curam - Elisabeth Lukas

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= —_ Historias que curam... } 4 o na Escrito por uma psicoterap lo ao puiblico em ge- eee rae ts Pd aria} E 5 Es & ea a oi = a fel ie =; a Serene eet eee Dae eee ere ete ato momento € ea eet enc sak eae | 5 nossa realidade multifacetada: solidao, abandono, citim Pet eee are Mera eco iecor ieee Ey Pete eter eet tee is meia-idade, impasses, indecisao, problemas profissionais. | ral Eo Perec ntact en nce surname 1 Fi Cee eee et enter Pa Peer Me mite meen rennin ite ean ile werent ear sozinhos, que em todas as coisas sempre ha um sentido e que Py = TO EC Bi omnia tome Tata Reel ead 4 Es 2. pte ene is a ee AP eee modificar, existe um fator fundamental que nos dé alento: so ‘ Pees it ELISABETH LUKAS ee Histérias que curam... Historias que curam... porque dao sentido a vida Tradugao, Carlos Almeida Pereira a coo-ese.e5te VERUS 7 es-ste0 sracne 30 Keey Nh Milena C. Booch de Castro Paiodlogs ‘CAP 06/89084 Teil orga Hellungaschichen WieLaptbrmie Menschen ile Revise Ike Cammy Aurea GT. Vtconcelas Rae Cato Olina Capa & Projte Gico Ane. Tareedn Sex Elstbth Lalas, Helanggechichen (© Verlag ender Freiburg im Breisgau 2. Auflage 2002 (© Vers Edo, 2005, Distios mundial de publican em igus posses, reservados com lute Ven Eo. “Tadot odie sera, [Nenhurs part cata pode ser eprdid transmis por qualquer fain eou quaiguer ie {sided octets, Hct cag. ‘uarguvada em qalgursinems ov banc de dads sem pemissoesctada Edo, ‘Venus Eorronn Ru Fei Manuel da Resse, 1325 13073221 -CampinadSP - Bas Fone (19) 4009-6868 vesw@verwsedtoracom br vweneveraeitorscmbr Este livro édedicado a0 meu “pai espiritual” ‘Viktor E. Frankl ‘Milena C, Boochi de Castro ‘Pricélogs, ‘ORP 0¢/83064 Sumario Hoje ¢ primeiro dia do resto de sua vida u A forga da sugestéo Ceticismo com a interpretagio de sonhos A meméria nao é um filme sss “Tu és, no fim... 0 que tu é"? De que 0 homem é capaz, apesar de tudo dificil caminho da integragio Esttesse ¢ tédio podem ser superados Nem s6 de pao vive o homem .... caminho para o encontro de si mesmo Finalmente pensar em voc8 mesmo? wren Um experimento sobre a “armadilha da ex Aumentando a “armadilha da autocritica” A chave para abrir a armaditha Onde houver vontade de sentido, haverd um caminho A vida comparada a um mosaico.. Os filhos néo valem o sacrificio Eles volraram a entender-se ....... O divércio foi adiado.. Néo ignorar nem supervalorizar os sentimentos . Duas familias diferentes. < 52 Familia: para cada membro uma fungo que tenha sentido!... 55 Na orquestra cada vox portante “Modela:” a atitude interior ‘Afastar-se de quem pergunta, aproximat-se de quem responde... Nao temer as frustragées didrias!. Suicidio: um no & questio do sentido Dois fatores para a prevengio eficaz do estresse Razio de viver e avaliagio da situagéo ‘Quando é que o homem “se encontra"? © que fazer com os complexos de inferioridade? Uma receita proveitosa, Aplicagio prética dessa receita.. Duas espécies de riqueza..... “patinho feio” mudou 2 plumagem .. Motivo de raiva ou de alegria? © humor consegue transpor abismos.. Auto-reflexio e falta de fandamento Um sonho servindo de remédio Cada detalhe no seu lugar. sentido oculto no que nao tem sentido Didlogo com um psicanalista Hierarquia de valores e tomada de d Ouvir a vor da transcendéncia .. Cicatrizes formam um tecido resistente Superando um trauma. ‘Vingangas inconscientes? Refletir, em vez de “lamentar”! 105 107 ‘A mie é sempre a culpada?..... Profissio: “anjo da guarda” J... Formas duvidosas de terapia de grupo... grupo de meditacéo logoterapéutico .. Nio livre “de”, e sim livre “para” Escolha e responsabilidade_ Uma autobiografia que foi reeserita Os soniferos que foram para o lixo Acconta da mulher agonizante... O eéw acima das ruinas Dizer sim com autenticidade .. Sinais que vém do alco? © doente da alma e o remédio para ele . Cuidado com remédios que envenenam ‘Uma sintese dos remédios benéfico A chave de ouro do espitito humano . O admiravel sentido da existéncia ....... co A A logoterapia: heranca de Viktor E, Frankl... 145 S6 mutagio e selegio? A evolugio na perspectiva da logoterapia 157 Notas .. 17I Hoje € 0 primeiro dia do resto de sua vida O telefone tocou, era uma mulher de Berlim que queria falar comigo. “Doutora’, disse-me ela, “estou sofrendo muito com minha superfcialidade, reprimo as coisas boas da vida e esto regredindo no relacionamento com as outras pessoas... Que posso fazer con- Eu nunca tinha ouvido falar dessa senhora, mas dentro de mim surgiu uma certa suspeita “Vocé teré lido algum livro de psicologia?” Prontamente ela confirmou minha suspeita, Era uma pessoa de cingiienta anos de dade, havia sido professora, cra casada, havia ctiado um filho e “agora estava um pouco como que fluruando no ar”. No trabalho, que jé deixara havia anos, ela néo tinha mais transiro; a educagao do filho jé ndo dependia mais dela, ele ja ti- nha vida independente; ¢ nesse interim o casamento havia perdi- do o encanto. Era uma crise de vida inteiramente normal, como & comum ocorrer, e que precisa ser superada pela busca de novos contetidos e de objetivos pessoais adequados, Mas essa senhora, buscando ajuda em livros de psicologia, encontrara a descricéo de inclinagées erréneas ¢ infantilidades que produziram nela um es- tado deangistia ede medo. Depois disso, quanto mais cla se auto- observava, tanto mais as coisas pareciam carresponder & sua pr6- " LL pria situagZo. Adquitia mais livros ¢ encontrava sempre mais de- formidades em si prépria, de modo que ficou completamente insegura e nfo sabia mais 0 que fazer; dai o seu grito de socorro dirigido a mim: “Que devo fazer?” Minha resposta sé podia ser esta: “Por enquanto esconda seus livros de psicologia no canto mais cescuro de sua casa e esqueca o que voce leu! Nao se preocupe com falta de contetido, regressdo e outras palavras amedrontadoras, € deine de ficar obseevando a si prépria! Muito mais importante do que isso é que vocé dé & sua vida uma forma construtiva, pois pre- cisa lembrar-se de que haje £0 primeiro dia do reso de sua vida. O que vai fazer desse ‘resto’, isso depende unicamente de vocé, se ird preenché-lo com tarefas que tenham sentido e até fazer dele talvez o perfodo mais belo e fecundo de sua vida. Olhe um pou- co 0 mundo exterior ao redor de si, observe o cfrculo de conheci- dos: em toda a parte existe gente que precisa de voct, se vocd es- tiver disposta ase abrir em um ato de amor ao préximo. No Am- bito da escola, no campo da misica, em toda a parte existem opor- cunidades de ado que indo faxé-la feliz, contanto que voct abra as olhos ¢ desvie 0 olliar do seu préprio eu!” ‘Ao que tudo indica a mulher seguiu meu conselho, pois mais tarde me ligou mais uma ver~ $6 para agradecer-me. A forca da sugestao Certa espécie de literatura psicolégica excrce um forte poder de sugestio, porque trata de fendmenos que todos conhecem bem por experiéncia prépria: desejos e anseios secretos, sonhos e ilu- s6es, fraquezas e necessidades da alma, decepgdes, Sdios, aivas ¢ meds. Muito mais fortes, no entanto, sao as sugestées transmi- tidas de pessoa para pessoa, ou de terapeuta para paciente. O que segue, um episédio bastante elucidativo, me foi relatado por uma mie, R Quando seu filho ainda era pequeno, ela reve que ir ao médi- coe levou o pequeno consigo, porque nio podia deixé-lo sozinho em casa. Depois de atender a mae, 0 médico tomou a liberdade de fazer uma brincadeira com 0 menino: segurou um dedinho do pequeno, envolveu-o com esparadrapo e declarou, com fisionomia séria, que agora o pequeno também éstava doente como a mae e por isso também precisava de tratamento médico, Quando vol- tou para casa com o filho, a mée quis tirar-lhe o curativo do dedo, mas o pequeno no deixou, dizendo com toda a convicgéo que cstava mesmo doente e quetia ser levado para a cama. Sem saber ‘o que fazer, a mae o deitou, achando que, de qualquer modo, ele logo iri ficar aborrecido com a brincadeira. Mas, quando veio vé- Jo um pouco mais tarde, o menino estava com mais de 38 graus de febre, eela teve mesmo que chamar 0 pediatta, que, nao con- seguindo fazer nenhum diagnéstico especifico, receitou suposi- trios para baixar a febre. No dia seguinte tudo havia volrado no- vamente ao normal. Esse exemplo mostra com clareza a forga da sugestiio, que nao atua somente nas criangas. Conheci muitos adultos que, como esse menino, tendo se fixado em determinados sintomas, acabaram, algum tempo depois, contraindo uma doenga verdadeira. Quem, por assim dizer, colocou neles o curative no dedo foi, nao raro, infelizmente, um psicédlogo ou psiquiatra, Dentto desse contex- to Viktor E. Frankl cunhou o conceito de neuroses iatrogénicas com isso ele referia-se 4s perturbacées psiquicas decorrentes uni- camente da intervencio de um profissional. Maso provérbio que diz: “Onde existe luz forte, af existe muita sombra”, diz-nos também que “onde hé muita sombra, af deve haver uma luz muito forte”. Nas méos certas e no momento cer- to, sugestéo é um remédio que pode ser aplicado na terapia com timos resultados. E a literatura psicolégica profissional, seme- Ihantemente, tem a imensa chance “biblioterdpica” de imunizar positivamente os leitores contra as correntes niilstas e que levam A resignagio. B ‘A psicologia e a psicoterapia sao ciéncias que revelam nao ape- nas os tracos caracterlsticos, mas também os modelos de nossa so- ciedade. Por conseguinte, elas nio existem unicamente para apon- tar sintomas, mas tém a missio de oferecer terapia ¢ cura. Para isso nfo basta simplesmente que retratem as atuais crises e frustragées dde massa, mas é preciso que apresentem solugées vidveis para os problemas. Seja como for, numa psicologia responsivel e conscien- te, as mensagens de que é possivel encontrar um sentido para a vida humana tém que predominar sobre os desvios emocionais. Ceticismo com a interpretacao de sonhos Quando se levantam pela manh4, normalmente as pessoas esque- cem os sonhos que tiveram durante a noite. Os sonhos possuem a importante fungéo biolégica de aliviar as tenses. Experimentos ‘em que se impediu artificialmente que as pessoas sonhassem, com- provaram que tal medida ocasionou mais prejuizos do que van- tagens iquelas que aeles se submeteram, pois no dia seguinte sen- tiam-se como que “mofdas”, supliciadas. Uma “deficiéncia de so- hos” semelhante € provocada pelos soniferos, o que consticui um argumento a mais contra eles. Sonhar, pois, ébom e importante ~e esquecer os sonhos & igualmente bom e importante, Se no fosse assim, a natureza teria providenciado uma coisa diferente. Na psicoterapia, freqiientemente, os pacientes sio estimula- dos a anotar os seus sonhos ea estudi-los com o terapeuta em bus- cade contetidos interpretativos. Pode-se comprovar que isso nao apenas provoca perturbacées do sono, mas também sonhos mais freqitentes e angustiados. Determinadas linhas psicoldgicas exi- ‘gem, para fins de diagnéstico, um treinamento correto dos sonhos € vio buscar no paciente os sonhos mais loucos e confusos. Contaram-me, por exemplo, que um jovem, depois de uma sétic de sessies de psicanilise, teria sonhado com algumas lami- nas de barbear que se encontravam ao lado de uma bolsa de ta- “4 bbaco. Depois de relatar 0 sonho, seu terapeuta itrompeu em gri- 108 de jébilo, porque do jovem, da qual ele jé vinha suspeitando, finalmente se mani: festara com clateza. A bolsa de tabaco, obviamente, seria simbo- lo da masculinidade, e as Kiminas de barbear expressavam seu me- do reprimido da auromutilagio masoquista. De nada serviram to- dos os protestos do jovem, de que jamais na vida ele teria pensa- do em coisa alguma semelhante; seu complexo de castracao foi cuidadosamente anotado. Irritado com isso, 0 jovem comegou de repentea apresentar em sua vida amorosa sérias dficuldades, coisa que antes jamais Ihe acontecera. Em tals interpretages psicol6gicas surge, fundamentalmen- te, a questio de saber se clas efetivamente atingem 0 objetivo. Af- flios de tabaco sio obje- como explicou~o complexo de eastrasio nal de contas, laminas de barbear e utensf tos de uso casciro, com os quais se pode casulmente sonhar como com qualquer outra coisa corriqueira do dia-a-dia. Antes de tudo, porém, deseja-se saber uma coisa totalmente diferente, ito é, que ‘vantagem essas interpretagées podem trazer: 0 que o jovem pacicn- ‘te ganhou ao “saber” que tinha um complexo de castragao? Ao ou- vvir sua narrativa, no consegui identificar nenhuma vantagem, nem também nenhum progresso que pudesse resultar em vantagem, As discutiveis tendéncias de desmascaramento ainda estéo lon- gede ter sido superadas na psicologia. Uma vex fui procurada por tum colega que estava em busca de um cargo de colaborador. Pedi- the que me contasse alguma ocorréncia da atividade que ele ha- via exercido, Ele respondeu que, no servico psiquidcrico, havia co- nhecido um homem que estava com uma doenga muito grave. © homem Ihe teria confiado um sonho ruim em quea morte apa- recia na janela de seu quarto de enfermo e tentava tiré-lo dali para carregé-lo consigo. Eu estava muito curiosa para saber como meu colega havia reagido. Mas 0 que foi que ouvi? © colega tentara convencero homem gravemente enfermo a fazer uma “curta” te- rapia psicanalitica de dois anos, a fim de se descobrir de onde vinha 0 forte impulso de morte que (pretensamentel) se apoderava dele. 15 —————<< ———~SC~” A meméria nao é um filme io é apenas com relacéo aos sonhos que existem tendéncias de desmascaramento discutiveis. Também no tocante As recordagdes dda primeira infancia, as estratégias psicol6gicas de desmascaramen- to nio tm limites. E isso apesar de milhares de depoimentos po- liciais constatarem que, depois de um acidente ou de um crime, as declaragées das testemunhas divergem umas das outras, ou até se contradizem, mesmo tratando-se de testemunhas honestas e de uma ocorréncia recente. As recordagées da infincia so mais im- precisas e subjetivas e, portanto, precisam set interpretadas com © miximo de euidado. Hi anos, em um abrigo de criangas onde eu dava assisténcia psicolégica, entrei em contato com quatco irmaos, ainda crian- gas, todos eles com problemas na escola e menos dotados inte- Jectualmente. Eu deveria testd-los e recomendar o melhor méto- do escolar para cada um. As ctiangas, com idades entre sete ¢ qua- torze anos, haviam morado até trés anos antes com os pais € en- to, de um dia para o outro, tinham sido trazidas para o abrigo, porque os pais haviam se separado e nenhum dos dois podia en- carregar-se de cuidar delas. Enquanto eu fazia as pesquisas para o teste, falci com as crian- ‘2s separadamente, fazendo com que cada uma contasse como era asituagao no abrigo ou as raras visitas em casa. Fiquei muito sur- presa quando ouvi de cada crianga uma deserigao inteiramente di- ferente de seus pais e também uma razio diferente para 0 com- portamento deles! Enquanco uma das meninas achava 0 pai ex- tremamente severo ~ o que, do ponto de vista psicolégico, sem- pre me parece discutfvel -, sua irmi, um ano mais nova, achava que o pai geralmente era amavel e gostava de brincar. E, enquan- to 0 irmao mais velho classificava o pai como uma pessoa muito ‘ocupada, que quase nao tinha tempo para brincadeiras, © mais novo achava que ninguém mais além do pai lhe havia dado brin- quedos de presente e ensinado a brincar, Cada crianga tinha uma 16 recordagao diferente da casa dos pais, e mesmo que se tenha de le- var em conta a possibilidade de os pais terem se comportado de maneira um tanto diferente para com as ctianas, néo é provavel que na familia eles tenham demonstrado comportamentos tio opostos. Quando imagino essas quatro criangas, jé adultas, dei- tadas no diva de um psicanalistae falando de suas recordagoes de inflincia, o que espero que elas nunca venham a precisar, sinto que indo posso deixar de prever graves erros na interpretagio da situa- (gio original. ‘A meméria das pessoas néo é nenhum filme fotogrifico que guarde tudo em suas verdadeiras proporebes, mas, sim, uma sé- tie de flashes isolados sobre um fundo escuro e nebuloso de es- quecirento, Dependendo dos flashes que alguém colecionou e da diregio para.a qual preferiu voltar-se, o conjunto poder resultar em uma seqiiéncia de impresses miscuradas ¢ coloridas, com esta ‘ou com aquela énfase. Devemos, pois, ter reserva com relacéo as interpretacées psicolégicas de sonhos noturnos e &s recordagées da primeira infincia — ninguém sabe com preciso 0 que realmente “se encontra por trés”, nem se isso é relevante para o presente, “Tu és, no fim... o que tu és”? ‘Quando Goethe fez Mefistdfeles dizer a Fausto estas palavrast “Ta &, no fim... 0 quetu és. Acumula sobre a tua cabesa as cabeleiras mais espessas, calga coturnos com dois metros de altura, e conti- anuards a sero que és", ele nao imaginava que, dessa forma, estava colocando na boca de seu “espirito que tudo nega” uma opiniao que ainda estaria muito difundida as vésperas do terceizo milé- nio. Difundida e errada, visto que é na psicologia que experimen- tamos, muitas vezes, o contritio do que diz a palavra de Mefis- t6feles. Pos, justamente no fim, percebemos que o homem jé nfo € mais 0 mesmo que era antes, transformou-se em outro. Com freqiiéncia podemos observar que é possivel uma transformagio eS interior, um amadurecimento ¢ um crescimento espiritual, mes- mo a partir da fraqueza, da doenca ¢ da necessidade, e que isso pode ser um processo até diretamente exigido, Quando um filho, por exemplo, nio fai de inicio desejado, nao se pode tirar daf conclusoes para as futuras relagoes entre mae e filho. Anos apés a gravidea, a mae nao precisa mais ser a mesma que foi durante a gravider. Seu amor ao filho pode ter florescido, sua antiga rejeicéo ter sido hé muito superada, “No fim” cla pode terse sentido feliz com o filho. Também Fausto, apesar de todos 0s prognésticos de Mefist6feles, cresceu com suas diividas e cul- pas, ¢talvez tenha sido precisamente isso que, em stra iluminada velhice, o velho Goethe quis proclamar3 humanidade. © homem nfo precisa ficar igual a si mesmo, nem como ctiminoso, nem ‘como enfermo, nem como velho ~ ele tem sempre a capacidade de mudat. Sob esse agradivel ponto de vista, muita desculpa psicoldgica popular deixa de ter consisténcia: ¢ Um homem tem raiva de seus superiores. E ébvio que ele vai descarregar a raiva sobre a mulher 0s filhos!... Obvio? © Uma mulher, jé quando menina, era muito acanhada na es- cola. Obvio que na vida profissional ela nao conseguird se im- por!.. Obvio? © Uma mulher era prosticutae, um dia, casa-se com um homem honesto. Obvio que ela néo pode ser ficl a ele... Obvio? © Um jovem teve uma educagao autoritdria. Obvio que agora cle préprio grita com seus subordinados por causa de qualquer tolice!.. Obvio? Tudo iso néo parece ébvio? “Taés,no fim, o que tu és, nfo podes sai de tua propria pele: que desculpa cémoda, que perspectiva sem esperanca! Trata-se aqui néo tanto de interpretagées psicoldgicas errbneas, mas, sim, de desculpas psicolégicas levianamente wilizadas-— por leigos, mas 8 _ no somente por leigos, A afirmagio mefistofélica (no jargéo pro- fissional: determinista) de que o campo de reagio do homem é quase zero porque seu passado marcou inteiramente sua vida e seu comportamento, infelizmente ainda costuma ser apresenta- da por cettos “conhecedores de almas”. Eles desejam aliviar seus pacientes de inc8modos sentimentos de culpa e néo percebem 0 que Viktor B, Franke expressou com esta bela frase: “Quando se tira do homem a sua culpa, tira-se dele também sua dignidade”. Pois adignidade do homem consiste, principalmente, naque- le pequeno espago livre que lhe é garantido em todo o momento consciente, gracas & sua condigéo humana que néo lhe pode ser retirada. De que o homem é capaz, apesar de tudo ‘Tenho observado pessoas a quem o destino impés uma carga imen- sa e vi-as andarem de cabesa erguida, E tenho observado outras pessoas que néo tinham peso algum sobre os ombros, € que, no obstante, andavam rastejando ¢ encurvadas, simbolicamente fa- lando. Na psiquiatria existem doencas graves que se subtraem & vontade da pessoa. Apesar disso ainda resta a tais pessoas a “mi- ni-opgao” de assumirem uma atitude positiva ou negativa em re- Iago 4 doenga, e jé essa pequena brecha no muro psicético por vvezes & suficiente para provocar uma melhora &doenga. Conheci uma mulher que softia de uma depressio (endégena) de gravidade média, mas que admitiu sua doenga e estava interior- mente disposta a aceitar com paciéncia as fases depressivas que re- tornavam periodicamente. Numa plaquinha cla escreveu o seguinte slogan que, durante 08 ataques de choro ¢ tristeza, colocava em sua mesinha de cabeceira: “Agora eu s6 posso melhorar!”. Qualquer pessoa que a visitasse nfo podia deixar de achar graca do slagan, © assim, como ela explicon, se ela mesma nfo conseguia sorrir, pelo ‘menos podia ver, de vez em quando, um rosto sorridente, 19 ee —<“=—SO. _ ee Que atitude grandiosa a que se manifesta aqui, nao obstante Por exemplo, cm um de meus grupos de terapia havia uma se- todas as forgas do destino! Estou cerca de que sé por meio de sua ; nhora que sofria de uma doenga incuravel. Nas entrevistas de gru- atitude corajosa & que essa mulher conseguia levar uma vida in- teiramente normal e alegre nos intervalos em que gozava de sati- ; de, 0 que s6 poucos doentes depressivos (endgens)t&m conse- rem o que existia de positivo ou de valloso no mundo que os ro- guido. Podemos constatar, por esse exemplo, que muitas vezes néo deava, Um dia chamei de lado essa senhora e manifestei-the meus é possivel vencer uma doenga ou lirar-se de uma deficiéncia pela aggadecimentos pot sua ajuda que eu quase podera chamar de “co- forga de vontade, mas que sempre é possivel melhorar a propria atitude para com a doenca ou para com a deficiéncia. Certa ocasiéo Viktor E. Frankl escreveu-me em uma carta pessoal: po ela me ajudava em minhas tentativas de transmitir estimulo freqiientemente ela conseguia evar participantes deprimidos a ve- terapéutica”, e entio ela me disse: “Sabe, desde que convivo com minhas doencas e sei das pro- vaveis conseqiiéncias que enfrentarei, levo uma vida incompara- velmente mais intensa do que antes. E como se tivesse nascido de novo, Vejo, ao redor de mim, as coisas bonitas que antes néo Quando uma situagio de impasse, para a qual nfo hi safda, no | via. Escuto as palavras das pessoas que convivem comigo, experi- pode ser superada exteriormente, no resta outro recurso senio ‘mento uma alegria em cada dia que passa. Agradego a Deus por tudo a fuga para cima, o trabalhar em si préprio, o crescer interior ‘0 que ainda consigo fazer. Quando sadia, eu levava os dias como se mente com a prépria situagao de desespero da qual alguém se fosse cega e surda, Agora cada hora é preciosa para mim, ¢ por isso ‘tomou vitima sem poder se defender. Nesses casos costume lem- me déi quando observo outras pessoas desperdicando suas vidas brar que as érvores que estéo muito juntas na floresta nio téim ‘com tabugice e mau humor. Desejo ajudar essas pessoas, antes que outra saida a ndo ser crescer para o alto! seja tarde, a refletirem sobre o imenso dom que é estar vivo”. Néo pude sendo admirar o herofsmo dessa mulher. Nada mais Bem, como amante da natureza posto confirmar que nas gran- hhavia a comentar, qualquer palavra que eu dissesse seria supér- des florestas de minha patria, a Austria, 08 abetos mais lindos ¢ altos podem ser encontrados Id onde eles estao de tal forma aper- tados uns contra os outros que nenhum raio de luz. consegue pe- netrar até as profundezas do solo ¢ nenhum caminhante conse- ‘gue mais passar por entre eles. Exatamente da mesma maneira posso confirmar, como psicdloga, que, dentre as pessoas que tive ! O diffcil caminho da integragao ‘oportunidade de conhecer, as que mais me impressionaram e dian- te das quais me inclino com respeito, se encontram nas fileiras flua, ea dnica coisa que fiz foi apertar-lhe silenciosamente a mo. Essa mulher mostrou de que o ser humano é capaz, mesmo numa situagio que nao pode ser modificada. Por vezes, uma experiencia antiga representa um poderoso moti- dos softedores, ¢ principalmente entie aqueles que foram atingidos vo para se atribuir valor As atuais circunstancias favordveis da vida por golpes tio amargos do destino que se ¢ propenso a admitir para alograr-se, em lugar de se continuar carregando o softimento que teriam necessariamente que perder a esperanga. Mas dava-se ¢ crlando novos problemas. Isso se aplica sobretudo aos refugia- exatamente contrario: nessa situacéo eles comegaram a crescer dos, imigrantes etc., ameacados de cair em situacao de isolamen- a superar-se, to social. Melhor seria que essas pessoas se conscientizassem das 20 a _ XX ———<— eC —“— nn coisas boas que posstem agora e que merecem ser acolhidas de bragos abertos — 0 contrério, portanto, da atitude anterior. Tra- balhadores estrangeiros provenientes de outras culturas, por exem- plo, muitas vezes deixaram sua terra por causa das condig6es eco- ndmicas desfavoriveis, rocando-as por uma modesta rend, se bem que ao prego de terem que adaptar-se. Mas até mesmo a indis- pensivel adaptaséo, por exemplo a aprendizagem da nova I{ngua, pode ser vista eacolhida sob uma huz positiva— como uma chance de aumentar os préprios conhecimentos e de conhecer uma regio da terra que, do contritio, hes teria permanecido inacessivel Com uma atitude assim, um trabalhador estrangeiro que dé valor & seguranca politica, ao emprego ou as boas escolas para os fillhos poderd circular em seu nove ambiente com um esplrito re- ceptivo ¢ logo deixar realmente de ser um estranho. Por ser gra- to, ele hd de sentir alegria; por ser aberto, encontrard amigos ~e cesses dois fatores 0 ajudario a conquistar a condigéo mais impor- tante para uma integracao social: a toleriincia. Com isso nao se estd querendo dizer que 0 pals que os recebe nao tenha também que dar sua contribuigdo para a solugao do problema — contribuicio que depende igualmente da aticude terior das pessoas que nele vivem. Se raciocinarem de mancira cegoista, essas pessoas irdo considerar seus “héspedes” como “cor- os estranhos”, Mas tém também a possbilidade de entendé-los ‘como uma injegao de sangue novo e de novas idéias contrapon- do-se ao priprio envelhecimento ¢& degeneracio da sociedade que permanece presa em remoer as tradigbes recebidas. Evitar 0 iso- Jamento dos “corpos estranhos” seria, entéo, um meio de preve- nir o préprio isolamento futuro no desenvolvimento etnolégico. © caminho que se fez do policeismo af no Deus tinico, que une em si tudo quanto continua inacessivel ao espfrito limitado do homem, foi um caminho longo e espinhoso. Ainda nao che- {gou ao scu eérmino em todos os lugares da terra. Nao menos longo e espinhoso é 0 caminho que parte do egoismo nacional A idéia de uma humanidade tinica, que também em lugar gum chegou 22 ao seu término. E possivel que a mistura dos povos, mesmo im- plicando para os individuos um sem-niimeto de inevitiveis aspe- rezas ¢ alienagées, represente uma condigio necesséria para que esse caminho se faca cada vez mais vidvel. A esse respeito escre- veu Viktor E. Frankl: “Se for preciso encontrar um sentido véli- do para todos, entio a humanidade, milhares de anos depois de ter produzido 0 monoteismo, a fé no Deus tinico, terd agora que dar mais um passo: 0 conscientizar-se de uma humanidade tini- cca. Mais do que nunca temos necessidade hoje de um ‘monan- tropismo”. ‘Uma palavra profétical Estresse e tédio podem ser superados Arthur Schopenhauer achava que a vida do homem est4 conti- nuamente oscilando entre dois extremos: a miséria ¢ 0 tédio. Na pritica da psicoterapia podemos perceber como isso & verdade, pois qualquer um desses dois extremos pode levar o homem ao desespero: a miséria, ou a falta do necessétio, pode levar as pes- soas a julgar que nio existem perspectivas, eo tédio pode levé-las a imaginar quc a cxisténcia nao tem sentido. Se dermos crédito as estatisticas, cerca de 20% da atual populagso da Buropa sofre de uma coisa ou de outra: da frustrago por estar constantemen- te preocupada com a prépria existéncia, ou da “frustracéo exis- tencial” definida por Frankl, isto €, o vazio interior ea saciedade pela falta das preocupages materiais. ‘Na realidade as alternativas se encontram ao nosso alcance. Os dois extremos também podem ser considerados como estimulos que mobilizam as foreas do nosso espirito, e nessa fungao eles nos ajudam a desenvolver o potencial humano, em lugar de deixar- nos paralisados. A miséria pode transformar-se em impulso para que acionemos as capacidades que possuimos, para que concen- tremos esforcos para superar a necessidade, O tédio pode ser um 23, impulso para enfim rompermos com as cadeias da passividade e para mais uma vez nos conscientizarmos de que “a vida é uma mis- 40”, e, portanto, o que se espera é que realizemos 0 que possui- mos de melhor. “A razio do agir no é permitir que escapemos a0 tédio”, escreveu Viktor E. Frankd, “mas, sim, 0 tédio existe para permitir-nos escapar ao écio e encontraro sentido de nossa vida”, Os dois extremos podem ser caracterizados pelas palavras es- tres € dcio. Pois peso ou sobrecarga de qualquer espécie produz estresse, a0 passo que as formas de alfvio ou de auséncia de carga merecem ser ctiticadas, porque em geral estao associadas a um excesso de dcio. Para isso existe uma regra simples da psico-higie- ne, que diz: “Para ser superado, o estresse necessita de um futu- 10, € 0 dcio necessita de um pasado”. Como? Reflitamos: trabalho, realizagées e todo ¢ qualquer processo ctiativo ou organizativo — quer seja manual, quet intelectual ~ ¢s- to sempre orientados para o futuro. Mesmo em uma empresa complexa, todo trabalhador ¢ impulsionado por deerminados de- sejos em relagio ao fucuro: assumir um cargo ou uma responsa- bilidade maior, ganhar reconhecimento, ou simplesmente obter © pio de cada dia. Na esfera privada as metas se apresentam de formas mais concretas, Quem constréi um armério embutido, ou quem escreve uma crbnica da familia, esté procurando criar para 6 futuro, ea idéia de mais tarde terminar o que se esté fizendo, confere sentido & atividade presente, Quando se estd dessa forma voltado para o futuro, nfo se sente tanto 0 peso do estresse, Pelo contritio, a pessoa considera irritante o fato de alguém de fora perturbar um trabalho voltado para o futuro, O pintor, por exem- plo, que esté fazendo um quadro, pode sentir muita raiva se tiver que largar os pincéis para realizar uma tarefa diferente qualquer. Ele estdinteriormente absorvido no que estéfazendo, a tarefa urge por set conclufda, e para ele o trabalho é uma alegria mesmo que © ocupe durante horas e horas ‘Com o tempo do écio, que obviamente néo pode de nenhur- ‘ma maneira estar orientado para o futuro, a situagio é totalmen- 24 ——<_——S—— te diferente, Pois 0 cio é aquela pausa entre periodos eriativos de trabalho, que serve de recreagao c de concentragao interior. Nao obstante, o tempo que se passa no écio precisa estar ligado a uma atividade anterior, que foi interrompida ou conclufda. O melhor repouso é aquele que se segue a uma fase bem-sucedida de craba- Iho intenso, A satisfacio com o trabalho realizado, bem como a, satisfacao consigo mesmo, enche de luz pausa que a pessoa con. cede a si prépria para recuperar as forcas. Aquele que apés 0 tra-) balho do dia recorna cansado para casa, irk desfrutar de um tran-y giilo repouso. O pintor que concluiu o seu quadro ir talvez es- tirar-se na poltrona, esgotado, ¢, no entanto, “emocionado”. O marceneito amador que acabou de construi ele préprio 0 armé- tio de seu quarto iré perambular pela casa com a consciéncia ¢ 0 corgulho de haver realizado o que se propés. ‘Ai, porém, do estresse que néo tem futuro e do écio que néo tem passado! Quando se tem que trabalhar sem objetivo, quan- doo trabalho consiste, por exemplo, em uma mera repetigio r0- tincira e quando (Freqiientes vezes como conseqiiéncia disso, mas também por causa do desemprego) a pausa nao traz em si nenhu- ma ressonancia e satisfacio com a atividade anterior... entéo 0 es- teesse passaa ser insuportvel, pois pessoa néo sabe por que teria de martitizar-se, e 0 tempo do écio passa a ser terrivelmente moné- tono, pois nfo se sabe de que & mesmo que se estd descansando. Tirados do seu contexto de sentido, os dois pélos deixam de ter © efeito dinamizador ou restaurador, e fica apenas a maior ou me- nor tensio ou distenséo que, a partir de um determinado volu- me, passa a ser patogénica, Nem sé de pao vive o homem Dissemos que fuz parte da satide psiquica um ritmo equilibrado de tensio e distensio, ou de estresse ¢ écio. Quando uma pessoa ndo encontra 2 minima realizagio em seu trabalho de cada dia eo exe- 25 ey ———— ccuta sem prazer, unicamente por causa do salério, & possf obtenha um pouco de alivio por meio de um “truque terapi (que, por vezes, se costuma explicar aos pacientes na fase valescenca). ‘(A parte ativa deve, na pritica, compensar falta de trabalho, bus, . couripeemmmmnesalzestociro sie ceembitirsobeeae Gee fant pproporcionar deseanso'e distensa0y Quando alguém consegue is- so, fica alegre com o que realizou na parte ativa ~“realizou”, no me- thor sentido da palavral ~e, entéo, na parte contemplativa que vem a seguit, fica também satisfeieo com o que realizou, de certa forma “se reabastecendo”. Assim éartficalmente reconstruida a trangii- fae natural alternincia entre trabalho cheio de sentido ¢ pausa de repouso por ele ilurninada, despertando um engajamento dentro do tempo livre nio-preenchido que, mesmo diminuindo a pausa, permite que ela seja vivida com mais satisfagéo do que antes. ‘Conheci uma paciente que sofria de uma grave depresséo psi- cogénica e que, em sua situacéo letérgica, aborrecia-se o dia in- teiro, até que por acaso surgiu nas proximidades de sua casa um campo de refugiados estrangciros. A mulher comegou a interes- sae-se pela construgio desse campo esobretudo por arranjar mate- rial para que os filhos dos refugiados pudessem jogar e brincar. Passau a percarrer 0 circulo inteiro de seus conhecidos, pedindo roupas usadas e brinquedos, ¢ noite permanecia muito tempo acordada para consertar as coisas, dando-lhes wma aparéncia mais agradavel. Seu intenso trabalho teve um resultado que nao havia sido planejado nem esperado por ela: de um sé golpe desapare- ceu a depresséo que por anos a fio havia resistido a todos os tra- tamentos, ea mulher também deixou de sentir-se entediada. Mal ncedia a si mesma alg lo, apesar disso, seu tempo livre de repente pa ‘Um exemplo parecido de ima funcionéria solteira que se encontrava em vias de acabar com a propria vida pot se conside- 26 rar intitle dispensavel. Seu trabalho cotidiano era monétono, e seu tempo livre transcorria “insosso” e sem graca. Ao longo de nos- sos didlogos de aconselhamento, ocorreu-lhe a idéia de oferecer cursos gratuitos de especializacao para jovens, sobretudo para os que estavam iniciando uma carrera profissional. Como empenha- va todo o esforco para tornar seus cursos vivos e variados, freqiien- temente recebia comentérios positivos, ea perseveranca e 0 entu- siasmo de seus alunos contagiavarn, Sua vida adquiriu um senti- do intciramente novo, suas noites e seus fins de semana passaram a ficat cheios, ¢ cla nem se lembrou mais de que queria morrer. “Nem s6 de pao vive o homem’” - essa frase, tio conhecida, ibém pode receber uma formulasio diferente: o homem néo mente para o pio! Ble necessita de uma esfera de acio éem que possa fazer aquilo que é inconfundivelmence seu e, assim, passe a ser insubstituivel, Se para isso é melhor tempo de “tra- Dalho” ou o tempo livre ou, melhor ainda, os dois, é algo que varia de pessoa para pessoge de pituaco para situagio/ Mas, quando ‘repouss. Com efeito, sé chegamos ao repouso profundo quando partimos da satisfacio com nés mesmos, ¢ esta, por sua vez, éa recompensa por nosso envolvimento construtivo € positive no lu= gar em que nos encontramos. De maneira especial, a experiéncia de haver ou no algum sentido no tempo livre de certa forma equi- vale & experiéncia de haver ou néo haver algum sentido no con- junto de nossa “caminhada terrestre”. Pois também a morte, a en- trada no mais profundo e definitivo repouso que existe, seré amar- «gue tivermos de olhar para uma vida intl ewazia, mas serd suave c boa se iluminada pela satisfagéo de ie © caminho para o encontro de si mesmo Qualquer pessoa que vez por outra faga um passcio ao parque € leve comida para os passarinhos, sabe daquele segredo que Viktot 27 E, Frankl redescobriu em sua logoterapia, isto é, que muitas coi- sas de valor nao podem ser obtidas diretamente, € preciso de al- guns rodeios, de algumas manobras para alcancé-las. Seja como for, quem gosta de péssaros sabe que nao se pode estender a mio a seus passarinhos preferidos, ou que todos eles seria afugenta- dos de uma ver se se quisesse agarré-los com améo, Mas, se a pes- soa tiver paciéncia e for capaz de esperar calmamente com a ra- fo na palma de sua mao, mais cedo ou mais tarde um pequeno herdi de penas hi de criar coragem para pousar em sua mo aberta ce surrupiar 0 que lhe é oferecido. Coisa scmelhante ocorre com o homem moderno no que se refere a seu tto desejado encontro de si mesmo: ele se esquiva a0 acesso direto. “Hi vinte anos que estou em busca de mim mesma ¢ nfo me encontro”, queixava-se para mim uma paciente que jétinha grande cxperiéncia cm grupos c encontros. ‘Minha tarefa era pensar num meio indireto de fazé-la sait de i mesma, num tipo de rodeio que Ihe fosse agradével “Olhe ao seu redor. O que vocé ve?” ‘A paciente ainda estava com os olhos fechados para 0 préxi- mo, para o ambiente ¢ para o mundo exterior. Mas o dilogo lo- goterdpico iria apurar seus sentidos e clarear seu olhar. Falamos de outras pessoas e de suas experiéncias. Falamos de mudangas objetivas que poderiam abrir perspectivas onde nao existiam sc- ‘nfo becos sem sada. Aos poucos a mulher conseguiu ir me acom- panhando. Constatou-se que muitas boas coisas do comego de sua vida haviarn sido negligenciadas ¢ esquecidas: seu antigo circulo deamizades, a miisica caseira que ela tanto apreciara, a desenfreada ctiatividade de seus anos de menina. “Como foi que tudo isso acontecen”, perguntava-me ela ‘Concordamos em reformular a pergunta: “Qual pode ser 0 sentido de tudo isso?” Ela adivinhou a resposta. O sentido podia ser encontrado na medida em que ela viesse,literalmente, a te- etic sobre si prépria. Para comecar, todos 0s dias ela deveria por em pritica trés tarefas do programa terapéutico: 28 1. um encontro amigdvel com outra pessoa — podia ser também um ‘encontro em pensamento, uma saudagio escrita, uma conversa telefbnica. Nesse encontro, a paciente teria que voltar-se cons- cientemente para a outra pessoa, refletir sobre a situagio des- sa pessoa c escolher para ela a palavra adequada; 2. uma apt itil n4o perdemos muito tempo imaginando 0 que significava agéo “ttl”, pois a paciente sabia perfeitamente de que se tratava: uma atividade que possulsse sentido e que le- vase a alguma coisa de positivo. Para isso seria necessério ter idéias e ambém esforgo, perseveranga ¢, conforme 0 cas0, at- to-superagios 3. uma pausa de siléncio que deveria ser preenchida com medita- 40, 0 melhor, com uma meditagéo objetiva ~ deveria scr algu- ‘ma coisa meditada esentida. Bem apropriadas para isso seriam as cores do crepiisculo vespertino, ou também a drvore retor- cida diante de sua janela, ou a flor do cacto natalino na vieri- ne, O importance seria a reflexio, que liga 0 sujeito a0 objeto. ‘As propostas revelaram-se dificeis, mas vidveis, e seguiu-se um petiodo de saudével aprendizagem. Quando a mulher chegava pa- rao aconselhamento, eu perguntava: “Que foi que vocé viu com seu ‘olho espiritual’?". Cada vez mais ela conseguia falar de ou- tras coisas. Antigas amizades voltaram a ressurgit, esqueciddos exer- cicios no acorde%o foram reativados, sua sensibilidade para com co mundo aumentou. Seus dias encheram-se cada ves mais, as horas passaram a ficar preenchidas. Daf a pouco ela néo tinha mais necessidade de nenhum programa, porque os contatos com as pes- soas, as atividades titeis eas pausas de reflexdo passaram a ser coisas naturais ¢ evidentes. Até serées musicais voltaram a realizar-se to- das as semanas. “Sinto-me to bem como hd muito tempo nao me sentia’, disse a mulher, “como se tivesse acordado de um pesadelo” Olhei-a pensativamente. Depois apresentei pela iltima ver.0 “ferro quente”: 29 “Em que pé se encontra agora sua procura por si mesma?” “Engragado”, disse-me sortindo, “quando deixci de me procu- rar, comecei a me encontrs Finalmente pensar em vocé mesmo? Procusei Deus Procure’ a mim mesmo e também nio me encontre. Procurei o meu prdximo e encontrei ~ todos os tes. (Cade) ‘As personalidades mais merecedoras de admiragéo sio aquelas que se dedicam a um ideal a ponto de esquecerem-se de si préprias. ‘As pessoas que alcancam maior éxito séo aquelas que no se preo- cupam de maneira alguma com 0 sucesso, mas que tém os olhos voltadlos para uma meta com sentido e a ela se dedicam. ‘Um dos meus pacientes recuperados esereveu-me uma carta de agradecimento com estas palavras reveladoras: “Desde que co- mecei a olhar com indiferenca 2s coisas que antes me pareciam importantes, 0 sucesso como que corre atrés de mim...”. As pes- s0as mais felizes s40 aquelas que nio desperdigam o minimo pen- samento com a esperanca de uma felicidade, mas que se entre gam inteiramente A alegria do momento. Quem vai atrds do su- cesso e da Felicidade, inevitavelmente corre atris do vazio ~ ou, como o expressou Frankl: a “vontade de poder” & um obsticulo no caminho, da mesma forma que a “vontade de prazes”. Mas aquele que procuraa “coisa em si”, que espera, que conquista, que suporta... esse alcanga, por acréscimo, o éxito e a felicidade. Soube do caso de uma enfermeita, jé de mais idade, que exer- cia devotadamente sua profissio e, além disso, sempre conseguia 30 fazer em favor dos enfermos alguma coisa a mais, néo prevista por ‘sua Fungo. Os intimeros plantées haviam deixado marcas em sua face, ¢ 0 constante vai-e-vem colaborara para que suas costas fi- ccassem encurvadas; mas, quando se tatava de perseveranga, ener- gia ebondade, cla superava as auxiliares mais jovens do seu setor. ‘Um dia, as enfermeiras da casa foram convocadas a participar de aulas semanais de supervisio. Deveriam manifestar 20 supervisor quais 0s conflitos néo-superados com que se defrontavam em set. trabalho de cada dia. Deviam também confessar umas as outras 5 sentimentos de inveja, antipatia ou citime que as acometiam. ‘Quando aquela enfermeira mais velha foi de opinio que essas au- las de supervisto eram supérfluas ¢ disse que seria melhor se esse tempo fosse dedicado aos enfermos, chamaram-na de neurética, € cla foi considerada como o exemplo tipico da pessoa que sofre de uma “sindrome de ajuda’, que é levada compulsivamente a imaginar que precisa ajudar outras pessoas. A enfermeira foi de- licadamente forgada a submeter-se um tratamento psicoterdpico. ‘Durante o tratamento, o curriculo da enfermeira foi meticulosa- mente analisado em busca de desenvolvimentos neuréticos, sen- do atribuida grande importincia ao fato de ela haver permanecido solteira e de viver em casa sem marido. Quando ela declarou que seu noivo havia morrido na guerra e que desejava prescrvar a me- méria dele permanecendo soltcia, foram diagnosticados comple- 0s sexuais que a teriam levado a buscar uma satisfagio substitu- tivano trabalho. A enfermeira nio quis aceitar isso. Ela diaia sim- plesmente que seu trabalho com as pessoas sempre Ihe havia tra- zido alegtia, mas essa resposta foi interpretada como mais uma prova de perturbagio psiquica. O ponto crucial da terapia foi quando ela terminou sendo duramente advertida para que dei- xasse de pensar unicamente nos outros e comegasse a pensar em si mesma. Teria que pesquisar suas necessidades mais intimas ¢ tefletir sobre seus sonhos mais secretos, a fim de descobrir qual a satisfagao que mais fortemente a impelia. Com tantas especula- ses sobre si prépria, a mulher ficou inteiramente confusa ¢, en- 3 to, passou a duvidar de todas as suas agbes € motivacées ante- riores. Afligiu-se, tornou-se reservada e fechada, deixou de sorrir paras doentes deseu setor e de infundir-lhes animo, Para ela tudo era suspeito de ser “expressio de complexos inconscientes”, ¢, quanto mais remoia sobre seus préprios motivos, tanto mais sua vida passava a lhe parecer triste desperdigada. Foi acometida de melancolia, interpretada como sendo uma “depressio neurética”, € nfo demorou muito para surgir a questéo de saber se ela ainda estava em condig6es de trabalhar na clinica ou se ndo seria me- hor que se aposentasse, pois entfo haveria de ter mais tempo pata si prépria do que sob uma permanente carga de trabalho. A en- fermeira nao desejava deixar de trabalhar antes do tempo, mas, em sua letargia e inseguranga, cedeu as pressées. No entanto uma pessoa que durante décadas havia sido ttl para outras, encontrati- do nisso sua realizacéo pessoal, ndo se recupera quando de repente | passa a ficar sozinha em casa refletindo sobre si mesma, sem ser til a ninguém e sem uma ocupagao que em si contenha sentido. ‘Apés um ano de uma vida retrafda e desprazerosa, a enfermeira aposentada faleceu, sem que fosse constatada nenhuma causa f- siolégica significativa. Serd que ela néo teria vivido mais se ndo tivesse se submetido a essas incompetentes sessdes de supervisio | e cerapia? Quem sabel ‘um com oito ctiangas. As criangas recebem instrugdes para rea- lizar uma tarefa no proprio lugar em que esto, enquanto os jor vvens ¢ capacitados professores ensinam leitura aos diversos gru- pinhos. (s observadores entram na sala, sentam-se ¢, nos vinte minu- tos seguintes, a intervals de dez segundos cada, romam nota do niimero de ctiangas que nio estéo em seus lugares, Essas obser- ‘vagbes sfo realizadas durante seis dias. Os observadores tomam nota também de quantas vezes os professores pedem ’s eriangas ‘que se sencem ou que voltem para seus lugares. [Nesses primeiros scis dias, a cada dez segundos trés criangas saem. de seus lugares. Durante os préximos vinte minutos os profes- sores Ihes dizem: “Sentem-se” cerca de sete veres. Em seguida acontece uma coisa que provoca admiragio. Pede-se aos profes- sores que digam mais vezes ds criangas: “Sentem-se”. Elas levan- tam-se mais yezes —em média 4,5 criangas a cada dez segundos. EE feita mais uma experincia, Nos oito dia seguintes os professo- res voltam # mandas que se sentem apenas sete vezes durante os | vinte minutos. O nmero de criangas que se levantam de seus l= gates volta uma média de tts criangas a cada der segundos. En- tio mais uma ver pede-se aos professores que digam is criangas mais vezes que se sentem (28 veres em vinte minutos). As erian- gas voltam a levantar-se mais veres: quatro a cada der segundos. Por ilkimo pede-se aos professores que debxer de dizer as crian- Um experimento sobre a {¢28 que se sentem mas que, em ver disso, elogiem o trabalho delas “armadilha da critica” 0 fato de ficarem sentadas, acomodadas. Os professores fazem cexatamente isso ¢, entéo, menos de duss criancas levantam-se a Quanta coisa depende da escolha daquilo a que se presta mais cada dez segundos ~ 0 ntimero mais baixo que foi possivel ob- atengdo! £ o que seré demonstrado com base em um pequeno ex- servat. perimento da psicologia comportamental?, Esse experimento comprovou.a assim chamada “armadilha da Séo 9:20 horas, Numa classe de principiantes se encontram 48 critica”, isto 6, 0 fato de que uma critica quase sempre tem como alunos, dois professores, duas salas com uma parede diviséria resultado exatamente aquilo que esté sendo criticado. Ao ser re removivel. As carteiras estéo organizadas em seis grupos, cada \ forcado, o comportamento indesejado passa a set praticado mais 32 33 intensamente. Desse circulo vicioso nao se consegue cscapat a nao. ser que a critica seja reduzida apesar da freqiigncia da percurba- ao ¢ se volte a atengao para o comportamento positive ~ 0 que na realidade da vida, fora do experimento, néo € ficil de ser feito. Uma dificuldade adicional ¢ que muitas vezes a crftica apresenta resultados de curto prazo que provocam uma ilusio que se sobre- 1p6e ao mecanismo da armadilha. Assim no dia-a-dia o “sentem- s¢" dos professores provoca um sentar-se momentineo das crian- ‘gas, embora levando-as mais tarde a se levantarem com mais fre- liéncia, ¢ esse efeito momentiineo pode eriar a iluséo de que a critica foi correta e adequada. Mas 0 efeito final & 0 oposto, por- que forga os professores a darem atengio ao negativo e no ao po- sitivo e porque, quando a atengéo esté voltada para um determi- nado comportamento, este passa por um reforco. Vejamos como co ncgativo pode ser reforsado quando passa a ser o centro da aten- gio: ‘Em um experimento transformamos por algumas semanas urna classe “by m una clase “ruim’. Os professores foram instru dos a nao elogiarem mais as criancas. Quando o professor dei- xou de elogiaras criangas, 0 comportamento indesejado subiu de 8,7% para 25,5%. © professor censurou 0 comportamento indesejado e deixow declogiar o comportamento das ciangas que estavam trabalhando, ‘Quando pedimos ao professor que, em vez de censuraras crian- «8 cinco vezes em vinte minutos, ele as censurasse 16 vezes em vinte minutos, 0 comportamento indessjado aumentou mais ainda, Subiu para uma média de 31,296, em certos dias chegando acima de 50%, Com a atengio dada ao comportamento inde- scjado, este aumentou mais ainda. Quando as ciangas voltaram 2 ser elogiadas, voltou a aumentar a disposigio para o trabalho. Acexperiéncia demonstra que é posstvel, dentro de poucas se- ‘manas, fazer com que se clevem os comportamentos indesejados 34 ——————— ee das criangas de 8,7% até um angustiante nivel de mais de 50%, isso simplesmente pela atengio que é dada a tal comportamento! Aumentando a “armadilha da autocritica” Ocupemo-nos agora com uma “armadilha da critica” ampliada, que nio raro captura adultos psiquicamente perturbados. Ela foi estudada por Viktor E. Frankl e consiste na combinagio de trés fatores: egocentrismo, negatividade ¢ hiper-reflexio. O que sig- nificam essas palavras? Egocensrismo no & a mesma coisa que egolsmo, embora exis- tam certos paralelos entre um e outro. O egocentrismo nao signi- fica necessariamente a procura de alguma vantagem pessoal, mes- mo as custas de outros. Significa simplesmente uma atengo exces- siva ao proprio eu, frente ao qual as coisas que o rodeiam se desfa- ‘zem em sombras; significa ocupar-se em excesso consigo mesmo. Negatividade também nao & a mesma coisa que pessimismo, embora algumas semelhangas possam ser identificadas. Mas, en- quanto aatitude pessimista envolve o futuro nas cores mais som- brias, a negatividade esmaece as cores de todas as imagens ¢ de to- dos os momentos. A atencio se volta para o negativo, para o “ca- belo na op’, criando com isso uma visio do mundo em que o mal, a ruindade e a tristeza adquirem proporgées acima do normal. Hiper-reflesto pode set definida como um insano e quase com- pulsivo voltejar dos pensamentos em torno de uma mesma coi- sa, 0 “agarrar-se” a alguma coisa que aprisiona a vitima e de que elanndo consegue mais desvencilhar-se. Na pratica é supervalorizar uum fato isolado da vida, algando-o ao primeiro plano do pensa- mento e deixando os demais em segundo plano. que constitui 0 denominador comum dos trés fendmenos 6 claro, Fles limitam a percepeio espiritual da pessoa, cada um & sua maneira, centralizando-a em torno de si mesma, no negativo que existe ao seu redor e em um detalhe que artebata toda a aten- 35 ‘¢40. Combinando os tts, chega-se a uma notbria insatisfagio com um determinado fato desagraclével da prépria vida, em toro do qual todos os pensamentos ¢ toda a preocupaséo passam a giras, como a agulha de uma antiga vitrola que fica presa no sulco do disco, repetindo indefinidamente uns poucos sons. ‘Certa ver tive um paciente cujo principal problema consistia na mé distribuicao de seu tempo. Em lugar de resolver o proble- ma do momento de forma espontanea, guiado pela inteligéncia ou pela satisfagio pessoal, primeiro ele refletia longamente sobre © que itia fazer, ou sobre o que deveria ter sido feito havia muito tempo. Isso chegou a tal ponto que cle dificilmente conseguia se decidir a fazer fosse 0 que fossc. Passava a maior parte do tempo refletindo inutilmente e, quando mais tarde verificava que no havia levado coisa alguma adiante, caia em violentas auto-acusa- (g6es, que mais uma vez. consumiam seu tempo e suas forcas, des- viando-o de uma atividade com sentido, Entre uma crise e outta ele tinha momentos de lucidez, em que resolvia enfim concen- trar-se e por ordem no caos de suas ocupag6es, mas esses momen- tos nio rendiam mais do que magros resultados, semelhantes &s ctiangas da experiéncia mencionada (veja p. 32-5) apés a adver- téncia do professor para que se scntassem. A longo prazo ele con- tinuava sempre a reagit com indecisio e passividade, porque sua eterna autocritica o classificava como incapaz de dividir o tem- po, levando-o a considerar-se de antemao como uma pessoa “que no tem jeito”. A critica a si mesmo enfraqueceu sua resisténcia. Mas na vida desse homem, além de seu problema, havia tam- béim setores sos e intactos que lhe poderiam trazer esperanga, Por exemplo, ele gostava de sua profisséo em que sua instabilidade nao constitufa nenhum obstéculo, porque the era prescrito um ritmo exato de trabalho. Ele possuia também uma mulher que Ihe dava grande apoio. Seu problema comegou a tomar-se perigoso quan- do, um dia, casualmente lhe foi retirado © apoio dos dois setores intactos de sua vida. Ele se encontrava de férias em uma casa de repouso, ¢ sua mulher tivera que ausentar-se para uma festa da fa- 36 eee ee milia, Conseqtientemente, nfo tendo nada de especial para fazer, ppermancceu sozinho com sua incapacidade de organizar 0 tempo livre. Ap6s alguns dias, jé nfo se levantava mais pela manhie dei- xou de interessa-se pelo sol convidative que brilhava do lado de fora e pels boas oporcunidades de watamento que o local oferecia, jé no conseguindo pensar em outta coisa que no fosse sua inde- cisio para tomar inicativa, Seu desespero aumento de tal forma que 0 médico da casa de repouso 0 entregou aos meus cuidados. A chave para abrir a armadilha ‘A logoterapia de Viktor E. Frankl dispée de uma chave especial, a derreflesio, que & capaz de abrir a “armadilha® a que nos referimos. Para apresentar 0 mecanismo da derreflexio, quero voliar a0 experimento de psicologia comportamental com aquela classe de ctiangas (veja p. 32-5). O resultado nos revelou que o elogio é me- Thor do que o castigo ~ uma das afirmag6es fundamentais da te- rapia comportamental. A logoterapia, em suas observagées, dé um_ passo adiante c sc interroga sobre as raz6es primitivas, sobre a “vontade de sentido”. Quando é que um professor acha que tem sentido repreender ¢ castigar? Certamente quando percebe um comportamento negativo dos alunos. E quando & que acha que tem sentido elogiar e reconhecer? Certamente quando percebe nos alunos um comportamento positivo. Quando os alunos, pois, se ‘comportam alternadamente de maneira positiva e negativa, como acontece na realidade, a inclinagio do professor para elogiar ou castigar depende, antes de tudo, de sua inclinagéo para perceber © positivo ou o negativo. Aquilo a que ele preferir voltar a aten- sao ha de desencadear sua reagio. Em outras palavras: a escolha feita por cle em face das impress6es gerais da classe decide o que ele ird escolher em seus préprios comportamentos. O professor que prefere ver em seus alunos o bom comportamento ¢ descon- siderar 0 mau comportamento, naturalmente encontrard mais ra- 37

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