O Entendimento Cultural Da Moral
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O Entendimento Cultural Da Moral
RESUMO
ABSTRACT
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Psicóloga, mestranda em educação na Faculdade de Educação da UnB, pesquisadora da área de
educação e ecologia humana, eixo de educação e subjetividade. [email protected]
Cad. de Pesq. Interdisc. em Ci-s. Hum-s., Florianópolis, v.11, n.98, p. 504-524, jan/jun. 2010
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1 INTRODUÇÃO
certas funções sociais passam a atuar recursivamente, alterando este próprio corpo
biológico. (MORIN, 2007)
Na verdade somos marginais do mundo animal, pois somos os únicos que
possuímos aparelho neural hipercomplexo, os únicos que dispomos de linguagem e
os únicos capazes de fazer reflexão. E é na pré-história, onde encontramos nossa
pré-cultura, que estão os primórdios da aventura humana que possui aspectos
anatômicos, genéticos, psicológicos e sociológicos. São eventos ainda obscuros,
contraditórios, mas já debatidos por alguns autores (DUCROCQ, 1958; LEONTIEV,
s/d; MORIN, 2002, 2007; TEILHARD De CHARDIN, 1955/1995), que marcam a
confluência de dois códigos na estruturação da humanidade: o genético e o cultural.
Nossa estrutura exclusivamente biológica passa a ser também uma estrutura cultural
há pelo menos 6 milhões de anos. O conceito de homem tem duas vias: uma
biofísica e outra psicossociocultural que se alimentam reciprocamente
permanentemente.
O animal tricerebrado (MARINO Jr., 2005; MORIN, 2007;) tem em si o desafio
de articular as demandas fisiológicas, muitas vezes urgentes, e as demandas
sociais, todas elas culturais e contextuais. Essa é a aventura que o conduz pela
linha do tempo e que o leva a elaborar as formas de entender a si mesmo e ao
mundo que o cerca. Assim nascem a filosofia, a arte, a religião e a ciência. Assim
ele gera tecnologia para seu conforto e para adaptar-se ainda mais a este planeta
diversificado e desafiante. Assim ele cria os mecanismos necessários para atender
suas demandas reptilianas, límbicas e corticais. Um ser altamente complexo, dotado
de instinto de sobrevivência, afetividade e inteligência.
Leontiev (s/d) discorre sobre os estádios de evolução do humano de uma
maneira bastante sintética. Fala de um primeiro momento situado temporalmente
entre os períodos terciário e quaternário, onde o biológico ainda é o mais
determinante, a linguagem ainda é bastante incipiente e os instrumentos são toscos
e sem forja. Um segundo momento marcaria um outro estádio, caracterizado por
várias etapas, mas que em resumo representaria um tempo ainda de domínio de leis
biológicas, todavia com transformações anatômicas derivadas de ações de produção
e de comunicação. O hominídeo desta época, já social, vive um tempo coordenado,
então, por duas leis: a biológica e a sociológica. A este período seguiria um terceiro,
que marcaria o aparecimento do Homo sapiens, que se libertaria das leis biológicas
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e construiria um mundo absolutamente social e cultural, cujas leis iriam agora dirigir
seu desenvolvimento.
A contribuição deste autor é interessante na medida em que destaca a
importância do social, particularmente o trabalho, como atividade que vai mover a
cultura, mas carece de equilíbrio entre a triádica humana de biologia, afeto e
racionalidade. Maturana (2000), por exemplo, mostra que a biologia não deve ser
desprezada, pois ela nos possibilitou, entre outras coisas, a capacidade de
associação e de validação do mundo. Ou seja, o ser cultural é em igual medida
biológico e social.
E é o pensamento complexo que vai possibilitar a integração destas diversas
facetas do uno-múltiplo humano, que são a sua individualidade como sujeito, a sua
imersão nos grupos sociais e a sua cultura. (MORIN, 2007) E para abarcar esta
complexidade faz-se necessária a integração dos saberes de várias disciplinas,
entre elas a sociologia, a antropologia, a filosofia, a psicologia, a biologia e até a
paleontologia. É nesta perspectiva transdisciplinar que este texto irá debater o tema
da moral sob uma perspectiva histórica e cultural. O primeiro passo será, então, a
construção de alguns conceitos chaves para sua posterior articulação numa
contextualização.
2 CONCEITO DE CULTURA
magnon, cujos fósseis datam de até 500.00 anos, forma o grupo daqueles que já
são considerados Homo sapiens. Fazem parte de um período onde já existe domínio
do fogo, tecelagem, pinturas rupestres, organização social complexa e processos
simbolização arcaicos anteriores à escrita. São os homens das cavernas ou homens
pré-históricos. O rótulo de embrutecidos não lhes cabe, pois possuem aspectos de
alto refinamento e sensibilidade. (LEAKEY; LEWIN, 1980)
São pré-históricos, entretanto não é possível afirmar que sejam pré-culturais.
A cultura é o que vai se agregar ao processo de evolução da vida quando emerge no
cenário planetário o Homo sapiens, ou seja, aquele que percebe que sabe e que
passa a ser sapiente. Por ser mais flexível, de mais fácil transmissão e também por
se revelar mais funcional que a adaptação genética, a cultura se incorpora à
evolução biológica, permitindo ao humano adaptar-se ao meio e também adaptar
este meio às suas necessidades e projetos. A cultura torna possível a transformação
da natureza e isso passa a ser importante no caminhar da humanidade. (CUCHE,
2002)
A carga genética humana é a mesma para todas as raças e nações. O que as
diferencia é justamente seu modo cultural e sua originalidade na forma de resolver
os problemas que lhes são colocados. As sociedades não fornecem o mesmo tipo
de solução às suas necessidades. Todos se alimentam, dormem, reproduzem-se,
comunicam-se. Mas cada grupo faz isso de uma maneira particular. A cultura seria
assim a unidade que nos diversifica enquanto espécie.
Para entender o conceito de cultura é interessante situá-lo historicamente. A
construção de um conceito mais científico de cultura tem uma história e está
basicamente ligada ao que se chama de cultura ocidental. É curioso que não exista
uma palavra semelhante em outras sociedades e idiomas. Isso não quer dizer que
estas sociedades não possuem cultura e sim que elas não estão muito preocupadas
em defini-la ou em saber se ela existe ou não. (CUCHE, 2002)
A história do estudo da cultura tem duas origens. Uma alemã e outra
francesa. No século XVIII os alemães usavam a palavra Kultur e os franceses
usavam a palavra Civilization. Esta divisão possui nuances políticas e de interesses
particulares de cada uma destas nações. A situação do período entre a burguesia e
a aristocracia é o que marca o nascimento do termo, assim como o aparecimento de
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3 CONCEITO DE MORAL
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4 CONCEITO DE VALORES
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4 Conceito de Ética
Jurandir Freire Costa (1994, p. 173.) afirma: “Costuma-se dizer que o terreno
dos valores – ou seja, daquilo que não são os fatos – divide-se em três domínios.
Um, o lógico, nos diz o que é verdadeiro e falso. Outro, a estética, o que é belo e
feio. A ética é o terceiro – e refere-se ao bem e ao mal, ao certo e ao errado.” Para
ele a ética não é abstrata e está presente na vida cotidiana de várias formas onde
quer que haja a noção de bem e de mal. A ética seria toda a ação humana que
reflete um tipo de julgamento moral acerca do que é bom ou mau ou do que é certo
ou errado. Todavia fica a questão: como saber se uma ação é boa ou má?
Na verdade o que vai qualificar uma ação é o sistema ou estrutura social no
qual essa ação é concretizada. Um sistema social não pode ser compreendido como
fechado e nem como homogêneo, mas ele possui seus fatores culturais que vão
construir os modelos e condutas. Estes sistemas possuem ainda modelos
educacionais que operam dentro deles com o objetivo de transmitir estes valores
abstratos que definem uma postura ética. As crianças internalizam as normas de sua
sociedade que, por sua vez, possui seus mecanismos de valorização de
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que o indivíduo a concretize, pois ele tem em si um constructo ético originado de sua
própria experiência de vida. A ética é assunto dialógico por excelência.
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diversos níveis de realidade que um fenômeno possui. Sua metodologia conta com
três pilares: os níveis de realidade, o terceiro incluído e a complexidade. (Idem)
A dinâmica da moral, como um conceito culturalmente determinado, encaixa-
se nesta perspectiva por possuir diferentes níveis possíveis do real, seja o nível do
grupo, do subgrupo dentro de um grupo maior, o do indivíduo que está no grupo ou
ainda o nível da humanidade como um todo que contém este grupo, todas estas
realidades possíveis do fenômeno. A lógica do terceiro incluído coloca a moral num
movimento triádico de entendimento que se compõe do indivíduo, do grupo e das
regras que movimentam este encontro dialógico subjetivo. E, por fim, a idéia de
complexidade. O entendimento cultural da moral é o retrato dinâmico de um
fenômeno complexo, pois possui as contradições, as ambigüidades, o não
reducionismo e não linearidade que caracteriza este tipo de fenômeno.
A dimensão da questão impossibilita que a mesma seja abordada por uma
disciplina somente, ou por uma disciplina com o auxílio de outras, ou por uma
disciplina que tome emprestado o método de outra. É uma questão que precisa estar
contextualizada e ultrapassando a simples medida disciplinar.
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REFERÊNCIAS
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VYGOTSKY, L. S. Formação Social da Mente. In: COLE, M. et. al. (orgs,). São
Paulo: Martins Fontes, 1991.
Ensaio:
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